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Estudos de Psicologia

Estudos de Psicologia, 21(3), julho a setembro de 2016, 272-281

As práticas integrativas e complementares grupais e sua inserção


nos serviços de saúde da atenção básica
Maria Valquíria Nogueira do Nascimento. Universidade Federal de Campina Grande.
Isabel Fernandes de Oliveira. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Resumo
O presente estudo teve como objetivo discutir a inserção das Práticas Integrativas e Complementares Grupais nos serviços de
saúde da atenção básica. Para tanto, foram realizadas seis entrevistas e duas rodas de conversa, totalizando a participação de 57
profissionais nas referidas práticas. Dos 66 equipamentos contactados, 37 realizavam alguma ação integrativa ou complementar
de natureza coletiva, com 15 modalidades de PIC’s grupais diferentes, a saber: relaxamento, meditação e yoga, tai chi chuan,
grupos de suporte mútuo, cuidadores de Alzheimer, tenda do conto, grupo de prosa com mulheres, grupo de bordadeiras,
grupo de idosos, grupo de caminhadas, grupo de terapia e arte, grupos de contação de histórias, terapia comunitária e teatro do
oprimido. As PIC’s grupais favorecem abordagens mais complexas sobre o processo saúde-doença e abrem o campo explicativo
para os outros paradigmas distintos da biomedicina.
Palavras-chave: práticas integrativas e complementares; grupo; serviços de saúde.

Abstract
Group complementary and integrative practices and their insertion within basic attention health services. The present study
aims to discuss the insertion of Group Complementary and Integrative Practices within basic attention health services. For this
purpose, six interviews and two chat sessions were performed, comprehending the participation of 57 male and female workers,
performing integrative and complementary practices. From the 66 basic attention equipment contacted, 37 performed some
collective complementary and integrative actions, with 15 modes of different group CIPs, such as: relaxation, meditation and yoga,
tai chi chuan groups, caretakers for Alzheimer, tale tent, women chat group, embroiders` group, senior people group, walking
group, therapy and arts group, storytelling groups, community therapy and theatre of the oppressed. The group PIC’s favour
more complex approaches concerning the health-disease process and open the explaining field for other distinct paradigms in
biomedicine.
Keywords: complementary and integrative practices; group; health services.

Resumen
Las prácticas integrativas y complementares grupales y su inserción en los servicios de atención primaria en salud, Esta
investigación tuvo como objetivo estudiar la inserción de las Prácticas Integrativas y Complementares Grupales en los servicios
de salud de atención primaria. Por lo tanto, realizamos seis entrevistas y dos ruedas de conversación, totalizando la participación
de 57 profesionales envueltos en las referidas prácticas. De los 66 servicios contactados, 37 realizaban acciones integrativas y
complementares de carácter colectivo, con 15 diferentes intervenciones en PIC’s, a saber: relajación, meditación, yoga, tai chi
chuan, grupos de apoyo mutuo, tienda de cuentos, cuidadores historia de Alzheimer, grupo de conversación con mujeres, grupo
de bordadoras, grupo de mayores de edad, grupo de caminadas, terapia y arte, grupos de contar historias, terapia comunitaria
y teatro del oprimido. Las PIC’s de grupo favorecen enfoques más complejos del proceso salud-enfermedad y abren el campo
para explicar otros paradigmas distintos de la biomedicina.
Palabras clave: PIC’s grupales; grupo; servicios de salud.

DOI: 10.5935/1678-4669.20160026 ISSN (versão eletrônica): 1678-4669 Acervodisponívelemwww.scielo.br/epsic


As PIC’s na Atenção Básica

G ra d a t i va m e n t e , f r u t o d o s ava n ç o s e Mais recentemente, assiste-se a um crescimento


transformações dos conhecimentos, os discursos sobre gradativo das Práticas Integrativas e Complementares
a saúde e a doença organizaram-se cientificamente e [PIC’s], tanto no âmbito do Sistema Único de Saúde [SUS]
passaram a representar o saber legítimo e oficial, sem quanto em outras organizações da sociedade civil e em
considerar os saberes gestados na cultura popular. Desse âmbito privado. Nessa direção, vale destacar a iniciativa
modo, em nome da superioridade dos conhecimentos do Ministério da Saúde [MS] em 2006, que, com vistas
sistemáticos, produzidos e apreendidos na academia, ao a estimular a corresponsabilidade na busca por novas
profissional de saúde caberia a competência e autoridade alternativas para o enfrentamento dos problemas de
para decidir o que é normal e o que é patológico. saúde, publicou a Portaria GM nº 971, da Política de
Dentre os motivos que explicam o status e a Práticas Integrativas e Complementares no SUS [PNPIC],
influência dos profissionais de saúde em nossa sociedade, com o objetivo de garantir a integralidade da atenção,
identificamos o advento progressivo do saber produzido com ênfase na prevenção de agravos e a promoção e
pela Medicina acerca do corpo, suas enfermidades e recuperação da saúde, na atenção básica. A referida
modalidades de intervenção, com o objetivo de prevenir, Portaria estabelece como PIC’s as seguintes intervenções:
aliviar e proporcionar melhores condições de saúde. A a homeopatia, acupuntura, medicina tradicional chinesa,
esse respeito (Luz, 2014) ressalta que: termalismo, medicina antroposófica, plantas medicinais
e fitoterapia, o Reiki e Lian Gong.
A prática médica foi identificada com a prática
científica e os médicos tornaram-se os detentores de De acordo com Barros (2006) e Júnior (2013), o
um saber que pode ser verificado “cientificamente”. impacto da implantação da Política de Práticas Integrativas
Esses profisssionais tiveram seu poder fortalecido e Complementares [PINPIC] pode alcançar os campos
na sociedade, ocorrendo uma desqualificação de econômicos, técnico e sociopolítico, e, por isso, promover a
outros saberes e práticas curadoras tradicionais, inclusão de práticas de cuidado ocultas no discurso e na ação
como o saber popular, ao identificá-lo como “não dominadora do mercado, em cujos serviços a racionalidade
científico” e, por isso, ineficaz” (p. 68). biomédica é hegemônica. A soma desses fatores, aliado à
O processo de estruturação da Medicina científica ineficiência do modelo biomédico na resolução de alguns
contou com um significativo apoio econômico, cabendo- problemas de saúde, mostram-nos diversos aspectos
lhe a tarefa de recuperar e manter o corpo dos favoráveis à institucionalização de estratégias como as
trabalhadores em funcionamento, mesmo que os PIC’s, tais como: o reposicionamento do sujeito doente
condicionantes e determinantes de adoecimentos como centro da atenção à saúde, o fato da singularidade
fossem as condições de vida e trabalho. Em consequência, do paciente e sua totalidade biopsíquica serem levadas em
propunha-se a diminuir as tensões sociais e ocasionava, consideração e a reconsideração da relação médico-paciente
ao mesmo tempo, a reprodução das relações capitalistas, como elemento fundamental da terapêutica (Luz, 2003).
conforme evidencia Foucault (2004): As PIC’s são definidas por Barros e Tesser (2008)
como um grupo de sistemas médicos e terapêuticos
(...) o capitalismo, desenvolvendo-se em fins de cuidado à saúde, práticas e produtos que não são
do século XVIII e início do século XIX, socializou presentemente considerados parte da biomedicina e são
um primeiro objeto que foi o corpo enquanto
orientadas pelos seguintes princípios: escuta acolhedora,
força de produção, força de trabalho. O controle
desenvolvimento do vínculo terapêutico, integração
da sociedade sobre os indivíduos não se opera
simplesmente pela consciência ou pela ideologia, do ser humano com o ambiente e a sociedade, visão
mas começa no corpo, com o corpo. Foi no ampliada do processo saúde-doença, promoção global
biológico, no somático, no corporal que, antes de do cuidado humano, entre outros. Essas modalidades
tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma terapêuticas têm se destacado por incitar ações de
realidade bio-política. A Medicina é uma estratégia promoção e mudanças em hábitos de vida, ao mesmo
bio-política” (p. 80). tempo que estimula a participação ativa da pessoa frente
à sua doença. Um os principais fatores de transformação
Desse modo, o poder médico passou a regular
dessas práticas é a inversão do paradigma da doença para
a vida das pessoas e da sociedade e a provocar a
o da saúde, uma menor dependência dos profissionais
medicalização autoritária da cultura, dos corpos e da
e dos remédios, bem como a autonomia em busca pelo
doença, e, como resultado, a falta de autonomia.
cuidado (Luz, 2003).

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O campo das PIC’s compõe sistemas médicos Para melhor ilustrar essa discussão, destacamos
complexos e modalidades terapêuticas, cuja a Política de Práticas Integrativas e Complementares do
denominação, por parte da Organização Mundial de Rio Grande do Norte [PEPIC/RN], através da Portaria
Saúde [OMS], é a medicina tradicional e complementar/ estadual nº 274, de 27 de junho de 2011. Além de
alternativa. A inserção dessa modalidade de prática nos instituir as práticas estabelecidas pela política nacional,
sistemas de atenção à saúde é resultado de todo um o estado acrescentou mais duas outras modalidades: a
percurso determinado por aspectos históricos, sociais e primeira delas, as Práticas Corporais Transdisciplinares
culturais, os quais refletem as condições de produção e [PCT], abordagens metodológicas que se utilizam da
peculiaridades de cada contexto. Tais práticas objetivam multirreferencialidade de saberes científicos sobre
ofertar uma série de serviços à população, entre eles, o corpo para produzir movimentos de forma ativa
a acupuntura, fitoterapia e homeopatia, entre outros ou passiva, com objetivo de harmonizar processos
recursos disponíveis em cada contexto. No entanto, de energéticos na estrutura corporal e transcorporal do
acordo com Zhang, Coordenadora do Departamento ser humano, agregando valores éticos, estéticos e
de Medicina Tradicional da OMS, citada por Simoni, espirituais. A segunda, as Vivências Lúdicas Integrativas
Benevides e Barros (2008), a integração das PIC’s tem (VLI), estratégias que propiciam diferentes modos de
apresentado dificuldades quanto à sua inserção nos sentir o fluir das emoções de alegria em contextos
sistemas de saúde, em virtude das diversas concepções socioculturais específicos do adoecimento humano, na
filosóficas. expectativa de corporalizar o princípio de integralidade
Nos países ocidentais, por exemplo, a medicina é da vida (Secretaria Estadual de Saúde Pública, 2011).
concebida como uma ciência que tem por objeto o corpo Dentre as diversas PIC’s desenvolvidas nos
humano, no qual existem doenças causadas por agentes serviços de saúde, este estudo se ocupou daquelas
que devem ser identificados para que o indivíduo retome que são de natureza coletiva. Sem desejar minimizar
o seu estado saudável. Em contrapartida, a medicina ou secundarizar ações integrativas e complementares
complementar exige uma compreensão do sujeito em
individuais, a opção pelas atividades grupais
sua complexidade, ou seja, visto em sua totalidade. Desse
justifica-se em razão das estratégias de intervenção
modo, a doença, o diagnóstico e tratamento devem ser
observados, simultaneamente, a partir da integração em grupo constituírem redes de apoio social, na
dos aspectos físicos, emocionais, espirituais, mentais, qual produzem-se fazeres e fazeres, a partir da
econômicas e sociais. socialização de experiências.
Nessa direção, a Política Nacional de Práticas Esse trabalho assume a integralidade como
Integrativas e Complementares [PNPIC] pretende um dos eixos norteadores das PIC’s, que, associado à
atuar nas esferas da prevenção de agravos e da universalidade e à equidade, não deixa de ser um dos
promoção, manutenção e recuperação da saúde, principais desafios para o SUS na atualidade. Uma vez
baseada num modelo de atenção humanizada e que se busca abordar a integralidade na perspectiva de
centrada na integralidade do indivíduo como proposta uma estratégia integradora que reflete os indivíduos,
de fortalecimento dos princípios fundamentais do SUS, família, ambiente e grupos sociais, a intervenção em
além de contribuir com o aumento da resolubilidade do saúde implica englobar dimensões macropolíticas que se
sistema com qualidade, eficácia, eficiência, segurança, traduzam em ações sanitárias reforçadoras de equidade
sustentabilidade, controle e participação social. Para do acesso dos mais diversos grupos populacionais. Nesse
tanto, propõe-se a conhecer, apoiar, incorporar e caso, universalidade, integralidade e equidade são três
implementar experiências que são desenvolvidas no princípios formadores de um conceito tríplice, com
sistema público de saúde. finalidade ético-política do sistema de saúde, à medida
Embora a Política Nacional tenha instituído as que contribui para a melhoria das condições de saúde
terapêuticas anteriormente mencionadas neste texto, e vida da população brasileira (Pinheiro e Mattos, 2010;
outras modalidades de ações, da mesma natureza Mendes,1997).
e princípios, a exemplo das práticas grupais, pouco No âmbito assistencial, essas articulações têm sido
a pouco estão sendo incorporadas aos serviços de difíceis uma vez que, embora se reconheçam avanços e
saúde, mediante reivindicações e demandas da própria reformulações no campo da saúde e, consequentemente,
comunidade. na postura dos profissionais em sua relação com os

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usuários, o modo hegemônico de produção de cuidado, estudo, haja vista que possibilitou a verificação não
pautado por padrões objetivistas, ainda negligencia o apenas da permanência ou não das práticas identificadas
princípio da integralidade, tanto do ponto de vista da no ano de 2011, mas, por meio deste, chegamos a
integração do sujeito quanto da integração das ações outros profissionais e territórios; (b) identificação dos
em saúde. equipamentos de saúde e profissionais da atenção básica
Nesse sentido, Bozi (1994) destaca que a que desenvolviam atividades em PIC’s. Realizamos,
formação dos profissionais de saúde e a formulação inicialmente, uma consulta minuciosa ao Cadastro
de modelos assistenciais adotados pelos serviços Nacional de Estabelecimentos em Saúde [CNES], com
possuem dinâmicas distintas que culminam na o intuito de identificar os serviços e profissionais que
realizavam PIC’s grupais. Nesse sistema, a consulta foi
construção de lógicas particulares de realização e
realizada por meio do código 134, através do qual eram
condução de atividades. Segundo o autor, o uso da
registradas práticas dessa natureza no município. No
categoria integralidade corresponde a um tipo de
entanto, à época do estudo, o referido código cadastrava
marcador contínuo que se estrutura a partir de uma ação
apenas as atividades que determinadas pela Política
social específica, que pode incluir os aspectos objetivos
Nacional, como: homeopatia, fitoterapia, acupuntura,
e subjetivos resultantes da interação/relação de atores
termalismo e a medicina antroposófica, Termalismo/
em suas práticas, no interior das instituições (p. 456).
Crenoterapia, Práticas Corporais/Atividade Física,
Notadamente as conquistas e desafios da Política
técnicas em Medicina Tradicional Chinesa. A rigor, a
de Práticas Integrativas e Complementares[PNPIC]
consulta ao CNES tornou evidente a invisibilidade das
estão delineados. Sem dúvida, é importante registrar
ações integrativas e complementares distintas daquelas
que tais práticas significam a retomada dos princípios
estabelecidas pela política nacional, que possibilitam a
fundamentais do SUS, sobretudo, na medida em que
expressão das peculiaridades e potencialidades locais e
reafirmam a integralidade da atenção, em interação
saberes gestados nos espaços populares.
com outras ações e serviços de saúde, na perspectiva
Ainda como parte da primeira etapa do estudo,
de ampliação da corresponsabilidade e do exercício da
visitamos estabelecimentos da atenção básica para
cidadania.
conversar com equipes que desenvolviam tais práticas e,
Diante do exposto, o presente artigo objetiva
assim, estabelecer um primeiro contato; (c) identificação
discutir a inserção das Práticas Integrativas e
e caracterização das PIC’s grupais. Em virtude da
Complementares Grupais [PIC’s] nos serviços de saúde da
diversidade de trabalhos em grupo realizados nos
atenção básica e suas possíveis contribuições em termos
serviços de saúde, essa fase consistiu em fazer um
de reorientação de outras racionalidades em saúde.
recorte das práticas que, pelo menos como ponto de
partida, denotavam um caráter mais participativo,
Método com relações mais dialógicas e horizontais entre
profissionais e participantes dos grupos; (d) realização
Cenário e Participantes de entrevistas e rodas de conversa com o fim de discutir
com os profissionais de saúde acerca da inserção das
A pesquisa teve como cenário as Unidades Básicas
PIC’s grupais nos serviços de saúde e suas possíveis
de Saúde[UBS] e Unidades Básicas de Saúde da Família
contribuições em termos de reorientação de outras
[UBSF] de um município nordestino. Para tanto, foram
racionalidades.
realizadas seis entrevistas e duas rodas de conversa, com
A opção pelas entrevistas e rodas de conversa,
a participação total de 57 profissionais que realizavam
simultaneamente, deveu-se ao fato de que, durante
PIC’s grupais nos serviços.
a pesquisa, identificamos distintas configurações de
Em termos operacionais, desenvolvemos a
atuações profissionais em PIC’s grupais nos serviços.
pesquisa partir das seguintes etapas: (a) visita à
Dentre as mais comuns, encontramos práticas realizadas
Secretaria Municipal de Saúde [SMS], com vistas a
por apenas um profissional ou em dupla, e outras
buscar informações que subsidiassem esta investigação.
desenvolvidas em equipe. Com esse formato, fomos
Nessa fase, identificamos um diagnóstico situacional
motivados a pensar estratégias diferentes de produção
de ações e serviços de PIC’s, realizado no ano de
de dados, uma vez que apenas a entrevista parecia-
2011. O contato com esse material foi de fundamental
nos um instrumento insuficiente para contemplar,
importância para um dos pontos de partida deste

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por exemplo, as práticas realizadas em equipe. Dessa Das 37 práticas apontadas, 33 estavam localizadas
forma, com os profissionais que realizavam ações em na Estratégia de Saúde da Família, e quatro em uma
PIC’s grupais, individualmente ou em dupla, utilizamos a Unidade Básica de Saúde, esta última ainda não vinculada
entrevista semi-estruturada, enquanto que, para aqueles à Estratégia de Saúde da Família, haja vista que, à época
que executavam as atividades em equipe, optamos pelas do trabalho de campo, o município realizava a transição
rodas de conversa. para transformar todas as Unidades Básicas em Unidades
Todo o material da pesquisa foi transcrito Básicas de Saúde da Família.
textualmente e submetido aos procedimentos de análise A Saúde da Família [ESF] é responsável pela
qualitativa, a partir da utilização do software QDA reorganização, expansão, qualificação e consolidação da
Miner. Mediante leitura das informações registradas, atenção básica, em conformidade com os preceitos do
delimitamos alguns núcleos temáticos, os quais foram Sistema Único de Saúde (PNAB, 2012). Para tal fim, deve
articulados e confrontados com o referencial teórico contar com uma equipe multiprofissional, composta por,
produzido durante todo o processo de investigação. no mínimo: (I) médico generalista, ou especialista em
Em observância à resolução 466/12, do Conselho Saúde da Família, ou médico de Família e Comunidade;
Nacional de Saúde, que diz respeito à participação de (II) enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da
seres humanos em pesquisas, este trabalho foi submetido Família; (III) auxiliar ou técnico de enfermagem; e (IV)
ao Comitê de Ética de uma Universidade Pública. Desse agentes comunitários de saúde. Podem ser acrescentados
modo, antes de iniciarmos a produção de dados nos a essa composição os profissionais de Saúde Bucal:
grupos, todos os participantes foram informados sobre cirurgião-dentista generalista ou especialista em Saúde
os objetivos propostos pelo estudo, de modo que, após da Família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal. Ainda
tomarem ciência, declararam anuência frente a um Termo está prevista a implantação da Estratégia de Agentes
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Comunitários de Saúde nas Unidades Básicas de Saúde
como uma possibilidade para a reorganização inicial da
Resultados e Discussão atenção básica, com vistas à implantação gradual da ESF
ou como uma forma de agregar os agentes comunitários
Como resultado da operacionalização do principal a outras maneiras de organização da atenção básica.
objetivo deste estudo que consistiu em analisar a Desse modo, várias ações implementadas pelo
inserção das PIC’s grupais nos serviços de saúde da Ministério da Saúde devem agir como propulsoras das
atenção básica, esta seção será dividida em cinco blocos: PIC’s, como o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF),
mapeamento dos serviços de saúde da atenção básica e visto que é responsável por apoiar a inserção da Estratégia
profissionais que realizavam PIC’s grupais; modalidades de Saúde da Família na rede de serviços e ampliar a
e características das referidas práticas; inserção das PIC’s abrangência, a resolutividade, a territorialização, a
grupais nos serviços de saúde; principais demandas; e e) regionalização, bem como a expansão das ações da APS
potencialidades e fragilidades das PIC’s grupais. no Brasil (Portaria nº 154, 2008).
Em suas principais diretrizes, o NASF contempla
Mapeamento dos Serviços de Saúde da Atenção
como uma de suas áreas estratégicas as ações em PIC’s,
Básica e Profissionais das Pic’s Grupais
com o objetivo de construir fluxos que potencializem
Na ocasião do mapeamento das práticas, foram a interação dessas práticas com aquelas já ofertadas
contactados 66 equipamentos de saúde da atenção pelas redes locais de saúde. Como resultado, contribui
básica, dentre os quais 37 realizavam alguma Prática para impedir os abusos da medicalização, ao mesmo
Integrativa e Complementar de natureza coletiva. Em tempo que considera o indivíduo em sua totalidade e
termos gerais, identificamos 15 modalidades de PIC’s valoriza outras opções de tratamento, na direção de
grupais, a saber: relaxamento, meditação e yoga, garantir o acesso democrático aos serviços, conforme
tai chi chuan, grupos de suporte mútuo, cuidadores as necessidades individuais e coletivas.
de Alzheimer, tenda do conto, grupo de prosa com De todas as PIC’s grupais identificadas, apenas
mulheres, grupo de bordadeiras, grupo de idosos, seis desenvolviam ações que possibilitaram uma análise
grupo de caminhadas, grupo de terapia e arte, grupos dos processos grupais e participativos, tais como:
de contação de histórias, terapia comunitária e teatro tenda do conto, tapera da falação, grupo sentimental,
do oprimido. grupo de prosa com mulheres, terapia e arte e danças

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circulares. Como mencionado na seção do método, este preocupação anterior quanto à adoção de modalidades
recorte foi necessário na pesquisa dada a diversidade de de assistência em saúde pautadas pelo compromisso com
atividades em grupo que ocorrem nos serviços de saúde, a ressignificação de práticas hegemônicas, em especial
escolha esta que implicou um esforço adicional para aquelas que rompem com a ideia da medicalização como
identificar práticas com as características previamente a única alternativa nos serviços.
estabelecidas.
Quanto ao mapeamento dos profissionais que Modalidades e Características das Pic’s Grupais
realizavam regularmente PIC’s grupais, evidenciamos
Com relação às modalidades e características
que é cada vez mais ampla a inserção das diversas
especialidades e domínios de conhecimentos, com
das PIC’s grupais, identificamos uma diversidade de
vistas a uma prática multidisciplinar, ainda que configurações em termos de categorias, objetivos,
algumas categorias apareçam de modo tímido. Assim, demandas e procedimentos metodológicos, como
conforme demonstra a (tabela 1), dentre as 57 pessoas elucida a tabela 2.
entrevistadas, as práticas estudadas contam com 16%
de presença de Agentes Comunitários de Saúde, 9% Tabela 2. Caracterização das PIC’s Grupais Realizadas nos Serviços
profissionais da Enfermagem, 8% da área de Educação de Saúde da Atenção Básica
Física, seguido de 7% do campo da Medicina. Categoria PIC’s grupais
Meditação, yoga e tai chi chuan e
Intervenção mente-corpo
Tabela 1. Profissionais de Saúde Inseridos nas PIC’s Grupais nos caminhada
Serviços de Saúde da Atenção Básica Danças circulares, biodança, dança
Dança
Categoria n de salão e zumba

Agente comunitário(a) de saúde 16 Tenda do conto, tapera da falação,


Contação de história
caixa sentimental
Enfermeiro(a) 9
Grupos de produção de arte,
Educador(a) Físico(a) 8 Arte e cultura
teatro popular em saúde
Médico(a) 7 Sóciopolíticos Teatro do oprimido
Nutricionista 4 Grupos terapêuticos e de ajuda Terapia comunitária, grupos
Psicólogo(a) 3 mútua operativos
Auxiliar de Enfermagem 3
Dentista 3 Das PIC’s grupais identificadas, elencamos algumas
Farmacêutico(a) 2 categorias que traduzem as principais características das
Fonoaudiólogo(a) 1 estratégias grupais, como: intervenção mente-corpo,
Total 57
grupos de dança, contação de história, arte e cultura,
grupos de caráter sociopolítico e grupos terapêuticos.
A partir da análise das categorias mencionadas,
Convém assinalar a participação expressiva
em termos metodológicos e de objetivos das práticas
de agentes comunitários de saúde nas PIC’s grupais,
grupais, verificamos que as ações integrativas e
trabalhadores que se revelaram verdadeiras potências
complementares consistiam em atividades de caráter
terapêuticas nos territórios de saúde. De acordo com
lúdico, de mútua ajuda e suporte social, grupos
Lancetti (2009), os agentes comunitários de saúde,
operativos e práticas sociopolíticas. Todas as estratégias
quando articulados com outros parceiros da organização
de grupo eram selecionadas conforme as demandas dos
sanitária, são fundamentais para fazer funcionar os
serviços de saúde e participantes.
equipamentos e práticas de saúde. Isso se deve à
A utilização da arte e da cultura como recurso
condição paradoxal dos próprios agentes, pois são ao
bastante presente no âmbito das PIC’s grupais indica a
mesmo tempo membros da comunidade e integrantes
forma como os próprios ambientes são organizados para
da equipe.
a realização das atividades, com uma forte valorização de
Observamos que muitos dos participantes
elementos culturais, na tentativa de produzir uma maior
da pesquisa desenvolviam Práticas Integrativas e
identificação com os participantes.
Complementares antes mesmo destas serem implantadas
A contação de história é, também, uma ferramenta
oficialmente pelo Ministério da Saúde e pelo município.
bastante utilizada nas PIC’s grupais. Nesse contexto, as
Esse dado traduz, por parte desses profissionais, uma

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pessoas são convidadas a levar ao grupo objetos que característica de mobilidade nos serviços de saúde, em
representem alguma memória de afeto para, a partir diferentes territórios.
destes, construírem as suas narrativas. Sobre esse
aspecto, Bosi (2003) observa que, a partir da contação Principais Demandas das Pic’s Grupais
de histórias, explora-se o campo de experiência pessoal, No bloco referente às demandas, destacam-se
com os eventos do dia a dia, registrados na lembrança e os transtornos mentais graves e leves. Na tentativa de
contados para outros. Segundo a autora, todos somos reorganização da atenção básica e de reafirmação dos
capazes de recuperar aspectos do nosso passado. É princípios do SUS, a Estratégia de Saúde da Família tem
como se contássemos histórias a nós mesmos. Não contribuído para a desinstitucionalização dos cuidados
é a memória que se tranca em si mesma, mas a que das pessoas com transtornos mentais, na perspectiva
partilha seus conteúdos quando há um ouvido disponível de um cuidado em saúde mental territorializado. De
e atento, e que os define, no próprio ato de contar. acordo com Nunes, Jucá e Valentim (2007), essa proposta
Porém, o relato primordial é aquele que pode ser feito favorece a atenção à saúde em equipe multiprofissional,
a outras pessoas. Através dele, o que vivemos ganha a integralidade (das profissões, das disciplinaridades e
uma dimensão social, obtém testemunhas, faz com que do cuidado), responsabilidade da equipe vinculada a
os outros ampliem a sua experiência através de nossas um território de base comunitária, intersetorialidade e
palavras. Há troca e cumplicidade. interinstitucionalidade. Ademais, as PIC’s grupais podem
Inserção das Sic’s Grupais nos Serviços de saúde ser um dispositivo importante de produção de cuidado
em saúde mental, reabilitação psicossocial, promoção do
Quando observada a inserção das ações vínculo, acolhimento, corresponsabilização, autonomia e
integrativas e complementares grupais nos serviços, ajuda mútua e suporte social para usuários e familiares.
embora o município investigado disponha de uma A segunda demanda das PIC ’s grupais é o
política municipal que normatiza as atividades, muitas sofrimento difuso. A supremacia da Medicina, como
são inseridas nos equipamentos em virtude da iniciativa saber que exerce poder e influencia os modos de vida
de profissionais que compactuam com outras formas em sociedade, é muito claramente expressa no cotidiano
de cuidado e que fazem a resistência política em saúde. dos serviços de saúde. Basta assistir a busca recorrente
Desse modo, as práticas vivem à margem dos serviços, das pessoas por atendimento com queixas como mal-
embora no interior deles. estar generalizado e outras sintomatologias que não se
Como as PIC’s grupais não estão previstas nos enquadram numa nosografia tradicional. Essas queixas
protocolos de atendimento dos serviços, para os podem ser originadas pelas situações de fragilidade
entrevistados o trabalho é considerado invisível e social, econômica, identitária e cultural, que são
essas intervenções não lhes conferem uma identidade provocadoras de determinadas formas de adoecimento
profissional. É possível que essa percepção tenha sido muitas vezes não compreendidas pelos profissionais de
construída em razão das características do trabalho saúde (Valla, 2001; Vasconcelos, 2008, 2010). De acordo
produtivista nos sistemas de saúde. Para Pereira (2008), com Valla (2001) e Vasconcelos (2001, 2008).
o ponto de partida para entender essa questão é lembrar Nesse sentido, o sofrimento difuso é uma
que o caráter de trabalho produtivo, nesse contexto, “é expressão utilizada para se referir a problemáticas
instituído nas relações de produção e de reprodução do e queixas inespecíficas relacionadas com questões
capitalismo, cujo desdobramento é a potencialização psicossociais importantes, como ausência de redes de
deste caráter em atividades de produção imaterial e apoio social, problemas que dizem respeito às relações
trabalho improdutivo na saúde” (p. 395). familiares, laborativas, sociais e econômicas dos usuários
Um último aspecto relevante observado com dos serviços de saúde. De maneira geral, observa-se
referência à inserção das PIC’s grupais é a natureza que os profissionais de saúde classificam as pessoas
itinerante das atividades. Face à ausência de apoio com sofrimento difuso como pacientes poliqueixosos,
das gestões e de espaços de formação, os facilitadores psicossomáticos, funcionais, psicofuncionais, histéricos,
desenvolvem redes de apoio e trocas solidárias de pitiáticos (Fonseca, Guimarães, & Vasconcelos, 2008).
cuidado, com vistas à promoção da circularidade das Consideramos que há um contingente significativo
ações em outras comunidades e serviços de saúde de profissionais que não está sensivelmente preparado
circunvizinhos. Com isso, as práticas apresentam uma para acolher essa demanda, pois centram sua atenção

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As PIC’s na Atenção Básica

na individualização do problema. Representa um grupo Potencialidades e Fragilidades das Pic’s Grupais


de queixas conhecidas como somáticas e inespecíficas,
geralmente vinculadas ao mal-estar social, situação de Quando observadas as principais potencialidades
violência, processos de exclusão etc. e que não são, das PIC’s grupais, os profissionais de saúde relatam
muitas vezes, explicados sob as lentes dos saberes uma considerável diminuição da medicalização, pois
biomédicos ou psicológicos (Valla, 2001; Vasconcelos, os grupos são contextos de produção de vida e de
2008). saúde, configurando-se como espaço para a troca de
Muitas vezes, as pessoas buscam a Unidade experiências e ajuda mútua.
Básica de Saúde com a expressão de queixas localizadas, Outra potencialidade a ser destacada é a
prioritariamente no corpo, numa compreensão de que importância da participação no grupo das práticas
toda doença tem uma base orgânica, biológica, em como forma de apoio social. De acordo com estudos
consonância com o ideário hegemônico do discurso apresentados por Valla (2001), ao participarem de algum
médico. Numa tentativa de reconhecimento social, é grupo de apoio social no qual passam pelos mesmos
como se ao situar a dor no corpo a doença adquirisse problemas ou vivem situações que afetam o bem-estar
mais visibilidade (Gomes & Rozemberg, 2001). No e a saúde, as pessoas estabelecem intercâmbio de
decorrer da participação das atividades de PIC’s grupais, vivências que é benéfico tanto para quem ajuda quanto
as pessoas podem, gradativamente, passar a relacionar para aquele que é beneficiado com a vivência dos outros
a dor no corpo com as adversidades do cotidiano e com participantes. Produz-se, assim, um sentimento de
as situações de fragilidade social, econômica, identitária igualdade, de utilidade social e competência individual
e cultural as quais estão submetidas. Desse modo, a e grupal, de modo que, os apoios disponibilizados por
troca de experiência em grupo possibilita o acesso a uma determinados grupos ou organizações sociais podem
linguagem pessoal e simbólica, que é exterior ao corpo, contribuir para proporcionar fatores de proteção contra
provocando o mecanismo de identificação e ajuda mútua o surgimento de doenças.
entre seus integrantes e a ressignificação dos problemas No que diz respeito às fragilidades das PIC’s
psicossociais e de saúde. grupais, já como ponto de partida, identificamos uma
A terceira demanda é a medicalização como série de precariedades, especialmente no tocante à
única alternativa na atenção básica, uma vez que se formação de recursos humanos para a atuação nas
observa que o saber cientificista da Medicina, aliado aos ações integrativas e complementares, ausência de
interesses econômicos e à necessidade de acúmulo do recursos materiais e infraestrutura para a realização das
capital, produziu uma forma de assistência que tomou atividades.
como ponto de partida o modelo de consumo, desde a O fato de as PIC’s grupais não estarem inseridas
utilização excessiva das consultas médicas até a utilização nos serviços de saúde como política institucional foi outra
de procedimentos, medicamentos e atenção hospitalar dimensão apontada como frágil pelos profissionais. Isso
especializada. O poder médico, por sua vez, passou a se deve ao fato destas atividades não estarem previstas
regular a vida das pessoas e da sociedade e provocou nos protocolos dos serviços de saúde, e, portanto, serem
a medicalização autoritária da cultura, dos corpos e da consideradas como um trabalho invisível ou de menor
doença e, obviamente, a falta de autonomia (Foucault, valor.
2004). Com isso, as PIC’s grupais se tornam uma Outro aspecto considerado como fragilidade
alternativa à medicalização à medida que ofertam outras das PIC’s grupais refere-se ao trabalho em equipe.
possibilidades de atenção à saúde, numa perspectiva Pela própria natureza coletiva das ações, de um
mais dialógica, de coparticipação e autonomia das modo geral, as práticas funcionam numa lógica inter
pessoas em seus processos de adoecimento e de e transdisciplinar, haja vista que as atividades são
produção de vida e saúde. planejadas e executadas por profissionais que integram
A quarta e última demanda das PIC’s grupais são várias áreas e disciplinas do conhecimento, e que, por sua
as pessoas acometidas pelos problemas de hipertensão, vez, produzem articulações, diálogos e entrelaçamento
diabetes e outras enfermidades crônicas que tinham a entre as disciplinas, na perspectiva de produção de
medicalização como única alternativa na atenção em novos saberes em saúde. Ainda que essa seja a tônica
saúde. do trabalho, algumas vezes observamos experiências

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M. V. N. Nascimento, I. F. Oliveira

nas quais há um predomínio do caráter multidisciplinar, vigentes na sociedade, em especial no campo da saúde
pois não identificamos a preocupação com a interligação pública, pois abre a possibilidade de problematização
de campos e núcleos de saberes na execução das ações. acerca da garantia da integralidade, numa perspectiva
Ao contrário, as atividades eram realizadas de modo dialógica, emancipadora, participativa e criativa, que
compartimentalizado em termos de especialidades articula saberes, práticas, vivências e espaços de
e hierarquização das funções no grupo, conforme os saúde. Ademais, apresentam como potencialidade a
domínios de conhecimento de cada área. possibilidade de contribuição para a desmedicalização
Por fim, a última fragilidade refere-se à tensão nos serviços de saúde. Para tanto, é necessário o fomento
horizontalidade x verticalidade nas relações dos de práticas mais solidárias, menos mercantilizadas e
profissionais com os participantes dos grupos. Nesse mais enriquecedoras da experiência do processo-saúde-
sentido, evidencia-se um considerável esforço das equipes cuidado, por parte das gestões em saúde.
para que o trabalho ocorra de forma compartilhada Por fim, este estudo pretende contribuir para
entre os usuários e facilitadores. Contudo, mesmo sem evidenciar que as PIC’s grupais podem ser um passo a mais
a intenção, alguns membros reproduzem o hábito de para o fortalecimento do SUS, ao mesmo tempo que é um
levar os pacotes com atividades prontas para oferecer às convite a todos os profissionais que integram o campo da
pessoas, sem considerar as reais demandas do serviço e saúde a fazerem a resistência política, na perspectiva de
da comunidade. Algumas ações ainda são muito centradas produzir novos saberes e fazeres comprometidos com a
nos conhecimentos dos profissionais “especialistas”, ressignificação das estratégias hegemônicas de cuidado.
gestados nos espaços acadêmicos, desconsiderando os
saberes e as necessidades cotidianas das pessoas. Um Referências
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Maria Valquíria Nogueira do Nascimento, Doutoranda em Psicologia


pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é Docente do
curso de Psicologia na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Endereço para correspondência: Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG) - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) - Curso
de Psicologia. Av. Juvêncio Arruda, 795, Bairro Bodocongó. Campina
Grande, PB. CEP: 58438-800. E-mail: valquiriarn@yahoo.com.br

Isabel Fernandes de Oliveira, Doutora em Psicologia Clínica pela


Universidade de São Paulo (USP), é Professora do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (PPgPsi/UFRN). E-mail: fernandes.isa@gmail.com

Recebido em 23.Set.15
Revisado em 22.Ago.16
Aceito em 31.Ago.16

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