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da secularização ou da abertura?
André Augusto Diniz Lira*
Júlio Cézar Adam**
Resumo
No século XX, muitas mudanças ocorreram na Igreja Católica Apostólica Romana em
relação à liturgia, ao entendimento de questões contemporâneas, à evangelização e à
catequese. Essas se processaram sob alegações contrapostas nas quais figura a disputa
sobre a interpretação legítima da ortodoxia católica. Este artigo apresenta, inicialmente,
esses posicionamentos em disputa, vinculando a catequese à secularização ou à abertura
da Igreja Católica; considera, a seguir, uma análise mais atual dos limites desse tipo de
abordagem da secularização; e, finalmente, debruça-se sobre os três últimos Diretórios
para a catequese [Diretório Catequístico Geral (1971), Diretório Geral para a Catequese (1997),
Diretório para a Catequese (2020)], procurando, nesses documentos, o movimento de
constituição oficial.
Palavras-chave: Catequese; Igreja Católica; Secularização; Diretórios; Campo religioso.
Abstract
In the 20th century, many changes took place in the Roman Catholic Church in relation
to the liturgy, the understanding of contemporary issues, the evangelization and the
catechesis. These were processed under opposing allegations in which the dispute
over the legitimate interpretation of Catholic orthodoxy figures. This article initially
presents these disputed positions, linking catechesis to secularization or the opening of
the Catholic Church; it then considers a more up-to-date analysis of the limits of this
type of approach to secularization; and, finally, it focuses on the last three directories
Resumem
En el siglo XX, ocurrieron muchos cambios en la Iglesia Católica Romana en relación
con la liturgia, la comprensión de los problemas contemporáneos, la evangelización y
la catequesis. Estos fueron procesados bajo alegatos contrapuestos en los que figura la
disputa sobre la interpretación legítima de la ortodoxia católica. Este artículo presenta
inicialmente estas posiciones en disputa, vinculando la catequesis a la secularización o
apertura del Iglesia Católica; luego considera un análisis más actualizado de los límites
de este tipo de enfoque de la secularización; y, finalmente, se centra en los tres últimos
directorios para la catequeses [Directorio Catequístico General (1971); Directorio General
de Catequesis (1997), Directorio de Catequesis (2020)], buscando en estos documentos
el movimiento de constitución oficial.
Palabras clave: Catequesis; Iglesia Católica; Secularización; Directorios; Campo religioso.
Introdução
Ao longo do século XX, foram muitas as mudanças ocorridas na Igreja
Católica Apostólica Romana (doravante Igreja Católica), que se evidenciaram
através de múltiplos encontros, práticas, documentos e análises, que ainda
apresentam rebatimentos, inclusive questionamentos e disputas sobre sua
efetivação e legitimidade na atualidade. Foram muitos os impactos na
liturgia, no entendimento de questões contemporâneas, na evangelização e
na catequese (FAZIO, 2022; AMERIO, 2020; FISCHER, HEINZ, 2011).
Todas essas mudanças se processaram sob alegações contrapostas nas quais
figura a disputa sobre a interpretação legítima da ortodoxia católica, colocada
sob duas condições: se a Igreja Católica estaria face a uma abertura para o
mundo, visando conquistá-lo, ou se, pelo contrário, não estaria caminhando
rumo a uma secularização subserviente aos padrões mundanos.
Para teólogos e historiadores católicos, as origens da secularização,
na Igreja Católica, decorreriam do desenvolvimento do protestantismo, do
pensamento moderno e do desenvolvimento dos Estados Modernos, que,
em conjunto, teriam minado a posição hegemônica do catolicismo. Contudo,
esse processo não é apenas decorrente desses fatores externos. No próprio
seio da Igreja Católica, emergiram embates acirrados. Este artigo apresenta,
modo sintético, pinçando “os fatos [bíblicos] mais admiráveis, que se ouvem
com maior prazer, para apresentá-los como em pergaminhos, desenrolando-
os e explicando-os lentamente: não convém subtraí-los imediatamente à
vista e sim oferecê-los ao exame e admiração do espírito dos ouvintes”
(AGOSTINHO, 2005, p. 43). Ressalte-se, nessa citação, a necessidade de
um acompanhamento de uma explicação textual com vagar que promova
a reflexão e a admiração dos ouvintes. Paiva sumariza o contexto das
primeiras partes da obra em tela, na qual o foco é o essencial da narrativa
bíblica: a salvação, manifestando o desígnio de Deus, para “fundamentar a
fé, suscitar a esperança e alimentar o amor” (PAIVA, 2005, p. 17), tendo
por base a dimensão prática do cristianismo. Na sua última parte, destaca-
se: a necessidade de partir do homem concreto, a adaptação ao auditório e
explicita-se seis causas do enfado dos catequistas, apontando-se sugestões
para remediar. A abordagem de catequese de Agostinho pode ser considerada
uma catequese iniciática.
Séculos depois, na modernidade, com a proliferação dos textos
catequéticos com a imprensa, “[...] a mensagem, foi transferida para o texto,
para a palavra impressa. Na catequese moderna, o papel do catequista era o
de explicar o livro” (ORLANDO, 2013, p. 164). Os Catecismos organizados,
sob a forma de perguntas e respostas, viriam a ser uma realidade, apenas no
século 16. Isso com a “função de sistematizar a ação catequética pelo ensino,
adequando a metodologia utilizada à idade e às circunstâncias em que será
aplicado” (ORLANDO, 2013, p. 162), o que levou, posteriormente, a um
modelo de catequese escolarizado.
Como se pode observar, nesse rápido panorama, a história da catequese
como tantas outras histórias não é linear. Várias abordagens se alternaram
ou mesmo conviveram, ao longo dos tempos: catequese moral, catequese
iniciática, catequese baseada em textos (catecismo), catequese escolarizada e
assim por diante. No tópico seguinte, iremos nos deter mais especificamente
no século XX, na disputa em torno da ruptura ou da continuidade da
ortodoxia, que se fez mais acirrada no tocante às mudanças decorrentes do
Concílio Vaticano II.
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De um ponto de vista amplo, se nos atermos aos posicionamentos de Fazio (2022)
elaborados sobre o Papa João Paulo II, observaremos que suas interpretações colocam
esse pontífice como um protagonista, sob o signo da modernidade cristã.
Considerações finais
A secularização da Igreja Católica tem se constituído em um desafio
histórico e por muito tempo foi compreendida pela lógica do declínio
(PIERUCCI, 2004). Na nossa primeira abordagem do tema, enfatizamos as
disputas em torno da hermenêutica da continuidade ou da descontinuidade.
Posteriormente, vimos que o conceito de secularização em uma perspectiva
macrossocial não dá conta das singularidades e dos percalços encontrados no
caminho, sendo melhor tratá-la cotejando-a com outros conceitos, como o de
individualização, ou mesmo compreendendo-a como secularidade (TAYLOR,
2007), na qual se entrecruzam crenças, práticas e institucionalizações de
matrizes contrárias à fé cristã, no caso em tela, na Igreja Católica.
Seguindo Smith (2018), as “liturgias seculares” estão no seio da
cristandade, compreendendo-as como investimentos mentais, mobilização de
afetos e metas direcionadas para determinadas causas, que atingem de fundo
o coração. As cosmovisões da modernidade se instalaram nos modos de ser
e agir dos cristãos, muitas vezes de modo imperceptível.
Ao nos ater aos Diretórios para a Catequese, em um arco de cinquenta
anos, podemos perceber que algumas noções como o multiculturalismo e o
relativismo ainda são desafios para a Igreja Católica que se pretende aberta
na promoção do diálogo, mas que não consegue, nessa tarefa, equacionar
a perda crescente de sua membresia. O que podemos observar ainda é a
tentativa dupla de reler os contextos desafiadores e de reverter a perda da
identidade católica, pela via do reconhecimento da necessidade de mudanças,
na linha do Vaticano II, aproximando-se dos fiéis, fazendo-se mais inteligível
nas práticas educativas.
Referências
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