Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual

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Infecções do Trato Genital Feminino

Doença Inflamatória
Pélvica e Violência
Sexual
Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 4

EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO 5

ETIOLOGIA 7

FISIOPATOLOGIA 9

QUADRO CLÍNICO 11

EXAMES COMPLEMENTARES 13

DIAGNÓSTICO 15

TRATAMENTO 19

COMPLICAÇÕES TARDIAS 29

PREVENÇÃO 30

CONCLUSÃO 31

VIOLÊNCIA SEXUAL 32

INTRODUÇÃO 32

ASSISTÊNCIA À VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL 33

ASPECTOS LEGAIS E BUROCRÁTICOS 35

O ATENDIMENTO À VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL 36

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PROFILAXIAS 38

- PROFILAXIA DAS INFECÇÕES SEXUALMENTE 38


TRANSMISSÍVEIS (ISTS) NÃO VIRAIS

- PROFILAXIA DAS ISTS VIRAIS 40

ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA 48

CONCLUSÃO 51

Bibliografia 53

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INTRODUÇÃO

A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é um daqueles tópicos que aparecem


sempre em provas!

Iremos discutir sobre o porquê dessa importância. A DIP tem um impacto


na saúde da mulher considerável, sendo a principal causa de abscesso
tubo ovariano, além de estar associada a sequelas como infertilidade.

Vamos entender melhor sobre o que é essa entidade da Ginecologia.

Definição de Doença Inflamatória Pélvica e conceitos gerais

O Trato Genital Feminino Inferior (abaixo do orifício interno do colo


uterino) possui uma flora vaginal normal, com uma microbiota vasta
composta sobretudo de Lactobacillus. Esses microrganismos vivem e
convivem comensalmente no colo do útero e na vagina, ajudando na
lubrificação vaginal e na proteção de infecções do Trato Genital Superior
(útero, trompas, ovários, peritônio e estruturas adjacentes). O muco
cervical, então, é um importante mecanismo de defesa uterino.

Temos, assim, um complexo microssistema que contribui com a


homeostase do trato genital feminino.

Entretanto, quando essa barreira é quebrada e ocorre a ascensão de


microrganismos da flora vaginal para o trato superior, ocorre a Doença
Inflamatória Pélvica.

A principal causa dessa “quebra” são agentes de infecções sexualmente


transmissíveis (IST)

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Apesar de a maioria das DIPs ser secundária a ISTs, ela também pode
ocorrer por manipulação do trato genital inferior (curetagem,
histeroscopia, inserção de DIU).

O Ministério da Saúde (MS) e o Centers for Disease Control and Prevention


(CDC), incluem tanto curetagens que ocorrem no ciclo gravídico-
puerperal quanto manipulação do trato genital inferior como fatores
predisponentes para DIP

EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO

A DIP é um sério problema de saúde pública e de difícil vigilância


epidemiológica, uma parcela das pacientes apresentam a infecção
assintomática, mas que ainda assim podem evoluir com sequelas como
infertilidade. Além disso, os sinais e sintomas da doença não são
patognomônicos, levando a uma subnotificação e uma dificuldade de
investigação etiológica laboratorial ou por exames de imagem.

Cerca de 70% das pacientes acometidas por DIP apresentam idade


inferior a 25 anos. As adolescentes possuem risco três vezes maior de
desenvolver DIP. Além disso, estima-se que 10% da população feminina
entre 15–25 anos tenham infecção por Chlamydia trachomatis.

A DIP também pode levar a complicações a longo prazo como veremos


mais para frente. Uma delas é a infertilidade por fator tubário que pode
estar presente em 12,5-50% das pacientes.

Para aquelas que conseguem gestar, o risco de gestação ectópica está


em torno de 15%.

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As mulheres com maior risco para apresentarem uma DIP são aquelas
que apresentam risco de entrar em contato com uma IST basicamente,
vamos relembrar!

Fatores de risco ou proteção para DIP

• Idade inferior a 25 anos: tanto por motivos comportamentais, quanto


biológicos (muco cervical mais permeável, baixa quantidade de
anticorpos contra agentes de ISTs);

• Sexarca precoce;

• Mulheres solteiras;

• Nuliparidade;

• Tabagismo e etilismo (por motivos imunossupressores);

• História atual ou pregressa de ISTs; vamos comentar um pouco mais


sobre esse tópico que diz muito sobre a fisiopatologia da DIP. Num
primeiro momento, os agentes das cervicites (principalmente a
clamídia) encontram-se instalados no colo uterino. O diagnóstico e
tratamento dessa fase previnem a ascensão e a ocorrência da DIP.

Porém, caso não seja adequadamente tratado, há ascensão desses


agentes e passagem pelo endométrio devido à modificação do muco
cervical, ocasionando uma endometrite que é habitualmente fugaz.
Existe possibilidade da endometrite causar um sangramento discreto
além da menstruação ou mesmo o prolongamento desta.

A ascensão dos patógenos é facilitada no período menstrual ou pós


menstrual imediato, alguns justificam que o fato de o sangue menstrual
ser alcalino e poder propiciar um meio de cultura poderia facilitar tal
processo.

• Uso de métodos de barreira: fator protetor contra ISTs;

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• Uso de anticoncepcionais orais combinados (ACO): gente, aqui um


conceito muito importante de prova. ACO atuam como fator
PROTETOR de DIP, isso por alterarem o muco cervical dificultando a
ascensão microbiana, lembre-se que para a vida, existe também a
mudança de comportamento sexual pelas mulheres já se sentirem
“protegidas” pelo ACO. Para PROVA, é fator protetor!

• Inserção de DIU: conceito fundamental que aparece muito em prova!

DIU atua sim, como fator de risco para DIP, mas apenas quando
colocação ocorre em vigência de cervicite (possibilitando a ascensão),
desse modo, existe um aumento de chance de DIP até 3 semanas da
inserção de DIU. Fora desse contexto, NÃO existe aumento de risco pelo
DIU, gravem isso!

ETIOLOGIA

Com relação aos agentes etiológicos, a maioria dos casos é


polimicrobiana, fato importante na decisão do manejo terapêutico.

Os principais agentes etiológicos são Neisseria gonorrhoeae e


Chlamydia trachomatis. Mas precisamos lembrar que sendo uma flora
polimicrobiana, devemos considerar a participação de patógenos como:
anaeróbios pélvicos, bacilos gram-negativos, Mycoplasma hominis,
Streptococcus agalactiae, Gardnerella vaginalis, Haemophilus influenzae,
Ureaplasma urealyticum; Bacteroides spp. e Escherichia coli.

Cerca de 85 a 90% dos casos, a DIP ocorre patógenos sexualmente


transmissíveis ou associado a vaginose bacteriana

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Tabela 1. Principais microorganismos causadores de DIP. Fonte: Ministério da Saúde.

Outro dado importante, em mulheres HIV positivas, os principais agentes


etiológicos SÃO OS MESMOS, Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia
trachomatis.

A diferença é que essas mulheres apresentam maior prevalência de


infecções concomitantes de micoplasma, estreptococo, cândida e HPV.

Guardem o conceito de etiologia polimicrobiana! Veremos como isso irá


impactar no tratamento.

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FISIOPATOLOGIA

Como já dissemos, a DIP ocorre por ascensão de microrganismos pelo


orifício interno do colo, tal processo é facilitado no período menstrual e
pós menstrual imediato, tanto pelo sangue menstrual ser um meio
alcalino, quanto pela abertura do canal endocervical durante esse
período.

Bom, daí acontece o processo de endometrite, levando à queixa de dor da


paciente, inclusive à mobilização do colo uterino.

Além disso, via canalicular, pode-se instalar na tuba uterina. Nesse local,
com reação tecidual, inicia a formação de conteúdo purulento, que pode
se desprender, passando através das fímbrias, e contaminando o
peritônio pélvico. O conteúdo purulento geralmente se acumula nos
recessos pélvicos, sobretudo no fundo de saco posterior, o que explica a
dispareunia de profundidade e a dor ao toque vaginal.

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O conteúdo purulento pode então ocupar, também, o espaço


subdiafragmático, alças intestinais e a superfície hepática. Esta vale uma
menção especial por ser uma das queridinhas das provas.

O abscesso na superfície hepática secundária à DIP é chamado


Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis (SFHC). Em sua fase aguda, o conteúdo
purulento pode ser visto na cápsula de Glisson. Em sua fase crônica é
possível encontrar a famosa “corda de violino” na cápsula hepática, que
nada mais é que aderências sequelares da infecção. Tal afecção pode
levar à dor pleurítica e dor em hipocôndrio direito

Bom, conforme o processo infeccioso continua, o conteúdo purulento


aumenta a viscosidade, bloqueando a região das fímbrias e iniciando a
formação de um abscesso tubo ovariano (ATO) e a piossalpinge.

O ATO, após a resolução e esterilização do processo, pode levar à


formação de uma massa multicística chamada hidrossalpinge.

Como outra complicação, o ATO pode romper, tal evento é raro, porém
grave, podendo levar a óbito sem o tratamento adequado. Felizmente,
são raros os casos de óbito por DIP graças ao advento antimicrobiano.

Figura 1. Manifestações da doença inflamatória pélvica. Fonte: Shutterstock.

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Agora conseguimos justificar os sintomas, as complicações agudas e


crônicas da DIP, vamos analisar como veremos na prática tudo isso!

QUADRO CLÍNICO

Apesar de algumas pacientes serem assintomáticas, as manifestações


mais clássicas são:

• Corrimento esverdeado: acontece em cerca de 50% das pacientes.

• Dor abdominal ou pélvica: a dor habitualmente tem intensidade leve a


moderada, e de caráter progressivo: inicialmente se apresenta como
desconforto, e aumenta de intensidade, sendo comumente bilateral e
em topografia de anexos;

• Dispareunia: é decorrente de um pequeno grau de peritonite em


fórnices vaginais e fundo de saco vaginal e ainda à inflamação dos
ligamentos pélvicos.

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• Febre: pode acontecer em até 40% dos casos.

• Alterações do fluxo menstrual: a endometrite compromete o padrão de


sangramento, sendo comuns tanto aumento de volume quanto
aumento da duração da menstruação. O sangramento vaginal anormal
de pouca quantidade após a menstruação (spotting) também pode
ocorrer.

• Disúria acontece em torno de 20% das pacientes ligadas


principalmente a uretrite

• Sangramento uterino anormal, que ocorre em decorrência da


endometrite resultante, em geral, da infecção por clamídia;

No exame físico, deve-se:

• Aferir a temperatura

• Palpar o abdome tentando evidenciar dor à pressão na região pélvica,


se é uni ou bilateral, bem como dor na descompressão súbita ou
defesa muscular.

• Exame especular: observar a presença de secreção purulenta


proveniente do colo do útero ou mesmo presença de turvação do
muco. Sangramento pode ser originado da friabilidade do colo ou do
endométrio.

• Toque vaginal: avaliação da presença de dor à mobilização do útero e/


ou da região anexial uni, ou bilateralmente. A endometrite leva à dor à
mobilização do colo uterino, bem como dor em hipogástrio. Pode
também ser verificado “preenchimento” ou algum tipo de
endurecimento de uma, ou ambas as tubas, massa pélvica palpável

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Figura 2. Cervicite. Fonte: Wikimedia.

EXAMES COMPLEMENTARES

Agora vamos falar do arsenal disponível para diagnosticar e estadiamento


da DIP.

Lembrando, antes, que o diagnóstico é essencialmente clínico! Mas os


exames complementares ajudam nos casos subagudos,
oligossintomáticos e na suspeita de complicações da doença.

• Hemograma completo: a presença de leucocitose e predomínio de


bastonetes pode sugerir processo inflamatório.

• Urina 1 e urocultura: para afastar o diagnóstico de ITU.

• Teste de gravidez: fundamental na exclusão de gestação ectópica.

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• Provas inflamatórias (VHS e PCR): apesar de inespecíficas, ajudam no


seguimento do tratamento.

• Exame bacterioscópico vaginal (fundo de saco vaginal) para o


diagnóstico de vaginose bacteriana.

• Teste de biologia molecular para gonococo e clamídia (conhecido


como NAAT) para identificação etiológica. Bem como a realização de
cultura para gonococo (meio de cultura Tayer-Martin). Material
coletado da cervice uterina.

• Sorologias para HIV, Sífilis, hepatite B e C (NÃO ESQUECER!!!).

• Ultrassonografia transvaginal (USGTV): exame importante na


identificação de AOTs, espessamento e líquido tubário, espessamento
da parede tubária >5 mm (100% de sensibilidade), septos incompletos
intratubários, líquido livre na pelve

• Tomografia e /ou Ressonância de abdome e pelve: podem ser


utilizados caso o USG seja inconclusivo (ressonância apresenta maior
acurácia em comparação ao USG). Porém, costumam ser exames
pouco cobrados em provas.

• Videolaparoscopia: permite a visualização direta do processo


inflamatório pélvico, bem como na coleta de exames bacterioscópicos.

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DIAGNÓSTICO

Moçada, o mais importante de ressaltar aqui é que o diagnóstico de DIP é


clínico! Portanto, os critérios maiores são clínicos, mais especificamente,
DOR. Dor em três topografias: hipogástrio, anexos uterinos e à
mobilização do colo uterino. Devemos pensar neles como critérios
essenciais ao diagnóstico. Somente na presença dessas três dores à
avaliação clínica podemos fechar o diagnóstico de DIP sem a necessidade
de outros exames. Porém, na presença deles, ainda necessitamos a
associação com algum critério menor, que podem ser diversas opções,
desde febre, presença de corrimento vaginal sugestivo, massa pélvica ao
exame físico ou alteração em leucograma e PCR.

Existem, também, os critérios elaborados (ou definitivos). Eles são


alterações encontradas em procedimentos elaborados (USG, RM,
videolaparoscopia, biópsia de endométrio….):

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• Método de imagem (USG TV/RM pelve/etc) sugerindo a presença de


abscesso tubo-ovariano ou coleção diversa em topografia anexial
(podendo conter alças intestinais, epíplon e/ou conteúdo líquido em
forma associada);

• Biópsia endometrial demonstrando a presença de endometrite;

• Laparoscopia demonstrando sinais sugestivos de infecção tubária ou


tuboperitoneal.

Para o diagnóstico de DIP, é necessária a presença de:

• Três critérios maiores MAIS um critério menor; OU

• Um critério elaborado.

Segue a tabela com os critérios!

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Tabela 2. Critérios diagnósticos de DIP.

A elaboração dos critérios não é consenso…… Existem fontes que

consideram como temperatura elevada a partir de 38,3o axilar, de todo


modo, os critérios maiores não mudam.

Vale destacar que uma variedade de diagnósticos diferenciais devem


ser descartados antes da hipótese de DIP. Os mais comuns incluem:
gestação ectópica, apendicite aguda, cisto ovariano roto, torção anexial,
infecção do trato urinário, litíase urinária, endometriose, endometrioma
roto e síndrome do intestino irritável.

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Aproveitando o gancho da laparoscopia, ela é muito importante e


considerada o padrão ouro em caso de salpingite, aderências peritubárias,
peritonite, etc; mas não em endometrite, neste caso, a amostra
histopatológica endometrial é o padrão ouro.

A laparoscopia é um exame pouco disponível e muito invasivo, não será


adotado rotineiramente e nem em casos leves!

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Imagem 3. Abscesso tubo ovariano (ATO) em tuba esquerda ao USG TV. Na seta maior (à

esquerda), observa-se volumosa formação cística com paredes espessadas, conteúdo

heterogêneo, debris em seu interior, compatível com abscesso. Na seta menor (à direita),

observa-se uma tuba uterina dilatada correspondendo à piossalpinge ou hidrossalpinge.

Fonte: Uptodate.

TRATAMENTO

A conduta da DIP é complexa e envolve algumas variáveis. O principal


objetivo do tratamento é a melhora do quadro infeccioso atual e prevenir
complicações futuras como dor pélvica crônica e infertilidade.

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Para obter tal êxito, a suspeição diagnóstica deve ser rápida! O CDC reitera
o tratamento em pacientes jovens e oligossintomáticas visto as sequelas
a longo prazo.

Critérios de Monif

Objetivando facilitar um algoritmo de tratamento, existe a classificação de


Monif, elaborada em 1990 que serve como um estadiamento da doença e
guia terapêutico (a famosa classificação de Monif):

• Estádio 1: endometrite e salpingite aguda sem peritonite

• Estádio 2: salpingite com peritonite (lembrar da descompressão brusca


positiva).

• Estádio 3: salpingite aguda com oclusão tubária ou comprometimento


tubo-ovariano. Abscesso íntegro (abscesso tubo ovariano AOT)

• Estádio 4: abscesso tubo-ovariano roto (queda do estado geral, mau


estado geral, instabilidade hemodinâmica, febre persistente ou
visualização por USG) ou abscesso maior que 10 cm.

Por norma, o estadio 1 tem tratamento ambulatorial e os demais


hospitalar.

O estadio 4 inclui intervenção cirúrgica através da laparotomia


exploradora.

Indicações de internação

A classificação de Monif é um tema clássico quando entramos no tópico


da Doença Inflamatória Pélvica, mas existem outras indicações de
internação que são as mais importantes:

• Gravidez;

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• Falha de resposta clínica após 72 horas de antibioticoterapia;

• Intolerância a antibioticoterapia via oral;

• Comprometimento grave do estado geral (com náuseas, vômitos,


febre);

• Abscesso tubo ovariano ou peritonite;

• Dificuldade em exclusão de emergência cirúrgica (apendicite, gravidez


ectópica);

• Pacientes imunossuprimidas ou HIV positivas com níveis baixos de


CD4;

Modalidades de tratamento antimicrobiano

Vamos falar agora sobre o tratamento segundo as modalidades,


lembrando do que dissemos acima, devemos ter uma cobertura
polimicrobiana!

O foco do tratamento é a cobertura de:

• Chlamydia trachomatis: Doxiciclina ou azitromicina.

• Neisseria gonorrhoeae: ceftriaxona, ou cefalosporinas de segunda


geração. O uso de quinolonas é considerado, atualmente, como alto
risco de resistência.

• Bactérias anaeróbias: Clindamicina ou metronidazol

A tabela abaixo tem como fonte o Protocolo Clínico de Diretrizes


Terapêuticas do Ministério da Saúde. Porém, existem outras fontes como
a FEBRASGO que orientam como primeira opção hospitalar Ceftriaxona
mais Clindamicina (ou Metronidazol).

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Tabela 3. Tratamento da DIP segundo o Ministério da Saúde. Fonte: adaptado de

Wiesenfeld, 2018; Duarte et al., 2015.

Dados importantes: proibido uso de álcool até 24 horas da última dose de


metronidazol pelo efeito dissulfiram (antabuse). Doxiciclina é contra
indicada na gestação. Manter antibioticoterapia parenteral até 24 horas
da resolução de sintomas e, na alta, por 14 dias via oral.

Tratamento ambulatorial conforme tratado de Ginecologia da


FEBRASGO:

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Tabela 4. Tratamento ambulatorial da DIP pelo Tratado de Ginecologia da Febrasgo.

Fonte: Tratado de Ginecologia da Febrasgo, 2019.

O aumento da dose de ceftriaxona de 250 mg para 500 mg diminui a


chance de resistência ao gonococo!

Tabela 5. Tratamento hospitalar da DIP pelo tratado de Ginecologia. Fonte: Tratado de

Ginecologia da Febrasgo, 2019.

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Em pacientes gestantes com DIP, devemos ressaltar o maior risco de


corioamnionite e abortamentos; essas mulheres devem ser prontamente
internadas para antibioticoterapia endovenosa, lembrando da
contraindicação a quinolonas e a doxiciclina durante a gravidez.

Paciente imunocomprometidas ou com HIV apresentam sintomas e


respondem da mesma forma aos antibióticos. Contudo, elas apresentam
um maior risco de evoluírem com abscesso tubo-ovariano, sendo
necessário um acompanhamento mais próximo em relação à resposta ao
tratamento.

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Modalidades de tratamento cirúrgico na DIP e suas indicações

Agora que falamos sobre o tratamento antimicrobiano, vamos falar sobre


a conduta cirúrgica.

Laparoscopia

• Recomendada nos casos de dúvida diagnóstica (DIP, apendicite e


prenhez ectópica) e na ausência de resposta à terapia parenteral após
72 horas.

• Permite uma visualização ótima da cavidade peritoneal, permitindo a


identificação de aderências, estadiamento da doença, lavagem
exaustiva da cavidade, aspiração de coleções purulentas, além de ser
um procedimento menos invasivo que a laparotomia exploradora.

Laparotomia exploradora

• Reservada para os casos de instabilidade hemodinâmica que, em


geral, ocorrem no contexto de rotura de abscesso!

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Observação especial: vamos falar bem rapidinho sobre uma modalidade


alternativa à laparoscopia e à laparotomia, conhecida como culdocentese!
Esta consiste na drenagem de coleções purulentas no fundo de saco
vaginal. Ela é particularmente interessante nas coleções que se estendem
até próximo aos fórnices vaginais e/ou fundo de saco posterior. O
procedimento de culdocentese também pode auxiliar no diagnóstico, e
também como método complementar, pois permite avaliação do
material por cultura. A drenagem propicia melhora do quadro geral da
paciente e permite redução do tempo de internação.

Abaixo apresentamos o fluxograma com manejo e tratamento da DIP do


Ministério da Saúde:

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Fluxograma 1. Manejo e tratamento da DIP de acordo com o Ministério da Saúde. Fonte:

DCCI/SVS/MS.

Seguimento

Quando se opta pelo manejo ambulatorial, a paciente deve ser


reavaliada a cada 48 horas, sempre sendo orientado que a piora dos
sintomas deve levar a procura imediata do serviço de saúde para
internação. O objetivo é a melhora da dor, melhora dos sinais observados
no exame físico (palpação abdominal e toque vaginal), remissão da febre

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(solicitar aferição a cada 6 horas), redução das provas inflamatórias e USG


transvaginal sem alterações sugestivas de piora do quadro.

Nas pacientes submetidas inicialmente a internação, devemos considerar


a alta sempre que a paciente persistir afebril por pelo menos 2 dias. Nessa
extensão do tratamento hospitalar, utilizar azitromicina 1g (dois
comprimidos de 500 mg) dose única mais 500 mg por dia a cada 12
horas por sete dias (caso de salpingite) ou 21 dias (caso de AOT), associada
ao metronidazol 500 mg a cada 12 horas pelo mesmo período indicado.
Outra opção é a doxiciclina 100 mg a cada 12 horas também associada ao
metronidazol 500 mg a cada 12 horas, estendido por mais uma semana
(em caso de salpingite) ou três semanas (em caso do ATO). Além disso, a
paciente deve ser seguida ambulatorialmente e ser explicado o risco de
complicações tardias que falaremos mais tarde neste capítulo.

Taais pacientes podem ter alta após 5–7 dias de seguimento domiciliar
com orientação de retorno ambulatorial tardio a fim de aconselhamento
ginecológico quanto ao risco de gravidez ectópica, infertilidade, risco de
ISTs e rotina ginecológica. Importante orientar abstinência sexual até a
cura clínica.

Tratamento das parcerias sexuais

Outro ponto que você vai acrescentar ao seu checklist é o tratamento das
parcerias sexuais de pacientes com diagnóstico de DIP.

As parcerias sexuais de dois meses anteriores ao diagnóstico,


sintomáticas ou não, devem receber empiricamente ceftriaxona 500 mg
IM associada a azitromicina 1g VO, ambas em dose única.

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COMPLICAÇÕES TARDIAS

Atenção especial a esse tópico. Um dos motivos da DIP ser um problema


de saúde pública impactante são as sequelas da infecção:

• Infertilidade: Ocorre sobretudo em infecções por clamídia e infecções


severas. Estima-se que o risco de infertilidade tubária ocorra: 10–12%
após o primeiro episódio; 23–35% após dois episódios e 54–75% após
três episódios de DIP aguda.

• Gestação ectópica: risco aumentado de seis a sete vezes após DIP, em


virtude da lesão tubária ciliar e a hidrossalpinge.

• Dor pélvica crônica: ocorre por conta das aderências do processo


inflamatório, levando a perda de mobilidade pélvica e distensão
ligamentar, acomete cerca de 18% dos casos.

• Dispareunia: incide em 50% das pacientes com dor pélvica crônica.

• Recorrência da DIP: ocorre em aproximadamente 15 a 25% das


mulheres.

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• Fase crônica da síndrome de Fitz-Hugh-Curtis: uma complicação da


DIP gonocócica que ocorre em decorrência de um processo
inflamatório extenso da cavidade abdominal, levando a peri-hepatite e
aderências próximas ao fígado. Clinicamente, pode haver dor em
hipocôndrio direito, após quadro característico de DIP.

Imagem 4. Aderências peri hepáticas características da síndrome de Fitz-Hugh-Curtis.

Fonte: http://drashrafsabry.com/.

PREVENÇÃO

Atualmente, muito se tem debatido sobre a prevenção da Doença


Inflamatória Pélvica, sendo o uso de camisinha em todas as relações
sexuais o principla modo de prevençao. Entretanto, alguns protocolos
também colocam o rastreamento de infecção assintomática por Clamídia
como prevenção de DIP.

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CONCLUSÃO

O rastreio e tratamento dos agentes das cervicites de mulheres


sexualmente ativas reduz risco para DIP, ele é indicado principalmente
em adolescentes e em mulheres adultas com fator de risco. Além disso,

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ações em educação sexual, bem como diagnóstico e tratamento eficaz


são fundamentais.

VIOLÊNCIA SEXUAL

INTRODUÇÃO

A agressão sexual é definida como qualquer ato sexual realizado por uma
pessoa em outra sem consentimento. Pode resultar do uso da força, da
ameaça de força ou da incapacidade, ou recusa da vítima em dar
consentimento.

A violência sexual é persistente ao longo do tempo e história humana. Na


pandemia, as mulheres e as crianças se tornaram ainda mais frágeis no
ambiente doméstico. Aproximadamente 70% da violência contra a
mulher ocorre em casa e o agressor normalmente é seu companheiro.
Os tipos de violência incluem físicas como socos ou chutes, psicológicas
ou ainda sexuais como o estupro. Podem também apresentar
repercussões físicas como chance de contaminação com doenças
sexualmente transmissíveis como na saúde mental com quadros de
depressão e ansiedade, por exemplo.

De acordo com o Ministério da Saúde: “A violência sexual é compreendida


como uma situação de saúde pública, segurança e justiça, que exige do
Estado políticas e ações integradas para responder a esse problema. Pode
acontecer em espaços públicos e privados, causar traumas e ferimentos
visíveis e invisíveis, e, em algumas situações, levar à morte.”

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Sabemos que violência sexual é a realização de qualquer ato sexual, com


ou sem penetração oral, vaginal e anal, desde que seja um ato praticado
sob força, sem consentimento. Ele constitui um agravo de notificação
compulsória imediata (devendo ser notificado até 24 horas) ao Sistema
de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) — portaria n.º 1.271 de 6
de junho de 2014.

A organização da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), a Lei de


Notificação Compulsória no caso de violência contra mulheres, crianças,
adolescentes e pessoas idosas atendidos em serviços de saúde públicos
ou privados (Lei n.º 10.778/2003, art. 13 da Lei n.º 8.069/1990, art. 19 da Lei
n.º 10.741/2003), a Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006), entre outros
foram avanços importantes para melhorar o atendimento para essas
vítimas.

A violência sexual inclui tanto o ato de estupro quanto o atentado


violento ao pudor.

Cabe ressaltar que este tema está cada vez mais atual, por isso, vem
sendo cobrado nas provas de residência médica. Não podemos bobear e
saber todas as indicações e contraindicações de profilaxias e os direitos
dessa paciente. Vamos pra cima!

ASSISTÊNCIA À VÍTIMA DE VIOLÊNCIA


SEXUAL

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As vítimas de violência sexual podem estar sujeitas a uma série de


complicações. O atendimento tem como base a multidisciplinaridade e
acolhimento. A equipe deve ser, de preferência, treinada para lidar com
esses casos.

Quando a violência acontece na gravidez, aumenta a chance de


complicações obstétricas aumentando a morbidade materno-fetal.

O atendimento às vítimas deve ser realizado preferencialmente nas


primeiras 72 horas após o crime, pois aumenta a eficácia das medicações
utilizadas. Existe um modelo do Ministério da saúde que deve ser seguido
nesse tipo de atendimento.

Importante também lembrar que a assistência não se restringe a esse


primeiro dia, o acompanhamento clínico e psicológico deve ser realizado
e caso a unidade não tenha condições a paciente deve ser encaminhada
a outros serviços e unidades da rede.

A paciente normalmente vem através de um dos seguintes fluxos:

I. Quando a vítima procura primeiro a polícia:

É realizado o boletim de ocorrência e a encaminha para o exame de corpo


delito que verificará a lesão encontrada e coletar os vestígios que podem
auxiliar na identificação da autoria e materialização do crime.

Depois a paciente é encaminhada para algum órgão do sistema de


saúde. Caso haja uma emergência esse fluxo é alterado;

I. Quando a pessoa procura inicialmente o sistema de saúde:

A paciente é inicialmente tratada, há também a coleta de vestígios.


Realizada a notificação compulsória e orientação caso a paciente queira
realizar o boletim de ocorrência.

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ASPECTOS LEGAIS E BUROCRÁTICOS

Para fins de atendimento médico o boletim de ocorrência não é


necessário. Caso a paciente não deseje fazer não há prejuízo para o seu
tratamento, mas ela sempre deve ser orientada que é um direito seu e
ajuda na investigação do agressor.

O laudo do Instituto Médico Legal (IML) é o resultado do exame pericial


utilizado como prova judicial.

A violência sexual é um agravo de notificação compulsória imediata,


em até 24h. Caso a vítima seja menor de 18 anos, o Conselho Tutelar ou à
Vara da Infância e da Juventude deve ser comunicado da suspeita ou
da efetiva violência.

Nos casos de violência sexual, a interrupção da gestação é um direito para


as mulheres (inclusive as menores de 18 anos), conforme decreto-lei 2848,
de 7 de dezembro de 1940, artigo 128, inciso II do Código Penal Brasileiro.

Não é necessário a realização de Boletim de Ocorrência, apenas a


assinatura de termo de consentimento. O médico tem direito de alegar
objeção de consciência para não realização do aborto, porém, tem o dever
de direcionar a paciente para a realização do procedimento, tal direito de
objeção de consciência é negado caso a paciente esteja em risco de vida,
caso o médico seja o único profissional com capacitação para o
procedimento e for um abortamento judicialmente permitido. O aborto
pode ser realizado até 20 ou 22 semanas gestacionais, ou 500 g de peso
fetal.

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

O médico não pode duvidar da palavra da mulher nem exigir autorização


judicial.

Além disso, caso ela deseje prosseguir com a gestação, deve receber
informações precisas sobre os mecanismos legais de adoção caso não
seja o desejo dela.

O ATENDIMENTO À VÍTIMA DE
VIOLÊNCIA SEXUAL

Antes de prosseguir para as profilaxias, vamos nortear os pontos


importantes do atendimento:

• Avaliar se a paciente está numa emergência;

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

• Realizar o exame físico com coleta de vestígios após a assinatura do


Termo de Consentimento Informado para autorização da coleta e
preservação de eventuais vestígios biológicos que possam ser
identificados;

• Todo o atendimento é confidencial;

• Solicitar os exames laboratoriais preconizados;

• Realizar a contracepção de emergência e profilaxias para IST;

• Acompanhamento clínico psicológico e social;

• Notificar o SINAM;

• Descrever minuciosamente no prontuário tanto a anamnese quanto o


exame físico lembrando que poderá ser utilizado como prova judicial;

• Realizar a interrupção legal da gestação, conforme as normas técnicas


do Ministério da Saúde;

• Encaminhar a mulher para os serviços de saúde caso ela opte pela


manutenção da gestação.

O exame físico é obrigatório. Poucas mulheres, vítimas de violência sexual,


sofrem traumas graves, mas toda e qualquer lesão encontrada deve ser
cuidadosamente avaliada e anotada em prontuário, avaliando a
necessidade ou não de medidas clínicas, ou cirúrgicas adicionais.

Em caso de lacerações genitais (ferimento mais frequentemente


encontrado), indica-se a sutura da lesão com fios absorvíveis e agulhas
não traumáticas (por exemplo, Catgut). Já na presença de grandes
hematomas, pode haver a necessidade de drenagem.

Devemos lembrar, também que, em todo atendimento de violência


sexual, havendo a disponibilidade laboratorial, deve-se coletar material
do conteúdo vaginal para o diagnóstico de gonorreia, clamídia e

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

tricomoníase, além de coleta de material para a comparação com o


DNA do agressor.

PROFILAXIAS

Vamos falar sobre a parte que mais aparece em provas de residência!


Devemos saber quais profilaxias são importantes e quando são
indicadas.

PROFILAXIA DAS INFECÇÕES SEXUALMENTE


TRANSMISSÍVEIS (ISTS) NÃO VIRAIS

As infecções sexualmente transmissíveis não virais podem ser


prevenidas com o uso de medicações bastante disponíveis. Aqui estamos
falando das profilaxias contra sífilis, gonorreia, cancro mole, infecção por
clamídia e tricomoníase.

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

Tabela 6. Profilaxia das ISTs não virais. Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas

para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), MS,

2020.

Esta profilaxia está indicada para todas as pacientes com risco de


exposição a essas patologias independentemente da idade ou do tipo de
lesão.

Diferentemente do que ocorre na profilaxia da infecção pelo HIV, a


prevenção das IST não virais pode ser eventualmente postergada, o ideal
é realizar as medicações em até duas semanas após a violência sexual.

O metronidazol é a medicação com mais efeitos gástricos associados em


uma situação de extremo estresse, como é o caso, pode-se postergar sua
administração, sem grandes problemas.

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Em pessoas com história comprovada de alergias ou intolerância aos


medicamentos acima, podemos usar medicações alternativos, conforme
a seguir:

Tabela 7. Profilaxia das ISTs não virais em caso de alergia medicamentosa. Fonte:

Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com

Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), MS, 2020.

PROFILAXIA DAS ISTS VIRAIS

Devemos lembrar da introdução de profilaxia específica contra duas


infecções virais, o HIV e a hepatite B. Algumas ISTs virais, como as
infecções por herpes vírus, hepatite C e HPV ainda não possuem
profilaxias específicas.

1. Hepatite B

Deve se checar se a paciente tem vacinação completa para a hepatite B


caso não se confirme proceder a vacinação. Vale lembrar que a vacina

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

para a hepatite B faz parte do Programa Nacional de Imunizações e é


feita no esquema de uma dose com 0, 1 e 6 meses.

A imunoglobulina para hepatite B (IGHAHB), deve ser utilizada em casos


que o agressor seja sabidamente HBsAg positivo ou do grupo de risco e
a vítima for suscetível.

Quando indicada, a IGHAHB deve ser aplicada de preferência até 48 horas


da violência e no máximo até 14 dias.

A posologia da IGHAHB é de 0,06 mL/kg, e quando indicada, deve ser


administrada em dose única. Se a dose ultrapassar 5 mL, deve-se dividir a
aplicação em dois sítios diferentes. É importante não aplicar na mesma
extremidade que tenha recebido a vacina de hepatite B, para não
prejudicar a resposta imune.

Não realizar IGHAHB se:

• Violência sexual crônica e repetida;

• Vítima com esquema vacinal para a hepatite B completo;

• Agressão por indivíduo sabidamente vacinado;

• Quando a violência tiver acontecido com uso de preservativo.

Vale lembrar também que não existe profilaxia para hepatite C. Devemos
apenas seguir o status sorológico e pesquisa de HCV-RNA.

1. HIV

No primeiro atendimento, após a exposição ao HIV, o médico tem de


avaliar como, quando e com quem ocorreu a exposição.

Existem 4 perguntas que ajudam a direcionar se a profilaxia é necessária


ou não:

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

a. O material biológico oferece risco?

a. O caráter da exposição é de risco?

a. Se passaram menos de 72 horas desde a violência?

b. A vítima não é portadora do vírus HIV no momento?

a. O material biológico oferece risco para transmissão do HIV?

Existem materiais biológicos sabidamente envolvidos na transmissão do


HIV, por isso, a exposição a esses materiais indicam a realização da PEP.

Tabela 8. Risco de transmissão de HIV de diferentes tipos de material biológico. Fonte:

Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Antirretroviral Pós-exposição de

Risco à Infecção pelo HIV, do MS, 2018.

b. O caráter da exposição é de risco?

Exposição COM risco de transmissão:

• Com perda de continuidade da pele — exemplos: lesões causadas por


agulhas e instrumentos perfurantes e/ou cortantes. Ou ainda no caso

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

de feridas abertas e dermatites;

• Que envolvam mucosas — exemplos: exposição sexual desprotegida,


respingos em olhos, nariz e boca;

• Mordeduras com presença de sangue — nesses casos, encontram-se


sob risco tanto a vítima quanto o agressor.

Exposição SEM risco de transmissão:

• Cutânea sem alterar a integridade da pele;

• Mordida sem saída de sangue.

c. Se passaram menos de 72 horas desde a violência?

Considerando a janela razoavelmente curta para a eficácia da profilaxia,


as situações de violência sempre configuram urgências para a profilaxia
dessa IST viral. O benefício da profilaxia só ocorre nas primeiras 72 horas,
após esse tempo não realizar.

d. A vítima não convive com o HIV no momento do atendimento?

A situação sorológica para o HIV da vítima é obtida através do teste


rápido (TR):

• Se TR positivo: a PEP NÃO está indicada;

• Se TR negativo: a PEP está indicada;

• Se resultado discordante ou teste rápido inválido: individualizar, uma


vez que não conseguimos inferir o status sorológico da pessoa
exposta.

OBS.: Nem sempre teremos o teste de sorologia do agressor, mas em


caso de pessoa agressora com sorologia conhecida:

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

Fluxograma 2. Fluxograma para indicação de PEP para HIV. Fonte: Brasil. Ministério da

Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais

Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) de Risco à

Infecção pelo HIV, IST e Hepatites Virais. – Brasília : Ministério da Saúde, 2021

Nos casos em que há a exposição foi apenas com sexo oral com
ejaculação, a decisão deve ser individualizada, podendo ser optado ou
não pela Profilaxia Pós-exposição (PEP). Em casos de penetração oral SEM
ejaculação, aí nunca devemos prescrever PEP.

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

No principal esquema para a profilaxia são utilizados 3 antirretrovirais.


Dois são inibidores de transcriptase reversa álogos de nucleosídeo (ITRN)
preferencialmente tenofovir e lamivudina. O último integrante seria de
uma classe diferente. Pode ser uma das seguintes opções:

• Inibidor de integrase (INI ) : o esquema mais utilizado com DTG;

• Inibidores de transcriptase reversa não análogos de nucleosídeo —


ITRNN — mais utilizado aqui é efavirenz;

• Inibidores de protease mais ritonavir — IP + RTV- mais utilizado


atazanavir.

Vamos lembrar rapidamente das classes dos anti-retrovirais?

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

Fonte adaptada de: aids.gov.br

O esquema (TDF + 3TC + DTG) é o preferencial, pois tem melhor posologia


e menor efeito colateral e interação medicamentosa. Além disso, evita a
resistência principalmente quando a pessoa já utilizou outros
medicamentos. A duração do esquema é de 28 dias.

Para as mulheres gestantes, com atraso menstrual ou suspeita de


gravidez, os critérios para iniciar a profilaxia são os mesmos e, caso seja
necessária, pode se optar por tenofovir + lamivudina + atazanavir
(TDF+3TC+ ATV/r).

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

Pacientes, que tomam fenitoína, fenobarbital e carbamazepina, não


podem utilizar o DTG, assim, o ATV/r é alternativa.

O DTG aumenta a concentração sérica de metformina, devendo ficar


atento nesses casos.

O TDF apresenta boa tolerabilidade, mas está associado a possibilidade


de toxicidade renal. A indicação deve ser avaliada com cuidado em
paciente com HAS, DM e coronariopatias.

Lembrando que quanto mais precoce a PEP é iniciada, maiores são as


chances de sucesso! O atendimento quanto à profilaxia de HIV em
violência sexual é, por isso, considerado uma emergência médica!

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA

O diagnóstico de gravidez deve ser sempre afastado, assim na anamnese


sempre perguntar sobre atraso menstrual, método contraceptivo e sinais
e sintomas de gestação. Caso haja suspeita, proceder o teste de gravidez.

A possibilidade de concepção após um coito desprotegido é de 2 a 4%


em qualquer fase do ciclo menstrual, maior no período fértil.

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

A anticoncepção de emergência (AE) deve ser prescrita para todas as


mulheres em idade fértil na suspeita ou confirmação de contato com
sêmen. A fase do ciclo menstrual não deve ser considerada para indicar
ou não a medicação. Tal anticoncepção é desnecessária se a mulher faz
uso regular de método contraceptivo de alta eficácia no momento da
violência sexual.

Como a AE funciona? Vamos voltar a aula de ciclo menstrual lembra que


uma relação sexual, em geral, só resulta em gravidez se ocorrer em seis
dias específicos do ciclo menstrual da mulher! Vamos relembrar: o dia de
ovulação e os cinco dias anteriores a ela. Isso logicamente depende do
tamanho do ciclo da paciente!!

Os espermatozoides podem ficar entre um e cinco dias no trato genital


feminino, até que ocorra a ovulação. E é exatamente nesse espaço de
tempo que a AE atua.

Mas a AE tem uma ação diferente em cada fase no ciclo da paciente. Se


utilizada na primeira fase do ciclo menstrual, antes da ovulação, a
medicação altera o desenvolvimento dos folículos, tentando e
conseguindo na ampla maioria das vezes adiar ou impedir a ovulação.
Assim o espermatozoide não entra em contato com o óvulo e não tem
fecundação.

Caso a utilização seja após a ovulação, a AE atua por outros métodos. A


medicação atua mais no muco cervical. Ele age deixando o muco mais
espesso, portanto, dificulta ou torna impraticável a migração dos
espermatozoides e consequentemente assim como na primeira fase do
ciclo impede o encontro dos gametas masculinos e femininos e a
fecundação.

Além disso, a AE também altera a capacitação dos espermatozoides.

Importante vocês saberem que não há nenhuma evidência que a AE


tenha efeito abortivo ou com a eliminação do embrião.

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

O método mais eficaz para a anticoncepção de emergência é o


levonorgestrel 1,5 mg em dose única, até 5 dias após a relação sexual.
Vale lembrar que quanto antes for realizado, maiores as chances de
efetivamente impedir uma gestação.

Tabela 9. Posologia da anticoncepção de emergência. Fonte: Protocolo Clínico e

Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente

Transmissíveis (IST), MS, 2020.

O método Yuzpe, segunda opção, consiste na administração oral de


associação de estrogênio e progestágenos, contendo associação oral de
etinilestradiol e levonorgestrel. Esse método mantém o mecanismo de
ação que demonstramos acima e pode ser utilizado nas mesmas
condições que o levonorgestrel.

Entretanto o método com levonorgestrel tem mais vantagens de


menores efeitos colaterais principalmente pela ausência do estrogênio e
também menor interação medicamentosa principalmente com
antirretrovirais.

Os principais efeitos colaterais são náuseas e cefaleia e podem causar


irregularidade menstrual no próprio ciclo menstrual atual.

Lembrando que só existe uma contraindicação a utilização de


anticoncepção de emergência que seria a gravidez confirmada. Aquelas

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

outras contraindicações que vimos no capítulo de anticoncepção não se


aplicam aqui!

Também temos que orientar todas as nossas pacientes (não somente


aquelas que sofreram violência), que a anticoncepção de emergência
não deve ser utilizada de rotina pois a repetição do método diminui a
eficácia.

Agora, voltando a falar nos casos específicos de pacientes que sofreram


violência sexual, o DIU de cobre não deve ser opção de anticoncepção de
emergência por ter maior risco de infecção genital por via ascendente
que porventura pode ser gerada pela violência.

CONCLUSÃO

Violência sexual é um tema fundamental tanto no âmbito médico quanto


social. Realmente existem serviços de referência que realizam o
atendimento integrado, especializado e multidisciplinar. Mas muitas
vezes, essas pacientes procuram, simplesmente, o pronto-socorro, e cabe
ao médico plantonista ter o conhecimento para garantir as bases
principais no atendimento. Sempre tendo em mente a tragédia que a
violência representa na vida dessas mulheres, muitas se encontram no
momento de maior fragilidade de suas vidas.

Faz sentido, então, ser um tema cobrado nos maiores detalhes em provas
de residência, não é incomum ouvirmos histórias que a mulher necessita
de boletim de ocorrência para atendimento, ou, pior, que necessita de
qualquer processo judicial ou policial para conseguir realizar o direito do
aborto.

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

O primeiro atendimento é um momento chave para coleta de vestígios,


fundamentais em caso de futura investigação.

Além disso, as profilaxias virais e não virais das ISTs são temas
amplamente cobrados, principalmente quando indicam (depende do
tempo da violência). Por fim, anticoncepção de emergência é outro
assunto cobrado em provas de residência, lembrar que as
contraindicações de anticoncepção de emergência diferem dos
anticoncepcionais orais.

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Doença Inflamatória Pélvica e Violência Sexual GO

Bibliografia

1. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às


Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) Ministério da
Saúde 2020

2. Protocolos Assistenciais FEBRASGO 2018

3. Ginecologia de Williams (3.ª edição, 2016)

4. CDC (2015)

5. Ginecologia Ambulatorial Baseada em Evidências (2016)

6. Manual de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis


(Ministério da Saúde — 2006)

7. Novak Gynecology (2012)

8. Manual de Ginecologia e Obstetrícia da SOGIMIG (2012)

9. Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da


Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes. Linha de Cuidado
para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas
Famílias em Situação de Violências.

10. Protocolo Clínico e Diretrizes terapêuticas (PCDT) IST - Ministério da


Saúde -

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