Roseli Da Silveira

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ROSELI DA SILVEIRA

Estudo sociogeolingüístico do município de Iguape:


aspectos semântico-lexicais

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em


Lingüística do Departamento de Lingüística da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo como exigência para obtenção do título de
Mestre em Lingüística.

Área de Concentração: Semiótica e Lingüística Geral

Orientadora: Profª. Drª. Irenilde Pereira dos Santos

São Paulo
2009
FOLHA DE APROVAÇÃO

Roseli da Silveira
Estudo sociogeolingüístico do município de Iguape: aspectos semântico-lexicais

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em


Lingüística do Departamento de Lingüística da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo como exigência para obtenção do título de
Mestre em Lingüística.

Área de Concentração: Semiótica e Lingüística Geral

Aprovada em:

Banca Examinadora

Prof(ª) Dr(ª) ________________________________________________________________

Instituição: ________________________________ Assinatura: _______________________

Prof(ª) Dr(ª) ________________________________________________________________

Instituição: ________________________________ Assinatura: _______________________

Prof(ª) Dr(ª) ________________________________________________________________

Instituição: ________________________________ Assinatura: _______________________


DEDICATÓRIA

A meus filhos Fábio, Felipe e Ricardo.

A Florival Caceres, pesquisador da História do Brasil - foi quem me


apresentou Iguape -, pelos bons e maus momentos que partilhamos.
In memoriam.
AGRADECIMENTOS

O desafio a que nos propusemos ao retomar a vida acadêmica, depois de toda uma
vida profissional dedicada à educação de jovens e adultos de escolas públicas, não deixou de
ser uma forma de me manter próxima dos livros, dos colegas, do ambiente escolar.

A volta aos bancos escolares, às pesquisas na biblioteca, a ida a simpósios e


congressos, fizeram renascer o gosto pelo conhecimento, pela descoberta, pelo saber. E
quanto ainda tínhamos e temos a aprender!

Esta etapa está praticamente concluída. Tentamos desincumbirmo-nos da melhor


maneira possível, mas, como seres humanos imperfeitos que somos, certamente neste trabalho
cometemos falhas, deixamos lacunas.
Humildemente agradecemos ao leitor criterioso, em nome da pesquisa e da Ciência,
que, fazendo parte ou não de nossa Banca Examinadora, venha trazer contribuições para
esclarecimento de pontos que ficaram obscuros.

Muitas foram as pessoas que nos ajudaram a levar adiante nosso projeto. Sem elas,
sem dúvida teríamos dificuldades em levar a bom termo a empreitada. A todas agradeço de
coração.

Aos familiares agradecemos principalmente pela paciência e compreensão; ao irmão


Geraldo, à Cida e Martim, pela colaboração. À mãe, Yara, e irmãs, Maria Tereza e Maria
Cristina, agradecemos por nos acompanharem a Iguape, uma de cada vez. E ao Ricardo, por
ter ido conosco de outra vez.

À colega e amiga Vilma, que me acolheu diversas vezes em sua casa e com a qual
trocamos idéias sobre projetos e monografias. Aos amigos de Iguape, Gilberto e Clara, que nos
receberam em sua casa e colocaram à nossa disposição o material que tinham sobre a região.

Ao Sr. Benedito Machado, iguapense apaixonado, jornalista formado em Filosofia na


USP na década de 60. Pelo bate-papo no fim da tarde, na porta de sua casa em Iguape, e pelas
indicações de sujeitos de acordo com o perfil requerido.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Dialetologia e Geolingüística da USP, o Clézio,


a Maitê, a Adriana e a Márcia. Principalmente as duas últimas citadas, pela generosidade,
apoio e experiências trocadas. E às novas colegas Vera Lúcia, Yuko e Cássia.
Às funcionárias da biblioteca da UNIBR, em São Vicente, que nos receberam sempre
muito bem e pouparam idas e vindas a São Paulo, para consulta aos livros de que
precisávamos.

A todos os professores e funcionários do Departamento de Lingüística, sempre muito


prestativos, e aos funcionários da Administração da FFLCH.

Agradecemos, por fim, às Professoras Doutoras Maria Vicentina do Amaral Dick e


Adriana Cristina Cristianini pelas contribuições valiosas quando da participação das mesmas
em nossa Banca de Exame de Qualificação. E à Profª Drª Ana Maria Marangoni, pela ajuda
com os mapas para a elaboração dos cartogramas.
AGRADECIMENTO ESPECIAL

Como não poderia deixar de ser, agradecemos especialmente a nossa orientadora


Profa. Dra. Irenilde Pereira dos Santos.

Não por seu conhecimento stricto sensu, pela sua bagagem cultural e pela experiência
de vida, imensos, que ela colocou generosamente a nossa disposição.

Nem pela competência acumulada em muitos anos e seguidas vezes comprovada na


orientação de alunos de pós-graduação.

Nem pela sua dedicação, organização e feeling para saber o momento exato para
iniciar os procedimentos de cada etapa da empreitada.

Não pela amizade, pelo carinho e pela intimidade que nos autorizou a compartilhar.

Por tudo isso, somos imensamente gratas. Mas principalmente agradecemos pela
determinação em nos conduzir a esse patamar de conhecimento, pela firmeza nas horas
decisivas e pela calma e paciência nos momentos mais delicados.

Se assim ela não fosse, educadora e pessoa centrada que é, não teríamos atingido
nosso objetivo. Obrigada, mais uma vez.

Por último, agradecemos ao Conselho Nacional para o Desenvolvimento da Pesquisa -


CNPq. Sem o incentivo financeiro do Conselho, seria difícil empreender as várias viagens que
fizemos a Iguape, por vários dias, arcando com os custos de hospedagem, alimentação e
despesas com locomoção.

A Bolsa-auxílio deu tranqüilidade à pesquisadora para que ela se concentrasse apenas


em seu propósito.
RESUMO

Silveira, R. Estudo sociogeolingüístico do município de Iguape: aspectos semântico-


lexicais. 2009. 188 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, 2009.

Iguape é um dos municípios do litoral sul paulista que teve muita importância na história do
Brasil Colonial. Conheceu o auge com o ciclo do arroz, quando o rio Ribeira de Iguape era o
principal meio de transporte e o porto às suas margens um dos mais importantes do País.
Depois veio o declínio, conseqüência da abertura do Valo Grande e do assoreamento de seu
porto. E, por fim, veio o isolamento numa das regiões mais pobres do Estado de São Paulo, o
Vale do Ribeira. Iguape é o ponto 334 indicado por Antenor Nascentes para a pesquisa da
realidade dialetal brasileira. O presente estudo objetiva registrar amostras desse verdadeiro
―dialeto caiçara‖, bolsão de tupinismos, arcaísmos e variantes lexicais peculiares. Procurou-se
arrolar as lexias mais utilizadas na região não somente para lançá-las num mapa. Além de
fazer o tratamento quantitativo dos dados, com o apoio das noções de estatística lexical de
Muller, privilegiou-se a abordagem dos aspectos semântico-lexicais, com base em Pottier e
Rastier, partindo da concepção de norma de Coseriu. Com base nos procedimentos teórico-
metodológicos da Geolingüística da atualidade, aplicaram-se as questões da área ―Corpo
Humano‖ do Questionário semântico-lexical do Projeto ALiB, versão 2001, em três pontos do
município de Iguape – Icapara, Rocio e Jairê, a doze sujeitos, quatro de cada ponto, dos dois
gêneros e em duas faixas etárias, quais sejam, de 18 a 30 anos (primeira faixa) e de 66 anos
em diante (segunda faixa). A partir das respostas obtidas nas entrevistas, elaboraram-se
dezesseis cartogramas, que espelham a variação diatópica de cunho lexical. Ainda em
consonância com os preceitos da Geolingüística moderna, que alia sua metodologia às da
Sociolingüística, compondo um quadro pluridimensional, mostrou-se o quadro da diversidade
lingüística local. Em suma, o trabalho faz o registro da realidade lingüística desta parte muito
pequena do Brasil, mas de grande importância para os estudos geolingüísticos, antes que esses
falares se percam, quer pela ação homogeneizadora dos meios de comunicação de massa, quer
pelas próprias forças centrífugas da língua.

Palavras-chave: Geolingüística. Iguape. Dialeto. Variante lexical. Norma.


ABSTRACT

Silveira, R. Sociogeolinguistics study of the city of Iguape: semantic-lexical aspects. 2009.


188 f. Dissertation (Masters in Linguistics) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, 2009.

Iguape is one of the cities on the southern coast of São Paulo State that had great importance
in the History of colonial Brazil. It had its days of glory during the rice plantation period,
when Ribeira de Iguape River was the main means of transportation and the port on its banks
was one of the most important in the country. Later, decline came as a consequence of the
opening of Valo Grande and the aggradation of its port. Finally, it became isolated in one of
the poorest areas of the São Paulo State, the Ribeira Valley. Iguape is point number 334, as
indicated by Antenor Nascentes, for the research of the Brazilian dialectal reality. The present
work aims at registering samples of this truly "caiçara" dialect, in a region of "tupinisms",
archaisms and peculiar lexical variants. We intended not only to place the lexias used in the
area on a map, but also to list the most frequent ones. Besides doing quantitative treatment to
data, based on Muller's notions of Lexical Statistics, we have focused in approaching the
semantic-lexical aspects, based on Pottier and Rastier and starting from Coseriu's notion of
norm. Based on present Geolinguistics theoretical-methodological procedures, we have
applied the questions from area "Human Body" in the semantic-lexical Questionnaire of
Project AliB, version 2001, in three points of the city of Iguape - namely Icapara, Rocio e
Jairê -, to twelve subjects, four in each point, from both genders and belonging to two age
groups, between 18 to 30 (first group) and older than 66 (second group). From the answers
obtained in interviews, we have elaborated sixteen cartograms, which reflect the diatopic
variation on lexical basis. Still in consonance with the principles of modern Geolinguistics,
which allies its methodology to the one used in Sociolinguistics, forming a pluridimensional
framework, we have showed the picture of local linguistic diversity. In summary, this work
registers the linguistic reality of this very small part of Brazil, which has great importance to
geolinguistic studies, before the loss of these speeches, be it by the homogenizing effect of
mass media or by language's own centrifugal forces.

Keywords: Geolinguistics. Iguape. Dialect. Lexical variants. Norm.


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Determinação de pontos e número de sujeitos .............................................................. 041

Quadro 2 - Representação dos sujeitos nos cartogramas ................................................................. 042

Quadro 3 - Sujeitos entrevistados ....................................................................................................... 043

Quadro 4 - Lexes, lexias e lexemas .................................................................................................... 054

Quadro 5 - Lexia com 100% de freqüência ...................................................................................... 140

Quadro 6 - Respostas com até duas variantes ................................................................................... 141

Quadro 7 - Respostas com três ou mais variantes ............................................................................ 141

Quadro 8 - Norma semântico-lexical de Iguape ............................................................................... 141

Quadro 9 - Distribuição das lexias pelos pontos ............................................................................... 142

Quadro 10 - Comparação sexo/gênero x uso de termo especializado .............................................. 143

Quadro 11 - Comparação faixa etária x uso de termo especializado ................................................ 143

Quadro 12 - Comparação Iguape com outros atlas............................................................................. 143

Quadro 13 - Lexias compostas de semas inerentes e aferentes ......................................................... 144

Quadro 14 - Semas inerentes de terçol e viúva ................................................................................... 145

Quadro 15 - Semas aferentes comuns a terçol e viúva2 ..................................................................... 145

Quadro 16 - Sememas de catarata: semas inerentes e aferentes........................................................ 145

Quadro 17 - Sememas de tatu: semas inerentes e aferentes............................................................... 146

Quadro 18 - Sememas de pomo-de-adão: semas inerentes e aferentes ............................................ 146


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Freqüência geral da questão 89 - Iguape ........................................................................ 062

Tabela 2 - Freqüência da questão 89 por sexo/gênero .................................................................... 063

Tabela 3 - Freqüência da questão 89 por faixa etária ...................................................................... 064

Tabela 4 - Distribuição das lexias da questão 89 pelos pontos ...................................................... 064

Tabela 5 - Comparação da variação lexical da questão 89: Iguape - Outros atlas regionais ...... 065

Tabela 6 - Freqüência geral da questão 90 - Iguape ........................................................................ 068

Tabela 7 - Freqüência da questão 90 por sexo/gênero .................................................................... 069

Tabela 8 - Freqüência da questão 90 por faixa etária ...................................................................... 069

Tabela 9 - Distribuição das lexias da questão 90 pelos pontos ...................................................... 069

Tabela 10 - Comparação da variação lexical da questão 90: Iguape - Outros atlas regionais ...... 070

Tabela 11 - Freqüência geral da questão 91- Iguape ......................................................................... 073

Tabela 12 - Freqüência da questão 91 por sexo/gênero .................................................................... 074

Tabela 13 - Freqüência da questão 91 por faixa etária ...................................................................... 074

Tabela 14 - Distribuição das lexias da questão 91 pelos pontos ...................................................... 074

Tabela 15 - Comparação da variação lexical da questão 91: Iguape - Outros atlas regionais ...... 075

Tabela 16 - Freqüência geral da questão 92- Iguape ......................................................................... 078

Tabela 17 - Freqüência da questão 92 por sexo/gênero .................................................................... 078

Tabela 18 - Freqüência da questão 92 por faixa etária ...................................................................... 079

Tabela 19 - Distribuição das lexias da questão 92 pelos pontos ...................................................... 079

Tabela 20 - Comparação da variação lexical da questão 92: Iguape - Outros atlas regionais ...... 080

Tabela 21 - Freqüência geral da questão 93- Iguape ......................................................................... 083

Tabela 22 - Freqüência da questão 93 por sexo/gênero .................................................................... 084

Tabela 23 - Freqüência da questão 93 por faixa etária ...................................................................... 084

Tabela 24 - Distribuição das lexias da questão 93 pelos pontos ...................................................... 085


Tabela 25 - Freqüência geral da questão 94- Iguape ......................................................................... 088

Tabela 26 - Freqüência da questão 94 por sexo/gênero .................................................................... 088

Tabela 27 - Freqüência da questão 94 por faixa etária ...................................................................... 089

Tabela 28 - Distribuição das lexias da questão 94 pelos pontos ...................................................... 089

Tabela 29 - Comparação da variação lexical da questão 94: Iguape - Outros atlas regionais ...... 090

Tabela 30 - Freqüência geral da questão 95- Iguape ......................................................................... 094

Tabela 31 - Freqüência da questão 95 por sexo/gênero .................................................................... 095

Tabela 32 - Freqüência da questão 95 por faixa etária ...................................................................... 095

Tabela 33 - Distribuição das lexias da questão 95 pelos pontos ...................................................... 096

Tabela 34 - Comparação da variação lexical da questão 95: Iguape - Outros atlas regionais ...... 096

Tabela 35 - Freqüência geral da questão 96- Iguape ......................................................................... 099

Tabela 36 - Freqüência da questão 96 por sexo/gênero .................................................................... 100

Tabela 37 - Freqüência da questão 96 por faixa etária ...................................................................... 100

Tabela 38 - Distribuição das lexias da questão 96 pelos pontos ...................................................... 101

Tabela 39 - Freqüência geral da questão 97- Iguape ......................................................................... 105

Tabela 40 - Freqüência da questão 97 por sexo/gênero .................................................................... 106

Tabela 41 - Freqüência da questão 97 por faixa etária ...................................................................... 106

Tabela 42 - Distribuição das lexias da questão 97 pelos pontos ...................................................... 106

Tabela 43 - Freqüência geral da questão 98- Iguape ......................................................................... 109

Tabela 44 - Freqüência da questão 98 por sexo/gênero .................................................................... 109

Tabela 45 - Freqüência da questão 98 por faixa etária ...................................................................... 110

Tabela 46 - Distribuição das lexias da questão 98 pelos pontos ...................................................... 110

Tabela 47 - Comparação da variação lexical da questão 98: Iguape - Outros atlas regionais ...... 110

Tabela 48 - Freqüência geral da questão 99- Iguape ......................................................................... 112

Tabela 49 - Freqüência da questão 99 por sexo/gênero .................................................................... 113


Tabela 50 - Freqüência da questão 99 por faixa etária ...................................................................... 113

Tabela 51 - Distribuição das lexias da questão 99 pelos pontos ...................................................... 113

Tabela 52 - Freqüência geral da questão 100- Iguape....................................................................... 115

Tabela 53 - Freqüência da questão 100 por sexo/gênero .................................................................. 116

Tabela 54 - Freqüência da questão 100 por faixa etária.................................................................... 116

Tabela 55 - Distribuição das lexias da questão 100 pelos pontos .................................................... 116

Tabela 56 - Comparação da variação lexical da questão 100: Iguape - Outros atlas regionais .... 117

Tabela 57 - Freqüência geral da questão 101- Iguape....................................................................... 120

Tabela 58 - Freqüência da questão 101 por sexo/gênero .................................................................. 120

Tabela 59 - Freqüência da questão 101 por faixa etária.................................................................... 121

Tabela 60 - Distribuição das lexias da questão 101 pelos pontos .................................................... 121

Tabela 61 - Freqüência geral da questão 102- Iguape....................................................................... 123

Tabela 62 - Freqüência da questão 102 por sexo/gênero .................................................................. 123

Tabela 63 - Freqüência da questão 102 por faixa etária.................................................................... 123

Tabela 64 - Distribuição das lexias da questão 102 pelos pontos .................................................... 124

Tabela 65 - Comparação da variação lexical da questão 102: Iguape - Outros atlas regionais .... 124

Tabela 66 - Freqüência geral da questão 103- Iguape....................................................................... 128

Tabela 67 - Freqüência da questão 103 por sexo/gênero .................................................................. 128

Tabela 68 - Freqüência da questão 103 por faixa etária.................................................................... 129

Tabela 69 - Distribuição das lexias da questão 103 pelos pontos .................................................... 129

Tabela 70 - Comparação da variação lexical da questão 103: Iguape - Outros atlas regionais .... 129

Tabela 71 - Freqüência geral da questão 105- Iguape....................................................................... 134

Tabela 72 - Freqüência da questão 105 por sexo/gênero .................................................................. 135

Tabela 73 - Freqüência da questão 105 por faixa etária.................................................................... 135

Tabela 74 - Distribuição das lexias da questão 105 pelos pontos .................................................... 136
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 016

1 A DIALETOLOGIA E A GEOLINGÜÍSTICA ............................................................. 021

2 O MUNICÍPIO DE IGUAPE .......................................................................................... 027


2.1 Preliminares ................................................................................................................ 027
2.1.2 Clima ...................................................................................................................... 029
2.1.3 Relevo .................................................................................................................... 030
2.1.4 Vegetação ............................................................................................................... 030
2.1.5 Hidrografia ............................................................................................................. 030
2.1.6 Fauna e flora .......................................................................................................... 032
2.1.7 História de Iguape .................................................................................................. 032

3 MÉTODO E PROCEDIMENTOS .................................................................................. 039


3.1 Determinação da rede de pontos e seleção dos sujeitos.............................................. 040
3.2 Questionário ................................................................................................................ 043
3.3 Pesquisa de campo ...................................................................................................... 045
3.4 Transcrição e organização dos dados.......................................................................... 046
3.5 Tratamento quantitativo dos dados ............................................................................. 048
3.6 Cartogramas ................................................................................................................ 049

4 ASPECTOS SEMÂNTICO-LEXICAIS ......................................................................... 051


4.1 A Norma ..................................................................................................................... 051
4.2 Análise de traços semânticos ...................................................................................... 053

5 ANÁLISE DOS DADOS: A ÁREA CORPO HUMANO .............................................. 060


5.1 Olhos ........................................................................................................................... 062
5.1.1 Pálpebras ................................................................................................................ 062
5.1.2 Cisco ...................................................................................................................... 068
5.1.3 Cego de um Olho ................................................................................................... 073
5.1.4 Vesgo ..................................................................................................................... 078
5.1.5 Míope ..................................................................................................................... 083
5.1.6 Terçol ..................................................................................................................... 088
5.1.7 Conjuntivite............................................................................................................ 094
5.1.8 Catarata .................................................................................................................. 099
5.2 Boca ............................................................................................................................ 104
5.2.1 Dentes Caninos ...................................................................................................... 105
5.2.2 Dentes do siso/do juízo .......................................................................................... 109
5.2.3 Dentes molares/dente queiro .................................................................................. 112
5.2.4 Desdentado/banguela ............................................................................................. 115
5.3 Nariz ........................................................................................................................... 119
5.3.1 Fanhoso .................................................................................................................. 120
5.3.2 Meleca/tatu ............................................................................................................. 123
5.4 Pescoço ....................................................................................................................... 128
5.4.1 Soluço .................................................................................................................... 128
5.4.2 Nuca ....................................................................................................................... 132
5.4.3 Pomo-de-adão/gogó ............................................................................................... 134
6 CARTOGRAMAS .......................................................................................................... 147

7 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 166

8 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 171

9 ANEXOS ......................................................................................................................... 179


“Se não podemos impedir a flora de nossos campos de perecer em face da
cultura que a substitui, devemos, antes que ela desapareça totalmente,
recolher com cuidado seus espécimes, descrevê-los, dissecá-los e classificá-
los piedosamente num grande herbário nacional.”

Gaston Paris
16

INTRODUÇÃO

A unidade da língua portuguesa falada no Brasil desde há muito tem sido motivo de

controvérsia entre gramáticos, filólogos e lingüistas. A maioria deles admite que há, sim,

diferenças fonéticas e lexicais na nossa língua, mas que não afetam sua estrutura morfossintática.

Eles acreditam que há uma unidade na diversidade.

A realidade da língua é movimento. A língua é instrumento de comunicação entre os

homens, ela interpreta o mundo que o cerca; então, ela muda com o indivíduo que a utiliza

para refletir essa realidade.

A língua faz parte da cultura de um povo. Ela é ao mesmo tempo geradora e produto

da cultura. Por meio da língua, o indivíduo identifica-se como pertencente a uma determinada

comunidade, a uma determinada cultura.

Muito embora uma comunidade lingüística tenha características próprias, seja

aparentemente coesa e homogênea, a heterogeneidade está presente. Muito antes do século

XIX, já se havia notado que as línguas mudam. Meillet (apud WEINREICH, 2006, p.114)

acreditava na covariação da língua devido a fatores sociais:

A língua é uma instituição com autonomia própria; deve-se determinar portanto as


condições gerais de desenvolvimento a partir de um ponto de vista puramente
lingüístico; [...] mas como a língua é [também] uma instituição social, disso decorre
que a lingüística é uma ciência social, e o único elemento variável ao qual se pode
apelar a fim de explicar a mudança lingüística é a mudança social, da qual as
variações lingüísticas são somente as conseqüências – às vezes imediatas e diretas e,
no mais das vezes, mediata e indiretas.

As línguas naturais mudam no espaço geográfico, mudam para adaptar-se aos vários

estratos sociais, mudam para refletir diferentes estilos etc. Vivem em constante mudança, para

preservar sua unidade.

Os primeiros estudos dialetológicos buscavam registrar a fala de comunidades

isoladas, ameaçadas de perder seu falar característico, devido ao progresso e ao

crescimento das cidades. Procuravam resgatar esses falares para preservar a história da
17

língua. À Dialetologia coube o papel de investigar os fenômenos da variação lingüística

diatópica.

Assim também no Brasil começaram os estudos da variação dialetal. Nosso primeiro

dialetólogo, Amaral (1920), indicou o caminho que deveríamos trilhar para conhecer a

realidade da língua falada no Brasil. E teve vários seguidores que continuaram a pesquisa que

ele iniciara em O dialeto caipira.

Os estudos da variação diatópica, sob forma de monografias, dissertações de mestrado,

teses de doutorado e atlas lingüísticos, regionais ou estaduais, que vêm se multiplicando nos

últimos anos, têm procurado recobrir todo o território nacional, mas ainda há muito o que fazer. O

presente estudo do falar de Iguape recai sobre um pequeno ponto dessa imensidão que é o Brasil.

Muitos fatores contribuíram para que o falar de Iguape, mais particularmente a norma

semântico-lexical da localidade, apresentasse as peculiaridades que interessaram a

pesquisadora e motivaram o presente trabalho. A Vila de Iguape foi fundada nos primeiros

anos da colonização portuguesa no Brasil. De lá para cá, Iguape conheceu a opulência e a

agitação de centro comercial e, mais tarde, a decadência e o esquecimento na região mais

pobre do estado de São Paulo.

Muito antes de 1500, os índios da costa – genericamente chamados de tupis,

ocupavam a faixa litorânea do Brasil, deixando na região de Iguape muitas marcas de sua

cultura, como a língua, a culinária, o artesanato e provas de sua permanência no local, como

os sambaquis, depósitos de cascas de ostras e siris. Os tupis conviveram com a língua

portuguesa trazida pelos colonizadores portugueses desde a época do Descobrimento, sendo

que por muito tempo falou-se uma língua de intercurso, chamada língua geral ou brasílica,

para possibilitar a comunicação entre eles. Depois vieram os negros africanos para trabalhar

nos engenhos de açúcar, os quais, submetidos à escravidão, fugiam para as matas e formavam

os quilombos. Em Iguape e em toda a região do Vale do Ribeira, concentra-se considerável


18

número de comunidades quilombolas. Dessa variedade de culturas e influências resultou a

norma praticada pelos falantes de Iguape.

Iguape foi uma das mais importantes cidades do período colonial, passando

sucessivamente por três importantes ciclos: o ciclo do ouro de mineração; o ciclo da

construção naval, graças a seu porto e a sua localização privilegiada; e o ciclo do arroz, o mais

importante deles, proporcionando-lhe prêmio internacional pela qualidade de seu produto.

São dessa fase os casarões coloniais construídos pelos senhores da elite agrária, hoje

preservados pelo Patrimônio Histórico.

No entanto, para facilitar o transporte das sacas de arroz que chegavam ao porto do

Ribeira, às margens do rio Ribeira de Iguape, levadas em canoas, e de lá transportadas em

lombo de burro até o porto de Iguape, e para diminuir os custos com o frete, resolveram abrir

um canal de dois quilômetros de extensão, ligando o rio ao Mar Pequeno. A obra do canal do

Valo Grande, como ficou conhecido, foi desastrosa para a economia de Iguape: as margens do

rio Ribeira começaram a desbarrancar devido à força de suas águas, que passaram a entrar

pelo canal, e essa areia foi sendo depositada em frente ao porto de Iguape, o que, aos poucos,

foi impedindo a entrada de navios.

A região foi rapidamente entrando em decadência econômica e só foi recuperar sua

força a partir da segunda metade do séc. XX. A partir da década de 70, os turistas descobriram

suas belezas naturais e compraram muitas terras dos caiçaras. Mais recentemente, Iguape

recebeu investimentos na área do turismo (ecológico e religioso, principalmente), que é

considerado, atualmente, a base de sua economia.

Iguape conserva muitas tradições. A própria religiosidade, que leva milhares de

romeiros vindos de todas as partes do estado de São Paulo e do Paraná à Festa do Bom Jesus

de Iguape, a Festa de Agosto, é herança de seus antepassados, portugueses e espanhóis, que o

caiçara preservou. Bairros como os de Icapara, Jairê e Barra do Ribeira, apresentam


19

arraigadas tradições caiçaras; o Morro Seco já é formado, em sua maioria, por descendentes

dos quilombolas. Por outro lado, os moradores do centro da cidade e do Rocio vão perdendo

aos poucos seus costumes, seu modo de falar. Por isso é importante registrar, nesse momento,

as manifestações lingüísticas espontâneas dessa comunidade lingüística.

Dessa forma, esta dissertação tem por objetivo geral registrar a variação dialetal do

léxico e investigar alguns aspectos semântico-lexicais dessas realizações, fazendo a relação

entre o que é norma na região com a história sócio-político-cultural da comunidade. Dada a

amplitude do universo semântico-lexical, ater-nos-emos às questões da área ―Corpo

Humano‖, do questionário do Projeto ALiB. Nossos objetivos específicos são:

- Dar tratamento quantitativo aos dados coletados;

- Registrar a norma semântico-lexical de parte do falar de Iguape;

- Analisar aspectos semântico-lexicais dos dados coletados;

- Apresentar, sob forma de cartogramas ilustrativos, a variação diatópica;

- Colaborar para o conhecimento da diversidade da língua falada no estado de São

Paulo e no Brasil.

- Colaborar para a elaboração de glossários e dicionários, ampliando o campo das

informações;

- Contribuir para os estudos da língua portuguesa falada no Brasil, principalmente no

tocante a seu aspecto multidialetal.

Com o fim de alcançar estes objetivos, estruturamos nossa dissertação da seguinte

maneira:

Na Introdução, apresentamos a justificativa, a perspectiva da análise e os objetivos da

pesquisa.

No capítulo 1, Dialetologia e Geolingüística, fizemos um histórico dos primeiros

estudos dialetológicos, apresentamos a Geolingüística, o método da Dialetologia, delimitamos


20

seu campo de trabalho, acompanhamos seu percurso teórico e falamos sobre o método que

baliza este estudo.

O capítulo 2, O município de Iguape, traça o perfil de Iguape, a localidade pesquisada, desde

suas características geográficas, sua história econômica e social, até sua situação na atualidade.

No capítulo 3, Método e procedimentos, explicamos as etapas do método geolingüístico,

apropriado para este tipo de pesquisa. Incluem-se, no capítulo, a delimitação da rede de pontos,

a escolha dos sujeitos, o questionário a ser aplicado, a pesquisa, a organização e o tratamento

dos dados e os cartogramas.

A seguir, no capítulo 4, em Aspectos semântico-lexicais, discorremos sobre uso e

seleção lexical e sua relação com a semântica. Em 4.1 A norma, explicitamos a noção de

Norma, terceiro elemento da tricotomia Sistema, norma e fala, de Coseriu. Em seguida, em

4.2, Análise de traços semânticos, fundamentamos a análise de traços semântico-lexicais,

baseando-nos na teoria de Pottier e Rastier.

Em seguida, no capítulo 5, Análise dos dados - área Corpo Humano, desenvolvemos a

análise qualitativa dos dados, procurando nos sememas das lexias recolhidas, com base nas

definições de dicionários gerais de língua portuguesa e de especialidade, os semas inerentes e

aferentes de cada realização pontual do falante.

Segue-se o capítulo 6, Cartogramas, em que se apresentam os resultados da pesquisa

em Iguape, nos pontos selecionados, distribuídas pelas variáveis sexo/gênero e faixa etária.

A Conclusão apresenta uma síntese dos resultados a que chegamos com a pesquisa e

aponta novos caminhos.

Nos Anexos, acrescentamos as questões da área Corpo Humano do Questionário

Semântico-lexical do Projeto ALiB, em sua íntegra, o modelo da Ficha do Sujeito, a Pesquisa

Complementar em dicionário de provérbios, de Lacerda (2004) e Dados do IBGE (2007)

sobre o município de Iguape.


21

1 A DIALETOLOGIA E A GEOLINGÜÍSTICA

A linguagem não é apenas expressão do indivíduo, mas também do ambiente social; no

primeiro caso é criação, no segundo, é repetição, aceitação de uma norma, ao mesmo tempo

histórica e sincrônica. A garantia de compreensão dos atos lingüísticos de comunicação, da

produção/recepção de textos envolve variedade, expressão individual, e unidade – todos

igualmente importantes. Quando falamos em unidade lingüística, paradoxalmente pressupomos a

variedade.

Jakobson (apud CUNHA, 1968, p. 72) comenta:

Sem nenhuma dúvida, para qualquer comunidade lingüística, para todo indivíduo
falante existe uma unidade de língua, mas esse código global representa um sistema
de subcódigos em comunicação recíproca; cada língua abarca vários sistemas
simultâneos, cada um dos quais se caracteriza por uma função diferente.

Uma língua histórica nunca é um único sistema, mas um tecido de diferentes sistemas.

Há diferenças do ponto de vista fonético, gramatical e léxico. Para Coseriu (1992), os

sistemas dentro de uma língua histórica, em parte divergentes, mas historicamente

relacionados, diferenciam-se fundamentalmente em três aspectos: a) socioculturalmente, isto

é, constituem distintos níveis de língua e camadas ou estratos socioculturais; b) no aspecto

expressivo, isto é, com respeito a diferentes situações do falar e a estilos de língua referentes a

elas; c) no espaço, isto é, constituem distintos dialetos. Ao primeiro tipo, denomina variação

diastrática; ao segundo, diafásica; e, ao terceiro, diatópica.

A variação diatópica é a mais facilmente percebida pelo falante comum, uma vez que

tem consciência de certas particularidades lingüísticas de seu grupo, que se distingue de outro

grupo que ocupa diverso espaço geográfico, quanto ao uso da língua, em termos de sotaque,

traços fonéticos e vocábulos. É dela que se ocupa a Dialetologia.

A Dialetologia enquadra-se num campo de estudos mais vasto, que é a Etnografia. Por

sua vez, a Etnografia estuda a cultura de um povo, quer dizer, o conjunto de idéias,

conhecimentos, técnicas e artefatos, padrões de comportamento e de atitudes que caracterizam


22

um grupo humano. Exprime, em suma, a herança social, visto que a sua transmissão se dá de

geração para geração (SILVA NETO, 1957, p. 15-16).

A noção de dialeto vem dos gregos. Dialektos designava diferentes sistemas, cada um

para um determinado gênero literário, e considerados como a língua de uma região. Na

Grécia, o termo dialeto era utilizado para designar tipos específicos de literatura. Assim, os

dialetos jônico, dórico, eólico e o ático correspondiam, respectivamente, à poesia épica, às

odes, à poesia lírica e ao drama. (DUBOIS, 1978, p.183)

Do ponto de vista puramente lingüístico, os dialetos são falares regionais que

apresentam entre si coincidência de traços lingüísticos fundamentais. Eles se caracterizam por

ser um sistema de signos e de regras combinatórias da mesma origem que a língua, mas que

se desenvolveram de outra forma e não adquiriram o seu status cultural e social.

Segundo um de nossos maiores lingüistas, estudioso do assunto,

Uma diferenciação dialetal explica-se, sempre, em parte, pela história cultural e


política e pelos movimentos de população, e, de outra parte, pelas próprias forças
centrífugas da linguagem humana, que tendem a cristalizar as variações e criar
dialetação em qualquer território relativamente amplo e na medida direta do maior
ou menor isolamento das áreas regionais em referência ao centro lingüístico
irradiador. (CÂMARA JR., 1976, p. 11)

A Dialetologia é também o estudo conjunto da Geografia Lingüística e dos fenômenos

de diferenciação dialetal ou dialetação, pelos quais uma língua, relativamente homogênea

numa dada época, sofre, no curso da história, certas variações – diacrônica em certos pontos e

de outra natureza noutros – até terminar em dialetos, e mesmo em línguas diferentes

(DUBOIS, 1978, p.185).

Segundo Alvar (apud BRANDÃO, 1991, p. 12), por língua entende-se um ―sistema

lingüístico de que se utiliza uma comunidade falante e que se caracteriza por ser

grandemente diferenciado, por possuir alto grau de nivelação, por ser veículo de

importante tradição literária e, às vezes, por ter-se imposto a sistemas lingüísticos de sua

própria origem‖.
23

Já o dialeto, segundo o mesmo autor, pressupõe ―um sistema divergente de uma língua

comum, viva ou desaparecida, normalmente com uma concreta limitação geográfica, mas sem

forte diferenciação frente a outros de origem comum‖ (apud BRANDÃO, 1991, p.13).

No caso deste estudo, vamos lidar com ―falares regionais‖, que, na visão ainda de

Alvar (id., ibid.), caracterizam-se por serem as peculiaridades expressivas próprias de uma

região determinada, que carecem da coerência interna que possui o dialeto. São peculiaridades

regionais da língua comum.

No fim do séc. XIX, têm início os estudos das línguas e dialetos falados em tempo

real, únicos que se prestavam à observação direta. Mas a maioria dos investigadores não tinha

a base sólida ou científica necessária em que pudessem assentar seus estudos.

Foi o suíço Jules Gilliéron, professor de Dialetologia em Paris e autor do Atlas

Linguistique de la France (ALF), 1902-1910, quem criou o método da Geografia Lingüística.

Sobre os fundamentos e alcances práticos e teóricos desse método, escreveu Coseriu

(1982, p.79):

Na terminologia técnica da Lingüística atual, a expressão ―geografia lingüística‖


designa exclusivamente um método dialetológico e comparativo que (...), e que
pressupõe o registro em mapas especiais de um número relativamente elevado de
formas lingüísticas (fônicas, lexicais ou gramaticais) comprovadas mediante
pesquisa direta e unitária numa rede de pontos de um determinado território, ou que,
pelo menos, tem em conta a distribuição das formas no espaço geográfico
correspondente à língua, às línguas, aos dialetos ou aos falares estudados.

As relações entre o ambiente geográfico e a distribuição espacial dos fatos lingüísticos

são tratadas como relações condicionadas política, social e culturalmente e, embora ligados à

geografia física, dizem mais respeito à geografia humana e política.

Segundo Iordan (1967, p. 251), ―podemos definir la geografia lingüística como el

estudio cartográfico de las hablas populares‖.

A Geografia Lingüística ocupa-se da freqüência e difusão espacial de fenômenos

lingüísticos particulares (variação e mudança fonética, lexical, morfossintática) dentro de uma

língua, e dos limites entre as áreas ocupadas por essas variantes, estabelecendo as isoglossas.
24

Os atlas lingüísticos são coleções cartográficas de material lingüístico. Estes

instrumentos, bem como as técnicas utilizadas, são essencialmente geográficos, mas seus

fundamentos e seus fins são lingüísticos. Por esse motivo seu estudo é denominado de

Geografia Lingüística ou Geolingüística. Esta última denominação, que passa a ser usada no

Brasil a partir do Esboço de um Atlas Lingüístico de Minas Gerais - EALMG (1977), será

adotada neste trabalho.

Como diz Aguilera (2005, p. 222),

Os lingüistas, em particular os dialetólogos, sempre reconheceram os vários papéis


de um atlas lingüístico, seja como retrato vivo, sincrônico, dos falares de
determinado espaço geográfico, seja como fonte de estudo para a reconstrução da
história social que se desenvolveu em determinado território ou, ainda, como
repositório das múltiplas vozes do presente e do passado que se entrelaçam ou se
excluem mutuamente.

Depois da publicação do ALF, a obra de Gilliéron foi reconhecida, não sem algumas

ressalvas, e o método geolingüístico passou a ocupar um lugar de destaque na lingüística

européia. Prova disso é o grande número de atlas lingüísticos já publicados ou em andamento.

No Brasil, inicialmente, os estudos dialetológicos tiveram idealizadores em Amadeu

Amaral, que publicou seu O dialeto caipira em 1920; Antenor Nascentes, autor de O

linguajar carioca (1922); Mário Marroquim, autor de A língua do nordeste (1934); Gladstone

Chaves de Melo, com A língua do Brasil (1934); Pereira da Costa, com O vocabulário

pernambucano (1934), entre outros. Desde a primeira obra citada, destaca-se o interesse pelo

estudo da variante brasileira da língua portuguesa, em sua modalidade falada.

Além desses, não podemos deixar de citar Serafim da Silva Neto, autor do Guia para

estudos dialectológicos (1957); Nelson Rossi, autor do nosso primeiro atlas de caráter

regional, o Atlas Prévio dos Falares Baianos - APFB (1963); e Celso Cunha, um dos nomes

mais importantes da filologia em língua portuguesa. Todos eles contribuíram para que se

formasse uma ―mentalidade dialetológica‖ e se empreendesse o projeto de um atlas lingüístico

brasileiro.
25

No entanto, a idéia de um atlas nacional teve de ser adiada, em razão das dificuldades

inerentes a um país de dimensões continentais. Como alternativa, foi incentivada a elaboração

de atlas regionais. Depois do Atlas Prévio dos Falares Baianos, seguiram-se o Esboço de um

Atlas Lingüístico de Minas Gerais (1977), o Atlas Lingüístico da Paraíba (1984), o Atlas

Lingüístico de Sergipe (1987), o Atlas Lingüístico do Paraná (1994), o Atlas Lingüístico-

etnográfico da Região Sul do Brasil – Vol. I e II (2002), o Atlas Lingüístico de Sergipe II

(2002), o Atlas Lingüístico do Amazonas (2004), o Atlas Lingüístico Sonoro do Pará (2004) e

o Atlas Lingüístico de Mato Grosso do Sul (2007), além de outros que estão em andamento.

O projeto de um atlas lingüístico do Brasil foi retomado em 1996, por ocasião do

Seminário Caminhos e perspectivas para a Geolingüística no Brasil, realizado em Salvador,

na Universidade Federal da Bahia. A partir de então, o Comitê Nacional do Projeto ALiB,

formado por professores de diversas universidades, tem implementado ações para atingir o

objetivo proposto. O primeiro deles, como se lê na apresentação dos Questionários (2001), é

―descrever a realidade lingüística do Brasil, no que tange à língua portuguesa, com enfoque na

identificação das diferenças diatópicas (fônicas, morfossintáticas, léxico-semânticas e

prosódicas) consideradas na perspectiva da Geolingüística.‖

Em São Paulo, a Profª Drª Irenilde Pereira dos Santos, do Departamento de Lingüística

da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, na

disciplina que ministra, Tópicos de Dialetologia e Geolingüística I, tem incentivado a

identificação das diferenças diatópicas. Além disso, tem colaborado efetivamente para os

estudos geolingüísticos, orientando alunos de pós-graduação em monografias, dissertações e

teses. Podemos citar os trabalhos mais recentes, elaborados sob essa perspectiva, na

Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profª Drª Irenilde Pereira dos Santos:

- BUENO, T. R. Exame do gênero feminino em documentos geolingüísticos brasileiros no

período de 1957 a 1994. São Paulo. 2002. 83 p. Dissertação (Mestrado em Lingüística).


26

- ZAMBO, F. V. Proposta de análise semântico-lexical da lexia nevoeiro e suas

variantes lexicais em seis atlas lingüísticos brasileiros. São Paulo. 2002. 126 p. +

anexos. Dissertação (Mestrado em Lingüística).

- SILVA, M. do P. S. C. da. Estudo semântico-lexical com vistas ao atlas lingüístico

da mesorregião do Marajó/Pará. São Paulo. 2002. 2 v. + anexos. Tese (Doutorado

em Lingüística).

- SANTOS, S. S. B. Estudos geolingüísticos de Análise de traços semânticos do

campo semântico ‘alimentação e cozinha’(questionário do ALiB) no município de

Sorocaba. São Paulo. 2002. 227 p. + anexos. Dissertação (Mestrado em

Linguística).

- IMAGUIRE, L. M. C. Estudo geolingüístico de alguns municípios do litoral sul

paulista: abordagem de Análise de traços semânticos. São Paulo. 2004. 431 p. +

anexos. Tese (Doutorado em Lingüística).

- ENCARNAÇÃO, M. R. T. da. Estudo geolingüístico de Análise de traços

semânticos nas comunidades tradicionais do município de Ilhabela. São Paulo.

2005. 167 p. + anexos. Dissertação (Mestrado em Lingüística).

- CRISTIANINI, A. C. Atlas semântico-lexical da região do Grande ABC. São

Paulo. 2007. 3 v. + anexos. Tese (Doutorado em Lingüística).

Também o Grupo de Pesquisa em Dialetologia e Geolingüística da USP – GPDG/USP

– coordenado pela Profª Drª Irenilde Pereira dos Santos – e do qual participam Adriana

Cristina Cristianini (vice-coordenadora), Clézio Roberto Gonçalves, Márcia Regina Teixeira

da Encarnação, Maria Teresa Nastri de Carvalho e Roseli da Silveira vem desenvolvendo uma

intensa atividade de pesquisa sobre temas de geolingüística, sobretudo atlas lingüísticos de

municípios do estado de São Paulo.


27

2 O MUNICÍPIO DE IGUAPE

2.1 Preliminares

Antes de apresentar os dados relativos a Iguape, precisamos explicar por que

escolhemos o município para tema de nosso estudo sociogeolingüístico.

Nosso interesse pela Dialetologia manifestou-se na graduação, nas aulas de Filologia

Românica ministradas pelo Prof. Dr. Salum. Posteriormente, na pós-graduação, voltamos para

essa área e, empenhados em contribuir para a descrição da realidade da língua portuguesa

falada no Brasil, optamos por empreender um estudo sociogeolingüístico de Iguape. O

município, situado no extremo sul do litoral do estado de São Paulo, foi escolhido exatamente

por ‗fechar‘ os estudos sobre o litoral paulista, uma vez que já havia teses e dissertações

publicadas sobre o litoral norte e sul do estado, como acabamos de fazer referência.

Segundo Araújo (apud DIEGUES, 2005b, p.35), pesquisador do espaço caiçara, a área

cultural litorânea da ―ubá‖ (canoa) vai desde Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, até

Paranaguá, no sul do Paraná. Para a definição da área cultural são levadas em conta as

técnicas de subsistência; no caso da caiçara, a agricultura e a pesca. O termo caiçara, de

origem tupi-guarani (caa, mato, e içara, armadilha), indica todo um sistema de proteção e de

sobrevivência. Era assim que os indígenas chamavam as cercas colocadas em volta da aldeia e

outros sistemas de proteção das plantações e de utensílios de pesca. Iguape, município do

litoral sul do Estado de São Paulo, faz parte dessa região litorânea, habitada por descendentes

da mistura de índios, mulatos, negros e dos diversos tipos de colonizadores que por lá

viveram.

Segundo pesquisa de Encarnação (2005), chama-se caiçara, o agricultor-pescador que

sobrevive de uma agricultura de subsistência, da pesca artesanal e de algumas relações

comerciais para a venda de seu pescado. (...) Essa estreita ligação com o meio natural

permitiu-lhe a criação de um saber específico, transmitido de geração a geração.


28

Nas entrevistas que colhemos, observamos que ―eles se declaram caiçaras como uma

forma de resistência, como um fortalecimento de territorialidade com relação àquele espaço

que lhes pertence. (...) como uma forma de garantir a sua identidade, de produzir e reproduzir

a sua cultura‖ (ENCARNAÇÃO, 2005).

Para a elaboração do presente capítulo, baseamo-nos em informações extraídas do

livro organizado por Pereira Júnior (2005) e que, segundo ele, ―reflete e sintetiza o importante

empenho de pesquisadores, historiadores e pessoas que estudaram e registraram, ao longo do

tempo, a nossa história‖.

Foram selecionados alguns trechos e capítulos desse livro, acrescidos de dados

atualizados do IBGE, para dar uma idéia da importância e peculiaridade do município.

Iguape está localizada no litoral sul paulista, na região do Vale do Ribeira. Pertencente

à região administrativa de Registro, integra-se à Bacia Hidrográfica do Ribeira e situa-se no

corredor do Mercosul, entre duas importantes capitais: São Paulo e Curitiba. Tem acesso fácil,

devido à duplicação (quase total) da BR-116, seja por São Paulo (208 km) ou pelo Paraná

(Curitiba - 260 km).

Área: 1.981 km2

População (dados IBGE 2007): Total 28.977

- Zona urbana: 22.127 (dados 2002)


- Zona rural: 5.686 (dados 2002)

Eleitores: 21.811 (dados IBGE Eleição municipal 2004)

Principais atividades econômicas: Turismo, pesca, agricultura, comércio

Topografia: Latitude: 24º 42º sul;

Longitude: 47º 33º oeste;


Altitude: 3 metros

Municípios limítrofes: ao norte: Peruíbe, Itariri e Pedro de Toledo; ao sul: Cananéia e

Pariquera-Açú; a leste: Ilha Comprida; a oeste: Miracatu, Juquiá e Pedro de Toledo.


29

Distâncias: Belo Horizonte: 705 km; Campinas: 244 km; Rio de Janeiro: 585 km; São

Paulo: 175 km; Ribeirão Preto: 460 km; Santos: 183 km; Cananéia: 82 km; Registro: 73 km.

Vias de acesso: Rodovia Federal Régis Bittencourt – BR-116; Rodovia Estadual

Prefeito Casimiro Teixeira – SP-222 (Rod. Régis Bittencourt – São Paulo/Iguape); Rodovia

Estadual Prefeito Ivo Zanella – SP-222 (via Pariquera-Açú/Iguape).

Figura 1 - Distâncias de Iguape [Fonte: http://www.guiadoturista.com.br]

2.1.2 Clima

O clima é tropical úmido, amplitude térmica de 22 a 28º C, com expressivas quedas de

temperatura nos meses de inverno, devido à sua localização já próxima à região sul do país. A

distribuição das chuvas é irregular, o período mais chuvoso é de outubro a março. A umidade

é alta e a nebulosidade é freqüente. O índice pluviométrico é de 1.895 mm/ano.


30

2.1.3 Relevo

O relevo é constituído de áreas planas e baixas, formadas pelas margens do rio Ribeira

de Iguape e seus afluentes, áreas típicas de formação litorânea, com alguns pontos de morros e

ondulações e encostas de serra.

2.1.4 Vegetação

A vegetação é variada, de típica vegetação de litoral, áreas de mangue e de restinga, a

faixas de encosta da Mata Atlântica.

2.1.5 Hidrografia

A Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape e o Complexo Estuarino Lagunar

de Iguape, Cananéia e Paranaguá possuem uma área de 2.830.666 hectares (28.306 km 2),

sendo 1.119.133 hectares no Estado do Paraná e 1.711.533 hectares no Estado de São

Paulo. Ou seja, é uma imensa área que se divide em treze sub-bacias e abrange trinta e

dois municípios, sendo nove no Estado do Paraná e vinte e três no Estado de São Paulo.

Os principais rios que atravessam ou fazem fronteira com Iguape são: rio Ribeira de

Iguape, rio Peroupava, rio Una do Prelado (rio Comprido), rio das Pedras, rio Una da

Aldeia, rio Itimirim e rio Pequeno. O rio Ribeira de Iguape é o principal da região,

atravessando o município e desaguando no mar, no bairro Barra do Ribeira, localizado a

dezoito quilômetros do centro. Os principais lagos e represas são a Lagoa do Itacolomim

(Juréia) e o Estuário Lagunar do Mar Pequeno (Lagamar). Entre as praias, destacam-se

Praia do Leste e Praia da Juréia. A hidrografia é denominada pela Bacia do Rio Ribeira de

Iguape e seus afluentes e pelos mares internos.


31

O Rio Ribeira de Iguape

É o principal rio da região. Nasce na Serra de Paranapiacaba, Paraná, e deságua no

Oceano Atlântico, no Estado de São Paulo, percorrendo uma extensão de quatrocentos e

setenta quilômetros, sendo cerca de cento e vinte quilômetros em terras paranaenses.

Formado pelos rios Ribeirão Grande e Açungui, que nascem no Estado do Paraná, a

noroeste da Região Metropolitana de Curitiba, a uma altitude de aproximadamente mil

metros, o rio desce, inicialmente, rompendo as escarpas das serras, num perfil acidentado até

perto de Itapeuna, onde apresenta um desnível de mais de novecentos metros em cerca de

duzentos e noventa quilômetros e de noventa metros nos noventa quilômetros seguintes,

ficando, na altura da cidade de Registro, ainda a setenta quilômetros da foz, com apenas cinco

metros acima do nível do mar.

Sua foz localiza-se no município de Iguape, no local denominado Barra do Ribeira.

Desde a conclusão do Valo Grande, no entanto, parte de suas águas não deságua diretamente

no mar, mas no Mar Pequeno ou Mar de Dentro, entre o continente e a Ilha Comprida.

Complexo estuarino lagunar de Iguape, Cananéia e Paranaguá

É um dos mais importantes ecossistemas costeiros, reconhecido por cientistas,

ecologistas e organizações internacionais como um dos mais produtivos do planeta,

apresentando uma considerável reserva de mangue pouco degradada.

Junto a este complexo ainda se localiza o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, visitado

periodicamente por diversos segmentos da sociedade, servindo de palco para um aprendizado

sobre a natureza como realmente ela é, com a Mata Atlântica quase que intocada e

deslumbrantes fauna e flora.

As populações tradicionais caiçaras dependem diretamente dos recursos naturais para

sua sobrevivência e qualquer ameaça ao complexo ecossistema ali verificado pode colocar em

risco a sustentabilidade socioambiental da região.


32

2.1.6 Fauna e flora

Iguape abriga cerca de 85% da área total da Estação Ecológica Juréia-Itatins,

considerada um dos maiores tesouros do país. Abriga ainda a Estação Ecológica dos Chauás e

diversos ecossistemas associados, como praias, rios, cachoeiras, montanhas e manguezais, ao

lado do celeiro marinho do Estuário Lagunar do Mar Pequeno, integrando a região do

Lagamar. Portanto, o que podemos encontrar são espécies animais e vegetais típicas de Mata

Atlântica, com toda a sua riqueza e diversidade.

2.1.7 História de Iguape

Não há consenso quanto ao exato significado da palavra Iguape.Vamos seguir a

definição de alguns autores, entre eles o historiador Fortes (2000), para quem a palavra

Iguape, em tupi – guarani, tem a seguinte grafia e significado: uwa (=seio dágua água

redonda, enseada, baía, bacia fluvial, lagamar) + pe (=em); ou seja, no lagamar, na enseada,

na bacia fluvial. O nome é bem apropriado uma vez que o povoado foi estabelecido defronte à

Barra de Icapara (local onde deságua o Mar Pequeno).

Iguape é um município da época colonial, fundado nos primeiros anos da colonização

pelo Bel. Cosme Fernandes, com o auxílio de índios das redondezas e de alguns desterrados.

A data oficial de sua fundação foi fixada em 3 de dezembro de 1538.

O primeiro núcleo de povoação teve início em Icapara (i-caa-para – nome

indígena que significa água e mato que correm para a água grande, no caso, o mar) .

Após constantes ataques de corsários e piratas que freqüentemente assolavam o

povoado, e em busca de água potável em abundância, a Vila de Nossa Senhora das

Neves de Iguape foi transferida para o local onde hoje se encontra, às margens do Mar

Pequeno. A mudança deve ter ocorrido no início do século XVII, por volta de 1614 – já

que dados afirmam que este ano marca o início da construção da antiga igreja. Para lá
33

foram levadas a Casa da Câmara e Cadeia e a Casa de Fundição do Ouro, co nsiderada a

primeira do Brasil.

Não se sabe ao certo a data de elevação de Iguape à categoria de Vila. Tal patente

deve ter sido concedida entre os anos de 1600 a 1614, quando o povoado se mudou do

Icapara para o local atual, às margens do Mar Pequeno. O município seria criado pela Lei

nº 17, de 3 de abril de 1849, com o nome de Bom Jesus da Ribeira. Só que o povo

iguapense não gostou dessa mudança de nome. Houve protestos da Câmara de Vereadores,

do povo em geral, e até do padre. Assim, no ano seguinte, atendendo aos protestos de

todos, o Governo Provincial, através da Lei nº 3, de 3 de maio de 1850, mudou o nome d a

cidade para Bom Jesus de Iguape, que a tradição simplificou, a partir de então, para

Iguape.

Nessa época intensifica-se a mineração de ouro na região e a Vila de Nossa Senhora

das Neves, como também é conhecida, por ser essa a santa padroeira de Iguape, conhece o seu

primeiro ciclo econômico. No final desse mesmo século vem a decadência.

À medida que ia perdendo representatividade nos trabalhos de mineração, em

meados do séc. XVIII Iguape começa a se reerguer economicamente, graças a seu porto

e a sua localização privilegiada. Com o advento de atividades ligadas à construção

naval, estabelecem-se em Iguape muitos estaleiros, nos quais foram construídos

inúmeros navios e barcaças, encomendados por importantes armadores de Santos e Rio

de Janeiro.

Entre o final do séc. XVIII e o início do séc. XIX, a Vila de Iguape conheceu o seu

ciclo econômico mais importante e faustoso: o ciclo do arroz. A elite agrária da Vila

concentrou todo o seu capital na lavoura do arroz, cuja qualidade correu o mundo,

assegurando a Iguape um lugar privilegiado na exportação desse produto, o que garantia aos

abastados ―senhores‖ expressivos dividendos.


34

A era do arroz destacou a Vila de Iguape como uma das mais importantes do Império:

seu porto, um dos principais do País; sua sociedade, elitizada e fina, comparada à da Corte do

Rio de Janeiro.

De 1820 a 1888, a cidade conheceu um período de grande prosperidade e viveu seu

apogeu econômico. Chegou a ter 82 engenhos de arroz movidos a água e três a vapor.

Beneficiadoras de arroz trabalhavam continuamente, abastecendo uma média de dez navios

grandes por semana; bancos garantiam o andamento dos negócios; e seis jornais circulavam

na cidade. A elite iguapense estava acostumada a freqüentar espetáculos vindos diretamente

da Europa em paquetes luxuosos.

No entanto, em agosto de 1827 foi iniciada a abertura do Canal do Valo Grande. Até

essa época, todo o transporte de sacas de arroz era feito em canoas até o Porto do Ribeira, às

margens do Rio Ribeira de Iguape, e dali eram transportadas em carroças até o Porto de

Iguape (Porto Grande). Para facilitar o transporte das sacas e também reduzir as despesas com

fretes, as autoridades da época decidiram abrir esse canal, o que só foi totalmente concluído

por volta de 1852.

Com o tempo, a obra revelou-se fatal para a economia iguapense, pois as margens do

Rio Ribeira começaram a desbarrancar devido à força de suas águas, que passaram a entrar

pelo canal, e essa areia começou a ser depositada em frente ao Porto de Iguape, o que, aos

poucos, foi impedindo a entrada de navios.

A região foi rapidamente entrando em decadência econômica. As pessoas

abandonavam Iguape, e quem permanecia encontrava sérias dificuldades para se manter com

a pesca de peixes e camarões, muito reduzida nas águas costeiras, invadidas por grande

quantidade de água doce.

Depois de muitos anos de lutas, o Valo Grande foi fechado em 3 de dezembro de

1978, pelo então governador Paulo Egydio Martins. A construção de uma barragem nas
35

imediações do Porto do Ribeira acarreta problemas sócio-ambientais ligados à pesca e à

agricultura até hoje, pois, na verdade, não foram construídas as comportas previstas no projeto

original.

Desde a abertura do Valo Grande, a economia de Iguape foi enfraquecendo. Só foi

recuperando sua força a partir da segunda metade do séc. XX, quando houve maiores

investimentos no setor terciário, ou seja, no setor de comércio e serviços. Mais recentemente,

recebeu investimentos na área do turismo e ecoturismo, sendo que estes são considerados,

atualmente, a base de sua economia.

Os bairros de Iguape

Nesse momento vamos conhecer um pouco mais do município de Iguape, alguns de

seus bairros, suas características e atividades. Três dentre eles – Icapara, Rocio e Jairê - serão

pontos de pesquisa para a constituição do corpus de nosso trabalho.

Centro

Coração do município, no centro concentra-se grande parte dos serviços oferecidos aos

munícipes e aos visitantes. O local, como já foi dito, foi escolhido pelos colonizadores que

procuravam água potável e proteção do mar aberto. Compreende o maior centro histórico

preservado do Estado de São Paulo, com diversos imóveis em alto estilo colonial português,

entre eles casarões e igrejas.

O conjunto de construções retrata os ciclos do ouro e do arroz, períodos de grande

desenvolvimento econômico de Iguape.

Rocio

O Rocio, atualmente o bairro mais populoso do município, está separado do centro

pelo canal do Valo Grande; no entanto, já existe uma passarela que permite o fácil acesso de
36

pedestres, mas para atingi-lo com veículos motorizados é necessário contornar o Valo até a

altura do Porto do Ribeira, um percurso de 3 km.

Lá podemos encontrar uma comunidade diversa, em que o caiçara tradicional se

mescla a um grande número de pessoas vindas de outras localidades do País.

Subauma

Situado às margens do Mar Pequeno, quase na divisa com o município de Cananéia,

este bairro tem as suas origens ligadas aos primeiros anos da colonização em Iguape. Em

1618, Subauma era conhecido por Sobauma.

É importante lembrar que o Subauma além de ter sido um núcleo de imigração, ainda

possuiu um dos portos mais importantes para o desenvolvimento da região.

Porto do Ribeira

Localizado a 2 km do centro da cidade, é atualmente a porta de entrada para aqueles

que chegam a Iguape por via terrestre. A origem do bairro remonta aos tempos de

funcionamento do antigo Porto Fluvial do Ribeira, que deu nome à comunidade, pois era

nesse local que aportavam embarcações que desciam o rio Ribeira, especialmente no séc.

XIX, quando Iguape tinha uma extensa produção de arroz.

Icapara

Distante dez quilômetros do centro da cidade, o bairro foi a primeira localidade

habitada no início da colonização, por volta de 1538 (data oficial da fundação de Iguape). É

conhecido por abrigar muitas famílias de pescadores e, por isso, é um dos poucos bairros que

ainda mantêm viva a tradição e a cultura caiçara.


37

Barra do Ribeira

Distante 18 km do centro de Iguape, é o local onde o rio Ribeira deságua no mar. Com

inúmeros atrativos, como o rio Suamirim e a foz do rio Ribeira de Iguape, é excelente para

pesca, prática de surfe e passeios de barco e caiaque. É também a porta de entrada para a

Estação Ecológica de Juréia-Itatins. O acesso à comunidade inclui travessia por ferry-boat.

Muito apreciado pelos veranistas, é um local que ainda mantém suas características de

comunidade caiçara. É na Barra do Ribeira – Juréia que se encontra a antiga imagem de Nossa

Senhora de Guadalupe, deixada aqui por espanhóis.

Morro Seco

Bairro distante cerca de sessenta quilômetros do centro da cidade, abriga

características culturais muito peculiares. A grande maioria dos moradores locais tem

ascendentes das comunidades negras que formavam os quilombos. Por isso a comunidade é

considerada um remanescente de Quilombo. Cerca de 30 famílias do bairro desenvolvem a

técnica do artesanato em fibra de banana, com o trabalho em máquinas de tear, além de

cestarias fabricadas com diversas espécies de cipós. Conservaram a dança fandango e

assemelham-se muito a uma comunidade tradicional caiçara.

Jairê

Às margens do imponente rio Ribeira, e distante 27 km do centro da cidade, encontra-

se o Jairê. O bairro concentra a técnica da confecção da cerâmica utilitária de Iguape,

conhecida por panelas pretas, herança cultural deixada por tribos indígenas, provavelmente

gês, que habitavam aquela área. As panelas, bem como os potes e outros utensílios, são feitos

à base de argila e, durante a queima, tingidas com um extrato retirado da casca do jacatirão,

uma árvore nativa de Mata Atlântica e muito abundante na região.


38

Iguape, berço da tradição caiçara

A tradição cultural de Iguape é estampada basicamente nas manifestações folclóricas,

representadas pela música, pela dança, pelo artesanato, pelo linguajar e pela culinária. Os

maiores exemplos dessas atividades estão na Marujada, na Reiada ou Folia de Reis e no

Fandango.

O artesanato, marca da cultura iguapense, possui fortes influências do negro, do índio

e do europeu. Produzem-se as cerâmicas decorativas, utilitárias, mais conhecidas por panelas

pretas, além das cestarias, feitas principalmente de cipós e fibras, e o entalhe em madeira, em

especial na caixeta.

A fala é uma das características mais marcantes de Iguape. Tão viva e peculiar é a fala

do iguapense, que continua até hoje sendo objeto de pesquisa, como é o nosso caso. Além das

expressões idiomáticas, o linguajar tem sotaque carregado, melódico e harmonioso,

lembrando às vezes o português arcaico, em que é comum, por exemplo, a alternância do som

[b] por [v], e vice-versa.


39

3 MÉTODO E PROCEDIMENTOS

O método que adotamos para a caracterização da fala dos habitantes do município de

Iguape seguiu os preceitos da Geolingüística, método da Dialetologia.

O método da Geolingüística consiste em aplicar um questionário a sujeitos de um

determinado espaço geográfico, numa rede de pontos, entrevistando um ou mais sujeitos por

ponto, os quais representam o falar dos moradores do lugar. Posteriormente esses dados são

trabalhados, gerando tabelas, gráficos, quadros e, finalmente, cartogramas.

Como é de praxe nos trabalhos de Geolingüística, primeiramente, procuramos fazer o

levantamento sócio-econômico-cultural do local, seguida da pesquisa de campo, transcrição e

organização dos dados. Uma vez constituído o corpus, a tabulação dos dados gerou tabelas,

quadros e permitiu a sua descrição. Finalmente, fizemos a análise dos aspectos semântico-

lexicais, com base na pesquisa teórica e na pesquisa dos dicionários gerais de língua

portuguesa mais conhecidos, em dicionários de especialidade e dicionários de folclore, entre

outros. Por fim, elaboraram-se cartogramas.

Num primeiro momento, a descrição quantitativa do corpus baseou-se nos valores de

freqüência e distribuição – absolutos e relativos – dos dados, constantes nas tabelas da

variação diatópica e pautou-se pelas lições de estatística lexical de Muller (1968),

procedimento que será detalhado neste mesmo capítulo, no item 3.5. Como o uso lingüístico

está relacionado à ocupação do espaço físico e ligado à história sócio-econômico-cultural da

comunidade, trabalhamos com a noção de norma de Coseriu (1979; 1992), que está

fundamentada no capítulo 4.

Para fundamentar a dissertação, antes disso pesquisamos a história social, política,

econômica e cultural da localidade escolhida, em sites oficiais, jornais e livros. Na perspectiva da

Geolingüística, a seleção e uso de lexias por falantes de uma comunidade pode caracterizar uma

visão de mundo peculiar. Ou seja, conhecer a comunidade estudada pode ajudar a explicar os dados.
40

Por fim, analisamos aspectos semântico-lexicais das respostas coletadas, com base nas

teorias de Pottier (1978) e Rastier (1987).

3.1 Determinação da rede de pontos e seleção dos sujeitos

Quando nos propusemos a fazer o estudo sociogeolingüístico de Iguape, não

conhecíamos muito bem a região e, a princípio, pensamos em constituir uma rede de pontos

que contemplasse todos os bairros do município.

Iguape é o maior município do Estado de São Paulo em extensão, com uma área total

de 1981 km2. Possui sete bairros situados na zona urbana e oito na zona rural. Mas sua

densidade demográfica (14,5 habitantes/km2) não justificaria pesquisarmos tantos pontos, os

quais, multiplicados pelo número de quatro sujeitos por ponto, resultaria numa amostra, no

mínimo, desproporcional e inexeqüível.

Pensamos, então, em adotar o critério estipulado para o Projeto ALiB, de quatro

sujeitos por localidade que não as capitais de estado. Mas aí teríamos um único ponto para

toda essa imensa área, com quatro sujeitos, ―distribuídos eqüitativamente por duas faixas

etárias, e contemplando-se os dois sexos‖ (Projeto ALiB).

Consultamos Coseriu (1982, p. 93) a esse respeito: ―(...); mas só uma investigação

sistemática numa rede de pontos com ‗malhas‘ suficientemente estreitas, como as exigidas

para os atlas lingüísticos, oferece boas garantias no que toca à amplitude do inventário (...).‖

Buscando critérios que nos levassem a um número de pontos razoável, fomos

pesquisar nos atlas lingüísticos já publicados. Pelo que percebemos, não existe uma

orientação única e válida para a determinação de pontos em todas as localidades.

Tirando uma média das duas perspectivas, Projeto ALiB e Coseriu, e procurando

constituir um corpus representativo do falar iguapense, resolvemos adotar o critério da

relevância histórico-cultural aliado ao da densidade demográfica.


41

Determinamos, por fim, que a rede de pontos seria constituída pelos bairros de

Icapara, primeira localização do município de Iguape - critério histórico; pelo bairro do

Jairê, afastado do centro da cidade e herdeiro de tradições caiçaras e, portanto, indígenas -

critério cultural; e pelo Rocio, atualmente o bairro mais populoso de Iguape - critério

demográfico.

Em cada um dos três pontos selecionados, Icapara, Rocio e Jairê, entrevistamos quatro

sujeitos, dois homens e duas mulheres. Foram feitas, no total, doze entrevistas, conforme

mostra o quadro-resumo abaixo:

Quadro 1 - Determinação de pontos e número de sujeitos


Nº Ponto Sujeitos
1 ICAPARA 4
2 ROCIO 4
3 JAIRÊ 4

Como convém aos trabalhos de Geolingüística, selecionamos sujeitos naturais da

localidade ou que nela tivessem vivido a maior parte de suas vidas, não tendo se afastado do

local por período prolongado.

Em todos os pontos, foram entrevistados sujeitos de ambos os sexos/gêneros, porque

como observa Silva Neto (1957, p.32):

Tendo-se em conta que o vocabulário feminino é diferente do masculino e que as


mulheres, como é natural, conhecem melhor determinadas atividades – as que lhe
são tradicionalmente confiadas – é de bom alvitre inquirir, em cada lugar e sempre
que possível, um homem e uma mulher. Assim será mais completo o inquérito.

Como a comunidade escolhida para esta pesquisa é um município da época colonial

que ficou relativamente isolado dos grandes centros urbanos, não tem indústrias de grande

porte, e conserva suas tradições caiçaras, optamos por recolher dados de fala de duas faixas

etárias extremas: de jovens de 18 a 30 anos (primeira), e de sujeitos de 66 anos em diante

(segunda), mais idosos e que são, via de regra, mais conservadores.


42

Ao criarmos mais uma faixa etária (66 anos em diante) em relação às duas

contempladas no Projeto ALiB, a saber: 18 a 30 anos e 50 a 65 anos, vamos trabalhar com os

dois extremos. Se por um lado isso é bom, pois permite uma visão diacrônica em tempo

aparente do dinamismo da fala dos iguapenses, por outro é ruim, pois não permite a

comparação com outros estudos que utilizem o método e os procedimentos do Projeto do

ALiB.

Nos cartogramas, para registrar cada nova lexia empregada pelos sujeitos, usamos uma

cor diferente, identificada na legenda, e para melhor visualizar o falante, resolvemos

representá-lo da seguinte maneira, em cada um dos quadrantes:

Quadro 2 - Representação dos sujeitos nos cartogramas


SUJEITOS SÍMBOLO QUADRANTE
HOMEM - 1ª faixa etária ♂ Superior esquerdo
MULHER - 1ª faixa etária ♀ Superior direito
HOMEM - 2ª faixa etária ♂ Inferior esquerdo
MULHER - 2ª faixa etária ♀ Inferior direito

Os sujeitos foram classificados, para facilitar a identificação dos dados que a eles

correspondem, no corpo desta dissertação, pelas siglas do ponto da localidade, do sexo/gênero

e da faixa etária. A variável escolaridade, como é comum a todos os sujeitos, não tendo sido

considerada, foi dispensada. Assim, ROC-M-1 significa: sujeito do ponto Rocio, do sexo

masculino, da 1ª faixa etária.

Os dados completos dos doze sujeitos entrevistados, inclusive com o grau de

escolaridade que apresentam, podem ser conferidos no quadro a seguir:


43

Quadro 3 - Sujeitos entrevistados


SUJEITO INICIAIS IDADE ESCOLARIDADE
ICAPARA
ICA-H-1 D.J. 22 Fundamental II
ICA-H-2 G.T. 83 3º ano
ICA-M-1 R.R.L. 30 7ª série
ICA-M-2 M.P.S. 77 4º ano
ROCIO
ROC-H-1 H.S.M. 18 8ª série
ROC-H-2 B.M. 73 1º ano
ROC-M-1 K.D.R. 28 5ª série
ROC-M-2 M.O.S. 69 analfabeta
JAIRÊ
JAI-H-1 A.E.M.S. 22 8ª série
JAI-H-2 M.R. 66 3º ano
JAI-M-1 C.M.P. 22 Fundamental II
JAI-M-2 E.I. 76 2º ano

3.2 Questionário

O tipo ideal de investigação geolingüística é a pesquisa in loco. A pesquisa de campo,

como é conhecida,

(...) deve ser realizada, sempre que possível, pelo próprio investigador; a experiência
tem mostrado que só ele pode aperfeiçoar, no campo, o seu questionário, alargá-lo,
sanar-lhe as lacunas ou sentir a conveniência (à vista do material que tem diante dos
olhos) de explorar mais a fundo certos fatos lingüísticos (SILVA NETO, 1957, p.
27).

Para a recolha dos dados de fala da pesquisa, nada melhor que usar um questionário

previamente elaborado e que abranja um leque de questões sobre vários temas relativos ao

homem e a sua vida diária.

Como o objetivo de nossa pesquisa é registrar a variedade lingüística, a realidade da

língua portuguesa do Brasil, com enfoque na norma semântico-lexical da localidade,

resolvemos trabalhar com o questionário semântico-lexical (QSL) elaborado pelo Comitê

Nacional do Projeto ALiB (2001).


44

Escolhemos para realizar nosso estudo uma das áreas do QSL do Projeto ALiB. O

questionário divide-se em catorze áreas semânticas. A área CORPO HUMANO tem sido uma

das mais exploradas nos questionários, no Brasil e em outros países1. No QSL do ALiB, ela

contempla trinta e duas questões, subdivididas em questões relativas a cabeça, tronco e

membros. No presente trabalho, restringimo-nos a estudar as designações relativas a

CABEÇA.

Adotamos o QSL porque oferece a dupla vantagem de se poder, com método, investigar

determinados grupos de designações e a de ser aplicável a todo o território nacional, permitindo,

assim, a possibilidade de comparação dos materiais com outros trabalhos.

O QSL apresenta 202 questões elaboradas numa perspectiva onomasiológica, isto é,

partem do conceito para a denominação, como por exemplo, a questão nº 1:

Córrego/Riacho

Como se chama um rio pequeno, de uns dois metros de largura?

Para orientação do pesquisador, as questões vêm precedidas por lexia(s), que servem

como tema. Não se espera que os sujeitos ―acertem‖ a questão, mas indiquem a lexia

empregada na localidade para aquele conceito.

As questões estão distribuídas em 14 áreas semânticas, a saber: acidentes geográficos,

fenômenos atmosféricos, astros e tempo, atividades agropastoris, fauna, corpo humano, ciclos

da vida, convívio e comportamento social, religião e crenças, jogos e diversões infantis,

habitação, alimentação e cozinha, vestuário e acessórios, vida urbana.

Para a pesquisa da maioria dos fenômenos lingüísticos, o mais habitual dos procedimentos

sociolingüísticos é a entrevista. Nela, ocorre a interação de dois indivíduos: o pesquisador e um

1
No questionário do Atlas Linguistique et Ethnographique du Lyonnais (Gardette, 1968), a área semântica 29,
Le corps, engloba as questões 1051 a 1088, sobre‘ les cils, lou peyon‘, ‗la pupille de l‘oeil, la poupouna‘, ‗un
orgelet‘, ‗les molaires, les masselar‘, la nuque, le cotivè, le coupè‘, p. ex. No ALiR, Atlas Linguistique Roman
(Alinei, 1993), temos de 356 a 434, questões sobre ‗la nuque‘, le visage‘, ‗les cils‘, ‗la paupière‘, ‗l‘oeil‘, ‗les
canines‘, ‗les molaires‘, ‗les dents de sagesse‘, etc.
45

sujeito entrevistado. Em nossas entrevistas, a despeito de usarmos um questionário, tentamos ser o

mais informal possível, já que o objetivo era obter a fala casual, habitual, dos falantes.

Para facilitar o contato, antes da entrevista propriamente dita aplicamos um

questionário social para melhor conhecer o sujeito entrevistado e traçar o seu perfil. Esse

contato prévio descontraiu o ambiente e ajudou a encaminhar a entrevista.

3.3 Pesquisa de campo

Da primeira vez que fomos a Iguape, no início de agosto de 2007, a Festa do Bom

Jesus de Iguape, com a tradicional romaria e missa na Basílica, tinha ocorrido no dia anterior

à nossa chegada. Mas as barracas que se estendiam por toda a rua da praia, contornavam o

campo de futebol, e onde se vendia toda sorte de mercadorias, como roupas, tapetes, sapatos,

artigos religiosos, lanches e comidas de todos os tipos, continuavam armadas. Havia muita

gente nas ruas, à noite, percorrendo as barracas.

Nesse primeiro contato com a cidade e seus habitantes, soubemos da existência do

bairro Icapara, distante aproximadamente dez quilômetros do centro da cidade, onde

estávamos. Fomos até lá no dia seguinte e, aproveitando o entusiasmo de um jovem, com

quem conversamos no pequeno restaurante de sua família, testamos o questionário. O rapaz

de 25 anos, filho de pescador e morador do bairro, concedeu-nos uma ótima entrevista, mas

não pudemos aproveitá-la. Ele está fora do perfil desejado, por causa do seu nível de

escolaridade: está cursando faculdade em Registro.

Ainda no bairro de Icapara, no mesmo dia, conversamos com uma senhora que nos

levou à casa de um morador e ele concordou em responder ao questionário. Mas o gravador

não ajudou, logo a pilha acabou e tivemos que interromper e deixar para o dia seguinte.

Voltamos no horário marcado para entrevistar os dois, marido e esposa, mas eles tinham

saído. Uma das vizinhas, então, nos acolheu e concedeu a entrevista.


46

Aproveitamos a ocasião, a estada de três dias, para conhecer melhor a história e a

geografia de Iguape. Começamos pelos pontos turísticos ligados à sua história colonial, à sua

religiosidade, e ao seu ecossistema privilegiado. Visitamos o Museu de Arte Sacra, o Museu

Histórico e Arqueológico, a Basílica do Bom Jesus de Iguape, vários casarões coloniais e

outros do início do século XX. Conhecemos o Mar Pequeno, o Valo Grande, a ponte que liga

Iguape a Ilha Comprida, entre outras coisas.

Voltamos outras vezes a Iguape e buscamos auxílio com pessoas da cidade para

nos indicar os sujeitos para as entrevistas. Na escola estadual do bairro do Rocio, a vice -

diretora chegou a chamar dois alunos da 1ª faixa etária, um rapaz e uma moça, para

conversarmos. Marcamos a entrevista para o dia seguinte, à tarde, mas nenhum dos dois

apareceu.

No bairro do Jairê, com o auxílio da diretora, que nos franqueou a escola e,

principalmente, com o auxílio da merendeira, fizemos as quatro entrevistas até a hora do

almoço. Gentilmente nos ofereceram almoço na escola, depois do qual voltamos para o centro

de Iguape, a quase trinta quilômetros em estrada de terra batida.

As gravações foram feitas com gravador digital MP3 Player Sony, as quais foram

transferidas depois para um notebook ou armazenadas em CD-R.

3.4 Transcrição e organização dos dados

A transcrição dos dados coletados na pesquisa de campo, ou seja, a transcrição das

respostas dadas pelos sujeitos entrevistados seguiu a seguinte organização:

a) as respostas foram registradas sob a forma de lemas, isto é, como aparecem as

entradas, os verbetes, nos dicionários: no masculino singular.

No caso da lexia banguela, substantivo e adjetivo comum aos dois gêneros, os


sujeitos pesquisados também atualizaram a forma banguelo.
47

b) quando o sujeito deu como resposta duas ou três lexias, consideramos para efeito de

tabulação apenas a primeira ocorrência.

Ocorreu esta situação com a questão 103, que teve como segunda resposta ora a
variante soluço ora jojoca.

c) a variação fonética não foi considerada para efeito de contagem de uma nova lexia,

uma vez que se trata de um trabalho relativo ao aspecto semântico-lexical da língua.

Exemplos:

Questão 7:

―... o vento que vai virando em roda e levanta poeira, folhas e outras coisas leves?‖

Respostas - redemoinho

rodamoinho

remoinho

Todas as formas acima foram registradas ‗redemoinho‘.

Questão 84:

―... um bichinho que se gruda nas pernas das pessoas quando elas entram num
córrego ou banhado (cf item I)?‖

Respostas – sanguessuga

chamechuga

samechuga

chumechuga

Todas as formas acima foram registradas ‗sanguessuga‘.


48

3.5 Tratamento quantitativo dos dados

A análise quantitativa do léxico permite descrever certos aspectos da estrutura

de léxicos e vocabulários, e pode ser conseguida po r diferentes cálculos de

freqüência, distribuição, definição de normas, etc., efetivadas pela estatística lexical,

por exemplo.

Muller (apud BARBOSA, 1978, p. 88), dentre os vários conjuntos que podem receber

o nome de ―léxicos‖, aponta o de um grupo humano que pertence a uma comunidade

lingüística. É o conjunto que nos interessa e que pode ser analisado com os métodos e técnicas

da estatística lexical, que possibilita a proposição de estimativas cientificamente

fundamentadas e a obtenção de dados precisos.

Segundo Barbosa (1978, p. 88),

Léxico e vocabulário são duas concepções complementares, relacionadas a dois


níveis de abstração. Com efeito, entende-se por léxico o conjunto das unidades
lexicais realizadas e realizáveis, isto é, efetivas e virtuais; e, por vocabulário, o
conjunto de unidades lexicais já realizadas, isto é, efetivamente atualizadas em
discurso, Por conseguinte, o primeiro contém o segundo (sistema e normas).

Por sua vez, o léxico efetivo, que abrange todas as unidades que já foram atualizadas

em discurso, como vocábulos de alta ou baixa freqüência, compreende dois outros

subconjuntos: o léxico passivo e o léxico ativo. É o léxico ativo que iremos recolher em nossa

pesquisa, o conjunto das lexias de codificação automática, cuja atualização em discurso exige

muito pouco esforço do falante.

Adaptando o modelo de Muller (1968) para fins de tratamento quantitativo dos dados

coletados em nosso estudo sociogeolingüístico em Iguape, para um universo N de respostas

possíveis, cada resposta à questão proposta será expressa em número cardinal inteiro que

corresponde, somadas todas as respostas, ao número de sujeitos entrevistados, ou seja, ao

valor absoluto de todas as lexias atualizadas. Considerando-se o número de respostas iguais

em relação à mesma questão, face ao total de sujeitos entrevistados, obtemos o valor relativo,
49

expresso em número fracionário, até a segunda casa decimal. Se esses números forem

coincidentes, temos 100% de atualização da lexia.

Os cálculos de freqüência podem ser feitos nos moldes descritos acima relativamente

às variáveis sexo/gênero, faixa etária e escolaridade. Do mesmo modo, pode-se quantificar a

distribuição das ocorrências pelos pontos pesquisados.

3.6 Cartogramas

O método da Geolingüística, segundo Coseriu (1982, p. 84), apresenta três etapas

principais:

a) recolha de dados, mediante pesquisa in loco com base num questionário

padronizado, aplicado a um ou mais sujeitos, em todos os pontos escolhidos;

b) registro do material coletado em mapas, que constituem os atlas lingüísticos;

c) análise (estudo e interpretação) do material proporcionado pelos mapas.

Em vez do termo ―mapa‖ ou ―carta‖, bastante usado por pesquisadores de Geolingüística,

utilizaremos a denominação ―cartograma‖, como adotou Cristianini (2008), em sua tese de

Doutorado. Também a Profª Drª Ana Maria Marangoni, do Departamento de Geografia da USP,

aconselha que assim se proceda. Segundo a especialista em cartografia, os cartogramas visam à

precisão, e não à exatidão. Cartogramas, segundo Ferreira, em seu dicionário eletrônico, são mapas

ou quadros em que, por meio de pontos, figuras e linhas, previamente convencionados, representa-

se um fenômeno quanto à sua área de ocorrência, importância, movimentação e evolução.

A segunda etapa de nosso trabalho será, portanto, o registro do material recolhido em

mapas ou cartogramas. Não elaboraremos um atlas lingüístico, que são coleções cartográficas

de material lingüístico, mas registraremos a área pesquisada em dezesseis cartogramas

referentes a cada lexia, afora os mapas do Brasil, de São Paulo e o mapa base de Iguape com

os pontos da pesquisa assinalados.


50

Coseriu (1982, p. 83), de acordo com os fatos lingüísticos que registram, classifica os

mapas lingüísticos em:

- Mapas fonéticos – variantes de um fonema comprovadas nos pontos investigados;

- Mapas lexicais – registro das ―palavras‖ empregadas para expressar o mesmo

conceito;

- Mapas propriamente lingüísticos – registro em sua integridade fônica e morfológica

de expressões concretamente comprovadas em cada ponto investigado.

Quanto à forma de apresentação, estipula que os mapas podem ser:

- sintéticos – estabelecem os limites das áreas correspondentes às formas típicas

comprovadas;

- pontuais – registram fielmente as formas comprovadas em todos e em cada um dos

pontos investigados.

Em nosso estudo, como lidamos com fatos lingüísticos de caráter lexical, elaboramos

mapas lexicais que, segundo a classificação de Coseriu (1982, p. 83), registram todas as

variantes lexicais empregadas para expressar o mesmo conceito.

A terceira e última etapa é o estudo semântico-lexical e a interpretação do material

proporcionado pelos cartogramas.


51

4 ASPECTOS SEMÂNTICO-LEXICAIS

4.1 A Norma

Em vista das dificuldades encontradas na definição dos conceitos de ―língua‖ e ―fala‖,

introduzidos na ciência lingüística por Saussure (1972), e logo aceitos ou reelaborados por

uma série de lingüistas, Coseriu (1979) se propôs a apresentar sua visão tripartite, partindo de

uma concepção monista da linguagem. Para ele, língua e fala não podem se opor, já que

aquela está presente nesta e se manifesta concretamente nos atos lingüísticos.

Após a análise e a crítica de várias concepções, Coseriu (1979) conclui que, de

maneira concreta, a linguagem existe só e exclusivamente como falar, como atividade

lingüística, e que língua e fala não podem ser consideradas como realidades autônomas, uma

vez que a fala é a realização da língua e, por outro lado, a língua é condição da fala.

Ou seja, Coseriu (1979) apresenta sua visão tripartite da linguagem em que o conceito

de língua como sistema abstrato de oposições funcionais implica o desenvolvimento do

conceito de norma (abstração intermediária), cujas premissas considera já estarem presentes

em Saussure. Acredita ainda que, do ponto de vista metodológico, ela possa revelar-se útil,

proveitosa e até necessária na lingüística teórica e na lingüística histórica, tanto sincrônica

quanto diacrônica.

Para melhor explicar a distinção entre sistema normal e sistema funcional, para

Coseriu (1979) norma e sistema, ele evoca a célebre analogia saussuriana com o xadrez, em

que entre o ―código‖ do jogo e sua realização, nesta ou naquela partida, podem-se comprovar

certos movimentos, certos aspectos constantes, que não modificam as regras, o sistema, mas

que caracterizam a maneira de jogar de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, e

constituem os traços normais, a norma, da realização do ―código‖ pelos mesmos.

Coseriu (1992, p. 68), retomando suas considerações, afirma que


52

Sistema é o que é possível numa língua, com base nas distinções que faz essa língua
e com base nos procedimentos que ela tem para expressar as respectivas distinções.
Sistema é, portanto, o que é possível com base nas regras de uma língua.

Norma é, pelo contrário, o que se realiza e se tem realizado efetivamente. A norma é

uma limitação do sistema, já que não se realizam todas as possibilidades do mesmo.

Assim, pois, o sistema contém o possível, isto é, tanto o realizado como também o

ainda não realizado; a norma contém o efetivamente realizado.

A norma e o sistema da língua correspondem, juntos, aproximadamente, à langue

saussuriana. O falar concreto corresponde mais ou menos à parole de Saussure (1972) e

poderia ser chamado também de ―fala‖ (no sentido de processo, de dinâmica, que contém o

vocábulo discurso). (COSERIU, 1992, p. 68)

Correção = Sistema

Aceitabilidade Norma

A norma e o sistema não constituem variedade interna da língua histórica, mas

representam a medida ou o grau de estruturação dessa mesma norma.

A realidade da língua é movimento e, mesmo quando considerada sincronicamente,

fundamenta-se num equilíbrio instável.

Se uma língua pode abarcar vários sistemas, ou seja, as formas ideais de sua

realização, a sua dinamicidade, o seu modo de fazer-se, pode também admitir várias normas,

que representam modelos, escolhas que se consagraram dentro das possibilidades de

realizações de um sistema lingüístico. Como pondera Coseriu (apud CUNHA,1986, p. 73) se

―é um sistema de realizações obrigadas, consagradas social e culturalmente‖, a norma não

corresponde, como pensam certos gramáticos, ao que se pode ou se deve dizer, mas ―ao que já

se disse e tradicionalmente se diz na comunidade considerada.‖

Os atos lingüísticos, enquanto atos de comunicação, são acima de tudo escolha, seleção.

Tendo em vista a condição essencial da linguagem, que é a comunicação, esses atos pautam-se

pela re-criação nos moldes de uma ―língua anterior‖, sistema estabelecido na própria comunidade
53

sobre a base dos atos lingüísticos precedentes ao ato com o qual nos deparamos. Ele oferece os

modelos para esse mesmo ato e é ponto de referência em relação a uma inovação.

Em outras palavras, o falante utiliza, para a expressão de suas percepções inéditas, a

repetição de modelos normais e já tradicionais na comunidade, e que constituem a norma.

Assim sendo, no universo significante em que vivemos, cada comunidade escolhe, a cada

época, certas significações e exclui outras.

Na perspectiva da Geolingüística, a seleção e uso de lexemas pelo conjunto de seus

semas (sememas), pode caracterizar uma visão de mundo peculiar, relacionada à ocupação do

espaço físico e ligada à história sócio-econômico-cultural da comunidade. Nesse sentido os

atlas lingüísticos funcionam muito bem como ―instantâneos‖ que captam o uso de uma língua

numa determinada época e lugar.

Segundo Greimas e Courtés (1979, p. 253), os lexemas, enquanto configuração que

reúne, de modo mais ou menos acidental, diferentes sememas, apresenta-se mais como o

produto da história ou do uso que como o da estrutura.

É isso que pretendemos mostrar neste trabalho: que a norma compartilhada por uma

comunidade lingüística reflete-se no léxico e varia, de época para época, de acordo com

condicionantes que vão ampliar ou reduzir o espectro dos semas dos lexemas selecionados.

4.2 Análise de traços semânticos

Tendo em vista os objetivos acima, fazemos um estudo de traços semânticos, baseado

em Pottier (1978) e Rastier (1987), das respostas às questões de nº 89 a 105 do Questionário

Semântico-Lexical (QSL) do Projeto ALiB, correspondente à área Corpo Humano, aplicado a

sujeitos naturais de Iguape, litoral sul do Estado de São Paulo.

Para abordar aspectos semântico-lexicais das respostas dadas, temos que começar pela

designação diferenciada das unidades lexicais. Segundo Quemada (apud ALVES, 1999, p. 69-
54

70) temos que levar em conta três planos, de acordo com a expansão da dicotomia saussuriana

língua e fala, acrescida do conceito de norma. Trata-se dos planos do discurso, do código e

do sistema, a que correspondem os lexes, as lexias e os lexemas, respectivamente.

Quadro 4 - Lexes, lexias e lexemas


PLANO DO SISTEMA PLANO DO CÓDIGO PLANO DO DISCURSO
SISTEMA NORMA(S) FALAR
Lexemas Lexias Lexes
Unidades abstratas e seus Unidades estereotipadas, Unidades realizadas
traços virtuais, reunidas, marcadas por sua contextualmente, em
organizadas e associadas, freqüência de emprego e situação de enunciação e de
de forma acrônica por um determinado uso comunicação
social, organizadas e
associadas de maneira
sincrônica e funcional

Trabalhamos no plano do código, em que se situam as lexias, as unidades lexicais por

excelência. As lexias constituem as unidades de significação estereotipadas (lexicalizadas),

que, em um estado de língua delimitado sincronicamente, e em um determinado universo

sociocultural, permitem nomear um objeto, uma noção, uma qualidade ou uma ação. As lexias

são os elementos do léxico, a soma organizada de todas as unidades da língua, conjunto

sincronicamente estruturado por subconjuntos específicos, diassistemicamente marcados.

Pode ser explicada assim a origem do termo lexia:

Pottier (1978) escolheu o termo lexia para designar as unidades do conteúdo que têm
dimensões variáveis, indo de simples lexemas (―cão‖) aos sintagmas fixos (―pé-de-
moleque‖), e para tentar assim substituir o termo palavra, ao qual parece impossível
se dar uma definição suficientemente geral. Ele propõe a distinção de três tipos de
lexias: lexias simples (lexemas e lexemas afixados, como ―cavalo‖,
―anticonstitucional‖), lexias compostas (―couve-flor‖, ―guarda-roupa‖) e lexias
complexas (―pé-de-moleque‖, ―Maria-vai-com-as-outras‖) (GREIMAS e
COURTÉS, 1979, p.254).

Concordamos com Biderman (1999, p. 89), quando diz que o termo lexia, proposto

por Pottier (1978), é muito útil, por ser um termo técnico. Assim, no plano da língua, o termo

lexema refere a unidade abstrata do léxico. As manifestações discursivas dos lexemas devem

ser referidas tecnicamente como lexias.


55

Para Pottier (apud VILELA,1979, p.22), é essencial a noção de semema, um dos

possíveis ―efeitos de sentido‖ contidos virtualmente no lexema (e na lexia) e realizados no

discurso (na lexe). Ou seja, realizam-se no plano da ―parole‖, mas são valores virtuais da

―langue‖. O ponto de partida de nossa análise é o semema, entendido como conjunto de traços

semânticos pertinentes ou os semas que entram na definição de substância do lexema.

Fundamentamos nossa concepção de lexema/semema em Pottier (1978), que Rastier

(1987) desenvolveu posteriormente, distinguindo dois tipos de semas: (i) os inerentes, que são

provenientes do sistema funcional da língua e são os traços específicos, denotativos. São

classificados, ainda, como distintivos, definitórios e universais; e ii) os semas aferentes, que

remetem a normas socializadas. Eles não são distintivos, não são definitórios e não são

universais. Caracterizam-se como conotativos e podem ser produzidos por uma inferência,

que traduz uma expectativa socializada.

Resumindo, segundo explica Greimas (1979, p. 253), o lexema empreende um

percurso que vai desde o momento de sua semiose, quando da junção do formante com o

núcleo sêmico que ele recobre, passa pela sua realização sintagmática e conseqüente inserção

no enunciado, de onde ele recolhe os semas contextuais que lhe possibilitam constituir-se em

semema, enquanto prepara o caminho para a manifestação da significação. Nesse processo, do

mais abstrato para o mais concreto, do lexema para a lexia e em seguida para o lexe, pode

ocorrer a atualização de semas subjacentes que venham agregar-se aos já existentes,

ampliando, reduzindo ou provocando desvios eufóricos/disfóricos no inventário dos semas.

Esse percurso, nem sempre linear do lexema até sua manifestação no discurso, traduz-

se, na pesquisa da fala de comunidades lingüísticas, em variantes lexicais, isto é, em lexias

muitas vezes inusitadas.

Atualmente, a simples elaboração de um rol de variantes lingüísticas, coletadas e

lançadas num cartograma, não responde mais às necessidades de mapeamento da diversidade


56

lingüística brasileira. Nem condiz com o modelo da nova Geolingüística, de caráter

pluridimensional.

Nosso estudo busca englobar, além do registro da freqüência e distribuição da

variedade lingüística própria da região, dimensionadas pelas variáveis sexo/gênero e faixa

etária, a análise de aspectos semântico-lexicais das lexias recolhidas.

Jakobson (apud RASTIER, p. 17-18) foi o primeiro a tentar uma análise semântica

estrutural das unidades lexicais, a partir das unidades mínimas fonológicas. Segundo Pottier

(1972, p.42), o lexema (ou morfema lexical) pertence a um inventário aberto e muito extenso.

No plano da língua, em disponibilidade permanente, esse lexema liga-se a um grande número

de esferas semânticas possíveis. No ato da comunicação, no plano do discurso, somente

algumas áreas são atualizadas, e então o lexema acontece num domínio específico.

Assim, ‗são‘ pode pertencer ao domínio ―religião ou ―saúde‖. O dicionário procura

abarcar todos esses domínios, mas só a situação de discurso atualiza um dos domínios, uma

vez que a significação é relacional. E, muitas vezes, a ligação entre eles permanece

subjacente.

A significação do lexema (morfema lexical), assim concebido, é seu semema. O

semema, segundo Pottier (1972, p.43), é composto de três grupos de semas:

- os específicos – que permitem distinguir os morfemas mais próximos de um


mesmo domínio. Eles são descritivos ou combinatórios;

- os genéricos – que indicam que o lexema pertence a um campo conceitual como


/material/, /humano/, /contínuo/ etc. Podem ser descritivos ou combinatórios;

- virtuais - que correspondem às associações disponíveis na consciência dos


locutores de uma comunidade homogênea (vermelho – /perigo/), e que podem
ser atualizados facultativamente no discurso.

Segundo Lyons (1963, p. 267-268), a semântica lexical estrutural, apesar das críticas

que lhe têm sido feitas (como a falta de formalização, etc), ainda não encontrou qualquer

substituto nas correntes lingüísticas, mesmo nas chamadas semânticas provenientes da

gramática transformacional.
57

Trabalhamos com lexias da classe de designação que, segundo Barbosa (1978, p. 81),

representam linguisticamente o mundo dos objetos biofísicos e socioculturais, e são, ao

mesmo tempo, geradoras e reflexo da ―realidade‖ sócio-lingüístico-cultural de uma

comunidade.

Entendemos, no entanto, que entre o nome e a coisa designada, desenvolve-se toda

uma rede ou sistema de relações, já desenvolvidas conceitualmente por Pottier (1978) e

Rastier (1987) e aqui examinadas em capítulo anterior. Ora deparamos com lexias utilizadas

na língua comum, ora com termos da linguagem de especialidade, usados por profissionais da

área médica e odontológica.

A língua comum ou geral representa um subconjunto da língua entendida em sentido

global. Ela se compõe de um conjunto de regras, unidades e restrições do conhecimento da

maioria de seus usuários. As unidades da língua comum são utilizadas em situações que

podem ser classificadas como ―não marcadas‖, como esclarece Cabré (1993, p.128).

Por linguagem de especialidade, designa-se um conjunto de subcódigos – parcialmente

coincidentes com o subcódigo da língua comum – que se caracterizam por particularidades,

próprias e específicas de cada um deles. As linguagens de especialidade são utilizadas em

situações ditas ―marcadas‖ (CABRÉ, 1993, id.).

O conjunto das unidades da linguagem de especialidade de uma determinada

disciplina e também de um âmbito de atividade específica constituem a terminologia própria

dessa especialidade. Os termos, que são a unidade de base da terminologia, designam os

conceitos próprios de cada disciplina especializada (CABRÉ, 1993, id.).

Já dissemos em outra oportunidade que a linguagem é produto da cultura. E a cultura

de um povo, afirma Cascudo (2004, p.39), pode formar e transformar: modificar uma

cerimônia, uma técnica de produção agrícola, abandonar certos vocábulos por outros ou fazê-

los ter significação diferente, entre outras coisas.


58

Já dissemos, também, que não se pode dissociar o léxico de uma comunidade do

contexto sócio-econômico-cultural que ele ao mesmo tempo gera e reflete. Nem dos grupos e

indivíduos que dele se utilizam. As línguas delimitam aspectos de experiências únicas vividas

por cada povo. Em face às demais formas de cultura, Câmara Jr (apud LOPES, p. 21) salienta

que ―uma língua é o seu resultado ou súmula; o meio para ela operar; a condição para ela

existir‖.

A linguagem é patrimônio cultural de um povo. Blöndel (apud Câmara Jr.,1976, p.32)

afirma que ―a língua, como meio coletivo de representação e comunicação, traduz um

‗pensamento socializado‘‖. Cascudo (2004, p.239) discorre sobre a importância que o homem

atribui ao corpo humano, refletida nos nomes dados em relação a ele na cultura de vários

povos e civilizações.

O corpo humano foi para o próprio homem seu mundo inicial e continua sendo,
instrumento miraculoso de adaptação e conquista, princípio e fim de todas as cousas
circunjacentes, para ele viventes e úteis.

Tudo fora feito para o serviço humano e seu domínio, terras, águas, plantas e feras.
Sol e lua eram suas lâmpadas e as estrelas deviam guiá-lo nas noites escuras. O
mundo se organizou para o primeiro homem. Ele deu nome e função a tudo quanto
existe. As civilizações, pelas suas culturas, são capitalizações desta herança milenar,
acrescida na experiência dos tempos. O corpo humano foi, naturalmente, a medida
de todas as dimensões. Cidades, estradas, aquedutos e pontes são projeções estáticas
das proporções humanas. São necessidades, serviços indispensáveis e permanentes
que ele planejou e construiu, com mão e pé. O módulo foi seu corpo. O edifício
conserva o pé e a mão, e seus múltiplos e submúltiplos, como padrões
incomparáveis.

O domínio da Semântica é de fundamental importância para a compreensão das

relações entre língua e cultura.

Na primeira metade do século XX, abandonando a dimensão diacrônica das pesquisas

em benefício de uma descrição sincrônica dos fatos de significação, a Semântica reserva para

si a tarefa de reconhecimento e análise dos campos semânticos (ou nocionais, ou conceptuais).

Rohlfs (1979, p. 46-47), como exemplo da rede de relações que se forma entre o nome e a

coisa designada, relata que em certas regiões o homem, artesãos e aldeães, identifica toda e

qualquer atividade com o ato sexual, e lhe dá sua correspondente expressão lingüística. O
59

mesmo acontece entre as tribos primitivas do Pacífico: a exteriorização lingüística das idéias

se reveste de imagens sexuais condicionadas; assim também nas línguas européias a fantasia

sexual na formação de nomes de instrumentos tem um papel considerável.

A exteriorização lingüística de certas idéias, acreditam alguns, desencadeia forças

sobrenaturais, maléficas ou benéficas. Daí algumas manifestações serem interditadas,

evitando-se, assim, os efeitos maléficos desse poder. São os tabus lingüísticos.

Segundo Willems (apud GUÉRIOS, 1979, p. 1), tabu é ―proibição ligada a certas

representações mágicas ou religiosas. Existe uma infinidade de tabus cuja infração envolve

automaticamente a aplicação de sanções naturais‖.

O recurso que se usa para exteriorizar a idéia expressa por um tabu são os meios

indiretos ou meios diretos dissimulados, isto é, expressões substitutas que encobrem o ser

sagrado-proibido.

Conforme explica Guérios (1979, p. 12), vários são os processos de substituição do

termo tabuizado: por gesticulação, por sinônimo, por expressão genérica, por antífrase, por

disfemismo, por diminutivo, por deformação fonética, por mudança sintática, por plural, por

gênero neutro, pronunciado em voz baixa, etc. Vamos encontrar alguns desses procedimentos

em lexias recolhidas em nosso estudo do falar de Iguape.

Até hoje, pronunciar o nome de certas partes do corpo humano é alvo de tabu

lingüístico, assim como o são o de doenças e defeitos físicos. Apesar de ser fenômeno

universal e de todos os tempos, o tabu varia na intensidade e de povo para povo, isto é, o que

é tabu numa comunidade, numa família, pode não ser em outra.

Além dos dados de freqüência e distribuição das lexias/respostas, analisamos o feixe

de traços semânticos chamados semas que compõem os sememas. Buscamos relacionar a

seleção e uso de certas lexias, pelo conjunto de seus semas (sememas), a uma visão de mundo

compartilhada pela comunidade.


60

5 ANÁLISE DOS DADOS: A ÁREA CORPO HUMANO

Quando eu morrer quero ficar,


Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paiçandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade ...
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há-de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade ...
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
(MÁRIO de ANDRADE, 1987)
(Obs.: grifos nossos)

No poema de Mário de Andrade, nossos grifos destacam partes não apenas do corpo

humano como também elementos que compõem a área Corpo Humano, como a cabeça, que

agora passamos a estudar.

Essa parte do corpo humano, a cabeça, sempre mereceu a atenção do homem por sua

funcionalidade, por ser a matriz de todos os pensamentos e comandos do corpo, e ao mesmo

tempo por sua fragilidade, por sua necessidade de proteção.


61

Para Cascudo:

O caçador primitivo valorizou seus órgãos. Boa parte dos essenciais estava na
cabeça, a visão, o olfato, o paladar, a audição. (...) Naquele tempo em que o mundo
amanhecia para a espécie humana os órgãos significavam realmente o instrumental
da vida diária e batalhada.

(...) Para apanhar o fruto ou abater a caça já estavam escolhidos e selecionados os


gestos definitivos e próprios da ação. Mãos e pés cumpriam o desenho íntimo e
precioso da arrancada. E tudo estava dentro da cabeça. A cabeça era a caixa da
riqueza sensível e vital.

Era também a parte mais alta do corpo. De maior evidência e notoriedade. (...) Por
isso a cabeça é o princípio, governo, disciplina. (...) A primeira insígnia de chefia só
podia ser colocada na cabeça do aclamado. As formas distintivas da soberania ficam
na cabeça dos reis e dos papas. (...) Cabeça é chefia, inteligência, astúcia, previsão,
planejamento. É a sede do comando, da decisão, da vontade orientadora.

Exibir o crânio do inimigo vencido é a prova mais evidente de sua derrota inegável.
(CASCUDO, 2004, p. 245-247)

Rohlfs (1979, p.200-202), em seu estudo sobre o léxico românico, inclui um capítulo

para a diferenciação léxica das línguas românicas, de onde extraímos o seguinte subtítulo:

CAPUT-CAPITIA

Vigorosas expressões o povo usa para designar a 'cabeça'. Assim como nos
romances atuais, junto à palavra oficial se usam vozes mais expressivas. Em fr.
pomme, poire, melon, citron, citrouille, boule, tronche; it. zucca, cucuzza, borella;
esp. olla, calabaza; rum. diblã 'violino', tidvã 'calabaza', ciuturã 'cubo', etc.). O
velho caput se conservou como cap na Romênia, como capo na Itália central e
meridional, e em zonas muito limitadas da Itália superior (lomb. cò, friul, ciaf), em
fr. merid. cap, em cat. cap e em réticochiauoucheu.

O espanhol e o português desde seus mais antigos textos só conhecem caput no


sentido de (cabo, fim, mango, amarra), embora cabeza e cabeça tenham ocupado seu
lugar para denominar a parte do corpo. A etimologia destas últimas formas é o latim
capitium 'abertura que as túnicas tinham para a cabeça', significação com a qual se
conhecia a palavra na França medieval, fr. ant. chavez, prov. cabetz. Outras
acepções, como por exemplo, o it. cavezza 'cabresto', prov. ant. cabessa 'dossier d'un
lit', gasc. cabessa 'parte do arado', prov. cabetz 'cabeceira o leito', permitem supor
que a denominação hispanorromânica da palavra se tenha formado, passando ao
homem a expressividade lingüística das designações animais ou do mundo
inanimado.

A cabeça, uma das partes do corpo humano, é composta de ―sete buracos‖, como diz

Caetano Veloso na canção ―A Tua Presença Morena‖: dois olhos, dois ouvidos, duas narinas

(nariz), uma boca.

A seguir, passamos à análise das respostas das questões relativas a cabeça,

reagrupadas em questões sobre: olhos, boca, nariz e pescoço.


62

5.1 Olhos

Dos olhos, Cascudo diz

Na cerâmica grega, desde o século VI a.C., em vasos da Ática, Corinto, Mileto,


Rodes, pela Ásia Menor, pela Etrúria, aparece comumente a cabeça da Medusa que,
petrificando quem a olhasse, tornou-se amuleto para deter a má sorte, as forças
malfazejas, tudo quanto um olhar pode irradiar no sentido da potência adversa. A
cabeça da Medusa que o herói Perseu decepara denominava-se ―gorgoneion‖, e é
encontrada nos vasos, na ombreira das portas, nos escudos, no punho dos gládios,
nas túnicas, na proa dos barcos, na louça de uso diário, especialmente no vasilhame
de beber, nas jóias, nos móveis, cadeiras, bisélios, leitos, nas colunas de mármore,
na roda dos carros sagrados, nas liteiras, nos anfiteatros, aquedutos, marcos
miliários. Nem sempre se depara o ―gorgoneion‖ mas simplesmente os dois olhos
ou em número bem maior. Há peças decoradas inteiramente pelos olhos.

A finalidade é a mesma: defender, afastar, evitar a influência maléfica do mau-


olhado, fascínio, olho-grande, olhão, mauvais oeil, malocchio, Evil eye, Böse blick,
Jettatura, mal de ojo, daño de aojamiento.

Por isso, gregos e romanos gravavam, pintavam, esculpiam olhos nos túmulos para
que os mortos repousassem em paz e livres do que o mau-olhar pode fazer. (...) Os
deuses precisavam defender-se do olho-mau, tão poderoso quanto eles (CASCUDO,
2004, p.249-250).

5.1.1 Pálpebras

QUESTÃO 89 -... esta parte que cobre o olho? Apontar.

Freqüência e distribuição

A tabela a seguir reúne as respostas referentes à questão sobre pálpebra, colhidas em

Iguape:

Tabela 1 - Freqüência geral da questão 89 - Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Pálpebra 4 33,33
Pipela 2 16,67
Pestana 1 8,33
Abstenções 5 41,67
Total 12 100,00
63

Um terço dos sujeitos ouvidos em Iguape emprega o termo técnico-científico pálpebra

para se referir a essa parte do corpo humano.

Pequena parcela emprega a lexia pipela, que nos parece ser o pólo contrário da

especialidade, próximo da banalização, segundo o sentido atribuído por Cabré (1993, p.136),

quando afirma ―(...) a menudo trasladamos los temas especializados, en el sentido más

ortodoxo del término, a la vida cotidiana. Este fenómeno ha sido denominado, por autores

como Galisson, banalización.‖

Não encontramos lexicalizada, em dicionários de língua geral ou de especialidade, a

variante registrada em Iguape. Mesmo em atlas regionais não se registra essa forma, apenas

em Diegues (2005, p. 210) encontramos pipela na acepção única ‗pálpebra‘.

Assim como nos dois atlas regionais pesquisados, o ALPR (1984) e o ALMS (2007), a

lexia pestana foi selecionada por um dos sujeitos como resposta à questão sobre pálpebra.

A maior parte dos sujeitos entrevistados, quase 50% dos falantes/ouvintes, não

conhece ou não conseguiu selecionar uma lexia que designasse o referente pálpebra.

Entre sujeitos do gênero feminino, é alta a freqüência, em valores absolutos e

relativos, de uso do termo pálpebra. Vejamos os números:

Tabela 2 - Freqüência da questão 89 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Pálpebra 1 16,67 3 50,00 4 33,33
Pipela 2 33,33 0 0,00 2 16,67
Pestana 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 3 50,00 2 33,33 5 41,67
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Os gênero masculino apresentou baixo percentual de atualização da lexia pálpebra, ao

passo que, no feminino, a lexia foi bem mais produtiva, atingindo 50% das respostas. O

contrário aconteceu com a lexia pipela: nenhuma ocorrência foi registrada entre os sujeitos do
64

gênero feminino, enquanto o índice percentual de uso entre os homens foi considerável:

33,3%. Os dados apontam uma primeira conclusão em relação à variável sexo/gênero: em

Iguape, os homens preferem os termos banalizados aos termos técnicos. As mulheres

empregam a linguagem de especialidade.

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.

Tabela 3 - Freqüência da questão 89 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Pálpebra 4 66,67 0 0,00 4 33,33
Pipela 0 0,00 2 33,33 2 16,67
Pestana 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 2 33,33 3 50,00 5 41,67
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

O termo pálpebra foi empregado como resposta a esta questão pela maioria dos

sujeitos da primeira faixa etária, revelando-se domínio de um repertório de maior grau de

especificidade no continuum banalização ↔ especialização. Os sujeitos da segunda faixa

etária não fizeram uso do termo pálpebra, mas foi nessa faixa etária que apareceram as duas

ocorrências da lexia pipela, sugerindo que a lexia só está memorizada pelos mais velhos e

vem sendo preterida pelos mais jovens. Verifica-se, portanto, que os sujeitos da primeira faixa

etária, em Iguape, têm maior domínio do vocabulário técnico-científico.

Vejamos agora como se distribui a lexia estudada nos pontos selecionados.

Tabela 4 - Distribuição das lexias da questão 89 pelos pontos


PONTO
LEXIA ICAPARA ROCIO JAIRÊ TOTAL
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Pálpebra 1 25,00 2 50,00 1 25,00 4 33,33
Pipela 0 0,00 1 25,00 1 25,00 2 16,67
Pestana 0 0,00 0 0,00 1 25,00 1 8,33
Abstenções 3 75,00 1 25,00 1 25,00 5 41,67
TOTAL 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00
65

O Rocio, o bairro mais próximo do centro de Iguape, mais populoso, mais

movimentado, foi o que apresentou a maior freqüência de uso do termo pálpebra. Nos outros

dois bairros, Icapara e Jairê, de arraigadas tradições caiçaras, bastante afastados do centro,

apenas um quarto dos falantes emprega o termo pálpebra. Não por acaso, os moradores

daquele bairro têm acesso ao Hospital Municipal de Iguape, enquanto os moradores destes

contam apenas com um Posto Médico. Desse modo, concluímos que a realidade

extralingüística influiu na vida dos moradores das áreas urbanas, que têm mais acesso a

médicos e à rede hospitalar, e, conseqüentemente, refletiu- se no falar concreto, sob a forma

de um maior domínio de termos da linguagem médica.

No quadro abaixo, comparamos a ocorrência das variantes em Iguape a outros dois

atlas regionais: o Atlas Lingüístico do Paraná – ALPR (1994) e o Atlas Lingüístico de Mato

Grosso do Sul – ALMS (2007), em que a questão aparece.

Tabela 5 - Comparação da variação lexical da questão 89: Iguape - Outros atlas


regionais
Atlas
Lexia Município de Iguape Total
ALPR ALMS
Pestana (dos olhos) X X X 3
Pálpebra X X 2
Pestana X X 2
Capela (do olho) X X 2
Capa (do olho) X X 2
Pele (do olho) X X 2
Couro (do olho) X X 2
Pipela X 1
Sobrancelha X 1
Total 3 6 6

Análise de traços semânticos

Iniciamos a análise de traços semânticos pela pesquisa sobre a linguagem de

especialidade, uma vez que pálpebra é um termo técnico-científico.

As características de uma linguagem de especialidade, resumidas por Cabré (1993,


p.135) são: i) constituem conjuntos ―especializados‖, seja pela temática, pela experiência,
66

pelo âmbito de uso ou por seus usuários; ii) apresentam-se como um conjunto com
características inter-relacionadas, não como fenômenos isolados; e iii) mantêm a função
comunicativa como predominante, acima de outras funções complementares.

Guilbert (apud DUBOIS,1978, p.187) salienta que a relação semântica no vocabulário

técnico é diferente da que está no vocabulário geral, pelo fato de muitas vezes nele ocorrer a

polissemia, enquanto aquele é geralmente monossêmico.

Consultamos o dicionário de medicina de Braier (1964), em espanhol, e dicionários

gerais de língua portuguesa, em que encontramos as seguintes acepções de pálpebra:

- párpado: m. Cada uno de los dos velos movibles, superior e inferior, formados de piel,

músculo y cartilago, los cuales al aproximarse entre si cubren completamente la parte

anterior del globo ocular (BRAIER, 1964, p. 973).

- pálpebra sf. (1670 cf AFLuz) ANAT véu musculomembranoso que recobre

parcialmente o olho na parte superior e na parte inferior, destinado a protegê-lo ©

ETIM lat. pálpebra,ae e palpebrae, arum, ‗id.‘, ver palp- NOÇÃO de ‗pálpebra‘, usar

antepos. blefar(o)- (HOUAISS, 2001, p. 2113).

- pálpebra [Do lat. pálpebra] sf. Anat. Cada uma das duas pregas móveis, uma superior e

outra inferior, dotada de cílios, e que protege a superfície anterior de cada globo

ocular. (FERREIRA, 2002, p. 1475).

- pálpebra sf. ‗membrana móvel que cobre o globo ocular‘ 1813. Do lat. pálpebra,-ae//

palpebr AL 1858. Do lat. tardio palpebralis. (CUNHA, 2000, p. 574).

Como termo técnico que é, ‗pálpebra‘ pertence ao léxico da linguagem de

especialidade médica. Segundo informa Cabré (1993, p.131), as linguagens de especialidade

não têm, em teoria, termos polissêmicos. Na verdade, diremos que pálpebra é

monossemêmico, ou seja, tem apenas uma acepção, um semema.

Do semema de pálpebra, definido de várias maneiras e por diversas combinações

sêmicas, recolhido nos vários dicionários, destacamos, na definição de Ferreira (2004), o


67

sema ‗dotada de cílios‘(S1). O sema inerente S1 é proveniente do sistema funcional da língua,

é denotativo, distintivo, definitório e universal, típico, portanto, de uma linguagem de

especialidade (RASTIER, 1987, p.44).

O sema S1 nos interessa porque vai ser alvo de uma atualização seletiva de traços que,

por muitas estratégias de inferências possíveis, vai produzir a variante pestana. Segundo

Houaiss (2003, p. 2201), pestana é o mesmo que cílio. De acordo com Rastier (1987, p.11),

diversos leitores chegam a resultados diferentes quanto à produção/interpretação devido à

disparidade de seus conhecimentos enciclopédicos. As inferências percorrem diferentes

caminhos, de acordo com a competência interpretativa do sujeito ou a história da comunidade.

Associando o referente (pestana) ao sema ‗dotada de cílios‘, o sujeito (e toda a comunidade)

realizou a variante pestana, neste caso, um item lexical de um socioleto.

As outras formas selecionadas pelos sujeitos são lexias geradas pelo próprio núcleo

sêmico de pálpebra: capa, capela, pele e couro do olho, que remetem a véu, membrana, prega do

olho, do globo ocular. Elas põem em relevo a função da pálpebra que é velar, cobrir o olho,

expressa pelos semas ‗que cobre o globo ocular‘, ‗que recobre parcialmente o olho‘, ‗cubren

completamente (...) globo ocular‘. Além disso, a pálpebra protege o olho, como indicam os traços

‗destinado a protegê-lo‘ e ‗que protege a superfície anterior de cada globo ocular‘.

A função que exerce a pálpebra ao velar, cobrir os olhos, identifica-se com o hábito de

cobrir o rosto, ou toda a cabeça com um véu. Leia-se este trecho da Bíblia, recolhido por

Cascudo (1979, p.241):

Fitar de frente os olhos tornou-se uso restrito na ambivalência amor e medo, amor
pela atração da obediência e medo à contaminação maléfica. Moisés cobriu o rosto
para não olhar Iavé (Êxodo, III, 6) e mesmo que Deus lhe falasse como amigo,
cara a cara, avisou-o de que nenhum homem poderia ver-lhe o rosto sem morrer
(Êxodo, XXXIII, 20) e Moisés, tendo visto a divina face, ficou com a sua
resplandecente e, para não atemorizar os hebreus, velou-se (Êxodo, XXXIV, 29-30,
33-35).

Recolhemos alguns comentários feitos pelos sujeitos entrevistados no Paraná,

constantes do ALPR, referentes a esta questão:


68

03 (inf. A): Hesitando, comentou: ―a mãe fala o ‗véu do olho‘, né‖.

26 (inf. A): ―é capela do zóio‖.

29 (inf. B): Na repergunta: ―capelinha do zóio‖.

30 (inf. A): ―isso tem que sê o coro do zóio‖.

31 (inf. B): Inicialmente: ―sombrancelha‖. No teste de identificação para capela

registrou: ―dizem capela mesmo, capela do olho mesmo‖.

65 (inf. A): A resposta completa foi: ―esse aqui é cilo. Esse aqui não sei, é uma pele

mas não sei o nome ... capela do zolho‖.

A lexia sobrancelha, tal como consta do ALPR, talvez tenha sido selecionada em

Iguape por extensão, proximidade. Já para a forma pipela, registrada apenas em Iguape, não

encontramos explicação. Será dissimilação de capela?

5.1.2 Cisco

QUESTÃO 90 - ... alguma coisinha que cai no olho e fica incomodando?

Freqüência e distribuição

A tabela a seguir reúne as respostas à questão nº 90:

Tabela 6 - Freqüência geral da questão 90 - Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Cisco 9 75,00
Poeira 1 8,33
Abstenções 2 16,67
Total 12 100,00

É quase geral o uso da lexia cisco em Iguape, para referir a partícula que cai no olho e

incomoda bastante.
69

Os sujeitos de ambos os gêneros usam indistintamente a lexia cisco. Vejamos os

números:

Tabela 7 - Freqüência da questão 90 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Cisco 5 83,33 4 66,67 9 75,00
Poeira 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 1 16,67 1 16,67 2 16,67
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.

Tabela 8 - Freqüência da questão 90 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Cisco 4 66,67 5 83,33 9 75,00
Poeira 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 2 33,33 0 0,00 2 16,67
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

A lexia cisco foi selecionada pela maioria dos sujeitos das duas faixas etárias,

revelando bastante vitalidade entre os mais idosos, mas também boa aceitação entre os mais

jovens. Ou seja, a lexia está memorizada por falantes/ouvintes de ambas as faixas etárias.

Vejamos agora como se distribui a lexia estudada nos pontos selecionados.

Tabela 9 - Distribuição das lexias da questão 90 pelos pontos


PONTO
LEXIA ICAPARA ROCIO JAIRÊ TOTAL
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Cisco 3 75,00 3 75,00 3 75,00 9 75,00
Poeira 1 25,00 0 0,00 0 0,00 1 8,33
Abstenções 0 0,00 1 25,00 1 25,00 2 16,67
TOTAL 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00
70

Nos três bairros, Icapara, Rocio e Jairê, emprega-se majoritária e igualmente a forma

cisco, constituindo-se em norma semântico-lexical da localidade.

No quadro abaixo, comparamos a ocorrência das variantes em Iguape com outro atlas

regional: o Atlas Lingüístico da Paraíba – ALPB (1984), o único dos atlas pesquisados em

que encontramos essa questão.

Tabela 10 - Comparação da variação lexical da questão 90: Iguape - Outros atlas


regionais
Lexia Município de Iguape Atlas ALPB Total
Cisco X X 2
Poeira X 1
Argueiro X 1
TOTAL 2 2

Como podemos observar, a lexia cisco ocorre em Iguape e na Paraíba. A forma

variante poeira ocorre somente em Iguape, e argueiro é variante lexical apenas na Paraíba.

Análise de traços semânticos

Partindo para a análise de traços semânticos relativos à lexia cisco, fomos procurar em

dicionários gerais de língua portuguesa suas acepções:

- cisco 1 pó ou miudezas de carvão 2 lixo 3 material sólido e heterogêneo (gravetos,

ramos, algas etc.) trazido pelas enxurradas 4 design. comum às aparas miúdas 5 B

partícula ou grânulo (de poeira etc.) que entra acidentalmente no olho, argueiro 6

MNH m.q. CARUMA (‗folha‘, ‗certa quantidade‘) 7 MÚS conjunto de instrumentistas

na folia de reis (HOUAISS, 2001, p. 730).

- cisco [De or. obscura] S.m. 1 pó ou miudezas de carvão 2 lixo, varredura 3 ramos,

gravetos, etc., arrastados pelas enxurradas 4 Bras. Leve partícula de qualquer corpo

caída especialmente no olho. [Sin.(No N e em Portugal): argueiro]*Como cisco.

Em grande quantidade: gente como cisco (FERREIRA, dic. eletr.).


71

- cisco ‗pó, lixo, varredura‘ XVI. De origem controvertida // ciscar R vb. ‗limpar,

revolver (o cisco)‘ 1844; ‗fugir, escapulir‘ XVI (CUNHA, 1986, p. 186).

Dentre os vários sememas de cisco, o uso que nos interessa está contemplado na

acepção 5, de Houaiss, e 4, de Ferreira. A começar pela própria pergunta, ―... alguma coisinha

que cai no olho e incomoda?‖, a rede semêmica de cisco apresenta uma série de semas

inerentes que estabelecem relações de identidade entre os sememas, denotando a idéia

recorrente do diminutivo, como ‗coisinhas‘, ‗miudezas‘, ‗gravetos‘, ‗aparas miúdas‘,

‗partícula‘ e ‗grânulo‘.

A lexia coisinhas, apesar de se apresentar sob a forma diminutiva, é arquilexema de

todas as outras formas citadas. Quer dizer, engloba todos os semas ou traços semânticos de

‗miudezas‘, ‗gravetos‘, ‗aparas miúdas‘, ‗partícula‘ e ‗grânulo‘.

As recorrências induzem a relações de equivalência entre os vários sememas de cisco,

instaurando-se a isotopia. A isotopia é uma forma de combinatória sêmica, um efeito da

combinação de semas, segundo Rastier (1987, p.11). Daí Houaiss registrar que ―Corominas

acha mais verossímil tratar-se de uma criação expressiva, lembrando comparações que se

fazem com o lat. ciccus,i ‗coisa insignificante‘, tb relacionado (só indiretamente) com o esp.

chico ‗de tamanho pequeno‘‖.

Uma minoria empregou a lexia poeira como resposta à questão. Como vemos na

definição dada por Houaiss (2001), poeira é um dos semas aferentes de cisco, pode ficar

latente e emergir a qualquer momento do processo da significação. Poeira emerge dentre os

demais semas por inferência, por uma associação bastante previsível, desvelada pelo filólogo:

‗partícula ou grânulo (de poeira etc)‘. A isotopia que a revela provém de normas socioletais,

isto é, traduz uma expectativa socializada.

Houaiss (p. 2245), quanto ao verbete poeira, dá a seguinte definição: ―qualquer

substância reduzida a pó muito fino‖.


72

Cunha (p. 616), analisando etimologicamente a lexia pó, anota: do lat. *pulus, de

*pulvus (cláss. pulvis,-veris) //poeira XVI//. Cisco é, na interpretação dos sujeitos que a

selecionaram, qualquer substância pulverizada, ou seja, reduzida a pó muito fino, que se

instala no olho (e causa grande incômodo).

Como pudemos constatar no ALPB, a forma argueiro é uma variante de cisco.

Ferreira (2004) registra a variante, mas apenas assinala que é sinônimo de cisco no norte do

Brasil (N), sem determinar a localidade, e em Portugal.

Cascudo (1979, p. 22) traz maiores informações sobre o argueiro, produto da história

ou do uso popular:

Argueiro. Os remédios populares para retirar o argueiro (cisco) do olho são: esfregar
a pálpebra, dizendo: ‖vai-te, argueiro, pro olho do companheiro!‖ (três vezes);
colocar uma semente de alfavaca (ocimum) na pálpebra e esfregá-la. A semente de
alfavaca vai buscar o argueiro e pega-se nele, facilitando sua extração. Diz-se,
esfregando a pálpebra:

Corre, corre, cavaleiro,


Vai na porta de São Pedro;
Vai dizer a Santa Luzia
Que mande uma pontinha de lenço
Pra tirar este argueiro ...

Corre, corre, cavaleiro,


Pela porta de São Pedro;
Vai dizer a Santa Luzia
Tire este argueiro do meu olho.
Luzia é protetora dos olhos. A segunda estrofe é de Daniel Gouveia, Folclore
Brasileiro, Rio de Janeiro, 1926.

Para as moléstias de olhos, ou o desconforto causado aos olhos por um cisco, pode-se

apelar para a proteção de um amuleto, como acrescenta Cascudo (1973, p.240): ―Por uma

convergência natural os olhos-de-santa-luzia, para as moléstias de olhos, representações dos

glóbulos oculares da santa, em ouro ou prata, trazidos ao pescoço, significam amuleto contra

o fascínio ou a má sorte.‖
73

5.1.3 Cego de um Olho

QUESTÃO 91 ... a pessoa que só enxerga com um olho?

Freqüência e distribuição

A tabela a seguir reúne as respostas à questão sobre cego de um olho, colhidas em

Iguape:

Tabela 11 - Freqüência geral da questão 91- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Caolho 6 50,00
Picego 3 25,00
Cego de um olho 2 16,67
Abstenções 1 8,33
TOTAL 12 100,00

É alta a freqüência de uso da lexia caolho, em Iguape, para designar ‗a pessoa que só

enxerga com um olho‘. Para metade dos iguapenses pesquisados, ela é de fácil decodificação,

faz parte do vocabulário ativo. A lexia picego tem freqüência relativamente alta em Iguape, se

considerarmos que ela não ocorre em nenhum outro atlas consultado.

Uma pequena parte empregou a lexia complexa cego de um olho para responder à

questão nº 91.

Em relação à variável sexo/gênero, há bastante equilíbrio entre homens e mulheres,

como vemos na tabela abaixo:


74

Tabela 12 - Freqüência da questão 91 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Caolho 3 50,00 3 50,00 6 50,00
Picego 2 33,33 1 16,67 3 25,00
Cego de um
olho 1 16,67 1 16,67 2 16,67
Abstenções 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.

Tabela 13 - Freqüência da questão 91 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Caolho 4 66,67 2 33,33 6 50,00
Picego 1 16,67 2 33,33 3 25,00
Cego de um
olho 0 0,00 2 33,33 2 16,67
Abstenções 1 16,67 0 0,00 1 8,33
TOTAL 6 100,00 6 100,00 12 100,00

A lexia caolho foi empregada preferencialmente pelos sujeitos da primeira faixa etária,

tendo a forma bastante vitalidade também entre os mais idosos. Ou seja, a lexia está

memorizada por sujeitos das duas faixas etárias.

Vejamos agora como se distribui a lexia estudada nos pontos selecionados.

Tabela 14 - Distribuição das lexias da questão 91 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Caolho 2 50,00 1 25,00 3 75,00 6 50,00
Picego 2 50,00 0 0,00 1 25,00 3 25,00
Cego de um
olho 0 0,00 2 50,00 0 0,00 2 16,67
Abstenções 0 0,00 1 25,00 0 0,00 1 8,33
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00
75

Nos bairros da zona rural, Icapara e Jairê, que, como já dissemos, são mais distantes

do centro de Iguape, e conservam arraigadas tradições caiçaras, emprega-se majoritariamente

a forma caolho. No Rocio, bairro da zona urbana, grande e populoso, na falta de uma forma

socializada que contemplasse o significado contido na pergunta, a maioria optou pela lexia

complexa transparente, ‗cego de um olho‘, que descreve o referente. A variante picego, que

foi atualizada nos dois bairros da zona rural, no Rocio não apresentou nenhuma ocorrência.

No quadro abaixo, comparamos a ocorrência das variantes em Iguape a outro atlas

regional: o Atlas Lingüístico do Mato Grosso do Sul – ALMS, único dos atlas regionais

pesquisados em que encontramos essa questão.

Tabela 15 - Comparação da variação lexical da questão 91: Iguape - Outros atlas


regionais
Lexia Município de Iguape Atlas ALMS Total
Caolho X X 2
Cego de um olho X X 2
Picego X 1
Zarolho X 1
Vesgo X 1
Total 3 4

Como podemos observar, as lexias caolho e cego de um olho ocorrem em Iguape e no

Mato Grosso do Sul. A forma variante picego ocorre somente em Iguape, e zarolho e vesgo

são variantes lexicais apenas no Mato Grosso do Sul.

Análise de traços semânticos

Buscando subsídios para a análise qualitativa nos dicionários gerais de língua

portuguesa, encontramos as seguintes acepções para caolho:

- caolho (1899 cf CF) 1 que ou quem não tem um dos olhos 2 m.q. estrábico © ETM

segundo Nascentes e AGC, prov. voc. híbrido, formado do quimb. ka ‗pequeno‘ e

do port. olho ¥ SIN/VAR ver sinonímia de estrábico (HOUAISS, 2001, p. 605).


76

- caolho 1 cego de um olho ou estrábico: Começou a namorar a irmã caolha de seu

amigo. S.m. 2 pessoa caolha ou estrábica: Como é que um caolho faz mira?

(BORBA, 2002, p. 233).

- caolho [Do quimb. Ka, ‗pequeno‘, + olho(ô) Adj. s.m. Bras. 1 v. estrábico (2 e 4) 2

v. zarolho[1 e 4] (FERREIRA, 2004, p. 605).

Neste caso, a pergunta foi muito bem formulada e contempla os semas do semema da

definição de Houaiss e os de Borba: a pessoa que só enxerga com um olho, ou é porque só

tem um olho, ou porque é cega de um dos olhos. O núcleo sêmico é exatamente esse: cego de

um olho. O verbete estrábico tem tratamento de parassinônimo de caolho nas definições

acima, mas não é assim interpretado pelo vulgo. Será motivo de estudo na questão sobre

vesgo.

A lexia picego, de origem obscura, foi atualizada por inferência a partir dos semas

inerentes de caolho: se só enxerga com um olho, infere-se que é uma ―pessoa que enxerga

mal, que é míope ou vesga‖, como se lê na definição dessa lexia em Houaiss (2001, p.2207).

Encontramos a variante picega lexicalizada em Ferreira (dic. eletr.) e em Diegues (2005, p.

209), na acepção ―pessoa que só enxerga com um olho‖.

A lexia complexa cego de um olho é o núcleo sêmico do semema de caolho, definido

acima em Borba. Para disjungir-se de caolho e daí alçar-se à condição de lexia, o traço sêmico

cego de um olho depende apenas da competência interpretativa do falante. Ela emerge do

conjunto de semas como o traço distintivo mais transparente e marcante, passando a nomear o

referente diretamente, e não mais como qualidade in re, inerente ao objeto.

A significação original da lexia caolho, segundo sua origem etimológica,

provavelmente hibridismo do quimbundo ka + o português olho , resultado ‗olho pequeno‘,

parece ter sofrido contaminação semântica de outras lexias referentes a anomalias ou

deficiência dos olhos.


77

A importância dada aos olhos desde a Antigüidade, é destacada por Cascudo (1979 , p.

281):

O mais atroz castigo e a maior tortura é o arrancamento dos olhos 2, tornando o


supliciado um infra-homem, dependente da vontade alheia.

As enfermidades e defeitos físicos não são bem-vindos pelos homens e, por isso, até

mesmo as designações para essas doenças e deficiências são evitadas. Acredita-se que são

estigmas lançados por Deus como castigo, provação.

Podem ser encontradas no Antigo Testamento, passagens que sustentam essa crença:

Deuteronômio, 5:9 - ‖Eu sou o Senhor teu Deus, Deus zeloso, que castigo a
iniqüidade dos pais sobre os filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me
aborrecem‖. E no Novo Testamento - ―E, passando Jesus, viu um homem cego de
nascença; e os seus discípulos perguntaram-lhe: Mestre, quem pecou, este ou seus
pais, para que nascesse cego?‖(Jo, 9:12) (apud GUÉRIOS, 1979, p. 138).

Guérios (1979, p.143) sustenta que o lat. orbus, primit. ―privado de‖ e ab oculis, ‗sem

olhos‖, são expressões eufemizantes que, em muitas regiões da România, vieram a substituir

caecus. Ele acredita, ainda, que o eufemismo aplicado a um defeito físico consiste em se

acrescentar um sufixo diminutivo ao nome da parte do corpo humano. E dá os seguintes

exemplos: maneta, perneta, orelhote, nariguete, cegueta, manquitola, coxelas, beiçola,

careca, cambeta ou cambotas, etc.

Em nenhuma das línguas românicas se sentiu a necessidade de substituir oculus por

outra voz, afirma Rohlfs (1979, p.227), e ela se conservou com vitalidade.

Dalm. vaclo Prov. olh


Sardo ogru (ogu) Cat. ull
It. occhio Fr. oeil
Rum. ochiu Esp. ojo
Rét. ögl Port. olho

2
Segundo o autor cegar era pena clássica aos sacrílegos e adúlteros (gregos), perjuros, traidores, moedeiros
falsos, entre os germânicos, ainda aplicada na Alemanha do século XV. Na Espanha o Fuero Juzgo
destinava-a aos rebeldes traidores mas as Partidas aboliram (ley 6, tit. 31, Partida 7): porque la cara del home
fizo Deus á su semejança. Completava a condenação, quando ligada aos crimes políticos e de traição ao rei, a
castração. Corrente na Rússia asiática nos finais do século XIX e primeira década do XX. Comuníssimo na
África no século XX, castigo de ambição política ou rebeldia. Faziam passar diante dos olhos uma lâmina
ardente ou arrancavam os glóbulos oculares. Oriente. África Setentrional.
78

5.1.4 Vesgo

QUESTÃO 92 - ... a pessoa que tem os olhos voltados para direções diferentes?
Completar com um gesto dos dedos.

Freqüência e distribuição

A tabela a seguir reúne as respostas à questão nº 92, registradas em Iguape:

Tabela 16 - Freqüência geral da questão 92- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Vesgo 10 83,33
Estrábico 1 8,33
Abstenções 1 8,33
Total 12 100,00

Quase todos os falantes/ouvintes usaram a lexia vesgo, em Iguape, para referir a

‗pessoa que tem os olhos voltados para direções diferentes‘.

Os sujeitos de ambos os gêneros usam indistintamente a lexia vesgo. Vejamos os

números:

Tabela 17 - Freqüência da questão 92 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Vesgo 5 83,33 5 83,33 10 83,33
Estrábico 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Abstenções 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.


79

Tabela 18 - Freqüência da questão 92 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Vesgo 4 66,67 6 100,00 10 83,33
Estrábico 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Abstenções 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

A lexia vesgo também foi atualizada pela maioria dos sujeitos das duas faixas etárias,

revelando bastante prestígio da forma entre os mais idosos, mas também boa aceitação entre

os mais jovens.

Vejamos agora como se distribui a lexia estudada nos pontos selecionados.

Tabela 19 - Distribuição das lexias da questão 92 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Vesgo 4 100,00 3 75,00 3 75,00 10 83,33
Estrábico 0 0,00 1 25,00 0 0,00 1 8,33
Abstenções 0 0,00 0 0,00 1 25,00 1 8,33
TOTAL 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

Nos três bairros, Icapara, Rocio e Jairê emprega-se majoritariamente a forma vesgo,

constituindo-se a lexia em norma semântico-lexical da localidade.


80

Tabela 20 - Comparação da variação lexical da questão 92: Iguape - Outros atlas


regionais
Atlas
Lexia Município de Iguape Total
ALPB ALMS
Vesgo X X 2
Estrábico X X 2
Zanolho X X 2
Zarolho X X 2
Instalação trocada X 1
Caraolho X 1
Atravessado X 1
Olhos trocados X 1
Trocado X 1
Instalação errada X 1
Olho de vira navio X 1
Total 2 9 4

Como podemos observar nesta tabela comparativa, a sugestão/orientação de resposta

da questão 92 para o pesquisador, vesgo, é uma das lexias de maior freqüência, ao lado de

estrábico, zanolho e zarolho, com ocorrência em Iguape e em dois dos três atlas regionais

consultados. Nota-se, também, uma grande variedade de formas, principalmente na Paraíba. O

quadro dos dados acima constitui um bom exemplo do caráter da multidialetação no Brasil.

Fica notório, também, pelo léxico relativo ao estrabismo, o preconceito em relação ao

portador dessa deficiência visual, e a criatividade das designações: ‗olho de vira navio‘,

‗instalação trocada‘, ‗atravessado‘, ‗olhos trocados‘, ‗trocado‘ e ‗instalação errada‘.

Análise de traços semânticos

Consultando a definição de vesgo nos dicionários gerais de língua portuguesa, e no de

medicina de Coutinho (1977), encontramos:

- vesgo/ê/adj. (sXIV cf Fichl VPM) 1 que sofre de desvio de um ou ambos os olhos;

que sofre de estrabismo; estrábico, vesgueiro (criança v.)sm. 4. indivíduo vesgo;


81

estrábico  ETIM voc. expressivo, cp. esp. bisgo/bizco ‗id‘; f.hist. s XIV uizcos, s

XV uesgo 1569 vesgo  SIN/VAR estrabão; ver tb sinonímia de estrábico

(HOUAISS, 2001, p. 2852).

- vesgo (or duv) Adj 1 estrábico. Sm 2 pessoa estrábica. (BORBA, 2004, p.1426)

- vesgo – Estrábico[ver estrabismo] (COUTINHO, p.2414).

- estrábico [de estrab(o)+-ico] Adj 1 Relativo ao, ou próprio do estrabismo. 2 Diz-se

de indivíduo atacado de estrabismo. [Sin.: caolho, caraolho, estrabão [este, desus.],

mirolho, olhizaino, peto, tortelos, torto, vasqueiro, vesgo, vesgueiro, zãibo ou

zãimbo, zambaio, zanaga, zanago, zanolho, zarolho, zerê] (FERREIRA, 2002,

p.833).

- estrábico Adj que tem estrabismo; vesgo: um rapaz estrábico, de óculos.

(estrabismo) Sm defeito de convergência dos eixos visuais, impossibilitando a

fixação de um ponto com os dois olhos (BORBA, p. 560).

- estrabismo [gr. strabismós acção de entortar os olhos] – Estado em que os dois

olhos não olham simultaneamente na mesma direcção. Os movimentos dos globos

oculares dependem da acção de seis músculos, sendo quatro rectos e dois oblíquos

[ver OLHO]. Destes músculos, os rectos externo e interno movem o globo ocular

horizontalmente de um lado para o outro e fazem que os dois olhos actuem em

conjunto. O músculo recto externo e o músculo recto interno são por isso os mais

importantes dos seis, e os defeitos com eles relacionados são o estrabismo para

dentro (convergente) ou para fora (divergente) (COUTINHO, p.892).

Vesgo e estrábico são parassinônimos. Como é um termo especializado, estrábico tem

traço semântico /+ específico/, enquanto a lexia vesgo apresenta traço /-específico/ ou

/+banal/. Portanto, a denominação vesgo é mais popular e seu uso, conseqüentemente, mais

freqüente. Não são comutáveis em todos os contextos.


82

O semema da lexia vesgo a insere no domínio dos males ou doenças que afetam o

olho. Ela se define pela soma de seus predicados, representados pelos semas ‗que sofre de

desvio‘, ‗que sofre de estrabismo‘, ‗indivíduo atacado de estrabismo‘, que deixam claro que

se trata de um problema de saúde.

O sema inerente ‗defeito de convergência‘ da lexia estrabismo, encontrado em Borba,

reporta-se ao indivíduo vesgo, neste caso adjetivo, como portador de uma deficiência. Apesar

de não constar dos dicionários, o adjetivo vesgo é hoje em dia evitado, quase interditado, por

não ser politicamente correto. A perspicácia do falante/ouvinte interpretou a anomalia e

produziu variantes criativas a partir dos semas ‗trocada(os)‘, ‗atravessado‘, ‗errada‘,

reportando-se à deficiência de uma forma sutil e brincalhona. São criações como ‗olho de vira

navio‘, ‗instalação trocada‘, ‗atravessado‘, ‗olhos trocados‘, ‗trocado‘ e ‗instalação errada‘.

Já no dicionário de medicina de Coutinho (1977), o termo especializado não apresenta

nenhuma conotação depreciativa. Ele é definido neutra e objetivamente por sua etimologia

grega ‗acção de entortar os olhos‘, como ―estado em que os dois olhos (...)‖.

Em Machado (1967, p. 968), a origem etimológica do termo estrábico faz referência a

Estrabão, que é o adjetivo e substantivo do grego strabós, pelo latim strobone-, ―estrábico;

fig., invejoso, ciumento‖. Esse semema contém um conjunto de virtualidades que, a qualquer

momento, frente ao menor obstáculo que se interponha no processo linear da significação,

estão prontas para se atualizar. ‗Invejoso‘, ‗ciumento‘ são semas aferentes de estrábico.

Em algum momento, os olhos foram relacionados à inveja, ao ciúme. Na citação que

fazemos a seguir, de Cascudo (1973, p. 240), percebemos por quê:

O pavor, o medo de Fobos _ que era um deus _ o receio de todos, é o olhar da deusa
Inveja, in-vidia. A que-olha-com-olhos-maus, olha contrariamente para nós,
invertendo a felicidade, fortuna, êxito, dissolvendo as alegrias alheias sob o ácido do
ciúme e do ódio.

E mais: ―A imagem da visão total induzia a uma quase onipotência. O sol é o olho do

dia. Olho do tempo, dizia Estrabão ser a História. É a vigilância.‖


83

Em Diegues (2005, p.247), encontramos a forma virolho, na acepção ‗pessoa vesga.

Pessoa que enxerga com um olho só. É o mesmo que picega‘.

Caolho, caraolho, zarolho, zanolho e bisolho, expressões populares para ―vesgo‖,

assentam-se visivelmente em olho, como aponta Guérios (1979, p.145).

Cumpre assinalar que o dicionário registra muitas das formas que aparecem nos atlas

lingüísticos pesquisados, e outras até que não aparecem na pesquisa, sem, no entanto, indicar

a localidade em que se usa tal variante, sua marca diatópica. Só indica a região.

5.1.5 Míope

QUESTÃO nº 93 ... a pessoa que não enxerga longe, e tem que usar óculos?

Freqüência e distribuição

A tabela a seguir reúne as respostas à questão nº 93, registradas em Iguape.

Tabela 21 - Freqüência geral da questão 93- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Míope 4 33,33
Vista curta 4 33,33
Problema de vista 1 8,33
Abstenções 3 25,00
TOTAL 12 100,00

Com relação à pergunta ―... a pessoa que não enxerga longe, e tem que usar óculos?‖,

a amostra do falar de Iguape revela uma freqüência dividida igualmente entre duas lexias,

míope e vista curta (ou curto da vista), seguida de muitas abstenções e, por último, da

realização problema de vista, com pouca incidência.


84

Tabela 22 - Freqüência da questão 93 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Míope 1 16,67 3 50,00 4 33,33
Vista curta 2 33,33 2 33,33 4 33,33
Problema de
vista 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Abstenções 2 33,33 1 16,67 3 25,00
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Quanto ao gênero, os números reiteram o que já verificamos anteriormente em Iguape:

com relação ao repertório técnico-científico, as mulheres têm maior domínio. Os homens

preferem fazer uso de uma variante a atualizar o termo especializado míope. Muitos deles

abstiveram-se de responder.

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.

Tabela 23 - Freqüência da questão 93 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Míope 4 66,67 0 0,00 4 33,33
Vista curta 0 0,00 4 66,67 4 33,33
Problema de
vista 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Abstenções 1 16,67 2 33,33 3 25,00
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

A preferência de uso do termo técnico-científico pelos sujeitos da primeira faixa etária

é patente, ao contrário do que ocorre com os sujeitos da segunda faixa etária. Essa geração,

provavelmente, teve mais acesso aos programas de saúde do governo, refletindo-se essa

situação no vocabulário, enriquecido desses termos. Também essa geração passou mais anos

na escola, o que deve ter ampliado seu vocabulário vernáculo.


85

Tabela 24 - Distribuição das lexias da questão 93 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Míope 1 25,00 2 50,00 1 25,00 4 33,33
Vista curta 0 0,00 2 50,00 2 50,00 4 33,33
Problema de vista 1 25,00 0 0,00 0 0,00 1 8,33
Abstenções 2 50,00 0 0,00 1 25,00 3 25,00
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

A distribuição do termo míope e da lexia complexa vista curta está mais concentrada

no Rocio.

Análise de traços semânticos

A pergunta do QSL está bem formulada, contemplando os semas que figuram nas

definições dos dicionários, e favorecendo a interpretação/produção da resposta do sujeito

pesquisado. Míope e miopia são termos da linguagem de especialidade médica e, por isso,

além dos dicionários gerais de língua portuguesa, consultamos o de medicina, de Coutinho

(1977), para analisarmos a combinação de seus semas:

- míope 1 afetado por miopia, 2 que ou aquele que sofre de miopia (indivíduo ou

pessoa m.) (o m. vê mal o que está longe) e a etimologia gr. myóps,opos ‗que pisca

os olhos para ver melhor‘, pelo lat. tar. myopis,opis ‗que tem a vista curta, que

pisca os olhos', com recuo da tônica; (...) (HOUAISS, 2001, p.1929).

- miopia [de míope+-ia] s.f. 1 Oftalm.Vício de refração em que os raios luminosos

que entram em cada olho, paralelamente ao eixo óptico, são levados a um foco

aquém da retina, dado o alongamento ântero-posterior que existe nesse olho. (Sin.,

pop.: vista curta, cf. hipermetropia) (FERREIRA, 2002, p.1336).

- miopia [gr. myopia vista curta] (Sin.: vista curta) – Anomalia da refracção que

consiste na convergência dos raios luminosos provenientes dos objetos colocados a

certa distância, num ponto situado à frente da retina. A sua correcção faz-se com

lentes divergentes (côncavas) (COUTINHO, p. 1504-1505).


86

A lexia complexa vista curta, registrada como resposta à questão 93, é bem mais

popular que míope e, no entanto, tem origem tão erudita quanto ela. Como vemos nos três

dicionários pesquisados, o núcleo sêmico da lexia míope, é o sema inerente ‗vista curta‘.

Ele sofre um processo de atualização seletiva e, de núcleo sêmico da lexia, passa a

explorar as possibilidades semântico-lexicais do sistema, e disjungindo da lexia-mãe,

torna-se um lexema autônomo para, em seguida, ser atualizado no discurso como a lexia

complexa vista curta. Trata-se de um processo por aferência que, segundo definição de

Borba (2004, p.30) para esse termo, quer dizer ―condução ou transporte de um ponto

qualquer para um centro‖.

A sabedoria popular, em mais este caso, optou pela designação do referente pela sua

descrição e encontrou a mesma fórmula da origem etimológica grega: vista curta/curto da

vista é a forma mais transparente e mais direta. Isso nos levou a pensar na possibilidade de

existirem, realmente, universais semânticos. Segundo Martin (apud RASTIER, 1987, p. 26):

―certos dados do mundo, físicos, fisiológicos, antropoculturais, exercem sobre a vida dos

homens uma tão forte influência que é impossível que eles não deixem alguma marca na

língua. E esses traços, de fato, têm toda chance de ser universais.‖ Completa Hagège (apud

RASTIER, 1987, p. 27) que todas as línguas podem, não sem dificuldade, se traduzir e que ―a

tradução é a única garantia que nós temos de uma substância semântica ao menos em parte

comum a todas as línguas.‖

A lexia estudada, míope, assim como as lexias cego de um olho (questão 91) e vesgo

(questão 92), designam deficiências ou anomalias, neste caso do domínio da oftalmologia,

passíveis, portanto, de tratamento e, por outro lado, de preconceito. Os semas ‗afetado por

miopia‘, ‗que ou aquele que sofre de miopia‘ e ‗anomalia da refracção‘ se reportam à

patologia da doença. Neste caso, o tratamento faz parte dos semas inerentes: ―sua correcção

faz-se com lentes divergentes (côncavas)‖.


87

Já o preconceito não tem cura. Apesar de não constar dos dicionários, existe um

preconceito velado com relação às pessoas que usam óculos, que desde crianças são chamadas

de ―quatro olhos‖. Guérios (1979, p. 146) acredita ser caso de tabuísmo o uso no diminutivo

de nomes de deficiências físicas como cegueta, para ―míope‘, ―pisca-pisca‖, que encontramos

no sema inerente ‗que pisca os olhos‘.

À parte a conotação disfórica dos olhos míopes, os olhos são tema de muita reverência

e curiosidade: Cascudo (1973), em dois momentos, destaca alguns desses aspectos:

―(...) Olho significa onde a vida principia, o começo, olho-da-planta, o rebento, o

botão, olho-d‘água, a nascente, a fonte.(...)‖ (p.240-241).

―Para que os olhos reunissem tanto crédito a explicação seria de que eles

impressionaram pelo brilho inusitado, pela fixidez enérgica, pelo poder magnético

inconsciente. O olhar de chefe, olhar de comando, deve ser tão antigo quanto a própria chefia.

De todos os órgãos é o único a agir sem contato imediato, determinando o estranho ambiente

sugestionante, espécie de halo ao perfil voluntarioso do dominador. Como outrora e hoje

ninguém sabe explicar o poder dos olhos pela simples mecânica muscular, e a ―eloqüência‖

ou intenção têm poderes reais que a física não compreende quando expressos num olhar

rápido, decisivo, fulminante, ao primitivo pareceria presença mágica a cintilância e

penetração de certos olhos privilegiados.‖ (id., ibidem)


88

5.1.6 Terçol

QUESTÃO 94 -. a bolinha que nasce na ................(cf. item 89), fica vermelha e incha?

Freqüência e distribuição

A tabela a seguir reúne as respostas à questão nº 94:

Tabela 25 - Freqüência geral da questão 94- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Viúva 10 83,33
Terçol 1 8,33
Abstenções 1 8,33
Total 12 100,00

Do total de sujeitos ouvidos em Iguape, a expressiva maioria emprega a lexia viúva

para se referir à ‗bolinha que nasce na pálpebra, fica vermelha e incha‘. Trata-se de uma

norma semântico-lexical da localidade. E uma minoria emprega a lexia terçol.

A resposta a essa pergunta foi quase categórica, revelando ser Também se observa alta

freqüência da lexia, tanto absoluta quanto relativa, para os sujeitos entrevistados de ambos os

sexos/gêneros. O uso da lexia viúva é norma entre os iguapenses, não se limitando a um dos

sexos/gêneros. Vejamos os números:

Tabela 26 - Freqüência da questão 94 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Viúva 5 83,33 5 83,33 10 83,33
Terçol 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Abstenções 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.


89

Tabela 27 - Freqüência da questão 94 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Viúva 6 100,00 4 66,67 10 83,33
Terçol 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Para nossa surpresa, a única ocorrência da lexia terçol aparece na segunda faixa etária:

foi empregada por um único sujeito de idade mais avançada, que supúnhamos desse

preferência a uma lexia normalizada na comunidade, como é o caso de viúva. Por outro lado,

a primeira faixa etária apresentou 100% de uso da lexia viúva, ignorando o termo da área

médica terçol.

Vejamos agora como se distribui a lexia estudada nos pontos selecionados.

Tabela 28 - Distribuição das lexias da questão 94 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Viúva 3 75,00 3 75,00 4 100,00 10 83,33
Terçol 0 0,00 1 25,00 0 0,00 1 8,33
Abstenções 1 25,00 0 0,00 0 0,00 1 8,33
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

Como era de se esperar, o bairro mais isolado, e por isso mesmo menos exposto a

influências resultantes do contato com o centro urbano de Iguape, o Jairê, apresenta 100% de

atualização da variante viúva, levando-nos a crer que o uso desta lexia seja mais antigo e que

ela seja mais motivada semanticamente para o falante local do que terçol. A lexia viúva

também é norma semântico-lexical de Iguape.


90

Tabela 29 - Comparação da variação lexical da questão 94: Iguape - Outros atlas


regionais
Lexia Município de Iguape Atlas ALPB Total
Terçol X X 2
Viúva X 1
TOTAL 2 1

Não registramos a ocorrência da variante viúva no atlas que consultamos.

Análise de traços semânticos

Vamos, então, aos dicionários para procurar a relação entre as duas formas, os semas

inerentes em comum e, se houver, o núcleo sêmico ou os semas aferentes que justifiquem o uso

lingüístico local viúva. Pesquisamos em dicionários gerais de língua portuguesa e nos dicionários

de medicina de Coutinho (1977) e Braier (1964), e no dicionário de Cascudo (1979).

Apesar de ser mais usual a forma lematizada da lexia no masculino, encontramos

primeiro a entrada viúva e, três entradas depois, viúvo. Seguem-se as definições:

- viúva. Do lat. vidua, com deslocamento do acento para o u e desdobramento do u

em hiato, dando uma forma *viduva (cf. caule-couve, loar-louvar, audire-ouvir).

Há duas plantas com esse nome: falta a relação. Há um pássaro africano de

plumagem escura (Fulica atra). Há pássaros da família Tyrannidae, como o

Copurus colonus, de cor preta com algum ornato branco bem destacado. O macho

da espécie Lichenops perspicillata, da mesma família, é inteiramente preto, com

espelho branco no meio das asas. Há um peixe dos Açores,; falta a relação

(NASCENTES, 1966, p. 779).

- viúva 1 mulher cujo marido morreu, e ainda não casou de novo, ‗que perdeu o

marido; separada do marido; solteira.‘ Em viúvo, o mesmo autor apresenta, na 2ª.

acepção, o sentido figurado ‗que está ou se sente em desamparo, desconsolo,

privação, solidão‘ (HOUAISS, 2001, p. 2874).


91

- viuvez 1. estado de quem é viúvo; e 2. Fig. Desconsolo por desamparo; solidão,

privação (FERREIRA, 2002, p. 2081).

Por fim, em Cascudo (1979), selecionamos as seguintes passagens da definição do

verbete viúva.

Era entidade de alto respeito, (...). Representava a idéia viva da morte e quase um
sobrevivente. A mulher viúva usava vestes pretas, o resto de sua existência. (...)
Liga-se à viúva a imagem da mulher desprotegida e fraca, à mercê de qualquer
violência e sem possibilidade de defesa. (...) O voto instintivo e popular é para a
viúva, e não o viúvo, conservar-se no seu estado de eterna esposa, como defendem
os positivistas‖ (p.794-795).

Vamos considerar a lexia viúva, na acepção ―mulher cujo marido morreu‖ como

viúva1. A forma homônima, registrada em Iguape como parassinônimo de terçol, será viúva2.

Somente a lexia viúva1 consta dos dicionários consultados. Vamos tentar, para justificar a

associação entre as duas lexias, estabelecer uma relação. Entre os semas de viúva1e de terçol,

deve ter se dado uma inferência, remetendo a normas socializadas na região, produzindo a

variante lexical viúva2.

Os semas inerentes de viúva1, recorrentes, relativos à solidão, ‗que perdeu o

marido‘, ‗solteira‘, ‗separada do marido‘, identificaram-se com o núcleo sêmico de terçol,

aproximadamente ‗uma bolinha solitária no olho‘ e tornaram-se produtivos a ponto de

criar a variante lexical em estudo viúva2, não lexicalizada nos dicionários, mas encontrada

em nossa pesquisa em Iguape. Os semas aferentes que subjazem ao processo da

significação podem ter sido evocados por inferência, ou por analogia, e ter sido

atualizados no discurso por meio dessa variante lexical. Parece ter sido esse o caso da

lexia viúva.

Encontramos apenas em Diegues (2005, p. 247) a lexia viúva registrada como ―o

mesmo que terçol. Inflamação dos olhos; conjuntivite.‖

A outra resposta registrada quanto à questão 94, terçol, é um termo da linguagem de

especialidade médica. Fomos pesquisar sua origem e rede semêmica:


92

- terçol, terçolho, treçolho ou terçogo [lat. triticeolus] (sin. hordéolo) inflamação das

glândulas sebáceas da pálpebra; espécie de furúnculo do olho (COUTINHO, p. 2199).

- terçol, sm. (1721cf.RB) OFT infrm m.q. hordéolo ۞ ETIM orig. contrv., e a

explicação etimológica: ―Corominas deriva do lat. hordeolus,i, diminutivo de

hordeum,i ‗cevada‘, através de um arcaísmo orçoo que uma etimologia popular

interpretara como ‗torce olho‘; explicar-se-iam por processo semelhante as formas

‗terçó, treçó, treçol ou terçogo, terçolho, torçol, torçolho‘. (...) Carolina de

Michaëlis aponta o lat. triticeolum,i , derivado de triticelus,a,um ‗relativo ao trigo‘,

este de triticum,i ‗trigo‘; essa hipótese explicaria o significado, dada a possibilidade

de comparação entre o terçol e um grãozinho de trigo, mas, quanto à forma, cai-se

no mesmo impasse já visto para *tertiolus (HOUAISS, 2001, p. 2700).

- terçol o lat. tinha hordeolu ―grãozinho de cevada‖, que é o étimo do esp. orzuelo,

do it. orzaiulo e do fr. orgelet. Mas, para hordeolu ser o étimo do port. há duas

dificuldades: o t inicial, e o final -olu não dando ó (NASCENTES, 1966, p.725).

Voltamos para um dicionário de Medicina, em espanhol, e encontramos na entrada

orzuelo:

- (del lat. ordeolus, pequeño grano de cebada) m. inflamación aguda purulenta

circunscrita del borde del párpado (...), especialmente en niños y adultos jóvenes.

Se caracteriza por tumefacción roja en el borde palpebral, edema considerable,

dolor y aparición de um punto amarillento em el sitio de la supuración. Presenta

notable tendencia a la recidiva y a la complicación com blefaritis‖ (BRAIER, 1964,

p. 943).

Nos dicionários de língua geral, consultando Aulete (1958, p. 4922), sob a rubrica

med., lemos: ―pequeno tumor inflamatório que nasce no bordo das pálpebras.‖ Em Ferreira

(2002, p.1947), rubrica oftalm.: ―pequeno abscesso na borda das pálpebras; hordéolo.‖
93

Ao examinar melhor os sememas de terçol, vemos que não há traços em comum

conjugando essa lexia e viúva1. Pelo menos em termos dos semas inerentes. Destaquemos

dentre os sememas de viúva1, o sema inerente ‗solteira‘; e dentre os semas de terçol, o traço

distintivo inerente ‗dolor‘. Ao que parece, operou-se uma atualização seletiva de traços,

potencializando o traço aferente da fragilidade do sexo feminino, inferido pela recorrência dos

adjetivos ‗desprotegida‘, ‗fraca‘, sobressaindo o sema aferente ‗solitária‘, conotado por

―solteira‖, subjacente à viuvez, e relacionando-o, em terçol, a um ‗pequeno grão de trigo ou

cevada‘, ‗uma bolinha solitária‘ na pálpebra.

Outros semas, virtuais, podem fazer outros percursos possíveis. Dentre vários

fatores que podem condicionar essa variação, está a cultura de um povo, suas crenças,

valores e visão de mundo, que a norma semântico-lexical compartilhada pela comunidade

reflete.

Além do sema aferente ‗solitária‘, que motiva sobremaneira a produção da variante

lexical viúva, um dos semas inerentes de terçol, ‗dolor‘, está presente implicitamente nos

semas da lexia viúva1, é sema aferente, conotando perda, privação. Acreditamos que assim se

justifique a associação entre as lexias viúva1 e terçol: elas têm em comum os semas aferentes

‗solitária‘ e ‗dolor‘.

Tanto é verdade que o traço mais marcante de viúva é a solidão, que o vulgo

instintivamente deseja que a viúva mantenha seu estado de solidão e de dor, e reprova u m

novo casamento, ficando-lhe o papel de eterna esposa, como anotou Cascudo em sua

última citação. No entanto, a ‗mulher cujo marido morreu, e ainda não casou de novo‘ faz

crer que não ficará por muito tempo solitária, casando com outro homem. E com outro, se

tornar a enviuvar. O que lembra o sema inerente da lexia terçol ‘presenta notable

tendência a la recidiva‘. E também a estória típica que corre no Brasil, recolhida por

Cascudo (1979):
94

Um amigo de Jesus Cristo convidou-o para suas bodas. Nosso Senhor compareceu e
abençoou o casal. Tempos depois, o homem enviuvou e deliberou casar-se
novamente. Foi convidar Nosso Senhor, que lhe disse: ―Não vou, mas mando‖ (um
representante). E mandou. O homem enviuvou pela segunda vez, contratou núpcias
e voltou à presença de Jesus Cristo para o convite. Nosso Senhor declarou: ―Nem
vou, nem mando‖. Era a reprovação total (p. 794).

Às doenças também se dão nomes de parentela, com o que se evitam os verdadeiros

nomes. Trata-se, segundo Guérios (1979, p.14), de um tipo de tabu lingüístico substituído por

uma expressão de carinho ou louvor, um hipocorístico. Com isto, pretende-se transformar o

inimigo em amigo, ou neutralizar-lhe as forças malignas. Guérios (1979, p.140) comenta que,

no francês, o terçol é denominado compère-loriot, isto é, ―compadre terçol”.

5.1.7 Conjuntivite

Questão 95 - ... a inflamação no olho que faz com que o olho fique vermelho e
amanheça grudado?

A tabela a seguir reúne as respostas à questão nº 95:

Tabela 30 - Freqüência geral da questão 95- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Conjuntivite 5 41,67
Dordolhos 3 25,00
Abstenções 4 33,33
Total 12 100,00

O uso da lexia conjuntivite, em Iguape, para referir a inflamação que dá no olho e

incomoda bastante, representa quase 50% das respostas colhidas. Dordolhos ainda é

empregada, mas até mesmo em comparação às abstenções, tem menor freqüência.

Os sujeitos de ambos os gêneros usam indistintamente a lexia conjuntivite, como

podemos observar na tabela abaixo:


95

Tabela 31 - Freqüência da questão 95 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Conjuntivite 2 33,33 3 50,00 5 41,67
Dordolhos 3 50,00 0 0,00 3 25,00
Abstenções 1 16,67 3 50,00 4 33,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

É interessante notar que são os homens que conservam mais a lexia dordolhos, usadas

em situações ‗não-marcadas‘. As mulheres, reiteradamente, dominam melhor o léxico de

termos especializados, preferindo abster-se a atualizar a variante dordolhos.

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.

Tabela 32 - Freqüência da questão 95 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Conjuntivite 5 83,33 0 0,00 5 41,67
Dordolhos 0 0,00 3 50,00 3 25,00
Abstenções 1 16,67 3 50,00 4 33,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

A lexia conjuntivite foi selecionada pela maioria dos sujeitos da primeira faixa etária,

revelando-se bastante produtiva entre os mais jovens, e pelo contrário, de realização nula

entre os mais velhos. Provavelmente o uso dessa lexia é novo na comunidade, daí conviver

em paralelo com a variante mais antiga, usada pelos mais velhos, dordolhos, sem ocorrer

comutação das formas entre as gerações. Observe-se que nenhum dos sujeitos da primeira

faixa etária atualizou a forma dordolhos, enquanto, na segunda faixa, nenhum sujeito

empregou conjuntivite.

Vejamos agora como se distribui a lexia estudada nos pontos selecionados.


96

Tabela 33 - Distribuição das lexias da questão 95 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Conjuntivite 2 50,00 2 50,00 1 25,00 5 41,67
Dordolhos 1 25,00 1 25,00 1 25,00 3 25,00
Abstenções 1 25,00 1 25,00 2 50,00 4 33,33
TOTAL 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

Em dois bairros, Icapara e Rocio, emprega-se majoritariamente a forma conjuntivite,

enquanto no Jairê a relação se inverte: metade dos sujeitos não sabe como se designa essa

doença dos olhos, e a outra metade está dividida entre as denominações conjuntivite e

dordolhos.

Tabela 34 - Comparação da variação lexical da questão 95: Iguape - Outros atlas


regionais
Atlas
Lexia Município de Iguape APFB ALPB Total
Dordolhos X X X 3
Sapiranga X X 2
Conjuntivite X 1
Doença de olhos X 1
Constipação X 1
Carregação nos
X 1
olhos
Remelência X 1
Total 2 2 6

Como podemos notar, a sugestão/orientação de provável resposta para o pesquisador,

conjuntivite, não está presente no APFB nem no ALPB. A única lexia que aparece nos três

atlas é dordolhos. Segue-se outra variante com ocorrência em dois dos atlas, sapiranga e, com

apenas uma ocorrência, temos conjuntivite, em Iguape. Estes e outros dados quantitativos que

seguem subsidiarão a análise de traços semânticos da lexia conjuntivite e suas variantes em

Iguape.
97

Análise de traços semânticos

De novo temos um termo da área médica, referente ainda à região dos olhos. Vamos

apresentar a seguir as definições de conjuntivite que encontramos nos dicionários gerais de

língua portuguesa e de medicina de Coutinho (1977):

- conjuntivite [conjuntiva+-ite] Processo inflamatório da conjuntiva. Ver OLHO

(DOENÇAS DO) (COUTINHO, p. 562).

- OLHO (DOENÇAS DO) Nas inflamações da conjuntiva, e, especialmente na

conjuntivite aguda, há uma supuração abundante, e por isso deve evitar-se a oclusão

do olho, que reteria o pus. Aplicar um antibiótico em pomada ou colírio. Evitar a

cortisona (...) (COUTINHO, p. 1636).

- conjuntivite [De conjuntiva+-ite1] Substantivo feminino. 1. Patol. Inflamação da

conjuntiva. [Sin. bras., pop.: carregação dos olhos.] (FERREIRA, dic. eletr.).

- conjuntiva [Do lat. cient. conjunctiva]. Substantivo feminino. 01. Anat.

Membrana que reveste internamente as pálpebras (conjuntiva palpebral), e a

porção exposta da esclerótica (conjuntiva ocular); adnata. 2.Lóg. Cada uma das

proposições [v. proposição (6)] numa relação de conjunção (7) (FERREIRA,

dic. eletr.).

- conjuntivite OFT inflamação da conjuntiva, ger. com hiperemia nessa mucosa e a

produção de secreções. ETIM conjuntiva+ite, prov. sob infl. do fr. conjonctivite

(1832) ‗id‘; ver jug-; f.hist. 1873 conjunctivite (HOUAISS, 2001, p.804).

- (conjuntiva) sf membrana transparente que cobre a parte branca dos olhos e a parte

interna das pálpebras (BORBA, 2004, p. 326).

Temos praticamente um único semema do verbete conjuntivite. Exceto pela inclusão que

Ferreira (dic. eletr.) faz de uma acepção da Lógica, ele se inclui no domínio da ―oftalmologia‖ ou

―doenças do olho‖.
98

Os semas inerentes ‗inflamação‘, ‗processo inflamatório‘, ‗supuração‘, ‗pus‘,

‗secreções‘ justificam e motivam semanticamente a produção das variantes constipação e

remelência, que são registradas pelo ALPB, assim como, também, doença de olhos e

carregação nos olhos, que aparece em Ferreira (dic. eletr.) com a marca [Sin. bras.,

pop.:].

Encontramos muitas variantes relativas à anatomia do olho, como vimos em pálpebra,

assim como para as doenças dos olhos, como em vesgo, caolho, míope, terçol e conjuntivite, e

vamos ver em catarata; ou simplesmente relacionadas ao olho, como cisco.

Essas questões do QSL, oito no total, pertencem à classe semântica olho. Sobre os

olhos, encontramos em Cascudo (1973):

Há peças decoradas inteiramente pelos olhos. Outras em que o friso é constituído


por uma fieira simples ou dupla de olhos. São os vasos chamados Occhiale. Há
ornamentação de olhos na cerâmica dos maias na América Central. Vem de Tróia à
Escandinávia, pelo Mediterrâneo, Atlântico, Mar do Norte, Báltico. É presente pela
África, Oceania, nas ilhas distantes do sul, entre indígenas sul-americanos, numa
espantosa difusão apotropaica (p.240).

Voltando a pesquisar sobre a importância dos olhos, constatamos que desde há muito

que a humanidade reconhece seu poder e fascínio:

Na cerâmica grega, desde o século VI a.C., em vasos da Ática, Corinto, Mileto,


Rodes, pela Ásia Menor, pela Etrúria, aparece comumente a cabeça da Medusa que,
petrificando quem a olhasse, tornou-se amuleto para deter a má sorte, as forças
malfazejas, tudo quanto um olhar pode irradiar no sentido da potência adversa. A
cabeça da Medusa que o herói Perseu decepara denominava-se ―gorgoneion‖, e é
encontrada nos vasos, na ombreira das portas, nos escudos, no punho dos gládios,
nas túnicas, na proa dos barcos, na louça de uso diário, especialmente no vasilhame
de beber, nas jóias, nos móveis, cadeiras, bisélios, leitos, nas colunas de mármore,
na roda dos carros sagrados, nas liteiras, nos anfiteatros, aquedutos, marcos
miliários. Nem sempre se depara o ―gorgoneion‖ mas simplesmente os dois olhos
ou em número bem maior (CASCUDO, 1973, p.239).

Como vimos, a simples inscrição de um desenho da cabeça da Medusa ou de seus

olhos bastava para afastar as forças do mal. E mais:

A finalidade é a mesma: defender, afastar, evitar a influência maléfica do mau-


olhado, fascínio, olho-grande, olhão, mauvais oeil, malocchio, Evil eye, Böse blick,
Jettatura, mal de ojo, daño de aojamiento.

Por isso, gregos e romanos gravavam, pintavam, esculpiam olhos nos túmulos para
que os mortos repousassem em paz e livres do que o mau-olhar pode fazer. (...) Os
deuses precisavam defender-se do olho-mau, tão poderoso quanto eles (CASCUDO,
1973, p.239-240).
99

A presença de tantas variantes relacionadas a olhos e doenças dos olhos só pode

refletir a importância que se dava/dá em todas as civilizações e culturas a essa parte do corpo

humano, associado sempre a poder:

Para que os olhos reunissem tanto crédito a explicação seria de que eles
impressionaram pelo brilho inusitado, pela fixidez enérgica, pelo poder magnético
inconsciente. (...) De todos os órgãos é o único a agir sem contato imediato,
determinando o estranho ambiente sugestionante, espécie de halo ao perfil
voluntarioso do dominador. (...) Fitar de frente os olhos tornou-se uso restrito na
ambivalência amor e medo, amor pela atração da obediência e medo à contaminação
maléfica (CASCUDO, 1973, p. 240).

5.1.8 Catarata

QUESTÃO 96 -... aquela pele branca no olho que dá em pessoas mais idosas?

Freqüência e distribuição

A tabela a seguir reúne as respostas à questão nº 96:

Tabela 35 - Freqüência geral da questão 96- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Catarata 5 41,67
Abstenções 7 58,33
Total 12 100,00

A lexia catarata é pouco utilizada, em Iguape. Menos da metade dos sujeitos ouvidos

conhece a denominação dessa doença do olho.

Vejamos se há observações dignas de nota no emprego da lexia para cada um dos dois

gêneros:
100

Tabela 36 - Freqüência da questão 96 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Catarata 2 33,33 3 50,00 5 41,67
Abstenções 4 66,67 3 50,00 7 58,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

As mulheres apresentaram um índice maior de atualização do termo especializado

catarata em relação aos homens. Como o uso desta comunidade não contempla uma variante

‗não-marcada‘, alternativa para o termo especializado, foi muito grande o número de

abstenções.

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.

Tabela 37 - Freqüência da questão 96 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais TOTAL
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Catarata 2 33,33 3 50,00 5 41,67
Abstenções 4 66,67 3 50,00 7 58,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Com relação à variável faixa etária, contrariamente à tendência que vimos observando,

os sujeitos da segunda faixa etária, de idade mais avançada, que estão passando ou que já

passaram por este problema, conhecem a forma estudada. Portanto, a maior incidência do

termo especializado catarata foi nessa faixa etária. Os sujeitos da primeira faixa não

souberam identificar o referente, ou não souberam atualizar sua designação. Apresentaram um

índice maior de abstenção.

Vejamos agora como se distribui a lexia estudada nos pontos selecionados.


101

Tabela 38 - Distribuição das lexias da questão 96 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Catarata 2 50,00 1 25,00 2 50,00 5 41,67
Abstenções 2 50,00 3 75,00 2 50,00 7 58,33
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

Os bairros Icapara e Jairê encontram-se igualmente divididos entre o emprego do

termo especializado catarata e o desconhecimento do termo ou de uma variante para nomear

a doença. No Rocio, a grande maioria - ¾ dos entrevistados -, não conhece o termo que

designa essa doença do olho.

Não encontramos esta questão tratada nos atlas regionais que consultamos.

Análise de traços semânticos

Para a análise da rede semêmica de catarata, recorremos aos dicionários gerais de

língua portuguesa e, também aos dicionários de medicina de Coutinho (1977) e Braier

(1964):

- catarata 1 queda d‘água, cachoeira 2 (1670) OFT opacidade parcial ou total do

cristalino ou de sua cápsula ETM lat. cataracta,ae ou cataractes,ae ‗grande volume

de água que se precipita do alto; catadupa‘, do gr. katarrhãktes,ou ‗que se precipita

que se atira para baixo‘; f. hist. S XIV cataracta SIN/VAR ver sinonímia de queda

d‘água (HOUAISS, 2001, p. 650).

- catarata [Do gr. kataraktes, ‗que se lança para baixo‘; ‗queda d‘água‘, pelo lat.

cataracta] sf. 1. queda-d‘água 2. Oftalm. Perda da transparência do cristalino ou da

sua cápsula (FERREIRA, 2002, p. 424).

- catarata 1 grande massa de um rio ou de um lago que se precipita de grande altura;

cachoeira 2 doença ocular que torna o cristalino opaco, impedindo a chegada dos

raios luminosos à retina (BORBA, 2004, p.253).


102

- catarata [lat. cataracta, do gr. kata (r)áktes que cai, queda de água, taipal, dique] –

Opacidade parcial ou total do cristalino, estructura ocular normalmente transparente

(COUTINHO, p. 423).

Em Braier (1964, p. 216), além dos semas encontrados nas definições acima, lemos:

- catarata. La forma más común es la senil, que aparece generalmente después de los

cincuenta años, con mayor frecuencia en individuos alcohólicos, diabéticos,

renales, etc. Kulezyka (1954) atribuye la catarata senil a una disminución del ácido

ascórbico en el cristalino. La catarata diabética suele ser blanca, voluminosa y

bilateral. Se ha observado la aparición de catarata en pacientes con insuficiencia

paratiroidea, en caso de intoxicación por dinitrofenol y en ciertas profesiones

(fogoneros, obreros de altos hornos) por la acción del calor o de la luz viva.

Catarata é mais um termo da linguagem de especialidade médica para designar uma

doença do olho. De sua origem grega, herdada pelo latim, traz a noção ‗que se precipita, que

se atira para baixo‘, relativo ao referente ‗queda d‘água‘. Portanto, trata-se de dois signos,

com dois sememas: catarata1 queda d‘água, e catarata2 doença do olho.

Aqui, num primeiro momento, enfocaremos catarata2, cujos semas inerentes referem-

se recorrentemente ao cristalino, definido pelo sema ―estructura ocular normalmente

transparente‖, que é seu núcleo sêmico. O cristalino é diretamente afetado pela doença:

―doença ocular que torna o cristalino opaco‖. O semas que se referem a perda, diminuição

indicam o caráter de patologia, de doença, que se observa: ―Perda da transparência do

cristalino‖, ―disminución del ácido ascórbico en el cristalino‖ e, como resultado, ―impedindo

a chegada dos raios luminosos à retina‖.

Um dos semas inerentes de catarata1 se refere à cor branca: ―la catarata diabética suele ser

b1anca, voluminosa y bilateral‖. Outro sema inerente contextualiza a faixa etária em que mais

comumente se manifesta a doença: ―que aparece generalmente después de los cincuenta años‖.
103

O semema de catarata1 reúne os semas ‗grande volume de água que se precipita do

alto; catadupa‘; ‗grande massa de um rio ou de um lago que se precipita de grande altura;

cachoeira‘. Podemos perceber que alguns semas inerentes de catarata2, muito se aproximam

dos de catarata1: o cristalino (das águas e dos olhos), o volume (referência às águas da

cachoeira e à catarata2, volumosa) e branca (referência à espuma que embaça o cristalino das

águas da catarata1 e à pele branca que cobre o cristalino do olho).

Essas relações de equivalência fazem aflorar, no processo interpretativo do

falante/ouvinte, semas aferentes que até então permaneciam ocultos, subjacentes. De acordo

com Pottier (apud SANTOS, 2005, p.2), os semas podem sofrer profundas alterações em seu

estatuto, na dinâmica do discurso. Enquanto uns podem ser realizados, outros podem

permanecer ocultos, devido a processos metafóricos; outros, ainda, podem ter seu espectro

ampliado. Dessa forma o semema, como fato de língua que é, pode ser ampliado ou reduzido,

em termos de seu espectro, ao ser atualizado no discurso.

É o que parece ter acontecido neste caso: vemos que o sema ‗branca‘, que aparece na

pergunta do QSL (―aquela pele branca no olho‖), permanece oculto nas definições dos

dicionários e só vai se materializar na definição de Braier: ―la catarata diabética suele ser

b1anca, voluminosa y bilateral". O sema ‗branca‘, que permanece subjacente ao processo de

significação, e se reporta à espuma branca que se forma nas cachoeiras, é a intersecção que

permite conjugar os dois sememas e gerar a metáfora, criando por neologismo semântico o

termo catarata - ‗doença do olho‘. Pelo que se pode perceber, esse neologismo semântico

ocorre quando a lexia catarata1 migra para o universo do discurso médico, disjungindo-se e

gerando o termo técnico catarata2.

Cada realização pontual deixa em aberto um conjunto de virtualidades semêmicas

inexploradas, prontas para se atualizarem ao menor obstáculo que o processo linear da

significação possa encontrar (GREIMAS e COURTÉS,1979, p. 253).


104

5.2 Boca

Analisaremos a seguir as questões de nº 97 a 100, referentes a boca, parte integrante

da cabeça. Na verdade, essas questões dizem respeito apenas aos dentes.

Essa classe semântica, como Rastier (1987) denomina uma esfera semântica, relativa

aos dentes reflete, como não poderia deixar de ser, a cultura e os costumes de vários povos e

civilizações.

De acordo com pesquisa de Cascudo (1973, p. 248), os dentes eram limados,

arrancados:

Os dentes começaram a sofrer mutilações (ornamento, luto, iniciação) desde o


neolítico; Argélia, Egito, Lancashire e País de Gales, constatadas nos crânios
fósseis. Para a África Central e Austral, golfo da Guiné, arquipélago malaio,
Filipinas, México, Equador, Peru, Argentina, Brasil, Chaco boliviano e paraguaio
aparecem aguçados, arrancados (tipicamente africanos), limados lateral ou
triangularmente, com blocos de ouro ou prata em forma de placas ou bastões. (...)
Foi costume de alto gosto, europeu e americano, o dente de ouro, incisivos, caninos,
molares, cobertos de folhas de ouro. (...)

Os dentes também sempre foram usados para proteger e dar sorte:

Os dentes são amuleto e os do tubarão fóssil serviam na Idade Média de pierre


d’épreuve, denunciando a existência do veneno nas iguarias aristocráticas. São ainda
utilizados na Península Ibérica e América Latina como protetores da dentição
infantil, encastoados em ouro, pendentes do pescoço. O primeiro dente-de-leite
arrancado deve ser atirado para trás, por cima do ombro, para o alto do telhado,
propiciando dente novo e são. É assunto estudado pelos folcloristas .

Como ornamento, até hoje os dentes são usados em pingentes:

O colar de dentes de felídeos, ursídeos e mesmo humanos foi desde o


aurinhacense um ornamento preferido e encontrado nos depósitos arqueológicos
mais distantes. Continua popular na Polinésia, Melanésia, Américas Central e do
Sul e as velhas famílias indígenas dos Estados Unidos e Canadá têm a mesma
predileção por eles.

Para punir um infrator ou ficar com um símbolo do inimigo abatido, uma tradição

Já velhíssima no século X pela Europa (e anterior no Oriente) era arrancar os dentes


a quem prestava depoimento falso. Faziam ablação de 1/5, 1/4, 1/3 dos dentes
segundo a gravidade da culpa. ―Mentir por todos os dentes‖ é uma alusão. Santa Rita
Durão informa que os grandes guerreiros faziam colares dos dentes dos inimigos
devorados (Caramuru, IV, 15):

Devora vivos na batalha ardente;


À roda do pescoço um fio enlaça,
Onde, de quantos come, enfia um dente.
105

Na pena de talião mosaica (Êxodo, XXI, 24), continua Cascudo (1973, p.248), alude-

se ao ―olho por olho, dente por dente‖. Por outro lado, entre os ainos do norte do Japão, a

dentada é a mais expressiva demonstração amorosa.

Era tabu ver o outro comendo:


A mastigação caracteriza o ato de comer e era nesse momento que o tabu incidia,
proibindo-se olhar quem se alimentava, especialmente os soberanos africanos,
asiáticos, ameríndios.

Uma aura de magia envolve os dentes e a mordida. Há magias terapêuticas:

Morder é também um processo da magia terapêutica. Os feiticeiros africanos, Guiné,


Congo, Nigéria, do Senegal ao Cabo da Boa Esperança, entre os remédios para
reduzir inchações, incluem a dentada. Em Portugal os lobinhos (quistos
subcutâneos) são curados quando mordidos por uma donzela de nome Maria. Os
mestres, pais de terreiro, babalorixás dos candomblés, macumbas, xangôs, catimbós
do Brasil preparam certos amuletos mordendo-os ao final.

5.2.1 Dentes Caninos

QUESTÃO 97 - ... esses dois dentes pontudos? Apontar.

Freqüência e distribuição

A tabela a seguir reúne as respostas à questão nº 97:

Tabela 39 - Freqüência geral da questão 97- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Presas 6 50,00
Caninos 3 25,00
Abstenções 3 25,00
Total 12 100,00

A lexia presas foi selecionada por metade dos entrevistados em Iguape. A outra

metade dos sujeitos ficou dividida entre a forma caninos e a abstenção.


106

Tabela 40 - Freqüência da questão 97 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Presas 2 33,33 4 66,67 6 50,00
Caninos 1 16,67 2 33,33 3 25,00
Abstenções 3 50,00 0 0,00 3 25,00
TOTAL 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Contrariamente à tendência assinalada em outras questões, quanto ao emprego de

termo da linguagem de especialidade ou da língua comum, as mulheres não deram preferência

ao termo especializado dente canino para designar essa parte do corpo. Dessa vez, elas

fizeram uso da variante não-marcada, mais popular, presas. Quanto aos sujeitos do gênero

masculino, o maior percentual foi de abstenções, depois vem a variante não-marcada, e, por

último o termo especializado.

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.

Tabela 41 - Freqüência da questão 97 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Presas 1 16,67 5 83,33 6 50,00
Caninos 3 50,00 0 0,00 3 25,00
Abstenções 2 33,33 1 16,67 3 25,00
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Pelos dados da tabela, podemos ver que os responsáveis pelo uso e conservação da

lexia presas, em Iguape, são os sujeitos de mais de 66 anos. A metade dos jovens da 1ª faixa

etária emprega o termo da linguagem de especialidade da anatomia odontológica.

Tabela 42 - Distribuição das lexias da questão 97 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Presas 2 50,00 2 50,00 2 50,00 6 50,00
Caninos 1 25,00 1 25,00 1 25,00 3 25,00
Abstenções 1 25,00 1 25,00 1 25,00 3 25,00
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00
107

A distribuição das lexias se dá exatamente da mesma maneira nos três pontos

selecionados para a pesquisa, em Iguape. Dos quatro sujeitos de cada um dos bairros, Icapara,

Rocio e Jairê, metade usou a lexia presas, um quarto usou caninos e outro tanto absteve-se.

Não encontramos esta questão tratada nos atlas regionais que consultamos.

Análise de traços semânticos

Selecionamos abaixo os sememas da lexia presas, pesquisadas em dicionários gerais

de língua portuguesa e o de medicina, de Coutinho (1977):

- canino ANAT ODONT dente pontudo e perfurante, situado entre o incisivo lateral

e o pré-molar, em número de dois em cada maxilar, que permite rasgar os alimentos

↔ tb se diz apenas canino (HOUAISS, 2001, p. 939).

- canino [Do lat. caninu] Adjetivo.1. Referente a, ou próprio de cão1 (1). ~ V. dente

— e fome —a.Substantivo masculino. 2.V. dente(1):―— Como é, doutor, não

reconhece? — perguntou o José da Estação com dois caninos risonhos na gengiva

vermelha.‖ (Ribeiro Couto, Cabocla, p. 16.) (FERREIRA, dic. eletr.).

- canino (DENTE) [lat. caninus de cão] – cada um dos quatro dentes situados entre os

incisivos laterais e os quatro primeiros pré-molares (COUTINHO, p. 400)

- canino 1 relativo a cão 2 próprio, típico de cão 3 voraz Sm. 4 cada um dos quatro

dentes laterais dos mamíferos, mais compridos que os demais e pontiagudos

(BORBA, 2004, p. 231).

- presa sf. 1 bem apreendido do inimigo; espólio, despojo 2 animal ou pessoa

arrebatados ou apreendidos com violência 3 prisioneiro; vítima; 4 dente canino

(BORBA, 2004, p. 1115).

Dente canino é termo da linguagem de especialidade da Anatomia Odontológica,

segundo lemos na rubrica usada por Houaiss. Como termo, ele é monossemêmico, sua

definição é unívoca: seus semas inerentes ‗dente pontudo e perfurante‘ e ‗mais compridos que
108

os demais e pontiagudos‘, particularizam e distinguem esse dente dos demais. E justificam a

associação do nome deste dente, pelas suas características e morfologia, ao dente dos cães.

Aliás, são os dentes dos ‗mamíferos‘, inclua-se aí o homem, e também dos carnívoros, pois

entre suas funções está a expressa pelo sema ‗que permite rasgar os alimentos‘, que nos

permite supor que o alimento em questão é a carne. O dente canino é, então, uma ferramenta

natural dos animais carnívoros.

Por fim, vemos que canino é parassinônimo de presa(s), sendo que esta lexia pertence

à língua comum, e talvez por isso mesmo seja muito mais transparente, evidencie mais o traço

‗animal‘, /+voraz/. Mais que a própria lexia dente canino, que traz acoplado o adjetivo

derivado de cão. Elas não são comutáveis em todos os contextos.

Um capítulo notadamente importante da Semântica envolve as comparações

metafóricas. São valiosas as indicações que ela oferece sobre a ação da fantasia (entenda-se

inferência) sobre o inconsciente coletivo. No caso de dente canino, como falamos, explica-se

a comparação pela forma e função dessa parte do corpo humano. Abaixo temos exemplos de

comparações que refletem interessantes pontos de vista de cada povo ao nomear seus objetos

de trabalho, por exemplo. São figuras de animais associadas a ferramentas criadas pelo

homem.

Se observarmos atentamente a língua dos artesãos e dos aldeães, encontraremos nela


uma tendência a comparar suas ferramentas de trabalho com figuras de animais.
Assim, os "morillos del fuego" na França têm o nome de cachorro (chenet), da cabra
(chevrette), do asno (provençal ase), do gato (minet), da cabra (landier). (...) A
chave para dar saída à água de um tubo, em espanhol se chama grifo, em francês
robinet 'carneiro', na Sicília, aceddu 'pássaro', em alemão Hahn 'galo'. O disparador
das armas de fogo para os espanhóis é gatillo, ou perrillo, para os italianos e
franceses é cachorro (cane, chien), para os gregos um lobo, para os alemães,
iugoslavos e bascos um galo (Hahn, òroz, ollar) (ROHLFS,1979, p. 46).

Às animalizações se associam personificações nas quais se pode reconhecer o mesmo

princípio da denominação. Em Viena se designa com Mandeln ('homenzinhos') e Weibeln

('mulherzinhas') a 'corchete' e 'corcheta'. Em alemão, Mönch 'monje' e Nonne 'monja' são 'uma

espécie de ladrilhos ocos que encaixam um no outro'.


109

5.2.2 Dentes do siso/do juízo

QUESTÃO 98 - ... os últimos dentes, que nascem depois de todos os outros, em geral
quando a pessoa já é adulta?

Freqüência e distribuição

A Tabela 43 reúne as respostas à questão nº 98.

Tabela 43 - Freqüência geral da questão 98- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Dente do siso 9 75,00
Dente do juízo 1 8,33
Abstenções 2 16,67
TOTAL 12 100,00

A lexia complexa dente do siso é de uso massivo em Iguape.

Tabela 44 - Freqüência da questão 98 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Dente do siso 4 66,67 5 83,33 9 75,00
Dente do juízo 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 2 33,33 0 0,00 2 16,67
TOTAL 6 100,00 6 100,00 12 100,00

As mulheres apresentam um índice pouco maior em termos da utilização da lexia

dente do siso, em relação aos homens. Entre elas, nenhuma se absteve de responder, e uma

usou o parassinônimo dente do juízo. Os homens, por sua vez, não selecionaram a variante

dente do juízo.
110

Tabela 45 - Freqüência da questão 98 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Dente do siso 4 66,67 5 83,33 9 75,00
Dente do
juízo 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 2 33,33 0 0,00 2 16,67
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

O maior índice de atualização da lexia dente do siso encontra-se na segunda faixa

etária, o que significa que a lexia está memorizada pelos mais idosos. Também os mais jovens

utilizam-na bastante, o que significa vitalidade da forma.

Tabela 46 - Distribuição das lexias da questão 98 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Dente do siso 2 50,00 2 50,00 2 50,00 6 50,00
Dente do juízo 1 25,00 1 25,00 1 25,00 3 25,00
Abstenções 1 25,00 1 25,00 1 25,00 3 25,00
TOTAL 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

Percebe-se que nos três pontos, Icapara, Rocio e Jairê, as variantes lexicais têm

exatamente a mesma distribuição.

Tabela 47 - Comparação da variação lexical da questão 98: Iguape - Outros atlas


regionais
Atlas
Lexia Município de Iguape Total
ALPR APFB ALS ALMS
Dente queiro X X X X 4
Dente do siso X X X 3
Dente do juízo X X X 3
Dente de leite X 1
Curnio X 1
Pilão X 1
Quexa(l) X 1
Total 2 5 1 1 5
111

Como podemos observar, a questão sobre dente do siso reuniu diversas variantes

lexicais, em várias regiões do Brasil, registradas nos atlas pesquisados. A lexia dente queiro,

de maior freqüência no confronto com as demais regiões, não foi registrada em Iguape.

Análise de traços semânticos

Selecionamos abaixo as acepções do verbete dente e dente do siso em vários

dicionários gerais de língua portuguesa:

- Dente s.m. ‗cada um dos órgãos duros que guarnecem as maxilas do homem e outros

animais‘. XIII. Do lat. dens,-entis; desdentado, XVI (CUNHA, 1986, p. 247).

- Dente [Do lat. dente.] Substantivo masculino. 1. Anat. Cada uma das peças duras,

semelhantes a osso, que guarnecem os maxilares e mandíbula do homem e doutros

animais, e servem especialmente para morder e triturar alimentos (FERREIRA, dic.

eletr.).

- Siso - 1 bom senso; juízo; 2 prudência; 3 jogo popular em que duas pessoas se

fixam atentamente, perdendo aquela que rir primeiro 4 o último dos dentes molares

que nasce na idade adulta (BORBA, 2004, p. 1293).

- dente de siso ANAT ODONT cada um dos terceiros dentes molares que surgem

ger. entre os 17 e os 21 anos de idade; dente do juízo→tb se diz apenas siso./ Dente

queiro B NE m.q. dente de siso (HOUAISS, 2001, p. 939).

- siso [Do lat. sensu, ‗sentido‘, pelo arc. seso.] Substantivo masculino. 1. Bom senso;

juízo, tino, prudência, circunspeção: ―Muito riso, pouco siso‖ (prov.) 2.V. dente de

siso. De siso. 1. Sensatamente (FERREIRA, dic. eletr.).

O termo técnico da linguagem de especialidade da odontologia, dente do siso, é

parassinônimo de dente do juízo, variante dialetal da língua comum.

Os semas inerentes de dente do siso, e também de dente do juízo, definem sua função

‗servem especialmente para morder e triturar alimentos‘ e, mais que isso, descrevem sua
112

característica principal: o fato de ‗que surgem ger. entre os 17 e os 21 anos de idade‘, ou seja,

‗que nasce na idade adulta‘, daí a designação dente do siso conduzir à inferência de que esse

dente nasce quando a pessoa já tem juízo. As variantes, quanto ao continuum cientificidade,

de um lado, e banalização, de outro, devem se encontrar no meio do caminho, no meio termo.

Encontramos a seguinte explicação para a variante queiro, encontrada nos atlas

regionais consultados e constantes da Tabela 48: em Ferreira (dic. eletr.) queiro-―[Talvez de

queixeiro, com síncope.]‖. Encontrada em todo o nordeste brasileiro, como registra Houaiss, a

lexia dente queiro também é selecionada para referir o dente molar, localizados, ambos, lado a

lado, no fundo da boca, na região do queixo. Daí ser possível a hipótese de Ferreira de queiro

ser derivado de queixo > queixeiro, com síncope.

5.2.3 Dentes molares/dente queiro

QUESTÃO 99 - ... esses dentes grandes no fundo da boca, vizinhos dos ______(cf.
item 98)? Apontar.

Freqüência e distribuição

Tabela 48 - Freqüência geral da questão 99- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Queixal 3 25,00
Molar 3 25,00
Mastigador 1 8,33
Abstenções 5 41,67
Total 12 100,00

O que se conclui pelos dados da Tabela 49 é que o iguapense utiliza outras

designações para referir os dentes grandes e chatos no fundo da boca. Novamente temos a

seleção de uma lexia, mastigador, mais motivada semanticamente para o falante /ouvinte.
113

Tabela 49 - Freqüência da questão 99 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Queixal 1 16,67 2 33,33 3 25,00
Molar 0 0,00 3 50,00 3 25,00
Mastigador 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Abstenções 4 66,67 1 16,67 5 41,67
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

As mulheres assimilam bem melhor que os homens os termos especializados, é o que

mais uma vez se verifica. Neste caso não se trata nem de os homens optarem pelo banal ou

vulgar, mas de não responderem à questão, se considerarmos o índice elevado de abstenções.

Tabela 50 - Freqüência da questão 99 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Queixal 0 0,00 3 50,00 3 25,00
Molar 3 50,00 0 0,00 3 25,00
Mastigador 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Abstenções 2 33,33 3 50,00 5 41,67
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Novamente se confirma: os jovens empregam mais o termo técnico científico, no caso

molar, e os mais velhos dão preferência pelo termo banalizado queixal.

Tabela 51 - Distribuição das lexias da questão 99 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Queixal 2 50,00 0 0,00 1 25,00 3 25,00
Molar 1 25,00 1 25,00 1 25,00 3 25,00
Mastigador 0 0,00 1 25,00 0 0,00 1 8,33
Abstenções 1 25,00 2 50,00 2 50,00 5 41,67
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

O termo banalizado queixal, de maior incidência em Iguape, concentrou mais

ocorrências em Icapara, depois no Jairê, e, no Rocio, não houve registro de ocorrência.


114

Análise de traços semânticos

Abaixo relacionamos as acepções de queixal e molar em dicionários gerais de língua

portuguesa e de especialidade:

- Queixal 1 dente molar inferior: O dentista botou óleo-de-cravo no último queixal.

2. queixo (BORBA, 2004, p. 1157).

- Queixal [De queixo+-al1.] Adjetivo de dois gêneros. 1. Do, ou pertencente ou

relativo ao queixo. Substantivo masculino. 2.Dente molar (FERREIRA, dic. eletr.).

- molar ANAT ODONT cada um dos dentes situados nas partes média e posterior

dos maxilares, que permitem esmagar os alimentos, em número de seis em cada

maxilar, divididos em primeiro, segundo e terceiro molar→tb se diz apenas molar

(HOUAISS, 2001, p. 939).

- molar [Do lat. molare, ‗de moinho‘.] Adjetivo de dois gêneros. 1. Próprio para

moer; que mói: pedras molares.~V. dente — Substantivo masculino. 2.V. dente (1)

(FERREIRA, dic. eletr.).

- molar [lat. molaris mó, dente molar] Que mói, que serve para moer. Dente molar _

Cada um dos três últimos dentes de cada lado dos maxilares (COUTINHO, p. 1508)

A princípio, pensamos que queixal e molar não fossem parassinônimos, que não

fossem comutáveis em todos os contextos, pois o sema inerente de queixal apresentado

por Borba, ‗dente molar inferior‘, é elemento diferencial, que disjunge os dois sememas.

Entende-se por essa definição que queixal só se refere ao dente molar do maxilar inferior,

associado a queixo. Mas, por isso mesmo, eles são parassinônimos. As definições

encontradas nos dicionários recolocam a questão nos trilhos: queixal e molar são variantes

diatópicas do mesmo conceito. Enquanto o núcleo sêmico de queixal é ‗relativo ao

queixo‘, o de molar é ‗que mói‘, ‗que serve para moer‘, ‗(dentes) que permitem esmagar

os alimentos‘.
115

A lexia complexa dente molar também pertence à linguagem de especialidade da

odontologia. Já queixal pertence à língua comum e se revela bastante transparente, muito mais

motivada semanticamente para o falante/ouvinte do que molar. Difícil para o falante/ouvinte

seguir a linha, o processo da significação que o leva a interpretar molar, a associar molar a

‗que mói‘ e à função ‗próprio para moer‘. Demanda muito esforço para a busca, no banco de

memória. Quando ela não resulta inútil!

Mais motivada ainda é a lexia mastigador, que o vulgo deve ter criado para designar o

molar e se fazer entender diretamente.

5.2.4 Desdentado/banguela

QUESTÃO 100 - ... a pessoa que não tem dentes?

Freqüência e distribuição

Tabela 52 - Freqüência geral da questão 100- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Banguela 9 75,00
Desdentado 1 8,33
Gengiva 1 8,33
Abstenções 1 8,33
Total 12 100,00

Em Iguape, a freqüência da lexia banguela é bem representativa. Ela constitui uma

norma semântico-lexical da localidade.


116

Tabela 53 - Freqüência da questão 100 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Banguela 5 83,33 4 66,67 9 75,00
Desdentado 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Gengiva 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Homens e mulheres usam indistintamente a lexia banguela com freqüência,

apresentando os homens ligeira vantagem sobre as mulheres.

Tabela 54 - Freqüência da questão 100 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Banguela 5 83,33 4 66,67 9 75,00
Desdentado 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Gengiva 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Também quanto à variável faixa etária a freqüência de uso da lexia banguela está

bastante equilibrada. Há uma leve predominância de uso pelos sujeitos da primeira faixa

etária.

Tabela 55 - Distribuição das lexias da questão 100 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Banguela 2 50,00 4 100,00 3 75,00 9 75,00
Desdentado 1 25,00 0 0,00 0 0,00 1 8,33
Gengiva 0 0,00 0 0,00 1 25,00 1 8,33
Abstenções 1 25,00 0 0,00 0 0,00 1 8,33
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

A lexia banguela é amplamente utilizada no Rocio e bem freqüente no Jairê. Dos

sujeitos pesquisados em Icapara, 50% fez uso dessa lexia.


117

Tabela 56 - Comparação da variação lexical da questão 100: Iguape - Outros atlas


regionais
Atlas
Lexia Município de Iguape Total
ALPR ALS II ALMS
Banguelo (a) X X X X 4
Desdentado X X X 3
Sem dente X X 2
Boca murcha X X 2
Gengiva X 1
TOTAL 3 4 1 4

Sem dúvida a lexia banguela é bastante freqüente e tem distribuição regular em várias

regiões do Brasil.

Análise de traços semânticos

A pesquisa em dicionários gerais de língua portuguesa teve como resultado as

seguintes acepções:

- banguela 1 (Coloq) sem um ou mais dentes da frente; desdentado, S 2 (Coloq)

pessoa sem um ou mais dentes; → na b. com o veículo em ponto morto۞ Do Top.

Benguela, em Angola (África). Os benguelas, no passado, tinham o hábito de limar

os incisivos (BORBA, 2004, p. 160).

- benguela 1 m.q. BENGUELA (‗indivíduo, povo e acp adjetivas‘) 2 que ou

quem se ressente da falta de um ou mais dentes na parte frontal de uma ou de

ambas as arcadas, banguelo ¥ f. menos us: benguela 3 que ou quem pronuncia

mal as palavras, como se não possuísse dentes na parte frontal da arcada; que

ou quem fala incorretamente, banguelo ¥ f. menos us: benguela →na b. B

infrm. em ponto morto, desengrenado. (diz-se de caixa de marcha de

automóvel) (descer uma ladeira na b.) © ETIM top. Benguela (Angola),

tomado como subst. Com a mesma orig. da f. divg. benguela; as acp. 2 e 3

ligam-se ao fato de os benguelas, na África, no passado, usarem limar os


118

dentes incisivos ᴥ SIN/VAR banguelo, benguela, canhanha, caxinxa,

desdentado (HOUAISS, 2001, p.396).

- Desdentado adj.sm. 1 que ou quem não possui alguns ou todos os dentes *adj. 2

relativo ao desdentado ¥ f. menos us: edentado; ver dent- ᴥ SIN/VAR como adj:

agonfo, anodonte; como adj sm: ver sinonímia de banguela.¢ ANT. dentado

(HOUAISS, 2001, p.973).

- desdentado [De des- + dentado1.] Adjetivo. 1.Sem dentes. [Sin. (p. us.): edentado.]

2.Que deixa ver a falta de dentes: ―seus cândidos olhos cor do céu, seu sorriso

desdentado, e seu ar simples, ingênuo‖ (Malu de Ouro Preto, Siri na Noite de Lua,

p. 13) (FERREIRA, dic. eletr.).

A origem etimológica de banguela, como vemos, explica a forma completamente

diferente da lexia relativa a dente. Nesse ponto recaiu em erro nosso primeiro dialetólogo,

Amaral (1920), ao supor que dos africanos herdáramos apenas a influência na fonética. A

lexia banguela, originária do topônimo Benguela (Angola), é uma contribuição dos africanos

para o nosso léxico.

As marcas ‗coloquial‘ ou ‗informal‘ apontam para uma variante de grande vitalidade

em Iguape e, provavelmente, em muitas regiões do Brasil. Não encontramos questão sobre

esse tema nos atlas consultados.

Pela lógica, a lexia desdentado, muito mais transparente por ser derivada de

dente, deveria ser a mais difundida. De novo percebe-se a influência da cultura, da

história de um povo, inscrita na língua. Note-se também que o povo flexiona a forma

original terminada em –a, comum aos dois gêneros, criando o masculino banguelo.

Sobre a lexia banguelo, Cascudo (2004, p. 47) anota: pessoa sem dentes; sem os

incisivos.
119

Benguelo.

Acho ser coragem sua

Me convidar pra ―martelo‘,

Que eu não respeito outro homem

Quanto mais um amarelo,

Que, além de amarelo, é torto,

E, além de torto, banguelo.

Leonardo Mota (Cantadores, Rio de Janeiro, 1921)


Cascudo (2004) completa a explicação:

O costume de limar os dentes, por motivos estéticos ou religiosos, é encontrado em


diversos lugares. Letourneau e Topinard registram essa tradição na Austrália, onde
as crianças tinham os incisivos arrancados e outros limados em ponta. O vocábulo
interessa à etnografia brasileira por estar ligado a uma fonte exportadora de escravos
em Angola. Os negros banguelas ou ganguelas, luimbas, loenas cortavam os dentes
(...) ( p. 47).

5.3 Nariz

Analisaremos, a seguir, as questões 101 e 102, referentes a nariz.

Mais uma vez é Cascudo (1973) quem citamos para falar sobre a simbologia e os
costumes associados ao nariz.
O nariz, órgão essencial da respiração (os orifícios têm em português o nome de
ventas, ventana, por onde passa o vento), marca a fisionomia, dando-lhe a
característica. La regione anatômica del naso è uma di quelle che più
contribuiscono allá varietà dei tipi fisionomici _ escreve Biasutti. ―Antes fanhoso do
que sem nariz‖. Qui coupe son nez dègarnit son visage. Cortá-lo era castigo aos
traidores e assim Afonso de Albuquerque usou e abusou em Ormuz (1507), Goa
(1510) e Málaca (1511) e os espanhóis e portugueses divulgaram o processo nas
terras americanas. Amputavam-no às adúlteras na Índia (Panchatantra, I, IV,
Hitopadexa, II, VI) e mundo oriental. (p. 244-245)

Em outro trecho:

O nariz, ou as ventas, fossas nasais, é símbolo da vergonha e respeito: ―dizer

verdades nas ventas é desafio. ‗Você não tem vergonha nessas ventas?‘ Meter o dedo na

venta de alguém é desmentir, contrariar, opor negativa formal‖(CASCUDO, 1973,

p.245).
120

Os ornamentos nasais são muito usados, atravessados no septo nasal ou nas asas, em

várias partes do mundo, como nos conta Cascudo:

(...) são de ampla geografia funcional, Melanésia, Polinésia, África Equatorial,


região dos lagos, austral, toda América. Era jóia privativa do imperador asteca. Na
Índia contemporânea ainda resiste ornamento de ouro pendendo do tabique nasal. O
nédzem, anel nasal, era egípcio e bíblico (CASCUDO, 1973, p. 245).

Por fim, há que se falar da importância do nariz, conjugado com a boca, no processo

da respiração:

O nariz e a cavidade bucal aliam-se no processo respiratório. O sopro, hálito, bafo, é


a essência da vida organizada, símbolo mais expressivo de sua presença vital. Alma,
anima latina, anemos grega, significa o sopro. Soprar é um poderoso transmissor na
técnica das feitiçarias urbanas e rurais e renomada terapêutica indígena universal.
Não há tratamento entre povos ―selvagens‖ sem o sopro, impondo a saúde e
afastando a doença (CASCUDO, 1973, p.247).

5.3.1 Fanhoso

QUESTÃO 101 - ... a pessoa que parece falar pelo nariz? Imitar

Freqüência e distribuição

Tabela 57 - Freqüência geral da questão 101- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Fanhoso 7 58,33
Fanho 5 41,67
Total 12 100,00

Os dados da tabela acima indicam que os falantes/ouvintes de Iguape dão leve

preferência à lexia fanhoso, pouca coisa mais atualizada que a forma fanho.

Tabela 58 - Freqüência da questão 101 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Fanhoso 3 50,00 4 66,67 7 58,33
Fanho 3 50,00 2 33,33 5 41,67
total 6 100,00 6 100,00 12 100,00
121

Não há diferenças significativas na comparação entre os sexos/gêneros quanto ao uso

das variantes fanho e fanhoso, apenas uma pequena predominância de atualização da lexia

fanhoso por parte das mulheres.

Tabela 59 - Freqüência da questão 101 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Fanhoso 1 16,67 6 100,00 7 58,33
Fanho 5 83,33 0 0,00 5 41,67
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Nesta tabela percebe-se nitidamente que a segunda faixa etária dá preferência absoluta

à forma fanhoso, e o contrário acontece com a forma fanho, que é opção amplamente utilizada

na primeira faixa etária.

Tabela 60 - Distribuição das lexias da questão 101 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Fanhoso 2 50,00 3 75,00 2 50,00 7 58,33
Fanho 2 50,00 1 25,00 2 50,00 5 41,67
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

No bairro do Rocio dá-se preferência à lexia fanhoso, enquanto nos outros dois bairros

há equilíbrio entre as duas formas.

Análise de traços semânticos

- fanhoso [De fanha+-oso.] Adjetivo. 1.Que fala ou parece falar pelo nariz. [Sin.:

fanha (bras.,S.,e prov. lus.).F.red.: fanho (bras.).] 2.Diz-se da voz de quem fala

assim, ou de som que lembra essa voz.[Sin.ger.:roufenho,

rouquenho.]Advérbio.3.Com voz fanhosa: falar fanhoso (FERREIRA, dic. eletr.).


122

- Fanho adj. b m.q. fanhoso (‗que parece falar pelo nariz‘) © ETIM voc. tido como

expressivo (HOUAISS, 2001, p.1306).

- Fanhoso adj 1 que parece falar pelo nariz ou como se estivesse com o nariz

apertado. 2 diz-se da voz de quem fala dessa maneira © ETIM fanha+-oso

(HOUAISS, 2001, p.1306).

- Fanha adj 2g s 2g B s. p diz-se de ou pessoa fanhosa © ETIM voc. tido como

expressivo (HOUAISS, 2001, p.1306).

A rede sêmica do semema de fanho, comum a fanhoso, conjuga as duas lexias. Um

dos traços sêmicos, ‗que parece falar pelo nariz‘, é sema inerente de ambos. Aliás, parece que

temos, na verdade, só uma forma: fanho, segundo Ferreira, é forma reduzida de fanhoso. O

núcleo sêmico do semema de fanhoso/fanho remete à parte do corpo nariz e, como já

aconteceu anteriormente com outras partes do corpo humano, temas das questões aqui

analisadas, o enfoque é o desvio. A questão é formulada de modo a abordar uma anomalia ou

defeito físico relativo ao nariz. Falar pelo nariz, ou como se o nariz estivesse apertado, não é o

normal.

A origem etimológica da lexia indica que ela é tida como ―vocábulo expressivo‖, o

que não diz muito. Seu significado remete ao som da pessoa que fala assim, ou seja, E = C. O

plano da expressão se identifica ao plano do conteúdo.

Para evitar nomear a dificuldade, prefere-se a perífrase lexical ―que parece falar pelo

nariz‖. Um eufemismo, que é um dos modos de se contornar o tabu lingüístico.

O fanho ou fanhoso é um dos personagens mais explorados no anedotário popular.


123

5.3.2 Meleca/tatu

QUESTÃO 102 - ... a sujeirinha dura que se tira do nariz com o dedo?

Freqüência e distribuição

Tabela 61 - Freqüência geral da questão 102- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Tatu (do nariz) 9 75,00
Cera (do nariz) 2 16,67
Pelanca (do nariz) 1 8,33
Total 12 100,00

Em Iguape, é bastante alto o índice de atualização da lexia tatu (do nariz).

Tabela 62 - Freqüência da questão 102 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Tatu (do nariz) 5 83,33 4 66,67 9 75,00
Cera (do nariz) 1 16,67 1 16,67 2 16,67
Pelanca (do
nariz) 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Homens e mulheres usam indistintamente a lexia tatu para nomear a sujeirinha que se

tira do nariz.

Tabela 63 - Freqüência da questão 102 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Tatu (do nariz) 5 83,33 4 66,67 9 75,00
Cera (do nariz) 1 16,67 1 16,67 2 16,67
Pelanca (do
nariz) 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00
124

Quanto à variável faixa etária, exatamente da mesma maneira que apontado na tabela

anterior, a variante tatu é usada indistintamente entre jovens da primeira faixa e os mais

idosos, da segunda faixa.

Tabela 64 - Distribuição das lexias da questão 102 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Tatu (do nariz) 4 100,00 2 50,00 3 75,00 9 90,00
Cera (do nariz) 0 0,00 2 50,00 0 0,00 0,00
Pelanca (do nariz) 0 0,00 0 0,00 1 25,00 1 10,00
TOTAL 4 100,00 4 100,00 4 100,00 10 100,00

Em Icapara é massivo o uso da variante lexical tatu (do nariz). No Rocio, a variante

estudada divide a preferência do falante/ouvinte com a forma cera (do nariz). E no Jairê, a

preferência é pela realização da lexia tatu (do nariz).

Tabela 65 - Comparação da variação lexical da questão 102: Iguape - Outros atlas


regionais
Atlas
Lexia Município de Iguape Total
Alse II Alms
Tatu (do nariz) X X 2
Cera (do nariz) X X 2
Pelanca (do nariz) X 1
Catarro X 1
Sujeira X 1
Cateto X 1
Meleca X 1
Caca X 1
Cacaca X 1
Cacaraca X 1
Cacareca X 1
Caraca X 1
Careca X 1
Carne seca X 1
Quereca X 1
Ranho X 1
Catoto X 1
Total 3 5 11
125

Como podemos notar, há grande variação quanto à designação para a ‗sujeirinha dura

que se tira do nariz com o dedo‘. As duas lexias de maior incidência, tatu (do nariz) e cera (do

nariz), aparecem em Iguape e no Mato Grosso do Sul.

Análise de traços semânticos

Para a análise dos aspectos semântico-lexicais das variantes encontradas, consultamos

os dicionários gerais de língua portuguesa.

- Tatu sm. 11 infrm. ranho seco (HOUAISS, 2001, p. 2678).

- Tatu [Do tupi.] Substantivo masculino. 1.Bras. Zool. Designação comum aos

mamíferos desdentados, dasipodídeos, com seis gêneros no Brasil e

aproximadamente 11 espécies. Noctívagos, alimentam-se de raízes, frutos, insetos,

e até de carniça. Os tatus reproduzem-se por poliembrionia, e todos os indivíduos

de um mesmo parto têm o mesmo sexo (FERREIRA, dic. eletr.).

- Ranho [Der. regress. de ranhoso, alter. de ronhoso, de ronha.]

Substantivo masculino. 1. Pleb. V. muco: ―Escondido perto do tanque, ficou

chorando baixinho e engolindo o ranho que lhe descia do nariz.‖ (Macedo Miranda,

Pequeno Mundo Outrora, p. 42.) (FERREIRA, dic. eletr.).

- Tatu sm. 1 mamífero desdentado, que mora em toca escavada no chão, de hábitos

noturnos, corpo coberto por uma carapaça formada por faixas de pequenas placas

ósseas, cauda fina e comprida; (...) (BORBA, 2004, p.1339).

- Cera sf substância amarelada e mole, produzida pelas abelhas, com que se fazem os

favos; 2 substância vegetal com essas características: cera de carnaúba (...) 4

secreção do conduto auditivo externo; cerume (...) (BORBA, 2004, p. 264).

- Meleca [De mel1+-eca.] Substantivo feminino. 1. Bras. Pop. Secreção nasal

ressequida. [Sin.: (bras. N.E.): catota e (lus.) caco e monca.] (FERREIRA, dic.

eletr.).
126

A lexia tatu (do nariz) que encontramos em nossa pesquisa em Iguape, já aparece no

dicionário Houaiss (2001) como uma das acepções do verbete tatu, o mamífero desdentado,

que chamaremos de tatu1. Ou seja, já está lexicalizada a acepção de tatu como ‗sujeirinha

dura que se tira do nariz com o dedo‘, que vamos identificar como tatu2. O semema de tatu2

reúne os semas ‗ranho seco‘ e ‗secreção nasal ressequida‘. Isso nos faz pensar que, por

inferência, o sema inerente ‗que mora em toca escavada no chão‘, de tatu1, tenha se associado

aos semas citados, resultando num semema novo, ampliado desses semas subjacentes: ‗muco

ou secreção que se forma dentro das fossas nasais‘ de tatu2.

Por analogia, ou por inferência, semas aferentes atualizam-se, relacionando ‗ranho

seco‘ a tatu1, porque assim como ele, o tatu1 ‗mora em toca escavada (...)‘. O sema

inerente ‗corpo coberto por uma carapaça formada (...) placas ósseas‘, pela realização

dinâmica do discurso, atualiza o sema aferente ‗duro‘. Raciocinando por analogia, temos:

o tatu está para ‗toca escavada no chão‘, assim como o ‗ranho seco' está para as fossas

nasais. Ou: ‗ranho seco‘: nariz :: tatu1: toca; ou, tatu1 : toca :: tatu2 : nariz. Os semas

aferentes que se apreendem, portanto, são ‗escondido em buraco‘, ‗difícil de buscar‘e

‗duro‘.

Procurando uma explicação para a denominação da ‗sujeirinha dura que se tira do

nariz com o dedo‘, em Iguape, lembramos que Rohlfs (1979), pesquisador do léxico

românico, já identificara esse processo de comparação metafórica das línguas românicas com

animais, fator de grande produtividade.

Tatu tem origem etimológica na língua tupi, como assinala Ferreira (dic. eletr.).

A explicação do que aconteceu em Iguape deve ser a mesma de Mato Grosso do Sul,

onde a variante tatu2 também ocorre: as condições do espaço geográfico devem ter sido

determinantes para a associação das formas. Iguape foi fundada à época do

Descobrimento do Brasil e ocupa a faixa do litoral ao longo da qual se distribuíam os


127

índios da costa – genericamente chamados tupis. O contato entre os colonizadores

portugueses e os índios deixou marcas indeléveis no léxico da língua portuguesa falada

no Brasil. Não podemos deixar de mencionar a relação estreita entre o homem

americano e a natureza brasileira, a Mata Atlântica, em Iguape, refletida nos inúmeros

topônimos, de todos os tipos, e nas metáforas, como é este caso. Os índios, primeiros

habitantes do Brasil, deram o primeiro nome a tudo: fauna, flora, acidentes geográficos e

tudo o mais.

A lexia cera, que também aparece em Iguape, deve ter sido produzida por ativação de

um de seus semas, por uma atualização seletiva, que fez emergir ‗secreção do conduto

auditivo externo; cerume‘. Isto é, por analogia a ‗cera do ouvido‘, ‗cerume‘.

Fomos procurar em Ferreira (dic. eletr.) a remissiva de ranho, [Der. regress. de

ranhoso, alter. de ronhoso, de ronha.] mas não encontramos uma ligação clara entre as

lexias.

ronha- [Do lat. vulg. *ronea, alter. de aranea.] Substantivo feminino. 1.Sarna que

ataca ovelhas e cavalos. 2.P. ext. Doença de plantas. 3.Pop. Malícia, manha, astúcia,

solércia: ―Onde pensavas que existia amabilidade, havia ronha e muita!‖ (Coelho Neto, A

Conquista, p. 195).
128

5.4 Pescoço

Esta parte do corpo humano é a ligação entre a cabeça e as demais partes do corpo

humano, tronco e membros. É a última das subdivisões da subárea cabeça.

5.4.1 Soluço

QUESTÃO 103 - ... este barulhinho que se faz? Soluçar.

Freqüência e distribuição

Tabela 66 - Freqüência geral da questão 103- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Soluço 9 75,00
Jojoca 3 25,00
Total 12 100,00

Ao lado da lexia soluço, em Iguape usa-se também a variante jojoca, item lexical de

base indígena.

Tabela 67 - Freqüência da questão 103 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Soluço 6 100,00 3 50,00 9 75,00
Jojoca 0 0,00 3 50,00 3 25,00
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Constatamos absoluta preferência em relação ao uso da lexia soluço por parte dos

homens, enquanto as mulheres estão divididas igualmente entre a lexia jojoca e soluço.
129

Tabela 68 - Freqüência da questão 103 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Soluço 6 100,00 3 50,00 9 75,00
Jojoca 0 0,00 3 50,00 3 25,00
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Como era de se esperar, os jovens da primeira faixa etária têm preferência total pela

lexia soluço. Os sujeitos da segunda faixa etária, no entanto, estão divididos entre as variantes

soluço e jojoca.

Tabela 69 - Distribuição das lexias da questão 103 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Soluço 2 50,00 4 100,00 3 75,00 9 75,00
Jojoca 2 50,00 0 0,00 1 25,00 3 25,00
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

Rocio, Jairê e Icapara mostram preferência, nessa ordem, decrescente, pela forma

soluço, enquanto que, em ordem inversa crescente, a segunda opção é jojoca.

Tabela 70 - Comparação da variação lexical da questão 103: Iguape - Outros atlas


regionais
Atlas
Lexia Município de Iguape Total
ALPR ALS II
Soluço X X X 3
Jojoca X X 2
Saluço X 1
Total 2 2 2

A lexia soluço aparece atualizada em várias regiões brasileiras, e assim como em

Iguape, é selecionada e usada pela maioria dos falantes/ouvintes.


130

Análise de traços semânticos

Além dos dicionários gerais de língua portuguesa, para a análise desta questão,

especificamente, consultamos o dicionário especializado de Drumond (1953):

- Soluço s.m. 2 FISIOL fenômeno reflexo que se manifesta por contração espasmódica

e involuntária do diafragma, seguido de movimentos de distensão e de relaxamento,

pelo qual o pouco de ar que a contração forçara a entrar no peito é expulso com

ruído característico [Ocorre às vezes após a ingestão de líqüido ou de sólido] (a mãe

estava aflita com os s. do bebê) © ETIM lat. vulg. sugglutium < lat. cl. singultus,us

‗soluço, suspiro‘, sob infl. de subgluctire ‗engolir com dificuldade‘; f. hist. s XIV

soluço, s XV soluços (HOUAISS, 2001, p. 2604).

- Soluço Aspiração espasmódica de ar para os pulmões, que termina com um som

característico devido à oclusão brusca das cordas vocais. O soluço é provocado por

irritação dos nervos do diafragma, com produção de contracções rápidas deste

músculo. A maior parte dos casos, em especial aqueles em que o soluço se repete

habitualmente à mesma hora do dia, devem-se à indigestão (COUTINHO, 1977, p.

2130).

- Saluçar como de frio – Xejejoc (DRUMOND, p.112).

- Saluço assi – Jejoca (DRUMOND, p.112).

Encontramos em Diegues (2005, p. 183) a variante lexical jororoca, substantivo

masculino, assim definido: ―soluço, jojoca. Prenúncio de morte, suspiro final. Ex.: ―O coitado

não escapa desta noite, já está com a jororoca‖.

O semema de soluço, termo técnico-científico da fisiologia e, por isso mesmo

monossemêmico, apresenta os semas específicos ‗contração espasmódica‘ e ‗contracções

rápidas‘ do diafragma, nos dois dicionários de língua geral, e semas que remetem ao barulho

típico, inconfundível, do soluçar: ‘ruído característico‘ e ‗som característico‘. Para fazer a


131

pergunta ao falante/ouvinte, bastava que fizéssemos a mímica, aliando movimentos repetidos

e som hic...hic, para que ele identificasse o fenômeno e respondesse: jojoca, soluço. Ou

soluço, jojoca. Freqüentemente, nesta questão, ao lado da lexia soluço, obtivemos uma

segunda resposta, jojoca. Ou vice-versa.

Jojoca é uma lexia de base tupi - e aqui usamos a nomenclatura adotada por Aguilera

(2007, p. 99-125), assim como a justificativa da autora de que é a denominação constante dos

dicionários da Língua Portuguesa mais conhecidos no Brasil. Assim como no Paraná, cuja

presença de tupinismos está ligada diretamente à ocupação do litoral nos séculos iniciais da

colonização, também em Iguape temos as mesmas condições geográficas e histórico-sociais.

Sem falar da proximidade das duas regiões, o que permite supor que muitas das lexias

encontradas em Iguape componham com as do litoral paranaense uma mesma isoglossa.

Outro fator apontado também por Aguilera no ALPR, aplica-se a Iguape:

(...), temos um segundo grupo com nove lexias tupis (e variantes fônicas) que
conseguiram ampliar o seu raio de ação: saindo do litoral, chegaram ao Planalto de
Curitiba e acompanharam o homem na sua caminhada, primeiramente rumo ao 2º
Planalto e logo após seguindo a rota dos tropeiros, já no final do século XVIII e
início do XIX. São elas boitatá/baetatá/baitatá; caburé; curica; guamirim; incõe/
inconha; jojoca/jejoca; peca/pequinha/guapeca/guapequinha; pinhé e urupê.

Ficamos surpresos e ao mesmo tempo satisfeitos por encontrar, ainda, em Iguape,

resquícios da língua geral ou brasílica falada no Brasil no início da colonização, uma língua

de intercurso, como apontara Amaral (1920) e Elia (1954), conforme citação abaixo, entre

outros:

A respeito da difusão da língua geral, já observava Teodoro Sampaio:

Ao europeu, porém, ou aos seus descendentes cruzados, que realizaram as


conquistas dos sertões, é que se deve a maior expansão do tupi, como língua geral,
dentro das raias atuais do Brasil. As levas, que partiam do litoral, a fazerem
descobrimentos, falavam, no geral, o tupi; pelo tupi designavam os novos
descobrimentos, os rios, as montanhas, o próprios povoados que fundavam e que
eram outras tantas colônias, espalhadas nos sertões, falando também o tupi e
encarregando-se naturalmente de difundi-lo.

O português era, sim, a língua oficial, como ainda hoje o espanhol no Paraguai; a
língua do comércio nos portos do litoral, nas cidades e vilas de mais importância e
no seio das famílias, propriamente portuguesas; mas, ainda aí, aparecia o tupi, falado
pelos fâmulos, quase todos índios ou de descendência índia (apud ELIA, p. 188).
132

Também ficamos surpresos com a resistência dessa lexia, jojoca, que chegou até nós

depois de mais de três séculos de transmissão oral, de geração em geração, constituindo-se em

verdadeiro patrimônio cultural brasileiro e americano. Isso mostra que itens lexicais de base

indígena foram preservados por comunidades caiçaras como as de Icapara, por exemplo.

5.4.2 Nuca

QUESTÃO 104 –... isto? Apontar.

A análise da freqüência e distribuição da questão 104, em Iguape, apontou a

unanimidade de uso da lexia nuca pelos iguapenses. Foi a única lexia, dentre as questões

selecionadas para esta pesquisa, que não apresentou variação. Vamos passar, em vista desse

resultado, para a análise qualitativa de aspectos semântico-lexicais.

Análise de traços semânticos

Consultamos o dicionário de medicina de Coutinho (1977) o dicionário de Houaiss

(2001) e o de mitologia, de Grimal (2005):

- Nuca [lat. nucha] _ região posterior e superior do pescoço (COUTINHO, p. 1610).

- Nuca s.f. ANAT região ínfero-posterior da cabeça que corresponde à vértebra

cervical denominada atlas © ETIM lat. medv. nucha ‗medula espinhal‘< ar. nuhã;

nesta acp. o t. foi introduzido no lat. medv. pelos técnicos italianos da Escola de

Salermo liderados por Constantino de Cartago no s XI, no s XIII, o mantuano

Mateo Silvático introduziu outro t. técnico no lat. medv. nucra(ti) ‗nuca‘<ar. nugra

‗id‘; ao saírem do âmbito de uso dos técnicos e se difundirem por meio de

curandeiros e práticos veterinários na língua comum, os dois t. foram fruto de uma

confusão, ao cabo da qual, nuca se deslocou do seu significado original para o de


133

nucra, caindo este em desuso. ¥ SIN/VAR cubata; ver tb sinonímia de cogote

(HOUAISS, p. 2033).

- Cogote s.m. parte posterior da cabeça, nuca, cachaço © ETIM esp. cogote (1490)
‗parte superior e posterior do pescoço‘; ‗penacho que se colocava na parte posterior
do capacete que protege o cogote‘, prov. der. de coca ‗cabeça‘ ¥ SIN/VAR atuá,
cachaço, cangote, cocota, congote, gogote, nuca, quecote, quetote (HOUAISS,
p.754).

- Atlas s.m. 2n. 3 ANAT a primeira vértebra cervical, que se articula com a região
occipital do crânio e o sustenta (HOUAISS, p. 335).

- Atlant(o)- el. comp. antepositivo do gr. atlas,antos, alat. atlas,antis, deus da


teogonia primitiva dos gregos, que sustentava as colunas do céu e detinha o oceano,
dito por isso Atlântico; além dessa antiga conexão com esse oceano, aparente em
vários der., há em osteologia e em biociências o seu emprego, já em f. greco-latinas
primitivas, já em neologias do s XIX em diante (HOUAISS, p. 335).

No dicionário de mitologia citado encontramos a seguinte história, que interpreta os

fatos do mundo e se reflete no léxico:

Atlas. Gigante, filho de Jápeto e da Oceânide Clímene (por vezes, da Oceânide


Ásia), é irmão de Menécio, Prometeu e Epimeteu, os "homens violentos". Certas
tradições dão-no como filho de Urano e, por conseguinte, irmão de Crono. Atlas
pertence à geração divina anterior à dos Olímpicos, a dos seres monstruosos e
desproporcionados. Participou na luta dos Gigantes e dos Deuses e a punição que
Zeus lhe infligiu consistiu em sustentar sobre os seus ombros a abóbada celeste.
Situam geralmente a sua morada no Extremo Ocidente, no país das Hespérides. Por
vezes, também o colocam "entre os Hiperbóreos". Heródoto é o primeiro a falar de
Atlas como sendo uma montanha situada no norte de África. Terá sido Perseu quem,
após matar a Górgona, transformara Atlas em rochedo, ao apresentar-lhe a cabeça de
Medusa. Atribuem-se-lhe vários filhos: de Plêione, teve as Plêiades e as Híades; de
Hespéride, as Hespérides. Díone também é considerada sua filha. Como filhos teve
Hias e Héspero. As especulações tardias consideram Atlas como um astrónomo que
ensinou aos homens as leis do céu e que, por essa razão, foi divinizado. Por vezes,
distinguem-se três Atlas: o da África, um Atlas italiano e um Atlas da Arcádia, pai
de Maia e, por conseguinte, avô de Hermes. Em relação a Atlas, epónimo de
Atlântida, ver este nome. (GRIMAL,2005, p. 55)

A lexia nuca, de acordo com os semas que compõem seu semema, articula-se com o

crânio e o sustenta. Na mitologia grega, a nuca é representada simbolicamente pelo gigante

Atlas, que sustenta em seu ombro a abóbada celeste, ou seja, o crânio, a cabeça.
134

Dessas metáforas infere-se a força e importância da nuca e o peso e a grandeza da

cabeça, em sentido figurado. E o seu incomensurável limite, dado pelo adjetivo à abóbada:

‗celeste‘. A nuca é a ligação entre a cabeça e as outras partes do corpo: tronco e membros.

A lexia nuca, assim como seu referente, é bastante resistente. Em Iguape, como vimos,

a lexia não concorre com outra variante, é norma semântico-lexical incontestável. Em outras

regiões, de acordo com as indicações constantes do dicionário Houaiss (2001), aparecem

outras variantes lexicais.

5.4.3 Pomo-de-adão/gogó

QUESTÃO 105 - ... esta parte alta do pescoço do homem? Apontar.

Freqüência e distribuição

A tabela a seguir reúne as respostas à questão nº105, colhidas em Iguape:

Tabela 71 - Freqüência geral da questão 105- Iguape


Freqüência
Lexia
VA VR (%)
Gogó 4 33,33
Gago 1 8,33
Garganta 1 8,33
Pomo-de-Adão 1 8,33
Fruta do pecado 1 8,33
Abstenções 4 33,33
TOTAL 12 100,00

A lexia usada para designar a parte mais alta no pescoço dos homens, em Iguape é,

sem dúvida, gogó, só com desempenho comparável às abstenções.

Entre sujeitos do gênero feminino, é alta a freqüência, tanto absoluta quanto relativa,

de uso do termo gogó. Vejamos os números:


135

Tabela 72 - Freqüência da questão 105 por sexo/gênero


Sexo/Gênero
Lexia Homens Mulheres Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Gogó 3 50,00 1 16,67 4 33,33
Gago 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Garganta 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Pomo-de-Adão 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Fruta do pecado 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 1 16,67 3 50,00 4 33,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

A grande maioria dos homens selecionou a lexia gogó para designar essa parte de seu

corpo. Já as mulheres, em sua grande maioria, abstiveram-se de nomear essa parte da

anatomia masculina.

Na tabela abaixo, podemos verificar o uso por faixa etária.

Tabela 73 - Freqüência da questão 105 por faixa etária


Faixa Etária
Lexia 18 a 30 anos 66 anos ou mais Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Gogó 3 50,00 1 16,67 4 33,33
Gago 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Garganta 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Pomo-de-Adão 1 16,67 0 0,00 1 8,33
Fruta do
pecado 0 0,00 1 16,67 1 8,33
Abstenções 2 33,33 2 33,33 4 33,33
Total 6 100,00 6 100,00 12 100,00

Foram os jovens, os sujeitos da primeira faixa etária, que deram preferência ao uso de

gogó. As respostas dos sujeitos de 66 anos em diante dividiram-se entre quatro outras lexias e

a maior parte não respondeu.

Vejamos agora como se distribui a lexia estudada nos pontos selecionados.


136

Tabela 74 - Distribuição das lexias da questão 105 pelos pontos


Ponto
Lexia Icapara Rocio Jairê Total
VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%) VA VR (%)
Gogó 2 50,00 1 25,00 1 25,00 4 33,33
Gago 0 0,00 0 0,00 1 25,00 1 8,33
Garganta 0 0,00 1 25,00 0 0,00 1 8,33
Pomo-de-adão 0 0,00 0 0,00 1 25,00 1 8,33
Fruta-do-pecado 0 0,00 0 0,00 1 25,00 1 8,33
Abstenções 2 50,00 2 50,00 0 0,00 4 33,33
Total 4 100,00 4 100,00 4 100,00 12 100,00

Em Icapara é que encontramos o maior índice de emprego da lexia gogó e também o

de abstenções. O Rocio apresenta 50% de índice de abstenção. O Jairê não apresenta

abstenções: as respostas dos falantes/ouvintes estão divididas igualmente entre quatro lexias –

gogó, gago, pomo-de-adão e fruta do pecado.

Análise de traços semânticos

Consultando a definição e as remissivas de gogó e pomo-de-adão nos dicionários

gerais de língua portuguesa, e no de medicina de Coutinho (1977), encontramos:

- gogó [alteração de goela] s.m. brasileirismo familiar 1 v. pomo-de-adão

(FERREIRA, dic. eletr.).

- pomo-de-adão (remissiva de gogó) s.m. A saliência da cartilagem tireóide. [Tb. Se

diz apenas adão; sin. nó-de-adão, nó da garganta, nó da goela, gogó. Pl. pomos-de-

adão.] (FERREIRA, dic. eletr.).

- pomo-de-adão s.m. ANAT ver proeminência laríngea * tb se diz apenas adão ©

ETIM os nomes populares pomo-de-adão e maçã-de-adão, para a acp. de ANAT

‗parte superior da cartilagem tireóidea, mais acentuada nos homens‘, são alusões à

lenda, citada por Nascentes, segundo a qual Adão se engasgou com um pedaço de

maçã que ficou preso em sua garganta; ver ETIM de pomo (HOUAISS, 2001, p.

2256).
137

- gogó s.m. regionalismo: Brasil 1 mesmo que pomo-de-adão 2 proposta ou promessa

que não se tem intenção de cumprir 3 indivíduo arrotador, alardeador (HOUAISS,

2001, p. 1462).

- gogó go-gó (Or duv) Sm (Coloq) [Co] 1 saliência da cartilagem tireóide, no

pescoço; pomo-de-adão: (ex.) 2 pescoço: (ex.) 3 órgão produtor da voz; garganta:

(ex.) 4 fala envolvente; lábia (BORBA, 2004, p.682).

- maçã-de-adão (sin.: nó-de-adão) - Nome com que vulgarmente se conhece uma

saliência mediana da região anterior do pescoço, que não é mais do que uma parte

da cartilagem tiróide. É mais pronunciada no homem do que na mulher

(COUTINHO, p.1410).

Recolhemos todas essas informações a respeito das lexias gogó e pomo-de-adão para

chegar, em seguida, à explicação da forma ―fruta do pecado‖, não lexicalizada nos

dicionários.

Pelo inventário dos semas, vemos que as lexias pomo-de-adão, maçã-de-adão e nó-de-

adão têm os mesmos traços semânticos. São, portanto, parassinônimas. Elas são lexias

compostas, cujo segundo elemento - adão - remete ao personagem da histórica bíblica, Adão.

Em A Bíblia Vida Nova (1990, p.8-9), lemos no Gênesis:

Gênesis 2
―15 Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o
cultivar e o guardar. 16 E lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás
livremente, 17 mas, da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás;
porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. (...)

Gênesis 3
Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus
tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do
jardim? 2 Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer,
3 mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis,
nem tocareis nele, para que não morrais. 4 Então a serpente disse à mulher: É certo
que não morrereis. 5 Por que deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos
abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. 6 Vendo a
mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos, e árvore desejável
para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu, e deu também ao marido, e ele
comeu. 7 Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus,
coseram folhas de figueira, e fizeram cintas para si.‖
138

Vejamos o comentário que faz um articulista de O Estado de São Paulo, a respeito da

passagem bíblica transcrita acima e da ―lenda‖, ―citada por Nascentes‖, como diz Houaiss

(2001) na definição de pomo-de-adão:

No episódio do Gênesis se encontra a primeira referência da Bíblia ao alimento,


associado não só ao sentido de pecado, mas à idéia de que o ato de comer envolve
conhecimento. No Jardim do Éden, o primeiro casal humano vivia em inocência e
felicidade. Relacionava-se afetuosamente, sem culpa nem pecado (Gênesis 2.25).
Entretanto, Eva cedeu à tentação da serpente, em cujo corpo se disfarçava o diabo, e
ingeriu o fruto proibido, dividindo-o com Adão. O efeito da desobediência foi a
perda da inocência e o conhecimento do pecado, da sexualidade e do mal. ''Abriram-
se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de
figueira e fizeram cintas para si'' (Gênesis 3.7). A partir daquele momento, os dois se
tornaram mortais, precisaram trabalhar e a mulher passou a sofrer as dores do parto.

(...) Já a voz do povo continua a relacioná-la com o pomo-de-adão, aquela saliência


que os homem exibem no pescoço, devida à cartilagem tireóide. Conta-se uma
história divertida. Deus teria surpreendido Adão no momento em que ele comia a
maçã vetada. Assustado, o primeiro homem a engoliu sem mastigar e a fruta entalou
na garganta. O ''problema'' foi transmitido a todos os seus descendentes masculinos.
(www.estadao.com.br, 13/12/2007, artigo A inocente maçã de Adão e Eva).

Maçã-de-adão ou pomo-de-adão são lexias que têm no sema inerente ‗mais acentuada

nos homens‘, a referência ao primeiro homem, Adão, o qual remete à crença do pecado

original, difundida mundialmente. O ―fruto proibido‖, qualquer que tenha sido ele, associou-

se à idéia de pecado, de transgressão. Daí o vulgo associar a ‗saliência da cartilagem tireóide,

no pescoço‘, ‗mais pronunciada no homem do que na mulher‘ ao pecado de Adão. Essa

inferência tornou-se tão consistente a ponto de criar a variante não lexicalizada ‗fruta do

pecado‘, encontrada em nossa pesquisa em Iguape e, também, registrada no ALPR.

Segundo relata Rohlfs (1979, p.145-147), para designar a maçã o latim, em época

muito antiga, aceitou a forma grega malum, introduzida com um tipo de maçã enxertada que

se cultivava nos países helenos do Mediterrâneo. Mais tarde a forma jônico-ática melum se

consagrou na boca do povo, enquanto malum se conservou como voz literária. Na

Galorromânia, em vez de melum se impôs pomum, que era a designação mais corrente da fruta

em geral: fr. pomme, provenzal pouma o, masculino, poum. Um tipo de maçã muito apreciada

era a mala Mattiana, que deveria ser muito difundida na Península Ibérica, já que neste nome

se apóiam as designações atuais: esp. manzana, astur. mazana, esp. ant. maçana, port. maçã.
139

Guérios (1979, p. 161) completa a pesquisa sobre a lexia com a seguinte informação:

pomo-de-adão é adaptação portuguesa do latim pomum Adami, e remonta aos israelitas, pois é

traducão do hebreu tappuah ha Adam. Dizia-se também em latim morsum Adami, i. é,

―pedaço mordido (da fruta) de Adão‖.

Gogó tem outras acepções, outros sememas, além daquele que o identifica com pomo-

de-adão. Garganta, uma dessas acepções, é uma das variantes que aparece em nossa pesquisa.

Gago, com certeza, foi atualizada por engano pelo falante/ouvinte.

Em sentido conotativo, ou seja, ativando os semas aferentes de gogó, temos a acepção

―fala envolvente; lábia‖ e ―indivíduo arrotador, alardeador‖. Ou seja, operou-se um

deslocamento do foco da ‗proeminência laríngea‘ para a garganta, para o ‗órgão produtor da

voz‘, e daí para ‗fala envolvente‘, ‗lábia‘, resultando em um indivíduo - traço ‗mais acentuada

nos homens‘ neutralizado - arrotador, alardeador.

Reproduzimos alguns comentários de sujeitos entrevistados, que constam do ALPR,

referentes a esta questão. Lá eles também inferiram que o gogó é um ‗sinal‘ do pecado original:

_ ―( ... ) eles fala que é a fruta do pecado, né. Adão (en)guliu e parô aqui‖.

_ ―eis fala que só home tem por causo da fruta do Adão‖.

_ ―é a fruitinha do pecado, né‖.

_ ―é fruito do pecado‖.

_ ―Adão‖. Referiu-se a seguir à história bíblica, completando: ―diz que é o pecado, né‖.

Os semas aferentes que subjazem ao processo da significação são evocados por

inferência e atualizados no discurso sob a forma ‗fruta do pecado‘. Assim, temos que:

Pomo: fruta : : Adão: pecado

O que sobressai ao processo produção/interpretação do mundo fenomenológico, bio-

social, subjacente ao processo da significação, neste caso, é um traço cultural da região

estudada, a religiosidade.
140

Encerramos por aqui a análise de alguns aspectos semântico-lexicais de variantes

encontradas em Iguape, colhidas em pesquisa direta feita com sujeitos da região, a quem

aplicamos parte do QSL do Projeto ALiB.

Iniciamos este capítulo da dissertação pela organização dos dados sob forma de

tabelas, registrando os valores absolutos das respostas e calculando, por meio do programa

Excel, as porcentagens de sua ocorrência. O resultado desse tratamento dos dados, do recorte

selecionado em Iguape, já nos deu uma boa idéia da freqüência de cada lexia, uma pequena

amostra da norma semântico-lexical da região.

Em seguida, tabulamos os dados referentes à variável faixa etária. Como a escolha

destas recaiu sobre faixas etárias colocadas em pólos extremos, de um lado sujeitos de 18 a 30

anos e, de outro, sujeitos com 66 anos ou mais, pudemos ter uma visão clara da relação entre

as variantes, sob a perspectiva diacrônica, ainda que a pesquisa, geolingüística, seja um

recorte sincrônico do falar dos iguapenses.

Após finalizar a tabulação dos dados, a primeira conclusão que visualizamos foi que a

única lexia a ter 100% de uso em Iguape, é nuca. Trata-se, indubitavelmente, de norma

semântico-lexical da localidade.

Quadro 5 - Lexia com 100% de freqüência


Questão Lexia Uso (%)
... isto? Apontar. NUCA 100%

Catarata foi também a única resposta à questão ―... aquela pele branca ...‖. Entretanto,

atingiu o valor relativo de 41,67%, tendo sido suplantada por um índice elevado de

abstenções: 58,33%.

Certas questões tiveram respostas com duas variantes para o mesmo conceito.

Vejamos o quadro abaixo:


141

Quadro 6 - Respostas com até duas variantes


Variantes
cisco poeira
conjuntivite dordolhos
viúva terçol
dentes caninos presas
dente do siso dente do juízo
fanhoso fanho
soluço jojoca
vesgo estrábico

Algumas respostas apresentaram muitas variantes, como é o caso das lexias do quadro abaixo:

Quadro 7 - Respostas com três ou mais variantes


LEXIA VARIANTES
pomo-de-adão gogó gago garganta fruta do pecado
pálpebra pipela pestana
caolho picego cego de um olho
míope vista curta problema de vista
dente molar queixal gengiva
tatu cera pelanca

Outras lexias, que apresentaram mais de 50% de uso, também podem ser consideradas

norma de Iguape. São elas:

Quadro 8 - Norma semântico-lexical de Iguape


Questão Lexia Uso (%)
... isto? Apontar. NUCA 100,00
... a pessoa que tem os olhos voltados para direções diferentes? VESGO 83,33
Completar com um gesto dos dedos.
... a bolinha que nasce na ............(cf. item 89), fica vermelha e incha? VIÚVA 83,33
... alguma coisinha que cai no olho e fica incomodando? CISCO 75,00
... os últimos dentes, que nascem depois de todos os outros, em DENTE DO SISO 75,00
geral quando a pessoa já é adulta?
... a pessoa que não tem dentes? BANGUELA 75,00
... a sujeirinha dura que se tira do nariz com o dedo? TATU 75,00
... este barulhinho que se faz? Soluçar. SOLUÇO 75,00
... a pessoa que parece falar pelo nariz? Imitar. FANHOSO 58,33
142

Passamos a tratar os dados de distribuição das lexias pelos pontos selecionados na

localidade, os bairros Icapara, Rocio e Jairê, como se verifica no quadro abaixo.

Quadro 9 - Distribuição das lexias pelos pontos


Lexia - % Icapara Rocio Jairê
pálpebra 25 50 25
cisco 75 75 75
caolho 50 25 75
vesgo 100 75 75
míope 25 50 25
viúva 75 75 100
conjuntivite 50 50 25
catarata 50 25 50
presas 50 50 50
dente do siso 25 50 25
queixal 50 0 25
banguela 50 100 75
fanhoso 50 75 50
tatu 100 50 75
soluço 50 100 75
nuca 100 100 100
gogó 50 25 25

Como podemos observar pelo quadro acima, as variantes têm distribuição bem regular

entre os pontos, bairros de Iguape.

A área CORPO HUMANO, quanto às questões relativas a cabeça, envolve muitos

termos técnicos, da linguagem de especialidade médica, que convivem com termos

banalizados relativos ao mesmo conceito. Vejamos no quadro abaixo as preferências de uso

de sexo/gênero.
143

Quadro 10 - Comparação sexo/gênero x uso de termo especializado


Homem Mulher
Lexia Termo Espec. Termo Espec.
pálpebras 16,67 50,00

míope 16,67 50,00

conjuntivite 33,33 50,00

Dente canino 33,33 66,67

dente do siso 66,67 83,33

Dente molar 0,00 50,00

Quadro 11 - Comparação faixa etária x uso de termo especializado


18 - 30 anos 66 anos ou +
Lexia
Termo Espec. Termo Espec.
pálpebra 66,67 0,00

estrábico 16,67 0,00

míope 66,67 0,00

conjuntivite 83,33 0,00

Dente canino 50,00 0,00

Dente molar 50,00 0,00

As mulheres e os jovens da 1ª faixa etária selecionam termos da linguagem de

especialidade. Por fim, comparamos as lexias encontradas em Iguape com as registradas em

outros atlas consultados.

Quadro 12 - Comparação Iguape com outros atlas


Município de Atlas
Lexia Total
Iguape ALPR ALPB ALS ALMS
pálpebra X X 2
cisco X X 2
caolho X X 2
vesgo X X 2
viúva X 1
conjuntivite X X X 3
dente do siso X X X 3
banguela X X X X 4
tatu X X 1
soluço X X X 3
144

Antes de proceder à análise qualitativa dos dados, com base nas teorias de Pottier

(1978) e Rastier (1987), fizemos a pesquisa intensiva em dicionários gerais de língua

portuguesa, em dicionários de medicina, de folclore e de mitologia. Consultamos as

definições das lexias/respostas mais empregadas, questão por questão, para podermos

subsidiar a análise de aspectos semântico-lexicais das variantes.

Analisamos, então, cada lexia/resposta, sua rede semêmica, seus semas inerentes e

aferentes, a isotopia que por ventura se instalara no interior dos sememas daquela realização

pontual, e procuramos, finalmente, ligar as duas pontas das análises, quantitativa e qualitativa,

concluindo pela pertinência, ou não, da relação variação semântico-lexical versus espaço

geográfico.

Verificamos que algumas questões têm sememas constituídos de semas inerentes e de

semas aferentes. É o caso de: cisco, terçol, catarata, tatu e pomo-de-adão.

Quadro 13 - Lexias compostas de semas inerentes e aferentes


Cisco
Isotopia Semas Inerentes Sema Aferente
recorrência do diminutivo: pó, material sólido e heterogêneo
miudezas de carvão, partícula ou grânulo, poeira, pulverizada
gravetos,
miudezas trazido pelas enxurradas, arrastado pelas
partícula enxurradas
grânulo lixo, varredura
gravetos entra acidentalmente no olho, caída
especialmente no olho

Outros sememas são constituídos de semas inerentes, sofrem um processo de

inferência, tornam-se produtivos e associam-se a outras lexias.


145

Quadro 14 - Semas inerentes de terçol e viúva


Lexia
Semas Inerentes Lexia – Viúva1
Terçol
diminutivo de hordeum,i ‗cevada‘, separada do marido;
grãozinho de trigo solteira
espécie de furúnculo do olho que perdeu o marido;
mulher cujo marido morreu
inflamación aguda purulenta desamparo, desconsolo,
circunscrita del borde del párpado privação, solidão
Presenta notable tendencia a la e ainda não casou de novo
recidiva
pequeno tumor inflamatório que dolor
nasce no bordo das pálpebras

Quadro 15 - Semas aferentes comuns a terçol e viúva2


Lexia Lexia
Semas Aferentes
Terçol Viúva2
solidão
tendencia a la recidiva
dolor

Às vezes, é uma lexia que tem dois sememas que se cruzam, por evocarem semas

aferentes. É o caso das lexias catarata e tatu, abaixo:

Quadro 16 - Sememas de catarata: semas inerentes e aferentes


Sememas de Catarata
Catarata1 Catarata2
(queda d‘água) (doença dos olhos)
Semas Inerentes
queda d‘água, cachoeira opacidade parcial ou total do cristalino;
torna o cristalino opaco
grande volume de água que se precipita ―voluminosa y bilateral‖
do alto
―blanca‖
―aparece generalmente después de los
cincuenta años‖
Semas Aferentes
cristalino
voluminosa
branca
146

Quadro 17 - Sememas de tatu: semas inerentes e aferentes


Lexias Tatu1 e Tatu2
Tatu1 Tatu2
Semas Inerentes
mamíferos desdentados ranho; muco
que mora em toca escavada no chão Nasal
corpo coberto por uma carapaça formada por faixas Secreção ressequida; seco
de pequenas placas ósseas
Aferência (relação) Semas Aferentes

Tatu : sujeirinha Escondido em buraco

Toca escavada : nariz Duro

Carapaça : ranho seco Difícil de buscar

Quadro 18 - Sememas de pomo-de-adão: semas inerentes e aferentes


Lexia Pomo-de-Adão

Semas Inerentes Semas Aferentes

saliência da cartilagem tireóide

nó da garganta, nó da goela, gogó nó-de-adão, maçã-de-adão

mais acentuada nos homens‘ Adão

Pescoço; órgão produtor da voz; garganta: fala envolvente; lábia.


proposta ou promessa que não se tem intenção de
cumprir 3 indivíduo arrotador, alardeador.
147

6 CARTOGRAMAS
148
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
164
165
166

7 CONCLUSÃO

A ação corrosiva e homogeneizadora das modernas tecnologias de comunicação de

massa tem infligido mudanças irreversíveis às línguas naturais. A constatação dessa triste

realidade tem, nos últimos anos, propiciado uma expansão das pesquisas geolingüísticas,

visando registrar o falar de comunidades lingüísticas ainda pouco afetadas.

As línguas são patrimônio cultural da humanidade. Elas registram toda a história

sócio-político-econômico-cultural de um povo. O léxico de uma língua reúne as unidades que

são a representação extralingüística da realidade. Fazer o inventário das realizações normais

de uma comunidade lingüística, no sentido que lhe dá Coseriu (1982), é resgatar a sua

história, a sua cultura.

O município de Iguape tem, tanto em seu passado quanto em seu presente, motivos de

sobra para ser objeto de uma pesquisa sociogeolingüística. No passado, porque Iguape nasceu

e cresceu com o Brasil - ela é uma cidade histórica que teve muita importância no período

colonial brasileiro – e é, portanto, depositária de variantes diatópicas que revelam aspectos

peculiares, ligados a sua história. No presente, porque Iguape, esquecida na região do Vale do

Ribeira, possuidora de um dos mais importantes ecossistemas costeiros, por meio de sua

comunidade, conservou as tradições caiçaras.

Iguape é um ―bolsão de linguagem caiçara‖. Habitado pelos índios que ocupavam toda

a faixa do litoral à época do Descobrimento, registrou a permanência, na forma de topônimos

e de um léxico variado, da cultura indígena. E essas unidades lexicais, somadas às trazidas

pelos africanos, foram conservadas até os dias de hoje na fala do iguapense. Em nosso

trabalho, não pudemos deixar de abordar essa influência no léxico, apesar de não ser esse o

objetivo central de nosso estudo.

Escolhemos Iguape para nossa pesquisa por ser a última região do litoral paulista a ser

estudada, a ter registrada pelo menos parte de sua norma semântico-lexical. Além, como já
167

dissemos, de essa riqueza lingüística, conservada há séculos, estar na iminência de se perder

face às mudanças vertiginosas do mundo moderno. Escolhida a localidade para a pesquisa,

dedicamo-nos à escolha do questionário.

A maneira consagrada pela Sociolingüística para recolher a fala de moradores de

uma comunidade lingüística é a pesquisa de campo, por meio de entrevista direta. A

escolha de um questionário adequado para aplicação aos sujeitos selecionados deve ser a

primeira preocupação do pesquisador. Para a recolha dos dados de fala que viriam a se

constituir no corpus de nossa pesquisa, escolhemos um questionário previamente

elaborado e que abrangia um leque de questões sobre vários temas relativos ao homem e a

sua vida diária. À semelhança de outros estudos geolingüísticos do litoral paulista,

também nos utilizamos do questionário semântico-lexical do Projeto ALiB, o QSL.

Optamos por ele, a fim de, assim, ser possível a comparação entre esses estudos , ainda que

o questionário tenha sido modificado em um ou outro.

A escolha dos sujeitos seguiu a tendência dos atlas pluridimensionais, que inclui

quatro sujeitos por localidade, distribuídos por sexo/gênero e por duas faixas etárias. O nível

de escolaridade abrangeu desde o sujeito não alfabetizado até aquele com ensino fundamental

completo.

Experimentalmente, aplicamos o QSL a dois sujeitos em Icapara, um dos pontos

selecionados para nossa pesquisa. A aplicação dos demais questionários, doze no total,

foi ao mesmo tempo desgastante e muito prazeroso. A experiência do contato direto com

o povo da região, com a cultura local, foi muito enriquecedora. Deixávamos bem claro

para o sujeito que queríamos registrar o nome que ele usava para o conceito que vinha

formulado sob forma de pergunta. Com as respostas do questionário, referentes a apenas

uma parcela da área escolhida para análise, CORPO HUMANO, compusemos o corpus

de nosso estudo.
168

Podemos dizer que, de posse das respostas coletadas, conseguimos radiografar parte

do uso lingüístico dos falantes/ouvintes de Iguape, o falar concreto de seus moradores, a

norma semântico-lexical da região, segundo a perspectiva de norma de Coseriu e utilizando os

critérios da estatística lexical de Muller. Usamos norma, aqui, como o terceiro elemento da

tricotomia Sistema, Norma e Fala de Coseriu, aquilo que se realiza efetivamente, e

analisamos alguns de seus aspectos semântico-lexicais.

E aquilo que se realiza e se tem realizado efetivamente em Iguape, atestado pelos

critérios da freqüência e da distribuição regular das lexias pelos pontos pesquisados, obtidos

pela estatística lexical, resultou na norma semântico-lexical. Com referência ao corpus com o

qual trabalhamos, bem entendido, aquele pequeno recorte que fizemos.

Observamos que, das dezessete lexias estudadas, apenas nuca foi realizada por 100%

dos falantes, constituindo-se em norma semântico-lexical. Da mesma forma, catarata, apesar

de ser realizada apenas por 41,67% dos falantes, foi a única lexia selecionada para responder à

questão ―... aquela pele branca no olho que dá em pessoas mais idosas?‖, sendo que as demais

respostas foram abstenções.

Em muitas das questões, observamos duas ou mais variantes para o mesmo

conceito, como vimos nos Quadros 6 e 7 da análise. A norma semântico-lexical,

constituída de lexias de freqüência superior a 50% das respostas colhidas, constante do

Quadro 8, é formada das lexias: cisco, vesgo, viúva, dente do siso, banguela, fanhoso,

tatu, soluço, além de nuca.

Quanto à distribuição das lexias que constituem o inventário da norma semântico-

lexical pelos pontos pesquisados, concluímos que, além de freqüentes, as lexias têm

distribuição regular pelos pontos selecionados.

Como já dissemos, a área semântica escolhida é composta de muitos termos

especializados relativos à cabeça, que convivem com outros termos banalizados, lexias da
169

língua comum. Comparando o uso destes termos quanto à variável sexo/gênero, concluímos

que as mulheres dominam melhor o repertório de termos técnicos.

Quanto à variável faixa etária, verificou-se a tendência de os sujeitos jovens, de 18 a

30 anos, dominarem melhor o vocabulário técnico.

Na comparação das lexias encontradas em Iguape com as de outros atlas regionais,

concluímos que as lexias comuns são: banguela, em quatro pesquisas; conjuntivite, dente do

siso, soluço, em três; as outras lexias têm duas ocorrências; viúva, como se vê pelo Quadro 12

só aparece em Iguape. Percebemos, também, que o ALMS tem o maior número de

ocorrências em comum com Iguape.

Mas, como dissemos várias vezes, nosso propósito maior era analisar aspectos

semântico-lexicais das lexias de uso normalizado na localidade. Lançamo-nos a essa

tarefa, procurando nos valer de ensinamentos de todas as disciplinas afins da

Geolingüística, como a Lexicologia, a Lexicografia, a Terminologia, a Sociolingüística, a

Etnolingüística, a Historiografia e a Geografia. A abordagem dos aspectos semântico-

lexicais aliou a teoria de Pottier à de Rastier, para chegarmos aos elementos mínimos

diferenciais da significação.

Por fim, tentamos explicar o uso lingüístico em Iguape, e, partindo dos dados

recolhidos, fizemos a relação com a análise semêmica das lexias. O resultado foi constatar o

que parece óbvio: a variação está ligada diretamente à ocupação do espaço geográfico e às

condições sócio-histórico-culturais da comunidade.

Apesar do caráter sincrônico próprio dos estudos geolingüísticos, o resultado obtido

mostra uma visão pancrônica do falar característico da região.

Logicamente não pretendíamos esgotar o assunto nem apresentar um novo modelo de

análise do léxico. Também sabemos que deve haver lacunas. Novas abordagens da variação

lexical, sob outros prismas teórico-metodológicos, podem levar a melhores resultados.


170

Acreditamos que, a partir dessa nossa tentativa, outros estudos venham somar-se ao

nosso esforço no sentido de contribuir com a pesquisa da realidade multidialetal da língua

portuguesa falada no Brasil.

A língua é dinâmica, está sempre em movimento. Essas mudanças refletem-se,

sobretudo, no léxico, visto que essa é a parte do sistema lingüístico mais suscetível a

mudanças por constituir um conjunto aberto.


171

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179

9 ANEXOS

ANEXO A - Questionário semântico-lexical do Projeto ALiB - Área Semântica


CORPO HUMANO
QUESTÕES

89) ... esta parte que cobre o olho? Apontar.

90) ... alguma coisinha que cai no olho e fica incomodando?

91) ... a pessoa que só enxerga com um olho?

92) ... a pessoa que tem os olhos voltados para direções diferentes? Completar com um
gesto dos dedos.

93) ... a pessoa que não enxerga longe, e tem que usar óculos?

94) ... a bolinha que nasce na ................(cf. item 89), fica vermelha e incha?

95) ... a inflamação no olho que faz com que o olho fique vermelho e amanheça grudado?

96) ... aquela pele branca no olho que dá em pessoas mais idosas?

97) ... esses dois dentes pontudos? Apontar.

98) ... os últimos dentes, que nascem depois de todos os outros, em geral quando a
pessoa já é adulta?

99) ... esses dentes grandes no fundo da boca, vizinhos dos ______(cf. item 98)?
Apontar.

100) ... a pessoa que não tem dentes?

101) ... a pessoa que parece falar pelo nariz? Imitar.

102) ... a sujeirinha dura que se tira do nariz com o dedo?

103) ... este barulhinho que se faz? Soluçar.

104) ... isto? Apontar.

105) ... esta parte alta do pescoço do homem? Apontar.


180

ANEXO B - Ficha do sujeito – Modelo do Projeto ALiB


PROJETO SOCIOGEOLINGÜÍSTICO DO MUNICÍPIO DE IGUAPE
FICHA DO SUJEITO
PONTO: ________________ SUJEITO:________________
DADOS PESSOAIS DO SUJEITO:

1. NOME: 2. ALCUNHA:

3. DATA DE NASCIMENTO: 4. SEXO: A. M B. F 5. IDADE:

6. ENDEREÇO:

7. ESTADO CIVIL: A. solteiro B. casado C. viúvo D. outro

8. NATURALIDADE: 9. COM QUE IDADE CHEGOU A ESTA CIDADE? (CASO NÃO SEJA NATURAL
DA LOCALIDADE)

10. DOMICÍLIOS E TEMPO DE PERMANÊNCIA FORA DA LOCALIDADE:

11. ESCOLARIDADE: 12. OUTROS CURSOS:


A. especializacão B. profissionalizante C. outros
14. FOI CRIADO PELOS PRÓPRIOS PAIS?
13. NATURALIDADE:
A. sim B. não
A. da mãe:
B. do pai: 15. EM CASO NEGATIVO, POR QUEM FOI CRIADO?
C. do cônjuge: NATURALIDADE: A. da mãe adotiva:
B. do pai adotivo:
16. ONDE EXERCE SUA PROFISSÃO (CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICAS SUMÁRIAS DO BAIRRO. CIDADE):

17. OUTRAS PROFISSÕES/OCUPAÇÕES: 18. PROFISSÃO:


A. do pai:
B.da mãe:
C. do côniuge:

RENDA

19. TIPO DE RENDA: A. individual B. familiar

CONTATO COM OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO:

20. ASSISTE TV? 21. PROGRAMAS PREFERIDOS:

A. todos os dias A. novelas D. noticiários G. outro

B. às vezes B. esportes E. pr. religioso

C. nunca C. pr. auditório F. filmes

22. TIPO DE TRANSMISSÃO: 23. OUVE RÁDIO?


A. rede gratuita A. todos os dias D. parte do dia G. enquanto trabalha
B. parabólica B. às vezes E. o dia inteiro
C. tv por assinatura C. nunca F. enquanto viaja

24. PROGRAMAS PREFERIDOS: 25. LÊ JORNAL?


A. noticiário geral D. noticiário policial G. outro A. todos os dias D. semanalmente
B. esportes E música B. às vezes E. raramente
C. pr. religioso F. pr. com participação do ouvinte C. nunca
26. NOME DO JORNAL: 27. SEÇÕES DO JORNAL QUE GOSTA DE LER:
A. editorial D. pr. cultural G. c1assificados
A. local B. estadual C. nacional B. esportes E. política H. outra
C. variedades F. página policial
28. LÊ REVISTA?
A. às vezes B. semanalmente C. mensalmente D. raramente E. nunca
29. NOME / TIPO DE REVISTA:
181

PARTICIPAÇÃO EM DIVERSÕES

FREQUENTEMENTE ÀS VEZES RARAMENTE NUNCA


30. CINEMA A.  B.  C.  D. 
31. TEATRO A.  B.  C.  D. 
32. SHOWS A.  B.  C.  D. 
33. MAN. FOLCLÓRICAS A.  B.  C.  D. 
34. FUTEBOL A.  B.  C.  D. 
35. OUTROS ESPORTES A.  B.  C.  D. 
36. OUTROS A.  B.  C.  D. 

37. QUE RELIGIÃO OU CULTO PRATICA?

PARA PREENCHIMENTO APÓS A ENTREVISTA

38. CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS DO SUJEITO:

A. tímido B. vivo C. perspicaz D. sarcástico

39. ESPONTANEIDADE DA ELOCUÇÃO:

A. total B. grande C. média D. fraca

40. POSTURA DO SUJEITO DURANTE A ENTREVISTA:

A. cooperativa B. não cooperativa C. agressiva D. indiferente

41. CATEGORIA SOCIAL DO INFORMM'TE:

A. "A" B. "B" C. "C" D. "D"

42. GRAU DE CONHECIMENTO ENTRE SUJEITO E ENTREVISTADOR:

A. grande B. médio C.  pequeno D. nenhum

43. INTERFERÊNCIA OCASIONAL DE CIRCUNSTANTES:


A. sim B. não

44. CARACTERIZAÇÃO SUMÁRIA DO(S) CIRCUNSTANTE(S):

45. AMBIENTE DA ENTREVISTA:

46. OBSERVAÇÕES:

49. DATA DA
47. NOME DO ENTREVISTADOR: ENTREVISTA:
48. LOCAL DA ENTREVISTA:
CIDADE: UF:

50. DURAÇÃO:
182

ANEXO C - Pesquisa Complementar


A. OLHOS

1. Ce que les YEUX ne voient pas ne fait pas mal au coeur

‗la vision est le sens par lequel la réalité nous convainc le plus violemment‘

mal que se ignora, coração que não chora


o que os olhos não vêem o coração não sente
pena que não se vê não se sente

unminded, unmoaned
what the eye doesn’t see, the heart doesn’t grieve over
what the eye sees not, the heart rues not
what you don’t know won’t hurt you

 Cf. o latim medieval quod non videt oculus cor non dolet.
O provérbio tem correspondents em italiano: occhio non mira,
cuore non sospira (ou ainda: occhio non vede, cuore non duole)
e em espanhol: ojos que no ven, corazón que no siente.
2. Les YEUX sont le miroir de l’âme
‗les yeux sont un moyen d‘expression tellement subtil qu‘on y peut deviner des
reflets de la richesse de l‘âme‘

na face e nos olhos se lê a letra do coração


o mal e o bem à face vêm
os olhos são o espelho da alma

the eye is the window of the heart


the eye is the window of the mind
the eyes are the window of the soul
the heart’s letter is read in the eyes
♦ Lê-se em Cícero (De oratore, 3, 59, 221): imago animi vultus, índices oculi (o
rosto é a imagem da alma assim como os olhos são os seus delatores). Há
provérbio paralelo em italiano: gli occhi sono lo specchio dell’anima (ou ainda:
gli occhi sono la spia del cuore).
183

B. DENTE

Do dicionário de provérbios francês-português-inglês, selecionamos os seguintes provérbios:

Oeil pour oeil, DENT pour DENT (1690)

‗la vengeance veut un assouvissement intégral‘

espada por espada, lança por lança


olho por olho, dente por dente

an eye for an eye, a tooth for a tooth


tip for tap
tit for tat

Le Hupain de Laon me fit fort grise mine et il oublia – « OUBLI POUR OUBLI,
OEIL POUR OEIL ET DENT POUR DENT » – de venir me chercher au lycée trois
dimanches de suite. (M. Blacpain, FA, p.65)
O Hupain de Laon me olhou de cara feia e se esqueceu – « esquecimento por
esquecimento, OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE » - de vir buscar-me no liceu nos
três domingos seguintes.
 A fonte é Êxodo 21, 24 (fórmula da lei de talião): oculum pro óculo, et dentem pro
dente. Há equivalentes em italiano: occhio per occhio, dente per dente, em espanhol:
ojo por ojo, diente por diente e em alemão: Auge um Auge, Zahn um Zahn.
(LACERDA, 2004, p. 346)

Bonnes sont les DENTS qui retiennent la langue (sXVII)

‗il faut se mordre la langue pour se retenir de parler inconsidérément (sinon, on se la mordra
pour se repentir d‘avoir trop parlé)‘

de calar ninguém se arrepende e de falar sempre


não fales mais que a boca
quem mal fala sua língua suja

good that the teeth guard the tongue


the tongue walks where the teeth speed not
184

1. Si vous ne pouvez pas mordre, ne montrez pas les DENTS (s XVII)


‗rien ne sert de menacer si l‘on n‘a pas les moyens d‘agir‘
não se ladra se não se pode morder
quem não pode morder não mostra os dentes
quem não puder morder não mostre os dentes
quem não tem pé não dá coice
quem pés não tem coices não promete

if you cannot bite, never show your teeth


kindle not a fire that you cannot extinguish
never bite, unless you make your teeth meet
raise no more devils than you can lay

♦ Diz-se em espanhol: el que no puede morder, que no enseñe los dientes.

2. Il ne sert à rien de montrer les DENTS lorsqu‘on / (quando on) est édenté
= Si vous ne pouvez pas mordre, ne montrez pas les DENTS

C. BOCA

Do dicionário de provérbios francês-português-inglês, selecionamos o seguinte provérbio:


Au RIRE connâit-on le fol et le niais (1568)

‗le rire inopportun trahit l‘imbécile‘

é freqüente o riso na boca de quem não tem siso


muito riso é sinal de pouco siso
muito riso, pouco siso
onde há muito riso há pouco siso
risinho pronto, miolo chocho

laughter is the hiccup of a fool


too much laughter discovers folly
185

 Cf. o monóstico de Menandro: o tolo ri mesmo quando não há do que rir. Cf.
também Catulo (39, 15), que comenta a respeito de alguém que está sempre a
rir: risu inepto res ineptior nulla est (nada mais inoportuno do que o riso
inoportuno). Há correspondentes em italiano: i matti si connoscono dal molto
ridere, em espanhol: es muy frecuente la risa en la boca del necio e em
alemão: an vielem Lachen erkennt man den Narren. (LACERDA, 2004, p.
423)
186

ANEXO D - Dados do IBGE


Iguape - SP

Síntese das Informações

Contagem da População 2007


Pessoas residentes 28.977 habitantes

Morbidades Hospitalares 2007


Óbitos hospitalares - Homens 63 óbitos

Óbitos hospitalares - Mulheres 45 óbitos

Óbitos hospitalares - doenças- infecciosas e parasitária 3 óbitos

Óbitos hospitalares - causas externas de morbidade e 0 óbitos


mortalidade

Serviços de Saúde 2005


Estabelecimentos de Saúde total 6 estabelecimentos

Estabelecimentos de Saúde SUS 6 estabelecimentos

Leitos para internação em Estabelecimentos de Saúde 18 leitos


total

Leitos para internação em Estabelecimentos de Saúde 18 leitos


público total

Leitos para internação em Estabelecimentos de Saúde 0 leitos


privado total

Leitos para internação em Estabelecimentos de Saúde 0 leitos


privado SUS

Ensino - matrículas, docentes e rede escolar 2007


Matrícula - Ensino fundamental - 2007 5.300 Matrículas
187

Matrícula - Ensino médio - 2007 1.342 Matrículas

Docentes - Ensino fundamental - 2007 295 Docentes

Docentes - Ensino médio - 2007 118 Docentes

Estatísticas do Registro Civil 2007


Nascidos vivos - registrados no ano - lugar do registro 475 pessoas

Casamentos - registrados no ano - lugar do registro 164 casamentos

Separações judiciais - concedidas no ano - em 1a 20 separações


instância - lugar da ação do processo

Divórcios - concedidos no ano - em 1a instância - lugar 31 divórcios


da ação do processo

Representação Política 2004


Eleição municipal - Partido do candidato eleito 015 Partido

Eleição municipal - Número de votos do candidato eleito 7.749 Votos

Eleição municipal - Número de eleitores 21.811 Eleitores

Produto Interno Bruto dos Municípios 2006


PIB per capita 7.205 Reais

Instituições Financeiras 2007


Número de Agências 5 Agências

Finanças Públicas 2006


Valor do Fundo de Participação dos Municípios - FPM 6.989.258,95 Reais

Valor do Imposto Territorial Rural - ITR 27.960,48 Reais

Estrutura Empresarial 2006


Indústrias extrativas - Número de unidades locais 5 unidade
188

Indústrias de transformação - Número de unidades 32 unidade


locais

Produção e distribuição de eletricidade, gás e água - 2 unidade


Número de unidades locais

Construção - Número de unidades locais 8 unidade

Base Territorial
Área da unidade territorial 1.981 Km²

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