Roseli Da Silveira
Roseli Da Silveira
Roseli Da Silveira
São Paulo
2009
FOLHA DE APROVAÇÃO
Roseli da Silveira
Estudo sociogeolingüístico do município de Iguape: aspectos semântico-lexicais
Aprovada em:
Banca Examinadora
O desafio a que nos propusemos ao retomar a vida acadêmica, depois de toda uma
vida profissional dedicada à educação de jovens e adultos de escolas públicas, não deixou de
ser uma forma de me manter próxima dos livros, dos colegas, do ambiente escolar.
Muitas foram as pessoas que nos ajudaram a levar adiante nosso projeto. Sem elas,
sem dúvida teríamos dificuldades em levar a bom termo a empreitada. A todas agradeço de
coração.
À colega e amiga Vilma, que me acolheu diversas vezes em sua casa e com a qual
trocamos idéias sobre projetos e monografias. Aos amigos de Iguape, Gilberto e Clara, que nos
receberam em sua casa e colocaram à nossa disposição o material que tinham sobre a região.
Não por seu conhecimento stricto sensu, pela sua bagagem cultural e pela experiência
de vida, imensos, que ela colocou generosamente a nossa disposição.
Nem pela sua dedicação, organização e feeling para saber o momento exato para
iniciar os procedimentos de cada etapa da empreitada.
Não pela amizade, pelo carinho e pela intimidade que nos autorizou a compartilhar.
Por tudo isso, somos imensamente gratas. Mas principalmente agradecemos pela
determinação em nos conduzir a esse patamar de conhecimento, pela firmeza nas horas
decisivas e pela calma e paciência nos momentos mais delicados.
Se assim ela não fosse, educadora e pessoa centrada que é, não teríamos atingido
nosso objetivo. Obrigada, mais uma vez.
Iguape é um dos municípios do litoral sul paulista que teve muita importância na história do
Brasil Colonial. Conheceu o auge com o ciclo do arroz, quando o rio Ribeira de Iguape era o
principal meio de transporte e o porto às suas margens um dos mais importantes do País.
Depois veio o declínio, conseqüência da abertura do Valo Grande e do assoreamento de seu
porto. E, por fim, veio o isolamento numa das regiões mais pobres do Estado de São Paulo, o
Vale do Ribeira. Iguape é o ponto 334 indicado por Antenor Nascentes para a pesquisa da
realidade dialetal brasileira. O presente estudo objetiva registrar amostras desse verdadeiro
―dialeto caiçara‖, bolsão de tupinismos, arcaísmos e variantes lexicais peculiares. Procurou-se
arrolar as lexias mais utilizadas na região não somente para lançá-las num mapa. Além de
fazer o tratamento quantitativo dos dados, com o apoio das noções de estatística lexical de
Muller, privilegiou-se a abordagem dos aspectos semântico-lexicais, com base em Pottier e
Rastier, partindo da concepção de norma de Coseriu. Com base nos procedimentos teórico-
metodológicos da Geolingüística da atualidade, aplicaram-se as questões da área ―Corpo
Humano‖ do Questionário semântico-lexical do Projeto ALiB, versão 2001, em três pontos do
município de Iguape – Icapara, Rocio e Jairê, a doze sujeitos, quatro de cada ponto, dos dois
gêneros e em duas faixas etárias, quais sejam, de 18 a 30 anos (primeira faixa) e de 66 anos
em diante (segunda faixa). A partir das respostas obtidas nas entrevistas, elaboraram-se
dezesseis cartogramas, que espelham a variação diatópica de cunho lexical. Ainda em
consonância com os preceitos da Geolingüística moderna, que alia sua metodologia às da
Sociolingüística, compondo um quadro pluridimensional, mostrou-se o quadro da diversidade
lingüística local. Em suma, o trabalho faz o registro da realidade lingüística desta parte muito
pequena do Brasil, mas de grande importância para os estudos geolingüísticos, antes que esses
falares se percam, quer pela ação homogeneizadora dos meios de comunicação de massa, quer
pelas próprias forças centrífugas da língua.
Iguape is one of the cities on the southern coast of São Paulo State that had great importance
in the History of colonial Brazil. It had its days of glory during the rice plantation period,
when Ribeira de Iguape River was the main means of transportation and the port on its banks
was one of the most important in the country. Later, decline came as a consequence of the
opening of Valo Grande and the aggradation of its port. Finally, it became isolated in one of
the poorest areas of the São Paulo State, the Ribeira Valley. Iguape is point number 334, as
indicated by Antenor Nascentes, for the research of the Brazilian dialectal reality. The present
work aims at registering samples of this truly "caiçara" dialect, in a region of "tupinisms",
archaisms and peculiar lexical variants. We intended not only to place the lexias used in the
area on a map, but also to list the most frequent ones. Besides doing quantitative treatment to
data, based on Muller's notions of Lexical Statistics, we have focused in approaching the
semantic-lexical aspects, based on Pottier and Rastier and starting from Coseriu's notion of
norm. Based on present Geolinguistics theoretical-methodological procedures, we have
applied the questions from area "Human Body" in the semantic-lexical Questionnaire of
Project AliB, version 2001, in three points of the city of Iguape - namely Icapara, Rocio e
Jairê -, to twelve subjects, four in each point, from both genders and belonging to two age
groups, between 18 to 30 (first group) and older than 66 (second group). From the answers
obtained in interviews, we have elaborated sixteen cartograms, which reflect the diatopic
variation on lexical basis. Still in consonance with the principles of modern Geolinguistics,
which allies its methodology to the one used in Sociolinguistics, forming a pluridimensional
framework, we have showed the picture of local linguistic diversity. In summary, this work
registers the linguistic reality of this very small part of Brazil, which has great importance to
geolinguistic studies, before the loss of these speeches, be it by the homogenizing effect of
mass media or by language's own centrifugal forces.
Tabela 5 - Comparação da variação lexical da questão 89: Iguape - Outros atlas regionais ...... 065
Tabela 10 - Comparação da variação lexical da questão 90: Iguape - Outros atlas regionais ...... 070
Tabela 15 - Comparação da variação lexical da questão 91: Iguape - Outros atlas regionais ...... 075
Tabela 20 - Comparação da variação lexical da questão 92: Iguape - Outros atlas regionais ...... 080
Tabela 29 - Comparação da variação lexical da questão 94: Iguape - Outros atlas regionais ...... 090
Tabela 34 - Comparação da variação lexical da questão 95: Iguape - Outros atlas regionais ...... 096
Tabela 47 - Comparação da variação lexical da questão 98: Iguape - Outros atlas regionais ...... 110
Tabela 55 - Distribuição das lexias da questão 100 pelos pontos .................................................... 116
Tabela 56 - Comparação da variação lexical da questão 100: Iguape - Outros atlas regionais .... 117
Tabela 60 - Distribuição das lexias da questão 101 pelos pontos .................................................... 121
Tabela 64 - Distribuição das lexias da questão 102 pelos pontos .................................................... 124
Tabela 65 - Comparação da variação lexical da questão 102: Iguape - Outros atlas regionais .... 124
Tabela 69 - Distribuição das lexias da questão 103 pelos pontos .................................................... 129
Tabela 70 - Comparação da variação lexical da questão 103: Iguape - Outros atlas regionais .... 129
Tabela 74 - Distribuição das lexias da questão 105 pelos pontos .................................................... 136
SUMÁRIO
Gaston Paris
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INTRODUÇÃO
A unidade da língua portuguesa falada no Brasil desde há muito tem sido motivo de
controvérsia entre gramáticos, filólogos e lingüistas. A maioria deles admite que há, sim,
diferenças fonéticas e lexicais na nossa língua, mas que não afetam sua estrutura morfossintática.
homens, ela interpreta o mundo que o cerca; então, ela muda com o indivíduo que a utiliza
A língua faz parte da cultura de um povo. Ela é ao mesmo tempo geradora e produto
da cultura. Por meio da língua, o indivíduo identifica-se como pertencente a uma determinada
XIX, já se havia notado que as línguas mudam. Meillet (apud WEINREICH, 2006, p.114)
As línguas naturais mudam no espaço geográfico, mudam para adaptar-se aos vários
estratos sociais, mudam para refletir diferentes estilos etc. Vivem em constante mudança, para
crescimento das cidades. Procuravam resgatar esses falares para preservar a história da
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diatópica.
dialetólogo, Amaral (1920), indicou o caminho que deveríamos trilhar para conhecer a
realidade da língua falada no Brasil. E teve vários seguidores que continuaram a pesquisa que
teses de doutorado e atlas lingüísticos, regionais ou estaduais, que vêm se multiplicando nos
últimos anos, têm procurado recobrir todo o território nacional, mas ainda há muito o que fazer. O
presente estudo do falar de Iguape recai sobre um pequeno ponto dessa imensidão que é o Brasil.
Muitos fatores contribuíram para que o falar de Iguape, mais particularmente a norma
pesquisadora e motivaram o presente trabalho. A Vila de Iguape foi fundada nos primeiros
ocupavam a faixa litorânea do Brasil, deixando na região de Iguape muitas marcas de sua
cultura, como a língua, a culinária, o artesanato e provas de sua permanência no local, como
que por muito tempo falou-se uma língua de intercurso, chamada língua geral ou brasílica,
para possibilitar a comunicação entre eles. Depois vieram os negros africanos para trabalhar
nos engenhos de açúcar, os quais, submetidos à escravidão, fugiam para as matas e formavam
Iguape foi uma das mais importantes cidades do período colonial, passando
construção naval, graças a seu porto e a sua localização privilegiada; e o ciclo do arroz, o mais
São dessa fase os casarões coloniais construídos pelos senhores da elite agrária, hoje
No entanto, para facilitar o transporte das sacas de arroz que chegavam ao porto do
lombo de burro até o porto de Iguape, e para diminuir os custos com o frete, resolveram abrir
um canal de dois quilômetros de extensão, ligando o rio ao Mar Pequeno. A obra do canal do
Valo Grande, como ficou conhecido, foi desastrosa para a economia de Iguape: as margens do
rio Ribeira começaram a desbarrancar devido à força de suas águas, que passaram a entrar
pelo canal, e essa areia foi sendo depositada em frente ao porto de Iguape, o que, aos poucos,
força a partir da segunda metade do séc. XX. A partir da década de 70, os turistas descobriram
suas belezas naturais e compraram muitas terras dos caiçaras. Mais recentemente, Iguape
romeiros vindos de todas as partes do estado de São Paulo e do Paraná à Festa do Bom Jesus
arraigadas tradições caiçaras; o Morro Seco já é formado, em sua maioria, por descendentes
dos quilombolas. Por outro lado, os moradores do centro da cidade e do Rocio vão perdendo
aos poucos seus costumes, seu modo de falar. Por isso é importante registrar, nesse momento,
Dessa forma, esta dissertação tem por objetivo geral registrar a variação dialetal do
Paulo e no Brasil.
informações;
maneira:
pesquisa.
seu campo de trabalho, acompanhamos seu percurso teórico e falamos sobre o método que
suas características geográficas, sua história econômica e social, até sua situação na atualidade.
apropriado para este tipo de pesquisa. Incluem-se, no capítulo, a delimitação da rede de pontos,
seleção lexical e sua relação com a semântica. Em 4.1 A norma, explicitamos a noção de
análise qualitativa dos dados, procurando nos sememas das lexias recolhidas, com base nas
em Iguape, nos pontos selecionados, distribuídas pelas variáveis sexo/gênero e faixa etária.
A Conclusão apresenta uma síntese dos resultados a que chegamos com a pesquisa e
1 A DIALETOLOGIA E A GEOLINGÜÍSTICA
primeiro caso é criação, no segundo, é repetição, aceitação de uma norma, ao mesmo tempo
variedade.
Sem nenhuma dúvida, para qualquer comunidade lingüística, para todo indivíduo
falante existe uma unidade de língua, mas esse código global representa um sistema
de subcódigos em comunicação recíproca; cada língua abarca vários sistemas
simultâneos, cada um dos quais se caracteriza por uma função diferente.
Uma língua histórica nunca é um único sistema, mas um tecido de diferentes sistemas.
expressivo, isto é, com respeito a diferentes situações do falar e a estilos de língua referentes a
elas; c) no espaço, isto é, constituem distintos dialetos. Ao primeiro tipo, denomina variação
A variação diatópica é a mais facilmente percebida pelo falante comum, uma vez que
tem consciência de certas particularidades lingüísticas de seu grupo, que se distingue de outro
grupo que ocupa diverso espaço geográfico, quanto ao uso da língua, em termos de sotaque,
A Dialetologia enquadra-se num campo de estudos mais vasto, que é a Etnografia. Por
sua vez, a Etnografia estuda a cultura de um povo, quer dizer, o conjunto de idéias,
um grupo humano. Exprime, em suma, a herança social, visto que a sua transmissão se dá de
A noção de dialeto vem dos gregos. Dialektos designava diferentes sistemas, cada um
Grécia, o termo dialeto era utilizado para designar tipos específicos de literatura. Assim, os
ser um sistema de signos e de regras combinatórias da mesma origem que a língua, mas que
numa dada época, sofre, no curso da história, certas variações – diacrônica em certos pontos e
Segundo Alvar (apud BRANDÃO, 1991, p. 12), por língua entende-se um ―sistema
lingüístico de que se utiliza uma comunidade falante e que se caracteriza por ser
grandemente diferenciado, por possuir alto grau de nivelação, por ser veículo de
importante tradição literária e, às vezes, por ter-se imposto a sistemas lingüísticos de sua
própria origem‖.
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Já o dialeto, segundo o mesmo autor, pressupõe ―um sistema divergente de uma língua
comum, viva ou desaparecida, normalmente com uma concreta limitação geográfica, mas sem
forte diferenciação frente a outros de origem comum‖ (apud BRANDÃO, 1991, p.13).
No caso deste estudo, vamos lidar com ―falares regionais‖, que, na visão ainda de
Alvar (id., ibid.), caracterizam-se por serem as peculiaridades expressivas próprias de uma
região determinada, que carecem da coerência interna que possui o dialeto. São peculiaridades
No fim do séc. XIX, têm início os estudos das línguas e dialetos falados em tempo
real, únicos que se prestavam à observação direta. Mas a maioria dos investigadores não tinha
(1982, p.79):
são tratadas como relações condicionadas política, social e culturalmente e, embora ligados à
língua, e dos limites entre as áreas ocupadas por essas variantes, estabelecendo as isoglossas.
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instrumentos, bem como as técnicas utilizadas, são essencialmente geográficos, mas seus
fundamentos e seus fins são lingüísticos. Por esse motivo seu estudo é denominado de
Geografia Lingüística ou Geolingüística. Esta última denominação, que passa a ser usada no
Brasil a partir do Esboço de um Atlas Lingüístico de Minas Gerais - EALMG (1977), será
Depois da publicação do ALF, a obra de Gilliéron foi reconhecida, não sem algumas
Amaral, que publicou seu O dialeto caipira em 1920; Antenor Nascentes, autor de O
linguajar carioca (1922); Mário Marroquim, autor de A língua do nordeste (1934); Gladstone
Chaves de Melo, com A língua do Brasil (1934); Pereira da Costa, com O vocabulário
pernambucano (1934), entre outros. Desde a primeira obra citada, destaca-se o interesse pelo
Além desses, não podemos deixar de citar Serafim da Silva Neto, autor do Guia para
estudos dialectológicos (1957); Nelson Rossi, autor do nosso primeiro atlas de caráter
regional, o Atlas Prévio dos Falares Baianos - APFB (1963); e Celso Cunha, um dos nomes
mais importantes da filologia em língua portuguesa. Todos eles contribuíram para que se
brasileiro.
25
No entanto, a idéia de um atlas nacional teve de ser adiada, em razão das dificuldades
de atlas regionais. Depois do Atlas Prévio dos Falares Baianos, seguiram-se o Esboço de um
Atlas Lingüístico de Minas Gerais (1977), o Atlas Lingüístico da Paraíba (1984), o Atlas
(2002), o Atlas Lingüístico do Amazonas (2004), o Atlas Lingüístico Sonoro do Pará (2004) e
o Atlas Lingüístico de Mato Grosso do Sul (2007), além de outros que estão em andamento.
formado por professores de diversas universidades, tem implementado ações para atingir o
―descrever a realidade lingüística do Brasil, no que tange à língua portuguesa, com enfoque na
Em São Paulo, a Profª Drª Irenilde Pereira dos Santos, do Departamento de Lingüística
identificação das diferenças diatópicas. Além disso, tem colaborado efetivamente para os
teses. Podemos citar os trabalhos mais recentes, elaborados sob essa perspectiva, na
Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profª Drª Irenilde Pereira dos Santos:
variantes lexicais em seis atlas lingüísticos brasileiros. São Paulo. 2002. 126 p. +
em Lingüística).
Linguística).
– coordenado pela Profª Drª Irenilde Pereira dos Santos – e do qual participam Adriana
da Encarnação, Maria Teresa Nastri de Carvalho e Roseli da Silveira vem desenvolvendo uma
2 O MUNICÍPIO DE IGUAPE
2.1 Preliminares
Românica ministradas pelo Prof. Dr. Salum. Posteriormente, na pós-graduação, voltamos para
município, situado no extremo sul do litoral do estado de São Paulo, foi escolhido exatamente
por ‗fechar‘ os estudos sobre o litoral paulista, uma vez que já havia teses e dissertações
publicadas sobre o litoral norte e sul do estado, como acabamos de fazer referência.
Segundo Araújo (apud DIEGUES, 2005b, p.35), pesquisador do espaço caiçara, a área
cultural litorânea da ―ubá‖ (canoa) vai desde Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, até
Paranaguá, no sul do Paraná. Para a definição da área cultural são levadas em conta as
origem tupi-guarani (caa, mato, e içara, armadilha), indica todo um sistema de proteção e de
sobrevivência. Era assim que os indígenas chamavam as cercas colocadas em volta da aldeia e
litoral sul do Estado de São Paulo, faz parte dessa região litorânea, habitada por descendentes
da mistura de índios, mulatos, negros e dos diversos tipos de colonizadores que por lá
viveram.
comerciais para a venda de seu pescado. (...) Essa estreita ligação com o meio natural
Nas entrevistas que colhemos, observamos que ―eles se declaram caiçaras como uma
que lhes pertence. (...) como uma forma de garantir a sua identidade, de produzir e reproduzir
livro organizado por Pereira Júnior (2005) e que, segundo ele, ―reflete e sintetiza o importante
Iguape está localizada no litoral sul paulista, na região do Vale do Ribeira. Pertencente
corredor do Mercosul, entre duas importantes capitais: São Paulo e Curitiba. Tem acesso fácil,
devido à duplicação (quase total) da BR-116, seja por São Paulo (208 km) ou pelo Paraná
Distâncias: Belo Horizonte: 705 km; Campinas: 244 km; Rio de Janeiro: 585 km; São
Paulo: 175 km; Ribeirão Preto: 460 km; Santos: 183 km; Cananéia: 82 km; Registro: 73 km.
Prefeito Casimiro Teixeira – SP-222 (Rod. Régis Bittencourt – São Paulo/Iguape); Rodovia
2.1.2 Clima
temperatura nos meses de inverno, devido à sua localização já próxima à região sul do país. A
distribuição das chuvas é irregular, o período mais chuvoso é de outubro a março. A umidade
2.1.3 Relevo
O relevo é constituído de áreas planas e baixas, formadas pelas margens do rio Ribeira
de Iguape e seus afluentes, áreas típicas de formação litorânea, com alguns pontos de morros e
2.1.4 Vegetação
2.1.5 Hidrografia
de Iguape, Cananéia e Paranaguá possuem uma área de 2.830.666 hectares (28.306 km 2),
Paulo. Ou seja, é uma imensa área que se divide em treze sub-bacias e abrange trinta e
dois municípios, sendo nove no Estado do Paraná e vinte e três no Estado de São Paulo.
Os principais rios que atravessam ou fazem fronteira com Iguape são: rio Ribeira de
Iguape, rio Peroupava, rio Una do Prelado (rio Comprido), rio das Pedras, rio Una da
Aldeia, rio Itimirim e rio Pequeno. O rio Ribeira de Iguape é o principal da região,
Praia do Leste e Praia da Juréia. A hidrografia é denominada pela Bacia do Rio Ribeira de
Formado pelos rios Ribeirão Grande e Açungui, que nascem no Estado do Paraná, a
metros, o rio desce, inicialmente, rompendo as escarpas das serras, num perfil acidentado até
ficando, na altura da cidade de Registro, ainda a setenta quilômetros da foz, com apenas cinco
Desde a conclusão do Valo Grande, no entanto, parte de suas águas não deságua diretamente
no mar, mas no Mar Pequeno ou Mar de Dentro, entre o continente e a Ilha Comprida.
Junto a este complexo ainda se localiza o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, visitado
sobre a natureza como realmente ela é, com a Mata Atlântica quase que intocada e
sua sobrevivência e qualquer ameaça ao complexo ecossistema ali verificado pode colocar em
considerada um dos maiores tesouros do país. Abriga ainda a Estação Ecológica dos Chauás e
Lagamar. Portanto, o que podemos encontrar são espécies animais e vegetais típicas de Mata
definição de alguns autores, entre eles o historiador Fortes (2000), para quem a palavra
Iguape, em tupi – guarani, tem a seguinte grafia e significado: uwa (=seio dágua água
redonda, enseada, baía, bacia fluvial, lagamar) + pe (=em); ou seja, no lagamar, na enseada,
na bacia fluvial. O nome é bem apropriado uma vez que o povoado foi estabelecido defronte à
pelo Bel. Cosme Fernandes, com o auxílio de índios das redondezas e de alguns desterrados.
indígena que significa água e mato que correm para a água grande, no caso, o mar) .
Neves de Iguape foi transferida para o local onde hoje se encontra, às margens do Mar
Pequeno. A mudança deve ter ocorrido no início do século XVII, por volta de 1614 – já
que dados afirmam que este ano marca o início da construção da antiga igreja. Para lá
33
primeira do Brasil.
Não se sabe ao certo a data de elevação de Iguape à categoria de Vila. Tal patente
deve ter sido concedida entre os anos de 1600 a 1614, quando o povoado se mudou do
Icapara para o local atual, às margens do Mar Pequeno. O município seria criado pela Lei
nº 17, de 3 de abril de 1849, com o nome de Bom Jesus da Ribeira. Só que o povo
iguapense não gostou dessa mudança de nome. Houve protestos da Câmara de Vereadores,
do povo em geral, e até do padre. Assim, no ano seguinte, atendendo aos protestos de
cidade para Bom Jesus de Iguape, que a tradição simplificou, a partir de então, para
Iguape.
das Neves, como também é conhecida, por ser essa a santa padroeira de Iguape, conhece o seu
meados do séc. XVIII Iguape começa a se reerguer economicamente, graças a seu porto
de Janeiro.
Entre o final do séc. XVIII e o início do séc. XIX, a Vila de Iguape conheceu o seu
ciclo econômico mais importante e faustoso: o ciclo do arroz. A elite agrária da Vila
concentrou todo o seu capital na lavoura do arroz, cuja qualidade correu o mundo,
assegurando a Iguape um lugar privilegiado na exportação desse produto, o que garantia aos
A era do arroz destacou a Vila de Iguape como uma das mais importantes do Império:
seu porto, um dos principais do País; sua sociedade, elitizada e fina, comparada à da Corte do
Rio de Janeiro.
apogeu econômico. Chegou a ter 82 engenhos de arroz movidos a água e três a vapor.
grandes por semana; bancos garantiam o andamento dos negócios; e seis jornais circulavam
No entanto, em agosto de 1827 foi iniciada a abertura do Canal do Valo Grande. Até
essa época, todo o transporte de sacas de arroz era feito em canoas até o Porto do Ribeira, às
margens do Rio Ribeira de Iguape, e dali eram transportadas em carroças até o Porto de
Iguape (Porto Grande). Para facilitar o transporte das sacas e também reduzir as despesas com
fretes, as autoridades da época decidiram abrir esse canal, o que só foi totalmente concluído
Com o tempo, a obra revelou-se fatal para a economia iguapense, pois as margens do
Rio Ribeira começaram a desbarrancar devido à força de suas águas, que passaram a entrar
pelo canal, e essa areia começou a ser depositada em frente ao Porto de Iguape, o que, aos
abandonavam Iguape, e quem permanecia encontrava sérias dificuldades para se manter com
a pesca de peixes e camarões, muito reduzida nas águas costeiras, invadidas por grande
1978, pelo então governador Paulo Egydio Martins. A construção de uma barragem nas
35
agricultura até hoje, pois, na verdade, não foram construídas as comportas previstas no projeto
original.
recuperando sua força a partir da segunda metade do séc. XX, quando houve maiores
recebeu investimentos na área do turismo e ecoturismo, sendo que estes são considerados,
Os bairros de Iguape
seus bairros, suas características e atividades. Três dentre eles – Icapara, Rocio e Jairê - serão
Centro
Coração do município, no centro concentra-se grande parte dos serviços oferecidos aos
munícipes e aos visitantes. O local, como já foi dito, foi escolhido pelos colonizadores que
procuravam água potável e proteção do mar aberto. Compreende o maior centro histórico
preservado do Estado de São Paulo, com diversos imóveis em alto estilo colonial português,
Rocio
pelo canal do Valo Grande; no entanto, já existe uma passarela que permite o fácil acesso de
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pedestres, mas para atingi-lo com veículos motorizados é necessário contornar o Valo até a
Subauma
este bairro tem as suas origens ligadas aos primeiros anos da colonização em Iguape. Em
É importante lembrar que o Subauma além de ter sido um núcleo de imigração, ainda
Porto do Ribeira
que chegam a Iguape por via terrestre. A origem do bairro remonta aos tempos de
funcionamento do antigo Porto Fluvial do Ribeira, que deu nome à comunidade, pois era
nesse local que aportavam embarcações que desciam o rio Ribeira, especialmente no séc.
Icapara
habitada no início da colonização, por volta de 1538 (data oficial da fundação de Iguape). É
conhecido por abrigar muitas famílias de pescadores e, por isso, é um dos poucos bairros que
Barra do Ribeira
Distante 18 km do centro de Iguape, é o local onde o rio Ribeira deságua no mar. Com
inúmeros atrativos, como o rio Suamirim e a foz do rio Ribeira de Iguape, é excelente para
pesca, prática de surfe e passeios de barco e caiaque. É também a porta de entrada para a
Muito apreciado pelos veranistas, é um local que ainda mantém suas características de
comunidade caiçara. É na Barra do Ribeira – Juréia que se encontra a antiga imagem de Nossa
Morro Seco
características culturais muito peculiares. A grande maioria dos moradores locais tem
ascendentes das comunidades negras que formavam os quilombos. Por isso a comunidade é
Jairê
conhecida por panelas pretas, herança cultural deixada por tribos indígenas, provavelmente
gês, que habitavam aquela área. As panelas, bem como os potes e outros utensílios, são feitos
à base de argila e, durante a queima, tingidas com um extrato retirado da casca do jacatirão,
representadas pela música, pela dança, pelo artesanato, pelo linguajar e pela culinária. Os
Fandango.
pretas, além das cestarias, feitas principalmente de cipós e fibras, e o entalhe em madeira, em
especial na caixeta.
A fala é uma das características mais marcantes de Iguape. Tão viva e peculiar é a fala
do iguapense, que continua até hoje sendo objeto de pesquisa, como é o nosso caso. Além das
lembrando às vezes o português arcaico, em que é comum, por exemplo, a alternância do som
3 MÉTODO E PROCEDIMENTOS
determinado espaço geográfico, numa rede de pontos, entrevistando um ou mais sujeitos por
ponto, os quais representam o falar dos moradores do lugar. Posteriormente esses dados são
organização dos dados. Uma vez constituído o corpus, a tabulação dos dados gerou tabelas,
quadros e permitiu a sua descrição. Finalmente, fizemos a análise dos aspectos semântico-
lexicais, com base na pesquisa teórica e na pesquisa dos dicionários gerais de língua
procedimento que será detalhado neste mesmo capítulo, no item 3.5. Como o uso lingüístico
comunidade, trabalhamos com a noção de norma de Coseriu (1979; 1992), que está
fundamentada no capítulo 4.
Geolingüística, a seleção e uso de lexias por falantes de uma comunidade pode caracterizar uma
visão de mundo peculiar. Ou seja, conhecer a comunidade estudada pode ajudar a explicar os dados.
40
Por fim, analisamos aspectos semântico-lexicais das respostas coletadas, com base nas
conhecíamos muito bem a região e, a princípio, pensamos em constituir uma rede de pontos
Iguape é o maior município do Estado de São Paulo em extensão, com uma área total
de 1981 km2. Possui sete bairros situados na zona urbana e oito na zona rural. Mas sua
quais, multiplicados pelo número de quatro sujeitos por ponto, resultaria numa amostra, no
sujeitos por localidade que não as capitais de estado. Mas aí teríamos um único ponto para
toda essa imensa área, com quatro sujeitos, ―distribuídos eqüitativamente por duas faixas
Consultamos Coseriu (1982, p. 93) a esse respeito: ―(...); mas só uma investigação
sistemática numa rede de pontos com ‗malhas‘ suficientemente estreitas, como as exigidas
para os atlas lingüísticos, oferece boas garantias no que toca à amplitude do inventário (...).‖
pesquisar nos atlas lingüísticos já publicados. Pelo que percebemos, não existe uma
Tirando uma média das duas perspectivas, Projeto ALiB e Coseriu, e procurando
Determinamos, por fim, que a rede de pontos seria constituída pelos bairros de
critério cultural; e pelo Rocio, atualmente o bairro mais populoso de Iguape - critério
demográfico.
Em cada um dos três pontos selecionados, Icapara, Rocio e Jairê, entrevistamos quatro
sujeitos, dois homens e duas mulheres. Foram feitas, no total, doze entrevistas, conforme
localidade ou que nela tivessem vivido a maior parte de suas vidas, não tendo se afastado do
que ficou relativamente isolado dos grandes centros urbanos, não tem indústrias de grande
porte, e conserva suas tradições caiçaras, optamos por recolher dados de fala de duas faixas
Ao criarmos mais uma faixa etária (66 anos em diante) em relação às duas
dois extremos. Se por um lado isso é bom, pois permite uma visão diacrônica em tempo
aparente do dinamismo da fala dos iguapenses, por outro é ruim, pois não permite a
ALiB.
Nos cartogramas, para registrar cada nova lexia empregada pelos sujeitos, usamos uma
Os sujeitos foram classificados, para facilitar a identificação dos dados que a eles
e da faixa etária. A variável escolaridade, como é comum a todos os sujeitos, não tendo sido
considerada, foi dispensada. Assim, ROC-M-1 significa: sujeito do ponto Rocio, do sexo
3.2 Questionário
como é conhecida,
(...) deve ser realizada, sempre que possível, pelo próprio investigador; a experiência
tem mostrado que só ele pode aperfeiçoar, no campo, o seu questionário, alargá-lo,
sanar-lhe as lacunas ou sentir a conveniência (à vista do material que tem diante dos
olhos) de explorar mais a fundo certos fatos lingüísticos (SILVA NETO, 1957, p.
27).
Para a recolha dos dados de fala da pesquisa, nada melhor que usar um questionário
previamente elaborado e que abranja um leque de questões sobre vários temas relativos ao
Escolhemos para realizar nosso estudo uma das áreas do QSL do Projeto ALiB. O
questionário divide-se em catorze áreas semânticas. A área CORPO HUMANO tem sido uma
das mais exploradas nos questionários, no Brasil e em outros países1. No QSL do ALiB, ela
CABEÇA.
Adotamos o QSL porque oferece a dupla vantagem de se poder, com método, investigar
Córrego/Riacho
Para orientação do pesquisador, as questões vêm precedidas por lexia(s), que servem
como tema. Não se espera que os sujeitos ―acertem‖ a questão, mas indiquem a lexia
fenômenos atmosféricos, astros e tempo, atividades agropastoris, fauna, corpo humano, ciclos
Para a pesquisa da maioria dos fenômenos lingüísticos, o mais habitual dos procedimentos
1
No questionário do Atlas Linguistique et Ethnographique du Lyonnais (Gardette, 1968), a área semântica 29,
Le corps, engloba as questões 1051 a 1088, sobre‘ les cils, lou peyon‘, ‗la pupille de l‘oeil, la poupouna‘, ‗un
orgelet‘, ‗les molaires, les masselar‘, la nuque, le cotivè, le coupè‘, p. ex. No ALiR, Atlas Linguistique Roman
(Alinei, 1993), temos de 356 a 434, questões sobre ‗la nuque‘, le visage‘, ‗les cils‘, ‗la paupière‘, ‗l‘oeil‘, ‗les
canines‘, ‗les molaires‘, ‗les dents de sagesse‘, etc.
45
mais informal possível, já que o objetivo era obter a fala casual, habitual, dos falantes.
questionário social para melhor conhecer o sujeito entrevistado e traçar o seu perfil. Esse
Da primeira vez que fomos a Iguape, no início de agosto de 2007, a Festa do Bom
Jesus de Iguape, com a tradicional romaria e missa na Basílica, tinha ocorrido no dia anterior
à nossa chegada. Mas as barracas que se estendiam por toda a rua da praia, contornavam o
campo de futebol, e onde se vendia toda sorte de mercadorias, como roupas, tapetes, sapatos,
artigos religiosos, lanches e comidas de todos os tipos, continuavam armadas. Havia muita
de 25 anos, filho de pescador e morador do bairro, concedeu-nos uma ótima entrevista, mas
não pudemos aproveitá-la. Ele está fora do perfil desejado, por causa do seu nível de
Ainda no bairro de Icapara, no mesmo dia, conversamos com uma senhora que nos
não ajudou, logo a pilha acabou e tivemos que interromper e deixar para o dia seguinte.
Voltamos no horário marcado para entrevistar os dois, marido e esposa, mas eles tinham
geografia de Iguape. Começamos pelos pontos turísticos ligados à sua história colonial, à sua
outros do início do século XX. Conhecemos o Mar Pequeno, o Valo Grande, a ponte que liga
Voltamos outras vezes a Iguape e buscamos auxílio com pessoas da cidade para
nos indicar os sujeitos para as entrevistas. Na escola estadual do bairro do Rocio, a vice -
diretora chegou a chamar dois alunos da 1ª faixa etária, um rapaz e uma moça, para
conversarmos. Marcamos a entrevista para o dia seguinte, à tarde, mas nenhum dos dois
apareceu.
almoço. Gentilmente nos ofereceram almoço na escola, depois do qual voltamos para o centro
As gravações foram feitas com gravador digital MP3 Player Sony, as quais foram
b) quando o sujeito deu como resposta duas ou três lexias, consideramos para efeito de
Ocorreu esta situação com a questão 103, que teve como segunda resposta ora a
variante soluço ora jojoca.
c) a variação fonética não foi considerada para efeito de contagem de uma nova lexia,
Exemplos:
Questão 7:
―... o vento que vai virando em roda e levanta poeira, folhas e outras coisas leves?‖
Respostas - redemoinho
rodamoinho
remoinho
Questão 84:
―... um bichinho que se gruda nas pernas das pessoas quando elas entram num
córrego ou banhado (cf item I)?‖
Respostas – sanguessuga
chamechuga
samechuga
chumechuga
por exemplo.
Muller (apud BARBOSA, 1978, p. 88), dentre os vários conjuntos que podem receber
lingüística. É o conjunto que nos interessa e que pode ser analisado com os métodos e técnicas
Por sua vez, o léxico efetivo, que abrange todas as unidades que já foram atualizadas
subconjuntos: o léxico passivo e o léxico ativo. É o léxico ativo que iremos recolher em nossa
pesquisa, o conjunto das lexias de codificação automática, cuja atualização em discurso exige
Adaptando o modelo de Muller (1968) para fins de tratamento quantitativo dos dados
possíveis, cada resposta à questão proposta será expressa em número cardinal inteiro que
em relação à mesma questão, face ao total de sujeitos entrevistados, obtemos o valor relativo,
49
expresso em número fracionário, até a segunda casa decimal. Se esses números forem
Os cálculos de freqüência podem ser feitos nos moldes descritos acima relativamente
3.6 Cartogramas
principais:
Doutorado. Também a Profª Drª Ana Maria Marangoni, do Departamento de Geografia da USP,
precisão, e não à exatidão. Cartogramas, segundo Ferreira, em seu dicionário eletrônico, são mapas
ou quadros em que, por meio de pontos, figuras e linhas, previamente convencionados, representa-
mapas ou cartogramas. Não elaboraremos um atlas lingüístico, que são coleções cartográficas
referentes a cada lexia, afora os mapas do Brasil, de São Paulo e o mapa base de Iguape com
Coseriu (1982, p. 83), de acordo com os fatos lingüísticos que registram, classifica os
conceito;
comprovadas;
pontos investigados.
Em nosso estudo, como lidamos com fatos lingüísticos de caráter lexical, elaboramos
mapas lexicais que, segundo a classificação de Coseriu (1982, p. 83), registram todas as
4 ASPECTOS SEMÂNTICO-LEXICAIS
4.1 A Norma
introduzidos na ciência lingüística por Saussure (1972), e logo aceitos ou reelaborados por
uma série de lingüistas, Coseriu (1979) se propôs a apresentar sua visão tripartite, partindo de
uma concepção monista da linguagem. Para ele, língua e fala não podem se opor, já que
lingüística, e que língua e fala não podem ser consideradas como realidades autônomas, uma
vez que a fala é a realização da língua e, por outro lado, a língua é condição da fala.
Ou seja, Coseriu (1979) apresenta sua visão tripartite da linguagem em que o conceito
em Saussure. Acredita ainda que, do ponto de vista metodológico, ela possa revelar-se útil,
quanto diacrônica.
Para melhor explicar a distinção entre sistema normal e sistema funcional, para
Coseriu (1979) norma e sistema, ele evoca a célebre analogia saussuriana com o xadrez, em
que entre o ―código‖ do jogo e sua realização, nesta ou naquela partida, podem-se comprovar
certos movimentos, certos aspectos constantes, que não modificam as regras, o sistema, mas
Sistema é o que é possível numa língua, com base nas distinções que faz essa língua
e com base nos procedimentos que ela tem para expressar as respectivas distinções.
Sistema é, portanto, o que é possível com base nas regras de uma língua.
Assim, pois, o sistema contém o possível, isto é, tanto o realizado como também o
poderia ser chamado também de ―fala‖ (no sentido de processo, de dinâmica, que contém o
Correção = Sistema
Aceitabilidade Norma
Se uma língua pode abarcar vários sistemas, ou seja, as formas ideais de sua
realização, a sua dinamicidade, o seu modo de fazer-se, pode também admitir várias normas,
corresponde, como pensam certos gramáticos, ao que se pode ou se deve dizer, mas ―ao que já
Os atos lingüísticos, enquanto atos de comunicação, são acima de tudo escolha, seleção.
Tendo em vista a condição essencial da linguagem, que é a comunicação, esses atos pautam-se
pela re-criação nos moldes de uma ―língua anterior‖, sistema estabelecido na própria comunidade
53
sobre a base dos atos lingüísticos precedentes ao ato com o qual nos deparamos. Ele oferece os
modelos para esse mesmo ato e é ponto de referência em relação a uma inovação.
Assim sendo, no universo significante em que vivemos, cada comunidade escolhe, a cada
semas (sememas), pode caracterizar uma visão de mundo peculiar, relacionada à ocupação do
atlas lingüísticos funcionam muito bem como ―instantâneos‖ que captam o uso de uma língua
reúne, de modo mais ou menos acidental, diferentes sememas, apresenta-se mais como o
É isso que pretendemos mostrar neste trabalho: que a norma compartilhada por uma
comunidade lingüística reflete-se no léxico e varia, de época para época, de acordo com
condicionantes que vão ampliar ou reduzir o espectro dos semas dos lexemas selecionados.
Para abordar aspectos semântico-lexicais das respostas dadas, temos que começar pela
designação diferenciada das unidades lexicais. Segundo Quemada (apud ALVES, 1999, p. 69-
54
70) temos que levar em conta três planos, de acordo com a expansão da dicotomia saussuriana
língua e fala, acrescida do conceito de norma. Trata-se dos planos do discurso, do código e
sociocultural, permitem nomear um objeto, uma noção, uma qualidade ou uma ação. As lexias
Pottier (1978) escolheu o termo lexia para designar as unidades do conteúdo que têm
dimensões variáveis, indo de simples lexemas (―cão‖) aos sintagmas fixos (―pé-de-
moleque‖), e para tentar assim substituir o termo palavra, ao qual parece impossível
se dar uma definição suficientemente geral. Ele propõe a distinção de três tipos de
lexias: lexias simples (lexemas e lexemas afixados, como ―cavalo‖,
―anticonstitucional‖), lexias compostas (―couve-flor‖, ―guarda-roupa‖) e lexias
complexas (―pé-de-moleque‖, ―Maria-vai-com-as-outras‖) (GREIMAS e
COURTÉS, 1979, p.254).
Concordamos com Biderman (1999, p. 89), quando diz que o termo lexia, proposto
por Pottier (1978), é muito útil, por ser um termo técnico. Assim, no plano da língua, o termo
lexema refere a unidade abstrata do léxico. As manifestações discursivas dos lexemas devem
discurso (na lexe). Ou seja, realizam-se no plano da ―parole‖, mas são valores virtuais da
―langue‖. O ponto de partida de nossa análise é o semema, entendido como conjunto de traços
(1987) desenvolveu posteriormente, distinguindo dois tipos de semas: (i) os inerentes, que são
classificados, ainda, como distintivos, definitórios e universais; e ii) os semas aferentes, que
remetem a normas socializadas. Eles não são distintivos, não são definitórios e não são
universais. Caracterizam-se como conotativos e podem ser produzidos por uma inferência,
percurso que vai desde o momento de sua semiose, quando da junção do formante com o
núcleo sêmico que ele recobre, passa pela sua realização sintagmática e conseqüente inserção
no enunciado, de onde ele recolhe os semas contextuais que lhe possibilitam constituir-se em
mais abstrato para o mais concreto, do lexema para a lexia e em seguida para o lexe, pode
Esse percurso, nem sempre linear do lexema até sua manifestação no discurso, traduz-
pluridimensional.
Jakobson (apud RASTIER, p. 17-18) foi o primeiro a tentar uma análise semântica
estrutural das unidades lexicais, a partir das unidades mínimas fonológicas. Segundo Pottier
(1972, p.42), o lexema (ou morfema lexical) pertence a um inventário aberto e muito extenso.
algumas áreas são atualizadas, e então o lexema acontece num domínio específico.
abarcar todos esses domínios, mas só a situação de discurso atualiza um dos domínios, uma
vez que a significação é relacional. E, muitas vezes, a ligação entre eles permanece
subjacente.
Segundo Lyons (1963, p. 267-268), a semântica lexical estrutural, apesar das críticas
que lhe têm sido feitas (como a falta de formalização, etc), ainda não encontrou qualquer
gramática transformacional.
57
Trabalhamos com lexias da classe de designação que, segundo Barbosa (1978, p. 81),
comunidade.
Rastier (1987) e aqui examinadas em capítulo anterior. Ora deparamos com lexias utilizadas
na língua comum, ora com termos da linguagem de especialidade, usados por profissionais da
maioria de seus usuários. As unidades da língua comum são utilizadas em situações que
podem ser classificadas como ―não marcadas‖, como esclarece Cabré (1993, p.128).
de um povo, afirma Cascudo (2004, p.39), pode formar e transformar: modificar uma
cerimônia, uma técnica de produção agrícola, abandonar certos vocábulos por outros ou fazê-
contexto sócio-econômico-cultural que ele ao mesmo tempo gera e reflete. Nem dos grupos e
indivíduos que dele se utilizam. As línguas delimitam aspectos de experiências únicas vividas
por cada povo. Em face às demais formas de cultura, Câmara Jr (apud LOPES, p. 21) salienta
que ―uma língua é o seu resultado ou súmula; o meio para ela operar; a condição para ela
existir‖.
‗pensamento socializado‘‖. Cascudo (2004, p.239) discorre sobre a importância que o homem
atribui ao corpo humano, refletida nos nomes dados em relação a ele na cultura de vários
povos e civilizações.
O corpo humano foi para o próprio homem seu mundo inicial e continua sendo,
instrumento miraculoso de adaptação e conquista, princípio e fim de todas as cousas
circunjacentes, para ele viventes e úteis.
Tudo fora feito para o serviço humano e seu domínio, terras, águas, plantas e feras.
Sol e lua eram suas lâmpadas e as estrelas deviam guiá-lo nas noites escuras. O
mundo se organizou para o primeiro homem. Ele deu nome e função a tudo quanto
existe. As civilizações, pelas suas culturas, são capitalizações desta herança milenar,
acrescida na experiência dos tempos. O corpo humano foi, naturalmente, a medida
de todas as dimensões. Cidades, estradas, aquedutos e pontes são projeções estáticas
das proporções humanas. São necessidades, serviços indispensáveis e permanentes
que ele planejou e construiu, com mão e pé. O módulo foi seu corpo. O edifício
conserva o pé e a mão, e seus múltiplos e submúltiplos, como padrões
incomparáveis.
em benefício de uma descrição sincrônica dos fatos de significação, a Semântica reserva para
Rohlfs (1979, p. 46-47), como exemplo da rede de relações que se forma entre o nome e a
coisa designada, relata que em certas regiões o homem, artesãos e aldeães, identifica toda e
qualquer atividade com o ato sexual, e lhe dá sua correspondente expressão lingüística. O
59
mesmo acontece entre as tribos primitivas do Pacífico: a exteriorização lingüística das idéias
se reveste de imagens sexuais condicionadas; assim também nas línguas européias a fantasia
Segundo Willems (apud GUÉRIOS, 1979, p. 1), tabu é ―proibição ligada a certas
representações mágicas ou religiosas. Existe uma infinidade de tabus cuja infração envolve
O recurso que se usa para exteriorizar a idéia expressa por um tabu são os meios
indiretos ou meios diretos dissimulados, isto é, expressões substitutas que encobrem o ser
sagrado-proibido.
termo tabuizado: por gesticulação, por sinônimo, por expressão genérica, por antífrase, por
disfemismo, por diminutivo, por deformação fonética, por mudança sintática, por plural, por
gênero neutro, pronunciado em voz baixa, etc. Vamos encontrar alguns desses procedimentos
Até hoje, pronunciar o nome de certas partes do corpo humano é alvo de tabu
lingüístico, assim como o são o de doenças e defeitos físicos. Apesar de ser fenômeno
universal e de todos os tempos, o tabu varia na intensidade e de povo para povo, isto é, o que
seleção e uso de certas lexias, pelo conjunto de seus semas (sememas), a uma visão de mundo
No poema de Mário de Andrade, nossos grifos destacam partes não apenas do corpo
humano como também elementos que compõem a área Corpo Humano, como a cabeça, que
Essa parte do corpo humano, a cabeça, sempre mereceu a atenção do homem por sua
Para Cascudo:
O caçador primitivo valorizou seus órgãos. Boa parte dos essenciais estava na
cabeça, a visão, o olfato, o paladar, a audição. (...) Naquele tempo em que o mundo
amanhecia para a espécie humana os órgãos significavam realmente o instrumental
da vida diária e batalhada.
Era também a parte mais alta do corpo. De maior evidência e notoriedade. (...) Por
isso a cabeça é o princípio, governo, disciplina. (...) A primeira insígnia de chefia só
podia ser colocada na cabeça do aclamado. As formas distintivas da soberania ficam
na cabeça dos reis e dos papas. (...) Cabeça é chefia, inteligência, astúcia, previsão,
planejamento. É a sede do comando, da decisão, da vontade orientadora.
Exibir o crânio do inimigo vencido é a prova mais evidente de sua derrota inegável.
(CASCUDO, 2004, p. 245-247)
Rohlfs (1979, p.200-202), em seu estudo sobre o léxico românico, inclui um capítulo
para a diferenciação léxica das línguas românicas, de onde extraímos o seguinte subtítulo:
CAPUT-CAPITIA
Vigorosas expressões o povo usa para designar a 'cabeça'. Assim como nos
romances atuais, junto à palavra oficial se usam vozes mais expressivas. Em fr.
pomme, poire, melon, citron, citrouille, boule, tronche; it. zucca, cucuzza, borella;
esp. olla, calabaza; rum. diblã 'violino', tidvã 'calabaza', ciuturã 'cubo', etc.). O
velho caput se conservou como cap na Romênia, como capo na Itália central e
meridional, e em zonas muito limitadas da Itália superior (lomb. cò, friul, ciaf), em
fr. merid. cap, em cat. cap e em réticochiauoucheu.
A cabeça, uma das partes do corpo humano, é composta de ―sete buracos‖, como diz
Caetano Veloso na canção ―A Tua Presença Morena‖: dois olhos, dois ouvidos, duas narinas
5.1 Olhos
Por isso, gregos e romanos gravavam, pintavam, esculpiam olhos nos túmulos para
que os mortos repousassem em paz e livres do que o mau-olhar pode fazer. (...) Os
deuses precisavam defender-se do olho-mau, tão poderoso quanto eles (CASCUDO,
2004, p.249-250).
5.1.1 Pálpebras
Freqüência e distribuição
Iguape:
Pequena parcela emprega a lexia pipela, que nos parece ser o pólo contrário da
especialidade, próximo da banalização, segundo o sentido atribuído por Cabré (1993, p.136),
quando afirma ―(...) a menudo trasladamos los temas especializados, en el sentido más
ortodoxo del término, a la vida cotidiana. Este fenómeno ha sido denominado, por autores
variante registrada em Iguape. Mesmo em atlas regionais não se registra essa forma, apenas
Assim como nos dois atlas regionais pesquisados, o ALPR (1984) e o ALMS (2007), a
lexia pestana foi selecionada por um dos sujeitos como resposta à questão sobre pálpebra.
A maior parte dos sujeitos entrevistados, quase 50% dos falantes/ouvintes, não
conhece ou não conseguiu selecionar uma lexia que designasse o referente pálpebra.
passo que, no feminino, a lexia foi bem mais produtiva, atingindo 50% das respostas. O
contrário aconteceu com a lexia pipela: nenhuma ocorrência foi registrada entre os sujeitos do
64
gênero feminino, enquanto o índice percentual de uso entre os homens foi considerável:
O termo pálpebra foi empregado como resposta a esta questão pela maioria dos
etária não fizeram uso do termo pálpebra, mas foi nessa faixa etária que apareceram as duas
ocorrências da lexia pipela, sugerindo que a lexia só está memorizada pelos mais velhos e
vem sendo preterida pelos mais jovens. Verifica-se, portanto, que os sujeitos da primeira faixa
movimentado, foi o que apresentou a maior freqüência de uso do termo pálpebra. Nos outros
dois bairros, Icapara e Jairê, de arraigadas tradições caiçaras, bastante afastados do centro,
apenas um quarto dos falantes emprega o termo pálpebra. Não por acaso, os moradores
daquele bairro têm acesso ao Hospital Municipal de Iguape, enquanto os moradores destes
contam apenas com um Posto Médico. Desse modo, concluímos que a realidade
extralingüística influiu na vida dos moradores das áreas urbanas, que têm mais acesso a
atlas regionais: o Atlas Lingüístico do Paraná – ALPR (1994) e o Atlas Lingüístico de Mato
pelo âmbito de uso ou por seus usuários; ii) apresentam-se como um conjunto com
características inter-relacionadas, não como fenômenos isolados; e iii) mantêm a função
comunicativa como predominante, acima de outras funções complementares.
técnico é diferente da que está no vocabulário geral, pelo fato de muitas vezes nele ocorrer a
- párpado: m. Cada uno de los dos velos movibles, superior e inferior, formados de piel,
ETIM lat. pálpebra,ae e palpebrae, arum, ‗id.‘, ver palp- NOÇÃO de ‗pálpebra‘, usar
- pálpebra [Do lat. pálpebra] sf. Anat. Cada uma das duas pregas móveis, uma superior e
outra inferior, dotada de cílios, e que protege a superfície anterior de cada globo
- pálpebra sf. ‗membrana móvel que cobre o globo ocular‘ 1813. Do lat. pálpebra,-ae//
O sema S1 nos interessa porque vai ser alvo de uma atualização seletiva de traços que,
por muitas estratégias de inferências possíveis, vai produzir a variante pestana. Segundo
Houaiss (2003, p. 2201), pestana é o mesmo que cílio. De acordo com Rastier (1987, p.11),
As outras formas selecionadas pelos sujeitos são lexias geradas pelo próprio núcleo
sêmico de pálpebra: capa, capela, pele e couro do olho, que remetem a véu, membrana, prega do
olho, do globo ocular. Elas põem em relevo a função da pálpebra que é velar, cobrir o olho,
expressa pelos semas ‗que cobre o globo ocular‘, ‗que recobre parcialmente o olho‘, ‗cubren
completamente (...) globo ocular‘. Além disso, a pálpebra protege o olho, como indicam os traços
A função que exerce a pálpebra ao velar, cobrir os olhos, identifica-se com o hábito de
cobrir o rosto, ou toda a cabeça com um véu. Leia-se este trecho da Bíblia, recolhido por
Fitar de frente os olhos tornou-se uso restrito na ambivalência amor e medo, amor
pela atração da obediência e medo à contaminação maléfica. Moisés cobriu o rosto
para não olhar Iavé (Êxodo, III, 6) e mesmo que Deus lhe falasse como amigo,
cara a cara, avisou-o de que nenhum homem poderia ver-lhe o rosto sem morrer
(Êxodo, XXXIII, 20) e Moisés, tendo visto a divina face, ficou com a sua
resplandecente e, para não atemorizar os hebreus, velou-se (Êxodo, XXXIV, 29-30,
33-35).
65 (inf. A): A resposta completa foi: ―esse aqui é cilo. Esse aqui não sei, é uma pele
A lexia sobrancelha, tal como consta do ALPR, talvez tenha sido selecionada em
Iguape por extensão, proximidade. Já para a forma pipela, registrada apenas em Iguape, não
5.1.2 Cisco
Freqüência e distribuição
É quase geral o uso da lexia cisco em Iguape, para referir a partícula que cai no olho e
incomoda bastante.
69
números:
A lexia cisco foi selecionada pela maioria dos sujeitos das duas faixas etárias,
revelando bastante vitalidade entre os mais idosos, mas também boa aceitação entre os mais
jovens. Ou seja, a lexia está memorizada por falantes/ouvintes de ambas as faixas etárias.
Nos três bairros, Icapara, Rocio e Jairê, emprega-se majoritária e igualmente a forma
No quadro abaixo, comparamos a ocorrência das variantes em Iguape com outro atlas
regional: o Atlas Lingüístico da Paraíba – ALPB (1984), o único dos atlas pesquisados em
variante poeira ocorre somente em Iguape, e argueiro é variante lexical apenas na Paraíba.
Partindo para a análise de traços semânticos relativos à lexia cisco, fomos procurar em
ramos, algas etc.) trazido pelas enxurradas 4 design. comum às aparas miúdas 5 B
partícula ou grânulo (de poeira etc.) que entra acidentalmente no olho, argueiro 6
- cisco [De or. obscura] S.m. 1 pó ou miudezas de carvão 2 lixo, varredura 3 ramos,
gravetos, etc., arrastados pelas enxurradas 4 Bras. Leve partícula de qualquer corpo
- cisco ‗pó, lixo, varredura‘ XVI. De origem controvertida // ciscar R vb. ‗limpar,
Dentre os vários sememas de cisco, o uso que nos interessa está contemplado na
acepção 5, de Houaiss, e 4, de Ferreira. A começar pela própria pergunta, ―... alguma coisinha
que cai no olho e incomoda?‖, a rede semêmica de cisco apresenta uma série de semas
‗partícula‘ e ‗grânulo‘.
todas as outras formas citadas. Quer dizer, engloba todos os semas ou traços semânticos de
combinação de semas, segundo Rastier (1987, p.11). Daí Houaiss registrar que ―Corominas
acha mais verossímil tratar-se de uma criação expressiva, lembrando comparações que se
fazem com o lat. ciccus,i ‗coisa insignificante‘, tb relacionado (só indiretamente) com o esp.
Uma minoria empregou a lexia poeira como resposta à questão. Como vemos na
definição dada por Houaiss (2001), poeira é um dos semas aferentes de cisco, pode ficar
demais semas por inferência, por uma associação bastante previsível, desvelada pelo filólogo:
‗partícula ou grânulo (de poeira etc)‘. A isotopia que a revela provém de normas socioletais,
Cunha (p. 616), analisando etimologicamente a lexia pó, anota: do lat. *pulus, de
*pulvus (cláss. pulvis,-veris) //poeira XVI//. Cisco é, na interpretação dos sujeitos que a
Ferreira (2004) registra a variante, mas apenas assinala que é sinônimo de cisco no norte do
Cascudo (1979, p. 22) traz maiores informações sobre o argueiro, produto da história
ou do uso popular:
Argueiro. Os remédios populares para retirar o argueiro (cisco) do olho são: esfregar
a pálpebra, dizendo: ‖vai-te, argueiro, pro olho do companheiro!‖ (três vezes);
colocar uma semente de alfavaca (ocimum) na pálpebra e esfregá-la. A semente de
alfavaca vai buscar o argueiro e pega-se nele, facilitando sua extração. Diz-se,
esfregando a pálpebra:
Para as moléstias de olhos, ou o desconforto causado aos olhos por um cisco, pode-se
apelar para a proteção de um amuleto, como acrescenta Cascudo (1973, p.240): ―Por uma
glóbulos oculares da santa, em ouro ou prata, trazidos ao pescoço, significam amuleto contra
o fascínio ou a má sorte.‖
73
Freqüência e distribuição
Iguape:
É alta a freqüência de uso da lexia caolho, em Iguape, para designar ‗a pessoa que só
enxerga com um olho‘. Para metade dos iguapenses pesquisados, ela é de fácil decodificação,
faz parte do vocabulário ativo. A lexia picego tem freqüência relativamente alta em Iguape, se
Uma pequena parte empregou a lexia complexa cego de um olho para responder à
questão nº 91.
A lexia caolho foi empregada preferencialmente pelos sujeitos da primeira faixa etária,
tendo a forma bastante vitalidade também entre os mais idosos. Ou seja, a lexia está
Nos bairros da zona rural, Icapara e Jairê, que, como já dissemos, são mais distantes
a forma caolho. No Rocio, bairro da zona urbana, grande e populoso, na falta de uma forma
socializada que contemplasse o significado contido na pergunta, a maioria optou pela lexia
complexa transparente, ‗cego de um olho‘, que descreve o referente. A variante picego, que
foi atualizada nos dois bairros da zona rural, no Rocio não apresentou nenhuma ocorrência.
regional: o Atlas Lingüístico do Mato Grosso do Sul – ALMS, único dos atlas regionais
Mato Grosso do Sul. A forma variante picego ocorre somente em Iguape, e zarolho e vesgo
- caolho (1899 cf CF) 1 que ou quem não tem um dos olhos 2 m.q. estrábico © ETM
amigo. S.m. 2 pessoa caolha ou estrábica: Como é que um caolho faz mira?
- caolho [Do quimb. Ka, ‗pequeno‘, + olho(ô) Adj. s.m. Bras. 1 v. estrábico (2 e 4) 2
Neste caso, a pergunta foi muito bem formulada e contempla os semas do semema da
tem um olho, ou porque é cega de um dos olhos. O núcleo sêmico é exatamente esse: cego de
acima, mas não é assim interpretado pelo vulgo. Será motivo de estudo na questão sobre
vesgo.
A lexia picego, de origem obscura, foi atualizada por inferência a partir dos semas
inerentes de caolho: se só enxerga com um olho, infere-se que é uma ―pessoa que enxerga
mal, que é míope ou vesga‖, como se lê na definição dessa lexia em Houaiss (2001, p.2207).
acima em Borba. Para disjungir-se de caolho e daí alçar-se à condição de lexia, o traço sêmico
conjunto de semas como o traço distintivo mais transparente e marcante, passando a nomear o
A importância dada aos olhos desde a Antigüidade, é destacada por Cascudo (1979 , p.
281):
As enfermidades e defeitos físicos não são bem-vindos pelos homens e, por isso, até
mesmo as designações para essas doenças e deficiências são evitadas. Acredita-se que são
Podem ser encontradas no Antigo Testamento, passagens que sustentam essa crença:
Deuteronômio, 5:9 - ‖Eu sou o Senhor teu Deus, Deus zeloso, que castigo a
iniqüidade dos pais sobre os filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me
aborrecem‖. E no Novo Testamento - ―E, passando Jesus, viu um homem cego de
nascença; e os seus discípulos perguntaram-lhe: Mestre, quem pecou, este ou seus
pais, para que nascesse cego?‖(Jo, 9:12) (apud GUÉRIOS, 1979, p. 138).
Guérios (1979, p.143) sustenta que o lat. orbus, primit. ―privado de‖ e ab oculis, ‗sem
olhos‖, são expressões eufemizantes que, em muitas regiões da România, vieram a substituir
caecus. Ele acredita, ainda, que o eufemismo aplicado a um defeito físico consiste em se
outra voz, afirma Rohlfs (1979, p.227), e ela se conservou com vitalidade.
2
Segundo o autor cegar era pena clássica aos sacrílegos e adúlteros (gregos), perjuros, traidores, moedeiros
falsos, entre os germânicos, ainda aplicada na Alemanha do século XV. Na Espanha o Fuero Juzgo
destinava-a aos rebeldes traidores mas as Partidas aboliram (ley 6, tit. 31, Partida 7): porque la cara del home
fizo Deus á su semejança. Completava a condenação, quando ligada aos crimes políticos e de traição ao rei, a
castração. Corrente na Rússia asiática nos finais do século XIX e primeira década do XX. Comuníssimo na
África no século XX, castigo de ambição política ou rebeldia. Faziam passar diante dos olhos uma lâmina
ardente ou arrancavam os glóbulos oculares. Oriente. África Setentrional.
78
5.1.4 Vesgo
QUESTÃO 92 - ... a pessoa que tem os olhos voltados para direções diferentes?
Completar com um gesto dos dedos.
Freqüência e distribuição
números:
A lexia vesgo também foi atualizada pela maioria dos sujeitos das duas faixas etárias,
revelando bastante prestígio da forma entre os mais idosos, mas também boa aceitação entre
os mais jovens.
Nos três bairros, Icapara, Rocio e Jairê emprega-se majoritariamente a forma vesgo,
da questão 92 para o pesquisador, vesgo, é uma das lexias de maior freqüência, ao lado de
estrábico, zanolho e zarolho, com ocorrência em Iguape e em dois dos três atlas regionais
quadro dos dados acima constitui um bom exemplo do caráter da multidialetação no Brasil.
portador dessa deficiência visual, e a criatividade das designações: ‗olho de vira navio‘,
estrábico ETIM voc. expressivo, cp. esp. bisgo/bizco ‗id‘; f.hist. s XIV uizcos, s
- vesgo (or duv) Adj 1 estrábico. Sm 2 pessoa estrábica. (BORBA, 2004, p.1426)
p.833).
oculares dependem da acção de seis músculos, sendo quatro rectos e dois oblíquos
[ver OLHO]. Destes músculos, os rectos externo e interno movem o globo ocular
conjunto. O músculo recto externo e o músculo recto interno são por isso os mais
importantes dos seis, e os defeitos com eles relacionados são o estrabismo para
/+banal/. Portanto, a denominação vesgo é mais popular e seu uso, conseqüentemente, mais
O semema da lexia vesgo a insere no domínio dos males ou doenças que afetam o
olho. Ela se define pela soma de seus predicados, representados pelos semas ‗que sofre de
desvio‘, ‗que sofre de estrabismo‘, ‗indivíduo atacado de estrabismo‘, que deixam claro que
reporta-se ao indivíduo vesgo, neste caso adjetivo, como portador de uma deficiência. Apesar
de não constar dos dicionários, o adjetivo vesgo é hoje em dia evitado, quase interditado, por
reportando-se à deficiência de uma forma sutil e brincalhona. São criações como ‗olho de vira
nenhuma conotação depreciativa. Ele é definido neutra e objetivamente por sua etimologia
grega ‗acção de entortar os olhos‘, como ―estado em que os dois olhos (...)‖.
Estrabão, que é o adjetivo e substantivo do grego strabós, pelo latim strobone-, ―estrábico;
fig., invejoso, ciumento‖. Esse semema contém um conjunto de virtualidades que, a qualquer
estão prontas para se atualizar. ‗Invejoso‘, ‗ciumento‘ são semas aferentes de estrábico.
O pavor, o medo de Fobos _ que era um deus _ o receio de todos, é o olhar da deusa
Inveja, in-vidia. A que-olha-com-olhos-maus, olha contrariamente para nós,
invertendo a felicidade, fortuna, êxito, dissolvendo as alegrias alheias sob o ácido do
ciúme e do ódio.
E mais: ―A imagem da visão total induzia a uma quase onipotência. O sol é o olho do
Cumpre assinalar que o dicionário registra muitas das formas que aparecem nos atlas
lingüísticos pesquisados, e outras até que não aparecem na pesquisa, sem, no entanto, indicar
a localidade em que se usa tal variante, sua marca diatópica. Só indica a região.
5.1.5 Míope
QUESTÃO nº 93 ... a pessoa que não enxerga longe, e tem que usar óculos?
Freqüência e distribuição
Com relação à pergunta ―... a pessoa que não enxerga longe, e tem que usar óculos?‖,
a amostra do falar de Iguape revela uma freqüência dividida igualmente entre duas lexias,
míope e vista curta (ou curto da vista), seguida de muitas abstenções e, por último, da
preferem fazer uso de uma variante a atualizar o termo especializado míope. Muitos deles
abstiveram-se de responder.
é patente, ao contrário do que ocorre com os sujeitos da segunda faixa etária. Essa geração,
provavelmente, teve mais acesso aos programas de saúde do governo, refletindo-se essa
situação no vocabulário, enriquecido desses termos. Também essa geração passou mais anos
A distribuição do termo míope e da lexia complexa vista curta está mais concentrada
no Rocio.
A pergunta do QSL está bem formulada, contemplando os semas que figuram nas
pesquisado. Míope e miopia são termos da linguagem de especialidade médica e, por isso,
- míope 1 afetado por miopia, 2 que ou aquele que sofre de miopia (indivíduo ou
pessoa m.) (o m. vê mal o que está longe) e a etimologia gr. myóps,opos ‗que pisca
os olhos para ver melhor‘, pelo lat. tar. myopis,opis ‗que tem a vista curta, que
que entram em cada olho, paralelamente ao eixo óptico, são levados a um foco
aquém da retina, dado o alongamento ântero-posterior que existe nesse olho. (Sin.,
- miopia [gr. myopia vista curta] (Sin.: vista curta) – Anomalia da refracção que
certa distância, num ponto situado à frente da retina. A sua correcção faz-se com
A lexia complexa vista curta, registrada como resposta à questão 93, é bem mais
popular que míope e, no entanto, tem origem tão erudita quanto ela. Como vemos nos três
dicionários pesquisados, o núcleo sêmico da lexia míope, é o sema inerente ‗vista curta‘.
torna-se um lexema autônomo para, em seguida, ser atualizado no discurso como a lexia
complexa vista curta. Trata-se de um processo por aferência que, segundo definição de
Borba (2004, p.30) para esse termo, quer dizer ―condução ou transporte de um ponto
A sabedoria popular, em mais este caso, optou pela designação do referente pela sua
vista é a forma mais transparente e mais direta. Isso nos levou a pensar na possibilidade de
existirem, realmente, universais semânticos. Segundo Martin (apud RASTIER, 1987, p. 26):
―certos dados do mundo, físicos, fisiológicos, antropoculturais, exercem sobre a vida dos
homens uma tão forte influência que é impossível que eles não deixem alguma marca na
língua. E esses traços, de fato, têm toda chance de ser universais.‖ Completa Hagège (apud
RASTIER, 1987, p. 27) que todas as línguas podem, não sem dificuldade, se traduzir e que ―a
tradução é a única garantia que nós temos de uma substância semântica ao menos em parte
A lexia estudada, míope, assim como as lexias cego de um olho (questão 91) e vesgo
passíveis, portanto, de tratamento e, por outro lado, de preconceito. Os semas ‗afetado por
patologia da doença. Neste caso, o tratamento faz parte dos semas inerentes: ―sua correcção
Já o preconceito não tem cura. Apesar de não constar dos dicionários, existe um
preconceito velado com relação às pessoas que usam óculos, que desde crianças são chamadas
de ―quatro olhos‖. Guérios (1979, p. 146) acredita ser caso de tabuísmo o uso no diminutivo
de nomes de deficiências físicas como cegueta, para ―míope‘, ―pisca-pisca‖, que encontramos
À parte a conotação disfórica dos olhos míopes, os olhos são tema de muita reverência
―Para que os olhos reunissem tanto crédito a explicação seria de que eles
impressionaram pelo brilho inusitado, pela fixidez enérgica, pelo poder magnético
inconsciente. O olhar de chefe, olhar de comando, deve ser tão antigo quanto a própria chefia.
De todos os órgãos é o único a agir sem contato imediato, determinando o estranho ambiente
ninguém sabe explicar o poder dos olhos pela simples mecânica muscular, e a ―eloqüência‖
ou intenção têm poderes reais que a física não compreende quando expressos num olhar
5.1.6 Terçol
QUESTÃO 94 -. a bolinha que nasce na ................(cf. item 89), fica vermelha e incha?
Freqüência e distribuição
para se referir à ‗bolinha que nasce na pálpebra, fica vermelha e incha‘. Trata-se de uma
A resposta a essa pergunta foi quase categórica, revelando ser Também se observa alta
freqüência da lexia, tanto absoluta quanto relativa, para os sujeitos entrevistados de ambos os
sexos/gêneros. O uso da lexia viúva é norma entre os iguapenses, não se limitando a um dos
Para nossa surpresa, a única ocorrência da lexia terçol aparece na segunda faixa etária:
foi empregada por um único sujeito de idade mais avançada, que supúnhamos desse
preferência a uma lexia normalizada na comunidade, como é o caso de viúva. Por outro lado,
a primeira faixa etária apresentou 100% de uso da lexia viúva, ignorando o termo da área
médica terçol.
Como era de se esperar, o bairro mais isolado, e por isso mesmo menos exposto a
influências resultantes do contato com o centro urbano de Iguape, o Jairê, apresenta 100% de
atualização da variante viúva, levando-nos a crer que o uso desta lexia seja mais antigo e que
ela seja mais motivada semanticamente para o falante local do que terçol. A lexia viúva
Vamos, então, aos dicionários para procurar a relação entre as duas formas, os semas
inerentes em comum e, se houver, o núcleo sêmico ou os semas aferentes que justifiquem o uso
lingüístico local viúva. Pesquisamos em dicionários gerais de língua portuguesa e nos dicionários
Copurus colonus, de cor preta com algum ornato branco bem destacado. O macho
espelho branco no meio das asas. Há um peixe dos Açores,; falta a relação
- viúva 1 mulher cujo marido morreu, e ainda não casou de novo, ‗que perdeu o
verbete viúva.
Era entidade de alto respeito, (...). Representava a idéia viva da morte e quase um
sobrevivente. A mulher viúva usava vestes pretas, o resto de sua existência. (...)
Liga-se à viúva a imagem da mulher desprotegida e fraca, à mercê de qualquer
violência e sem possibilidade de defesa. (...) O voto instintivo e popular é para a
viúva, e não o viúvo, conservar-se no seu estado de eterna esposa, como defendem
os positivistas‖ (p.794-795).
Vamos considerar a lexia viúva, na acepção ―mulher cujo marido morreu‖ como
viúva1. A forma homônima, registrada em Iguape como parassinônimo de terçol, será viúva2.
Somente a lexia viúva1 consta dos dicionários consultados. Vamos tentar, para justificar a
associação entre as duas lexias, estabelecer uma relação. Entre os semas de viúva1e de terçol,
deve ter se dado uma inferência, remetendo a normas socializadas na região, produzindo a
criar a variante lexical em estudo viúva2, não lexicalizada nos dicionários, mas encontrada
significação podem ter sido evocados por inferência, ou por analogia, e ter sido
atualizados no discurso por meio dessa variante lexical. Parece ter sido esse o caso da
lexia viúva.
- terçol, terçolho, treçolho ou terçogo [lat. triticeolus] (sin. hordéolo) inflamação das
- terçol, sm. (1721cf.RB) OFT infrm m.q. hordéolo ۞ ETIM orig. contrv., e a
- terçol o lat. tinha hordeolu ―grãozinho de cevada‖, que é o étimo do esp. orzuelo,
do it. orzaiulo e do fr. orgelet. Mas, para hordeolu ser o étimo do port. há duas
orzuelo:
circunscrita del borde del párpado (...), especialmente en niños y adultos jóvenes.
p. 943).
Nos dicionários de língua geral, consultando Aulete (1958, p. 4922), sob a rubrica
med., lemos: ―pequeno tumor inflamatório que nasce no bordo das pálpebras.‖ Em Ferreira
(2002, p.1947), rubrica oftalm.: ―pequeno abscesso na borda das pálpebras; hordéolo.‖
93
conjugando essa lexia e viúva1. Pelo menos em termos dos semas inerentes. Destaquemos
dentre os sememas de viúva1, o sema inerente ‗solteira‘; e dentre os semas de terçol, o traço
distintivo inerente ‗dolor‘. Ao que parece, operou-se uma atualização seletiva de traços,
potencializando o traço aferente da fragilidade do sexo feminino, inferido pela recorrência dos
Outros semas, virtuais, podem fazer outros percursos possíveis. Dentre vários
fatores que podem condicionar essa variação, está a cultura de um povo, suas crenças,
reflete.
lexical viúva, um dos semas inerentes de terçol, ‗dolor‘, está presente implicitamente nos
semas da lexia viúva1, é sema aferente, conotando perda, privação. Acreditamos que assim se
justifique a associação entre as lexias viúva1 e terçol: elas têm em comum os semas aferentes
‗solitária‘ e ‗dolor‘.
Tanto é verdade que o traço mais marcante de viúva é a solidão, que o vulgo
instintivamente deseja que a viúva mantenha seu estado de solidão e de dor, e reprova u m
novo casamento, ficando-lhe o papel de eterna esposa, como anotou Cascudo em sua
última citação. No entanto, a ‗mulher cujo marido morreu, e ainda não casou de novo‘ faz
crer que não ficará por muito tempo solitária, casando com outro homem. E com outro, se
tornar a enviuvar. O que lembra o sema inerente da lexia terçol ‘presenta notable
tendência a la recidiva‘. E também a estória típica que corre no Brasil, recolhida por
Cascudo (1979):
94
Um amigo de Jesus Cristo convidou-o para suas bodas. Nosso Senhor compareceu e
abençoou o casal. Tempos depois, o homem enviuvou e deliberou casar-se
novamente. Foi convidar Nosso Senhor, que lhe disse: ―Não vou, mas mando‖ (um
representante). E mandou. O homem enviuvou pela segunda vez, contratou núpcias
e voltou à presença de Jesus Cristo para o convite. Nosso Senhor declarou: ―Nem
vou, nem mando‖. Era a reprovação total (p. 794).
nomes. Trata-se, segundo Guérios (1979, p.14), de um tipo de tabu lingüístico substituído por
inimigo em amigo, ou neutralizar-lhe as forças malignas. Guérios (1979, p.140) comenta que,
5.1.7 Conjuntivite
Questão 95 - ... a inflamação no olho que faz com que o olho fique vermelho e
amanheça grudado?
incomoda bastante, representa quase 50% das respostas colhidas. Dordolhos ainda é
É interessante notar que são os homens que conservam mais a lexia dordolhos, usadas
A lexia conjuntivite foi selecionada pela maioria dos sujeitos da primeira faixa etária,
revelando-se bastante produtiva entre os mais jovens, e pelo contrário, de realização nula
entre os mais velhos. Provavelmente o uso dessa lexia é novo na comunidade, daí conviver
em paralelo com a variante mais antiga, usada pelos mais velhos, dordolhos, sem ocorrer
comutação das formas entre as gerações. Observe-se que nenhum dos sujeitos da primeira
faixa etária atualizou a forma dordolhos, enquanto, na segunda faixa, nenhum sujeito
empregou conjuntivite.
enquanto no Jairê a relação se inverte: metade dos sujeitos não sabe como se designa essa
doença dos olhos, e a outra metade está dividida entre as denominações conjuntivite e
dordolhos.
conjuntivite, não está presente no APFB nem no ALPB. A única lexia que aparece nos três
atlas é dordolhos. Segue-se outra variante com ocorrência em dois dos atlas, sapiranga e, com
apenas uma ocorrência, temos conjuntivite, em Iguape. Estes e outros dados quantitativos que
Iguape.
97
De novo temos um termo da área médica, referente ainda à região dos olhos. Vamos
conjuntivite aguda, há uma supuração abundante, e por isso deve evitar-se a oclusão
conjuntiva. [Sin. bras., pop.: carregação dos olhos.] (FERREIRA, dic. eletr.).
porção exposta da esclerótica (conjuntiva ocular); adnata. 2.Lóg. Cada uma das
dic. eletr.).
(1832) ‗id‘; ver jug-; f.hist. 1873 conjunctivite (HOUAISS, 2001, p.804).
- (conjuntiva) sf membrana transparente que cobre a parte branca dos olhos e a parte
Temos praticamente um único semema do verbete conjuntivite. Exceto pela inclusão que
Ferreira (dic. eletr.) faz de uma acepção da Lógica, ele se inclui no domínio da ―oftalmologia‖ ou
―doenças do olho‖.
98
remelência, que são registradas pelo ALPB, assim como, também, doença de olhos e
carregação nos olhos, que aparece em Ferreira (dic. eletr.) com a marca [Sin. bras.,
pop.:].
assim como para as doenças dos olhos, como em vesgo, caolho, míope, terçol e conjuntivite, e
Essas questões do QSL, oito no total, pertencem à classe semântica olho. Sobre os
Voltando a pesquisar sobre a importância dos olhos, constatamos que desde há muito
Por isso, gregos e romanos gravavam, pintavam, esculpiam olhos nos túmulos para
que os mortos repousassem em paz e livres do que o mau-olhar pode fazer. (...) Os
deuses precisavam defender-se do olho-mau, tão poderoso quanto eles (CASCUDO,
1973, p.239-240).
99
refletir a importância que se dava/dá em todas as civilizações e culturas a essa parte do corpo
Para que os olhos reunissem tanto crédito a explicação seria de que eles
impressionaram pelo brilho inusitado, pela fixidez enérgica, pelo poder magnético
inconsciente. (...) De todos os órgãos é o único a agir sem contato imediato,
determinando o estranho ambiente sugestionante, espécie de halo ao perfil
voluntarioso do dominador. (...) Fitar de frente os olhos tornou-se uso restrito na
ambivalência amor e medo, amor pela atração da obediência e medo à contaminação
maléfica (CASCUDO, 1973, p. 240).
5.1.8 Catarata
QUESTÃO 96 -... aquela pele branca no olho que dá em pessoas mais idosas?
Freqüência e distribuição
A lexia catarata é pouco utilizada, em Iguape. Menos da metade dos sujeitos ouvidos
Vejamos se há observações dignas de nota no emprego da lexia para cada um dos dois
gêneros:
100
catarata em relação aos homens. Como o uso desta comunidade não contempla uma variante
abstenções.
Com relação à variável faixa etária, contrariamente à tendência que vimos observando,
os sujeitos da segunda faixa etária, de idade mais avançada, que estão passando ou que já
passaram por este problema, conhecem a forma estudada. Portanto, a maior incidência do
termo especializado catarata foi nessa faixa etária. Os sujeitos da primeira faixa não
a doença. No Rocio, a grande maioria - ¾ dos entrevistados -, não conhece o termo que
Não encontramos esta questão tratada nos atlas regionais que consultamos.
(1964):
que se atira para baixo‘; f. hist. S XIV cataracta SIN/VAR ver sinonímia de queda
- catarata [Do gr. kataraktes, ‗que se lança para baixo‘; ‗queda d‘água‘, pelo lat.
cachoeira 2 doença ocular que torna o cristalino opaco, impedindo a chegada dos
- catarata [lat. cataracta, do gr. kata (r)áktes que cai, queda de água, taipal, dique] –
(COUTINHO, p. 423).
Em Braier (1964, p. 216), além dos semas encontrados nas definições acima, lemos:
- catarata. La forma más común es la senil, que aparece generalmente después de los
renales, etc. Kulezyka (1954) atribuye la catarata senil a una disminución del ácido
(fogoneros, obreros de altos hornos) por la acción del calor o de la luz viva.
doença do olho. De sua origem grega, herdada pelo latim, traz a noção ‗que se precipita, que
se atira para baixo‘, relativo ao referente ‗queda d‘água‘. Portanto, trata-se de dois signos,
Aqui, num primeiro momento, enfocaremos catarata2, cujos semas inerentes referem-
transparente‖, que é seu núcleo sêmico. O cristalino é diretamente afetado pela doença:
―doença ocular que torna o cristalino opaco‖. O semas que se referem a perda, diminuição
Um dos semas inerentes de catarata1 se refere à cor branca: ―la catarata diabética suele ser
b1anca, voluminosa y bilateral‖. Outro sema inerente contextualiza a faixa etária em que mais
comumente se manifesta a doença: ―que aparece generalmente después de los cincuenta años‖.
103
alto; catadupa‘; ‗grande massa de um rio ou de um lago que se precipita de grande altura;
cachoeira‘. Podemos perceber que alguns semas inerentes de catarata2, muito se aproximam
dos de catarata1: o cristalino (das águas e dos olhos), o volume (referência às águas da
cachoeira e à catarata2, volumosa) e branca (referência à espuma que embaça o cristalino das
falante/ouvinte, semas aferentes que até então permaneciam ocultos, subjacentes. De acordo
com Pottier (apud SANTOS, 2005, p.2), os semas podem sofrer profundas alterações em seu
estatuto, na dinâmica do discurso. Enquanto uns podem ser realizados, outros podem
permanecer ocultos, devido a processos metafóricos; outros, ainda, podem ter seu espectro
ampliado. Dessa forma o semema, como fato de língua que é, pode ser ampliado ou reduzido,
É o que parece ter acontecido neste caso: vemos que o sema ‗branca‘, que aparece na
pergunta do QSL (―aquela pele branca no olho‖), permanece oculto nas definições dos
dicionários e só vai se materializar na definição de Braier: ―la catarata diabética suele ser
significação, e se reporta à espuma branca que se forma nas cachoeiras, é a intersecção que
permite conjugar os dois sememas e gerar a metáfora, criando por neologismo semântico o
termo catarata - ‗doença do olho‘. Pelo que se pode perceber, esse neologismo semântico
ocorre quando a lexia catarata1 migra para o universo do discurso médico, disjungindo-se e
5.2 Boca
Essa classe semântica, como Rastier (1987) denomina uma esfera semântica, relativa
aos dentes reflete, como não poderia deixar de ser, a cultura e os costumes de vários povos e
civilizações.
arrancados:
Para punir um infrator ou ficar com um símbolo do inimigo abatido, uma tradição
Na pena de talião mosaica (Êxodo, XXI, 24), continua Cascudo (1973, p.248), alude-
se ao ―olho por olho, dente por dente‖. Por outro lado, entre os ainos do norte do Japão, a
Freqüência e distribuição
A lexia presas foi selecionada por metade dos entrevistados em Iguape. A outra
ao termo especializado dente canino para designar essa parte do corpo. Dessa vez, elas
fizeram uso da variante não-marcada, mais popular, presas. Quanto aos sujeitos do gênero
masculino, o maior percentual foi de abstenções, depois vem a variante não-marcada, e, por
Pelos dados da tabela, podemos ver que os responsáveis pelo uso e conservação da
lexia presas, em Iguape, são os sujeitos de mais de 66 anos. A metade dos jovens da 1ª faixa
selecionados para a pesquisa, em Iguape. Dos quatro sujeitos de cada um dos bairros, Icapara,
Rocio e Jairê, metade usou a lexia presas, um quarto usou caninos e outro tanto absteve-se.
Não encontramos esta questão tratada nos atlas regionais que consultamos.
- canino ANAT ODONT dente pontudo e perfurante, situado entre o incisivo lateral
- canino [Do lat. caninu] Adjetivo.1. Referente a, ou próprio de cão1 (1). ~ V. dente
- canino (DENTE) [lat. caninus de cão] – cada um dos quatro dentes situados entre os
- canino 1 relativo a cão 2 próprio, típico de cão 3 voraz Sm. 4 cada um dos quatro
segundo lemos na rubrica usada por Houaiss. Como termo, ele é monossemêmico, sua
definição é unívoca: seus semas inerentes ‗dente pontudo e perfurante‘ e ‗mais compridos que
108
associação do nome deste dente, pelas suas características e morfologia, ao dente dos cães.
Aliás, são os dentes dos ‗mamíferos‘, inclua-se aí o homem, e também dos carnívoros, pois
entre suas funções está a expressa pelo sema ‗que permite rasgar os alimentos‘, que nos
permite supor que o alimento em questão é a carne. O dente canino é, então, uma ferramenta
Por fim, vemos que canino é parassinônimo de presa(s), sendo que esta lexia pertence
à língua comum, e talvez por isso mesmo seja muito mais transparente, evidencie mais o traço
‗animal‘, /+voraz/. Mais que a própria lexia dente canino, que traz acoplado o adjetivo
metafóricas. São valiosas as indicações que ela oferece sobre a ação da fantasia (entenda-se
inferência) sobre o inconsciente coletivo. No caso de dente canino, como falamos, explica-se
a comparação pela forma e função dessa parte do corpo humano. Abaixo temos exemplos de
comparações que refletem interessantes pontos de vista de cada povo ao nomear seus objetos
de trabalho, por exemplo. São figuras de animais associadas a ferramentas criadas pelo
homem.
('mulherzinhas') a 'corchete' e 'corcheta'. Em alemão, Mönch 'monje' e Nonne 'monja' são 'uma
QUESTÃO 98 - ... os últimos dentes, que nascem depois de todos os outros, em geral
quando a pessoa já é adulta?
Freqüência e distribuição
dente do siso, em relação aos homens. Entre elas, nenhuma se absteve de responder, e uma
usou o parassinônimo dente do juízo. Os homens, por sua vez, não selecionaram a variante
dente do juízo.
110
etária, o que significa que a lexia está memorizada pelos mais idosos. Também os mais jovens
Percebe-se que nos três pontos, Icapara, Rocio e Jairê, as variantes lexicais têm
Como podemos observar, a questão sobre dente do siso reuniu diversas variantes
lexicais, em várias regiões do Brasil, registradas nos atlas pesquisados. A lexia dente queiro,
de maior freqüência no confronto com as demais regiões, não foi registrada em Iguape.
- Dente s.m. ‗cada um dos órgãos duros que guarnecem as maxilas do homem e outros
- Dente [Do lat. dente.] Substantivo masculino. 1. Anat. Cada uma das peças duras,
eletr.).
- Siso - 1 bom senso; juízo; 2 prudência; 3 jogo popular em que duas pessoas se
fixam atentamente, perdendo aquela que rir primeiro 4 o último dos dentes molares
- dente de siso ANAT ODONT cada um dos terceiros dentes molares que surgem
ger. entre os 17 e os 21 anos de idade; dente do juízo→tb se diz apenas siso./ Dente
- siso [Do lat. sensu, ‗sentido‘, pelo arc. seso.] Substantivo masculino. 1. Bom senso;
juízo, tino, prudência, circunspeção: ―Muito riso, pouco siso‖ (prov.) 2.V. dente de
Os semas inerentes de dente do siso, e também de dente do juízo, definem sua função
‗servem especialmente para morder e triturar alimentos‘ e, mais que isso, descrevem sua
112
característica principal: o fato de ‗que surgem ger. entre os 17 e os 21 anos de idade‘, ou seja,
‗que nasce na idade adulta‘, daí a designação dente do siso conduzir à inferência de que esse
dente nasce quando a pessoa já tem juízo. As variantes, quanto ao continuum cientificidade,
queixeiro, com síncope.]‖. Encontrada em todo o nordeste brasileiro, como registra Houaiss, a
lexia dente queiro também é selecionada para referir o dente molar, localizados, ambos, lado a
lado, no fundo da boca, na região do queixo. Daí ser possível a hipótese de Ferreira de queiro
QUESTÃO 99 - ... esses dentes grandes no fundo da boca, vizinhos dos ______(cf.
item 98)? Apontar.
Freqüência e distribuição
designações para referir os dentes grandes e chatos no fundo da boca. Novamente temos a
seleção de uma lexia, mastigador, mais motivada semanticamente para o falante /ouvinte.
113
mais uma vez se verifica. Neste caso não se trata nem de os homens optarem pelo banal ou
portuguesa e de especialidade:
- molar ANAT ODONT cada um dos dentes situados nas partes média e posterior
- molar [Do lat. molare, ‗de moinho‘.] Adjetivo de dois gêneros. 1. Próprio para
moer; que mói: pedras molares.~V. dente — Substantivo masculino. 2.V. dente (1)
- molar [lat. molaris mó, dente molar] Que mói, que serve para moer. Dente molar _
Cada um dos três últimos dentes de cada lado dos maxilares (COUTINHO, p. 1508)
A princípio, pensamos que queixal e molar não fossem parassinônimos, que não
por Borba, ‗dente molar inferior‘, é elemento diferencial, que disjunge os dois sememas.
Entende-se por essa definição que queixal só se refere ao dente molar do maxilar inferior,
associado a queixo. Mas, por isso mesmo, eles são parassinônimos. As definições
encontradas nos dicionários recolocam a questão nos trilhos: queixal e molar são variantes
queixo‘, o de molar é ‗que mói‘, ‗que serve para moer‘, ‗(dentes) que permitem esmagar
os alimentos‘.
115
odontologia. Já queixal pertence à língua comum e se revela bastante transparente, muito mais
seguir a linha, o processo da significação que o leva a interpretar molar, a associar molar a
‗que mói‘ e à função ‗próprio para moer‘. Demanda muito esforço para a busca, no banco de
Mais motivada ainda é a lexia mastigador, que o vulgo deve ter criado para designar o
5.2.4 Desdentado/banguela
Freqüência e distribuição
Também quanto à variável faixa etária a freqüência de uso da lexia banguela está
bastante equilibrada. Há uma leve predominância de uso pelos sujeitos da primeira faixa
etária.
Sem dúvida a lexia banguela é bastante freqüente e tem distribuição regular em várias
regiões do Brasil.
seguintes acepções:
mal as palavras, como se não possuísse dentes na parte frontal da arcada; que
- Desdentado adj.sm. 1 que ou quem não possui alguns ou todos os dentes *adj. 2
relativo ao desdentado ¥ f. menos us: edentado; ver dent- ᴥ SIN/VAR como adj:
agonfo, anodonte; como adj sm: ver sinonímia de banguela.¢ ANT. dentado
- desdentado [De des- + dentado1.] Adjetivo. 1.Sem dentes. [Sin. (p. us.): edentado.]
2.Que deixa ver a falta de dentes: ―seus cândidos olhos cor do céu, seu sorriso
desdentado, e seu ar simples, ingênuo‖ (Malu de Ouro Preto, Siri na Noite de Lua,
diferente da lexia relativa a dente. Nesse ponto recaiu em erro nosso primeiro dialetólogo,
Amaral (1920), ao supor que dos africanos herdáramos apenas a influência na fonética. A
lexia banguela, originária do topônimo Benguela (Angola), é uma contribuição dos africanos
Pela lógica, a lexia desdentado, muito mais transparente por ser derivada de
história de um povo, inscrita na língua. Note-se também que o povo flexiona a forma
original terminada em –a, comum aos dois gêneros, criando o masculino banguelo.
Sobre a lexia banguelo, Cascudo (2004, p. 47) anota: pessoa sem dentes; sem os
incisivos.
119
Benguelo.
5.3 Nariz
Mais uma vez é Cascudo (1973) quem citamos para falar sobre a simbologia e os
costumes associados ao nariz.
O nariz, órgão essencial da respiração (os orifícios têm em português o nome de
ventas, ventana, por onde passa o vento), marca a fisionomia, dando-lhe a
característica. La regione anatômica del naso è uma di quelle che più
contribuiscono allá varietà dei tipi fisionomici _ escreve Biasutti. ―Antes fanhoso do
que sem nariz‖. Qui coupe son nez dègarnit son visage. Cortá-lo era castigo aos
traidores e assim Afonso de Albuquerque usou e abusou em Ormuz (1507), Goa
(1510) e Málaca (1511) e os espanhóis e portugueses divulgaram o processo nas
terras americanas. Amputavam-no às adúlteras na Índia (Panchatantra, I, IV,
Hitopadexa, II, VI) e mundo oriental. (p. 244-245)
Em outro trecho:
verdades nas ventas é desafio. ‗Você não tem vergonha nessas ventas?‘ Meter o dedo na
p.245).
120
Os ornamentos nasais são muito usados, atravessados no septo nasal ou nas asas, em
Por fim, há que se falar da importância do nariz, conjugado com a boca, no processo
da respiração:
5.3.1 Fanhoso
QUESTÃO 101 - ... a pessoa que parece falar pelo nariz? Imitar
Freqüência e distribuição
preferência à lexia fanhoso, pouca coisa mais atualizada que a forma fanho.
das variantes fanho e fanhoso, apenas uma pequena predominância de atualização da lexia
Nesta tabela percebe-se nitidamente que a segunda faixa etária dá preferência absoluta
à forma fanhoso, e o contrário acontece com a forma fanho, que é opção amplamente utilizada
No bairro do Rocio dá-se preferência à lexia fanhoso, enquanto nos outros dois bairros
- fanhoso [De fanha+-oso.] Adjetivo. 1.Que fala ou parece falar pelo nariz. [Sin.:
fanha (bras.,S.,e prov. lus.).F.red.: fanho (bras.).] 2.Diz-se da voz de quem fala
- Fanho adj. b m.q. fanhoso (‗que parece falar pelo nariz‘) © ETIM voc. tido como
- Fanhoso adj 1 que parece falar pelo nariz ou como se estivesse com o nariz
dos traços sêmicos, ‗que parece falar pelo nariz‘, é sema inerente de ambos. Aliás, parece que
temos, na verdade, só uma forma: fanho, segundo Ferreira, é forma reduzida de fanhoso. O
aconteceu anteriormente com outras partes do corpo humano, temas das questões aqui
defeito físico relativo ao nariz. Falar pelo nariz, ou como se o nariz estivesse apertado, não é o
normal.
A origem etimológica da lexia indica que ela é tida como ―vocábulo expressivo‖, o
que não diz muito. Seu significado remete ao som da pessoa que fala assim, ou seja, E = C. O
Para evitar nomear a dificuldade, prefere-se a perífrase lexical ―que parece falar pelo
5.3.2 Meleca/tatu
QUESTÃO 102 - ... a sujeirinha dura que se tira do nariz com o dedo?
Freqüência e distribuição
Homens e mulheres usam indistintamente a lexia tatu para nomear a sujeirinha que se
tira do nariz.
Quanto à variável faixa etária, exatamente da mesma maneira que apontado na tabela
anterior, a variante tatu é usada indistintamente entre jovens da primeira faixa e os mais
Em Icapara é massivo o uso da variante lexical tatu (do nariz). No Rocio, a variante
estudada divide a preferência do falante/ouvinte com a forma cera (do nariz). E no Jairê, a
Como podemos notar, há grande variação quanto à designação para a ‗sujeirinha dura
que se tira do nariz com o dedo‘. As duas lexias de maior incidência, tatu (do nariz) e cera (do
- Tatu [Do tupi.] Substantivo masculino. 1.Bras. Zool. Designação comum aos
chorando baixinho e engolindo o ranho que lhe descia do nariz.‖ (Macedo Miranda,
- Tatu sm. 1 mamífero desdentado, que mora em toca escavada no chão, de hábitos
noturnos, corpo coberto por uma carapaça formada por faixas de pequenas placas
- Cera sf substância amarelada e mole, produzida pelas abelhas, com que se fazem os
ressequida. [Sin.: (bras. N.E.): catota e (lus.) caco e monca.] (FERREIRA, dic.
eletr.).
126
A lexia tatu (do nariz) que encontramos em nossa pesquisa em Iguape, já aparece no
dicionário Houaiss (2001) como uma das acepções do verbete tatu, o mamífero desdentado,
que chamaremos de tatu1. Ou seja, já está lexicalizada a acepção de tatu como ‗sujeirinha
dura que se tira do nariz com o dedo‘, que vamos identificar como tatu2. O semema de tatu2
reúne os semas ‗ranho seco‘ e ‗secreção nasal ressequida‘. Isso nos faz pensar que, por
inferência, o sema inerente ‗que mora em toca escavada no chão‘, de tatu1, tenha se associado
aos semas citados, resultando num semema novo, ampliado desses semas subjacentes: ‗muco
seco‘ a tatu1, porque assim como ele, o tatu1 ‗mora em toca escavada (...)‘. O sema
inerente ‗corpo coberto por uma carapaça formada (...) placas ósseas‘, pela realização
dinâmica do discurso, atualiza o sema aferente ‗duro‘. Raciocinando por analogia, temos:
o tatu está para ‗toca escavada no chão‘, assim como o ‗ranho seco' está para as fossas
nasais. Ou: ‗ranho seco‘: nariz :: tatu1: toca; ou, tatu1 : toca :: tatu2 : nariz. Os semas
‗duro‘.
nariz com o dedo‘, em Iguape, lembramos que Rohlfs (1979), pesquisador do léxico
românico, já identificara esse processo de comparação metafórica das línguas românicas com
Tatu tem origem etimológica na língua tupi, como assinala Ferreira (dic. eletr.).
A explicação do que aconteceu em Iguape deve ser a mesma de Mato Grosso do Sul,
onde a variante tatu2 também ocorre: as condições do espaço geográfico devem ter sido
topônimos, de todos os tipos, e nas metáforas, como é este caso. Os índios, primeiros
habitantes do Brasil, deram o primeiro nome a tudo: fauna, flora, acidentes geográficos e
tudo o mais.
A lexia cera, que também aparece em Iguape, deve ter sido produzida por ativação de
um de seus semas, por uma atualização seletiva, que fez emergir ‗secreção do conduto
ranhoso, alter. de ronhoso, de ronha.] mas não encontramos uma ligação clara entre as
lexias.
ronha- [Do lat. vulg. *ronea, alter. de aranea.] Substantivo feminino. 1.Sarna que
ataca ovelhas e cavalos. 2.P. ext. Doença de plantas. 3.Pop. Malícia, manha, astúcia,
solércia: ―Onde pensavas que existia amabilidade, havia ronha e muita!‖ (Coelho Neto, A
Conquista, p. 195).
128
5.4 Pescoço
Esta parte do corpo humano é a ligação entre a cabeça e as demais partes do corpo
5.4.1 Soluço
Freqüência e distribuição
Ao lado da lexia soluço, em Iguape usa-se também a variante jojoca, item lexical de
base indígena.
Constatamos absoluta preferência em relação ao uso da lexia soluço por parte dos
homens, enquanto as mulheres estão divididas igualmente entre a lexia jojoca e soluço.
129
Como era de se esperar, os jovens da primeira faixa etária têm preferência total pela
lexia soluço. Os sujeitos da segunda faixa etária, no entanto, estão divididos entre as variantes
soluço e jojoca.
Rocio, Jairê e Icapara mostram preferência, nessa ordem, decrescente, pela forma
Além dos dicionários gerais de língua portuguesa, para a análise desta questão,
- Soluço s.m. 2 FISIOL fenômeno reflexo que se manifesta por contração espasmódica
pelo qual o pouco de ar que a contração forçara a entrar no peito é expulso com
estava aflita com os s. do bebê) © ETIM lat. vulg. sugglutium < lat. cl. singultus,us
‗soluço, suspiro‘, sob infl. de subgluctire ‗engolir com dificuldade‘; f. hist. s XIV
característico devido à oclusão brusca das cordas vocais. O soluço é provocado por
músculo. A maior parte dos casos, em especial aqueles em que o soluço se repete
2130).
masculino, assim definido: ―soluço, jojoca. Prenúncio de morte, suspiro final. Ex.: ―O coitado
rápidas‘ do diafragma, nos dois dicionários de língua geral, e semas que remetem ao barulho
e som hic...hic, para que ele identificasse o fenômeno e respondesse: jojoca, soluço. Ou
soluço, jojoca. Freqüentemente, nesta questão, ao lado da lexia soluço, obtivemos uma
Jojoca é uma lexia de base tupi - e aqui usamos a nomenclatura adotada por Aguilera
(2007, p. 99-125), assim como a justificativa da autora de que é a denominação constante dos
dicionários da Língua Portuguesa mais conhecidos no Brasil. Assim como no Paraná, cuja
presença de tupinismos está ligada diretamente à ocupação do litoral nos séculos iniciais da
Sem falar da proximidade das duas regiões, o que permite supor que muitas das lexias
(...), temos um segundo grupo com nove lexias tupis (e variantes fônicas) que
conseguiram ampliar o seu raio de ação: saindo do litoral, chegaram ao Planalto de
Curitiba e acompanharam o homem na sua caminhada, primeiramente rumo ao 2º
Planalto e logo após seguindo a rota dos tropeiros, já no final do século XVIII e
início do XIX. São elas boitatá/baetatá/baitatá; caburé; curica; guamirim; incõe/
inconha; jojoca/jejoca; peca/pequinha/guapeca/guapequinha; pinhé e urupê.
resquícios da língua geral ou brasílica falada no Brasil no início da colonização, uma língua
de intercurso, como apontara Amaral (1920) e Elia (1954), conforme citação abaixo, entre
outros:
O português era, sim, a língua oficial, como ainda hoje o espanhol no Paraguai; a
língua do comércio nos portos do litoral, nas cidades e vilas de mais importância e
no seio das famílias, propriamente portuguesas; mas, ainda aí, aparecia o tupi, falado
pelos fâmulos, quase todos índios ou de descendência índia (apud ELIA, p. 188).
132
Também ficamos surpresos com a resistência dessa lexia, jojoca, que chegou até nós
verdadeiro patrimônio cultural brasileiro e americano. Isso mostra que itens lexicais de base
indígena foram preservados por comunidades caiçaras como as de Icapara, por exemplo.
5.4.2 Nuca
unanimidade de uso da lexia nuca pelos iguapenses. Foi a única lexia, dentre as questões
selecionadas para esta pesquisa, que não apresentou variação. Vamos passar, em vista desse
cervical denominada atlas © ETIM lat. medv. nucha ‗medula espinhal‘< ar. nuhã;
nesta acp. o t. foi introduzido no lat. medv. pelos técnicos italianos da Escola de
Mateo Silvático introduziu outro t. técnico no lat. medv. nucra(ti) ‗nuca‘<ar. nugra
(HOUAISS, p. 2033).
- Cogote s.m. parte posterior da cabeça, nuca, cachaço © ETIM esp. cogote (1490)
‗parte superior e posterior do pescoço‘; ‗penacho que se colocava na parte posterior
do capacete que protege o cogote‘, prov. der. de coca ‗cabeça‘ ¥ SIN/VAR atuá,
cachaço, cangote, cocota, congote, gogote, nuca, quecote, quetote (HOUAISS,
p.754).
- Atlas s.m. 2n. 3 ANAT a primeira vértebra cervical, que se articula com a região
occipital do crânio e o sustenta (HOUAISS, p. 335).
A lexia nuca, de acordo com os semas que compõem seu semema, articula-se com o
Atlas, que sustenta em seu ombro a abóbada celeste, ou seja, o crânio, a cabeça.
134
cabeça, em sentido figurado. E o seu incomensurável limite, dado pelo adjetivo à abóbada:
‗celeste‘. A nuca é a ligação entre a cabeça e as outras partes do corpo: tronco e membros.
A lexia nuca, assim como seu referente, é bastante resistente. Em Iguape, como vimos,
a lexia não concorre com outra variante, é norma semântico-lexical incontestável. Em outras
5.4.3 Pomo-de-adão/gogó
Freqüência e distribuição
A lexia usada para designar a parte mais alta no pescoço dos homens, em Iguape é,
Entre sujeitos do gênero feminino, é alta a freqüência, tanto absoluta quanto relativa,
A grande maioria dos homens selecionou a lexia gogó para designar essa parte de seu
anatomia masculina.
Foram os jovens, os sujeitos da primeira faixa etária, que deram preferência ao uso de
gogó. As respostas dos sujeitos de 66 anos em diante dividiram-se entre quatro outras lexias e
abstenções: as respostas dos falantes/ouvintes estão divididas igualmente entre quatro lexias –
diz apenas adão; sin. nó-de-adão, nó da garganta, nó da goela, gogó. Pl. pomos-de-
‗parte superior da cartilagem tireóidea, mais acentuada nos homens‘, são alusões à
lenda, citada por Nascentes, segundo a qual Adão se engasgou com um pedaço de
maçã que ficou preso em sua garganta; ver ETIM de pomo (HOUAISS, 2001, p.
2256).
137
2001, p. 1462).
saliência mediana da região anterior do pescoço, que não é mais do que uma parte
(COUTINHO, p.1410).
Recolhemos todas essas informações a respeito das lexias gogó e pomo-de-adão para
dicionários.
Pelo inventário dos semas, vemos que as lexias pomo-de-adão, maçã-de-adão e nó-de-
adão têm os mesmos traços semânticos. São, portanto, parassinônimas. Elas são lexias
compostas, cujo segundo elemento - adão - remete ao personagem da histórica bíblica, Adão.
Gênesis 2
―15 Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o
cultivar e o guardar. 16 E lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás
livremente, 17 mas, da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás;
porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. (...)
Gênesis 3
Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus
tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do
jardim? 2 Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer,
3 mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis,
nem tocareis nele, para que não morrais. 4 Então a serpente disse à mulher: É certo
que não morrereis. 5 Por que deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos
abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. 6 Vendo a
mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos, e árvore desejável
para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu, e deu também ao marido, e ele
comeu. 7 Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus,
coseram folhas de figueira, e fizeram cintas para si.‖
138
passagem bíblica transcrita acima e da ―lenda‖, ―citada por Nascentes‖, como diz Houaiss
Maçã-de-adão ou pomo-de-adão são lexias que têm no sema inerente ‗mais acentuada
nos homens‘, a referência ao primeiro homem, Adão, o qual remete à crença do pecado
original, difundida mundialmente. O ―fruto proibido‖, qualquer que tenha sido ele, associou-
inferência tornou-se tão consistente a ponto de criar a variante não lexicalizada ‗fruta do
Segundo relata Rohlfs (1979, p.145-147), para designar a maçã o latim, em época
muito antiga, aceitou a forma grega malum, introduzida com um tipo de maçã enxertada que
se cultivava nos países helenos do Mediterrâneo. Mais tarde a forma jônico-ática melum se
Galorromânia, em vez de melum se impôs pomum, que era a designação mais corrente da fruta
em geral: fr. pomme, provenzal pouma o, masculino, poum. Um tipo de maçã muito apreciada
era a mala Mattiana, que deveria ser muito difundida na Península Ibérica, já que neste nome
se apóiam as designações atuais: esp. manzana, astur. mazana, esp. ant. maçana, port. maçã.
139
Guérios (1979, p. 161) completa a pesquisa sobre a lexia com a seguinte informação:
pomo-de-adão é adaptação portuguesa do latim pomum Adami, e remonta aos israelitas, pois é
Gogó tem outras acepções, outros sememas, além daquele que o identifica com pomo-
de-adão. Garganta, uma dessas acepções, é uma das variantes que aparece em nossa pesquisa.
voz‘, e daí para ‗fala envolvente‘, ‗lábia‘, resultando em um indivíduo - traço ‗mais acentuada
referentes a esta questão. Lá eles também inferiram que o gogó é um ‗sinal‘ do pecado original:
_ ―( ... ) eles fala que é a fruta do pecado, né. Adão (en)guliu e parô aqui‖.
_ ―é fruito do pecado‖.
_ ―Adão‖. Referiu-se a seguir à história bíblica, completando: ―diz que é o pecado, né‖.
inferência e atualizados no discurso sob a forma ‗fruta do pecado‘. Assim, temos que:
estudada, a religiosidade.
140
encontradas em Iguape, colhidas em pesquisa direta feita com sujeitos da região, a quem
Iniciamos este capítulo da dissertação pela organização dos dados sob forma de
tabelas, registrando os valores absolutos das respostas e calculando, por meio do programa
Excel, as porcentagens de sua ocorrência. O resultado desse tratamento dos dados, do recorte
selecionado em Iguape, já nos deu uma boa idéia da freqüência de cada lexia, uma pequena
destas recaiu sobre faixas etárias colocadas em pólos extremos, de um lado sujeitos de 18 a 30
anos e, de outro, sujeitos com 66 anos ou mais, pudemos ter uma visão clara da relação entre
Após finalizar a tabulação dos dados, a primeira conclusão que visualizamos foi que a
única lexia a ter 100% de uso em Iguape, é nuca. Trata-se, indubitavelmente, de norma
semântico-lexical da localidade.
Catarata foi também a única resposta à questão ―... aquela pele branca ...‖. Entretanto,
atingiu o valor relativo de 41,67%, tendo sido suplantada por um índice elevado de
abstenções: 58,33%.
Certas questões tiveram respostas com duas variantes para o mesmo conceito.
Algumas respostas apresentaram muitas variantes, como é o caso das lexias do quadro abaixo:
Outras lexias, que apresentaram mais de 50% de uso, também podem ser consideradas
Como podemos observar pelo quadro acima, as variantes têm distribuição bem regular
de sexo/gênero.
143
Antes de proceder à análise qualitativa dos dados, com base nas teorias de Pottier
definições das lexias/respostas mais empregadas, questão por questão, para podermos
Analisamos, então, cada lexia/resposta, sua rede semêmica, seus semas inerentes e
aferentes, a isotopia que por ventura se instalara no interior dos sememas daquela realização
pontual, e procuramos, finalmente, ligar as duas pontas das análises, quantitativa e qualitativa,
geográfico.
Às vezes, é uma lexia que tem dois sememas que se cruzam, por evocarem semas
6 CARTOGRAMAS
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165
166
7 CONCLUSÃO
massa tem infligido mudanças irreversíveis às línguas naturais. A constatação dessa triste
realidade tem, nos últimos anos, propiciado uma expansão das pesquisas geolingüísticas,
de uma comunidade lingüística, no sentido que lhe dá Coseriu (1982), é resgatar a sua
O município de Iguape tem, tanto em seu passado quanto em seu presente, motivos de
sobra para ser objeto de uma pesquisa sociogeolingüística. No passado, porque Iguape nasceu
e cresceu com o Brasil - ela é uma cidade histórica que teve muita importância no período
peculiares, ligados a sua história. No presente, porque Iguape, esquecida na região do Vale do
Ribeira, possuidora de um dos mais importantes ecossistemas costeiros, por meio de sua
Iguape é um ―bolsão de linguagem caiçara‖. Habitado pelos índios que ocupavam toda
pelos africanos, foram conservadas até os dias de hoje na fala do iguapense. Em nosso
trabalho, não pudemos deixar de abordar essa influência no léxico, apesar de não ser esse o
Escolhemos Iguape para nossa pesquisa por ser a última região do litoral paulista a ser
estudada, a ter registrada pelo menos parte de sua norma semântico-lexical. Além, como já
167
escolha de um questionário adequado para aplicação aos sujeitos selecionados deve ser a
primeira preocupação do pesquisador. Para a recolha dos dados de fala que viriam a se
elaborado e que abrangia um leque de questões sobre vários temas relativos ao homem e a
Optamos por ele, a fim de, assim, ser possível a comparação entre esses estudos , ainda que
A escolha dos sujeitos seguiu a tendência dos atlas pluridimensionais, que inclui
quatro sujeitos por localidade, distribuídos por sexo/gênero e por duas faixas etárias. O nível
de escolaridade abrangeu desde o sujeito não alfabetizado até aquele com ensino fundamental
completo.
selecionados para nossa pesquisa. A aplicação dos demais questionários, doze no total,
foi ao mesmo tempo desgastante e muito prazeroso. A experiência do contato direto com
o povo da região, com a cultura local, foi muito enriquecedora. Deixávamos bem claro
para o sujeito que queríamos registrar o nome que ele usava para o conceito que vinha
uma parcela da área escolhida para análise, CORPO HUMANO, compusemos o corpus
de nosso estudo.
168
Podemos dizer que, de posse das respostas coletadas, conseguimos radiografar parte
critérios da estatística lexical de Muller. Usamos norma, aqui, como o terceiro elemento da
critérios da freqüência e da distribuição regular das lexias pelos pontos pesquisados, obtidos
pela estatística lexical, resultou na norma semântico-lexical. Com referência ao corpus com o
Observamos que, das dezessete lexias estudadas, apenas nuca foi realizada por 100%
de ser realizada apenas por 41,67% dos falantes, foi a única lexia selecionada para responder à
questão ―... aquela pele branca no olho que dá em pessoas mais idosas?‖, sendo que as demais
Quadro 8, é formada das lexias: cisco, vesgo, viúva, dente do siso, banguela, fanhoso,
lexical pelos pontos pesquisados, concluímos que, além de freqüentes, as lexias têm
especializados relativos à cabeça, que convivem com outros termos banalizados, lexias da
169
língua comum. Comparando o uso destes termos quanto à variável sexo/gênero, concluímos
concluímos que as lexias comuns são: banguela, em quatro pesquisas; conjuntivite, dente do
siso, soluço, em três; as outras lexias têm duas ocorrências; viúva, como se vê pelo Quadro 12
Mas, como dissemos várias vezes, nosso propósito maior era analisar aspectos
lexicais aliou a teoria de Pottier à de Rastier, para chegarmos aos elementos mínimos
diferenciais da significação.
Por fim, tentamos explicar o uso lingüístico em Iguape, e, partindo dos dados
recolhidos, fizemos a relação com a análise semêmica das lexias. O resultado foi constatar o
que parece óbvio: a variação está ligada diretamente à ocupação do espaço geográfico e às
análise do léxico. Também sabemos que deve haver lacunas. Novas abordagens da variação
Acreditamos que, a partir dessa nossa tentativa, outros estudos venham somar-se ao
sobretudo, no léxico, visto que essa é a parte do sistema lingüístico mais suscetível a
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mudança lingüística. Trad. de Marcos Bagno, rev. técn. de Carlos Alberto Faraco.São Paulo:
9 ANEXOS
92) ... a pessoa que tem os olhos voltados para direções diferentes? Completar com um
gesto dos dedos.
93) ... a pessoa que não enxerga longe, e tem que usar óculos?
94) ... a bolinha que nasce na ................(cf. item 89), fica vermelha e incha?
95) ... a inflamação no olho que faz com que o olho fique vermelho e amanheça grudado?
96) ... aquela pele branca no olho que dá em pessoas mais idosas?
98) ... os últimos dentes, que nascem depois de todos os outros, em geral quando a
pessoa já é adulta?
99) ... esses dentes grandes no fundo da boca, vizinhos dos ______(cf. item 98)?
Apontar.
1. NOME: 2. ALCUNHA:
6. ENDEREÇO:
8. NATURALIDADE: 9. COM QUE IDADE CHEGOU A ESTA CIDADE? (CASO NÃO SEJA NATURAL
DA LOCALIDADE)
RENDA
PARTICIPAÇÃO EM DIVERSÕES
46. OBSERVAÇÕES:
49. DATA DA
47. NOME DO ENTREVISTADOR: ENTREVISTA:
48. LOCAL DA ENTREVISTA:
CIDADE: UF:
50. DURAÇÃO:
182
‗la vision est le sens par lequel la réalité nous convainc le plus violemment‘
unminded, unmoaned
what the eye doesn’t see, the heart doesn’t grieve over
what the eye sees not, the heart rues not
what you don’t know won’t hurt you
Cf. o latim medieval quod non videt oculus cor non dolet.
O provérbio tem correspondents em italiano: occhio non mira,
cuore non sospira (ou ainda: occhio non vede, cuore non duole)
e em espanhol: ojos que no ven, corazón que no siente.
2. Les YEUX sont le miroir de l’âme
‗les yeux sont un moyen d‘expression tellement subtil qu‘on y peut deviner des
reflets de la richesse de l‘âme‘
B. DENTE
Le Hupain de Laon me fit fort grise mine et il oublia – « OUBLI POUR OUBLI,
OEIL POUR OEIL ET DENT POUR DENT » – de venir me chercher au lycée trois
dimanches de suite. (M. Blacpain, FA, p.65)
O Hupain de Laon me olhou de cara feia e se esqueceu – « esquecimento por
esquecimento, OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE » - de vir buscar-me no liceu nos
três domingos seguintes.
A fonte é Êxodo 21, 24 (fórmula da lei de talião): oculum pro óculo, et dentem pro
dente. Há equivalentes em italiano: occhio per occhio, dente per dente, em espanhol:
ojo por ojo, diente por diente e em alemão: Auge um Auge, Zahn um Zahn.
(LACERDA, 2004, p. 346)
‗il faut se mordre la langue pour se retenir de parler inconsidérément (sinon, on se la mordra
pour se repentir d‘avoir trop parlé)‘
2. Il ne sert à rien de montrer les DENTS lorsqu‘on / (quando on) est édenté
= Si vous ne pouvez pas mordre, ne montrez pas les DENTS
C. BOCA
Cf. o monóstico de Menandro: o tolo ri mesmo quando não há do que rir. Cf.
também Catulo (39, 15), que comenta a respeito de alguém que está sempre a
rir: risu inepto res ineptior nulla est (nada mais inoportuno do que o riso
inoportuno). Há correspondentes em italiano: i matti si connoscono dal molto
ridere, em espanhol: es muy frecuente la risa en la boca del necio e em
alemão: an vielem Lachen erkennt man den Narren. (LACERDA, 2004, p.
423)
186
Base Territorial
Área da unidade territorial 1.981 Km²