Acordao - 2024-06-25T141915.855

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 5

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

14ª CÂMARA CÍVEL

Autos nº. 0097952-55.2023.8.16.0000

Agravo de Instrumento n° 0097952-55.2023.8.16.0000


4ª Vara Cível de Cascavel
Agravante: M A TURATTO LTDA
Agravado: FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS MULTSEGMENTOS
NPL IPANEMA VI - NAO PADRONIZADO
Relator: Des. Subst. Antonio Domingos Ramina Junior

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO


DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO
DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E ARRESTO DE ATIVOS
FINANCEIROS. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE SUSCITADA.
ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE QUE, MESMO EM
SE TRATANDO DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA,
CARACTERIZARIA INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
RECURSO NÃO CONHECIDO NESTE PONTO. INDÍCIOS DO ABUSO
ECONÔMICO. ELEMENTOS QUE INDICAM A CONFIGURAÇÃO DE
UM ÚNICO GRUPO FAMILIAR COM INTUITO DE FRAUDAR A
EXECUÇÃO. EMPRESA QUE EXPLORA A MESMA ATIVIDADE
ECONÔMICA E USA O MESMO NOME FANTASIA DA EXECUTADA.
POSSÍVEL CONFUSÃO PATRIMONIAL EVIDENCIADA, CONFORME
ART. 50, §2º, DO CÓDIGO CIVIL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO
PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA,
DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº


0097952-55.2023.8.16.0000, da 4ª Vara Cível da Comarca de Cascavel, em que é Agravante
M A Turatto LTDA e é Agravado Fundo de Investimento em Direitos Creditorios
Multsegmentos NPL Ipanema VI – Não Padronizado.

Relatório.
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por M A Turatto LTDA contra
a decisão de mov. 29.1 proferida nos autos de Incidente de Desconsideração de
Personalidade Jurídica nº 0025802-13.2023.8.16.0021, suscitada pelo Agravado em face da
Agravante, por meio da qual o juízo a quo deferiu a tutela de urgência e decretou o arresto, via
sistema SISBAJUD, de ativos financeiros da empresa Agravante, no valor de R$ 1.185.020,58,
de forma reiterada pelo prazo de 30 (trinta) dias.

Inconformada, a Agravante pretende a reforma da decisão (mov. 1.1).


Aduz, em síntese, que está caracterizada a prescrição intercorrente, pois em 22.3.2016 o
andamento processual foi suspenso por ausência de bens passíveis de penhora, já tendo
transcorrido prazo superior a cinco anos. Ademais, afirma que a dívida objeto da execução
originária não pode ser imputada à empresa, “não caracterizando-se qualquer formação de
grupo familiar com o propósito de fraudar a execução”.

O feito foi regularmente distribuído (mov. 3.1), tendo sido proferida a


decisão de mov. 8.1, que indeferiu o pedido liminar formulado em sede recursal.

O Agravado apresentou contrarrazões (mov. 12.1), oportunidade em que


pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

Os autos retornaram à conclusão (mov. 17).

É o relatório.

Voto.

Nos presentes autos, o que se discute é a decisão proferida no mov. 29.1


dos autos de Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica nº 0025802-
13.2023.8.16.0021, pela qual o Juízo a quo apreciou o pedido de antecipação de tutela
formulado para reconhecer a existência da probabilidade do direito e risco de dano,
autorizando a determinação do arresto de ativos financeiros da parte Suscitada.

Nas razões recursais (mov. 1.1), a Agravante traz alegação não antes
ventilada no curso do Incidente, quanto à ocorrência de prescrição intercorrente que fulminaria
a pretensão aduzida na execução originária.

Destarte, ainda que se trate de matéria de ordem pública, tem-se a


caracterização de indevida inovação recursal, na medida em que a tese de impenhorabilidade
deve ser anteriormente enfrentada pelo Juízo a quo, que é competente e deve apreciar tal
questão no curso do processo executivo originário, mormente quando a parte já opôs exceção
de pré-executividade nos autos da execução de título extrajudicial nº 0009370-
02.2012.8.16.0021 (mov. 453). Eventual análise dessa matéria desde logo pelo Tribunal
importaria em indevida supressão de instância e ofensa ao princípio do duplo grau de
jurisdição, o que não é permitido pelo nosso ordenamento jurídico, ainda que se trate de
matéria de ordem pública.

Nesse sentido, já decidiu esta 14ª Câmara Cível:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO


EXTRAJUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE REJEITOU A
IMPUGNAÇÃO APRESENTADA EM RELAÇÃO AO LAUDO DE
AVALIAÇÃO. INSURGÊNCIA DOS EXECUTADOS. 1.
IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL DE MATRÍCULA Nº. 19.608 POR
SE TRATAR DE PEQUENA PROPRIEDADE. NÃO CONHECIMENTO.
INOVAÇÃO RECURSAL. TESE NÃO DISCUTIDA EM PRIMEIRO GRAU.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NO MAIS, AINDA QUE SE TRATE DE
MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, NECESSÁRIO SE MOSTRA QUE A
QUESTÃO SEJA DEBATIDA EM PRIMEIRO GRAU E OBSERVADO O
DEVIDO CONTRADITÓRIO. 2. ALEGAÇÕES GENÉRICAS ACERCA DO
SUPOSTO ERRO CONTIDO NO LAUDO DE AVALIAÇÃO. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DO DESACERTO EM CONCRETO DO VALOR DA
AVALIAÇÃO. LAUDO QUE OBSERVOU AS NORMAS DE
PROCEDIMENTO ESTABELECIDAS NO CÓDIGO DE NORMAS DA
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO FORO JUDICIAL DESTE E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA (PROVIMENTO Nº 282/2018). ARGUMENTOS
INSUBSISTENTES PARA GERAR FUNDADA DÚVIDA SOBRE O VALOR
ATRIBUÍDO AO IMÓVEL. DESNECESSIDADE DE NOVA AVALIAÇÃO.
DECISÃO MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA
PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. (TJPR - 14ª C.Cível - 0038701-
77.2021.8.16.0000 - Loanda - Rel.: DESEMBARGADORA THEMIS DE
ALMEIDA FURQUIM - J. 18.09.2021)

Em relação aos demais pedidos aduzidos pela Agravante, estão presentes


os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, razão pela qual o
recurso deve ser conhecido nesse tocante. No mérito, deve ser desprovido.

Importa frisar que no presente caso a decisão recorrida foi proferida com
base no art. 300 do CPC, que autoriza a antecipação de tutela em razão da urgência “quando
houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo”. Outrossim, a controvérsia aduzida nas razões recursais diz
respeito unicamente ao requisito da probabilidade do direito.
Como é cediço, o Código Civil de 2002 adotou a teoria objetiva da
desconsideração da pessoa jurídica, a partir da qual o abuso da personalidade se caracteriza
pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, sem que, para tanto, seja necessário
apurar eventual intenção de fraudar ou prejudicar por parte do sócio.

De acordo com o art. 50, §2º, do Código Civil, a confusão patrimonial se


verifica mediante “a ausência de separação de fato entre os patrimônios”, podendo decorrer da
transferência de ativos ou passivos sem contraprestação adequada ou de atos de
descumprimento da autonomia patrimonial.

Quanto à aparente confusão patrimonial e caracterização de empresa


familiar única, o Juízo a quo destacou que a empresa executada Turatto & Turatto Ltda. e M.
A. Turatto Eireli (Irmãos Turatto Ltda.) foram ambas fundadas por Gilmar Turatto e, apesar da
sucessão de sócios no decorrer das atividades, ambas operam com o mesmo nome fantasia e
o mesmo o objeto social (vide ata notarial de mov. 21.2).

Ademais, ao auferir a probabilidade de direito, destacou:

Ambos os estabelecimentos, como se vê das fotografias apresentadas na


petição do incidente, operam sob o mesmo nome fantasia “Posto Turatto”,
o que já constitui sério indício de confusão patrimonial e de que se trata de
empresa familiar única.

Em 17.10.2007, todavia, Gilmar Turatto se retirou da sociedade em sua


primeira alteração de contrato social, alienando parte de suas cotas a
Iracema Turatto e outra parte a Matheus André Turatto, que em julho de
2017 transformou a sociedade em EIRELI, adquirindo a totalidade das
cotas sociais.

Há sentido, assim, na alegação do suscitante de que as movimentações


societárias realizadas se destinavam a salvaguardar uma das sociedades,
sadia, desviando para ela os recursos que deveriam ser recebidos pela
outra, endividada, para assim continuar a empresa familiar no ramo de
combustíveis e lubrificantes.

Isso porque, efetivamente, é no mínimo curioso que um posto de gasolina


não apresente absolutamente nenhuma movimentação mensal a ponto de
o bloqueio via sistema SISBAJUD na modalidade “teimosinha” não atingir
qualquer ativo financeiro, e mesmo assim o posto conseguir manter
estoque e operar por cerca de um mês.

Assim, ainda que não haja prova cabal, neste momento processual, da
alegada utilização, por Turatto & Turatto Ltda. da máquina de cartão de
titularidade de M. A. Turatto Ltda. (desviando, assim, os recursos para a
outra sociedade), há no mínimo indícios veementes da prática, seja pelo
compartilhamento de nomes empresariais, seja pela impossibilidade lógica
de o posto de Turatto & Turatto Ltda. prosseguir funcionando sem rendas
ou movimento durante um mês.

Conforme frisado, para a caracterização da probabilidade do direito não é


necessária a comprovação cabal das alegações, mas apenas a existência de indícios efetivos
de que a alegada confusão patrimonial existe. In casu, tal indício foi satisfatoriamente
demonstrado, em razão das provas carreadas ao feito que denotam a formação de um grupo
empresarial único entre as empresas, com a utilização de um único nome fantasia, mas
visando obstaculizar execuções ao retirar liquidez de uma das empresas.

Vale destacar, ademais, que alterações no quadro societário não afastam,


por si só, a configuração de grupos familiares e confusão patrimonial, pois, de modo geral,
essa é justamente é a forma encontrada para burlar execuções, retirando todos os ativos
financeiros da empresa devedora em favor de outra empresa do grupo.

Por todo o exposto, voto pelo conhecimento parcial do presente recurso


de Agravo de Instrumento e, na parte conhecida, pelo seu desprovimento, ratificando a r.
decisão hostilizada que concedeu a tutela de urgência, porquanto preenchidos os requisitos
legais do art. 300 do CPC/2015.

Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 14ª Câmara


Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar
CONHECIDO EM PARTE O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO OU DENEGAÇÃO o
recurso de M A TURATTO LTDA.

O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Francisco


Eduardo Gonzaga De Oliveira, com voto, e dele participaram Desembargador Substituto
Antonio Domingos Ramina Junior (relator) e Desembargadora Substituta Cristiane Santos Leite.

15 de março de 2024

Des. Subst. Antonio Domingos Ramina Junior

Relator Convocado

Você também pode gostar