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Revelações sobre
seus Recursos Retóricos e seu Modo de Operação Ideológica através de um caso
ilustrativo.
Autoria: Débora Paschoal Dourado, Cristina Amélia Pereira de Carvalho
Resumo
Prática Social
Prática Discursiva
Texto
De acordo com este modelo, o texto vem imerso e a serviço das práticas discursivas
que, por sua vez, são manipuladas estrategicamente para a configuração de determinadas
práticas sociais que buscam a conservação dos interesses que representam.
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Portanto, neste caso, os textos relativos à qualidade de vida no trabalho surgem numa
prática discursiva própria, que explica e viabiliza o exercício do controle social, através de
práticas sociais que visam manter a condição instrumental do indivíduo no trabalho.
Muito embora se reconheça o poder explicativo do modelo tridimensional de
Fairclough (2001) o enquadre proposto por Chouriaraki e Fairclough (1999) – Tabela 1 –
pareceu ampliar o caráter emancipatório da teoria, porque possibilita maior abertura nas
análises, porque incita mais que o modelo tridimensional o interesse na análise de práticas
problemáticas decorrentes de relações exploratórias e também porque auxilia na captação da
articulação entre o discurso e outros elementos sociais na formação de práticas sociais
(RESENDE E RAMALHO, 2006).
A análise crítica do discurso na medida em que parte da interpretação social dos
mesmos, ou seja, da investigação sobre o uso da linguagem na construção dos sentidos, busca
compreender o texto em seu contexto social e na historicidade de suas proposições. Então, o
principal interesse desta vertente analítica são as relações de produção do sentido do discurso,
cujo mecanismo principal é o desprendimento do texto em si, deslocando a análise para a
busca das regras de coerência que estruturam o universo dos discursos dentro da organização
investigada (GODOI, 2005).
Misoczky (2005) adverte que é notadamente no momento atual de desenvolvimento do
capitalismo, cujas esferas de atuação têm sido expandidas, que a utilização da linguagem e de
seus artefatos têm sido mais relevante visando o desvendar destas ferramentas no âmbito das
organizações e de suas práticas gerenciais. Assim, o discurso gerencial contemporâneo vem se
representando por meios de vários recursos, dentre os quais se identifica a QVT.
Diante destes argumentos, para fins de análise do discurso da QVT enquanto recurso
estratégico da moderna gestão de pessoas nas organizações, adotou-se o seguinte esquema,
que norteou a análise, partindo de sua desconstrução enquanto prática social, associada a uma
conjuntura específica e a outras práticas relevantes, tal como mostra a Tabela 1.
1. Um problema
2. Obstáculos (a) Análise da conjuntura
para serem (b) Análise da prática em (i) Práticas relevantes
superados particular (ii) relações do discurso com outros
momentos da prática
(c) Análise do discurso (i) Análise estrutural
(ii) Análise interacional
3. Função do problema na prática
4. Possíveis maneiras de superar os obstáculos
5. Reflexão sobre a análise
Tabela 1 – O enquadre para ADC de Chouliaraki e Fairclough (1999, p.60)
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O uso da linguagem como prática social é um modo de ação historicamente situado,
que além de ser construído socialmente também é constitutivo de identidades sociais, relações
sociais e sistemas de conhecimento e crença. Resende e Ramalho (2006) esclarecem
“nisso reside a dialética entre discurso e sociedade: o discurso é moldado
pela estrutura social, mas é também constitutivo da estrutura social. Não há,
portanto, uma relação externa entre linguagem e sociedade, mas uma relação
interna e dialética” (p.27).
Para tanto, a análise da conjuntura, ou seja, de acontecimentos históricos e estruturais
que sobre o problema possibilita a compreensão sobre as causas ou motivações do uso
daquele tipo de discurso. Esta análise incorporada à análise da prática em particular adotada e
do discurso propriamente desenham as estratégias discursivas utilizadas para superarem as
resistências à solução (Item 2) daquele problema sobre o qual se propõe agir o discurso.
É análise crítica sobre a função do problema e das possíveis maneiras que podem ser
adotadas para superar o obstáculo (Itens 3 e 4) que revela a arquitetura do discurso e de todas
as suas ferramentas textuais ideológicas.
Olivo e Misoczky (2003) explicam que é preciso compreender os jogos de linguagem
e as estratégias discursivas realizadas pelos atores que disputam o campo. Neste sentido, as
práticas discursivas usam de estratégias lingüísticas como ferramentas discursivas, presentes
de várias maneiras, cuja classificação subsidia o entendimento sobre os reais interesses
discursivos. A classificação das estratégias discursivas realizada por estes autores, adaptada
de Fairclough (2000; 2001) são apresentadas a seguir, na Tabela 2.
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sociais que se encarregam do problema? Quais as propriedades sociais
desses atores?
Ethos/Estilo Formas sutis de argumentação persuasivas que jogam com relações de
poder (apelam à emoção). Estilos tem a ver com o desempenho geral:
com entidades políticas e valores; com o modo com atinge consenso;
como ele representa o mundo social, o processo governamental e
político; como projeta a identidade particular a valores específicos.
Tabela 2: Práticas discursivas orientadoras da análise de discurso (adaptado de Misoczky, 2002 a partir
de FAIRCLOUGH, 2000 e 2001)
“Motivada pela crença de que a realidade que molda o comportamento do homem também
pode ser modificada a partir do comportamento daqueles que assumem o papel de escrever
uma história diferente, mesmo quando todo um contexto faz crer que a correnteza é que leva
a canoa, a equipe do Departamento de Recursos Humanos da ALPHA resolveu reunir
esforços e construir uma política permanente voltada para o bem estar funcional dos
colaboradores do Recife” (PROGRAMA DE QVT DA ALPHA, 2005, p. 1).
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O esquema aponta para o fato de que comumente um discurso existe visando à solução
de um problema ou de uma atividade específica. Desta forma, é bastante relevante descobrir o
problema que o discurso organizacional - da QVT na ALPHA - visa solucionar.
De acordo com o documento, a motivação para instauração do programa foram as
crenças sobre a importância do “do bem estar funcional dos colaboradores” (p. 1). Contudo,
as entrevistas realizadas apontaram para que a principal causa do surgimento do programa
foram os altos índices de insatisfação no trabalho, gerado por anos de estagnação funcional
(definidos pelo Plano de Cargos e Salários obsoleto), por uma defasagem salarial crônica e
por indicadores elevados de doenças ocupacionais, tais como stress, depressão, alcoolismo e
outras enfermidades, que por seu turno, estavam causando problemas de produtividade graves
à organização.
Portanto, esta análise preliminar sobre as inconsistências entre os discursos, denuncia
que o Programa de QVT da ALPHA surgiu duma tentativa de solucionar estes problemas
organizacionais. Contudo, este trecho faz uso de ferramentas lingüísticas que tentam
confundir o trabalhador e sua comunidade, fazendo-os acreditar que o objetivo gerencial
funda-se na preocupação com o bem estar dos seus trabalhadores.
Assim, paulatinamente, o Comitê Executivo foi estruturando uma linha de pensamento capaz
de configurar o desejo coletivo daqueles que se fizeram representar... (PROGRAMA DE
QVT DA ALPHA, 2005, p. 1)
Qualidade de vida não é algo que está apenas no plano individual, ela é mais que isso.
Perpassa na direção do Bem Estar Coletivo. É algo Comunitário. Faz parte de uma cadeia
entrelaçada da qual a organização faz parte. [...] Com toda certeza as organizações jamais
existiriam sem as pessoas que lhes dão vida, dinâmica, impulso, criatividade e racionalidade.
Na verdade, cada uma das partes depende da outra. Uma relação de interdependência na
qual há benefícios recíprocos. Hoje, o assunto Qualidade de Vida no Trabalho passou a ser
pauta diária. Não há como dissociar o Trabalhador do Homem. O Homem passa a ser cada
vez mais, o principal ativo das organizações. (PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005, p.
2).
O trecho explicita o tom/modo declarativo, com forte conteúdo ideológico. Na
verdade, são orações usadas como recursos retóricos ajustados para convencer sobre a
“responsabilidade” empresa sobre os seus trabalhadores, justificando o porquê desta invasão
da organização a dimensões da vida humana. Perturba os seus trabalhadores quando afirma
com este tom que o interesse da organização é com o bem estar coletivo.
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Muito embora use deste tipo de abordagem, o jogo retórico evidencia contradições
internas na concepção de qualidade de vida, desnudando os seus verdadeiros interesses. Por
um lado manifesta seu fundamento no “bem estar coletivo” e “no comunitário” e de outro,
defende o papel instrumental das pessoas para a organização, transportando-se de uma esfera
a outra da vida humana, como se ambas possuíssem o mesmo caráter.
Justifica sua postura afirmando que “não há como dissociar o trabalhador do homem”.
Todavia, na medida em que fala sobre a utilidade das pessoas para os fins organizacionais,
revela o que pretende sobre os homens no âmbito organizacional: afirma que as pessoas dão-
lhes [às empresas] “vida, dinâmica, impulso, criatividade e racionalidade”, na realidade,
estando imbuídas em extrair estas contribuições e em imprimir o comportamento esperado
nos trabalhadores.
Assim, também assume conteúdo de pressuposição na medida em que encerra,
estrategicamente, uma pretensão de verdade ao conferir ao trabalhador a condição de
“principal ativo” das organizações, tal como suas máquinas, sua matéria-prima, seu capital.
Desta maneira, refere-se aos homens como cerne das organizações e de sua existência,
confundindo-o com seus recursos instrumentais necessários, cuja relevância é, na verdade, é a
sua utilidade para incrementar seus índices de lucratividade.
Ao apresentar a origem do programa e de uma política permanente de QVT, o
documento menciona os desafios enfrentados e os esforços empreendidos.
Logo de início, o texto revela que se tratou de interesse do órgão de recursos humanos
a criação de uma política permanente, cujo uso da ferramenta discursiva de nominalização,
atribui responsabilidade e autoria a uma “política permanente de qualidade de vida no
trabalho” às ações empreendidas neste campo, desvinculando-as do departamento. Assim,
doravante este substantivo criado no texto torna o processo genérico e vago, obscurecendo a
responsabilização pelas iniciativas de QVT. Neste ponto, também faz uso da transitividade,
ofuscando os atores envolvidos no desenvolvimento dessas práticas.
Qual o interesse está por trás desta imprecisão de responsabilidade? Parece evidente
que está o propósito de tornar as práticas de QVT naturais, nativizando-as entre os
trabalhadores e deixando-as fazer parte dos comportamentos esperados nestes indivíduos.
Neste momento, exerce-se a ideologia e sua função reprodutora. Esta abordagem gera uma
uniformidade de respostas dos trabalhadores que são, precisamente, os objetivos das teorias
gerencialistas do comportamento organizacional.
Neste sentido, desvela-se o principal interesse dos programas de QVT enquanto
prática do comportamento organizacional: a geração e manutenção da conduta uniforme nos
trabalhadores. Evidentemente que esta uniformidade não pode ser explicada pela harmonia de
interesses preconizada pela economia clássica. Pode ser entendida, isto sim, através da
realidade do conflito, tão perseguido pelas sucessivas tentativas de “socialização do homem”,
exercidas através do discurso do agente dominador - a organização - sobre os sujeitos - os
trabalhadores (ARENDT, 2003, p. 54).
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Também a descrição da origem do programa de QVT na organização aponta para o
uso dos mecanismos retóricos.
“Usando a racionalidade necessária sem impossibilitar a fluidez da emoção que dava vazão
ao sonho de construir um espaço saudável, a equipe de Coordenação do Programa criou o
Comitê Executivo para dar forma aquele plano de ação, e juntos elencaram quatro pilares
como primordiais: Físico – Mental – Social – Espiritual. Cada um desses pilares suscitou
discussões e findaram em proposições objetivas de como fomentar sua aplicabilidade. Assim,
os programas sugeridos a seguir são frutos desse Comitê, e que vem atender aos anseios dos
colaborares da Alpha, detectados pela atuação da equipe do Departamento de Recursos
Humanos e pelo resultado da pesquisa realizada” (PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005,
p. 3).
Neste trecho, a força simbólica dos termos – “usando a racionalidade necessária sem
impossibilitar a fluidez da emoção que dava vazão ao sonho de construir um espaço saudável”
– é utilizada para enaltecer a preocupação e o empenho da equipe de recursos humanos no
empreendimento do programa de QVT, cujo o uso revela o ethos como uma prática discursiva
que confere poder apelativo através do emocional. O uso deste tipo de abordagem visava
fomentar que as intenções sobre o programa são oriundas dos sentimentos e das emoções e
não dos interesses econômicos. Neste momento, ainda apela para a justificativa, sob forma de
pressuposição, de que o uso da racionalidade é condição necessária à consecução do plano,
argumentando de que sua adoção se justifica no valor do objetivo final – a construção de um
“espaço saudável” de trabalho.
É muito freqüente ao longo do documento trechos que fazem referência à composição
do Comitê de QVT, à forma como foi constituído e ao levantamento sobre as principais
necessidades encontradas no corpo funcional da organização. Também este fragmento intenta
reforçar caráter participativo à formação do programa, atribuindo verdade a uma modalidade
assumida como democrática. Ao afirmar que “a equipe de Coordenação do Programa criou o
Comitê Executivo para dar forma aquele plano de ação, e juntos elencaram quatro pilares”,
menciona que os pilares foram definidos tanto pela Coordenação do programa quanto pelo
Comitê Executivo, dando a impressão de que esta era uma relação de igualdade de poder e de
comunhão de interesses.
Adiante o documento ao afirmar que as ações apresentadas no programa representam
as indicações feitas pelo próprio comitê em resposta às necessidades dos seus trabalhadores
(“os programas sugeridos a seguir são frutos desse Comitê, e que vem atender aos anseios dos
colaborares da ALPHA”) faz uso do excesso de palavras, outro recurso retórico que indica a
preocupação ideológica de fazer crer que a formação do grupo e que a concepção do
programa foi feita de maneira democrática e representativa.
No que se refere à definição dos principais pilares do programa, que deram origem as
dimensões propostas por ele, é preciso questionar fundamentalmente sua propriedade. O texto
inclui elementos das esferas da vida humana mais particulares e inalienáveis. Porque inserem
a socialização, o equilíbrio mental e principalmente espiritualidade? Além destas dimensões,
o que sobra ao indivíduo?
Em seguida, o documento se dedica a apresentar as principais ações a serem
desenvolvidas pelo programa assim como ressalva as possibilidades de ajustes às novas
demandas que venham a surgir por parte dos trabalhadores.
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“Apresentamos os programas que foram detectados como prementes pelo Comitê Executivo.
São 05 (cinco) Projetos que compõem a atual formatação desta Política de Recursos
Humanos, porém outros programas poderão vir a compor uma nova estrutura ideológica
para ser aplicado posteriormente, uma vez que esta Política deverá estar em consonância
com novas demandas, sendo sempre necessária a sua reavaliação para manter sua
contemporaneidade. Os projetos elencados como primordiais são: Planejamento Financeiro
e Orçamento Doméstico, Saúde e Vida, Prevenção e Tratamento do Alcoolismo, Atividades
Física, Alimentação Saudável”. (PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005, p. 4).
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É preciso compreender a forma como opera a lógica da QVT. As ações
organizacionais são concebidas visando promover os fins econômicos e que, abrangem os
interesses do homem apenas quando esta coincidência é meio para os resultados
organizacionais. Sua concepção obedece fundamentalmente ao critério do tratamento dos
fatores impeditivos ao desempenho no trabalho. Fica evidente, portanto, que a lógica
administrativa da QVT é instrumental, uma vez que objetiva sobrepujar as constantes
dificuldades geradas pelo conflito homem-empresa.
Quando define o Marco de Referência do programa de QVT da organização, o
documento assume os pressupostos do programa, tais como esquemas norteadores das
decisões de curto, médio e longo prazos. Desta maneira, não abre à discussão e serve para a
criação de um senso comum nas pessoas sobre estes princípios. Na realidade, manipula um
conjunto de determinações para que seja justificada a implantação do programa e ao mesmo
tempo para que sejam introjetados na mentalidade dos gestores, do órgão de RH e de todos os
trabalhadores.
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valor simbólico de conotação impositiva, necessária à criação de política e de práticas de
recursos humanos até então preteridas e à sua legitimação.
A operacionalização do programa também é descrita na seção de Marco de Referência
e nela pode ser assinalado o uso das ferramentas discursivas. Para compreender os
argumentos e abordagens da operacionalização, deve-se esmiuçar os elementos que a
compõem. O texto menciona que a base das ações é a implantação de três programas: de
prevenção, de promoção e de assistência. Ao assumir esta perspectiva ampla visa contemplar
as especificidades de realidades da condição social do trabalho dos vários indivíduos do corpo
funcional. E, atingindo a todos, a representação do individual passa a ser observada no
discurso do organizacional.
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A Política de Qualidade de Vida no Trabalho /ALPHA visa a assegurar que os
projetos que integram o Programa Global de Qualidade de Vida do Alpha sejam aplicados,
cumprindo-se calendários estabelecidos para este fim, e para isso, irá prover os recursos
necessários em sua dotação anual.
Para a concretização dessa Política, caberá a cada colaborador, independente do seu
grau de conhecimento, esfera de poder e cargo que ocupa, comprometer-se individualmente
com a construção de um local de trabalho harmônico, estabelecendo um pacto pessoal
consigo e comos demais colaboradores de que tudo fará para enaltecer o SER HUMANO
[maísculas do original] dentro das relações de trabalho, sendo ele próprio exemplo de
Qualidade de Vida, encorajando colaborando, facilitando e/ou agilizando cada atividade
executada.
A política de Qualidade de Vida no Trabalho /ALPHA é reconhecida por esta
Superintendência, que no uso de suas atribuições assegurará seu cumprimento,
comprometendo-se em buscar e disponibilizar os recursos humanos, materiais e financeiros
que se fizerem necessários, tornando-a perene a partir de sua assinatura.
QUALIDADE DE VIDA: ABRACE ESSA IDÉIA [maiúsculas do original]
3. Conclusões
Após estas revelações, é possível concluir que, de uma maneira geral, todo o
documento obedece a um jogo de linguagem, ora centrado nos indivíduos e ora nos resultados
organizacionais, num movimento de construção constante, cuja análise permite observar que
as necessidades humanas dos trabalhadores estão sempre atreladas à suas contribuições
organizacionais.
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O esmiuçar sobre o discurso constante no programa de QVT da /ALPHA permitiu
identificar os interesses que o movem e que estão submersos sob os recursos e as ferramentas
retóricas.
O modelo proposto por Chouriaraki e Fairclough (1999) é bastante instrumental à
compreensão destes propósitos subjacentes à lógica organizacional da QVT. A análise feita a
partir deste enquadre da análise crítica do discurso sobre o documento é apresentada a seguir:
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1. Um Índices altos de doenças ocupacionais como alcoolismo, depressão, stress, hipertensão, sedentarismo gerando
problema baixa produtividade no trabalho.
2. Obstáculos (a) Análise da
para serem conjuntura
superados Aproximadamente 20 anos Sobrecarga de Trabalho
sem novas contratações
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(ii) relações do discurso • Associação entre o programa de QVT e a Semana de
com outros momentos da Prevenção a Acidentes do Trabalho;
prática • Relação da QVT com outras cerimônias organizacionais,
tais como confraternizações natalinas, dia do trabalhador,
etc.
(c) Análise do (i) Análise estrutural • Faz uso de uma modalidade impositiva;
discurso • Repleto de pressuposições
• Com um ethos persuasivo que alude implicitamente a
relação de poder,
• Busca a legitimação das ações através de ferramentas que
torna genérica a responsabilização (nominalização e
transitividade);
(ii) Análise interacional • Uso de jogo retórico ora centrado nos indivíduos e ora nos
resultados organizacionais, num movimento de articulação
e construção constantes.
3. Função do problema na prática • Incrementar o desempenho no trabalho através da redução das doenças ocupacionais e da
melhoria das condições físicas, mentais e psicológicas do trabalhador.
4. Possíveis maneiras de superar • Através da redução das doenças ocupacionais tais como o alcoolismo, stress,
os obstáculos sedentarismo, depressão, etc.
• Através da melhoria do ambiente de trabalho e das condições de trabalho (clima,
refeitórios, ergonomia, etc.)
• Através da oferta de benefícios sociais (como academia de ginástica na organização,
refeitório com alimentação balanceada, orientação médico-odontológica, etc). que
compensem as condições de trabalho precarizadas pelo processo de expansão
organizacional.
5. Reflexão sobre a análise • O programa de QVT da organização surgiu com o propósito de solucionar problemas de
desempenho no trabalho. Portanto, sua lógica é instrumental uma vez que tem na
melhoria na qualidade de vida o meio de alcançar resultados de desempenho superiores,
desgastados por fatores contextuais históricos.
Tabela 3 – Análise da lógica subjacente ao programa de QVT da ALPHA a partir do enquadre para ADC de Chouliaraki e Fairclough (1999, p.60).
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Os efeitos impostos pelo discurso transparecem a forma como é operada a ideologia
nele contida. Ou seja, é através da análise de como as legitimações decorrentes dessa
representação contribuem na conservação ou na transformação de relações de dominação que
se mostra como é exercida esta ideologia. Daí, portanto, a necessidade de se expor os efeitos
para evitar a continuidade da dominação (RESENDE E RAMALHO, 2006).
Thompson (apud RESENDE E RAMALHO, 2006) classifica os tipos gerais de
operação de ideologia através destes efeitos. Este esquema proporciona ferramental para se
analisar linguisticamente as construções discursivas revestidas de ideologia. A figura seguinte
adapta esta classificação para fins deste trabalho.
“a equipe de Coordenação do
Relações de dominação são Programa criou o Comitê Executivo
Dissimulação ocultadas, negadas ou para dar forma aquele plano de ação,
obscurecidas. e juntos elencaram quatro pilares”
De acordo com esta classificação, pode-se inferir que a forma como é operada a
ideologia subjacente à lógica organizacional da QVT no ALPHA é predominantemente
através da dissimulação, uma vez que são ocultadas e obscurecidas no seu discurso as relações
de dominação a ele inerentes.
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Assim, em geral, os momentos em que fica indefinido qual o papel dos empregados e
da organização são freqüentes no documento. Nestes trechos, são usadas modalidades
persuasivas, através da retórica do interesse organizacional pelo bem coletivo, para confundir
os trabalhadores a respeito dos seus reais propósitos.
Em outros, se pode observar uma tentativa de unificação ideológica quando o
discurso da QVT faz uso de mecanismos simbólicos, tais como cerimônias, marco de
referência e a própria constituição do Comitê Executivo do programa, para criar uma
identidade coletiva dos trabalhadores como comprometidos com a Qualidade de Vida, “sendo
ele próprio um exemplo de qualidade de vida” (PROGRAMA DE QVT DA /ALPHA, 2005,
p. 6).
Portanto, o efeito esperado pela ação manipuladora do discurso da QVT está claro:
trata-se de uma maneira eficaz de se ocultar a dominação presente nesta relação trabalhador-
empresa no sentido de buscar sua participação e seu comprometimento na solução dos efeitos
negativos acumulados de seu trabalho sobre seu desempenho.
Referências Bibliográficas
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Denominação criada para assegurar a confidencialidade sobre a organização.
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