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FABRÍCIO DA SILVA EVARISTO

A SOBREVIVÊNCIA DA MÚSICA CAIPIRA NA


PROGRAMAÇÃO EM RÁDIOS DE LONDRINA

Londrina
2014
FABRÍCIO DA SILVA EVARISTO

A SOBREVIVÊNCIA DA MÚSICA CAIPIRA NA


PROGRAMAÇÃO EM RÁDIOS DE LONDRINA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Departamento de
Comunicação da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito à obtenção do título
de Bacharel em Comunicação Social, com
habilidade em Jornalismo.

Orientador: Prof. Me. Emerson dos Santos


Dias

Londrina
2014
FABRÍCIO DA SILVA EVARISTO

A SOBREVIVÊNCIA DA MÚSICA CAIPIRA NA


PROGRAMAÇÃO EM RÁDIOS DE LONDRINA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Departamento de
Comunicação da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito à obtenção do título
de Bacharel em Comunicação Social, com
habilidade em Jornalismo.

Orientador: Prof. Me. Emerson dos Santos


Dias

BANCA EXAMINADORA

____________________________________
Orientador: Prof. Me. Emerson dos Santos Dias
Universidade Estadual de Londrina - UEL

____________________________________
Prof. Dr. Osmani Ferreira da Costa
Universidade Estadual de Londrina - UEL

____________________________________
Prof. Dr. Manoel Dourado Bastos
Universidade Estadual de Londrina - UEL

Londrina, _____de ___________de _____.


Dedico este trabalho a todos aqueles que,
independente da forma, preservam o legado da
cultura caipira deixado pelo homem do campo,
num momento em que a cultura de massa está
cada vez mais predominante na sociedade.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente a Deus, pelas graças que tem me dado


durante todo o processo desse trabalho.
Ao meu primo Gustavo Henrique Oliveira de Paula por ser insistente
comigo para que eu pudesse ingressar numa universidade pública e de qualidade.
À minha família, pela assistência, pela força, sobretudo, pelo amor
que tenho recebido deles nesses quatro anos de Jornalismo, sobretudo à minha
mãe, que tanto batalhou para que eu pudesse concluir esse curso.
Ao meu orientador não só pela constante orientação neste trabalho,
mas sobretudo pela sua amizade e paciência.
Aos trastes dos meus amigos Angélica Miquelin, Fiama Heloisa e
Wellington Victor, que unimos nossas forças para concluirmos os nossos respectivos
Trabalhos De Conclusão de Curso, e que me aturaram nesses quatro anos.
Aos professores do Colégio Dr. Rebouças, de Rio Bom, Paraná,
minha cidade natal, que me incentivaram e me deram forças para alcançar o objetivo
de ingressar numa universidade pública de qualidade.
Gostaria de agradecer também ao José de Arimatheia Cordeiro
Custódio e ao meu primo Felipe Evaristo, pelas importantes contribuições para com
o este trabalho.
Agradeço também aos entrevistados (Cléber Tóffoli, Luiz Carlos
Varize (Havaí), Éverson Moraes e ao José Rico), que não mediram esforços em
atender um estudante, em fornecer seus materiais para que essa pesquisa fosse
concluída.
“Música é cultura! Se você pode falar de
coisas boas, que sirvam de exemplo, que
contem histórias, siga em frente. Agora,
se for pra falar absurdos... é melhor ficar
quieto e não falar nada!”

(José Rico)
EVARISTO, Fabrício da Silva. A sobrevivência da música caipira na
programação em rádios de Londrina. 2014.114 fls. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação em Comunicação Social, com habilidade em Jornalismo) –
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2014.

RESUMO

Este trabalho procura entender a intensa redução dos programas específicos de


música caipira nas rádios de Londrina com a chegada do século XXI, ao mesmo
tempo em que a cidade ainda registra uma pequena programação consolidada e
mantida por estudiosos e apreciadores deste estilo musical. Houve a preocupação
de saber e entender a vida do sujeito histórico denominado caipira, aquele que deu
início ao comportamento que se tornou tradição e folclore brasileiros, para assim
compreender aquilo que suscitou na cultura popular atual: do “sertanejo raiz” ao
“sertanejo universitário”. Especificamente sobre Londrina, esta pesquisa buscou
compreender as condições históricas que transformaram a cidade – que em 2014
completa 80 anos – em um dos principais polos de música sertaneja deste século.
Para isso, foram utilizadas metodologias envolvendo investigação e entrevista
jornalística, assim como pesquisa bibliográfica e análise de documentos.

Palavras-chave: Comunicação. Cultura popular. Música caipira. Rádio em Londrina.


EVARISTO, Fabrício da Silva. The survival of caipira music programming in
Londrina radios stations. 2014. 114 fls. Graduation Project (Bachelor of Arts in
Social Communication, with emphasis on Journalism) – State University of Londrina
(UEL), Londrina, 2014.

ABSTRACT

The execution of this project seeks to understand the intense decrease in number of
caipira music shows in Londrina based radio stations brought by the arrival of the
21st century, albeit the city still keeps a modest well established caipira music
programming supported by scholars and followers of this musical style. There was
the concern to identify and understand the life of the historical figure known as
"caipira", the one who started with the trends that later consolidated into Brazilian
tradition and folklore, with the objective of better comprehending the source of current
popular music culture branches: from sertanejo raiz music to sertanejo universitário
music. Specifically on Londrina, the execution of this research work aimed at
understanding the historical conditions that transformed this city - that in 2014 turns
80 years old - in one of the main sertaneja music centers of this century. To this
extent, methods of journalistic investigation and interview were used, as much as
bibliographic research and document analysis.

Keywords: Communication. Popular Culture. Caipira Music. Londrina Radio


Stations.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – primeiro “Voz e Viola”, apresentado na Rádio Universidade FM, no dia 11


de agosto de 1991 (parte I) ...................................................................................... 77
Figura 2 – primeiro “Voz e Viola”, apresentado na Rádio Universidade FM, no dia 11
de agosto de 1991 (parte II) ..................................................................................... 78
Figura 3 – primeiro “Voz e Viola”, apresentado na Rádio Universidade FM, no dia 11
de agosto de 1991 (parte III) .................................................................................... 80
Figura 4 – primeiro “Voz e Viola”, apresentado na Rádio Universidade FM, no dia 11
de agosto de 1991 (parte IV) .................................................................................... 81
Figura 5 – exemplar de uma edição semanal do “Voz e Viola” de 1994. ................ 83
Figura 6 – exemplar de um programa dominical (parte I). ....................................... 86
Figura 7 – exemplar de um programa dominical (parte II) ....................................... 87
Figura 8 – exemplar de um programa dominical (parte III) ...................................... 88
Figura 9 – exemplar de um programa dominical (parte IV) ..................................... 89
Figura 10 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical
apresentado no dia 6 de dezembro de 1998 na Rádio Universidade FM (parte I)....
................................................................................................................................. 90
Figura 11 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical
apresentado no dia 6 de dezembro de 1998 na Rádio Universidade FM (parte II)...
................................................................................................................................. 91
Figura 12 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical
apresentado no dia 6 de dezembro de 1998 na Rádio Universidade FM (parte III)..
................................................................................................................................. 92
Figura 13 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical
apresentado no dia 6 de dezembro de 1998 na Rádio Universidade FM (parte IV)...
................................................................................................................................. 93
Figura 14 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa diário
apresentado no dia 16 de agosto de 2001 na Rádio Universidade FM .................... 94
Figura 15 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical
apresentado no dia 31 de agosto de 2014 na Rádio Igapó FM (I) ........................... 97
Figura 16 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical
apresentado no dia 31 de agosto de 2014 na Rádio Igapó FM (II) .......................... 98
Figura 17 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical
apresentado no dia 31 de agosto de 2014 na Rádio Igapó FM (III)...........................99
Figura 18 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical
apresentado no dia 31 de agosto de 2014 na Rádio Igapó FM (IV)........................100
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Programas existentes até a década de 1990 ....................................... 71


Quadro 2 – Programas existentes após a década de 1990 ..................................... 74
Quadro 3 – Programas existentes na atualidade..................................................... 75
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 12

2 A FORMAÇÃO DO CAIPIRA: O ENCONTRO DE PORTUGUESES COM


INDÍGENAS .............................................................................................. 16
2.1 CULTURA POPULAR OU FOLCLORE CAIPIRESCO? ........................................... 22
2.2 VIOLA E VIOLÃO: A AUTÊNTICA MÚSICA SERTANEJA DE RAIZ........................... 25
2.3 PRECURSORES E PIONEIROS: DO CIRCO À VAQUEJADA .................................. 26

3 METODOLOGIA ....................................................................................... 30

4 A CONSTRUÇÃO DO CAIPIRA NAS MÍDIAS ......................................... 35


4.1 ENTRE O RÁDIO E O CINEMA ......................................................................... 37
4.2 O CAIPIRA ENTRE OS QUADRINHOS .............................................................. 44
4.3 MERCADO FONOGRÁFICO: UM INVESTIMENTO NA ARTE .................................. 45
4.4 A CONSOLIDAÇÃO DA MÚSICA NO RÁDIO ...................................................... 47

5 A MÚSICA SERTANEJA: DO ROMANTISMO AO UNIVERSITÁRIO ..... 50


5.1 PRIMEIRO MOMENTO: INFLUÊNCIAS DA MÚSICA LATINA E DO BANG-BANG DO
CINEMA WESTERN ....................................................................................... 51
5.2 SEGUNDO MOMENTO: AS SAUDADES DA TERRA E A RECUSA DO “SER
CAIPIRA”.........................................................................................................56
5.3 A VISÃO DA CASA GRANDE E O ROMANTISMO PARNASIANO ............................ 59
5.4 QUARTO MOMENTO: DAS GRANDES EXPOSIÇÕES RURAIS À LINGUAGEM
UNIVERSITÁRIA ............................................................................................ 61

6 A MÚSICA SERTANEJA DE RAIZ EM RÁDIO DE LONDRINA .............. 67


6.1 DA RÁDIO LONDRINA À RÁDIO UNIVERSIDADE ................................................ 67
6.2 A MÚSICA CAIPIRA NA PRODUÇÃO RADIOFÔNICA EM LONDRINA...................... 69
6.2.1 Rádio Universidade FM: A Mãe do “Voz e Viola” ...................................... 75
6.2.2 Rádio Igapó FM: O Caipira Sobrevive ....................................................... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 102

REFERÊNCIAS......................................................................................... 105

ANEXOS ................................................................................................... 110

ANEXO A – Entrevista com Cléber Tóffoli ................................................ 111

ANEXO B – Entrevista com Havaí ............................................................ 120

ANEXO C – Entrevista com José Rico ...................................................... 127

ANEXO D – Lista de duplas sertanejas de Londrina e região (atualizada em


2014) ......................................................................................................... 134
12

1 INTRODUÇÃO

Aquilo que se denominava música caipira sofreu grande impacto no


Brasil, na segunda metade do século XX, ocasionado pela Indústria Cultural na
esfera musical. Nesse período, verifica-se a influência de fatores importantes como a
cultura de massa, a industrialização e o êxodo rural, que contribuíram para que a
música caipira perdesse o seu tom original e ganhasse outros nomes e contornos.

O processo de industrialização possibilitou que o estilo musical, aos


poucos, desse lugar à música sertaneja – resultado da transformação da música
caipira –, considerada por muitos críticos uma distorção artística e folclórica do
caipirês, na qual a música que retratava a vida do sitiante fora transformada em
produto a ser consumido pela sociedade de massa.

O êxodo rural também foi corresponsável por tal processo. O homem


do campo foi forçado a migrar da roça para a zona urbana para garantir a sua
subsistência, oferecendo a sua mão-de-obra em benefício do progresso e da
expansão dos grandes centros urbanos. Tudo isso colaborou com a desvinculação
do “sujeito caipira” com a sua cultura, e, consequentemente, com a sua música.

É possível identificar características específicas neste segmento


musical. O amor, a melancolia, a exaltação da natureza e a sátira, por exemplo,
formam as temáticas abordadas por artistas como Jararaca e Ratinho, Tonico e
Tinoco e Tião Carreiro e Pardinho. Condições diferentes das referências sertanejas
urbanas (não confundir com canções sertanejas do nordeste brasileiro, alusivas ao
agreste e à caatinga, situação abordada a seguir), que apelou para temas como
traição, a dor do amor, a boemia, a festa de peão, até chegar às festas universitárias
de repúblicas de onde emergiu o sertanejo universitário.

Tais artistas citados acima, considerados caipiras pelos críticos


musicais por retratarem de fato o caipirês, hoje são reconhecidos como artistas
sertanejos pelos ouvintes leigos. Essa hibridização que se deu entre os termos
caipira e sertanejo é sufixa à chegada de Luís Gonzaga ao sudeste brasileiro. Foi
ele quem apresentou ao sudeste o homem do sertão nordestino, o sertanejo, a
música característica dele e daquela região.
13

Segundo o dicionário Michaelis, o sertanejo é aquele que habita o


sertão. No mesmo dicionário, a palavra sertão significa zona do interior brasileiro,
mais seca do que a caatinga (nordeste). Sob outra visão, para Antônio Cândido, em
sua obra “Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a
transformação dos seus meios de vida” (1987), o caipira1 seria a fusão do índio com
o colono português.

Dessa “fusão” cultural nasceram grandes músicos, como Pedro


Bento e Zé da Estrada, Milionário e José Rico e Léo Canhoto e Robertinho. Esses
últimos, encantados e inspirados pelos ritmos latinos e pelos bang-bangs norte-
americanos, inauguraram a música sertaneja inserindo guitarras e contrabaixos
elétricos, baterias, instrumentos de sopro e de metais. Neste momento importante
em que a música sertaneja passava, houve quem rebatesse essa ideologia pregada
pelo estilo musical. Para o pesquisador do gênero musical Waldenyr Caldas (1979,
p. 85), “a música sertaneja possui um discurso essencialmente profano e
particularizante, com experiências amorosas, individuais ou de um cotidiano próprio.
Sua função é meramente utilitária e comercial para com o seu público.”

Grande influência do Country americano, com suas menções a


rodeios e à paixão, a música sertaneja dava o seu primeiro passo para o sucesso,
consagrando duplas, como Chitãozinho e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano e
Leandro e Leonardo. O próprio Zezé di Camargo, em entrevista à Folha de S. Paulo
(28/08/98), definiu o estilo musical que emergia naquela época como pop romântico,
ao invés de sertanejo. A partir dos anos 2.000, surge outra vertente do sertanejo,
denominado universitário, com Guilherme e Santiago, Edson e Hudson, João Bosco
e Vinícius. Entre os fenômenos mais recentes a esta pesquisa estão Maria Cecília e
Rodolfo (que reintroduziram no cenário musical popular as duplas formadas por um
homem e uma mulher), e Luan Santana, o primeiro fenômeno contemporâneo a se
apresentar como cantor solo neste estilo musical.

Dentro de tais condições, este Trabalho de Conclusão de Curso


(TCC) propõe investigar esta transição entre o caipira e o country, mas

1
Vale destacar que o termo caipira vem do dialeto nheengatu, desenvolvido pelos jesuítas, na qual
caa significa mato, e pir, aquele que corta. Assim, caipira significa “aquele que corta o mato”.
(OLIVEIRA, p. 6).
14

principalmente foca na música chamada “de raiz” para avaliar a influência desta
mudança sobre a programação das emissoras de rádio londrinenses. A hipótese
deste trabalho é que o espaço da música caipira foi drasticamente reduzido no dial
ao longo das últimas seis décadas em Londrina. Tanto em horas de programação
quanto nas mudanças de horário considerado “nobre” pelas emissoras (início da
manhã e final da tarde).

Para isso, o autor do projeto levantou o número de rádios em


funcionamento na cidade, apurou detalhes das programações musicais e comparou
tanto umas com as outras quanto o perfil atual com perfis históricos, a partir de
pesquisas publicadas em livros que tratam especificamente do rádio na cidade,
como Francisca Pinheiro (2001).

A escolha por Londrina como campo delimitado da pesquisa vai


além do fato deste acadêmico ser morador e acadêmico da UEL: a cidade é tida
efetivamente como um importante polo gerador de músicos e compositores
sertanejos. Os líderes de vendagem de disco (Luan Santana) e de faturamento com
direitos autorais (Fernando e Sorocaba) dos últimos quatro anos têm endereços
domiciliares em Londrina.

Outro pressuposto é que a música caipira e a cidade de Londrina


(ainda) flertam-se muito bem, devido ao passado agropecuário riquíssimo (já
recebeu o título de “capital mundial do café”) em paralelo ao intenso fluxo migratório
de trabalhadores rurais no auge da música caipira (aos 80 anos, o município atingiu
a marca dos 543 mil habitantes, segundo IBGE2).

Este pesquisador pretende identificar o(s) elemento(s) que


contribuiu(ram) para que a música caipira deixasse de ter destaque importante para
as rádios de Londrina, a ponto de registrar uma redução drástica na programação
específica para o segmento. Estilo musical que, segundo os autores referenciais
deste trabalho, são de vital importância para a memória da cultura brasileira.
2
“Dados divulgados [em 28 de agosto de 2014] pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) mostram que a cidade possui 543.033 habitantes. A estimativa populacional tem como data
referência 1º de julho deste ano. A cidade ganhou 5.467 habitantes com relação ao levantamento
feito em 2013, quando possuía 537.566 moradores.” Informações do Bonde, um dos principais portais
de notícias da cidade de Londrina. Disponível em: <www.bonde.com.br/?id_bonde=1-3--1069-
20140828> . Acesso em: 10 out. 2014.
15

Para atingir tal objetivo, esta pesquisa foi dividida em seis grandes
blocos que, por sua vez, são novamente divididos em tópicos para melhores
esclarecimentos das abordagens. Após esta introdução, o acadêmico-pesquisador
optou por apresentar as condições históricas e sociais do surgimento, da
consolidação e da drástica redução do sujeito histórico chamado de caipira.

No momento seguinte, trataremos dos métodos e técnicas usados


para a coleta de informações e dados antes de chegar à apuração e análise do
material. A metodologia utilizada neste TCC compreende pesquisa e levantamento
bibliográficos, análise documental e técnicas de apuração e entrevista jornalísticas.

Na quinta parte desta monografia, temos a abordagem histórica do


cenário radiofônico londrinense em conjunto com as programações pesquisadas,
analisadas e comparadas envolvendo a música caipira e sua participação no
portfólio das emissoras.

Por fim, serão apresentadas as análises e também as considerações


finais, seguidas de bibliografia e anexos com documentos levantados pelo autor da
pesquisa.
16

2 A FORMAÇÃO DO CAIPIRA: O ENCONTRO DE PORTUGUESES COM


INDÍGENAS

As origens da sociedade caipira advêm daqueles homens que abandonam


as expedições exploradoras e se fixam no território do interior. Suas
caraterísticas dependem da abundância de terras, da mobilidade constante
e do caráter aventureiro do mameluco. São esses os traços que marcam
sua particular adaptação ao meio ambiente, já que a ocupação do território
é transitória e não inclui a propriedade. Sendo o povoamento disperso, é o
“bairro” a unidade mínima da sociabilidade caipira; algo entre o povoamento
urbano e o isolamento (OLIVEIRA, 2003, p. 238).

Já nos primeiros anos de colonização, o perfil do caipira começa a


ser moldado a partir da relação entre os próprios portugueses com a realidade local.
É importante lembrar que os exploradores que chegam ao Brasil são profissionais da
navegação, mas os grupos que efetivamente ficam para iniciar a colonização são
compostos de líderes indicados pela coroa, comerciantes e uma imensa maioria de
iletrados dispostos a oferecer o trabalho braçal em troca de terra em um momento
onde a economia mundial era fortemente baseada no mercantilismo.

Quando o colonizador chega a terras brasileiras, ávido por fazer fortunas,


constata que nada havia de interessante em se tratando de mercadorias
para explorar e comercializar. Nesse período, a Europa encontrava-se na
fase mercantilista, com olhos voltados para a criação de riqueza por meio de
produção e comercialização de mercadorias, bem diferente do que ocorria
aqui nos trópicos (ANDRADE, 2012, p. 22).

O território, conforme Sodré (2003, p. 11), era ocupado por diversos


povos indígenas vivendo em sistema de comunidade tribal, à base de subsistência e
sem atrativos em termos de exploração comercial. A Carta de Pero Vaz de Caminha
reforça: “a feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e
bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem cobertura nenhuma. Nem estimam de
cobrir nem de mostrar suas vergonhas; e nisso, têm tanta inocência como em
mostrar o rosto”3.

3
A carta de Caminha original está disponível na íntegra no site da Biblioteca Nacional: www.bn.br .
Acesso em: 18 abril 2014.
17

As dificuldades de comunicação e de absorção dos costumes


indígenas fazem com que as relações sociais iniciais para a constituição de
pequenos vilarejos se iniciem entre os próprios desterrados. Expõem-se aqui as
primeiras condições sociais e geográficas (imigrantes sem formação em uma terra
tropical e agressiva, distantes das raízes culturais da Península Ibérica) que
reforçam a origem do sertanejo bruto, engajado e intimamente ligado à terra.

A brutalidade do homem nativo permitiu que se criassem técnicas de


resistências contra a invasão da colônia portuguesa, a fim de fortalecer o seu laço
com a natureza e manter o seu estilo de vida – baseado na exploração dos recursos
naturais e uma dieta compatível com o mínimo vital – pois é uma cultura que não foi
feita para o progresso. Tal equilíbrio entre o grupo e o meio, característica cultural do
nativo, “é um dos fatores que ajudam a admitir ou a rejeitar a intrusão de hábitos,
condutas, técnicas e instituições estranhos à sua herança de cultura” (CÂNDIDO,
1975, p. 36).

Diferente do que ocorria em outros continentes, como no Oriente e parte da


África, em que algumas áreas já se encontravam colonizadas e inseridas no
sistema de comércio, no Brasil, a saída foi transplantar uma cultura baseada
na relação entre senhores e escravos e na exploração do trabalho. Um
modelo implantado pelo colonizador para obter resultados rápidos
(ANDRADE, 2012, p. 24).

No entanto, com os passar das primeiras décadas, há uma efetiva


aproximação entre colonizadores e tribos. Os portugueses imigrantes se adaptam ao
tropicalismo, seja por meio do embrutecimento ou da aceitação das condições
vigentes. Por outro lado, uma pequena parte dos índios – seja por iniciativa, sedução
ou pressão para que haja uma “proximidade” com os brancos – começa a se
“europeizar” ou “destribalizar-se” em um processo de cultura transplantada. “A
transplantação da cultura teve como objetivo queimar etapas entre a “sociedade
primitiva” que aqui existia e o mercantilismo, não importando a destruição das
comunidades indígenas, sua forma de vida, cultura e valores” (SODRÉ, 2003, apud
ANDRADE, 2012, p. 24).
18

A heterogeneidade étnica entre os habitantes que compunham o


novo território – os indígenas e os europeus – deu origem ao caipira. Para o
jornalista e precursor da cultura caipira na mídia, Cornélio Pires (1929),

o caipira seria o aldeão; neste caso encontramos o tupi-guarani


‘capiâbiguâra’. Caipirismo é acanhamento, gesto de ocultar o rosto: neste
caso temos a raiz ‘caí’ que quer dizer: ‘gesto de macaco ocultando o rosto’.
‘Capipiara’, que quer dizer o que é do mato. Capiã, de dentro do mato: faz
lembrar o ‘capiau’ mineiro. ‘Caapi’ — trabalhar na terra, lavrar a terra —
‘caapiára’ lavrador. E o caipira é sempre lavrador. Creio ser este último caso
o mais aceitável, pois ‘caipira’ quer dizer ‘roceiro’ isto é lavrador (PIRES
apud ANDRADE, 2012, p. 35).

Apesar da persistência e resistência à transformação das relações


sociais que o caipira preservou até meados do século XVIII, a sociedade enfrentou
um processo de reorganização estrutural de sua cultura, ampliando crises nas
formas de sobrevivência. A partir do momento em que o serviço braçal dava lugar às
forças motoras dos maquinários, o modus vivendi do caipira paulista sofria uma
transformação de seus costumes, na qual experimentava uma nova economia de
subsistência a partir da expansão do capitalismo: o comércio. Mesmo sem ter se
consolidado nesse momento, eram visíveis as consequências oriundas de tal
economia. Um processo que repercute fundo em toda a organização da vida social,
com rupturas de equilíbrio nos planos ecológico, econômico, cultural, social e
psíquico (CÂNDIDO, 1975, p. 164).

Nesse período, começaram a surgir os grandes centros urbanos e


traziam com eles a mão-de-obra provinda do campo. Sem muitas alternativas e com
a desvalorização da agricultura familiar, o homem nativo foi forçado a migrar da roça
para a cidade, considerado o espaço para o progresso da sociedade. Inserido nesse
novo modelo econômico, o homem rural estava sujeito a uma extensa carga horária
de trabalho para garantir uma produção em larga escala, tendo em vista que a
ideologia comercial é baseada na ideia de consumo: produzir mais para se vender
mais.

Configuravam-se neste momento indivíduos distintos com três


modalidades: 1) aquele que se ateve às tradições; 2) aquele que tentava se ajustar
19

ao processo de urbanização; 3) e aquele que é totalmente incapaz de ajustar-se a


este. Os indivíduos tradicionais,

trabalhadores aplicados, são contudo muito piedosos (...) praticando a vida


religiosa com o fervor dos velhos tempos. Observam rigorosamente
domingos e dias santificados, estes de acordo com a definição tradicional,
que abrange um elenco maior que atualmente prescrito pela Igreja
(CÂNDIDO, 1975, p. 170).

Reforçando Cândido, este apego à tradição os faz perder um tempo


precioso, que redunda em prejuízo, dadas as circunstâncias atuais. Não lhes vale a
decisão com que trabalham, nos dias em que o fazem: vivem constantemente
apertados. No segundo caso, ainda alicerçado na descrição do autor, o indivíduo
que procura se adaptar às condições modernas de sobrevivência

(...) trabalha rijo com o auxílio dos seus e possui a melhor situação entre os
parceiros, podendo, além do plantio para subsistência, dedicar-se a culturas
lucrativas: amendoim, algodão, mais tarde formação de cafeeiros
(CÂNDIDO, 1975, P. 170).

O homem rural, incapaz de se ajustar às novas exigências do novo


sistema, na qual foi inserido, sacrifica parte da colheita para vender, troca-a na
feiram - entre outras atividades – e, mesmo assim, vivem na completa miséria.

A situação se afirma sem alternativas para o parceiro caipira. Ou renuncia


ao estilo tradicionalista de vida e se absorve de todo nas tarefas
econômicas, seja como indivíduo, seja como família, para poder deste modo
manter um equilíbrio ecológico mínimo e preparar a integração em um novo
sistema social, aberto e amplo; ou deverá renunciar ao mínimo de
autonomia que a situação de parceria lhe assegura, passando ao salariado
rural e urbano, se não à fome, pura e simples (CÂNDIDO, 1975, p. 171).

A partir daqui, construía-se a peculiaridade da população urbana. O


trabalho em tempo integral teve como consequência a individualização do homem
oriundo do campo – agora nos grandes centros –, em contraposição à união que
predominava entres os indivíduos da mesma família, destes com os vizinhos,
através da cultura do lazer comunitário – com modas de viola, festejos religiosos,
etc. – e das permutas, de alimentos, por exemplo.
20

Com o processo de urbanização e do êxodo rural dos povos da


região litorânea, bem como os sertanejos do nordeste à cidade de São Paulo, em
busca de melhores condições de vida, o caipira fora visto sob vários ângulos. Em
outras palavras, o significado da origem do termo caipira foi alvo de uma série de
denominações. A definição do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz Câmara
Cascudo, por exemplo, enfatiza a não participação do caipira no centro urbano. Para
o autor, “o homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem instrução ou
trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público. Habitante do
interior, tímido e desajeitado” (CASCUDO 1998, apud BRANDÃO, 1983, p. 10).

Segundo Robert W. Shirley (1970 apud MONTEIRO et al, 1998),


essa é uma visão “urbanocentrista”, na qual demonstra que existe uma visão
estereotipada por parte daqueles que nascem na cidade. Traços do conceito
“urbanocêntrico” também são encontrados no dicionário Michaelis, que classifica o
caipira como pessoa da roça ou do mato; caboclo, canguaí, capiau, capurreiro, jeca,
mambira, matuto, roceiro, sertanejo, tabaréu, indivíduo tímido e acanhado.

Muito do preconceito que hoje existe em relação a ligações com a


palavra caipira é visto nas primeiras obras que retratavam o povo brasileiro, mais
especificamente o paulista. Autores como Saint-Hilaire – em “Viagem à Província de
São Paulo” – e Monteiro Lobato – em “Urupês”, criaram a ideia de que o caipira era
um ser “à margem”, como escreve Carlos Rodrigues Brandão em “Os caipiras de
São Paulo” (MONTEIRO et al, 1998, p. 19).

Segundo Saint-Hilaire (1938), também citado por Monteiro (1998, p.


19), “os caipiras são homens embrutecidos pela ignorância, pela preguiça, pela falta
de convivência com seus semelhantes e, talvez, por excessos venéreos primários,
não pensam: vegetam como árvores, como as ervas do campo.”

Em 1914, Monteiro Lobato publica o artigo “Urupês” no jornal O Estado de


S. Paulo (OESP). No artigo, Lobato criou um personagem, seu nome “Jeca-
Tatu”. O Jeca se tornou quase imediatamente em um dos personagens mais
famosos de nossa literatura, transformando-se em sinônimo do homem rural
tanto que, uma empresa farmacêutica difundiu, nas décadas de 1910 e
1920, um tônico (Biotônico Fontoura) através do folheto Jecatatuzinho
(SKDIMORE, 1976, apud FERREIRA, 2008, p. 1).
21

Para Ferreira (2002, apud FERREIRA, 2008, p. 287), “o Jeca


também virou sinônimo de caipira. Mas, quem eram os caipiras?”. O próprio autor
afirma que as principais características seriam os posseiros ou os pequenos
sitiantes, “o agregado das fazendas, o homem livre pobre, o habitante das
cidadezinhas.” Todos caracterizados como falantes de uma linguagem que, em tese,
misturava expressões indígenas (tupi, preferencialmente) com o português. Em seu
livro “Urupês”, Lobato defendia que o

[...] “Jeca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome de carne


onde se resumem todas as características da espécie” e seu caráter cujo
“grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor
esforço – e nisto vai longe” (LOBATO, 2012, p. 12,14).

O caipira idealizado por Monteiro Lobato é o retrato do seu


inconformismo com esse grupo social, que insistia em resistir à efervescente cultura
europeia moderna. Assim, o Jeca desconstruía a imagem do “homem natural”
idealizado por Rosseau, aquela alegoria filosófica a partir de relatos de Américo
Vespúcio em Mundus Novus, após a sua viagem de reconhecimento ao litoral
brasileiro (CASTRO, 2010, p. 29).
Analisando a infinidade de significados atribuídos ao caipira,
considerar-se-á neste trabalho a mesma denotação dada por Cornélio Pires, por
acreditar que “lavrador” é o que o caipira era realmente, refletido na sua resistência à
implantação de uma cultura – que não fazia parte do seu bem-estar nem da sua
comunidade – e na cultura do plantio, como meio de subsistência.
Postas tais considerações sobre o caipira, esta pesquisa segue
agora para a segunda parte da construção do termo: a busca pela construção e a
conceituação da música efetivamente caipira. Para tentar entender tal condição, é
necessário tratar das questões folclóricas que envolvem a música e o
comportamento dos moradores do interior brasileiro, nos séculos XIX e XX.
22

2.1 CULTURA POPULAR OU FOLCLORE CAIPIRESCO?

Entende-se por cultura popular toda expressão cultural peculiar e


espontânea de um povo, transmitida de geração em geração, seja pela tradição ou
pela literatura oral. As tradições construídas no Brasil colônia são frutos de uma
cultura miscigenada entre os costumes advindos da península ibérica e indígenas,
que perduraram até meados do século XIX, período em que a Revolução Industrial
estava se consolidando.

Como afirma Cândido (1987, apud OLIVEIRA, 2008, p. 3), “o caipira,


do ancestral português herdou a língua, a religião e a maioria dos costumes e
crenças; do ancestral índio herdou a familiaridade com o mato, o faro na caça, a arte
das ervas, o ritmo do bate-pé (catira) e a caudalosa eloquência do cururu”.

Mas nem sempre foi assim. A folclorista Cascia Frade4 afirma que,
“segundo os historiadores do período medieval, o que existia antes era a cultura da
maioria, transmitida informalmente nos mercados, nas praças, nas feiras e nas
igrejas, aberta, portanto a todos. Monteiro et al nos explica que:

(...) cultura oficial ou erudita compreenderia tudo o que é aprendido nas


escolas, nos templos das grandes religiões, nas universidades, etc. Sua
forma de difusão predileta é a escrita, o formalismo; é possuidora de certa
sacralidade. É a cultura hegemônica, que corresponde à cosmovisão das
classes dominantes de cada região. Os produtos da cultura erudita, ou
superior, como classifica Teixeira Coelho, em seu livro “O que é indústria
cultural”, são todos aqueles canonizados pela crítica erudita, como as
pinturas do Renascimento, as composições de Beethoven, os romances
“difíceis” de Proust e Joyce, a arquitetura de Frank Loyd Wright e todos os
seus congêneres. No que diz respeito à cultura popular surge, a partir da
Revolução industrial, esta nova divisão apresentada no esquema: cultura
folclórica (de aspectos rústicos) e cultura de massa (ou popularesca)
(MONTEIRO et al, 1998, p.9).

4
Disponível em: <http://www.unicamp.br/folclore/Material/extra_aspectos.pdf (s/data)>. Acesso em:
25 abril 2014.
23

Nesse período, ainda não estava bem definida a fronteira entre


cultura popular e cultura de elite, considerando a participação da nobreza nas
crenças religiosas, nas superstições e nos jogos realizados pela comunidade
subalterna.

Outro problema enfrentado pelos historiadores é diferenciar cultura


popular e folclore. Não são poucas as pessoas que acreditam que ambos possam
ter o mesmo significado, na qual pertencem à mesma realidade, considerando que
folclore estava para o “conservadorismo”, assim como a cultura popular estava para
o progressismo, ou seja, havia uma grande resistência das “tradições populares” à
introdução de uma palavra estrangeira como o folk-lore. Para muitos historiadores a
cultura popular era o próprio folclore, definido como a sabedoria de um povo,
transmitidas de geração a geração. Para outros é apenas uma pequena parcela das
tradições populares. Outros ainda acreditam que seja um mito, preferindo denominá-
lo de cultura popular. Vivian Catennacci explica que:

o termo folklore – folk (povo), lore (saber) – foi criado pelo arqueólogo inglês
Willian John Thoms em 22 de agosto de 1846 e adotado com poucas
adaptações por grande parte das línguas europeias, chegando ao Brasil
com a grafia pouco alterada: folclore. O termo identificava o saber
tradicional preservado pela transmissão oral entre os camponeses e
substituía outros que eram utilizados com o mesmo objetivo – “antiguidades
populares”, “literatura popular” (VILHENA,1997 apud CATENACCI, 2001, p.
28).

Contudo, a ideia de identificar nas tradições populares uma


sabedoria não era nova quando a palavra folclore foi criada (CATENACCI, 2001,
p.28).

Antes da criação do termo folk-lore, os países latinos já possuíam as


expressões “tradições populares”, “literatura popular”, “saber popular”, com
objetos aproximados dos do folk-lore inglês [...]. Por isso reagiram durante
5
muito tempo à aceitação do termo proposto pelo arqueólogo britânico
(RAMOS, 1951, apud FIGUEIREDO, 2012, p. 65).

5
William John Thoms, o primeiro a usar a palavra folk-lore, publicada no jornal The Athenaeum.
24

Para Rafael Corso, citado em Inami Custódio Pinto, o folclore é um


estudo da vida popular, mas dentro da vida civilizada.

Não há material folclórico em povo onde não se pode distinguir duas


culturas – a da classe instruída e a da classe popular ou analfabeta. Assim,
o folclore é a ciência da cultura tradicional nos meios populares dos países
civilizados. Dentro do campo da sociologia, o folclore constitui o estudo da
cultura material e intelectual das classes populares nos países civilizados
(PINTO, 2005, p. 16).

Câmara Cascudo (2006) diz que folclore é a mentalidade popular, e


a literatura oral é a sua expressão. Ele aponta como características básicas: a
antiguidade, a persistência, anonimato e oralidade. Para ele, “a produção folclórica é
totalmente popular, mas nem toda produção popular é folclórica. Suponhamos uma
canção popular, que está em evidência na mídia, pode ser considerada parte da
cultura popular, mas não pode ser considerada folclore.”

Apesar de várias definições sobre folclore, neste trabalho iremos


considerar aquela proposta por Arthur Ramos (1958, p. 26), na qual “Folk-lore é uma
divisão da Antropologia cultural que estuda aqueles aspectos da cultura de qualquer
povo, que dizem respeito à literatura tradicional: mitos, contos, fábulas, adivinhas,
música e poesia, provérbios, sabedoria tradicional e anônima”, tendo em vista que
Antropologia é a ciência que estuda, não somente o homem natural, mas também o
cultural.

Expostas essas definições e posturas do autor deste trabalho, esta


pesquisa vai mostrar, a partir daqui o contexto histórico em que a música caipira foi
se desenvolvendo até o momento da sua consolidação, em 1929, com a ousadia de
Cornélio Pires em divulgar os costumes caipiras a nível nacional.
25

2.2. VIOLA E VIOLÃO: A AUTÊNTICA MÚSICA SERTANEJA DE RAIZ

A mistura do som da viola com os ritmos trazidos pelos


colonizadores, como as toadas, cantigas, viras, valsinhas e modinhas, somados aos
cantos religiosos e indígenas, gerou uma música típica do interior de São Paulo, que
com o tempo se espalhou para outras regiões do país. Já no final do século XIX,
essa sonoridade era associada às pessoas do interior e conhecida como “música
caipira” (ANTUNES, 2012, p. 15).

A vinda dos portugueses ao território, o qual eles denominaram novo


mundo, interferiu na cultura do povo primitivo que encontraram aqui. Segundo Edvan
Antunes (2012, p. 13), “foram os caboclos que nacionalizaram a viola, construindo
aqui cópias fiéis dos instrumentos vindos de Portugal e dando início a uma tradição
que ajudaria a nova nação a mostrar seu talento musical”.

A viola, trazida pelos portugueses, colaborou no processo de


transformação da cultura pagã dos povos primitivos em fé cristã. Rosa Nepomuceno
(1999, p. 56) ajuda a confirmar o fato quando afirma que “os primeiros cantos, na
viola, foram os da catequese. Misturando melodias portuguesas às dos índios,
crenças cristãs às danças pagãs, surgiram ritmos e gêneros, como o cururu e o
cateretê”. Posteriormente, várias outras danças foram tomando forma e se tornando
peculiares, como as Folias de reis e as Danças de São Gonçalo. Porém, entre tantas
expressões musicais, resultado dessa mistura cultural de cinco séculos, a moda de
viola ficou sendo a mais conhecida.

Os tropeiros foram muito importantes na divulgação dessa cultura,


enquanto realizavam suas longas viagens. Do Rio grande do Sul até São Paulo,
várias comunidades e vilarejos conheceram a sonoridade peculiar da música do
homem rural, entoada pela viola caipira. Nas palavras de Antunes, quem ajudou

[...] a difundir pelo interior do país o hábito de tocar viola foram os tropeiros.
[...] Numa época em que a comunicação entre as vilas quase inexistia, os
tropeiros desempenharam também um importante papel cultural, levando
ideias e notícias de um lugar ao outro. Nessas viagens, era comum levarem
consigo suas violas, quase sempre conduzidas dentro de um saco de linho,
amarradas à garupa de seu animal (ANTUNES, 2012, p.14).
26

Se do século XVII em diante os tropeiros contribuíram para que o


som da viola fosse conhecido por onde eles passavam, na década de 1920 foi
Cornélio Pires quem teve a ousadia em divulgar a cultura caipira por todo o país por
meio de produções musicais. Além de se destacar no mercado fonográfico, iremos
detalhar a trajetória da música caipira em outras mídias. Antes, no entanto, torna-se
necessário apresentar as “plataformas midiáticas” precursoras da produção
fonográfica: os circos, as vaquejadas e as festas interioranas.

2.3. PRECURORES E PIONEIROS: DO CIRCO À VAQUEJADA

A primeira música caipira gravada foi a moda “Jorginho do Sertão”, em


1929, de autoria do jornalista, poeta, folclorista e compositor Cornélio Pires.
A partir daí, o mercado fonográfico, de olho em um nicho que se criava,
lançou uma série de artistas caipiras, como João Pacífico e as duplas
Tonico e Tinoco e Alvarenga e Ranchinho (FREITAS, 2008, p.6).

O palco principal dessas duplas foi inicialmente o circo. Nesta época,


era comum que as duplas apresentassem, além de músicas, show de anedotas. Na
história contada por Nepomuceno (1999, p.112), as apresentações obedeciam a
uma fórmula infalível: “começavam com Cornélio [Pires] contando histórias, fazendo
graça com os costumes caipiras e com os do povo da cidade. Depois vinham os
violeiros e, para terminar, as danças e os fandangos”. Antunes reitera que

[...] várias duplas adotaram o humor em seu repertório, mas isso era muito
comum nos anos 1930 – quando o novo gênero que estava se formando
não havia ainda consolidado seu estilo musical. Era um tempo de muito
experimentalismo, e foi nesse momento que surgiu a dupla Alvarenga e
Ranchinho, respectivamente Murilo Alvarenga e Diésis dos Anjos Gaia.
Embora se apresentassem vestidos de caipiras, eles já não vieram da roça,
mas conheciam bem o linguajar e os trejeitos do homem do campo. A dupla
adotou a paródia e a sátira política como sua marca registrada. Outra de
suas características era a de contar anedotas entre os versos de uma
canção. Muito irreverentes, zombaram com enorme sucesso de ditadores,
políticos e dos costumes de sua época (ANTUNES, 2012, p. 33).
27

Em meio a essa evolução musical surgiu a dupla João e José Perez,


mais conhecidos como Tonico e Tinoco. A dupla se tornou símbolo da música caipira
e sertaneja por ter influenciado toda uma geração de duplas, trios e artistas solos do
gênero caipira e “por ajudar a música sertaneja a atravessar o estado de São Paulo
e se estabelecer com muita força em Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraná”
(ANTUNES, 2012, p. 39).

Filhos de famílias pobres e também das pequenas São Manuel e


Botucatu, cidades do interior de São Paulo, os irmãos Perez conquistariam o Brasil
na década de 1940, época em que o rádio já possuía um glamour no país. Antes de
migrarem para a capital paulista, tentaram ganhar a vida com a música em
Soracaba, sem muito êxito. A virada profissional da dupla aconteceu após ganharem
um concurso promovido pelo Capitão Furtado – sobrinho de Cornélio Pires e, como
o tio, famoso divulgador da música caipira – na rádio Difusora. “O jeito de cantar
agudo e diferente da dupla conquistou o auditório, que aplaudiu os novos artistas
durantes seis minutos” (ANTUNES, 2012, p. 40).

O primeiro disco foi gravado em 1944, porém o reconhecimento da


dupla veio somente com a gravação de “Chico Mineiro”, composição de Tonico e
Francisco Ribeiro. O sucesso da dupla lhes rendeu um espaço em vários programas
de rádio e TV.

Na década de 1960, os irmãos comandaram o programa “Na Beira da Tuia”


transmitido pela Rádio Bandeirantes. Irreverentes e bem humorados, Tonico
e Tinoco liam cartas dos ouvintes, comentavam notícias – tudo de forma
bastante irreverente. “Antigamente não havia programas de notícias na faixa
da manhã. Eram todos sertanejos. Era o amanhecer do brasileiro”, revelou o
jornalista Milton Parron, responsável por resgatar a memória da rádio. A
dupla ainda participou várias vezes dos programas "Na Serra da
6
Mantiqueira" e "Onde Canta o Sabiá".

6
Texto retirado do site da Rede Bandeirantes de Comunicação, Disponível no site:
<http://entretenimento.band.uol.com.br/famosos/noticia/?id=100000501580>. Acesso em: 17 out.
2014.
28

O sucesso da dupla esteve tangente ao processo de evolução da


música caipira que ocorreu na transição da década de 1950 para a década de 60.
Aos poucos, a cultura caipira e sertaneja ganhava espaço e vencia os preconceitos
da população urbana, que se misturava à população rural, expulsa do campo por
falta de emprego. Em virtude dessas conquistas,

(...) os dois se tornaram a primeira dupla a se apresentar no Teatro


Municipal de São Paulo, num show que durou três horas e teve a presença
de 2.500 pessoas. Essa apresentação foi o marco para a quebra de
preconceitos contra a música sertaneja, já que o Teatro Municipal de São
Paulo é um dos maiores e um dos mais importantes do mundo e ali só se
apresentavam óperas, balés e concertos eruditos (ANTUNES, 2012, p. 42).

Esse período da música brasileira foi muito importante na quebra de


tabus, presentes, principalmente, no contexto musical. As duplas sertanejas,
formadas sempre por homens, assistiram ao surgimento das duplas mistas, e, mais
tardar, os duetos totalmente femininos. Além de Cascatinha e Inhana, outras
formações mostraram que o casamento das vozes masculina e feminina pôde
conviver em perfeita harmonia também na música sertaneja. Podemos citar o Trio
Luizinho, Limeira e Zezinha.

Conhecidos como “Trio Orgulho do Brasil”, foram honrados com


inúmeros prêmios pela sua performace, inclusive com o troféu “Roquette Pinto”, o
prêmio mais cobiçado do rádio brasileiro. Logo foi formada a primeira dupla feminina
do Brasil: as Irmãs Galvão. Com o sucesso “Beijinho Doce” abriram o caminho para
muitas outras duplas que encantariam o país. É a única dupla feminina que
ultrapassou a marca de 60 anos cantando juntas, até hoje (ANTUNES, 2012, p.111).

Entre tantas outras artistas de sucesso que poderíamos citar, nos


preocupamos mais em abrir um parêntese para, talvez, a voz feminina mais
importante da música caipira: Inezita Barroso, a qual não poderíamos deixar de
mencionar nesta pesquisa. Uma das grandes defensoras da cultura caipira, a
cantora mantém o programa “Viola, Minha Viola”, desde meados de 1990,
transmitido todos os domingos pela TV Cultura de São Paulo, um dos poucos
redutos em que a moda de viola ainda tem presença e espaço garantidos.
Poderíamos citar várias outras, mas não estenderemos.
29

Em entrevista à Rádio Universidade FM7, Inezita classifica o seu


público como aquele que

ama a música [caipira] brasileira e não tem aonde ouvir. [...] A gente fica
muito feliz em ver aquele povo do auditório nosso, que tá lá há 25 anos
comigo. Eles vão, e vão levando filhos, vão levando netos... Aquilo vai
crescendo. E a nossa grande glória é que agora estamos arrastando a
criançada e os jovens. Tem muita criança querendo aprender viola.
Seriamente, sabe? E nós também revelamos muitos artistas mocinhos, que
estão gravando e brilhando por aí. Isso é muito agradável pra gente. De vez
em quando se diz: nossa, eu estou cansada... Mas não dá pra cansar,
quando aparece uma coisa dessas que você ama. E é um trabalho de
muitos anos que eu faço em cima do caipira. Eu não vou largar, agora eu
vou até o fim (BARROSO, 2005).

Além de todos esses importantes artistas, vale destacar também que


havia comitivas comandadas por profissionais do rádio, conhecidas como “turmas”
(detalhes que não abordaremos neste momento). As principais foram duas, de
referência nacional: a Turma Cornélio Pires e a Turma Caipira Victor, que saiam com
suas caravanas pelo Brasil à fora, se apresentando nos grandes circos.

Apresentado o contexto histórico e sociológico que configurou as


bases e a evolução da música caipira, seguiremos com os referenciais
metodológicos desta pesquisa para, em seguida, tratar das músicas caipira e/ou
sertaneja nas mídias a partir da investigação jornalística e da pesquisa documental.

7
Programa “Especial Inezita Barroso”, apresentado em dezembro de 2005, como especial de fim de
ano. O programa foi produzido por Cristina Cortes e Paulo Roberto.
30

3 METODOLOGIA

Como a proposta deste trabalho é verificar se ainda existem


programas específicos de música caipira nas rádios de Londrina, este autor partiu da
premissa de que se faz necessária a preservação da memória desse gênero
musical, um estilo que retratou – conforme afirmam os historiadores e sociólogos
apresentados anteriormente – o modelo de vida totalmente brasileiro do homem do
campo nesses 500 anos de Brasil que, ao longo do último meio século foi
enfraquecendo com o domínio dos meios de comunicação de massa sobre a
produção cultural do país.

Para chegar aos objetivos propostos, foram utilizadas diversas


teorias, a fim de buscar na história como se deu a construção do caipira, de seus
costumes e de sua música. Num primeiro instante, optou-se por fazer a pesquisa
bibliográfica. Percebeu-se nela uma rica contextualização histórica, que permitiu
entender o processo de criação e de desenvolvimento da música caipira.

Na obra de Antônio Cândido (1975) há uma leitura abrangente do


universo do caipira, revelando o seu comportamento, as suas crenças e a sua
cultura. A narrativa feita por Edvan Antunes – além de estender-se à história do
sertanejo universitário – na obra “De Caipira a Universitário” (2012) flerta com a
narrativa não-cronológica de Rosa Nepomuceno (1999), na qual detalha a vida e
obra dos principais artistas representantes dos gêneros caipira e sertanejo, desde a
roça às grandes festas de peão.

Feita essa introdução histórica do tema, buscou-se fazer, através da


pesquisa documental, um levantamento dos programas existentes na cidade, que
resistiram – por vários motivos – ao fenômeno massivo da indústria cultural.
Segundo Antônio Carlos Gil,

A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A


única diferença entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a
pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos
diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-
se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que
31

ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa


(GIL, 2008, p. 70).

Das 13 emissoras de rádio da cidade apenas três ainda mantêm


viva em suas programações a música tradicional do homem do campo: a Rádio
Londrina AM, a Rádio Universidade FM e a Rádio Igapó FM. Porém, apenas Cléber
Tóffoli possui o acervo dos roteiros de seu programa, desde quando iniciou em
1991, nos estúdios da Rádio Universidade FM até os dias de hoje, como produtor e
apresentador do programa “Voz e Viola”, na rádio Igapó FM.

Cléber aponta que o interesse das pessoas pela música caipira


diminui a cada dia, pelo fato de não ser um produto comerciável. “Acho que falta
mais gente para ajudar a arrastar essas coisas. Por exemplo, a Rádio Universidade
ainda mantém o espaço. Seria interessante se as outras universidades ajudassem
também, mas elas não têm nem rádio nem TV educativa, e precisam ter” (TÓFFOLI,
2014).

Para o locutor e apresentador Havaí8, o que mais lhe agrada


enquanto um divulgador da música caipira é poder ter um espaço na TV Tarobá para
que artistas sertanejos, sobretudo os locais e regionais, tenham a oportunidade de
mostrar o seu trabalho e, por consequência, dar continuidade ao projeto que um dia
Cornélio Pires deu início. Ele defende que

a importância da gente ter bons programas como o “Voz e Viola”, o meu, o


do Nhô Batista é manter a tradição, daquilo que o seu avô, seu bisavô, seu
pai viveram. Nós estamos vivendo uma transição musical na verdade, mas a
música caipira sempre fez parte da nossa historia (VARIZE, 2014).

Aproveitou-se ainda nesse trabalho a 54ª edição da Exposição


Agropecuária e Industrial de Londrina (EXPO LONDRINA 2014) para entrevistar
profissionais envolvidos com a música sertaneja. O principal entrevistado foi José

8
Luiz Carlos Varize, o Havaí, da extinta dupla sertaneja Havaí e Avaré, é apresentador dos
programas “Clássico Sertanejo,” na rádio Igapó FM e do “Canta Viola”, na TV Tarobá, afiliada da
Rede Bandeirantes em Londrina. Havaí decidiu se dedicar ao rádio após a morte de seu
companheiro, e apresentou o seu primeiro programa na extinta Rádio Norte, chamado “Entardecer
Sertanejo”. No princípio, conta ele, que o programa ia ao ar das 3 horas da tarde domingo às 6. Com
o tempo, o horário se fixou entre 5 e 6 da tarde.
32

Rico, da dupla Milionário e José Rico. Depois de investigar a história pessoal do


artista, ouvimos do cantor e compositor detalhes sobre a sua trajetória, sobre a sua
importância para a história da música caipira, a relação entre artista e empresário,
artista e público e entre os próprios músicos.

Não deixamos de tratar aqui de um aspecto importante que


envolvem esta pesquisa: a relação com o ouvinte, por meio do rádio e da própria
música. José Rico é enfático ao dizer que o sucesso da dupla nas rádios é o reflexo
do que o artista é no cotidiano, nos palcos, em qualquer lugar. “O segredo para
manter o sucesso é fazer um bom trabalho, ter humildade e seguir em frente. E
outra, se você puder, na oportunidade favorecer alguma coisa, o sucesso multiplica.
Mas se você começa a se prevalecer, você vai perdendo espaço” (RICO, 2014).

Para conseguir as melhores informações e envolver o entrevistado


com o tema, foi necessário, como método, as técnicas de reportagem aprimoradas
durante o curso de Comunicação. Ressaltamos que as técnicas de entrevista foram
buscadas tanto em autores do jornalismo quanto da sociologia. Stela Caputo pontua:

Jornalistas e pesquisadores realizam entrevistas da mesma forma? Não.


Não realizam. São funções diferentes para objetivos distintos. Acredito,
porém, que um ofício pode contribuir muito com o outro se olhados
criticamente (CAPUTO, 2006, p. 27).

Caputo e este pesquisador utilizam também os apontamentos de


Cremilda Medina (2002), contidos no livro “Entrevista: o Diálogo Possível”:

A entrevista, nas suas diferentes aplicações, é uma técnica de interação


social, de interpretação informativa, quebrando assim isolamentos grupais,
individuais, sociais; pode também servir à pluralização de vozes e à
distribuição democrática da informação (MEDINA, 2002, p. 8).

Reforçamos mais uma vez que há inúmeras técnicas e conceitos


para processos de entrevista, incluindo abordagens, procedimentos, posse ou não
de questionários etc. Dentre eles, esta pesquisa destaca a entrevista em
profundidade, cujo foco, segundo Nilson Lage,
33

[...] não é um tema particular ou um acontecimento específico, mas a figura


do entrevistado, a representação de mundo que ele constrói, uma atividade
que desenvolve ou um viés de sua maneira de ser, geralmente relacionada
com outros aspectos de sua vida (LAGE, 2001, p. 75).

Essa definição se encaixa na entrevista feita com Cleber Tóffoli,


tendo em vista a sua popularidade, tanto pelo fato de ser um grande pesquisador da
música caipira, como por ser um apresentador de programa de rádio muito
reconhecido pela ronquidão que sua voz se tornou, após ter passado por uma
cirurgia nas cordas vocais.

Antônio Carlos Gil (2008) chama a atenção para que o pesquisador


não confunda esse modelo proposto por Lage (2001) com a entrevista focalizada,
que, apesar de ser tão livre quanto a anterior, enfoca um tema bem específico:

O entrevistador permite ao entrevistado falar livremente sobre o assunto,


mas, quando este se desvia do tema original, esforça-se para a sua
retomada. Este tipo de entrevista é bastante empregado em situações
experimentais, com o objetivo de explorar a fundo alguma experiência vivida
em condições precisas. Também é bastante utilizada com grupos de
pessoas que passaram por uma experiência específica, como assistir a um
filme, presenciar um acidente etc. Nestes casos, o entrevistador confere ao
entrevistado ampla liberdade para expressar-se sobre o assunto (GIL, 2008,
p. 112).

Por fim, em meio a tudo isso, este acadêmico reforça que não
deixou de fazer investigação jornalística e usar desta técnica profissional um método
de trabalho. O manual da Unesco sobre Jornalismo Investigativo (2013) afirma que
este estratégia também pode – e deve – ser usada em análises sociais e culturais,
principalmente porque todo trabalho de investigação alia dados e números aos
relatos e à História:

Partindo de um ponto de vista cultural, não é fácil para o jornalismo


investigativo sério florescer em uma cultura predominantemente oral. Nossa
cultura não aprecia números, dados ou estatísticas tanto quanto ela é
34

movida por palavras, ritmo e estrutura. Por sorte, isso não precisa ser
necessariamente um empecilho. Ao contrário: o domínio de nossas
ferramentas pode nos auxiliar a fazer delas uma grande vantagem. E essa é
outra interessante área que obviamente pode se beneficiar de uma medida
de investimento. O problema real está no entendimento geral – ou na falta
dele – em nossas sociedades sobre o verdadeiro propósito do jornalismo
investigativo (UNESCO, 2013, p. 8).

Depois de apresentados os principais métodos, os mesmos


pontuarão o trabalho daqui em diante, quando a pesquisa passará a cruzar
informações bibliográficas com entrevistas e análises dos documentos coletados. A
abordagem a seguir envolve a construção midiática do nosso objeto estudado.
35

4 A CONSTRUÇÃO DO CAIPIRA NAS MÍDIAS

Antes que a música caipira ganhasse dimensão nas regiões Sul e


Sudeste brasileiros, através das ondas dos rádios, nas telonas do cinema, e
posteriormente nas telinhas, transitou por diversos meios de comunicação
tradicionais, como os eventos de bairros, festas juninas, quermesses etc.

O gênero foi aos poucos alcançando a popularidade no final do


século XIX, quando desembarcavam em paus-de-arara no interior paulista uma leva
de artistas sertanejos do norte e do nordeste – como Catulo da Paixão Cearense,
João Pernambucano e Pixinguinha, por exemplo – que fugia da pobreza do sertão
para buscar qualidade de vida nos centros urbanos do Sudeste brasileiro.

A boa relação que houve entre os artistas “sertanejos e caipiras do


sudeste se deve ao fato de que “o sertão nordestino e a roça caipira tinha pontos em
comum, na sua gente pobre, espirituosa e amigável, na paisagem de casa de palha,
nas suas cabôcas e na música de viola” (NEPOMUCENO, 1999, p. 106). Porém,
pouco ou quase nada se sabia da cultura interiorana do Nordeste na capital paulista.
Segundo Ferrete,

(...) conhecia-se deles algumas expressões típicas ou idiomatismos, alguns


metaplasmos epentéticos característicos e curiosa tendência para
rotacismos e lambdacismos alternativos no falar, mas além disso e de sua
roupagem qualificadora, desconhecia-se suas danças típicas, sua música,
sua poesia e seus rituais de circunstância (FERRETE, 1985, p. 30).

“Jorginho do Sertão” foi a primeira música caipira gravada no Brasil,


em 1929, pela dupla Mariano e Caçula, produzido pela Turma Córnélio Pires. A letra
é original com linguajar caipira da época. Embora tivesse sido gravada um pouco
depois de “Jorginho do Sertão”, a música “Tristeza do jeca”, de Angelino de Oliveira
era muito conhecida e admirada nos anos de 1918 (ANTUNES, 2012, p.25).

A canção, que noventa anos depois fora escolhida por críticos,


pesquisadores e compositores como a melhor música caipira de todos os tempos,
36

“refletia com grande realismo a enorme distância entre o mundo real e o urbano do
início do século XX” (ANTUNES, 2012, p. 25).

No início da década de 1920, o cenário musical de grande


representatividade que havia no Brasil era o da música erudita. Com a chegada dos
artistas nordestinos ao eixo Rio-São Paulo, nas duas primeiras décadas do século
XX, dava-se início à construção da identidade da música sertaneja de raiz. A
desconstrução da arte europeia – engessada na academia – feita por grandes
representantes da Semana da Arte Moderna, em 1922, deu fôlego aos sertanejos
que chegavam ao sudeste brasileiro, assim como para os caipiras da roça paulista,
que juntos somaram a linguagem poética campina com a qualidade sonora da viola.

O resultado positivo refletiu na transição que vários compositores


fizeram entre o erudito e o regional, compondo canções inspiradas na figura do
homem do campo, na viola e na própria roça. Heitor Villa Lobos, por exemplo,
compôs o “Trenzinho do Caipira”, que mais tarde ganhou versos das mãos do poeta
alagoano Ferreira Gullar e voz do cantor carioca Edu Lobo – em 1978 (SOUZA,
2010, p. 6).

Mas, talvez o mais importante compositor genuinamente caipira seja


João Pacífico, autor de “Chico Mulato” e “Cabocla Tereza”. “O compositor-referência
da música que traduziu o Brasil rural, bucólico, romântico, rude, mítico de onde viera
e que tão bem conhecera” (NEPOMUCENO, 1999, p. 18). Segundo a autora, os
grandes sucessos de Pacífico – “Cabocla Teresa”, “Pingo d’Água” e “No Mourão da
Porteira” – fizeram parte de quermesses, de rodas-de-viola e de programações de
rádio durante três décadas depois de terem sido gravadas. Porém, o grande
compositor permanece esquecido na memória popular até os dias atuais.

Muitas de suas canções foram gravadas pelo botucatuense Raul


Torres, um dos maiores ícones da música sertaneja de raiz. Escreveu seu nome na
história quando criou a embolada, um ritmo que influenciou muitas duplas do ramo
caipira entre as décadas de 1920 e 1940. Torres também foi o responsável pelo
intercâmbio musical entre Brasil e Paraguai. Trouxe de lá ritmos locais, como a
guarânia e o rasqueado, e reivindicou o mérito de ter sido o primeiro brasileiro a
compor rasqueados.
37

Pode-se notar que a música caipira de Raul Torres logo se tornou


popular quando os cariocas cantaram, em pleno carnaval do Rio em 1935, o
batuque “A Cuíca Tá Roncando”, que viraria título de espetáculo, montado pela
companhia de Araci Cortes e Oscarito, no Teatro Recreio, na Praça Tiradentes
(NEPOMUCENO, 1999, p.268). O autêntico caipira inovador foi o primeiro caipira a
gravar um LP – na década de 1960 – com o acompanhamento de uma orquestra,
quando já fazia dupla com o seu parceiro Florêncio. A “Moda da mula preta”, que faz
parte do disco, marca a entrada em cena das guitarras.

Merece destaque também a dupla de Jararaca e Ratinho, que não


eram caipiras legítimos, mas souberam retratar bem esse universo. Com um violão,
um saxofone e letras bem descoladas e carregadas de sátira, o dueto impressionou
grandes músicos da época por se distanciarem do eruditismo, pela capacidade de
improvisação e pela sonoridade nordestina, presentes em quase toda obra da dupla.
O sucesso foi alcançado em 1937, com o lançamento de “Mamãe eu quero”, uma
música que ultrapassou décadas e comemora 78 carnavais em todo o Brasil. Além
disso, “em 1981, numa marcha de bancárias pelas ruas do Centro do Rio, “mamãe
eu quero” foi cantada para reivindicar a abertura de creches nos bancos estaduais”
(NEPOMUCENO, 1999, p. 258).

4.1 ENTRE O RÁDIO E O CINEMA

Foi Cornélio Pires – escritor, jornalista, folclorista, compositor – o


primeiro a divulgar essa cultura autêntica do homem denominado caipira. No início
do século XX, ele encenou na Universidade Mackenzie uma peça teatral revelando
as origens do caipira no século XVI. Com seus shows de anedotas pela grande São
Paulo e pelas cidades paulistas do interior, ele revelava à população urbana os
costumes do interior.

Em 1929, Pires escreveu o seu nome na história da música


brasileira por ser o primeiro a registrar o canto caipira em discos. Com a quantia
38

necessária em dinheiro emprestada de um amigo, Pires mandou prensar os


primeiros discos de música e humor caipiras, gravados por autênticos cantadores do
interior e por ele próprio, na gravadora Colúmbia. Foram 25 mil cópias, um número
de prensagem inicial de discos muito alta para a época. Meses depois, com a
segunda leva de discos, é lançada a primeira moda de viola gravada no país:
“Jorginho do Sertão”, um assunto que será abordado no próximo capítulo.

Após o sucesso das vendas, o folclorista organizou a “Turma Caipira


Cornélio Pires”, composta por duplas sertanejas, que junto a ele marcariam o início
da “música caipira comercial”. Ele “montou uma caravana de violeiros, cantadores e
humoristas, e percorreu muitos cantos do país, especialmente o interior paulista,
apresentando-se em palcos nobres ou nos picadeiros dos circos pobrezinhos dos
vilarejos” (NEPOMUCENO, 1999, p.101). Arlindo Santana e Sebastiãozinho, Zico
Dias e Ferrinho e Mariano e Caçula, integrantes da primeira fase da turma,
“misturavam música e humor e eram sucesso de público, não importando se as
apresentações eram na capital ou no interior” (ANTUNES, 2012, p. 24). Neste
mesmo período, a gravadora RCA Victor se apresenta como concorrente no ramo
musical caipira, formando a “Turma Caipira Victor”, que incluía, até então, Sebastião
Roque, Sebastião Ortis de Camargo e as filhas do grande artista Sorocabinha:
Avelina, Durvalina e Maria Immaculada.

A partir desse momento, a música caipira ganhara novas formas,


distanciando-se, em partes, da música litúrgica do catolicismo popular e dos demais
rituais folclóricos, sobretudo com a chegada do rádio no Brasil, na década de 1920.
O veículo de comunicação contribui para que fosse desconstruída aos poucos,
conforme detalhamos no capítulo anterior, a imagem negativa que havia, por parte
da elite, sobre o caipira e a sua cultura.

A representação do “homem do mato” também flertou com o cinema.


Segundo Carvalho (2007), as primeiras projeções da cultura caipira no Brasil
constam de 1929, com o longa-metragem “Acabaram-se os otários”, de Luís de
Barros. Conta a autora que

A estória deste primeiro filme sonoro brasileiro, segundo Carlos Roberto de


Souza (1981, p. 39), assemelha-se à nossa primeira comédia: Nhô
39

Anastácio chegou de viagem, em que o matuto Arrudinha (Genésio Arruda)


chega à cidade e acaba comprando um bonde (CARVALHO, 2007, p. 2).

Após a importante visibilidade alcançada através do rádio, os artistas


caipiras também ganharam o apoio do cinema para expandir suas poesias cantadas
à sociedade urbana. Os grandes duetos caipiras das décadas de 1920 e 1930 já
atuavam nas telonas como atores principais de vários curta-metragens e longa-
metragens.

Uma das primeiras duplas a atuar em frente às câmeras foi Jararaca e


Ratinho, que participou do primeiro sucesso do cinema falado brasileiro:
“Coisas Nossas”, realizado no início dos anos 1930 e dirigido pelo norte-
americano Wallace Downey. O filme apresentava números musicais
intercalados com cenas de humor (ANTUNES, 2012, p. 127).

Esse filme reflete a influência da Semana de Arte Moderna de 1922


na construção de um cinema tipicamente brasileiro, desvinculando, aos poucos,
suas raízes da cinematografia norte-americana, além de revelar o moderno sistema
de sincronização entre imagem e som. Na introdução do filme, o poeta Guilherme de
Almeida, um dos organizadores da Semana de 22, explica tais inovações:

“Minhas senhoras e meus senhores, apresentamos hoje um filme


genuinamente brasileiro em que não só os artistas que tomam parte são
brasileiros, como também a música e os músicos são brasileiros.”
(ANTUNES, 2012, pag. 127).

Mas, a era de ouro do cinema caipira viria com humorista Amácio


Mazzaropi, na década de 1950. Depois de ter passado pelo teatro, pelo rádio e pela
televisão, Mazzaropi estreou, em 1952, o seu primeiro filme “Sai da frente”, rodado
pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Seis anos depois, ele cria a PAM films
– Produções Amácio Mazzaropi, onde trabalhou como ator e produtor na sua própria
companhia. Em 1959, o humorista estreia com seu Jeca-Tatu, uma crítica ao conto
Jeca Tatuzinho de Monteiro Lobato e uma das suas obras mais conhecidas
nacionalmente.

Outra obra muito importante deixada pelo cineasta foi o filme


“Tristeza do Jeca”, mesmo nome de uma das canções mais importantes do
40

cancioneiro caipira, de composição de Angelino de Oliveira. Nesse filme, conta-nos


Antunes (2012), Mazzaropi vive um caipira que apoia ao mesmo tempo dois políticos
rivais, gerando as típicas confusões que eram comuns em suas películas.

Em “Tristeza do Jeca”, o caipira é forçado a colocar-se no meio de uma


disputa política para influenciar outros lavradores para um dos lados da
disputa. Para conseguir esta adesão, o belo filho do fazendeiro, falsamente,
se prontifica a desposar a bela filha do Jeca (FERREIRA, 2008, p. 8).

Na análise crítica de Jesana Batista Pereira,

(...) o Jeca-Mazzaropi pode ser visto como uma representação caricatural


do caipira brasileiro, na medida em que se liga em processos de produção,
circulação e consumo submetidos à orientação da indústria cultural. No
entanto, os argumentos de seus dramas, os valores arrolados, têm
contextualização semântica na cultura ou na sociedade caipira. Seu cinema
é uma manifestação cultural ligada às mudanças da sociedade. Traduz uma
realidade humana característica do fenômeno geral de urbanização do país,
especificamente no estado de São Paulo, onde os filmes foram
ambientados. Ele é uma herança cultural a ser fixada a cacos da produção
cultural moderna (PEREIRA, 2001, p. 3-4).

Muitas canções caipiras que abordavam questões sociais – como o


desenvolvimento do país, sobretudo a criação de Brasília e o avanço da economia
nos anos 50, problemas sociais e econômicos, corrupção, as glórias e as angústias
do homem rural etc. – deram seus nomes a vários longa-metragens desse período.
Conta-nos Antunes (2012), que o primeiro grande sucesso de bilheteria da dupla
cinema e música sertaneja foi “O menino da porteira”(1976), do diretor Jeremias
Moreira, que teve como ator principal o já renomado cantor Sérgio Reis. A letra da
música de Teddy Vieira9, de mesmo nome do filme, narra a história de um boiadeiro,
que encontra pelo caminho um menino simples e humilde, que abria porteiras para o
gado passar em troca de algumas moedas. A canção faz menção ao

9
Violeiro e compositor brasileiro. Foi uma das figuras mais importantes da história da música caipira.
Entre suas composições de sucesso estão “Couro de boi”, composta junto com Palmeira, “João de
barro”, com Muibo Curi e “Pagode em Brasília”, com Lourival dos Santos.
41

Brasil rural nos anos 1950, numa época em que o país ainda não havia
alcançado o status de grande produtor mundial de alimentos e a grande
maioria dos seus trabalhadores rurais vivia de favor nas terras de poderosos
latifundiários (ANTUNES, 2012, p. 131, 132).

Ainda no pensamento do autor, “a força da canção está presente


nos elementos psicológicos capazes de gerar uma emoção coletiva: o menino
humilde que realiza trabalho infantil” (ANTUNES, 2012, p. 134). Embalada pela boa
receptividade de “O menino da porteira”, a Topázio Cinematográfica apostou na
coprodução de “Chumbo Quente”, filme em que estrelou a dupla Leo Canhoto e
Robertinho, que surgia no mercado fonográfico com uma nova proposta sonora para
a música rural, comercialmente enfraquecida.

Outro filme importante para esse momento da filmografia brasileira


foi “Mágoas de Boiadeiro”, que teve a figura de Sérgio Reis como principal ator, na
qual entoava a canção de mesmo nome da obra. Assim como este, os outros filmes
citados acima narram a modernização da vida rural e o avanço tecnológico no
campo na segunda metade no século XX. Apesar da crescente produção de filmes
sobre o caipira entre as décadas de 1950 e 1970, ainda existia o preconceito com o
rural, por parte da elite. No dia 20 de setembro de 1977, o jornalista Sérvulo Siqueira
publicou no jornal O Globo a matéria “Cavalheirismo e melodrama num faroeste
caipira”, na qual reitera a afirmação acima, dizendo que

Os filmes musicais inspirados na cultura sertaneja formam um gênero que


tem tido pouca divulgação no Brasil. Em geral, a penetração destes filmes
[...] é muito reduzida nos grandes centros urbanos (ANTUNES, pag. 131).

Em 1980, a dupla Milionário e José Rico ganhou a cinebiografia “Na


Estrada da Vida”, que conta a história do dueto sertanejo que atravessou gerações
com mais de 40 anos de carreira. A música “Estrada da vida”, que deu origem ao
roteiro, retrata a dificuldade de pessoas humildes terem seu talento reconhecido,
sobretudo a trajetória da dupla:
42

Nesta longa estrada da vida


Vou correndo e não posso parar
Na esperança de ser campeão
Alcançando o primeiro lugar
Na esperança de ser campeão
Alcançando o primeiro lugar

Mas o tempo cercou minha estrada


E o cansaço me dominou
Minhas vistas se escureceram
E o final da corrida chegou

Este é o exemplo da vida


Para quem não quer compreender
Nós devemos ser o que somos
Ter aquilo que bem merecer
Nós devemos ser o que somos
Ter aquilo que bem merecer

Mas o tempo cercou minha estrada


E o cansaço me dominou
Minhas vistas se escureceram
E o final desta vida chegou. (RICO, 1997).

No início da carreira, em 1970, a dupla enfrentava muito preconceito


por cantar sertanejo, conta José Rico. Quebrar o tabu da passagem da música
caipira para a sertaneja foi muito difícil, num momento em que alguns artistas, como
Tião Carreiro, despontavam no cenário musical tentando resgatar a música caipira
cantada entre as décadas de 1930 e 1950. Porém, o sucesso de Milionário e José
Rico é visível nas arenas das festas de peão em que a dupla realiza nos dias de
hoje, sempre lotadas, com um público bem diverso.

Eu acho que o sucesso meu e do Milionário foi com sacrifício! Por que é
aquela historia, fazer sucesso não é difícil. O difícil é mantê-lo. Vai muito da
forma como a gente conduz a arte. Por exemplo, tem artistas que fazem
sucesso e às vezes não conserva, ou ele extravasa, e acaba fazendo
alguma coisa que às vezes não é certo... Então ele deixa um pouco a arte.
Tem que saber conduzir a arte. A humildade é a primeira coisa dentro da
arte, por mais sucesso que o artista seja. Tem que ter humildade pra poder
43

conduzir. Agora se for querer dar uma de bacana, querer abusar, se


prevalecer, aí é o começo do final (RICO, 2014).

A forte presença dos artistas sertanejos atuando e cantando no


mesmo filme era o grande triunfo das produtoras para alavancar e expandir, cada
vez mais, a cultura sertaneja no Brasil, tendo em vista que o mercado fonográfico,
antes carente de novidades, aproveitava o sucesso dos novos artistas, resultado do
intercâmbio cultural entre a roça e o cantar da América latina, entre a roça e o rock’n
roll e entre a roça e o rodeio. Na TV, o espaço para o caipira praticamente não
existia. Antunes (2012, p. 67) afirma que:

(...) uma das poucas oportunidades que tinham de cantar na TV era no


programa Canta Viola, apresentado pelo radialista e compositor Geraldo
Meirelles, que ficou conhecido como o “Marechal da música sertaneja”. [...]
Seu programa foi o primeiro dedicado à música sertaneja, com mais de uma
hora de duração. Geraldo Meirelles foi muito importante para o gênero, pois
além de abrir espaço num veículo de massa como a TV, também se
apresentava em várias cidades do interior com sua caravana de artistas.

Aos poucos a realidade foi mudando. Através do mercado


fonográfico bem instalado e estruturado no Brasil, o caipira foi ganhando espaço em
programas de TV, como o Som Brasil 10, de Rolando Boldrin, o Sabadão Sertanejo11,
o Especial Sertanejo12 e o Viola, minha viola13 da TV Cultura de São Paulo,
apresentado por Inezita Barroso.

10
Programa que dava espaço a duplas ligadas à música sertaneja de raiz, que estreou na Rede
Globo em agosto de 1981. Tendo Boldrin como apresentador, o programa foi ao ar até 1984.
11
O SBT, de olho naquele mercado emergente, coloca no ar o programa Sabadão Sertanejo, com a
apresentação de Gugu Liberato, que lança novos artistas e revive os já conhecidos (ANTUNES,
p.79).
12
A TV Record tinha o Especial Sertanejo, apresentado por Marcelo Costa, que era conhecido pelos
bordões “Caba não mundão” e “ô lugarzin abafadin”. (ANTUNES, p. 79)
13
Um dos poucos redutos em que as modas de viola ainda têm presença e espaço garantido.
44

4.2 O CAIPIRA ENTRE OS QUADRINHOS

O caipira também fora representado nas histórias de quadrinhos por


Maurício de Souza14. Segundo Franciele Parrilla (2006, p. 86), o personagem “Chico
Bento”, criado nos anos 1960, “tipifica um habitante do campo, às memórias de sua
vivência no interior de São Paulo, ao longo de sua infância”. Porém, ainda no
raciocínio da autora, o personagem rural de Maurício de Souza acompanhava as
transformações que o país sofria nos âmbitos social, político, econômico e cultural, o
que caracteriza que seus traços e seu perfil não permaneceram imutáveis desde a
sua criação até os dias atuais.

Assim como a música caipira teve que buscar novas fórmulas na


década de 60 para permanecer no imaginário cultural do país, o Chico Bento teve
que garantir a sua sobrevivência, estabelecendo diálogos diversos com o contexto
no qual o personagem está inserido. Parrilla (2003) aponta a interferência direta da
música na formação do personagem, visível na dicotomia entre campo e cidade
presente na revista em quadrinhos do Chico Bento. Sobre isso, ela comenta:

Tais constatações reforçam a hipótese de trabalho de que as imagens


tecidas na revista em quadrinhos do Chico Bento dialogam com uma longa
tradição de representação caricatural e estereotipada do caipira presente
nas diversas manifestações artísticas, diferentemente do que Maurício de
Sousa sugere ao apresentar a personagem e seu universo como fruto
unicamente de suas experiências no interior (PARRILLA, 2003, p. 177).

Analisando essa trajetória, percebe-se que houve uma grande


participação da música caipira nos meios de comunicação de massa, o que
demonstra o grande interesse da mídia na figura do homem caipira, reflexo tanto do
sucesso nas rádios como do preconceito sofrido pela população urbana, ligada a
culturas europeias.

14
Cartunista brasileiro e criador da famosa Turma da Mônica.
45

Apresentado esse panorama do caipira nas mídias, focaremos no


capítulo a seguir a mídia sonora, até chegarmos ao objeto central de pesquisa desse
trabalho.

4.3 MERCADO FONOGRÁFICO: UM INVESTIMENTO NA ARTE

Conforme apontamos anteriormente, Cornélio Pires foi o


disseminador da música caipira nos primórdios da produção radiofônica. Através
dele, os grandes artistas da época já podiam ouvir suas vozes gravadas em discos
78 rpm15.

Tal fato é que dá a largada para aquilo que ele denominou música
caipira comercial – por envolver o mercado fonográfico e pela encomenda de
composições feitas pelos grandes patrões –, mas que muitos consideraram como
música sertaneja de raiz; outros ainda, somente música sertaneja. Waldenyr Caldas
(apud MONTEIRO et al, p. 20) “entende que música caipira é aquela canção
anônima e tem a ver com folclore, enquanto por música sertaneja, ele classifica
aquela que já é produzida no meio urbano-industrial”.

Na visão compactuada dos apresentadores de programas


radiofônicos entrevistados por este pesquisador, a música caipira é aquela que tem
sempre uma história para contar. “E a historia, normalmente é uma historia trágica
de um boi que matou a criança, ou do ranchinho que existia e não existe mais. São
histórias saudosas, que aconteciam com o povo, escritas em forma de música, como
a “Morte do Ferrerinha16”, a “Travessia do Araguaia17”, o “Mineiro e o Italiano18”,
“Chico Mineiro”19, “Cabocla Tereza”, por exemplo” (VARIZE, 2014).

15
Chapa, geralmente de cor negra, empregada no registro de áudios. RPM se refere às rotações por
minuto do disco.
16
A canção faz parte do primeiro disco em 78 rpm, gravado pela dupla Zé Carreiro e Carreirinho nos
estúdios da gravadora Continental, no dia 5 de julho de 1950. Fonte:
http://www.letras.com.br/#!biografia/ze-carreiro-e-carreirinho .
17
Música presente no disco “Encontro de Poetas”, da dupla Biá e Dino Franco (compositor desta
canção), gravado em 1975, pela gravadora Chantecler. Fonte:
46

Da viola caipira, símbolo do homem rural, unida ao


acompanhamento das batidas do violão, resultava o som que soava bem ao ouvidos
das pessoas que se reuniam em suas casas para contar causos e cantar modas de
viola, assim como para o homem que tirava leite ou cuidava da roça ao som das
modas de viola. Como nos conta Nepomuceno (1999), a moda relata os problemas
sociais e políticos do Brasil e a grande modificação cultural constatada nessa época.
Os versos da moda

(...) trouxeram a poesia, o lirismo e labuta do homem do campo à


compensação das gerações urbanas, perpetuando a viola como instrumento
de grandes potencialidades sonoras. (...) Os versos, geralmente longos,
falam de tudo o quanto há ao redor do caipira, desde o rio que lhe banha os
pés a infortúnios de todo o tipo, a morte do boi preferido, o combate de
rivais pelo amor da cabocla bonita. E ainda, separações, desencantos, fatos
engraçados, impressões de viagens (NEPOMUCENO, 1999, p.69).

Na análise de Antunes (2012, p. 29),

(...) as primeiras modas de viola gravadas ora tinham como temas principais
a vida do campo, ora satirizavam assuntos do dia a dia, fazendo uma
espécie de crítica social. Isso fica bem claro ainda nas gravações da dupla
Mariano e Caçula. Em 1930, ainda fazendo parte da Turma Caipira, eles
gravaram “Bonde camarão”, de Cornélio Pires, uma crítica ao transporte
público de São Paulo. O início da música registrava de forma bem clara a
insatisfação dos usuários desse serviço público:

Aqui em São Paulo o que mais me amola

é esse bonde que nem gaiola cheguei a

abrir uma portinhola levei um

tranco e quebrei a viola [...] .

http://www.recantocaipira.com.br/duplas/dino_franco/dino_franco.html. Acesso em 25 d ejunho de


2014.
18
Composição de Teddy Vieira, gravada por várias duplas, como Tião Carreiro e Pardinho.
19
Composição de Tonico e Francisco Ribeiro, presente no 6º disco em 78 rpm de Tonico Tinoco,
gravado pela Continental em 1946. Fonte:
http://www.recantocaipira.com.br/duplas/tonico_tinoco/tonico_e_tinoco.html. Acesso em: 27 julho
2014.
47

Em 1936 a moda de viola já havia conquistado importantes espaços


no suplemento das gravadoras e alcançado um público importante com o lirismo das
canções e a melodia que remetia à vida do campo. Ferrete (1985, p.54,55) confirma
tal fato, na qual ele afirma que

(...) a moda de viola começava a predominar sobre todos os gêneros. Seu


som característico de duas vozes cantando em terça, bem como o
acompanhamento típico – violão e viola caipira afinada em ré, sol, ré, sol, si,
ré -, distinguiam-na de tudo quanto se conhece até então na criação musical
brasileira e a associavam imediatamente à zona rural. Sem instrumentos de
percussão e exibida em estilo narrativo corrente, às vezes melodicamente
paupérrimo, a moda de viola fascinava seu público exatamente por isso:
contava com canto uma história que independia do grau expressivo
melódico. Parecia um retorno às canções trovadorescas da Idade Média,
em cotejo que até hoje intriga os estudiosos.

É comum encontrarmos versos declamados na introdução de


modas de viola que, além de embelezarem a melodia dão uma prévia da história que
será contada enquanto soam os acordes da viola e do violão. O declamado é uma
das peculiaridades de João Pacífico, principal compositor e um dos precursores da
música caipira, o qual será contado um pouco de sua história no próximo item desse
capítulo, além de outras duplas importantes, que deram início à música caipira ou
sertaneja de raiz.

4.4 A CONSOLIDAÇÃO DA MÚSICA NO RÁDIO

A história do rádio começa a ser contada nos Estados Unidos, em


novembro de 1920, quando foi batizada a primeira emissora radiofônica da história:
a KDKA. A programação baseada na cobertura jornalística influenciou as rádios na
França e Inglaterra, que surgiram dois anos depois. No Brasil, a primeira experiência
radiofônica ocorreu no dia 7 de setembro de 1922, em comemoração ao centenário
da Independência da República (CALABRE, 2004, p. 8). No ano seguinte, Roquette
Pinto cria a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. De qualquer maneira, tais projetos
48

seguiram com caráter experimental e de abrangência limitada até a virada da


década de 1930.

Em relação às questões jurídicas e legais de constituição e


funcionamento da radiofonia, foi no governo do presidente Getúlio Vargas (1930-
1945) que o Brasil regulamentou as rádios num sistema misto estatal e comercial,
permitindo veicular propagandas limitadas a 10% do tempo diário de transmissão.
Cada veiculação deveria ter, no máximo, 30 segundos (BRASIL, 1932).

A princípio, o veículo de comunicação estava voltado somente para


a elite, pois só recebia a programação quem tinha os receptores e pagava uma
mensalidade para ouvir ópera, recitais de poesia e palestras culturais. Segundo
Antunes,

(...) tudo isso mudou com o decreto de 1/2/1932, que autorizava a inclusão
de comerciais em 10% da programação. As rádios então foram em busca de
artistas e produtores e o veículo se tornou extremamente popular, abrindo
assim as portas para a veiculação da emergente cultura caipira (ANTUNES,
2012, p. 20).

Ferraretto (2001) reforça as análises de Antunes e aponta o efetivo


perfil comercial das emissoras brasileiras, estilo bem diferente das europeias (em
sua maioria públicas e com praticamente nenhum comercial veiculado).

Com a possibilidade dos comerciais ocuparem 10% das transmissões, são


captados os recursos que, lucro à parte, podem ser reinvestidos em uma
programação para garantir a audiência responsável, em um ciclo se
possível interminável do ponto de vista do capitalista, pela atração dos
anunciantes (FERRARETTO, 2001, p.102).

A popularização do rádio possibilitou a difusão de diversos estilos


musicais que tiveram sua origem na periferia, no interior e no campo,

Tal como ocorreu com o samba, canções sertanejas e os choros, alargando


as possibilidades de trabalho dos artistas e o universo de escuta dos
49

ouvintes, ampliando as possibilidades de produção e consumo,


disseminando junto ao público ouvinte um certo tipo de cultura que tinha
suas raízes na oralidade e particularismos das culturas populares regionais
(PINTO, 2008, p. 2) .

Segundo Geni Rosa Duarte (2006, p.117), “os primeiros programas


caipiras no rádio, propriamente ditos, foram se estruturando em torno de alguns
nomes que agregavam em torno de si outros artistas: Cornélio Pires, Raul Torres,
Capitão Furtado (Ariovaldo Pires, 1907-1979) entre outros, misturando música e
humorismo”. Raul Torres foi um dos primeiros a apresentar programas do gênero
caipira no rádio. Conforme Duarte (2006), Torres construiu sua carreira radiofônica
paralelamente à sua carreira de artista caipira. O intérprete diversificou seu
repertório compondo e gravando modas de viola, toadas, marchas de carnaval,
valsas etc.

“Assistia-se, portanto, à constituição de um novo tipo de mercado de


trabalho nas emissoras de rádio, do qual participavam tanto radialistas já com
experiência e traquejo no microfone, quanto novos artistas, muitos provindos
recentemente do interior” (DUARTE, 2006, p. 119).

Com o sucesso de determinadas duplas, algumas delas passaram a


apresentar seus próprios programas. O direcionamento mudava: o objetivo era
atingir as camadas populares que, agora sim, passavam a poder ter acesso ao
aparelho de rádio. Não se tratava mais de uma síntese do regional visando um
projeto de abrasileiramento, mas de uma ampliação do círculo de ouvintes, ou seja,
de uma popularização da atividade radiofônica (DUARTE, 2006, p. 119).

Pode-se pensar que tal processo de mudança tenha ocorrido pelo


próprio meio de comunicação, que se popularizou brevemente após a sua
implantação, abarcando camadas da população cada vez maiores. Isto é, entende-
se que o crescimento regional da música caipira não pode ser pensado a não ser a
partir da popularização do rádio e do disco. Considera-se aqui a importância do
mercado fonográfico enquanto fenômeno de massa, que transforma a cultura
popular regional em matéria-prima a ser consumida, através do rádio, pela recém-
formada sociedade de massa.
50

5 A MÚSICA SERTANEJA: DO ROMANTISMO AO UNIVERSITÁRIO

Foi somente nos anos 1940 que o termo “música sertaneja”


começou a ser usado com mais frequência, rivalizando assim com a “música
caipira”, pois este último já dominava 40% do mercado fonográfico. A criação dessa
expressão, “música sertaneja”, é atribuída ao cantor e compositor Diogo Mulero,
conhecido como Palmeira. Ele dizia que as duplas que gravavam tangos, rancheiras
e boleros não cantavam mais música caipira, e sim sertaneja (ANTUNES, 2012, p.
39).

Nesse período, a música de raiz sofreu um processo de


desnacionalização devido à concorrência com a música estrangeira e “pelo
fortalecimento de uma Indústria Fonográfica, moldada no exemplo internacional e
desinteressada pela tradição cultural” (BUENO et al, 2008, p. 10). A influência dos
ritmos latinos foi a porta de entrada para a transformação da música caipira para
sertaneja. Antunes (2012, p. 44) explica que “um dos motivos que levaram a música
sertaneja a, quieta e mansamente, conquistar mais público, mesmo disputando a
atenção com vários outros gêneros, foi a versatilidade de seus artistas, que nunca
tiveram preconceitos contra ritmos vindos de outros países.”

Além da influência latina, a música caipira herdou, ao longo da


história, traços do rock’n roll, das trilhas sonoras dos filmes hollywoodianos de
faroeste, do country norte-americano, inaugurando, segundo críticos da música, a
era da música sertaneja. Coube-nos aqui a difícil tarefa de dividir e classificar esse
gênero recém-nascido, acompanhando o seu processo de evolução, no que se
refere à linguagem musical e às técnicas de produção.
51

5.1 PRIMEIRO MOMENTO: INFLUÊNCIAS DA MÚSICA LATINA E DO BANG-BANG DOS CINEMAS


WESTERN

Mesmo com 63% da população rural a seu favor na década de 1950,


a música caipira – da calmaria do campo e das sátiras – vai perdendo suas
características, dando lugar à música, agora denominada sertaneja, a qual manteve
traços da primeira, mas que se difere na estrutura, por ter herdado a essência
sonora dos ritmos latinos, trazidos por vários nomes importantes do gênero campino.

A guarânea e o rasqueado paraguaios, trazidos por Raul Torres,


deram origem a duplas como Cascatinha e Inhana, que logo alcançaram o sucesso
com a música “Índia”. A febre das rancheiras mexicanas, com a vibrante sonoridade
dos pistons, se deu também no Brasil com a dupla Pedro Bento e Zé da Estrada,
que tiveram inspiração nos mariachi20. Nessa fusão de culturas, Pedro Bento e Zé
da Estrada fizeram um casamento harmonioso da música sertaneja brasileira com a
música mexicana não só na instrumentação, como também no figurino e nos seus
gritos típicos (ai, ai, ai... hui, hui, hui...) (ANTUNES, 2012, p. 45).

Por um lado, essa invasão de ritmos latinos – rancheiras, boleros,


valsas, tangos – que chegou com fôlego no país, influenciou uma nova geração de
duplas sertanejas, que se pautaram em novos elementos e instrumentos musicais
para que compusessem as canções desse cenário musical que a população
brasileira estava conhecendo. Por outro, contribuiu para que fosse desconstruída
aos poucos a matriz da música de raiz, uma arte genuinamente brasileira, como
defendiam os artistas da Semana de 22.

Depois de alcançado o seu apogeu nos anos 50, a música sertaneja


perdeu espaço para a Bossa Nova e para a Jovem Guarda, influenciada pelo rock
de Elvis Presley e The Beatles, num momento em que o Brasil passava por

20
Os mariachis são uma espécie de seresteiros populares que se apresentam em grupos de oito a
doze pessoas, nos quais os cantores são acompanhados por violões, trompetes e chitarrones. Eles
saíam pelo México se apresentando em cidades, praças, fazendas, sobrevivendo das doações que o
público lhes fazia. (...) O ritmo se tornou para os mexicanos o que o jazz é para os norte-americanos:
a maior expressão da alma daquele país (ANTUNES, 2012, p.44).
52

acelerado ritmo do desenvolvimento urbano, impulsionado pela construção de


Brasília, o que gerou na população uma identificação com elementos cada vez mais
urbanos e ligados à modernidade (ANTUNES, 2012, p. 53).

Rosa Nepomuceno, citada por Lúcia Lippi Oliveira no artigo “Do


Caipira Picando Fumo a Chitãozinho e Xororó, ou da roça ao rodeio”, reitera que os
momentos gloriosos da música e do humor caipira foram os anos 1940 e 1950. Já
nos anos 1960, a música sertaneja perdeu espaço. Segundo ela, o gênero musical
teve que enfrentar nas cidades

a bossa nova e o rock. Seu público era aquele mais ligado a festas
tradicionais que aconteciam no interior e na periferia das cidades. Ficou
sendo a música do pobre, do interiorano e do suburbano, e teve seu lugar
definido – era de segunda classe, do quintal, da cozinha. Os nomes do
período áureo, como Tonico e Tinoco e Inezita Barroso, ficaram relegados a
programas do tipo “hora da saudade” (OLIVEIRA, 2003, p. 255).

A presença da cultura norte-americana na cultura nacional brasileira


permitiu à música sertaneja, enfraquecida pelas novas influências musicais, renovar
o seu perfil já saturado pelo público consumidor. Os causos e as histórias de amor,
entoadas na década de cinquenta, deram lugar ao estilo inovador da dupla Leo
Canhoto e Robertinho, que surgiu na década de 1970. Segundo Antunes, o dueto
introduziu

um visual completamente diferente do sertanejo tradicional: tinham cabelos


compridos, numa clara influência do pop internacional. Todo o figurino que
usavam, inclusive botas, era feito sob encomenda, deixando-os bem
diferentes das outras duplas (ANTUNES, 2012, p. 57, 58).

Em suas músicas, a temática era mais urbana do que rural, devido


ao uso de guitarras elétricas, órgãos e contrabaixos.

Além de cantarem as tradicionais músicas românticas, inovaram ao fazer


uma mistura de música e cinema. Algumas canções da dupla mais pareciam
longas-metragens, com o uso de efeitos sonoros e citações de filmes
americanos de faroeste, entre elas “jack, o matador”, “O homem mau” e
“Buck Sarampo”. O mérito da dupla reside no fato de mesclar música e
cinema, baseando-se nos faroestes e seus duelos (ANTUNES, 2012, p. 58).
53

Entre tantas outras duplas de destaque que surgiram nesse período,


cabe destacar aqui a dupla Milionário e José Rico, que surgiu na década de 1970.
Os “gargantas de ouro”, como eram conhecidos, exaltavam em suas canções o
romantismo – uma nova linguagem para o sertanejo, que definiria o rumo do gênero
musical a partir dos anos 1980, com Chitãozinho e Xororó – ao mesmo tempo em
que exaltavam a natureza e choravam o esquecimento da música caipira. Pode-se
perceber tal afirmação na canção “Memória Esquecida”, de autoria de José Rico,
gravada em 2002, no álbum “O dono do mundo”:

Ai que vontade de ouvir de novo moda sertaneja


Que hoje não se faz
Parece até que a sensibilidade
Ficou na saudade, não existe mais

Me dói saber que alguns artistas


Que alcançaram sucesso na vida
Usaram tanto o sertão com história
Que hoje na memória ficou esquecida

Ai que vontade de ouvir agora


O som da viola num pagode bom
Lindas guarânias que a gente arrepia
No som, na magia do acordeon

Cadê o tal cantador de verdade


Com simplicidade, alma e coração
Apaixonado pela natureza
Cantava as belezas deste meu sertão

Quanta saudade da terra tombada


Do fogão de lenha e o cafezal em flor
E o cantar triste da siriema
Que já foi o tema de canções de amor

Até a linda colcha de retalhos


Serviu de agasalho, já não lembram mais
54

A mãe de leite, divino presente


Hoje ninguém sente a falta que ela faz

Ai que vontade de ouvir agora


O som da viola num pagode bom
Lindas guarânias que a gente arrepia
No som na magia do acordeon

Já não se lembra o velho candeeiro


Que foi o primeiro rei do estradão
Eu agradeço o progresso que vejo
Mas o sertanejo ainda é sertão
Eu agradeço o progresso que vejo
Mas o sertanejo ainda é sertão. (RICO, 2002)

Outro ponto positivo da dupla foi o fato de que ela trouxe visibilidade
nacional para os artistas sertanejos através do sucesso “Estrada da vida”, que
chegou às paradas de sucesso em 1977 (ANTUNES, 2012, p. 67).

Apesar da expansão nacional que houve com o sertanejo latinizado,


alguns artistas mantiveram traços dos gêneros “caipiras” (cururu, cateretê, modas de
viola) em suas canções, o que registra a resistência da cultura rural num momento
de grande desenvolvimento urbano.

Um dos poucos representantes dessa nova geração de artistas


sertanejos que preservou o gênero nas gravações de seus discos foi José Dias
Nunes, o “Tião Carreiro”. A grande contribuição de Tião Carreiro para a música
brasileira foi a criação do “pagode”21, um ritmo que resgatou o talento genuinamente
típico do país, inovando técnicas do tocar a viola caipira.

21
Pagode, pagode de viola ou pagode caipira, são denominações de um gênero novo, criado no final
dos anos cinquenta por Tião Carreiro, que se tornou uma das características mais marcantes do
artista, na qual passou a ser considerado o “Rei e Criador do Pagode”. O ritmo combina um complexo
toque de viola com outro no violão, que herda matrizes da(o) catira, dança e gênero muito antigo
praticado pelas populações caipiras, portanto matrizes caipiras (PINTO, 2008).
55

João Paulo do Amaral Pinto diz que o violeiro começou sua


formação musical na viola provavelmente no contexto dos circos, rádios e palcos das
festas interioranas. Este meio musical serviu de matrizes e referências para que
fossem formadas diversas duplas e violeiros das zonas rurais, onde provavelmente
ainda ocorriam algumas manifestações e festas caipiras, seus toques de viola
(PINTO, 2008, p. 34).

Apesar de defender o desenvolvimento de um gênero musical


peculiar, as músicas gravadas pelo violeiro, enquanto artista solo e, mais tarde,
enquanto dupla com Pardinho, mesclava os gêneros caipiras e gêneros latinos.
Como explica Pinto:

Essas duas tendências, uma mais “tradicional” e ligada às matrizes caipiras


das zonas rurais, e outra mais de influência da indústria fonográfica e do
meio urbano, conviveram em toda a carreira do artista apresentando-se de
diferentes formas, combinações e intensidades de acordo com o período
observado. Observa-se que os discos da dupla vão sempre contemplar
tanto gêneros de massa ligados à indústria fonográfica (tangos, milongas,
rancheiras, guarânias, rasqueados, polcas paraguaias, sambas, toadas,
baladas etc.) quanto gêneros mais “caipiras” (modas de viola, cururus,
cateretês, pagodes, arrasta-pés). As palavras de Luiz Faria confirmam essa
constatação sobre as duas tendências: “O Tião, em todos LPs que ele
gravava, ele fazia questão de ser meio a meio, metade pagode [referindo-se
aos gêneros mais caipiras], metade romântico”. No entanto, observamos
que na discografia do artista os gêneros “caipiras” predominam em relação
aos de massa (PINTO, 2008, p. 35).

Os solos e ponteados de viola de Tião Carreiro se converteram em


referência musical importante para nomes de destaque da viola como Renato
Andrade e Almir Sater, além de diversas gerações de violeiros que até hoje
redescobrem suas gravações (PINTO, 2008, p. 1). Almir Sater, que uniu o blues com
viola caipira, preserva até os dias de hoje traços da música campina, porém não
pertence à esfera de massa da comunidade artística sertaneja contemporânea,
assim como Renato Teixeira e Inezita Barroso, para citar alguns nomes.

O que se observou até o presente momento neste trabalho é a


frequente oscilação entre música caipira e sertaneja, numa disputa longínqua entre
56

arte e mercado fonográfico, sobretudo com a chegada da TV ao Brasil, na década


de 1950, onde surgiram vários programas dedicados ao gênero, a fim de fortalecer
ainda mais o sucesso que já era garantido nas emissoras de rádio de todo o Brasil.

Mas a partir de agora, ver-se-á que a música sertaneja atingiu o seu


patamar e tornou-se um fenômeno de massa expressivo com o boom do romantismo
entoado nas canções, promovido pelo mercado fonográfico, que se encontrava mais
sólido e fortalecido.

5.2 SEGUNDO MOMENTO: AS SAUDADES DA TERRA E A RECUSA DO “SER CAIPIRA”

Um dos grandes fatores responsáveis pela gradativa alteração


estrutural da música caipira foi o êxodo rural, que se fortificou na década 1970. Tais
condições criaram sentimentos conflitantes nos migrantes que basicamente
envolveram dois cenários. Primeiro, as lembranças e saudades da vida no campo
(onde muitos pioneiros afirmavam ser mais fácil de viver, de lidar com os problemas
do cotidiano e de se entender com as técnicas rurais de produção) causadas pelo
choque envolvendo tecnologias, mobilidades urbanas, moradias e principalmente a
limitações da empregabilidade do homem vindo de regiões interioranas.

Segundo, a auto recusa dos sentimentos e sensações citados


anteriormente, muitas vezes interpretados pelos próprios migrantes como momentos
de fraqueza, inferioridade, limitação e incompreensão dos processos de adaptação
junto à vida urbana.

O que aconteceu no campo nos últimos trinta anos foi uma reforma agrária
que estabeleceu relações de trabalho capitalistas com o assalariamento da
mão-de-obra no campo e aumentou a produção. A solução econômica criou
problemas sociais cada vez mais visíveis. Hoje são os excedentes urbanos
desempregados que estão indo para o campo em busca de subsistência, e
há necessidade de expansão da produção para absorver a mão-de-obra
tanto no campo como na cidade (OLIVEIRA, 2003, p. 247-248).
57

Estes conflitos refletiram na vida dos cantores e compositores


caipiras e/ou sertanejos de raiz que, claro, também deixam transparecer nas
músicas. Nesse período, muitas duplas migravam para São Paulo em busca do
sucesso, onde tinham a dificuldade de se adaptarem aos grandes centros urbanos
por estarem enraizadas no campo. A partir dos anos 80, esses artistas
experimentam o boom sertanejo, na qual a música sertaneja, em sua nova fase,
passou a buscar na temática urbana e de “caráter romântico individualista”, um nicho
ainda inexplorado que lhe serviria como principal fonte de inspiração daí em diante
(BARBOSA, 2004, p. 19).

Na explicação de Antunes, a ruptura efetiva entre música caipira e


música sertaneja como a maioria da população brasileira conhece surgiu na
mudança de temáticas. A roça, a criação de animais, enfim, a vida bucólica saem de
cena:

[...] uma abordagem mais “urbana”, aproximou-se de vez do romantismo,


falando de relacionamentos complicados e conflitos internos [...]. O gênero
dava agora uma guinada, rumo às grandes metrópoles, acompanhando a
crescente migração que levava todos os anos milhares de pessoas do
campo para a cidade, e esse público não queria mais ser chamado de
caipira (ANTUNES, 2012, p. 69).

Ao mesmo tempo em que cantavam para um Brasil que voltava a ter


no campo grande força econômica (quase seis décadas depois de ter
experimentado o período mais rico da cultura cafeeira, no caso de Londrina, por
exemplo), as duplas que surgiram nessa época cantavam também para a população
pobre que, expulsa do campo, inchava e empobrecia as metrópoles (OLIVEIRA,
2003, p. 255). Eles negavam o passado rural, mas não esqueciam os semelhantes
que sofriam na cidade com os mesmos problemas.

Cabe sublinhar aqui o dueto de Chitãozinho e Xororó. Os


paranaenses, naturais de Astorga, apresentaram ao Brasil as baladas rancheiras
com roupagem pop cantadas em terças, criando “um abismo intransponível entre os
58

mundos da música tradicional e da sertaneja moderna, que agora ganhava sua


forma mais acabada” (NEPOMUCENO, 1999, p. 198).

Com o lançamento da música “Fio de Cabelo”, em 1982, o gênero se


aproxima definitivamente do romantismo e Chitãozinho e Xororó seriam os
embaixadores desse novo momento.

O sucesso nacional da dupla paranaense abriu o caminho para


muitas outras duplas, que alcançariam o sucesso durante a década de 80, como
Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, Matogrosso e Mathias, João
Mineiro e Marciano, Gian e Giovani e Chrystian e Ralf, além de dar

muito mais visibilidade na mídia, entrou de vez no romantismo e se


aproximou musicalmente do country norte-americano, provando mais uma
vez que o gênero é uma “metamorfose ambulante” que se funde com outros
ritmos sem nunca perder sua essência vinda do campo. Esse novo patamar
alcançado nos anos 1980 representava um renascimento musical que daria
início à derrubada das últimas barreiras que mantinham a música sertaneja
presa a eternos preconceitos (ANTUNES, 2012, p. 74).

Para explicar essas mudanças internas da música sertaneja não


basta mostrar as mudanças sociais e estruturais. As modificações temáticas da
música sertaneja (tornou-se romântica) e a preocupação com a qualidade técnica
das gravações parecem ter sido pré-condições básicas para que ela ampliasse seu
público consumidor.

O estilo também passa a ser marcado por forte influência


internacional, como já foi ressaltado em capítulos anteriores, e deixará inclusive de
ser cantado em duplas por alguns artistas que copiavam um modelo que Sérgio Reis
já vinha seguindo desde 1973:

Uma imagem mista de cowboy americano com peão de fazenda do Mato


Grosso, que foi apenas utilizada na década de 90 por novos astros
românticos advindos do meio rural, como os cantores Leonardo e Daniel
(ambos continuaram atuando sozinhos mesmo depois de trágicos episódios
que os obrigaram a encerrar suas duplas) (BARBOSA, 2004, p. 19).
59

5.3 TERCEIRO MOMENTO: A VISÃO DA CASA GRANDE E O ROMANTISMO PARNASIANO

Estas músicas são representativas de um ‘novo sertão’, de ‘um novo


sertanejo’, empreendedor, moderno, ao mesmo tempo rural e urbano.
Aquele que faz na década de 80 o caminho de volta da cidade para o
sertão, trazendo as influências americanas conquistadas nas cidades, para
as quais os seus pais migraram, nas décadas anteriores (VIEIRA, 2007, p.
6).

A busca da população interiorana pela melhoria de vida na cidade


enfraqueceu os centros urbanos, inchados pela população e, ao mesmo tempo,
permitia o fortalecimento da modernidade no interior. Cidades como Maringá (PR),
Cascavel (PR), Ribeirão Preto (SP), Uberaba e Uberlândia (MG) e Rondonópolis
(MT) modificaram o cenário e os valores rurais nessa época.

Segundo Nepomuceno, os filhos de famílias ricas passaram a


preferir a se fixarem no interior.

Não era mais necessário ir para a capital para ter acesso à informação e a
bens de consumo, a boas universidades e a oportunidades profissionais. Os
interioranos, em vez de seguirem a reboque dos padrões da cidade, foram
buscar no country norte-americano os novos modelos de vestuário, de lazer
e de música. Eles permitiam casar a alma rural com o progresso e com a
riqueza, e não mais a alma ingênua com a pobreza (NEPOMUCENO, 1999,
p. 201).

Esta mudança no comportamento dos descendentes de fazendeiros


também influencia aqueles jovens pecuaristas interessados na música sertaneja.

A curiosa história da dupla João Paulo e Daniel ilustra bem esta


situação: o filho (branco) do fazendeiro se une a um dos funcionários (negro) da
propriedade para fazer música. Percebe-se nos primeiros discos da dupla que o
repertório constitui-se de música sertanejas e caipiras.

Com a morte precoce de João Paulo em setembro de 1997 (vítima


de um acidente de carro), Daniel passa a se enveredar mais pelo sertanejo
60

romântico, mas nunca deixou de aventurar-se pelas raízes caipiras. Exemplos


22
marcantes são “Jeitão de Caboclo” e “Caboclo na Cidade”23, duas músicas típicas
do cancioneiro rural-urbano.

No entanto, este pesquisador percebeu uma característica que


diferencia Daniel, assim como a dupla Vitor e Léo (irmãos músicos que também são
filhos de fazendeiro), entre outros: o fato de terem vindo do campo não os torna
caipiras na cidade porque eles não trabalharam efetivamente na roça ou no
pastoreio.

As referências de quem viveu “no campo”, mas não “do campo” se


divergem e estas divergências aparecem nas músicas românticas deles. Há uma
certa referência ao parnasianismo, onde as composições são bucólicas, uma visão
descompromissada com os problemas do mundo rural.

Convém destacar que, assim como em outros cantores e


compositores, estes enquadramentos não são herméticos. Muitos transitam em dois
ou mais momentos aqui apresentados. Nepomuceno chega a afirmar que
Chitãozinho e Xororó seriam também representantes deste grupo dos “ricos”,
situação da qual discordamos em nossa maneira de abordar os momentos da
música sertaneja:

“Chitãozinho e Xororó traduzem esse interior rico, farto, ligado on line ao


primeiro mundo: eles “foram os primeiros a dar maior dimensão à ligação
sertanejo-country, inaugurada no final dos anos 1940 por Bob Nelson, [e]
também foram os últimos, na geração dos astros populares, a ostentar a
sua herança rural” (NEPOMUCENO, 1999, p. 204).

Uma característica importante e considerada um fator positivo pelos


músicos sertanejos é a percepção de que o público brasileiro é gigantesco –
seguindo os padrões continentais do país – e que há espaço para todos. Assim, uma
dupla não vê problemas em participar do show da outra.

22
Canção número 6, do disco “Mãe de Carvão”, de Liu e Léu, gravado pela Tocantins em 1989.
23
Composição de Dino Franco, a canção faz parte do disco “Rancho da Boa Paz”, de Dino Franco e
Mouraí. As gravações foram feitas pela Globo, em 1982. Fonte:
http://www.recantocaipira.com.br/duplas/dino_franco/dino_franco.html. Acesso em: 20 ago. 2014.
61

Os cantores sertanejos não entendem como concorrência a inserção


de duplas parceiras em eventos, bem diferente daquilo que é percebido na mídia
tradicional de característica mais competitiva: a televisão. Este fato, no entanto,
mereceria uma abordagem maior que, infelizmente, não será feita nesta pesquisa.

5.4 QUARTO MOMENTO: DAS GRANDES EXPOSIÇÕES RURAIS À LINGUAGEM UNIVERSITÁRIA

Se o auge da música caipira oscilou entre 1935 e 1950, no ano


seguinte o gênero assistia à ascensão do sertanejo, influenciado pelos ritmos
latinos. Pelas nossas leituras, a música caipira perde espaço no rádio e começa a
aparecer em outras mídias, principalmente o cinema (entre 1950 e 1960).

Percebeu-se que, nesse momento ímpar, a interlocução da música


caipira com o country norte-americano refletiu nas grandes festas de peão. “A festa
de Peão de Boiadeiro de Barretos torna-se o principal modelo dessa superposição
entre elementos da tradição caipira e do mundo rural” (VIEIRA, 2007, p. 6).

As apresentações folclóricas (catira, moda de viola, queima de alho,


pau de sebo) presentes nas primeiras festas foram substituídas, nesta mesma
década, pelo rodeio, identificado como o evento que misturava esporte com o
trabalho diário dos fazendeiros24.

Em meados da década de 40 surge Bob Nelson, considerado o


primeiro cowboy brasileiro, com suas canções rancheiras copiadas dos filmes
western americanos. Passada a euforia da Jovem Guarda, o country retorna com
força no final da década de 1970, com Chitãozinho e Xororó.

[...] depois de séculos a reboque dos padrões das capitais, o interiorano


passa a buscar no country norte-americano novos modelos, bem mais
prósperos, de vestimenta, lazer e música. Surge uma identificação natural
entre as novas gerações de caipiras e os da América do Norte, que

24
Informações contidas no site do grupo executivo da festa de peão de Barretos, “Os Independentes”,
disponível em <http://www.independentes.com.br/festadopeao/historia>. Acesso em: 17 out. de 2014.
62

sugeriam fórmulas capazes de viabilizar o casamento entre a alma rural e o


progresso (NEPOMUCENO, p.203, 1999).

Daqui em diante verifica-se uma forte tendência country rock na


música sertaneja, claramente influenciada pela euforia do rock nacional dos anos 80
nos estridentes solos de guitarras, nos longos cabelos e no vestuário dos artistas.
Duplas como Zezé di Camargo e Luciano e Leandro e Leonardo abalaram o reinado
de Chitãozinho e Xororó, adotando um estilo mais radical nos palcos e apelando
para apresentações mais ousadas, desconstruindo aquela imagem central das
duplas no palco com seus instrumentos musicais.

Como foco central desta pesquisa é a música caipira, não iremos


detalhar as personalidades que se destacaram na música sertaneja, apesar das
histórias destas e de outras duplas sempre se entrelaçarem com a música de raiz.

Para exemplificar isso, citamos Rio Negro & Solimões, considerada


a dupla que melhor representa a música country no Brasil. O cowboy e suas
vestimentas, o rodeio, as grandes caminhonetes fazem parte da linguagem de quase
todo o repertório da dupla, com pouco mais de 30 anos de estrada.

Depois de experimentar a influência da country music, a música


sertaneja sofreria mais um processo de transição, por sinal o mais rápido em todas a
sua história. Essa nova fase foi denominada sertanejo universitário, termo muito
criticado por artistas sertanejos renomados. José Rico é enfático em dizer que o
“sertanejo universitário” não existe. Para ele,

o universitário gosta de música, seja rock, ou rap, o que for. Inventaram


esse nome de universitário, e até hoje não apresentou ninguém que se
formou. Então, quer dizer, não representou nada, não disse nada. Eles
simplesmente gostam de cantar e cantam música sertaneja. Agora, uns
estão tentando ampliar; outros, até derrubando a música. Eu nunca fui a
favor de pornografia na música, por que música é cultura, e de repente, as
pessoas ficam fazendo aí uma coisa que não tem nada a ver com a cultura
sertaneja, tem nada a ver uma coisa com a outra. Ouviu falar em
universitário todo mundo quer ser universitário. Mas a verdade é: cadê a
criatividade? O que construiu? Nada! Só seguiu os outros. Até pegando
repertório de muitos artistas de sucesso e mudando umas coisas que não
tem nada a ver uma com a outra, mudando o vocabulário, palavreado e
cortando pela metade muitas coisas. Agora, por exemplo, eu gosto do Victor
e Leo; gosto deles cantando. O Fernando e Sorocaba fazem a música
63

deles. Se são considerado universitário eu também não sei. Aí vem


Guilherme e Santiago, que eu vi começando em Goiás. De repente, viram
universitário. O Zezé falhou uma vez em dizer que música não é cultura,
música é ficção, e não é. Eu que me dediquei tanto, e procurei tanto, dentro
desse sistema multiplica-la, criar. Eu falo pra você: quando morreram os
nossos companheiros de arte, Tião Carreiro, Duduca, Tonico, o Belmonte,
eu fiz uma música que chama “Tributo aos Amigos”. Quando o Senna se
acidentou, que veio a falecer fiz a música “Herói da Velocidade”. Então
gente, é desse jeito. A música você retrata assim, por que você tem um
sentimento. Você perde um ídolo e, de repente, nada te impede de fazer
uma homenagem cantando. Então, tem tudo isso. Outros artistas já fizeram
homenagem pra mim; não morri ainda, mas... E essa homenagem é boa
quando a gente tá vivo, por que depois de morto não precisa fazer nada,
não quer dizer nada. Mas é uma lembrança, uma recordação. Agora, o duro
é quando a pessoa compõe uma música, que ela aparece quatro meses e
desaparece. Aí ele inventa outra coisa por que aquela já acabou. Inventa
outra... E assim vai querer enganar alguém a vida inteira? Não! Você
engana alguém por algum tempo, mas a vida inteira você não engana
(RICO, 2014).

A história contada pelo “sertanejo universitário” não agrada ao


locutor e apresentador Havaí, mas, em contrapartida ao pensamento de José Rico,
ele reconhece que o gênero tem a sua importância, por que isso faz parte de um
processo de transição da cultura.

Eu acho que a música raiz, que no começo de tudo fez um grande bem, por
que ela contou histórias maravilhosas que a gente ouve até hoje, e a gente
25
gosta. O sertanejo clássico deixou músicas lindíssimas que vamos ouvir
pelo resto da vida e não vai cansar também, por que é música que fala de
amor, e o amor tá em alta sempre. O sertanejo universitário, que a princípio
as pessoas torcem o nariz, fez um grande bem para música sertaneja. Por
quê? Por que renovou o público. O velhinho e a velhinha que gostavam da
musica caipira raiz, eles já estão se acabando. Daqui a alguns anos esses
velhinhos não existirão mais. Hoje, você canta uma música raiz num show
de sertanejo universitário e o povo canta junto; a molecada canta junto.
Obviamente que eu prefiro as músicas que falam de amor, e que contam
histórias (VARIZE, 2014).

Essa nova vertente da música sertaneja, segundo Antunes (2012),


está interligada com a crescente economia do país, que permitiu o acesso à
universidade de milhares de jovens do interior no começo do século XXI.

Vivendo em repúblicas, longe de suas famílias, esses jovens traziam seus


violões para o campus e se reuniam em barzinhos para cantar, dançar e
tocar velhos clássicos sertanejos. Como o cenário brasileiro não

25
Ele se refere ao sertanejo dos anos 80 e 90.
64

apresentava nenhuma novidade direcionada para esses jovens,


musicalmente eles estavam órfãos. Do ponto de vista do marketing havia
um espaço de mercado a ser preenchido, uma vez que esse público tinha
poder de comprar para consumir novos produtos voltados para o seu
entretenimento. Aos poucos, aqueles que tinham talento musical foram se
encontrando dentro das próprias faculdades e dividindo seu tempo entre os
estudos e uma possível carreira musical (ANTUNES, 2012, p. 89).

A dupla considerada precursora do universitário, segundo Antunes


(2012, p. 90-91), é João Bosco e Vinícius, que apesar de xarás de dois grandes
ícones da MPB, o cantor e compositor mineiro João Bosco e o poeta Vinícius de
Moraes, são influenciados por outras vozes sertanejas. Naturais de Rondonópolis
(MT) e Naviraí (MS), respectivamente, a dupla começou sua carreira em Coxim,
Mato Grosso do Sul. “Após ingressarem na faculdade, em Campo Grande, a dupla
se apresentava, geralmente, em locais frequentados por estudantes, ajudando assim
a dar corpo e forma a esse movimento” (ANTUNES, 2012, p. 91).

O estado de Mato Grosso do Sul é uma das escolas de muitos


artistas sertanejos na nova geração, “que migraram do Paraná e do Rio Grande do
Sul em busca de novas fronteiras agrícolas, e seus habitantes foram influenciados
pelos ritmos do Sul, como o “vanerão”, e também pelo sertanejo tradicional”
(ANTUNES, 2012, 90). Entre os principais artistas que iniciaram suas carreiras
naquele estado destacamos o Grupo Tradição, as duplas Munhoz e Mariano e Maria
Cecília e Rodolfo, o primeiro dueto misto do gênero a fazer sucesso.

Porém, Londrina e Goiânia (GO) são consideradas os maiores


celeiros do sertanejo universitário, inflamados pelas raízes agropecuárias, pela
grande população universitária e pelas importantes exposições rurais que possuem.
A Exposição Agropecuária de Londrina, realizada anualmente pela Sociedade Rural
do Paraná, com sede no município, é anunciada como a maior feira agroindustrial da
América Latina, caracterizando-se como um ambiente propício, tanto para a
promoção de mega shows de artistas renomados quanto para a promoção de novos
artistas locais e regionais.
65

Em toda sua história, Londrina registra mais de 200 duplas


26
sertanejas , incluindo as cidades da região metropolitana. Mesmo tendo nascido e
sido criado no estado de São Paulo, Fernando Fakri de Assis começou a sua
carreira por aqui. Após abandonar a faculdade de Agronomia, formou com Humberto
Santiago (depois com Fernando Zor, com quem continua até hoje) a dupla Fernando
e Sorocaba, uma dos duetos sertanejos mais importantes da atualidade no cenário
nacional, não apenas por inspirar outros artistas, mas pelo o que representam para o
mercado da música.

A dupla já agenciou vários artistas, que se tornaram importantes no


ramo, sobretudo artistas de Londrina. Entre as diversas vozes lançadas pela dupla, o
garoto Luan Santana foi quem atingiu a fama e a mantém firme, realizando mais de
20 shows por mês Brasil afora. Como compositor, “Sorocaba” é um dos líderes
permanentes do ranking do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD)
nos últimos quatro anos, o que significa que as músicas compostas por ele são as
mais tocadas nas rádios de todo o país27.

Milhares de outras duplas surgiram em virtude de um mercado


fonográfico cada vez mais aquecido pela alta demanda de jovens universitários, que
muitas vezes abandonavam a faculdade para se aventurarem no campo da música
sertaneja, em busca de fama e dinheiro. Subordinados à regência comercial
estabelecida pelas gravadoras, essa nova escola de artistas sertanejos sempre
esteve presa a um processo ressonante, no que se refere à linguagem e à melodia
das canções. Já na década de 70, Caldas dizia que:

Neste caso, a indústria cultural age via consumidor já manipulado em seu


gosto, e determina o que deve ser gravado, obedecendo às leis do mercado
concorrencial. Assim, qualquer dupla sertaneja, que já tenha ou não seu
público formado, que se proponha a realizar um trabalho que não seja
reconhecidamente comercial, estará irremediavelmente fadada ao
insucesso. É desta forma, portanto, que se verifica a total perda de
autonomia e criatividade do artista sertanejo em sua obra. [...] Entre outros

26
Dados apresentados pelo locutor Havaí.
27
Sorocaba chegou a afirmar que, "na posição que estou hoje, conseguiria me manter apenas com
os direitos autorais". A entrevista foi publicada em março de 2012 e está disponível no site do ECAD:
<http://www.ecad.org.br/pt/noticias/Clipping/Paginas/Sorocaba-'Hoje-conseguiria-me-manter-apenas-
com-direitos-autorais'.aspx> . Acesso em: 15 out. 2014.
66

aspectos, é a reprodução mecânica da música sertaneja que degrada


também o seu aprofundamento estético formal, aniquilando qualquer
possibilidade de vir a se tornar arte realmente (CALDAS, 1977, p. 17,18).
67

6 A MÚSICA SERTANEJA DE RAIZ EM RÁDIOS DE LONDRINA

Pretende-se nesse tópico fazer um breve histórico das rádios de


Londrina, a fim de comparar suas respectivas grades de programação.

6.1 DA RÁDIO LONDRINA À RÁDIO UNIVERSIDADE

A história do rádio em Londrina revela a diversidade musical e de


programação entre uma emissora e outra, muitas delas preocupadas em apresentar
ao público a sua peculiaridade, algo diferente do que apresentava uma determinada
concorrente. Algumas, ao longo do tempo, foram reformulando a sua programação
pela baixa audiência alcançada, recebida com muitas críticas pela parcela de
ouvintes que preferiam a programação antiga.

Segundo Pinheiro (2001, p.18), a programação da Rádio Londrina,


por exemplo – a primeira rádio da cidade de Londrina –, procurava atender os
gostos diferentes parcelas da população, como programas como “Salão de Veneza”,
só música italiana, “Relíquias Portenhas”, só tangos, “Almoço Musical”, só músicas
clássicas e “Crepúsculo Sertanejo”, com os sucessos sertanejos da época. Além da
programação musical, havia o radioteatro e a radionovela, apresentados no auditório
próprio da rádio e responsáveis pelo sucesso da ZYD-428.

Verifica-se no fim da década de 60, com o forte dinamismo da rádio,


um grande número de programas específicos de música caipira; a grande maioria
deles apresentada pela manhã e no final de tarde, respectivamente períodos em que
o trabalhador rural já está de pé, pronto para ir pra roça e quando ele retorna da
mesma. Entre os programas estão “Cheiro de Terra” (às 5h da manhã de sábado),
“Sábado Alegre” (às 13h de sábado), “Sertanejo Terra Júnior” (às 18h30, aos
sábados) e o “Paradão Sertanejo” (às 19h, aos domingos).

Até o final da década de 1960 não havia espaço para o sertanejo na


Rádio Difusora, que seguia um modelo carioca de programação (samba, rumba,

28
Prefixo oficial da Rádio Londrina.
68

valsa). Não há muitos dados sobre a programação dela. Sabe-se apenas, através
dos locutores entrevistados que após a mudança de direção da emissora, 80% da
programação eram dedicadas ao sertanejo, assim como acontecia na Rádio Auri-
verde, já extinta29.

A Rádio Paiquerê Am, inaugurada em 1957, quis adotar uma


programação diferente das outras rádios, abolindo a música caipira, o programa
sertanejo e a dedicatória de músicas de sua programação. Além do radioteatro,
outro diferencial era o programa “Pau de Arara”, que contou com a participação de
Ted Jones, “o cantor cowboy”, que já se apresentou em programas de emissoras
paulistas e cariocas (PINHEIRO, 2001, p.53).

A rejeição à música sertaneja perdurou por bastante tempo, o que


ajudou para que a Paiquerê fosse reconhecida como uma rádio de prestígio, por dar
início à nova era do rádio londrinense, que privilegiava o noticiário geral e o esporte.
Apesar de rejeitar a música caipira, havia um programa denominado “Rincões da
nossa terra”, que ia ao ar às 4h30, de segunda a sábado, o que me leva a
questionar a programação sobre tal rejeição.

O programa “Entardecer Sertanejo” (17h às 18h, de segunda à


sexta) fazia parte da programação da Rádio Norte (antes, Rádio Clube – 1963),
entre uma diversidade de programas que a emissora apresentava (religiosos,
jornalístico, comercial, esportivo, entre outros).

A Rádio Tabajara, última emissora da década de 60, chegou a fazer


sucesso como uma programação eminentemente musical (PINHEIRO, 2001, p. 112).
Talvez tenha sido a emissora que mais privilegiou a música caipira, com quatro
programas específicos de segunda à sexta e 1 aos sábados.

A Rádio Paiquerê FM foi uma das primeiras emissoras a incluir em


sua programação a chamada “jovem música sertaneja”30, com artistas de renome
como Sérgio Reis, Sula Miranda e Chitãozinho e Xororó, além da música gaúcha e
do forró. A programação era inteiramente popular (desde o romantismo de Roberto

29
Não conseguimos registros sobre a data de fechamento da emissora.
30
Programa exibido das 5h às 8h,todos os dias.
69

Carlos ao “Lambra tchan”), passando por todos os cantores de sucessos da música


sertaneja (PINHEIRO, 2001, p. 127). Outorgada em 1980, a Rádio Cruzeiro do Sul
(hoje Rádio Igapó FM)

preferiu a sonoridade dos clássicos contemporâneos, das músicas


orquestradas, do Jazz e da MPB. Porém, em 1990, as dificuldades do
mercado anunciante levam a Cruzeiro a mudar seu target e,
consequentemente a sua programação. A partir daí, o clássico passa a
dividir espaço com o country, com o balanço e até com roquinhos
(PINHEIRO, 2001, p. 140).

Analisando a programação musical das emissoras londrinenses,


voltada para o nosso objeto de pesquisa, a música sertaneja, verifica-se que há uma
porcentagem importante de programas específicos de música caipira, mas em
contrapartida a parcela de emissoras que rejeitam a música caipira também é
relevante, considerando-se a população estava mais concentrada no entorno urbano
do que na zona rural.

6.2 A MÚSICA CAIPIRA NA PRODUÇÃO RADIOFÔNICA EM LONDRINA

A presença significante da música caipira em Londrina se deve à


cultura agrícola e à produção pecuária, predominante no território da região
londrinense desde a sua ocupação. A criação de gado31 e principalmente as grandes
lavouras de café, usuária de mão-de-obra em abundância, atraíram vários
migrantes, sobretudo mineiros e paulistas, que perceberam o potencial de
crescimento e o desenvolvimento da cidade. Nos anos 50, a grande produção
cafeeira levou a então pequena cidade do interior do Paraná a ser considerada
como Capital Mundial do Café, produzindo 51% do café de todo o mundo. Nessa

31
O precursor da raça zebuína (o conhecido nelore) no Brasil, por exemplo, foi o fazendeiro
londrinense Celso Garcia Cid, também fundador da empresa de transporte terrestre Viação Garcia.
Entre 1957 e 1962, Garcia Cid fez três viagens à Índia e estabeleceu amizade com o marajá de
Bhavnagar, de quem adquiriu e importou o primeiro touro zebu. Mais detalhes da trajetória da família
estão na reportagem da Revista Dinheiro Rural. Disponível em:
<http://revistadinheirorural.terra.com.br/secao/agronegocios/as-racas-dos-garcia>. Acesso em: 11 out.
2014.
70

década, a população londrinense saltou de 20 mil habitantes para 75 mil32, sendo


que metade se encontrava na zona rural.

Com a mecanização da agricultura nos anos 70 e com a histórica


geada de 1975, a população rural migrou para o espaço urbano em busca de
emprego, inchando ainda mais a periferia da cidade. Contudo, é interessante
ressaltar que, mesmo com esse crescimento, o perfil da cidade se manteve
arraigado à agricultura.

Na análise para este trabalho pudemos perceber que Londrina


enfrentou, pelo menos, três processos migratórios: a chegada de imigrantes
estrangeiros (alemães, japoneses, árabes, italianos, entre outras etnias); a migração
nacional, incentivada pelas grandes lavouras de café e pela possibilidade de adquirir
terra vermelha de boa qualidade; e o êxodo rural regional e local, que obrigou uma
grande parcela da população rural, do município ou de cidades vizinhas, a vender
suas terras e trocar o sítio por uma casa e um emprego de baixa remuneração na
cidade.

O que chama a atenção nos resultados destes levantamentos é que


a população londrinense – a reunião dos nascidos na cidade com os migrantes do
campo – (se)aceitou sem preconceitos às músicas caipira e sertaneja, fortalecendo
as programações radiofônicas locais dedicadas aos gêneros.

Foram essas condições culturais que moldaram o perfil das


emissoras de rádio em Londrina, que dificilmente adotavam a programação erudita e
com enfoques urbanos que havia em muitas emissoras de outras regiões do Brasil,
principalmente nas metrópoles.

Pesquisas sobre a história do rádio no Brasil, como as de Sônia


Moreira (1991) e Ferraretto (2001), mostram que no Rio de Janeiro, por exemplo, a
música clássica e as canções populares (não confundir com a MPB contemporânea,
que se consolidaria apenas nos fim dos anos 1960) de Orlando Silva, Emilinha
Borba, Francisco Alves, Araci de Almeida, entre outros, explodiam em rádios como a

32
Dados do site da Câmara Municipal de Londrina, disponível em
<http://www1.cml.pr.gov.br/cml/site/historia_londrina.xhtml>. Acesso em: 10 out. 2014.
71

Nacional e a Mayrink Veiga. O mesmo ocorria em rádios paulistanas como a Record


e a Cruzeiro do Sul. Dificilmente se ouvia o som de viola nas emissoras cariocas. No
entanto em São Paulo, como reforçam Caldas (1987) e Brandão (1983), havia certo
espaço para todo tipo de cultura: a folclórica, a música popular, a caipira além da
erudita.

Com base na obra “Da Rádio Londrina à Rádio Universidade”, de


Francisca Pinheiro (2001), e em entrevistas com apresentadores de programas
caipiras de Londrina foi possível verificar uma quantidade significativa de programas
radiofônicos dedicados ao gênero musical, existentes desde a pioneira Rádio
Londrina até os dias atuais, o que comprova a fidelidade – mesmo que reduzida – do
ouvinte à música caipira, sobretudo o urbano.

Este pesquisador optou por dividir emissoras e programas em três


quadros, para que se possa visualizar melhor a queda drástica da programação
musical caipira em rádios de Londrina. No primeiro listamos os programas que
estiveram no ar antes da década de 90. O segundo quadro é um retrato dos
programas que nasceram depois dos anos 90 e também daqueles que resistiram até
esta década. O terceiro mostra os programas que compõem o cenário atual das
emissoras.

Quadro 1 – Programas existentes até o fim da década de 1990.

Programa Emissora Apresentador Horário / Dias


6h às 7h
Alma Cabocla Rádio Londrina Paiol (segunda à sexta)
6h15 às 8h30
Alma Cabocla Rádio Londrina Éverson Moreira (aos domingos)
Amizade Sem 17h às 18h
Rádio Londrina Paulo Vargas
Fronteira (segunda à sexta)
5h às 7h
Cheiro de Terra Rádio Londrina Paiol (aos sábados)
Crepúsculo À noite (horário não
Rádio Londrina J. Negrão
Sertanejo especificado)
Paradão
Rádio Londrina Éverson Moreira 19h (aos domingos)
Sertanejo
72

RG Campos 13h às 14h


Sábado Alegre Rádio Londrina
Produções (aos sábados)
Sertanejo Terra 18h30 (aos
Rádio Londrina Terra Júnior
Júnior sábados)
Entardecer 17h às 18h
Rádio Norte Élcio Mendes
Sertanejo (segunda à sexta)
Sábado 13h às 18h
Rádio Norte Élcio Mendes
Sertanejo (aos sábados)
4h30 às 5h30
Rincões da Rádio Paiquerê
Coronel Mathias (segunda à
Nossa Terra AM sábado)
O Fino da
Rádio Paiquerê 6h às 7h
Música Coronel Mathias
AM (aos domingos)
Sertaneja
Madrugada Lázaro 0h às 4h
Rádio Tabajara
Tabajara Calheiros (segunda à sexta)
Programa Hora Lázaro 4h às 6h
Rádio Tabajara
Sertaneja Calheiros (segunda à sexta)
Programa
Lázaro 17h às 18h30
Lázaro Rádio Tabajara
Calheiros (segunda à sexta)
Calheiros
Sertanejo Nota Lázaro 20h às 0h
Rádio Tabajara
Dez Calheiros (segunda à sexta)
Sertanejo Lázaro 20h15 às 20h45
Rádio Tabajara
Musical Calheiros (aos sábados)
6h às 7h
Rádio (segunda à sexta)
Voz e Viola Cléber Tóffoli
Universidade FM 8h às 11h
(aos domingos)
Fontes: levantamentos do autor e também de Pinheiro (2001).

Como se percebe no quadro acima, o cenário da música caipira no


rádio era bastante amplo na segunda metade do século XX. Destaca-se aqui a
programação da Rádio Londrina, que era (e continua sendo) praticamente toda
dedicada ao gênero. Em entrevista a este pesquisador, Éverson Moraes, 75 anos e
locutor na emissora desde 1955, confirmou a existência de diversos programas
dedicados à música caipira, sobretudo os dele. Segundo o radialista, o que mais lhe
marcou foi o “Correio Sertanejo”, um programa que prezava a interação com o
público através de cartas. “Era carta que não acabava mais”, conta Éverson.

O locutor é enfático ao dizer que a boa relação entre “quem está de


um lado do rádio e quem está do outro” ainda se dá através do respeito e da
atenção.

O que o ouvinte quer? Isso eu aprendi com o meu pai. Ele quer carinho,
respeito; você tem que sempre levar na seriedade, não procurar falar
73

mentira no ar. E usar como eu uso: eu falo de Jesus o programa inteirinho.


Não falo em religião no rádio; não falo em futebol e não falo em política. E,
graças a Deus tem dado certo. [...] O segredo é esse: seja humilde; não
procure impostar voz, por que isso não existe (MORAES, 2014).

A Rádio Londrina foi também um espaço para que muitas duplas


locais e regionais apresentassem programas. A dupla Zé Tapera e Teodoro
apresentarou “O Domingo é Nosso”, em 1965. Zé Tapera, como era conhecido José
Sônigo, nasceu em Barretos, São Paulo, no dia 19 de março de 1993, e formou
dupla, primeiramente com seu irmão Anselmo, o Paiozinho. Numa viagem para o
Paraná, Zé Tapera conheceu Teodoro (hoje da dupla Teodoro e Sampaio), natural
de Santo Antônio da Platina, município do mesmo estado localizado no chamado
norte pioneiro.

Outra dupla de destaque que atuou na emissora, inclusive no


mesmo programa que Zé Tapera e Teodoro, foi Mensageiro e Mexicano. Hélio
Granado, o Mensageiro, é natural de Cambará, município do norte pioneiro do
Paraná. Dimas Souza Sales, o Mexicano, é natural de Jequié, Bahia, e veio para o
Paraná ainda criança, onde conheceu Hélio, no distrito de Serra Morena,
pertencente ao município de Uraí, também do norte pioneiro paranaense.33

Cabe destacar ainda o programa “Voz e Viola”, de Cléber Tóffoli, no


ar há 24 anos. O importante crédito para este programa se deve ao fato de Tóffoli
ser o único locutor de produções radiofônicas caipiras, entrevistado por este
pesquisador, que preservou o acervo dos scripts de todos os seus programas, desde
o primeiro, apresentado em 11 de agosto de1991, até os que ele apresenta hoje. Por
isso, faremos uma análise mais aprofundada desse programa no próximo subitem
deste capítulo.

No segundo quadro, torna-se perceptível uma queda importante da


quantidade de programas em relação ao primeiro quadro. Atribuímos esse fato à
chegada do sertanejo, que conquistou o país, através da linguagem romântica
presente nas canções. A força com que este gênero chegou ao final da década de

33
Informações encontradas no site Recanto Caipira, disponível em:
< http://www.recantocaipira.com.br/mensageiro_mexicano.html>. Acesso em: 13 out. 2014.
74

90 desequilibrou significativamente o cenário da música caipira, já enfraquecida pelo


fenômeno de massa na qual o rádio havia se tornado. Muito antes dos anos 1990,
Waldenyr Caldas (1977) já apontava como causa principal desse processo crescente
e irreversível a Indústria Cultural, responsável pela transformação da arte em mero
produto para ser consumido pelo público de massa. Sobre isso, ele diz:

Para que esse consumo a que estamos nos referindo aconteça, é


necessário, antes, levar em conta que todo trabalho ligado à arte, destinado
ao consumo de massa, terá, de acordo com essa ideologia, que
“acompanhar” o gosto estético do público, sem se preocupar com o seu
desenvolvimento sócio-cultural. Caso contrário, esse produto não tem
interesse comercial. É produto que já nasce falido (CALDAS, 1977, p. 1).

Quadro 2 – Programas existentes a partir dos anos 2000.

Programa Emissora Apresentador Horário / Dias


Cléber Tóffoli / Silas 8h às 11h
Voz e Viola Igapó FM
Luis (aos domingos)
Clássicos Havaí 18h às 20h
Igapó FM
Sertanejo (Luiz Carlos Varize) (aos domingos)
Rádio 6h às 8h30
Alma Cabocla Éverson Moraes
Londrina (aos domingos)

Amizade Sem Rádio 16h às 18


Éverson Moraes
Fronteira Londrina (segunda à sexta)

Canta Brasil Rádio 18h30 às 0h


Éverson Moraes
Caboclo Londrina (aos domingos)

Especial Havaí 3h as 6h, 5h às 6h


Rádio Norte
Sertanejo (Luiz Carlos Varize) (seg a sex)
Rádio UEL 5h às 7h (aos
Moda de Viola Pedro de Mello
FM domingos)
Fonte: levantamentos do autor e também de Pinheiro (2001).

Se no segundo quadro essa redução de espaço da música caipira se


acentua, no terceiro constatamos a resistência de apenas sete programas com a
programação voltada para o segmento. É válido destacar que a nossa pesquisa
está focada nos programas estritamente caipiras, os quais seus nomes e todos os
75

detalhes da produção estão voltados ao gênero. Porém, abrimos exceção para


selecionar aqueles que, além de tocar modas de viola, tocam o sertanejo romântico
das décadas de 80 e 90, que, poderia ser considerado o lado “cult” do sertanejo,
em relação ao sertanejo atual.

Quadro 3 – Programas existentes na atualidade.

Programa Emissora Apresentador Horário / Dias


Rádio 6h às 8h30
Alma Cabocla Éverson Moraes
Londrina (aos domingos)
Canta Brasil Rádio 18h30 às 0h
Éverson Moraes
Caboclo Londrina (aos domingos)
Amizade Sem Rádio 16h às 18h
Éverson Moraes
Fronteira Londrina (segunda à sexta)
8h às 11h
Voz e Viola Igapó FM Cléber Tóffoli / Silas Luis
(aos domingos)
Clássicos Havaí 18h às 20h
Igapó FM
Sertanejo (Luiz Carlos Varize) aos domingos)
Rádio UEL 5h às 7h
Moda de Viola Pedro de Mello
FM (aos domingos)
Fonte: levantamentos do autor e também de Pinheiro (2001).

Para tratar das condições atuais da música caipira na programação


radiofônica de Londrina, decidimos destacar o programa “Voz e Viola”, de Cléber
Tóffoli, que melhor exemplifica o perfil que buscamos identificar desde o início
dessa pesquisa: um programa estritamente voltado à música caipira.

6.2.1 Rádio Universidade FM: A Mãe Do “Voz e Viola”

Cléber Tóffoli tem 67 anos, é professor de Matemática por formação


e radialista por carreira. Cléber contou a este pesquisador que a paixão pelo som da
viola vem da infância em Jacarezinho, norte pioneiro do Paraná, onde foi criado. Em
1967, quando chegou a Londrina, encontrou uma cidade “ocupada” pelas músicas
caipiras e pelo sertanejo efervescente. Isso em plena explosão da Jovem Guarda.
76

A convivência com vários artistas de renome da época(Milionário e


José Rico, Leôncio e Leonel, Lourenço e Lourival, entre outros) que viviam nos
corredores da emissora Auri Verde despertou em Tóffoli o desejo de fazer parte
desse movimento musical, através do rádio.

Em 1990, mais ou menos, eu já mexia com isso, quando fui secretário de


Educação e Cultura de Londrina. Como os programas de rádio [dedicados à
música caipira] começaram a desaparecer eu pensei: agora é a minha
chance! Tinha programas na televisão, como o do Marcelo Costa, por
exemplo. No rádio, tinha o programa do Siqueira Martins, do Coronel
Matias, que foi o nome mais importante aqui da cidade. Os artistas também
tinham programa, como o Zé Tapera e Teodoro. Tinha muita coisa na
década de 80, mas aos poucos tudo foi sumindo, não tinha mais quase
nenhum programa. Aí, disse a mim mesmo: tenho que resgatar isso! Então,
eu fiz o primeiro festival “Voz e Viola” aqui em Londrina, em 1991. Trouxe
Tião Carreiro e Pardinho, Adauto Santos, João Pacifico, que é o maior poeta
da música caipira e sertaneja – ele que era o poeta de Raul Torres –, Pena
Branca e Xavantino... Fiz um resgate. A Orquestra Sinfônica da
Universidade Estadual de Londrina (Osuel) apresentou um número tocando
cinco músicas caipiras. Aí, a Rosa Abelin me convidou para fazer um
programa na rádio UEL. Ela me disse: Clebão, vamos começar um
programa na rádio? Aí comecei lá (TOFFOLI, 2014).

No dia 18 de agosto de 1991, num domingo, ia ao ar o primeiro


programa “Voz e Viola”, produzido e transmitido na Rádio Universidade FM (Rádio
UEL). Este não foi somente um programa de música caipira, mas também sobre
música caipira, um dos motivos pelo qual este pesquisador quis dar ênfase a ele. O
fato de Cléber ter feito um arquivo (em papel) dos roteiros de 90% dos seus
programas apresentados foi outra grande vantagem para esta pesquisa, pois nos
permitiu que fosse feita uma análise documental aprofundada e rica em detalhes que
fortalecesse a nossa investigação acadêmica e jornalística.

No início, o programa era apresentado de segunda à sexta-feira, das


6 horas às 7 da manhã. Com o tempo, Tóffoli ganhou espaço também aos
domingos, das 7 horas às 9 da manhã, alternou o horário de apresentação para as 8
horas até as 10, e ganhou uma hora a mais, público e confiança, fixando-se das 8
horas às 11 da manhã.
77

Analisando o roteiro do primeiro programa, muitos aspectos nos


chamaram atenção: o roteiro bem definido, com conteúdo e muita interatividade com
o ouvinte. A estrutura do programa apresentada na figura 1 é praticamente a mesma
que Tóffoli ainda utiliza atualmente, sem ter passado por uma alteração importante
sequer.

Figura 1 - Primeiro “Voz e Viola”, apresentado na Rádio Universidade FM, no dia 11


de agosto de 1991 (parte I)

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


78

Figura 2 - Primeiro “Voz e Viola”, apresentado na Rádio Universidade FM, no dia


11 de agosto de 1991 (parte II).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


79

Num primeiro momento, o formato do programa estava assim


definido: o primeiro bloco era reservado para entrevistas com artistas do gênero
caipira; no segundo, era feita uma seleção de músicas que tocava nas rádios; no
terceiro, “os sucessos de sempre”: uma sequência de músicas que fizeram e ainda
faziam história. Segundo Cléber, a ideia era sempre ter uma entrevista.

Todo domingo eu tinha um entrevistado; desde o primeiro programa. E fazia


o cara contar histórias e histórias... [...] Entrevistei todas as duplas regionais.
Quando as duplas de fora apareciam por aqui eu fazia uma entrevista.
Quando acabou esse estoque das duplas regionais, eu já estava mais
conhecido. O pessoal passava pela universidade e eu gravava uma
entrevista. Eu estava sempre lá, então o cara não precisava marcar comigo.
Gravei com Léo Canhoto e Robertinho, Helena Meireles, Pena Branca e
Xavantino, Liu e Léu... Então, fui gravando com essa turma toda. E eu tenho
algum desses programas em fita cassete. Tinha esse formato. Aí,
perceberam que eu tinha que aumentar o horário (TÓFFOLI, 2014).

O “Voz e Viola” ia ao ar aos domingos de manhã e logo foi se


projetando em toda a cidade, mesmo com a curta capacidade de alcance que a
emissora comportava na época. Não demorou muito para que o programa ganhasse
um espaço na programação semanal, das 6 horas às 7 da manhã. Em 1995 34,
estava consolidado o roteiro desse programa, sem que houvesse alguma alteração
desde essa data até os dias atuais, na rádio Igapó FM, onde Cléber atua hoje
(assunto que trataremos mais adiante neste trabalho).

34
Damos esta data pela falta de documentos de anos anteriores, que poderiam comprovar se o
programa já havia acrescentado os blocos “Atendendo Seus Pedidos” e “Cantinho Viola”, no período
entre os anos 1991 e 1994.
80

Figura 3 - Primeiro “Voz e Viola”, apresentado na Rádio Universidade FM, no dia


11 de agosto de 1991 (parte III).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


81

Figura 4 - Primeiro “Voz e Viola”, apresentado na Rádio Universidade FM, no dia


11 de agosto de 1991 (parte IV).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


82

No programa semanal (veja figura 5) havia seis blocos, com duas


músicas cada um, o nome dos interpretes e o nome dos compositores, o qual ele
defendia atenciosamente e sempre faz questão de pronunciá-los após cada canção
tocada.

Eu anuncio a música que eu vou tocar e quem vai cantar, e ao


“desanunciar”, eu dou o nome do compositor, sempre. Não tem isso! Tem
cara que me entrega o disco que não tem o nome do compositor. Eu não
vou tocar o seu disco, falo na cara! Se não tiver eu não toco! É simples; não
existe música sem compositor, assim como não existe música sem cantor.
O cantor vai cantar o que? Tem que ter os dois! Eles têm a mesma
importância (TÓFFOLI, 2014).

Além destas informações importantes que o radialista inseria em seu


roteiro, havia outros detalhes curiosos, como as estações do ano e as fases da lua.
Segundo Cléber, a comunidade rural ainda mantém, desde a antiguidade, um mito
que associa tais fenômenos naturais à agricultura.

Andrey Linhares (2005) nos dá uma visão mais ampla de como tal
processo se dá, através de sua pesquisa realizada no município de Mossâmedes,
em Goiás, sobre a produção e a reprodução da identidade cultural caipira.

Havia e ainda há, entre os mais antigos, uma espécie de calendário lunar
35
que norteia muitas atividades no meio rural. Entre os mossamedinos , para
que haja maior êxito e melhor rendimento, muitas atividades são feitas
obedecendo às fases da lua: o milho, o feijão e o arroz são plantados nas
luas nova, crescente e cheia, evitando-se a lua minguante; a castração de
animais, como porco, cavalo e boi é realizada, preferencialmente, nas luas
nova e cheia; as folhas e verduras são plantadas na fase da lua nova;
espécies que dão em baixo da terra, como mandioca, batata e inhame são
plantadas na lua minguante; a minguante também é a fase mais adequada
para roçar pasto e cortar madeira quando se pretende fazer alguma cerca,
curral, paiol ou madeiramento para cobrir casas, pois, tal lua evita o
carunchamento e deterioração precoce da madeira; de acordo com os
informantes, a lua crescente não é muito apropriada para pescar; quando se
deseja que o cabelo diminua ou afine, a lua mais indicada para cortá-lo é a
minguante, para fazê-lo crescer, é a crescente e para aumentá-lo, a lua
mais favorável é a nova ou a cheia (LINHARES, 2005, p. 80-81).

Essa riqueza de detalhes reforça a característica genuinamente


caipira do programa, pois muito se aproxima do caipirês, não somente pela música,
mas também pela forma de comunicação do locutor com o homem campino, que

35
Gentílico de quem é natural de Mossâmedes, município situado no estado de Goiás.
83

amanhece e dorme ouvindo rádio, depois de passar o dia todo nos pastos ou na
lavoura.

No que se refere à uniformidade dos programas, já citada


anteriormente, podemos verificá-la nos próximos roteiros que serão apresentados a
partir daqui, cada um deles relativos a períodos diferentes.

Figura 5 – Exemplar de uma edição semanal do “Voz e Viola” de 1994.

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


84

O programa dominical, que já havia ganhado uma hora, em meados


de 1993 (apresentado entre 8 e 11 horas da manhã) apresenta agora quatro blocos
bem elaborados, em que é perceptível o desejo de exaltar a música caipira e de
estendê-la à toda população londrinense, a fim de que sua memória seja
preservada, sobretudo para o futuro.

No primeiro bloco, “Sucessos de Sempre”, é o espaço onde Cléber


realizava suas entrevistas com os diversos artistas caipiras e sertanejos, regionais e
renomados nacionalmente, como pudemos observar na figura 4, além de tocar os
grandes sucessos da música caipira, que fizeram e fazem história até os dias atuais.
Numa entrevista longa em estúdio, o radialista faz um apanhado histórico da dupla,
ou do artista solo, desde a sua origem até o presente momento, contando seus
causos, histórias, as lutas para gravarem seus discos, as regravações e as
influências musicais.

Num segundo momento o(s) artista(s) revelam(m) suas preferências,


seus gostos musicais, seus ídolos, as músicas próprias que mais gostam, quais as
perspectivas futuras para a carreira e se está valendo a pena continuar com a dupla,
tendo em vista que era comum a separação de parcerias nesse período. Num
terceiro momento, é o espaço para um questionamento mais jornalístico e incisivo,
relativo ao mercado fonográfico e aos fracassos identificados pelos entrevistados.

Esse tipo de entrevista, a qual Nilson Lage (2001) classifica como


temática, pode ser uma ferramenta bastante importante na educação musical do
caipira, que geralmente desconhece o contexto histórico e a importância para a
humanidade do som de viola que ele ouve no rádio todos os dias.

O processo pelo qual as músicas selecionadas para esse bloco


passam é bastante criterioso e interessante. Antes de colocar uma música no ar,
Cléber pesquisa a vida e obra de cada artista, suas influências musicais, os
respectivos compositores, e uma gama de outros detalhes. Segundo Tóffoli, essa
técnica tem dado certo até hoje.

O segundo bloco, “Cantinho da Viola”, privilegia as modas de viola,


no sentido original do gênero, na qual fazem parte desse círculo Tião Carreiro,
85

Renato Andrade, Almir Sater, para citar apenas os mais influentes. Antes que a
música entrasse no ar se fazia um breve histórico do artista, complementando o que
foi dito no parágrafo acima. Na sequência, é feita a seleção de uma hora com as
músicas mais tocadas nas rádios de todo o Brasil em “O Que Rola Nas Rádios”.
Inclusive são incluídas no repertório algumas duplas sertanejas, como Chitãozinho e
o Xororó, João Paulo e Daniel, Zezé Di Camargo e Luciano, entre outros do gênero.
Observamos que nos primeiros programas um determinado artista era
homenageado nesse bloco.

Por fim, Cléber atendia aos pedidos dos ouvintes no “Atendendo o


Seu Pedido”, um bloco que só apareceu quando o seu programa se estendeu de
duas para três horas de duração. “Essa coisa de atender pedidos eu trouxe do
[rádio] AM, porque o FM não tem esse perfil”, contou Cléber.

Foi dada uma atenção especial nesse bloco, não somente pelo fato
de o locutor interagir com o ouvinte, mas por ter-se observado alguns detalhes (ver
na figura 7) curiosos que chamaram a atenção deste pesquisador. Por exemplo, o
locutor anexava quase sempre no roteiro o nome do ouvinte com o pedido feito por
ele, ficando registrado como documento de análise para futuros pesquisadores,
como este.

Outro detalhe importante é forma de distribuição das músicas


pedidas pelos ouvintes. Para evitar que as músicas fossem repetidas, o radialista faz
um controle do acervo, computando todos os pedidos. “Se eu toco uma música
nesse domingo, e outra pessoa liga na semana que vem, pedindo a mesma música,
automaticamente eu já atendi ao pedido dela no domingo passado, entende? Por
que tem cara que liga o ano inteiro pedindo a mesma coisa sempre (risos)”, explicou
Tóffoli.

Essa é a importância de criar um acervo que sirva de parâmetro


para pesquisadores como este, no que se refere à construção da memória cultural
de Londrina. Observemos alguns desses detalhes nas figuras abaixo.
86

Figura 6 – Exemplar de um programa dominical (parte I).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


87

Figura 7 – Exemplar de um programa dominical (parte II).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


88

Figura 8 – Exemplar de um programa dominical (parte III).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


89

Figura 9 – Exemplar de um programa dominical (parte IV).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


90

Pode-se confirmar nas figuras abaixo que não houve mudanças no


roteiro da programação. Mesmo deixando a Rádio Universidade em 2001, após ter
se aposentado, Cléber mantém vivo o “Voz e Viola” na rádio Igapó FM até hoje.

Figura 10 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical apresentado
no dia 6 de dezembro de 1998 na Rádio Universidade FM (parte I).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


91

Figura 11 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical


apresentado no dia 6 de dezembro de 1998 na Rádio Universidade FM (parte II).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


92

Figura 12 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical


apresentado no dia 6 de dezembro de 1998 na Rádio Universidade FM (parte III).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


93

Figura 13 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical


apresentado no dia 6 de dezembro de 1998 na Rádio Universidade FM (parte IV).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


94

Figura 14 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa diário


apresentado no dia 16 de agosto de 2001 na Rádio Universidade FM.

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


95

6.2.2 Rádio Igapó FM: O Caipira Sobrevive

Após permanecer dez anos na Rádio Universidade FM, Cléber


Toffoli deu continuidade ao “Voz e Viola” nos estúdios da Igapó FM em 2002,
quando recebeu uma proposta da emissora para que levasse para lá o seu
programa. Conta-nos ele que, num primeiro momento houve um receio grande de ter
que adaptar a fórmula do seu programa, pelo fato de ser uma rádio comercial,
diferente da programação educativa da Rádio UEL.

Eu vou, mas o programa vai se chamar “Voz e Viola”. Sou eu quem vai
continuar produzindo e as músicas serão escolhidas por mim, disse aos
diretores da rádio. Eles disseram: “O espaço é seu”! Houve um acordo
comercial aí. Mas, você vai ver na grade que na Universidade FM eu
apresentava 30 músicas por programa. Na Igapó eu não consigo. Por quê?
Tem um break a cada 20 minutos para os comerciais, né? Mas o programa
não sofreu nenhuma influência, continua do mesmo jeito. Eu consigo tocar
Leôncio e Leonel, entre esses outros aí até hoje, o que é muito difícil. Vai
até com chiado a música (risos). [...] Só tive um problema com as
entrevistas. Não tenho tido mais a mesma frequência que tinha na UEL FM,
pelas dificuldades do dia a dia. Se eu estivesse na Igapó o dia todo... Mas
só vou aos domingos. E, pelo programa ser domingo de manhã, fica difícil
pro cara, que muitas vezes trabalhou a noite inteira, ou vai viajar no mesmo
dia. Agora, faço as entrevistas sempre ao vivo. Quando uma dupla está
nessa área sertaneja de raiz eles sempre vão lá pra lançar o seu disco. Aí,
fico uma hora batendo papo com eles (TÓFFOLI, 2014).

Tóffoli conta que, mesmo trocando os estúdios, o público do “Voz e


Viola” permaneceu fiel, ao mesmo tempo em que foi conquistando um público mais
jovem, que frequenta muitos ambientes onde a música caipira é relembrada pelos
artistas da nova geração do sertanejo, como os rodeios, muito expressivos nas
cidades de Apucarana, Cambira, Faxinal, Cruzmaltina, Colorado, como frequenta
também as exposições agropecuárias, participam de programas de TV, de festivais
de música sertaneja, das reuniões de violeiros entre familiares e amigos, entre
outros.

A popularidade de Cléber também deve muito à sua voz. Depois de


perder uma das cordas vocais, o radialista ganhou uma voz um pouco rouca,
condição que se transformou em sua marca no rádio hoje. Para ele, é uma coisa que
“me surpreende até hoje, mas passou a ser normal”.
96

Eu passei a ser um cara reconhecido pela minha voz. Que é um


36
contraponto. Domingos Pellegrini falou isso: “Você não sabe, mas esse
problema que aconteceu com a tua voz lhe trouxe um benefício. Hoje você é
um cara reconhecido; você tem uma marca. Se você falou o cara já sabe
que é você”. Por outro lado, gostaria de ter uma voz mais livre, pra poder
falar mais (TÓFFOLI, 2014).

Após esta cirurgia, ele buscou um “braço direito” para auxiliá-lo nas
locuções. A primeira parceria veio com Havaí, da dupla Havaí e Avaré. A dupla
natural de Santa Cruz das Palmeiras, São Paulo, veio para Londrina em busca de
um centro um pouco maior que a interiorana cidade onde nasceram para engrenar a
carreira de cantores sertanejos. Após a morte do companheiro, Havaí se dedicou ao
rádio e foi locutor de vários programas sertanejos. Podemos citar o “Especial
Sertanejo”, na Rádio Norte, onde iniciou sua carreira como apresentador.

Hoje, Havaí apresenta sozinho, também na rádio Igapó, o “Clássico


Sertanejo”, onde ele relembra as principais canções das duplas pioneiras do
sertanejo, como Milionário e José Rico, Mato Grosso e Mathias, João Mineiro e
Marciano, Chitãozinho e Xororó, entre outras.

O segundo parceiro foi Silas Luis, que continua até hoje auxiliando
Cléber Tóffoli na locução do “Voz e Viola”.

Depois que eu tive um problema de voz, e sempre tive um locutor junto


comigo para ajudar. Primeiro a minha parceria era com o Havai, da dupla
Havaí e Avaré, que era do ramo. Hoje, a minha alma gêmea é o Silas Luis
(risos). Um locutor conhecido na cidade, que gosta de música caipira e
sertaneja. A gente apresenta o programa em quatro mãos, mas a produção
continua sendo minha (TÓFFOLI, 2014).

Como já foi enfatizado neste trabalho - é necessário que se faça


isso, ressaltando que esse programa é um dos únicos no Brasil com esse formato e
que, por isso já foi premiado37 duas vezes nacionalmente – o roteiro permanece o
mesmo, desde 1995, quatro anos apenas após a sua criação. Os exemplos a seguir
comprovam este fato.

36
Conhecido escritor londrinense, vencedor de diversos prêmios Jabuti.
37
O produtor / locutor foi premiado duas vezes com o “Prêmio Rozini de Música”, por ter um dos cinco
melhores programas caipiras do Brasil.
97

Figura 15 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical


apresentado no dia 31 de agosto de 2014 na Rádio Igapó FM (parte I).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


98

Figura 16 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical apresentado
no dia 31 de agosto de 2014 na Rádio Igapó FM (parte II).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


99

Figura 17 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical


apresentado no dia 31 de agosto de 2014 na Rádio Igapó FM (parte III).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


100

Figura 18 – “Voz e Viola”: 23 anos sem mudar a fórmula. Programa dominical


apresentado no dia 31 de agosto de 2014 na Rádio Igapó FM (parte IV).

Fonte: acervo pessoal de Cléber Tóffoli.


101

Pode-se observar neste capítulo a imensurável contribuição do


programa “Voz e Viola” na preservação da cultura caipira local, regional e nacional,
por dispor de elementos estritamente relacionados aos costumes do homem do
campo, numa espécie de resgate dos antigos programas de rádio dedicados ao
gênero. A relação entre locutor e ouvinte pode ser traduzida em um processo
comunicativo de aprendizagem cultural mútua, oportunizando a troca de
conhecimentos.

Enquanto meio de comunicação e de mediação, o programa pode


colaborar na desconstrução do preconceito contra o camponês que ainda é bastante
grande em Londrina, apesar de suas raízes estarem interligadas à história do
município. No campo da Antropologia, o impasse existente nessa relação é “como se
colocar no lugar do outro, de ver como o outro vê, de compreender um
conhecimento que não é o nosso” (GUSMÃO, 1997 apud MELO, 2008, p.7).

Cabe a Tóffoli também o mérito dado pela resistência do programa


frente ao expressivo número de programas que promovem o sertanejo universitário,
ferramentas efetivas da indústria cultural regidas pelo gosto do ouvinte, sobretudo o
jovem, que representa 70% do público das rádios comerciais38. Cléber Tóffoli atribui
essa resistência a uma série de fatores.

Bom. Primeiro é por que eu tenho o meu comparsa, o meu cúmplice (risos).
E o horário do programa é bom, por que o pessoal tá folgado em casa, tá
fazendo um churrasco, tá lá no barzinho escutando... Um pouco é pela
minha teimosia, né? Porque já era pra eu ter parado. Por outro lado, ele [o
programa] trabalha na preservação da nossa cultura. Aqui, em Londrina e
região, quem não teve o pé na roça, o pai dele teve, o tio teve... De repente,
uma parte da família veio pra cidade, a outra ficou na roça. (TÓFFOLI,
2014)

38
Pesquisa realizada pelo Ibope Media, em 2014. Disponível em: < http://www.ibope.com.br/pt-
br/noticias/Paginas/Consumo-da-internet-pelos-jovens-brasileiros-cresce-50-em-dez-anos-aponta-
IBOPE-Media.aspx>.
102

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A defesa que este pesquisador faz da música enquanto arte, capaz


de reproduzir referências da natureza e influenciar boas relações entre homem e o
ambiente e do homem com outros homens, talvez tenha sido o principal motivo
desta pesquisa, certamente porque encontramos no cenário musical atual canções
com uma linguagem extremamente banal e carregada de pejorativos. Por isso o
interesse em saber como anda o processo de preservação da memória da música
caipira em Londrina, onde me estabeleci durante estes quatro anos de universidade
e onde pretendo continuar durante uma boa parte (se não toda) da minha vida.

Depois de um voo panorâmico sobre as emissoras de rádio em


Londrina, esta pesquisa comprovou a forte redução da programação musical caipira
(vide tabelas e figuras) ocorrida nas últimas décadas. Já era de nosso conhecimento
que a “indústria cultural” é um fator preponderante nesse processo, quando transfere
a arte musical para o campo das condições de mercado.

Constatou-se, através de leituras, investigação, pesquisa e


entrevistas, que esta imposição mercadológica continua sendo a causa principal
desse encolhimento. Há um desinteresse grande das rádios em prosseguir
divulgando esse tipo de gênero musical, que não obedece aos padrões de lucro do
mercado atual. O espaço existente nas emissoras de rádio está cada vez mais
concentrado nos produtos de caráter comercial e lucrativo, fugindo da proposta
artística original da música caipira.

Por exemplo, a rádio Paiquerê FM, considerada pelo Ibope a rádio


mais ouvida de Londrina nesta frequência, não apresenta nenhum programa
genuinamente caipira. Em contrapartida, a estrutura de programas como o “Voz e
Viola” é entusiasmante, pois revela que o radialista não é somente um mero locutor,
mas sim um pesquisador/produtor importante que contribui com a manutenção e o
crescimento da cultura caipira em Londrina.

A partir desses fatos surgiram alguns questionamentos: a música


caipira vai acabar? Esses programas sobreviverão daqui a dez, vinte anos? Dizer
103

que um estilo musical vai acabar é de praxe. Mas, temos comportamentos que
comprovam a existência e a resistência desse ritmo. Podemos perceber, por
exemplo, que o caipira tornou-se referência para diversos artistas de variados
gêneros musicais, a fim de renovarem seus repertórios.

Quanto à sobrevivência dos programas, não há como comprovar,


mas as rádios web, inseridas no contexto de novas mídias, já ocupam um espaço
muito amplo na internet, um meio de comunicação gratuito, democrático e onde as
pessoas estão interligadas o tempo todo. Uma pesquisa realizada pelo “Ibope
Media” revelou que 68% dos jovens ouvem rádio pela internet, sendo que destes,
47% o utilizam ao buscarem entretenimento e 41% para a distração das tarefas
diárias, o que convém dizer que o rádio pode estar conhecendo a sua nova
plataforma, importante para o futuro.

Em destaque nesse cenário encontramos as rádios “Viola Viva” 39, no


ar desde 20 de outubro de 2007, e “Viola de Ouro”40, há 14 anos tocando 24 horas
de música caipira. A equipe de ambas, como consta em seus respectivos sites, é
formada por experientes profissionais do rádio, assim como Inezita Barroso e
Rolando Boldrin na TV.

Outras questões que surgem são: as mídias estão preparando


sucessores para assumirem o papel de divulgador do caipira? Quais as fórmulas
para manter pulsante um gênero musical que está próximo de comemorar o seu
centenário de nascimento, tendo em vista toda a sua importância cultural?

Acreditamos, com as conclusões aqui apresentadas e consideradas


ainda limitadas dentro dos moldes de um TCC (pois o tema merece avanços em
uma pós-graduação), que esta pesquisa contribuiu para que se possa despertar o
interesse e o desejo nas pessoas, sobretudo os londrinenses, de navegarem pelo
universo caipira, de conhecê-lo com propriedade, de reconhecer a sua importância
para o crescimento e o desenvolvimento da cultura da cidade, de apreciá-lo,

39
https://www.google.com.br/search?q=radio+viola+viva&oq=radio+viola+viva&aqs=chrome..69i57j69i
65j69i60l3.2091j0j9&sourceid=chrome&es_sm=93&ie=UTF-8. Acesso em: 3 set. de 2014.
40
http://www.radiovioladeouro.com/. Acesso em: 9 set. 2014.
104

observando que o rádio é um veículo de comunicação importante, não somente no


campo do lazer, mas também, e inclusive, na educação cultural de um povo.
105

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110

ANEXOS
111

ANEXO A
Entrevista com Cléber Tóffoli

FABRÍCIO: Pra você música caipira e sertaneja são a mesma coisa?

CLÉBER TÓFFOLI: Não. De forma nenhuma. A música começou como musica


caipira. ao ela se urbanização, ao haver o movimento do campo, com o advento
do rádio ela começou a sofrer influencia de outros ritmos, por que os ritmos
caipiras são o cateretê, o catira, o cururu, são ritmos essencialmente caipiras. E
depois sofreram influência de outros ritmos da América Latina, da guarânea,
rasqueado, das musicas mexicanas, das rancheiras, de valsa. Isso acabou
interferindo, mas isso aconteceu de um certo ponto em diante. Por isso que eu
digo, a primeira fase foi caipira, na segunda ela se transformou em sertaneja.

F: Quando começa a musica caipira na visão?

CT: Na verdade isso começou nos anos 1800, mais ou menos; a gente não tem
data. Agora quando ela começou a ser sistematizada, isso aconteceu quando
Cornélio Pires se interessou por esse ritmo (1920) e formou a primeira turma
caipira. Mas antes disso, ele já apresentava grupos de dança, fazia palestras,
teatros, enfim. Era um cara totalmente integrado nisso. E a turma caipira
apareceu em 1928. Foi quando ele gravou a primeira serie de musica caipira,
tinha Sorocabinha, tinha Mariano e Caçula, mandi e Sorocabinha... Um monte. A
partir disso ele formou um grupo. E gravou uma musica sertaneja pela primeira
vez. Pagou do bolso dele e fez uma tiragem de 10 mil discos. Voltou e pediu
mais 20. Então as gravadoras se interessaram. Então, passou a ter turma caipira
da RCA Victor, entre outras. E a de Cornélio Pires deu fruto. Então, eu acho que
o inicio da musica caipira é de 1920. E culminou com a primeira gravação em
1928, e passou a ter show de musica caipira.
112

F: Em quantos períodos você divide a musica sertaneja?

CT: Quatro importantes duplas, marcaram espaço na musica caipira e sertaneja.


Primeira dupla foi Raul Torres e Florêncio. Tiveram muito sucesso. Depois veio
Tonico e Tinoco. Que marcou época e atravessou séculos. Só acabou agora
com a morte do Tinoco, há pouco tempo. Depois o Zé carreiro e carreirinho que
foi muito próximo de Tonico e Tinoco. E depois Tião Carreiro e Pardinho. Foi na
época do Tião que a musica virou sertaneja mesmo. Quando ele apareceu, a
musica já estava saindo do limite da musica caipira, a musica de raiz... Então, o
Tião foi um marco inicial disso. Ele era caipira, gravou muita moda de viola, mas
gravou batidão, muita musica romântica, musica de zona (as guarâneas, os
rasqueados). E isso foi ate o Chitão e Xororó que foi o marco do sertanejo
moderno, uma segunda fase aqui (com fio de cabelo). Foi a ultima grande dupla
que tivemos. Entre o Tião e Chitão grandes duplas apareceram, Liu e Léu,
Mococa e Moraci, um monte duplas que trabalharam nessa área sertaneja.
Todos eles eram caipiras e sertanejos. Uns mais, outros menos. Por que todos
gravavam moda de viola, mas depois gravavam guarânea, rancheira...

F: Quando como e por que você começou a sua carreira de programador


de musica caipira?

CT: Na verdade eu sou criado em jacarezinho, e lá o café entrou para o Paraná


por ali. Não tinha Londrina ainda, mas já tinha Jacarezinho. Então esse pessoal
veio pra cá e lá aprendemos a ouvir desde cedo. Trazidos pelos mineiros, que
vieram trabalhar na lavoura de café, pela proximidade com o Estado de SP, o
paulista já tinha isso. eu acompanho os programas caipiras desde cedo no radio.
De manha cedo levantamos, apunhávamos na radio local pra ouvir um programa
de musica caipira. Sempre tinha um Nhô (risos). Quando eu vim pra Londrina em
1967, ainda ferventava a música sertaneja, mesmo com o estouro da Jovem
Guarda. Tinha a radio Auri-verde que tocava música caipira vinte horas por dia.
Tinha programa de todo mundo ali. Era na Rua Souza Naves, no edifício Centro
Comercial. Então você passava lá, tava Milionário e José Rico começando,
Leôncio e Leonel, Lourenço e Lourival... Leôncio e Leonel passou a ter um
programa aqui em Londrina durante cinco anos na radio Difusora. Então tinha
113

esse movimento. E isso me despertou e comecei a fazer parte desses grupos. Aí


fui amigo deles... E em 1990, mais ou menos, eu já mexia com isso. E fui ser
secretario de educação e cultura. Falei, agora é a minha chance. Por que ai
começou a desaparecer os programas de rádio. Tinha programa na televisão, do
Marcelo Costa... No rádio, já tinha o programa do Siqueira Martins, que tá ai até
hoje, Coronel Mathias, que foi o nome mais importante aqui da cidade, os
artistas também tinham programa, como o Zé Tapera e Teodoro, tinha muita
coisa, na década de 1980, isso foi sumindo, não tinha mais quase nenhum
programa. Disse: eu tenho que resgatar isso. Então, eu fiz o primeiro festival
“Voz e Viola” aqui em Londrina (1991). Trouxe Tião Carreiro e Pardinho, Adalto
Santos, Joao Pacifico, que é o maior poeta da musica caipira e sertaneja, ele
que era o poeta de Raul Torres, Pena Branca e Xavantino... fiz um resgate. A
Osuel apresentou um numero tocando 5 musicas caipiras. E aí, a Rosa Abelin
me convidou para fazer um programa na radio (a Nitis era vice-reitora). Ela me
disse: Clebão, vamos começar um programa na radio. Aí comecei lá. Ate então
era politico (risos), ai então fui saindo dessa vida politica e fui entrando na
musica.

F: E quais foram os programas que você apresentou ate hoje, e em quais


emissoras?

CT: Eu tinha um programa diário na Universidade FM, segunda à sexta, das 6h


as 7h da manha, chamado “Voz e Viola”. Depois comecei a fazer um programa
de 2h aos domingos, das 7h às 9h, depois ficou das 8h as 10h, depois ficou das
8h as 11h. Mas aí eu me aposentei, e falei: o que eu vou fazer agora? Vou parar
com isso aí”! já era 2002, mais ou menos. E todo mundo saiu, foi fazer mestrado,
e eu fiquei cuidando das cosias lá. Depois eu sai da universidade e houve uma
proposta da radio Igapó pra eu levar esse programa pra lá (em 2004, mais ou
menos). E logo no ano de 2004 eu já comecei a fazer na Igapó FM.
114

F: Mudou alguma coisa na estrutura do programa?

CT: Eu fui pra Igapó com uma condição, que a radio aceitou inclusive: “eu vou,
mas eu programa vai se chamar “Voz e Viola”, eu continuarei produzindo, as
musicas serão escolhidas por mim... “E eles disseram: “ o espaço é teu”! houve
um acordo comercial. Mas, você vai ver na grade que na Universidade FM eu
apresentava 30 musicas por programa. La na Igapó eu não consigo, por quê?
Tem um break a cada vinte minutos, que tem que ter os comerciais, né? Mas o
programa não sofreu nenhuma influencia, continua do mesmo jeito. Ai eu tive um
problema de voz, e sempre tive um locutor junto comigo para ajudar. Primeiro o
Havaí que era do ramo, era parceiro da dupla dele. Fui produtor de duplas tb. E
agora eu tenho um locutor comigo. Achei a minha alma gêmea (risos) pra
trabalhar comigo: o Silas Luiz, que é um locutor conhecido na cidade, que gosta
de musica caipira e sertaneja e ficou junto comigo, e então a gente apresenta o
programa em quatro mãos la na Igapó. Mas a produção continua sendo minha,
pq até hoje eu consigo tocar Leôncio e Leonel, entre esses outros aí, o que é
muito difícil. Vai até com chiado a música (risos). Trabalhei um período na Tv
Viana tb, na mesma produção do radio, mais ou menos.

F: Fale um pouco do seu programa em detalhes. em quantos blocos ele era


dividido, como era feita a programação...

CT: Bom. A ideia era sempre ter uma entrevista. Desde o primeiro tinha-se uma
entrevista. Todo domingo eu tinha um entrevistado, que fazia o cara contar
historias... e eu peguei todas as duplas regionais. As duplas de fora, quando
apareciam por aqui eu fazia uma entrevista. Quando acabou esse estoque das
duplas regionais, eu já estava mais conhecido... o pessoal passava pela
universidade e eu gravava uma entrevista. Eu estava sempre lá, então o cara
não precisava marcar comigo. Gravei com Leo Canhoto e Robertinho, Helena
Meireles, Pena Branca e Xavantino, Liu e leu... Então fui gravando com essa
turma toda. E eu tenho algum desses programas em fita cassete. Tinha esse
formato. Aí, perceberam que eu tinha que aumentar o horário. E quando eu fui
pra Igapó FM, acabei não tendo essa entrevista. O cara vai ao vivo e a entrevista
115

é ao vivo. Se o cara tiver aqui no domingo... Mas no domingo é difícil, por que o
cara trabalhou a noite inteira, ou tá viajando, mas não tenho tido mais essa
frequência. Mas quando uma dupla dessa esta nessa área sertaneja de raiz eles
vão sempre lá pra lançar o disco. Ai eu faço uma entrevista com eles, fico 1h
batendo papo... Então mudou um pouco esse jeito, ate pelas dificuldades do dia
a dia. Se eu estivesse na Igapó FM o dia todo, mas no. Só vou aos domingos.
Produzo em casa e levo prontinho num pen drive, o script todinho pronto...

F: Era dividido em 4 blocos o programa. Explique pra gente como


funcionava essa dinâmica.

CT: Era o “SUCESSOS DE SEMPRE”, que era o bloco das entrevistas. Depois
eu atendia o pedido, que eu trouxe do AM, por que o FM não tem essa cara de
atender pedidos. E eu fui fazendo um acervo de pedido e evitei repetir. Então eu
controlo o acervo. Tem cara que liga o ano inteiro e pede uma musica só (risos).
Então se eu tocar uma musica que o cara liga, se outro não liga,
automaticamente ele já pediu a musica também (risos). Então hoje a divisão é
essa:

SUCESSOS DE SEMPRE, que eu que faço a seleção. Onde eu conto a historia


das duplas. Às vezes o pessoal me dá sugestões do tipo “faz um dose dupla” de
não sei quem...

F: Eu vi que você enumera as musica. o que significa?

CT: É o bloco. Apresento sempre de duas em duas. Eu anuncio a musica que eu


vou tocar e quem vai cantar e ao “desanunciar” eu dou o nome do compositor,
sempre. Não tem isso. tem cara que me entrega o disco e não tem o nome do
compositor. Eu não vou tocar o seu disco, falo na cara! Se não tiver eu não toco.
(POR QUE VOCE NÃO TOCA?) Não existe musica sem compositor!!! Assim
como não existe musica sem cantor!! (risos). Cantor vai cantar o que? Tem que
ter os dois! Têm da mesma importância.
116

F: Você acha que a musica caipira vai sobreviver com a chegada das novas
mídias?

CT: Pois é. o grande problema da musica é se tiver o parceiro que ouve do outro
lado. Enquanto essas pessoas existirem, qualquer mídia que tiver persevera. Os
caras começaram gravando disco de acetato, ebonite. Depois veio o LP, que
queria acabar com tudo isso... Acabou, tudo bem. Nos primeiros LP’s foram
tiradas as musicas dos 78rpm, já estavam gravadas e jogaram. Os primeiros
LP’s tinham quatro musicas de cada lado. Depois passaram a ter 12... Nessa
época lançaram o compacto simples e o compacto duplo, que era um disco que
as vezes era em 45 rotações, as vezes era em 33. O compacto simples tinha 2
musicas. Já no som do LP, aquele som bonito. Então. Ai veio a fita cassete.
Estava nos carros, e tal... E a musica caipira estava lá! Ai apareceu o MD, um
“disquetinho”... Achávamos que ele ia matar tudo. Que era um “cedêzinho” com
qualidade boa, mas tinha que ter o equipamento especial para ler. Ai ninguém
comprou e acabou. Por que a qualidade era excelente. Aí veio o cd né?! E hoje
os caras tão gravando musica de monte, que cabe no DVD, né?! Quer dizer, so
o som. O cara já usa pra caber um monte de musica, sem imagem. E o blu-ray...
e vai indo!! Então eu acho que não tem!! Enquanto o cara do lado de la, ouvinte,
achar interessante, essa musica não vai morrer, independente da mídia que
tiver. E tem mais, a viola sobreviveu, ne?! E a viola renasceu. A viola ajuda a
manter isso ai. O que tem de moleque tocando viola hoje... o que na década de
90, por exemplo, não tinha nenhum violeiro! Hoje esses meninos fazem show no
Brasil inteiro, misturando musica raiz com musica...

F: E você acha que as pessoas vão levar isso para daqui 50, 60 anos, com
todo esse movimento novo do universitário?

CT: Pois é, mas esse movimento já teve, é esse que tá ai! Faz tempo que ele
tem. Daqui a pouco ele é derrubado pelo axé da Bahia e acaba com ele. Vem o
pagode de escritório... (risos). Então, eles vão e vem, nesse espaço, por que ela
tem historia. Então aquilo que tem historia... Eu mesmo toco musica de 78rpm. e
eu sei que tem pouca gente que faz isso no Brasil. mas o que tem de radio hoje
na internet que toca musica raiz, você precisa ver! Então a mídia trabalhando a
117

favor da preservação da musica. Mas eu acho que as pessoas vão lembrar!


Talvez não no mesmo nível. Aí aparece um grande artista que resolve regravar
uma música, e a turma vai procurar... É sempre assim que acontece.

F: Por que você acha que seu programa resiste até hoje?

CT: Bom. Primeiro é por que eu tenho o meu comparsa, o meu cumplice (risos).
E o horário dele é bom, por que o pessoal tá folgado em casa, tá fazendo um
churrasco, tá lá no barzinho escutando... Um pouco é pela minha teimosia, né?!
Por que já era pra eu ter parado já... Mas, por que ele preserva, trabalha na
preservação da nossa cultura. Aqui, em Londrina e região, quem não teve o pé
na roça, o pai dele teve, o tio... De repente uma parte da família veio pra cidade,
a outra ficou na roça. Eu acho que as rádios comerciais, elas dificultam por que
tocam o momento, né?! Mas daqui a pouco essa internet vai bombar. E aí, vai
ter uma tecnologia no celular, no radio, de casa vai pegar na internet. Eu acho
que ta faltando essas coisas. E acho também que as rádios comerciais é que
vão sofrer. Por que que a FM desbancou o AM? Primeiro por que a parte
técnica, os equipamentos são um quinto do preço. A antena do AM tinha que tá
num penhasco. A FM pode ficar em cima de um prédio. O cara com um
computador, com um microfone o cara poe uma radio no ar.

F: Na sua opinião, por que que os programas específicos caíram bastante


em londrina?

CT: Acho que é por conta das rádios comerciais, da grande mídia. Oitenta por
cento não gostam dessa musica (caipira). Então, eles gostam da coisa do dia a
dia, do pagode, do axé, do funk, não sei o que... Não tem interesse comercial.

F: Você acha que, por londrina ter sido a capital mundial do café, por ter
muitas pessoas que vieram da roça, não era pra se ter uma coisa mais
engajada?
118

CT: Eu acho que sim. Acho que falta mais gente pra ajudar a arrastar essas
coisas. Por exemplo, tem a universidade FM, que tem o espaço, e mantém. Eu
deixei o rastro lá, mas domingo já não tem. Então não é... e as outras
universidades deveriam ajudar também. Mas elas não têm nem radio educativa,
e precisavam ter.

F: Tem como nos contar alguns detalhes do seu primeiro programa?

CT: Na verdade eu já tinha alguma experiência de radio de comentário politico...


Na Rádio Tabajara. Na Rádio UEL, eu estava com caras que entendiam tudo de
radio. E eu aprendi muito com eles. Bem, o programa teve aquele nervosismo de
estreia. Na verdade tinha muita coisa engraçada, “precaríces” da universidade
(risos)...

F: Quais os fatos mais marcantes em todos esses anos enquanto


radialista?

CT: Muitas coisas! Coisas que a gente nem imaginava. Eu não sou professor (de
formação), não fui radialista. Essas coisas foram acontecendo, ate que um dia
eu me surpreendi e falei: ué mais, eu virei radialista? (risoooos) Será que eu virei
especialista? (risooos) Mas nada assim significativo. Mas algo marcante foi
quando a radio atingiu os seus 10 quilos. Foi muito marcante. Lutamos muito pra
conseguir aquilo. Na Igapó FM, foi duro vencer a barreira lá. Por causa da minha
voz. Demorei muito para ser aceito pelos diretores da rádio. Varias pessoas
tentaram tirar o meu programa do ar. “vamos tirar por que não da mais, não tem
jeito”. E no fim foi passando e tô lá até hoje.

F: Como é a interação com o publico?

CT: É uma coisa que me surpreende ate hoje, mas passou a ser normal. Eu
passei a ser um cara reconhecido pela minha voz. Que é um contraponto.
Domingos Pellegrini falou isso: você não sabe, mas esse problema que
aconteceu com a tua voz lhe trouxe um benefício. Hoje você é um cara
119

reconhecido; você tem uma marca. Se você falou o cara já sabe que é você. Por
outro lado, eu gostaria de ter uma voz mais livre, pra poder falar mais.

F: O que a musica caipira significa pra você?

CT: Uma das coisas que eu mais gostava de fazer na vida era dar aula. E hoje
ela empata em mexer com música. Eu ouço musica caipira. eu recebo um disco,
eu ouço. Tem dia que eu não gostei, mas no outro dia ouço de novo e digo: tem
coisa boa li. Eu curto isso. Quem faz o que gosta não trabalha. 70% da minha
vida eu passei dando aula. E os outros 30% tô fazendo agora, mexendo com
musicas, interagindo com as pessoas. Mantendo hoje a companhia da viola. A
cada quinze dias nos reunimos pra tomar uma cervejinha, comidinha e receber a
visita de gente que tá passando por aqui. Recebi dois prêmios de Rosini de
musicas. Um dos cinco melhores programas do Brasil na área. Já fui duas vezes
premiado, lá em MG. Quer dizer, o cara sabe que eu existo. Então, essas são as
gratificações que a musica me traz.
120

ANEXO B
Entrevista com Havaí (Luiz Carlos Varize)

FABRÍCIO: O que lhe trouxe a ser um apresentador de musica caipira?

HAVAÍ: Bom. Toda vida eu mexi com musica desde pequeno. Sempre gostei de
cantar, trabalhava na roça e cantava, quando morava no estado de São Paulo. Ai
sempre tem aquele que fala: você canta bem! Por que não grava um disco? Mas na
minha época, gravar um disco era uma coisa meio complicada demais, impensável.
A gente pensava que para gravar um disco tinha que ser muito artista e tal e a gente
não se via como artista na verdade. mas a gente gostava de cantar. E o que
aconteceu? Conheci uma pessoa, um amigo, em Santa Cruz das Palmeiras (SP),
onde a minha família mora ate hoje, e a gente começou a ensaiar uma musicas
juntos e ficou ate bacaninha, e a primeira dupla minha se chamou Ivan e Havaí. E aí
gravamos o primeiro disco, no sofrimento da bexiga, mas gravamos. E viemos pra cá
pra sair da cidade pequena, vim para um centro um pouco maior. Achávamos que
pra cá era bom e aqui eu comecei a conviver com os grandes radialistas, os grandes
apresentadores de musica raiz e tal, e fui vivendo essa musica um pouquinho mais
raiz também. Através do seu Lázaro Calheiros, que é um dos principais radialistas
da nossa região, dos mais antigos, que tem um trabalho muito bacana, ele me
colocou no radio AM, por que ele queria que eu fizesse o programa, por que ele ia
montar uma empresa na praia, e acabei apresentando o sertanejo dele a tarde, das
5h a 6h da tarde pela Radio Norte AM. Em seguida, o Avaré ficou doente e faleceu
rápido, de câncer na cabeça. Aí eu me dediquei ao radio. Fui aprender sobre o radio,
e me apaixonei pelo trabalho de radialista, pelas musicas, pela historia do radio tb, e
fui conhecer um pouco melhor a musica que eu já vivia, que era a musica sertaneja
raiz, chamamos raiz, por que o sertanejo tem varias fases. Tem o raiz, de moda de
viola mesmo, viola e violão só. Depois tem os clássicos sertanejos, que eu denomino
assim por que são a transição entre o Vinil e o CD que ficou muita gente parado no
mercado, por que não inovaram. Por exemplo, Joao Mineiro e Marciano, Trio Parada
Dura, Milionário e J. Rico, enfim. Esses eu chamo de clássico, Chitãozinho e Xororó,
Zezé di Camargo e Luciano. Raiz, Tião Carreiro Tonico e Tinoco, Zilo e Zalo, Zico e
121

Zeca, Lourenço e Lourival, Liu e Leu e uma infinidade de outros artistas. E vim para
na FM pra ajudar o Cléber Tóffoli aos domingos de manha para gravar o programa
voz e viola pela radio Igapó FM. Quando também me deram a oportunidade de
montar um programa só meu. E ai, eu implantei o programa Clássico Sertanejo pela
rádio Igapó FM. Do Clássico Sertanejo, eu implantei também o programa Sucessos
Inesquecíveis, aí eu já toco Erasmo, Wanderleia, Tim maia... Basicamente um
resumo do que eu faço hoje em dia, entre TV e rádio.

F: Qual o nome do seu primeiro programa na radio norte, e que estilo de


musica você tocava?

H: O programa se chama Especial Sertanejo, eu fazia das 5 as 6h da tarde, pela


Radio Norte AM. (POR QUE NESSE HORÁRIO?) Era um programa que já existia.
Era um programa comandado pelo Sr. Lázaro Calheiros, e como a radio já tinha
essa tradição de colocar o programa sertanejo a tarde. Eu entrei só para substitui-lo.
Só que como eu peguei gosto pela coisa, eu comecei a implantar no radio uma coisa
que pouco gente faz, que é um pouquinho de humor. Ai, atreves de um amigo,
colocamos umas vinhetas, brincando com os ouvintes. Lá, nós atendíamos os
ouvintes ao vivo, e a gente brincava com ela. O radio AM tem essa vantagem de
você poder ter mais tempo pra falar com o seu ouvinte. É uma coisa mais pessoal
mesmo com o ouvinte. As pessoas ligavam lá, inclusive para fazer denuncias do
bairro, fazer campanhas. Esse é o barato do radio AM, que eu gosto muito. Mas as
pessoas estão tirando o rádio AM popular das pessoas. É ruim isso. as radio estão
focando muito no comercial e deixando a programação ficar muito enlatada. Mas a
radio Norte me deu, na época, uma grande oportunidade. Pra você ver, de 1h que
eu tinha das 5h às 6h da tarde. (ERA SÓ MÚSICA CAIPIRA?) Eu não tocava muito
esse universitário, que também não havia muito na época (mais de 10 anos). Então,
o universitário se fortaleceu de 10 anos pra cá. Mas tocávamos mais raiz e clássicos
por que a gente vinha até os anos 2000, mais ou menos.
122

F: Como era interação com ouvintes?

H: Era maravilhosa, por que o ouvinte falava comigo. Ele queria falar comigo ele
falava comigo mesmo. Reclamava, pedida, sugeria, era uma relação mais íntima do
que a gente tem no FM hoje. Eu ainda continuo mantendo essa relação do locutor
atender o ouvinte. Por que eu sei o que o ouvinte está pensando a respeito da
programação. Coisa que as rádios estão tirando também. Hoje em dia você não
consegue, na maioria das rádios falar com o locutor, por exemplo.

F: Qual era o público?

H: Olha, pelo o que eu conhecia do AM era um público bastante extenso. Porém, a


gente sempre acha que as pessoas que ouvem AM são pessoas de poder aquisitivo
um pouco menor. Então, a periferia, em geral, é o grande grosso da minha
audiência. E no povão, trabalhador mesmo, a costureira que tem um radinho em
casa, aquele sapateiro que arruma sapato ouvindo, enfim. As pessoas que
conseguem trabalhar meio por conta, ou empresas menores que deixam as pessoas
utilizarem o rádio né?! Eu acho que a maior quantidade de publico é dessas
pessoas.

F: Você ficou quanto tempo na radio norte?

H: Em torno de quatro anos, mais ou menos. E eu saí do AM por que tomava muito
o meu tempo. E a TV Tarobá que me deu a oportunidade de montar um programa
aqui, quiseram que eu tivesse mais tempo pra me dedicar a televisão. Aprender um
pouco mais da TV, mas sou apaixonado pelo AM até hoje.

F: O seu programa na rádio norte sofreu alterações na estrutura?

H: Enquanto eu estive no ar não mudou nada, por que ele virou um sucesso. Ele era
um programa musical, informativo, com noticias da hora, questionava, reclamava,
dava opinião, por que esse é a vantagem do AM. Cheguei a ter quase 30
123

patrocinadores dentro do meu horário. Para o rádio AM hoje era uma coisa
espetacular.

F: Essa emissora ainda existe?

H: Ela não existe mais. O prefixo dela que era 1160 quilohertz hoje é da rádio Globo.
Eles fizeram um acerto, por que hoje em dia as pessoas compram o prefixo e coloca
o que ele quiser lá. Durante um bom tempo, de Norte foi para Manchete, e depois
virou Globo.

F: E você lembra quais os artistas que o pessoal mais pedia?

H: O sertanejo universitário quase não tinha pedidos, por que não tínhamos também
ele tão amplo como hoje, mas na época os mais pedidos eram M e JR, JM e M,
Alam e Aladim, Trio Parada Dura, Tião Carreiro, Lourenço e Lourival, Liu e Léu, Zico
e Zeca, tinha muitos artistas que eram bastante pedidos mesmo.

F: Dá para classificar musica caipira e sertaneja?

H: Não é a mesma coisa. A música caipira, que a gente chama de raiz, ele sempre
tem uma historia pra contar. E a historia, normalmente é uma historia trágica de um
boi que matou a criança, ou do ranchinho que existia e não existe mais, e não sei o
que, historias saudosas. São historias que aconteciam com o povo, e eram escritas
em forma de musica, como a Morte do Ferreirinha, a Travessia do Araguaia, o
Mineiro e o italiano, Chico mineiro, Cabocla Tereza, enfim. Essas eu chamo de
musica raiz. E a música sertaneja, que eu chamo de sertanejo clássico, seria ai os
mais românticos. A música que fala de amor sem essa depravação que virou depois,
fazendo da mulher um objeto, por que eu te chuto, eu te largo, troco você por outra,
vou beber, vou encher a cara... Esse é o sertanejo que eles chamam de
universitário.
124

F: Você acha que foi ruim essa transição do caipira para o sertanejo?

H: Essa é uma boa pergunta que você faz. Tudo tem a suas mudanças e as suas
transições. Eu acho que a musica raiz, que o começo de tudo, fez um grande bem,
por que, ela contou historias maravilhosas que a gente ouve ate hoje e a gente
gosta. O sertanejo clássico deixou musicas lindíssimas que vamos ouvir pelo resto
da vida e não vai cansar também, por que é musica que fala de amor, e o amor tá
em alta sempre. O sertanejo universitário, que a principio as pessoas torcem o nariz,
fez um grande bem para música sertaneja. Por quê? Por que renovou o publico. O
velhinho e a velhinha que gostava da musica caipira raiz ele já esta se acabando.
Daqui a alguns anos esses velhinhos não existirão mais. Mas a musica veio fazendo
uma transição, e veio trazendo novos públicos. Hoje você canta uma musica raiz,
num show de sertanejo universitário e o povo canta junto, e a molecada canta junto.
Obviamente que eu prefiro as músicas que falam de amor, e que contam histórias,
eu gosto mais. Eu não gosto muito da historia contada pelo sertanejo universitário.

F: Você divide a música caipira e sertaneja em quantos períodos?

H: Em três. Que são aqueles de Tonico e Tinoco, duplas bastante antigas. Essa foi a
primeira época. Outra época: ML e JR, JM e M, Trio PD, as Marcianas, Nalva Aguiar,
Chrystian e Ralf, Daniel, etc. A terceira fase, é o sertanejo universitário.

F: Você acha que a musica caipira vai sobreviver com a chegada das novas
mídias?

H: Eu acho que sim! A música caipira, obviamente vai ser mais para os saudosos
mesmo. Eu acho que o universitário não fica muito tempo mais, eu acho que o
romantismo deve voltar. É uma perspectiva minha. Acho que vamos conseguir ter
bons compositores ainda, falando de amor, por que tudo é uma fase. Nós vivemos a
fase do pagode, da lambada, isso passou igual... o sertanejo universitário esta
demorando um pouquinho a passar. Mas, eu acho que passa também. Ninguém
aguenta mais esses, tique-tique, tchuqui- tchuqui o tempo todo, toda hora, a mesma
coisa; o cara faz um refrão só e fica repetindo esse refrão até ele enfiar na cabeça
125

da gente. Você vê que as musicas não ficam. Se eu falar pra você citar cinco
músicas universitárias que fizeram bastante sucesso você vai ter dificuldade de
lembrar. Vai lembrar cinco que fazem sucesso hoje, mas as de 5 meses atrás não
lembra mais, por que são musicas feitas para durarem 3 meses. É o tempo de
trabalho da musica. Faz para o radio tocar, tocar e tocar, depois trocam a música.
Na minha época, você tocava uma musica e vivia essa musica para o resto da vida.
Hoje, nos temos artistas que, ate hoje, cantam os mesmo sucessos que cantaram a
cinquenta anos atrás e fazem sucesso ate hoje. Tem publico pra eles ate hoje.

F: E nesses anos todos, o que mais lhe agradou na profissão?

H: Eu sou um apaixonado por musica. Não me vejo sem ela. Desde criança. E eu fui
cantor de noite, era obrigado a cantar de tudo, e acabava que a gente gostava tb.
Então, o que mais me agradou ate hoje, e que eu agradeço a Deus sempre, é por ter
me dado a oportunidade de estar ate hoje na musica, e podendo dar oportunidade
para outras pessoas. Por que hoje em dia a mídia é paga. O cara quer fazer
sucesso, ele tem que pagar. Eu consigo ainda ser aquele cara que não cobro nada.
Ninguém paga para vir tocar no meu programa. E nem para tocar nos meus
programas. Eu ainda consigo manter esse espaço aberto para novos artistas. Eu
lanço gente o tempo todo, eu gostando ou não. Lanço para o mercado e não pra
mim. Então, o que mais me agrada na musica sertaneja é saber que ainda tem
espaço para novos artistas.

F: O que a musica caipira significa para você?

H: É tudo! Por que tudo o que eu fiz na minha vida, tudo o que eu tenho eu
conquistei através da musica. Cantando, apresentando, mas sempre com musica.
Sou um cara que tem a musica como uma grande parte de tudo o que eu conquistei
na minha vida. Então, sou um apaixonado pela musica caipira e defensor dela com
unhas e dentes.
126

F: Qual a importância de manter a musica caipira até os dias de hoje?

H: Acho que a importância da gente ter bons programas como “Voz e Viola”, é
manter a tradição, daquilo que o seu avo, seu bisa, seu pai viveram. São historias
que eles viveram, e que nos, estamos vivendo uma transição musical na verdade.
Mas que fizeram parte da nossa história. Então eu acho que a importância de ter
programas como o da UEL FM, do Cléber, o meu, do Nhô Batista, enfim. Tem muita
gente tocando, é importante. Pra que não deixe cair a nossa tradição. E toda a
musica universitária de hoje deve a musica raiz, onde tudo começou. A importância
é não deixar a raiz se apagar.
127

ANEXO C
Entrevista com José Rico

FABRÍCIO: Diga seu nome completo, por gentileza.

JOSÉ RICO: Meu nome é José Alves Dos Santos, depois ganhei o nome de José
Rico, por ser criado em Terra Rica (PR). Então, eu tive que alterar judicialmente;
hoje eu pedi meu nome completo é JOSÉ RICO ALVES DOS SANTOS.

F: Como que surgiu a dupla e desde quando ela existe?

JR: Olha rapaz, eu com o Milionário nós começamos em 1970. E, muito difícil né?!
Na atualidade nós estamos a 43 pra 44 anos de Milionário e José Rico mundo a
fora, levando a mensagem musical... E foi muito difícil! Só que eu tive a sorte de,
antes do Milionário, eu tenho 14 anos. Então 14 com 44 já vão pra quase 58 anos
que eu tenho de arte, sempre defendendo a música sertaneja, por que antigamente
era musica caipira, que era com viola e violão. Depois a gente foi introduzindo outros
instrumentos, a “regimentação”... então foi ampliando. No começo foi muito difícil de
quebrar tabu da música caipira para a música sertaneja. Que já regimentada, escrita
as vezes com partitura, que antes não tinha nada disso. Mas valeu a pena todos
esses anos, tem outros artistas que começaram na nossa época, que hoje também,
ainda se encontram na ativa; perdemos alguns parceiros de arte, mas todos que
participaram sempre deu uma contribuição a mais pra musica sertaneja.

F: E como surgiu esse ideia de colocar instrumentos novos na musica


sertaneja?

JR: Não, não, foi bacana!!! O Leo Canhoto também, só que ele tinha um estilo de
música, era bang-bang, aquela coisa de velho oeste. Então ele tinha uma maneira
de conduzir os shows, e as musicas dele também, sempre falando... Buck sarampo,
Rock Matador e não sei mais o que... E ele fazia isso num palco, como se fosse um
teatro, era chamado de dramaticidade, e a coisa foi estendendo. O Léo teve uma
fase muito boa na musica, também introduzindo uma instrumentação diferente da
128

moda de viola. Então tudo isso faz parte, mas não deixa de ter sido uma evolução
muito grande... E valeu a pena!

F: Qual a influência musical que a dupla tem?

JR: Não, é sempre, sempre! Por exemplo, eu sou admirador da musica mexicana,
paraguaia, argentina, eu gosto de tangos, de boleros, rancheiras; Miguel Aceves, eu
que segui ele durante muitos anos, pra mim poder ter o conhecimento das
rancheiras 6/8. Então a gente foi introduzindo alguma coisa e aprendendo com o
estilo mexicano e adaptando pra gente até formar quase o próprio estilo pra poder
construir a musica sertaneja romântica.

F: Como vocês alcançaram o sucesso?

JR: Olha, eu acho que o sucesso foi com sacrifício! Por que é aquela historia, fazer
sucesso não é difícil. O difícil é manter o sucesso. E a gente, de acordo com a
maneira de conduzir a arte, uma coisa vai tocando a outra e beneficiando sem
duvida uma coisa e a outra, pra chegar, realmente, no conhecimento do sucesso.
Agora, tem um artista que faz um sucesso e as vezes não conserva, ou ele
extravasa, ele faz alguma coisa que aas vezes não é certo... Então ele deixa um
pouco a arte. Tem que saber conduzir a arte. A humildade é a primeira coisa dentro
da arte, por mais sucesso que o artista seja. Tem que ter humildade pra poder
conduzir. Agora se for querer dar uma de bacana, abuso, se prevalecer, é o começo
do final.

F: E qual é a diferença das rádios de hoje para as de antigamente, no que se


refere ao espaço para os artistas?

JR: Sabe o que acontece? No começo, nós tínhamos uma participação do radio,
sempre tocando as musicas e tal. Depois a própria evolução vai criando coisas
diferentes que finda as vezes sendo prejudicial. Por que, na realidade, hoje foi
formando e tornando-se um comercio muito forte da musica, da cultura musical.
Agora, antigamente os artistas viajavam por que sempre gostaram. Depois ,
sabendo que viajando, trabalhando, fazendo show, daria muito dinheiro. E essa
129

coisa começou a comercializar muito. E hoje o artista ele cobra cara para as coisas.
É tão difícil fazer o nome, as vezes quando faz não conserva, e as vezes perde.
Agora, o rádio, tem muitas emissoras que cobram execução, uma série de coisas,
mas são tudo evolução da coisa, né?! E quando descobre que vale a pena, que tem
comercio, então as pessoas lidam diferente. Mas em tudo é assim. Quando você
desenvolve alguma coisa, que alguém passa a entender o que você esta
desenvolvendo para o comercio, vai mudando todas as coisas.

F: Nas minhas pesquisas eu percebi que desde1910, quando Cornélio Pires


introduziu as músicas, elas já eram de cunho comercial. Dá pra dizer que
Tonico e Tinoco, mesmo com aquelas músicas de cunho mais artístico eram
comerciais. Você concorda com isso?

JR: Olha, eu até diria o seguinte, que eles cantavam por gosto. Por que tinha uma
voz bonita, um dueto bonito, diferente, e ninguém tinha, praticamente aquele dueto,
mas era musica de bairro. Não era uma musica que podia ser universal. Nós temos
ai vários tipos da cultura musical, mas uns procurou manter. Outros não!
Abandonaram. Então vamos supor: o fulano hoje vai cantar na casa do fulano na lá
fazenda não sei o que. Então fazia um oba-oba lá, um comes e bebe e ia todo
mundo pra lá. Tantos artistas, cada um apresentava a sua musica do bairro; vamos
supor, eu sou da região de Franca, o outro da região de Ribeirão Preto; por que
Piracicaba, no estado de São Paulo, era a terra do cururu. Cururu era um desafio,
por que no Rio Grande do Sul chata desafio, no nordeste é repente. Então cada
estado, cada região, tinha um segmento da coisa da musica. Era moda de viola,
cateretê, depois vinha congada, folia de reis e cada um tinha um estilo. E quando
chegava o ponto de uma reunião, cada um apresentava aquilo. E muitos seguiam
por arte, por profissão, e outros faziam por que gostavam, estavam se distraindo,
tava vivendo.

F: Dá pra chamar então essa época, antes do anos 70, de musica caipira ou ela
já era musica sertaneja?
130

JR: A música caipira veio de viola e violão. Somente! Por que era solado, você ia
cantando a melodia e solando com a viola, tlan, tlan, tlan, tlan... Então não tinha
aquele ritmo que nos chamamos de levada, que são ritmos de estilo diferente.
Agora, uns vem introduzindo boleros, balanço, uma serie de coisas. Então a gente
vai criando. Então, eu me lembro de quando lancei o meu primeiro balanço, que eu
coloquei o nome de balanço, por que ninguém sabia o que era. Depois a própria
musica sertaneja caipira, quando foi começando a introduzir instrumentos, que ai
precisava de separação de divisão de tempo, e uma serie de coisas... Então foi
complicando. Quem cantava caipira mesmo não conseguia cantar uma musica
sertaneja. Por quê? Por que muitas vezes Tonico e Tinoco, quando iam fazer um
disco, ele eram acostumado a tocar viola e ir tocando. Depois que começou a pintar
maestro, fazendo a separação, ai os caipiras pararam de cantar, por que tinha que
fazer uma adaptação. Quando se falava de divisão eles não conseguiam. Tonico e
Tinoco cansaram de virar o instrumento com a corda pro peito e fazer que tava
tocando nas costas pra poder acertar o ritmo de cantar, se não conseguia. E assim
foi. Dai, quando surgiu os maestros, regimentando, ai os artistas... E quando foi pra
cobrir playback, ai outra dor de cabeça pra quem não tinha costume. Então foi se
adaptando e foi formando. Dai veio a musica sertaneja romântica. Ai foi introduzindo
bolero. Tião Carreiro, por exemplo introduziu muito tango. Então de tudo um pouco.
E o Tião era o rei do pagode, era moda de viola, tocava cururu, cateretê, depois ele
foi introduzindo com guarânea, valseado, e a coisa foi ampliando assim.

F: Qual a importância da música caipira para a sociedade?

JR: Não, não, ela é importante! Por que você fazer uma poesia... é aí que começou
tudo. Agora, cada estado é um estilo. No Rio Grande do Sul nos tínhamos o
Teixeirinha e o Gildo de Freitas, que era repente, xote, vanerão, milonga, boogie. No
nordeste, Luiz Gonzaga, era baião, forro... Ia se adaptando. E cada um foi criando
uma coisa. Então cada um foi se identificando de uma maneira só.
131

F: Vocês gostam da música que fazem ou a fazem por profissão?

JR: Não, não! É que a gente começou cantando, por exemplo, eu sou nordestino eu
cantai muito baião, samba-canção, samba de black, que eu fiz muito quando garoto.
Então tudo isso foi marcando pra gente.

F: Existe o universitário. Existem as duplas que exaltam mais a paz, a alegria o


amor e tem as que incitam o jovem às coisas do mundo. O que você acha
disso?

JR: Não, não, eu diria o seguinte: o universitário não existe! Universitário gosta de
musica; seja rock, ou rap, o que for. Agora, inventaram esse nome de universitário; e
faz tempo que inventaram, e até hoje não se apresentou ninguém que se formou.
Então, quer dizer, não representou nada, não disse nada. Eles simplesmente
gostam de cantar e cantam musica sertaneja. Agora, uns, tentando ampliar (!) e
outros até derrubando a música. Eu nunca fui a favor de pornografia na música, por
que musica é cultura, e de repente, as pessoas ficam fazendo ai uma coisa que não
tem nada a ver com a cultura sertaneja, tem nada a ver uma coisa com a outra.
Então, eu acho até uma pena, tenho ate pena de pessoas assim, por que o
universitário... A quem que eu diria universitário... Existem muitos. Agora, ouviu falar
em universitário todo mundo quer ser universitário. Mas a verdade é: cadê a
criatividade? O que construiu? Nada! Só seguiu os outros. Até pegando repertório de
muitos artistas de sucesso e mudando umas coisas que não tem nada a ver uma
com a outra; mudando o vocabulário, palavreado e cortando pela metade muitas
coisas. Agora, por exemplo, eu gosto do Victor e Leo; gosto deles cantando. Agora,
o Fernando e Sorocaba, eles faz a musica deles. Se é considerado universitário eu
também não sei. Ai vem Guilherme e Santiago, que eu vi começando em Goiás, de
repente, vira universitário. O Zezé falhou uma vez em dizer que musica não é
cultura, musica é ficção, e não é. a musica, por exemplo, eu que me dediquei tanto,
e procurei tanto, dentro desse sistema de multiplicar, criar. Eu falo pra você. Quando
morreram os nossos companheiros de arte, Tião Carreiro, Duduca, Tonico, o
Belmonte, eu fiz uma musica que chama “Tributo aos Amigos”. Quando o Senna se
acidentou, que veio a falecer fiz a musica “Herói da Velocidade”. Então gente, é
desse jeito. A música, você retrata assim. Por que às vezes, você tem um
132

sentimento. Você perde um ídolo e, de repente, nada te impede de fazer uma


homenagem cantando. Então, tudo isso. Outros artistas já fizeram homenagem pra
mim; não morri ainda, mas... E essa homenagem é boa quando a gente tá vivo, por
que depois de morto não precisa fazer nada, não quer dizer nada. Mas é uma
lembrança, uma recordação. Agora, o duro é quando a pessoa compõe, que ela
aparece quatro meses e desaparece. Ai ele inventa outra coisa por que aquela já
acabou. Inventa outra... E assim vai querer enganar alguém a vida inteira? Não!
Você engana alguém por algum tempo, mas a vida inteira você não engana.

F: Qual a mensagem que vocês passam com a música de vocês?

JR: É o que eu te falei. Música é cultura. Se você pode falar de coisas boas, que
sirvam de exemplo... se for pra falar absurdo é melhor ficar quieto e não falar nada.
Por que é aquela historia, volto a dizer: musica é cultura!

F: Qual o segredo pra manter o sucesso que vocês têm?

JR: O segredo é fazer um bom trabalho, ter humildade e seguir em frente. E outra,
se você puder, na oportunidade favorecer alguma coisa, o sucesso multiplica. Mas
se você tem uma parte do sucesso e começa a se prevalecer você vai perdendo o
espaço, de repente, você não representa mais nada.

F: É possível fazer esse tipo de musica, vide que a música esta tão comercial?

JR: Não, não, é sim! Pode ser feita! Por exemplo, só pra você ter uma ideia: eu
tenho uma fazendinha aqui no Paraná, que eu tive o gosto de fazer. Lá é simples,
mas é um cantinho pros meus momentos de folga. (ele recita uma poesia de autoria
própria sobre a fazenda). A gente faz isso com o coração. Isso faz parte, chama-se
criatividade! É vivendo e aprendendo. Então a gente tira os momentos bons disso
dai. É por isso que a musica é cultura, e não ficção, continuo dizendo!
133

F: Uma música da dupla que você mais gosta...

JR: Pra dizer a verdade gosto de praticamente de todas. Eu regravei Lembrança do


Zé Fortuna que até hoje toca no radio e eu gosto de cantar no palco, por que ela
transmite uma mensagem tão bacana dentro de uma coisa tão positiva, tão gostosa
de ouvir, e outra, sem nenhum desabono no palavreado, nas dicas e deixas (nem
todos sabem o que é isso). Então, compositor sabe o que quer. Dicas e deixas... É
por aí, que você constrói as coisas que você quer que aconteçam.
134

ANEXO D
Lista de duplas sertanejas/caipiras e artistas solos de Londrina e região
(atualizado em 2014)
Fonte: Luiz Carlos Varize (Havaí)

DUPLA / ARTISTA SOLO CIDADE

1. ADEMIR E RODRIGO LONDRINA

2. ALCINO ALVES E ROCHA LONDRINA

3. ALESSA E MALDONADO LONDRINA

4. ALEX CAMARGO LONDRINA

5. ALEXANDRE NOVAES LONDRINA

6. AS MONTEIRO LONDRINA

7. AUGUSTO E ADRIANO LONDRINA

8. BETO E RENATO ROLÂNDIA

9. CAIO E CONRRADO LONDRINA

10. CANDIDO LONDRINA

11. CEZAR E PEDRO AUGUSTO LONDRINA

12. CIDO ALVES E SANTINO LONDRINA

13. COSTA E MOSCONI LONDRINA

14. DANIELA FURLANETO CAMBÉ

15. DANNER E DANIEL URAÍ

16. DAVI E FERNANDO LONDRINA

17. DE LUCAS E LUCIAN LONDRINA

18. DENIL E DINEY ASSAÍ

19. DIEGO E GUILHERME LONDRINA

20. DIEGO RUZZI E JULIANO LONDRINA

21. DINO E DENER LONDRINA


135

22. DIPLOMATA LONDRINA

23. DIPLOMATA E AGUIAR LONDRINA

24. DUO PANTANEIRO CAMBÉ

25. DYNO E DENER LONDRINA

26. EDSON E VINICIUS LONDRINA

27. EDU E EDUARDO CAMBÉ

28. EDY E ALEX LONDRINA

29. ELI RAMOS LONDRINA

30. ERICK E EVERTON LONDRINA

31. EVANDRO E AGUINALDO CORNÉLIO PROCÓPIO

32. FERNANDO E SOROCABA LONDRINA

33. FRANK E FERRARI LONDRINA

34. GAUDY E GALHARDI LONDRINA

35. GIORGE E FERRACINI LONDRINA

36. GISSEL E FABIANO ROLÂNDIA

37. HENRIQUE E DIEGO LONDRINA

38. HUMBERTO E ALENCAR LONDRINA

39. HAVAÍ LONDRINA

40. J PRADO E C CAMARGO LONDRINA

41. JEANN E JULIO LONDRINA

42. JEFERSON E HENRIQUE LONDRINA

43. JOÃO LUCAS E RICARDO LONDRINA

44. JOÃO MARCIO E FABIANO IBIPORÃ

45. JOÃO MARCOS LONDRINA

46. JOÃO MARCOS E RICARDO LONDRINA

47. JOÃO NETO E JEAN LONDRINA


136

48. JOBE JUNIOR LONDRINA

49. JOSE CLAUDIO E FERNANDO IBIPORÃ

50. JUCY E JULIANA LONDRINA

51. JULIANA LUNARDELLI LONDRINA

52. JULIANO E JARDEL LONDRINA

53. JULIO CEZAR E RAFAEL LONDRINA

54. JUVELINO LOPES CAMBÉ

55. LEO E MARKY LONDRINA

56. LUAN E RAFAEL LONDRINA

57. LUANA GABRIELA CAMBÉ

58. LUCAS E VALENTIN VIOLA LONDRINA

59. LUCAS MONTANA LONDRINA

60. LUCIANO E LEONARDO LONDRINA

61. LUIS E AGUINALDO LONDRINA

62. LUIZ CARLOS E ALCENI LONDRINA

63. LUIZ CARLOS E ARANDA LONDRINA

64. LUIZ E AGUINALDO LONDRINA

65. MANOLO E RIAN LONDRINA

66. MARCELO SÁ LONDRINA

67. MARCIO E CRISTIANE LONDRINA

68. MARCIO SANTOS E MARCELO LONDRINA

69. MARCO E MONTENEGRO LONDRINA

70. MARCO BRASIL LONDRINA

71. MARCOS E FABIO LONDRINA

72. MARCOS E MANCINE LONDRINA

73. MARCOS E VINICIUS LONDRINA


137

74. MARCUS E DALTO LONDRINA

75. MARCUS PAULO E MATHEUS LONDRINA

76. MARIANA E MATHEUS LONDRINA

77. MARIO GIL E DANIEL LONDRINA

78. MARQUES E RUAN LONDRINA

79. NELSINHO PERERÉCO LONDRINA

80. PAI DA MATA E REALTINHO LONDRINA

81. PAULO HENRIQUE E BIANK LONDRINA

82. PAULO ROBERTO E CELINHO LONDRINA

83. PAULO SANTIAGO LONDRINA

84. PEÃO CAMPEIRO E RANGEL LONDRINA

85. PEÃO DO VALLE E VALENTIM LONDRINA

86. PEDRO E PAULO LONDRINA

87. PEDRO PAULO E PAULO AFONSO LONDRINA

88. PREFERIDO E PREDILETO LONDRINA

89. RASSAN LONDRINA

90. RAVELL LONDRINA

91. RIK BENEDETI E DUARDO LONDRINA

92. RIO CLARO E MICHEL LONDRINA

93. RITA DE CASSIA E CASSIANO LONDRINA

94. RODRIGO E RAFAEL COSTA LONDRINA

95. RODRIGO E ROGERIO LONDRINA

96. RONES E DE PAULA LONDRINA

97. ROSSI E MOSCONI LONDRINA

98. RUBENS E RHUAN LONDRINA

99. RUDI E ADRIANO LONDRINA


138

100. SALES E ROSSI LONDRINA

101. SANTIAGO FERRON LONDRINA

102. SERGINHO LONDRINA

103. SERGIO E SERGINHO LONDRINA

104. SILVIO E ALISSON LONDRINA

105. SINEZIO E HENRIQUE SERTANÓPOLIS

106. SONY E ADRIANO LONDRINA

107. TEODORO E SAMPAIO LONDRINA

108. THAEME E THIAGO LONDRINA

109. TIÃO LONDRINA E MARINGA LONDRINA

110. TIBAGI E RAMALHO LONDRINA

111. TON E DENIS LONDRINA

112. TONY E RENAN LONDRINA

113. TRIO ARIZONA LONDRINA

114. VANDERLEY E TONY MARQUES ROLÂNDIA

115. VIRGILIO E TIAGO LONDRINA

116. VITOR E DANIEL LONDRINA

117. WELIINGTON E NATAN NOVA FÁTIMA

118. ZÉ ROBERTO E MANOEL LONDRINA

119. ZEZETE E ADEMIR ROLÂNDIA

120. ZUM E ZIQUIEL LONDRINA

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