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A Responsabilidade Obrigacional Resumo

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A responsabilidade obrigacional

A responsabilidade obrigacional encontra-se genericamente prevista no art. 798.o, onde se


estabelece que "o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação toma-se
responsável pelo prejuízo que causa ao credor".
Desta norma resulta uma clara equiparação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional
aos pressupostos da responsabilidade civil delitual, uma vez que também aqui se estabelece
uma referência a um facto voluntário do devedor ("o devedor que"), cuja ilicitude resulta do não
cumprimento da obrigação ("falta ( ... ) ao cumprimento da obriga- ção"), exigindo-se da mesma
forma a culpa ("culposamente"), o dano ("toma-se responsável pelos prejuízos") e o nexo de
causalidade entre o facto e o dano ("que causa ao credor")

Recentemente, porém, essa equiparação veio a ser contestada por MENEZES CORDEIRO.

Efectivamente, essa presunção de culpa em nada se distingue das múltiplas presunções de


culpa que vigoram na res- ponsabilidade delitual (cfrs. arts. 491.o, 492.o, 493.o e 503.o, n.o 3),
as quais muitas vezes pressupõem o próprio incumprimento de obrigações.

Por outro lado, parece-nos que no art. 798.o existe igualmente uma clara distinção entre a
ilicitude (o incumprimento da obrigação) e a culpa (a censurabilidade ao devedor desse
incumprimento), a qual não é diferente da contraposição entre a violação do direito subjectivo e
a culpa no art. 483.o.

inversão do respectivo ónus probatório (art. 799.o, n.o 1).

São efectivamente muito reduzidas as diferenças entre a responsabi- lidade delitual e a


responsabilidade obrigacional. A diferença essencial reside no diferente regime do ónus da
prova, face à presunção de culpa que recai sobre o devedor (art. 799.o), mas tal também sucede
em certas situa- ções delituais. Para além disso, verifica-se que na responsabilidade obri-
gacional são tutelados todos os prejuízos sofridos e os benefícios que o credor deixou de obter
pelo facto de lhe não ter sido realizada a prestação devida (art. 798.o), o que permite a tutela
nesta sede dos danos puramente patrimoniais. Já vimos, no entanto, que se tal não sucede na
ilicitude por violação de direitos subjectivos (art. 483.o), sucede nas outras categorias de
ilicitude delitual.
Pensamos, por isso, que estas diferenças entre a responsabilidade delitual e a responsabilidade
obrigacional não justificam que se prescinda de uma consideração unitária dos pressupostos da
responsabilidade civil subjectiva, uma vez que, conforme se verificou, eles são absolutamente
idênticos nas duas categorias de responsabilidade.

A admissão de uma terceira via na responsabilidade civil


Esta ideia surge primeiramente na dogmática alemã por intermédio de CLAUS-WILHELM
CANARIS. De acordo com a posição deste autor, entre a responsabilidade delitual - que se
caracterizaria por, à semelhança do Direito Penal, visar a protecção de determinados bens
jurídicos e admitir uma graduação com base na culpa do lesante - e a responsabilidade obri-
gacional - que tutelaria a situação do incumprimento das obrigações, per- mitindo o
ressarcimento de danos patrimoniais puros - admitir-se-ia uma responsabilidade baseada em
vinculações específicas (Sonderverbindun- gen), que representariam deveres dos participantes
no tráfego negocial superiores aos deveres genéricos, cuja fundamento se basearia no dever de
boa fé negocial e não no dever geral de diligência.

A ocorrência desses deveres permitiria aplicar o regime da responsabilidade obrigacional,


designadamente quanto ao ressarcimento dos danos patrimoniais puros, à responsabilidade dos
auxiliares. Entre os institutos abrangidos situar-se- -iam a culpa in contrahendo, a violação
positiva do crédito e o contrato com eficácia de protecção para terceiros, onde se gerariam
deveres de pro- tecção, quer de direitos ou bens jurídicos, quer de interesses puramente
patrimoniais.

Neste âmbito, ir-se-ão analisar os seguintes institutos onde se poderá equacionar essa
autonomização, quer da responsabilidade obrigacional, quer da responsabilidade delitual:
a) a responsabilidade pré-contratual;
b) a culpa post pactum finitum;
c) o contrato com eficácia de protecção para terceiros; d) a relação corrente de negócios.

A responsabilidade pré-contratual

Tradicionalmente, entendia-se que, antes da celebração do contrato, as partes não adquiriam


qualquer direito, uma vez que não se tinha verifi- cado um válido exercício da autonomia privada.
Assim, o facto de se terem iniciado negociações, ou mesmo a emissão de declarações nego-
ciais, não poderia nunca conduzir a uma situação de responsabilidade, no caso de o contrato
não se vir a concluir, o que só ocorre quando é obtido o mútuo consenso sobre todas as suas
cláusulas (art. 232.o).

Ora, ao se entrar em negociações as partes sairiam do círculo de deveres puramente negativo


dos contactos extra-contratuais, entrando na vinculação positiva da esfera contratual, tendo por
isso que aplicar na pró- pria contratação a diligência necessária para evitar a ocorrência de
danos. O autor qualificou essa situação como a da culpa na formação dos contra- tos,
designando-o pela expressão latina culpa in contrahendo.

Actualmente a doutrina da culpa in contrahendo torna-se imprescin- dível, uma vez que a
evolução da sociedade tornou cada vez mais com- plexo o processo de formação dos contratos,
levando à existência de con- versações múltiplas, envio de cartas de intenção, elaboração de
acordos de princípio e emissão de declarações negociais sob reserva. Ora, esta com- plexidade
da formação dos contratos vai criando sucessivas situações de confiança nas partes, que seria
inaceitável que não viessem a ser juridica- mente protegidas através da responsabilidade civil. É
essa a função dares- ponsabilidade pré-contratual, consagrada no art. 227.o,coma seguinte for-
mulação:
"1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares
como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos
danos que culposamente causar à outra parte.
2. A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498.o".

simultaneamente a fase negociatória, que decorre desde o início das nego- ciações até à
emissão da proposta contratual, e a fase decisória, que decorre desde a emissão da proposta
contratual até à conclusão do con- trato, com a sua aceitação.

A lei impõe a observância das regras da boa fé durante todo o pro- cesso de formação do
contrato, entendendo que o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma
situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito,
mesmo antes de ter surgido qualquer contrato

deveres de protecção, que determinam que as partes na fase nego- cial devem evitar qualquer
actuação susceptível de causar danos à outra parte, sejam eles pessoais ou patrimoniais. A
jurisprudência alemã utiliza neste âmbito abundantemente a culpa in contrahendo para colmatar
as lacunas do seu direito delitual, talvez por forma excessiva como nos célebres casos do
Iinóleo/'», da casca de banana/s+ e da folha de hortaliça/'». Na jurisprudência portuguesa esse
entendimento não tem sido acolhido.
- deveres de informação, em especial quanto às circunstâncias que possam ser relevantes para a
formação do consenso da outra parte, e com especial intensidade quando uma das partes se
apresenta como mais fraca. Esta situação tem vindo a ser acolhida na jurisprudência.
deveres de lealdade, por forma evitar comportamentos que de tra- duzam numa deslealdade
para com a outra parte, aqui se incluindo a própria ruptura das negociações, quando a outra
parte tinha adquirido justificadamente a confiança de que elas iriam conduzir à celebração do
contrato.

É a violação desses deveres que gera a culpa in contrahendo, a qual, conforme refere GALVÃO
TELLEs769, abrange funda- mentalmente três situações:
1) a interrupção ou ruptura das negociações, levando a que o contrato não se venha a celebrar;
2) a celebração do contrato, em termos tais que este venha a padecer de invalidade ou
ineficácia;
3) a celebração válida ou eficaz do contrato, mas em termos tais que o modo como foi celebrado
gere danos para uma das partes.

A nosso ver, no entanto, a responsabilidade pré-contratual situa-se num meio termo entre a
responsabilidade contratual e a responsabilidade delitual, uma vez que não resulta do
incumprimento de uma obrigação previamente assu- mida, nem da violação de um dever
genérico de respeito dos direitos abso- lutos, mas antes a deveres surgidos no âmbito de uma
relação específica
entre as partes, que impõem a tutela da confiança no âmbito do tráfego negocial.

A culpapostpactumfinitum

culpa post pactum finitum. Consiste esta na responsabilização das partes, após a extinção do
contrato pelos danos causados à outra parte, em consequência de comportamentos que lhe
seriam vedados por força da boa fé. Efectivamente, após a extinção do contrato pode prolongar-
se a necessidade de observância de certas condi- ções para que se mantenha a satisfação do
interesse do credor ou não resul- tem danos para as partes. A boa fé impõe que, após o
cumprimento o deve- dor não venha retirar ou reduzir consideravelmente as vantagens que o
cumprimento proporcionou ao credor. Caso o venha a fazer, justifica-se a sua responsabilização
pelos danos sofridos pela outra parte.

O fundamento dessa responsabilização reside na violação dos deve- res acessórios de boa fé.
Os deveres acessórios que vigoram entre as par- tes por força do princípio da boa fé podem
manter-se após a extinção do vínculo obrigacional, uma vez que, conforme se referiu, a sua
função extravasa da simples realização do programa obrigacional. Assim, no caso de ter sido
criada uma situação de confiança, que se pressupôs ser respei- tada após a extinção do vínculo
obrigacional, não deixará de existir res- ponsabilidade se uma das partes trair a confiança da
outra parte (culpa post pactum jinuumitl>.

O contrato com eficácia de protecção para terceiros


Para além disso, os deveres acessórios que vigoram entre as partes podem abranger a tutela da
posição de terceiros, situação que tem sido designada na doutrina por "contrato com eficácia de
protecção em relação a terceiros'T'ê. Esta situação ocorrerá sempre que o terceiro apresente
uma posição de tal proximidade com o credor, que se justificará a extensão em relação a ele do
círculo de protecção do contrato

Não se trata nestes casos de um contrato a favor de terceiro (art. 443 .o), uma vez que o
terceiro não adquire qualquer direito à prestação, sendo apenas tutelado pelos deveres de boa
fé, que a lei impõe em relação às partes, e cuja violação lhe pemite recla- mar indemnização
pelos danos sofridos.

Também neste caso essa indemnização não corresponde aos pressu- postos da
responsabilidade delitual, uma vez que não se reconduz a deve- res genéricos de respeito, nem
aos da responsabilidade obrigacional, uma vez que o devedor, em relação ao terceiro, tem
apenas uma relação de pro- tecção. Estamos aqui manifestamente também no âmbito da terceira
via da responsabilidade civil.

A relação corrente de negócios


Finalmente, cabe-nos examinar a relação corrente de negócios/'t' _ Consiste ela na situação que
se verifica sempre que as partes estão de tal forma habitualmente ligadas por vínculos
contratuais, que qualquer pres- tação realizada por uma delas à outra, mesmo que não
corresponda a qual- quer dos contratos celebrados, toma por referência uma vinculação espe-
cífica entre as partes. Essa vinculação específica não resulta, porém, de um contrato-quadro
previamente celebrado, pois é independente de qualquer declaração negocial, ainda que tácita
nesse sentido, baseando-se antes na perenidade, em termos fácticos, da relação que as partes
vinham man- tendo, no âmbito da qual existe uma disponibilidade permanente para a celebração
de negócios. Assim, à semelhança do que sucede na culpa in contrahendo, essa vinculação
específica é fundamento para o surgimento de deveres de protecção, informação e lealdade,
cuja violação pode dar origem ao dever de indemnizar.

Essa responsabilidade apresenta-se igualmente como intermédia entre a responsabilidade


obrigacional e a responsabilidade deli tua], admi- tindo a ressarcibilidade dos danos puramente
patrimoniais, bem como a responsabilidade pelos actos dos auxiliares, nos termos do art. 800.o.

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