Direitos Humanos e Vulnerabilidades
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Direitos Humanos e Vulnerabilidades
As ideias e opiniões expressas neste livro são de exclusiva responsabilidade dos Autores, não
refletindo, necessariamente, a opinião desta Editora.
CONSELHO EDITORIAL:
Alceu de Oliveira Pinto Junior Geyson Gonçalves
UNIVALI CESUSC–ESA OAB/SC
Antonio Carlos Brasil Pinto (in memoriam) Gilsilene Passon P. Francischetto
UFSC UC (Portugal)–FDV/ES
Cláudio Macedo de Souza Jorge Luis Villada
UFSC UCASAL–(Argentina)
V549d
Veronese, Josiane Rose Petry,
Direitos Humanos e Vulnerabilidades /Aline Taiane Kirch ... [et al.];
Organizadores: Josiane Rose Petry Veronese & Cláudio Macedo de Souza
recurso digital
Formato: e.book
Modo de acesso: world wide web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-86381-74-0
1. Direito Humanos 2. Vulnerabilidades –Brasil I. Título
CDU 341.272
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características
gráficas e/ou editoriais.
A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e seus §§ 1º, 2º e 3º, Lei n° 10.695, de
01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n° 9.610/98).
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Josiane Rose Petry Veronese
Cláudio Macedo de Souza
(Organizadores)
DIREITOS HUMANOS E
VULNERABILIDADES
Florianópolis
2020
SOBRE OS ORGANIZADORES
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SOBRE OS AUTORES
SOBRE OS AUTORES
Aline Taiane Kirch
Mestre em Direito, Democracia e Sustentabilidade pelo Programa de Pós-Gra-
duação do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED. Graduada pela
Escola de Direito do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED. Advo-
gada. E-mail: aline-kirch@hotmail.com
Andrea Jakubaszko
Professora Mestre do Departamento de Política e Ciências Sociais e Pró-Reitora
Adjunta de Ensino da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes.
E-mail: andrea.jk@unimontes.br
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
Daniela Richter
Doutora em Direito pela UFSC/SC, sob a orientação da Profa. Dra. Josiane Rose
Petry Veronese. Professora adjunta do Departamento de Direito e líder do Gru-
po de Estudos de Direito e Consumo Sustentável (GEDCS) da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). ORCID-Id: https:// orcid.org/0000-0003-4465-
1174.E-mail: daniela.richter@ufsm.br
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SOBRE OS AUTORES
Gláucia Borges
Mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Univer-
sidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Especialista em Direito Civil e
Processo Civil e Graduada em Direito pela UNESC. É professora de graduação
em Direito junto à Escola Superior de Criciúma – ESUCRI. Integrante do Nú-
cleo de Pesquisa em Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas,
da UNESC. E-mail: glauciaborges@icloud.com
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SOBRE OS AUTORES
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Josiane Rose Petry Veronese
Cláudio Macedo de Souza
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APRESENTAÇÃO
Utopia
Seriam meras idealizações
ou algo maior:
o sonho com uma sociedade que se paute
no belo, no justo, no fraterno.
Seriam alucinações
a proposição de um mundo que saiba acolher,
que se faça ninho, amoroso e feliz?
Com certeza não se tratam de desejos efêmeros,
antes, impõem-se como grandes projetos,
que demandam tempo e ações.
Sim, a utopia nos toma e nos impulsiona.
Queremos respeito, garantias, direitos.
Que nada,
que nenhuma lágrima passe em vão.
Sim, queremos crescer em humanidade.
(Josiane Rose Petry Veronese)1
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APRESENTAÇÃO
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SOCIEDADES IGUALITÁRIAS, LIVRES E FRATERNAS: OS
DIREITOS HUMANOS E OS 75 ANOS DA ONU
Josiane Rose Petry Veronese
Geralda Magella de Faria Rossetto
1. INTRODUÇÃO
Quando se toma em empréstimo a lição das relações em sociedade, per-
cebidas pela dinâmica de sua história social, jurídica e política, segue impe-
rioso lançar mão de três princípios construtores dessa sociedade: a liberdade,
a igualdade e a fraternidade. A bandeira desses três princípios, além da im-
portância que detém por si, também coordenam a proteção, a promoção e a
defesa dos direitos, em especial dos direitos humanos, que se desdobraram
ao longo do processo histórico, à mercê da força e constituição desses três
fundamentais princípios.
Eivados dessa proposta, o presente estudo tem como razão e objetivo
apresentar a dinâmica das sociedades e do reconhecimento de seus direitos,
sob o condão da liberdade, igualdade e fraternidade, da mesma forma que,
em grandeza e importância, tem-se os direitos humanos, em especial a garan-
tia para que tais direitos ocupem uma posição destacada na recuperação e no
estabelecimento de um plano valioso para a cooperação entre países, setores,
organizações e gerações, dentre estes pode ser indicada a educação, e outras
igualmente importantes categorias – muitas delas, alçadas à qualidade de di-
reitos que, pela disposição na atualidade, detém a condição substantiva de di-
reitos, no caso, em específico, direitos humanos.
Nesse sentido, parte-se da Organização das Nações Unidas – desde o
seu surgimento com a Carta das Nações Unidas, firmada em São Francisco,
no pós-guerra do ano de 1945 – e demais organismos internacionais, os quais
têm papeis destacados no tema proposto, sobretudo, para as relações humanas
na sociedade da informação, em termos de prioridades a nível mundial, para
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3 Segundo Lemos et al (2016): “Por exemplo, a Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO) visa à educação, à ciência e à cultura; a UNIFEM visa às mulheres e
sua condição; o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) atua sobre o desen-
volvimento; o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (PNUMA) cuida das temáticas
do meio ambiente, a Organização Mundial de Saúde (OMS), da saúde, entre outras agências da ONU.
Todas foram criadas após a II Guerra Mundial, na reativação da Liga das Nações, forjada após a I
Guerra Mundial e visava favorecer a paz e prevenir a realização de novas guerras”.
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-estar das crianças” e, de certa forma, cumpre um importante desiderato que é o de reforçar o direito
à educação, notadamente, quando a incerteza assola governos, povos e nações sobre quais escolhas
devem ser realizadas (UNICEF, 2020). Neste sentido: “Embora ainda não tenhamos evidências sufi-
cientes para mensurar o efeito do fechamento das escolas sobre o risco de transmissão da doença, os
efeitos adversos desse fechamento sobre a segurança, o bem-estar e a aprendizagem das crianças estão
bem documentados. A interrupção dos serviços educacionais também acarreta graves consequências
de longo prazo para as economias e sociedades, como o aumento das desigualdades, impactos nega-
tivos nos avanços nas áreas de saúde e redução da coesão social. Em muitos países, os dados sobre a
prevalência do vírus são incompletos, e os tomadores de decisão precisarão realizar melhores avalia-
ções em um contexto de incertezas e informações incompletas. Os governos e seus parceiros devem
trabalhar simultaneamente para promover e salvaguardar o direito de todas as crianças à educação, à
saúde e à segurança, conforme estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança. O melhor
interesse da criança deve ser primordial” (UNICEF, 2020).
6 A indicação do nome “Nações Unidas”, foi cunhada pelo Presidente dos Estados Unidos Franklin
Delano Roosevelt, que dela fez referência pela primeira vez na Declaração das Nações Unidas de 1 de
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8 O tema apresenta a fundação de uma civilização. Bem por isso, pode-se afirmar que, ao atravessar a
meditação da linguagem simbólica, representada pelo conflito entre esses dois irmãos, o tema fornece
uma imagem humana global, a orientar a base do pensamento na história, da luta dos homens e entre os
homens, por seu poder e permanência. Caim, é o primogênito; Abel, é o menor; o primeiro é agricultor,
o outro, pastor. Baggio, a respeito do drama desses dois irmãos, notadamente sobre o “conflito fraterno
segundo a Bíblia” (2012, p. 24), pondera que: na intenção de um dos dois, a presença do outro é intolerá-
vel; há uma negação radical da existência do outro, que é percebida como uma ameaça. E é exatamente
isso que Caim faz, eliminando seu irmão. O diálogo entre Caim e o Senhor dá conta do ocorrido. Ao
perguntar «Onde está o teu irmão?» o Senhor assume que, na sua perspectiva de Criador e de profundo
conhecedor da natureza humana, é específico da condição de fraternidade cuidar uns dos outros. Nesse
sentido, a resposta de Caim é dramática porque ele se recusa a ser responsável pelo outro homem. Mas,
por outro lado, o diálogo entre o Senhor e Caim revela um importante conteúdo da ideia de fraternidade:
os irmãos são dois iguais, mas diferentes. um do outro, podendo cada um ser chamado a ser responsável
pelo outro. É precisamente esta relação que Caim pretendeu negar. (BAGGIO, 2012, p. 25).
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nos caracterizem, por mais que a pertença humana seja distinta, estamos todos,
cada qual enfrentando problemas das mais diversas ordem, mas, um ponto
em comum há de nos guiar: a fraternidade (estar juntos e responder por seus
iguais, em um processo comprometido de reciprocidade e de relacionalidade)
e de igual forma, também, a solidariedade (que é quando o governo e os gover-
nantes são responsáveis por seus cidadãos).
A esse respeito, uma importante voz tem dado destaque para a coopera-
ção, seja entre organizações, países, nações e pessoas. Trata-se de Yuval Noah
Harari, cuja ação e expressão a favor da cooperação, tem povoado a imprensa,
os comitês de pesquisa e a própria ciência com um recado fundamental: “Si no
se tiene una buena base científica se dicen cosas sin sentido. Hay que construir
un puente entre la comunidad científica y el público en general. En caso contra-
rio, las ideas erróneas se implantarán en la mente de la gente” (EL PAÍS, 2020a).
De igual forma, em uníssono: “O verdadeiro antídoto contra uma epidemia
não é a segregação, e sim a cooperação” (EL PAÍS, 2020b).
Ora, sem a contribuição e a influência decisiva da cooperação9 entre os po-
vos e com os povos, com os países e seus governos, dificilmente esta travessia
nos permitirá avançar sem conferir prejuízos incomensuráveis à vida humana,
seja na ordem biológica, física, química, sustentável e, até mesmo tecnológica.
Nenhum de nós há de estar autorizado a atuar no mundo sem o compromisso
que nos une enquanto seres humanos: sermos seres fraternos, equivalentes a
seres humanos solidários e cooperativos.
9 Leia-se fraternidade e solidariedade enquanto expressões pares, com sentidos próprios, em que pese
as distinções conferidas às categorias conforme consta do presente estudo, reforçado por construto
doutrinário que tem avançado nos dias atuais, sobretudo entre os adeptos da doutrina de Antonio Maria
Baggio (2012, 2008, 2009), e reforçada pelo Movimento Comunhão e Direito, sobretudo na América
Latina, inclusive no Brasil, como, também, na Europa.
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10 Não sem antes dar expressão ao primeiro documento histórico do fim da guerra, a Carta das Nações
Unidas. (BOBBIO, 2000, p. 481).
11 Está contido em seu preâmbulo: “a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da
pessoa humana, na igualdade dos direitos dos homens e das mulheres, e das nações grandes e peque-
nas” (BOBBIO, 2000, p. 481).
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12 Merece aprofundado estudo – e inclusive correção, se for essa a conclusão – o estudo dos direitos
humanos em face da lição da barbárie, em especial, a barbárie da reflexão, impregnada pela preocu-
pação com a vida prática e civil na medida em que examinada por Giambattista Vico (1668-1744), no
Princìpi di Scienza Nuova (Ciência Nova), de 1744, a dar conta de um importante alerta sobre os riscos
de uma barbárie ameaçadora da convivência civil – a nosso ver, que se apresenta sempre nova e que
sempre se “corrige” oportunizando novos modelos de barbáries. (VICO, 1992).
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bém deparou com doenças incuráveis13, cuja propagação deu conta do quadro
de uma pandemia, como sói ocorrer com a Covid-19. Porém, o momento atual,
pela expressão tecnológica alcançada, é particularíssimo. Assim os revelam as
razões seguintes, sem, contudo, dar conta de respostas conclusivas, mas que
são um prenúncio da questão: “No século transcorrido desde 1918, a humani-
dade se tornou cada vez mais vulnerável às epidemias, devido a uma mistura
de aumento da população e melhores transportes” (HARARI, EL PAÍS, 2020b).
De outro modo, as questões seguintes oferecem um anúncio dessas ques-
tões, neste momento:
a)os dias de agora estão marcados pela globalização em massa; a co-
municação instantânea; o tratamento dos dados; a evolução da ciência, sem,
contudo, dar conta de novas doenças (ainda que antigas) mas que são novas
no contato e na disseminação humana; a população do planeta; as questões
ambientais; a exposição química, física e biológica e, também, o conhecimento
científico, da qual não escapa nem mesmo o avanço doutrinário – sobre este
ponto em particular, pondera Harari que “Las principales cuestiones políticas
son también científicas” (EL PAÍS, 2020a).
A partir da constatação de crise da época atual, é importante traçar algu-
mas vias conceituais e científicas, a permitir a abordagem científica do atual
tempo, pela importância fundante com que a ciência representa e se apresenta
para a crise atual, sobretudo, o declarado significado e papel que a cooperação
está a ganhar, qual seja, um revelador diagnóstico do tempo presente, a dar
conta de um lado, o modelo de cooperação e, de outro, um conceito realista de
seu diagnóstico, a compor, uma teoria crítica, preenchida pela fraternidade, e
de outro, o papel da solidariedade, cumprida pela autoridade dos organismos
internacionais e pelos Estados. Ora, a ciência dos dias atuais, não é feita da for-
ça exclusiva de uma mente, nela habitam equipes, verdadeiras bases de pensa-
mento, onde o conceito binário, menos que o quântico, está perdendo espaço.
Bem por isso, construir e apontar um diagnóstico da “cooperação”, pode
revelar a força da ciência e, igualmente, a força da fraternidade e da solidarie-
dade. Sobretudo, a fraternidade, vigora em sua mais absoluta condição, afasta-
da que foi da história humana a trazer novo alento aos direitos humanos e ao
conjunto da ciência.
Não por acaso, conforme aponta Voirol, em defesa da categoria do “reco-
13 Ao longo da história da vida humana, várias sociedades enfrentaram episódios de riscos biológicos,
tais como a Peste Negra europeia ou Peste Bubônica (1347-1351); as doenças ‘europeias’ em popula-
ções nativas da América, em vários períodos e tempos da história, e a Gripe Espanhola (1918-1920); e,
no caso do Brasil, significativa é a questão da varíola, presente nos inícios do ano de 1900, que, inclu-
sive, levou o então Presidente da República Rodrigues Alves, a enfrentar a Revolta da Vacina (1904)
no Rio de Janeiro, na época Distrito Federal, a dar conta das dificuldades enfrentadas, reveladoras da
mais absoluta ignorância e desconhecimento científico. (SEVCENKO, 2018, p. 22).
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nhecimento”, presente na teoria crítica de Axel Honneth, dá-se conta que a tra-
dição individualista acentua corretamente o papel do indivíduo e da liberdade,
mas persiste a crítica à incapacidade de pensar a dimensão social e de conceber
o indivíduo à luz de suas próprias necessidades (2014, p. 125).
A respeito do individualismo Bobbio (2020, p. 480) apresenta três formas
de individualismo a dar conta de que, sem essas tais formas (de individualis-
mo), o ponto de vista dos direitos humanos torna-se incompreensível: o indivi-
dualismo ontológico, representativo do estudo da sociedade a partir das ações
individuais; o individualismo ontológico, cujo pressuposto, da autonomia de
cada indivíduo em relação a todos os outros de igual dignidade de cada um
deles; e o individualismo ético, em que cada pessoa é uma pessoa moral.
Entretanto, na história da afirmação dos direitos do homem, enquanto
premissa de sua universalidade, tem na sua constitucionalização, o principal
passaporte para o mundo dos direitos humanos universais, e a convenciona-
lidade, o reconhecimento de direitos invioláveis de todos, a romper com os
direitos naturais, adentrar os direitos positivos e, assim seguir a vida desses
direitos, que certamente darão conta de pensar em direitos feitos cooperativos,
em fraternidade, direitos transpostos da dimensão interna para a dimensão in-
ternacional – em uma dimensão real, de poder exigir justiça em uma instância
superior que não a do próprio Estado. Sem dúvida, está aí uma magna lição,
que foi possível por todas as razões. Porém, sem dúvida, a própria lição da
fraternidade, não deixa dúvidas de sua presença.
A seu respeito, Mardones pondera que a incorporação do princípio da
solidariedade no ordenamento da cidadania social, e, mesmo na sua própria
prática, implica em uma relação vertical do forte para o fraco; em vez disso,
a fraternidade pressupõe uma relação horizontal na partilha dos bens e do
poder (2009, p. 101).
Agora, definitivamente, ao juntarmos a peça desse quebra cabeça, po-
de-se afirmar, sem erro, que esse “novo” encontra-se inaugurado pela fra-
ternidade, de forma que, em sua lição, depara-se com o “essencial duma fra-
ternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas
independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada
uma nasceu ou habita” (PAPA FRANCISCO, 2020).
Ora, a marca da Covid-19 pode mesmo quebrar a marca do individua-
lismo e inaugurar um novo construto: de ressignificar a cooperação entre os
países, entre os Estados, entre as famílias, entre as pessoas, a dar conta de um
novo paradigma de envergadura, só comparável ao que foi vivido pela liber-
dade e pela igualdade14 – no caso, é imperioso que seja colocada à mesa de
14 A respeito da liberdade e da igualdade, pondera Baggio que referidos princípios deixaram de cumprir
com a sua própria realização, ou a mesma ficou incompleta ou fracassou. (2009, p. 11).
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentre os três princípios chaves, incluídos no documento de recepção
política de maior expressão no século XX, no caso liberdade, igualdade e fra-
ternidade, foram inseridos na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
posto tratar-se de instrumento que deu uma nova dinâmica aos direitos – que
incorporaram – além da expressão nacional, a internacional, reconfigurando os
valores jurídicos dos direitos, a fraternidade tem ganhado expressão e força, de
forma que, não se pode mesmo desconsiderar a sua potência.
De fato, no atual momento, a humanidade tem todo o conhecimento e
as ferramentas tecnológicas necessárias à incorporação da fraternidade e, em
sua decorrência, à cooperação entre – e com – os povos, países e sociedade.
O problema real decorre do próprio ódio, da ganância, da ignorância e até
mesmo, do desprezo à ciência, no que deixou claro a presença da COVID-19
entre os seres humanos.
Assim, a menos que se possa reagir a esta crise com fraternidade, com
solidariedade global, e com cooperação, ao invés de seguir com o ódio, e até
mesmo disseminando a culpa em outros países, em pessoas – representativas
de certas minorias e até na própria religião, é certo que teremos problemas
de toda sorte, incluindo questões econômicas, pobreza, exclusão, escolaridade,
em uma lista nada desejável de problemas, ao invés de programas e agendas, a
dar conta da proteção de direitos.
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
Esse desenho poderá romper com a proteção e defesa dos direitos huma-
nos, rompendo de vez, com o compromisso de sua pesada e dificultosa agenda,
conforme tem ocorrido nos dias de agora.
Devemos imbuir sentimentos e, sobretudo, ações dirigidas a desenvol-
ver compaixão, e não ódio, e reagir com fraternidade universal, aptidão ge-
nerosa, e, sobretudo, a inspirar os países e os governos a atuar em solidarie-
dade global, desenvolvendo agenda compatível com os mais vulneráveis, os
fragilizados e os excluídos.
Munida desse intento o estudo proposto foi assim distribuído, além da
introdução, das considerações finais e das referências. Senão, veja-se:
i) na primeira parte, o primeiro item apresenta três Organização Interna-
cionais, com ênfase para a Organização das Nações Unidas – ou simplesmente
Nações Unidas – seja porque a ONU acaba de completar 75 anos, cuja história
e atuação intergovernamental, confundem-se a favor da promoção, proteção e
defesa da cooperação internacional e com tal vocação, mantém sua posição na
defesa dos direitos humanos. Para tanto, tendo em consideração a importância
dos primórdios recentes de seu nascimento (24 de outubro de 1945, em São
Francisco, Califórnia) e, com sede em Nova York, ambos nos Estados Unidos
da América), dentre os seus desafios contemporâneos, sua agenda não esque-
ceu dos difíceis momentos em que atravessa a humanidade nos dias atuais,
onde a vida humana resta comprometida.
ii) na segunda parte, foram oferecidos contrapontos sobre a reafirma-
ção dos direitos humanos e sua posição central na agenda e garantia desses
direitos pela ONU. Conforme restou destacado a ONU, com sua atuação no
mundo, tem favorecido a humanização das principais atuações dos países e
garantido a criação de uma consciência jurídica universal a favor dos direitos
humanos, e, também, tem atuado na atenção dos valores humanos em con-
traponto à atuação e razão do Estado, garantindo-se uma complexa rede de
proteção dos direitos humanos.
iii) na terceira parte, foi examinada a cooperação entre países, entre seto-
res e entre gerações, entre sociedades livres e igualitárias em direitos e em fra-
ternidade, de forma que, por influência da agenda da ONU, corroborada pelas
variadas transformações no cenário da sociedade da informação, tais como as
ocorrentes na política, na economia, na sociedade e, também, na tecnologia, da
qual se espera, um constante desenvolvimento da cooperação e, em contrapar-
tida, oportuniza-se também, a solidariedade e a fraternidade.
No mais, em relação à pandemia que nos assola, devemos desenvolver a
capacidade de discernir a verdade, sobretudo, de entender a ciência, por mais
que, ela tenha falhado em um passado recente – como ocorreu – com o genocí-
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JOSIANE ROSE PETRY VERONESE – GERALDA MAGELLA DE FARIA ROSSETTO
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36
OS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL COMO DIRETRIZES DE PROTEÇÃO DAS
VULNERABILIDADES DA PRIMEIRA INFÂNCIA
Daniela Richter
Joséli Fiorin Gomes
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre a sustentabilidade enquanto um processo
mais amplo do que a simples preservação ambiental. Para tanto, analisam-se
os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela Agenda
2030 das Nações Unidas, de modo a verificar se eles encontram ressonância na
legislação que contempla a primeira infância no Brasil, levando em considera-
ção a hipervulnerabilidade dos infantes de zero a seis anos de idade.
Objetiva, inicialmente, tratar a descrição das variadas possibilidades que
o termo sustentabilidade suscita, para, após, descrever e apresentar as refle-
xões necessárias sobre os objetivos do desenvolvimento sustentável.
Especificamente, quer demonstrar se os ODS trazem diretrizes para a
proteção da infância no século XXI e se as disposições do Marco Legal da Pri-
meira Infância (Lei nº 13.257/2016), o qual estabelece princípios e diretrizes
para a formulação e a implementação de políticas públicas a este público, jus-
tamente em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida
no desenvolvimento do ser humano, estão alinhadas a esta agenda internacio-
nal pela sustentabilidade.
A discussão se justifica não só pela adoção da doutrina da proteção inte-
gral e do princípio da prioridade absoluta pelo Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, mas, também, porque o meio ambiente e a proteção contra a pressão
consumista constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a pri-
meira infância, áreas essas compreendidas pela visão ampliada da sustentabi-
lidade da Agenda 2030.
Para tanto, utiliza-se o método de abordagem dedutivo, partindo-se da
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DANIELA RICHTER – JOSÉLI FIORIN GOMES
sustentabilidade não são suficientes, pois, para ele, é necessário “mais inova-
ção para que o crescimento não fique totalmente associado ao capital natural
passível de esgotamento”.
Sachs (2002, p. 71) enumera várias nuances do termo sustentabilidade.
Trata brevemente da sustentabilidade social como uma das finalidades do
desenvolvimento, já que o caos social certamente chegará antes da catástro-
fe ambiental. Diz que há um corolário do tema quando fala do viés cultural,
afirmando, inclusive que sua versão ambiental é consequência das demais mo-
dalidades. Menciona a relação direta com a distribuição territorial equilibra-
da de assentamentos humanos e atividades, relatando o mesmo em relação
à falta de governabilidade política, isto é, tais elementos são essenciais para a
organização de um programa de “[...] reconciliação do desenvolvimento com a
conservação da biodiversidade” (2002, p. 72). E, somado a isso, tem-se o dever
de harmonização do plano internacional, pois “[...] – as guerras modernas não
são apenas genocidas, mas também ecocidas-” (2002, p. 72).
Desde já, consigne-se que os objetivos do milênio foram igualmente im-
portantes nessa retomada de consciência. Depois, na Rio + 20 foram reiterados
e ratificados os objetivos propostos vinte anos antes agora sobre o enfoque
de “nossa visa comum” de promover o desenvolvimento sustentável “com a
promoção de um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável para
o nosso planeta e para as atuais e futuras gerações”. Igualmente, reiterou-se o
compromisso político de implementar as metas e objetivos de todas as confe-
rências anteriores. Traçou-se o objetivo de “promover a integração, a imple-
mentação e a coerência: avaliar os progressos obtidos até o momento e as lacu-
nas existentes na implementação dos documentos das grandes cúpulas sobre
o desenvolvimento sustentável e enfrentar os desafios já existentes e os novos.
Abraçou-se a ideia de uma economia verde no contexto do desenvolvimento
sustentável e da erradicação da pobreza (BRASIL, 2012).
Milaré (2007, p. 68) diz que melhor do que falar em desenvolvimento sus-
tentável – “que é um processo -, é preferível insistir na sustentabilidade, que é
um atributo necessário a ser respeitado no tratamento dos recursos ambientais,
em especial dos recursos naturais”. Isto é, existem duas condições para o seu
incremento: “[...] a capacidade natural de suporte (recursos naturais existentes)
e a capacidade de sustentação (atividades sociais, políticas e econômicas gera-
das pela própria sociedade em seu próprio benefício)”.
Para Dias (2014, p. 27)
Além da modificação das tecnologias utilizadas, é levado em consideração
o papel do ser humano como indivíduo, na dificuldade de modificar seu
comportamento em relação ao consumo, à contaminação e à conservação.
Nesse aspecto, a sustentabilidade tem um duplo significado, pois trata-
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DANIELA RICHTER – JOSÉLI FIORIN GOMES
damento primordial que é o respeito aos recursos naturais e dois pilares – eco-
nomia e sociedade – conceito esse que permite faticamente uma visão dife-
renciada do meio ambiente natural em relação aos pilares, ou seja, eles são
deixados em um segundo nível.
Desse modo, justifica-se a discussão sob as bases dos direitos difusos,
pois é preciso discutir e questionar a durabilidade da biosfera e do meio am-
biente como um todo para as presentes e futuras gerações. Tem-se que reco-
nhecer que já se ultrapassou a esfera da simples busca pela necessidade de
regulamentação jurídica e de que os problemas relacionados ao meio am-
biente são problemas planetários e que não podem ser observados pela via
tradicional antropocêntrica.
As condições naturais do meio ambiente devem ser resguardadas sob
uma mesma base para presente e futuro de forma a condicionar uma solida-
riedade entre as gerações sempre com o dever de preservar o patrimônio am-
biental. Para maioria dos autores os pilares da sustentabilidade são erigidos a
preocupação com o resguardo do pilar econômico, ambiental e social.
Por outro lado, o consumo também há de ser sustentável. Pode ser consi-
derado por três aspectos (DIAS, 2014, p. 32-33):
Consumir menos: aqui se considera a mudança de valores individuais e so-
ciais orientados para a diminuição do consumo, como compartilhar em
vez de possuir, buscar satisfação não exclusivamente material, evitar o
modismo, etc;
Consumir eficientemente: leva em consideração o aumento da produtivida-
de dos recursos, a diminuição do uso de materiais de energia em proces-
sos produtivos e sua geração de resíduos. Uma orientação centrada na
oferta e fornecimento de serviços em lugar de produtos, em destacar os
aspectos funcionais dos produtos e serviços (por exemplo, a função do
carro é transportar pessoas, e não ser objeto de status);
Consumir responsavelmente: faz referência à adoção de uma conduta res-
ponsável, por exemplo, consumir produtos ecológicos, que tenham sido
produzidos por produtores locais, etc.
Mesmo com pequenos avanços o que preocupa é a “aberração do desen-
volvimento harmonioso, é o culto ao consumismo e a criação de necessidades
desnecessárias, impingidos por um marketing distorcido e pela ação massifi-
cante da mídia, em particular a televisão” (MILARÉ, 2007, p. 77).
Sobre a sociedade de consumidores Bauman (2008, p. 70) expressa:
Se a cultura consumista é o modo peculiar pelo qual os membros de uma
sociedade de consumidores pensam em seus comportamentos ou pelo
qual se comportam ‘’de forma irrefletida’’ – ou, em outras palavras, sem
pensar no que consideram ser seu objetivo de vida, e o que acreditam ser
os meios corretos de alcançá-lo, sobre como separam as coisas e os atores
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
relevantes para esse fim das coisas e atos que descartam como irrelevantes,
acerca de o que os excita e o que os deixa sem entusiasmo ou indiferentes,
o que os atrai e o que os repele, o que os estimula a agir e o que os incita
a fugir, o que desejam, o que temem e em que ponto temores e desejos se
equilibram mutuamente – , então a sociedade de consumidores representa
um conjunto peculiar de condições existenciais em que é elevada a proba-
bilidade de que a maioria dos homens e das mulheres venha a abraçar a
cultura consumista em vez de qualquer outra, e de que na maior parte do
tempo obedeçam aos preceitos dela com máxima dedicação.
Sob a égide do mesmo enfoque, é cediço que o ser humano tende, durante
toda sua existência, a seguir determinados padrões de comportamento, estes,
por sua vez, são ditados pela sociedade, levando-se em consideração o nível
socioeconômico, de informação e o âmbito em que estão inseridos. A mídia,
como dito, em sua gênese, como mecanismo que funciona como uma forma
de pensar e transmitir conceitos e ideologias, observando todo este cenário,
passou a utilizar-se de técnicas para fomentar ainda mais o consumo e, então,
padronizar os hábitos de uma sociedade altamente consumidora e volátil.
Pode-se dizer que há por parte de toda a sociedade uma glamorização
do ato de comprar, de adquirir bens móveis, duráveis e não duráveis, enfim, o
ato de consumir, tal imagem é superexposta pelos veículos de comunicação e
disseminada com vastidão. Entretanto, o que não se vislumbra são os prejuízos
que tais práticas acarretam, principalmente quando tais anseios são passados
aos infantoadolescente, os quais não possuem o necessário discernimento para
filtrar condutas nocivas e perigosas a sua percepção e vão crescendo sem uma
cultura preservacionista. E quem paga essa conta é justamente o meio ambien-
te e os próprios seres humanos num futuro bem próximo.
Desta feita, “o ato de consumir é um ato de satisfação de necessidades
internas e externas, primárias e secundárias. Dessa pluralidade o homem não
pode abrir mão” (COELHO, 1996, p. 16). É assim que as pessoas impõem suas
vontades, frustrações e desejos, direcionando tudo para um campo em que o
consumir poderia trazer sensação de saciedade ou até mesmo aliviar a tristeza
e o sofrimento. Como aduz Bauman “a sociedade do consumo tem por base a
premissa de satisfazer os desejos humanos de uma forma que nenhuma socie-
dade do passado pôde realizar ou sonhar” (2007, p. 106).
Portanto, existe uma diferença crucial entre o que se necessita e o que é
supérfluo, mas essa compreensão está longe de ser alcançada. “O consumis-
ta é uma espécie de pessoa mistificada, iludida e auto-iludida”. “[...] não é
apenas aquele que efetivamente consome, mas, ainda, o que sonha com esse
tipo desviado de consumo e sacrifica bens e valores essenciais simplesmente
para atingi-lo” (MILARÉ, 2007, p. 78). De tudo isso, a verdade é que a crise
ambiental tem implicações profundas na posição do consumidor e no merca-
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DANIELA RICHTER – JOSÉLI FIORIN GOMES
do do consumo.
Milaré (2007, p. 81) expõe que
[...] não se atingirá o desenvolvimento sustentável se não se proceder a
uma radical modificação dos processos produtivos, assim como do aspec-
to quantitativo e do aspecto qualitativo do consumo. Em decorrência, o
desenvolvimento sustentável, uma vez desencadeado, facilitará processos
de produção e critérios de consumo adequados à composição dos legíti-
mos interesses da coletividade humana e do ecossistema planetário.
Freitas (2012, p. 25) em posicionamento peculiar acrescenta aos clássicos
três pilares a necessidade de assimilação de dimensões jurídico-políticas e éti-
ca, já que “a cultura da insaciabilidade (isto é, da crença ingênua no cresci-
mento pelo crescimento quantitativo e do consumo fabricado) é autofágica,
como atesta o doloroso perecimento das civilizações”. Dito de outro modo, os
males atuais são “subproduto dessa cultura de insaciabilidade patrimonialista
e senhorial, que salta de desejo em desejo, no encalço do nada” e requerem tais
complementações, sob pena de caírem no discurso vazio e retórico. O Autor
menciona a inevitabilidade da abstinência. “A sociedade terá, em dado mo-
mento, de querer se desintoxicar de prévias compreensões desastrosas e rede-
senhar o sistema em que vive” (FREITAS, 2012, p. 25-26).
Existe, pois, um dever ético indisponível de sustentabilidade ativa e que
intervém para a restauração do equilíbrio ambiental, ou seja, é um dever intrín-
seco de não depredar a natureza e ser proativo. Isso vai acarretar um bem estar
íntimo e, consequentemente, um bem-estar social.
Essa visão acaba por alterar os principais mandamentos constitucionais e,
sem dúvida, trata de incorporar um conceito de desenvolvimento no qual to-
dos são corresponsáveis no esforço e na tentativa de precaução e de mudanças.
Aliás, todas as pilastras – econômico, social, ambiental, ético, jurídico-político
são conceitos intimamente ligados e entrelaçados, sendo constituídos por com-
ponentes essenciais a estrutura do desenvolvimento.
Freitas (2012, p. 72) diz que esse inter-relacionamento de tudo e todos
e essa conexão inevitável é justamente o caráter multidimensional da susten-
tabilidade. “Vinculada às noções-chave de empatia, equidade entre gerações,
longevidade digna, desenvolvimento limpo (em termos físicos e éticos), a sus-
tentabilidade reclama uma compreensão integrada da vida” para além das
concepções românticas.
Ainda sem concretizar um conceito específico sobre sustentabilidade,
Boff (2013, p. 14) diz que ela significa
O conjunto de processos e ações que se destinam a manter a vitalidade e a
integridade da Mãe Terra, a preservação de seus ecossistemas com todos
os elementos físicos, químicos e ecológicos que possibilitam a existência e
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venção da Criança da ONU de 1989. Veronese (2013, p. 171) certifica que a Con-
venção em seu preâmbulo “lembra os princípios básicos, tais como liberdade,
a justiça e a paz, os quais reconhecem que toda criatura humana é possuidora
de dignidade de Direitos Humanos iguais e inalienáveis”. Acentua, “o fato de
que as crianças, tendo em vista sua vulnerabilidade, necessitam de cuidados e
proteção especiais”, enfatizando a “importância da família, para que a criança
desenvolva sua personalidade, num ambiente de felicidade, amor e compreen-
são” (VERONESE, 2013, p. 171).
Sem dúvida ela ratifica “o fato de que as crianças, tendo em vista a sua
vulnerabilidade, necessitam de cuidados e proteção especiais; e enfatiza a im-
portância da família, para que a criança desenvolva sua personalidade, num
ambiente de felicidade, amor e compreensão” (VERONESE, 1999, p. 97).
Alerte-se de que não se tem como limitadamente conceituar essa prio-
ridade, pois “é sua condição peculiar de desenvolvimento e sua consequente
fragilidade físico-psíquica” que garantem os direitos a este grupo, “seja com
relação ao atendimento de suas necessidades, seja no tocante à formulação de
políticas públicas” (VERONESE; SILVEIRA, 2011, p. 34).
Neste passo, para Pereira (2000, p. 215) a proteção integralizada “é ali-
cerçada no fato de que crianças e adolescentes são reconhecidamente sujei-
tos de direitos, titulares de direitos pessoais provenientes de sua condição
de pessoas em desenvolvimento”, ou seja, de que “todo e qualquer aspecto
capaz de convergir para o estabelecimento de condição de liberdade e digni-
dade” deve ser garantido.
É, nesse contexto, que se insere a Lei do Marco Legal da primeira Infân-
cia, que entende que por ser a criança titular da condição de peculiar pessoa
em estágio de desenvolvimento, pelo simples fato de estarem crescendo, é
que há que se reconhecer, igualmente, que os primeiros anos de vida são
fundamentais para o desenvolvimento do ser humano. Dessa forma, apesar
de existirem direitos e oportunidades para esse público, é certo que é um
período de “vulnerabilidades e de extrema susceptibilidade às influências e
ações externas, como pobreza e violência”. Assim, “o Estado deve estabelecer
políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam
às especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento
integral” (BRASIL, 2020).
É aqui que se percebe, de acordo com o visto na seção anterior, que os
ODS são guias a serem seguidos para concretização dos direitos das crianças,
em especial, as compreendidas na primeira infância. Isso porque, a Agenda
2030, propõe a atuação coordenada e a responsabilidade partilhada por todos
os envolvidos no processo de desenvolvimento sustentável, articulando diver-
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho partiu da abordagem da sustentabilidade enquanto um pro-
cesso amplo, que envolve diversas dimensões além da ambiental. Com isso,
procurou-se analisar se a legislação federal sobre primeira infância no Brasil
enquadra-se na visão de desenvolvimento sustentável trazida pela Agenda
2030 da ONU, a fim de atender à hipervulnerabilidade infantil.
Em face disso, na primeira seção, tratou-se sobre as diversas acepções
que o termo sustentabilidade comporta, a fim de refletir sobre a agenda atual
relativa aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Nesse passo, na se-
gunda seção, perquiriu-se se os ODS podem ser considerados como guias para
a proteção da infância no cenário atual, com vistas a, na terceira e última seção,
verificar como o Marco Legal da Primeira Infância brasileiro, encontra alinha-
mento à esta agenda internacional pela sustentabilidade.
Com isso, foi possível apontar a centralidade da primeira infância para a
consecução da Agenda 2030, demonstrando-se que os direitos garantidos em
outros instrumentos internacionais às crianças encontram-se plenamente con-
templados nos ODS, podendo-se compreendê-los como diretrizes para a pro-
teção das vulnerabilidades infantis para o século XXI. Diante disso, verifica-se
que o dever atribuído aos Estados membros da ONU em implementar os ODS
encontra reflexos importantes no que tange ao Brasil, o qual, logo depois da
entrada em vigor da agenda global de desenvolvimento sustentável, promul-
gou norma doméstica em total sintonia com o proposto por esta. Nesse sentido,
percebe-se que o Brasil possui instrumento legal adequado para a proteção da
primeira infância num cenário de busca pelo desenvolvimento global sustentá-
vel, inclusivo e resiliente, sendo preciso que se busque o engajamento de todos
os atores nele nomeados para que tragam à vida estas previsões, a fim de que
as crianças de hoje possam desenvolver-se como adultos num amanhã em que
a sustentabilidade seja a realidade.
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A VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR TORNOU-SE UM
PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL:
REFLEXÕES A PARTIR DAS PRÁTICAS RESTAURATIVAS
ENQUANTO POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO
Marli Marlene Moraes da Costa
Analice Schaefer de Moura
1. INTRODUÇÃO
No presente artigo pretende-se colocar em discussão a possibilidade de
implementação das Práticas Restaurativas enquanto uma política pública de
prevenção a violência intrafamiliar que vitimiza mulheres e crianças no Brasil.
Foi a partir das décadas de 80 e 90, que houve um grande esforço teórico-me-
todológico e político para compreender este tipo de violência como uma ques-
tão complexa, com determinações sociais e condicionantes culturais, políticas
e econômicas, nunca um tema provocou tantos desconfortos quanto os danos
advindos deste tipo de violência. A expressão violência doméstica, segundo
Saffioti (2004) pode ser empregada como sinônimo de violência intrafamiliar,
de violência de homens contra mulheres e crianças.
Desde que se constituíram, os Estados Modernos assumiram para si o
monopólio legítimo do exercício da violência, retirando-a do arbítrio dos indi-
víduos e da sociedade civil, entregando-a ao exército, as polícias e aos aparatos
da justiça criminal. Outros fatores advém do campo específico da saúde, cuja
área tende a incorporar o social apenas como uma variável “ambiental” da
produção das enfermidades (BURKE, 2005). As relações entre o conhecimento
científico e a intervenção social, frequentemente são fragmentadas e desarti-
culadas, e neste contexto, o exercício das práticas promocionais e assistenciais
acabam ficando restritas aos contornos tradicionais (BURKE, 2005).
Até pouco tempo, o setor de saúde olhava para o fenômeno da violência,
apenas como um expectador, um reparador de estragos provocados pelos con-
flitos intrafamiliares. Essa visão começa a mudar na década de 60, numa das
especialidades mais sensíveis da medicina, quando a pediatria americana pas-
sa a estudar, a diagnosticar e a medicar a chamada Síndrome do Bebê Espan-
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência intrafamiliar é tida como um problema de saúde pública, tan-
to em países desenvolvidos, como em países em desenvolvimento, como é o
caso do Brasil, são enormes as dificuldades para enfrentar o problema. São
muitos os fatores apontados por vários estudiosos do tema, citados ao longo do
trabalho, que dificultam a efetivação dos direitos fundamentais destas mulhe-
res e seus filhos. Esta constatação está basicamente fundamentada e sustentada
pelo elevado número de casos em todo o País. Situação essa, que se agrava em
tempos de pandemia como o que estamos vivenciando.
Assim, se mostra evidente a necessidade de urgência do investimento
em políticas públicas de prevenção, do incentivo às práticas restaurativas que
atuam na restauração do elo fragilizado para que essa relação não possa ser
reorganizada, restabelecida com dignidade, respeito mútuo e diálogo.
Nos termos da resolução número 225/2016 do Conselho Nacional de
Justiça, a Justiça Restaurativa constitui um conjunto ordenado e sistemático
de princípios, métodos, técnicas e atividades que objetivam colocar em des-
taque os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos
e violências.
A justiça restaurativa através de suas práticas apresenta-se como uma po-
lítica pública, capaz de confrontar essa realidade de violência, buscando solu-
cionar o problema social com o tratamento da carga emocional dos envolvido,
por meio da construção de respostas justas e de uma responsabilização que
alcance a reparação consciente, como ferramenta eficaz no tratamento desses
conflitos uma vez que a Justiça Restaurativa reconhece que todos, indepen-
dentemente de serem vítimas ou infratores estão interligados e fazem parte
de uma sociedade compartilhada. Resgatando o sentimento de pertencimento,
concedendo voz e vez para cada membro e possibilitando uma maior com-
preensão do outro dentro da sociedade
As práticas restaurativas, a exemplo da sabedoria ancestral vem ganhan-
do espaço nas comunidades modernas, atuam na construção de um novo para-
digma de justiça social. Consideram o indivíduo como um todo e como um elo
parte da comunidade. Atuam na promoção dos direitos de cidadania e desper-
tam a consciência de que todo ser humano é único e deve ser respeitado, como
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6. REFERÊNCIAS
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71
ENTRE INVISIBILIDADE E NEGAÇÃO DE DIREITOS: O
DESAFIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE AO
RACISMO E NA PROTEÇÃO DA INFÂNCIA NO BRASIL
Fernanda da Silva Lima
1. INTRODUÇÃO
O direito da criança e do adolescente no Brasil consolida-se como um
ramo jurídico autônomo do Direito, responsável pela incorporação da doutrina
da proteção integral ao sistema normativo pátrio a partir de um amplo conjun-
to normativo, tais como a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, a incorporação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança da
ONU de 1989, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 além de legisla-
ção esparsa. Este amplo sistema de proteção normativo humaniza as crianças
e os adolescentes, reconhecendo-os como verdadeiros sujeitos de direitos e se
orienta a partir do respeito a sua condição de pessoa em desenvolvimento.
O estudo da proteção integral aos direitos de crianças e adolescentes com-
preende também realizá-lo sob o enfoque da igualdade racial, da luta antirra-
cista no Brasil e do reconhecimento de que o racismo na sociedade é estrutural,
atingindo também as crianças e adolescentes negros. Por isto, esta pesquisa tem
como objetivo geral demonstrar os limites jurídicos e os limites das políticas pú-
blicas no que tange à concretização de direitos de crianças e adolescentes negros.
Questiona-se se, a partir das pesquisas realizadas nesta área há quase duas déca-
das, quais os principais desafios colocados no campo das políticas públicas, para
que se efetivem os direitos de crianças e adolescentes negros no País?
Neste ano em que o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 30
anos trazer o debate racial para dentro do Direito da Criança e do Adolescente
torna-se imprescindível. E, por isso, é importante falar sobre como o racismo
estrutural afeta a vida de milhares de crianças e adolescentes negros no País.
Como já mencionei em outro texto recente, este artigo se justifica pela impor-
tância em reconhecer que:
A infância empobrecida e violentada no Brasil tem cor e é negra, e por
mais que gostaríamos de dizer o contrário, pesam sobre elas a permanên-
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FERNANDA DA SILVA LIMA
1 De acordo com Almeida (2018, p. 19) “Raça não é um termo fixo, estático. Seu sentido está ine-
vitavelmente atrelado às circunstâncias históricas em que é utilizado. Por trás da raça sempre há
contingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se trata de um conceito relacional e histórico.
Assim, a história da raça ou das raças é a história da constituição política e econômica das sociedades
contemporâneas.” (Grifos do autor)
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2 Para conhecer melhor cada uma delas ver em: (LIMA, 2018) (LIMA, 2015)
3 Neste artigo optamos pelo conceito de “sistema-mundo” no lugar de “sociedade” a partir de Grosfogel
(2018, p. 56): “O conceito de ‘sistema-mundo’ é um movimento de protesto dentro das ciências sociais
eurocêntricas contra as análises que utilizam a categoria ‘sociedade’, entendida como equivalente ao
‘Estado-Nação’. [...] A ideia da teoria do sistema-mundo é que existem processos e estruturas sociais
cujas temporalidades e espacialidades são mais amplas que as dos Estados-Nações.”
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
vras, mas de poder existir. Pensamos lugar de fala como refutar a historiografia
tradicional e a hierarquização de saberes consequente da hierarquia social.”
(RIBEIRO, 2017, p. 64)
É a necessidade de não ter mais a sua pauta de luta contada apenas a
partir da visão do outro. É primordial ouvir o que as vozes negras afirmam
sobre os processos de violência que sofrem. E, no âmbito da academia, isso
só será possível se a população negra acessar estes espaços. O lugar de fala é
assegurar a existência de que estas vozes possam de fato ser ouvidas, obvia-
mente, fora de uma concepção essencialista – a de que só o negro pode falar
de racismo, por exemplo. (RIBEIRO, 2017, p. 64)
Compreender o racismo como estrutural na sociedade implica reconhecer
que as crianças e adolescentes negros também são afetadas e por isso são negli-
genciadas no acesso aos seus direitos mais básicos, como o direito de viver feliz
e com dignidade. Se uma das formas de concretização dos direitos de crianças
e adolescentes se dá pela via das políticas públicas, reconhecer a necessidade
de transversalizar a “raça” neste debate é primordial. O item seguir reforça esta
prerrogativa e amplia a discussão da ampla proteção integral, não sem apontar
alguns limites jurídicos e os desafios futuros.
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FERNANDA DA SILVA LIMA
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
adolescentes e suas famílias. Diz que o grande desafio desta nova doutrina ju-
rídico-protetiva transdisciplinar é justamente a construção, a conscientização,
a mobilização, a implementação e a efetivação destes novos valores humanos
consagrados para as crianças e os adolescentes.
Compreende-se por políticas públicas como instrumentos de ordem
político-administrativa a serviço da população que visem aprimorar ou me-
lhorar a sua qualidade de vida de modo geral. Neste texto, utilizar-se-á as
políticas públicas que se relacionam com políticas de Estado, que não devem
cessar ou ser interrompidas em razão da renovação periódica dos governan-
tes. Secchi(2013, p. 2) informa que não há um consenso doutrinário em rela-
ção ao termo políticas públicas, no entanto, esclarece que a política pública
possui pelo menos dois aspectos fundamentais: “[...] intencionalidade pú-
blica e resposta a um problema público; em outras palavras, a razão para o
estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de
um problema entendido como coletivamente relevante”. Logo, é necessário
compreender que “as políticas são, em verdade, as intenções governamentais
que produzirão transformações profundas ou artificiais no mundo é real”
(GIANEZINI; BARRETO; VIEIRA, 2015, p. 163).
Portanto, as políticas públicas permitem que o Estado (com ou sem a par-
ticipação da Sociedade) a partir das demandas sociais ou não, formule,
planeje e execute ações que possam atuar no mundo real. Entretanto, é
importante destacar que política pública sem recursos necessários para
a sua execução resume-se a um rol de intenções, que não possuem o ins-
trumental necessário para a sua concretização. (GIANEZINI; BARRETO;
VIEIRA, 2015, p. 164)
Dada a multidisciplinaridade que envolve os estudos sobre as políticas
públicas, esta análise vai partir da necessidade de compreendê-las como ins-
trumento para a concretização de direitos fundamentais de crianças e adoles-
centes e, mais especificamente, no que se refere à garantia dos direitos sociais,
cuja realização só se torna possível quando há investimento estatal ou presta-
ções positivas por parte do Estado, para a garantia do direito ao lazer, à educa-
ção, à saúde, à moradia, à assistência social, aos cuidados com a maternidade e
à infância, entre outros direitos.
No estudo das políticas públicas existem algumas fases ou elementos
constitutivos, que podem variar conforme o autor que as aborda. Para Subirats
et al. (2012, p. 33), os elementos constitutivos das políticas públicas são: (1) sur-
gimento e percepção dos problemas; (2) incorporação na agenda política; (3)
formulação da política; (4) implementação; e (5) avaliação.
Subirats et al. (2012, p. 46) define a primeira fase, a da identificação do
problema, “como aquella en la que una determinada situación, produce una necesidad
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FERNANDA DA SILVA LIMA
4 Como aquele em que uma determinada situação, criada a partir de necessidades coletivas ou de insa-
tisfações, são demonstradas no âmbito social e para as quais se requer uma solução. (Tradução livre.)
5 “[...] la definición política de un problema público es el resultado de una pugna simbólica ente gru-
pos y definiciones rivales. Pugna que tiene lugar en un contexto institucional al menos parcialmente
establecido. Las modalidades de la inclusión en la agenda política de una situación juzgada colec-
tivamente como problemática son, sin embargo, complejas y merecen que nos detengamos en ellas.”
(SUBIRATS et al., 2012, p. 137)
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável que a transição democrática, construída a partir da Constitui-
ção da República Federativa do Brasil de 1988 e das reivindicações dos movi-
mentos sociais negros, firmou-se no combate à discriminação racial, na prote-
ção da dignidade humana e na prevalência dos direitos humanos. A Constitui-
ção incorporou ao seu rol de direitos fundamentais diversos dispositivos cuja
inspiração veio dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos,
como proposta de promover a igualdade e a não discriminação.
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FERNANDA DA SILVA LIMA
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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FERNANDA DA SILVA LIMA
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85
CÁRCERE E VULNERABILIDADE: AS RELAÇÕES
ENTRE EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA CRIMINAL E
ENCARCERAMENTO
Cláudia Maria Carvalho do Amaral Vieira
1 A autora destaca que as relações entre as disciplinas podem ocorrer em vários níveis, destacando
quatro delas: “Interdisciplinaridade: inter-relação entre as disciplinas, considerando seus objetivos e
metodologias próprias para a estruturação do conhecimento compartilhado. Exemplo: a relação entre
Psicologia, Direito e Serviço Social para atendimento ao público em um Núcleo de Prática Jurídica,
com a aplicação dos conhecimentos inerentes a cada uma das áreas envolvidas.
Pluridisciplinaridade: define objetivos pedagógicos comuns das disciplinas, proporcionando relações
complementares entre elas. Exemplo: Teoria Geral do Direito (da norma, do ordenamento jurídico, etc.).
Multidisciplinaridade: é uma etapa para a interdisciplinaridade, e é uma etapa para a transdiciplina-
ridade, ou seja, é a integração de conteúdos de disciplinas heterogêneas, mas sem comunicação entre
elas. Exemplo: triagem das pessoas atendidas em um Núcleo de Prática Jurídica feita por profissionais e
acadêmicos das áreas de Direito, Psicologia e Serviço Social, mas sem diálogo sobre os casos atendidos.
Transdisciplinaridade: grau ulterior das relações entre disciplinas, sem escopo de integração e re-
ciprocidade, mas de construção de sistema ou ciência global sem qualquer limite de fragmentação
entre elas, comunicam-se além das áreas existentes na atualidade. Exemplo: o estudo da clonagem na
Engenharia Genética, a Nanotecnologia (Micro robots) na Exobiologia (pesquisa de vida em outros
planetas)” (ALVES, 2005, p. 22).
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CLÁUDIA MARIA CARVALHO DO AMARAL VIEIRA
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
2. CÁRCERE E VULNERABILIDADE
Como dito, um enfoque mais amplo que o meramente jurídico permite
renunciar à tentação de examinar a pena privativa de liberdade desde o exclu-
sivo e limitado ponto de vista formal.
As prisões são muitas coisas ao mesmo tempo: instituições que represen-
tam o poder e a autoridade do Estado; arenas de conflito; negociação e resis-
tência; espaços para a criação de forma subalternas de socialização e cultura e,
principalmente, espaços onde amplos segmentos da população vivem parte de
suas vidas, formam suas visões de mundo, entrando em interação e negocia-
ções com outros indivíduos e com o Estado.
A pena que priva a liberdade é um produto social e, como tal, possui a sua
historicidade. O desenvolvimento da pena privativa de liberdade sempre esteve
ligado ao desenvolvimento do capitalismo. À medida que as cidades crescem em
população, incrementa-se, paulatinamente, a exclusão daqueles que não se veem
favorecidos pelo desenvolvimento social, criando-se os conhecidos cinturões de
pobreza. Esses espaços de pobreza são representativos da exclusão de grupos
vulneráveis ante o desenvolvimento capitalista dos países periféricos. Fato é que
indivíduos vulneráveis passam a adotar meios socialmente e legalmente inacei-
táveis para a satisfação de suas ambições, colocando-os ainda mais à margem
dos poucos benefícios sociais e econômicos que a sociedade, as instituições e o
Estado podem oferecer, potencializando-se o encarceramento.
Muitas são as dificuldades com relação à produção e à análise de dados
no âmbito da justiça penal e de execução penal. Há pouca familiaridade com
números e estatísticas e esbarra-se com a precariedade, contradição e baixa
confiabilidade dos dados a respeitos da população carcerária (questões etárias,
raciais e de gênero) disponíveis em fontes policiais, judiciais e penitenciárias.
Se a história da violência e do crime, no Brasil, remete às nossas heranças
coloniais, recente é a sua transfiguração em inquietação pública e a sua tradução
em problema social que afeta as estruturas do arranjo social e político do Brasil.
A despeito da extensa quantidade de dados e extensa bibliografia jurídica
existente sobre o encarceramento, seja ele masculino ou feminino, a vulnerabi-
lidade que permeia a vida desses homens e mulheres, quando livres, é pouco
conhecida. Isso se deve ao fato de que só recentemente a realidade prisional
brasileira tem sido estudada sob a perspectiva quantitativa e qualitativa.
Os avanços na obtenção e organização de informações a respeito da nossa
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CLÁUDIA MARIA CARVALHO DO AMARAL VIEIRA
4 A proposta de pesquisa detalhada foi encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em atendi-
mento a Edital de Convocação Pública da 4ª. Edição da Série “ Justiça Pesquisa” no campo temática
“ Territórios de vulnerabilidade e exclusão social, acesso a políticas públicas e a relação com privação
de liberdade” do primeiro semestre de 2019. A proposta de pesquisa elaborada denominou-se “ Segre-
gação espacial e limitações de liberdade: uma análise da política seletiva de encarceramento no Brasil”
e contou com a participação dos seguintes pesquisadores ligados ao Instituto Ânima e à Universidade
São Judas Tadeu: Adailton Cordeiro de Azevedo, Ana Paula Koury, Alexandre Luna da Cunha, Cla-
ra Moura Masiero, Antonio Sérgio Ferreira Bonato e Cláudia Maria Carvalho do Amaral Vieira. A
projeto foi classificado em 2º. Lugar, tendo sido vencedora a Universidade São Paulo. Os resultados
da pesquisa contratada estão prometidos para este 2º. Semestre de 2020. Algumas considerações a
respeito da pesquisa que está sendo desenvolvida são apresentadas no item 5 abaixo.
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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CLÁUDIA MARIA CARVALHO DO AMARAL VIEIRA
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
to, segundo Santa Rita5, somente na década de 1960, é que se verifica, no Estado
do Rio de Janeiro, a criação de uma instituição destinada ao atendimento à
mulher presa com filhos: a Penitenciária Talavera Bruce6.
O aprisionamento da mãe acarreta consequências inevitáveis aos filhos,
tornando qualquer proposta idealizada de proteger os direitos dessa criança
uma quimera longínqua da efetividade de seus direitos e interesses, revelando-
-se apenas mais um discurso bonito, sem conteúdo prático de efetiva Proteção
Integral ao ser em desenvolvimento.
Entretanto, são limitadas as possibilidades de efetivação da Proteção Inte-
gral no contexto da execução penal feminina da pena privativa de liberdade no
Brasil. Utópico supor que, na atual situação dos presídios brasileiros, os órgãos
ligados à execução penal no Brasil, no âmbito federal e estadual, venham a pro-
mover a construção de berçários e creches para atender a “infância confinada”.
Assim sendo, nada mais há que esperar dessa estrutura, ou seja, nada
mais poderá ser feito em favor da criança no âmbito da execução penal e
dos órgãos a ela atrelados. Numa estrutura prisional que não consegue se-
quer promover condições dignas aos milhares de homens presos e mulheres
presas que lotam seus estabelecimentos, que dizer então de movimentos em
favor da criança que ali está?
Se, por um lado, há toda uma estrutura estatal, na qual atuam o Minis-
tério Público e a Magistratura sob a perspectiva punitiva, por outro, temos o
paradigma da Proteção Integral, a prioridade absoluta e o superior interesse da
criança a balizar a atuação dos representantes dessas instituições no âmbito da
justiça especializada.
Recortes de uma mesma realidade – mãe e filho no cárcere – que exigem
atuações muitas vezes conflitantes por parte dos membros das mesmas institui-
ções. Para superar essa atuação institucional a partir de perspectivas diversas,
importa que as instituições assumam a responsabilidade por agilizar medidas
que façam com que o fluxo de informações permita que decisões integradas so-
bre um mesmo recorte da realidade efetivem os direitos de todos os envolvidos.
O fluxo dessas informações deve ser dinâmico e eficiente, com o encaminha-
mento rápido aos responsáveis para que a tomada de medidas administrativas
ou judiciais se faça com base nas informações colhidas e relatadas, em favor da
proteção das crianças envolvidas no contexto do aprisionamento de suas mães.
5 SANTA RITA, Rosangela Peixoto. Mães e crianças atrás das grades: em questão o princípio da dig-
nidade da pessoa humana. Dissertação (Mestrado em Política Social). Instituto de Ciências Humanas.
Departamento de Serviço Social. Universidade de Brasília. 2006, p. 106
6 A Penitenciária Talavera Bruce tem sua origem na Penitenciária de Mulheres do Rio de Janeiro, criada
em 1942 e administrada até 1955, pela ordem religiosa Irmãs do Bom Pastor. A partir daquele ano, a
penitenciária passou a ser administrada pelo próprio Estado, sob a tutela da Penitenciária Central do
Rio de Janeiro. Em 1966, a Penitenciária de Mulheres recebeu o nome de Instituto Penal Talavera
Bruce. Atualmente é denominada de Penitenciária Talavera Bruce.
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CLÁUDIA MARIA CARVALHO DO AMARAL VIEIRA
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
9 A alteração normativa seguiu posicionamento defendido na obra: VIEIRA, Cláudia Maria Carvalho
do Amaral Vieira; VERONESE, Josiane Rose Petry: Crianças Encarceradas. A Proteção Integral da
criança na execução penal feminina da pena privativa de liberdade. 2.ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris.
2016, p. 291. Nesse sentido, também, a Resolução no. 2 de 18 de agosto de 2017 que recomenda,
respectivamente, nos artigos 1º. e 2º. que após a lavratura do auto de prisão em flagrante delito de
mulher gestante, lactante ou mãe de filhos até ( doze) anos incompletos ou com alguma deficiência,
com as informações constantes nos artigos 6º. X e 304 parágrafo 4º do Código de Processo Penal, o
delegado de polícia encaminhe 1 ( uma ) cópia para o Centro de Referência em Assistência Social (
CRAS) ou entidade equivalente, para análise da vulnerabilidade e oferta de serviços de proteção social
básica do Sistema Único e Assistência Social ( SUAS) ( artigo 1º. ) e que as cópias serão enviadas ao
CRAS, ou entidade equivalente, mais próxima no endereço do responsável pelos cuidados dos filhos
ou, inexistindo, o endereço informado pela mulher custodiada em auto de prisão em flagrante delito.
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CLÁUDIA MARIA CARVALHO DO AMARAL VIEIRA
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada vez que se constrói uma penitenciária, todos devemos nos preocu-
par, principalmente, se concebermos, mesmo que a depender de comprovações
empíricas, que a criminalidade é um fenômeno que tem por causas principais,
mas não únicas: a pobreza, desigualdade e a exclusão.
Os níveis altos das causas acima citadas que, em resumo, demonstram a
vulnerabilidade de uma alta parcela da população brasileira, representam o
custo que nossa sociedade paga por adotar um determinado sistema de gover-
no e um específico modelo econômico e de organização social.
Em nossa nação, cada vez mais somos menos pessoas livres por cada pes-
10 Conselho Nacional de Justiça (CNJ)-www.cnj.com.br- 4 º edição da série “Justiça Pesquisa” Acesso:
16/10/20
11 Agência CNJ de Notícias- https://www.cnj.jus.br/pesquisas-abordam-relacao-entre-vulnerabilidade-
-imprensa-e-prisoes/. Acesso em: 16 out. 2020.
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
soa presa. O grupo de pessoas que gozam de liberdades tem se tornado mais
restrito. O Brasil possui cerca de 860 mil presos, é a terceira população carcerá-
ria do mundo, com cerca de 55% dos detentos sendo jovens com idades entre
15 e 20 anos, de baixa escolaridade de segmentos de baixa renda da população.
Estamos atrás apenas dos EUA e da China.
Muitos acreditam que o cárcere está direcionada à pessoa comum que
comete um crime. Não é a verdade dos fatos. Este país está criminalizando e
encarcerando a pobreza, ou seja, aqueles que têm pouco do Estado e da socie-
dade brasileira, além de ter permitido que o sistema penitenciário fosse assal-
tado pelo crime organizado.
Não é difícil se concluir que, mais do que nunca, a prisão está sofrendo
como instituição pública fática e simbólica, necessitando mais do que nunca de
estudos a respeito.
6. REFERÊNCIAS
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radas: a proteção integral da criança na execução penal feminina da pena privativa de liberdade.
2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
98
O DIREITO FUNDAMENTAL À ALIMENTAÇÃO NO
CONTEXTO DE VULNERABILIDADE SOCIAL EM
TEMPOS DE PANDEMIA
André Viana Custódio
Gláucia Borges
1. INTRODUÇÃO
O mundo enfrenta no ano de 2020 uma nova pandemia, advinda do vírus
COVID-19, que é facilmente transmitido, ainda não possui vacina preventiva
confirmada e sequer foi solidificado medicamento eficaz para todos os acome-
tidos pela doença. Diversos grupos sociais e áreas de atuação foram atingidas
frente ao cenário que se enfrenta. Dentre essas pessoas, seja de maneira direta
ou indiretamente, estão crianças e adolescentes.
Para discutir criticamente situações que ameacem ou violem os direitos
da infância, faz-se importante ressaltar a força da tutela jurídica direcionada à
esta, pois não é possível analisá-las sem, antes, frisar que a criança e o adoles-
cente devem estar na escala número um de preocupação e atenção da família,
da sociedade e do Estado, tendo em vista serem detentoras de prioridade ab-
soluta e proteção integral.
Historicamente tidas como vulneráveis, em decorrência de seu peculiar
estado de desenvolvimento e pela dependência direta que possuem dos adul-
tos para a efetividade de seus direitos, crianças e adolescentes são elevadas a
uma categoria proeminente de proteção, lhes sendo garantidos direitos ine-
rentes a todos os seres humanos e, ainda, outros exclusivos. Todos os direitos
humanos e direitos fundamentais à pessoa na infância, portanto, devem ser
analisados sob a ótica de que os titulares são sujeitos tidos como sujeitos em
condição peculiar de desenvolvimento.
Apesar de todas essas especiais garantias, em situações típicas da vida
em sociedade, muitas ainda sofrem violações de direitos que permeiam, inclu-
sive, necessidades basilares, como é o caso do direito à alimentação. Em meio a
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ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO – GLÁUCIA BORGES
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1 No artigo 11, do Pacto, os Estados Partes reconhecem “o direito de todas as pessoas a um nível de vida
suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes,
bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência”, e reconhece que possivel-
mente deverão ser adoptadas medidas mais imediatas e urgentes para garantir “o direito fundamental
de todas as pessoas de estarem livres da fome e mal nutrição” (ONU, 2009, p. 127).
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2 2.c Adotar medidas para garantir o funcionamento adequado dos mercados de commodities de alimen-
tos e seus derivados, e facilitar o acesso oportuno à informação de mercado, inclusive sobre as reservas
de alimentos, a fim de ajudar a limitar a volatilidade extrema dos preços dos alimentos.
2.b Corrigir e prevenir as restrições ao comércio e distorções nos mercados agrícolas mundiais, inclusive
por meio da eliminação paralela de todas as formas de subsídios à exportação e todas as medidas de
exportação com efeito equivalente, de acordo com o mandato da Rodada de Desenvolvimento de Doha.
2.a Aumentar o investimento, inclusive por meio do reforço da cooperação internacional, em infraes-
trutura rural, pesquisa e extensão de serviços agrícolas, desenvolvimento de tecnologia, e os bancos de
genes de plantas e animais, de maneira a aumentar a capacidade de produção agrícola nos países em
desenvolvimento, em particular nos países de menor desenvolvimento relativo.
2.5 Até 2020, manter a diversidade genética de sementes, plantas cultivadas, animais de criação e
domesticados e suas respectivas espécies selvagens, inclusive por meio de bancos de sementes e plan-
tas diversificados e adequadamente geridos em nível nacional, regional e internacional, e garantir o
acesso e a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos
e conhecimentos tradicionais associados, conforme acordado internacionalmente.
2.4 Até 2030, garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agríco-
las robustas, que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os ecossistemas, que
fortaleçam a capacidade de adaptação às mudanças do clima, às condições meteorológicas extremas,
secas, inundações e outros desastres, e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo.
2.3 Até 2030, dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos, particu-
larmente das mulheres, povos indígenas, agricultores familiares, pastores e pescadores, inclusive por
meio de acesso seguro e igual à terra, outros recursos produtivos e insumos, conhecimento, serviços
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se à infância é devida proteção integral que resulta, entre outros, em
prioridade absoluta e análise do melhor interesse em todas as circunstâncias,
clara é a enorme falha no sistema. Tendo em vista que crianças e adolescen-
tes possuem relevância a nível internacional e nacional, elevados à categoria
de superioridade, pois são pessoas em peculiar estado de desenvolvimen-
to, necessitando da salvaguarda de direitos especiais, um direito básico não
deveria ainda ser tido como mais um que as vulnerabiliza. Percebe-se que,
apesar do reconhecimento no plano jurídico formal, crianças e adolescentes
não estão sendo vistas como superiores pois, nem o básico lhes está sendo
devidamente garantido.
O que preocupa é que em situações comuns já é possível verificar o di-
reito de crianças e adolescentes sendo constantemente violados. Mas o que o
mundo vive com uma pandemia, como a do Corona Vírus, não se trata de uma
situação típica e comprova, ainda mais, a fragilidade das políticas públicas de
atendimento, a fragilidade do ser humano e a fragilidade de crianças e adoles-
centes, tão dependentes dos adultos.
Ocorre que, compreendendo a importância das crianças e adolescentes,
entende-se que devemos a elas proteção hoje, pelo que são hoje e não pelo que
serão no futuro. Assim, são as crianças e adolescentes da atualidade que estão
passando pela cruel situação de fome, tudo pelo despreparo e ausência do real
reconhecimento como prioridades absolutas. Ainda não é possível se verificar
todas as consequências que estas terão a longo prazo em decorrência da falha
na proteção integral.
Falta o devido reconhecimento da fundamentalidade do direito à alimen-
tação sob a ótica de que esse é um dos direitos basilares para a garantia de
diversos outros direitos da infância, bem como da legitima confirmação dos
demais como elementares para o pleno desenvolvimento do ser humano. Falta
a devida efetivação dos direitos em situações normais. Falta preparo para que
os direitos não sejam mais violados em situações diversas. Falta completa com-
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ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO – GLÁUCIA BORGES
6. REFERÊNCIAS
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UNICEF. Declaration of the rights of the child. Proclaimed by General Assembly Resolution
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O MOVIMENTO “EXPOSED” NO CONTEXTO DA
SOCIEDADE EM REDE: TENSÕES ENTRE AS NARRATIVAS
DE ABUSOS SOFRIDOS POR INTERNAUTAS E O
DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS SUPOSTOS
OFENSORES
Rosane Leal da Silva
Ingra Etchepare Vieira
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da Sociedade em Rede, caracterizada pela instantanei-
dade dos fluxos informacionais além das fronteiras estatais, abriu espaço para
novos movimentos que vão para além da mera busca de informação e oportuni-
dades de comunicação. Ao lado desses já usuais canais, novas formas de intera-
ção foram abertas a partir de plataformas e sites de redes sociais, desde aquelas
mais efêmeras e marcadas pelas pautas de momento até movimentos mais arti-
culados e que objetivam denunciar determinados problemas sociais, políticos e
até mesmo trazer ao conhecimento público situações de violência vivenciadas.
Essa forma de visibilidade é nova, pois se outrora as pessoas mantinham
em sua intimidade determinados fatos, recorrendo a outras estratégias para
ressignificar seus sentimentos, atualmente muitas vítimas buscam nas redes
sociais um espaço para realizar a narrativa de suas vivências, em busca de
apoio e solidariedade. E de postagem em postagem não só revelam, narram
violência e sofrimento, dando visibilidade ao que estava no âmbito de reserva,
quanto fazem denúncias e buscam angariar adeptos que também partilharam
dos mesmos problemas e são sensíveis ou simpáticos à causa. Tal comporta-
mento originou um movimento denominado Exposed.
Essa exposição revela tensões, pois se por um lado pode apontar para a
amplificação do exercício da liberdade de expressão, pois confere inéditas for-
mas de as supostas vítimas se manifestarem em busca de apoio, por outro sus-
cita cuidados e reforça as ambivalências do uso das tecnologias da informação
e comunicação. Tal cautela se justifica, pois a rapidez dos fluxos informacionais
não só retira a possibilidade de contraditório ao conduzir a julgamentos sumá-
rios dos envolvidos, por parte da opinião pública, como também perpetua a
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ta pelo titular dos direitos que, fazendo uso de sua liberdade de expressão
e de sua autodeterminação revela informações pessoais íntimas, quer o faça
por necessidade de ressignificar sua história, por solidão ou para angariar o
apoio dos demais internautas. Tal comportamento já tinha sido objeto de estu-
do inclusive pela psicanálise e foi denominado de extimidade, explicado sob o
ângulo jurídico por Bolesina (2017, p. 187) para quem “[...] a extimidade passa
a ser a revelação, consciente ou não, de partes selecionadas da intimidade e o
recebimento de feedback, que é reabsorvido e, no fechar deste ciclo tem-se o en-
riquecimento da intimidade, mas, além disso, uma transformação da própria
intimidade”. Para o autor tal comportamento não pode ser confundido com o
narcisismo ou vontade de exibir-se, mas se trata de algo que é exposto em bus-
ca da validação do outro, servindo na construção da identidade.
Essa exposição pode parecer paradoxal e oferece pistas sobre a comple-
xidade dos temas atuais quando somados à tecnologia, pois ao mesmo tempo
em que as pessoas reclamam proteção à intimidade contra as interferências
alheias, elas também promovem sua auto-exposição na Internet, relativizando
ainda mais as fronteiras entre público e privado.
Muitos internautas se utilizam das redes sociais para simples busca de
informações e para interações sociais, outros interagem nesses espaços para
dar vazão a sentimentos e posicionamentos individuais, enquanto os demais
se valem das tecnologias para, a partir do encontro com outras pessoas, par-
tilhar pautas comuns e mobilizar as pessoas para um determinado objetivo,
como já apontava Castells (2013) ao tratar do que denominou de redes de
indignação e de esperança.
É neste ambiente plural e a partir dessa multiplicidade de utilizações que
recentemente, eclodiu, nas redes sociais, sobretudo no Twitter, a prática deno-
minada de “Exposed”, advinda do termo em inglês “exposto”, em que jovens
de diferentes Estados brasileiros utilizam a rede social para divulgar casos de
assédio sexual, relacionamentos abusivos, agressões e até mesmo estupro (RA-
MOS, 2020). Com o mesmo intuito, em 2017, ocorreu o movimento denomina-
do de “MeToo”, ou “eu também”, o qual alcançou repercussão mundial, com
milhares de adeptos (MESQUITA, 2020).
Em alguns casos a violência teria ocorrido no âmbito doméstico ou em
qualquer relação afetivamente íntima em que as partes coabitavam. Justifica-
vam a narrativa a partir da tutela prevista na Lei nº 11.340, de 2006, conhecida
como Lei Maria da Penha, a qual tipifica vários comportamentos que atingem
a integridade física, psicológica, moral, sexual e patrimonial da mulher. Em
outros casos, a violência não resultou de relacionamentos mais estáveis, tendo
sido praticada em encontros ocasionais e até mesmo em relações profissionais,
nas quais a vítima estava subordinada ao abusador.
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1 O Marco Civil da Internet (BRASIL, 2014) faz breve alusão ao direito ao esquecimento, no artigo 7º,
inciso X: “Art. 7º – O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania e ao usuário são assegura-
dos os seguintes direitos: X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada
aplicação da internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóte-
ses de guarda obrigatória de registros previstos nesta lei”.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as linhas argumentativas até aqui desenvolvidas permitem afirmar
que o uso das tecnologias da informação e comunicação, com suas plataformas
e inovadores aplicativos não só reconfiguraram a forma como as pessoas rea-
lizam suas interações sociais, quanto descortinaram novos problemas sociais e
jurídicos. Nunca houve tanta oportunidade de fala e de exercício da liberdade
de expressão, assim como em tempo algum foram registradas tantas situações
de exposição da vida privada, intimidade e dados pessoais.
Na sociedade em rede, fluxos informacionais não encontram barreiras de
espaço e ultrapassam as fronteiras estatais. As noções de tempo também são re-
lativizadas, pois postagens e publicações podem se perpetuar e manter tanto o
emissor da mensagem quanto o alvo de suas publicações sempre em evidência
e sem direito ao esquecimento.
Tal ocorre com o movimento “Exposed”, que difunde as situações de vio-
lências e abusos sofridos por jovens internautas. Ainda que tais denúncias nar-
rem fatos verdadeiros e o exercício da partilha possa fortalecer as vítimas e
mobilizar a opinião pública para sua causa, é inegável que tais manifestações
geram excessiva exposição tanto para a vítima, quanto para o possível ofensor.
A vítima poderá se arrepender posteriormente e tal arrependimento será
tardio, pois uma vez postado dificilmente o conteúdo será esquecido e, ainda
que seja tornado indisponível, não tardará em ser publicado em outro site. No
entanto, a pessoa que fez a publicação, ainda que esteja em sofrimento, teve a
autonomia para decidir se queria ou não se expor.
Situação mais grave é a do ofensor que muitas vezes vê seu nome e de-
mais dados pessoais expostos sem que lhe seja admitido o direito ao contradi-
tório e à ampla defesa, com possíveis reflexos negativos para si e sua família.
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Ao trazer esse aporte crítico não se está a defender o ato de violência ou abuso,
pois se foi efetivamente praticado o seu autor deverá responder pela ação. No
entanto, a resposta precisa ser dada pelos meios adequados, com respeito a
procedimentos jurídicos e diante das autoridades competentes e não numa es-
pécie de tribunal virtual.
Uma alternativa para valorizar o ativismo digital das vítimas seria realizar
as narrativas de maneira a não conter elementos que identificassem o possível
agressor, ou seja, partilhar o fato em si, denunciar as tantas violências existentes
e que são, infelizmente, naturalizadas pela sociedade, organizar coletivos femi-
ninos de resistência sem, contudo, expor dados pessoais do ofensor. O grande
desafio é articular essas formas de resistência e de ativismo sem cair nas armadi-
lhas do excesso da liberdade de expressão, pois este direito, quando exercido de
forma que exceda as finalidades, a boa-fé e os princípios orientadores do ordena-
mento jurídico – aqui a dignidade humana do ofendido pela postagem – poderá
se constituir em abuso de direito, o que converteria a vítima em agressora.
A partir de todo o exposto, conclui-se que o movimento “Exposed” poten-
cializa o exercício do direito humano e fundamental da liberdade de expressão.
Todavia, não se trata de direito absoluto e de exercício irrestrito, pois deve
harmonizar-se com outros direitos que também integram a personalidade e
cujo respeito é condição de possibilidade para alcançar a dignidade humana.
5. REFERÊNCIAS
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sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a cria-
ção dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo
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ROSANE LEAL DA SILVA – INGRA ETCHEPARE VIEIRA
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131
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
132
HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA E DIREITOS
HUMANOS: DESAFIOS DO DIREITO PENAL EM
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
Cláudio Macedo de Souza
1. INTRODUÇÃO
Este artigo objetiva propor uma metodologia que torne viável a harmo-
nização da legislação penal, pautada no respeito aos direitos humanos e na
intercessão entre a teoria culturalista e o direito penal. No enfrentamento da
criminalidade transnacional, o direito penal interno só funciona se for pensado
internacionalmente. Nesta direção, a importância da prevenção e da repressão
ao crime transnacional tem crescido em escala global.
Considerado pelas Nações Unidas como uma das principais ameaças à se-
gurança pública e entrave para o desenvolvimento social, econômico e político
das sociedades em todo o mundo, o crime organizado transnacional, enquanto
fenômeno multifacetado, manifesta-se em diferentes espécies. A criminalidade
organizada vem sendo influenciada pelo surgimento das novas tecnologias de
comunicação e de informação, com profundas transformações na vida de pes-
soas, sociedades e Estados. As tecnologias que possibilitam melhorias substan-
tivas nas vidas das pessoas, também, são utilizadas por aqueles que burlam as
leis, cometem crimes e desafiam a justiça.
Essas transformações apresentam diferentes desafios jurídico-penais, espe-
cialmente no que diz respeito à eficácia da persecução penal de crimes transfron-
teiriços. Neste campo, os desafios se ramificam em múltiplas formas de cooperação
judicial e policial que podem variar desde a escolha dos métodos de investigação a
serem utilizados1 até, mesmo, na criação de instrumentos capazes de impedir que
criminosos se aproveitem das disparidades entre legislações nacionais.
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CLÁUDIO MACEDO DE SOUZA
2 Bettiol (1970, 23), no prefácio da segunda edição de sua obra, afirma que “a ideia do direito penal cor-
responder a uma concepção puramente platônica, e portanto situada fora do tempo e do espaço, ainda
se mantém viva no espirito de muitos penalistas, ao mesmo tempo em que deve ser tido em conta o
facto do direito peal ser um dos aspectos da vida cultural, e portanto da História de um povo.”
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
3 Consta do Preâmbulo da Convenção Americana que: “Reconhecendo que os direitos essenciais do ho-
mem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como funda-
mento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza
convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos.”
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4 A Convenção Americana estabelece no artigo 2 o dever de adotar disposições de direito interno: “Se o
exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições
legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas
normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra
natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.”
5 Houve a publicação, no dia 7 de outubro, da Lei 13.344/16, a chamada Lei de Tráfico de Pessoas.
6 O instituto do whistleblowing pode ser extraído da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção.
Este documento assegura a proteção aos denunciantes de boa-fé e representa o interesse da comunida-
de internacional de delinear um acordo verdadeiramente global para a proteção do denunciante.
7 A Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção afirma no artigo 33 que: “Cada Estado Parte
considerará a possibilidade de incorporar em seu ordenamento jurídico interno medidas apropriadas
para proporcionar proteção contra todo trato injusto às pessoas que denunciem ante as autoridades
competentes, de boa-fé e com motivos razoáveis, quaisquer feitos relacionados com os delitos qualifi-
cados de acordo com a presente Convenção.”
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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CLÁUDIO MACEDO DE SOUZA
10 Artigo 22° da Declaração Universal: “Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segu-
rança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais in-
dispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização
e os recursos de cada país.”
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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CLÁUDIO MACEDO DE SOUZA
11 A exigência da harmonização legislativa surgiu com a constituição do Mercosul, por meio do Capí-
tulo I, artigo 1º, in fine, do Tratado de Assunção. A harmonização de leis penais na União Europeia
começou a ser estruturada nas disposições contidas no Tratado da União Europeia, (TUE, também
denominado “Tratado de Maastricht”). Com o Tratado de Amsterdam, o Tratado da União Europeia
foi modificado e a harmonização de leis penais na União Europeia começou a ganhar forma, especial-
mente em decorrência da reformulação promovida no Título VI do TUE.
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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CLÁUDIO MACEDO DE SOUZA
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
sionista deve rechaçar qualquer caminho que constitua uma regulação invariá-
vel e universal para todas as épocas e lugares e para todas as situações históricas.
Por isso, nada mais oportuno e acertado do que começar a crítica à unifi-
cação em seu ideal jurídico, com algumas palavras de Tiedemann (1998, p. 7-8)
dedicadas a este tema. Ele afirma que o direito penal se apresenta como direito
político, com forte vinculação à tradição e à consciência de determinados va-
lores. Para o autor, sobre toda a parte especial do direito penal apresentam-se
valores e atitudes valorativas de uma sociedade.
Certamente, as normas que compõem as ordens jurídicas dos países pos-
suem aspectos semelhantes. Mas, não se pode ignorar as diferenças. Neste
caso, é improvável a existência de uma legislação unificada, a menos que as
especificidades de cada normatividade fossem anuladas. Pode-se reconhecer
facilmente o sentido da unificação a partir, por exemplo, do significado da pa-
lavra “natureza”, mas não a partir da cultura.
Nos vários significados da palavra “natureza”, especialmente em sua for-
ma adjetiva “natural”, reside aquele correspondente à ideia do “exato” e do
“único”. Quando se diz um ordenamento “natural”, não se pensa em uma or-
dem baseada na vontade humana, senão dada por si mesma e de algum modo
objetiva; ou seja, independente do querer humano subjetivo.13
Natural encerra a ideia de unicidade ou de exato. Assim, a teoria do di-
reito natural não comporta nenhuma diferença entre ordem jurídica exata e
ordem jurídica única. O direito é obra humana e, por isso, não é artificial e nem
tampouco natural. Mas, a ideia de unicidade também pode ser extraída da teo-
ria de Hans Kelsen para quem só é direito, o direito positivo como norma pura,
desvinculada de qualquer conteúdo. Ao excluir o ser do direito, esclarece tão-
-somente a lógica formal do dever-ser, suas estruturas possíveis e as conexões
com dois mundos incomunicáveis.
Desta maneira, a teoria pura não pode ocupar-se dos conteúdos sociais e
nem das vicissitudes históricas. Estuda exclusivamente as formas e, a partir de-
las não é possível dar efetividade à harmonização legislativa. As normas puras
não são “vazias”; elas têm seu próprio conteúdo, mas este só pode ser ideal,
e não cultural. Na teoria pura não é a cultura que lhe serve de sentido, mas o
dedutivismo, consistente na unificação de um conjunto de formas penais. Esta
teoria só pode integrar o debate estéril enfocado na ideia única, contrário ao
discurso favorável à harmonização.
O culturalismo-vitalista é a chave necessária para desarticular criticamen-
te, postulações de um direito penal com ênfase na unificação. Essa visão delega
à época e ao lugar históricos a gestação da norma; por isso, a unificação de leis
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CLÁUDIO MACEDO DE SOUZA
afeta o direito penal naquilo que possui de mais relevante: os valores culturais.
A unicidade só pode partir de uma força unilateral, como se fosse um nexo
de causalidade, cuja causa é elemento produtor do efeito. O efeito produzido é
inerte e, depende por inteiro da causa. A unificação legislativa é pura ficção e
não pode funcionar, porque permanece fora da cultura e à margem dos valores.
O enfrentamento da criminalidade transnacional pela via da harmoniza-
ção legislativa deve afirmar a dependência entre norma penal e valores – em
sua simultaneidade e sucessão – sem estabelecer, porque não pode fazer, vin-
culações unilaterais. A necessidade de enfrentar o crime dentro de um merca-
do comum, como é o caso do Mercosul e da União Europeia, não pode apresen-
tar-se regionalmente pela via da unificação legislativa a pretexto de elaborar
um direito penal uniformizado entre os Estados-membros.
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
14 A Eurojust é um organismo da União Europeia criado em 2002 para estimular e melhorar a coordenação
entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros da União Europeia competentes para a investigação
e o exercício da ação penal relacionados com a criminalidade grave organizada de natureza transnacional.
15 Conforme artigos 29.º; 31.º, n.º 1, alínea e; 34.º, n.º 2, alínea b, todos do Tratado da União Europeia,
na versão conferida pelo Tratado de Amsterdam.
16 Conforme artigo 82 da TFUE: “1. A cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princí-
pio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e inclui a aproximação das disposições
legislativas e regulamentares dos Estados-Membros nos domínios a que se referem o nº 2 e o artigo 83º.”
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CLÁUDIO MACEDO DE SOUZA
17 Artigo 6º do TUE 2. A União adere à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e
das Liberdades Fundamentais. Essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas
nos Tratados.
18 Os atos jurídicos da União, enumerados no artigo 288.º do TFUE – Tratado sobre o Funcionamento
da União Europeia, são os seguintes: regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres.
As instituições da União apenas podem adotar estes atos jurídicos se uma disposição dos Tratados lhes
conferir poder para tal. O princípio da atribuição, que rege a delimitação de competências da União,
está expressamente consagrado no artigo 5.º, n.º 1, do TUE.
19 Artigo 2º do TUE afirma que: “A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da
liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem,
incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Mem-
bros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a
solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.”
20 O Tratado de Amsterdam criou um procedimento para suspender os direitos consignados nos tratados
em caso de violações graves e persistentes dos direitos fundamentais por um Estado-Membro.
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inclusão dos direitos humanos como matriz comum no processo de har-
monização da legislação surge como pedra angular da cooperação em matéria pe-
nal. Essa tomada de decisão preserva o diálogo e a argumentação em torno da pes-
soa humana visando a negociação ampla entre os interlocutores, os quais deverão
harmonizar as disposições legais em conformidade às particularidades culturais
de cada Estado. Ademais, a consideração dos dados culturais da normatividade de
cada país favorece a preservação do espaço dos Estados e, parte da premissa que
todos têm igual importância no jogo da harmonização legislativa.
A metodologia proposta requer respeito à cultura alheia no processo de
harmonização da legislação penal e reivindica um direito penal uniformizado
21 Artigo 7º do TUE afirma que: “1. Sob proposta fundamentada de um terço dos Estados-Membros,
do Parlamento Europeu ou da Comissão Europeia, o Conselho, deliberando por maioria qualifica-
da de quatro quintos dos seus membros, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a
existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2º por parte de um
Estado-Membro. Antes de proceder a essa constatação, o Conselho deve ouvir o Estado-Membro em
questão e pode dirigir-lhe recomendações, deliberando segundo o mesmo processo.”
22 Em julho de 2019, a Comissão deu um novo passo na sua comunicação intitulada “Reforçar o Estado
de direito na União: Plano de ação” e lançou um ciclo de análise do Estado de Direito, que inclui um
relatório anual sobre o Estado de Direito que acompanha a situação nos Estados-Membros no atinente
ao Estado de Direito, o qual constitui a base do diálogo interinstitucional.
23 O artigo 7.º, n.º 2 e 3, do TUE prevê que, em caso de «existência de uma violação grave e persistente»
dos valores da UE, possa ser acionado pela Comissão ou por um terço dos Estados-Membros (e não
pelo Parlamento) um «mecanismo de sanções», após o Estado-Membro em causa ter sido instado a
apresentar as suas observações.
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CLÁUDIO MACEDO DE SOUZA
que aceite e que eleja valores de cada normatividade nacional a partir da his-
toricidade que a transforma e renova. Trata-se daquilo que se poderia intitular
de concepção intercultural do direito penal, do latim o prefixo “inter” denota
separação, espaço e reciprocidade. “Interculturalismo” está relacionado a qual-
quer coisa que liga conjunto ou separadamente duas ou mais culturas, mas
sem nenhuma referência delas no mesmo espaço.24
Entretanto, o controle do processo de harmonização pelos direitos huma-
nos indica que não se deve aceitar e eleger qualquer produto alienígena, mas
reivindica-se pensar criticamente em relação à própria cultura e às outras. O
que se deve respeitar delas é o nível de enfrentamento e sua historicidade que
as levam adiante, e não a homogeneidade.
Enfim, a metodologia constituída na teoria culturalista do direito penal
tem lastro no quadro jurídico da União Europeia cuja harmonização vem sen-
do utilizada para denominar a aproximação de leis entre Estados-membros.
Contudo, é preservada uma parcela de autonomia de cada parte para adaptar
as disposições acordadas ao direito doméstico em conformidade às particulari-
dades de seu ordenamento jurídico interno.
Na União Europeia, a harmonização é um instrumento usual que tem
como um de seus principais objetivos a eliminação ou a redução de diver-
gências legislativas entre diferentes Estados-membros. Na medida em que
a harmonização seja necessária para facilitar o reconhecimento mútuo das
sentenças e decisões judiciais e, também, a cooperação policial e judiciária
nas matérias penais, com dimensão transfronteiriça, o Parlamento Europeu e
o Conselho, por meio de diretivas adotadas de acordo com o processo legis-
lativo ordinário, podem estabelecer regras mínimas.
Essas regras mínimas têm em conta as diferenças entre as tradições e
os sistemas jurídicos dos Estados-Membros, conforme consta do artigo 82º
n. 1 do TFUE – Tratado de Funcionamento da União Europeia. A internacio-
nalização e o aumento da sofisticação do crime exigem que as autoridades
policiais, os investigadores judiciais e outros profissionais recorram a uma
gama crescente de ferramentas.
Para o efeito, as autoridades da União Europeia têm procurado fortalecer
o Estado de direito como forma de garantir o respeito pela democracia e pelos
direitos fundamentais. Não pode haver democracia, nem respeito pelos direi-
tos fundamentais sem o respeito pelo Estado de direito e vice-versa. Os direitos
fundamentais só são eficazes se puderem ser invocados perante os tribunais. A
proteção da democracia é assegurada se o sistema judicial, nomeadamente os
tribunais constitucionais, puder desempenhar o seu papel essencial de garantir
os direitos fundamentais.
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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Acesso em: 10.10.2020.
150
NEOLIBERALISMO E A SITUAÇÃO DOS REFUGIADOS:
O PROBLEMA DA INEFETIVIDADE DOS DIREITOS
HUMANOS
Luana Renostro Heinen
Marcel Mangili Laurindo
1. INTRODUÇÃO
O literato austríaco, Stefan Zweig estava em solo inglês quando, em 1939, a
Inglaterra declarou guerra à Alemanha – que, por sua vez, havia anexado a Áus-
tria em 1938. Aos olhos dos ingleses, o escritor austríaco era, assim, um alemão:
Da noite para o dia, eu caíra um degrau, mais uma vez. Na véspera ainda
um hóspede estrangeiro e, de certo modo, um gentleman que ali gastava
o seu salário internacional e pagava impostos, eu me tornara emigrante,
um refugee. Caía para uma categoria inferior [...]. Além disso, precisava
fazer um requerimento especial para cada visto estrangeiro naquela folha
branca de papel, pois todos os países tinham desconfiança contra a “espé-
cie” de gente à qual eu pertencia agora, contra o indivíduo sem direitos,
apátrida, que não podia ser deportado e devolvido à sua pátria como os
outros caso se tornasse incômodo e ficasse muito tempo no país. E eu sem-
pre precisava me lembrar das palavras que, anos antes, me dissera um
russo exilado: “Antigamente, a pessoa só tinha um corpo e uma alma. Hoje
ainda precisa ter um passaporte também, caso contrário não será tratada
como gente” (ZWEIG, 2014, p. 362).
Zweig narra sua experiência em um contexto de guerra entre os países,
em que os próprios indivíduos passam a encarar o ódio que alimentava essa
batalha, assim, sua vinculação à Áustria o tornava um refugiado, um apátrida,
um problema para a Inglaterra. As condições políticas mudaram enormemen-
te, no entanto, seu relato chama a atenção para algo se ampliou desde então – a
multiplicação das barreiras entre os países, o crescimento do sentimento de
ódio ao estrangeiro, o controle biopolítico que, dali em diante, tornar-se-ia uma
arma cada vez mais utilizada pelos Estados e, de quebra, desnuda o fantasma-
górico estatuto do refugiado.
Visionário, Stefan Zweig antecipou, com sua escrita melíflua, um debate
151
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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LUANA RENOSTRO HEINEN – MARCEL MANGILI LAURINDO
1 “Depois da implementação de políticas neoliberais no final dos anos 1970, a parcela da renda nacional
do 1% mais rico dos Estados Unidos disparou, chegando a 15% (bem perto do seu valor pré-Segunda
Guerra Mundial) perto do final do século. O 0,1% mais rico dos Estados Unidos aumentou sua parcela
da renda nacional de 2% em 1978 para mais de 6% por volta de 1999, enquanto a proporção entre a
compensação mediana dos trabalhadores e o salário dos CEOs (Chief Executive Officer) passou de
apenas 30 para 1 em 1970 a quase 500 para 1 por volta de 2000.” (HARVEY, 2012, p. 25).
2 “Assim, um dos núcleos substanciais da ascensão do poder de classe sob o neoliberalismo reside nos
CEOs, os principais operadores do conselho de administração, e nos líderes dos aparatos financeiros,
legais e técnicos que cercam a quintessência da atividade capitalista. Mas o poder dos verdadeiros
proprietários do capital, os acionistas, foi um tanto diminuído” (HARVEY, 2012, p. 42).
3 Nunes aponta também como outras características: a desintermediação, pois os grandes investidos
institucionais passam a ter acesso direto aos mercados financeiros de todo o mundo, sem custos de in-
termedição e a descompartimentação, que é a perda de autonomia de vários mercados que antes eram
separados e passam a ser um só (nacional e mundialmente) (NUNES, 2003, p. 83).
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
4 Hespanha (2009, p.428-432) explora as novas características do direito, nesse mundo globalizado.
Segundo ele: organizações internacionais institucionalizadas como Organização Mundial do Comér-
cio tem função reguladora; empresas e organizações informais também assumem função reguladora
(dados sobre a totalidade da economia que essas empresas representam demonstram sua importância
– entre um quinto e um quarto de toda produção mundial está nas mãos de empresas transnacionais);
o mundo se configura como um lugar de unidades econômicas que são também centros de poder; o di-
reito proveniente dos tratados não consegue acompanhar as rápidas mutações das relações comerciais:
defende-se muitas vezes uma maleabilidade de princípios face ao direito “rígido”.
5 Duas pesquisas atuais são muito importantes na caracterização do aumento da desigualdade: de um
lado a obra do economista francês Thomas Piketty que demonstrou que a economia de mercado não
tende à igualdade, mas que os rendimentos de quem já tem riqueza tendem a ser maiores do que o
crescimento da economia: aqueles que vivem de renda vão ganhar muito mais do que aqueles que
vivem do trabalho. Assim, sem intervenção governamental para realizar redistribuição, a tendência
é o aumento cada vez maior da desigualdade. De outro lado, a obra do economista sérvio Branko
Milanovic mostra as desigualdades entre os países que, no contexto de globalização tem seus ganhos
e perdas diretamente relacionados com o que acontece de forma mais ampla na economia mundial.
Como explica Marcelo Medeiros: até a Revolução Industrial o mundo era mais ou menos homogêneo,
houve grande crescimento das diferenças entre países ricos e pobres entre 1820 e 1970, considerado o
pico da desigualdade. A partir de então houve significativo crescimento dos países asiáticos: “As mu-
danças nas últimas décadas na desigualdade entre os países acabaram afetando a desigualdade dentro
dos países. A Ásia absorveu, nesse período, boa parte da produção industrial do mundo. A América
do Norte e a Europa ficaram com o controle dos sistemas financeiros. Países da América Latina, que
chegaram a ter mais de um terço de seu Produto Interno Bruto advindo da indústria, regrediram e hoje
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LUANA RENOSTRO HEINEN – MARCEL MANGILI LAURINDO
3. O REFUGIADO É UM CONCEITO-LIMITE
Giorgio Agamben retoma, por meio de um autor chamado Festo, o con-
ceito de uma misteriosa figura que o direito romano arcaico chamou de Homo
Sacer – um homem que o povo condenou por um delito, mas que não pode
ser sacrificado em razão de tal veredicto. Apesar disso, é possível que alguém
venha a assassiná-lo sem que seja condenado por homicídio. A contradição é
evidente (AGAMBEN, 2014, p. 74)7.
De qualquer forma – polêmicas à parte – , a especificidade do Homo Sacer
reside na “impunidade da sua morte e no veto de seu sacrifício” (AGAMBEN,
2014, p. 76). A vida do Homo Sacer se situa no cruzamento entre uma “matabili-
dade e uma insacrificabilidade, fora tanto do direito humano quanto do direito
são fornecedores de matérias-primas e alimentos para o resto do planeta. Com isso, acabou se forman-
do na Ásia uma classe de trabalhadores de baixa renda que antes estavam na pobreza; na América do
Norte, na Europa e na Oceania, as classes médias industriais perderam posição, mas emergiram os
super-ricos, em particular os grandes executivos e homens de finanças; enquanto isso, na América La-
tina, assistimos a uma transição do trabalho industrial para serviços de baixa produtividade. A África,
de modo geral, continuou arcaica e pobre.” (MEDEIROS, 2016)
6 Segundo dados do ACNUR, as principais crises que levaram ao deslocamento forçado no mundo, em
2019, são: “the outbreak of the Syrian conflict early in the decade, which continues today; South Sudan’s
displacement crisis, which followed its independence; the conflict in Ukraine; the arrival of refugees and
migrants in Europe by sea; the massive flow of stateless refugees from Myanmar to Bangladesh; the ou-
tflow of Venezuelans across Latin America and the Caribbean; the crisis in Africa’s Sahel region, where
conflict and climate change are endangering many communities; renewed conflict and security concerns
in Afghanistan, Iraq, Libya and Somalia; conflict in the Central African Republic; internal displacement
in Ethiopia; renewed outbreaks of fighting and violence in the Democratic Republic of the Congo; the
large humanitarian and displacement crisis in Yemen.” (UNHCR, 2020, p. 6)
7 Em termos literais: “Homem sacro é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito
sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na primeira lei tribuní-
cia se adverte que ‘se alguém matar aquele que por plebiscito é sacro, não será considerado homicida’.
Disso advém que um homem malvado ou impuro costuma ser chamado sacro” (AGAMBEN, 2014,
p. 74). A definição, reproduzida pelo filósofo italiano, é de Festo, que a expõe em seu Tratado sobre o
significado das Palavras.
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
8 Segundo Giorgio Agamben, o paradoxo do qual Hannah Arendt aqui parte é que a figura – o refugia-
do – que deveria encarnar por excelência o homem dos direitos assinala, em vez disso, a crise radical
deste conceito: “A concepção dos direitos do homem’ – ela escreve -, ‘baseada na suposta existência
de um ser humano como tal, caiu em ruínas tão logo aqueles que a professavam encontraram-se pela
primeira vez diante dos homens que haviam perdido toda e qualquer qualidade e relação específica –
exceto o puro fato de serem humanos’ (Arendt, 1994, p. 229). No sistema do Estado-nação, os ditos
direitos sagrados e inalienáveis do homem mostram-se desprovidos de qualquer tutela e de qualquer
realidade no mesmo instante em que não seja possível configurá-los como direitos dos cidadãos de um
Estado” (AGAMBEN, 2014, p. 121).
9 Para Slavoj Žižek, “Esta direção, por certo, conduz diretamente à noção de homo sacer de Agamben
enquanto um ser humano reduzido à ‘vida nua’. Em uma dialética propriamente hegeliana do univer-
sal e do particular, o ser humano – em um único movimento – deixa de ser reconhecido ou tratado
como humano precisamente quando fica desprovido de uma identidade particular sócio-política que
responde por esta cidadania determinada. Paradoxalmente, fico privado dos direitos humanos no mo-
mento preciso em que sou reduzido a um ser humano ‘em geral’, e venho a ser, portanto, o portador
ideal daqueles ‘direitos humanos universais’, os quais pertencem a mim independentemente de minha
profissão, sexo, cidadania, religião, identidade étnica etc” (ŽIŽEK, 2014, p. 24).
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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LUANA RENOSTRO HEINEN – MARCEL MANGILI LAURINDO
Ele não tem direitos porque não faz parte do Estado e é um ser humano
inferior porque não é um cidadão. Alguém é um homem em maior ou
menor grau porque é um cidadão em maior ou menor grau. O estrangeiro
é a lacuna entre homem e cidadão. Os indivíduos só têm direitos humanos
na comunidade. Os sem-Estado, os refugiados, as minorias de vários tipos
não têm quaisquer direitos humanos (DOUZINAS, 2009, p. 118-119).
Exigir que a lei proteja o refugiado ou o estrangeiro constitui, assim, sob
essa ordem discursiva, um outro paradoxo, já que é justamente ela que separa
o interior do exterior. Para Costas Douzinas, “o estrangeiro é a pré-condição
política do Estado-nação [...]” (2009, p. 363).
Não é à toa, por certo, que, em seu Conceito do Político, Carl Schmitt afirma
que o inimigo político é o outro ou o estrangeiro. Segundo o autor de O Conceito
do Político, a alteridade do estrangeiro não constitui senão a negação da forma
de existência da comunidade ameaçada, “[...] devendo [o estrangeiro], portanto,
ser repelido e combatido, para a preservação da própria forma de vida, segun-
do sua modalidade de ser” (1992, p. 52).
Para Carl Schmitt, a existência política mesma de um povo depende, ne-
cessariamente, da afirmação de um inimigo: “se ele não tem mais a capacidade
ou a vontade para esta diferenciação, ele cessa de existir politicamente” (1992,
p. 76). Tal definição apresenta contornos existenciais. Amigo e inimigo não são,
para o autor tedesco, metáforas ou símbolos, mas entes concretos. Tanto que seus
conceitos guardam relação, inclusive em democracias, “[...] com a possibilida-
de real de aniquilamento físico” (SCHMITT, 1992, p. 59).
Nas verdadeiras democracias, assevera Carl Schmitt, o igual é tratado
igualmente, mas o não igual é, em consequência, inevitavelmente tratado de
modo diferente (1996, p. 10). Daí que “(...) a democracia deve, em primeiro
lugar, ter homogeneidade e, em segundo lugar – se for preciso – , eliminar ou
aniquilar o heterogêneo”: “a força política de uma democracia se evidencia
quando mantém à distância ou afasta tudo o que é estranho e diferente, o que
ameaça a homogeneidade”15 (SCHMITT, 1996, p. 10).
O discurso de Carl Schmitt pode parecer radical, mas, no fundo, enaltece
a soberania de uma associação política a que se usou designar nação – conceitos
expressamente mencionados no artigo 3º da Declaração francesa de 1789.
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
16 “You do the same as charitable persons do with their old clothes. You give them to the poor. Those rights
that appear to be useless in their place are sent abroad, along with medicine and clothes, to people depri-
ved of medicine, clothes, and rights. It is in this way, as the result of this process, that the Rights of Man
become the rights of those who have no rights, the rights of bare human beings subjected to inhuman
repression and inhuman conditions of existence. They become humanitarian rights, the rights of those
who cannot enact them, the victims of the absolute denial of right.” (RANCIÈRE, 2010, p. 307).
17 Em suas Dez teses sobre a política, o filósofo francês aponta o que a política não é: “Tese 1: A política
não é o exercício do poder. A política deve ser definida em seus próprios termos, como um modo de
agir posto em prática por um tipo específico de sujeito e decorrente de uma forma particular de razão.
É a relação política que permite pensar a possibilidade de um sujeito(subjetividade) político [le sujet
politique], e não o contrário. Identificar a política com o exercício do poder, e luta para o possuir, é
abolir a política”; “Thesis 1: Politics is not the exercise of power. Politics ought to be defined on its
own terms, as a mode of acting put into practice by a specific kind of subject and deriving from a
particular form of reason. It is the political relationship that allows one to think the possibility of a po-
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LUANA RENOSTRO HEINEN – MARCEL MANGILI LAURINDO
litical subject(ivity) [le sujet politique], not the other way around. To identify politics with the exercise
of, and struggle to possess, power is to do away with politics” (RANCIÈRE, 2001, tradução livre). A
política não é, portanto, polícia. Ao exercício do poder ou a luta por ele, comumente designados de
política, Jacques Rancière chama polícia.
18 “A atividade política é a que desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de
um lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o barulho,
faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho” (RANCIÈRE, 1996a, p. 42).
19 Nenhuma coisa, nenhum tema é por si político. Entretanto, qualquer coisa pode vir a sê-lo se houver
o encontro das duas lógicas (policial e política), assim como algo como uma greve pode dar ensejo
à política ou não. “Uma greve não é política quando exige reformas em vez de melhorias ou quando
ataca as relações de autoridade em vez da insuficiência dos salários. Ela o é quando reconfigura as re-
lações que determinam o local de trabalho em sua relação com a comunidade. O lar pôde se tornar um
lugar político, não pelo simples fato de que se exercem relações de poder mas porque se viu arguído no
interior de um litígio sobre a capacidade das mulheres à comunidade. Um mesmo conceito – a opinião
ou o direito, por exemplo – pode designar uma estrutura do agir político ou uma estrutura da ordem
policial. (…) essas palavras podem também designar, e designam na maioria das vezes, o próprio
entrelaçamento das lógicas” (RANCIÈRE, 1996a, p. 45).
161
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em 2018, às voltas com a chegada de uma embarcação repleta de imigran-
tes e refugiados oriundos da África, o Ministro do Interior da Itália, Matteo
Salvini, referiu-se àqueles que estavam a bordo como carne humana:
Itália abandona no mar outro barco com 224 imigrantes
Matteo Salvini, ministro do Interior italiano, chamou as pessoas resgata-
das de
“carne humana”
[...]
O ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, negou a entrada em seu
país de um barco com bandeira holandesa da ONG alemã Lifeline com 224
imigrantes resgatados em frente à costa da Líbia.
[...]
Ao falar dos países aos que pertencem os barcos, indicou: “Levem toda
essa carga de seres humanos à Holanda, ou a Gibraltar, ao Reino Unido, à
Espanha, à França ou onde queiram. A Itália não pode assumir o fardo dos
custos econômicos e sociais de uma imigração fora de controle”20 (ITÁLIA
20 No campo de concentração nazista de Auschwitz, os prisioneiros que sofriam com a mais absoluta
desnutrição eram conhecidos por muçulmanos. Giorgio Agamben reproduz, em seu O que resta de
Auschwitz, o testemunho de um sobrevivente a respeito: “Quando [os prisioneiros] ainda eram capazes
de se mexer, isso se dava em câmera lenta, sem que dobrassem os joelhos. Dado que sua temperatura
baixava normalmente até abaixo dos 36 graus, tremiam de frio. Observando de longe um grupo de
enfermos, tinha-se a impressão de que fossem árabes em oração. Dessa imagem derivou a definição
usada normalmente em Auschwitz para indicar os que estavam morrendo de desnutrição: muçulma-
nos” (2008, p. 51). O muçulmano de tal campo, defende o filósofo italiano, só mantem a aparência
de ser humano: lá, ele é um não-homem (AGAMBEN, 2008, p. 62). Matteo Salvini parece crer que
162
LUANA RENOSTRO HEINEN – MARCEL MANGILI LAURINDO
7. REFERÊNCIAS
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toda essa carne humana já não pertence mais a verdadeiros seres humanos. Muitas vezes, essa carne
humana é entulhada em navios fantasmas para singrar os mares: “‘Navios-fantasma’ são a nova arma
dos traficantes para lucrar com imigração no Mediterrâneo. Em três dias, Itália resgatou, em carguei-
ros à deriva no Mediterrâneo, mais de 1200 pessoas, a maioria sírios. [...] os imigrantes e candidatos
a asilo são colocados em cargueiros prestes a serem abatidos, mas capazes de levar mais gente e de
navegar até às costas europeias em pleno inverno. Ainda em águas internacionais, os navios são colo-
cados em piloto automático, dirigidos ao destino, e a tripulação abandona os comandos” (PEREIRA,
2015). Ademais, muitos desses não-homens acabam morrendo por terem adquirido, sem o saberem,
coletes salva-vidas falsos: “Dezenas de imigrantes morreram na terça, pois usavam coletes falsos.
Alguns salva-vidas absorviam a água e puxavam a pessoa para o fundo. O jornal ‘Sabah’ revelou nesta
quinta-feira (7) que muitos dos refugiados que morreram afogados na terça-feira quando tentavam ir
da Turquia à Grécia usavam coletes salva-vidas falsos da fábrica que a polícia turca fechou na cidade
de Esmirna. A operação policial aconteceu na própria terça, após a tragédia que tirou a vida de 31 imi-
grantes que tiveram os corpos encontrados em praias turcas. Os agentes fecharam a fábrica clandestina
e apreenderam 1.263 coletes, muitos com símbolos de marcas conhecidas para fingir maior qualidade.
Dentro, os equipamentos de segurança tinham restos de embalagem, material de isolamento e plásticos
não flutuantes” (AGENCIA EFE, 2016).
163
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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164
A DIGNIDADE HUMANA COMO FUNDAMENTO DA
POLÍTICA PÚBLICA DE ACESSO À JUSTIÇA
Silzia Alves Carvalho
Dimas Pereira Duarte Júnior
1. INTRODUÇÃO
O contexto presente nos desafia a refletir a condição Humana nesses tem-
pos que correm. Esta Senhora, denomina Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos, na altura dos seus 72 anos de sua promulgação pela Organização das Na-
ções Unidas-ONU, tem sido objeto de intensas divergências, sobretudo no que
tange ao seu caráter universal. Entende-se que o ponto focal dos questionamen-
tos a respeito dos Direitos Humanos está no aparente paradoxo entre o direito à
igualdade e o direito à diferença, e, em que medida isso reflete na humanidade
do Humano, bem definida na universalidade da garantia de sua dignidade.
As distopias que caracterizam o século XXI foram evidenciadas com a
pandemia provocada pela SARS-CoV-2, o que tornou as questões a respeito
dos direitos humanos um aspecto central com relação à proteção da dignidade,
diante dos efeitos da crise humanitária cujas proporções têm sido consideradas
incalculáveis no presente, e, no futuro.
Abordar os possíveis meios para assegurar a efetividade dos direitos hu-
manos é uma exigência atual, tendo em vista os problemas referidos, dentre
outros. Assim, a Declaração Universal dos Direito Humanos quanto aos direi-
tos fundamentais revela-se imprescindível a fim de reafirmá-la como paradig-
ma para os sistemas jurídicos.
O objeto desta pesquisa é o tratamento das questões relacionadas ao artigo
VII e X da Declaração Universal dos Direitos Humanos, também constantes na
Constituição brasileira de 1988, no artigo 5º, XXXV, LIII e LIV, portanto, incor-
porados ao direito pátrio como cláusulas pétreas. Por sua vez, o artigo 1º, III
da CF/88 determina que são princípios fundamentais do Estado a dignidade da
pessoa humana a partir de um embate entre a ideia de mínimo existencial e ne-
cessidades humanas, duas vertentes que vêm sendo amplamente utilizadas para
discutir a abrangência e a eficácia dos direitos humanos na contemporaneidade.
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1 Nesse relatório Cappelletti e Garth consideram o acesso à justiça como o mais básico dos direitos
humanos, devendo ser entendido como um requisito fundamental para a construção de um sistema
jurídico justo, moderno e igualitário. Voltado a garantir e não apenas proclamar o direito de todos,
esse sistema deve não só afirmar formalmente o direito de acesso à justiça, mas também enfatizar ele é
diferente dos demais direitos humanos, pois é um direito-garantia, o qual deve servir para a realização
de outros direitos. Desse modo pode-se afirmar que é o direito imprescindível para o exercício pleno
da contemporânea concepção de cidadania. (ALMEIDA, 2012, p. 88)
2 O desenvolvimento sócio, econômico e cultural ocorrido nos últimos 200 anos, levou ao reconheci-
mento dos direitos coletivos, individuais homogêneos e difusos.
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3 Apesar de o Brasil não ter participado do Projeto Florença, que deu origem ao estudo de Cappelletti e
Garth.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos humanos, enquanto herança das revoluções liberais burguesas
do Séc. XVIII, sempre se viram atrelados aos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade. No entanto, entre o momento em que se afirmaram como preceitos
éticos e ideológicos a reger a moderna concepção de Estado Democrático de Di-
reito, até o momento em que são formalmente reconhecidos pelas Declarações de
Direitos e pelas primeiras Constituições escritas, e passaram a ser materialmente
realizados, sobretudo, por meio de políticas públicas, há um longo percurso.
Da crença na liberdade e na igualdade emergem os direitos voltados a
reconhecer as liberdades públicas, a ampliar os mecanismos de participação
do cidadão no processo decisório e a afirmar que todos são iguais perante a lei.
Com a ampliação da concepção de igualdade advinda com os movimen-
tos revolucionários socialistas, do século XIX, que respondem às desigualda-
des decorrentes da Revolução Industrial deflagrada, esse direito passa a per-
mear não só a esfera do direito de participar do processo de construção do
espaço público, mas também no direito de ter lugar da distribuição dos bens e
riquezas advindas da maximização dos meios de produção.
8 No sentido de negar eficácia plena ao princípio da razoável duração do processo, vide as seguintes
decisões. TJSP. Habeas Corpus. Processo 2204900-13.2020.8.26.0000. Disponível em: https://esaj.
tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do, acesso em 13/10/2020
STJ. Habeas Corpus. REsp 1690216 / RS. RECURSO ESPECIAL 2017/0193448-6. Disponível em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp, acesso em 13/10/2020.
179
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
180
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182
TRABALHADOR INFORMAL E-PANDEMIA DO NOVO
CORONAVÍRUS (COVID-19): O ESCANCARAMENTO DA
VULNERABILIDADE DO TRABALHADOR BRASILEIRO E
DA DISTÂNCIA DO PLENO EMPREGO NO PAÍS
Marco Antônio César Villatore
Martinho Martins Botelho
Thierry Gihachi Izuta
1. INTRODUÇÃO
Neste ensaio foram analisados importantes temas ligados à pandemia do
novo coronavírus (COVID-19), sobre a quarentena e se há certa responsabilidade
do Estado em interromper a atividade econômica das empresas diante da inefi-
ciência em proteger e em garantir direitos fundamentais sobre a saúde e a vida.
O tema central da presente pesquisa está relacionado com os impactos
causados pela pandemia da COVID-19 nas relações de trabalho e a vulnerabili-
dade dos trabalhadores informais em um contexto de busca do pleno emprego.
Com base nesse assunto central, a pesquisa foi dividida em três sessões, além
desta introdução e da conclusão.
Na primeira sessão, tratou-se sobre a questão da pandemia da COVID-19
e as políticas públicas brasileiras.
Na segunda sessão, analisou-se a vulnerabilidade do trabalhador infor-
mal no contexto da pandemia.
A terceira sessão ocupou-se da manutenção da atividade econômica bra-
sileira em função da garantia do pleno emprego mesmo em contextos específi-
cos, tal como o do isolamento social em contexto pandêmico.
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dor das atividades econômicas, das políticas públicas e dos alicerces gerais do
sistema capitalista de produção, razão pela qual está considerado pelo ordena-
mento jurídico infraconstitucional, por meio de incentivos à iniciativa privada,
para a criação e a manutenção do nível geral de empregos.20
A arquitetura jurídica do direito econômico brasileiro, sendo composto
por outros microssistemas internos, encontra embasamento na constituição
econômica de 1988, tendo como finalidade a perseguição do princípio da pre-
servação da atividade empresária.21
Este último princípio pode ser considerado como um reflexo da busca
do pleno emprego, contribuindo para o combate ao desemprego, considerado
como relevante variável da condução da política econômica a partir da queda
da Bolsa de Valores de 1929 e da retomada da ideia do desenvolvimento eco-
nômico do final do século XX e início do século XXI.22
O regime jurídico do Direito Econômico do Trabalho, também previsto
por princípios do artigo 7º. da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 (CRFB/1998), busca preservar o nível de emprego. Isso se justifica na
medida em que a mão de obra representa importante fator produtivo e dis-
tribuidor dos direitos fundamentais, diferenciando-se de outros elementos
de produção em razão da sua importância na estruturação de um sistema
socioeconômico justo.23
No âmbito sociológico, a valorização do trabalho implica na possibilida-
de da manutenção dos postos de trabalho, na arrecadação de tributos a partir
da empregabilidade, no fortalecimento na produção de bens e de serviços para
a satisfação das necessidades humanas e na continuidade da execução dos con-
tratos celebrados com outros agentes econômicos.
Em conjunção com a valorização do trabalho, o princípio da busca do ple-
no emprego pode ser considerado um reflexo da justiça social, tendo também
relação com a questão da solidariedade social.24
O desemprego representaria uma grande perda de riqueza, de produção
de bens e de serviços, e a “desutilização” do fator de produção trabalho, cau-
sando graves consequências por ser um fator irrecuperável. Aliás, além disso, a
teoria do pleno emprego keynesiana representaria um esforço dos fundamen-
20 BOTELHO, Martinho Martins; WINTER, Luís Alexandre Carta. O princípio constitucional do pleno
emprego: alguns apontamentos em Direito Econômico brasileiro. In: Thesis juris. V. 3, n. 1, jan./jun.
2014, p. 56.
21 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 19.
22 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constituciona-
les, 1997, p. 81.
23 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do Trabalho Doméstico. São Paulo: Editora Atlas, 2006, p. 76.
24 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coim-
bra: Livraria Almedina, 1999, p. 31.
192
MARCO ANTÔNIO CÉSAR VILLATORE – MARTINHO MARTINS BOTELHO – THIERRY GIHACHI IZUTA
25 BOTELHO, Martinho Martins; WINTER, Luís Alexandre Carta. O princípio constitucional do pleno
emprego: alguns apontamentos em Direito Econômico brasileiro. In: Thesis juris. V. 3, n. 1, jan./jun.
2014, p. 60.
26 KEYNES, John Maynard. Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Abril cultural,
1982, p. 64.
27 VILLATORE, Marco Antônio César; SAMPAIO, Rômulo Silveira da Rocha. Livre circulação de tra-
balhadores na União Europeia e no Mercosul. In: MENEZES, Wagner (org.). O Direito Internacio-
nal e o Direito brasileiro. Ijuí: Unijuí, 2004, p. 451.
28 ERMIDA URIARTE, Oscar. A flexibilidade. Tradução de Edilson Akimin. São Paulo: LTr, 2002, p. 09.
193
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
29 TOMAZELLI, Idiana. INSS começa prova de vida digital em teste com 550 mil beneficiários.
Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/07/13/inss-comeca-pro-
va-de-vida-digital-em-teste-com-550-mil-beneficiarios.htm. Acesso em 14 de julho de 2020.
30 HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 74.
31 SOLOW, Robert Merton. On the theories of full employment. In: The American Economic Review.
March 1993, p. 21-67, p. 25.
32 VILLATORE, Marco Antônio César. Aspectos sociais e econômicos da livre circulação de trabalhado-
res e o dumping social. In: AZEVEDO, André Jobim de (Coord.). ANAIS- Congresso Internacional
de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, Curitiba: Ed. Juruá, 2008, p. 151-164, p. 159.
33 “Laissez faire, laissez-passer, le monde vá de lui même” é uma famosa expressão de Vincent de Gour-
nay (1712-1759), um dos economistas do Iluminismo do século XVIII, sendo um dos críticos do
sistema econômico mercantilista.
194
MARCO ANTÔNIO CÉSAR VILLATORE – MARTINHO MARTINS BOTELHO – THIERRY GIHACHI IZUTA
34 VILLATORE, Marco Antônio César; SAMPAIO, Rômulo Silveira da Rocha. Livre circulação de tra-
balhadores na União Europeia e no Mercosul. In: MENEZES, Wagner (org.). O Direito Internacio-
nal e o Direito brasileiro. Ijuí: Unijuí, 2004, p. 451.
35 LERNER, Abba Ptachya. Functional Finance and the Federal Debt. Social Research: an international
quarterly, n. 10, vol. 1, [s.l.], 1943, p. 38 – 51, p. 39.
195
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
tributação de tal maneira que o gasto total na economia não seja nem mais e
nem menos do que seja suficiente para alcançar o nível de emprego total da
produção a preços correntes. Caso isso signifique que exista um déficit, ou um
maior endividamento, ou “imprimir dinheiro”, então tais coisas em si mesmas
não são nem boas e nem más, são simplesmente o meio para os fins desejados
do pleno emprego e da estabilidade de preços”.36
As ideias de equilíbrio fiscal e estabilidade econômica são aceitáveis sempre
e quando se cumpram outros grandes objetivos, tal como o de pleno emprego.
O equilíbrio orçamentário e a estabilidade de preços, como um fim em si
mesmo, não têm sentido já que somente podem ser considerados como meca-
nismos para alcançar as finanças funcionais que proporcionem o combate ao
desemprego, a inflação, a deflação ou outro aspecto macroeconômico indeseja-
do, na visão de Abba Lerner.37
Com isso, nas ideias lernerianas, ficariam bem definidos dois aspectos
importantes para melhorar o nível de vida das pessoas: o pleno emprego e o
alcance de um valor estável da moeda, sendo ambos os aspectos necessários
nas suas razões existências e na manutenção por parte do Estado.
Temos de passar esta fase com o pensamento positivo, imaginando o que
poderemos fazer para que a pandemia do novo coronavírus gere menos pro-
blemas individualmente e, também, de forma geral, pois isso afeta a todos nós,
inclusive em relação à segurança.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste ensaio, foram analisados importantes temas ligados a pandemia da
COVID-19, sobre a quarentena e se há uma certa responsabilidade do Estado
por interromper a atividade econômica das empresas diante da ineficiência em
proteger e garantir direitos fundamentais sobre a saúde e a vida.
O tema central da presente pesquisa, está relacionada aos impactos cau-
sados pela quarentena nas relações de trabalho e a possibilidade de se utilizar
o fato do príncipe, para justificar as dispensas sem justa causa nas empresas,
em tempos de pandemia.
Ocorre que, o Brasil é notadamente um país de proporções continentais
e desigual. É público e notório sobre a situação do sistema público de saúde, o
Sistema Único de Saúde (SUS), é um sistema que possui deficiências e que não
atende integralmente as necessidades da população brasileira, no caso da pan-
demia da COVID-19, esta ineficiência do Estado em prover saúde ficou ainda
mais evidente. Sendo que há inúmeros relatos de corrupção no país, inclusive
36 Ibidem, p. 39.
37 Ibidem, p. 39.
196
MARCO ANTÔNIO CÉSAR VILLATORE – MARTINHO MARTINS BOTELHO – THIERRY GIHACHI IZUTA
6. REFERÊNCIAS
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197
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
198
VULNERABILIDADES E POLÍTICAS DE AÇÕES
AFIRMATIVAS NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: O
SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS NA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE MONTES CLAROS – UNIMONTES – MG
(2015-2020)
Ilva Ruas de Abreu
Helena Amália Papa
Andrea Jakubaszko
1. INTRODUÇÃO
Compreender a educação como um dos direitos básicos e universais, ine-
rente e necessário aos seres humanos, já é uma questão estabelecida, ao menos
no aspecto discursivo. Almeja-se, então, que tal proposta rompa as barreiras
discursivas e que se torne parte indissociável da percepção de cidadania dos
atores de nossa sociedade.
Dentro dessa problemática, a educação formal, foco deste estudo, se com-
porta como uma estrutura estruturante, pois ao mesmo tempo que a falta de
acesso a ela denota situações de vulnerabilidades sociais, é também por meio
dela que se espera romper e reverter cenários e contextos que escancaram o
quanto a desigualdade no Brasil é fato historicamente construído e projetado
de forma consciente e inconsciente para permitir sua permanência.
Este artigo se propõe a analisar uma política de ação afirmativa específi-
ca, a de acesso ao Ensino Superior, enquanto instrumento de reversão de situa-
ções de vulnerabilidades e desigualdades. Por meio de um estudo de caso, cujo
recorte temporal do levantamento dos dados é de 2015 a 2020, procuraremos
demonstrar como a legislação auxiliou e impulsionou a democratização do
acesso aos cursos de graduação da Universidade Estadual de Montes Claros
– Unimontes, Minas Gerais, cumprindo um de seus papéis sociais, enquanto
universidade pública, o da universalização e compartilhamento da educação,
em toda a sua pluralidade de produção, circulação e recepção de saberes.
199
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
200
ILVA RUAS ABREU – HELENA AMÁLIA PAPA – ANDREA JAKUBASZKO
201
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
uma possibilidade real de concorrência entre pares, e atua como uma forma de
ação afirmativa para democratizar o acesso às universidades almejando rever-
ter essa elitização histórica, dentre várias outras possíveis e necessárias como,
por exemplo, a necessidade de proporcionar assistência à permanência desse
estudante na universidade, assunto que não será aprofundado nesse estudo.
Em uma perspectiva nacional, a lei nº 12.711 de 29 de agosto de 2012,
sancionada pela então presidente Dilma Roussef, regulamentada pelo Decreto
nº 7.824/2012, e que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas
instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências,
criou uma única política de ação afirmativa para as instituições federais. A tra-
mitação desse projeto de lei, entre Congresso Nacional e Senado, percorreu
quatro anos e ficou conhecida como a “Lei de Cotas”. Tal fato não quer dizer
que as universidades, federais e estaduais, não utilizassem ações afirmativas
dessa natureza para ocupação de suas vagas ofertadas. Ao contrário, muitas
iniciativas em curso, naquele momento, colaboraram para a discussão, tramita-
ção e implementação da própria lei. Entretanto, trata-se da primeira legislação
que proporcionou uma diretriz unificada para garantia de acesso de determi-
nados grupos da população ao ensino superior. No que diz respeito às ações
afirmativas, as universidades e institutos federais seguem essa legislação, que,
desde 2012, estabelece uma reserva de 50% das vagas ofertadas nos processos
seletivos para alunos que cursaram todo o ensino médio na escola pública.
Já nos cenários estaduais, ou seja, instituições de ensino superior estatais,
a legislação fica determinada por leis específicas daquele estado da república.
O Estado de Minas Gerais, onde se encontra a Unimontes, foco do estudo de
caso deste artigo, encontra-se atualmente regido pela segunda legislação sobre
o tema, a Lei nº 22.570, de 05 de julho de 2017, que dispõe sobre as políticas de
democratização do acesso e de promoção de condições de permanência dos
estudantes nas instituições de ensino superior mantidas pelo Estado, que, em
seu artigo 13 revogou a legislação antes que versava sobre o assunto no âmbito
do estado, a Lei nº 15.259, de 27 de julho de 2004, instituía o sistema de reserva
de vagas nas universidades estaduais.
A pioneira (já revogada e substituída), determinava a obrigatoriedade
para as duas universidades mantidas pelo estado, a saber: Universidade do
Estado de Minas Gerais – UEMG e Universidade Estadual de Montes Claros
– Unimontes, de instituir um Sistema de Reserva de Vagas para 45% de suas
vagas ofertadas, destinando-as para grupos de candidatos mencionados por
categorias e conforme porcentuais descritos. Três categorias foram estabele-
cidas: 1) afrodescendentes, desde que carentes, com a proporção de reserva
de vagas de 20%; 2) egressos da escola pública, desde que carentes, na mesma
proporção que a anterior, 20%; e 3) portadores de deficiência e indígenas, com
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
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DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
renda, egresso de escola pública (Código: NEEP, 21% das vagas); b) Candidato
egresso de escola pública, de baixa renda (Código: EEP, 21% das vagas); c)
Candidato indígena, de baixa renda, egresso de escola pública (Código IEEP,
3% das vagas); d) Pessoa com deficiência (Código: PD, 5% das vagas).
O acesso à educação superior se apresenta como mecanismo necessário à
ampliação, qualificação e diversificação produtiva das pessoas aptas a atuarem
nos meios de produção e serviços da sociedade, bem como na inovação tecno-
lógica e no avanço científico. A ciência e a técnica, num processo de evolução
contínua, possibilitam a superação das desigualdades sociais e regionais, espe-
cialmente numa região ainda marcada por baixas taxas de escolaridade, como
é o caso do Norte de Minas.
Segundo dados do IBGE, no Estado de Minas Gerais, em 2010, apenas
10,57% da população concluíram ensino superior (IBGE, 2010). Assim, as gran-
des diferenças do IDH entre os territórios de planejamento Minas Gerais, bem
como a necessidade de democratização do ensino superior, frente ao desen-
volvimento econômico e social são vetores cardeais que sempre justificaram
a manutenção e execução permanente dos Processos Seletivos na Unimontes,
bem como da atenção especializada para os procedimentos necessários aos
processos de análise que validam e efetivam o ingresso dos candidatos que
têm direito às vagas reservadas.
Vejamos então, a partir do contexto da Unimontes, em uma breve retros-
pectiva histórica, que apresenta dados do antes e depois da adesão ao SISU,
aliada ao desenvolvimento da política de categorias afirmativas na instituição,
de acordo com os marcos legais de 2004 e 2017 no estado de Minas Gerais, os
impactos gerados num recorte temporal de 2016 a 2020, tendo por referência o
ano de 2015 e destaque nas médias relativas ao último triênio 2018-2020.
Antes da adesão ao SISU, fato ocorrido em 2016, como já mencionado, a
Unimontes realizava um vestibular em que já reservava 45% de suas vagas para
categorias afirmativas, em consonância com a legislação estadual de 2004, que
definia 20% das vagas reservadas para afrodescendentes de baixa renda, 20%
para candidatos carentes que cursaram todo o ensino médio na Rede Pública
e 5% para deficientes e indígenas. No último vestibular de 2015 foram oferta-
das 719 vagas para os Campus de Montes Claros, Espinosa, Janaúba, Januária,
Joaíma, Pirapora e Unaí. Outras 700 vagas, seguindo a mesma proporção de
vagas reservadas, era também anualmente ofertada via PAES, totalizando uma
média 1.500 vagas ofertadas a cada ano.
Em 2016, com a adesão ao SISU, mantém-se a proporção e nomenclatura
utilizada para as vagas reservadas e, contudo, nota-se um incremento na oferta
de vagas que passa de uma média de 1.500 para mais de 1.700 vagas anuais
ofertadas em processos semestrais. Com o fim do vestibular e a primeira Edi-
206
ILVA RUAS ABREU – HELENA AMÁLIA PAPA – ANDREA JAKUBASZKO
207
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
em sua maioria optaram pelos cursos de Enfermagem (90), Direito Noturno (81),
Odontologia (71), Educação Física Licenciatura (63) e Administração (61).
Em 2018, mantém-se a taxa dos 34 mil inscritos, contudo passa a vigorar
a nova Lei Estadual de 2017 e ocorre um aumento de 45% para 50% das vagas
reservadas, conforme supracitado, sendo renomeadas as categorias afirma-
tivas e a Unimontes passa a adotar a seguinte proporção, já anteriormente
mencionada de 21% das vagas para a categoria NEEP; a mesma para EEP, 3%
para IEEP e 5% para PD. Em 2018, das 1098 matrículas realizadas, 452 foram
em vagas reservadas.
Em 2019 ocorre uma queda no número de inscrições, tendo sido de 25.326
mil candidatos e destes, 12.389 estavam inscritos pelo sistema de reserva de va-
gas, ainda assim, importante ressaltar que na quarta edição do SISU/Unimontes
o perfil do acesso permanecia o mesmo da primeira edição, ou seja, candidatos
inscritos majoritariamente do estado de Minas Gerais, seguido por São Paulo e
Bahia; dos 1.138 classificados, 995 eram do estado de Minas Gerais. Ou seja, a
baixa do quantitativo de inscrições não prejudicou, nem alterou essa tendência.
No primeiro semestre de 2020, o número de inscritos ainda é abaixo de
2018, mas volta a subir em relação a 2019, registrando 28.194 inscritos, destes
10.411 correspondem às inscrições em vagas reservadas.
Desta forma, numa série de inscritos 2018 a 2020 (1°s semestres), temos a
seguintes médias
208
ILVA RUAS ABREU – HELENA AMÁLIA PAPA – ANDREA JAKUBASZKO
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do que se intentou demonstrar, além da obrigatoriedade por lei,
a política de ação afirmativa direcionada ao acesso no ensino superior é parte
intrínseca da universidade pública no país e deve encontrar também suporte
em políticas paralelas e convergentes que levem à democratização e universa-
lização da educação no Brasil. Assim, ao implementar mecanismos que favore-
çam o quanto possível a igualdade de oportunidades e tratamento em suas for-
mas de ingresso, a universidade consegue contribuir significativamente para
a redução das disparidades regionais, possibilitando a melhoria da qualidade
de vida das pessoas e a sustentabilidade econômica e social da região, como
verificado no caso concreto da Universidade Estadual de Montes Claros.
O ensino superior, vinculado às atividades de ensino, pesquisa e exten-
são, tem a responsabilidade de fomentar as diretrizes, metas e estratégias para
impulsionar o desenvolvimento integrado do estado de Minas Gerais e os da-
dos aqui analisados denotam que estas ações afirmativas representam sim, a
oportunidade de acesso de centenas de pessoas da região do Norte de Minas
Gerais à Unimontes, além de manter as portas abertas para candidatos de todo
o território nacional reafirmando o direito constitucional à educação e a um
lugar na universidade pública.
209
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
6. REFERÊNCIAS
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mativas em uma Instituição de Ensino Superior (IES) pública brasileira: a percepção da
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210
VULNERABILIDADE E SELETIVIDADE: UMA REVISITA
ÀS DECISÕES SOBRE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DE
ADOLESCENTES NO STJ (2010-2020)
Marília de Nardin Budó
Aline Taiane Kirch
1. INTRODUÇÃO
Cada vez mais os estudos criminológicos críticos têm se voltado ao dis-
curso judicial como objeto inafastável de pesquisa para compreender pelo me-
nos dois fenômenos: o aumento exponencial da privação da liberdade de ho-
mens, mulheres e adolescentes no Brasil; e as representações sociais que justifi-
cam e legitimam, não apenas esse recrudescimento quantitativo, mas também
o qualitativo – no aprofundamento das desigualdades de raça, classe, gênero,
sexualidade e etc. A máxima “polícia prende, Judiciário solta” tem se mostrado
absolutamente falsa, quando compreendemos o papel dos juízes nas decisões
sobre prender pessoas sem julgamento e manter presas pessoas que teriam
o direito de estarem em liberdade; bem como, no âmbito socioeducativo, de
manter viva a lógica menorista e tutelar, somada a um inquisitorialismo no
âmbito processual e um punitivismo disfarçado de proteção.
No âmbito do discurso público a respeito do ato infracional, o conceito de
vulnerabilidade tem sido repetido nos últimos vinte anos, dando conta de uma
pluralidade de sentidos, conforme o marco teórico e, claro, os usos ideológicos
que dele o autor do discurso deseje fazer. Alguns desses usos têm representado,
de forma prática, a manutenção de uma determinada concepção sobre crian-
ças e adolescentes que remonta à doutrina da situação irregular (BUDÓ, 2018;
CAPPI, 2017; BUDÓ; CAPPI, 2018). A vulnerabilidade social aparece como uma
condição da pessoa, entendida como objeto e não como sujeito; seu uso reificado
implica na negação da responsabilidade de quem vulnera (BUDÓ, 2013).
A partir dos marcos teóricos da criminologia crítica, e da doutrina da pro-
teção integral, uma pesquisa publicada no ano de 2013 revelou que o conceito
de vulnerabilidade também tem sido um dos recursos utilizados para justificar
211
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
1 Alguns trechos do texto original foram mantidos, quando os dados se repetiram, ou mesmo quando a
análise era semelhante e não haveria motivo para a modificarmos. Optamos por não manter a constru-
212
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
ção histórica e teórica mais genérica sobre o ato infracional, em relação a qual indicamos a leitura do
artigo original (BUDÓ, 2013), bem como da obra resultante da tese de doutorado desenvolvida nesse
marco (BUDÓ, 2018).
2 Com base nos últimos 15 anos computados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, com-
preendendo os anos de 2002 a 2017.
3 Considerando os números totais de presos no Sistema Penitenciário e sob custódia das polícias, entre
os anos de 2009 a 2019, apresentados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020.
4 De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, em 2017, o número de adolescentes
cumprindo medida socioeducativa em meio fechado era de 26.109 e em 2015 era de 26.868. Já no ano
de 2002, esse número era de 9.555 adolescentes.
213
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
214
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
cia e da juventude ela chega a ser caricatural, como bem representado no do-
cumentário de Maria Augusta Ramos, “Juízo”. No âmbito da academia, um
exemplo é o estudo etnográfico da antropóloga Paula Miraglia, realizado nas
audiências da Vara de Infância e Juventude do Brás, em São Paulo, onde de-
monstra que acusado e defensor são totais coadjuvantes, figurando à sombra
do protagonista, que fala, interpreta, aconselha e julga – legal e moralmente:
o juiz da infância e juventude (MIRAGLIA, 2005).
As posições existentes, seja na representação da criança e do adoles-
cente, seja na questão das políticas públicas relacionadas a essas pessoas,
podem ser resumidamente três: repressivos – não ultrapassaram a situação
irregular; protetivos e democráticos, que defendem a responsabilização dos
adolescentes e primam pelas políticas de universalização das políticas so-
ciais, mais a que programas assistencialistas pontuais, sempre atravessada
pela participação política da sociedade mas também dos próprios membros
desse grupo social; e uma posição, que assume teoricamente os postula-
dos da proteção integral, mas não arca com todas as suas consequências,
especialmente a de abrir mão do conceito de vulnerabilidade e assumir
a responsabilidade penal que obrigue as autoridades a abrir mão da dis-
cricionariedade para lidar com a infância (GARCÍA MÉNDEZ, 2007). Isso
implica na redução da busca pelo diagnóstico discricionário a respeito da
existência e características da disfunção individual do adolescente autor de
ato infracional, ou social. García Méndez (2007) denomina essa posição de
“paradigma da ambiguidade”.
Tal paradigma parece ser predominante tanto na esfera judicial quanto na
executiva e mesmo na legislativa. A atuação orientada seletivamente ao contro-
le de adolescentes vulneráveis mostra a permanente diferenciação entre meno-
res e crianças. Queremos, então, entender um ponto: o que define adolescentes
como vulneráveis, e qual é a consequência dessa identificação?
215
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
216
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
Revoga-
Medida
ção da Me-
socioe- Ab-
Atos infracionais/ Inter- Semili- inter- dida
ducativa sol-
medidas adotadas nação berdade nação prote-
em meio vição
provi- tiva
aberto
sória
Crimes da lei
11.343/2006 (Tráfico,
associação para o 15 7 0 0 0 0
tráfico, porte de dro-
gas para consumo)
Roubo (simples ou
qualificado pelo
concurso de agentes 9 4 1 1 0 0
e/ou emprego de
armas)
Lesão corporal
(simples ou no
2 0 0 0 1 0
âmbito doméstico e
familiar)
Porte de arma de
fogo (de uso permi- 0 2 0 0 0 0
tido e uso restrito)
5 Algumas condutas foram cometidas em concurso de atos infracionais, como por exemplo: ameaça e
lesão corporal; tráfico e associação para o tráfico.
217
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
Furto qualificado 0 1 0 0 0 1
Estupro de vulne-
2 0 0 0 0 0
rável
Ameaça 1 0 0 0 0 0
Fonte: Dados organizados pelas autoras através de busca no website do STJ.
A pesquisa demonstrou que os desvios de maior ocorrência entre os
acórdãos analisados foram os de tráfico de drogas entre outros atos também
tipificados da Lei 11.343/2006 (22), seguido pelo roubo (15), sendo que os de-
mais atos infracionais indicados no Tabela 2 apresentaram uma incidência bem
menor. Outro ponto que também chama atenção é que apenas cinco acórdãos
identificavam a paciente como sendo do sexo feminino.
Nos casos em que o/a adolescente já tinha passagem pelo sistema infra-
cional, os atos infracionais, apesar de eventualmente diversos daquele do acór-
dão em apreço, também coincidem, na sua maioria, com os já apontados na
Tabela 2. Não há crimes contra a vida representados nos acórdãos analisados, e
claramente atos infracionais sem violência ou grave ameaça à pessoa têm efeti-
vamente ocasionado a internação e a medida de semiliberdade.
218
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
219
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
220
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
“qualquer uso do termo proteção da infância, por fora de seus direitos é eufemís-
tico. Proteger a criança vulnerando seus direitos é uma contradição nos termos”.
Quanto às situações para as quais o termo vulnerabilidade foi instrumen-
talizado, dois grupos de resultados foram identificados no primeiro período
de análise (2010-2012). No primeiro grupo – de 24 acórdãos – encontrava-se
o entendimento de que a situação de vulnerabilidade indica a necessidade de maior
intervenção do Estado para corrigir o adolescente, sendo as medidas mais graves – a
semiliberdade e a internação – consideradas as mais adequadas para a sua “proteção”.
No segundo grupo, no qual constavam dois acórdãos, entendia-se a vulnerabi-
lidade como situação que enseja a adoção de medidas protetivas e não socioeducativas.
No novo corpus, dos 43 acórdãos analisados, 39 se enquadraram na primeira
macrocategoria; apenas 4 foram enquadradas na segunda. Porém, desta vez,
além das decisões que entenderam a vulnerabilidade como ensejadora de me-
didas protetivas ou medidas socioeducativas em meio aberto, acrescentamos
duas outras situações: um caso no qual o adolescente era apontado como vul-
nerável por ser usuário de drogas, e o ministro relator utiliza essa definição
para fundamentar a decisão concessiva do habeas corpus, pois ele estava em
tratamento (BRASIL, 2014 b); e um segundo caso onde o ministro relator enten-
deu que a vulnerabilidade e demais elementos da vida dos adolescentes não
são suficientes para afastar a insignificância do ato cometido, tendo ao final,
porém, o seu voto vencido (BRASIL, 2014 c)
Na primeira macrocategoria, manteve-se a descrição de que “apesar de
todos os entendimentos se voltarem à vulnerabilidade como ensejadora de me-
didas de privação da liberdade, os conceitos e fundamentos se diferenciam”
(BUDÓ, 2013, p. 220). Um primeiro entendimento nesta macrocategoria é o de
que a vulnerabilidade implica na necessidade de medida de semiliberdade ou
de internação, com o objetivo declarado de reinserir o adolescente no convívio
social. Como no primeiro corpus (2010-2012), o segundo (2013-2020) trouxe
construções bastante evidentes desta relação. É o que se observa, por exemplo,
no HC nº 195.777 – RS, em que o adolescente foi apreendido em flagrante em
posse de vinte pedras de crack, com peso aproximado de 5,0 gramas, o que foi
considerado como tráfico de drogas:
Não há a ilegalidade arguida pela zelosa Defensoria Pública, porquanto o
art. 100, c.c. art. 113, ambos do ECA, dispõe que na aplicação das medidas
socieducativas levar-se-ão em conta primeiramente as necessidades pedagó-
gicas do adolescente, o que permite a aplicação da medida mais gravosa de
internação, no caso dela se mostrar a única eficiente e suficiente para a resso-
cialização do menor infrator, como no caso.
Ademais, embora a reiteração de atos infracionais não esteja configurada, eis que
o Paciente foi beneficiado com diversas remissões (fls. 53/60), há notícia,
nos autos, de descumprimento injustificado de medida socioeducativa,
221
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
222
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
223
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
224
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
Habeas Corpus pelo STJ passaram-se quatro anos, de forma que durante toda
a tramitação do processo a jovem esteve em liberdade, não se tendo notícias
do cometimento de outro ato infracional durante este período. O STJ entendeu
que manter a medida imposta era algo totalmente desarrazoado, diante dos
princípios da proporcionalidade e atualidade, aplicáveis no sistema infracio-
nal, visto que, além do largo lapso temporal, a aplicação da medida implicaria em
colocação da adolescente em risco, pois teria que cumpri-la na capital de São Paulo
e muito provavelmente não teria condições econômicas de retornar à sua cida-
de nos finais de semana (BRASIL, 2018). Esse foi o único caso, dos 43 acórdãos
analisados no novo corpus da pesquisa, em que uma medida em meio fechado
foi substituída por uma em meio aberto, e reconhecida como um fator que co-
locaria a adolescente em situação de vulnerabilidade, e não o contrário.
O terceiro caso tratava do furto de um condicionador de cabelos e de
um aparelho de barbear, realizado em concurso de agentes em um mercado,
que somados totalizavam o valor de R$23,00 (vinte e três reais). Em primeira
instância, a um dos adolescentes foi aplicada a medida de internação, sem pos-
sibilidade de atividades externas, e a outro a prestação de serviços à comuni-
dade, pelo prazo de 3 meses, decisão que foi confirmada pelo TJ-RS. Impetrado
Habeas Corpus ao STJ, esta corte concedeu a ordem, julgando improcedente a
representação pela ocorrência de ato infracional de bagatela (BRASIL, 2014 c).
No entanto, salienta-se que a decisão não foi unânime, sendo o relator vencido,
o qual entendeu que o cometimento de atos infracionais antes e após o fato, o
descumprimento de medidas anteriormente impostas e o uso de drogas enseja-
riam a aplicação da medida mais severa prevista no Estatuto, ainda que o caso
tenha sido julgado pelo STJ três anos após o cometimento da conduta.
O voto do relator foi o único, entre todos os acórdãos analisados pela pes-
quisa, a apresentar fundamentação com base em um vasto acervo bibliográfico.
Contudo, a finalidade do emprego das obras nesse caso foi a de demonstrar
uma interpretação que culmina em uma eufemística “proteção” ao adolescen-
te, para corroborar sua opção em não acolher a aplicação da tese do Princípio
da Insignificância. Sabendo que a insignificância do dano exclui a tipicidade
material da conduta, novamente se admite a aplicação menorista e positivista
da vulnerabilidade como periculosidade.
Em todos os demais votos, de todos os 43 acórdãos analisados – dentre es-
ses, outros do mesmo relator – os únicos elementos utilizados pelos ministros
na fundamentação jurídica de suas decisões são a lei, os julgados e as súmulas
da própria Corte, e ocasionalmente, julgados do STF. Ou seja, aparentemente,
o STJ não faz uso dos estudos de pesquisadoras e pesquisadores da área da
Criança e do Adolescente como fonte do direito para suas decisões. Isso leva a
sugerir que tal modus operandi torna-se um dos elementos que explicam o fato
225
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
de muitos dos resultados da primeira pesquisa, que teve como marco de análi-
se os acórdãos proferidos entre os meses de outubro de 2010 a outubro de 2012,
ainda se manterem no presente estudo, que compreende os meses de janeiro
de 2013 a setembro de 2020, demonstrando a manutenção do paradigma da
ambiguidade (referido por García Méndez) após dez anos.
Por fim, o quarto caso trata da situação de um adolescente primário, que
cometeu o ato infracional análogo a roubo qualificado pelo concurso de agentes,
tendo sua internação provisória negada em sede de primeiro grau, mas conce-
dida pelo TJ-SP. A decisão de segundo grau foi prolatada nove meses após a
ocorrência dos fatos, quando o adolescente já se encontrava em uma clínica de
tratamento para dependentes químicos. Diante disso, o STJ compreendeu que
a manutenção da decisão da segunda instância era inadequada, referindo que:
Na verdade, o Tribunal Impetrado considerou, no caso, a condição de vul-
nerabilidade do Paciente, pelo uso descontrolado de drogas, que o expõe
a situações de risco, comuns a qualquer usuário-dependente de substân-
cias entorpecentes. Contudo, esse fundamento, sob o ponto de vista le-
gal, não serve para justificar a internação provisória, sobretudo, porque
o Adolescente já se encontra internado em clínica de reabilitação para
dependentes de drogas. E conforme bem ressaltou o Juízo da Infância e
da Juventude, “não se presta a internação para alcançar resultados outros que
não aqueles previstos no Estatuto Juvenil, não se aceitando a utilização deturpada
da internação cautelar para solução de problemas relacionados ao intenso uso de
drogas pelo adolescente” (fl. 16). Ademais, a gravidade abstrata da infração,
assim como a mera probabilidade de reiteração infracional, sem fun-
damento concreto, não servem para embasar a decretação da interna-
ção provisória, medida de natureza excepcional que só deve ser adotada,
quando presentes os requisitos legais previstos nos arts. 108 e 122 do Esta-
tuto da Criança e do Adolescente, não configurados na espécie (BRASIL,
2014 b, p. 8, grifos no original).
Além dos quatro casos citados dessa segunda macrocategoria, destaca-se
o posicionamento de uma das ministras da Corte em dois acórdãos proferidos
em 05 de agosto de 2014. Embora sejam votos vencidos e os acórdãos tenham
sido catalogados na primeira macrocategoria, a ministra Maria Thereza de As-
sis Moura referiu que:
Por fim, penso que não é razoável restringir o direito de liberdade, amparando-se
na condição de vulnerabilidade do adolescente, eis que tal situação fática não
autoriza a medida de internação, que só poderá ser infligida inexistindo
outra mais adequada e, ainda, quando cumpridas as condições elencadas
no art. 122 do ECA. Tal quadro conduz, antes, à aplicação de medidas pro-
tetivas (art. 101 do ECA) (BRASIL, 2014 a, p. 24, grifo nosso).
A mesma ministra já havia se expressado nesse sentido no corpus anterior
(2010-2012), sendo que no trabalho publicado também havíamos destacado o
posicionamento, dado que se trata de uma interpretação completamente oposta
226
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
7 Responsabilidade é a palavra que, para Beloff (2001, p. 15, tradução livre), resume a Convenção
Internacional de Direitos da Criança: “em primeiro lugar dos adultos, representados pelo Estado, pela
227
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
228
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
determinada sociedade.
Diferentemente do que se quer fazer crer cotidianamente com a criminali-
zação de adolescentes, assim como na esfera adulta, a prática de atos infracionais
por membros daquele grupo é a regra, e não a exceção (SANTOS 2000). O fato
de apenas alguns adolescentes caírem nas malhas do sistema penal redunda em
uma seletividade característica de todos os sistemas penais. A parcela mais sig-
nificativa dos atos infracionais praticados pela juventude em geral é tolerada,
resolvida através de medidas alternativas adotadas pela família e pelo grupo so-
cial do qual o jovem faz parte, configurando a cifra oculta dos atos infracionais.
Apoiamo-nos em Santos (2000) para demonstrar que as expressões “ado-
lescente infrator” ou mesmo “adolescente autor de ato infracional” não são exa-
tas: se na prática todos ou quase todos os adolescentes praticam atos contrários
à legislação penal, o que os distingue exatamente é o fato de uns terem sido
rotulados como tais pelo próprio sistema de justiça juvenil e outros não, por con-
sequência de terem sido ou não recrutados pelo sistema penal (SANTOS, 2000).
De fato, o número de crianças e jovens de classe baixa e não brancos que chegam
ao sistema de justiça é muito maior do que os de classe média e média alta (SIL-
VA; GUERESI, 2003). A título de exemplo, no último Levantamento Anual do
SINASE, o qual apresenta dados de 2017, aponta-se que 40% dos adolescentes
inseridos do Sistema Socioeducativo naquele ano eram pretos ou pardos, predo-
minando em relação as demais etnias. Já em relação aos adolescentes que cum-
priam medidas de restrição ou privação de liberdade em específico, o Levanta-
mento indicou que entre 2014 e 2016 o número de adolescentes pretos e pardos
era de 56%, o que corrobora a afirmação acima realizada (BRASIL, 2019).
Daí que o entendimento sobre o termo vulnerabilidade deva ser radical-
mente invertido em relação à forma como utilizada nos julgados analisados.
Se todos os adolescentes praticam atos infracionais e o sistema penal não
está estruturado para se voltar contra todos eles; se o sistema penal seleciona
alguns atos infracionais e alguns adolescentes com um determinado estereó-
tipo para perseguir; se essa escolha nada tem a ver com a gravidade do ato
infracional, mas sim com uma definição estabelecida pelo racismo estrutural
e institucional, bem como ao controle dos pobres pelas agências de contro-
le penal, então os adolescentes que praticam o tipo de ato infracional mais
perseguido e pertencem ao estereótipo mais visado são efetivamente mais
vulneráveis: ao sistema penal8 (ZAFFARONI et al., 2003). Essa vulnerabilidade
8 Resulta de ingenuidade ou de hipocrisia não assumir o fato de que os adolescentes estão sujeitos à atu-
ação do sistema penal, ainda que vigente o Estatuto da Criança e do Adolescente. É a polícia o primeiro
filtro do sistema penal, e é ela responsável pela apreensão em flagrante na maior parte dos casos, tendo
em vista a preponderância de crimes de rua, como o tráfico de drogas e os crimes contra o patrimônio
individual. Daí que todas as críticas trazidas à seletividade e à violência institucional característica da
agência policial do sistema penal, sobretudo no país cuja polícia mais mata no mundo, deve ser levada
em consideração no contexto dos processos de infracionalização. Tal é o motivo pelo qual falar em
229
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
é dada pela situação pessoal do indivíduo, mais do que pelos seus atos, mas
também por eles, o que implica nas maiores chances que tem de ser recrutado
pelo sistema. A privação da liberdade, ao contrário de produzir o efeito de
redução da vulnerabilidade, conforme parece ser o entendimento dos minis-
tros autores das decisões analisadas, a reproduz, pois “estreita o espaço de
opções do indivíduo e aumenta sua exposição ao sistema penal” (URIARTE,
2006, p. 104).
Zaffaroni et. al. (2003, p. 49) explicam que a vulnerabilidade perante o
sistema penal pode ser entendida de duas maneiras: um estado de vulnerabili-
dade ao poder punitivo, “que depende de sua correspondência com um estereó-
tipo criminal”; e uma situação de vulnerabilidade, “que é a posição concreta de
risco criminalizante em que a pessoa se coloca”. Para se colocar em situação
de vulnerabilidade, ou seja, de risco criminalizante, aqueles que correspon-
dem a um estereótipo e, portanto, estão em estado de vulnerabilidade signi-
ficativo não precisam se esforçar muito. Ao contrário, quem não se enquadra
em um estereótipo precisa esforçar-se muito para se posicionar em situação
de risco criminalizante, pois é baixo seu estado de vulnerabilidade (ZAFFA-
RONI et al., 2003). Nesses casos, relacionados à criminalidade comum pra-
ticada por não pertencentes aos estereótipos do criminoso, Zaffaroni et al.
(2003, p. 49) os denominam criminalização por comportamento grotesco ou trági-
co. Já nos casos em que o próprio tipo de crime é daqueles não compreendi-
dos como tais pela sociedade, em especial os crimes de colarinho branco, a
criminalização ocorre por falta de cobertura e “servem também para encobrir
ideologicamente a seletividade do sistema, que através de tais casos pode
apresentar-se como igualitário”.
A vulnerabilidade relatada pelos ministros em suas decisões para jus-
tificar a aplicação de medidas socioeducativas mais duras depende mais das
chances de esses adolescentes serem perseguidos pelo sistema penal e efeti-
vamente chegar ao Judiciário, do que a uma condição que os leva a pratica-
rem mais atos infracionais do que outros. Não se nega com essa abordagem
que efetivamente os adolescentes estejam passando por situações de repres-
são de suas necessidades humanas fundamentais. De fato, aqueles que so-
frem a violência estrutural (GALTUNG, 1969) costumam ser os primeiros a
padecerem de todas as outras formas de violência, dentre as quais aparece a
violência institucional (BARATTA, 2004). O que se não admite, porém, é que
essa situação de vulnerabilidade seja pessoalmente atribuo, sem questionar
o quanto as próprias agências de controle protagonizam a sua construção
social.
“vulnerabilidade em relação ao sistema penal” adota uma terminologia descritivamente correta, ainda
que não desejável do ponto de vista normativo.
230
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ – ALINE TAIANE KIRCH
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou revisitar uma pesquisa realizada em 2012 e publica-
da no ano de 2013 sobre o conteúdo da expressão “vulnerabilidade” quando
citada em decisões do Superior Tribunal de Justiça para tratar sobre o ato infra-
cional e a aplicação de medidas socioeducativas em grau recursal, ou em deci-
sões de habeas corpus. Adicionando 43 acórdãos aos 26 anteriormente analisa-
dos, a pesquisa reafirma as conclusões a que chegamos anteriormente, notando
que nestes dez anos, o Superior Tribunal de Justiça tem feito uso do conceito de
vulnerabilidade a partir de uma perspectiva que, ao reconhecer a violação de
direitos fundamentais e as dificuldades de acesso aos direitos sociais, apontam
para a necessidade de privação de sua liberdade, em nome da proteção.
A vulnerabilidade como estratégia discursiva para legitimar a intervenção
de um sistema que se presta apenas à punição e à reprodução das desigualdades
sociais se mostra arbitrário e incompatível com o paradigma da proteção inte-
gral. Aparece aqui claramente o paradigma da ambiguidade, de que fala García
Méndez (2007): se, por um lado, os juízes aceitam a mudança de paradigma em
teoria para proclamar que os adolescentes têm direitos, por outro lado, não a
aceitam em suas últimas consequências. Mantém-se, assim, a perspectiva meno-
rista, com todo o seu conteúdo lombrosiano e principalmente com a admissibi-
lidade de um enorme poder discricionário, dentro de um sistema inquisitório,
que se já não mais admite no sistema penal adulto. A vulnerabilidade, da forma
como utilizada no tema do ato infracional, especialmente no Judiciário, é uma
construção social que legitima a adoção de posturas que, a pretexto de serem
protetivas, são discricionárias e repressivas, como nos exemplos em que a exclu-
dente da ilicitude da legítima defesa e a causa de exclusão da tipicidade pela fal-
ta de lesividade ao bem jurídico foram ignorados com base na vulnerabilidade.
Essa compreensão também conduz ao abandono da própria ideia de resso-
cialização como fundamento da medida socioeducativa, através do afastamento
desse “direito infracional do autor”, e do reconhecimento da ilegitimidade do
Estado para impor ao adolescente um determinado modo de vida como o único
correto, atrelado a uma atitude conformista e submissa. A expressão “educação”
contida em todo arcabouço jurídico relacionado à criança e ao adolescente não
é uma função da medida, mas sim um direito social de todas as crianças e ado-
lescentes, inclusive daquelas que praticaram atos infracionais (COUSO, 2007).
Já a medida socioeducativa é uma resposta negativa dada pelo Estado àquele
que transgrediu a norma, e seu caráter “educativo” se resume à responsabiliza-
ção pelos próprios atos, inclusive com a reparação dos danos à vítima, quando
existente. Eis o caráter abolicionista do Estatuto. A ideia de ressocialização ape-
nas pode surgir como limite à internação e não como justificação (BUDÓ, 2018).
O princípio educativo não seria positivo, no sentido de impor ao/à adolescente
231
DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADES
uma transformação de sua forma de vida para além de sua autonomia e desejo,
mas sim, um princípio negativo, no sentido de proporcionar o maior número
possível de situações nas quais ele possa usufruir de liberdade e de contato com
a família e a comunidade (COUSO, 2007).
A partir dessa constatação, evidencia-se a necessidade de superação do
paradigma etiológico em criminologia quando se trata do direito da criança e
do adolescente para chegar a uma perspectiva crítica que leve em consideração
a necessidade de se mitigar a vulnerabilidade do adolescente perante o sistema
penal, bem como sua seletividade. Dado que essa seletividade é estrutural e
não meramente conjuntural, nada resta senão minimizar esse sistema punitivo
deslegitimado, junto com todas as fantasias que utiliza para mascarar-se: de
proteção, de educação, de ressocialização. Se há algo de produtivo em todos os
sistemas disciplinares, em especial no sistema penal – seja ele adulto ou juvenil
– seu produto é aquilo que ele persegue: o delinquente.
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PRÁTICAS ADEQUADAS DE EXTENSÃO JURÍDICA E
VULNERABILIDADES SOCIAIS NO NORTE DE MINAS
GERAIS
Ionete de Magalhães Souza
Eduardo Vinícius Pereira Barbosa
1. INTRODUÇÃO
As diversificadas vulnerabilidades do povo brasileiro, e, em análise, o
norte do estado de Minas Gerais, levam a reflexões que exigem saídas urgen-
tes, frente ao grande desconhecimento de direitos básicos, salientados pela
fome física, de uma parcela considerável de pessoas.
A presente pesquisa tem por objetivo promover uma análise sobre as prá-
ticas extensionistas jurídicas na educação superior no enfrentamento de vulne-
rabilidades sociais e sua motivação parte, de maneira especial, da experiência
qualificada dos autores no Programa Serviço de Assistência Jurídica Gratuita
Itinerante (S.A.J. Itinerante), criado em 2002, no âmbito do curso de Direito da
Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
Trata-se de um exemplo de prática adequada de extensão jurídica, com
muitas atividades prestadas com a proposta central de levar informação ci-
dadã e jurídica a todos os locais possíveis, em vasta área de abrangência, que
parte do município de Montes Claros, no norte de Minas Gerais, através de
profissionais especializados – Professores do Curso de Direito – e acadêmicos
voluntários.
Por intermédio dos registros da prática interdisciplinar mencionada, pre-
tende-se debater, em sede de objetivos específicos, acerca da importância da
implementação de atividades extensionistas, que proporcionem uma partici-
pação mais ativa e engajada dos estudantes e viabilizem o seu contato com
diferentes realidades sociais, econômicas e culturais.
Busca-se, ainda, discutir as concepções de extensão universitária jurí-
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Numerosas são as possibilidades satisfatórias de concretização do que se
ensina, aprende e pratica. Assim, a boa vontade do agir se apresenta de forma
saliente nas ações extensionistas, de grande parte das Universidades, mas, por
vezes, mal interpretadas até por outros setores da própria IES, que, de maneira
preconceituosa, por alguns de seus pares, em quaisquer área do conhecimento,
não lança o seu crédito nas pessoas a serem beneficiadas, e, sim, em algum
resultado meramente intelectual.
O norte de Minas Gerais é rico em sua gente, de capacidade cognitiva e
de força do trabalho. Entretanto, a vulnerabilidade social da região é pautada,
em muito, por ser desprovida de chuvas suficientes, para que o solo segure
constantemente o seu povo, em produção, durante todos os dias de cada ano.
Falta, ainda, a devida força política, ensejadora de manutenção e multiplica-
ção das riquezas existentes, respeitando todos os sujeitos de direito, de forma
igualitária ou equitativa, conforme preceitos constitucionais. E, nesse quesito,
os investimentos em educação deveriam ser os primeiros numa ordem de prio-
ridade. É uma busca constante de maior e melhor investimento na educação,
que não se apresenta de forma mais natural. E, assim, aumenta o número dos
que não tem acesso ao estudo regular.
Entretanto, em síntese, quanto ao Programa S.A.J. Itinerante, os resultados
indicam que as orientações jurídicas fornecidas pelos estudantes do Direito/Uni-
montes (não contando as outras importantes atividades), supervisionados por
Professores, são capazes de despertar outras iniciativas pela proteção de direitos
violados pela própria comunidade, haja vista a chegada de esclarecimentos, que
injetam mais coragem e disposição em muitos daqueles esquecidos.
A Unimontes é celeiro de grandes ações extensionistas no Norte de Minas
Gerais, além do seu ensino e da pesquisa, no combate às desigualdades e vul-
nerabilidades sociais. O que se aguarda sempre é a chegada de tantos possíveis
benefícios públicos, em prol de uma culta, boa e brava gente.
6. REFERÊNCIAS
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