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O que Existe sob o Plácido Manto da Qualidade de Vida no Trabalho?

Revelações sobre
seus Recursos Retóricos e seu Modo de Operação Ideológica através de um caso
ilustrativo.
Autoria: Débora Paschoal Dourado, Cristina Amélia Pereira de Carvalho

Resumo

O presente artigo teve por objetivo revelar os interesses organizacionais subjacentes à


lógica organizacional da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Para tanto, fez uso da técnica
de Análise Crítica do Discurso (ACD) sobre o Programa de QVT da organização ALPHAi
atuante no setor de transportes urbanos no estado de Pernambuco. Categorias discursivas
serviram de base para a operacionalização da análise crítica do discurso e possibilitaram a
identificação de que o discurso da QVT utiliza recursos retóricos ideologicamente operados.
A técnica possibilitou desvendar que o discurso de QVT, na organização ALPHA, configura-
se como uma maneira eficaz de se ocultar a dominação presente na relação trabalhador-
empresa, no sentido de buscar participação e comprometimento do trabalhador na solução dos
efeitos negativos acumulados do seu trabalho sobre seu desempenho.

1. O Discurso e a Análise Crítica do Discurso

O reconhecimento do papel intencional do discurso sobre o comportamento dos


indivíduos nas organizações foi a base deste artigo. Arendt (2003) explica que “nenhuma
outra atividade humana precisa tanto do discurso quanto a ação. Na ação e no discurso os
homens mostram que são e revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e
assim, apresentam-se ao mundo humano” (p. 192).
Portanto, é através do discurso que os homens se revelam. Assim, é preciso esclarecer
que o discurso é considerado como forma de “prática social e não como atividade puramente
individual ou reflexa de variáveis situacionais”, uma vez que se reconhece nas práticas
administrativas o que Arendt denomina de ação.
Esta perspectiva fundamenta a Teoria Social do Discurso, composta por um modelo de
três dimensões: a prática social, a prática discursiva e o texto que tem como propósito a
organização da análise (FAIRCLOUGH, 2001, p. 90).

Prática Social

Prática Discursiva

Texto

Figura 1- Concepção tridimensional do discurso em Fairclough (2001).

De acordo com este modelo, o texto vem imerso e a serviço das práticas discursivas
que, por sua vez, são manipuladas estrategicamente para a configuração de determinadas
práticas sociais que buscam a conservação dos interesses que representam.

1
Portanto, neste caso, os textos relativos à qualidade de vida no trabalho surgem numa
prática discursiva própria, que explica e viabiliza o exercício do controle social, através de
práticas sociais que visam manter a condição instrumental do indivíduo no trabalho.
Muito embora se reconheça o poder explicativo do modelo tridimensional de
Fairclough (2001) o enquadre proposto por Chouriaraki e Fairclough (1999) – Tabela 1 –
pareceu ampliar o caráter emancipatório da teoria, porque possibilita maior abertura nas
análises, porque incita mais que o modelo tridimensional o interesse na análise de práticas
problemáticas decorrentes de relações exploratórias e também porque auxilia na captação da
articulação entre o discurso e outros elementos sociais na formação de práticas sociais
(RESENDE E RAMALHO, 2006).
A análise crítica do discurso na medida em que parte da interpretação social dos
mesmos, ou seja, da investigação sobre o uso da linguagem na construção dos sentidos, busca
compreender o texto em seu contexto social e na historicidade de suas proposições. Então, o
principal interesse desta vertente analítica são as relações de produção do sentido do discurso,
cujo mecanismo principal é o desprendimento do texto em si, deslocando a análise para a
busca das regras de coerência que estruturam o universo dos discursos dentro da organização
investigada (GODOI, 2005).
Misoczky (2005) adverte que é notadamente no momento atual de desenvolvimento do
capitalismo, cujas esferas de atuação têm sido expandidas, que a utilização da linguagem e de
seus artefatos têm sido mais relevante visando o desvendar destas ferramentas no âmbito das
organizações e de suas práticas gerenciais. Assim, o discurso gerencial contemporâneo vem se
representando por meios de vários recursos, dentre os quais se identifica a QVT.
Diante destes argumentos, para fins de análise do discurso da QVT enquanto recurso
estratégico da moderna gestão de pessoas nas organizações, adotou-se o seguinte esquema,
que norteou a análise, partindo de sua desconstrução enquanto prática social, associada a uma
conjuntura específica e a outras práticas relevantes, tal como mostra a Tabela 1.

1. Um problema
2. Obstáculos (a) Análise da conjuntura
para serem (b) Análise da prática em (i) Práticas relevantes
superados particular (ii) relações do discurso com outros
momentos da prática
(c) Análise do discurso (i) Análise estrutural
(ii) Análise interacional
3. Função do problema na prática
4. Possíveis maneiras de superar os obstáculos
5. Reflexão sobre a análise
Tabela 1 – O enquadre para ADC de Chouliaraki e Fairclough (1999, p.60)

De acordo com este esquema, é possível observar que, em geral, o discurso é


concebido para fins específicos: resolver um problema determinado ou desenvolver uma
atividade necessária no âmbito das organizações (Item 1 do esquema).
Para auxiliar o julgamento do problema, Widdicombe (1993 apud GILL, 2000) sugere
que se considerem as maneiras como as coisas são ditas como potenciais soluções de
problemas. O trabalho do analista torna-se, portanto, o de identificar cada problema e como o
que é dito se constitui em uma solução (p. 254), conferindo desta forma a consistência e a
validade necessárias a um trabalho desta natureza.

2
O uso da linguagem como prática social é um modo de ação historicamente situado,
que além de ser construído socialmente também é constitutivo de identidades sociais, relações
sociais e sistemas de conhecimento e crença. Resende e Ramalho (2006) esclarecem
“nisso reside a dialética entre discurso e sociedade: o discurso é moldado
pela estrutura social, mas é também constitutivo da estrutura social. Não há,
portanto, uma relação externa entre linguagem e sociedade, mas uma relação
interna e dialética” (p.27).
Para tanto, a análise da conjuntura, ou seja, de acontecimentos históricos e estruturais
que sobre o problema possibilita a compreensão sobre as causas ou motivações do uso
daquele tipo de discurso. Esta análise incorporada à análise da prática em particular adotada e
do discurso propriamente desenham as estratégias discursivas utilizadas para superarem as
resistências à solução (Item 2) daquele problema sobre o qual se propõe agir o discurso.
É análise crítica sobre a função do problema e das possíveis maneiras que podem ser
adotadas para superar o obstáculo (Itens 3 e 4) que revela a arquitetura do discurso e de todas
as suas ferramentas textuais ideológicas.
Olivo e Misoczky (2003) explicam que é preciso compreender os jogos de linguagem
e as estratégias discursivas realizadas pelos atores que disputam o campo. Neste sentido, as
práticas discursivas usam de estratégias lingüísticas como ferramentas discursivas, presentes
de várias maneiras, cuja classificação subsidia o entendimento sobre os reais interesses
discursivos. A classificação das estratégias discursivas realizada por estes autores, adaptada
de Fairclough (2000; 2001) são apresentadas a seguir, na Tabela 2.

Antítese Estabelece contrastes que são opostos mas não divergentes.


Colocação São co-ocorrências entre palavras em um texto. Identificadas pela
freqüência em que um adjetivo é utilizado para modificar um
substantivo.
Equivalência São estabelecidas utilizando listas ou substituições, como se fossem
sinônimos.
Metáfora A metáfora tem a função de criar uma analogia entre um conceito e
outro.
Modalidade Especifica o nível de comprometimento. Tem a ver com pretensão de
verdade e/ou com obrigação (não pode existir qualquer outra
alternativa).
Tom/Modos Declarativo, imperativo e interrogativo. Preferências sistemáticas
podem ser sociologicamente ou ideologicamente significantes.
Nominalização Representa um processo com um nome, um substantivo, tornando este
processo genérico e vago. A responsabilização pode ser obscurecida
com a nominalização.
Excesso de Proliferação de diferentes palavras na mesma área de significado.
Palavras
Transitividade O maior interesse está em perceber que se omite os atores, podendo
fazê-lo porque são óbvios ou porque há intenção os agentes e
responsabilidades.
Pressuposição Textos são sempre uma mistura de significados implícitos e explícitos.
Às vezes o que é pressuposto (tido como dado) não está em debate (é
mero senso comum). Outras são contenciosas. Elas pressupõem
(assumem) determinadas coisas que são questionáveis
Pronomes A questão é saber quem exatamente é incluído? Quem são estes atores

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sociais que se encarregam do problema? Quais as propriedades sociais
desses atores?
Ethos/Estilo Formas sutis de argumentação persuasivas que jogam com relações de
poder (apelam à emoção). Estilos tem a ver com o desempenho geral:
com entidades políticas e valores; com o modo com atinge consenso;
como ele representa o mundo social, o processo governamental e
político; como projeta a identidade particular a valores específicos.
Tabela 2: Práticas discursivas orientadoras da análise de discurso (adaptado de Misoczky, 2002 a partir
de FAIRCLOUGH, 2000 e 2001)

Estas categorias serviram de base para a operacionalização da análise crítica do


discurso da QVT, constantes no Programa de Qualidade de Vida no Trabalho da ALPHA, a
seguir apresentada.

2. O discurso de um programa de qualidade de vida no trabalho

O programa de Qualidade de Vida no Trabalho com todo seu histórico, justificativa,


contexto e detalhamento consta num documento institucional denominado Programa de
Qualidade de Vida da organização ALPHA, publicado no ano de 2005. Ele é iniciado por uma
seção de apresentação que discorre acerca dos motivos que geraram o programa e dos
principais dados históricos do mesmo. Em seguida, são descritas as suas principais ações e
dimensões, seu marco de referência e o cronograma físico financeiro. Sobre este documento é
possível realizar a análise critica do discurso organizacional sobre a QVT.

“Motivada pela crença de que a realidade que molda o comportamento do homem também
pode ser modificada a partir do comportamento daqueles que assumem o papel de escrever
uma história diferente, mesmo quando todo um contexto faz crer que a correnteza é que leva
a canoa, a equipe do Departamento de Recursos Humanos da ALPHA resolveu reunir
esforços e construir uma política permanente voltada para o bem estar funcional dos
colaboradores do Recife” (PROGRAMA DE QVT DA ALPHA, 2005, p. 1).

Uma contraposição entre o documento e o esquema proposto por Chouliaraki e


Fairclough (1999, p.60), já mostrados na Tabela 1, permite a percepção sobre a lógica e os
interesses organizacionais do programa, operacionalizada pelo uso de ferramentas textuais
específicas, estas por sua vez, analisadas a partir da classificação das práticas discursivas
apresentadas na Tabela 2.
Os recursos textuais utilizados apontam para a tentativa de dissuadir os trabalhadores.
Nos trechos iniciais do documento se constata a adoção de um ethos persuasivo, baseado em
expressões apelativas e imbuído de juízo de valor, induzindo ao indivíduo se tornar um adepto
se ele deseja fazer parte de uma equipe que deseja escrever uma história diferente. Neste caso
os proponentes do programa: o órgão de recursos humanos.
Ademais, partem da pressuposição - a realidade que molda o comportamento do
homem também pode ser modificada a partir do comportamento daqueles que assumem o
papel de escrever uma história diferente – que suprime o debate e que é contenciosa na
medida em que assume como verdade algo que para alguns pode ser questionável: que a
realidade pode ser modificada por aqueles que assumem responsabilidade por escrever uma
história diferente.

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O esquema aponta para o fato de que comumente um discurso existe visando à solução
de um problema ou de uma atividade específica. Desta forma, é bastante relevante descobrir o
problema que o discurso organizacional - da QVT na ALPHA - visa solucionar.
De acordo com o documento, a motivação para instauração do programa foram as
crenças sobre a importância do “do bem estar funcional dos colaboradores” (p. 1). Contudo,
as entrevistas realizadas apontaram para que a principal causa do surgimento do programa
foram os altos índices de insatisfação no trabalho, gerado por anos de estagnação funcional
(definidos pelo Plano de Cargos e Salários obsoleto), por uma defasagem salarial crônica e
por indicadores elevados de doenças ocupacionais, tais como stress, depressão, alcoolismo e
outras enfermidades, que por seu turno, estavam causando problemas de produtividade graves
à organização.
Portanto, esta análise preliminar sobre as inconsistências entre os discursos, denuncia
que o Programa de QVT da ALPHA surgiu duma tentativa de solucionar estes problemas
organizacionais. Contudo, este trecho faz uso de ferramentas lingüísticas que tentam
confundir o trabalhador e sua comunidade, fazendo-os acreditar que o objetivo gerencial
funda-se na preocupação com o bem estar dos seus trabalhadores.

Assim, paulatinamente, o Comitê Executivo foi estruturando uma linha de pensamento capaz
de configurar o desejo coletivo daqueles que se fizeram representar... (PROGRAMA DE
QVT DA ALPHA, 2005, p. 1)

No trecho que discorre sobre o processo evolutivo do programa, o documento faz


alusão à formação do Comitê Executivo, grupo responsabilizado pelo planejamento e
proposição de ações de QVT. Na sua redação, faz uso de uma formação textual que confere
ao Comitê legitimidade de representação do desejo da coletividade. Ao fazer isto, usa de uma
modalidade textual de que não permite outra possibilidade senão a de que o Comitê
Executivo representa o desejo de todos os trabalhadores que se fizeram representar por este
grupo. Também no que tange à representatividade do Comitê, o documento faz uso do
excesso de palavras, ou seja, da proliferação de diferentes termos com o mesmo significado,
fato indicativo de uma preocupação ideológica intensiva de demonstrar a legitimidade do
grupo. Todavia, alguns questionamentos colocam em cheque esta “verdade” defendida pelo
texto: quem elegeu os membros do comitê? Os trabalhadores foram consultados sobre sua
composição?
Para explicar os interesses organizacionais ao propor ações de QVT para os indivíduos
que nela trabalham o texto apresenta utensílios ainda mais contundentes.

Qualidade de vida não é algo que está apenas no plano individual, ela é mais que isso.
Perpassa na direção do Bem Estar Coletivo. É algo Comunitário. Faz parte de uma cadeia
entrelaçada da qual a organização faz parte. [...] Com toda certeza as organizações jamais
existiriam sem as pessoas que lhes dão vida, dinâmica, impulso, criatividade e racionalidade.
Na verdade, cada uma das partes depende da outra. Uma relação de interdependência na
qual há benefícios recíprocos. Hoje, o assunto Qualidade de Vida no Trabalho passou a ser
pauta diária. Não há como dissociar o Trabalhador do Homem. O Homem passa a ser cada
vez mais, o principal ativo das organizações. (PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005, p.
2).
O trecho explicita o tom/modo declarativo, com forte conteúdo ideológico. Na
verdade, são orações usadas como recursos retóricos ajustados para convencer sobre a
“responsabilidade” empresa sobre os seus trabalhadores, justificando o porquê desta invasão
da organização a dimensões da vida humana. Perturba os seus trabalhadores quando afirma
com este tom que o interesse da organização é com o bem estar coletivo.

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Muito embora use deste tipo de abordagem, o jogo retórico evidencia contradições
internas na concepção de qualidade de vida, desnudando os seus verdadeiros interesses. Por
um lado manifesta seu fundamento no “bem estar coletivo” e “no comunitário” e de outro,
defende o papel instrumental das pessoas para a organização, transportando-se de uma esfera
a outra da vida humana, como se ambas possuíssem o mesmo caráter.
Justifica sua postura afirmando que “não há como dissociar o trabalhador do homem”.
Todavia, na medida em que fala sobre a utilidade das pessoas para os fins organizacionais,
revela o que pretende sobre os homens no âmbito organizacional: afirma que as pessoas dão-
lhes [às empresas] “vida, dinâmica, impulso, criatividade e racionalidade”, na realidade,
estando imbuídas em extrair estas contribuições e em imprimir o comportamento esperado
nos trabalhadores.
Assim, também assume conteúdo de pressuposição na medida em que encerra,
estrategicamente, uma pretensão de verdade ao conferir ao trabalhador a condição de
“principal ativo” das organizações, tal como suas máquinas, sua matéria-prima, seu capital.
Desta maneira, refere-se aos homens como cerne das organizações e de sua existência,
confundindo-o com seus recursos instrumentais necessários, cuja relevância é, na verdade, é a
sua utilidade para incrementar seus índices de lucratividade.
Ao apresentar a origem do programa e de uma política permanente de QVT, o
documento menciona os desafios enfrentados e os esforços empreendidos.

“A discussão sobre a criação de uma política permanente sobre Qualidade de Vida no


Trabalho veio sendo desdobrada ao longo de 01 (um) ano, quando em outubro de 2004 foi
dado início a um plano de criação dessa política. Naquele momento, tinha-se conhecimento
de que tal façanha não se desenhava da noite para o dia. Havia necessidade de se extrair do
campo do sonho algo que pudesse ser aplicado na prática cotidiana do Departamento de
Recursos Humanos, mas que tivesse uma conotação ampla e expressasse o desejo de uma
coletividade e não apenas de um departamento”. (PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA,
2005, p. 3).

Logo de início, o texto revela que se tratou de interesse do órgão de recursos humanos
a criação de uma política permanente, cujo uso da ferramenta discursiva de nominalização,
atribui responsabilidade e autoria a uma “política permanente de qualidade de vida no
trabalho” às ações empreendidas neste campo, desvinculando-as do departamento. Assim,
doravante este substantivo criado no texto torna o processo genérico e vago, obscurecendo a
responsabilização pelas iniciativas de QVT. Neste ponto, também faz uso da transitividade,
ofuscando os atores envolvidos no desenvolvimento dessas práticas.
Qual o interesse está por trás desta imprecisão de responsabilidade? Parece evidente
que está o propósito de tornar as práticas de QVT naturais, nativizando-as entre os
trabalhadores e deixando-as fazer parte dos comportamentos esperados nestes indivíduos.
Neste momento, exerce-se a ideologia e sua função reprodutora. Esta abordagem gera uma
uniformidade de respostas dos trabalhadores que são, precisamente, os objetivos das teorias
gerencialistas do comportamento organizacional.
Neste sentido, desvela-se o principal interesse dos programas de QVT enquanto
prática do comportamento organizacional: a geração e manutenção da conduta uniforme nos
trabalhadores. Evidentemente que esta uniformidade não pode ser explicada pela harmonia de
interesses preconizada pela economia clássica. Pode ser entendida, isto sim, através da
realidade do conflito, tão perseguido pelas sucessivas tentativas de “socialização do homem”,
exercidas através do discurso do agente dominador - a organização - sobre os sujeitos - os
trabalhadores (ARENDT, 2003, p. 54).

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Também a descrição da origem do programa de QVT na organização aponta para o
uso dos mecanismos retóricos.

“Usando a racionalidade necessária sem impossibilitar a fluidez da emoção que dava vazão
ao sonho de construir um espaço saudável, a equipe de Coordenação do Programa criou o
Comitê Executivo para dar forma aquele plano de ação, e juntos elencaram quatro pilares
como primordiais: Físico – Mental – Social – Espiritual. Cada um desses pilares suscitou
discussões e findaram em proposições objetivas de como fomentar sua aplicabilidade. Assim,
os programas sugeridos a seguir são frutos desse Comitê, e que vem atender aos anseios dos
colaborares da Alpha, detectados pela atuação da equipe do Departamento de Recursos
Humanos e pelo resultado da pesquisa realizada” (PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005,
p. 3).

Neste trecho, a força simbólica dos termos – “usando a racionalidade necessária sem
impossibilitar a fluidez da emoção que dava vazão ao sonho de construir um espaço saudável”
– é utilizada para enaltecer a preocupação e o empenho da equipe de recursos humanos no
empreendimento do programa de QVT, cujo o uso revela o ethos como uma prática discursiva
que confere poder apelativo através do emocional. O uso deste tipo de abordagem visava
fomentar que as intenções sobre o programa são oriundas dos sentimentos e das emoções e
não dos interesses econômicos. Neste momento, ainda apela para a justificativa, sob forma de
pressuposição, de que o uso da racionalidade é condição necessária à consecução do plano,
argumentando de que sua adoção se justifica no valor do objetivo final – a construção de um
“espaço saudável” de trabalho.
É muito freqüente ao longo do documento trechos que fazem referência à composição
do Comitê de QVT, à forma como foi constituído e ao levantamento sobre as principais
necessidades encontradas no corpo funcional da organização. Também este fragmento intenta
reforçar caráter participativo à formação do programa, atribuindo verdade a uma modalidade
assumida como democrática. Ao afirmar que “a equipe de Coordenação do Programa criou o
Comitê Executivo para dar forma aquele plano de ação, e juntos elencaram quatro pilares”,
menciona que os pilares foram definidos tanto pela Coordenação do programa quanto pelo
Comitê Executivo, dando a impressão de que esta era uma relação de igualdade de poder e de
comunhão de interesses.
Adiante o documento ao afirmar que as ações apresentadas no programa representam
as indicações feitas pelo próprio comitê em resposta às necessidades dos seus trabalhadores
(“os programas sugeridos a seguir são frutos desse Comitê, e que vem atender aos anseios dos
colaborares da ALPHA”) faz uso do excesso de palavras, outro recurso retórico que indica a
preocupação ideológica de fazer crer que a formação do grupo e que a concepção do
programa foi feita de maneira democrática e representativa.
No que se refere à definição dos principais pilares do programa, que deram origem as
dimensões propostas por ele, é preciso questionar fundamentalmente sua propriedade. O texto
inclui elementos das esferas da vida humana mais particulares e inalienáveis. Porque inserem
a socialização, o equilíbrio mental e principalmente espiritualidade? Além destas dimensões,
o que sobra ao indivíduo?
Em seguida, o documento se dedica a apresentar as principais ações a serem
desenvolvidas pelo programa assim como ressalva as possibilidades de ajustes às novas
demandas que venham a surgir por parte dos trabalhadores.

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“Apresentamos os programas que foram detectados como prementes pelo Comitê Executivo.
São 05 (cinco) Projetos que compõem a atual formatação desta Política de Recursos
Humanos, porém outros programas poderão vir a compor uma nova estrutura ideológica
para ser aplicado posteriormente, uma vez que esta Política deverá estar em consonância
com novas demandas, sendo sempre necessária a sua reavaliação para manter sua
contemporaneidade. Os projetos elencados como primordiais são: Planejamento Financeiro
e Orçamento Doméstico, Saúde e Vida, Prevenção e Tratamento do Alcoolismo, Atividades
Física, Alimentação Saudável”. (PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005, p. 4).

Novamente, justifica a escolha das ações a serem desenvolvidas classificando-as como


mais “prementes”, através do excesso de palavras e de repetições de termos entre as partes
do texto.
O uso de outras expressões retóricas como “outros programas poderão vir a compor”,
“ser aplicado posteriormente”, “a política deve estar em consonância com novas demandas”,
”necessária sua reavaliação”, “manter sua contemporaneidade” faz forte ênfase no caráter
provisório da proposta, meio de garantir a aprovação daqueles que não se sentiram
considerados com aquelas ações. Portanto, o intento submerso sob estas justificativas indica
uma relativa falta de legitimidade das iniciativas de QVT do programa, que recorre aos
argumentos de transitividade destas propostas para acenar para chances de contemplação dos
reais interesses dos trabalhadores em versões posteriores. Assim, é possível inferir que o
interesse dito como premente é o organizacional e não o do coletivo (dos trabalhadores).
Através de cada uma das ações propostas está o intento de tratar os problemas
ocupacionais que vêem atravancando a produtividade e o desempenho no trabalho nesta
organização.
As ações de Planejamento financeiro e orçamento doméstico surgiram no propósito de
remediar o alto nível de endividamento do quadro funcional cujas conseqüências no bem-estar
dos trabalhadores vêem gerando problemas ocupacionais sérios, tais como alcoolismo, stress,
hipertensão, entre outras. Agregadas a estas ações, foram desenvolvidas seções voltadas para
o orçamento doméstico cuja abrangência atinge a dimensão familiar e doméstica da vida
humana.
As ações de Saúde e Vida voltaram-se para o tratamento dos efeitos mais evidentes do
trabalho sobre o indivíduo. A ALPHA, por trabalhar em turnos consecutivos e por possuir
significativo número de trabalhadores em atividades operacionais (funções de operação e
manutenção das máquinas e equipamentos) precisava recompor em seus trabalhadores um
nível de saúde que possibilitasse a manutenção de índices médios de desempenho, daí a
proposição desta dimensão na política institucional de QVT.
Dentre as doenças ocupacionais, o alcoolismo foi reconhecido como o mais grave
obstáculo ao desempenho no trabalho, tanto pela pesquisa encomendada e realizada por uma
consultoria, quanto pelos relatórios da gerência de Assistência Social da empresa
(ENTREVISTADO B). Assim, muito embora tivesse sido definida uma dimensão voltada
para saúde e vida, foi necessário propor uma ação do programa que envidasse esforços
exclusivos para o tratamento desta moléstia.
As atividades físicas e a alimentação saudável visavam tratar o alto grau de
sedentarismo evidenciado pelos diagnósticos e pelos relatos a gerência de assistência social e,
assim, minimizar os efeitos negativos desta condição sobre a produtividade. Especificamente
o programa de alimentação saudável, através dos cursos em reaproveitamento de alimentos,
ao corrigir a deficiência nutricional da alimentação do trabalhador dentro e fora do trabalho,
muitas vezes ocasionada pelos baixos salários e pelo alto nível de endividamento dos
trabalhadores, tenta resolver as decorrências da má alimentação sobre o desempenho dos
trabalhadores.

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É preciso compreender a forma como opera a lógica da QVT. As ações
organizacionais são concebidas visando promover os fins econômicos e que, abrangem os
interesses do homem apenas quando esta coincidência é meio para os resultados
organizacionais. Sua concepção obedece fundamentalmente ao critério do tratamento dos
fatores impeditivos ao desempenho no trabalho. Fica evidente, portanto, que a lógica
administrativa da QVT é instrumental, uma vez que objetiva sobrepujar as constantes
dificuldades geradas pelo conflito homem-empresa.
Quando define o Marco de Referência do programa de QVT da organização, o
documento assume os pressupostos do programa, tais como esquemas norteadores das
decisões de curto, médio e longo prazos. Desta maneira, não abre à discussão e serve para a
criação de um senso comum nas pessoas sobre estes princípios. Na realidade, manipula um
conjunto de determinações para que seja justificada a implantação do programa e ao mesmo
tempo para que sejam introjetados na mentalidade dos gestores, do órgão de RH e de todos os
trabalhadores.

“A Política de Qualidade de Vida no Trabalho ALPHA estabelece como objetivo estratégico


o reconhecimento de que o FATOR HUMANO É PEÇA FUNDAMENTAL [maiúsculas do
original] para obtenção de qualidade na prestação dos serviços oferecidos pela Empresa a
seus usuários diretos e indiretos, conforme preceituado em sua MISSÀO, dando-lhe todo
apoio necessário ara o perfeito entendendimento deste compromisso.

A Política de Qualidade de Vida no Trabalho /ALPHA é uma CONVENÇÃO PERMANENTE


[maiúsculas do original], focada na prevenção, promoção e assistência ao bem estar
funcional, buscando minimizar o grau de sofrimento físico, social e /ou mental de seus
colaboradores, que decorram da relação com o trabalho.

A Política de Qualidade de Vida no Trabalho /ALPHA visa a contribuir para a construção de


uma comunidade capaz de reconhecer a VALORIZAÇÃO DAS RELAÇÕES HUMANAS
[maiúsculas do original], respeitando a integridade física, social e mental de seus
colaboradores, a partir de trabalhos de promoção de bem estar”. (PROGRAMA DE QVT
DA /ALPHA, 2005, p. 5).

A noção instrumental, atribuída de forma clara à participação dos indivíduos na


organização e assumida no documento, evidencia o papel das pessoas na organização através
da explicação da relação entre a qualidade na prestação dos serviços oferecidos e a oferta do
apoio necessário por parte da organização. Assim, o programa se revela quanto à sua
orientação e quanto ao seu fim.
As estratégias discursivas utilizadas, notadamente na seção de Marco de Referência,
permite identificar o uso dos termos para a criação de uma postura ideológica compulsória
voltada para a QVT, a partir de então. Faz uso, portanto, de uma modalidade discursiva
impositiva, uma vez que especifica o nível de comprometimento necessário para o programa,
estipulando, mesmo que de forma sutil, a inexistência de outra possibilidade senão a de total
adesão. Também o texto recorre a termos como “convenção permanente” e “missão”,
adotando o excesso de palavras para fortalecer a posição ideológica de que a organização se
compromete com a “prevenção, promoção e assistência do bem estar funcional”.
Este estilo (ethos) discursivo assume o sofrimento no trabalho e os malefícios criados
pelo mesmo e propõe-se a atacá-lo através da prática administrativa da QVT, que conta com o
compromisso estratégico organizacional e tem a clara finalidade de reverter os resultados
negativos gerados à empresa. Neste caso, o compromisso estratégico confere ao discurso

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valor simbólico de conotação impositiva, necessária à criação de política e de práticas de
recursos humanos até então preteridas e à sua legitimação.
A operacionalização do programa também é descrita na seção de Marco de Referência
e nela pode ser assinalado o uso das ferramentas discursivas. Para compreender os
argumentos e abordagens da operacionalização, deve-se esmiuçar os elementos que a
compõem. O texto menciona que a base das ações é a implantação de três programas: de
prevenção, de promoção e de assistência. Ao assumir esta perspectiva ampla visa contemplar
as especificidades de realidades da condição social do trabalho dos vários indivíduos do corpo
funcional. E, atingindo a todos, a representação do individual passa a ser observada no
discurso do organizacional.

“A Política de Qualidade de Vida no Trabalho /ALPHA entende que os Projetos terão


características diferentes e, portanto, durações variáveis face a sua pertinência, e para isso
serão levantados em consideração os seguintes aspectos: Programas de Prevenção [negrito
do original]: serão trabalhos pautados na particularidade de casos com foco individual e
relevância coletiva, portanto serão de intervenção permanente. Programas de Promoção
[negrito do original] – serão trabalhos pautados na divulgação/propagação de conceitos,
podendo estar atrelados a intervenções pontuais, mas concisos em sua temporalidade.
Programas de Assistência [negrito do original] – serão trabalhos de amparo e reabilitação”
(PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005, p. 5).

A prevenção conceitualmente está atrelada ao impedimento da ocorrência do fato em


si, portanto, aos efeitos do fato evitado. Assim, ao propor programas de prevenção o discurso
da QVT elimina a própria ocorrência de problemas ocupacionais que reduzem a produtividade
e a qualidade dos serviços prestados. Portanto, trata-se de um mecanismo prescritivo, que usa
de conteúdo ideológico para conduzir os comportamentos.
Os programas de promoção têm um cunho educativo demonstrando ser um dos
instrumentos mais evidentes de sua funcionalidade. A divulgação/propagação de conceitos
imprime uma concepção de trabalho e desempenho ao quadro funcional da organização,
fazendo uso de enunciados mobilizadores do senso comum, impregnados por modelos de
conduta ordinários.
A análise sobre os programas de assistência permite assoalhar um dos fragmentos
mais contundentes do discurso da QVT: o assistencialismo social inerente ao seu discurso. A
que se propõe a empresa ao amparar o trabalhador? Não seria dispô-lo em condições ideais de
trabalho, em colocá-lo apto ao desempenho de suas atribuições? Muito embora as práticas
gerencialistas insistam no discurso do assistencialismo, articulado no discurso do papel social
das empresas, observa-se o forte poder simbólico destas expressões, imprimindo uma
naturalização de termos como “amparo e reabilitação” do trabalhador.
No tocante à implantação do programa e da política de QVT na organização é possível
observar a forte relação de poder implícita ao discurso, da qual se identifica o uso de alguns
mecanismos retóricos que tentam obscurecer esta relação.

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A Política de Qualidade de Vida no Trabalho /ALPHA visa a assegurar que os
projetos que integram o Programa Global de Qualidade de Vida do Alpha sejam aplicados,
cumprindo-se calendários estabelecidos para este fim, e para isso, irá prover os recursos
necessários em sua dotação anual.
Para a concretização dessa Política, caberá a cada colaborador, independente do seu
grau de conhecimento, esfera de poder e cargo que ocupa, comprometer-se individualmente
com a construção de um local de trabalho harmônico, estabelecendo um pacto pessoal
consigo e comos demais colaboradores de que tudo fará para enaltecer o SER HUMANO
[maísculas do original] dentro das relações de trabalho, sendo ele próprio exemplo de
Qualidade de Vida, encorajando colaborando, facilitando e/ou agilizando cada atividade
executada.
A política de Qualidade de Vida no Trabalho /ALPHA é reconhecida por esta
Superintendência, que no uso de suas atribuições assegurará seu cumprimento,
comprometendo-se em buscar e disponibilizar os recursos humanos, materiais e financeiros
que se fizerem necessários, tornando-a perene a partir de sua assinatura.
QUALIDADE DE VIDA: ABRACE ESSA IDÉIA [maiúsculas do original]

(PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005, p. 5).

Inicialmente, demonstra que a organização, por estar altamente empenhada com o


programa, proverá “os recursos necessários em sua dotação anual”. Ao sinalizar esta
disposição no discurso, está inerente o propósito de mostrar que a parte da empresa está sendo
assegurada e que, portanto, é esperada a resposta, sob forma de compromisso, do trabalhador.
Esta forma de argumentação demonstra a adoção de uma modalidade discursiva impositiva
cujo tom aleivoso disfarça seu conteúdo e confunde o trabalhador, fazendo-o se sensibilizar
quanto ao programa.
Muito embora o discurso apresente esta abordagem dissimulada, nos trechos
posteriores assume uma posição mais declarada, impondo ao trabalhador o comprometimento
individual de participação. Afinal, se o interesse é de cada funcionário, se as ações do
programa vão beneficiar cada um, porque é preciso exigir a adesão? Não seria natural o
compromisso? Estes questionamentos revelam que, na realidade, o trabalhador não o
considera o programa benéfico a si e que, mesmo imposto de forma camuflada, ele resiste a
mais esta algema social que lhe é colocada. É justamente neste sentido que é preciso recorrer
ao discurso ideológico para angariar o comprometimento.
Neste trecho, os vaivens retóricos são dedicados à busca da participação e se alternam
entre as tentativas de convencimento do trabalhador e a sinalização das contrapartidas
organizacionais, em geral sob forma de disponibilidade de verbas, de recursos materiais, e do
compromisso da superintendência. Assim, adota a barganha política, pois ao oferecer aquilo
que o trabalhador necessita tenta comprar-lhe sua adesão individual.

3. Conclusões

Após estas revelações, é possível concluir que, de uma maneira geral, todo o
documento obedece a um jogo de linguagem, ora centrado nos indivíduos e ora nos resultados
organizacionais, num movimento de construção constante, cuja análise permite observar que
as necessidades humanas dos trabalhadores estão sempre atreladas à suas contribuições
organizacionais.

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O esmiuçar sobre o discurso constante no programa de QVT da /ALPHA permitiu
identificar os interesses que o movem e que estão submersos sob os recursos e as ferramentas
retóricas.
O modelo proposto por Chouriaraki e Fairclough (1999) é bastante instrumental à
compreensão destes propósitos subjacentes à lógica organizacional da QVT. A análise feita a
partir deste enquadre da análise crítica do discurso sobre o documento é apresentada a seguir:

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1. Um Índices altos de doenças ocupacionais como alcoolismo, depressão, stress, hipertensão, sedentarismo gerando
problema baixa produtividade no trabalho.
2. Obstáculos (a) Análise da
para serem conjuntura
superados Aproximadamente 20 anos Sobrecarga de Trabalho
sem novas contratações

Obsolescência do Plano de Inadequação dos cargos às


Cargos e Salários funções e estagnação
funcional

Defasagem salarial crônica • Baixa condição de vida


dos trabalhadores
• Alto nível de
endividamento
• Busca por funções
gratificadas
• Busca por
complementação
salarial através de horas
extras e periculosidade

(b) Análise da (i) Práticas relevantes • Instauração do Comitê Executivo de QVT


prática em • Reuniões quinzenais do Comitê
particular • Cerimônia simbólica da abertura do Programa de QVT
• Veiculação do Boletim do Comitê, que publicam as ações
desenvolvidas pelo Comitê
• Implantação das principais ações de QVT na organização:
Ginástica laboral, reforma no refeitório, proibição do
tabagismo no ambiente de trabalho, entre outras.

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(ii) relações do discurso • Associação entre o programa de QVT e a Semana de
com outros momentos da Prevenção a Acidentes do Trabalho;
prática • Relação da QVT com outras cerimônias organizacionais,
tais como confraternizações natalinas, dia do trabalhador,
etc.
(c) Análise do (i) Análise estrutural • Faz uso de uma modalidade impositiva;
discurso • Repleto de pressuposições
• Com um ethos persuasivo que alude implicitamente a
relação de poder,
• Busca a legitimação das ações através de ferramentas que
torna genérica a responsabilização (nominalização e
transitividade);
(ii) Análise interacional • Uso de jogo retórico ora centrado nos indivíduos e ora nos
resultados organizacionais, num movimento de articulação
e construção constantes.
3. Função do problema na prática • Incrementar o desempenho no trabalho através da redução das doenças ocupacionais e da
melhoria das condições físicas, mentais e psicológicas do trabalhador.
4. Possíveis maneiras de superar • Através da redução das doenças ocupacionais tais como o alcoolismo, stress,
os obstáculos sedentarismo, depressão, etc.
• Através da melhoria do ambiente de trabalho e das condições de trabalho (clima,
refeitórios, ergonomia, etc.)
• Através da oferta de benefícios sociais (como academia de ginástica na organização,
refeitório com alimentação balanceada, orientação médico-odontológica, etc). que
compensem as condições de trabalho precarizadas pelo processo de expansão
organizacional.
5. Reflexão sobre a análise • O programa de QVT da organização surgiu com o propósito de solucionar problemas de
desempenho no trabalho. Portanto, sua lógica é instrumental uma vez que tem na
melhoria na qualidade de vida o meio de alcançar resultados de desempenho superiores,
desgastados por fatores contextuais históricos.
Tabela 3 – Análise da lógica subjacente ao programa de QVT da ALPHA a partir do enquadre para ADC de Chouliaraki e Fairclough (1999, p.60).

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Os efeitos impostos pelo discurso transparecem a forma como é operada a ideologia
nele contida. Ou seja, é através da análise de como as legitimações decorrentes dessa
representação contribuem na conservação ou na transformação de relações de dominação que
se mostra como é exercida esta ideologia. Daí, portanto, a necessidade de se expor os efeitos
para evitar a continuidade da dominação (RESENDE E RAMALHO, 2006).
Thompson (apud RESENDE E RAMALHO, 2006) classifica os tipos gerais de
operação de ideologia através destes efeitos. Este esquema proporciona ferramental para se
analisar linguisticamente as construções discursivas revestidas de ideologia. A figura seguinte
adapta esta classificação para fins deste trabalho.

Tipos de Modos Gerais de Trechos Emblemáticos


Ideologias Operação da Ideologia

“Qualidade de Vida... faz parte de


Relações de dominação são uma cadeia entrelaçada da qual a
Legitimação representadas como legítimas organização faz parte”.

“a equipe de Coordenação do
Relações de dominação são Programa criou o Comitê Executivo
Dissimulação ocultadas, negadas ou para dar forma aquele plano de ação,
obscurecidas. e juntos elencaram quatro pilares”

“Comitê Executivo foi estruturando


uma linha de pensamento capaz de
Construção simbólica de configurar o desejo coletivo daqueles
Unificação identidade coletiva que se fizeram representar”

“Motivada pela crença de que a


realidade que molda o
Segmentação dos indivíduos e comportamento do homem também
grupos que possam representar pode ser modificada a partir do
Fragmentação ameaça ao grupo dominante comportamento daqueles que
assumem o papel de escrever uma
história diferente”,

Retratação de uma situação “manter sua contemporaneidade” [do


transitória como permanente e Programa]
Reificação natural.

Figura 2 – Modos de Operação da ideologia


Fonte: Adaptado por Resende e Ramalho, 2006 de Thompson (1985).

De acordo com esta classificação, pode-se inferir que a forma como é operada a
ideologia subjacente à lógica organizacional da QVT no ALPHA é predominantemente
através da dissimulação, uma vez que são ocultadas e obscurecidas no seu discurso as relações
de dominação a ele inerentes.

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Assim, em geral, os momentos em que fica indefinido qual o papel dos empregados e
da organização são freqüentes no documento. Nestes trechos, são usadas modalidades
persuasivas, através da retórica do interesse organizacional pelo bem coletivo, para confundir
os trabalhadores a respeito dos seus reais propósitos.
Em outros, se pode observar uma tentativa de unificação ideológica quando o
discurso da QVT faz uso de mecanismos simbólicos, tais como cerimônias, marco de
referência e a própria constituição do Comitê Executivo do programa, para criar uma
identidade coletiva dos trabalhadores como comprometidos com a Qualidade de Vida, “sendo
ele próprio um exemplo de qualidade de vida” (PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005,
p. 6).
Portanto, o efeito esperado pela ação manipuladora do discurso da QVT está claro:
trata-se de uma maneira eficaz de se ocultar a dominação presente nesta relação trabalhador-
empresa no sentido de buscar sua participação e seu comprometimento na solução dos efeitos
negativos acumulados de seu trabalho sobre seu desempenho.

Referências Bibliográficas

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.


CHOURIARAKI, Lillie; FAIRCLOUGH, Norman. Discourse in late modernity: rethinking
critical discourse analysis. Edinburgh University Press, 1999.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora, UNB, 2001.
GODOI, Christiane K. Análise do discurso na perspectiva da interpretação social dos
discursos: uma possibilidade aberta aos estudos organizacionais. Revista Gestão.Org,
volume 3, número 2, mai./ago. 2005.
MISOCZKY, Maria Ceci. O campo da atenção à saúde após constituição de 1988: uma
narrativa de sua produção social. Porto Alegre: Dacasa Editora, 2002
MISOCZKY, Maria Ceci. Análise crítica do discurso: uma apresentação. Revista
Gestão.Org, volume 3, número 2, mai./ago. 2005.
OLIVO, Vânia; MISOCZKY, M. C. A. As estratégias discursivas presentes na origem do
referencial para o desenvolvimento sustentável: uma análise crítica do Relatório de
Brundtland. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 27., 2003, Atibaia.
Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2003. 1 CD ROM.
RESENDE, Viviane de M.; RAMALHO, Viviane. Análise de discurso crítica. São Paulo:
Contexto, 2006.
GILL, Rosalind. Análise de discurso. In: BAUER, M e GASKELL, G. Pesquisa qualitativa
com texto, imagem e som. Rio de Janeiro: Vozes, 2002

i
Denominação criada para assegurar a confidencialidade sobre a organização.

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