Dinâmica Mitocondrial No Câncer

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 4

Dinâmica mitocondrial no câncer

Julia Parreiras – med 2029

1. Introdução

O câncer é o principal problema de saúde pública no mundo, figurando como uma das principais causas de morte e,
como consequência, uma das principais barreiras para o aumento da expectativa de vida em todo o mundo. Na maioria
dos países, corresponde à primeira ou à segunda causa de morte prematura, antes dos 70 anos. O impacto da
incidência e da mortalidade por câncer está aumentando rapidamente no cenário mundial

O impacto do câncer no mundo, em 2020, baseado nas estimativas do Global Cancer Observatory (Globocan),
elaboradas pela International Agency for Research on Cancer (Iarc), aponta que ocorreram 19,3 milhões de casos
novos de câncer no mundo (18,1 milhões, se forem excluídos os casos de câncer de pele não melanoma). Um em
cada cinco indivíduos terão câncer durante sua vida (FERLAY et al., 2021; SUNG et al., 2021). Os dez principais tipos
de câncer representam mais de 60% do total de casos novos. O câncer de mama feminina é o mais incidente no
mundo, com 2,3 milhões (11,7%) de casos novos, seguido pelo câncer de pulmão1 , com 2,2 milhões (11,4%); cólon e
reto2 , com 1,9 milhão (10,0%); próstata, com 1,4 milhão (7,3%); e pele não melanoma, com 1,2 milhão (6,2%) de
casos novos.

Para o Brasil, a estimativa para o triênio de 2023 a 2025 aponta que ocorrerão 704 mil casos novos de câncer.

Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//estimativa-2023.pdf

O grande número de casos desta patologia pode ser explicado pela sua origem, a partir de alterações em genes do
controle do ciclo celular. A célula passa então a se proliferar desobedecendo aos mecanismos de controle, podendo
adquirir a capacidade de invadir outros tecidos.

Tais alterações que podem desencadear a alteração maligna na célula podem ser genéticas, que irão alterar
diretamente o cromossomo e o DNA, e/ou epigenéticas, que modificarão a expressão dos genes. Contudo, as
modificações no DNA e na sua expressão não parecem explicar completamente a gênese dos canceres. Diferentes
tipos de canceres possuem fatores externos que induzem ao seu surgimento. Por exemplo, o consumo excessivo de
álcool, o fumo, o sedentarismo e a exposição às radiações ionizantes são alguns dos agentes externos associados
direta ou indiretamente a muitos tipos de cânceres

Outros fatores são considerados intrínsecos ao indivíduo, como os subprodutos metabólicos – produzidos pelo próprio
organismo em seu metabolismo normal – capazes de afetar o DNA, tais como as espécies reativas de oxigênio e
nitrogênio, os produtos de peroxidação lipídica, os metabólitos de estrógeno e o colesterol, além dos radicais livres,
entre outros

2. Ciclo Celular e processo neoplásico

Neste evento de proliferação, denominado de ciclo celular, ocorrem fases de forma ordenada: G1, S, G2 e M. Em cada
uma destas ocorrem eventos específicos e necessários para a correta divisão da célula e seu material genético que
resultará em duas células filhas idênticas entre si

Organismos pluricelulares dependem de sinalização para avançar no ciclo celular, tanto de origem interna à célula
quanto externa a ela. Quando está sinalização ocorre de maneira externa a ela, a atuação de fatores de crescimento
em células com receptores de membrana específicos permite que seja deflagrado o processo de divisão celular. Os
“checkpoints” ou pontos de checagem são o sistema de controle do ciclo celular que utiliza proteínas quinases
dependentes de ciclinas (Cdks) ciclicamente ativadas.
Caso seja detectado em algum ponto de checagem, um dano qualquer à célula, haverá o desencadeamento de um
mecanismo molecular de reparo celular. Se o reparo desencadeado não obtiver sucesso – seja por excesso de danos
no DNA ou por defeitos no próprio sistema de reparo – a célula deve ser encaminhada à senescência ou até mesmo à
apoptose. Contudo, algumas células podem burlar esses mecanismos e ganhar uma sobrevida, acumulando mais
mutações em outros genes e dando início ao processo neoplásico.

3. Biologia Molecular do câncer

Em 2000, Hanahan e Weinberg definiram as seis primeiras “marcas”: a autossuficiência em relação aos sinais de
crescimento, a resistência aos sinais antiproliferativos, a evasão a apoptose, o potencial proliferativo ilimitado, a
angiogênese, a invasão a tecidos adjacentes e a metástase. Em 2011, Hanahan e Weinberg reformularam suas
“marcas do câncer” (Figura 3), acrescentando às já existentes outras quatro: a evasão à destruição autoimune, a
promoção de inflamação tumoral, a instabilidade genômica e mutação, e a desregulação da cinética celular.

Todas estas “marcas” são desencadeadas por alterações em genes que devem conferir à célula portadora a
capacidade de sobreviver e proliferar em condições as quais normalmente seriam deletérias.

Entretanto, mutações na sequência de DNA por si só não são capazes de explicar toda a diversidade de fenótipos
dentro de uma população de células cancerosas. Os fenômenos epigenéticos oferecem uma explicação adicional à
essa diversidade

4. Alterações no DNAmt e a progressão do câncer

Mitocôndrias são organelas de células eucarióticas envolvidas principalmente na geração de energia celular e na
homeostase celular, principalmente pela produção de ATP via cadeia respiratória que resulta na produção de espécies
reativas de oxigênio que podem desencadear o processo apoptótico.

lém disso, as mitocôndrias são organelas especiais na célula: elas têm seu próprio DNA, que é circular, de fita dupla e
composto por 16.569 pb, com várias cópias por organela. Tradicionalmente, as fitas de mtDNA são classificadas como
pesada ou leve dependendo da presença de um conteúdo maior ou menor de guanina. O mtDNA humano codifica 13
polipeptídeos envolvidos na cadeia respiratória e na fosforilação oxidativa da célula, além de dois rRNA e 22 tRNA
essenciais para a síntese de proteínas dentro das mitocôndrias. Há também uma região de controle, chamada de laço
de deslocamento (D-LOOP), cuja função é controlar a replicação e transcrição da molécula.
Em geral, como esta organela participa de importantes processos fisiológicos celulares, mutações ou alterações no
número de cópias de seu genoma podem levar a uma deficiência na produção de energia e grandes desordens na
célula.

“A característica principal que define as células tumorais é o seu crescimento e multiplicação descontrolados, formando
tumores. Para crescer, os tumores precisam de muita energia, e a fonte desta energia são as mitocôndrias. Logo, faz
sentido pensar que a célula tumoral utilize mecanismos que possam preservá-las. Nesse contexto a mitocôndria e seu
genoma tem um papel crucial”, disse Reis.

Segundo ele, alterações do genoma mitocondrial são comuns em muitos tipos de tumores e são descritas como
reguladoras do metabolismo oxidativo com impacto direto na progressão tumoral.

A associação entre mutações no mtDNA e câncer tornou-se um campo de pesquisa interessante desde que Warburg
descreveu mudanças no metabolismo das células cancerosas (Warburg 1956). Após a descoberta de Warburg, que
revelou que células cancerosas preferem metabolizar glicose via glicólise mesmo na presença de O2, muitos estudos
mostraram que a glicólise aeróbica é uma característica do câncer (Hanahan e Weinberg 2011; Ward e Thompson
2012; Cairns e Mak 2016; Lim et al. 2016; Pavlov e Thompson 2016; Trachootham et al. 2017).
O chamado efeito Warburg está, portanto, relacionado a defeitos causados pela fosforilação oxidativa em genes do
mtDNA, onde tais alterações induzem células cancerosas à glicólise anaeróbica.

O mtDNA está exposto a agentes ambientais, como radiações e produtos químicos, que causam alterações estruturais.
No entanto, o mtDNA é mais propenso a mutar devido à sua proximidade com a produção de alguns desses agentes,
especialmente espécies reativas de oxigênio, e assim a taxa de mutação no mtDNA é cerca de 10 a 200 vezes maior
do que no DNA nuclear.

Assim, a suposição de que mudanças no mtDNA levam a uma produção descontrolada de espécies reativas de
oxigênio, e, posteriormente, afetam a taxa de proliferação celular e apoptose. Assim, espera-se que o
comprometimento do mtDNA aumente à medida que os estágios do câncer progridem.

5. SINALIZAÇÃO MITOCONDRIAL EM CÉLULAS CANCERIGENAS PODE AJUDAR NO TRATAMENTO AO


CÂNCER

os pesquisadores descobriram uma nova função das mitocôndrias: elas acionam alarmes moleculares quando as
células são expostas ao estresse ou a substâncias químicas que podem danificar o DNA, como a quimioterapia.

“As mitocôndrias estão atuando como uma primeira linha de defesa ao detectar o estresse do DNA. As mitocôndrias
dizem ao resto da célula: 'Ei, estou sob ataque, é melhor você se proteger'”, diz Gerald Shadel, professor do
Laboratório de Biologia Molecular e Celular de Salk e da cadeira Audrey Geisel em Ciências Biomédicas.

A maior parte do DNA que uma célula precisa para funcionar é encontrada dentro do núcleo da célula, empacotada em
cromossomos e herdada de ambos os pais. Mas cada mitocôndria contém seus próprios pequenos círculos de DNA
(chamados DNA mitocondrial ou mtDNA), transmitidos apenas de uma mãe para sua prole. E a maioria das células
contém centenas – ou mesmo milhares – de mitocôndrias.

Grupo de laboratório de Shadel mostrada anteriormente que as células respondem ao mtDNA empacotado de forma
inadequada da mesma forma que reagiriam a um vírus invasor - liberando-o das mitocôndrias e iniciando uma resposta
imune que reforça as defesas da célula.

No novo estudo, Shadel e seus colegas começaram a examinar com mais detalhes quais caminhos moleculares são
ativados pela liberação de mtDNA danificado no interior da célula. Eles se concentraram em um subconjunto de genes
conhecidos como genes estimulados por interferon, ou ISGs, que normalmente são ativados pela presença de vírus.
Mas neste caso, a equipe percebeu, os genes eram um subconjunto particular de ISGs ativados por vírus. E esse
mesmo subconjunto de ISGs costuma ser ativado em células cancerígenas que desenvolveram resistência à
quimioterapia com agentes que danificam o DNA, como a doxorrubicina.

Para destruir o câncer, a doxorrubicina tem como alvo o DNA nuclear. Mas o novo estudo descobriu que a droga
também causa dano e liberação de mtDNA, que por sua vez ativa os ISGs. Esse subconjunto de ISGs, descobriu o
grupo, ajuda a proteger o DNA nuclear de danos - e, portanto, causa maior resistência à droga quimioterápica. Quando
induziram o estresse mitocondrial em células de câncer de melanoma, as células se tornaram mais resistentes à
doxorrubicina quando cultivadas em placas de cultura e até mesmo em camundongos, pois níveis mais altos de ISGs
protegiam o DNA da célula.

“Talvez o fato de o DNA mitocondrial estar presente em tantas cópias em cada célula e ter menos vias próprias de
reparo de DNA o torne um sensor muito eficaz do estresse do DNA”, diz Shadel.

Na maioria das vezes, ele aponta, provavelmente é bom que o mtDNA seja mais propenso a danos – ele age como um
canário em uma mina de carvão para proteger as células saudáveis. Mas nas células cancerígenas, isso significa que a
doxorrubicina - danificando o mtDNA primeiro e acionando os alarmes moleculares - pode ser menos eficaz em
danificar o DNA nuclear das células cancerígenas.

“Isso me diz que, se você puder evitar danos ao DNA mitocondrial ou sua liberação durante o tratamento do câncer,
poderá evitar essa forma de resistência à quimioterapia”, diz Shadel.

Referências

1. Estimativas 2023: incidência do câncer no Brasil. Ministério da Saúde; Instituto Nacional do Câncer. 2023. Disponível
em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//estimativa-2023.pdf

2. Antunes, Symara Rodrigues. ALTERAÇÕES MITOCONDRIAIS E TUMORIGÊNESE DE CÂNCER GÁSTRICO EM


Sapajus apella. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ; INSTITUTO DE CIENCIAS BIOLÓGICAS; PROGRAMA DE
PÓS GRADUAÇÃO EM NEUROCIENCIAS E BIOLOGIA CELULAR. 2018.

Disponível em: https://repositorio.ufpa.br/jspui/bitstream/2011/10236/1/Tese_AlteracoesMitocondriaisTumorigenese.pdf


3. https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/mutacoes-no-dna-mitocondrial-estao-ligadas-a-progressao-
do-cancer-de-penis/

4. https://www.salk.edu/pt/comunicado-de-imprensa/as-mitoc%C3%B4ndrias-s%C3%A3o-o-can%C3%A1rio-na-
mina-de-carv%C3%A3o-para-o-estresse-celular/

Você também pode gostar