A Cigana (HOMO) - Wind Rose
A Cigana (HOMO) - Wind Rose
A Cigana (HOMO) - Wind Rose
Quem nunca se perguntou quais surpresas o destino oculta? Quem nunca quis saber quais
mistérios se escondem por trás de encontros tão profundos?
Encontros de almas, talvez. Mas Daniela não era dessas: para ela, o futuro estava em suas
próprias mãos.
Inka bem que tentou avisar: “As escolhas são suas. Mas todas levarão você ao encontro dela”.
No entanto, Daniela era tão descrente que talvez não acreditasse nem mesmo no amor.
Inka, por outro lado, nunca se esqueceu do presságio da velha cigana: “Virá até você”.
Acreditou com tanta força que seu susto foi pequeno ao se perceber apaixonada por Daniela. Era
seu destino que chegava na forma de uma mulher.
Esta é mais uma história, como todas as outras de Wind Rose, com personagens apaixonantes,
que ficam na nossa memória mesmo muito depois de terminarmos a última página.
Um romance sensual, embebido tanto no vermelho das rosas quanto no vermelho de sangue;
tanto no vermelho dos vestidos ciganos em dança quanto no vermelho ardente da fogueira.
Um amor predestinado não necessariamente significa um amor fácil. Poderia o destino ser
entrecortado por escolhas e acontecimentos ou seria tudo parte de algo maior?
CAPÍTULO 1
Às margens do Rio Guadalquivir, saindo de Sevilha, a velha cigana caminhava a passos largos
puxando pela mão a menina que, cansada, parava a todo momento. Com um puxão firme, era
novamente colocada em marcha.
A cigana tinha em mente apenas um objetivo: livrar sua neta do subjugo tirânico de seu pai. Para
isso, a saída de Sevilha precisava ser vencida antes do amanhecer. Ainda se ouvia, ao longe, os
últimos e festivos andaluzes que amanheciam entretendo os turistas com a dança flamenca, típica
da região.
Ao aproximar-se da estrada de terra, a velha cigana balançou no ar seu lenço vermelho e fez
sinal para que a carroça se aproximasse.
– Vovó, estou com medo!
– Não tenha! Encontrará a felicidade muito longe daqui.
– Como pode saber? Não quero ir embora!
– Apenas sei... E você saberá também. Precisa ir!
– Como... Como sabe?
– Virá até você!
– Quem?
– Seu destino, Inka... Seu destino...
– Mas e... Ele... Ele pagou para casar comigo... Como meu pai vai...?
– Inka... Seu pai devolverá o dinheiro a ele. Agora vai!
A menina, com os olhos marejados, ouviu assustada o trote dos cavalos e viu o carroceiro se
aproximar. Ele freou os cavalos ao lado das duas ciganas e, com a firmeza da experiência,
bradou:
– Tem certeza, velha?
– Tenho, tire-a daqui! E faça da mesma forma que fez com Vana há 10 anos.
– A viagem é difícil...
– Não importa!
– O navio parte à noite... Não tem volta!
– Leve-a... Depressa! – Terminou de falar e estendeu ao carroceiro um envelope. Ele
imediatamente o abriu e contou algumas notas em dinheiro. Antes de ajudar a menina a subir, a
cigana mais velha segurou-a pelos ombros e a fez encará-la. O olhar negro da jovem cigana
refletia o pavor que ela estava sentindo.
– Inka, não se desvie no caminho. Procure sua tia Vana. O endereço está na sua bolsa. Entregue
a ela a carta que está junto e nunca mais volte aqui. Vá ao encontro do seu destino!
Empurrou a menina para cima da carroça e fez sinal para que o carroceiro seguisse. Ficou por
alguns instantes vendo sua neta se afastar. Secou as lágrimas que molhavam seu rosto. Sabia que
não havia outra saída, tinha que mandá-la embora.
***
14 anos depois, algum sábado do mês de janeiro, do outro lado do Atlântico.
No domingo de manhã, Inka chegou ao shopping antes dele abrir. Iria direto para sua loja para
vestir-se conforme a ocasião pedia, carregava consigo a bolsa com as roupas e acessórios que
usaria. Enquanto esperava o elevador no estacionamento, concentrava-se no que tinha para fazer.
Apesar de não concordar com esse tipo de evento em shopping, sabia que as pessoas que
estariam lá buscavam saber coisas sobre suas vidas e isso a fazia sentir-se com uma
responsabilidade muito grande. Tinha sensibilidade e intuição para ver coisas que a maioria não
conseguia, mas sabia também que esse dom tinha que ser canalizado para ajudar, e isso era a
parte mais difícil, pois como saber se com as informações que dava às pessoas as estava
ajudando? Como saber de que forma as pessoas usavam as informações que recebiam? Isso muitas
vezes tirava-lhe o sono. Utilizava a quiromancia como um inteligente esquema de orientação sobre
o corpo, a mente e o espírito; sobre a saúde e o destino. E não como um mero sistema de
adivinhação, como muitos pensavam.
Entrou no elevador imaginando o dia que teria pela frente, pois era desgastante demais abrir
esse canal e conseguir estabelecer a comunicação com o universo das mais diferentes pessoas que
traziam consigo diversos questionamentos e problemas. Sempre que o fazia era nos momentos em
que sua intuição lhe dizia que era necessário fazê-lo, mas nesse caso seria diferente. O elevador
parou e, neste momento, arrependeu-se de não ter descido pelas escadas.
– Bom dia, Inka!
– Olá, Raul.
– Ora, ora... Tão cedo? E no domingo? Normalmente não trabalha domingo, que houve?
Suspirou com a pergunta irônica de Raul.
– Hoje irei – limitou-se a responder.
O elevador parou e ela desceu. Ele a seguiu.
– Inka. Espera... Vamos conversar.
– Não posso agora, Raul. Tenho compromissos e já conversamos tudo que tínhamos para
conversar – falou sem olhar para o lado. Ele a puxou pelo braço... E a fez parar.
– Está com ele, não é? Aquele Lucas, vocês estão sempre juntos!
– Raul, me solta!
– Responde! Me deve isso. Estão sempre juntos. Me deixou por causa dele, não é?
– Não devo satisfações da minha vida, Raul, mas Lucas é meu amigo! Me solta! – Puxou o braço
e continuou andando. Ele não desistiu:
– Você não vale nada, Inka! Devia ter ouvido o que todos me diziam de você!
Ela parou de forma abrupta e olhou para ele.
– O que seus amiguinhos riquinhos falavam, Raul? Não! Não diga, vou tentar adivinhar...
Colocou a mão livre na cintura e disse, tentando falar sem o sotaque espanhol, em vão, pois a
indignação o acentuava:
– “O que você faz com essa cigana, Raul? Ela vai te roubar! Essa gente não presta”. Era isso que
diziam Raul?
Virou as costas e continuou andando.
– Sim! Mas não é a isso que me refiro. Diziam outra coisa, que sou obrigado a concordar. Você é
uma vadia! Uma cigana vadia. – A última afirmação foi aos gritos.
A acusação a fez parar. Ela virou-se e limitou-se a caminhar até ele, lentamente e de forma
sensual, deixando-o sem ar. Aproximou-se o suficiente para o cheiro dela inebriá-lo. Ela tinha plena
consciência do que causava. Viu-o fechar os olhos e falou como se soprasse as palavras próximo
ao seu rosto:
– Uma cigana vadia... Que você quer de volta, não é? Mas ouça com atenção: não terá!
E se afastou deixando-o parado, olhando-a, extasiado daquela proximidade que ele tanto
desejava novamente.
Às 10 horas, Inka atendeu o primeiro cliente. Percebeu entre um e outro que o movimento do
lado de fora estava intenso. A maioria das pessoas tinha praticamente as mesmas preocupações e
indagações.
A senhora perguntou: “Quero saber se meu marido me trai”. A jovem só queria saber: “Vou
casar com João?” A moça preocupada com o futuro indagava: “Quantos filhos vou ter?” E o homem
nervoso se limitou a perguntar: “Vou conseguir esse emprego?” E, como sempre acontecia, perdeu
a noção do tempo.
Depois de muitos clientes, recebeu um rapaz, que achou extremamente simpático, bonito e
delicado. Queria saber se o namorado o traía com o melhor amigo, e fez a pergunta constrangido.
Inka sorriu enquanto segurava sua mão. Ela o tranquilizou e, depois de alguns minutos, ele ficou à
vontade. Conversaram por quase meia hora e ela falou a ele que não se preocupasse em
descobrir isso, pois existem muitas mudanças que chegam causando um terremoto em nossa vida,
mas depois percebemos que o movimento ruidoso serviu para desalojar determinadas certezas e
trazer outras. Disse a ele que, em breve, encontraria um amor sincero. Ele pediu uma simpatia para
atrair bons fluidos e esse amor que ele tanto queria viver, pois confessou que não amava o atual
namorado e sonhava em viver um grande amor. Ela sorriu.
– Certo... Faça o seguinte: antes de sair de casa, quando for tomar seu banho, pegue uma rosa
vermelha e deixe-a ferver por alguns minutos em um litro de água. Deixe esfriar e acrescente uma
colher de mel puro. Misture e jogue essa água por todo o corpo. E só depois tome seu banho.
– Vai funcionar? – Ele riu constrangido.
– Depende mais de você do que de mim...
Estendeu a mão e colocou, delicadamente, os dedos em sua testa. Completou com sua voz suave
e sotaque formando um conjunto magnetizante, olhando-o nos olhos:
– Sua vontade é aliada de seu destino. Não se esqueça disso.
Ele ficou por alguns instantes preso naquele olhar negro... Profundo. Até que ela se moveu e
desviou o olhar... Levantou-se indicando que a consulta havia terminado. Ele fez o mesmo.
Perguntou o preço ainda extasiado, ela indicou a caixa colorida sobre a mesa ao lado e disse:
– Não tem preço, deixe o que quiser e puder.
Ele colocou uma nota generosa em dinheiro e despediram-se. Antes de sair, ele se virou para ela
e falou que sua amiga entraria logo depois.
– Ela não acredita muito. Portanto não liga se ela for meio... Meio...
– Descrente? – respondeu enquanto sentava-se do outro lado da mesa para aguardar o
próximo.
Ele riu.
– Ia dizer... Estúpida.
Riram juntos.
Inka não precisou levantar os olhos... Foi como se soubesse quem estava à sua frente. Naquele
momento, flashes do olhar de sua avó vieram imediatamente em sua mente. Lembrou-se do dia que
subiu na carroça com destino incerto.
Destino... Destino... Destino...
Essa palavra martelava em sua mente. Levantou os olhos... E encarou aquele olhar. Foi tomada
pela surpresa. A mulher alta, parada à sua frente, era a materialização de suas lembranças. Viu o
sorriso disfarçado de segurança mais lindo que jamais vira na vida e o medo do que sentiu se
apossou de todo seu ser. Pela primeira vez, travou uma batalha contra sua intuição... Não queria
ver.
“Virá até você”. Lembrou-se imediatamente das palavras. Estava ali, parada na sua frente. Não!
Sua felicidade não poderia ser na forma de uma mulher... Linda. Com um olhar que a invadia,
expondo o que há tempos estava guardado e revelando sobre si o que não sabia. Os traços finos
terminando nos lábios grossos convidativos, ombros largos fazendo jus ao corpo atlético... Não!
Balançou levemente a cabeça na tentativa de mudar o foco de seu pensamento. Sentiu vontade de
tomar a narrativa de sua existência em suas próprias mãos, pois precisava, naquele momento,
mostrar ao destino que ele estava enganado. Mais algumas descobertas e...
“Percebi que, em situações de descontrole emocional, todos os poderes que acredito que tenho
vão parar em algum lugar que ainda não descobri onde fica... Ela continua me olhando de forma
indecisa, não sabe se entra ou se dá as costas e vai embora... Percebo que a ação tem que ser
minha”.
– Sente-se – conseguiu dizer.
***
Daniela corria pela plantação de trigo ao lado da mulher morena, cujos cabelos negros voavam
ao vento e faziam um contraste luminoso com o amarelo da paisagem... Aproximou-se dela e virou-
a. Antes de poder vislumbrar o rosto que a atormentava noite após noite, acordou assustada. O
celular anunciava a realidade em outra dimensão. Acordou... Mas manteve os olhos fechados,
tentando se localizar.
– Atende isso, Dani! – Ouviu a voz rouca ao lado.
– Atende logo! – Outra voz... Do outro lado. As duas mulheres, uma de cada lado dela, se
moveram na cama.
Olhou para o lado esquerdo, para o lado direito. Deu-se conta de onde estava e imediatamente
sua mente e seu corpo informaram-na o que tinha acontecido naquela cama... Sorriu. Tentou sair do
meio delas, primeiro pelo lado esquerdo, mas a loira a puxou e segurou-a num beijo quente.
– Angélica... Para! Meu celular – murmurou no meio do beijo. Livrou-se e saiu pelos pés da cama.
Atendeu.
– Oi.
– Dani! Caralho! Tô te esperando há horas! – Imediatamente reconheceu o dono da voz ansiosa
do outro lado.
– Paulo? Calma! Acordei agora, não grita...
– Tá onde? Em que puteiro se enfiou?
– Em casa.
– Mentira! Já liguei!
– Ok! Não tô... Mas também não interessa... Onde você está?
– No shopping te esperando, minha linda... Como combinamos. Lembra? – A ironia marcou a
frase inteira.
– Em meia hora estarei aí. – Desligou e correu para o banho.
O shopping estava lotado. Impacientemente, Daniela aguardou que a fila do estacionamento
andasse. Maldisse o momento em que concordara em vir ao shopping num domingo de manhã,
somente uma pessoa no mundo poderia convencê-la disso e ele estava lá aguardando ansioso.
Assim que Paulo a viu na escada rolante, acenou de forma espalhafatosa. Daniela sorriu e,
divertindo-se, disse para mulher atrás de si:
– Meu namorado...
Recebeu um sorriso sem graça da mulher. Paulo a recebeu com um beijo no rosto.
– Ai! Que demora, Dani!
– Nem vem. Já me fez sair da cama num domingo de manhã, ainda queria que eu madrugasse?
Me poupe!
– Ah! Fiz um favor pra você. Tirei-a da cama daquela piranha. Vem!
– Não fala assim, Angélica é... É...
– Piranha!
Sem responder, Daniela deixou-se puxar pelo braço. Paulo conduziu-a em direção a uma das
praças do shopping e pararam diante das várias tendas armadas formando um círculo ao redor
de um ambiente esotérico com sofás, almofadas e incensos. Espirrou várias vezes.
– Aqui que eu fico – disse e se jogou em uma das almofadas... De frente para uma ruiva que a
olhava desde a hora que chegaram ao ambiente esotérico.
– Já volto e não mexa em nada – falou brincando enquanto ela lhe mostrava o dedo do meio
disfarçadamente. Afastou em direção a uma das tendas onde uma cigana entregava senhas.
Retornou em seguida.
– Conseguiu?
– Sim! A minha é número oito e a sua é nove.
– Quem disse que eu quero?
– Quer sim!
– Não quero não. E não vou ouvir bobagens de cigana nenhuma.
– Daniela Ferreira! Vai sim! Quem sabe ela diz pra você onde está a mulher da sua vida?
– Não estou procurando ninguém – Daniela repreendeu. Ele respondeu, devolveu-lhe um sorriso
incrédulo e complementou:
– Pois não parece. – E sinalizou com o olhar para a ruiva.
– Quer parar?
– Parei. Mas eu procuro, procuro respostas... Quero saber se Pedro Henrique está me traindo –
falou enquanto tentava acomodar-se melhor nas almofadas ao lado dela.
– Pois eu te dou essa resposta e não cobro nada!
– Quero saber quem é!
– Pra quê? Termina logo, não gosta dele mesmo!
– Não sei por que quero saber, mas quero... – Olhou para o teto do shopping e falou de forma
invocadora: – Quero saber do meu destino.
Daniela olhou para a mesma direção que ele e a luz lhe incomodou a visão. Respondeu
colocando os óculos escuros:
– Esta cigana vai é te vender um monte de badulaques e te falar muitas bobagens.
– Não acredita em destino?
– Não!
Depois de um longo tempo de espera, o número de Paulo foi chamado. Daniela quase dormia
nas almofadas.
– Me deseje sorte.
– Se já está escrito... Não vai precisar, mas mesmo assim... Boa sorte!
Daniela viu o amigo sumir no interior da tenda e ficou observando o movimento das pessoas que
saíam e entravam nas diversas opções, videntes, tarólogas, quiromancias, mapas astrais e pais de
santo... Ficou imaginando o que levava as pessoas a perderem seu tempo em busca de respostas
que não existiam. Nunca havia acreditado em destino, tampouco em previsões ou vidências. Sempre
tinha sido cética. Acreditava naquilo que suas escolhas lhe proporcionavam. Enquanto observava o
movimento das pessoas, lembrava-se da noite maravilhosa com as duas mulheres... “Tenho que
repetir”, pensou. A ruiva caminhou em direção a uma tenda onde se lia “Tarô e búzios”. Daniela a
acompanhou com o olhar. A ruiva sorriu para ela antes de entrar na tenda. Daniela correspondeu
e suspirou pensamentos.
Quase trinta minutos depois, Paulo saiu da tenda e caminhou em direção à Daniela. Falou
colocando a mão na boca como se contasse um segredo... Sussurrando:
– Ela é ótima!
– Imagino.
– Número nove! – a cigana das senhas gritou.
– Vai! – Paulo incentivou.
– Não quero!
– Vai sim! – Puxou Daniela da almofada e empurrou-a em direção à tenda.
Quando a cigana puxou o pano levantando a lateral para que Daniela entrasse, o cheiro de
incenso invadiu-a. Aspirou, espirrou e entrou... E uma sensação estranha tomou conta dela, como se
naquele momento o mundo exterior se tornasse algo sem conexão com o interior daquela tenda, e
Daniela, pela primeira vez, sentiu-se como se tivesse vivido até ali como coadjuvante em sua
própria vida. Sempre tinha visto sua existência de fora para dentro e, pela primeira vez, fez o
caminho contrário.
CAPÍTULO 2
Sorri, sem graça. Um arrepio percorreu-me das costas aos cabelos quando o olhar daquela
cigana instalou-se no meu... Pensei em sair, mas não consegui me mover, tampouco desviar o olhar.
Uma imensidão escura e profunda me dominava completamente. Sua voz suave me indicou o
próximo passo.
– Sente-se. – Atendi-a sem domínio do meu corpo. Seu olhar não se desviava, nem o meu.
– O que procura?
– N... Nada.
– Então não posso ajudá-la. – Sua voz soou suave novamente, carregada com um sotaque
espanhol inebriante, combinando com a figura quase transcendental em minha frente... Linda. A
cigana baixou o olhar para a mesa onde suas mãos com anéis de pedras coloridas pousavam
abertas fazendo conjunto com as pulseiras que ornavam seus pulsos.
– Meu amigo insistiu para que eu entrasse e... E...
– Veio me testar? – falou baixo. Levantou os olhos novamente em minha direção.
Não entendi e perguntei:
– Co... Como?
– Não acredita em nada que não consegue ver ou explicar, não é? E está colocando em dúvida
tudo o que faço aqui. – A cigana lia meu pensamento sorrindo. Os olhos negros faziam par com os
cabelos que caíam totalmente lisos em seu peito, escondendo o que meus olhos tentavam ver
naquele decote profundo... Disfarcei.
– Percebo que me enganei, pois está lendo meu pensamento. – Retribuí o sorriso.
– Não... Não tenho esse poder. Seu amigo me disse.
– Ah! Claro! Meu amigo...
Ela levantou e me deu a visão mais linda que já vi na vida. A sensualidade dos movimentos e os
sons das pulseiras combinando com um vestido vermelho que descia justo até a cintura e levemente
mais largo até o chão... Na cabeça um lenço, também vermelho, cobria-lhe parte dos cabelos, um
pequeno nó separava as pontas que lhe caíam pelas costas acompanhando aquela cascata negra.
Vários colares que terminavam naquele decote provocante, dando a impressão de que os seios
queriam se ver livres daquela prisão. Tentei me controlar para que ela não percebesse o quanto
sua imagem me deixava perturbada. Se aproximou pelo lado.
– Levante-se... Por favor! – A suavidade da voz e do sotaque faziam par com a leveza dos
movimentos.
Atendi imediatamente, afastei a cadeira e fiquei de pé, na sua frente. Era um pouco mais baixa
que eu. Ela pegou minha mão. Senti o calor das suas, que contrastava com o suor das minhas.
– Está nervosa? – Encarou-me novamente. Um olhar que me desnudava a alma. Colocou a mão
no meu pulso, por alguns instantes, e depois segurou minha mão fazendo com que a parte interna
virasse para cima.
– N... Não! – consegui balbuciar.
– Como é seu nome? – perguntou no momento em que deslizou os dedos pela palma da minha
mão aberta. Pensei que ia perder os sentidos com aquele toque.
– Da...niela.
– Daniela – repetiu com aquele sotaque fazendo-me ouvir meu nome como se fosse a primeira
vez e baixou os olhos para minha mão. Passou novamente os dedos no centro, não suportei e
suspirei alto. Olhou para minha mão por alguns instantes.
– Já encontrou o que procura – falou baixo para si mesma.
– O que... Que disse?
– Que sua busca chegou ao fim. E... – Fez uma pausa e seu olhar parou dentro da minha mente.
Continuou: – É correspondida...
– Do que está falando? Eu não estou procurando nada... Nem ninguém – falei sorrindo, nervosa.
Ela respondeu calmamente, como se as palavras saíssem sem que ela quisesse:
– Suas vidas se encontraram aqui. E... Já está acontecendo. – Passou novamente o dedo na
palma da minha mão, parando em um determinado ponto... Senti um calafrio subir-me nas costas e
parar no último fio de cabelo.
– Impossível, não sei do que está falando. – Puxei minha mão. Ela pegou-a novamente e
continuou falando como se não fosse ela... Mas o sotaque me dava certeza de que era.
– Talvez ainda não saiba. Mas vai saber... Alguns eventos lhe mostrarão... Não será fácil, pois
terá que enfrentar seus próprios medos e rever muitas convicções.
Continuou olhando para minha mão e tive a impressão de que se assustou com o que via, pois a
largou e deu um passo para trás... Esperei. Ela levantou o olhar e senti como se uma noite escura
me envolvesse, ouvi o som das estrelas faiscando no fundo daquele olhar. Minha racionalidade, que
havia me abandonado desde que entrei naquela tenda, deu sinal de vida... Desviei de seu olhar.
– Desculpa... Mas... Mas...
– Eu sei. Não acredita – falou sorrindo... Lindamente.
– Tenho sim algumas convicções e... E... Acho que minha vida depende das escolhas que faço e
não acredito que elas estejam pré-determinadas. Desculpa.
Continuou sorrindo sem desviar seu olhar do meu. Me sentia presa naquela imensidão. Por um
momento, ficou em silêncio, sua expressão se tornou séria e novamente falou como se não fosse ela:
– Sim... As escolhas são suas. Mas todas levarão você ao encontro dela.
Terminou de falar e respirou fundo como se precisasse de ar, de fôlego.
– Você falou... Falou “dela”?
– Falei? Sim... Se foi o que ouviu.
– Realmente meu amigo fala demais.
Ela ficou em silêncio. Seus olhos não se desviavam dos meus.
– Não precisa acreditar em mim... Vá! Siga sua vida. As coisas acontecerão na hora que tiverem
que acontecer – falou quase que com rispidez, acentuando o sotaque. Como se quisesse que eu
saísse logo dali.
Tirei do bolso uma nota de cinquenta reais e estendi a ela:
– Quanto devo a você? – A pergunta saiu estranha.
– Nada!
– Mas... Mas... Você não vai cobrar?
– Não veio buscar nada... Não lhe dei nada! Adeus!
– Obrigada mesmo assim. – Me virei para sair da tenda, mas...
– Daniela...
– Sim? – Me virei para ela.
– Lembre que sempre que fizer uma escolha estará acionando novos acontecimentos a sua vida.
E... Tome cuidado com elas, pois...
Silêncio. Não completou.
– Cuidado com o quê? Não entendi.
Sorriu.
– Apenas tome cuidado.
Saí com a sensação de que a veria novamente. Algo estranho me perturbava.
Paulo veio rapidamente em minha direção.
– Como foi?
– Não... Não sei. Ela falou coisas estranhas. E com você?
– Vou te contar. Durante o almoço, pois estou morrendo de fome. Vamos?
Contou-me tudo o que a cigana havia lhe dito: não confirmou a traição de Pedro, mas disse-lhe
que a vida lhe reservava muitas alegrias ao lado de alguém que ainda estava por vir. Contei
algumas coisas que ela me falou, mas sem detalhes. Não saberia o que contar.
– Ela falou de Angélica?
– Por que falaria?
– Ah, sei lá. A mulher não sai do seu pé. Ou melhor, da sua cama.
– Que implicância você tem com ela. Se eu não te conhecesse, ia dizer que está com ciúmes –
falei debochando.
– De Angélica? Nunca! Se fosse da Pâmela ou da Kamila. Mas de Angélica? Jamais! Conta aí:
que aconteceu ontem? Saiu do bar com ela e com aquela morena? Vai me dizer que...
– Não vou te dizer nada.
Ele deu uma gargalhada, mas controlou-se colocando a mão na boca.
Angélica era filha de um grande construtor da cidade e nos conhecemos na ocasião em que
nosso escritório de engenharia foi contratado para fazer o projeto de um dos prédios da
construtora. Angélica trabalhava como administradora da construtora do seu pai. Conhecemo-nos
num dia e no outro transamos no banheiro da sala dela. Foi tesão à primeira vista. Era uma loira
deslumbrante, e nossa relação a partir de então passou a ser estritamente sexual. Ela sabia que eu
saía com outras mulheres, assim como eu sabia que ela fazia o mesmo. E, às vezes, saíamos com
outra... Juntas. Como na noite anterior.
Ficamos no shopping o restante da tarde e, depois de rirmos muito de tudo, decidimos ir embora.
Nos despedimos no estacionamento.
Aquela noite, não só as palavras da cigana ficaram martelando em minha mente, mas todo o
conjunto da obra. Lembrei-me daquele olhar enigmático, dos movimentos que davam a impressão
de que ela flutuava, do toque em minha mão, aquele sotaque que me transportava a outra
dimensão. Levei a mão até os lábios e meus olhos se fecharam na intenção de resgatar o cheiro, a
maciez, o som dos seus movimentos. Lembrei-me daquele decote... Imaginei os seios, fui descendo
até a cintura e fantasiei sem pudores o que faria. Senti-a presente, e apenas quando abri os olhos
percebi que não. Tomei duas taças de vinho e liguei para Daniel, meu irmão. Contei o dia que tive
no shopping com Paulo, falei da cigana. Omiti minhas impressões libidinosas, ele riu muito do fato
de eu ter aceitado entrar na tenda e ter me submetido à consulta, tentando imaginar meu
comportamento diante de revelações. Nos despedimos com a promessa de que eu contaria tudo
com detalhes no dia seguinte no escritório. Depois liguei para minha mãe e encerrei meu dia. Dormi
com a cigana no pensamento.
***
Logo após a última consulta, saí do shopping esgotada. Lucas e minha tia me esperavam para
jantar em casa. Contei a eles o dia e sobre alguns casos pitorescos que ocorreram, sem detalhar
nada sobre a vida de ninguém.
– Você deve estar cansada, Inka. Vou para casa e conversaremos amanhã. Espero você no café.
– Sim. Vou até lá e tomamos café juntos. Sei que de manhã você não pode sair. – Minha voz saiu
cansada.
– De manhã não posso mesmo. Mas fico muito feliz por isso. O movimento no café aumentou
consideravelmente depois que mudei para o térreo. E agradeço a senhora por isso – falou
colocando a mão no braço de minha tia, que sorriu retribuindo o carinho.
– Lucas, não preciso ser vidente para saber que o seu faturamento aumentaria se mudasse para
o térreo – ela respondeu com bom humor e sotaque carregado.
– Não chamo de vidência, mas de assessoria. Foi fundamental a sua informação sobre os
problemas com o antigo proprietário – falou e se arrependeu.
– Tia! Não acredito que fez isso! – falei imediatamente, pois não concordava com a forma como
ela utilizava sua intuição privilegiada.
– Ora, Inka, apenas disse a Lucas que o Arthur estava com problemas financeiros e que, se ele
fizesse a proposta na hora certa, fecharia o negócio.
– Claro! Claro! – Lucas tentava amenizar o estrago que tinha feito.
– Conheço bem vocês dois... Mas hoje não estou em condições de argumentar sobre ética. Vou
pra cama. Boa noite.
– Não vai contar sobre a discussão com o seu namorado? – Lucas perguntou de forma irônica.
– Não estou mais namorando Raul e você sabe disso. Amanhã eu conto.
Levantei e me despedi de Lucas com um beijo no rosto. Fui até minha tia e fiz o mesmo. Deixei os
dois na sala e fui para meu quarto. Na cama, fiz um esforço para não trazer à mente aquela que
a preencheu desde o momento que a vi, mas foi inútil. Lembrei todos os movimentos que ela fez
desde que entrou na tenda, apesar do constrangimento aparente, mas nada submissa, pelo
contrário: deixou claro sua personalidade, a atitude franca, o olhar inquisidor, porém sem a ironia
comum às pessoas descrentes. Tentei localizá-la naquele momento, meu pensamento me conduziu
aos detalhes que tentei omitir de mim mesma... Os ombros largos se harmonizando com braços e
abdômen definidos, a pele suave e quente, a voz que me desconcentrava a todo momento... Quase
sucumbi àquela excitação que me tomava, mas dormi travando uma batalha interna entre a
vontade de lembrar e a obrigação que me impus de esquecer.
CAPÍTULO 3
Os eventos que se sucederam após aquele estranho encontro em nada lembravam as palavras
da cigana, pelo contrário. Retomei minha vida que, por sua vez, seguiu o curso que me pareceu
totalmente sob meu controle e vontade. As palavras da cigana ficaram esquecidas em algum local
de minha mente em que, conscientemente, as coloquei. Continuei dedicada ao trabalho e às
conquistas. A facilidade com que as mulheres apareciam na minha vida se igualava à forma como
desapareciam. Não me ligava a ninguém por muito tempo. Angélica já estava me causando aquela
sensação que tanto abominava... A de rotina. Assim, os encontros se tornavam mais raros, comecei a
inventar desculpas e, quando nos encontrávamos, eu já estava em companhia de outra.
***
Entendi a situação como efeito da confusão e total descontrole emocional que me encontrava em
virtude da pressão que recebera de Raul naquela manhã, assim como da quantidade de pessoas
que entraram na tenda e me traziam diferentes emoções. Percebi que meus sentidos me traíam em
situações de desgaste emocional. Assim, tratei de esquecer o episódio e a mulher que me fez
perder, por alguns momentos, as minhas convicções sobre minhas próprias emoções e interesses no
que se referia à minha sexualidade. Era assediada por muitos homens e, na maioria das vezes, me
esquivava delicadamente dos convites que recebia para sair. Embora sentisse certa atração por
alguns, evitava encontros que sabia que seriam apenas com o intuito de sexo. Para mim, o sexo
tinha que ser acompanhado de amor. E esse foi um dos motivos que me fez terminar com Raul, pois
depois de oito meses de namoro, percebi que o que sentia por ele nada mais era do que carinho e
amizade. Mas, apesar de acreditar que era bem resolvida com relação à minha sexualidade,
procurei firmá-la das mais diferentes formas. Saí com alguns homens que considerei
corresponderem ao meu par ideal, mas até o momento nenhum havia conseguido mais do que um
jantar ou um cinema sem maiores envolvimentos. O que para mim não era problema, pois tinha
certeza que em algum momento o amor viria até mim. Tinham sido estas as palavras de minha
avó... Há muitos anos.
Mas o destino, aliado do tempo, sem pressa tratou de costurar nas suas reentrâncias mais
escondidas o caminho, cuja porta foi aberta em algum lugar do passado e por algum evento que,
inconscientemente, foi acionado por nós duas. Apesar da descrença dela e a minha negação, não
havia mais volta. Mas nós... Ainda não sabíamos.
***
As informações nos levaram até o corredor onde estava uma senhora que, pelo vestido, percebi
ser cigana. Assim que nos aproximamos, ela me olhou e imediatamente falou:
– Foi você?
A pergunta me pegou de surpresa... Respondi de forma ríspida:
– Fui eu o quê?
Ela sorriu...
– Calma, não estou te acusando... Apenas perguntando. Foi você que se envolveu no acidente
com minha sobrinha?
O forte sotaque espanhol me deu certeza de que ela se referia à cigana. O olhar daquela
senhora me tranquilizou. Senti ternura, cumplicidade e algo que me fez sentir vontade de conhecê-
la, conversar com ela... Não consegui entender.
– Sim, fui eu sim. E... Como ela está?
– Estou aguardando, pois ela entrou para fazer uma radiografia do joelho. – Acho que
percebeu meu olhar assustado, logo completou: – Mas não é nada grave, tenho certeza. – Sorriu
amavelmente e complementou: – E os médicos também.
Correspondi ao sorriso dela.
– Como se chamam, filhos?
– Meu nome é Daniela, e este é meu irmão Daniel.
Daniel se aproximou e estendeu a mão a ela.
– Prazer, senhora...?
– Vana. Meu nome é Vana, e o prazer é meu.
– Vamos nos sentar e aguardar então.
Daniel conduziu-a ao sofá que havia no corredor e eu fiquei observando aquela mulher se
afastar. “Ciganas! O que mais vem pela frente ainda?”, pensei, pois tinha opinião formada sobre
elas e, assim como a maioria das pessoas que conheço, essa opinião não era das melhores.
Caminhei até onde estavam e sentei ao lado deles.
Em menos de uma hora, Daniel fez um resumo de nossa vida. Contou que nossos pais moravam
no interior do estado, que tínhamos um escritório de engenharia no centro da cidade, que éramos
dois engenheiros e mais um arquiteto, Paulo, nosso amigo. Falou que morávamos juntos, mas que há
dois anos ele havia decidido viver com a namorada, portanto eu morava sozinha. Disse que tinha
32 anos, que eu tinha 28. Àquela altura, eu já estava impaciente. Não aguentava mais ouvir as
risadas de meu simpático irmão e da cigana. Queria saber, ou melhor, ver a outra. De repente
perguntei:
– Como é o nome dela? – Os dois me olharam surpresos.
– Minha sobrinha chama-se Inka – a cigana respondeu sorrindo. Paulo me repreendeu com o
olhar.
– Será que vai demorar muito ainda? – perguntei.
– Filhos, não precisam esperar, digo a Inka que estiveram aqui – a cigana falou.
– Não. Esperaremos mais um pouco – respondi rapidamente.
– A conversa está ótima. Por mim não tem problema, mas conte-nos de vocês.
Meu irmão, como sempre, simpático.
– Bem... Estamos no Brasil há alguns anos. E, como já perceberam, somos ciganas, pertencemos a
uma região da Andaluzia, na Espanha. – Ela baixou a cabeça, percebemos constrangimento, sorriu
e continuou: – Temos uma loja no shopping de artigos esotéricos. Minha sobrinha que toma conta,
ajudo-a sempre que possível, me dedico mais a... Bem... Gosto de cultivar ervas medicinais e tenho
em casa um pequeno herbário que me toma o tempo. E também atendemos muitas pessoas que
buscam ajuda e conselhos... E assim vamos dividindo as tarefas.
Nesse instante, a porta se abriu e passou por ela um homem de branco, que deduzi ser o
médico, empurrando a cadeira de rodas na qual ela estava sentada. Assim que nos viu, levantou-
se:
– Não preciso disso – falou tentando firmar-se, mas não conseguiu. Meu irmão rapidamente a
segurou. Fiquei parada assistindo à cena. Nossos olhares se cruzaram... Caminhei em sua direção.
CAPÍTULO 4
Quando a vi parada no corredor, senti vontade de voltar imediatamente pela mesma porta que
havia passado. Levantei, mas meu joelho me traiu, e logo minha tia e o rapaz que estava com elas
vieram ao meu socorro. Ele me segurou, evitando que eu fosse ao chão.
– Inka, minha filha, cuidado... Como está?
– Bem, tia... Bem – falei retornando para a cadeira.
– Acho que já conhece Daniela. E este é seu irmão, Daniel. Ficaram preocupados com você.
– Olá! – O irmão dela me estendeu a mão. Retribuí o gesto. Percebi o olhar dela em mim. Evitei
olhá-la. Minha tia começou a perguntar ao médico o resultado dos exames e ele respondeu
dizendo que não era nada grave e que logo recuperaria os movimentos do joelho. Ele continuou
falando, sendo observado por minha tia e pelo irmão dela... Lenta e inevitavelmente busquei seu
olhar... Que não se afastava de mim. Senti meu corpo inteiro responder. Me encolhi na cadeira. Ela
se aproximou e tive a nítida impressão que a batalha interna que travei na tenda, quando ela
entrou, recomeçou.
– Está bem? – perguntou-me demonstrando preocupação.
– Diante do incidente que foi... Acho que estou ótima. – Não consegui evitar o tom rude. Percebi
em seu olhar constrangimento, culpa. Baixou-o.
– Me desculpa, sei que não vai mudar nada, mas se deixa você melhor, saiba que me sinto muito
mal por isso.
Minha tia interrompeu o clima pesado:
– Então vamos, deve estar exausta, depois do dia que teve. – Colocou-se atrás da cadeira para
empurrar, mas o irmão dela imediatamente a interrompeu:
– Pode deixar, eu levo – falou gentilmente.
– Obrigada. Vou chamar um táxi – minha tia respondeu pegando o celular na bolsa.
– Não! – os dois falaram juntos... E ele completou:
– Nós levamos vocês.
– Não precisa – falei, já prevendo que não adiantaria.
– É o mínimo que podemos fazer, depois... Depois do que causei – ela disse.
– Aceitamos, se não for incômodo pra vocês – minha tia falou e guardou o celular.
O caminho até em casa não foi longo... Mas pareceu uma eternidade. Ela ao meu lado. Sentou-
se distante. Mas, de vez em quando, percebia seu olhar em mim. Enquanto minha tia e seu irmão, na
frente, falavam sobre ervas e seus poderes curativos, não prestei atenção na conversa, olhava
para a paisagem tentando concentrar meu pensamento em qualquer coisa, menos na pessoa,
imóvel, ao meu lado.
Chegamos e tentei sair rápido do carro, mas antes de conseguir levantar ela já estava ao meu
lado segurando meu braço e senti meu corpo ser, rapidamente, suspenso do banco. Segurou-me
pela cintura e me fez colocar o braço por cima de seu ombro, colou seu corpo ao meu.
– Consegue assim? – perguntou.
– S... Sim.
– Posso carregá-la no colo, se não consegue andar – o irmão falou enquanto fechava a porta
do carro.
– Não! Quero dizer, não precisa – respondi rápido. Não queria me afastar dela.
Segurou-me firme, sua mão apertou minha cintura, puxando-me para ela, era forte. Senti a
segurança de seus braços e a sensação de fragilidade diante daquele toque invadiu-me. Minha tia
foi na frente abrindo o portão, depois a porta. Entramos e indiquei a ela o sofá. Quando ela me
soltou, senti uma vontade enorme de não sair daquele contato. Ela se afastou.
– Obrigada – consegui dizer. Ela respondeu com um sorriso, tímido. Minha tia educadamente
interrompeu o contato.
– Filhos, vou fazer um chá. Ou preferem outra coisa? Café, um suco ou refrigerante?
– Não se incomode, já vamos embora. – Ela se adiantou, mas o irmão mudou os planos dela.
– Ah! Preciso de uma água, se não se importa.
Percebi o olhar de censura dela para ele.
– Vou providenciar, sentem-se – tia Vana respondeu amável e seu irmão, deslumbrado, não se
sentou e seguiu-a sem parar de falar.
– Posso acompanhá-la? Estou achando a casa de vocês maravilhosa. É... É... Tudo muito colorido.
Minha tia deu uma risada, antes de responder:
– Claro... Vem, vou te mostrar.
O silêncio que se instalou, assim que os dois saíram, foi ruidoso. Ela ficou de costas para mim,
olhando algumas pinturas na parede e observei-a com calma e culpa. A calça de algodão larga e
a camiseta justa davam a perfeita noção do tamanho do dilema que eu estava enfrentando. As
costas largas desciam fazendo um desenho suave até a cintura. Uma tatuagem no lado interno do
braço direito... Uma chama ardente que subia no braço terminando dentro da camiseta. Os cabelos
negros, com algumas luzes marrons, ondulados e soltos, até a metade das costas. Ela se virou
devagar, me dando tempo de desviar o olhar para algo no tapete.
– Lindos os quadros.
– Sim. São de um pintor espanhol. Ele retrata muito bem o nosso povo.
– Parece que as pessoas... Dançam... Percebo movimento. Incrível!
– É. – Foi a única coisa que consegui dizer antes que o irmão dela entrasse na sala falando alto.
– Dani, você tem que ver os quadros que tem aqui. As pinturas de ciganas... Nossa! Elas são...
São lindas... Flutuam – ele falou olhando para os quadros na parede do pequeno hall entre a sala
e a escada.
– Sim. Elas são... Lindas – ela respondeu olhando fixamente para mim. Só desviei o olhar quando
minha tia entrou na sala trazendo uma bandeja com chá e água e falando o nome dos pintores e
alguns detalhes sobre as pinturas. Voltei meu olhar para ela, no momento em que colocou o copo
de água nos lábios. Senti o suor escorrer nas minhas costas, na minha nuca. Minha tia veio até onde
eu estava e me alcançou uma caneca de chá. Não olhei para tia Vana, tive receio que percebesse
a confusão das minhas emoções.
– Daniel, vamos? – Ouvi-a falar, já se encaminhando em direção ao irmão, que ainda estava
deslumbrado com os quadros.
– Vamos. Claro. Acho que elas querem descansar – ele respondeu voltando-se para nós.
– Gostaria que voltassem em um momento mais tranquilo e alegre. Durante o dia, posso mostrar-
lhes o herbário – minha tia falou, sorrindo para os dois, que estavam parados um ao lado do
outro. Percebi a semelhança entre os dois.
– Adoraria – ele respondeu enquanto vinha em minha direção. Estendeu a mão.
– Obrigada – falei.
Se despediu e caminhou em direção à porta. Achei que ela faria o mesmo, mas resolveu falar:
– Se precisarem de alguma coisa, esses são os meus telefones. – Estendeu um cartão para minha
tia. E continuou: – Pode ligar a qualquer hora. A Seguradora está providenciando tudo, mas se
precisarem de algo que ela não cobre... Sabe como é a burocracia, às vezes demora e... Então, se
precisarem, podemos... Sei lá, qualquer coisa é só ligar... Podemos...
Minha tia interrompeu o monólogo nervoso dela:
– Obrigada, novamente. Vocês são muito gentis.
– Acho que é o mínimo que posso fazer e... E espero que se recupere logo. E... Desculpa,
novamente. – Olhava para mim, mas não se aproximou. Falou próximo à porta.
– Não se sinta na obrigação de nada. Não precisa! Boa noite! – respondi friamente.
– Inka! Por favor! – Tia Vana me censurou.
– Tudo bem... Entendo. Não se preocupe. Boa noite!
Ela respondeu e saiu.
– Obrigada e desculpa, ela está nervosa – tia Vana falou em direção ao irmão dela em tom de
justificativa. Fechou a porta e me olhou surpresa.
– Inka! O que foi isso? Por que está agindo assim? Ela foi tão amável.
– Claro! Quase nos matou!
– Inka foi um acidente!
– Que se ela estivesse mais devagar e com atenção, podia ter evitado.
– Você está irritada?
– Cansada!
Ficou em silêncio me olhando por alguns momentos e depois falou:
– Vem, vou te ajudar a subir para o seu quarto.
Me ajudou no banho e fui pra cama. Antes de sair, perguntou:
– Inka, me responde uma coisa... Você já a conhecia?
Coloquei a cabeça no travesseiro antes de responder para ganhar tempo. Sabia que ela
perguntaria isso. Esse é o problema quando convivemos com pessoas que possuem uma intuição
privilegiada. Não adiantava mentir.
– Sim.
– Quando?
– No domingo... Ela esteve na tenda.
Não falamos mais. Me deu um beijo na testa e apagou a luz. Saiu. Não fechei os olhos antes da
madrugada. Relembrei os detalhes daquele novo encontro e tentava entender minhas reações
diante daquela mulher.
***
– Daniela, você não abriu a boca desde que saímos da casa delas. O que houve? – Daniel
perguntou enquanto dirigia.
– Nada – respondi.
– Bom. Deve estar tensa por causa do que houve, mas ainda bem que não aconteceu nada de
grave com ninguém.
– É... Ainda bem.
Durante o trajeto, recapitulei todas as coisas que aconteceram desde a primeira vez que vi a
cigana, algumas palavras dela não saíam de minha mente.
– Que cigana... – Daniel falou baixinho.
– Quê?
Ele sorriu e me olhou.
– Meu Deus, Dani, tô evitando falar. Mas sei que também achou. Que cigana gostosa! Puta que
pariu! Fiquei louco quando vi. – Deu uma gargalhada.
Olhei séria para ele, sem saber se o censurava ou se concordava... Mas não resisti. Acompanhei
sua risada e inconscientemente assumi o papel que ele esperava e que para mim era mais
confortável naquele momento:
– Sinceramente, Daniel... – falei no meio da risada. – Nunca vi nada igual... Ela é muuuito linda.
Fomos assim até em casa. Contei a ele que era a mesma cigana que havia conhecido no
domingo com Paulo. Ele se impressionou com a coincidência dos fatos. Entrou comigo em casa e
ligou para Paulo, contou o que havia acontecido e pediu a ele que fosse mais cedo para o
escritório, pois eu só iria na segunda e ele passaria em uma construtora antes de chegar.
Nos despedimos e fui para o banho. Estava pronta para dormir, com o pensamento ainda
naquela cigana, quando ouvi o interfone.
– Dani... Sou eu, Angélica. Abre.
Respirei fundo e abri. Na porta, Angélica me puxou em direção à sua boca.
– Humm... Saudades, Dani. Que isso na sua testa?
Entrou e contei a ela o incidente em que me envolvi. Omiti a ela todas as informações com
relação a outra pessoa.
– Angélica, preciso dormir. Hoje foi um dia cheio. Estou cansada.
– Claro, eu imagino, mas... Vou dormir com você, meu anjo, se precisar de algo estarei aqui.
Não quis argumentar. Fui pra cama, com ela junto. Sabia que não dormiria, pelo menos enquanto
ela não estivesse saciada. Sabia que ela tinha vindo à minha casa para isso. Não evitei, aliás
precisava.
Estava de costas pra ela, pensando na cigana. Quando achei que ela já dormia, senti sua mão
em meu seio...
– Ai... Dani. Não dorme ainda.
Me virei pra ela.
– Angélica... Você acredita em destino?
– Quê? Que papo é esse?
– Acredita que seu futuro está escrito em algum lugar, que sua vida já está traçada?
– Às vezes, acredito que sim... Tem algumas coisas que acontecem que parece que já sabia que
aconteceriam.
– Como o quê, por exemplo?
– Humm. Vejamos... Quando toco você assim... – Colocou a mão no meio das minhas pernas.
– Hann... Tô falando sério.
– Eu também... Humm. Tá molhadinha – sussurrou no meu ouvido. – Viu? Já sabia. Destino...
Fui obrigada a rir. Nos beijamos. Ela se afastou. E disse baixinho:
– Consegue saber o que vai acontecer agora?
– Me diz – respondi excitada.
– Vou chupar você.
Dormi de madrugada.
CAPÍTULO 5
Aquela semana no escritório foi intensa. Tínhamos alguns projetos para entregar e os prazos
estavam vencendo, ficávamos no escritório até tarde da noite. Mas, mesmo com a mente ocupada
com o trabalho, pensava na cigana. Estava se tornando um tormento a vontade que sentia de vê-la
novamente, me sentia inquieta e ansiosa.
– Dani, você terminou a parte elétrica? Já temos custos? – Paulo me perguntou mostrando alguns
projetos já fechados.
– Sim, ontem à noite. Pode levar – respondi virando-me para a janela, olhando o vazio.
– Ótimo. Volto depois, vou até a construtora. Vai ficar no escritório hoje? – perguntou da porta.
Levantei.
– Não. Estou indo pra casa, antes vou passar em algum lugar e comer algo.
– Ok! Beijos. – E fechou a porta.
Uma hora depois, estava sentada em um café próximo ao escritório aguardando meu pedido e
lendo mensagens no celular, quando senti um toque em meu ombro. Me virei e reconheci
imediatamente aquela senhora, mesmo porque seus trajes não me deixariam esquecer. Estava
vestida de forma a não deixar dúvidas que era uma cigana. O vestido largo e colorido, os cabelos
presos atrás, um lenço. Levantei imediatamente.
– Como vai?
Estendi a mão, ela se aproximou e beijou-me na face. Sorria de forma amável. Correspondi.
– Vou bem, filha. E você?
– Bem sim, sente-se comigo e me acompanhe, vou fazer um lanche antes de ir para casa.
– Adoraria.
E já ia sentar-se quando um homem se aproximou e falou de forma rude:
– Ei, ei! Aqui não. Saia. Não quero que fique incomodando meus clientes.
– Descul... – Ela ia se desculpar e se afastar, mas interrompi:
– Calma, ela não está incomodando! Não fale assim! – Segurei-a pelo braço, para evitar que
ela saísse.
– Moça! Não conhece essas ciganas, ficam enchendo a paciência das pessoas, pedindo dinheiro.
Fiquei possessa com a atitude preconceituosa dele:
– Esta senhora é minha amiga e a única pessoa que está sobrando aqui é você. Poderia, por
favor, se retirar?
– Daniela, não. É melhor eu ir – ela falou constrangida.
– Não! – Estava furiosa e demonstrei isso a ele, falei alto: – Vai sair? Ou prefere que eu saia e
denuncie esta espelunca por preconceito e coloque em todas as redes sociais?
– Não... Tudo bem. Eu não sabia que ela... Que era sua amiga. Fique! – Ele falou se dirigindo a
ela e ia se afastar quando o chamei novamente:
– Acho que você deve desculpas a esta senhora! – falei mais alto ainda.
– Daniela, por favor... – ela insistiu.
Fiquei olhando para ele.
– Desculpa, senhora, pela minha falta. Deseja alguma coisa?
– Não. Obrigada.
– Tome um café comigo, a não ser que prefira ir a outro lugar. O que pra mim seria um alívio –
respondi olhando para ele.
– Não. Não. Tomo um café então.
Ela falou com receio que eu falasse mais alguma coisa. Ele anotou e se afastou.
– Não acredito nisso. Desculpa – falei para ela, sentindo uma enorme culpa, pois até bem pouco
tempo atrás era conivente com as ideias dele.
– Não se preocupe, menina, já estamos acostumadas a isso. As pessoas têm uma opinião
formada e não percebem que a inconveniência não tem face, nem sotaque. Todos podemos ser em
algum momento.
– Nada justifica esse tipo de tratamento.
– Concordo. Inka insistiu que eu pegasse um táxi, mas gosto de andar. Ela não gosta que eu
ande nas ruas vestida assim, ela já sofreu muito com isso, na escola, na universidade.
Fiquei imaginando ela ser tratada dessa forma e senti vontade de bater naquele homem quando
ele se aproximou novamente trazendo a bandeja com os pedidos. Havia perdido a fome, mas não
perderia a oportunidade de saber sobre sua sobrinha.
– E... E como ela está?
Ela me olhou sorrindo e respondeu:
– Está bem. Já está conseguindo se mover sem ajuda da bengala e começou a fazer
fisioterapia.
– Que ótimo. E o carro?
– Acho que fica pronto na semana que vem. Isso sim está deixando ela nervosa. Ficar sem carro
pra ela é um tormento, em virtude da loja ela precisa viajar às vezes.
– Puxa, me sinto culpada por isso, podia ter dado um jeito. Pensei que a seguradora daria um
carro a ela até o dela ficar pronto.
– Não. Não deu. – Se limitou a dizer.
Despedimos-nos e me ofereci para levá-la. Não aceitou, queria ir andando. Fiquei por alguns
instantes observando ela se afastar e pensando como as pessoas podiam ser tão hipócritas. O que
eu tinha que era melhor que ela? Nada! Pelo contrário.
Dois dias depois, liguei para Inka com a desculpa de saber como ela estava e saber se
precisava de algo, já que estava sem o carro.
– Obrigada. Estou me virando, um amigo tem me emprestado o carro quando preciso e... Não se
preocupe – respondeu friamente.
– Tá certo então. Mas se precisar de algo, pode ligar.
– Vou lembrar disso. Muito obrigada.
Silêncio.
– Então... Tá... Tchau! – falei sem vontade de desligar.
– Tchau... Ah! Espera.
– Sim?
– Queria agradecer... O que fez por minha tia, ela me contou.
– Não foi nada, não tem por que agradecer. Faria isso por qualquer pessoa.
– Será?
– Desculpa... Eu não entendi.
– Esquece. Obrigada mesmo assim... Tchau!
E desligou. Fiquei por alguns instantes com o telefone na mão olhando para ele, sem entender o
que ela quis dizer com aquele “Será?”. Fiquei com isso me martelando a cabeça o resto do dia e
lembrei as diversas situações em que presenciei alguma agressão contra alguma pessoa – em
virtude de condição social, etnia ou alguma outra minoria que perambula pelas ruas invisíveis aos
olhos da maioria da sociedade politicamente correta – e se havia me manifestado ou apenas
observado sem agir. Preocupou-me a conclusão a que cheguei. “O que essa cigana tá fazendo
comigo...”
***
Estava concentrada arrumando alguns objetos na vitrine quando meu amigo Lucas entrou
rapidamente e me puxou para os fundos da loja.
– Que isso?
– Inka! Por favor, preciso de você agora!
– Que houve?
Estendeu a mão para mim. Lucas era um homem alto, moreno, do tipo atlético, um olhar profundo,
atraente, simpático, ou seja, perfeito. Um homem por quem qualquer mulher se apaixonaria,
inclusive eu, mas tinha um porém... Gay. E quando olhei para ele com a mão estendida, não segurei
o riso.
– Não ria e leia... Agora!
– Já cansei de fazer isso e dizer a mesma coisa a você, Lucas... O que mais quer que eu veja
aqui? – respondi segurando sua mão sem olhar para ela.
– Sim. Você já disse mil vezes que vai acontecer... Quero saber se...
– Não preciso ler sua mão para saber que conheceu alguém.
– Como sabe?
– Pela sua ansiedade, pelo suor de suas mãos, pelo brilho no seu olhar.
– Não vale. Você me conhece. – Puxou a mão.
– Vem... Senta e conta tudo.
Sentamo-nos e Lucas começou a narrar os acontecimentos dos últimos dois dias. Desde o
momento que o rapaz encostou-se no balcão do café que era propriedade dele, no shopping, até
o dia anterior, quando jantaram juntos e depois foram para o seu apartamento.
– Não faz essa cara, Inka. Me diz alguma coisa!
– Nossa! Que rápido!
– Ai... Que adianta ter uma cigana como amiga. Inka! Quero ouvir outra coisa!
– Quer o quê? Uma simpatia pra segurá-lo? Vai ter que falar com tia Vana – respondi rindo.
– Inka...
– Desculpa. Estou brincando. A única coisa que posso te dizer é que só vai saber se dará certo
se tentar. Gostaria de conhecê-lo. Ele trabalha aqui no shopping?
– Não! Mas você vai conhecê-lo. Amanhã é aniversário dele e você vai comigo.
– Quê? Não!
– Vai sim. Já falei a ele que vou levar uma amiga. Você vai fazer isso por mim, não vai?
– Mas, Lucas, nem o conheço e já vou ao aniversário?
– Olha... Você vai adorar. Ele é muito simpático e vai ter um monte de gente, você vai conhecer
pessoas novas e... E...
– Muitos gays...
– É.
Rimos juntos.
Chegamos ao apartamento do novo amigo de Lucas um pouco mais tarde do que o combinado,
pois saímos tarde do shopping e, até passarmos em casa e nos arrumarmos, acabamos nos
atrasando, o que deixou Lucas nervoso. Quando paramos na frente do prédio, senti uma sensação
maravilhosa me invadir. Não consegui definir os motivos, mas achei que era reflexo do que Lucas
estava sentindo.
– Demorou pra se arrumar, mas o resultado... Nossa! Valeu a pena esperar – falou assim que
entramos no elevador do prédio e nos olhamos no espelho.
– Pra você, estou sempre linda... Não vale.
– Você é linda, Inka, vai fazer sucesso hoje, esse olhar, esse sotaque... Se você fosse homem ou
se eu não fosse gay... Ai que confuso... Bem, quem sabe você conhece alguém e...
– Quer parar? Fala como se eu estivesse à procura. Saiba você que não estou.
– Todos nós estamos, Inka... Todos – respondeu no momento que o elevador parou no andar que
tínhamos que descer.
Já ouvimos o som de risadas e música alta que vinha do apartamento do amigo de Lucas. Senti
um frio na barriga durante o trajeto do elevador até a porta do apartamento.
– Vem...
Pegou minha mão e me conduziu para o corredor. Paramos na frente da porta... Campainha... A
porta abriu.
– Fiquei com medo que não viessem.
Imediatamente reconheci o rapaz louro alto, bonito... Olhos azuis que nesse momento brilhavam
em direção a Lucas. Senti calafrios me percorrerem o corpo inteiro.
– Demoramos pra sair do shopping... Paulo, esta é Inka.
Só então dirigiu o olhar para mim, e percebi que me reconheceu. Abriu um sorriso lindo e veio
em minha direção. Estendeu a mão:
– Que surpresa agradável. Você!
– Já se conhecem? – Lucas olhava de mim para ele.
– Sim – falei cumprimentando-o. – Feliz aniversário! – Foi o que me ocorreu na hora, ele me
abraçou.
– Entrem, por favor.
E saiu da porta para que entrássemos. Lucas colocou as mãos nas minhas costas me conduzindo
para dentro.
Diversas pessoas estavam distribuídas na enorme sala dividida em três ambientes muito bem
decorados, e logo meus olhos foram em busca de algo ou alguém que em meu íntimo tinha certeza
que encontraria ali. Mas, antes de ver qualquer coisa, alguém segurou meu braço, chamando minha
atenção:
– Olá! Lembra de mim? Sou irmão da Daniela!
“Como me esqueceria”, pensei.
– Como vai? – Retribuí o sorriso e os dois beijos na face.
– Esta é Silvana, minha namorada. Sil, esta é Inka, lembra que te falei dela?
– Claro, tudo bem, Inka? Daniel ficou encantado com a casa de vocês e, claro, com sua tia. –
Com toda simpatia, repetiu o gesto de Daniel.
– Já volto. – Ouvi Lucas dizer e se afastar com o aniversariante por um corredor.
Fiquei por ali conversando com os dois e mais uma moça que se aproximou me olhando de
forma avaliativa e que Daniel fez questão de apresentar:
– Esta é Tatiana.
Estava de costas para o resto da festa, não tinha a visão das pessoas que se movimentavam de
um lado a outro na sala, mas sabia que olhos intensos estavam me queimando as costas, se me
virasse sabia que me depararia diretamente com esse olhar.
***
Quando a vi, conversando com meu irmão, meus olhos não se afastaram mais. Estava linda, o
vestido azul contrastava maravilhosamente bem com os cabelos negros, extremamente lisos, que
caíam pesados nas costas. Fiquei imaginando o que ela fazia ali. Chegou com o rapaz que fez
Paulo nos deixar bem rápido e sumir em direção à cozinha. “Claro! É amiga dele... Mais
coincidências? Sim, coincidências”, pensava enquanto analisava os detalhes do contorno de suas
costas e sentia uma vontade imensa de percorrer cada centímetro com minhas mãos. Ela virou-se
em minha direção... Seus olhos negros pousaram diretamente nos meus e me senti exposta, uma
corrente elétrica percorreu-me o corpo e...
– Dani, vem, quero que conheça a Patrícia.
Angélica me agarrou pela cintura e falou próximo ao meu ouvido, tirando-me daquele contato.
Pensei em me afastar... Mas não fiz, olhei para ela.
– Angélica, hoje não.
– Vai gostar dela, Dani, podíamos nos divertir depois, as três – continuou com a boca próxima
ao meu ouvido.
– Depois eu vou, agora quero falar com uma pessoa.
– Tá, vou esperar.
Afastou o rosto por um momento e me deu um beijo suave nos lábios. “Agora não”, pensei. E não
olhei para ver se ela me olhava. Esperava que não.
Passei no meio das pessoas que estavam pelo meio da sala, alguns conversando em grupos
outros dançando, e fui em direção a ela, que ainda conversava com meu irmão, Silvana e Tatiana.
– Oi.
Me aproximei por trás dela... E senti o cheiro inebriante de rosas que exalou daquele corpo... Ela
se virou e seu olhar foi frio.
– Olá. Boa noite!
– Que surpresa agradável encontrá-la aqui. – Tentei ser simpática diante da frieza dela.
– Nos deem licença, já voltaremos.
Meu irmão saiu em direção a um amigo que o chamava, levou Silvana junto e ficamos eu, ela, e
Tatiana, que percebi... Estava encantada com a cigana.
– É... Vim com Lucas. – Se limitou a dizer. E continuou conversando com Tatiana, me ignorando.
Não entendia por que me tratava assim. Me sentia uma boba querendo chamar atenção de uma
mulher que não demonstrava a menor simpatia por mim.
– Desculpa, não vou atrapalhar – falei com ironia para ela e fui em direção à cozinha... Com
raiva de mim.
Tive uma surpresa ao entrar. Paulo no maior beijo com o homem que chegou com ela. Se
assustaram com minha entrada e se afastaram num pulo.
– Desculpa... Desculpa... Tô saindo – falei sem jeito.
– Não! Vem aqui, Dani – Paulo me chamou com carinho. – Deixa te apresentar, este é Lucas.
Lucas essa é Daniela, minha melhor amiga e sócia.
– É um prazer, Dani, posso te chamar assim?
– Claro. Desculpa novamente, é que entrei sem...
– Bater? Na cozinha? Só o que faltava... Tudo bem, Dani – Paulo falou rindo do meu
constrangimento. E Lucas o acompanhou. Percebi o par perfeito que formavam, dois homens lindos.
– Já riram o suficiente? Então tô indo... – falei sorrindo.
– Veio pegar algo, quer algo? – Paulo perguntou solícito.
– Não... Não.
– Mas... Então, veio aqui pra quê?
Sorri pra ele e, antes de sair, respondi:
– Estava fugindo.
– De quê? – perguntou rápido.
– De uma magia...
E saí... Deixando-os com expressão interrogativa.
– Mas Dani, o que direi à Patrícia? Ela já havia perguntado de você e prometi que sairíamos as
três juntas daqui... – Angélica me falava baixinho e indignada, mas com um sorriso nos lábios pra
ruiva não perceber.
– Não vai dar, Angélica... Sinto muito.
Já ia me afastar, ela me puxou de volta:
– Se você se arrepender, estaremos no meu apartamento.
– Tchau.
Me afastei dela, antes que me beijasse novamente.
“O que estou fazendo?”, foi meu pensamento enquanto caminhava em direção a ela.
CAPÍTULO 6
Enquanto me despedia de Lucas e Paulo, que, por sinal, refletiam um brilho que iluminava todo o
ambiente e me preenchia dando-me a certeza de que estavam mais que conectados um ao outro,
olhei rapidamente para ela no momento em que se despedia das amigas, na sacada, e esperei
outro beijo entre elas... Mas não ocorreu, o que foi um alívio. Ainda não sabia por que, mas aquela
cena que presenciei, logo que chegara, havia estragado minha noite. “Ela podia ser mais discreta”,
pensei na hora, mas no decorrer da festa percebi que, assim como ela, poucos eram. Alguns casais
de homens, outros de mulheres faziam-se carinhos ou beijavam-se sem se importarem com ninguém.
“Por que se importariam?”, me perguntei... Me sentia uma extraterrestre.
Caminhava em minha direção, mas parava de vez em quando para despedir-se de algumas
pessoas no caminho. “Que sensação é essa?”, me perguntava, pois da mesma forma que tentava
ao máximo evitar olhar para aquela mulher, mais tinha vontade de ficar olhando... Ela vestia uma
calça preta e uma camisa branca para fora da calça, um casaco de couro preto comprido, um
pouco acima dos joelhos... O conjunto todo combinava: roupa, mulher... Atitude. A imagem dela me
fascinava e me perturbou a noite toda. Fiquei irritada com isso, queria distância, queria que ela
não falasse comigo, queria que não me olhasse. E, quanto mais eu me afastava, quanto mais eu a
evitava... Mais ela se aproximava e mais eu gostava.
– Vamos? – Já estava ao meu lado.
– Claro – respondi
Paulo e Lucas foram até a porta conosco.
No elevador, o silêncio ocupava todos os espaços, fiquei olhando para o chão, mas sentia seu
olhar em mim. Percebi meu corpo ser milimetricamente radiografado por seu olhar através do
espelho e a tensão era mútua. Quando a porta abriu, me joguei para fora. Saímos do prédio e
senti a brisa fria atingir meu corpo, fechei os braços por impulso. Ela imediatamente tirou o casaco
e colocou nas minhas costas... Nossos olhares se encontraram.
– Obrigada... – consegui dizer, inebriada pelo cheiro dela.
– Vamos, meu carro está do outro lado da rua.
Dentro do carro, ela colocou uma música.
– Se importa? – perguntou.
Não respondi, apenas balancei a cabeça em sinal de negativa. A voz de Gloria Estefan,
cantando Hoy invadiu o espaço... E falamos ao mesmo tempo:
– Fico... – Ela.
– E sua nam... – Eu.
Ela sorriu, e completou:
– Ia dizer que fiquei feliz que se recuperou bem... Só isso.
– Sim... Estou bem – respondi.
– E você? Ia dizer...
Arrependi-me da pergunta que ia fazer. Mudei:
– Nada, só que... Não queria atrapalhar você, afinal é aniversário do seu amigo e, bem... Saiu
cedo.
– Não me atrapalhou em nada, pelo contrário, estava com vontade de sair de lá.
– Sua namorada não deve ter gostado. – Não resisti.
Olhou-me por alguns instantes antes de responder:
– Não tenho namorada.
– Desculpa, só achei que...
– Angélica é minha amiga.
– Não precisa me dar explicações de sua vida, como disse, só não queria atrapalhar. Podia ter
pego um táxi.
– Teria preferido, não é? Desculpa se fui inconveniente. Sinto que não gosta muito de minha
presença. – Me provocou.
– Tem que concordar que nossos encontros não foram muito agradáveis – respondi à
provocação.
– Mas podemos tentar mudar isso, pelo menos nos tratarmos cordialmente. Afinal, apesar de não
ter seu dom, percebo que nossos melhores amigos, pelo visto, vão nos proporcionar mais alguns
momentos de convívio.
– É tão difícil para você não ser o centro das atenções?
– É tão difícil você ser mais simpática?
Estávamos paradas na sinaleira e a tensão que se formou fez com que nossos olhares não se
afastassem. Quando o carro de trás buzinou, ela arrancou e eu respirei. A pergunta dela não tinha
resposta e acho que a minha também não, pois não falamos mais até chegar na frente de minha
casa. Ia descer, ela segurou meu braço.
– Olha... Desculpa, só queria entender. Por que age assim comigo? Tento ser amável com você,
tento me aproximar... Mas... Mas você não deixa. Não vou mais tocar nesse assunto, tá certo?
O olhar dela em mim me mostrou o quanto a presença dela me deixava confusa, senti uma
vontade enorme de ficar mais tempo com ela e as palavras saíram com facilidade.
– Quer descer?
– Q... Quê?
– Um café... Água... Ou o que quiser. – Ela me olhou com surpresa, continuei: – Estou tentando ser
simpática, mas entendo se não quiser.
– Eu quero! Quero dizer... Aceito – falou rápido, o sorriso iluminado dela me aqueceu
completamente.
Entramos, fui acendendo as luzes.
– Fique à vontade – falei e enquanto tirava o casaco e devolvia a ela. – Obrigada.
– Quando precisar. – Sorriu, pegou... Largou em cima do sofá.
– Então... O que vai ser? Café?
– Somente água.
– Ok. Já volto!
Fui em direção à cozinha, pensando na armadilha que estava armando para mim mesma.
Voltei. Ela estava de costas, olhando o mesmo quadro que da outra vez lhe chamou atenção.
– Nossa... Não canso de olhar... É lindo – falou pegando o copo que entreguei a ela. Fiquei de
pé ao lado dela olhando o quadro.
– Representa a alegria. A dança reflete isso, não acha?
– Sim, a impressão que tenho é que ela vai sair do quadro a qualquer momento.
Me olhou intensamente. Desviei o olhar.
– Não quer sentar?
Caminhei em direção ao sofá.
– Acho que vou embora, deve estar cansada.
Não sentei, fiquei de pé olhando para ela, com vontade de pedir que ficasse, mas não fiz.
Caminhou em minha direção e largou o copo na mesa ao lado do sofá. Nossos olhares se
encontraram por alguns instantes, mas desta vez foi ela quem desviou o olhar.
– Bem, já vou... E obrigada pela água. – Virou-se e caminhou em direção a porta. Fui atrás.
Parou e se virou: – Olha, não precisa agir assim... Percebo que não está à vontade com minha
presença. Não vou mais forçar uma amizade que você, pelo jeito, não quer. Desculpa.
Sentia um pesar imenso nas palavras dela. Me aproximei e parecia que não tinha controle dos
meus próprios movimentos.
– Não... Eu... Não.
Falei baixo. As palavras não saíram, não sabia o que dizer. Sorriu de forma triste. Achei que ia
falar alguma coisa, meu olhar a incentivou, pois fixei-o em sua boca esperando o movimento e...
Seus lábios se abriram. Mas apenas passou a língua buscando umidade. Com a mesma
necessidade e por reflexo, fiz o mesmo. Ela percebeu... Pois seu olhar tinha em mim o mesmo
objetivo. Não sei se fui eu, ela ou as duas juntas, demos um passo para frente. Encostou seus lábios
nos meus. Suavemente. Um leve toque, fechei os olhos. E quando abri, ela me olhava revelando em
mim o que eu já sabia.
– Boa noite. – Sua voz quase não saiu... Se afastou. Abriu a porta e foi embora.
Ficaria ali sentindo aquele toque, aquele momento por dias. Se não fosse o barulho de minha tia
descendo as escadas.
– Chegou, filha? Como foi?
Me virei para ela. Meu estado devia ser de total luminosidade, pois senti que ela tentou captar
algo com o olhar... Passei por ela e fui para a cozinha.
– Foi ótimo, tia, o namorado do Lucas é um amor.
– Que bom, tomara que desta vez dê certo, não aguento mais fazer simpatias pra ele – falou e
se voltou para subir as escadas novamente. Mas se deteve.
– Como voltou?
– Hnn... Peguei uma carona com... Com Daniela – respondi sem olhar para ela.
– Ah! Que bom, quando vê-la, amanhã, diga que mandei um beijo.
– Amanhã?
Olhei com surpresa para ela, que já subia as escadas.
– Sim... Boa noite.
Fiquei totalmente sem entender o que minha tia quis dizer, tinha certeza que ela não me
procuraria e eu tampouco, principalmente depois do que tinha acontecido naquela noite. Olhei
para o sofá... E vi o casaco dela.
***
– Daniela!
Paulo gritou abrindo a porta da sala de projetos, onde eu estava.
– Ai... Que susto, merda! Errei! Olha o que você fez eu fazer! – falei jogando o lápis na mesa.
Paulo não deu importância para a reclamação. Entrou, pegou um dos bancos altos que estavam
por ali e colocou na minha frente.
– Vai! Desembucha!
– Do que tá falando?
– Dani! Você e a cigana gostosa... Que tá rolando?
Levantei na hora, parei de costas para ele. Olhando para fora.
– O nome dela é Inka... E... Não está rolando nada.
– Deus do céu, Dani! Ela pegou você?
– Assim fosse – respondi e sorri para ele.
– Entendeu o que eu quis dizer...
Caminhei até o frigobar e peguei uma garrafa de água.
– Ela não tem o menor interesse, Paulo, pelo contrário... Sinto que minha presença não agrada
muito.
– E você?
– O quê?
– Tem interesse?
O olhar interrogativo dele me fez pensar sobre as minhas intenções. Até então, não tinha
avaliado a dimensão do meu interesse por ela. “Sim, quanto mais ela me rejeita... Mais eu quero”,
pensei.
– Não sei... Ela é... É...
– Linda – ele completou com um suspiro.
– Sim, linda, sensual, misteriosa e... Hétero!
– Esse conjunto te atrai, seja sincera! – falou rindo.
Olhei diretamente nos olhos dele e respondi:
– Tudo nela me atrai, quando estou perto dela... Me sinto... Magnetizada!
– E vai fazer o quê?
Baixei a cabeça, para a mesa, o computador, algumas folhas rabiscadas.
– Nada! Não vou fazer nada.
Antes de ele falar qualquer coisa, Daniel entrou na sala com pressa.
– Vocês não vão almoçar? Estou saindo.
– Vamos almoçar no shopping, quer ir? – Paulo falou.
Olhei para ele surpresa, pois não tinha a menor intenção de almoçar no shopping.
– Não! Vou encontrar Silvana. Não sei que horas retorno, pois vou direto para a construtora.
Tchau! – Saiu e fechou a porta.
– Paulo, eu não vou ao shopping.
– Ah! Vai sim... Combinei com Lucas e você vai comigo.
– Não quero encontrá-la.
– Quem disse que vai? O shopping é enorme.
Já estava na porta, não me dando chance de réplica.
***
– Tudo bem, Inka, se não quer me contar sobre ontem, eu respeito. Mas pelo menos admita a
você mesma que ela te atrai.
– Lucas... Por favor! Chega, ok?
Não queria falar sobre isso, tampouco pensar. Não tinha essa resposta. Na verdade tinha, mas
sabia que, se quisesse evitá-la, não poderia expor a ninguém. Nem a mim mesma. Havia deixado o
casaco dela em casa, para evitar a tentação de ligar. Daria um jeito de devolver sem precisar
encontrá-la.
– Tudo bem... E Raul?
– Que tem?
– Não te procurou mais?
– Não sei mais o que fazer, liga todo dia.
– Você já não deixou claro que não quer mais nada com ele?
– Sim... Já! Às vezes parece que ele entende e conversamos como amigos e é muito bom, mas em
outros momentos ele se transforma e me agride com palavras... É difícil.
– Afaste-se dele, Inka. É melhor.
Antes que eu pudesse responder, o celular de Lucas chamou... E voltei minha atenção para os
amuletos que estava arrumando na prateleira. Só ouvi o final da conversa:
– Ok! Vou tentar... Beijos! Eu também!
Olhou-me sorrindo.
– Nem precisa dizer quem era. Sua alegria tem nome.
– Sim. E vamos almoçar juntos daqui a pouco. Eu, ele e você!
– Quê? Eu? Não vou não, tenho muitas coisas pra fazer aqui.
– Mas vai ter que almoçar em algum momento.
– Sim, mas não com vocês.
– Tá certo, vou ligar e desmarcar. Quero almoçar com você – falou já pegando o celular.
– Ei... Isso é chantagem!
– É!
Sorri para ele. Sempre me convencia a tudo.
– Eu vou, mas preciso de meia hora aqui.
– Ótimo, vou até o café e volto para irmos juntos.
Me deu um beijo na testa e saiu.
Não consegui pensar, tampouco articular qualquer tipo de resposta para aquele ataque verbal
que me deixou com vontade de sumir... Evaporar. Atravessei o shopping e subi a escada rolante
correndo, passando pelas pessoas, empurrando algumas que estavam paradas na minha frente.
Segurei, mas uma lágrima teimosa caiu do meu olho esquerdo, sequei-a com raiva... De não ter
reagido, de estar me sentindo rejeitada por ela, de estar sentindo essa perda de algo que nunca
tive. Alcancei o pavimento superior e continuei rápido em direção à porta do estacionamento. Antes
que pudesse abri-la ela já estava ao meu lado, segurando-me pelo braço:
– Espera... – falou recuperando o fôlego. Não pensei, puxei meu braço e abri a porta. Sem
responder. Ela veio atrás. Antes de chegar ao carro, ela me alcançou e falou num fôlego só:
– Por favor, Daniela, espera...
Me puxou novamente, me virei para ela tirando meu braço do contato de sua mão:
– O que quer ainda? Esqueceu de dizer mais alguma coisa?
– N... Não! Sim... Me perdoa!
Saiu abafado. Minha coragem voltou, dei um passo em direção a ela e a segurei nos braços
para que ouvisse bem:
– O que está pensando, garota? Hein? Você se acha tão irresistível assim? Pois saiba: não tenho
o menor interesse em você!
Soltei-a, passou as mãos no local onde meus dedos a pressionaram.
– Só queria... Pedir desculpas.
A voz saiu baixa e os olhos se encheram, brilharam úmidos. A minha vontade de agredi-la
imediatamente se transformou. Tirei a chave do bolso da jaqueta e abri o carro.
– Já pediu. Pode voltar.
Abri a porta do carro, mas não entrei... Percebi ela se aproximar devagar. Não sei se ela falou
ou se algo entrou em minha mente.
– Eu menti...
– Quê?
Encarei-a... Deu mais um passo e empurrou a porta do carro, com força. Fechou-a. E antes que
eu pudesse ter qualquer reação, segurou meu rosto com as duas mãos e seus lábios encostaram nos
meus. Não me beijou, apenas roçou os lábios, da mesma forma que eu havia feito na sua casa, e
se afastou me olhando intensamente.
– Perdoa... O meu engano.
Disse e se afastou, andando de costas... Seu olhar preso no meu. Virou-se e entrou no shopping.
Fiquei parada vendo-a sumir da minha vista, completamente atordoada. Era assim que ela me
deixava.
Respirei fundo e entrei no carro, arranquei e voltei para o escritório. Assim que cheguei, Patrícia,
uma das estagiárias que trabalhava conosco, me olhou assustada.
– Nossa, o que aconteceu, Daniela?
– Nada.
Passei por ela e entrei na minha sala. Depois de alguns momentos, ela bateu e abriu a porta:
– Posso entrar?
Sem desviar os olhos do desenho na tela do computador em minha frente, respondi:
– Já entrou...
– Credo, Daniela, quem deixou você assim?
– Ninguém, Patrícia, o que você quer?
– Desculpa, só queria te convidar pra ir à festa da Joana hoje... Lembra que tinha te falado?
Lembrei imediatamente do dia que ela me convidou e dos motivos que havia pensado em ir,
transar com aquela morena deliciosa foi o principal. Ela deixou claro também quais eram suas
intenções. Não me senti culpada. Mas, naquele momento, não senti a menor vontade de sair com
ela.
– Não vai dar, Patrícia, tenho muito trabalho aqui e pretendo ficar até terminar.
Olhei para ela e vi o seu olhar de decepção.
– Que pena...
Se aproximou e ficou atrás de mim, olhando por cima do meu ombro como se tivesse interesse no
projeto em que eu tentava em vão me concentrar. Colocou a mão na mesa e se aproximou mais.
Senti sua respiração próxima e percebi seu rosto no meu cabelo.
– O que está fazendo, Patrícia? – perguntei contrariada, não queria aquela aproximação... Não
com ela.
– Tentando convencer você.
Virei um pouco e senti os cabelos trançados caindo no meu ombro, imediatamente fez minha
imaginação voar em direção àquela cigana.
– Me convencer a quê? – Lancei um olhar frio para ela.
– A largar esse projeto e me olhar... Assim.
Segurou meu rosto e me tomou a boca... Num beijo agressivo, com força. Me mordeu. Segurei-a
pela cintura e devagar a fiz sentar na mesa empurrando papéis e computador para o lado.
– Isso não está certo – falei enquanto abria sua blusa.
– Relaxa – respondeu com voz de veludo.
– É isso que quer?
– Muito...
Sua voz embargada de tesão me conduzia em direção aos seus seios. Tomei-a com desejo... Ela
saiu da mesa e me conduziu lentamente em direção ao sofá. Fechei os olhos e...
– Me come, Dani.
Fui até sua boca e, com os dedos nos lábios dela, falei no seu ouvido:
– Não fala nada... Não fala... Só geme pra mim.
Novamente, fechei os olhos e só abri quando terminou... Seu olhar era de satisfação, o meu de
procura, busca, pois a mulher que estava em meus braços não era a mesma com quem havia feito
sexo.
***
Me controlei para não beijá-la naquele estacionamento, depois de ouvir dela que não tinha
interesse algum em mim, senti uma vontade imensa de mostrar a ela que estava enganada, que
sabia o que ela sentia e que eu também sentia o mesmo. Mas não fiz, a insegurança, o medo, o
desconhecido me fizeram controlar meus impulsos, mas sabia que não conseguiria por muito tempo.
Agredia-a para me defender do que sentia por ela, afastá-la seria mais fácil. Mas isso estava me
fazendo muito mal, e a ela também.
Voltei para a mesa onde Paulo e Lucas estavam aguardando, ansiosos. Depois de um breve
resumo, eles tentavam me convencer que tudo se resolveria.
– Inka, você já pediu desculpas a ela e conheço bem a Dani, ela vai superar – Paulo tentava me
consolar.
– Me senti péssima, eu a agredi... Ela... Ela ficou muito chate... Não! Ficou com raiva – falei com
pesar.
– Olha! Eu e Lucas que devíamos pedir desculpas a você e a ela, afinal, foi culpa nossa!
– É... Foi... Achamos que... Que... Bem... Não achamos nada – Lucas completou confuso, olhando
para Paulo pedindo ajuda.
– Olha. Tenho uma ideia. Vamos marcar um jantar. Lá em casa. Vamos desfazer esse mal-
entendido e aproveitamos e nos desculpamos com as duas. Que você acha?
– Acho que vocês são malucos, ela jamais vai aceitar.
– Você aceita?
Lucas me olhou curioso. Fiquei em silêncio olhando para eles, depois falei:
– Por que não? Não tenho problemas de encontrá-la. Nenhum – falei tentando demonstrar uma
segurança que não tinha.
– Não foi o que pareceu aqui – Lucas falou interrogativo.
– Me precipitei. Fui tola – falei certa de que um novo encontro seria necessário.
– Ok. Vou falar com ela e aviso vocês. Se quiser levar alguém Inka, fique à vontade, vou dizer o
mesmo para Dani. Se ela quiser levar a namorada – Paulo falou displicente.
– Ela tem? – perguntei, sem querer demonstrar muito interesse.
– É. Digamos que sim. Ela tem uma relação meio confusa com Angélica, mas acho que namoram
sim.
Percebi o olhar, curioso, dos dois em mim.
– Muito bem, o almoço foi ótimo, apesar de tudo. Mas tenho que trabalhar.
Falei fazendo menção de levantar, mas algo me fez sentar de novo. Senti um aperto imenso no
peito e minha nuca se contraiu. Ouvi meu nome ser gritado em minha mente. Levei as duas mãos até
o pescoço.
– O que houve, Inka? – Lucas perguntou assustado, segurando meu braço.
– N... Não sei, senti uma... Uma coisa estranha, mas... Tá passando, só uma sensação de que
havia alguém chamando... Que eu deveria estar em outro lugar. Estou bem. Passou.
– Nossa! Inka, me assustou... Vou com você até a loja.
– Não precisa, Lucas, estou bem.
Levantei. Tentando entender o que tinha acontecido.
– Vamos todos juntos, assim conheço a loja.
Sorri para os dois, não adiantaria argumentar.
– Tudo bem. Vamos – falei com resignação.
Assim que cheguei à loja, deixei os dois e fui ligar para minha tia. Precisava me certificar que
ela estava bem, pois aquela sensação estranha havia me deixado preocupada.
– Estou ótima, minha filha, que houve?
– Nada tia, só queria saber se quer que pegue algo antes de ir para casa.
– Não, já fui ao mercado hoje. Não precisa de nada, meu anjo... Beijo.
– Até mais, tia... Beijo.
Desliguei e tentei esquecer o episódio e também Daniela... Mas essa parte estava se tornando
cada dia mais difícil.
Depois de algum tempo, Lucas e Paulo se despediram e saíram. Fiquei por alguns minutos
olhando os dois se afastarem e minha intuição se manifestou... Sorri com o que ela me mostrava.
Senti a felicidade que emanava deles.
***
– Tem certeza que isso não vai causar nenhuma confusão de novo? – Lucas perguntou.
– Não, certeza não tenho, mas eu conheço Daniela. Ela está muito a fim desta cigana e acho que
é só uma questão de tempo pra Inka perceber que também está.
– Paulo, Inka não é lésbica e não sei se não estaremos causando mais problemas.
– Confia em mim.
– Certo, mas é a última vez, tá?
– Também espero que seja. – Paulo falou sorrindo para Lucas.
– E... Aquele seu... Hnn... Amigo... Não te procurou mais?
Lucas mudou de assunto enquanto caminhavam em direção à escada rolante.
– Pedro Henrique? Não! – Paulo respondeu sério.
– Não está mentindo para mim, não é, Paulo?
– Não tenho motivos para mentir pra você. Se ele me procurar, você vai ficar sabendo.
Lucas suspirou... Chegaram à escada.
– Espero você à noite? – Paulo perguntou.
– Saio tarde do shopping, mas dou uma passada no seu apartamento antes de ir para casa.
– Passada? Então nem vai!
Lucas riu da forma como Paulo cobrou. Se aproximou dele e disse:
– Minha passada só termina amanhã de manhã... Tá bom assim?
– Melhorou... Vou esperar você, tchau.
E deu um passo no degrau da escada que subia. Lucas ficou olhando ele se afastar sorrindo.
***
Dois dias depois, no escritório, Paulo falava baixinho para não atrapalhar a conversa de Daniel
ao telefone:
– Daniela, é só um jantar.
– Eu não vou!
– Daniela, se quiser se sentir mais segura, leve Angélica.
– Não preciso de segurança, Paulo. Só não quero encontrá-la.
– Você está com medo Dani. Incrível! Está com medo da cigana! – E soltou uma risada
desafiadora.
– Quer parar? Não tenho medo dela... Só acho que nossos encontros não dão muito certo.
– Dani, eu e Lucas queremos nos desculpar, por favor... Please! E Inka já concordou, ela também
acha que exagerou. – Olhou-me com cara de abandono.
Suspirei.
– Ok... Ok. Eu vou, mas no primeiro sinal de algo estranho ou místico eu saio de lá. Eu vou
embora! Entendeu?
– Vai levar Angélica?
– Vou convidar, não sei se ela vai. Ela anda saindo com uma advogada.
– Ótimo. Espero você às nove. Beijinhos. – E saiu da sala com pressa.
Olhei para Daniel que havia acabado de desligar.
– Quando vocês vão me contar o que tá acontecendo?
– Não tem nada acontecendo, Daniel.
– Sei. Já acostumei, sou sempre o último a saber, mas tudo bem. Quando resolver me contar... Tô
aqui. E só espero que não tenha nada a ver com alguma cliente ou estagiária ou sei lá... Alguém
que depois você se arrependa.
– Nossa! Do jeito que fala parece que sou “a pegadora”.
Ele riu e foi irônico.
– Capaz!
Levantei e dei um beijo nele.
– Não tenho nada pra te contar maninho, não se preocupe, tá?
Ia saindo da sala e Patrícia entrando, me olhou e sorriu de forma maliciosa. Daniel me olhou com
reprovação. Disfarcei e saí. Depois daquele episódio no escritório, evitei ficar sozinha com ela.
Chegamos perto das nove horas na casa de Paulo, Angélica aceitou me acompanhar. Não disse
a ela o motivo do jantar. No último momento, resolvi convidá-la, por segurança minha e de Inka.
Chegamos e encontramos Paulo arrumando a mesa, ajudamos e, poucos minutos depois, ouvimos o
toque do interfone. Em segundos, meu coração disparou, minhas mãos ficaram frias, senti o suor
escorrer nas minhas costas... E resolvi me sentar... Definitivamente, eu estava com medo.
– Boa noite!
Paulo os recebeu com o costumeiro bom humor. Entraram, cumprimentaram-se, apresentaram
Angélica como... Minha amiga, lembraram-se que já se conheciam do aniversário de Paulo e vieram
em minha direção, levantei, mas antes deixei a taça que segurava em cima da mesinha, na minha
frente, pois fiquei com medo de quebrá-la com a força que fazia... Estava maravilhosa, um vestido
verde justo, acentuando as curvas e o decote. “Concentre-se naquele balde com gelo em cima da
mesa”. Desviei o olhar.
– Como vai, Dani?
Lucas me beijou na face... Retribuí. Ela me olhou e sorriu.
– Oi – falou.
Respondi ao cumprimento, mas não nos aproximamos. Angélica veio ao meu encontro e parou ao
meu lado, abraçando-me pela cintura em sinal de posse. Imediatamente, me arrependi de tê-la
convidado. Percebi que Inka baixou o olhar.
– Vamos sentar, pessoal. Lucas, veja o que Inka quer beber, por favor. Vou dar uma olhada no
forno.
– Vou colocar uma música – Angélica falou e foi em direção ao aparelho de som e aos LPs da
coleção que Paulo mantinha com orgulho.
Sentamos. Por alguns instantes o olhar dela saiu de Angélica e pousou em mim.
– Como está sua tia? – perguntei a primeira coisa que veio em minha mente.
Sorriu antes de responder:
– Ótima... Está ótima!
Acentuou a última palavra. Não entendi muito bem. Lucas salvou a situação:
– Acredita que tia Vana quer acampar com um grupo que está indo para o nordeste?
– Como assim, acampar? – Angélica perguntou.
Lucas me olhou, depois olhou para Inka que, sem demora, tratou de responder:
– Somos ciganas – falou com orgulho.
Angélica largou os LPs e se voltou para ela:
– Sério? Que legal! Mas cigana mesmo? Daquele tipo que lê a sorte?
– Por favor, Angélica – interferi com receio que ela falasse alguma bobagem.
– Tudo bem. – Inka me olhou e respondeu para ela de forma educada: – Sim, desse tipo.
– E pode fazer isso, assim... Aqui?
– Angélica! – Fui ríspida.
Inka sorriu de forma simpática e respondeu, mas percebemos a ironia:
– Na verdade, prefiro nas esquinas, mas posso... Quer?
– Adoraria.
Caminhou em direção a Inka e se ajoelhou na frente dela, estendendo a mão. Fechei os olhos e
balancei a cabeça em sinal de desaprovação. “Só me faltava essa!” Lucas olhava espantado para
elas. Levantou e foi para a cozinha.
– Que houve, Lucas? – Paulo perguntou espantado quando o viu entrar rapidamente.
– Não vai acreditar, Angélica pediu para Inka ler a mão dela.
– E o que tem isso?
– Paulo, você não conhece Inka, ela jamais faria isso.
– E por que está fazendo?
– Não sei, mas estou com receio de como isso vai terminar.
– Calma... Vem, vamos para lá.
***
Peguei a mão dela com a intenção de provocá-la, como ela fazia comigo. Como fez ao
demonstrar que Daniela era dela, da mesma forma que fizera no dia do aniversário de Paulo,
quando a beijou no momento em que viu o olhar de Daniela em mim. Sim, eu a lia perfeitamente.
Não ia perder essa oportunidade. Aquela mulher manifestava em mim emoções irracionais... E não
eram boas.
– O que quer saber? – perguntei sorrindo.
– Ah! Posso perguntar? Ótimo. Então, deixa ver. Vou me casar?
Retribuiu o mesmo sorriso falso.
– Vai... E logo.
Ela deu risada...
– Logo? Com quem? Daniela?
Olhei nos olhos dela, não para a sua mão. E respondi.
– Sinto muito... Não!
Ela continuou rindo e olhou para Daniela. Falou:
– Eu tinha certeza disso. Você está me enrolando, né?
– Para com isso, Angélica! – Daniela respondeu. No momento que Paulo e Lucas sentaram ao
lado dela.
– Vai, continua. Mas diga o que lê em minha mão e não o que quer que aconteça ou não quer.
Nesse caso – Angélica me provocou.
Silêncio, por alguns momentos. Continuei olhando em seus olhos. Ouvi Daniela protestar e
balbuciar um “merda” baixinho. Paulo disse que o jantar estava pronto e Lucas levantou.
– Tem pessoas que são tão transparentes que não preciso nem olhar para a mão. Por exemplo,
agora percebo que está irritada comigo. Por quê?
Vi no seu olhar a vontade que sentiu de me agredir. Mas se limitou a sorrir e puxou a mão.
– Obrigada. Acho que não tem as respostas que procuro.
– De nada. – Me limitei a dizer sorrindo internamente.
– Vamos jantar! – Paulo gritou tentando desfazer a cena construída. Todos já estavam de pé, me
olhando. – Preciso de ajuda – completou e chamou Lucas e Angélica.
Quando entraram na cozinha, Daniela deu um passo em minha direção.
– Precisava fazer isso?
– O que eu fiz? – perguntei sorrindo.
– Provocou-a.
– E você, precisava?
– O quê? – perguntou me olhando com espanto.
– Usar sua namorada como escudo? – Meu sorriso se transformou em ira.
– Eu não... Ela não é...
– Jantar! – Paulo entrou, carregando uma travessa fumegante, sendo seguido pelos dois que
traziam outros pratos.
Sentamos. Angélica fez questão de sentar ao lado de Daniela na minha frente e, sem que ela
conseguisse evitar, Angélica a puxava de vez em quando e a beijava. Não consegui comer
praticamente nada, os pratos estavam maravilhosos... Salmão, saladas, molhos. Mas a única coisa
que via na minha frente eram aquelas cenas.
– Inka, experimenta esse molho maravilhoso.
Lucas me alcançava um prato. Olhei. “Não me passa isso, vou jogar na cara dela!”, pensei.
O jantar terminou e fugi da mesa, já não conseguia mais controlar minhas emoções com ela
assim, tão perto. Estava no meu limite, minhas certezas caíam uma a uma. Ajudei Paulo a recolher a
mesa enquanto Angélica e Lucas conversavam animadamente sobre alguns lugares que conheciam.
Fui para a cozinha atrás de Paulo e limpei os pratos com raiva, não estava me reconhecendo. Em
seguida, Daniela veio atrás. Percebi que ela entrou quando Paulo, antes de sair, disse a ela que
colocasse os copos em cima da mesa, pois os colocaria na máquina. Me virei de súbito e procurei
seus olhos. Ela desviou. Ia saindo da cozinha, atrás de Paulo. Fui até ela e a puxei... Empurrei-a
contra a parede... Minhas emoções deviam ser aparentes, pois seu olhar era de espanto... E
perguntei baixo:
– O que acha que está fazendo?
– A última vez que me perguntou isso... Não gostei do que dis...
Não deixei ela concluir. Avancei em seus lábios, desta vez não segurei a vontade de sentir sua
boca... Inteira. Precisava experimentar o gosto dela. Segurei-a pelos cabelos. Ela me puxou pela
cintura e rapidamente senti meu corpo tocar a parede. Senti sua língua na minha, segurou minhas
mãos no alto e prendeu-as na parede para logo em seguida descer a boca pelo meu pescoço.
Suas mãos desceram em minhas costas puxando-me em direção ao corpo dela. Esfregando.
Novamente nossos lábios se uniram, com mais calma. Deixei que me levasse com ela, por alguns
instantes senti meus pés saírem do chão e percebi que era assim que queria ficar... Nos braços, nos
lábios... No corpo dela.
O olhar de minha avó... As palavras. “Virá até você”. O movimento daquela carroça.
Até que um barulho de louça se espatifando no chão me fez voltar de onde estava. Nos
afastamos e nos deparamos com um par de olhos assustados.
– Desculpa... Desculpa... Eu não sabia... Puta que pariu! Se Angélica entra aqui.
Paulo tentava articular enquanto juntava os pedaços de louça no chão. Logo Lucas e Angélica se
aproximaram. Eu já estava próxima da pia e Daniela do outro lado da cozinha.
CAPÍTULO 8
A vontade de levá-la embora dali, depois daquele ataque delicioso, me fez perder a noção da
realidade. Não conseguia desviar os olhos dela. Ouvi Paulo gritar, me fazendo voltar:
– Daniela! Me alcança a vassoura!
Paulo me olhava fazendo sinal com o olhar para Angélica, que estava atrás dele.
– Ahnn... Claro, onde está? – Me recompus.
– Lá. – Apontou para a área de serviço.
– O que aconteceu aqui? – Lucas olhava de um para outro.
– Deixei cair, só isso. Inka, me dá o pano, por favor. – Estava nervoso.
Inka alcançou o pano a ele e, rapidamente, falou:
– Tenho que ir embora. – E foi em direção à sala.
– Mas por quê? É cedo.
Lucas foi atrás dela perguntando sem entender. Ela pegou a bolsa e respondeu a todos, que
esperavam a explicação:
– Lembrei que tenho que resolver uns assuntos da loja antes de abrir amanhã.
– Mas... Mas... – Ao redor dela, Lucas balbuciava sem entender.
– Obrigada por tudo. – Deu um beijo em Paulo e caminhou até a porta. Rapidamente, me olhou:
– Desculpa... Eu não devia... Desculpa.
E saiu. Ficamos todos parados no meio da sala vendo-a fechar a porta, eles surpresos e eu
decepcionada. Imaginei qualquer coisa, menos que ela me pediria desculpas... Angélica me olhou.
– O que está acontecendo aqui?
Veio em minha direção e ficou parada na minha frente.
– Nada, Angélica, vamos embora também – respondi pegando-a pela mão.
– Deus do céu! Alguém me explica por favor? – Lucas gritou e Paulo foi até ele e o fez sentar.
Falou algo que não ouvi e veio em nossa direção.
– Fiquem mais um pouco.
– Não, Paulo. Estamos indo – respondi.
Nos despedimos dos dois e saímos. Angélica não falou nada durante o trajeto até meu
apartamento. Quando entramos, me puxou em direção ao sofá e sentou-se ao meu lado.
– Tem alguma coisa para me dizer? – perguntou com tranquilidade.
– O que teria?
– Não sei, por isso estou perguntando.
– Não... Não tenho.
– Achei que me deixaria em minha casa hoje.
– Era o que queria? Posso levá-la.
Colocou os dedos nos meus lábios:
– Você sabe que não... Sabe que quero ficar com você e sabe que não gostei do que aconteceu
hoje.
– Desde quando se importa com isso? Nunca nos cobramos nada, Angélica.
– Desde que vi o olhar daquela cigana em você... E o seu nela... – Fiquei em silêncio olhando
para ela, que continuou: – Não quero perder você, Dani. – Me beijou.
– Angélica... Que é isso agora?
– Por favor... Me beija, não fala nada.
E tomou meus lábios, num beijo sôfrego, intenso. Tentei afastá-la:
– Angélica, você está me assustando. – Sorri para ela.
– Dani, não quero mais sentir o que senti hoje. Por favor!
Me abraçou... E começou a chorar.
– Ei... Ei, não chora... Por favor, olha pra mim, eu adoro você. – Abracei-a também.
– Me leva pra cama... Dani, agora!
Atendi. E procurei apagar da minha memória o que ocorrera na casa de Paulo, o olhar de
arrependimento de Inka e principalmente o que senti quando a cigana me beijou. As emoções que
me despertaram fizeram com que eu avaliasse melhor as minhas próximas ações. Percebi que
aquele beijo me conduziu a um mundo desconhecido em que jamais havia entrado. Estava
acostumada a me envolver com mulheres bem resolvidas e que não me cobravam nada a mais do
que queria dar e cujos relacionamentos não ultrapassavam a barreira por mim imposta. Assim era
com Angélica, pelo menos até aquele dia. O que senti ao tocar em Inka me deixou assustada.
***
No trajeto até em casa, imaginava uma forma de tirar Daniela do meu pensamento... Beijei-a
movida por um impulso que não conseguia controlar... Eu a queria e não conseguia fingir mais. Mas
vê-la com a outra e a forma como me olhava, refletindo exatamente o que eu já sabia. O temor
que ela sentiu ficou estampado em sua expressão. Eu já sabia que ela não estava pronta, havia
visto nela, dentro daquela tenda, como ela se relacionava e como não se entregava a ninguém. Eu
estava em pânico por ter sucumbido dessa forma.
Ela me desejava, tanto quanto eu a ela, mas para ela era somente isso. Percebi, depois daquele
beijo, que dificilmente teria algo mais dela, pelo menos aquilo que eu esperava de um
relacionamento... No momento, ela não estava preparada para dar. Nesse momento, senti vontade
de não ter essa capacidade intuitiva, pois me entregaria a ela sem me preocupar com as
consequências. Mas, infelizmente, eu sabia quais eram... Teria que evitar. Sabia que não conseguiria
evitar a presença dela... Apenas teria que lutar para não ceder.
Entrei em casa sem me preocupar com as lágrimas, achei que tia Vana estaria dormindo. Me
enganei. Dei de cara com ela na sala me olhando.
– Inka, minha filha... – Veio em minha direção e me abraçou. Me joguei nos braços dela e deixei
as lágrimas caírem em silêncio. Ficamos abraçadas e depois de algum tempo ela perguntou: –
Quer conversar filha? – Me afastei... E balancei a cabeça em sinal de negativa.
– Acordada ainda, tia? – Sequei as lágrimas.
– Esperando você. Eu sabia que precisava esperá-la. Vem, senta aqui. – Me puxou para o sofá
e me fez deitar em seu colo.
– Ah! Que bom, tia – sussurrei enquanto ela passava a mão no meu cabelo.
– Inka...
– Sim?
– Por que sofre por coisas que são inevitáveis, filha? – falou com calma.
Suspirei...
– As pessoas não mudam assim, tia.
– Não são as pessoas que mudam, querida, mas o modo como as vemos. Mas algumas mudam
sim... Se for bom para elas, só depende da motivação.
– Hoje algumas coisas ficaram muito claras para mim.
– O passado ficou claro, filha... Não o futuro. Dê uma chance a você.
Levantei e olhei para ela:
– Está me dizendo para investir numa pessoa que a única coisa que vê é meu corpo?
Ela sorriu e baixou a cabeça, antes de falar:
– A insegurança, Inka... Não é dela, é sua!
Falou e fez um carinho no meu nariz, levantou-se em seguida... Levantei atrás:
– Dela quem?
Queria saber se ela sabia de quem estávamos falando. Antes de se dirigir à escada, disse:
– Ué... Dela, a pessoa. Não foi isso? Afinal, você não me disse de quem estamos falando. – E
saiu sorrindo.
Fiquei olhando ela subir a escada. Deitei novamente no sofá e me lembrei do gosto de Daniela...
Dos lábios doces, das mãos em minhas costas... No meu corpo. “Vai ser difícil”.
Pela primeira vez, decidi deixar meus instintos de lado e viver o presente.
***
Cheguei ao escritório próximo ao meio dia e a primeira pessoa que encontrei foi Paulo. Olhei
para ele e caminhei até uma das mesas, onde estava a pasta com o projeto em que eu estava
trabalhando.
– Bom dia! – falei.
– Bom dia! Pode começar!
– Começar a quê? – falei sem paciência.
– A contar o que aconteceu na minha cozinha ontem – disse caminhando em minha direção.
– Aquilo que você viu!
– Dani! Eu vi um agarramento... Só isso!
– Então! Viu tudo. Nos beijamos e... E... Nada mais.
– Por favor. Quero detalhes. Quem beijou primeiro? O que falaram antes?
Dei risada da expressão dele.
– Paulo, não tem detalhes... Não houve, entende?
– Foi bom? – perguntou baixo. Não olhei para ele.
– Foi.
– Só isso? Foi? Dani, a mulher é tudo! E você me diz... Foi? Só?
– Não sei o que mais você quer saber.
– Vai ligar para ela?
– Não!
– Marcaram algo?
– Não!
– Nossa! Dani, você tá muito devagar, hein?
– Paulo, tô com um monte de coisas aqui, dá um tempo!
– Fui. – Saiu batendo a porta.
Abri o note e tentei me concentrar no projeto à minha frente, mas não conseguia, minha cabeça
borbulhava... A noite com Angélica e as coisas que falara, a frase que disse logo depois que
fizemos amor: “Eu te amo”. Tudo isso martelava em minha cabeça. O que senti ao beijar Inka, a
vontade de tê-la em meus braços, de fazê-la minha, de ser dela... O medo de enfrentar esse
desconhecido... Sair da segurança de relacionamentos previsíveis, cujos desfechos só dependiam de
mim. Sentir essa angústia de não saber se é correspondida, de não saber se a pessoa está feliz ao
seu lado, não saber se é capaz de fazer alguém feliz. Todas essas coisas me deixavam confusa. O
telefone tirou-me dos devaneios.
– Alô!
– Oi...
Imediatamente reconheci aquela voz, mas ganhei tempo para me recompor:
– Quem fala?
– Sou eu... Inka.
– Oi, tudo bem?
– Sim. Estou te ligando para... Para...
– Sim?
– Quero ver você, Dani... Depois de ontem, acho que precisamos conversar. Pode vir aqui em
casa hoje?
– Claro, posso e... E que horas?
– Vem jantar com a gente. Tia Vana vai gostar. Ela adora você.
– Ok. Eu vou... Lá pelas nove?
– Ótimo, espero você. Beijo.
– Outro. Tchau.
Desliguei atordoada, como ela sempre me deixava.
***
Aquela tarde não passava. Liguei para tia Vana e falei que Daniela jantaria conosco, o que a
deixou feliz. Saí da loja e por infelicidade encontrei Raul no estacionamento.
– Inka, queria falar com você...
– Estou com pressa, Raul, agora não posso. – Tentei escapar dele.
– É rápido – falou caminhando em minha direção.
– O que quer, Raul? – Esperei que ele se aproximasse.
– Quero convidá-la pra jantar... Selarmos nossa amizade, o que acha?
Sorri para ele:
– Tudo bem, combinaremos então... Me liga esta semana, tá?
– Ótimo, Inka.
Dei tchau e entrei no carro. Só conseguia pensar no encontro que teria mais tarde com Daniela...
Cheguei em casa e tia Vana já estava me aguardando.
– Convidou mais alguém?
– Não, tia, só Daniela... Por quê?
– Porque mais tarde vou à casa de Mena, precisamos acertar os detalhes da viagem.
– Vai mesmo? Já decidiu?
– Sim... Estou precisando sair pelo mundo... Me sinto presa demais aqui.
– Quanto tempo, tia?
– Não sei ainda, talvez um mês ou um pouco mais.
Fomos para a cozinha. Ela me contou os preparativos que estavam fazendo e os locais pelos
quais passariam. Estava empolgada, pois tia Vana, ao contrário de mim, não suportava a vida
sedentária. Era nômade, por natureza. Fui para o meu quarto tentar relaxar, tomei um banho,
escolhi uma roupa simples, uma calça de algodão e uma blusa leve. Deixei os cabelos soltos. Uma
alegria me invadiu. Já sabia o motivo: rapidamente saí do quarto e, ao descer as escadas, ouvi a
campainha.
– Eu atendo, tia – gritei para ela, que estava na cozinha.
Corri até a porta e abri. Não consegui evitar de olhá-la dos pés a cabeça, tênis All Star azul,
calça jeans e uma camisa branca. Os cabelos presos em um rabo... Linda.
– Oi... Entra.
– Acho que cheguei cedo, mas é que...
– Não é cedo... Chegou na hora que tinha que chegar – respondi rápido.
Olhou-me dando a impressão de que entendeu o duplo sentido do que falei. Fiquei
constrangida. Tia Vana apareceu na porta da cozinha.
– Venha aqui, Daniela, como você está?
Daniela entrou e foi ao encontro dela, minha tia segurou o rosto dela com as duas mãos, a olhou
nos olhos... E sorriu. Daniela respondeu, sorrindo e me surpreendendo:
– Me diga a senhora, como estou...
Minha tia a abraçou e deu uma gargalhada.
– Tirando a falta de fé... Vejo que está ótima!
As duas riram juntas... Fiquei observando aquela cena, sem interferir.
– E a senhora, como está? Continua andando pelas ruas, lindamente vestida e sozinha?
– Tirando o lindamente... Sim. Vestida e sozinha – respondeu rindo e completou: – Venha cá,
quero que olhe o que estou fazendo.
Só me restou segui-las. Tia Vana explicava a ela o que tinha dentro da panela de ferro e de
como preparava a Paella à Valenciana.
– Enfim, é um risotto de açafrão e frutos do mar. Um prato típico da cozinha espanhola.
– Já comi algo parecido, mas não tinha esse cheiro... Está uma delícia.
– Ah! O cheiro é um detalhe... Vai sentir o gosto depois.
– Segredo?
– Digamos que é uma “simpatia cigana” – respondeu rindo.
– Nossa! Vou comer algo que não sei o que é, só espero que me traga sorte. – Riu.
– Vai trazer mais que sorte – tia Vana respondeu com um sorriso malicioso. Daniela me olhou. E
novamente fiquei constrangida.
Abrimos um vinho. Ficamos por algum tempo na cozinha, sentei de frente para a mesa e para
elas, queria observar Daniela... Interpretá-la inteira. Ela encostou-se na pia. Descontraidamente
conversava com minha tia, que perguntou sobre Daniel, sobre o trabalho, falou de sua viagem e
assuntos que vinham naturalmente. Fiquei encantada vendo-a falar com minha tia sobre os lugares
que tia Vana dizia que passaria e que ela conhecia. Conversavam como velhas amigas e riam de
algumas situações engraçadas que minha tia contava a ela.
De vez em quando, ela buscava meu olhar e eu retribuía... Sorria. Eu também. Por um momento,
seu olhar acompanhou o movimento que fiz com a taça, ao levá-la aos lábios. Percebi e prolonguei
o ato. Ela se moveu, passou a língua nos lábios, colocou as mãos nos bolsos. Baixou a cabeça e
percebi que a minha tortura havia começado. Não a tinha visto tão descontraída assim e o que via
me agradava e muito.
Em seguida, arrumei a mesa. Ela me ajudou, de vez em quando nossas mãos, braços se
tocavam... Às vezes, passávamos uma pela outra, nossos corpos se encostavam. E a cada toque
sentia meu corpo vibrar.
Jantamos. Muitos elogios à minha tia, que não quis dizer a ela o que tinha na comida. Rimos,
abrimos mais uma garrafa de vinho, arrumamos a louça na máquina... Chá... Até que minha tia
resolveu que precisava ir, pois Mena a estava esperando.
– Dani, adorei. Volte sempre e, se ficar tarde... Durma aqui.
Minha tia a abraçou, me deu um beijo e saiu. Ficamos as duas paradas no meio da sala... Seu
olhar procurou o meu e falamos ao mesmo tempo:
– Vou emb... – Ela.
– Quer se... – Eu.
Rimos da situação... Caminhei até ela, peguei sua mão e conduzi-a até o sofá.
– Não quero que vá embora agora... Senta aqui.
Sentei de frente para ela, com uma perna dobrada em cima do sofá... Ela fez o mesmo. Falei
primeiro:
– Daniela, o que aconteceu ontem eu... Eu... Queria... – Estava difícil.
– Se desculpar de novo? – Seu olhar era profundo.
– Não... Não... Eu não sei como dizer... É que... – Desviei de seu olhar.
Ela se aproximou e segurou meu queixo fazendo-me olhá-la:
– Só diga que gostou e quer de novo... É isso que eu gostaria de ouvir agora.
Sua voz saiu baixa... E antes que eu pudesse dizer algo, vi seus lábios se aproximarem dos meus.
Encostou, se afastou... Esperou. Nos olhamos. Aproximei meus lábios e segurei os dela, primeiro um...
Depois o outro... Ela esperou, suspirou deliciosamente e só me tomou a boca quando eu busquei a
dela. Um beijo cálido, permitido, paciente... Explorador. E que aos poucos se tornou ansioso, à
medida que meu corpo foi puxado por ela e minhas pernas se abriram para que eu sentasse em
seu colo. De frente. Interrompeu o beijo em busca de ar enquanto explorava meu pescoço. Suas
mãos subiram por baixo de minha blusa, senti as minhas costas queimarem com aquele toque.
Levantei o pescoço para dar espaço a ela que, com avidez, ocupou todos... Ouvi-a sussurrar:
– Quero você, cigana...
Busquei sua boca novamente e sem demora comecei a abrir os botões da camisa dela que, com
a mesma rapidez, puxou minha blusa para cima... Tirando-a. Até que a nona sinfonia de Beethoven
me fez dar um pulo para trás e me afastar dela.
O celular.
– Droga! – ela disse, tirando o celular do bolso da calça. Olhou e repetiu: – Droga! – Me olhou
como se pedisse desculpas. E atendeu: – Não eu não posso! – Silêncio. – Hoje não! – respondia sem
me olhar. – Ang... Já disse... Hoje não posso! Tchau!
Desligou, virou-se para mim. Eu já estava de blusa novamente e em pé. Ela me olhou com pesar.
– Inka, desculpa, é... – Olhou para o celular.
– Sua namorada. Percebi.
Ela veio em minha direção. Me afastei.
– Escuta... Não! Eu e Angélica não somos... – Tentou falar.
Interrompi:
– Já disse isso a ela, Daniela? Acho que ela não sabe ainda!
– Inka, por favor...
Ela colocou a mão em meu braço e me puxou. Empurrei-a:
– Olha... Acho que o que ia acontecer aqui seria um erro... Acho melhor você ir.
Sua expressão mudou.
– Por que me afasta dessa forma? – perguntou enquanto fechava os botões da camisa, com
pressa.
– Por que não se decide, Daniela? – Devolvi a pergunta.
– Do que está falando? Decidir o quê? Está me cobrando o quê? – Percebi que ficou irritada. E
continuou: – Íamos transar e não casar... – Se aproximou e me encarou com frieza: – Sexo, Inka...
Qual é o problema?
Nossos olhares ficaram fixos por alguns instantes. Pensei que eu ia chorar. Mas segurei.
Lentamente caminhei até a porta e devagar abri:
– Vai embora, por favor!
Parou na minha frente e me olhou por alguns segundos, como se eu houvesse dito alguma coisa
muito grave. Desviei de seu olhar. Ela saiu. Bati a porta assim que ela passou. Subi as escadas
correndo e entrei no meu quarto. Me joguei na cama e fiquei olhando o teto... Com os dois punhos
fechados, bati na cama.
– Mierda!
CAPÍTULO 9
No outro dia, no escritório, contei a Paulo tudo o que acontecera na noite anterior e esperei o
parecer dele.
– Você foi horrível com ela!
– Pensei que você ficaria do meu lado, não acredito que tô ouvindo isso.
– Dani, como você diz isso a ela?
– Paulo, ela não é nenhuma criança.
– Não, criança ela não é... Mas, Dani, minha querida amiga sem noção, ela nunca se relacionou
com uma mulher antes. Deve estar insegura. Pra ela, é um mundo novo.
– Ela deixou bem claro que tinha se arrependido antes mesmo de... De... Ter acontecido qualquer
coisa. O que queria que eu fizesse? Implorasse?
– Não, Dani. Que tivesse paciência com ela e... Sinceramente? Acho que ela tem razão! Você
precisa saber o que quer.
Levantei de onde estava sentada e caminhei sem rumo pela sala, tentei ponderar:
– Qual o problema de querer sexo com alguém?
Ele balançou a cabeça negativamente e foi duro:
– Que tipinho cafajeste é esse que você incorporou, minha querida? Quer trepar com Inka e
manter Angélica à sua disposição... Credo! Por que não esclarece as coisas com Angélica?
– Ah! Droga!
Fechei as mãos no rosto e sentei. Paulo sentou-se ao meu lado e colocou a mão no meu ombro,
antes de falar:
– Acho que você também está confusa, Dani... Algo novo surgiu pra você e não está sabendo
lidar com isso.
Olhei para ele e respirei fundo.
– O que eu faço?
Ele riu.
– O que você faz não sei, terá que descobrir sozinha. Afinal tá na hora de você parar de... –
Antes de falar, fez sinal de aspas com os dedos: – Não se comprometer.
Terminamos nossa conversa e saí dali sem nenhuma conclusão. As palavras dela dizendo que
seria um erro se tivéssemos levado adiante me deixavam muito mal. Fui pra casa e não atendi as
ligações de Angélica, queria ficar sozinha.
No outro dia, cheguei ao escritório cedo, mas já tinha em mente o que faria. Tinha que falar com
ela. Liguei no meio da manhã para a loja. Depois de alguns momentos de espera, a funcionária
disse que ela não estava. Tentei a tarde, e novamente aconteceu a mesma coisa. No outro dia,
liguei de tarde e, novamente, a mesma situação. Percebi que ela não queria falar comigo. Essa era
a resposta de que eu estava precisando. Tinha que esquecer essa mulher e faria tudo para isso.
Naquela semana, tentei retomar minha vida normal e Angélica fazia parte dela. Duas noites
dormiu na minha casa e durante o dia almoçávamos juntas. Não falamos sobre os sentimentos,
tampouco cogitamos qualquer mudança na relação estabelecida. No final de semana, ela viajou
com seu pai para o interior, para o aniversário de sua avó, o que me deixou livre o fim de semana
inteiro.
Na sexta, fui a uma boate com Paulo e Lucas, e fiquei sabendo por intermédio de Lucas que Inka
estava saindo com o ex-namorado. Fiquei irritada com aquilo, terminei a noite com uma morena
que, quando olhei, no primeiro momento, me lembrou dela.
No sábado, almocei com Patrícia, a estagiária, no shopping. Ela queria conversar, resolvi aceitar.
Era uma excelente companhia. Queria saber por que eu a evitava, se havia me arrependido do
que havia acontecido. E estava preocupada com seu trabalho, não queria que isso prejudicasse sua
relação profissional comigo ou que isso a prejudicasse no estágio. Tranquilizei-a com relação ao
trabalho.
– Daniela, não quero que pense que fiz aquilo para conseguir o emprego.
– Não penso isso, Patrícia, isso não tem nada a ver com seu trabalho. E se decidirmos que você
deverá ficar conosco, será por mérito de sua competência técnica, não pelo que aconteceu.
– Se para você está tranquilo, para mim também.
Neste momento, colocou a mão sobre a minha. Retribui o gesto segurando-a. Depois de alguns
momentos, encerramos o assunto e resolvemos ir embora. Fui pra casa, ainda não havia me
recuperado da noite anterior e precisava dormir, pois havia combinado de ir jantar na casa de
Lucas mais tarde e sabia que a noite se estenderia. Tinha pensado em não ir, mas Paulo insistiu
dizendo que se eu havia resolvido esquecer a cigana, deveria evitar ficar sozinha pensando nela.
Concordei, embora soubesse que nada conseguiria me fazer esquecê-la. Dormi o restante da tarde
e parte da noite.
***
– Inka, pensei num jantar, não em um almoço rápido e ainda aqui. Nesse shopping que passamos
o dia todo. É a terceira vez que você me convence a vir almoçar aqui nesta semana.
– Raul, por favor... Por que não podemos começar almoçando, como bons amigos? E se acharmos
que podemos seguir dessa forma, então combinamos um jantar.
Raul sorriu:
– Você me convence sempre, não adianta tentar argumentar com você. Me diz... Quando Vana
viaja?
– No meio da semana... Acho que na quarta – respondi enquanto abria a embalagem do suco.
– Você vai ficar sozinha?
– Sim, sempre fiquei... Não é a primeira vez que ela viaja.
Respondi com um sorriso, que logo se transformou em curiosidade quando avistei Daniela
sentada a algumas mesas na nossa frente. Estava de lado, de onde estava não me via.
A partir daquele momento, não ouvi mais o que Raul dizia. Meus olhos se fixaram naquela mulher
na frente dela. Não era a namorada, era outra. Sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais
tarde, sabia que a veria de novo. Comecei a ficar inquieta, pois nos últimos dias tentei evitar ao
máximo esse contato, não atendi as ligações dela pois sabia que não resistiria a ela de novo.
Durante um jantar com Paulo e Lucas, fiquei sabendo que ela estava se entendendo com Angélica.
Não fiquei surpresa, mas triste com a informação, e agora sentia raiva. Como ela podia ser assim?
Tão volúvel? Superficial? Os acontecimentos apenas confirmaram o que eu já sabia. Lembrei o dia
que a conheci na feira, foi exatamente isso que vi nela, naquela tenda. O susto que levei ao saber
que, naquele momento, nossas vidas estavam se cruzando fez-me recuar e era isso que estava
fazendo, novamente... Recuando. Agora, ela estava ali com outra. E minha raiva aumentou quando
a vi segurar a mão da garota. Confirmava o que pensava dela. Buscava diversão, satisfação. Era
somente isso que ela via em uma mulher. Faz isso com Angélica, tentou fazer comigo e, quem sabe,
agora com aquela garota. “É só sexo, Inka...” Foi isso que disse. Achava que viveria isso com
homens, mas jamais pensei que enfrentaria isso com uma mulher. Compreendi, assim, que tratando-
se de pessoas, a forma que se doam nada tem a ver com sexo ou gênero, meus conceitos
começavam a mudar... Estava conhecendo um mundo novo e Daniela estava sendo a anfitriã. O
carinho dela com a outra, o olhar, o toque na mão... Sentia raiva de mim por quase ter cedido.
Tinha plena consciência que se tivéssemos ido até o fim naquele dia, hoje eu estaria no mesmo
lugar, olhando para ela com outra. Sabia que o caminho para chegar em Daniela não era esse.
Uma vontade de fazê-la sentir a mesma coisa me dominou. “Pois ela não perde por esperar”,
pensei... E ouvi Raul:
– Inka!
– Oi, Raul, que houve?
– Você não ouviu metade do que contei.
– Ouvi sim.
– Então me diga, o que faço?
Fiquei em silêncio olhando para ele, tentando descobrir do que ele falava... E dar a resposta
que ele esperava:
– Ora, Raul, se gostou do apartamento, compre. O máximo que pode acontecer é ter que vendê-
lo se não se adaptar.
– Sim. Vou fazer isso.
Raul continuou me falando sobre o apartamento e eu continuei observando as duas. Quando
elas foram embora, me despedi de Raul e fui para a loja, pois sábado era o dia mais
movimentado da semana.
Subi as escadas pensando no que havia decidido fazer. “Sim! Ela não perde por esperar”.
Havia decidido jogar como ela. Sim, para ela era um jogo. “Então vamos tirar a partida do zero,
Daniela. Posso me arrepender depois e sofrer muito, mas você vai experimentar do mesmo cálice
que dá às outras”. Sorri com meu pensamento, pois me visualizei como uma vingadora das mulheres
usadas por Daniela.
***
Acordei com o celular chamando, pensei que era Paulo. Atendi, mas era minha mãe que queria
saber como estávamos e quando iríamos visitá-los. Respondi todas as perguntas, falei sobre o
trabalho. Perguntou de Angélica, apesar de não gostar muito dela, sempre perguntava como ela
estava. Mais algumas perguntas e respostas. Nos despedimos e fui para o banho, pois sabia que
Paulo começaria a ligar se eu demorasse muito a chegar. Já era quase oito horas.
Saí do banho e a vontade de voltar pra cama me dominou, não tinha a menor vontade de sair
de casa. Na verdade, a única vontade que tinha era de ver Inka. Escolhi uma calça jeans, uma
camiseta. Vesti com relutância. E ouvi o interfone.
– Sim?
– Olá... Daniela?
Já sabia quem era... Não acreditei.
– Inka? Vou abrir.
Não consegui acreditar, fechei rápido a calça e saí com os pés descalços. Fui até a porta e
esperei a batida. Abri. A imagem que vi na minha frente me fez perder a fala.
O vestido azul com diversos tons, extremamente justo até a cintura e levemente mais largo até o
chão, um decote profundo que revelava metade do paraíso que eu já conhecia. Um xale preto
cobrindo os ombros nus. Cabelos soltos caindo pesados sobre o conjunto... As duas mãos na
cintura... A cigana transbordava sensualidade, era a visão mais linda que já tinha visto na vida. O
atordoamento tomou conta de mim... Até que ela falou como se soprasse um encanto:
– Boa noite, Daniela
– O... Oi – gaguejei.
– Posso entrar? – Ouvi as palavras saindo daqueles lábios vermelhos.
– C... Claro.
Saí da frente. Ela passou, senti o cheiro de rosas vermelhas invadir o ambiente. Inebriou-me.
– Onde ia? – perguntou com aquele sotaque que me alucinava enquanto passava pela sala
observando o local. Caminhei atrás, sem me preocupar em descobrir como ela sabia que eu ia sair:
– Ahn. Ia... Ia jantar com... Os meninos.
Terminei de falar e ela virou-se para mim. Seu olhar negro invadiu meu cérebro. Meu corpo já
não me pertencia. Se aproximou e me puxou pela camiseta:
– Liga pra eles e diz que não vai mais.
– Mas... Mas eu... Eles vão...
Tentava articular enquanto observava ela pegar o telefone e me alcançar.
– Liga agora! – falou baixo... O sotaque enfeitiçado.
Obedeci sem questionar, mesmo sem saber o que dizer. Peguei o telefone da mão dela e liguei:
– Não, Paulo, não... Não é nada grave... Só... Só um imprevisto... Sim, ligo sim. Beijos.
Desliguei. O olhar dela me chamava, atendi o chamado. Se era magia, estava entregue. Me
aproximei e, sem que eu esperasse, ela me empurrou para o sofá, sentei com ela em meu colo.
– Onde paramos?
Falou no meu ouvido, acendendo toda a vontade que eu havia sentido dela nos últimos dias...
Não consegui raciocinar, apenas queria satisfazer essa vontade.
– T... Tem certeza? – perguntei com medo.
– Realize sua vontade, Daniela... Hoje, serei sua. – Baixinho enquanto mordia o lóbulo de minha
orelha e chupava... Não pensei mais.
Puxei o cordão que prendia o vestido nas costas dela e, aos poucos, ele foi abrindo e descendo,
revelando a pele morena e doce que experimentei. Centímetro por centímetro com a língua... Com
as mãos em suas pernas... Fui subindo e senti a suavidade da pele até chegar nas coxas e me
deliciar com a descoberta... Estava sem calcinha. Nesse momento, nossos olhares se buscaram e vi
nela o mesmo desejo que me tomava inteira naquele momento. Nossos lábios se buscaram e o beijo
faminto foi dando lugar a pequenas mordidas que desceram em meu pescoço, deixei que ela
explorasse como bem quisesse... Levantou minha camiseta e tirou, fiz o mesmo com seu vestido,
puxei-o para cima. Ficou nua.
– Você é linda, Inka... – Passei a língua no seu seio... Ela gemeu baixinho.
– Dani... – murmurou, puxando-me para ela.
– Sonhei com isso – eu disse extasiada e fiz o mesmo no outro.
– Então... Realize.
Fez um convite que eu jamais recusaria... Suguei com força, ela gemeu alto. Busquei sua boca e o
beijo profundo, intenso que se expandiu ao queixo... Pescoço... E retornou aos lábios somente para
finalizar como começou... Se afastou e vi em seu olhar o que suas palavras confirmaram em
seguida:
– Não sei... Como... Nunca... Fiz...
Sabia o que ela temia e não deixei que completasse. Capturei seus lábios e lentamente fui
deitando-a de lado. No meio do beijo, respondi sua dúvida:
– Apenas... Sinta...
Fiquei de joelhos e tirei minha calça, a calcinha saiu junto. Quando senti o corpo dela embaixo
do meu – a pele quente, macia, o cheiro, o gosto –, percebi que a insegurança também era minha...
Fiz ela abrir as pernas e conduzi o contato que me fez tremer inteira.
Comecei lentamente a me mover, me deliciando com aquele contato quente, úmido, e tentando
perceber se ela sentia o mesmo prazer que eu... A resposta vinha em forma de gemidos que ela,
deliciosamente, deixava escapar... Fui ao céu quando, com uma das mãos, ela desceu entre nossos
corpos e deu um pequeno auxílio para aumentar o contato onde queria e acompanhou o
movimento que eu fazia enquanto nossos lábios percorriam explorando, mordendo suavemente... A
boca... Pescoço... Ombros... Pela primeira vez, sentia a vontade de prolongar ao máximo as
sensações que ela me dava. Vê-la assim, totalmente entregue ao momento, as expressões de
prazer, os gemidos, o movimento buscando mais. Suas mãos percorrendo minhas costas, meus
cabelos, puxando-me para um beijo... Sua língua em meu pescoço, a respiração descompassada.
Queria ter certeza que estava sentindo todas as sensações que ela me proporcionava também.
– Quero que fale... Diga... Gosta assim?
Mordi sua orelha. Ela respondeu sussurrando:
– Sim... Dani... Eu gosto...
Puxando-me para ela e gemendo deliciosamente... Percebi sua respiração rápida e lentamente
me afastei do contato.
– Ainda não... – falei nos seus lábios... Reclamou com um gemido e puxou-me pelos cabelos.
Devagar, percorri com os lábios o caminho até seus seios... Cuidei de cada um lentamente,
realizando assim minha vontade desde o dia que a vi naquela tenda.
– Não aguento...
Ouvi sua voz sair entrecortada. Suas unhas nos meus ombros, continuei meu caminho sem pressa.
Precisava degustar cada centímetro daquela cigana que me tirava o senso, o sono, a paz... Abri
suas pernas um pouco mais e minha necessidade lenta se transformou em urgência... Precisava
sentir toda a essência daquela mulher. Sem rodeios, percorri com a ponta da língua o ponto que
latejava pedindo para ser devorado... Me dediquei a ele e quando percebi que ela segurou meus
cabelos com força, me afastei. Ela gemeu alto.
– Não! – protestou.
Continuei minha exploração deliciosa e fui em busca do que queria provar. Lentamente e sem
pressa, percorri com a língua, com os lábios... Ora suavemente, ora com mais vigor... Ouvia como
resposta seus gemidos cada vez mais sem controle... Achei que eu gozaria antes, mas ela deu-me o
prazer que jamais tive com ninguém: levantou o corpo em minha direção, com uma mão puxou-me
pelos ombros, a outra cravou-se em meu ombro... Realizei-me naquele gosto... O corpo tremendo...
Tomei-a deliciosamente. Não esperei. Precisava completar aquele prazer e busquei seus lábios com
pressa, urgência, meu corpo buscou o contato e ela me recebeu... Sua respiração alterada...
Levantou, um pouco, o joelho facilitando meu movimento e quando a ouvi sussurrar no meu ouvido:
– Goza pra mim, Dani...
Atendi intensamente. Explodi profundamente. Ela me apertou entre seus braços e senti vontade
de nunca mais sair dali. Um beijo cálido me fez aos poucos recuperar o senso e retornar a esta
dimensão. Quando abri os olhos, percebi naquele olhar negro, intenso, a existência daquilo que
sempre neguei... O destino.
CAPÍTULO 10
Aqueles momentos com Daniela foram totalmente diferentes do que havia imaginado. Tinha
certeza que seria bom, mas não pensava que seria a melhor coisa que já havia vivido com alguém.
Vê-la assim, totalmente em meus braços, sentindo sua respiração voltar ao normal em meu pescoço,
seu corpo deliciosamente relaxado sobre o meu, fez com que eu esquecesse os meus objetivos
iniciais. Fiz o que ela me ordenou e deixei todos os meus sentidos à disposição daquele momento.
Senti-a de todas as formas. A visão do seu corpo nu, a pele macia, quente, o seu gosto, o cheiro
delicioso do desejo e ouvi-la chegar ao êxtase foi qualquer coisa de extraordinário... Mas a minha
intuição me ordenava agir naquele momento, pois quando ela me olhou depois de um beijo
demorado e cheio de sentimentos, não consegui controlar o que sentia. Tinha certeza que meu olhar
refletia minhas emoções mais profundas... Sorriu lindamente. E, com esforço descomunal, fui saindo
debaixo dela que, imediatamente, me deu espaço.
– Vamos sair daqui... Vamos pra cama – falou deitando ao meu lado.
– Não, Daniela.
E levantei... Respirei fundo para buscar coragem.
– Onde vai? – perguntou sentando-se rápido.
Enquanto eu já buscava meu vestido no chão, sem olhar para ela, respondi:
– Para casa. Terminamos.
Falei quase sem conseguir pronunciar a última palavra... Ela pegou a camiseta e vestiu... Ficou de
pé.
– Como assim? Terminamos? Inka, quero que fique aqui comigo hoje.
Veio em minha direção já colocando a mão em meu braço, tentando evitar que eu fechasse o
vestido. Me afastei.
Em silêncio e sem responder, continuei e calcei a sandália... Então olhei para ela:
– Não, Dani... Não vou ficar – respondi pronta para sair.
Quando olhei para aquela mulher linda e deliciosa vestindo somente aquela camiseta branca,
minha vontade foi de jogar meus planos para o espaço. Mas fui firme e caminhei em direção à
porta, ela me seguiu:
– Mas por quê? Fo... Foi ruim? Não gostou? Fiz alguma coisa que não gostou? – perguntava sem
entender e cheia de receios.
Me virei para ela e me aproximei, segurei seu rosto... Encostei meus lábios nos dela, um pequeno
beijo... Suave... E olhei em seus olhos surpresos:
– Não, Dani... Foi maravilhoso, você é maravilhosa. E... E quem sabe um dia repetimos.
Percebi a incredulidade em seu olhar:
– C... Como assim? Um dia? Por que está falando assim?
Firmei meu propósito:
– O que esperava?
Silêncio. Ela estava totalmente perdida. Gaguejou:
– Es... Esperava que ficasse... Q... Que continuasse...
Baixou o olhar... E me deu a deixa.
– Dani... Só aceitei o que você me propôs... Uma transa... Sexo. E ótimo, por sinal. Agora preciso
ir, tchau!
Abri a porta e saí. Não acreditei que estava fazendo isso, achei que meu coração ia sair pela
boca. Queria voltar, abraçá-la... Ir para cama, amá-la a noite toda, mas sabia que quanto mais eu
me entregasse a ela, mais eu sofreria depois. Queria fazê-la se sentir usada, como ela fazia e
como pretendia fazer comigo... Me usar.
Saí rápido do prédio e entrei no carro, deixei as lágrimas escorrerem e dei a partida... Ainda
sentia o cheiro dela em mim, o gosto... Quanto mais eu me lembrava, mais as lágrimas escorriam,
pois pela primeira vez não conseguia pressentir os próximos acontecimentos, sequer sabia se a
veria novamente. Mas tinha uma única certeza: jamais esqueceria aquela noite.
***
Fiquei parada vendo a porta fechar sem acreditar no que tinha ouvido. A magia se desfez...
Nunca me senti tão sozinha em toda minha vida. O vazio que ela deixou parecia não ter fim. Fui
até o sofá e deitei, tentando sentir o calor do corpo dela que há pouco estivera ali... Nos meus
braços. Fechei os olhos tentando entender o que tinha acontecido. “Ela me usou... Descaradamente,
veio aqui e... E me usou... Fez o que queria e foi embora”. Entendi perfeitamente a mensagem dela,
já havia feito o mesmo, dezenas de vezes, mas não esperava que um dia estivesse lamentando
essas palavras. “Foi só sexo”. Fechei os olhos e tentei resgatar mentalmente o cheiro dela... O
toque em meu corpo, passei a mão nos locais que ela tocou... Havia vestígios do prazer dela em
mim, o gosto delicioso, aquele olhar que me transportava para outra dimensão. “Preciso dessa
mulher para viver”.
Dormi depois de algumas horas e só acordei no outro dia com os sol em meu rosto e o corpo
dolorido de dormir no sofá... Fui para o banho achando que havia sonhado, mas ao me olhar no
espelho percebi que não, as marcas daquela noite estavam em meu corpo... Cravadas em meu
ombro. A felicidade que deveria estar sentindo por ter realizado um desejo não apareceu... E sim
a angústia, a insegurança, a ansiedade. Pela primeira vez, eu não sabia como agir.
Passei o domingo em casa, recusei os convites de Daniel para almoçar com ele e Silvana. E, à
tarde, como já esperava, Paulo apareceu. Estava preocupado com a noite anterior, pois não havia
entendido a minha recusa em cima da hora. Contei tudo a ele.
A incredulidade de Paulo me olhando sem pronunciar nem uma palavra me deixou nervosa:
– Quer fazer o favor de falar alguma coisa?
– Foi bom?
Não acreditei que ele estivesse perguntando isso, mas respondi:
– Maravilhoso. – Suspirei. – A melhor... Que já tive na vida.
– A melhor o quê, Dani? Trepada? Mulher? O quê?
Silêncio... E respondi olhando em seus olhos:
– Emoção, Paulo.
– E vai fazer o que agora?
– Não sei... Não faço ideia.
Ele se aproximou e se ajoelhou na minha frente, onde eu estava sentada. Pegou minha mão e
disse de forma séria:
– Dani, presta atenção... Você vai ter que procurá-la e dizer o que está sentindo.
Levantei bruscamente:
– Não! Jamais vou fazer isso. Ela não cogitou nada mais a não ser... A não ser... Quem sabe
repetir um dia. Foi isso que disse, como vou procurá-la e... Não! Não consigo!
Ele sentou-se onde eu estava e falou sem titubear:
– Daniela, sua tonta... Ela fez exatamente o que você ia fazer com ela.
– Não! Eu não premeditei nada. Ela sim. Veio aqui com essa intenção... Me envolveu, me seduziu,
enfeitiçou e... E... Foi embora.
– E você não gostou?
– Adorei...
– Então? Qual é o problema de procurá-la e dizer isso? Meu Deus! Como vocês mulheres são
complicadas! Vai lá e faça o mesmo, mostre a ela que você quer repetir milhões de vezes... Com
ela.
– E... E se ela não quiser?
– Aí, minha amiga você caiu na sua própria rede, não há o que fazer. Tome um porre, saia com
outras mulheres, embora não vá resolver. Sofra bastante e um dia... Passa. Ou...
– Ou o quê?
– Procure uma mãe de santo, porque cigana basta uma, e faça um feitiço pra trazer a cigana
amada.
– Obrigada!
– Dani... Só vai saber se procurá-la. Você está com medo. Pela primeira vez, está com medo.
– Vou pensar, Paulo, vou pensar.
– Ok. Já disse o que tinha que dizer. Vou embora, meu amor está me esperando – falou já se
dirigindo à porta.
Fui com ele... Me deu um abraço.
– Falamos amanhã, no escritório. Dá um beijo no Lucas.
– Dou. E pensa no que disse a você, procure-a. E, se realmente ela queria só trepar, me chame!
Vou com você em todos os bares da cidade ou num terreiro. – Sorriu.
– Não trepamos, Paulo... Fizemos amor. – Devolvi o sorriso.
– Ai, ai, ai... Dani! O que essa cigana fez com você? Que feitiço ela te lançou?
Falou colocando a mão na minha testa... Me beijou e saiu. Fechei a porta rindo da reação dele.
Na segunda de manhã, já sabia o que deveria fazer.
***
Acordei segunda de manhã sem vontade de ir para a loja, quase não dormi no fim de semana
com meus pensamentos em ebulição, e ainda tivemos diversas pessoas no domingo nos visitando,
pois todos que ficaram sabendo da viagem de tia Vana vieram para buscar receitas ou
simplesmente conversar. Minha tia atendia muitas pessoas que a procuravam por problemas de
saúde e algumas sentiam-se inseguras cada vez que ela se ausentava por muito tempo.
Desci as escadas pensando que teria um mês cheio, pois além de cuidar da loja teria que me
preocupar com a casa, com o herbário, com as encomendas de ervas, chás, unguentos e
macerados... Enfim.
Encontrei-a no anexo junto ao herbário, onde preparava as ervas e todos os produtos que
utilizávamos nos diversos compostos.
– Bom dia, filha, dormiu bem? – perguntou-me enquanto me aproximava para dar-lhe um beijo...
Retribuiu.
– Sim – menti. Ela me olhou.
– Não parece.
– Cansaço, tia, só isso.
– Tenho até medo de deixar você por muito tempo, anda se alimentando mal e quase não
dorme... Inka, olhe para os lados.
Abriu os braços fazendo sinal para as prateleiras cheias de ervas secas prensadas. Olhei e
indaguei:
– E daí?
– Por que não usa, filha? Encha aquela banheira de camomila e jasmim... Acenda um incenso,
ouça uma música. Por que não relaxa? Esqueça um pouco aquela loja, cuide de você!
– É, estou precisando disso mesmo.
Me aproximei e alcancei a ela as folhas de alecrim. Pegou e continuou macerando no álcool
dentro de uma tigela de madeira.
– Raul ligou para você há pouco. Falei que estava dormindo.
– De novo? Ele quer sair. Jantar, estou fugindo.
Peguei a alfazema cheirei, alcancei a ela. Pegou e jogou na pequena tigela de madeira.
– Por que não diz a ele logo, Inka?
Não me olhava, continuava falando e tratando as ervas.
– Já disse, mas ele insiste e diz que só quer minha amizade.
Peguei as folhas de hortelã e sálvia, fiz o mesmo que antes, levei até o nariz, senti o cheiro e
estendi a ela, que fez o mesmo, jogou na tigela. Parou por alguns momentos e me olhou com
profunda preocupação, percebi nesse momento que falaria algo que eu deveria ouvir com
atenção.
– Acho que deve tomar cuidado com Raul, não deve contar a ele nada sobre sua vida, deve se
afastar dele.
Em seguida, retornou às ervas. Respondi:
– Também sinto isso...
Parou por um momento e cheirou a mistura... Fez uma expressão de dúvida:
– Sinto que falta algo, mas não sei o que é... – Cheirou de novo.
Fui até a prateleira e peguei duas folhas de uma erva.
– Falta isso.
– Claro! Losna. – Me olhou e sorriu. – Deveria se dedicar mais a isso aqui, Inka. Você manipula
as ervas de forma tão... Tão fácil. Como sua avó!
Percebi a tristeza em seu olhar. Ficamos em silêncio por alguns momentos, cada uma pensando no
passado distante.
– Tia, não está na hora de voltar? Já passou tanto tempo, nem sabemos se estão vivos...
– Você quer voltar?
– Não! Mas tenho curiosidade de vê-los. Ver se estão bem... Saber o que aconteceu depois que
saí...
– Não, Inka, não podemos voltar... Não temos mais nenhum vínculo com eles, com certeza
seríamos expulsas, pois fugimos do destino imposto por eles. Eu quando decidi fugir com Armando,
e você quando fugiu daquele casamento imposto por seu pai. Colocamos uma pedra nesse
passado.
– Eu sei, mas sinto que fica triste cada vez que lembramos.
– Sim, eu fico. Mas não voltaria. Jamais! E também não quero que você volte. Me prometa que
não voltará?
Seu olhar foi duro em minha direção, mas, antes que eu pudesse responder, nossa conversa foi
interrompida pela campainha.
– Deve ser Helena, veio buscar a pomada. Está em cima da mesa.
– Vou ver – respondi dirigindo-me à sala.
Abri a porta e tive uma surpresa. Um rapaz com uniforme de uma floricultura.
– Senhorita... Inka?
– Sim.
Me entregou uma única rosa vermelha. E um cartão. Olhei surpresa para aquela rosa linda. Com
as pétalas totalmente abertas e de um vermelho vivo. Fechei a porta. Encostei as costas na
madeira... Cheirei a rosa. Abri o cartão:
“Saí de casa pela manhã e de repente... Senti seu cheiro. Fui atrás, achei que encontraria você, mas
encontrei essa rosa... Jantar? Hoje? Comigo? Daniela”
Não controlei o sorriso... Levei o cartão aos lábios. “Não acredito, você me surpreende!”, pensei
enquanto tentava retirar o cheiro dela daquele cartão. Quando abri os olhos, enxerguei tia Vana
me olhando.
– Pela sua felicidade, acho que o banho que vai tomar é outro – ela falou rindo.
– Q... Quê?
– É... – Se aproximou... E continuou sorrindo enquanto falava: – Flores de jasmim... Sete pétalas
de rosas vermelhas, sete cor de rosa e noz moscada...
– Quer parar? – Fui em direção às escadas. Ela continuou:
– Uma casca de canela... – Olhei para ela com fingida impaciência... E aumentei o passo nas
escadas. Mas ainda conseguia ouvi-la: – Não se esqueça do mel! – gritou... E ouvi sua gargalhada.
Fechei a porta do quarto e não contive a alegria. Mesmo sabendo que isso não significava muita
coisa, se tratando de Daniela... Mas o fato de vê-la novamente me deixava eufórica. Não
esperava isso, pensava que agora que ela tinha conseguido o que queria iria seguir em frente.
Decidi não ir para a loja e passei o resto da manhã no meu quarto... Pensando.
À tarde, havia decidido, eu queria vê-la... Peguei o celular e liguei:
– Oi... Dani? Sou eu.
– Oi.
– Eu queria... Queria... Agradecer a rosa, adorei.
– Não agradeça, apenas aceite.
– Esperarei você.
– Pego você às nove... Pode ser?
– Sim, está ótimo. Até mais.
– Até mais... Um beijo.
– Outro.
***
Desliguei o celular no exato momento em que Daniel entrou na sala de projetos em que eu
estava. Não me contive, abracei-o e dei-lhe um beijo.
– Nossa, Dani! Que recepção, só fiquei fora pela manhã. Isso é saudades? – perguntou rindo
enquanto eu me dirigia para a porta. Abri e, antes de sair, virei-me para ele:
– Muitas saudades... Muitas, não imagina o quanto! – Sorri e saí.
Sabia que tinha que ir com calma, mas a euforia de vê-la novamente me dominou, tanto que
esqueci de Angélica, que me esperava na recepção.
– Dani, vou esperar você em casa. Achei que você iria comigo agora, mas já vi que não vai, né?
– Não, Angélica. – Antes de continuar, olhei para Patrícia que estava no computador em sua
mesa. Fiz sinal para Angélica me seguir e entrei na minha sala. Assim que fechei a porta, Angélica
me puxou e me beijou. Correspondi sem muito entusiasmo.
– Estou com saudades, Dani, o fim de semana todo só pensava em estar aqui com você.
E me abraçou... Tentei sair daquele abraço sem demonstrar rejeição, não queria magoá-la.
– Angélica, tenho muito trabalho aqui. Não vou poder ir na sua casa hoje. Temos vários projetos
para entregar e os prazos estão vencendo. Não vai dar.
Ela se afastou demonstrando indignação. Colocou as mãos na cintura:
– Não acredito! Vai me deixar sozinha hoje?
– Não posso, Angélica, por favor entenda.
– Não! Não entendo. E quer saber? Se você não for, eu venho ficar com você aqui.
– Angélica, não! Com você aqui não vou conseguir trabalhar. Vamos fazer assim: se der, passo lá
mais tarde. Tá certo?
– Melhorou. – Se aproximou novamente e me beijou: – Estou com saudades de fazer amor com
você. – Colocou as mãos por baixo da minha blusa, já tocando meus seios. Dei um passo para trás:
– Por favor... Aqui não.
– Tá, fique calma... Melhor eu ir, senão pego você agora. Te esperarei.
E saiu. Esperei ela fechar a porta, dei um tempo e corri para a sala de Paulo.
– Preciso de você!
– Nossa! Que houve?
– Presta atenção... Sei que vai ficar hoje no escritório e... E... Preciso que me dê cobertura com
Angélica.
– O quê?
– Paulo, por favor! Disse a ela que vou estar aqui à noite e se ela ligar quero que confirme que
estou... Diga que... Diga que saí por alguns instantes e volto logo... Sei lá! Preciso de algumas horas.
– Daniela! Você não vale nada mesmo, ontem estava choramingando e de quatro pela cigana e
hoje vai sair com outra? Quando vai tomar vergonha na cara?
– Quer parar de me ofender? Vou sair com Inka! – falei sorrindo. Ele me olhou com espanto e
sua expressão se tornou séria.
– Ótimo! Vai sair com Inka e depois vai para a cama de Angélica?
– Por que está bravo assim?
Ele se aproximou:
– Daniela, será que não percebeu que Inka não é como essas... Essas... Que você está
acostumada a levar pra cama? A maioria quer o mesmo que você... Trepar! Ela espera mais de
você, Dani! E Angélica? Não vê que vai magoá-la ?
Assumi a mesma expressão séria que ele estava:
– Não vou magoar ninguém, Paulo... É a última coisa que faria.
Fui sincera e continuei:
– Só... Só não posso falar com Angélica assim. As coisas ficaram estranhas com ela, preciso de
tempo, vou procurá-la e esclarecer tudo, mas depois... Com calma, Angélica é minha amiga e... E
não posso simplesmente dispensá-la.
– Está certo, Dani, vou fazer o que quer. Te dou cobertura, mas quero que saiba que não
concordo com isso e só farei porque acredito que você vai resolver isso.
– Não se preocupe. Sei o que estou fazendo. Agora preciso trabalhar. Tenho algumas coisas pra
terminar hoje e... Obrigada.
Saí da sala dele com a certeza de que eu estava agindo certo.
Antes das nove, já estava na porta da casa de Inka. Não precisei descer do carro, ela saiu pela
porta e tive uma visão linda. Vestido preto, justo, delineando perfeitamente o corpo. Os cabelos
negros, presos displicentes no alto com alguns fios caindo... Deslumbrante. Entrou no carro.
– Você está linda, Inka!
– Obrigada.
Por segundos nossos olhares ficaram presos... Ela desceu os olhos e depois de uma breve análise
disse lindamente:
– Você também... – Completou baixo: – Me agrada.
Senti vontade de puxá-la para mim e beijá-la, mas me contive. Respirei fundo.
– Vamos? – perguntei.
– Já sabe onde vai me levar?
– Temos algumas opções, sei que gosta de frutos do mar... Conheço um lugar ótimo. Mas se
preferir outra coisa...
– Diga você, o que prefere?
“Prefiro você”, pensei, mas não disse.
– Ahn... Massas... Adoro massas também – respondi rápido.
– Comida japonesa?
– Perfeito!
Escolhemos um restaurante que tanto eu quanto ela já conhecíamos. Procuramos uma mesa em um
local mais reservado. Depois de muitas dúvidas sobre o que ela queria comer, acabamos
escolhendo o tradicional sushi, sashimi e saquê para acompanhar.
Fui obrigada a rir com a confusão que ela deixou na cabeça do garçom, que retornou à mesa
duas vezes para se certificar do pedido.
– Por que está rindo? – ela me perguntou segurando o hashi com salmão e mergulhando-o no
shoyu.
– É sempre tão decidida assim? – perguntei me referindo ao pedido que ela havia mudado
várias vezes.
– Não... – Sorriu. – Às vezes, tenho dúvidas.
Acompanhei a viagem do salmão até sua boca e a vontade que senti de beijá-la me dominou.
– Agora... Está com dúvidas sobre algo? – perguntei sorrindo e disfarçando a vontade. Ela olhou
para a mesa, os pratos e disse:
– Sim... Não sei se prefiro o salmão no shoyu ou nesse molho marrom.
Terminamos o jantar assim, divertidamente, sem entrarmos em assuntos que nos fariam ficar na
defensiva ou constrangidas. Apenas nossos olhares revelavam mais do que nossas palavras no
momento. Sabia que tinha que esperar o momento certo, e ela também. Falou sobre sua vida com
Vana, contou algumas coisas sobre sua chegada ao Brasil e percebi que ficou triste.
– Não precisa falar se não te faz bem. – Peguei sua mão.
– Tudo bem, só as vezes fico imaginando como estão... Quando vim embora, já havia perdido
minha mãe... Mas tinha mais dois irmãos mais velhos e meu pai, que me criou junto com minha avó...
Foi ela quem me salvou de uma vida que... Que... Bem, foi ela que me ajudou a vir embora.
– Deve ter sido uma viagem dura.
– Muito, me lembro do navio e das pessoas que estavam naquele porão... Ficamos três dias
somente com água e dividíamos o que cada um tinha trazido... Não esqueço os olhares daquelas
pessoas. – Baixou o olhar.
– Ei... – Segurei sua mão com mais força. Apertei entre as minhas. – Vamos esquecer isso, ok?
Não precisamos falar disso.
Ela retribuiu o contato que fazia na sua mão. Apertou a minha. Sorriu.
– Desculpa... É que cada vez que tia Vana viaja me sinto um pouco abandonada e... Acabo me
lembrando de coisas que não fazem muito bem... Desculpa.
– Por favor... Não tenho que desculpar você por isso. Que acha de tomarmos mais um saquê?
– Se quiser me deixar bêbada, pode pedir – respondeu com um sorriso lindo.
– Que isso? Bebemos pouco. Mas, se precisar, carrego você.
Falei com certa malícia no olhar. Ela percebeu e ficou corada. “Linda”. Estava encantada com os
contrastes que percebia nela... Totalmente reservada... Chegando quase à timidez, ficando
vermelha em alguns momentos e outras me surpreendia, como da forma que entrou no meu
apartamento, totalmente desprovida de qualquer inibição... Sentia minha pele arder de vontade
dela. Era como se, ao vestir-se com roupas de cigana, se transformasse. Assim a conheci naquela
tenda, totalmente segura de seus atos e do que dizia, e depois em minha casa quando me fez
pensar que eu estava no comando, simplesmente mostrou-me que eu estava totalmente enganada.
As regras eram dela. Neste momento, meu olhar para ela era revelador das minhas emoções e
pensamentos, pois não conseguia mais evitar, e também não queria.
– Não me olha assim, Dani.
Falou sem desviar o olhar do meu. Preocupou-me a censura.
– Por quê? – perguntei com receio da resposta.
– Porque sinto vontade de beijar você agora. E acho que não dá – falou baixo, fazendo minha
pele arrepiar.
Coloquei meu corpo um pouco para frente. E respondi:
– Estou com vontade disso a noite toda... Desde que entrou no carro.
Meus olhos não saíam de sua boca. Ela repetiu meu gesto e se colocou um pouco mais pra frente,
apoiando-se na mesa, fazendo com que o decote abrisse um pouco. Senti meus lábios secos.
– E por que não beijou?
Seu olhar estava preso em minha boca. Passei a língua nos lábios, ela acompanhou meu gesto e
repetiu.
– Porque tive medo que não quisesse – falei.
– E agora... Está... Está com vontade de quê? – A voz baixa, rouca, o sotaque...
Não sei se o calor que sentia era do saquê ou de desejo. Respondi com o olhar em seus lábios...
Desci para o seios... Não precisava das palavras, mas falei. Tão baixo que pensei que ela não
ouviria:
– Estou com vontade de seus lábios, Inka... De tirar seu vestido lentamente.. Dos seus seios na
minha boca, chupar, morder... De deslizar meus lábios, minha língua pelo seu corpo... Esfregar meu
corpo no seu... Estou com vontade de fazer amor com você a noite toda. De acordar amanhã com
você em meus braços e repetir... Repetir... Repetir.
Seu olhar negro, profundo me queimava.
– Daniela... – falou meu nome num suspiro, entendi o pedido e respondi rápido:
– Sim... Vamos embora.
CAPÍTULO 11
Entrei no carro e não sei se foi Daniela que me puxou ou eu que me joguei nos braços dela...
Nos beijamos ansiosas pelo contato de nossos lábios, um beijo com intenção de saciar mais do que
lábios famintos de desejo... Mas de arrancar, sugar, tomar posse da essência... Da alma. Senti-a
soltar meus cabelos que caíram nos meus ombros... Busquei sua língua de forma voraz... Prendi-a, e
senti meu vestido subir em minhas pernas o suficiente para que ela afastasse minha calcinha e com
dedos ágeis explorasse meu desejo dela... Por reflexo, afastei meus lábios do beijo e um gemido
abafado saiu próximo ao ouvido dela... Que me levantou, levando-me para seu colo. Movia-se
dentro de mim, de forma a fazer-me perder o controle sobre meu corpo que se movimentava de
encontro a ela... Cavalguei em seus dedos buscando-a cada vez mais. Seus lábios exploravam meu
pescoço, desciam até meus seios... Mordiam por cima do vestido. Perdi totalmente o controle, a
razão... A vontade de ser dela me deixou alucinada e sem o menor pudor... Busquei o que
precisava, sentia minhas costas baterem no volante... Ela deixou que eu determinasse a
intensidade... A frequência... A profundidade...
– Deliciosa... Mexe assim... – Ouvia-a sussurrar nos meus seios, no meu pescoço... Na minha boca.
– Não para... – Conseguia dizer naquele movimento cada vez mais rápido.
– Não vou – ela respondia.
– Dani, eu...
– Isso... Diz... Quero ouvir...
– Vou...
As palavras anunciaram uma série de espasmos que achei não ter mais fim... Ela me segurava
com força, puxando-me para ela. Achei que ia gritar, mas sua boca me tomou com posse e deixei
meu corpo pesar sobre o dela.
Por alguns momentos, fiquei abraçada a ela, respirando em seu pescoço, de olhos fechados...
Lentamente, fui me afastando para encontrar o olhar dela.
– Tudo bem? – perguntou-me sorrindo.
Respondi com um beijo calmo. Me afastei e olhei para os lados.
– Daniela, estamos no estacionamento do restaurante. – Só então me preocupei.
– Aham...
– Meu Deus! Será que alguém viu? – Ia me afastar, sair do colo dela... Ela me puxou de volta:
– Calma... Ninguém viu, não tem como enxergar aqui dentro à noite. Calma. Relaxa.
– Mais?
– Quantas vezes você quiser.
Nos beijamos novamente... Mas, assim que afastamos os lábios, falei tensa:
– Vamos sair daqui, por favor.
Ela respondeu com um sorriso lindo.
– Vamos... Só que... Então... Você tem que sair do meu colo.
– Claro!
Sentei ao lado e arrumei meu vestido, ou o que consegui dele. Ela arrancou e saímos do
estacionamento do restaurante.
– Quer... Quer ir pra minha casa?
Perguntou-me cheia de receios. Fiquei de lado e beijei seu pescoço:
– Tem alguma dúvida? Quero você também, Daniela.
Entramos no apartamento dela e as nossas roupas ficaram no caminho até o quarto. Chegamos
nuas à cama. Ela deitou-se colocando-se por cima, mas com um movimento lento, enquanto a
beijava, fui virando-a e troquei de posição com ela.
– Minha vez...
Falei antes de começar a exploração que ansiava fazer no corpo dela. Beijei-a, passei a língua,
mordi, suguei. Senti os seios com a mão, com os lábios com o rosto.
– Deliciosa, Dani... Me gusta... Deliciosa...
Falava baixinho enquanto me deliciava naquele corpo lindo e exposto para mim. Ouvia sua
respiração, ela gemia movimentando o corpo, buscando mais o contato que eu, sadicamente,
interrompia. Percorri toda a mulher com curiosidade, com desejo, com necessidade e fome. Vê-la
gemer e ansiar por mais fazia-me sentir um poder que jamais imaginei que tinha. Queria fazê-la
minha, mas ela teria que implorar... Precisava ouvi-la dizer que queria, e ela o fez:
– Inka... Eu... Eu preciso que...
Puxava-me de encontro a seu corpo... Subi até sua boca, sentei em seu ventre e segurei seus
braços. No alto.
– Fala, Dani... Pede!
Mordi sua orelha... Esfreguei todo meu desejo e tesão nela... Tentou alcançar minha boca... Não
deixei.
– Inka... Está me torturando. – Largou num gemido.
– Basta pedir, Dani... Usted tiene que decir... – Novamente mordi sua orelha e percebi o efeito
das últimas palavras nela.
– Ahn... Quero sua boca... Me chupa... – Saiu num suspiro.
Disse tudo que eu queria ouvir. Devagar, comecei a percorrer o caminho delicioso que me levou
até o ponto que desejei a noite toda. Para em seguida percorrê-la inteira... Com a língua, com os
lábios... Suguei com extrema delicadeza para em seguida tomá-la com voracidade, arrancando
dela gemidos e palavras desconexas. Penetrei-a com os dedos, com a língua... Fiz o que meus
sentidos ordenavam e meus instintos, os mais primitivos, me induziam e ansiavam... Gozou e tomei-a
com delicadeza até perceber que seu corpo relaxou dos espasmos frenéticos que a deixaram com
a respiração alterada, ofegante... Lentamente, percorri o caminho de volta à sua boca, com
pequenos beijos nos lábios, no nariz, no queixo... Esperei ela se recuperar. Percebi esse momento
quando me abraçou com força e o beijo se tornou intenso e profundo... Nos olhamos por longos
momentos em silêncio. Ela falou primeiro:
– Não vai me dizer que isso foi só uma transa... Vai?
Sorriu. Suspirei, mordi seu queixo e respondi:
– Esse texto é seu, sua proposta... Eu apenas aceitei.
Sorri também. Ela me deitou ao lado e levantou a cabeça segurando-a com a mão e apoiando-
se no braço. Com a outra percorreu meu corpo.
– Ainda acha que foi um erro? – Passou os dedos nos meus seios... Suspirei.
– O erro mais correto que já cometi. – Fechei os olhos sentindo o contato da mão dela em meu
seio.
– Quer continuar errando?
Desceu a mão devagar deslizando pela minha pele até encontrar-se com a umidade que
ansiava por ela... O gemido que soltei foi reflexo da invasão deliciosa que senti... Assim como foi
reflexo todo o restante daquela noite: reflexo do desejo que sentíamos, da necessidade uma da
outra e de algo que crescia dentro de nós começando a se materializar, alheio à nossa vontade.
Mais tarde, adormecemos... Ela nas minhas costas, envolvendo-me com os braços, como se
houvesse perigo de eu fugir, uma das pernas entre as minhas e, de vez em quando, sentia um
pequeno beijo ou uma mordida no meu ombro.
***
Acordei em cima de Inka e com a campainha tocando insistentemente. Me movi, tentando não
acordá-la, mas assim que me afastei do seu corpo, ela se moveu e virou-se:
– Que isso? – falou sonolenta.
– Campainha – respondi contrariada. Olhei para o relógio: 8h30 da manhã.
– Não vai atender?
– Não!
– Por quê? – perguntou já sentada na cama.
– Porque não estou esperando ninguém – respondi tentando convencê-la.
Ela me olhou desconfiada. A campainha não parava.
– Pelo jeito deve ser urgente... Ou importante.
– Teriam ligado – falei ainda deitada. Ela me olhou desconfiada:
– Está com medo de quê, Dani? Ou melhor, de quem?
– De ninguém, não tenho motivos para ter medo.
A campainha tocou de novo.
– Sua namorada, não é? Angélica – falou baixo e me encarou com seriedade.
– Inka... Já falei para você que não tenho namorada. E sim! Pode ser Angélica, e se for, acho
que se atender aquela porta teremos um problema aqui.
Fui sincera com ela. Ela me olhou por alguns instantes e levantou, fui atrás e puxei-a novamente
para a cama. Ela sentou quase no meu colo. Segurei-a firme.
– Me solta, Daniela!
– Não! Olha para mim. – Puxei seu rosto fazendo-a me olhar. – Por favor. Escuta, vou resolver
isso, tá? Prometo pra você. Vou resolver com Angélica e acabar com isso que você chama de
namoro. Mas, para mim, é outra coisa.
– Droga, Daniela! Como acha que me sinto? Estou aqui na sua cama enquanto tem outra mulher
alucinada na sua porta!
– Não! Parou, tá vendo? Foi embora.
Sorri tentando descontrair, mas ela ficou mais brava ainda:
– Me solta!
– Inka. – Segurei seu rosto, dei vários beijos nos lábios. E falei: – Vou resolver... Prometo!
Se soltou dos meus braços e levantou.
– Até lá, Daniela, mantenha-se longe de mim! Onde posso tomar um banho?
Apontei a porta do banheiro. Comecei a ficar preocupada. Ela cobrou e eu aceitei.
Ouvi o chuveiro e entrei no banheiro. Abri a porta do box e entrei.
– Não, Daniela, para... Não quero!
– Inka, aconteceu algo maravilhoso com a gente essa noite. Por favor, não estrague assim.
– Está dizendo que eu estou estragando? Você é mesmo muito cara de pau, Daniela!
– Inka...
– Só de imaginar quantas mulheres você traz para sua cama, fico pensando onde eu estava com
a cabeça quando deixei você se aproximar.
– Não, Inka... Não trago ninguém para minha casa... Só... Só Angélica vem aqui.
Me arrependi do que disse.
– Ah! Isso me deixa muito mais tranquila... Ainda mais que há pouco ela estava querendo entrar
enquanto quem estava na sua cama era eu.
Esbravejou com o sotaque acentuado que me deixava excitada. Pegou a toalha e saiu. Tomei um
banho rápido e fui atrás. Ela estava terminando de se vestir, me enrolei na toalha.
– Vou fazer um café pra gente – falei tentando contornar a situação com calma.
– Nem pensar, vou embora agora!
– Vamos conversar, Inka.
Olhei para ela suplicando. Ela me devolveu um olhar gelado.
– Não é comigo que você tem que conversar, Daniela. Aliás, não me deve nada, nosso status não
mudou. A pessoa a quem tem que dar explicações deve voltar e não quero estar aqui quando
acontecer.
Saiu do quarto em direção à sala, peguei um roupão rapidamente e o vesti. Alcancei-a na
porta:
– Espera. – Segurei-a pela cintura e puxei-a de encontro a mim: – Posso ligar para você?
Ela suspirou... E me olhou, desta vez sem agressividade.
– Daniela, não sei como lidar com isso. Nunca passei por uma situação assim, mas sei que não
gostei do que aconteceu e... E... Não gosto de me sentir assim, é como se estivesse traindo alguém
e... Agora não tenho essa resposta para te dar.
Beijei-a. Ela correspondeu, mas logo se afastou.
– Adorei o que aconteceu com a gente... E... Vou resolver, tá bom? – falei.
Ela saiu dos meus braços e abriu a porta.
Levamos um susto.
Angélica estava parada na porta com uma mão no batente nos encarando furiosa.
CAPÍTULO 12
***
Cheguei em casa e joguei a chave do carro na mesa com raiva. Não percebi que tia Vana
estava na sala com uma senhora conversando. Quando olhei para elas, que me olhavam surpresas,
tia Vana levantou do sofá e veio ao meu encontro:
– Bom dia, Inka, estava preocupada. Achei que voltaria ontem.
– Desculpa, tia, devia ter ligado.
Olhei para a mulher no sofá. Minha tia nos apresentou, cumprimentei-a e subi para o meu
quarto.
A sensação de felicidade que achei que estaria sentindo pela noite maravilhosa que tivemos foi
substituída pela indignação. O olhar acusador da mulher na porta e as palavras agressivas tinham
fundamento lógico. Ela cobrava algo que achava até então pertencer a ela. A única justificativa
que encontrava para Daniela ter deixado a situação chegar a esse ponto com Angélica era o fato
de que ela estava insegura com o que sentia... Em relação a ela... Em relação a mim. Meus
pensamentos foram interrompidos pela batida na porta.
– Entra, tia.
– Inka... Acho que temos que conversar, quero que me conte o que está acontecendo com você
e... E com Daniela!
Suspirei e sentei na cama... Ela fez o mesmo. Sentou-se ao meu lado.
– O que quer saber... Que já não sabe? – perguntei.
– Eu tinha certeza que isso aconteceria no momento que vi vocês duas juntas. Sabia que você
estava confusa. Esperei que me falasse, queria que dividisse isso comigo, pois sei que não deve ser
fácil descobrir, de um dia para o outro, que se sente atraída por outra mulher... Sabia que era uma
questão de tempo para... Para que esta noite acontecesse, a única coisa que não entendo é: se
chegou até aqui, por que se sente assim? Sinto você angustiada... Há motivo... O que há?
Terminou de falar com o olhar fixo em mim. Virei-me para ela e segurei suas mãos.
– Tia... Desculpa, sei que deveria ter falado antes... Mas... Bem... – Soltei as mãos dela e levantei.
– Não confio nela, tia... Em nada do que me diz. Tenho a impressão que a qualquer momento vou
ter alguma surpresa... E hoje de manhã, tive mais uma.
Ela sorriu e se aproximou.
– Inka, não percebeu ainda que ela pode, nesse momento, estar sentindo o mesmo que você?
Será que ela confia em você?
– É difícil saber o que ela sente, não consigo... Pela primeira vez, não consigo ver se o que ela
me diz é verdade... Ou se... Droga!
Ela me abraçou.
– Filha, você não consegue porque diz respeito a você e está envolvida demais com ela para
conseguir ver qualquer coisa... Não queira saber do futuro sem antes viver o presente... É agora
que está construindo esse futuro que quer antever.
– Ela tem outra, tia. Quando saí de lá, deixei-as discutindo... E se ela não quiser mudar? E se
quiser continuar assim?
– O que ela disse para você?
– Que ia resolver tudo com ela.
– Então, Inka... Confie nela.
– Não sei o que pensar...
– Não pense demais. Vem, vamos descer, já tomou café?
– Ainda não. Vamos sim, depois vou para a loja.
No horário do almoço, resolvi ficar na loja. Lucas não estava no shopping e eu não queria
encontrar ninguém. Sabia que Raul estaria à minha espera na praça de alimentação. Fiz
companhia para Letícia, uma das funcionárias, enquanto Pamela saiu para almoçar. Letícia estava
concentrada ajudando uma senhora a escolher um filtro dos sonhos e eu preocupada em retirar
uma fonte de dentro da caixa, mas o peso da pequena rocha me surpreendeu. Não conseguia
levantá-la.
– Quer ajuda?
Levei um susto, levantei o olhar para aquela voz conhecida.
– Dani...
Ela sorria... Se aproximou e me ajudou a levantar a fonte da caixa.
– Quer colocar onde?
Mostrei a ela o local, próximo a outras fontes. Ela largou no lugar indicado.
– Obrigada... Ia pedir ajuda, mas Letícia está ocupada...
– Inka...
Nossos olhares estavam presos um ao outro. Silêncio por alguns momentos.
– Estou trabalhando, Daniela, o que quer?
Fui um pouco rude... Mas não consegui evitar.
– Desculpa, não quero atrapalhar... Mas precisava ver... Falar com você.
O tom de voz dela era suave... Quase um sussurro. Senti vontade de me jogar nos braços dela...
Peguei-a pela mão e a conduzi para a sala nos fundos da loja. Entramos e fechei a porta, o
espaço era pequeno... Cabia a mesa, uma cadeira e algumas caixas... Me virei e ela estava a
centímetros do meu rosto. Lentamente se aproximou de meus lábios, sorriu.
– Senti saudades de você...
Me beijou... A princípio, pensei em me afastar, mas quando senti seus lábios, o calor... Sua língua
procurando a minha, sua boca me sugando, implorando aquele contato... Não resisti, abracei-a
pelo pescoço... Puxei-a para mim, ela fez o mesmo. Colou seu corpo ao meu, suas mãos
exploravam minhas costas deliciosamente. O calor do corpo dela me fez sentir vertigens, não
consegui me afastar, sentia suas mãos em meus seios, deixei que abrisse os botões da blusa que eu
vestia... Chupou, lambeu, mordeu... Empurrei-a para trás ao mesmo tempo que eu abria a calça
jeans que ela vestia e baixei-a, empurrei-a contra cadeira... Não pensei em nada, apenas no que
ansiava sentir dela: fiquei de joelhos na sua frente e, assim que minha boca se apossou dela, ouvi-
a gemer de forma deliciosa... Precisava sentir essa sensação de domínio, de posse, queria senti-la
minha e ela correspondeu como se percebesse toda minha angústia de tê-la. Se ofereceu
deixando-me satisfazer minha voraz necessidade... Movia-se freneticamente em direção à minha
boca, tive medo de machucá-la. Segurei-a com força e acompanhei seu movimento... Veio para
mim, da forma mais deliciosa que podia ser, gemeu baixinho e me puxou até sua boca e para seu
colo... Beijei-a de forma possessiva... Deixei ela respirar e a beijei, novamente, com carinho...
Ternura.
Nos olhamos, ela sorriu.
– Veio me dizer o quê, Dani? – perguntei maliciosa, beijei a pontinha do seu nariz...
– Não precisei dizer... Você entendeu. – Retribuiu o sorriso.
CAPÍTULO 13
Poderia ter imaginado qualquer coisa, menos esse ataque voraz e delicioso que sofri naquela
minúscula sala. Olhando para ela assim, em meu colo, percebi o quanto eu a queria e precisava
dela... Ficamos assim abraçadas. Nos beijamos, tentei tocá-la, ela não deixou.
– Não, Dani... Aqui não. – Afastou minha mão.
Sorri e falei demonstrando falsa indignação:
– Agora é “aqui não”? Vai me deixar assim? Sem ter um pouquinho de você? Não é justo. –
Beijei-a e ela mordeu meus lábios antes de falar:
– Vou querer mais... E aqui não dá.
– Eu espero. Vou pegar você à noite e vamos para meu apartamento. Pode ser?
– Dani, tia Vana viaja amanhã, não posso deixá-la hoje sozinha.
– Vou ter que esperar até quando? Quero você, Inka – falei com a boca em seu pescoço, mordi
sua orelha. Ela encostou a cabeça em meu ombro e gemeu baixinho.
– Vai jantar com a gente.
Falou tão baixo e embargado que não entendi o que disse... Minhas mãos já estavam nos seus
seios.
– Repete... – Fiz o pedido beijando suavemente seu peito. Abrindo caminho para chegar nos
seios.
– Dani... Para!
Falou e tentou sair do meu colo. Segurei-a, não deixei.
– Tá... Tá... Eu paro, me diz... Quando?
– Esperamos você para jantar, tá?
– Quero ficar sozinha com você, Inka – falei numa súplica.
Ela segurou meu rosto e falou olhando em meus olhos:
– Também quero, principalmente porque temos que conversar sobre hoje de manhã.
Suspirei.
– Certo, vamos conversar sim.
– Agora tenho que trabalhar e acho que você também... E tenho a impressão de que as meninas
devem estar achando estranho a gente aqui, nesse cubículo, há mais de meia hora.
– Han... Tem certeza? – perguntei puxando-a para outro beijo.
Ela correspondeu e ficamos mais algum tempo entre beijos e carícias para as quais, novamente,
ela teve que impor o limite. Com relutância, nos afastamos. Arrumei minha calça... Ela fechou a
blusa... Nos olhamos e uma risada foi inevitável.
– Você está linda, Inka... Não se preocupe – falei enquanto ela passava os dedos nos cabelos
tentando desfazer o que eu havia feito.
– E você está com cara de quem acabou de gozar – falou sorrindo e me beijou novamente.
– Vamos. – Desta vez fui eu que incentivei sairmos logo, antes que recomeçássemos.
Nos despedimos e, de forma discreta, dei-lhe um beijo no canto da boca.
Voltei para o escritório e ao trabalho... Feliz, realizada e sentindo em meu corpo o cheiro dela.
Refiz várias vezes os momentos com ela, a pele, o cheiro, o gosto, aquele sotaque que quando
fazíamos amor se acentuava a ponto de misturar os idiomas... Linda.
Antes das dezenove horas já estava em meu apartamento, tinha pressa de ir para a casa de
Inka. A necessidade de vê-la, de estar junto, me fazia esquecer todo o resto... Só pensava nela...
“Se isso é paixão... Então, estou apaixonada por esta cigana”, pensava enquanto dirigia em
direção à sua casa.
***
Já passava das oito da noite e nada de Daniela chegar, estava ansiosa. Ajudei minha tia a
arrumar as malas, a preparar os diversos utensílios que levaria. Estávamos no quarto dela
terminando de fechar a última mala.
– Inka? Que ansiedade é essa? Calma!
Olhei para ela no momento em que tentava fechar a mala, antes dela colocar as últimas roupas.
– Desculpa, tia...
Ela sorriu... E balançou a cabeça.
– Não achei que veria isso.
– Do que está falando?
Continuou sorrindo e me olhou...
– Você está louca de vontade que ela chegue de uma vez. Não vê a hora de vê-la.
Suspirei e sentei na cama.
– Não sei o que está acontecendo, tia... Não penso em outra coisa, só em vê-la, poder estar
perto dela... Sentir a presença dela... Não consigo explicar isso.
Parou de fazer o que estava fazendo e sentou-se ao meu lado. Pegou minha mão:
– Não tente racionalizar o sentimento... Apenas sinta e viva intensamente. Foi exatamente o que
fiz quando minha hora chegou e não me arrependo de nada.
Baixei a cabeça e segurei sua mão.
– Sente saudades dele, tia?
Ela respirou fundo.
– Muita. Todos os dias, nos últimos cinco anos.
– É, também sinto muita falta de Armando.
– Eu sei, filha... E ele te amava.
Ficamos em silêncio por alguns instantes lembrando, cada uma, dos momentos felizes ao lado do
homem que fora companheiro de minha tia por anos... E que uma parada cardíaca fulminante
levou de nós.
– Tia... Esta noite tive um sonho estranho. – Respirei fundo e baixei o olhar. – Havia muito sangue,
não lembro muito. Mas lembro de minhas mãos, olhei-as e estavam manchadas de sangue. Acordei
assustada.
– Nem tudo que sonhamos tem significado, filha. Às vezes, é efeito da realidade com que nos
deparamos todos os dias, nos jornais, noticiários.
– Eu sei... É. Deve ser isso sim.
Nos abraçamos. Ela falou:
– Mas agora vai. Sua espera terminou.
– Mas não ouvi ela chegar.
No exato instante em que terminei de falar, ouvimos a campainha. Sorri para ela e antes de sair
falei:
– Começo a me preocupar. Nunca vou conseguir saber nada sobre nós.
– Não tem que saber, filha... Tem que viver. Um dia após o outro.
Saí do quarto dela e desci as escadas correndo. Sem olhar para trás, pois se tivesse olhado
teria visto o semblante de tia Vana transformar-se do sorriso à tristeza, rapidamente. Teria visto ela
secar a lágrima que teimou em cair em sua face, teria visto o semblante carregado de
preocupação e teria ouvido ela dizer:
– Ela terá que passar por isso... Se eu soubesse como ou o quê... Poderia evitar.
Balançou a cabeça para afastar os pensamentos ruins.
A noite foi maravilhosa, conversamos, rimos e tentávamos disfarçar a vontade que sentíamos uma
pela outra. Percebia que Daniela ficava constrangida na presença de minha tia, não falamos nada
a respeito de nossa relação para tia Vana, e ela respeitou nosso silêncio. Depois de algum tempo,
ela se despediu. Foi o único momento que se referiu à nossa relação de forma mais direta:
– Cuide bem de minha sobrinha, Daniela, vou cobrar quando voltar.
Daniela ficou corada e respondeu:
– Fique tranquila, vou cuidar. – Sorriu de forma tímida.
Ficamos na sala. Por alguns instantes esperando que o silêncio nos indicasse que minha tia havia
se recolhido. Fui até onde ela estava sentada e sentei ao seu lado.
– Como foi com Angélica pela manhã?
Ela me olhou e colocou meu cabelo para trás da orelha:
– Difícil... Mas acho que ela... Entendeu.
– Entendeu o quê, Dani? – perguntei rápido.
– Entendeu que... Que não podemos continuar com essa relação... Que acabou – disse de forma
segura.
– Você falou? Falou que acabou?
– Você acha que foi necessário? Angélica é adulta, Inka, ela percebeu.
– Ela descobriu que ama você. Eu sei que ela não é de desistir fácil do que quer.
– Viu tudo isso nela? Quando?
– No primeiro dia que a vi com você. Naquele dia na casa de Paulo apenas confirmei.
Daniela ficou me olhando como se fosse perguntar algo, mas não o fez. Preferiu falar de
Angélica:
– Ela ficou muito magoada e acho que... Que não quer me ver tão cedo.
– Com razão, não acha? – Encarei-a.
– Não queria magoá-la, não sabia que ela havia se envolvido dessa forma, para mim estava
tudo muito claro – falou retribuindo o olhar.
– Sexo? – falei com firmeza.
Silêncio...
– Companhia, amizade, diversão e, sim... Sexo.
Levantei tentando não me abalar com aquelas palavras. Ela levantou atrás e se aproximou.
Virei-me para ela e falei antes dela:
– Tenho medo disso, Daniela.
– Do quê? De mim? – falou com suavidade.
Estávamos de frente uma para a outra... Respondi:
– Da forma como você se envolve, ou melhor... Como não se envolve. Tenho medo de ficar
sozinha nessa história, tenho medo de sentir o que sinto, sozinha.
Ela se aproximou mais e me puxou pela cintura:
– E o que sente, Inka?
– Uma vontade cada vez maior de ficar perto de você, de conhecê-la, de conversar toda hora
com você, de tocar, de beijar você... Fazer amor... De... – Não me deixou terminar a frase... Me
beijou.
– Não está sozinha em nada disso e acho que você se preocupa demais com o que ainda não
aconteceu.
Fui sincera, precisava ser:
– Tenho medo, Dani, você não é o tipo de mulher que se envolve.
Ela se afastou, pareceu não ter gostado.
– Não sabe como sou, Inka! – falou com o olhar duro.
– Sei, Dani, sempre soube desde o primeiro minuto que vi você!
– Do que está falando? Quer dizer que leu minha mão e já tirou todas as conclusões? Não me
venha com isso, Inka, não aceito que você me julgue por impressões que acha que teve a meu
respeito. Não... Não acredito nessas coisas, Inka! – falou segura e sincera.
– Você não aceita nada que os seus próprios sentidos não te mostrem, não é?
Perguntei sorrindo da falta de confiança dela em qualquer tipo de intuição ou qualquer coisa
que não conseguisse explicar.
Ela caminhou até o meio da sala e se virou:
– Tenho que acreditar, Inka?
– Não entendi...?
– Para poder me relacionar com você, tenho que acreditar em quê, Inka? – Foi direta.
– Em nada, Daniela, em nada.
Percebi o muro que se apresentou nesse momento. Nossos olhares se prenderam como se
lamentássemos o pensamento uma da outra. Ela se aproximou e tentou me segurar... Me afastei.
– Tenho a impressão que pulamos algumas etapas, Dani. Você não me conhece e... E talvez não
consiga entender determinadas coisas.
– E você me conhece? – Estava brava. – Acha que me conheceu somente lendo minha mão? Foi
isso? Julga a partir disso?
– Não, Daniela, não julgo nada. Apenas não descarto as coisas que consigo ver... Ou as que
pressinto, mas você deixou claro o modo como encara as relações.
– Nem tudo é o que parece – falou baixo.
Percebi que ela estava magoada. Não aguentei seu olhar de decepção, fui em direção a ela e
toquei seu braço:
– Vamos parar com isso? – falei.
– Acho que não sou a pessoa que você gostaria, Inka.
Senti vontade de abraçá-la... Não deixei que se afastasse. Puxei-a e coloquei meus braços ao
redor de seu pescoço... Esperei que ela retribuísse e ela o fez, lentamente, até me fazer sentir o
corpo dela, inteiro, colado ao meu... Me afastei um pouco para poder olhá-la... Falei com
suavidade e carinho:
– Deixa eu descobrir isso, tá?
Beijei-a com ternura, ela correspondeu. Esquecemos, momentaneamente, as diferenças e crenças
sobre o que pensávamos, sobre a realidade, o futuro... Mas sentíamos essas diferenças pairando...
Etéreas. Entregamos-nos a carícias e beijos que nos levaram ao sofá... Deitamos. Ela sobre mim...
Até que resolvi interromper, no momento em que ela levantava minha blusa:
– Dani... Não. – Empurrei-a pelos ombros. Sorrindo.
– Quer que eu pare? Não tá a fim... Não quer?
A voz saiu embargada de desejo e receios. Continuei sorrindo:
– Não, Dani... Quero que continue, mas não aqui. Vamos para o meu quarto.
Seu olhar foi de surpresa:
– Tem certeza? E se sua tia... Sei lá... Vir ou... Ouvir?
Não resisti à risada:
– Preferia que ela visse aqui?
Falei levantando e puxando-a junto. Peguei sua mão e fui em direção às escadas. Parei no
primeiro degrau ficando na altura dela... Olhei maliciosamente para ela, que tinha os olhos nos
meus seios.
– Quero ser sua, Dani, e quero ter você, mas na minha cama.
Subimos as escadas com os lábios, a boca, as mãos iniciando uma exploração urgente que foi o
prenúncio da noite que viria.
CAPÍTULO 14
Nunca havia entrado no quarto dela, mas, num primeiro momento, não prestei muita atenção no
que tinha ao meu redor... A única coisa que queria localizar era a cama, o que não foi difícil, pois
ela me conduziu.
Apesar de termos que controlar as manifestações mais entusiásticas e os gemidos altos, fizemos
amor deliciosamente. Aos poucos, percebemos que tínhamos sintonia até no revezamento do
controle ao barulho... Por momentos, tive que colocar a mão em sua boca e abafar a explosão que,
com certeza, faria eco em todos os cômodos da casa. Outras vezes, foi a vez dela calar-me com a
boca e num beijo silenciar o gemido alto e inevitável... Depois desse embate e de muitos beijos, tive
o prazer maior da noite: tê-la assim acomodada em meus braços, com os olhos fechados... A
respiração retornando calmamente.
– Acho que vou embora – murmurei próximo à sua boca.
– Nem pensar – respondeu em um sussurro.
– E sua tia?
– Não se preocupe. Ela vai sair cedo... Me abraça.
Atendi. Puxei-a de encontro ao meu corpo e adormecemos.
Caminhava nos campos de trigo... Sentindo em minhas mãos a textura dos grandes fios que
brilhavam com os raios do sol. Apesar da linda paisagem, sentia um imenso vazio no peito e a mulher,
que sempre esperava o toque de minha mão para se virar, não estava lá.
Acordei sentindo o movimento do corpo de Inka junto ao meu, ela se movia de forma tensa e
percebi que estava tendo um pesadelo. Lentamente segurei seu rosto e a beijei nos lábios. Ela
acordou sobressaltada e imediatamente olhou para as mãos.
– Você estava tendo um pesadelo. Calma... – falei tentando acalmá-la, ela me olhou.
– Que bom que está aqui. – Me abraçou. Segurei-a com força e a trouxe novamente para meu
corpo.
– Quer me contar?
– Não...
Ficou abraçada a mim... Adormecemos novamente.
Acordei sozinha na cama, ela não estava mais. O quarto ainda estava escuro, mas percebi por
trás da cortina a claridade do dia. Me virei e procurei o cheiro dela. Fiquei alguns minutos
observando o quarto, esperei meus olhos se acostumarem à pouca luz... As cores chamavam-me
atenção. Todos os móveis possuíam matizes de cores fortes e um espelho enorme na parede com
diversos lenços coloridos que caíam das pontas... Os quadros, todos em grafite com figuras
dançando confundindo-se nas labaredas de uma grande fogueira... Imaginei tratar-se de ciganos.
Ao lado da porta, um vaso enorme e colorido, tapete com motivos orientais, várias almofadas
coloridas em cima... Alguns livros e muitos incensos espalhados pelo quarto... Todos esperando
serem acesos. Algumas fotos de sua tia com um homem, e em algumas Inka estava junto a eles,
fotos de ciganas, identifiquei-a no meio delas... Sorri sozinha.
“Cigana... Minha cigana linda”, pensei enquanto levantava. Fui em direção a uma porta que
achei ser o banheiro, acertei. Encontrei toalha, escova de dentes, olhei para a banheira e imaginei
estar ali com ela... Mas entrei no box, embaixo do chuveiro. Poucos minutos depois, ela abriu a
porta... Vestia um roupão.
– Bom dia – falou sorrindo.
– Maravilhoso dia – respondi abrindo a porta do box. Imediatamente ela tirou o roupão e
entrou comigo.
As pequenas gotas d’água escorrendo em seu corpo fizeram-me sentir sede. Sede de buscar
cada gotinha que escorria em direção ao seios, ao ventre... Tomei-a inteira, como se minha vida
dependesse daquela deliciosa oferta que ela, sem o menor pudor, me incentivava a buscar.
Em seguida, caiu em meus braços e a fiz levantar o rosto... Tirei seus cabelos dos olhos, da boca,
a beijei.
– Deliciosa... – dizia embevecida pelo gosto dela.
Sorrindo, ela abriu os olhos e me disse, próximo à minha boca:
– Também quero.
– Relaxa, minha linda cigana...
Respondi e percebi sua expressão mudar... Ficou séria e não pediu, foi uma ordem... Seu olhar
negro se tornou fogo:
– Agora...
Levantou e me puxou com ela, não tive tempo de me defender da parede gelada que senti nas
costas... Me empurrou e perdi a autonomia do meu corpo.
Depois de quase uma hora, saímos do banho completamente felizes. Rimos do quase afogamento
que ela teve com a água que caía, rimos do meu joelho vermelho do atrito com o piso... E, depois
de completamente vestidas, descemos para tomar café... Nos despedimos na porta com muitos
beijos e carícias que quase me fizeram ficar.
– Então fica, Dani.
– Não posso, tenho uma reunião daqui a pouco com Daniel e Paulo... Já não fui às duas últimas.
Se não for a essa, eles vão acabar me expulsando da sociedade – falei sorrindo.
– Mas não foi por minha causa que você não foi às outras.
– Não... Nem por causa de ninguém. Foram problemas que tive fora do escritório.
Mais beijos, carícias, palavras de carinho, lembranças da noite, promessas de revanche... Mais
beijos.
– Tenho que ir. – Me afastei com dificuldade.
– Vou ficar em casa hoje.
– Certo... Eu ligo pra você. – E saí rápido.
Passei em casa correndo, troquei de roupa e corri para o escritório. Os dois me olharam com
cara de poucos amigos.
– Até que enfim, Daniela! – Daniel falou primeiro e Paulo logo atrás:
– Espero que tenha uma boa explicação pra nos fazer esperar por uma hora, quando tenho mil
coisas pra fazer.
– Desculpa... Desculpa... Desculpa... – falei com cara de culpa e sentei, eles continuaram me
olhando. – Tenho que explicar? – perguntei com receio.
– Tem! – Os dois responderam juntos e continuaram me olhando sérios... Me joguei para trás na
cadeira. E sorri.
– Estava com a mulher mais linda, mais gostosa, mais apaixonante, mais deliciosa que... Que meus
olhos já viram.
A gargalhada que eles soltaram juntos retumbou na sala. Daniel falou primeiro, olhando para
Paulo. Levantando a mão para ele em sinal de tempo.
– Espera... Espera... Espera, ela não disse quem – falou e o olhar dos dois me interrogava. Sorri
e respondi:
– Uma cigana que me enfeitiçou.
Paulo bateu na mesa e disse olhando para Daniel:
– Me deve 500 paus.
Daniel se jogou para trás:
– Não acredito – disse desolado.
Olhei para os dois e levantei:
– Não acredito que apostaram isso! – falei indignada.
– Sim! E seu irmão perdeu. Disse que você não conseguiria. Então? Paga agora ou depois? –
Paulo falava rindo e olhando para Daniel.
– Vocês são doentes!
Os dois riam e me olhavam.
– Tirei o chapéu pra você, maninha, aquela cigana é tudo! – Daniel completou.
– Quer parar? Não fala assim dela... Sempre respeitei Silvana... Ou qualquer mulher que você
namorou – falei brava.
– Namorar? – Os dois falaram juntos novamente. Paulo se aproximou e me olhou.
– Dani... Namorar? Vocês estão... Namorando? Você? Não acredito!
Daniel se jogou na cadeira.
– Achei que nunca ouviria isso. Preciso ligar para mamãe.
– Não! – falei olhando para ele. E depois para Paulo. – Não sei se estamos namorando, na
verdade não falamos disso... E... Não sei se ela quer.
Paulo ainda ria. Puxou a cadeira para perto de mim.
– Daniela, só vai saber se perguntar e acho bom você ser rápida.
– Por quê? Rápida? – Fiquei curiosa.
– Porque Lucas me disse que o ex namorado está rondando a loja dela, fez algumas perguntas
para ele, inclusive disse que tinha intenção de casar com ela. Ele acha que Lucas está dando em
cima dela... E meio que tentou dar um aviso a Lucas... Tipo assim: “Afaste-se dela” – Paulo falou e
levantou-se em direção ao café. – Vamos à reunião?
Quando Daniela saiu, me senti meio perdida... Voltei para minha cama e fiquei por um longo
tempo abraçada ao travesseiro que ela dormira e relembrando a noite maravilhosa que tivemos.
Nunca em minha vida passou pela minha cabeça que seria uma mulher que me mostraria o prazer
de forma tão completa. Não conseguia mais imaginar minha vida sem ela... A forma como me
tomava para si e como se dava me faziam esquecer as inseguranças que tinha. Precisava dividir
essa felicidade com alguém... Liguei para Lucas que me ouviu eufórico.
– Inka, amanhã vou até a loja cedo e quero detalhes... Não vou hoje porque não quero
atrapalhar – falou rindo.
– Não sei se ela vem hoje, Lucas... Amanhã conversaremos, mas não pense que vou te dar muitos
detalhes não, viu? – respondi também sorrindo.
– Ah! Nem pense... Beijos, tenho que trabalhar.
– Beijos. Tchau.
Desliguei e resolvi me ocupar com o que tinha a fazer... Minha tia deixara algumas encomendas
que eu deveria preparar para algumas pessoas que viriam buscar durante a semana.
Fui para o herbário e me concentrei. Depois de algumas horas, tive a impressão de ouvir a
campainha... Fui até a sala e ouvi novamente... Abri a porta. Novamente o rapaz da floricultura.
– Senhorita Inka?
– Sim.
Me estendeu somente um cartão... Sorri... Fechei a porta. Abri o cartão.
Sem assinatura, não precisava. Fechei o cartão e encostei-o no meu peito... Fechei os olhos.
“Daniela, você me surpreende sempre”.
Fiquei por alguns momentos imaginando como seria dali para frente, tentava em vão fazer uma
leitura de nossa relação. Nada surgia em minha mente. Alguns minutos se passaram e, novamente, a
campainha... Larguei o cartão sob a mesa ao lado e senti um frio de tensão percorrer-me as costas
no momento em que abri a porta.
– Raul? Q... Que surpresa. – Tentei disfarçar meu nervosismo.
– Olá, Inka... Posso entrar?
– Claro.
Dei passagem. Ele entrou e imediatamente seu olhar encontrou o cartão sobre a mesa. Percebi
que leu. Me olhou... Um sorriso forçado acompanhou as palavras.
– E Vana? Viajou?
– Sim, pela manhã... Saiu cedo – respondi caminhando até a sala. Ele foi junto.
– Esperei seu retorno, liguei diversas vezes para a loja e achei que você poderia estar
precisando de algo.
Sentou ao meu lado. Me olhava com intensidade. Há pouco tempo, achava esse olhar
extremamente sedutor. O conjunto todo me atraía... Alto, moreno, olhos castanhos, feições fortes...
Traços bem marcados. Mas agora só pensava em me afastar. Discretamente, foi que fiz, minha
intuição me mandava manter distância.
– Está tudo bem. Só não fui para a loja porque tenho muitas coisas para fazer por aqui. Mas... E
você? Tudo bem?
Tentei ser amigável. Percebi a tensão no ar.
– Tudo certo. – Me encarou. – Tirando a saudade que sinto de você.
– Raul... Por favor.
– Inka... – Se aproximou, me afastei um pouco mais. – Está com medo de mim?
– Não. Só acho que... Que você não deveria falar dessa forma, afinal decidimos ser amigos.
Lembra?
– Amigos não sentem saudades?
Levantei, pois flashes dele me segurando com força, tentando me beijar vieram à minha mente e
fiquei aflita.
– Claro que sim, Raul. Mas...
Ele levantou rápido e veio em minha direção, não me deixou completar.
– Inka... Olha para mim? – Segurou-me pelos braços. – Por que não quer tentar? Eu mudo. Me
diz o que tenho que fazer. Eu... Eu te amo.
– Raul, por favor.
– Só te peço mais uma chance.
– Não dá mais, Raul. Por favor, me solta...
Tentei ser gentil, falei com carinho, mas ele apertava cada vez mais forte meus braços e
começou a me sacudir enquanto falava:
– É por causa dele, não é? Me diz... Você está saindo com aquele idiota do Lucas?
– Não estou saindo com ninguém, Raul. Você está me machucando... – Consegui dizer e tentei me
afastar novamente... Ele me puxou e tentou me beijar, empurrei-o. Segurou meu rosto e forçou seus
lábios contra os meus. Com as duas mãos, empurrei-o com força. E me afastei em direção à porta,
abri rápido:
– Por favor... Vai embora, Raul. Conversaremos depois quando você estiver mais calmo.
Ele caminhou em minha direção e, antes de sair, falou:
– Não vou perder você para aquele pateta. Você vai se arrepender e vai voltar para mim.
– Tchau, Raul.
Ele saiu e fechei a porta... Com a chave. Um pânico se instalou em mim naquele momento, mais
imagens me tomaram a mente... Imagens desconexas de pessoas desconhecidas, minha tia
chorando, sangue... Muito sangue em minhas mãos. Tive medo do que ele poderia fazer com
Lucas... Corri para o telefone e liguei para ele. Contei a ele a conversa com Raul e pedi que
tomasse cuidado. Ele me falou que Raul o havia procurado algumas vezes e, na última vez, havia
sido direto, perguntou se estávamos namorando e disse que ele deveria se afastar de mim.
– Ele ameaçou você?
– Indiretamente sim... Mas não se preocupe, Inka, ele não vai fazer nada. É um covarde. É melhor
ele descarregar a raiva em mim do que na Dani. Não acha? Pelo menos, sou do tamanho dele.
Percebi que tentou descontrair, mas fiquei mais nervosa ainda. Imaginar qualquer tipo de
agressão contra ela me deixava em pânico.
Despedi-me dele com a certeza de que deveria evitar qualquer confronto entre Raul e Daniela...
Melhor se um não soubesse do outro. Evitaria a curiosidade dela e a raiva dele. Um dia ele
esqueceria... Assim eu esperava.
O restante do dia, me ocupei em fazer as entregas para algumas pessoas que vieram buscar,
liguei para a loja para fazer algumas recomendações de produtos que estavam para chegar e, no
final do dia, comecei a me preparar para ela. Encaminhei o jantar, deixei o peixe preparado para
assar... Vinho branco gelando e enchi a banheira... Coloquei um roupão.
Antes de entrar, sentei na beirada e senti a água morna entre os dedos. Com calma, peguei o
pote com essência de rosas... Pequenas gotas caíram na água, senti o cheiro invadir o ambiente...
Com a mesma calma ritualística, abri o pote com pétalas vermelhas embebidas na mistura
afrodisíaca... Peguei algumas e joguei-as na água... Jasmim em pequena quantidade e olhei para o
mel... Sorri sozinha...
“Quer uma resposta, Daniela? Vou te dar”.
CAPÍTULO 15
Antes de sair do escritório, no final da tarde, Daniel me chamou na sala dele. Contrariada, abri
a porta, pois estava com pressa de ir para casa. Queria ver Inka, achei que ela me ligaria depois
de ter recebido o cartão... Mas não. Fiquei com receio do que ela me diria... Se havia entendido,
qual seria sua resposta.
– Daniel, tem que ser agora?
– Tem, Dani. O Dr. Afonso Martins acabou de ligar, ele precisa de um de nós amanhã à tarde em
Balneário Camboriú. Ele está comprando um terreno, quer nossa avaliação e nossa opinião.
– Ah, por favor, Daniel, me livra dessa.
– Dani... Eu não posso sair agora, sabe que preciso estar aqui nos próximos dois dias ou
perdemos o negócio do shopping.
– Droga, Daniel... E quem ele vai mandar da construtora? – perguntei, mas já sabia a resposta.
– A filha, óbvio – respondeu sem me olhar.
– Quer dizer que vou ter que viajar com Angélica?
Levantou o olhar da planilha e me olhou com reprovação.
– Dani... Que eu saiba, é a única filha dele e não vejo problemas você viajar com ela, afinal...
Sempre foram amigas... Não é? E, que eu saiba, são nossos melhores clientes, portanto vamos fazer
aquilo que eles acharem melhor. Se ele quiser mandar o bispo junto... Nós acatamos.
Senti a ironia e a indignação dele com a situação, pois ele sempre me avisara sobre o erro que
havia cometido em me relacionar de forma mais... Íntima... Com Angélica. Ou qualquer outra pessoa
cujo vínculo fosse profissional. Dizia sempre que, se a relação se rompesse, poderia influenciar nos
negócios do escritório.
Respirei fundo.
– Tá certo, Daniel, sem sermão. Eu vou. Mas vou de carro. Não quero ficar presa em nenhum
aeroporto, principalmente no retorno no final de semana.
– Faça como achar melhor. Tem que estar lá no final da tarde. A viagem de Porto Alegre à
Balneário não é longa. O problema é a estrada. Sabe que tem que ir cedo pra evitar a pressa,
não é?
– Entendi – falei com ironia. – Mais alguma coisa?
– Sim. Ligue para Angélica para combinar. Vê se ela vai com você ou se prefere ir de outra
forma e encontrar você lá.
Saí da sala dele furiosa. Só me faltava essa.
“Droga... Droga... Droga...”
– Alô? Angélica... É Daniela, tudo bem?
– Oi...
– Estou ligando pra combinar com você a...
– Eu sei porque está ligando. Por que Daniel não vai no seu lugar?
Silêncio.
– Ele não pode...
Fiquei completamente abalada com a forma como ela estava me tratando.
– Está certo. Encontro você lá então. Já reservei o hotel e mando o endereço por e-mail. Tchau.
Não deu tempo de responder. Fiquei com o aparelho na mão.
“Nossa... Que grossa”.
Mas eu sabia que merecia.
Antes de sair do escritório, avisei Daniel o que havia combinado com ela.
– Estou indo e amanhã não venho aqui. Viajo cedo.
– Certo, Dani, e por favor cuidado na estrada, tá? Me ligue quando chegar lá.
Me abraçou e deu um beijo na testa.
– Ligo sim... Pode ficar tranquilo.
Ia saindo e ele me chamou novamente:
– Daniela...
– Oi? – Me virei para ele.
– Não podemos perder esse cliente. Sabe disso, não é? Investimos muito nessa parceria. Tem
muito dinheiro em jogo.
– Eu sei, Daniel... Eu sei... Fique tranquilo... Se Angélica quiser, me ajoelho aos pés dela e peço
perdão.
– Ela pode querer outra coisa – falou sorrindo.
– Acho melhor já calcular o prejuízo. Ela não terá – falei segura.
– Desculpa dizer isso, mas eu avisei você, Dani.
– Vou ouvir você da próxima vez... Tchau.
– Tchau, amor... E cuidado.
Fui para casa pensando em como iria dizer isso a Inka. Estava tentando mostrar a ela que
estava disposta a mudar, passar a ela segurança. Mas como ela reagiria a isso? Essa dúvida me
perturbou até o momento que bati na porta da casa dela.
A visão que tive da mulher me fez esquecer o problema... Estava linda, um vestido branco de
alças, contrastando com a pele... Os cabelos... O olhar indicando que aguardava ansiosamente
minha presença.
– Linda... – Puxei-a para mim e a beijei, o cheiro dela invadiu meus sentidos. – Senti saudades o
dia todo.
– Eu também, Dani... Entra.
Me puxou pela mão. Foi até à sala, virei-a para mim... Mais um beijo... Se afastou.
– Me conta. Como foi seu dia?
Lembrei o problema da viagem. Mas não ia tocar no assunto agora... Na verdade, estava
ansiosa para falar sobre o cartão, se ela havia entendido. Se queria. Caminhei até o sofá e sentei,
ela fez o mesmo ao meu lado... Mas não tocou no assunto. Fiquei preocupada e com receio de
falar e ouvir um não.
– Longo...
Me aproximei, puxei-a para mim. Não conseguia afastar meus lábios dela. Delicadamente,
afastou-se o suficiente para falar:
– Está com fome?
– De você...
Respondi com olhar preso em seus lábios, desci aos seios... Uma corrente elétrica percorria meu
corpo. Algo nela me deixava inebriada. Beijou-me o pescoço e disse próximo ao meu ouvido, com
aquele sotaque viciante:
– Sua pressa me excita. – Levantou, antes que eu a prendesse novamente, e sorriu: – Espera...
Foi em direção à cozinha e, segundos depois, retornou, trazendo em uma das mãos uma garrafa
de vinho, na outra duas taças.
Parou na metade do caminho e o olhar que lançou para mim foi o convite que eu esperava.
Levantei e caminhei em sua direção... Começou a mover-se para trás sem tirar os olhos dos meus...
Chegou à escada e virou-se, me dando a visão de suas costas nuas. Lentamente subiu, degrau por
degrau. Acompanhei o movimento suave de seu corpo... Quase que hipnotizada, fui atrás...
Devagar, sem alcançá-la. Na porta do quarto, esperou que eu me aproximasse, me estendeu a
garrafa, e sem tirar os olhos dos dela... Segurei.
Em silêncio, ela abriu a porta e me deu passagem. O cheiro delicioso me inebriou ao mesmo
tempo que minha visão encantava-se com a luminosidade causada pelas inúmeras velas que
estavam espalhadas por todo o quarto. Dei alguns passos e me virei, seu olhar brilhava refletindo
as chamas espalhadas pelo ambiente. Separou as taças, uma em cada mão, e me olhou... Abri o
vinho, servi-as. Peguei uma, ela outra... Tirou a garrafa de minha mão e largou no chão... Um
pequeno gole... Fiz o mesmo, sem afastar o olhar. Com movimentos suaves, tirou a taça de minhas
mãos e largou em cima do criado mudo. Pegou o controle remoto e apontou para o som... A música
cigana invadiu o ambiente, e ela veio em minha direção, no ritmo da música, os braços acima da
cabeça movendo-se como plumas que repousaram no meu pescoço... Mordeu meus lábios, puxei-a
de encontro ao meu corpo e meus lábios buscaram os dela... O beijo me fez arder de desejo, as
mãos foram aos poucos abrindo caminho entre panos e todos os obstáculos que nos separavam
daquilo que mais queríamos... Em poucos minutos estávamos nuas... Na cama.
Lentamente, busquei todos os sabores daquela cigana que me enfeitiçava. Meus lábios tinham
vontade própria e fiz do corpo dela alívio para minha necessidade. Entregou-se à minha vontade
de forma submissa e ao mesmo tempo dominadora, pois a tinha à mercê de minha vontade... Ao
mesmo tempo que sabia que a partir daquele momento ela seria minha dona. Senti esse poder
quando, de forma alucinante, atingi um orgasmo intenso sem que ela tivesse me tocado... Apenas
deslizando meu corpo, minha boca... Meus lábios... Sentindo seu cheiro... Sua pele. Precisei de
alguns momentos para recuperar minha lucidez... Deitei sobre ela por alguns segundos... Abri os
olhos e encontrei o olhar de posse que, com todo direito, ela conquistou... Nos beijamos longamente
e aos poucos ela foi pedindo, sem palavras, que eu a possuísse. Sem demora, atendi... Senti seu
corpo estremecer inteiro em meus braços no mesmo momento em que a ouvi pronunciar entre
gemidos uma simples palavra:
“Sim”.
Foi à única palavra dita até aquele instante e seria a única até adormecermos exaustas, porém
extasiadas... Uma da outra.
***
Uma noite maravilhosa, um sono reconfortante... Nos braços de Daniela. Acordei com pequenos
beijos em meu pescoço, que terminaram nos lábios.
– Bom dia... Minha linda namorada – disse enquanto me puxava para ela.
– Bom dia – respondi segurando-a nos meus braços... Ficamos alguns momentos assim, coladas, e
ela se afastou.
– Tenho que ir.
– Mas... Dani. – Olhei para o relógio no criado mudo... A garrafa de vinho vazia me impediu de
ver a hora. – Que horas são? – Estiquei-me por cima dela para desobstruir a visão, mas ela me
segurou.
– São quase sete horas – falou... Olhei surpresa.
– E... E por que tem que ir tão cedo?
Me beijou e se levantou... Ficou sentada me olhando. Percebi que tinha algo importante para
dizer... Levantei também.
– Tenho que viajar daqui a pouco.
Falou esperando minha reação, que foi imediata:
– Como assim? Vai pra onde?
– Vou fazer uma viagem ao litoral... Balneário.
Percebi que não era somente isso, esperei que continuasse.
– Tenho que estar lá no final do dia, vou a trabalho. Uma avaliação de viabilidades para a
construtora a qual prestamos serviço.
Falou demonstrando pesar. Não consegui evitar minha expressão de descontentamento... Mas
respondi sorrindo:
– Mal começamos a namorar e já vou ficar sem minha namorada... Por quanto tempo? – Tentei
descontrair, queria facilitar, pois percebi que estava preocupada com o que ia dizer a seguir.
– Pouco tempo, devo voltar no final de semana. Só que... Que...
Baixou o olhar... Segurei seu rosto e a fiz me olhar para que dissesse logo, pois se tratando de
nós, meus instintos não me ajudavam em nada.
– Dani, olha para mim... O que quer me dizer, seja o que for, acho que não vai mudar nada do
que aconteceu esta noite. – Beijei-a.
– Vou encontrar Angélica lá.
Falou com o olhar preso ao meu... Por alguns segundos o mantive, para em seguida soltá-la.
Passei por ela, saí da cama e caminhei para o banheiro... Entrei no chuveiro, ela entrou atrás.
– Inka. – Puxou-me para ela. – Vou a trabalho e não tenho como evitar, a construtora é do pai
dela e... E... É só trabalho.
Terminou a frase nos meus lábios. Afastei-a.
– Daniela, a única coisa que espero de você... É sinceridade.
– Estou sendo... É... É só trabalho.
Abracei-a forte. Algo me dizia que deveria confiar nela. Afastei-me e segurei seu rosto entre
minhas mãos:
– Acredito em você, mas não confio nela... Vai tentar algo e...
– Ela não vai tentar nada, Inka, ontem quando falei com ela, foi extremamente fria e distante...
Ela está com raiva de mim.
– Por isso me preocupo. Se ela fosse indiferente a você estaria tranquila.
Beijou-me.
– Não se preocupe, voltarei para você... Sempre.
– E eu estarei te esperando.
Esperei ela entrar no carro e ir embora... Fechei a porta com meu peito apertado.
Cheguei ao shopping e a primeira pessoa que enxerguei quando entrei na loja foi Raul, com
Lucas, parado no meio da loja. Fiquei nervosa.
– Oi, Inka... Estava esperando você – Raul falou primeiro.
– Eu também – Lucas falou em seguida com ironia e encarando Raul.
Olhei para as meninas, que me olharam tensas.
– Tudo bem? Posso saber qual o motivo da reunião? – tentei descontrair.
– Nada, só queria te ver – Raul respondeu.
Lucas deu uma risada que fez Raul olhá-lo com ódio.
– Inka, meu anjo... Volto mais tarde. – Lucas se aproximou e me beijou na testa. – Temos que
conversar... Procure-me depois.
Olhou para as meninas, mandou um beijo e depois para Raul e fez um sinal de reprovação com
a cabeça... Falou baixo, mas todos ouviram:
– Babaca.
Achei que Raul ia avançar nele. Coloquei-me na frente e peguei Raul pelo braço:
– Então... Como está? – Já o empurrando para o canto da loja.
– Ele não perde por esperar.
– Para com isso, Raul. – Tentei acalmá-lo... Ele me olhou com os olhos brilhando de raiva.
– Não vou aturar esse pateta me humilhando dessa forma. E você é responsável por isso.
– Raul... Acho que não entendeu, vou repetir: não tenho nada com Lucas e eu e você também
não temos nada... Somente amizade e, se quer mantê-la, evite esse tipo de cena.
– Não quero sua amizade, Inka... Sabe disso.
– Mas é só o que terá, Raul – falei firme.
Ele desviou o olhar, sorriu ironicamente e movimentou-se em direção à saída da loja. Antes de
sair, virou-se e seu olhar me assustou.
– Não vou aceitar isso, Inka... Estou sendo motivo de piadas de todos os meus amigos que dizem
que perdi você pra esse otário. Não vou aceitar, Inka.
– Seus amigos que são uns otários, Raul. E você não me perdeu pra ninguém.
Ele saiu pisando firme... Respirei fundo. “Mierda!”
Uma hora depois, procurei Lucas no café. Sentamos e ele segurou minhas mãos:
– Conta... – perguntou sorrindo. Retribui o sorriso, ele completou: – Nossa, que brilho.
– Estamos namorando.
Falei baixo. Ele levou a mão à boca como se evitasse o grito eufórico... Olhou para os lados
para certificar-se que ninguém havia visto a reação deslumbrada. Rimos juntos.
– Sério? E... E como foi? Ela pediu? – As perguntas ansiosas.
– Que coisa mais antiga, Lucas! Mas, sim... Mais ou menos – respondi... Ele ficou mais nervoso.
– Como assim? O que ela disse?
– Nada. – Sorri... Ele se moveu na cadeira.
– Ai que difícil isso! Quer me contar?
Contei a ele, mas sem os detalhes de como dei a resposta... Apenas que havia dito sim. Depois
de alguns momentos, retornei para a loja e comecei a ficar tensa. Já passavam das cinco horas da
tarde e nada de Daniela ligar, sabia que já deveria ter chegado ao destino, a não ser que tivesse
acontecido algum problema na estrada... Não conseguia me concentrar em nada, resolvi ir para
casa.
Já passavam das sete horas... E assim que ouvi o telefone corri para atender.
– Oi, minha filha...
– Oi, tia... – Meu tom deve ter sido de decepção.
– Que houve? Está tensa filha? – perguntou sem entender... Contei a ela que estava esperando a
ligação de Daniela... Ela sorriu: – Daqui a pouco ela liga, Inka. Ela está bem.
– Tem certeza? Consegue pressentir? Tia, fala. Já era para ela ter ligado.
Silêncio.
– Estou percebendo que está muito preocupada Inka, mas... Tem alguma coisa para me contar?
– Tenho... Mas conto quando voltar, não é nada que a senhora já não soubesse.
Ouvi a risada dela.
– Tá certo, vou desligar. E fique tranquila, ela está bem e pode estar tentando ligar. Beijos,
ligarei amanhã.
Nos despedimos e desliguei rápido. Pensei em ligar para Daniel, mas achei que iria preocupá-lo
caso estivesse tudo bem.
“Droga Daniela! Começamos bem!”
CAPÍTULO 16
Desde que peguei a BR 101 estava tentando ligar para Inka... E o celular chamava e caía na
caixa postal. Já estava indignada com isso. Ficava pensando onde ela estaria que não podia
atender o celular.
Cheguei cedo a Balneário Camboriú e ao hotel, tentei novamente... A mesma coisa, caixa postal.
“Mas que droga!”
Liguei na casa dela e chamou até cair. Imaginei que estivesse na loja, mas não tinha o número,
resolvi continuar ligando no celular. Assim que larguei minhas coisas no quarto, o telefone tocou. Era
Angélica me chamando para a reunião com a imobiliária que, para o meu azar, durou até nove
horas da noite. Consegui evitar o jantar que eles queriam nos oferecer... Saí rápido em direção ao
meu quarto, ao mesmo tempo em que ligava meu celular... Tinha doze ligações dela e duas de
Daniel. Não precisava ter nenhum poder de vidência para saber que minha cigana devia estar
querendo me bater naquele momento. Liguei na casa dela e não sei se o telefone chegou a
chamar, pois antes que eu percebesse, ouvi a voz aflita dela:
– Alô!
– Oi!
Silêncio...
Continuei:
– Desculpa...
– Daniela... Me responda uma coisa: você bateu o carro?
– Não!
– Foi assaltada?
– Não!
– Angélica te prendeu em algum lugar?
Não aguentei e dei risada...
– Não!
– Então... Nada do que me disser vai justificar você estar me ligando quase dez horas da noite,
sendo que sei que chegou aí de tarde! E ainda por cima deixou seu celular desligado!
Afastei um pouco o fone do ouvido.
– Posso falar? – tentei.
– Não quero ouvir!
Afastei de novo, pois o tom e o sotaque foram acentuados, insisti:
– Mas vou falar mesmo assim... Em primeiro lugar, são nove e quinze da noite. Em segundo lugar,
estava em uma reunião até agora e, em terceiro... Onde está seu celular?
Silêncio... Esperei e ouvi sons estranhos do outro lado. Ouvi ela falar baixinho:
– ¡Diablo! Bateria.
– O que disse? – perguntei rindo.
– Desculpa...
– Muito bem, cigana, agora me diga o que estou pensando?
– Que sou uma tonta?
Dei risada.
– Não...
Silêncio... Complementei com suavidade na voz.
– Que estou com saudades.
O restante da conversa se resumiu a desculpas da parte dela, da minha mais saudades...
Vontades... Cuidados a serem tomados. E todas as recomendações possíveis, das duas partes. Uma
hora depois, desligamos. Sorri ao pensar na noite seguinte, pois pretendia terminar o que tinha
para fazer e voar para casa.
Estava pronta para dormir quando ouvi alguém bater na porta... Abri-a.
– Oi, Dani...
– Oi, Angélica – respondi pensando no que viria a seguir.
– Não vai me convidar para entrar?
– Angélica... Está tarde, estou cansada e, se for possível, podemos conversar amanhã?
Ela entrou mesmo assim... Foi até o meio do quarto e se virou.
– Pode ficar tranquila, Daniela, não vim me oferecer para você. Se bem que se você tentasse eu
não recusaria. – Sorriu. – Só queria dizer uma coisa.
– Fala. – Fechei a porta e caminhei em direção a ela.
– Você não precisa se preocupar em me agradar por causa dos negócios que temos em comum.
Pode ficar tranquila, não vou prejudicar você. Eu não faria isso.
– Por que está me dizendo isso?
– Percebi hoje, na reunião, que você ficava tensa cada vez que discordava de alguma opinião
minha. Percebi, também, que não aprovou nem gostou do terreno.
– Não. Não aprovei, mas sei que você quer levar adiante o negócio, portanto...
– Portanto, amanhã... Depois que formos até o local e você me confirmar que não é viável, vou
dizer a eles que não faremos negócio. Confio em você, Daniela.
– Obrigada.
Veio em minha direção e complementou:
– Não agradeça, Dani. Isso são negócios e não gosto de perder dinheiro. Na verdade, não
gosto de perder nada.
Passou os dedos nos meus lábios e aproximou os seus. Sutilmente virei o rosto, o beijo saiu no
cantinho da boca. Ela sorriu e falou num suspiro:
– Tenho que conhecer melhor essa cigana. – E foi em direção à porta. – Boa noite, Daniela. –
Assoprou um beijo.
– Boa noite, Angélica.
Não gostei da forma como falou de Inka.
O alívio que senti de ver a porta fechar me fez relaxar e imediatamente fui para a cama.
Queria que o tempo corresse. Adormeci exausta.
No outro dia cedo, fomos até o terreno e confirmei a Angélica minha opinião. Não seria um bom
negócio, mas, caso ela quisesse, faria um estudo de viabilidade técnica detalhado mesmo já
sabendo os resultados. Ela ligou para seu pai e decidiram não fechar negócio. Nos despedimos e
antes do meio dia estava na estrada, queria chegar cedo em casa... Estava com saudades de Inka.
Antes de sair, liguei para ela que, novamente, me encheu de recomendações para que não
corresse. Estaria me aguardando em sua casa.
***
Saí da loja no meio da tarde, sabia que Daniela chegaria cedo e queria esperá-la em casa.
Estava com muitas saudades dela. Antes, passei no café de Lucas, que sentou comigo para
descansar do movimento.
– Vamos sair hoje, Inka? Eu, Paulo, você e Dani? – falou enquanto colocava o café na mesa, na
minha frente.
– Acho que Dani vai estar cansada Lucas, vai chegar e não vai querer sair.
Ele sorriu.
– Esqueci, começaram a namorar ontem. Querem ficar sozinhas.
Retribuí o sorriso para ele.
– Estou com saudades, parece que estou longe dela há dias.
– Já vi tudo. Acho que só terei sua companhia novamente quando ela viajar de novo.
Ia responder, mas, quando olhei, Raul estava ao nosso lado.
– Ora, ora... Que lindo casal – falou ironizando.
– Raul, por favor. Agora não – falei nervosa.
Lucas olhou para ele e respondeu:
– Você é um idiota mesmo. Não vê que a mulher não quer você por perto? Ela tá em outra, seu
otário!
Terminou de falar e foi puxado pela camisa. Raul o fez levantar.
– Para! – gritei.
Imediatamente surgiram os garçons do café, que separaram os dois. Lucas foi empurrado para
dentro do café e Raul para o corredor do shopping. Fui atrás dele e disse olhando em seus olhos:
– A única coisa que consegue dessa forma é meu desprezo.
Virei as costas e fui falar com Lucas. Ele queria ir atrás de Raul, não deixei e, depois de acalmá-
lo, fui embora. Com raiva de Raul e com medo do que pressentia e sem entender as imagens que
se formavam em minha mente.
Cheguei em casa tensa. Precisava me acalmar, tomei um banho e um chá de camomila. Queria
estar calma quando Daniela chegasse, não queria deixá-la preocupada com a pressão de Raul,
sabia que tinha que contar sobre o que estava acontecendo, mas esperaria a hora certa. O tempo
passava e comecei a ficar preocupada, pois alguma coisa me comprimia o peito. Ocupei meu
tempo preparando o jantar, não queria sequer pensar na possibilidade de acontecer algo a ela.
Desviava meu foco cada vez que algum pensamento ruim me invadia. “Deve ser consequência do
que ocorreu hoje à tarde com Lucas e Raul... Sim... É isso... É isso”.
O telefone me tirou dos devaneios. Era Daniel, queria saber se Daniela havia chegado.
Conversamos um pouco de forma tímida, no início, pois era a primeira vez que falávamos depois
da festa na casa de Lucas e, aos poucos, ele me deixou à vontade, principalmente quando disse
que estava adorando ter uma cigana como cunhada. Rimos do comentário.
– Pede pra ela me ligar, ok? Sei que ela deve ir direto para sua casa.
– Eu peço. Um beijo na Silvana.
– Digo a ela, ah! Ela tá louca de vontade de falar com você, acho que quer saber coisas a meu
respeito. – Deu risada. Eu também. E completou: – Seja o que for que você enxergar, me avisa
antes, hein? – Brincou.
Nos despedimos e desliguei o telefone pensando: “Deve ser ótimo ter um irmão como Daniel”.
Ouvi a campainha e corri para atender. Me joguei em seus braços e ela entrou em casa comigo
no ar e depois de muitos beijos...
– Demorou! – reclamei.
– Congestionamento. Só isso.
– Liga pra seu irmão... Ele me ligou há pouco.
– Ligarei, mas preciso de um banho. E depois vamos sair para jantar, tô morrendo de fome.
– Não! Nada disso. Preparei um jantar pra gente e não quero sair de casa hoje – respondi
decidida.
– Você quem manda...
– Que bom que sabe – falei na sua boca.
Ela subiu para o meu quarto para tomar banho, fiquei na cozinha terminando de preparar o
jantar... E, por incrível que pareça, não me sentia aliviada... Sabia que ela estava ali, mas algo
continuava me incomodando e não conseguia saber o motivo.
Estava distraída, na pia, lavando alguns talheres, quando senti seus braços em minha cintura...
Sua boca em meu pescoço.
– Saudades desse cheiro.
Tentei me virar... Ela não deixou. Devagar foi levantando minha saia e suas mãos deslizavam em
minha perna... Coxa... Sua boca no meu pescoço, facilitei para ela e abri, um pouco, as pernas. Ela
gemeu ao sentir meu desejo em seus dedos.
– Dani...
– Ahn... Quê?
– O telefone... Tá... Tá tocando...
– Deixa...
Continuou a deliciosa exploração que fazia. Segurei-me na pia e entreguei-me àquela investida
urgente. Não ouvi mais nada, apenas as palavras que ela sussurrava no meu ouvido e que me
incentivavam cada vez mais a entregar a ela o que ela pedia. O alívio veio no momento em que
puxei-a pelos cabelos e falei seu nome entre os dentes. Ela segurou-me com força. Virou-me.
Sorriu, beijou-me... O telefone novamente.
– Agora vou atender – falei me soltando dos braços dela.
– Oi... Inka? – Não consegui identificar a voz aflita.
– Sim. Quem fala?
– É Paulo... A Dani tá aí com você?
– Sim, Paulo, o que houve? – Daniela percebeu minha aflição e ficou ao meu lado.
– Estou no hospital, me ligaram agora e... E... Não sei o que houve, acho que Lucas foi assaltado
e... E bateram muito nele – Paulo falava nervoso.
– Meu Deus! Calma, Paulo. Onde você está? Que hospital?
Fiquei nervosa, comecei a chorar... Daniela tirou o telefone de minhas mãos. Ouviu tudo e me
abraçou.
– Calma... Ele vai ficar bem.
– Eu sabia... Eu sabia. – Só conseguia dizer isso enquanto as lágrimas escorriam.
– Olha para mim, Inka. – Segurou-me pelos braços. – Tem que se acalmar... Vamos para lá
agora. Eles precisam da gente.
Paulo aguardava-nos ansioso. Ao nos ver, correu em nossa direção e abraçou Daniela... Depois a
mim.
– O que houve, Paulo? – Dani perguntou.
– Como ele está? – falei logo em seguida.
Ele respirou fundo, sentou em um dos bancos que tinha por ali. Sentei ao lado dele... Seus olhos
estavam vermelhos de chorar. Respondeu primeiro a mim:
– Ainda não sei, pois as duas pessoas que vieram falar comigo apenas pediram que eu
esperasse e queriam saber se ele tem algum parente. Expliquei que não, que ele não tem ninguém
e... – Começou a chorar.
– Ei... Tudo bem, estamos aqui com você – Dani o consolou, sentou do outro lado, ele me olhou e
continuou:
– Acho que foi um assalto, no estacionamento do shopping. Encontraram ele caído ao lado do
carro e... E... O celular e a carteira tinham sumido. O detetive que falou comigo disse que estavam
atrás dos suspeitos.
Sentia aquela sensação ruim no momento em que ele falava, pensei em Raul imediatamente...
Mas não queria acreditar que ele seria capaz disso. Tentei me concentrar em Lucas, precisava
saber como ele estava.
– Faz quanto tempo que está aqui? – perguntei
– Não sei ao certo, eu cheguei faz uma hora ou um pouco mais – respondeu com a cabeça
baixa e muito nervoso.
Queria ficar alguns momentos sozinha com ele, olhei para Daniela e falei:
– Dani, já era para terem nos dado alguma informação.
Ela imediatamente entendeu o que eu queria... Levantou-se de onde estávamos sentados e foi em
direção à recepção. Virei-me para ele e o ouvi falar baixo, soluçando:
– Estou com medo de perdê-lo.
Aproveitei que Daniela estava distante e falei a ele, com carinho:
– Olha para mim, me dá sua mão... Confia em mim?
Ele me estendeu a mão e balançou a cabeça afirmativamente... Apesar do nervosismo que eu
sentia por Lucas, consegui me concentrar. Falei com voz pausada para que ele entendesse:
– Eu sei exatamente o que você está sentindo... Mas acredite: ele vai ficar bem, eu sei. Mas ele
vai precisar muito de você... Está frágil... O médico está terminando com ele e já virá.
Ele balançou a cabeça assentindo nervosamente. Me abraçou.
– Obrigada, Inka.
Daniela retornou e abaixou-se na nossa frente, nos olhou como se buscasse entender o momento,
mas falou o que esperávamos ouvir:
– Me falaram que daqui a pouco o médico que o atendeu virá até aqui, mas disseram que ele
não corre riscos maiores.
Terminou de falar e Paulo me olhou e soltou um riso nervoso... Aliviado.
– Obrigado a vocês duas – falou segurando a mão dela com uma mão e, com a outra, continuou
segurando a minha.
Pouco tempo depois, o médico veio em nossa direção. Levantamos rápido e diminuímos a
distância até ele.
– Doutor? – Paulo se adiantou.
– Algum parente? – perguntou, sério, nos olhando.
– Não... Mas eu... Eu sou o namorado – Paulo respondeu.
O médico não alterou a expressão séria e olhou para nós. Paulo complementou:
– São nossas amigas.
O médico fez um sinal afirmativo com a cabeça e começou a falar:
– Podem vê-lo agora, ele foi medicado e está dormindo. Teve muitos hematomas, mas nenhum
com lesão grave. Porém, é bom ele ficar aqui esta noite.
– Graças a Deus. – Paulo respirou aliviado.
– A polícia quer fazer algumas perguntas a ele, aqui está o cartão do detetive que atendeu o
caso. – Estendeu-o a Paulo, que o pegou imediatamente.
– Bem, vou pedir à enfermeira que acompanhe vocês até o quarto, mas terão que sair logo...
Está certo? – Sorriu para nós pela primeira vez.
– Muito obrigada, doutor – Daniela respondeu a ele, pois eu e Paulo já estávamos olhando para
a enfermeira que se aproximava.
Entramos no quarto e Paulo foi rapidamente em direção à cama. Nos aproximamos e me assustei
com o que vi, agora de perto... Lucas tinha muitos hematomas no rosto, que o deixavam com os
olhos inchados. Cortes nos lábios e no queixo... Paulo se aproximou da cama e o beijou na testa,
falou algo em seu ouvido que eu e Daniela não ouvimos. Depois de algum tempo, a enfermeira
retornou e pediu que saíssemos. Paulo decidiu ficar, apesar de nossa insistência para que fosse
para casa conosco. Fomos embora com a promessa de voltarmos cedo no outro dia. Decidimos ir
para o apartamento de Daniela, que se localizava mais próximo ao hospital.
Não conseguia dormir, meus pensamentos estavam em Lucas. Algo me dizia que aquela agressão
não tinha sido motivada pelo assalto, mas nada me dava essa certeza. Precisava falar com ele
longe de Daniela e Paulo. Fiquei com medo que minhas suspeitas se confirmassem. Olhei para
Daniela, que dormia ao meu lado, virei-me para ela e passei a mão em seus cabelos, tirando-os do
rosto. Me aproximei e senti sua respiração, encostei os lábios, ela se mexeu... Abriu os olhos.
– Não dormiu? – me perguntou sonolenta.
– Não consigo – respondi.
– Vem aqui. – Me puxou para ela, deitei em seu ombro.
– Quero ir cedo para o hospital.
– Nós vamos. Agora... Tenta dormir.
Me deu um beijo nos lábios, na testa... E apertou o abraço... Me senti segura. E meu último
pensamento foi o rosto machucado de Lucas.
Tinha que aproveitar essa oportunidade. Entrei no quarto e me aproximei da cama... Lucas
dormia. Dei-lhe um beijo na testa e segurei sua mão, passei os dedos no seu pulso, senti a
pulsação... Virei sua mão para mim... Fechei os olhos tentando sentir algo que me desse a resposta
que buscava. Sentia o medo, o desespero... A dor.
– Não vai me cobrar nada, né? – Ouvi ele falar baixinho. Me fazendo retornar. Sorri para ele...
E o beijei.
– Não... Hoje é de graça.
Encarei seu olhar por alguns momentos. Uma lágrima escorreu no seu rosto, sequei-a.
– Achei que iam me matar.
– Eu sei o que sentiu, meu amor... Mas agora está tudo bem.
– O que mais viu aí?
Sorri para ele e respondi:
– Quer me falar algo.
– Quero, mas e... Paulo? – perguntou demonstrando receio com a resposta que eu daria.
– Foi tomar café com a Dani, ele passou a noite aqui com você. – Sorriu com minha resposta.
– Não deve ter dormido – falou olhando para a poltrona ao lado.
– Bem... Acho que não.
Respirou fundo e vi a expressão de dor.
– Quer que chame alguém?
– Não... Só dói de vez em quando... Quando respiro – respondeu rindo.
Aproveitei o momento de descontração dele e toquei no assunto:
– Fala, Lucas, você reconheceu alguém? Lembra de alguma coisa que falaram?
– Seja direta, Inka. Quer saber se Raul tem algo a ver com isso. Pois eu não sei. Sei que quando
me batiam ouvi eles falarem: “Chega... Chega... Não é pra matar... Ainda não!” Ou seja... Me
deram um aviso. Isso que eu queria te contar.
– Meu Deus, Lucas. Você precisa contar para a polícia.
– Não tenho provas disso, Inka, não posso ficar acusando os outros dessa forma.
– Mas ele não pode agredi-lo assim e ficar por isso mesmo.
– Não vou falar nada, Inka, nem para a polícia, nem para Paulo. E me prometa que também não
vai... Nem pra Dani. – Ficou me olhando, esperando minha resposta, não sabia o que responder.
– O que pretende fazer?
– Quando sair daqui, vou pensar em algo. Se foi ele, vou pegá-lo de alguma forma. Vou
procurá-lo e quero ouvir o que tem pra dizer.
– Não! Não vou deixar você...
Não consegui terminar, pois Paulo e Daniela entraram no quarto. Lucas me olhou de forma séria
e mudou a expressão assim que Paulo se aproximou. Ficamos mais um pouco e Daniela se despediu,
pois precisava ir para o escritório, e combinou com Paulo algumas coisas a serem feitas, já que ele
ficaria com Lucas.
O médico apareceu no final da manhã e Lucas foi liberado para ir embora. Depois de muita
discussão, decidimos que ele ficaria na minha casa até se recuperar, pois não podia ficar sozinho e
Paulo não teria como ficar com ele. De todos, eu era a mais indicada, segundo Paulo... Pois ainda
poderia auxiliar no tratamento.
Quando Daniela chegou em minha casa à noite, encontrou Paulo adormecido no sofá e eu na
cozinha terminando de colocar a louça na máquina.
– Oi, linda... – Fui ao encontro dela e a beijei.
– Tudo bem?
– Acho que sim. Lucas está no quarto dormindo e Paulo pegou no sono na sala. Vou acordá-lo
para ir para o quarto. Arrumei o quarto de hóspedes para Lucas e para ele, se quiser ficar aqui
também.
– Não sei se ele vai querer ir para o quarto, pois está ferrado... Mas... Eu quero – falou com a
boca em meu pescoço.
– Já jantou?
– Ahn... Vou agora. – E senti seus dentes na minha orelha.
Me afastei e sorri para ela...
– Então vai e me espera no quarto, vou ligar para tia Vana, tenho que contar o que houve com
Lucas... E em seguida irei... E levo algo pra você comer.
– Não demora... Vou tomar um banho e quero você lá quando sair.
– Mandona. Estarei – prometi.
Um beijo e nos afastamos. Liguei para tia Vana, contei tudo que havia acontecido. Ela ficou
nervosa, queria voltar para casa... Disse que sabia que Raul não era boa pessoa, que eu deveria
tomar cuidado, que não deveria expor Daniela... Me fez inúmeras recomendações e a última:
– Não deixe a porta destrancada... Nunca!
Nos despedimos e, antes de ir para o meu quarto, fui até a porta e confirmei se estava
trancada, coloquei um cobertor em Paulo... Cheguei no momento em que ela saía do banheiro
enrolada na toalha. Coloquei a bandeja com o sanduíche e a jarra de suco na mesa e fiquei
olhando-a por alguns segundos... Não esperei que se enxugasse. Aproximei-me dela e puxei a
toalha, que caiu em seus pés.
– Linda. Você é linda – falava enquanto meus lábios exploravam seus seios. – Linda ... Linda... E
minha.
Empurrei-a para a cama.
CAPÍTULO 17
Os dias que se seguiram foram de atividades intensas para Inka, pois ela precisou dividir seu
tempo entre a loja, as pessoas que a procuravam em casa para alguma consulta e Lucas, que aos
poucos começou a se recuperar e inclusive a ajudá-la. Diversas vezes cheguei a sua casa e
encontrei os dois no herbário. No princípio, sentia certo ciúme de vê-los tão próximos... Depois,
minha preocupação passou a ser em relação a algo que ainda não sabia, mas que percebia que
Inka e Lucas escondiam. Inclusive comentei com Paulo, que me repreendeu imediatamente:
– Tá louca, Dani? – Depois riu da minha cara.
– Tudo bem... Posso estar vendo coisas, mas, algumas vezes, surpreendi os dois falando baixo e...
Às vezes, sinto ela preocupada com algo, distante... Já perguntei, mas não me diz.
– Dani, não viaja.
– E os pesadelos? Quase toda noite... Acorda assustada, não me conta... Não consigo entender o
que está acontecendo.
– Dani, vou conversar com Lucas, vou ver se ela conversou com ele sobre algum problema... Mas
não fica pensando bobagens.
Despedi-me dele e fui para a casa dela.
Aquele dia, eu cheguei um pouco mais cedo e não encontrei Inka na parte de baixo da casa,
nem Lucas... Resolvi subir para o quarto dela, imaginei que ela estivesse no banho. Quando cheguei
na porta, sem querer, ouvi a conversa dos dois:
– Por que está agindo assim com ele, Inka?
– Estou preparando o terreno para poder contar, Lucas... E será melhor se formos amigos, tenho
medo.
– Conversou com ele? – Lucas perguntou a ela.
– Sim... Estava me esperando na loja pela manhã.
– Não devia ter feito isso, Inka. Se foi ele, não vai te dizer. – Percebi que Lucas estava alterado.
– Não. Eu sei. Mas queria perguntar e ouvir a resposta dele, perceber se mentia.
– E?
– Deu risada, disse que eu estava louca e, como sempre, tentou me beijar. Mas senti que estava
nervoso e sinto que mentiu.
– Já contou para Dani?
– Não, por segurança acho que nem vou... Não agora... Algo me diz que tenho que evitar esse
encontro.
Ficaram em silêncio e fiquei sem saber o que pensar sobre o diálogo dos dois. Me sentia
culpada por estar ouvindo, ao mesmo tempo queria saber do que se tratava. Fiquei indignada por
ela estar me escondendo algo e queria saber de quem falavam. Quem queria beijá-la? Quem ela
não queria que eu encontrasse? Sem pensar muito e movida pelo ciúme, abri a porta. Os dois me
olharam surpresos. Não tirei o olhar dela.
– Oi, Dani – Lucas falou primeiro.
– Oi... Chegou cedo? – Ela ficou nervosa.
– Desculpa, deveria ter demorado mais? – perguntei demonstrando insatisfação.
Ela caminhou em minha direção e me beijou. Não correspondi.
– Meninas... Vou arrumar minhas coisas, amanhã vou para minha casa e deixarei vocês em paz.
Lucas tentou descontrair e saiu, sem que nenhuma de nós respondesse.
– O que você ouviu, Dani?
A pergunta dela me fez rir.
– Por quê? Daí vai me contar somente o suficiente? – Encarei seus olhos, pois queria ver a
resposta. Não somente ouvir.
– Não tenho o que te contar. – Desafiou meu olhar, sem se abalar, e respondeu com calma.
Deixou-me mais indignada.
Ficamos em silêncio por alguns momentos, não quis acreditar que ela estava dizendo que não me
contaria sobre o problema que estava enfrentando. Me sentia péssima, pois demonstrava
claramente que não confiava em mim ou havia algo entre ela e esta pessoa que eu não poderia
saber. O movimento que fiz deixou claro minha intenção de sair do quarto... Ela veio rápido e me
segurou:
– Aonde você vai?
– Para casa? – Com a mesma calma dela, tirei sua mão de meu braço.
– Dani, por favor. Não faz isso. Confia em mim.
Não consegui evitar o sorriso irônico.
– Da mesma forma que confia em mim?
– Eu confio em você, não faz assim... Só... Só não posso. Desculpa.
– Tá certo, quando achar que pode... – E saí sem mais esperar. Desci as escadas sem olhar para
trás. E saí de sua casa.
Não fui para casa, fui para um bar próximo da minha casa onde sabia que encontraria alguns
amigos, não queria ficar sozinha, tampouco pensar na decepção que tive com ela e na
possibilidade de ela estar se encontrando com alguém. Talvez o ex-namorado. Não sabia como
lidar com aquilo. Desde que começamos a namorar, havia quase um mês, não tinha mais saído com
outras pessoas, tampouco encontrado alguns amigos... E, assim que cheguei ao bar, avistei uma
mesa com algumas pessoas que faziam sinal para mim. Fui em direção a eles e só saí daquele bar
de madrugada, com Angélica me ajudando a encontrar o carro.
Acordei no outro dia com a campainha tocando... Pensei em levantar para atender, mas em
seguida desistiram. Minha cabeça estava estourando. Continuei na cama e me surpreendi com
Angélica entrando no meu quarto, vestindo meu roupão.
– Bom dia, Daniela.
Imediatamente, me lembrei de ter voltado para casa com ela, pois quis vir dirigindo meu carro.
Não lembrava de mais nada, fazia algum tempo que não bebia e acabei exagerando.
– Angélica... – Levantei e fui para o banheiro.
– Dani... Aconteceu um probleminha agora.
Veio atrás de mim. Sem me virar para ela, abri a torneira e lavei meu rosto.
– O quê, Angélica?
– A campainha... Ouviu?
– Sim – respondi com calma, mas logo pressenti o que viria. Encarei-a.
– Era... Era Inka – ela disse constrangida.
Fiquei por alguns segundos tentando ver a dimensão do problema.
– Droga, Angélica!
– Desculpa... Eu não sabia que era ela. E...
– O que ela disse?
– Nada... Olhou-me e foi embora.
Corri para a sala e tentei achar meu celular... Liguei.
– O que quer, Daniela? – perguntou com a voz pausada e firme.
– Inka... Não é o que está pensando. Ontem eu fui num bar e... E Angélica...
– Dormiu com você? – A voz continuava sem emoção.
– Não! – respondi alterada.
– Olha, Daniela, conversamos depois, tá certo? Estou cheia de coisas pra fazer e precisam de
mim na loja. Depois conversamos.
Desligou. Senti medo de perder minha cigana. “Que grande merda!” Olhei para Angélica
parada na porta.
– Desculpa, Dani... Se você quiser, eu falo com ela.
– Melhor não... Vou tomar um banho e vou até a loja.
Foi o que fiz. Liguei para Daniel e avisei que demoraria para chegar no escritório. Fui direto
para o shopping... Mas ela não estava. Resolvi esperar.
***
***
Eu já estava há meia hora aguardando ela chegar quando vi Angélica entrar na loja.
– O que está fazendo aqui? – perguntei surpresa.
– Oi, Dani. Vim consertar a minha falta de hoje de manhã. Quero dizer a ela que não houve
nada.
– Angélica, por favor. Não precisa fazer isso, vou conversar com ela... E... Além do mais, temos
outros problemas para resolver. Não é somente este.
– Mesmo assim. Devo isto a você.
– Não, não me deve nada. – Assim que falei, uma das atendentes da loja veio em minha
direção.
– Daniela... Inka acabou de ligar. Ela não vem hoje.
– Obrigada – respondi e me afastei. – Vou até a casa dela... E obrigada, Angélica.
– Dani, espera... – Chamou-me... Olhei para ela.
– Ontem... Não houve nada mesmo, você chegou e dormiu, e eu também – falou e eu respondi
sorrindo.
– Eu sei, Angélica.
Dei as costas a ela para evitar o olhar de pesar de Angélica, pois eu sabia o que tinha
acontecido na noite anterior... Nos beijamos, e eu a chamei de Inka. Ela se afastou e me colocou na
cama.
Saí rapidamente do shopping e, na porta do estacionamento, me choquei com um homem que
entrava apressado. Nos olhamos e pedimos desculpas ao mesmo tempo. Ele me encarou por alguns
momentos e eu segui meu caminho.
***
Ele entrou no shopping e, com pressa, foi em direção à loja de produtos esotéricos. Entrou e
perguntou por Inka para a mesma atendente que havia conversado com Daniela há menos de 15
minutos. Ela deu a ele a mesma informação. Ele já estava dirigindo-se à saída quando viu uma
pessoa conhecida olhando alguns CDs de música indiana, no canto da loja.
– Ei... Angélica? – chamou... Ela se virou.
– Que surpresa! Raul, quanto tempo.
– É verdade, desde a construção do shopping?
– Inauguração.
– Isso... E... Me diz? Como está? Ainda roubando a namorada dos outros?
Ela deu uma risada debochada:
– E você, ainda batendo nas suas?
Foi a vez dele rir e responder com sarcasmo:
– Pelo jeito, gostou. Pois lembra.
– Tem coisas que não se esquece, Raul, infelizmente. Mas me diz? O que faz aqui? Não veio
comprar incenso, com certeza... Ah! Já sei, velas... Vai torturar alguém?
– Também não esqueceu? – Mais uma risada sarcástica.
– Quem é desta vez, Raul? Quem é a vítima de suas perversões?
– Mudei, minha cara. Mudei. Vou me casar. Com uma cigana linda...
Angélica olhou séria para ele e não suportou... Deu uma gargalhada que fez todos na loja
olharem para ela. Tapou a boca se controlando e logo falou:
– Você só consegue dar bote errado. – Continuou rindo.
– O que está dizendo, sua...
– Sua o quê? Fala! – Mais risadas.
– Você conhece Inka? – perguntou intrigado.
– Não se dê ao trabalho... Não é comigo que tem que se preocupar.
– Do que está falando?
– Você é um otário mesmo... Nesse momento, a cigana que você acha que é sua... – Mais risadas.
E continuou: – Deve estar nos braços da mulher que eu achava que era minha.
Ele mudou a expressão do olhar. A raiva ficou estampada, segurou Angélica pelo braço e a
sacudiu:
– Do que você está falando?
– Ei... Calma. Me solta.
– Fala logo!
– Vai dizer que não sabia? Sua cigana está apaixonada por uma mulher. Quer que eu diga
novamente? Sua cigana está apaixonada por uma mulher. – Marcou as sílabas da última frase com
prazer.
Ele soltou o braço dela com violência, empurrando-a:
– Isso não pode ser verdade!
E saiu em disparada. Angélica ficou parada, vendo-o se afastar e o olhar de ódio que ele lhe
lançou deixou-a preocupada. Pensou por alguns momentos e se lembrou de Raul na universidade e
de como ele costumava ser violento. Arrependeu-se de tê-lo provocado dessa forma... Pegou o
celular e tentou avisar Daniela.
CAPÍTULO 18
Dirigi até a casa dela com meus pensamentos em ebulição, me coloquei no lugar dela e entendia
sua reação... Eu também não aceitaria e talvez minha reação teria sido pior.
Quando estacionei, meu celular chamou, olhei... Três chamadas de Angélica.
“Não! Angélica, agora não!”
E desliguei sem atender. Fiquei por algum tempo dentro do carro, tentando encontrar uma forma
de começar a conversa. Como a convenceria de que não aconteceu nada do que ela imaginou?
Aos poucos, fui percebendo que não seria difícil, pois ela saberia... Desci do carro sorrindo com
a conclusão a que cheguei, pois ia contra a tudo que eu mesma pensava, mas sabia que ela
conseguiria ver em mim a verdade.
“Sim... Ela saberá!”
Bati na porta. Em pouco tempo, ela abriu. Ficamos por longos minutos nos olhando, até que ela
falou:
– Entra...
Deu-me as costas... Entrei, empurrei a porta. Fui até ela, a fiz virar-se para mim:
– Inka...
– Não sei se quero conversar com você agora, Daniela.
– Eu preciso, Inka. – Me olhou. – Como acha que me senti ontem? Você me excluiu da sua vida.
– Não fiz isso, mas justifica assim ter levado Angélica pra cama?
Seu olhar negro me fuzilou. Respirei fundo.
– Não levei, Inka. Não dormi com Angélica, não fizemos nada... Eu... Eu bebi demais e ela me
levou pra casa e dormiu lá. – Esperei e continuei: – Quando você chegou, eu estava dormindo.
– Quer que eu acredite que passou a noite com ela e não fizeram nada?
– Quero!
Silêncio. Me aproximei e a segurei pelos ombros com carinho:
– Olha para mim, Inka... Sei que pode ver. – Tentou se soltar, se afastar. Não deixei... Segurei-a
com força e a puxei ao meu encontro: – Olha, Inka... Por favor. Me diz se o que vê é mentira? Me
diz o que vê?
Ela encarou meu olhar... E por longos minutos nossos olhares se prenderam, percebi que sua
expressão se alterou. Suspirou.
– Tenho medo de perder você. É uma sensação estranha – falou baixinho e uma lágrima caiu...
Abracei-a.
– Não vai... Amor.
Falei procurando seus lábios. Um beijo longo e revelador fez com que ela tivesse certeza e eu
esperança... Se afastou.
– Me chamou de amor – disse nos meus lábios.
– Você é... E quero que divida comigo sua vida, me conte o que está acontecendo, não aguento
imaginar que está com problemas e não divide comigo.
Me olhou com os olhos brilhando.
– Vou contar, Dani. Tudo... Eu... Eu te a...
Antes que pudesse terminar, ouvimos a porta abrir num estrondo. Reconheci o homem que entrou
furioso, foi o mesmo em que esbarrei no shopping. Ela se afastou de mim. E se posicionou entre eu
e ele.
***
O susto de ver Raul entrar daquela forma me fez, por impulso e instinto, empurrar Daniela para
trás... “Mantenha a porta trancada!” Foi isso que tia Vana falou. Era tarde demais.
– Raul?
– Sua cigana vadia! Quando ia me contar? Quando?
Esbravejou. Daniela me empurrou para o lado... Tentou se aproximar dele, segurei-a pelo braço.
– Quem é você? Como entra assim na casa dos outros? – ela falou no mesmo tom dele.
– Daniela, por favor, não! – falei olhando firme em seus olhos, sabia que precisava afastá-la
urgente. – Saia! – Tentei empurrá-la e olhei para ele, que nos olhava com ódio. Percebi o sorriso
de sarcasmo em seus lábios.
– Como fui idiota. Mandei dar uma surra na pessoa errada.
– Quê? – Daniela gritou.
Fui em direção a ele.
– Eu sabia que tinha sido você. Eu tinha certeza... Seu doente! – falei com raiva.
– Você me enganou direitinho, cigana – ele continuou sarcástico.
– Nunca enganei você, Raul, você que se enganou sozinho. Nunca incentivei nada... Agora saia
da minha casa!
– Nunca imaginei que você fosse lésbica, Inka.
Daniela, num ímpeto, deu um passo em direção a ele, empurrei-a para trás.
Ele falava zombando e demonstrando o ódio que sentia... Fui em direção a ele e o empurrei
para a porta. Algo me dizia que tinha que tirá-lo dali e logo... Assim que dei o primeiro empurrão,
ele equilibrou-se para não cair e sorriu novamente.
Devagar, levou a mão às costas. Quando percebi, estava com uma arma apontada para nós...
Daniela tentou me puxar, mas ele foi mais rápido e me segurou pelos cabelos. Senti o cano frio na
minha cabeça. O olhar de Daniela revelava o desespero que ela sentia.
– Por favor... Não faça isso. – Ouvi-a dizer baixo para ele... A risada dele foi a resposta. E
disse:
– Está com medo que eu atire nessa vadia? Você a quer? – Empurrou-me em direção a ela com
força. – Pegue... Mas saiba que não será sua.
Apontou a arma em direção a ela... Consegui chegar na frente dela e empurrei-a com as costas.
Ouvi o estouro, em segundos senti meu peito começar a queimar, meu corpo foi jogado para trás...
Olhei para ela. Para minhas mãos... O sangue escorrendo... Um sorriso.
“Não era dela”.
Antes que meus joelhos atingissem o chão, ela me segurou... Ouvia a voz dela ao longe:
– Inka! Não!
Me abraçou. E... Mais dois tiros... O corpo dela ficou pesado e caímos juntas.
CAPÍTULO 19
A paisagem amarela me cegava, quase não conseguia identificar o que era trigo e o que era sol...
Aos poucos, meu olhar foi se acostumando e consegui ver Inka. Sim, agora tinha certeza, era ela...
Longe... Mas, antes que pudesse me aproximar, senti meu corpo ser arremessado para cima... Minhas
costas arderam, uma tosse incontrolável me dominou. Ouvia vozes que diziam apressadas:
– Ela voltou! Fica com a gente, menina!
Sentia algo entrar em minha garganta. Ouvia as sirenes. Abri os olhos e vi Inka deitada na maca
ao lado. A mulher que estava de costas para mim, pressionando o peito de Inka, disse:
– Parada cardíaca... Vamos tentar trazê-la mais uma vez.
Não ouvi mais nada. Novamente a dor sumiu e o sol aqueceu meu corpo. Não conseguia mais
ver Inka, mas sabia que ela estava ali... Esperaria.
Ouvia vozes ao longe, sentia frio, dor... Lentamente abri os olhos, queria me mover... Mas algo em
minhas costas fazia com que ficasse imóvel. Não conseguia identificar o lugar onde estava. Minha
mãe estava próxima, chorava, tocava em meu rosto. Enxerguei Daniel, meu pai, não conseguia
entender o que falavam, meu olhar buscava outra pessoa. Até que ouvi a voz de minha mãe:
– Minha filha... Você vai ficar bem, amamos você.
Apaguei novamente e retornei para o lugar onde eu sabia que a encontraria.
Estava cansada, sentei onde o trigo, ainda baixo, permitia. Meus olhos doíam com a claridade do
sol, fechei-os... E esperei... Por quanto tempo? Não sei.
– Dani?
Abri os olhos e lá estava ela. O sol forte brilhava refletindo em seus cabelos negros.
– Inka... Você veio?
– Sim... Mas não posso ficar aqui com você, amor.
– Por quê? – Tentei me aproximar.
– Não posso... – Ela se afastava... Tentei alcançá-la:
– Inka... Eu te amo. Por favor, espera.
– Estou te esperando, Dani... Sempre vou te esperar.
E sumiu, não conseguia vê-la mais. Caminhei... Corri, mas não a encontrei. Sabia que ela voltaria,
ficaria esperando o tempo que fosse preciso.
***
Aquela luz forte... Pensei que fosse o sol, o trigo amarelo... Procurei Daniela, mas logo percebi
que não estava mais lá. O teto branco, a lâmpada acessa.
– Inka, filha... – Ouvi a voz de minha tia... Logo enxerguei o rosto, as lágrimas. Tentava falar, mas
a voz não saía. Ela colocou, suavemente, os dedos em meus lábios e falou baixinho: – Não fale,
Inka. Fica quietinha.
Mas precisava, ela se aproximou... Falei quase num fio de voz:
– Da... Dani...
Ela sorriu em meio às lágrimas. Passou a mão em meu rosto:
– Sobreviveu, filha... Vocês duas... Sobreviveram.
Ouvi a resposta dela e apaguei novamente, não sei por quanto tempo, se foram horas ou dias.
Sei que tentei de todas as formas voltar para aquele local onde sabia que Daniela estava. Mas
não conseguia.
Ouvi a voz de minha tia e mais algumas pessoas que não reconhecia... Falavam baixo, diziam
coisas que eu não entendia, percebia que falavam meu nome e o de Daniela.
– Os médicos não sabem o motivo, mas ela continua em coma.
– É como se... Ela não quisesse, não entendo.
Abri os olhos, minha tia e a mulher que não reconhecia vieram em minha direção.
– Minha filha. – Minha tia beijou minha testa, a mulher segurou minha mão. – Inka, esta é
Carmem, mãe de Daniela, veio ver você.
Olhei para ela e reconheci alguns traços.
– Quero que se recupere logo, minha filha, temos muito o que conversar... Daniel me falou que
pode me revelar alguns segredinhos – brincou. Tentei sorrir para ela, mas a dor em meu peito não
permitiu... Me fez tossir. – Calma, filha. – Completou, segurando forte minha mão. Olhei para ela e
tentei falar, mas a voz não saía.
– E... Eu... – Não conseguia.
– Não force, Inka... Devagar – minha tia me repreendeu, mas insisti:
– Tenho... Que. V... Vê-la...
As duas se olharam, percebi que algo não estava bem... Tentei me mover, minha tia me segurou.
Empurrei seu braço, precisava sair dali e procurar Daniela. Minha tia segurou-me pelos ombros e
em seguida uma enfermeira se aproximou... Aos poucos, perdi as forças e apaguei... O tempo,
difícil definir quando não sabemos o que é realidade ou sonho.
Acordei e enxerguei Lucas ao meu lado... Sorriu.
– Minha linda cigana... Tem que se recuperar logo, amor... Não aguento mais sua tia me
mandando fazer chá e amassar ervas.
Me beijou. Consegui sorrir para ele.
– E... E tia Vana? – consegui falar.
– Foi em casa, mas daqui a pouco volta. Quer algo?
– Quero saber de... de Daniela – falei baixo.
Ele suspirou... E respondeu.
– Está viva, Inka, mas não acordou mais. – Não consegui evitar as lágrimas. Ele continuou: –
Acordou logo depois da cirurgia e não voltou mais. Os médicos não sabem o motivo, estão
tentando, fazendo todo o possível...
– Preciso vê-la, Lucas – falei segurando seu braço.
– Inka, você não pode. Ainda não pode.
– Por favor. – As lágrimas caíam livres. Lucas me beijou na face.
– Logo você vai, Inka... Logo. Agora descansa, precisa descansar...
Arrumou o travesseiro e adormeci com as lágrimas escorrendo. Tentava em vão encontrar
Daniela. Precisava vê-la, dizer que a estava esperando... Terminar a frase que não tinha sido dita.
Cada vez que meus olhos se abriam, tinha esperança de vê-la, o sorriso... O olhar que me aquecia.
Cada vez que me percebia consciente, ouvia as vozes ao longe aproximarem-se aos poucos.
Não abria os olhos. Ficava tentando captar as conversas das pessoas.
– E... E se ela não acordar mais?
– Não quero nem pensar nisso, Lucas, nem pensar – minha tia respondeu.
– Os pais dela estão sofrendo muito, Daniel parece um zumbi nos corredores deste hospital,
Paulo me contou que ele não dorme há dias.
– Carmem vai comigo para casa hoje e vou mandar algo para ele.
– Estão se dando bem, não é?
– Sim, lamento ser numa situação dessas, mas são pessoas ótimas. Não me admiro terem os filhos
que têm... Não mereciam estar passando por isso.
Ao abrir os olhos, consegui me mover... Eles vieram em minha direção.
– Oi, filha...
Olhei para eles por alguns instantes e arrumei coragem para perguntar:
– Como que... Nos encontraram?
Lembrei com detalhes do episódio com Raul. Minha tia respirou fundo e respondeu:
– Foi Daniel, ele chegou assim que Angélica ligou para ele... Ela contou que encontrou Raul no
shopping e... E ficou com receio do que ele faria, como ela não conseguia falar com Daniela, ligou
para Daniel.
– Graças a Deus... Pois ele chegou a tempo – Lucas completou.
– Achou que vocês estavam mortas, mas mesmo com o desespero e o pânico conseguiu ligar
para a ambulância... Encontrou Daniela em cima de você e... Muito sangue.
– Ela... Ela... Quantos... – Não conseguia pronunciar a palavra, comecei a chorar.
– Foram dois, Inka... Nas costas – tia Vana respondeu, secando minhas lágrimas.
– E... Raul?
Tia Vana suspirou.
– Foi preso logo em seguida, encontraram ele no estacionamento do prédio onde mora, estava
com as malas no carro... Ia fugir.
– E a senhora, tia?
– Ah, filha, quando Paulo me ligou... Achei que meu mundo tinha acabado, peguei o primeiro
avião para casa, mas só consegui entrar lá quinze dias depois.
Fiquei pensando nas palavras dela... E perguntei:
– Que dia é hoje?
Ela sorriu.
– Faz vinte e cinco dias, Inka.
Olhei para o outro lado e fechei os olhos, queria ver Daniela... Voltei meu olhar para eles e
supliquei:
– Preciso vê-la...
Minha tia se aproximou e beijou meu rosto:
– Você ainda não pode andar, filha.
– Eu preciso... Preciso vê-la – implorei.
– Ela não está lá, Inka. Vamos esperar ela se recuperar e... E você também, vamos esperar ela
voltar.
Puxei-a pelo braço e a fiz se aproximar. Falei com todo o sentimento que tinha:
– Tia... Eu sei onde ela está e... E... Ela não vai voltar!
Ficou encarando meu olhar por longos segundos... E decidiu:
– Vou ver o que posso fazer, amanhã o médico virá vê-la e vou falar com ele.
– Mas... Mas... Ela não pode – Lucas tentou interromper. Minha tia olhou para ele, fazendo-o se
calar, e completou:
– Agora descanse, durma, você precisa se recuperar se quiser ajudá-la.
Capítulo 20
No outro dia, assim que acordei, enxerguei Paulo e Lucas sentados no sofá... Não viram que eu
estava acordada, e percebi que falavam baixinho. Fiquei por algum tempo observando os dois e
percebi que o assunto era pessoal, pois se olhavam fixamente e sorriam um para o outro... Quando
percebi que iam se beijar, não resisti e falei, sorrindo:
– Vou ter que ver isso?
Os dois me olharam e Lucas levantou-se rápido... Veio em direção à cama.
– Bom dia, linda, como acordou?
– Acordei com vontade de sair correndo dessa cama... Me ajuda a sentar, por favor.
Lucas me segurou com firmeza e me levantou. Paulo, que já estava ao lado da cama, arrumou os
travesseiros.
– Obrigada. Tia Vana está onde?
– Está por aí, no hospital... Está dando mais consultas que os médicos – falou rindo.
Retribuí o sorriso, pois imaginei a quantidade de chás e simpatias que ela já devia ter receitado.
– Acha que pode ficar assim? Não dói nada? – Lucas perguntou ao ver minha expressão mudar.
– Calma, Lucas, estou bem, tirando a vontade de ir ao banheiro.
– Vou chamar a enfermeira.
Ela entrou sorrindo:
– Bom dia, Inka. – Retribuí. Ela olhou para os dois e completou: – Podem nos dar licença?
Antes que eles saíssem, falei:
– Quero levantar, consigo caminhar até o banheiro... E... E preciso tomar um banho, de chuveiro,
por favor.
Ela me olhou como se analisasse o que eu havia dito... E decidiu:
– Está certa, menina... Vamos lá.
Quando tia Vana entrou no quarto, eu estava retornando para cama, de banho tomado.
Caminhava devagar com a ajuda da enfermeira e Lucas, que me conduziam para a cama. Olhei
para ela e não pude deixar de sorrir, pois imaginei o estranhamento que devia causar às pessoas
a figura dela andando pelos corredores do hospital... Vestidos coloridos, acessórios chamativos,
lenços compridos...
– Tia, não expulsaram a senhora do hospital ainda?
A enfermeira sorriu... Minha tia veio ao meu encontro e tomou o lugar de Lucas:
– Acordou disposta, filha?
Me ajudaram a sentar na cama.
– Não quero deitar – falei. A enfermeira me olhou e suspirou.
– Tudo bem, pode ficar assim por enquanto. Tome seu café e depois deite, entendeu? – falou
para mim e olhou para minha tia, que fez um sinal positivo com a cabeça... Assim que a enfermeira
saiu, perguntei a ela:
– Falou com o médico?
– Ele virá daqui a pouco.
Olhei firme para ela.
– Tia, hoje tenho que vê-la!
– Vamos ver se será possível, Inka.
– Só conseguirão me impedir se me amarrarem... Vou de qualquer jeito!
– Tudo bem, tudo bem... Agora acalme-se.
O médico chegou próximo ao meio dia e, após muitas recomendações, autorizou que eu saísse
do quarto para ver Daniela.
– Se sua presença contribuir pra reverter o quadro em que ela se encontra, será ótimo. Mas
precisa tomar certos cuidados.
Assim que ele saiu, a enfermeira entrou com uma cadeira de rodas. Minha ansiedade chegou ao
limite, precisava me controlar. Comecei a sentir dores fortes no peito, mas nada me faria desistir de
ver Daniela. Me ajudaram a sentar na cadeira, com o braço na tipóia, a enfermeira colocou em
meu rosto uma máscara branca. Tentei evitar, ela insistiu.
Saímos do quarto com Lucas empurrando a cadeira, minha tia e Paulo logo atrás. Não tive muito
tempo para me preparar, pois paramos na porta do quarto ao lado do que eu estava. Ela estava
ali, tão próximo... Paulo abriu a porta e a primeira pessoa que enxerguei foi Daniel. Percebi sua
expressão abatida, ele sorriu... Com pesar. Seus pais, atrás, me cumprimentaram e abriram caminho
para que eu visse onde ela estava.
Não consegui conter as lágrimas, a cadeira se aproximava da cama e minha vontade foi de
levantar e correr para ela... Lucas parou a cadeira ao lado da cama... Tirei a máscara, o braço
da tipóia e sequei as lágrimas. Estava deitada de lado, alguns aparelhos ligados em seu peito
informando os sinais vitais que eram enviados para a tela acima da cama... Sua expressão
informava um sono tranquilo... Estendi a mão para Lucas.
– Me ajuda, quero levantar.
Ele e Daniel me ajudaram a ficar de pé. Consegui me aproximar dela e, sem pensar em nada,
passei a mão em seus cabelos, no rosto... Aproximei meus lábios e com suavidade beijei... Os lábios,
as faces, os olhos... Fiquei com o rosto colado ao dela por longos segundos... Falei no seu ouvido:
– Dani... Eu te amo, volta pra mim.
Não sei por quanto tempo fiquei assim, observando, sentindo todos os detalhes do rosto dela, o
calor da pele... Não percebi que todos saíram, me deixando sozinha com ela... Levantei o lençol,
observei os curativos... Segurei suas mãos, passei a mão em seu corpo, queria ter certeza que não
havia nada de errado com ela.
– Preciso de você aqui, amor.
Falava na esperança que ela me ouvisse... Beijei-a.
– Eu podia ter evitado isso, fui fraca... Me perdoa, devia ter te contado, devia ter contado tudo
para Raul antes... Me perdoa por... Por não ter... – Soluçava em meio às lágrimas. – Por não ter
previsto isso.
Só percebi que estava sozinha com ela quando a porta abriu e tia Vana entrou, seguida da mãe
de Daniela. Se aproximaram, sequei as lágrimas... Minha tia falou:
– Você tem que descansar, Inka... Vamos?
– Não, tia... Não vou sair daqui.
Percebi o olhar cúmplice das duas... A mãe de Daniela respirou fundo e falou:
– Sabíamos que ia querer ficar próximo, pedimos ao médico para transferir você para este
quarto, vai poder ficar aqui.
Olhei para ela e percebi o sofrimento estampado em seu olhar, não havia pensado nisso. Estava
preocupada com o meu sofrimento, com a minha dor... Mas, quando percebi, senti o quanto aquela
mulher amava a filha. E em momento algum culpava-me pelo que tinha acontecido, embora todos
soubessem que a causa havia sido minha relação mal resolvida com Raul.
– Obrigada – falei baixo encarando seu olhar.
– Faria tudo para ter minha filha de volta e acho que, neste momento, você vai conseguir fazer
isso... Portanto, não me agradeça. – Sorriu de forma triste.
Assim que arrumaram a cama ao lado da dela, com poucos metros de distância, pedi para
deitar. A dor que sentia estava incontrolável, e o cansaço estava me deixando sem forças. Tia
Vana e a mãe de Daniela me ajudaram a deitar.
– Tia... – Puxei-a para que se aproximasse.
– O quê, Inka?
– Sinto muita dor...
– Espera, filha, vou chamar a enfermeira.
Foi até a parede ao lado da cama e apertou a campainha. Em menos de um minuto, a
enfermeira entrou.
Aplicou algo em meu braço, me deu um remédio, água... Deitei de forma que pudesse ver
Daniela e em pouco tempo apaguei.
No outro dia, acordei melhor. Me sentia mais disposta dia após dia... Assim que abri os olhos,
procurei por ela e enxerguei-a, porém estava em outra posição. Achei que ela havia se mexido e
tentei levantar, minha tia veio rápido me minha direção.
– Calma, Inka.
– Ela acordou?
O olhar desapontado de minha tia revelou o que eu temia. Deixei meu corpo cair na cama
novamente.
– Achei que... Que ela havia se mexido.
– Não, filha, a enfermeira muda ela de posição.
Aquele dia foi agitado, pois, com a minha mudança para o quarto dela, o movimento aumentou.
Fiquei mais tempo fora da cama e mais próximo dela. Durante a tarde, minha tia saiu e fiquei
sozinha com os pais de Daniela, que me fizeram muitas perguntas sobre o que eu fazia, sobre
como nos conhecemos, contei a eles um pouco de minha vida com tia Vana, sobre a loja... Eles, por
sua vez, me contaram sobre Daniela... Falaram da infância dos dois, de como os irmãos se
entendiam bem desde pequenos, de como Daniel sofreu quando nos encontrou... Falaram como foi
a primeira vez que ela contou a eles sobre uma namorada. Riram cúmplices, pois disseram que
sempre souberam que a filha era diferente e que, quando ela contou, sentiram-se aliviados pela
confiança e sempre a apoiaram em tudo. Nesse momento, o pai de Daniela sorriu e disse:
– Sempre soube que as meninas que iam lá em casa não iam por causa de Daniel, que, aliás,
era muito devagar... Daniela sempre foi mais esperta nesse assunto – falou rindo.
– João! – A mãe o repreendeu rápido. – Não fala assim... – E lançou-lhe um olhar apontando
para mim. Ele me olhou e pediu desculpas... Sorri para os dois.
– Não se preocupem, conheço bem Daniela. Isso não é novidade para mim – falei com certa
censura e rimos, cada um escondendo sua tristeza.
Ficava o tempo que podia ao lado dela... Segurando sua mão ou passando a mão em seus
cabelos... Falava, pedia. Implorava que voltasse para mim. Mas nada fazia crer que ela me ouvia.
O dia terminou e novamente adormeci olhando para ela.
Outro dia chegou e não foi diferente. A única diferença era comigo. Me sentia melhor a cada
dia e sabia que logo receberia alta. Mas nada me tiraria daquele hospital sem ela. Mais uma
noite... Outra. E outra.
Os dias passavam e meu desespero aumentava, assim como o de sua família. Tentávamos nos
ajudar. Sempre que alguém demonstrava aflição, era logo socorrido.
Uma semana se passou desde que me mudei para o quarto dela e foi a primeira noite que
ficamos sozinhas, pois convenceram minha tia e a mãe de Daniela que eu poderia ficar com ela,
pois já estava bem melhor. E, naquela noite, olhando para ela dormindo, decidi fazer o que meu
coração mandava. Havia evitado pensar nisso, pois tinha medo de não ter controle suficiente e
acabar da mesma forma que ela ou pior... Mas decidi que tinha que fazer, não esperaria mais.
Assim...
Esperei o silêncio da noite tomar conta do hospital e me levantei. Devagar venci a distância entre
a minha cama e a dela, levantei o lençol e com dificuldade deitei ao seu lado. Minha respiração
acelerou ao tocar seu corpo... Acomodei-me de forma a não pressionar o corpo dela. Fiquei por
alguns momentos olhando para ela e lembrando de tudo que vivemos, das longas noites de amor,
das conversas, das brigas... E percorri com os dedos seu rosto, seus lábios. Beijei-a, desci a mão
devagar e abri a camisola, sentia meu corpo inteiro responder ao calor do corpo dela, mas me
controlei. Expus seu peito e devagar localizei seu coração, sentia os batimentos. Fechei os olhos,
concentrei-me no intervalo entre um batimento e outro. Aos poucos meu coração se acalmou e o
dela pulsava em minha mão. Quase que conseguia vê-lo, vibrante... Sentia o sangue ser
bombeado... Entrar, sair... Percorrer as artérias... Preencher espaços, percorrer caminhos interiores,
estava quente... Conseguia senti-la inteira, percorri o caminho que ela permitiu e a imagem de
artérias e músculos imediatamente foi substituída e vi a imagem de Raul na minha frente, senti a
angústia, a raiva... Ouvi os tiros, o desespero, o movimento que ela fez para me segurar, o
sangue... As costas dela queimando, a dor... Muita dor, a escuridão.
O único coração que pulsava, naquele momento, era o dela... Em minha mão. Meu pensamento
fez eco em sua mente.
“Dani... Eu te amo! Onde você está? Volta”.
CAPÍTULO 21
Sentia ela dentro de mim... Do meu corpo, da minha mente. Mostrava-me o caminho e eu o
percorri sem medo. O calor que sentia não era mais do sol escaldante, mas do corpo dela. Colado
ao meu, sentia seu cheiro. Sua pele. Aos poucos, meu corpo ficou pesado e tentei me mover. Abri
lentamente os olhos e a imagem dela se materializou ao meu lado. Os olhos fechados como se
dormisse profundamente. Consegui aproximar meu rosto, meus lábios, tentei sentir sua respiração...
Mas não conseguia. Fiz uma força sobre-humana e levantei meu braço em direção ao seu rosto.
Toquei-a, as lágrimas vieram sem que eu evitasse... Tentei falar, a voz não saía... Minhas costas
doíam. Tentei novamente:
– Inka...
Saiu baixo... Ela não se movia, não sentia sua respiração. Queria acordá-la, mas não conseguia.
Queria gritar, mas o grito não saía de minha garganta... Quase que por desespero, segurei forte
seu braço e a sacudi com toda a força que eu tinha naquele momento. Como que por reflexo do
meu gesto desesperado, ela respondeu com um suspiro profundo, encheu o pulmão de ar e abriu
os olhos no mesmo instante. Ficou me olhando como se buscasse certificar-se de algo... Um sorriso se
formou em meio às lágrimas que encheram seus olhos.
– Dani... – falou baixinho e me abraçou com força. Imediatamente senti a dor em minhas costas...
Um gemido anunciou a ela o gesto impensado, se afastou. E começou a me beijar no rosto, nos
lábios, nos olhos. Choramos juntas por longo tempo, até que ela quebrou o silêncio: – Eu também te
amo.
Olhei para ela surpresa, pois lembrei que eu havia dito isso a ela, no meu sonho.
– Não... Não foi um sonho? – consegui pronunciar.
– Não, amor... Estivemos lá, juntas. Sabia onde você estava.
– Esperei você lá – falei com pesar.
– Esperei você aqui – respondeu.
– Mas o... O que aconteceu, como que... Que... Eu sentia você dentro de mim e ouvi... Você me
chamar. – Estava confusa e minha voz falhava.
– Você me deixou entrar ...
Ela falou com calma. Olhei para ela e não conseguia entender como ela havia feito isso... Ela
sorriu da minha expressão de incredulidade e me beijou suavemente nos lábios... Afastou-se o
suficiente para dizer:
– Achei que você encontraria o caminho sozinha e voltaria, mas...
– Da próxima vez, me deixe um mapa – brinquei.
– Da próxima vez, vou segurar você assim. – Me abraçou. – Pra não perder você em lugar
algum.
Ficamos em silêncio nos olhando por longos momentos... Observei nela o curativo acima do seio
direito, bem próximo ao ombro, e comecei a lembrar dos episódios na casa dela.
– Isto em minhas costas, são... São...
– Sim ... Você levou dois tiros nas costas.
– Lembro de você caindo... – Meus olhos se encheram novamente. – E... Depois...
Não me deixou completar, colocou os dedos nos meus lábios:
– Sh... Não fala. Chega, passou... Vamos ter muito tempo pra falar sobre isso, agora você
precisa relaxar, descansar.
– Meu corpo está... Está pesado, não consigo me mover e sinto dores.
– Eu sei... Eu sei, mas vai passar. Não chora – falou secando as lágrimas que caíam no meu rosto.
– Vou sair da sua cama, precisa relaxar... Tentar se mover.
– Não. – Tentei segurá-la. – Fica aqui, por favor...
– Dani, nós estamos no hospital e não sei se vão gostar de nos ver assim... Você precisa se
recuperar e cheguei no limite das minhas forças, daqui a pouco vou apagar aqui.
– Vai ser mais fácil assim.
Abracei-a, não queria falar mais. Minhas pálpebras estavam pesadas... Me beijou:
– Está certo, ficarei mais um pouco aqui com você... Agora descansa.
Mais alguns momentos e adormeci, desta vez sentindo-a bem próximo.
Acordei ouvindo vozes estranhas, não abri os olhos, mas percebi que Inka estava ali ao meu
lado na cama... E era sobre isso que falavam.
– Você não devia tê-la desligado dos aparelhos.
A mulher falou com rispidez. Percebi que Inka moveu-se devagar para levantar.
– Me ajuda a sair da cama, por favor. Depois você me xinga.
– Não vou xingar você, só acho que devia tomar cuidado... Vocês estão se recuperando e ela...
Ela não pode...
Não terminou, pois assim que me viu com os olhos abertos levou a mão à boca e olhou para
Inka, que respondeu a ela de forma displicente:
– Acordou durante a noite.
Falou e piscou para mim. Percebi que o que havia acontecido ficaria entre nós. Não tinha ideia
de quanto tempo fiquei dormindo, mas pelo espanto da enfermeira percebi que foi por longo
tempo.
– Tenho que chamar o médico, ela precisa ser examinada... Devia ter avisado.
Falou já saindo do quarto. Inka se aproximou e me deu um beijo suave nos lábios.
– Está preparada? Hoje o dia será assim.
– Estou confusa com tudo isso – falei a ela, como se pedisse socorro.
– Não fique, amor, aos poucos vai começar a entender. Estou aqui com você.
***
Enquanto o médico a examinava, tomei banho e a enfermeira trocou os curativos. Retornei para
o quarto e fiquei feliz ao vê-la acordada e bem. O médico me olhou e sorriu.
– Tudo bem com ela? – perguntei.
– Sim, está um pouco confusa, o que é normal... Mas está bem sim. Solicitei uns exames somente
para nos certificarmos e logo poderá ir embora para casa. – Me olhou. – E você, se quiser, posso
liberá-la.
Olhei para Daniela e percebi o medo em seu olhar... Respondi com calma enquanto me
aproximava da cama:
– Vou sair daqui com ela. – Sorri para ela e percebi a fragilidade que ela demonstrava.
– Tudo bem, vocês que sabem. Bem, agora devem se alimentar.
Olhou para a enfermeira, que rapidamente saiu do quarto.
Mais alguns minutos e a enfermeira retornou com o café da manhã, para ela somente líquidos. E,
antes que terminássemos, a porta se abriu de forma violenta. Olhamos assustadas.
– Ela acordou?
Daniel perguntou ansioso. Sorri para ele e me afastei para que ele pudesse vê-la. Emocionou-me
a forma como eles se abraçaram, Daniel não conteve as lágrimas. O mesmo se repetiu com seus
pais, que não se afastaram dela a manhã toda. Tia Vana chegou com Lucas logo após o meio-dia
e Paulo à tarde. Foi um dia repleto de fortes emoções e, antes do escurecer, ela já dormia. Eu
também me sentia cansada e deitei olhando-a dormir. Todos foram embora, menos minha tia e a
mãe de Daniela, que ficou sentada ao lado dela, observando-a dormir. Tia Vana se aproximou de
minha cama e me perguntou:
– Vou perguntar, apesar de achar que não vai me responder. Você fez o que estou pensando
que fez? – Apenas sorri para ela. Ela se aproximou mais e completou: – Sabe o risco que correu?
Podia não ter voltado a tempo, podia ter morrido, filha.
– Não conseguiria viver sem ela.
Respirou fundo e me deu um beijo na testa, puxou o lençol para cima e se afastou.
– Vamos, Carmem, elas precisam descansar.
Falou se dirigindo à mãe de Daniela, que se aproximou de mim e, da mesma forma que minha
tia, me deu um beijo na testa.
– Muito obrigada, Inka, sei que sua presença ajudou que minha filha acordasse.
Despediram-se e saíram... Deixando-nos sozinhas. Virei-me para ela e, quando estava quase
dormindo, ouvi-a falar:
– Inka...
– Quê?
– Vem aqui...
Sem esperar, saí de minha cama e fui até ela, que levantou a lateral do lençol para que eu me
deitasse ao seu lado.
– Te amo, cigana.
– Também amo você, Daniela.
Adormecemos tão próximas quanto foi possível.
CAPÍTULO 22
Os dias que se seguiram foram de recuperação para mim e para ela, que mostrava-se cada
dia mais forte. Desde a noite em que a senti completa dentro de mim, entendi a força interior dessa
cigana linda. Precisava dela como preciso do ar que respiro. Sua presença, para mim, em mim, se
tornou vital.
Sabíamos que tínhamos muitas coisas mal resolvidas, muitas explicações a serem dadas, mas
tínhamos tempo para isso. No entanto, algumas destas coisas mal resolvidas começaram a aparecer.
A primeira delas chegou numa tarde, logo depois da fisioterapeuta sair e nos deixar com Lucas e
Paulo. Angélica entrou cautelosa. Olhei para ela, para Inka... Não conseguia captar o que minha
cigana pensava naquele momento, mas seu olhar para Angélica foi uma mistura de surpresa com a
interrogação:
“O que você veio fazer aqui?”
Mas disfarçou e, assim que Angélica entrou, esboçou um discreto sorriso. Paulo e Lucas
levantaram-se do sofá e beijaram Angélica. Ela retribuiu o carinho dos dois e veio em minha
direção, percebi que Inka, que estava próxima à janela, fez o mesmo... E chegou antes, sentando-
se ao meu lado. Angélica percebeu o ato possessivo e sorriu.
– Fico feliz que estejam bem.
– Obrigada, Angélica, Daniel nos falou que você tem ligado – respondi. Ela sentou-se na cama,
do outro lado, e segurou minha mão. Não olhei para Inka, mas sentia seu olhar nos avaliando.
– Dani, fiquei muito preocupada com você... E... Me senti culpada por isso, queria... – Olhou para
mim e depois para Inka. – Me desculpar com vocês...
E baixou o olhar... Antes que eu respondesse, Inka segurou minha mão e falou:
– Não, Angélica, você não tem culpa de nada, pelo contrário. Foi você que nos salvou.
– Se eu não tivesse falado a ele... Se... – Não nos olhava. Inka a interrompeu novamente:
– Teria acontecido da mesma forma, acredite. Pois a reação dele seria a mesma em qualquer
circunstância – Inka falou olhando fixamente para ela, que retribuiu o olhar e suspirou. Levantou-
se.
– Mesmo assim, sinto-me aliviada de ver vocês bem. – Olhou para Lucas e Paulo e sorriu. –
Bem... Agora vou embora e espero que saiam logo desse hospital.
– Sim. Acho que esta semana vamos embora – falei sorrindo.
Ela se despediu e movimentou-se em direção a porta. Inka foi junto. Abriu a porta e não ouvi o
que falaram.
***
***
Depois de muitas negociações com meus pais, pois queriam que eu fosse para casa com eles,
conseguimos convencê-los que eu ficaria melhor na casa de Inka. Vana convenceu-os com diversos
argumentos, disse que tinha totais condições de acompanhar e auxiliar na recuperação de nós
duas e com a ajuda de Paulo, Lucas e Daniel... Eles aceitaram.
– Já devia saber que fazer negócios com ciganas sempre acaba assim. Elas sempre vencem –
meu pai falou rindo enquanto colocava as malas no chão da sala.
– Para onde levo essa? – perguntou Paulo com a última mala na mão.
– Para o meu quarto – Inka respondeu.
Todos olharam para ela, fui obrigada a rir com a expressão de meus pais e Vana para ela. Não
interferi, deixei que ela resolvesse a situação. Olhou para eles e respondeu:
– Pelo olhar de vocês, parece que falei algo que não sabiam. Não vamos ser hipócritas, né
gente? Todos sabem que eu e Daniela dormimos juntas, ou não?
O silêncio, por alguns segundos, fez com que todos assimilassem a informação com relação à
nova condição que nossas vidas apresentavam. Pois tanto eu quanto ela, depois desse incidente
trágico, não precisamos expressar em palavras a necessidade que tínhamos de viver intensamente
o amor que sentíamos, pois, por muito pouco, quase perdemos a chance de poder dizer uma a
outra. Não queríamos deixar nada mais para depois.
– Tá certo, tá certo... Não quero saber os detalhes disso. Qual deles é? – Daniel falou rindo e já
subindo as escadas.
Apesar de insistirmos para que ficassem por mais um dia, meus pais decidiram ir embora logo
após o almoço. Despediram-se e ficaram de voltar logo. Vana acompanhou-os até o portão e
entregou à minha mãe uma infinidade de ervas e chás para os mais diversos fins. Em seguida,
Daniel e Silvana despediram-se também. Ficamos mais um pouco conversando com Vana e Paulo,
que esperava por Lucas que estava no café. Inka queria saber da loja e eu do escritório. Falamos
sobre a preocupação que tínhamos sobre o encontro que, provavelmente, teríamos com Raul no
julgamento, pois estava sendo acusado da agressão contra Lucas e tentativa de homicídio, ainda
agravado pela acusação de estupro de uma ex-namorada que resolveu se pronunciar quando ele
foi preso. Sabíamos que dias difíceis nos esperavam.
Depois de algum tempo, comecei a me sentir cansada, o que foi imediatamente captado por
minha cigana, que se sentou ao meu lado e passou a mão em meu rosto:
– Quer deitar, amor?
Respondi apenas fazendo sinal de positivo com a cabeça. Pegou minha mão e me conduziu para
o quarto. Havíamos imaginado nossa primeira noite fora do hospital das formas mais excitantes
possíveis, sonhávamos com o momento em que poderíamos deixar o desejo comandar nossas ações,
apesar de saber dos cuidados que teríamos que ter... Mas, por incrível que pareça, estar ali com
ela tão próximo, seu corpo colado ao meu, a sensação de pertencimento uma à outra, a certeza de
que nossas vidas estavam ligadas... Estas emoções, naquele momento, estavam sendo suficientes e
eram tudo o que precisávamos... Deitou ao meu lado e adormeci sentindo-a passar os dedos em
meus cabelos.
Acordei no meio da noite e procurei-a na cama, não encontrei. Fui devagar, sem fazer barulho,
até o corredor. Ia descer as escadas, mas olhei para a pequena sala que fazia a ligação do
corredor com as escadas e a enxerguei. Estava sentada no chão sobre um tapete, as pernas
entrelaçadas, de cabeça baixa em frente ao pequeno altar onde diversas velas ardiam em frente
à imagem de uma santa. Fiquei por alguns segundos observando-a e percebi que estava
completamente ausente. Pensei em voltar para o quarto, pois não queria atrapalhar sua
concentração, quando a ouvi suspirar e encher o pulmão de ar... Me olhou e sorriu:
– Vem aqui, amor...
Estendeu a mão. Fui até ela e sentei atrás dela, abracei-a fechando meus braços em seu corpo.
– Vem sempre aqui a noite? – perguntei.
– Não... Mas venho sempre aqui – respondeu apoiando a cabeça em meu ombro. Beijei seu
pescoço.
– Me responde uma coisa? – perguntei, mas continuei beijando-a de leve.
– Hn... Que delicia isso. – Se encostou mais em mim... E completou num suspiro: – Respondo.
– O que viu em minha mão naquela tenda, a primeira vez que nos vimos?
Ela sorriu.
– Vi algo que me deixou assustada... Algo em que não quis acreditar.
– O quê?
Ela se virou e ficou de frente para mim. Segurou meu rosto com as duas mãos e olhou nos meus
olhos:
– Vi a minha vida... E não foi na sua mão, foi em você. Eu me enxerguei em você, Dani.
Busquei seus lábios suavemente, um toque... Um carinho com a língua nos lábios, uma pequena
mordida, ela gemeu, senti sua língua na minha, puxei-a para mim e o beijo anunciou a vontade
adiada... Reprimida... Sem demora, coloquei-a em meu colo e sentimos nossos corpos colados,
ansiosos pelo contato sem obstáculos.
– Dani...Vamos pra cama.
Sua voz saiu presa em minha boca... Afastei-a e levantamos juntas.
As roupas, calmamente, foram caindo pelo chão do quarto e conseguimos nos experimentar da
forma que mais ansiávamos...
Sentadas, ela em meu colo com as pernas entrelaçadas em minhas costas... Nossos corpos
colados, sentindo o desejo exalar pelos poros, mas sem pressa... Ela se movia em meu colo
buscando um contato que sabíamos não ser possível assim, mas que fazia dessa busca uma tortura
deliciosa... Incentivava-a segurando-a pela cintura enquanto nossos lábios permaneciam colados.
Devagar fomos revelando todas as emoções contidas pela distância e pelas impossibilidades.
Fazendo-nos expor necessidades sem palavras.
O ato se fez romântico, se fez delicado. Terno. Sereno... Porém urgente... Urgência, esta, que
exige, que arranca, que pega... Sem aviso a ânsia já incontida, transforma o ato e faz da
exploração, voracidade.
A boca que beija, morde. Suga. Geme e arranca da outra a mesma insensatez descontrolada.
Tudo que se contém... Um dia se expõe e revela o que já se sabia; porém silenciado.
Assim, meus dedos escorregam para dentro dela, que com a mesma necessidade buscava sentir-
me dentro... Intensa... Profunda... Molhada... Os movimentos frenéticos, mostrando-me o ritmo,
rebolando em meu colo. Dizendo-me com o corpo o que seus lábios insistiam em pedir:
– Assim... Me come, Dani.
E eu respondia de todas as formas... E também, sem precisar, as palavras saíam de meus lábios:
– Assim... Dança, minha cigana... Dá pra mim assim.
Mas ela tinha outros planos e me surpreendeu ao se afastar de meus dedos ao mesmo tempo
que me fez deitar com as costas na cama. Com a mesma urgência, se esfregou em meu corpo me
mostrando e exalando o desejo que deixava vestígios em minha pele... Experimentou assim, com seu
sexo, o meu... Passando pelo ventre... Barriga... Seios... Quando achava que a teria em minha boca,
ela interrompia e descia... Recomeçava, me deixando em êxtase completo e, a cada investida, meu
corpo arrepiava e ansiava para sentir o gosto daquela feiticeira que me encantava. Quase que
num ataque voraz, peguei-a pelas pernas e a puxei em direção à minha boca. Sem evitar, ela
deixou e se entregou à minha vontade. Segurou-se na cabeceira da cama e rebolou
deliciosamente na minha boca... Os gemidos descompassados faziam par com os movimentos cada
vez mais rápidos, que eram o prenúncio do que aconteceu sem demora... Um orgasmo retumbante
anunciou o que para ela foi um prazer alucinante e para mim... O Nirvana.
Lentamente deixou seu corpo escorregar para encaixar-se ao meu, que exigia dela recuperação
imediata. Sua língua percorreu-me a boca, com a mesma intensidade que seus dedos deslizaram
para dentro de mim, arrancando uma concordância com a ação... Com o verbo... E o senso da
narrativa perdeu-se nas ações dela, fazendo-me apenas perceber que algo dela, em mim... Me
tomava o ar... Preenchia-me o corpo, a alma.
Os movimentos compassados dos seus dedos, que ora estavam dentro arrancando-me espasmos
de um prazer que doía, ora fora fazendo-me ansiar pela dor deliciosa. Senti o auge da sincronia
aproximar-se, mas ela o interrompeu e, por reflexo, todo meu corpo reclamou. Assim como as
palavras inúteis, naquele momento:
– Não para...
Ela já tinha parado. E imediatamente senti sua boca percorrendo minha pele... Sugando.
Mordendo e tomando-me todos os espaços. Deixando marcas e levando todos os sabores.
Incontroláveis os gemidos e os arrepios que percorreram-me o corpo no momento em que senti sua
língua... Molhando... Beijando... Apoderando-se, mostrando-me o que minha dona exigia, sugando
possessivamente, entrando com pressa... Saindo devagar... Repetindo. Me fez buscar mais...
Rebolar... Delirar na sua boca. Precisei segurar-me na madeira da cama para que meu cérebro
não explodisse junto com as convulsões que, involuntariamente, meu corpo sofreu. Enquanto ela se
deliciava com o que me causou.
Quando abri os olhos, o sorriso de satisfação informava-me que nossas vidas estavam
traçadas... Um beijo, suave... Depois as palavras confirmando minha previsão... Percebi que não
precisava ser vidente para ter certas premonições.
– Não consigo imaginar minha vida sem você, Dani.
– Então não imagina.
Abracei-a... Ela se acomodou em meu ombro e ficamos em silêncio por alguns momentos, até que
ela falou:
– Dani... Eu queria te fazer uma pergunta, mas... Seria... Tão mais fácil se... Bem... Se você me
desse a resposta sem que eu precisasse perguntar.
Dei risada da confusão dela, ela levantou o corpo o suficiente para ficar olhando em meus
olhos... Depois de alguns segundos, respondi:
– Sim, amor... Eu quero.
Assim que terminei de falar ela me beijou. Sorriu e deitou-se novamente em meu ombro...
Começou a fazer planos:
– Acho melhor aqui, porque sei que tia Vana pretende voltar para a estrada e a casa é
enorme... Pode alugar seu apartamento e, também, preciso ficar perto do herbário. Que acha?
– Acho que se eu disser algo ao contrário não vai adiantar nada.
– Não... Não vai – falou, levantou-se novamente e me beijou.
Eu já estava quase dormindo.
– Dani...
– Quê, amor?
– Que bom que você decidiu entrar naquela tenda, no shopping.
– Hn... Destino, amor... Destino.
Não abri os olhos, mas se tivesse aberto teria visto o olhar surpreso da minha cigana.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTO
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
A reprodução de parte ou do todo do presente texto, em qualquer meio físico ou eletrônico, é
expressamente proibida sem a autorização prévia por escrito da autora.
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