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ANÁLISE DO DISCURSO

AULA 5

Profª Jovania Maria Perin Santos


CONVERSA INICIAL

Ao longo das aulas anteriores, vimos conceitos e construtos teóricos


ligados à Análise do Discurso (AD), e também trouxemos, resumidamente,
conhecimentos sobre a Análise do Discurso Francesa e a Análise Crítica do
Discurso. Nesta aula, vamos nos concentrar em estudar os gêneros discursivos
e textuais e abordar algumas implicações didáticas relacionadas a esses
gêneros. As aulas de línguas (materna ou estrangeiras) têm tido grande
influência de estudos relacionados aos textos em geral, seja a leitura e a
produção de textos. Uma grande quantidade de teorias tem influenciado as
práticas pedagógicas e análises críticas, partindo dos textos que são formas
usadas por todos nós para nos comunicarmos.
Propomos, nesta aula, o estudo dos gêneros discursivos/textuais na
perspectiva teórica e também prática, ou seja, como esse conhecimento vem se
configurando nas práticas de ensino de línguas. Para isso, precisamos entender
como esses gêneros foram descritos teoricamente, sua importância para a
comunicação e como esse conhecimento é explorado nas práticas de ensino. Ao
longo desta aula, vamos refletir sobre esses itens com intuito de dar
fundamentação teórica para o trabalho prático e reflexivo a ser realizado na aula.
Inicialmente, nesta disciplina, conceituamos discurso e texto e vimos que,
embora sejam parte indissociável, estes são entendidos como elementos
específicos, pois se entende que têm domínios e funções diferentes. Enquanto
o texto está relacionado à parte material (linguística e imagética), o discurso está
associado às intenções e às construções sociais diversas que fazem parte dos
campos de atuação da sociedade, como o discurso religioso, empresarial,
comercial, publicitário, educacional, jurídico, entre outros. Em resumo, queremos
dizer que há uma condição mais “subjetiva” e outra mais “material”, mas que
ambas estão conectadas e resultam nas formas usadas por todos os povos para
se comunicar.
Você observou que estamos usando gêneros discursivos e textuais
separados por barra (gêneros discursivos/textuais). Isso acontece porque,
embora saibamos que essas duas linhas tenham alguns pressupostos teóricos
em comum, se constituem também de determinados pressupostos que não
coincidem, ou seja, que são diferentes. Contudo, para o propósito do ensino e
aprendizagem de línguas, ambas as correntes/modalidades são importantes.

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Usar esses termos separados por barra não significa dizer que são a mesma
coisa ou que são equivalentes, mas que ambos contribuem para as práticas de
ensino e para os estudos voltados à pedagogia e à didática das línguas.
Nesta aula, vamos iniciar com uma breve revisão de teorias sobre o que
são os gêneros discursivos e os gêneros textuais. Vamos apresentar algumas
observações que visam apontar o que difere essas áreas/teorias. Na sequência,
vamos discorrer sobre a influência do construto teórico sobre gêneros
discursivos e textuais considerando as práticas de ensino e a elaboração de
materiais didáticos. Além disso, vamos apresentar estudos relacionados aos
gêneros textuais de acordo com material publicado pelo professor Marcuschi
(2008).

TEMA 1 – O QUE SÃO OS GÊNEROS DISCURSIVOS/TEXTUAIS?

Quando falamos de gêneros discursivos ou textuais, estamos nos


referindo à diversidade de formas ou tipos de discursos e de textos. A palavra
gênero remete a uma modalidade, espécie, grupo, categoria, classe ou divisão,
e pode se referir tanto ao gênero humano quanto a plantas, animais, ou objetos
e modos de pensar. Trata-se de uma forma de categorizar o objeto de estudo e
assim poder entender melhor suas características. O curioso dessa
categorização é que ela expressa ao mesmo tempo individualidade e
agrupamento. Isto é, existe um grupo de indivíduos ou itens que apresentam
características em comum, por isso podem ser agrupados, mas também
apresentam características que os diferem. Então, se estamos nos referindo aos
gêneros discursivos, entendemos que existem vários discursos e todo o conjunto
de discursos está agrupado, mas dentre esses discursos, existem subdivisões
ou é possível ver subdivisões e classificações, pois esses discursos diferenciam-
se em algum aspecto. Dessa forma, temos o discurso religioso, jurídico,
publicitário etc., mas todos são discursos. Isso vale também para os gêneros
textuais: existe um grande número de artefatos com funções semelhantes que
são chamados de textos, porém, se olharmos para esses textos, vamos ver que
existem particularidades entre eles e essas particularidades geram outra
classificação, que é chamada de gêneros.
A ideia de fazer classificações, divisões e subdivisões parece ser uma
maneira frequente de se fazer estudos científicos. Talvez seja até uma maneira
inevitável de se fazer qualquer estudo ou observação, mesmo as reflexões que
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fazemos no nosso dia a dia, ou seja, as observações empíricas. Podemos
também ver esse mesmo procedimento em muitas áreas científicas.
Em relação aos gêneros discursivos ou às formas como a comunicação
humana é estudada, temos registros muito antigos, ainda dos filósofos gregos
que se dedicaram a estudar os gêneros literários. O registro mais antigo,
segundo Goularte (2012, p. 11), é do livro III da obra A República, de 394 a.C.
de Platão que, de acordo com Goularte, apresenta os primeiros indícios a
respeito desse tema.

Para efetuar a classificação, o filósofo destaca principalmente o


conteúdo (a temática) da obra literária, tomando por base de seu
modelo a diégesis (a narrativa). O autor considerava que as
representações literárias constituíam-se de narração de coisas
passadas, presentes e futuras que partiam de fabulistas e poetas. Ele
admitia a seguinte organização das práticas literárias: a) narração
simples; b) narração imitativa e c) narração mista. (Goularte, 2012, p.
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Mais tarde, Aristóteles, discípulo de Platão, “lançou as bases para a


classificação dos gêneros” (Goularte, 2012, p. 12) na obra Poética. Aristóteles
aprimorou a classificação feita por seu mestre e propôs um estudo da produção
poética e suas espécies (ou, como falamos atualmente, gêneros). O estudo de
Aristóteles privilegiava a epopeia, a tragédia e a comédia. Outra grande
contribuição de Aristóteles foi sua obra Arte Retórica, que possibilitou o
entendimento da noção de enunciado. Isso porque os estudos sobre retórica
permitem centrar a atenção à natureza verbal do enunciado, de acordo com
observações feitas por Bakhtin. Outra contribuição importante de Aristóteles foi
a percepção de que os gêneros regulam a vida das pessoas, conforme Goularte
(2012, p. 13).
Ao longo da história até chegar aos dias atuais, muitos trabalhos foram
feitos a fim de classificar e entender o funcionamento dos diferentes formatos de
textos e de discursos produzidos pela humanidade. Mas apenas no século XX é
que se passou a valorizar o estudo dos gêneros discursivos especialmente ou
predominantemente literários. Curiosamente, na atualidade, um dos nomes mais
importantes nos estudos de gêneros do discurso também era um crítico literário,
o russo Mikhail Bakhtin. No entanto, Bakhtin inaugurou um novo “debate que não
se restringe mais à literatura, representa as formas assumidas pela linguagem
como expressão da atividade humana, sejam literárias ou não” (Goularte, 2012,
p. 16). Essa nova perspectiva trouxe grandes mudanças nos estudos da
linguagem, pois se passou a observar a linguagem em toda a sua diversidade.
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Mas precisamos considerar que no Brasil os reflexos dessa nova perspectiva
chegaram apenas por volta dos anos 1980, quando traduções de livros de
Bakhtin passaram a circular no meio acadêmico.
Para concluir este tema, queremos lembrar que o conceito de gênero se
referindo aos gêneros discursivos tem diferentes concepções ao longo do tempo,
isso porque depende do “contexto histórico, o desenvolvimento dos estudos em
cada período” (Goularte, 2012, p. 16) e também da interpretação de diferentes
autores.

TEMA 2 – GÊNEROS DISCURSIVOS E TEXTUAIS: É POSSÍVEL DIFERENCIÁ-


LOS?

Vamos iniciar este tema conceituando oração e enunciado, pois esses


termos irão nos ajudar a entender outros conceitos como de texto e discurso,
para então poder salientar algumas diferenças entre gêneros discursivos e
gêneros textuais.
Oração é uma palavra que ouvimos muito no período escolar, sobretudo
nas aulas de gramática e de língua portuguesa. Também as gramáticas
normativas (que descrevem as normas do padrão culto da língua) usam o termo
oração para se referir a uma unidade de sentido composta obrigatoriamente por
um verbo. De acordo com a perspectiva teórica que estamos considerando nesta
aula, quando falamos em oração, estamos nos referindo a uma unidade da
língua, enquanto que o enunciado, uma unidade do discurso. Para Bakhtin
(2011, p. 278), “a oração enquanto unidade da língua tem natureza gramatical,
fronteiras gramaticais, lei gramatical e unidade”. Assim, a oração está
relacionada ao âmbito linguístico, e isso remete à sua composição gramatical.
Entende-se que é necessário que uma oração tenha determinados componentes
ou elementos linguísticos. Vamos ver um exemplo: “os alunos produziram ótimos
textos”, nessa oração, temos o sujeito (os alunos); o verbo principal (produziram)
e o objeto (ótimos textos). Podemos chamar essa frase de oração porque
apresenta elementos básicos, como um verbo que expressa uma ação e que se
trata do fato a ser mencionado: alguém produziu alguma coisa. Veja que, para
essa oração ser considerada completa, precisamos preencher três espaços:

1. quem faz determinada ação;


2. o verbo que expressa essa ação;

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3. a ação em si, ou podemos dizer também o resultado da ação.

Precisamos considerar que as orações não são apenas compostas por


verbos de ação, embora a maioria seja de ação, podemos ter verbos que
expressam estados ou fenômenos, como “eles estão felizes; fez muito calor
ontem”.
Você observou que a oração tem natureza gramatical e precisa de alguns
elementos básicos e estruturais para ser assim considerada, como é o caso do
verbo. Vamos, na sequência, discorrer sobre o enunciado, que é visto como uma
unidade comunicativa discursiva e pode ser constituído por uma grande
variedade de elementos. Podemos considerar um enunciado até mesmo um
“ahã” ou uma pausa, que em determinados contextos podem ter significados
expressivos. Vários elementos extralinguísticos podem fazer parte de um
enunciado, assim como uma expressão facial. A noção de enunciado envolve
um entendimento maior sobre o ato comunicativo. Ainda, podemos dizer que o
enunciado tem natureza social, discursiva e dialógica. Contudo, esse enunciado
se manifesta também através de elementos linguísticos como vocabulário,
estrutura sintática, fonológica e morfológica e, além disso, de elementos não
linguísticos como imagens, desenhos, sinais.
O conceito de enunciado tem grande importância para os estudos dos
gêneros discursivos e também para os gêneros textuais que, em alguma medida,
também usam o construto teórico da enunciação.
A perspectiva bakhtiniana de análise sobre os gêneros discursivos está
alinhada com o entendimento do que é enunciado e enunciação, pois entende
que os gêneros discursivos são constituídos por enunciados através das
relações dialéticas vivenciadas socialmente. Essas relações dialéticas
acontecem utilizando diferentes formas que podem ser entendidas também
como aparatos tecnológicos que permitem a expressão das mais variadas ideias
e objetivos comunicativos. Os aparatos tecnológicos a que nos referimos são os
diversos gêneros discursivos e textuais.
Bakhtin se refere aos gêneros discursivos como formas da comunicação
verbal. O autor sempre usa em seus livros o termo discursivo, e também seus
estudos são direcionados para o entendimento dos gêneros discursivos. Mas por
que, então, existe outro termo, que é gênero textual? Podemos atribuir essa
diversidade de termos ou flutuação de terminologia a diferentes estudos que em
determinadas épocas foram feitos e que passaram a se referir ao mesmo objeto

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de estudo, mas com outro nome. Ademais, é possível que existam diferenças
muito sutis no objeto de estudo, e por isso os pesquisadores preferem usar outro
termo a fim de marcar essa especificidade. Quando os linguistas pesquisadores
afiliados à linha da Linguística Textual publicam seus trabalhos, eles se
posicionam em uma linha de análise que valoriza/destaca o texto na sua
constituição linguística e visual. Isso não significa que está banido o sentido de
discurso, mas olha-se muito mais para a dimensão textual, ou seja, linguística,
imagética e multimodal. Por isso a distinção ou utilização de outra nomenclatura.
No Brasil, temos um trabalho bastante profícuo que envolve os gêneros
textuais que são as publicações do professor Antônio Marcuschi. Uma de suas
publicações Produção textual, análise de gêneros e compreensão, de 2008,
fornece uma vasta descrição e classificação dos gêneros textuais utilizados pela
sociedade moderna. Abordaremos parte desse trabalho nos temas 4 e 5 desta
aula.
Para Marcuschi (2008), distinguir gênero discursivo e textual pode não ser
tão importante. O autor faz um comentário que podemos encontrar no seu livro
de 2008:

Não vamos discutir aqui se é mais pertinente a expressão “gênero


textual” ou a expressão “gênero discursivo” ou “gênero do discurso”.
Vamos adotar a posição de que todas essas expressões podem ser
usadas intercambialmente, salvo naqueles momentos em que se
pretende, de modo explícito e claro, identificar algum fenômeno
específico. (Marcuschi, 2008, p. 147)

Em outra situação nesse mesmo livro, o professor diz que:

A tendência é ver o texto no plano das formas linguísticas e de sua


organização, ao passo que o discurso seria o plano do funcionamento
enunciativo, o plano da enunciação e efeitos de sentido na sua
circulação sociointerativa e discursiva envolvendo outros aspectos. [...]
São muito mais duas maneiras complementares de enfocar a produção
linguística em funcionamento. (Marcuschi, 2008, p. 45)

As citações do professor Marcuschi apresentam uma resposta à pergunta


que fizemos no título deste tema. Como vimos, dependendo do que queremos
estudar, é possível que seja importante fazer a distinção entre gêneros
discursivos e textuais. Ainda, dependendo da linha teórica adotada e dos autores
citados, seria mais coerente usar a mesma nomenclatura. No entanto, para o
ensino de línguas e observando principalmente as práticas de ensino, ambas as
linhas teóricas são importantes, embora seja provável que todo o construto

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desenvolvido sobre os gêneros textuais possa contribuir de modo mais
significativo.

TEMA 3 – GÊNEROS DISCURSIVOS, DESCRIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

Vamos, nesta seção, discorrer brevemente sobre os gêneros discursivos


com o objetivo de conectar esse construto teórico à formação de professores e
às práticas de ensino.
Os estudos sobre os gêneros discursivos têm como referência principal
as publicações de M. Bakhtin. Esse autor defende a ideia de que os gêneros
discursivos sejam classificados como gêneros primários e secundários. Os
gêneros primários são predominantemente orais e acontecem na esfera
cotidiana e da fala espontânea. Os gêneros secundários compreendem os
gêneros mais elaborados que exigem um tempo para o planejamento e são
predominantemente escritos. Esses gêneros pertencem a esferas mais
elaboradas da comunicação, como a esfera jornalística, científica, pedagógica,
religiosa, jurídica etc. Os gêneros primários e os secundários podem acontecer
concomitantemente. Não significa que a distinção entre primários e secundários
seja uma classificação, apenas uma definição observando as características
gerais desses gêneros. Segundo a perspectiva bakhtiniana, não é adequado
fazer listas com classificações dos gêneros discursivos. Esse ponto de vista traz
algumas dificuldades para que em termos práticos possamos compreender o
que são esses gêneros. No entanto, essa teoria entende os gêneros como
dependentes do contexto histórico e social em que estiverem inseridos. Também
são vistos como mutáveis e flexíveis devido às necessidades de comunicação
em que estiverem inseridos. De acordo com Fairclough (2001, p. 91, citado por
Angelo, 2006, p. 13), “o discurso é moldado e restringido pela estrutura social de
uma forma mais ampla e em todos os níveis, ou seja, pela classe, pelas relações
sociais, pelas relações específicas em instituições particulares”. Nessa
perspectiva, certos gêneros admitem menos mudanças, enquanto outros estão
mais propensos à atualização, e por isso há a necessidade de mudar.
Vamos ver alguns exemplos: hoje em dia, todos nós escrevemos com
muita frequência mensagens por correio eletrônico, ou seja, e-mail.
Evidentemente se comunicar via e-mail é uma prática moderna, antigamente as
pessoas escreviam cartas que demoravam alguns dias para chegar no seu
destino. Bem, o gênero e-mail é um bom exemplo de flexibilidade, seja pela sua
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atualidade, seja pela diversidade de discursos que pode conter. O conteúdo dos
e-mails é muito variado, podem ser convites, declarações, mensagens religiosas,
divulgações, textos comerciais e jurídicos. Além é claro de permitir que seja
anexado no e-mail outros textos. Então, temos um campo de atuação bastante
extenso. Por outro lado, podemos citar alguns exemplos de textos que não
mudam com tanta frequência, em geral os textos da esfera jurídica e religiosa se
mantêm ao longo do tempo.
Fairclough (2003), em seus estudos sobre os gêneros discursivos, fala
sobre a homogeneização e a estabilização dos gêneros. Ele também apresenta
uma classificação que favorece o entendimento dessa temática. O autor faz uma
consideração em nível de abstração dos gêneros e chega na seguinte distinção:
pré-gêneros, gêneros situados e gêneros desencaixados, conforme explica
Angelo (2006, p. 43). Vamos ver resumidamente como o autor define e
exemplifica essa classificação.
Os pré-gêneros são: a narração, a descrição, a argumentação e a
conversação. São categorias mais abstratas ou mais amplas. São em pequena
quantidade e referem-se ao que Bakhtin relaciona aos gêneros primários,
conforme explica Hayashi (2016, p. 44). Os pré-gêneros permeiam ou dão base
para a constituição de outros gêneros. Veja a narração: existem muitos textos
que utilizam a forma narrativa, como as fábulas, um documentário de televisão,
o relato de uma viagem, e muitos outros. Os pré-gêneros são tratados por
Marcuschi (2003) como tipos textuais.
Os gêneros situados são específicos de determinadas práticas sociais,
podendo ser diferentes em determinados lugares. De acordo com Hayashi
(2016, p. 45), os gêneros situados:

São muitos, inúmeros e nem todos possuem nomenclatura consensual


aceita, visto que alguns apresentam configuração híbrida, e portanto,
conjugam características dos gêneros que lhe deram origem sendo que
o gênero resultante assume a função de outro(s).

Podemos citar como exemplo dessa classificação de gênero textos


comerciais como notas fiscais, boletos de pagamento, também textos da esfera
publicitária como folhetos, cartazes, outdoors, etc. Os gêneros situados são
equivalentes ao que Bakhtin chama de gêneros secundários.
Por último, vamos falar sobre os gêneros desencaixados. Trata-se de
textos que mudaram de função ao longo da história, mas que continuam a existir,
porém com outras características, funções ou locais de atuação. Podemos citar
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como exemplo o e-mail, a bula e o depoimento. Vale lembrar que a bula também
é um texto religioso católico que tem por objetivo fazer descrições e dar
orientações aos fiéis. Além disso, chamava-se bula uma espécie de selo que
acompanhava as cartas. Atualmente, quando se fala de bula, logo relacionamos
àquele papel com muitas informações que acompanha os remédios. Sobre os e-
mails, já falamos da sua plasticidade e constituição híbrida. Sobre os
depoimentos, são citados por Hayashi (2016, p. 45-46) porque figuram em vários
domínios como o jurídico, o jornalístico e acadêmico.
Como vimos até aqui, não parece muito fácil definirmos e classificarmos
os gêneros discursivos, mas devemos considerar que o foco principal está na
condição discursiva e por si só, temos uma condição mais abstrata e abrangente.
A flutuação de conceitos também torna esse entendimento mais complexo.

3.1 Observação prática

Para concluir, vamos observar uma imagem retirada de um site e fazer


algumas reflexões. Leia o texto a seguir:

Figura 1 – Conteúdo apresentado pela TVBrasil

Fonte: TV Brasil, 2020.

Você observou a fonte da imagem? A que esfera comunicativa esse texto


pertence? Qual é o gênero discursivo predominante?
De acordo com a fonte do texto, podemos classificá-lo como jornalístico,
pois foi retirado de um meio de comunicação e apresenta em destaque a palavra
notícias. A partir dessa informação, já relacionamos e acessamos informações

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pré-adquiridas relacionadas ao que seja um texto jornalístico. Isso tudo acontece
na leitura de modo bastante automático. Olhando com mais cuidado, vemos que
as notícias em destaque vão falar sobre cultura (música), futebol (esporte) e
economia. Olhando com mais cuidado ainda, vemos um quadro que fala sobre
um programa (Recordar é TV) e uma homenagem que será feita a uma grande
artista brasileira, Bibi Ferreira. O conteúdo dessa homenagem envolve
depoimentos, narrativas, descrições, agradecimentos etc. Enfim, temos aqui um
exemplo de como os gêneros são permeáveis e diversificados, embora exista
um gênero predominante que é o jornalístico, percebemos o fenômeno da
intergenerecidade. Essa complexidade talvez seja o que torna tão difícil a
definição e classificação dos gêneros discursivos.

TEMA 4 – GÊNEROS TEXTUAIS, DESCRIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES

Quando falamos de gêneros textuais, estamos nos referindo à linha


teórica constituída pela Linguística Textual e na visão sociointeracionista de base
cognitivista. Esses estudos estão relacionados às teorias funcionalistas.
Conforme explica Marcuschi (2008, p. 16), “esse tipo de visão recusa-se a
considerar a língua como um sistema autônomo e como simples forma. Aqui, a
linguagem é vista como um conjunto de atividades e uma forma de ação”. Já
explicamos em outra aula a diferença dos estudos formalistas e funcionalistas.
O conteúdo deste tema e do próximo será baseado no posicionamento
teórico apresentado por Marcuschi (2008). Vamos iniciar com observações
relacionadas aos objetivos da Linguística Textual (LT) e o conceito de texto, para,
na sequência, abordarmos os critérios da textualidade.

4.1 A linguística textual e o conceito de texto

Conforme explica Marcuschi (2008, p. 75), “não há dúvida de que a LT


situa-se nos domínios da linguística e lida com fatos da língua, além de
considerar a sociedade em que essa língua se situa”. De acordo com essa
citação, fica claro que a LT tem grande preocupação em estudar a linguagem
considerando sua condição social. Esse é o ponto central para os estudos nessa
área. No entanto, é inegável que os textos são constituídos por elementos
linguísticos, caso contrário nos comunicaríamos apenas com desenhos, gestos
e imagens. Por isso Marcuschi (2008, p. 75) argumenta que, “quando se faz uma

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análise textual, deve-se ter em mente que os aspectos estritamente linguísticos,
tais como a fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica, são imprescindíveis
para a estabilidade textual”.
Embora a LT tenha várias vertentes, de modo geral são aceitas as
seguintes posições, conforme explica Marcuschi (2008, p. 75, baseando-se em
Beaugrande, 1997):

1. Considera a língua em uso e toma como referência dados autênticos;


2. A preocupação maior recai nos processos sociocognitivos, e não no
produto;
3. Não se interessa pelo estudo das propriedades gerais da língua;
4. Tem interesse em estudar domínios mais flutuantes ou dinâmicos, tais
como a produção de sentidos, a concatenação de enunciados, a
pragmática, os processos de compreensão, as operações cognitivas, a
inserção da linguagem em contextos, o funcionamento discursivo da
língua, a diferença entre os gêneros textuais;
5. Preocupa-se com a conexão entre teoria e prática.

Depois de algumas observações em torno dos propósitos da linguística


textual, seguimos com o conceito de texto, de acordo com essa linha teórica. O
conceito de texto tem sido uma inovação para os estudos da linguagem. O que
era visto apenas como o texto escrito, passa a ser entendido como um conjunto
maior de fatores que, combinados, constituem significados. Beaugrande (1997,
p. 10) entende que “é essencial tomar o texto como um evento comunicativo no
qual convergem ações linguísticas, cognitivas e sociais”. Assim, o texto não é
uma sequência de palavras escritas ou faladas, mas é entendido como um
evento que congrega sentidos e propósitos. Seguindo esse ponto de vista,
Marcuschi explica que:

1. O texto é visto como um sistema de conexões entre vários


elementos, tais como: sons palavras, enunciados, significações,
participantes, contextos, ações, etc.;
2. O texto é constituído numa orientação multisistêmica, ou seja,
envolve tanto aspectos linguísticos como não linguísticos no seu
processamento (imagem, música) e o texto se torna em geral
multimodal;
3. O texto é um evento interativo e não se dá como um artefato
monológico e solitário, sendo sempre um processo e uma co-produção
(co-autoria em vários níveis);
4. O texto compõe-se de elementos que são multifuncionais sob
vários aspectos, tais como: um som, uma palavra, uma significação,
uma instrução etc., e deve ser processado com esta
multifuncionalidade. (Marcuschi, 2008, p. 80)

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Essa perspectiva de compreender os textos permite que as diversas
produções que circulam na sociedade possam ser também chamadas de textos.
Veja por exemplo as charges e as histórias em quadrinho que usam imagens,
desenhos, caricaturas, além de texto escrito para compor o sentido da ideia que
o autor quer passar. Nesse caso, há vários elementos que fazem parte dessa
construção e que também é um texto. Inclusive para ser uma tendência atual –
a comunicação utilizando desenhos, emoticons – como ocorre em aplicativos e
mensagens eletrônicas.
Ademais, essas figuras imagéticas compõem as mensagens de modo
bastante criativo e conseguem proporcionar sentido de modo mais amplo. Entre

escrever no final de uma mensagem: “um beijo” e colocar um emoji ( ), o que


você acha que parece expressar a ideia de carinho, amor e afeto com maior
intensidade? É claro que, tanto para usar a palavra beijo e o emoji, temos que
observar quem é o leitor ou o interlocutor. A relação dialógica que se estabelece
na produção e na leitura do texto são processos de grande consideração e
evidentemente de estudos pela LT. Como nos explica Marcuschi (2008, p. 94),
“um texto é uma proposta de sentido e ele só se completa com a participação do
seu leitor/ouvinte”. Temos aqui uma condição básica para a análise de textos,
para a leitura e para a elaboração de conteúdos para o ensino.
Concluímos, assim, essa seção destacando o entendimento do que é
texto no panorama da LT. Essa visão coincide com o que é usado atualmente na
área pedagógica, e isso tem contribuído para o ensino-aprendizado de línguas e
principalmente para que a leitura e produção de textos serem mais diversificados
e mais próximos das condições reais de elaboração.

TEMA 5 – CRITÉRIOS DE TEXTUALIDADE

Como vimos no tema anterior, todas as formas que constituem sentido e


são destinadas à comunicação podem ser chamadas de textos. Há uma enorme
quantidade de possibilidades de produção desses textos. Temos que considerar
também sua característica mutável, pois este precisa se adequar às
necessidades das diferentes épocas. Veja que, atualmente, não se fala mais em
lista telefônica, enciclopédias como a Barsa, por exemplo. As novas gerações
normalmente não fazem ideia do que eram esses livros. Sobre as formas como

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nos comunicamos nos dias atuais, quem diria há 30 anos que iríamos nos
comunicar por mensagens eletrônicas usando desenhos e imagens?
Essa visão sobre o que são os textos permite que tenhamos um
entendimento maior sobre a diversidade das formas de comunicação. Vale
ressaltar que, nesta etapa do nosso estudo, não estamos diferenciando texto e
discurso; quando falamos de texto, entenda que esses elementos estão
conectados e são indissociáveis. O ponto que queremos levantar nesta seção
diz respeito a como acontece a construção de sentidos que resulta em um texto
e, ainda, quais seriam as estratégias que proporcionariam a boa construção ou
formação textual? Sabemos que essas são questões extensas, mas vamos
trazer resumidamente uma proposta de análise apresentada por Marcuschi
(2008) com base em Beaugrande (1997), que são os sete critérios da
textualidade. Esta não é a única teoria que propõe a análise da textualidade, mas
passou a ser bastante utilizada há algumas décadas e proporcionou um grande
número de estudos.
Quando falamos de textualidade ou textualização, estamos nos referindo
ao processo de construção de textos que envolve a esquematização e a
configuração desses textos. Sabemos que existe uma quantidade muito grande
de textos que se inserem em diferentes gêneros textuais/discursivos, e nossa
preocupação, nesta etapa, é procurar entender como os textos são constituídos.
Você deve ter observado que neste tema estamos falando com mais frequência
sobre textos e não mais sobre gênero. Vale lembrar que a perspectiva que
estamos adotando está inserida no modo como a Linguística Textual vem
desenvolvendo estudos sobre os textos.
Vamos começar observando um esquema apresentado por Marcuschi
(2008, p. 96):

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Figura 2 – Distribuição dos critérios de textualidade

Fonte: Marcuschi, 2008, p. 96.

O objetivo desse esquema é dar uma ideia de como se distribuem os


critérios gerais da textualidade.
Você pode observar que o esquema inicia com os três pilares da
textualidade, que são o autor, o leitor e o texto como evento. O texto faz a
conexão entre quem produz e a quem é destinado. Depois, vemos que há uma
divisão: configuração linguística e situação comunicativa. A primeira está
relacionada aos aspectos linguísticos, e a segunda ao contexto social e ao
conhecimento de mundo. Observe que essas duas dimensões se juntam,
conforme mostram as setas na parte inferior do esquema. Essas setas estão
indicando que tanto o aspecto linguístico quanto a situação comunicativa se
retroalimentam, havendo uma inter-relação entre elas. Na base da imagem,
podemos ver também os critérios de textualidade, que são: coesão, coerência,
aceitabilidade, informatividade, situacionalidade, intertextualidade e
intencionalidade.
Vamos agora, então, para uma breve exposição sobre cada um desses
critérios. Colocamos as informações em seção separadas para ficar mais fácil
visualizá-las, mas não podemos perder de vista o quando esses critérios fazem
parte de uma única unidade de sentido.

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5.1 Coesão

A coesão está relacionada à sequencialidade do texto, que envolve tanto


elementos linguísticos como os conectivos (em geral conjunções) quanto as
expressões que permitem a continuidade das ideias apresentadas no texto.
Existem muitos modos de construir a coesão dos textos, e isso tem grande
dependência do estilo pessoal do autor e também das características já
convencionadas dos gêneros textuais. Mas o uso de palavras conectoras e de
expressões não significa que o texto terá boa coesão. As ideias que compõem o
texto precisam estar em conformidade com uma sequência adequada. Por isso,
Marcuschi (2008, p. 104) fala de dois tipos de coesividade: “a conexão referencial
(realizada por aspectos mais especificamente semânticos)”, isso quer dizer a
conexão pelo sentido e pelas sequência de ideias. O outro tipo é a “conexão
sequencial (realizada mais por elementos conectivos)”.
Os conectivos mais usados são as conjunções (mas, no entanto,
portanto, contudo). Mas existem outras formas. De acordo com Marcuschi (2008,
p. 108), podemos apontar alguns mecanismos de coesão, que são:

1. Referência (pessoal, demonstrativa, comparativa);


2. Substituição (nominal, verbal, frasal);
3. Elipse (nominal, verbal, frasal);
4. Conjunção (aditiva, adversativa, conclusiva etc.);
5. Coesão lexical (repetição, sinonímia, colocação etc.).

Veja alguns exemplos no texto a seguir:

Exemplo 1:

1. “A Ana tem muitos documentos para traduzir, por isso precisa de ajuda de
um funcionário. No próximo mês, ela vai contratar alguém que seja fluente
em inglês”.

No pequeno texto acima, podemos ver alguns exemplos e estratégias


relacionadas à coesão. Observe que as ideias são expressas sem haver
repetição de palavras, e com isso temos uma situação de coesão por elipse. Veja
o exemplo: “a Ana tem muitos documentos para traduzir, por isso (ela) precisa
de ajuda”. Antes do verbo “precisa”, não é necessário que tenhamos a repetição
do sujeito Ana; isso não prejudica a compreensão e o leitor consegue fazer essa
relação.

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Ainda sobre a questão da elipse, leia o texto a seguir e identifique
exemplos de coesão referencial por elipse:

Exemplo 2:

Gripado, penso entre espirros em como a palavra gripe nos chegou


após uma série de contágios entre línguas. Partiu da Itália em 1743 a
epidemia de gripe que disseminou pela Europa, além do vírus
propriamente dito, dois vocábulos virais: o italiano influenza e o francês
grippe. O primeiro era um termo derivado do latim medieval influentia,
que significava “influência dos astros sobre os homens”. O segundo era
apenas a forma nominal do verbo gripper, isto é, “agarrar”. Supõe-se
que fizesse referência ao modo violento como o vírus se apossa do
organismo infectado. (Rodrigues, 2011)

Observe que depois das palavras primeiro e segundo, existe uma elipse,
ou seja, a ausência da informação já apresentada antes. Qual é o termo que está
ausente? Curiosamente não conseguimos identificar sem uma leitura mais
detalhada, mas entendemos o que o texto quer dizer.
Voltando ao primeiro exemplo, na segunda frase aparece o pronome ela
referindo-se à Ana; temos aqui um caso de referência através do pronome
pessoal ela.
Temos também o uso de uma conjunção: por isso, que tem função de
introduzir a explicação/conclusão da informação anterior. Nesse caso, temos a
coesão por conjunção. As conjunções são consideradas operadores
argumentativos e são formas facilmente identificáveis como elementos coesivos.
Vemos também a relação entre as palavras funcionário e alguém. Aqui
temos a substituição de um termo por outro equivalente; a repetição da palavra
funcionário deixaria o texto menos atraente. Isso porque a repetição de termos
deve ser usada apenas em situações muito específicas ou quanto já existe um
distanciamento das palavras no texto, ou seja, quando aparecem em parágrafos
distintos. Mas na mesma oração, este não se trata de um recurso adequado.
Além dessas possibilidades de coesão por referenciais, há também os
operadores organizacionais. São exemplos disso as seguintes palavras e
expressões:

1. Em primeiro lugar; como veremos na sequência; como vimos no capítulo


anterior; no próximo capítulo; neste capítulo; mais adiante etc.

Esses são os operadores que dão ideia de espaço e tempo. Ainda temos
os operadores metalinguísticos.

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2. Por exemplo; isto é, ou seja, quer dizer; por outro lado; repetindo; em
outras palavras, por outro lado, de acordo com; segundo o autor etc.

Trabalhos mais atuais têm apresentado descrições que envolvem a


coesão textual por meio de estudos relacionados aos processos de
referenciação que englobam as várias possibilidades de dar continuidade e
sequência aos textos.

5.2 Coerência

A coerência refere-se ao conjunto de “representações ativadas para


organizar o sentido global do texto e sua coerência”. (Marcuschi, 2008, p. 119).
Para ilustrar essa ideia, o autor cita um exemplo já apresentado por Irandé
Antunes (2005), que parte de um poema com autor anônimo. Leia com atenção
o poema:

Subi a porta e fechei a escada.


Tirei minhas orações e recitei meus sapatos.
Desliguei a cama e deitei-me na luz.
Tudo porque
Ele me deu um beijo de boa noite...

No poema, o autor usa de um artifício que é a troca das palavras para dar
sentido de distração ou falta de atenção devido ao fato de ter recebido um beijo.
Embora tenhamos frases que seriam agramaticais como: “Subi a porta”, “recitei
meus sapatos”, o conjunto das informações produz um efeito coerente e mostra
muita criatividade para expressar a ideia de estar apaixonado ou emocionado.
Desse modo, vemos que a coerência envolve conceitos e relações
subjacentes ao texto de superfície e está fortemente ligada à configuração e
veiculação dos sentidos no texto.

5.3 Intencionalidade

A intencionalidade é um critério necessário para a produção textual e está


ligada nas intenções do produtor do texto. Este é um fator importante para a
existência de um texto, mas a intenção do autor pode estar mais claramente
evidenciada ou não. Em geral, quando nos perguntamos sobre qual é a intenção
do autor de determinado texto, estamos considerando esse critério.

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Veja os seguintes exemplos que têm formato de título de notícia e observe
a diferença em relação à intencionalidade do autor(a) dos títulos:

1. “Flamengo venceu o jogo da semifinal e se prepara para o próximo jogo”.


2. “Flamengo conquista mais uma vitória e chega na final como o grande
favorito”.

É visível que o segundo exemplo enaltece o time Flamengo, enquanto o


primeiro se restringe a informar o fato.

5.4 Aceitabilidade

A aceitabilidade está relacionada à adequação do texto ao destinatário ou


ao leitor. Isso implica que o texto precisa ser interpretável e significativo. Esse
critério tem forte ligação com o critério da intencionalidade, mas a aceitabilidade
“se dá na medida direta das pretensões do próprio autor, que sugere ao leitor
alternativas estilísticas ou gramaticais que buscam efeitos especiais”.
(Beaugrande, 1997, p. 14). Esse critério implica na observação de estratégias
que visam tornar o texto claro e objetivo a fim de atingir seus propósitos
comunicativos.
A adequação do texto ao destinatário é uma das principais situações que
favorecem a aceitabilidade. Podemos ver esse critério nas formas de tratamento
usadas em textos. Imagine, por exemplo, um texto de carta de apresentação a
ser destinado ao diretor(a) de uma empresa ou coordenador(a) de uma
instituição usando como forma de tratamento você. Nesse caso, é necessário
usar senhor(a), prezado(a), caro(a), entre outros termos.

5.5 Situacionalidade

O critério da situacionalidade está relacionado ao espaço-temporal que o


texto irá circular. Todos os textos são mais ou menos relevantes em
determinados lugares. Conforme explica Beaugrande (1997, p. 15, citado por
Marcuschi, 2008, p. 128), “a situacionalidade não só serve para interpretar e
relacionar o texto ao seu contexto interpretativo, mas também para orientar a
própria produção”. A leitura e a produção de textos é guiada dependendo do
lugar onde o texto se tornará público. Dependendo do lugar onde estamos, temos
a expectativa de encontrar determinados textos; esses espaços podem ser mais
ou menos formais, voltados ao público jovem ou idoso, ser um espaço urbano
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ou rural, entre outras muitas situações. Marcuschi (2008, p. 129) aponta esse
critério como sendo redundante porque ela está presente em todos os outros
critérios. De qualquer modo, os locais onde o texto irá circular são considerados
no momento da sua produção e da interpretação.
Como exemplo desse critério, podemos citar os cartazes convidando para
as festas juninas. Nesse tipo de texto, é comum vermos frases como: “pode se
achegá no nosso arraiá que a festança vai ser das boa, ocê num pode perdê
esse arrasta pé”. Frases como essa ajudam a compor um contexto relacionado
a esse tipo de festa, mesmo que o local a ser realizado o evento seja uma escola
ou um clube. Nesse caso, existe uma espécie de licença poética para “brincar”
com as palavras e dar uma ideia de descontração. No entanto, a frase
apresentada só é aceita em situações muito específicas.

5.6 Intertextualidade

A intertextualidade é uma característica bastante estudada em várias


linhas teóricas ligadas à Análise do Discurso e a Linguística Textual, entre os
segmentos que estudam texto e discurso. Trata-se da presença de partes de
textos, como citações, em outros textos, assim, um texto que é produzido em
determinado momento apresenta partes, excertos ou ideias que já foram lidas
ou ouvidas. É pouco provável que um texto seja produzido sem conter algum
dado que já tenha sido apresentado em outras circunstâncias. Conforme
Marcuschi (2008, p. 129), existe um “consenso quanto ao fato de se admitir que
todos os textos comungam com outros textos, ou seja, não existem textos que
não mantenham algum aspecto intertextual, pois nenhum texto se acha isolado
e solitário”. Acredita-se que a intertextualidade é uma propriedade comum dos
textos e ela pode ser vista de modo mais explícito ou mais implícito.

5.8 Informatividade

A informatividade é um critério relacionado à capacidade do texto de


informar conteúdos e sentidos. Não se espera que um texto não informe nada,
por isso esse critério parece um tanto óbvio, mas podemos pensar em como um
texto pode ser relevante de acordo com a importância das informações nele
contidas. Ainda, podemos estudar/analisar/produzir um texto observando as
estratégias que permitem torná-lo mais substancialmente informativo. Para

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Marcuschi (2008, p. 132), “a informatividade diz respeito ao grau de expectativa
ou falta de expectativa, de conhecimento ou desconhecimento e mesmo
incerteza do texto oferecido”. Esse critério pode ser percebido se compararmos
alguns textos. Veja, por exemplo, uma lista com o nome dos aprovados em um
concurso público ou exame de acesso a universidades, a expectativa no
momento da publicação desses textos é muito grande. Isso acontece porque a
informação veiculada tem grande relevância para a vida das pessoas.
Podemos considerar também em relação a esse critério a utilização de
estratégias textuais para que determinado texto pareça conter uma informação
mais importante ou não.

NA PRÁTICA

Como trabalho prático relacionado a esta aula, você deve escolher um ou


mais textos e desenvolver um roteiro de perguntas para explorá-los. A escolha
do texto deve estar relacionada ao perfil dos alunos que você imagina ser o
público-alvo (ensino fundamental, médio, cursos de línguas estrangeiras, ou
outros tipos de aulas e atividades de leitura). Você pode se inspirar no exemplo
a seguir e nos critérios apresentados no Tema 5.

Atividade destinada ao Ensino Fundamental II ou Ensino Médio: leia os


textos nos links a seguir e desenvolva as análises:
<https://riomais20setur.wordpress.com/2012/06/12/campanha-publicitaria-
incentiva-turismo-na-regiao-serrana/>.
<http://sol.sc.gov.br/index.php/informacoes/noticias/1544-campanha-curta-
santa-catarina-de-verdade-pretende-estimular-o-turismo-interno>.
<https://oglobo.globo.com/brasil/apos-declaracao-de-bolsonaro-sobre-tema-
estados-lancam-campanhas-contra-turismo-sexual-23642854>.

Roteiro de questões para análise e discussão:

1. Do que tratam os três textos?


2. A quais gêneros textuais eles pertencem?
3. Os textos falam sobre quais lugares ou regiões?
4. A que público se destina cada um dos textos?
5. Existe alguma estratégia especial utilizada nos textos para favorecer a sua
aceitabilidade?
6. Você considera que esses textos dão conta do critério informatividade?

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7. É possível observarmos elementos de coesão nesses textos? Caso tenha,
identifique-os, caso não tenha, tente apontar por que não há esses
elementos nos textos.
8. Existe uma característica que difere o terceiro texto dos dois primeiros.
Qual é essa característica? A que gênero discursivo podemos associar o
terceiro texto?

FINALIZANDO

Procuramos, nesta aula, abordar um conteúdo voltado aos estudos dos


gêneros discursivos/textuais. No último tema, nos concentramos em falar mais
de texto do que de gêneros, isso porque é uma linha de estudos bastante
explorada pela Linguística Textual e isso contribui para o estudo prático que
faremos futuramente. Procuramos abordar várias questões que nos pareceram
relevantes e que poderão ser úteis para ancorar um trabalho/estudo que envolva
análise de textos e também para fornecer construto teórico relevante para a
formação de professores. Devemos ter em mente que nem tudo o que
aprendemos precisa ser ensinado para nossos alunos, isso em termos estritos,
mas são conteúdos que nos darão preparo e entendimento mais amplo sobre os
vários campos que envolvem a comunicação humana. Para concluir, queremos
destacar que o estudo dos gêneros discursivos/textuais é relevante para
compreendermos o funcionamento da sociedade.

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REFERÊNCIAS

ANGELO, A. M. Gêneros discursivos e construção identitária em língua


portuguesa. 131 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de
Brasília, Brasília, DF, 2006.

ANTUNES, I. Lutar com palavras. Coesão e coerência. São Paulo: Parábola


Editorial, 2005.

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal.


Introdução e tradução de Paulo Bezerra. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
p. 261-306.

BEAUGRANDE, R. A. de. New Foundations for a Science of Text and


Discourse: Cognition, Communications, and the Freedom of Access to
Knowledge and Society. Norwood: Ablex, 1997.

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UnB, 2001.

GOULARTE, R. S. Os gêneros textuais em livros didáticos de língua


portuguesa: em busca do segredo da esfinge. 152 f. Dissertação (Mestrado
em Letras) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2012.

HAYASHI, R. K. S. Gêneros discursivos e o ensino-aprendizagem de japonês: o


que os textos têm a (nos) ensinar. Revista Trama., v. 12, n. 27, p. 31-56, 2016.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão.


São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

_____. Gênero e léxico na produção textual. Conferência pronunciada no I


Simpósio de Língua Portuguesa e Literatura: Interseções. PUC-Minas – Coração
Eucarístico. Belo Horizonte – MG, 1-3 de outubro de 2003.

RODRIGUES, S. Sobre palavras. Veja, 30 nov. 2011. Disponível em:


<http://educacao.globo.com/provas/enem-2013/questoes/121.html>. Acesso
em: 7 mar. 2020.

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