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A catequese católica: caminhos

da secularização ou da abertura?
André Augusto Diniz Lira*
Júlio Cézar Adam**

Resumo
No século XX, muitas mudanças ocorreram na Igreja Católica Apostólica Romana em
relação à liturgia, ao entendimento de questões contemporâneas, à evangelização e à
catequese. Essas se processaram sob alegações contrapostas nas quais figura a disputa
sobre a interpretação legítima da ortodoxia católica. Este artigo apresenta, inicialmente,
esses posicionamentos em disputa, vinculando a catequese à secularização ou à abertura
da Igreja Católica; considera, a seguir, uma análise mais atual dos limites desse tipo de
abordagem da secularização; e, finalmente, debruça-se sobre os três últimos Diretórios
para a catequese [Diretório Catequístico Geral (1971), Diretório Geral para a Catequese (1997),
Diretório para a Catequese (2020)], procurando, nesses documentos, o movimento de
constituição oficial.
Palavras-chave: Catequese; Igreja Católica; Secularização; Diretórios; Campo religioso.

Catholic Catechesis: Paths to Secularization or Opening?

Abstract
In the 20th century, many changes took place in the Roman Catholic Church in relation
to the liturgy, the understanding of contemporary issues, the evangelization and the
catechesis. These were processed under opposing allegations in which the dispute
over the legitimate interpretation of Catholic orthodoxy figures. This article initially
presents these disputed positions, linking catechesis to secularization or the opening of
the Catholic Church; it then considers a more up-to-date analysis of the limits of this
type of approach to secularization; and, finally, it focuses on the last three directories

* Doutor em Educação pela UFRN. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação


da UFCG. Pesquisador Associado ao Centro Internacional de Estudos em Representações
Sociais e Subjetividade- Educação (CIERS-Ed) da Fundação Carlos Chagas. Orcid Id:
https://orcid.org/0000-0001-9398-507X . E-mail: andreaugustoufcg@gmail.com .
** Doutor em Teologia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha, e professor adjunto de
Teologia Prática na Faculdades EST (São Leopoldo/RS). Bolsista de Produtividade do
CNPq. Orcid Id: https://orcid.org/0000-0002-8346-1093 . E-mail: julio3@est.edu.br .
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for catechesis [General Catechetical Directory (1971), General Directory for Catechesis
(1997), Directory for Catechesis (2020)], seeking in these documents for the official
constitution movement.
Keywords: Catechesis; Catholic church; Secularization; Directories; Religious field.

Catequesis católica: ¿Caminos de secularización o


apertura?

Resumem
En el siglo XX, ocurrieron muchos cambios en la Iglesia Católica Romana en relación
con la liturgia, la comprensión de los problemas contemporáneos, la evangelización y
la catequesis. Estos fueron procesados bajo alegatos contrapuestos en los que figura la
disputa sobre la interpretación legítima de la ortodoxia católica. Este artículo presenta
inicialmente estas posiciones en disputa, vinculando la catequesis a la secularización o
apertura del Iglesia Católica; luego considera un análisis más actualizado de los límites
de este tipo de enfoque de la secularización; y, finalmente, se centra en los tres últimos
directorios para la catequeses [Directorio Catequístico General (1971); Directorio General
de Catequesis (1997), Directorio de Catequesis (2020)], buscando en estos documentos
el movimiento de constitución oficial.
Palabras clave: Catequesis; Iglesia Católica; Secularización; Directorios; Campo religioso.

Introdução
Ao longo do século XX, foram muitas as mudanças ocorridas na Igreja
Católica Apostólica Romana (doravante Igreja Católica), que se evidenciaram
através de múltiplos encontros, práticas, documentos e análises, que ainda
apresentam rebatimentos, inclusive questionamentos e disputas sobre sua
efetivação e legitimidade na atualidade. Foram muitos os impactos na
liturgia, no entendimento de questões contemporâneas, na evangelização e
na catequese (FAZIO, 2022; AMERIO, 2020; FISCHER, HEINZ, 2011).
Todas essas mudanças se processaram sob alegações contrapostas nas quais
figura a disputa sobre a interpretação legítima da ortodoxia católica, colocada
sob duas condições: se a Igreja Católica estaria face a uma abertura para o
mundo, visando conquistá-lo, ou se, pelo contrário, não estaria caminhando
rumo a uma secularização subserviente aos padrões mundanos.
Para teólogos e historiadores católicos, as origens da secularização,
na Igreja Católica, decorreriam do desenvolvimento do protestantismo, do
pensamento moderno e do desenvolvimento dos Estados Modernos, que,
em conjunto, teriam minado a posição hegemônica do catolicismo. Contudo,
esse processo não é apenas decorrente desses fatores externos. No próprio
seio da Igreja Católica, emergiram embates acirrados. Este artigo apresenta,

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inicialmente, posicionamentos em disputa pela interpretação legítima da


catequese, ao longo do século passado, vinculando-a à secularização ou à
abertura da Igreja Católica; considera, a seguir, uma análise mais atual dos
limites desse tipo de teorização sobre a secularização, para, finalmente, se
debruçar sobre os três últimos Diretórios para a catequese, procurando nesses
o movimento de constituição oficial da Igreja Católica.
Em um sentido amplo, a catequese pode ser considerada como “[...]
um conceito que diz respeito à ação eclesial, que conduz, tanto os indivíduos,
quanto as comunidades, à maturidade da fé” (ORLANDO, 2013, p. 162). Os
documentos oficiais da Igreja Católica e a maioria dos teólogos católicos
enfatizam a centralidade de Cristo, na trindade, para a catequese, de tal
modo que é um “processo educativo da fé, da esperança e do amor, que tem
como centro Jesus Cristo [...] o fim da catequese é conduzir à comunhão
com Jesus Cristo, pois somente ele pode conduzir-nos ao amor do Pai no
espírito, e fazer-nos partícipes da vida da Santíssima Trindade” (NERY, 2005,
p. 381). Esses elementos, a centralidade de Cristo e o crescimento pessoal
na catequese, também demarcam o protestantismo histórico.
O primeiro texto com a função de catecismo cristão foi a Didaqué,
com uma série de instruções para as comunidades do primeiro século, que
frequentemente se reuniam em casas (DIDAQUÉ, 1989). Provavelmente
emanou de uma autoria coletiva (STORMIOLO, 2019) e estava assentada
na catequese moral dos textos clássicos (PAIVA, 2005). Foi no início do
século III que: “fixaram-se as estruturas do catecumenato, como noviciado
da vida cristã, segundo a tríplice dimensão de instrução de fé, introdução à
oração litúrgica e conversão dos costumes” (PAIVA, 2005, p. 10). O texto
de Santo Agostinho Cathechizandis Rudibus, foi elaborado em resposta a um
pedido de Deogratias, um diácono da igreja, que se viu angustiado frente aos
desafios do seu trabalho de catequista, em Cartago. Os catequizandos pagãos
gostariam de conhecer o cristianismo para depois serem batizados. Esses
foram chamados por Agostinho de rudes, pois “careciam dos rudimentos da
fé, podendo ser cultos ou não nas ciências profanas” (PAIVA, 2005, p. 13).
Demarca-se aqui uma aproximação da catequese com a evangelização, que
será retomada no século XX.
Para Agostinho, A instrução dos catecúmenos [como foi traduzido para o
português, o Cathechizandis Rudibus] deveria se basear na narrativa, desde a
criação até os dias da Igreja. Porém, essa narrativa não deveria ser processada
palavra por palavra nem mesmo como uma longa interpretação, mas de um

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modo sintético, pinçando “os fatos [bíblicos] mais admiráveis, que se ouvem
com maior prazer, para apresentá-los como em pergaminhos, desenrolando-
os e explicando-os lentamente: não convém subtraí-los imediatamente à
vista e sim oferecê-los ao exame e admiração do espírito dos ouvintes”
(AGOSTINHO, 2005, p. 43). Ressalte-se, nessa citação, a necessidade de
um acompanhamento de uma explicação textual com vagar que promova
a reflexão e a admiração dos ouvintes. Paiva sumariza o contexto das
primeiras partes da obra em tela, na qual o foco é o essencial da narrativa
bíblica: a salvação, manifestando o desígnio de Deus, para “fundamentar a
fé, suscitar a esperança e alimentar o amor” (PAIVA, 2005, p. 17), tendo
por base a dimensão prática do cristianismo. Na sua última parte, destaca-
se: a necessidade de partir do homem concreto, a adaptação ao auditório e
explicita-se seis causas do enfado dos catequistas, apontando-se sugestões
para remediar. A abordagem de catequese de Agostinho pode ser considerada
uma catequese iniciática.
Séculos depois, na modernidade, com a proliferação dos textos
catequéticos com a imprensa, “[...] a mensagem, foi transferida para o texto,
para a palavra impressa. Na catequese moderna, o papel do catequista era o
de explicar o livro” (ORLANDO, 2013, p. 164). Os Catecismos organizados,
sob a forma de perguntas e respostas, viriam a ser uma realidade, apenas no
século 16. Isso com a “função de sistematizar a ação catequética pelo ensino,
adequando a metodologia utilizada à idade e às circunstâncias em que será
aplicado” (ORLANDO, 2013, p. 162), o que levou, posteriormente, a um
modelo de catequese escolarizado.
Como se pode observar, nesse rápido panorama, a história da catequese
como tantas outras histórias não é linear. Várias abordagens se alternaram
ou mesmo conviveram, ao longo dos tempos: catequese moral, catequese
iniciática, catequese baseada em textos (catecismo), catequese escolarizada e
assim por diante. No tópico seguinte, iremos nos deter mais especificamente
no século XX, na disputa em torno da ruptura ou da continuidade da
ortodoxia, que se fez mais acirrada no tocante às mudanças decorrentes do
Concílio Vaticano II.

A catequese sob o pêndulo da ruptura ou da continuidade

Na crise da catequese reflete-se todo o desvio da Igreja. Reconhecem-se nela


o desprezo pela ordem teórica, a incerteza não só doutrinal, mas dogmática, a

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exaltação do espírito subjetivo, a dissensão entre os bispos, a discórdia entre


os bispos e a Santa Sé, a rejeição das atitudes fundamentais da pedagogia
católica, a perspectiva temporal e milenarista, a direção antropotrópica de
toda a obra didática (AMERIO, 2020, p. 299).

Não demorou muito para percebermos um estranho descompasso entre a


beleza e a alegria da Boa Nova anunciada e o tédio e o rigorismo da catequese
que trazia essa notícia; entre a prática e a teologia catequética; entre os
pressupostos do mundo pós-moderno; entre a gramática existencial com a
qual a catequese trabalhava e a gramática existencial de homens e mulheres
pós-modernos tão distinta da primeira (CARMO, 2016, p. 11).

As duas citações acima representam pontos contrapostos da


compreensão da catequese na Igreja Católica no século passado. Uma,
representa uma leitura crítica da sua ruína, que, na opinião de Amerio
(2020), espelharia a instituição como um todo, naquilo que teria se afastado
da tradição. Outra citação parte igualmente de uma disposição crítica, mas
procura enxergar no compasso dos tempos as lacunas da própria Igreja
Católica no entendimento do curso da história, nos limites da abordagem
catequética proposta entre um suposto ideal e a realidade.
Segundo Fazio (2022), o grupo de intelectuais com uma sensibilidade
mais tradicionalista considera a modernidade como fundamentalmente
anticristã. Desse, um subgrupo mais radical interpreta a queda do Antigo
Regime como “uma tragédia irreparável do espírito cristão” (FAZIO, 2022,
p. 376), sendo considerados clericalistas e passadistas. Na outra ponta, está
o grupo de liberais, predisposto às mudanças, ainda que não tão abertos
como se supõe. Estes denunciam os do primeiro grupo, tidos como infiéis
em muitos sentidos.
Foi, na segunda metade do século passado, com o Concílio
Vaticano II que vieram à tona disputas ainda mais acirradas sobre a
interpretação legítima da ortodoxia católica. Para a maioria do clero,
esse Concílio representou um movimento de abertura ou de renovação
da Igreja Católica frente aos novos desafios. Para um gr upo menor,
representou um movimento de ruptura com a tradição, que aprofundou
crises, corrompendo a história da Igreja Católica. Mattei (2013) afirma que
os que interpretam pela “continuidade” do Concílio em relação à tradição
anterior se posicionam na posição majoritária e oficial da Igreja Católica.
Porém, os que interpretam esse concílio pela chave da “descontinuidade”

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defendem que houve uma produção deliberada de fraturas em vários pontos


estabelecidos da Igreja Católica. Entre os conhecidos como tradicionalistas,
destacam-se Giuseppe Alberigo, Henri Lefebvre e Romano Amerio.
Ainda segundo Mattei (2013), o arcebispo Henri Lefebvre, a partir
de 1974, se colocou em conflito direto com a Santa Sé quanto à Missa
Nova e às reformas conciliares, tornando-se conhecido como o “chefe”
dos tradicionalistas. Lefebvre era um dos representantes de um “vasto e
ramificado movimento de resistência, que em alguns casos, desembocou
no cisma ou na perda de fé” (MATTEI, 2013, p. 492). O livro de Lefebvre
(2013) intitulado Do Liberalismo à Apostasia: a tragédia conciliar é, em muitos
sentidos, exagerado quanto às interpretações do reinado de Cristo, sendo
fundamentalmente clericalista, ao pretender legitimar o poder temporal da
Igreja nos governos com uma retórica de retorno, devido à perda de garantias
supostamente legítimas da Igreja. Para esse autor, a doutrina e as práticas da
Igreja se corromperam em vários sentidos, a partir do Vaticano II, tendo as
portas da Igreja Católica sido abertas para todo tipo de desmandos.
Um exemplo, entre tantos outros possíveis, pode ser ilustrativo para
se entender o que Mattei (2013) chamou de “caso Lefebvre” ou pelo menos
da retórica tradicionalista. A rigor, representantes dos dois grupos podem
se utilizar dos mesmos elementos para defender sua posição. O Papa Pio
X (1835-1914) publicou a Carta Encíclica Pascendi Domini Gregis em 08 de
setembro de 1907, na qual se punha contra as “doutrinas modernistas”. Em
um movimento de síntese, afirmou sobre os caminhos para a destruição
de toda religião: “os protestantes deram o primeiro passo, os modernistas
o segundo e pouco falta para o completo ateísmo” (p. 77). Em sua análise
do “sistema modernista” se destacam: a filosofia do agnosticismo, a crença
baseada na experiência, a teologia simbolista e a apologia racionalista. Entre
outros remédios, sublinha: a necessidade dos estudos, a supressão de escritos
perigosos, a censura, a proibição de congressos de sacerdotes, a necessidade
de vigilância e prestação de contas.
De acordo com Lefebvre (2013, p. 147), a encíclica Pascendi conseguiu
conter os modernistas por algum tempo, mas “a intelligentsia teológica liberal
chegaria às primeiras páginas das revistas especializadas, aos congressos, às
grandes editoras e aos centros de pastoral litúrgica, pervertendo dos pés à
cabeça a hierarquia católica”. Por outro lado, Fazio (2022), em uma linha
mais aberta, considera que essa encíclica foi necessária, no contexto da
época, para conter os avanços modernistas. Assim, a secularização poderia

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ser compreendida positivamente na perspectiva da afirmação da “autonomia


relativa do temporal”, um processo interno da Igreja, que terminou por
desembocar na “[...] desclericalização da visão cristã do mundo e tornou
possível um diálogo entre a Igreja e a sociedade, diálogo que deve ser
cada vez mais incisivo se o desejo é colocar-se a serviço de uma nova
evangelização” (p. 466).
Um intelectual fundamental para conhecermos a catequese pelo viés
do tradicionalismo é Romano Amerio (2020), que apresentou uma extensa
análise de vários temas sobre as mudanças na Igreja Católica, no século
XX. Ele assim sumariou sua crítica à catequese: Na crise da catequese reflete-se
todo o desvio da Igreja. Para esse autor, a Igreja teria como princípio básico a
oposição ao mundo:

A Igreja, de fato, proclama a pobreza quando o mundo (e ela mesma) se


prosterna ante à riqueza, a mortificação quando o mundo segue os apetites
das três concupiscências, a razão quando o mundo se dirige ao ilogicismo e
ao sentimentalismo, a fé quando o mundo se extasia ante a ciência (AMERIO,
2020, p. 32-33).

A rigor, o que Amério destaca, na citação acima, é ou deveria ser


um norte crítico para a ação crítica da cristandade, ainda que não se tenha
tratado aqui dos vários desvios cometidos pela própria Igreja Católica.
Seguindo a mesma hermenêutica negativa quanto ao Vaticano II, Amerio
(2020) afirma que a Igreja Católica se acomodou ao mundo, negou a
crise, interpretou-a positivamente de forma errônea, e ainda, na renovação
pretendida, negligenciou que a Igreja estaria centrada na tradição. Ao ter por
base a Exortação Apostólica Catechesi Tradendae de João Paulo II, Amerio
(2020) apresenta um paralelo entre a nova catequese e as posições do pontífice,
concebendo que divergem em inúmeros pontos1.

A nova catequese é de cunho existencial e promove a experiência da fé,


enquanto o Papa afirma o caráter intelectual da catequese e quer que os
catecúmenos sejam penetrados por certezas simples, mas firmes [...] A nova
catequese quer a adaptação da fé às culturas particulares, mas o Papa quer
que a fé transforme as culturas particulares [...] A nova catequese repudia o

1
De um ponto de vista amplo, se nos atermos aos posicionamentos de Fazio (2022)
elaborados sobre o Papa João Paulo II, observaremos que suas interpretações colocam
esse pontífice como um protagonista, sob o signo da modernidade cristã.

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princípio de autoridade e, por conseguinte, o método clássico de perguntas e
respostas e o exercício da memória, enquanto o Papa insiste que é necessário
possuir permanentemente, isto é, na memória, as palavras de Cristo, os
principais textos bíblicos, as fórmulas da fé, o decálogo, as orações comuns,
os textos litúrgicos. A nova catequese é conduzida com um diálogo entre
iguais, investigativo, fundado na ausência de verdades específicas, enquanto
o Papa rejeita como perigoso esse diálogo [...] A nova catequese propõe-se a
guiar o catecúmeno a uma experiência do divino e de Cristo, enquanto o Papa
define a catequese como “institutio doctrinae christianae”, instrução que visa
sempre a fazer conhecer melhor e assentir mais firmemente à verdade divina;
não a fazer com que a pessoa se desenvolva e se afirme mais (AMERIO,
2020, p. 298-299).

Amerio (2020) considera que a nova catequese, surgida no seio do


episcopado francês, estaria marcada por um estágio metodológico, pelo
abandono da pedagogia católica, e por um estágio dogmático, no qual
emerge o exame e a escolha subjetivas na linha do luteranismo. Segundo
o autor, estaria por isso, negando a Tradição, o Magistério e até a própria
Bíblia. Fundamentado, na época, no então cardeal Ratzinger, que viria a se
tornar Bento XVI, Amerio lembra que para este a “catequese católica é uma
didática, isto é uma comunicação da verdade, e seu conteúdo é o dogma da
Igreja” (2020, p. 302) e é também: “[...] essencialmente intelectual e se dirige
à transmissão do conhecimento, não à experiência existencial e à chamada
inserção no mistério de Cristo” (AMERIO, 2020, p. 302)
Convém agora partir para a exposição de um ponto de vista
diametralmente oposto, quanto à catequese no século passado. Nesse
sentido, Fazio (2022, p. 373) fez uma pergunta norteadora a respeito da
secularização quanto aos elementos sociopolíticos e econômicos: quais desses
seriam compreendidos como circunstanciais que “poderiam alterar-se sem
atraiçoar em nada o depósito da revelação que a Igreja recebeu para guardar
fielmente?”. Ao seguir a linha de raciocínio de Guardini e Chesterton, Fazio
(2022) assevera que os grandes ideais da modernidade teriam origem cristã
e por isso não deveriam ser condenados irrefletidamente. Por outro lado, no
outro extremo, teríamos a “modernidade ideológica” que se assentaria na
defesa da autonomia absoluta do homem, que desembocou no cientificismo,
na mentalidade economicista, em tragédias ecológicas e em genocídios.
A partir desse ponto de vista, Fazio (2022) interpreta a caminhada da
Igreja Católica como permeada por múltiplos embates na defesa da fé, tendo

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por base o protagonismo dos Papas nessa condução, ressaltando-se, todavia,


um trajeto de abertura que foi se delineando. O concílio do Vaticano II
merece uma atenção especial, pois tanto afirmou a desclericalização quanto
criticou a autonomia absoluta do temporal.
Nery (2005, p. 385) analisou o processo histórico da catequese, no
século XX, pelo prisma da continuidade e da progressividade. A sua linha
argumentativa coloca como eixo central do século XX, o Concílio Vaticano
II, com rebatimentos inclusive no século XXI, pelo menos do ponto de vista
da criação de documentos parametrizadores. Assevera que as mudanças na
catequese, de fato, vinham se processando desde o início do século. Isso se
deu, por exemplo, com a importância dada pelo Papa Pio X para catequese
infantil, com o Papa Pio XI o foco se centrou na adolescência e na formação
dos leigos, com a Escola Ativa se repensou a catequese do ponto de vista
pedagógico. Nos anos 40 e 50, uma perspectiva mais evangelizadora que
doutrinária se desenvolveu a partir da teologia querigmática. E nos anos 50
e 60 as Semanas Internacionais de Catequese foram fundamentais para o
movimento catequético internacional. A maioria dos documentos produzidos
sobre a catequese pela Igreja Católica foi escrito após o Vaticano II, animados
por seu espírito renovador. Contudo, Nery (2005, p. 285) ressalta que “[...]
continuamos sendo uma Igreja doutora em produzir excelentes documentos,
porém, ao mesmo tempo, doutora em engavetá-los e em esperar que venha
logo um outro”.
No Brasil, um dos trabalhos mais amplos sobre a catequese foi a tese
de doutorado de Carmo (2016), publicada sob a forma de livro, tendo por
fundamento teórico a noção de paradigma de Tomas Kuhn e as discussões
elaboradas por Denis Villepet, teólogo francês, com uma vasta produção
sobre a catequese. Na revisão de literatura produzida, Carmo (2016) pontua
vários catequistas e teólogos, encontros, movimentos de renovação e
documentos da Igreja Católica, que, no todo, fizeram nascer paradigmas
alternativos ao tradicional.
A partir de uma abordagem sintetizadora, a autora apresenta
vários quadros que procuram esboçar a complexidade de três paradigmas
catequéticos. O primeiro paradigma corresponderia à catequese tradicional,
que teria a abordagem teoderivada como tipo de teologia; o tipo de Igreja
correspondente à imagem do corpo de Cristo; o tipo de sociedade, a
tradicional; o tipo de indivíduo, o parceiro; e o tipo de pedagogia, a do
ensino. Já o segundo paradigma corresponderia à renovação catequética

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com um tipo de teologia cristoderivada; o tipo de igreja correspondente


à imagem de Povo de Deus; o tipo de sociedade, a evolutiva; o tipo de
individuo, o ator social; e o tipo de pedagogia, a da aprendizagem. Já o
terceiro paradigma corresponderia à proposta de Villepelet; o tipo de teologia
seria pneumoderivada; a imagem da Igreja seria a do templo do Espírito; a
sociedade seria a complexa, o tipo de indivíduo seria a do sujeito e o tipo de
pedagogia seria a da iniciação. Ainda mais complexa é sua discussão sobre
o caminho catequético, nesses três paradigmas, que qualquer explicitação
fugiria ao escopo desse trabalho.
O foco da autora é o terceiro paradigma de onde retira várias
implicações para e também limitações para o fazer catequético. De todo
modo, percebe-se uma leitura muito mais afir mativa dos parâmetros
multirreferenciais da pós-modernidade em relação a outros autores, com
amplo destaque para uma catequese não sacramental, permanente (de toda a
vida), querigmática, iniciática, voltada para a interioridade, aberta e que ainda
recupera a necessidade de ser realizada com adultos. A leitura que Carmo
(2016) propôs para os paradigmas da catequese é uma fonte para o debate
em torno da historicidade dos modelos que se perfilaram e ainda convivem
nas práticas da Igreja Católica, de aspectos que se firmaram, de aspectos que
se quer afirmar, forjar, direcionar.
Quanto aos posicionamentos a respeito da catequese, certamente
a perspectiva construída por Carmo (2016) é a que mais se distancia das
discussões supracitadas, uma vez que procura enxergar, na pós-modernidade,
os aspectos positivos que desafiam e que podem ser úteis para o fazer
catequético, ainda que a maioria dos autores conceba a existência de um
aprofundamento da secularização na pós-modernidade. A discussão sobre
uma catequese pneumoderivada nos parece divergir da posição histórica da
Igreja Católica sobre a cristocentricidade da catequese.

Secularização por outros vieses interpretativos


Para Zepeda (2010, p. 72), a secularização pode ser entendida, de
um ponto de vista amplo, como “um conjunto de mudanças pelo qual
a religião perde sua relevância social, ideológica e institucional”. Nos
primórdios da sociologia, as interpretações do deslocamento da religião do
centro para a periferia, o progresso da mentalidade científica e o declínio
dos símbolos ligados às instituições religiosas, na Europa, convergiam para
uma interpretação utópica do desaparecimento inevitável da religião. As releituras

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que têm sido realizadas sobre a secularização propiciaram uma melhor


compreensão da complexidade do fenômeno, em uma desconstrução da tese
dura ou forte da secularização a favor de uma tese suave, sendo Peter Berger
(2021) e Thomas Luckman (2014) autores fundamentais, desde a década de
1970, no sentido de pôr em relevo o pluralismo religioso, a dimensão privada
e a capacidade de mudança da religiosidade (cf. ZEPEDA, 2010).
Moniz (2017) considera que as leituras realizadas da secularização
seriam múltiplas compreendendo, grosso modo, a relação entre a
modernização e a religião, mas se acentuando os aspectos macrossociais e
teóricos. Esse autor propõe, em contrapartida, uma abordagem que leve em
consideração múltiplas camadas de análise, mais empíricas e comparativas.
Do ponto de vista histórico, muitos trabalhos sobre a secularização teriam
se desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial e nos inícios da década de
1960. Em nosso meio, conforme Pierucci (2004, p. 14) a origem da sociologia
da religião “nas décadas de 1950 e 1960, praticada no Brasil sempre foi de
uma sociologia do catolicismo em declínio”, mesmo na América Latina, ao se
estudar outra religião em ascensão, a referência sempre foi em contraposição
ao catolicismo. Nesse sentido, a secularização significou por muito tempo o
declínio do catolicismo.
Segundo Moniz (2017), as teorias da secularização gravitariam em
torno de algumas abordagens amplas. A teoria da diferenciação funcional,
de matriz Durkheimiana, desdobrou-se em três posições não estanques a
de declínio, a de privatização e a de transformação. Outras perspectivas
estariam fundamentadas na tese da Racionalização, na linha Weberiana,
ancorada em uma cosmovisão racional, nos padrões empíricos de prova
[inclusive aqui teria tido muita força o próprio protestantismo histórico
ao procurar provar seus argumentos por meio de análises textuais], o
desenvolvimento do conhecimento científico e o domínio tecnológico, o que
teria paulatinamente enfraquecido a crença no domínio do sobrenatural. Outra
abordagem clássica das teorias da secularização estaria baseada no declínio
da vida comunitária e no desenvolvimento da societalização, compreendida
como uma escala maior de organização em escala global, incluindo de
plausibibilidade do sistema moral e religioso. Em uma outra perspectiva, a
secularização adviria da segurança existencial crescente advinda do processo
de modernização e redução das ameaças de sobrevivência. Finalmente,
uma última abordagem apresentada por Moniz (2017) baseia-se em Steve
Bruce e leva em consideração os pressupostos das abordagens anteriores,

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combinando operacionalmente, na análise, os fatores do individualismo, da


diversidade e do iqualitarismo. Aqui se pode verificar a influência de Marx
quanto à diferenciação social bem como de Berger quanto à pluralização das
cosmovisões individuais.
Moniz (2017) ao revisar as abordagens da individualização, como o
fez com as da secularização, amplia o quadro analítico, fazendo-nos enxergar
tanto os limites destas quanto a necessidade de uma abordagem que leve em
conta os múltiplos aspectos dos fenômenos comparativamente. Entre outros
pontos, destacamos alguns dos elementos que apresentou de um esquema
em paralelo. Do ponto de partida sociológico, a secularização se basearia
na Estrutura e a Individualização teria como foco a agência. A explicação
da primeira seria macrossociológica e da segunda microssociológica. A
secularização teria como hipótese principal que a religião perderia sua
relevância social na interpretação do mundo, enquanto a individualização a
“religião institucional perde relevância social, mas a religiosidade individual
mantém relevância estável” (MONIZ, 2017, p. 28). E quanto à relação
modernização-religião, a secularização é tida como problemática e negativa
por seus efeitos na religião, enquanto na individualização esses efeitos são
compatíveis em uma tendência positiva.
Ao fazer uma análise da perspectiva de Moniz (2017) é necessário levar
em consideração a combinação de múltiplos níveis de análise pela perspectiva
da complexidade dos fenômenos, o que implica não dicotomizar os elementos,
mas vê-los em sua dinamicidade e na perspectiva de uma grelha possível de
análise, no qual os dados empíricos podem ser mais bem vislumbrados.
Um dos trabalhos mais fecundos a respeito do tema em tela é a
obra de Charles Taylor (2007) intitulada A Secular Age, uma obra magna
de mais de quase 900 páginas. Taylor prefere usar o termo secularidade e
apresenta uma abordagem inovadora que procura se desviar de abordagens
dicotômicas de crenças x descrenças, a favor de uma leitura que considera as
crenças, as diferentes experiências, as sensibilidades e os sentidos da vida,
que implicam em devoções, em liturgias seculares, afetos direcionados não
necessariamente aos objetos transcendentes da religião. Nesse sentido,
as leituras de James K. A. Smith (2018, 2021) desse autor, no mundo
evangélico, têm sido produtivas ao reler, inclusive as tradições cristãs
reformadas, de um modo crítico, pondo em questionamento a cosmovisão
iluminista ou racionalista que permeiam também esses círculos.
Outro autor pouco utilizado na discussão da temática em tela, mas que
traz uma contribuição à compreensão dessa complexidade, é Serge Moscovici

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(2013), notadamente com o seu conceito de polifasia cognitiva na Teoria das


Representações Sociais. Ele observa a existência de diferentes modos de
interpretação, podendo até mesmo serem contraditórios, em determinados
grupos sociais a respeito de objetos do mundo social. As representações
sociais, diga-se de passagem, implicam também em práticas sociais, espelhando
ainda a identidade dos sujeitos interpretantes. Ao sermos entrecortados por
diversas representações sociais e nos identificarmos com diversos grupos,
podemos como sujeitos sociais agenciar aspectos não necessariamente
coerentes, posto que são moldadas no senso comum e nas exigências da vida
cotidiana (cf. JOVCHELOVITH, 2008).
Um livro publicado a partir de um diálogo em 2004 entre Jürgen
Habermas e Joseph Ratzinger, então cardeal, é emblemático sobre
a possibilidade de discussão entre essas figuras tão importantes em seus
respectivos campos, o científico e o teológico. É importante observar a
aproximação de Habermas dos valores das tradições religiosas, inclusive para se
contrapor a uma pós-modernidade sem direcionamentos morais, e a defesa de
Ratzinger no sentido de chancelar a criticidade da razão contra os fanatismos,
ao mesmo tempo em que reconhece também a limitação da racionalidade ao
interpretar o mundo, sem referência à transcendência. Entretanto, o que nos
chama mais atenção nesse diálogo é que Ratzinger, em nenhum momento desse
texto, lança mão de passagens bíblicas, como era de se esperar por parte de
um seguidor de Cristo. Estaria aqui entranhada a secularidade no representante
máximo da Igreja Católica? Sem a pretensão de polemizar, o que destacamos
aqui é que a secularidade pode se manifestar presente no próprio pensamento
religioso. Isso foi bem evidenciado mais recentemente por Smith (2018, 2021).

Os Diretórios para a Catequese: fechamento ou abertura?

Os diretórios para a Catequese produzidos pela Igreja Católica podem


ser compreendidos como uma síntese do pensamento coletivo legitimado
institucionalmente, sendo esses textos discursos constituintes ou fundantes.
Maingueneau (2000) advogou que esses discursos apresentam condições
de emergência, de funcionamento e de circulação particulares em um
determinado domínio específico da produção verbal, neste caso, no campo
religioso, atribuindo sentido aos atos de uma coletividade.
Analisamos o Diretório Catequístico Geral (DCG, 1971), o Diretório
Geral para a Catequese (DGC, 1997) e o Diretório para a Catequese (DC,

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2020), que referendam em uníssono o Concílio Vaticano II, evocando-o como


o eixo articulador geral, sendo-lhes dele um desdobramento, em uma linha
de continuidade. Esses Diretórios, bem como outros documentos, inclusive
de autoria papal, autolegitimam-se em rede ao citar uns aos outros e reafirmar
constantemente uma linha de progressividade na Igreja Católica. Além desses
diretórios, temos os de origem nacional que têm sido estimulados no intuito
de contextualizar melhor as demandas da Igreja Católica às realidades locais.
Nosso intuito aqui é considerar apenas aqueles documentos emanados de Roma.
Ainda que se reconheçam as dificuldades no tocante à evangelização, à
catequese e à formação da identidade cristã, as análises por esses Diretórios
realizadas são focadas nos diferentes contextos histórico-sociais, nos sujeitos
em suas diferentes idades, culturas e condições de vida, nos desafios de um
mundo progressivamente plural, midiático, em rede e digital. Isso em um
arco de mais de 50 anos. As lacunas, portanto, não emanam do Concílio do
Vaticano II, mas da própria dinâmica da realidade social e dos sujeitos nela
inseridos. As soluções que foram sendo construídas delinearam-se para uma
série de direcionamentos que pretenderam modificar a feição da catequese.
Desde o Diretório Catequístico Geral (1971), podemos observar que
as ciências humanas são frequentemente evocadas. Ao longo desse texto, será
referendado o trabalho de especialistas não diretamente vinculados à teologia,
seja como uma necessidade de contribuição para o avanço da catequese
[notadamente da Pedagogia e da Psicologia, em vários âmbitos do fazer
didático e da compreensão dos seres humanos por parte dos catequistas] seja
na necessidade de convocar profissionais consultores para trabalhos específicos.
Nas doze ocorrências da expressão ciências humanas destacam-se as ciências
antropológicas, que, em algumas ocorrências, são expressões sinônimas. A
Psicologia é citada oito vezes e a didática sete vezes. A formação do catequista
deve se assentar no caráter doutrinal, nas ciências humanas e na formação
metodológica. A palavra método se evidencia vinte e uma vezes ao longo desse
documento. No contexto do Diretório Catequístico Geral (1971) a referência
epistemológica se direciona, portanto, para a multidisciplinaridade na educação:

Neste século, os catequistas têm aprofundado os problemas metodológicos


apresentados pelas ciências psicológicas, didáticas e pedagógicas. Pois, na
verdade, tem sido empreendido o estudo do método da lição do catecismo;
foi especificado o papel dos métodos ativos na catequese; o ato catequético foi
analisado segundo as leis da aprendizagem (experiência, imaginação, memória,
inteligência); uma metodologia diferencial foi elaborada de acordo com as

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idades, os ambientes sociais, o grau de desenvolvimento psíquico do sujeito


(tradução livre do espanhol, Directorio Catequístico General, 1971, artigo 70).

Há uma confluência de várias abordagens psicológicas até mesmo


contrapostas como: o humanismo, ao colocar como preponderância da
pessoa do catequista (experiência cristã, caráter, testemunho, moral) acima
dos métodos; construtivismo, ao pôr em relevo a experiência, a atividade e
a autonomia dos aprendentes-catequizandos, e, como um ponto fora da
curva, até o behaviorismo é evocado, ao tratar do ensino programado como
uma das vias possíveis para se utilizar como material didático, destacando-
se a necessidade de planejamento e programação como antídotos contra a
improvisação. O discurso do DCG (1971) é interditado por várias confluências
que se perfilaram na época dos saberes psicológicos. Influências, diga-se de
passagem, de correntes psicológicas concorrentes.
Nos diretórios posteriores, irá ser reforçada progressivamente a ideia de
uma pedagogia do caminho, do encontro e da experiência, na perspectiva de
uma pedagogia iniciática da fé, no qual se destaca o modelo do catequista como
um exemplo a ser seguido. Toda essa retórica pedagógica vai acompanhando a
discussão paralela do campo educacional com a renovação da didática para o
século XXI. Nesse conjunto, destaca-se a retórica dos textos provenientes da
UNESCO na linha do “relatório de Delors” (DELORS, [1996], 2012) com os
pilares da educação [aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver
juntos e o aprender a ser]; também encontrada no livro Os Sete Saberes necessários
à Educação do Futuro de Edgard Morin (2000).
Em outro direcionamento, a discussão sobre a necessidade de se levar
em conta as experiências dos catequizandos ocorre junto à discussão que vem
sendo trilhada, entre outros “lugares”: na epistemologia das ciências humanas,
na formação docente, na psicanálise e na psicologia, incluindo o resgate
da subjetividade e das histórias de vida (cf. SANTOS, 2002; JOSSO, 2004;
LINS, LUZ, 1998). Estará cumulativamente presente nos diretórios também
a discussão sobre diferentes catequeses para todas as idades e sobre grupos
de pessoas em condições especiais, o que irá se desdobrando na literatura
de formação para a catequese, sob as denominações de psicopedagogia
catequética e catequese inclusiva (CALANDRO, LEDO, BARBOSA, 2011,
2022; CALANDRO, LEDO, 2021; SANTOS, 2013).
Do ponto de vista da hermenêutica tradicionalista, essa abertura
aos métodos das ciências representa um erro, pois o que se deve seguir

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é a Pedagogia Católica. Contudo, nos diretórios essa abertura se dá tanto


no sentido de que o catequista conheça as ciências humanas e as ciências
do ensino [e por decorrência os sujeitos aprendentes] quanto da utilização
específica de especialistas em determinadas áreas, o que sugere uma maior
participação dos leigos na Igreja Católica na contemporaneidade. Vale
salientar ainda que, na tradição cristã, historicamente pode-se verificar a
existência de várias pedagogias e não apenas uma única. Isso, por outro
lado, não deve desprezar a necessidade de exposição ou proclamação das
verdades bíblicas.
Um outro ponto importante no cor pus analisado é a utilização do
conceito de identidade. Se o DCG (1971) utilizou apenas uma única vez o
termo, o Diretório Geral para a Catequese (1997), publicado mais de 25 anos
depois, irá utilizá-lo fartamente: identidade cultural (dos povos, do homem
contemporâneo), identidade da igreja, identidade da catequese, identidade
do catequista, identidade cristã, identidade missionária, identidade de grupos
específicos (etários, indivíduos especiais) e identidade de gênero. No Diretório
para a Catequese (2020), o conceito de identidade figurará mais ainda, pois
estará presente em dois capítulos cruciais sobre a Identidade da Catequese
(capítulo 2) e sobre O Catequista (capítulo 3).
O conceito de identidade e a expressão pautas identitárias têm sido
progressiva e fartamente utilizados nas ciências humanas e na vida social ao
longo do século passado (IZENBERG, 2016). Nos Diretórios em tela, o uso
do conceito identidade se dá no contexto da afirmação do pertencimento ao
catolicismo, mas também se abre para o diálogo na perspectiva multicultural.
As identidades são conceptualizadas em uma perspectiva positiva, mas
podem se perder ou se corroer, considerando processos culturais amplos de
massificação, de anonimato, de violações dos direitos.
Se, por um lado, há uma evolução ao se levar em conta as
especificidades dos grupos que aderem à catequese, por outro lado, essa
abertura significa um desafio maior para o diálogo com grupos que se opõem
ao catolicismo, inclusive que são responsáveis pelo declínio numérico da
membresia da Igreja Católica, e ainda por aqueles que têm reivindicado por
pautas contrárias à tradição cristã. É nesse sentido que se fez advogar, ao
longo desses decênios, a importância da formação do catequista. No último
Diretório para a Catequese (2020), defende-se o papel de grupos de catequistas.
Como um desaguadouro de discussões no seio da Igreja Católica, o
Papa Franscisco na Carta Apostólica intitulada Antiquum Ministerium (2021)

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A catequese católica: caminhos da secularização ou da abertura? 143

instituiu o ministério do catequista, que compreendemos como um movimento


de legitimação do lugar crescente do leigo na catequese. Ele menciona nessa
carta uma renovada consciência da catequese a partir do laicato na evangelização,
que foi se tecendo desde o Concílio Ecumênico Vaticano II, tratando-se de
um movimento que vinha sendo progressivamente reconhecido pelo clero.
Nas palavras do Papa Francisco: “O Catequista é simultaneamente testemunha
da fé, mestre e mistagogo, acompanhante e pedagogo que instrui em nome
da Igreja” (2021, p. 04). Sublinhamos que essa legitimação do ministério de
catequista deve ser compreendida no contexto de uma perda progressiva de
adeptos, sobretudo para as igrejas cristãs pentecostais e neopentecostais. Isso
nos leva às considerações finais desse texto.

Considerações finais
A secularização da Igreja Católica tem se constituído em um desafio
histórico e por muito tempo foi compreendida pela lógica do declínio
(PIERUCCI, 2004). Na nossa primeira abordagem do tema, enfatizamos as
disputas em torno da hermenêutica da continuidade ou da descontinuidade.
Posteriormente, vimos que o conceito de secularização em uma perspectiva
macrossocial não dá conta das singularidades e dos percalços encontrados no
caminho, sendo melhor tratá-la cotejando-a com outros conceitos, como o de
individualização, ou mesmo compreendendo-a como secularidade (TAYLOR,
2007), na qual se entrecruzam crenças, práticas e institucionalizações de
matrizes contrárias à fé cristã, no caso em tela, na Igreja Católica.
Seguindo Smith (2018), as “liturgias seculares” estão no seio da
cristandade, compreendendo-as como investimentos mentais, mobilização de
afetos e metas direcionadas para determinadas causas, que atingem de fundo
o coração. As cosmovisões da modernidade se instalaram nos modos de ser
e agir dos cristãos, muitas vezes de modo imperceptível.
Ao nos ater aos Diretórios para a Catequese, em um arco de cinquenta
anos, podemos perceber que algumas noções como o multiculturalismo e o
relativismo ainda são desafios para a Igreja Católica que se pretende aberta
na promoção do diálogo, mas que não consegue, nessa tarefa, equacionar
a perda crescente de sua membresia. O que podemos observar ainda é a
tentativa dupla de reler os contextos desafiadores e de reverter a perda da
identidade católica, pela via do reconhecimento da necessidade de mudanças,
na linha do Vaticano II, aproximando-se dos fiéis, fazendo-se mais inteligível
nas práticas educativas.

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As mudanças que se processaram na Igreja Católica, no século XX, as


perguntas que se fizeram, as respostas dadas e as ações tomadas ocorreram
juntamente com as mudanças sociais. Seria a catequese uma chave para a
mudança? O que se coloca para o catequista no sentido de evangelização,
de acompanhamento, de introdução do mistério (mistagogia) parece refletir
o tamanho da crise, colocada agora como uma tarefa para os denominados
leigos. Talvez seja necessário além disso.

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Submetido em: 31-1-2023


Aceito em: 8-3-2023

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