CRÔNICAS

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E. E. TANCREDO NEVES – R.0.3.5.B.

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Rua Lívio Fróis Otoni, s/n – Centro Tel: (033) 3721-2502 – Almenara – M G
E-mail: escola.184519@educacao.mg.gov.br

RODA DE CRÔNICAS
DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA PROFESSOR: Victor Nogueira
TURMA: 3º ANO – INTEGRAL/INTEGRADO TURNO: Matutino/Vespertino

O FIM DO MUNDO – CECÍLIA MEIRELES

A primeira vez que ouvi falar no fim do mundo, o mundo para mim não tinha nenhum sentido,
ainda; de modo que não me interessava nem o seu começo nem o seu fim. Lembro-me, porém,
vagamente, de umas mulheres nervosas que choravam, meio desgrenhadas, e aludiam a um cometa
que andava pelo céu, responsável pelo acontecimento que elas tanto temiam.
Nada disso se entendia comigo: o mundo era delas, o cometa era para elas: nós, crianças,
existíamos apenas para brincar com as flores da goiabeira e as cores do tapete.
Mas, uma noite, levantaram-me da cama, enrolada num lençol, e, estremunhada, levaram-me à
janela para me apresentarem à força ao temível cometa. Aquilo que até então não me interessava nada,
que nem vencia a preguiça dos meus olhos pareceu-me, de repente, maravilhoso. Era um pavão
branco, pousado no ar, por cima dos telhados? Era uma noiva, que caminhava pela noite, sozinha, ao
encontro da sua festa? Gostei muito do cometa. Devia sempre haver um cometa no céu, como há lua,
sol, estrelas. Por que as pessoas andavam tão apavoradas? A mim não me causava medo nenhum.
Ora, o cometa desapareceu, aqueles que choravam enxugaram os olhos, o mundo não se
acabou, talvez eu tenha ficado um pouco triste – mas que importância tem a tristeza das crianças?
Passou-se muito tempo. Aprendi muitas coisas, entre as quais o suposto sentido do mundo.
Não duvido de que o mundo tenha sentido. Deve ter mesmo muitos, inúmeros, pois em redor de mim
as pessoas mais ilustres e sabedoras fazem cada coisa que bem se vê haver um sentido do mundo
peculiar a cada um.
Dizem que o mundo termina em fevereiro próximo. Ninguém fala em cometa, e é pena, porque
eu gostaria de tornar a ver um cometa, para verificar se a lembrança que conservo dessa imagem do
céu é verdadeira ou inventada pelo sono dos meus olhos naquela noite já muito antiga.
O mundo vai acabar, e certamente saberemos qual era o seu verdadeiro sentido. Se valeu a
pena que uns trabalhassem tanto e outros tão pouco. Por que fomos tão sinceros ou tão hipócritas, tão
falsos e tão leais. Por que pensamos tanto em nós mesmos ou só nos outros. Por que fizemos voto de
pobreza ou assaltamos os cofres públicos – além dos particulares. Por que mentimos tanto, com
palavras tão judiciosas. Tudo isso saberemos e muito mais do que cabe enumerar numa crônica.
Se o fim do mundo for mesmo em fevereiro, convém pensarmos desde já se utilizamos este
dom de viver da maneira mais digna.
Em muitos pontos da terra há pessoas, neste momento, pedindo a Deus – dono de todos os
mundos – que trate com benignidade as criaturas que se preparam para encerrar a sua carreira mortal.
Há mesmo alguns místicos – segundo leio – que, na Índia, lançam flores ao fogo, num rito de
adoração.
Enquanto isso, os planetas assumem os lugares que lhes competem, na ordem do universo,
neste universo de enigmas a que estamos ligados e no qual por vezes nos arrogamos posições que não
temos – insignificantes que somos, na tremenda grandiosidade total.
Ainda há uns dias a reflexão e o arrependimento: por que não os utilizaremos? Se o fim do mundo não
for em fevereiro, todos teremos fim, em qualquer mês…

O PADEIRO – RUBEM BRAGA

Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do
apartamento — mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma
coisa nos jornais da véspera sobre a “greve do pão dormido”. De resto não é bem uma greve, é um
lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a
tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.
Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café
vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à
porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava
gritando:
— Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a ideia de gritar aquilo?
“Então você não é ninguém?”
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera
bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir
uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para
dentro: “não é ninguém, não, senhora, é o padeiro”. Assim ficara sabendo que não era ninguém…
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para
explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também,
como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal,
quase sempre depois de uma passagem pela oficina — e muitas vezes saía já levando na mão um dos
primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que
levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo
com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu
coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; “não é
ninguém, é o padeiro!”
E assobiava pelas escadas.

Rio, maio, 1956.


— Rubem Braga, no livro “Ai de ti, Copacabana”. Rio de Janeiro: Record, 2010.

A DESCOBERTA DO MUNDO - CLARICE LISPECTOR

O que eu quero contar é tão delicado é tão delicado quanto a própria vida. E eu queria poder usar
delicadeza que também tenho em mim, ao lado da grossura de camponesa que é o que me salva.

Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por
exemplo, em aprender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em
incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo aliás atrasada em muitos terrenos.
Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais. Até mais que treze
anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa
expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os
filhos. Ou será que eu adivinhava mas turvava minha possibilidade de lucidez para poder, sem me
escandalizar comigo mesmo, continuar em inocência a me enfeitar para os meninos? Enfeitar-me aos
onze anos de idade consistia em lavar o rosto tantas vezes até que a pele esticada brilhasse. Eu me
sentia pronta, então. Seria minha ignorância um modo sonso e inconsciente de me manter ingênua
para poder continuar, sem culpa, a pensar nos meninos? Acredito que sim. Porque eu sempre soube
coisas que nem eu mesma sei que sei.

As minhas colegas de ginásio sabiam de tudo e inclusive contavam anedotas a respeito. Eu não
entendia mas fingia compreender para que elas não me desprezassem e à minha ignorância.

Enquanto isso, sem saber da realidade, continuava por puro instinto a flertar com os meninos que me
agradavam, a pensar neles. Meu instinto precedera a minha inteligência.

Até que um dia, já passados os treze anos, como se só então eu me sentisse madura para receber
alguma realidade que me chocasse, contei a uma amiga íntima o meu segredo: que eu era ignorante e
fingira de sabida. Ela mal acreditou, tão bem eu havia fingido. Mas terminou sentindo minha
sinceridade e ela própria encarregou-se ali mesmo na esquina de me esclarecer o mistério da vida. Só
que também ela era uma menina e não soube falar de um modo que não ferisse a minha sensibilidade
de então. Fiquei paralisada olhando para ela, misturando perplexidade, terror, indignação, inocência
mortalmente ferida. Mentalmente eu gaguejava: mas por quê? Mas por quê? O choque foi tão grande
– e por uns meses traumatizante – que ali mesmo na esquina jurei alto que nunca iria me casar.
Embora meses depois esquecesse o juramento e continuasse com meus pequenos namoros.

Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma
mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de
grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado
a bastante selvageria e muita timidez.

Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido
evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. Esse adulto
saberia como lidar com uma alma infantil sem martirizá-la com a surpresa, sem obrigá-la a ter toda
sozinha que se refazer para de novo aceitar a vida e os seus mistérios.

Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continua intacto.
Embora eu saiba que de uma planta brotar um flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos
da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é pudor apenas
feminino.

Pois juro que a vida é bonita.

EXIGÊNCIAS DA VIDA MODERNA – LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro. E uma banana pelo potássio.
E também uma laranja pela vitamina C.
Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do
tempo. Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é,
mas que aos bilhões, ajudam a digestão).
Cada dia uma Aspirina, previne infarto.
Uma taça de vinho tinto também. Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso.
Um copo de cerveja, para… não lembro bem para o que, mas faz bem.
O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai
perceber.
Todos os dias deve-se comer fibra. Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente.
E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão cerca de
cinco horas do dia… E não esqueça de escovar os dentes depois de comer.
Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e
enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax.
Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre
a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte
e uma. Sobram três, desde que você não pegue trânsito.
As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias
você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e
comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que
me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as
informações.
Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo,
inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo – e nem estou falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um
bichinho de estimação.
Na minha conta são 29 horas por dia. A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao
mesmo tempo!
Por exemplo, tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes.
Chame os amigos junto com os seus pais.
Beba o vinho, coma a maçã e a banana junto com a sua mulher… na sua cama.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma
colherada de leite de magnésio.
Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro. E já que vou, levo
um jornal… Tchau!

A ÚLTIMA CRÔNICA - FERNANDO SABINO

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao
balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me
assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta
busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas
recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da
convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao
episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer
nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples
espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a
cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança:
"assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto.
Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem
uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas


mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade,
na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma
negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre,
que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr
os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em
torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo,
porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou


do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no
balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel,
vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve,
concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher
suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença
ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.

O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no


pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho
que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os
três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe
remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se
mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como
um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na


fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as
velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e
sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas,
muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos:
"Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a
guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos
sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-
lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai
corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do
sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se
encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas
acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

GRANDE-AMOR-DA-VIDA – GREGÓRIO DUVIVIER

Ele conheceu o grande-amor-da-vida quando tinha quinze anos. Aprendeu num


filme que o grande-amor-da-vida só existe um. Não saía mais de perto dela. Foram
felizes por alguns anos. Acontece que o grande-amor-da-vida dele não era mais o
grande-amor-da-vida dela, e ela nem acreditava nessa história de grande-amor-da vida
nem em filmes de amor. Essas Coisas acontecem (nos filmes). Enquanto namoravam,
foi bom. Depois, ela quis terminar e viajar pelo mundo em busca de outros amores-da-
vida. Ele passou a vida investigando os outros amores-da-vida dela. Foi uma vida sem
muito amores-da-vida, porque foi vivida para que o grande-amor-da-vida dele não
tivesse outros grandes-amores-da-vida. Não deu certo. O grande-amor-da-vida dele
teve uma dúzia de amores-da-vida. Aos vinte e sete anos, ele estava deprimido porque o
grande-amor-da-vida estava se casando com um dos grandes-amores-da-vida dela. Não
deu bola para uma mulher que, se ele tivesse ouvido falar, entenderia se tratar do maio-
amor-do-mundo. Aos trinta, conheceu o amor-da-vida-inteira num bar, mas o
confundiu com uma mulher-chata-que-fala-demais. Aos trinta e dois, só viu espinhas
numa moça que, numa vida alternativa, seria o amor-mais-legal-do-mundo. A primeira
pessoa a alertá-lo desse desperdício de amores foi seu melhor-amigo. Deixou de ser o
melhor-amigo e passou a ser só mais um amigo-que-não-quer-me-ver-feliz-com-o-
grande-amor-da-vida. Aos trinta e cinco já tinha deixado passar vinte e nove sexos-
inesquecíveis e oito amizades-profundas. Aos quarenta anos, o grande-amor-da-vida
dele (quem diria, ela mesma) resolveu dar a segunda chance ao passado e reviver
aquele que foi, para ela, só primeiro-amor-da-vida. Ele precisava tanto ser feliz que não
foi. E ela voltou a procurar o grande-amor-da-vida no futuro, não mais no passado. Ele
se voltou para o presente e mal deu tempo de viver outro sexo-surpreendente. Pode ser
que o grande-amor-da-vida seja um só. Mas os amores-da-vida são muitos, e acontecem
o tempo todo - grandes, pequenos, gigantescos.

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