Acordao Relator Dep Waldeck Carneiro

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PRESIDENTE:

Exmo. Sr. Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira


MEMBROS:
Exmo. Sr. Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho
Exmo. Sr. Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva
Exma. Sra. Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves
Exma. Sra. Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo
Exma. Sra. Desembargadora Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello
Exmo. Sr. Deputado Estadual Alexandre Freitas
Exmo. Sr. Deputado Estadual Chico Machado
Exmo. Sr. Deputado Estadual Waldeck Carneiro (Relator)
Exma. Sra. Deputada Estadual Dani Monteiro
Exmo. Sr. Deputado Estadual Carlos Macedo

Acórdão
PROCESSO N° 2020-0667131

RELATOR: DEPUTADO WALDECK CARNEIRO


TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

PROCESSO N.º 2020/0667131

DENUNCIANTE(S): EXMO. SR. DEPUTADO ESTADUAL LUIZ PAULO CORREA DA


ROCHA E EXMA. SRA. DEPUTADA ESTADUAL LUCIA HELENA PINTO DE
BARROS

DENUNCIADO: EXMO. SR. GOVERNADOR WILSON JOSÉ WITZEL

RELATOR: EXMO. SR. DEPUTADO ESTADUAL WALDECK CARNEIRO

EMENTA: Crime de Responsabilidade. Denúncia contra o Governador do Estado do


Rio de Janeiro. Incidência da Lei Federal n° 1.079/1950, segundo as balizas da
Súmula Vinculante n° 46 e do julgamento de mérito da Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental n° 378-DF, ambos do Supremo Tribunal Federal.
Competência do Tribunal Especial Misto. Pandemia reconhecida pela Organização
Mundial de Saúde, em 11 de março de 2020. Imputações de improbidade na
administração e conduta incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo
de Governador do Estado, em virtude da requalificação supostamente delituosa do
Instituto Unir Saúde, bem como da alegada improbidade da avença com o Instituto de
Atenção Básica e Avançada à Saúde. Fatos sobejamente comprovados. Incidência,
em ambos os eixos da Denúncia, do art. 9°, item 7, da Lei Federal n° 1.079/1950.
Culpabilidade configurada. Circunstâncias e consequências dos crimes de
responsabilidade que determinam a condenação, em ambos os eixos, à perda do
cargo eletivo e à consequente inabilitação por cinco anos para o exercício de qualquer
função pública, nos termos do caput do art. 78 do mesmo diploma.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de processo especial por crime de


responsabilidade, em que são denunciantes o Excelentíssimo Senhor Deputado Luiz
Paulo Correa da Rocha e a Excelentíssima Senhora Deputada Lucia Helena Pinto de
Barros, acordam os Membros do Tribunal Especial Misto, em sessão presencial, sob
a Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Henrique Carlos de Andrade
Figueira, em conformidade com a ata de julgamento: por unanimidade de votos,
acolher a pretensão acusatória, julgando procedente o pedido para condenar o réu à

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perda do cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro e à inabilitação para o


exercício de qualquer função pública pelo prazo de cinco anos, nos termos do artigo
4º, inciso v, do artigo 9º, item 7, e do artigo 78, todos da Lei Federal nº 1.079, de 10
de abril de 1950.

RELATÓRIO

I - DA DENÚNCIA

Em 27 de maio de 2020, foi protocolada, na Assembleia Legislativa do Estado


do Rio de Janeiro (ALERJ), denúncia em desfavor do Exmo. Sr. Wilson José Witzel,
Governador do Estado do Rio de Janeiro, tendo como signatários o Exmo. Sr.
Deputado Estadual Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Sra. Deputada Estadual
Lucia Helena Pinto de Barros.

A referida peça denunciatória tem como fundamento legal a possível


caracterização da prática de Crime de Responsabilidade, na forma prevista no artigo
74, tipificado conforme disposto nos artigos 4°, inciso V, e artigo 9º, item 7, todos da
Lei Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1950.

Eis os fatos, segundo os denunciantes, que passo a citar:

“No dia 16 de outubro de 2019, foi editada a RESOLUÇÃO


CONJUNTA SES/SECCG Nº 664, tendo como signatários o
Secretário de Estado de Saúde e o Secretário de Estado da Casa
Civil e Governança. A mencionada resolução se fundamentou na
Lei Estadual n° 6.043, de 19 de setembro de 2011 e no Decreto
Estadual n° 43.261, de 27 de outubro de 2011. Após assegurado o
direito ao contraditório e a ampla defesa no processo administrativo
instaurado no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde, sob o n°
E- 08/001/1170/2019, com vistas à apuração da gestão das
unidades de saúde sob a responsabilidade da Organização Social
de Saúde Instituto Unir Saúde (OSS UNIR), observou-se indícios de
irregularidades suficientes. Tais indícios ensejaram que a aludida
resolução desqualificasse a entidade sem fins lucrativos, no âmbito
do Estado do Rio de Janeiro, nos moldes do § 5°, do artigo 75 do
Decreto Estadual n° 43.261/2011.
Esta desqualificação importou na rescisão dos contratos de gestão
vigentes à época, reversão dos bens permitidos e dos valores
entregues, sem prestação de contas, à utilização da Organização
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Social de Saúde Instituto Unir Saúde (OSS UNIR), sem prejuízo de


outras sanções cabíveis, nos termos do § 7°, do artigo 75 do
Decreto Estadual n° 43.261/2011.
Ocorrendo assim a rescisão unilateral pelo Poder Público dos
contratos de gestão vigentes, não tendo a mencionada
Organização Social direito à indenização, nos moldes do § 9°,
do artigo 75 do Decreto Estadual n° 43.261/2011.
Em 23/03/2020, o denunciado sem fundamento legal idôneo,
utilizando do poder discricionário de conveniência e oportunidade
deu provimento ao recurso administrativo interposto pela
Organização Social de Saúde Instituto Unir Saúde (OSS UNIR) para
revogar a sua desqualificação. A decisão foi publicada no Diário
Oficial do Estado do Rio de Janeiro do dia 24/03/2020 e
consequentemente, restituiu à mencionada Organização Social
todos os direitos e obrigações contratuais anteriores a sua
desqualificação, bem como a possibilidade de esta assinar novos
contratos com o Estado do Rio de Janeiro.
Ocorre que com o advento da epidemia do COVID- 19, foi
reconhecida a situação de emergência na saúde pública do
Estado do Rio de Janeiro em razão do contágio, pelo Decreto nº
46.973, de 16 de março de 2020, se fez necessário no âmbito do
Estado do Rio de Janeiro o aumento de leitos hospitalares e
consequentemente de todos os equipamentos necessários a
guarnecer estes leitos, para atendimento as pessoas acometidas
pelo malfadado novo coronavírus. Estando entre estes
equipamentos o chamado respirador mecânico, além da construção
hospitais de campanha.
Em razão desta necessidade veemente, o Poder Executivo através
da Secretaria de Estado de Saúde fez a aquisição de 1.000
respiradores mecânicos, porém foi apurado que os valores
constantes nos contratos de aquisição foram superfaturados, com
valores muito acima dos praticados no mercado atual.
Com esta apuração foram descobertos pelo Ministério Público
Federal robustos indícios da participação do Governador do Estado
do Rio de Janeiro, sr. Wilson José Witzel nos atos ilícitos. Isto
posto, tais elementos foram encaminhados ao Superior Tribunal de
Justiça – STJ, tendo sido distribuída a relatoria ao exmo. sr. Ministro
Benedito Gonçalves, este por sua vez diante dos elementos
apresentados expediu 12 (doze) mandados de busca e
apreensões a serem cumpridos pela Polícia Federal nos estados
de São Paulo e no Rio de Janeiro, chamada “Operação Placebo”,
com a seguinte decisão judicial abaixo colacionada:
"PEDIDO DE BUSCA E APREENSAO CRIMINAL N° 27 - DF
(2020/01 14014-7)
RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONCALVES
REQUERENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
REQUERIDO: EM APURACAO
DECISÃO
Trata-se de expediente avulso em que a Secretaria da Corte
Especial acosta pedido de Medida Cautelar de Busca e

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TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Apreensão Criminal requerido pelo Ministério Público Federal


contra investigados que indica.
O Inquérito n. 1338, instaurado junto a esta Corte Superior, a
pedido do Ministério Público Federal, visa apurar possíveis
irregularidades na execução do programa estatal de
enfrentamento ao COVID-19, no Estado do Rio de Janeiro, onde
diversos contratos foram supostamente firmados com valores
superiores aos praticados pelo mercado.
Após narrativa das condutas dos investigados e das empresas
contratadas, já disposta no referido inquérito, o MPF imputa
indícios de participação ativa do Governador do Estado quanto
ao conhecimento e ao comando das contratações realizadas
com as empresas hora investigadas, mesmo sem ter assinado
diretamente documentos, vez que sempre divulgou todas as
medidas em sua conta no Twitter.
Relata que relevantes informações contidas na rede mundial de
computadores e, principalmente, elementos de convicção
originários do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e
da Procuradoria da República naquela unidade da Federação,
confirmam a existência de fraudes e o provável envolvimento da
cúpula do Poder Executivo fluminense, a recomendar seja
adotada a medida cautelar probatória de busca e apreensão.
Descreve que em 14/5/2020 recebeu, por meio da procuradoria
da República no Rio de Janeiro, prova judicialmente
compartilhada, obtida em uma das investigações que tramitam
em primeiro grau, onde em interceptação
telefônica colhe diálogo referente a ato de revogação da
desqualificação da Organização Social UNIR
SAÚDE, indicativos de possível ajuste ilícito entre o M.P. com o
governador W.W., vez que o Governador deu
provimento a recurso hierárquico apresentado pela citada
organização social e revogou a Portaria SES/SECCG n.
664/2019, que desqualificava a entidade, sob o fundamento de
conveniência e oportunidade, demonstrando forte probabilidade
da existência de ajustes para o desvio de dinheiro público.
Informa que em novo compartilhamento de provas proveniente
da Justiça Federal do Rio de Janeiro, demonstram
vínculo bastante estreito e suspeito entre a Primeira Dama
do Estado do Rio de Janeiro H.A.B.W. e as empresas de
interesse de M.P., em especial o contrato de prestação de
serviços e honorários advocatícios entre seu escritório de
advocacia e a empresa DPAD SERVIÇOS DIAGNÓSTICOS
LTDA, bem como comprovantes de transferências de recursos
entre as duas empresas.
Descreve, ainda, que conforme Informação n.
0011/2020 da Polícia Federal, encontraram no correio
eletrônico alessandro.duarte@gmail.com mensagens datadas
de 14/04/2020, recebidas de J.E (rj_juan@hotmail.com) com
documentos relacionados a pagamentos para a esposa do
governador W.W.
Descrevem a relação de A.D. e J.E. com organização criminosa
chefiada por M.P. para tanto dispõe:
A.D. figura como braço direito de M.P., sendo, além de sócio
de diversas empresas interligadas ao grupo
empresarial, responsáveis pela gestão financeira de grande
parte dos negócios do empresário, estando à frente dos
negócios do grupo empresarial ao menos desde 2012, época
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TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

da contratação do IDR pela SES/RJ, bem como é um dos


procuradores de conta bancária da ATRIO RIO SERVICE com
movimentações milionárias suspeitas.
Por sua vez, J.E. além de movimentar expressivas quantias em
dinheiro para os investigados, exerce a função de contador de
diversas empresas do grupo, figurando, ainda, como sócio de
empresas relacionadas a contratos suspeitos.
Transcrevem áudios interceptados pela autoridade policial em
terminal utilizado por J.E. que demonstram que recentemente
foram feitas alterações dos contratos sociais de empresas
utilizadas pela organização criminosa para a movimentação de
ocultação de recursos oriundos dos cofres públicos,
como ATRIO RIO SERVICE
TECNOLOGIA, DPAD E MV GESTAO DE ATIVOS
EMPRESARIAIS, dentre outras.
Aduzem, ainda, que M.P. utilizava de pessoas para receber e
pagar vantagens ilícitas de sua organização criminosa.
Mencionam a existência de relação do Secretário Estadual L.P.
com a organização criminosa chefiada por M.P., comprovada
pela interceptação telefônica entre V.P. e sua mãe, bem como
pelo recebimento de transferências financeiras no montante
de R$225.000,00 na conta do escritório advocacia
de L.T., oriundo das empresas de M.P.
Afirmam a existência de prova robusta de fraudes nos
processos que levaram a contratação do IABAS para gerir
os hospitais de campanha no Rio de Janeiro, tudo com
anuência de comando da cúpula do Executivo. Para
tanto, informam que foram apresentados orçamentos fraudados
para serviços de montagem desmontagem de tendas, instalação
de caixas d'água, geradores de energia e piso para a formação
da estrutura dos hospitais de campanha, tudo com o
conhecimento do então Secretário de Saúde E.S. Provas
policiais dão conta que os demais orçamentos foram
apresentados ao Estado para escamotear a fraude na
contratação, apresentando uma legalidade inexistente.
Por fim, afirmou que as provas coletadas até esse momento
indicam que, no núcleo do Poder Executivo do Estado
do Rio de Janeiro, foi criada uma estrutura hierárquica,
devidamente escalonada a partir do Governador, que propiciou
as contratações sobre as quais pesam fortes indícios de
fraudes.
Para tanto, descreve em que W.W. mantinha o comando das
ações (auxiliado por H.W.), tendo seu Secretário E.S., por meio
da Resolução SES n. 1991, delegado funções a G.N., criando-
se uma estrutura hierárquica que deu suporte aos contratos
supostamente fraudulentos, em cuja base figuram, no mínimo,
F.J de O.F., representantes da Corporate Events Brasil, C.A.F.,
Presidente Executivo do IABAS e L.C.C.D., da empresa Clube
de Produção (fl. 61).
Fundamento o que é medida cautelar de busca e apreensão
se faz necessária no caso em análise, uma vez que a diligência
poderá garantir a localização e apreensão de variada
a documentação (física e eletrônica) em poder dos
investigados.
É o relatório. Decido.
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TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Sobre a Medida Cautelar de Busca e Apreensão, disponha o


art. 240, §1°, “c”,” d”, “e”, “f” e “h”, do CPP:
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões
a autorizarem, para:
[...]
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e
objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na
prática de crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa
do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou
em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do
seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
[...]
h) colher qualquer elemento de convicção.
A busca e apreensão, como medida cautelar, dependem do
cumprimento cumulativo dos requisitos do fumus bonis juris e
do periculum in mora.
Conforme acima relatado, a prova compartilhada originária do
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e da Procuradoria
da República naquela unidade da Federação, bem como a
constante no caderno investigatório, trazem elementos de
convicção, que, em juízo de cognição limitada e superficial,
típico das cautelares, propiciam convicção quanto
a indícios veementes de autoria e materialidade que permitem o
deferimento da medida vindicada.
Uma vez caracterizado o fumus bonis juris, passo
a análise da urgência.
O periculum in mora caracteriza-se pelo fato de que eventuais
documentos comprobatórios das práticas ilícitas podem ser
destruídos pelos investigados, sendo típico que
os indícios destes delitos normalmente sejam eliminados pelos
seus autores.
Ademais, estamos tratando de supostos ilícitos cometidos por
alguns investigados com conhecimento jurídico,
cuja obtenção da prova toma-se bastante difícil. Assim, a
medida cautelar se mostra imprescindível em razão da
necessidade de assegurar a preservação de
elementos comprobatórios de materialidade e autoria delitivas.
Com efeito, é necessário que se obtenha o material
relacionado à pratica de crime, especialmente anotações,
arquivos de computador, contratos, agendas de
telefone, eletrônicos que arquivem dados, comprovantes de
pagamentos ou de depósitos e mídias, sem prejuízo de
qualquer outra prova de cometimento de crime.
O art. 5° da Constituição Federal de 1988 estabelece a
inviolabilidade do domicílio, garantia que somente pode ser
afastada em caso de flagrante delito ou desastre,
para prestar socorro ou, durante o dia, por determinação
judicial.
Assim, tratando-se de providência que almeja a apreensão de
instrumentos utilizados na suposta prática de
crime úteis a persecução investigatória, tal qual como exposto
pelo Ministério Público Federal, é imperativo o
deferimento da medida.
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TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A quebra de sigilo dos dados obtidos e arrecadados também


deve ser autorizada, ainda que não explicitamente solicitada,
porquanto é consectário lógico da indigitada apreensão,
de modo a permitir o acesso a todos aqueles que vierem a ser
obtidos, sejam de sistemas de informática, telemática ou
qualquer meio de armazenamento, mesmo condizentes a sigilo
bancário e/ou fiscal, inclusive dados armazenados na nuvem,
através de quaisquer serviços utilizados. Eventualmente, podem
ser realizadas cópias para salvaguardar os dados.
Ressalta-se que, nessa hipótese, é permitido que, em qualquer
fase da persecução criminal, sejam acessados dados,
documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e
eleitorais, desde que autorizadas judicialmente.
Havendo necessidade, autorizo, também, a arrecadação de
equipamentos eletrônicos de qualquer espécie nos quais
possam estar armazenados tais dados, os quais devem ter o
suporte de memória espelhado ou copiado, mediante
requerimento dos interessados.
O direito ao sigilo de tais informações, eminentemente, de
caráter individual, não pode ser absoluto e deve
ser excepcionado porque a consagração das liberdades
públicas não serve de salvaguarda a práticas ilícitas, cedendo
espaço diante do interesse público superior.
A inviolabilidade da intimidade não pode escudar aqueles que
atentam contra a ordem pública, sob pena de impedir, a
concretização do interesse maior da coletividade no êxito da
investigação criminal.
A providência também deve ser autorizada em compartimentos
outros descobertos no curso da diligência, em salas
comerciais/cômodos/unidades habitacionais, no mesmo prédio,
contíguos ou não, independentemente de nova ordem.
Deve-se salientar que no STJ a busca e apreensão em
escritórios de advocacia, desde que existem indícios de prática
criminosa nesses ambientes. Como relatado acima, no caso dos
autos, o escritório de advocacia da Primeira Dama do Estado do
Rio de Janeiro H.A.B.W supostamente realizou contratos com
empresas investigadas, sem que a investigação, até o momento,
encontra-se provas da prestação do respectivo serviço, o que
explicita possível exercício profissional voltado à atividade
delitiva.
A respeito do tema, cito o seguinte precedente:
[...]
NULIDADE DA BUSCA E EMPREENSÃO EFETUADA EM
ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. INVIOLABILIDADE RELATIVA.
ART.
7°, § 6°, DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL. INVESTIGAÇÃO DE SUPOSTO DELITO COMETIDO
PELO ADVOGADO. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE
FORMAL NA DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINOU A
MEDIDA CAUTELAR. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
INDICAÇÃO DE PARTICULARIDADES DO CASO.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDÊNCIADO.
1. A inviolabilidade do escritório de advocacia não é absoluta,
ideia inclusive consagrada na própria Lei nº 8.906/94, em seu
art. 7º, inciso II, combinado com seu § 6º - este incluído com o
advento da Lei nº 11.767/2008 -, de tal sorte que é permitido nele
ingressar para cumprimento de mandado de busca e apreensão

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TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

- específico e pormenorizado - determinado por Magistrado de


forma fundamentada, desde que presentes indícios de autoria e
materialidade da prática de crime por parte de advogado.
2. Na hipótese dos autos, o Juiz monocrático fundamentou a
decisão que determinou a busca e apreensão, indicando
expressamente as hipóteses do art. 240, § 1º, do Código de
Processo Penal que embasaram a providência, quais sejam, as
previstas nas alíneas "c", "d" e "h" do referido preceito legal,
apresentando as peculiaridades do caso concreto e
especificando os endereços onde a medida deveria ser
cumprida, concluindo pela necessidade da cautelar para a
instrução criminal, imprescindível para a identificação das
relações mantidas entre os supostos participantes da
organização, tudo em conforme ao disposto no ordenamento
processual penal vigente.
3. Recurso parcialmente prejudicado e, na parte remanescente,
improvido. (RHC 21.455/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI,
QUINTA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 13/12/2010)
Quanto ao cumprimento dos mandados, registro que a
autoridade e agentes policiais devem obedecer ao disposto no
art. 7° da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia):
Art. 7° São direitos do advogado:
[...]
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem
como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência
escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas
ao exercício da advocacia;
[...]
§6° Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de
crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente
poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso
II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo
mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a
ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em
qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das
mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado
averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que
contenham informações sobre clientes.
§7° A ressalva constante do § 6° deste artigo não se estende a
clientes do advogado averiguado que estejam sendo
formalmente investigados como seus partícipes ou coautores
pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da
inviolabilidade.
Em relação a busca no escritório de advocacia, registro que deve
ser arrecadada exclusivamente a documentação correlata aos
fatos aqui investigados.
Fica a autoridade policial autorizada a restituir diretamente tudo
aquilo que constatar não servir à prova.
Nos termos do art. 7°, §6°, da Lei n. 8.906/94, caberá ao
Delegado de Polícia Federal, na véspera do cumprimento dos
mandados de busca e apreensão no escritório de advocacia,
requerer a presença de representante da OAB, que deve
comparecer em ponto de partida a ser indicado, sem prévio
conhecimento do local em que a medida realizar-se-á.
Ante ao exposto, defiro o pedido do Ministério Público Federal,
nos seguintes termos:

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TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

I) busca e apreensão em desfavor dos investigados listados


abaixo, nos endereços residenciais e profissionais (inclusive no
Palácio Guanabara, nas Secretaria de Saúde e da Fazenda do
Estado do Rio de Janeiro), que deverão ser confirmados e
indicados pela Polícia Federal no prazo de 5 (cinco)dias:
a) WILSON JOSÉ WITZEL;
b) HELENA ALVES BRANDÃO WITZEL;
c) HELENE WITZEL SOCIEDADE INDIVIDUAL DE
ADVOCACIA;
d) EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS;
e) GRABRIELL CARVALHO NEVES FRANCO DOS
SANTOS;
f) FERNANDO JOSÉ DE OLIVEIRA FERNANDES;
g) CLAUDIO ALVES FRANÇA;
h) LUIZ CLAUDIO COSTA DUARTE
i) INSTITUTO DE ATENÇÃO BÁSICA E AVANÇA À SAÚDE –
IABAS;
j) CORPORATE EVENTS BRASIL;
k) CLUBE DE PRODUÇÃO CULTURAL E ARTÍSTICA
LTDA.
II) Determino o cumprimento da presente medida cautelar,
visando, apreender e, em seguida, analisar (inclusive
pericialmente, se necessário):
II.1) documentos físicos e eletrônicos indicativos de associação
entre investigados: tis como agendas (inclusive de anos
anteriores), documentos (incluindo procurações e alvarás),
rascunhos ou demais documentos congêneres;
II.2) documentos indicativos de corrupção: contratos de
prestação de serviços, noras fiscais, planilhas de custos
contabilizados, recibos, comprovantes de depósitos ou de
transferências bancárias, entre outros documentos
comprobatórios de pagamento de vantagens financeiras, como
qualquer escrito que relacione alguém a um valor;
II.3) documentos indicativos de ocultação de bens:
comprovantes de depósito ou de transferências bancárias,
procurações, contratos de promessa e de compra e venda de
bens, certificados de Registro e Licenciamento de Veículos,
escrituras públicas, entre outros documentos indicativos dos
destinos dos valores;
II.4) mídias: mídias de armazenamento (pen drive, HD
EXTERNO, notebook, HD CPU, aparelhos de telefone (se
smartphones), dente outros, com arquivos importantes a
investigação;
III) adotará o Delegado da Polícia Federal todas as cautelas para
que a medida seja cumprida na forma e horário que repercutam
o mínimo embaraço possível às atividades locais, atendo-se às
seguintes peculiaridades:
III.1) que a apreensão de valores em espécie em moeda
estrangeira ou em reais seja limitada ao valor igual ou superior
a R$1.000,00 e desde que não seja apresentada prova
documental cabal de sua origem lícita (nas residências dos
investigados apenas e não nas empresas);
III.2) no tocante às obras de arte de elevado valor ou objeto de
luxo, sem comprovada aquisição com recursos lícitos, deve o
Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro,
providenciar a custódia, em ambiente seguro, indicando, no

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TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

prazo de 30 (trinta) dias, museu ou estabelecimento para sua


guarda, até eventual alienação;
III.3) fica também o Delegado da Polícia Federal atento para o
cumprimento do Estatuto dos Advogados, conforme
determinado na fundamentação acima;
IV) autorizo o Delegado da Polícia Federal a prosseguir nas
medidas de busca e apreensão em endereços contíguos,
devendo adotar todas as medidas necessárias para verificar a
existência de eventuais cômodos secretos ou salas reservadas
em quaisquer dos endereços diligenciados, franqueando-lhe,
ainda, acesso, cópias ou apreensão, dos registros de controle
de ingressos nos endereços relacionados, caso existam;
V) autorizo o Delegado da Polícia Federal a ter acesso ao
conteúdo dos aparelhos eletrônicos apreendidos, sobretudo dos
dados armazenados na “nuvem”, através de quaisquer serviços
utilizados, notadamente com relação aos aparelhos de telefonia
celular, franqueando que esse acesso ocorra inclusive no local
das buscas;
VI) fica autorizado que conste nos mandados de busca e
apreensão pessoal quando houver fundada suspeita de que os
envolvidos ou demais pessoas presentes no local estejam
ocultando consigo provas (ex.: celulares, pen drives, chips,
mídias e/ou documentos), bem como que seja autorizado o uso
da força estritamente necessária para romper eventual
obstáculo à execução dos mandados;
VII) delego a competência investigativa para a Polícia Federal
proceder o cruzamento do resultado do material aqui produzido
com os elementos probatórios que forem compartilhados das
demais investigações, assim como proceder a oitiva imediata
dos investigados WILSON WITZEL; HELENA BRANDÃO
WITZEL; HELENA WITZEL SOCIEDADE INDIVIDUAL DE
ADVOCACIA; EDMAR SANTOS, GRABRIELL NEVES;
FERNANDO JOSÉ DE OLIVEIRA FERNANDES; CLAUDIO
ALVES FRANÇA e LUIZ CLAUDIO DA COSTA DUARTE e
demais agentes envolvidos nas contratações mencionadas ao
longo dessa peça processual;
VIII) fica alertado que no dia do cumprimento da busca, deve-se
observar o respeito aos direitos ao silêncio e da não
autoincriminação, subsuma-se por relevante, matérias não
abarcadas por reserva de jurisdição;
Dispensada a publicação, em virtude do sigilo deste
procedimento.
Diligências necessárias.
Cumpra-se com urgência.
Brasília (DF), 21 de maio de 2020.
MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
Relator”
Os citados mandados de buscas e apreensões tinham como
destino diversos endereços associados ao governador do Estado do
Rio de Janeiro, estando entre eles o Palácio Laranjeiras que é a
residência oficial do Governador do Estado, a residência particular
do Governador no bairro do Grajaú, o Palácio Guanabara que é a
sede do Governo do Estado e o escritório de advocacia da esposa
do governador,
Na decisão judicial, o Ministro Benedito Gonçalves, do STJ, relata
que os investigadores afirmam a existência de prova robusta nos

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TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

processos que levaram a contratação da IABAS para construir e


gerir os hospitais de campanha no Rio de Janeiro, tudo com
anuência e comando da cúpula do Executivo. Relatam que o
governador Wilson Witzel “tinha o comando” da estrutura que deu
suporte a fraudes na Secretaria de Estado de Saúde do Rio de
Janeiro. Tendo este, criado uma a estrutura hierárquica para a
prática dos delitos dentro da estrutura do poder executivo
fluminense para dar suporte aos contratos fraudulentos para
originar ações de combate ao coronavírus no Estado do Rio de
Janeiro.
Conforme apontado na decisão judicial, o Ministro Benedito
Gonçalves do STJ fundamentou sua decisão, também, em prova
compartilhada originária do Ministério público do Estado do Rio
de Janeiro e da Procuradoria da República do Rio de Janeiro,
bem como o constante do caderno investigatório quanto a
indícios de autoria e materialidade que fundamentaram a
operação diante do risco real de destruição de provas.
Assim posto, com tudo que veio à tona com a operação Favorito
e os fundamentos arrolados pelos investigadores para a
realização da operação placebo ficou demonstrado a existência
de indícios robustos de participação ativa do governador Wilson
Witzel no aludido esquema, procedendo o mesmo de modo
incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo,
tipificado nos artigos 4°, V e 9°, 7 da Lei de crimes de
responsabilidade (Lei nº 1.079/50).
A supramencionada operação teve também como alvo a
organização social (OS) Instituto de Atenção Básica e Avançada
à Saúde - IABAS, responsável pela construção dos hospitais de
campanha, que ainda não foram entregues na sua plenitude, ao
custo de R$ 835 milhões. Diga-se ademais, que em outra
investigação, chamada operação Favorito, esta Organização
Social seria na verdade associada ao empresário Mário Peixoto,
que se encontra preso e possui contratos de R$ 129 milhões
com o governo do Estado do Rio de Janeiro.
A investigação aponta "vínculo bastante estreito e suspeito"
entre a membros de seu Governo e as empresas do empresário
Mário Peixoto, pois, inclusive éarrolado o escritório de advocacia
da 1ª dama do Estado que teria contrato de prestação de
serviços com a empresa DPAD Serviços Diagnósticos, ligada ao
mesmo empresário. Afirma o Ministro que há documentos
relacionados a pagamentos para a esposa do governador que
foram encontrados no endereço eletrônico de dois homens
apontados como operadores financeiros do empresário preso.
Importante frisar que o empresário Mário Peixoto seria também
o real responsável pela Organização Social Instituto Unir Saúde,
justamente aquela que teria voltado a poder participar de licitações
com o governo do Estado do Rio de Janeiro, por despacho
monocrático do governador Wilson Witzel, que após a ocorrência da
operação Favorito, o governador recuou e anulou seu anterior
despacho que habilitava novamente esta Organização Social.

11
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Consta ainda, o envolvimento do Secretário de Desenvolvimento


Econômico do Estado do Rio de Janeiro, Lucas Tristão, que é
citado em gravações obtidas com autorização judicial e que
deram origem a citada Operação Favorito. A Favorito já levou à
cadeia além do empresário Mário Peixoto, o ex-subsecretário de
Saúde Gabriell Neves e o também ex-subsecretário Gustavo
Borges da Silva, ambos da área da Saúde.
Importante salientar que a Assembleia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro - ALERJ tem plena soberania para apurar e punir
por infração político- administrativa o governador do Estado,
conforme previsto no artigo 74 e seguintes da Lei de crimes de
responsabilidade, independentemente da competência
originária do Superior Tribunal de Justiça - STJ para deflagrar o
processo penal contra o denunciado.”
Após a explicitação da denúncia, acima citada ipsis
litteris, sobre os fatos que caracterizariam prática de crime de
responsabilidade pelo Chefe do Poder Executivo estadual, os
denunciantes finalizam a peça, nos seguintes termos:
“Os ora denunciantes, por óbvio, prefeririam que a Governador
do Estado do Rio de Janeiro tivesse condições de levar seu
mandato a termo. No entanto, a situação se revela alarmante,
com a existência de corrupção governamental em pleno período
de pandemia, crime que poderia ser considerado como
hediondo. O comportamento do Chefe do Poder Executivo do
Estado do Rio de Janeiro, consoante os fatos relatados, se revela
inadmissível, que outra alternativa não resta senão pedirem a
esta Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para
autorizar que o Governador Wilson José Witzel seja processado
na forma do artigo 74 e seguintes da Lei 1.079/50, pelos crimes
de responsabilidade previstos, nos artigos 4°, V e 9°, 7 da Lei
1.079/50.”

Efetuada sua autuação, em processo administrativo que recebeu o n°


5.328/2020, no âmbito do Parlamento Estadual, a referida denúncia foi submetida à
apreciação da Procuradoria Geral daquela Casa Legislativa para análise do
atendimento das formalidades necessárias ao seu prosseguimento.

II - DO PARECER DA PROCURADORIA GERAL DA ALERJ SOBRE A DENÚNCIA


E DE SUA APRECIAÇÃO EM PLENÁRIO

Recebidos os autos dos processos administrativos n° 5.328/2020 e nº


5.360/2020 (este apensado ao primeiro), no dia 04 de junho de 2020, foi exarado
Parecer Técnico pelo Ilmo. Sr. Procurador Rodrigo Lopes Lourenço, que opinou da
seguinte forma:

12
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“Excelentíssimo Senhor Presidente,


Estes autos n° 5.328/2020, aos quais estão apensados os autos
n° 5.360, protocolizados na quarta-feira, 27 de maio de 2020,
documentam Denúncia por crime de responsabilidade formulada
pelo Excelentíssimo Senhor Deputado Luiz Paulo e pela
Excelentíssima Senhora Deputada Lucinha contra o
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado Wilson Witzel.
Na vigência da decaída Constituição da República de 1946,
editou-se a Lei federal n° 1.079/1950, que define os crimes de
responsabilidade e regula o respetivo processo e julgamento.
Promulgada a vigente Lei Maior, houve dúvida sobre a
competência dos Estados-membros para legislar sobre crime de
responsabilidade e correspondente processo. Contudo, o
Egrégio Supremo Tribunal Federal sepultou-a ao editar a
Súmula Vinculante n° 46, afirmando que a definição dos crimes
de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas
normas de processo e julgamento são da competência
legislativa privativa da União." Par tal razão, a definição dos
crimes de responsabilidade eventualmente cometidos por
Governador de Estado e o respetivo processo devem ser
regulados por lei federal.
Por outro lado, há mais de três décadas e de maneira
constante, como se pode verificar no precedente
consubstanciado no Mandado de Segurança n° 20.941-DF,
RTJ 142/88, o Egrégio Supremo Tribunal Federal reconhece
às Colendas Presidências das Augustas Casas de Leis a
competência para o exame da admissibilidade de Denúncia
popular por crime de responsabilidade.
As petições satisfazem todas as formalidades legais,
especialmente o reconhecimento de ambas as firmas, motivo
por que estes procedimentos administrativos n° 5.328/2020,
além do apensado n° 5.360/2020, devem ser submetidos à
Egrégia Presidência desta Augusta Casa de Leis a fim de que
sejam por ela julgados se merecedores ou não de deliberação,
nos termos do comando insculpido no art. 77 da Lei federal n°
1.079/1950.”

Diante do parecer acima reproduzido, da lavra do Ilmo. Sr. Procurador da


ALERJ Rodrigo Lopes Lourenço, que considerou atendidas todas as formalidades
necessárias ao prosseguimento da denúncia, o Exmo. Sr. Presidente do Parlamento
fluminense, Deputado André Luiz Ceciliano, em 10 de junho de 2020, acolheu o
aludido parecer, tornando a peça denunciatória apta a ser submetida, como objeto de
deliberação, à Casa de Leis estadual.

No mesmo dia 10 de junho de 2020, em atenção ao disposto na Súmula


Vinculante n° 46, do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como na legislação federal
que dispõe sobre os crimes de responsabilidade, foi realizada sessão plenária para
deliberação quanto à admissibilidade da denúncia, ou seja, quanto ao prosseguimento

13
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

do processo de impeachment, no âmbito da ALERJ, em desfavor do Exmo. Sr. Wilson


José Witzel, Governador do Estado do Rio de Janeiro. Note-se que o Exmo. Sr.
Presidente da ALERJ, Deputado André Luiz Ceciliano, abriu mão da prerrogativa que
lhe cabia de decidir monocraticamente sobre a admissibilidade da denúncia,
preferindo compartilhar tal responsabilidade com o conjunto de deputados e
deputadas estaduais.

Assim, realizou-se a sessão plenária virtual, com a presença de 69 (sessenta e


nove) dos 70 (setenta) deputados estaduais que integram o Parlamento fluminense,
tendo sido aprovada a admissibilidade da denúncia pela unanimidade dos presentes
àquela sessão (69 votos a zero).

Após a devida publicação da decisão adotada pelo plenário em Diário Oficial,


foi aberto o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para que os partidos políticos com
representação na ALERJ indicassem o nome de seu representante na composição da
Comissão Especial de Impeachment.

III - DA INSTALAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ

Depois de indicados os representantes dos partidos, teve lugar a reunião de


instalação da Comissão Especial de Impeachment, em 18 de junho de 2020, com o
objetivo de eleger seu Presidente e seu Relator. Na oportunidade, sagraram-se eleitos
para aqueles cargos, respectivamente, o Exmo. Sr. Deputado Estadual Chico
Machado e o Exmo. Sr. Deputado Estadual Rodrigo Bacellar. Por ocasião da reunião
de instalação, também foram aprovadas algumas diligências, que seriam efetivadas
por meio de ofícios encaminhados pelo presidente da Comissão aos órgãos de
destino.

Ato contínuo, ainda no dia 18 de junho de 2020, foram expedidos os seguintes


ofícios: a) CE 01/2020, endereçado ao Exmo. Sr. Ministro do Superior Tribunal de
Justiça, Doutor Benedito Gonçalves, pelo qual se solicita o compartilhamento de
provas referentes ao Inquérito n° 1.338-DF, em curso naquela colenda Corte; b) CE
02/2020, endereçado ao então Secretário de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Ilmo.
14
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Sr. Prof. Fernando Ferry, pelo qual se solicita cópia integral do Processo
Administrativo n° E-08/001/1170/2019, relativo à aplicação de sanção à Organização
Social Instituto Unir Saúde; c) CE 03/2020, endereçado ao Exmo. Sr. Procurador Geral
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Eduardo Ciotola Gussem, pelo qual se
solicita o compartilhamento das informações obtidas pelas operações realizadas em
decorrência das contratações emergenciais na área de saúde, efetuadas pelo Poder
Executivo estadual, no âmbito das ações de enfrentamento à pandemia do novo
coronavírus (COVID-19); d) CE 04/2020, endereçado ao Ilmo. Sr. Superintendente da
Polícia Federal no Rio de Janeiro, Dr. Tacio Muzzi Carvalho e Carneiro, pelo qual se
solicita o compartilhamento de cópia integral do Inquérito MPF n° 1.338, referente às
contratações realizadas pelo Poder Executivo, no âmbito da Secretaria de Estado de
Saúde, especialmente no tocante às ações de enfrentamento ao novo coronavírus
(COVID-19).

Naquela mesma data, foi determinada a citação do Exmo. Sr.


Governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson José Witzel, o que se efetivou em
23 de junho de 2020, ocasião em que lhe foram entregues as cópias integrais dos
processos ALERJ n° 5.328/2020 e nº 5.360/2020, bem como lhe foi informado o prazo
de 10 (dez) sessões, a contar do recebimento da referida citação, para apresentação
de Defesa escrita perante a Comissão Especial de Impeachment.

IV – DA PETIÇÃO APRESENTADA À COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT


DA ALERJ COM VISTAS À SUSPENSÃO DO PRAZO PARA A DEFESA DO
DENUNCIADO

Na mesma data em que foi citado por determinação da Comissão


Especial, qual seja, dia 23 de junho de 2020, a defesa do denunciado protocolou
petição endereçada à aludida Comissão. Nesta petição, a defesa alegava a
necessidade de esclarecimento sobre informações referentes ao rito adotado para
processamento e julgamento do processo de impedimento em curso, bem como a
necessidade de imediata suspensão do prazo para apresentação de Defesa escrita,
enquanto não fossem acostados aos autos documentos que comprovassem os fatos
15
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

narrados na denúncia, sob alegação de afronta aos princípios constitucionais do


Contraditório e Ampla Defesa, o que foi interposto nos seguintes termos:

“(...) GRAVE CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA


1. Em 27 de maio de 2020, o Exmo. Deputado Estadual
Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Deputada Estadual Lucia
Helena Pinto de Barros ofereceram, com fundamento nos arts.
75 e 76 da Lei n° 1.079/1950, denúncia perante a Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro — ALERJ, em desfavor
do requerente, nos autos dos Processos Administrativos n°
5360/2020 e 5328/2020.
2. O art. 76 da Lei n° 1.079/1950 estabelece como
requisito da apresentação de denúncia contra titular de cargo do
Poder Executivo estadual a apresentação de documentos que
comprovem os fatos narrados e o respectivo rol de testemunhas,
aptas a narrarem a ocorrência dos fatos alegados. Justifica-se o
rigor legal diante da relevância e gravidade do processo
administrativo a ser instaurado, capaz de por termo a mandato
outorgado por milhões de eleitores, no exercício do seu direito
fundamental de voto, principal alicerce do estado democrático de
direito. O referido diploma legal determina, ademais, em seu art.
79 a aplicação subsidiária das regras dos Regimentos Internos
da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça, assim como
do Código de Processo Penal, no processamento pela
Assembleia Legislativa de processos administrativos que
versem sobre a suposta prática de crime de responsabilidade
pelo governador do estado.
3. Nos autos deste processo administrativo, no entanto,
só foi anexada pelos ilustres denunciantes a i. decisão proferida
pelo eminente Ministro Benedito Gonçalves do e. Superior
Tribunal de Justiça, no âmbito de medida cautelar, cujo objeto
era o de colher provas sobre eventuais práticas de atos ilícitos.
Em outras palavras, trata-se de decisão de natureza precária e
preliminar, que tem por propósito angariar eventuais provas de
fatos alegados pelo parquet, mas não comprovados. Fossem as
acusações já respaldadas em provas, por certo não se faria
necessária medida cautelar, deferida justamente para a sua
produção.

4. Em decisão publicada em 15 de junho de 2020, o


Exmo. Sr. Presidente da ALERJ, o eminente Deputado
Estadual André Ceciliano, mesmo sem a indispensável
documentação de suporte, recebeu a denúncia e deu-lhe
prosseguimento, após submetê-la à apreciação do colegiado,
conforme se desprende da publicação constante do Diário
Oficial de 15/06/2020 (Doc. 1 — Diário Oficial do Dia
15/06/2020), nos seguintes termos:

“Eu André Luiz Ceciliano, baseado no parecer técnico da douta


Procuradoria, dou prosseguimento à denúncia por crime de
responsabilidade no Processo 5328/2020 do Excelentíssimo Sr.
Governador.”

Como manifestei no início, vamos dar todo direito à ampla


defesa ao Governador. Temos certeza que de onde vem, como
16
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

juiz, terá também a possibilidade de esclarecer os fatos nos


quais está baseado o pedido de impeachment no Processo
5328/2020.

Declaro que dou prosseguimento ao processo de impeachment.

Nós vamos publicar o ato, abrir prazo para que cada partido
indique um representante para a comissão e, depois, essa
comissão tem 48 horas para eleger o presidente e o relator.
Rogo aos líderes que façam as indicações.

O prazo vai contar a partir de segunda-feira. Não indicando, a


Presidência indicará o representante do partido nessa comissão.

Volto a dizer que não há qualquer pré-julgamento aqui; não


estamos fazendo qualquer juízo de valor, mas estamos dando
prosseguimento ao procedimento de apuração de crime de
responsabilidade, no qual vamos garantir, como sempre
fazemos, até o presente momento, todo direito à ampla defesa
do Sr. Governador"

5. Após o recebimento da denúncia, em18 de junho de


2020, foi instalada a Comissão Especial que processará o
pedido de afastamento do requerente. É relevante destacar que,
logo após a eleição do parlamentar Presidente e relator da citada
Comissão, o Exmo. Deputado Estadual Luiz Paulo, um dos
autores da denúncia, confirmou que deixou de instruir o seu
requerimento de instauração do processo administrativo com os
documentos necessários para comprovar os fatos narrados.
Diante desse reconhecimento da ausência dos documentos, o
Exmo. Deputado Estadual Bacelar solicitou, em diligência,
informações e subsídios aos seguintes órgãos: Procuradoria
Geral da República, Superintendência da Polícia Federal e
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, para ter acesso
ao inteiro teor do inquérito.
6. No caso, portanto, afigura-se evidente que a denúncia
apresentada não foi instruída com os documentos necessários
pra comprovar os fatos narrados, indispensáveis ao exercício
pelo Exmo. Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro da
ampla defesa e do contraditório, na amplitude que asseguram os
direitos fundamentais previstos pelo Constituinte Originário no
art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República.
7. O exercício do contraditório e da ampla defesa se
traduzem na necessidade absoluta de ciência pelo requerido
acerca da prova trazida aos autos, em meio do julgamento do
recebimento ou não da denúncia. O elemento de prova da
narrativa acusatória possui capacidade de influenciar na decisão
do colegiado e, por conseguinte -- perdoe-se a obviedade -- deve
ter conhecimento prévio para ver oportunizado seu direito de
defesa, no prazo legal.
RITO LACUNOSO E INDEFINIDO
8. Além da ausência de documentos e provas que
respaldem a instauração deste processo administrativo, é
relevante enfatizar que não está devidamente esclarecido qual o
rito que será adotado neste processo administrativo. A
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu artigo 146, e
17
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

o Regimento Interno da ALERJ, em seu artigo 211,


estabelecem que, em caso de crime de responsabilidade do
governador do estado, as regras procedimentais deverão
observar o disposto na lei federal em vigor, ou seja, a Lei n°
1.079/1950. Isso porque, a vetusta Lei n° 1.079/1950 é lacunosa
e incompleta a esse respeito.
9. Caberia, então, a essa e. Assembleia esclarecer,
minimamente, quais serão os procedimentos que serão
adotados e os prazos estabelecidos. O requerido pretende
indicar testemunhas a serem ouvidas. Em que momento lhe será
assegurado o direito de produzir essa prova? Será adotado o rito
previsto no Código de Processo Penal, aplicável ao caso de
forma subsidiária, diante da ausência de rito delimitado para este
processo na legislação federal? Esses aspectos, passe o
truísmo, precisam ser esclarecidos antes que o requerido
apresente “às cegas” a sua defesa.
10. Definir o rito é definir o texto da lei do processo. Sem
isso, nenhum passo pode ser dado. Se, não obstante, o
procedimento seguir mesmo assim, ele seguiria, então, por
caminho próprio, insuflado, quiçá, por ventos políticos, quiçá, por
ventos do arbítrio, mas não pela bitola da lei; seguiria, enfim, no
escuro, e não sob a luz da lei. Tudo não passaria, então, de um
simulacro de processo, travestido em mera formalidade externa,
marcada por uma sequência ad hoc de atos para se chegar, por
derradeiro, ao fim já traçado.
11. Mas Direito não é fim, ainda mais quando se trata de
direito punitivo; Direito é meio; se o meio não é legal, o fim, seja
ele qual for, é ilícito. Direito, lembrava Scalia, é essencialmente
forma; ela é que legitima o conteúdo; os meios é que legitimam
os fins. Essa é a essência do devido processo legal (CF, art. 5º,
LIV). Essa é a essência do contraditório e da ampla defesa (CF,
art. 5º). E devido processo legal, contraditório e ampla defesa
integram o núcleo duro do Estado Democrático de Direito (CF,
art. lº, caput).
12. Definir o rito, portanto, é definir o texto; e definir o texto,
é definir, de antemão, qual a lei aplicável. Afinal, seguir o rito, é
seguir o texto; e ser fiel ao texto, é ser fiel à lei. No caso, faltam
essas definições elementares. Nada é certo: nem o rito, e, por
conseguinte, o caminho, e, por conseguinte, os passos a serem
dados. A única definição que parece previamente arquitetada diz
com o fim a ser alcançado. O procedimento não pode seguir
assim; que não seja perpetrada tamanha violência em pleno
século XXI. Esse é o pleito do requerente.
SUSPENSÃO IMPOSITIVA
13. Conquanto o acusado e seus patronos reconheçam a
soberania do Parlamento, conforme proclamaram John Locke e
Montesquieu, nesse momento, é fundamental a suspensão do
processo enquanto não for juntado aos autos os documentos
que comprovam os fatos descritos na denúncia e até que o rito
processual seja informado, porque o processo de impedimento
decorre da prática de atos vinculados à legislação
procedimental, sem que haja qualquer espaço para o “ativismo
parlamentar”.
14. Portanto, ao determinar a observância da Lei n°
1.079/50 e do Código de Processo Penal, o Constituinte
Estadual visou a assegurar um rito processual capaz de
observar o respeito ao sufrágio e a segurança das relações
18
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

jurídicas, porque, de toda evidência, um processo de


impedimento do mais alto magistrado do Poder Executivo sem a
observância das regras do devido processo legal causa dano
irreparável ao direitos subjetivos do acusado e é
institucionalmente uma ruptura insanável da estabilidade
democrática.
15. Os Processos Administrativos n° 5360/2020 e
5328/2020 possuem apenas a descrição de suposições
constantes em medida cautelar de produção de provas, mas não
há qualquer elemento capaz de justificar e sustentar acusação
com base em meras ilações, ainda que oriundas do Ministério
Público Federal. Ora, não é possível a apresentação da uma
defesa técnica quando a peça de acusação está despida dos
mínimos elementos fáticos e jurídicos. A defesa, se ofertada,
seria inepta por deficiência dos elementos mínimos que devem
instruir uma acusação. Pretende o requerente com esta peça
preliminar de resistência afastar futuro vício insanável de
nulidade em atenção a boa-fé nas relações processuais.
16. A ausência da documentação para fundamentar o
suporte probatório da denúncia impede o exercício da ampla
defesa e do contraditório. O suporte probatório mínimo que, se
exige para lastrear de forma prévia a propositura da acusação
penal tem previsão nos artigos 12; 39, §5°, e 46, §1°; do Código
de Processo Penal. Neste sentido, não seria razoável permitir o
prosseguimento dos processos 5328/2020 e 5360/2020,
enquanto os documentos de suporte a peça acusatória não
forem acostados aos autos.
17. O requerente, em síntese pretende apresentar sua
defesa em um procedimento que observe o devido processo
legal, enquanto corolário da legalidade. No entanto, a ausência
de definição: adequada do rito a ser seguido e falta de
documentação comprobatória ou sua juntada após a
apresentação da defesa e esgotamento do prazo anunciado pela
ALERJ, impedirá o regular prosseguimento deste processo.
18. Assim, pelo exposto, diante da necessidade de
Assegurar a Rigidez do processo, que poderá ensejar
gravíssima sanção, requer a imediata suspensão deste
processo administrativo, até que sejam sanados os graves vícios
acima descritos, capazes de ensejar a nulidade de novos atos
que venham a ser praticados.”

Feitas as exposições citadas acima, a defesa finaliza, requerendo: a) que sejam


sobrestados os Processos Administrativos n° 5360/2020 e nº 5528/2020, até que a
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro informe o rito a ser adotado para
julgamento dos referidos processos; b) que não seja fixado ou, caso já fixado, que
seja imediatamente suspenso o prazo para que o denunciado apresente a sua Defesa
nos autos dos Processos Administrativos n° 5328/2020 e nº 5360/2020 perante a
Comissão Especial do Impeachment, enquanto não forem acostados aos autos os
documentos já solicitados pelo relator da Comissão, em sessão realizada no dia
19
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

18/06/2020, a fim de evitar coação ilegal, na forma do art. 648, inciso I, do Código de
Processo Penal, e de preservar a higidez e a legalidade do processo.

V – DA DELIBERAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL SOBRE O PEDIDO DE


SUSPENSÃO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DA DEFESA PELO
DENUNCIADO

Em sua primeira reunião ordinária, após a sessão de instalação, realizada na


data de 24 de junho de 2020, com o objetivo de decidir sobre o pedido apresentado
pelo denunciado, a Comissão Especial de Impeachment deliberou pela suspensão do
prazo para apresentação da defesa escrita, até que fosse juntada a íntegra dos autos
do Inquérito nº 1.338-DF solicitada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao Ministério
Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF). Tal decisão buscava assegurar o
direito à ampla defesa e ao contraditório, princípios basilares de nosso ordenamento
jurídico.

Ocorre que, no dia 02 de julho de 2020, o Ilmo. Sr. Procurador da Assembleia


Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Rodrigo Lopes Lourenço, emitiu parecer
favorável à retomada da contagem do prazo para apresentação da defesa pelo
acusado, prazo este que se encontrava suspenso. Passo a citar os termos do referido
parecer:

“Excelentíssimo Senhor Presidente da Comissão Especial,


Por determinação de Vossa Excelência, acostada às fls. 259
destes autos n° 5.328/2020, manifesta-se a Procuradoria-geral
"sobre a possibilidade da retomada do prazo ora suspenso" e,
em caso positivo, sobre procedimentos a serem adotados por
esta Comissão”.
Inicialmente, refiro-me ao Parecer acostado às fls. 252/255
destes autos n° 5.328/2020, por meio do qual logrei manifestar-
se sobre o ônus probatório marcantemente reduzido dessa
Egrégia Comissão e sobre - nos termos do Dispositivo do
venerando Acórdão decorrente do julgamento, pelo Egrégio
Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal, do mérito da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 378-
DF - a questão de as diligências e atividades no âmbito dessa
Egrégia Comissão Especial não se destinarem a provar a
procedência ou improcedência da acusação, mas apenas a
esclarecer a Denúncia.

20
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A Denúncia mencionou um processo administrativo específico,


afirmando que o Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do
Estado nele proferida Decisão pessoalmente e que está fora
publicada no Diário Oficial do Poder Executivo. Tais
documentos, em decorrência de louvável esforço dessa Egrégia
Comissão, agora instruem o processo n° 5.328/2020.
Especificamente quanto à menção ao PBAC n° 27-DF, ora em
processamento perante a Egrégia Corte Especial do Colendo
Superior Tribunal de Justiça, é pública a erudita, enfática e
detalhadíssima Peça por meio da qual o Excelentíssimo Senhor
Doutor Governador do Estado prestou esclarecimentos ao
Egrégia Tribunal da Cidadania. A Peça, de lavra de consagrados
Escritórios de Advocacia, demonstra, a mais não poder, que o
Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado teve pleno
acesso ao supramencionado PBAC n° 27-DF. De qualquer
forma, anexo-a a este Parecer.
Considerando que esta Comissão Especial instruiu a Denúncia
com os documentos necessários a esclarecê-la, opino pelo
prosseguimento deste processo por crime de responsabilidade.
Aprovado tal prosseguimento, devem ser intimados de tal
Decisão os eminentíssimos Advogados do Excelentíssimo
Senhor Governador do Estado, cujos nomes e inscrições em
Seção da Ordem dos Advogados do Brasil estejam indicados.
Ressalto que a publicação da Intimação no Diário Oficial do
Poder Legislativo deve conter, com extremíssimo cuidado
quanto à grafia dos nomes e à precisão dos números e seus
algarismos: a) o número deste processo por crime de
responsabilidade; b) o nome completo do Excelentíssimo
Senhor Doutor Governador do Estado; c) os nomes completos
de seus insignes Advogados indicados na Procuração, cada
qual ladeado pelo número de suas inscrições em Seção da
Ordem dos Advogados do Brasil, indicando-se, sempre a
abreviatura "OAB/RJ n°"; d) o inteiro teor da respeitável Decisão
que eventualmente seja proferida em decorrência de sessão
dessa Egrégia Comissão." (grifos originais)

Em face do citado parecer, a Comissão Especial de Impeachment, em sua


segunda reunião ordinária, realizada na data de 06 de julho de 2020, deliberou pela
reabertura da contagem do prazo para apresentação da defesa por parte do
denunciado. Em sequência, no dia 08 de julho de 2020, o denunciado foi intimado, por
meio de seu representante legal à época, Dr. Manoel Messias Peixinho, sobre a
reabertura da contagem do prazo para apresentação de defesa à Comissão Especial
do Impeachment da ALERJ.

21
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

VI – DA IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA NO TRIBUNAL DE


JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PELO DENUNCIADO

Diante do recebimento da intimação, informando sobre a reabertura da


contagem do prazo de 10 (dez) sessões para apresentação de defesa escrita à
Comissão Especial de Impeachment, o denunciado impetrou Mandado de Segurança
no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no dia 13 de julho de 2020, nos
termos abaixo reproduzidos:

“(...)
ANTECEDENTES RELEVANTES:
CINCO EVIDENTES ILEGALIDADES COMETIDAS ATÉ O
MOMENTO
• Síntese das 2 (duas) denúncias recebidas pela ALERJ até o
deferimento de suspensão dos 2 (dois) processos
administrativos instaurados contra o impetrante:
1. Em 27.5.2020, como já amplamente divulgado pela
mídia, o Exmo. Deputado Estadual Sr. Luiz Paulo Correa da
Rocha e a Exma. Deputada Estadual Sra. Lúcia Helena Pinto de
Barros ofereceram denúncias perante a ALERJ contra o
impetrante (doc. 2). A primeira, foi distribuída sob o no
5.328/2020, e a segunda, apensada à primeira, sob o no
5.360/2020, ambas com fundamento nos art. 4º, V, 9º, VII, 74 a
79, da Lei nº 1.079/1.950.
2. A imputação, basicamente, para embasar os alegados crimes
de responsabilidade, seriam atos de improbidade, tema cuja
competência legislativa, exclusiva, tanto no conteúdo, quanto na
forma e no procedimento, é da União Federal. É o que já restou
assentado na súmula vinculante 46 do STF. Não se trata, pois,
aqui, de matéria interna corporis. E esse aspecto, que desde já
se destaca, é relevante para a compreensão do caso, na medida
em que a ALERJ pretende dar prosseguimento a processo de
impedimento, em manifesto descompasso com parâmetros já
definidos pelo STF ao interpretar, em sede de controle
concentrado e, pois, com caráter vinculante (CF, 102, parágrafo
2º), a Lei nº 1.079/50.
3. Também já foi amplamente divulgado que esses 2 (dois)
processos ficaram com prazo de defesa suspenso até o dia
3.7.2020, sexta-feira (doc. 2). Isso porque, no dia 23.6.2020,
quarta-feira, a ALERJ deferiu o pedido de suspensão formulado
pelo impetrante, deduzido com base em 2 (dois) relevantes
motivos: (i) a ALERJ deveria informar o rito processual a ser
adotado para julgamento dos Processos Administrativos de nos
5328/2020 (principal) e 5360/2020 (apenso); e (ii) deveriam ser
acostados aos autos os documentos que motivaram as
denúncias. A ausência de documentos decorreu do seguinte
circunstancia: os denunciantes só anexaram ao feito
administrativo a decisão proferida pelo eminente Ministro
Benedito Gonçalves do e. Superior Tribunal de Justiça, no
âmbito de medida cautelar, cujo objeto consistiu na coleta de
provas sobre eventuais práticas de atos ilícitos, bem como
notícias veiculadas na mídia sobre o tema.
22
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

4. Sobre o tema “ii”, acima, é relevante salientar que foi deferido


pela ALERJ o requerimento formulado pelo impetrante. Em
sessão realizada no dia 18.6.2020, o eminente relator da
Comissão Especial, para evitar coação ilegal (CPP, art. 648, I) e
preservar a higidez e a legalidade do processo de Impeachment,
solicitou ao STJ cópias da documentação relativa à medida
cautelar de produção antecipada de provas.
5. O eminente Ministro Benedito Gonçalves, no entanto,
indeferiu o compartilhamento de cópias daquele feito com a
ALERJ, conforme decisão anexa (doc. 2). Mesmo assim, a
ALERJ, sem elementos mínimos, decidiu, no dia 6.7.2020,
prosseguir com as denúncias. São denúncias, portanto, no
escuro, à míngua de provas, sem lastro documental mínimo,
escoradas, apenas, em decisão que deferiu colheita de
provas sobre meras investigações e, ainda, em notícias de
jornal. Como, então, deputados, representantes do povo,
poderiam ter deliberado sobre a continuidade do mandato
do chefe do Executivo estadual, de acordo com o devido
processo legal, sem provas mínimas nas quais pudessem
se louvar? Com base em que? Como puderam justificar
cada voto? Em meras idiossincrasias políticas?
6. Já sobre o tema “i”, o impetrante se surpreendeu, ao pesquisar
os Diários Oficiais do Estado do Rio de Janeiro. Ao assim
proceder, ele constatou que a ALERJ já teria definido o rito
processual (ou seja, de prosseguimento das denúncias) aos 2
(dois) mencionados processos administrativos. Descobriu,
nessa linha, que alguns atos desse rito processual já teriam sido
praticados, mas de forma totalmente ilegal.
b) Atos ilegais objeto deste mandado de segurança – Comissão Especial de Impeachment
instituída sem votação (nem sequer fechada...), possui 25 membros da ALERJ (ao invés de
18), não respeitou a proporcionalidade (por partido) e tampouco exarou o necessário parecer
inicial das denúncias:
7. Em decisão do dia 10.6.2020, publicada em 15.6.2020,
o Exmo. Deputado Estadual Presidente da ALERJ, Sr. André
Luiz Ceciliano, mesmo à míngua da indispensável
documentação de suporte, deferiu o prosseguimento das
denúncias. E assim o fez, após submetê-las à apreciação do
colegiado, como se infere da referida publicação (doc. 3), nos
seguintes termos:
“Eu, André Luiz Ceciliano, baseado no parecer técnico da douta
Procuradoria, dou prosseguimento à denúncia por crime de
responsabilidade no Processo 5328/2020 do Excelentíssimo Sr.
Governador.
Como manifestei no início, vamos dar todo direito à ampla
defesa ao Governador. Temos certeza de que, de onde vem,
como juiz, terá também a possibilidade de esclarecer os fatos
nos quais está baseado o pedido de Impeachment no Processo
5328/2020. Declaro que dou prosseguimento ao processo de
Impeachment.
Nós vamos publicar o ato, abrir prazo para que cada partido
indique um representante para a comissão e, depois, essa
comissão terá 48 horas para eleger o presidente e o relator.
Rogo aos líderes que façam as indicações. O prazo vai contar a
partir de segunda-feira. Não indicando, a Presidência indicará o
representante do partido nessa comissão.
Volto a dizer que não há qualquer pré-julgamento aqui; não
estamos fazendo qualquer juízo de valor, mas estamos dando

23
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

prosseguimento ao procedimento de apuração de crime de


responsabilidade, no qual vamos garantir, como sempre
fazemos, até o presente momento, todo direito à ampla defesa
do Sr. Governador.”
8. No mesmo dia, com publicação oficial em 15.6.2020, o
Exmo. Sr. Presidente da ALERJ editou o Ato 41/2020, por meio
do qual definiu o rito processual (doc. 4), nos seguintes termos:
“Atos do Presidente
ATO/E/GP/N° 41/2020
Dá cumprimento, nos termos da Súmula Vinculante n° 46, à
Legislação federal sobre crime de responsabilidade.
O Presidente da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e em estrito
cumprimento à Súmula Vinculante n° 46 e às normas da Lei
federal n° 1.079/1950, RESOLVE:
Art. 1° Abrir o prazo de quarenta e oito horas a cada um dos
Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada
qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir
Parecer sobre a Denúncia por crime de responsabilidade contra
o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada
no processo ALERJ n° 5.328/2020.
Parágrafo único - Esgotado o prazo sem indicação de Liderança,
o Presidente da Assembleia Legislativa fará as indicações
necessárias, sempre respeitando, tanto quanto possível, a
proporcionalidade partidária.
Art. 2° Determinar a citação do Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado para, querendo, defender-se, no prazo
de dez sessões, perante a Comissão Especial dos fatos
articulados na Denúncia.
Parágrafo único A citação deverá ser acompanhada do inteiro
teor do processo ALERJ n° 5.328/2020 e eventuais apensos.
Art. 3° Depois que os Membros forem indicados, a Comissão
Especial terá quarenta e oito horas para reunir-se, elegendo seu
Presidente e seu Relator.
Art. 4° A Comissão Especial terá cinco sessões para emitir
Parecer sobre a admissibilidade ou não da Denúncia, contadas
do oferecimento da Defesa do Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado ou do término do prazo mencionado no
caput do art. 2°.
Art. 5° O Parecer será lido em Plenário da Assembleia
Legislativa e publicado no Diário Oficial, sendo imediatamente
inserido na Ordem do Dia.
Art. 6° Os Excelentíssimos Senhores Deputados, no limite
máximo de cinco por Partido, poderão discutir o Parecer por uma
hora, ressalvado ao Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da
Comissão Especial o direito de responder a cada um.
Art. 7° Encerrada a discussão do Parecer, e submetido à
votação nominal, será a Denúncia, com os documentos que a
instruam, arquivada, se não for considerada objeto de
deliberação ou recebida, hipótese em que, publicado o
resultado, comunicar-se-á o Excelentíssimo Senhor
Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça para
a composição do Tribunal previsto no art. 78, § 3°, da Lei federal
n° 1.079/1950.
Art. 8° A Denúncia será arquivada se não for recebida até o final
do mandato do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado.

24
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Art. 9° Este Ato Executivo entra em vigor na data de sua


publicação.
Palácio Tiradentes, 10 de junho de 2020
Deputado ANDRÉ CECILIANO, Presidente
Em 10.06.2020.” (doc. 4)
9. Em cumprimento ao referido ato, foi instalada, sem votação,
a Comissão Especial de Impeachment, no dia 18.6.2020 (doc.
5), que processará as denúncias nesta fase para, ao fim, após
votação, elas serem ou não recebidas. Só com o seu
recebimento é que o impetrante será afastado de suas
atribuições (Lei nº 1.079/1.950, art. 77), bem como uma nova
turma julgadora será formada para processar e julgar o processo
de Impeachment.
10. É exatamente com base na formação dessa atual Comissão
Especial de Impeachment que o impetrante deduz, aqui, neste
writ, 4 (quatro) evidentes ilegalidades praticadas pelas
autoridades coatoras. E o impetrante ressalta, ainda, uma quinta
ilegalidade, decorrente de ato omissivo (ou seja, não praticado)
pela referida comissão.
MANIFESTO CABIMENTO DESTA AÇÃO CONSTITUCIONAL
11. Louvado nessas cinco violações é que exsurge o cabimento
deste mandando de segurança. O direito líquido e certo do
impetrante, como será demonstrado ao longo desta petição
inicial, fundamenta-se nas seguintes normas do sistema
jurídico brasileiro: CF/88, arts. 1º, caput e parágrafo único, 5º,
LIV e LV, 22, I, 37, caput, 58, §1º, 85, parágrafo único, 93, X,
102, § 2º, e 103-A, CE/RJ, arts. 96, parágrafo único, e 109,
Súmula Vinculante 46, Lei nº 1.079/1.950, arts. 16, 76 a 79, art.
41 e 268, I e VI, do CPP, Regimento Interno da ALERJ, arts. 23,
29, e Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de
Roraima, arts. 280-A, parágrafo único, e 280-C, caput e §1°.
12. Essas regras já possuem interpretação atualizada pelo STF,
o que se deu no julgamento da ADPF 378-MC/DF e da ADI
5.895/RR. Concluiu-se, ali, que “compete apenas à União (art.
22, I, c/c art. 85, parágrafo único, da CF) legislar sobre a
definição de crimes de responsabilidade e sobre o processo e
julgamento desses ilícitos” (STF, ADI 5895/RR, Pleno, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, j. 27.9.2019; grifou-se).
13. O que se pretende, pois, neste mandado de segurança, é
garantir um arremedo, ao menos, de contraditório, de ampla
defesa e de publicidade, com um mínimo formal de liturgia,
própria da cláusula do devido processo legal, a esse
inescrupuloso teatro de poder cujo desfecho já parece estar
encomendado e previamente acertado. Direito, afinal, é forma.
Sua moralidade é formal. E é isso que garante, no final do
dia, prerrogativas fundamentais do indivíduo. No caso,
pretende-se atropelar todas elas, com a encenação de um
simulacro mal ajambrado de procedimento.
14. Daí a razão de ser deste mandado de segurança. E o
impetrante confia em que será concedida a segurança, inclusive
em sede de tutela de urgência, para impedir o prosseguimento
do Processo Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e do
Processo Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em
trâmite perante a ALERJ. Ao fim, confia em que os pedidos de
urgência serão confirmados, com anulação de todos atos
praticados pela ALERJ (anulação integral ou ao menos desde o
Ato 41/2020), com respeito à CF/88, à Súmula Vinculante 46, à

25
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Lei nº 1.079/1.950, já com a atualizadora interpretação do STF


ao julgar a ADPF 378-MC/DF e a ADI 5.895/RR.
15. Com base nessas pretensões, a ALERJ e sua Mesa Diretora
representam e presentam a instituição. Essa é a adequada
interpretação dos arts. 17 e 18 do Regimento Interno da ALERJ.
16. Já o Exmo. Sr. Deputado Estadual Presidente da ALERJ (Sr.
André Luiz Ceciliano) é parte legítima para figurar no polo
passivo do mandado de segurança. Isso porque, nos termos do
art. 19 do Regimento Interno da ALERJ, o seu Presidente a
representa e ainda é a autoridade responsável por supervisionar
os trabalhos ali praticados. É de sua competência nomear
comissões especiais (RI ALERJ, art. 20, ‘j’) e fazer cumprir o
Regimento (RI ALERJ, art. 20, ‘l’).
17. Já com relação ao Exmo. Sr. Deputado Estadual Presidente
da Comissão Especial de Impeachment (Sr. Chico Machado) e
ao Exmo. Sr. Deputado Estadual Relator da Comissão Especial
de Impeachment (Sr. Rodrigo Bacelar), são igualmente partes
legítimas para figurar neste mandado de segurança como
autoridades coatoras. Isso porque, na forma do art. 37, VI, do RI
da ALERJ, ao Presidente das comissões incumbe distribuir ao
Relator as matérias sujeitas a parecer, sendo certo que, na falta
deste, caberá ao Presidente avocar a matéria distribuída e emitir
parecer em seu lugar.
18. Destaca-se, ainda, que, na forma do art. 3°, I, ‘e’, do
Regimento Interno desse e. Tribunal de Justiça, compete ao
Órgão Especial processar e julgar, originalmente, “os mandados
de segurança e habeas data, quando impetrados contra atos do
Governador, da Assembleia Legislativa, sua Mesa e seu
Presidente (...)”. E essa é a hipótese aqui.
19. A hipótese não poderia ser outra, já que o Tribunal de Justiça
incorporou ao seu Regimento Interno a previsão expressa
constante no artigo 161, IV, “3” da Constituição do Estado do Rio
de Janeiro, que dispõe o seguinte:
Art. 161. Compete ao Tribunal de Justiça:
[...]
IV - processar e julgar originariamente:
[...]
e) mandado de segurança e o habeas data contra atos:
1. do Governador;
2. do próprio Tribunal;
3. da Mesa Diretora e do Presidente da Assembleia Legislativa;
20. Esse e. Tribunal de Justiça, inclusive, possui jurisprudência
firmada sobre o assunto, ao já ter reconhecido, nos autos do
mandado de segurança n° 0077095-43.2019.0000, ser “da
competência do Órgão Especial processar e julgar mandado de
segurança impetrado em face de ato do Sr. Presidente da
Assembleia Legislativa”. Confira-se:
“Mandado de Segurança. Competência do Órgão Especial. 1. É
da competência do Órgão Especial processar e julgar
originariamente mandado de segurança impetrado em face de
ato do Sr. Presidente da Assembleia Legislativa. 2. Incidência do
art. 3º., I, “e” do Regimento Interno desta Corte. 3. Declínio de
competência em favor do Órgão Especial desta Corte.” (TJRJ,
15ª Câmara Cível, MS n° 0077095-43.2019.8.19.0000, Rel. Des.
Horácio dos Santos Ribeiro Neto, j. 28.11.19; grifou-se)
21. É inquestionável, portanto, o cabimento do presente
mandado de segurança, o qual possui autoridades coatoras

26
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

adequadamente indicadas, e a competência desse E. Órgão


Especial para apreciá-lo e julgá-lo.
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR
SOBRE CRIME DE RESPONSABILIDADE E SOBRE
PROCESSO/JULGAMENTO DESSE ILÍCITO INTERNA
CORPORIS, MODUS IN REBUS
22. Este mandado de segurança volta-se contra atos praticados
no Processo Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e no
Processo Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em
trâmite perante a ALERJ. Denúncias, como já exposto,
deduzidas com base em alegados atos de improbidade. Mais
precisamente, os crimes de responsabilidade imputados são os
tipificados nos arts. 4º, V, 9º, VII, da Lei nº 1.079/1.950 2. Já o
procedimento é delineado pelos arts. 74 a 79 da mesma lei
federal.
23. Note-se que os próprios denunciantes reconhecem que
os crimes imputados ao impetrante, assim como o rito
processual aplicável ao caso, são regulados pela Lei nº
1.079/1.50. Nem seria diferente, porque assim preveem os arts.
22, I, e 85, parágrafo único, da CF/88, in verbis:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente
da República que atentem contra a Constituição Federal e,
especialmente, contra: (...)
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial,
que estabelecerá as normas de processo e julgamento.”
24. Para afastar qualquer dúvida, há, igualmente, súmula
vinculante sobre a questão. Confira-se o inteiro teor da Súmula
Vinculante 46, publicada no dia 17.4.2015:
“A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são de
competência legislativa privativa da União.”
25. Essas noções básicas e intransponíveis, embora de
obviedade ululante, são essenciais para se acolher a pretensão
do impetrante. Isso porque, como se sabe, a Lei nº 1.079/1.950,
que foi elaborada luz da CF/46, está ultrapassada em vários
aspectos. Por conta disso, a CF/88 não a recepcionou
integralmente, tal como decidido pelo STF ao julga a ADPF 378-
MC/DF4.
26. Nessa linha, o STF já teve ao menos 2 (duas) recentes e
modelares oportunidades para se debruçar sobre o tema. E ao
proceder dessa forma, o que o STF fez foi delimitar os
contornos constitucionais adequados da Lei nº 1.079/1.950
à luz da CF/88, tanto para presidente, quando para
governadores. Ali, enfim, a e. Corte Suprema validou e
definiu as liturgias aplicáveis.
27. O primeiro caso mais recente se refere ao julgamento da
ADPF 378-MC/DF, no qual se discutiu várias questões
referentes ao Impeachment da Exma. ex-Presidente do Brasil,
Sra. Dilma Rousseff. Nessa ocasião, o Tribunal Pleno do STF,
por maioria, sob a relatoria designada para acórdão do Exmo.
Min. Luís Roberto Barroso, no dia 17.12.2015, definiu as bases
do rito de Impeachment a ser adotado perante o Congresso
Nacional, notadamente à luz do Impeachment do Exmo. Ex-
Presidente do Brasil, Sr. Fernando Collor de Mello. Algumas

27
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

dessas questões foram ainda mais bem solidificadas ao julgar,


no dia 16.3.2016, os embargos de declaração opostos contra
esse acórdão.
28. Não obstante se trate de julgamento que definiu o rito de
Impeachment perante o Congresso Nacional, várias questões se
aplicam, por analogia, a todos os Impeachments de membros do
Poder Executivo do Brasil. Isso porque, como já dito, compete à
União legislar sobre o tema.
29. O segundo caso recente se refere ao julgamento da ADI
5.835/RR, no qual se discutiu várias questões referentes ao
Impeachment da Exma. ex-Governadora do Estado de Roraima,
Sra. Suely Campos. Nessa ocasião, o Tribunal Pleno do STF,
por unanimidade, sob a relatoria do Exmo. Min. Alexandre de
Moraes, no dia 27.9.2019, definiu as bases do rito de
Impeachment a ser adotado perante as Assembleias
Legislativas dos Estados do Brasil. E o que o STF decidiu,
nessa ocasião, basicamente, é que esse rito deve ser aquele
definido no atual Regimento Interno da Assembleia
Legislativa do Estado de Roraima, porque restou elaborado
adequadamente, de forma exaustiva, à luz da CF/88, da
Súmula Vinculante 46 e da Lei nº 1.079/1.950.
30. O objeto dessa ADI 5895/RR foi, basicamente, a impugnação
das disposições dos art. 280 e 280-A a 280-H do Regimento
Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, que
tratam das normas de processo e julgamento dos crimes de
responsabilidade. No seu julgamento, o e. Ministro Alexandre de
Moraes entendeu pela constitucionalidade dos mencionados
dispositivos, e assinalou ser “salutar a iniciativa da Casa
Parlamentar em explicitar o procedimento definido pela
legislação federal de regência em seu Regimento Interno, seja
para fins de organização administrativa ou mesmo para
antecipar com clareza a todos os órgãos e autoridades
envolvidos o itinerário procedimental a ser percorrido, desde que
observando o previsto pela União”. Naquele julgamento,
destacou-se, ainda, que “as normas regimentais impugnadas
espelham fiel e materialmente o figurino descrito acima,
respeitando ainda o que foi decidido pelo SUPREMO na ADPF
378 MC (Rel. Min. EDSON FACHIN, Relator p/ Acórdão Min.
ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, DJ de 7/3/2016)”.
31. Reconheceu-se, pois, ali não só a regularidade
formal do procedimento previsto no Regimento Interno da
Assembleia Legislativa de Roraima, mas a sua absoluta
adequação ao decidido no julgamento da ADPF 378. Ou
seja, reconheceu-se, ali, seu caráter modular,
paradigmático, a orientar a compreensão da matéria, no que
tange ao rito do processo de impedimento a ser adotado
para governadores. Não há outro precedente do STF, referente
ao rito de Impeachment de Governador, depois do julgamento
da ADI 5895/RR. E nem mesmo seria razoável que o STF
definisse para cada 1 dos 27 Estados da Federação (26 + DF)
qual deveria ser o procedimento, já que, repita-se, ele já fez
isso no caso de Roraima.
32. Até porque, o julgamento se deu em sede de controle
concentrado, por acórdão já transitado em julgado. Uma
decisão, portanto, ex vi do art. 102, § 2º, da CF/88, dotada de
eficácia vinculante para todo o Poder Público. Afinal, o que
vincula, num regime de precedente vinculante, a ratio

28
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

decidendi do julgado, e não o seu dispositivo. Este, como é


elementar, diz com a coisa julgada, com eficácia inter partes.
Mas a razão de decidir do julgado paradigmático, esta, sim, se
aplica a todos os casos análogos. E é essa a hipótese aqui. A
ALERJ, na condução do Impeachment do impetrante,
destoou de várias normas de procedimento já abonadas e
chanceladas pela Suprema Corte, em releitura atualizadora
da Lei 1.079/50 e à luz da Súmula vinculante 46.
33. De fato, em ambos os casos se definiu, especificamente, que
o rito do processo de Impeachment de membros do Poder
Executivo deve respeitar a CF/88, a Súmula Vinculante 46, a Lei
nº 1.079/1.950 e, só no que couber, residualmente, o Regimento
Interno das respectivas Casas Legislativas (modus in rebus). É
exatamente esse o motivo pelo qual o impetrante demonstrará
que, no caso, a ALERJ descumpriu essas regras, à luz das
delimitações feitas pelo STF ao julgar a ADPF 378-MC/DF e
a ADI 5.895/RR.
34. Contudo, os posicionamentos alhures não são novidades na
Corte nem surgem do casuísmo desses procedimentos. A
tormentosa questão acerca da competência para a definição do
processo de Impeachment de governadores já havia sido
enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI
n.º 1.628-8, leading case que teve por relator o Min. Nelson
Jobim (na medida cautelar; e o Min. Eros Grau, no julgamento
definitivo).
35. Nesse julgado, assentou-se que essa competência
seria da União; não dos Estados. De fato, ali ficou registrado
que o art. 85 da CRFB/88, ao estabelecer que os crimes de
responsabilidade “serão definidos em lei especial, que
estabelecerá as normas de processo e julgamento”, apenas
reproduziu o que já continham as Constituições de 1969,
1967 e 1946, razão pela qual não apenas “a definição dos
crimes de responsabilidade, mas também o
estabelecimento de normas de processo e julgamento, é da
competência da União Federal” (voto do relator, p. 104).
36. Não há, nesse contexto, espaço para a teoria dos atos
interna corporis. Interna corporis, com efeito, modus in rebus. As
imputações de impedimento derivam, alegadamente, de atos de
improbidade. E improbidade é tema de normativa federal, no
conteúdo e na forma; na substância e no procedimento.
Isso já está assentado em súmula vinculante. Isso já foi
escrutinizado pelo e. Supremo Tribunal Federal em julgamento
abstrato, também com eficácia vertical para todo o Poder
Público. Consequentemente, o que escapa ao que ali foi
decidido, foge ao direito, e é nulo.
37. Os arts. 211 e 212 do Regimento Interno da ALERJ5 apenas
apontam previsão quanto ao rito de impedimento de
Governador, “às disposições da lei federal em vigor”. Atestam,
pois, que, no caso, a edição de suposto “rito” por meio de ato
administrativo-normativo do Exmo. Presidente da ALERJ, ora
uma das autoridades impetradas, mostra-se inválida e denota
dúplice mácula jurídica: inconteste inconstitucionalidade e
evidente ilegalidade, além de ferir a súmula vinculante nº 46 do
STF, bem como mácula à jurisprudência quanto ao caso firmada
pela Corte Suprema. Afinal, “o fato de ser o Impeachment
processo político não significa que ele deva ou possa marchar à
margem da lei”.

29
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

38. Não se aplica, aqui, a exceção do legislador, porque


também, numa República, o Poder Legislativo é limitado, como
há tempos adequadamente entende o STF 7. Afinal, “as leis,
também elas, devem possuir seus limites (...)”, como há tempos
assertivamente ressaltava Benjamin Constant 8. A democracia, já
dizia Roscoe Pound9, “não permite que seus agentes disponham
de poder absoluto”. Até porque, como também destacava
Jacques Chevallier10, o “objetivo do Estado de Direito é limitar o
poder do Estado pelo Direito”.
39. Nessa linha, como arremate, na nossa República, o Poder
Legislativo Estadual não tem competência para editar normas,
materiais ou processuais, sobre improbidade. Só o Poder
Legislativo Federal, e ele já o fez, na Lei 1.079/50. E o STF já
fixou, em exegese atualizada e conforme à CF de 1988, a
interpretação desse diploma, em dois precedentes vinculantes –
tanto para presidente, quanto para governadores. Admitir, então,
que as assembleias estaduais não estivessem vinculadas a eles,
e às razões de decidir ali estabelecidas – não, portanto, ao
regimento de outras assembleias estaduais, mas aos dois
acórdãos do STF -, implicaria admitir que elas poderiam dispor
sobre tema a respeito do qual não podem legislar. A
incongruência seria manifesta, o sistema entraria em curto
circuito, e não faria sentido algum. Por isso, em boa hora, foi
editada a Súmula Vinculante n. 46, que obriga a todo Poder
Público, inclusive ao Poder Legislativo. Essa é a hipótese aqui.
40. Assim, os acórdãos do STF são precedentes
constitucionalmente vinculantes (CF/88, art. 102, § 2º). Já a
referida súmula vinculante possui igual vinculação à ALERJ
(CF/88, art. 103-A). Mas, no caso, como dito, a ratio decidendi
desses precedentes (que, por óbvio, é o que possui
vinculação erga omnes) foi substancialmente descumprida,
como a seguir será detalhado.
DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE
PRIMEIRO MOTIVO:
PURA ENCENAÇÃO + CARTA MARCADA =
NULIDADE ABSOLUTA DO PROCESSO POR FALTA DE
PROVAS E MOTIVAÇÃO
41. No dia 10.6.2020, à luz das 2 (duas) denúncias feitas com
base, 100%, em meras alegações (ou seja, sem
documentação mínima que poderia lastreá-las), a ALERJ
decidiu que, a despeito disso, deveria ser dado
prosseguimento aos processos administrativos contra o
impetrante. Após a decisão de prosseguimento das denúncias,
na sessão do dia 18.6.2020, a Comissão Especial de
Impeachment, que processará o pedido de afastamento do
impetrante, foi instaurada.
42. Também como comprovação do jogo de cartas marcadas
atrelado ao “efeito arrebanhador” do proposital “esquecimento”
da instrução documental da denúncia, foi a declaração do Sr.
Luís Paulo Correa em entrevista televisiva. Afirmou, ali, que
“quando você tem 69 (sessenta e nove) votos para abrir o
procedimento é o sinal que você tem ampla maioria para
aprovação.”
43. Logo após a eleição do parlamentar Presidente e do relator
da citada Comissão (ora também autoridades coatoras), o
Exmo. Deputado Estadual Luiz Paulo, um dos autores das
denúncias, confirmou/assumiu/confessou que não instruiu o

30
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

requerimento de instauração do processo administrativo com os


documentos necessários para comprovar os fatos narrados.
Tudo foi processado, portanto, desde a largada, de modo
banal, e por puro impulso político.
44. Tentou-se, em seguida, corrigir o passo em falso. Diante
do reconhecimento da ausência dos documentos, o Exmo.
Deputado Estadual Bacelar solicitou, em diligência, informações
e subsídios aos seguintes órgãos:
Procuradoria Geral da República, Superintendência da Polícia
Federal e Ministério Público do Rio de Janeiro, para ter acesso
ao inteiro teor do inquérito em trâmite no STJ.
45. Paralelamente, diante dessa evidente violação às garantias
do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal
(CF/88, art. 5º, LIV e LV), o impetrante requereu à ALERJ que
pelos menos ele pudesse ter acesso à íntegra dos documentos,
nos quais as denúncias se basearam. No dia 23.6.2020, a
ALERJ deferiu a suspensão dos processos administrativos
objeto deste mandado de segurança. E assim procedeu
exatamente por ter reconhecido que, de fato, votara pelo
prosseguimento de denúncias que não possuíam nenhum
suporte probatório.
46. Tanto é assim, que, dias depois, foi ao STJ postular o acesso
integral aos autos do inquérito civil no qual se investiga o
impetrante. Mas o STJ negou esse acesso, porque os autos
estão sob o manto do segredo de justiça. E o próprio
Ministério Público Federal, antes, ao emitir parecer, já havia
deixado claro que se trata de inquérito penal ainda em fase
substancialmente embrionária. Confiram-se,
respectivamente, trechos do parecer do MPF e da decisão
proferida pelo Ministro do STJ relator do IC 1.338/DF sobre a
petição apresentada pela ALERJ no dia 23.6.2020:
TRECHOS DO PARECER DO MPF EXARADO NO DIA
25.6.2020:
“(...) O INQ nº 1338/DF tem por escopo apurar possíveis delitos
praticados no âmbito da administração do Estado do Rio de
Janeiro. A existência de indícios envolvendo, em tese, o
Governador WILSON JOSÉ WITZEL ensejou o Pedido de Busca
e Apreensão nº 27/DF, medida que foi deferida pelo Exmo.
Ministro Relator e as diligências devidamente executadas em
26/5/2020, coletando-se diversos elementos de prova.
O material probatório amealhado ainda está sob análise da
Polícia Federal e poderá, em momento futuro, ensejar outras
providências que se mostrarem pertinentes.
Portanto, nesse momento da investigação, o mais prudente é
que as informações contidas no inquérito e aquelas obtidas
com a busca e apreensão circulem o menos possível. Com
efeito, o compartilhamento de provas com a ALERJ, nesse
momento, quando ainda pendem diligências e uma melhor
análise das provas coletadas para ensejar eventual
aprofundamento da investigação e tomada de novas medidas
judiciais, mostra-se prematura e temerária, porque a remessa
de cópia dos autos, inclusive elementos sigilosos, poderia
acarretar na frustração da coleta de novas evidências e na
publicização da linha investigativa.
Outrossim, a ALERJ, querendo, pode requisitar da própria
Secretaria de Estado da Saúde a cópia dos procedimentos
administrativos, contratos, pagamentos etc., bem assim o

31
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

compartilhamento dos inquéritos e processos que tramitam em


primeiro grau, tanto na Justiça Estadual quanto na Federal.
Ante o exposto, por considerar prematuro o compartilhamento
de provas num momento em que os elementos de convicção
ainda estão sob análise da Polícia Federal e há diligências
pendentes, não se podendo vislumbrar qualquer prejuízo a
ALERJ, mas sim, ao contrário, grande risco de prejudicar a
investigação, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifesta-
se contrariamente ao pedido de compartilhamento, o que
deverá ser feito somente ao final do inquérito policial.” (doc. 2)
TRECHOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO MINSTRO DO
STJ NO DIA 29.6.2020:
“(...) O instituto do compartilhamento de elementos de
informação ou de prova é extraído do sistema jurídico brasileiro,
sobretudo dos princípios da razoável duração do processo
(CPC, art. LXXVIII; CPC, art. 139, II) e da unidade da jurisdição,
assim como, de forma mais abrangente até, do art. 372 do
Código de Processo Civil de 2015 – aplicável subsidiariamente
ao processo penal (CPP, art. 3º) –, cujo teor é o seguinte: “O juiz
poderá admitir a utilização de prova produzida em outro
processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado,
observado o contraditório”.
O STJ tem jurisprudência consolidada na Súmula n. 591, oriunda
da 1ª Seção, no sentido de que “É permitida a prova emprestada
no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente
autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e
a ampla defesa”.
No presente caso, contudo, segundo se extrai da precisa
manifestação do MPF, é prematuro o compartilhamento dos
elementos de informação ou de prova num momento em que os
elementos colhidos ainda estão sob análise da Polícia Federal e
há diligências pendentes, bem como se configura prudente
estabelecer que as informações contidas no inquérito e aquelas
obtidas com a busca e apreensão circulem o menos possível,
valendo destacar, no particular, o disposto no art. 20 do Código
de Processo Penal: “A autoridade assegurará no inquérito o
sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse
da sociedade”.
Ante o exposto, INDEFIRO O REQUERIMENTO de
compartilhamento de elementos de informação e de prova
formulado pelo Excelentíssimo Senhor Deputado-Presidente da
Comissão Especial do Processo por Crime de Responsabilidade
da ALERJ.
Caso Sua Excelência tenha interesse futuro, por ocasião, por
exemplo, do encerramento das investigações, deverá formular
novo requerimento, sem prejuízo de eventual encaminhamento
de ofício, se couber. (...)” (doc. 2)
47. Note-se que não há, até o momento, elementos mínimos de
nada. Ainda assim, como visto, a ALERJ, por unanimidade,
deferiu o prosseguimento das denúncias feitas contra o
impetrante objeto deste mandado de segurança.
48. Mais grave: no dia 6.7.2020, com o fim do prazo de 10 (dez)
dias de suspensão concedido ao impetrante, a ALERJ, após
indeferir pedido de vista de um Deputado Estadual (Sr. Dionísio),
decidiu o seguinte: não só as denúncias contra o impetrante
prosseguirão, como eventuais documentos só serão
apresentados na fase jurídica do processo de Impeachment.

32
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Mas essa fase jurídica, como se sabe, só se inicia com o


recebimento da denúncia, é dizer, só depois do exaurimento da
presente fase política, que se dá com o recebimento da denúncia
e o afastamento do cargo do denunciado. O prejuízo, então, já
estaria consumado. O direcionamento político do processo
já teria alcançado seu escopo.
49. É claro que essa fase política do processo, tal como consta
de parecer exarado pela Procuradoria da ALERJ no dia
29.6.2020 (doc. 2), não se destina “a provar a procedência da
Denúncia”. É claro, no entanto, que este não é o ponto aqui. Até
porque, obviamente, essa “procedência da Denúncia” só poderia
se dar na fase jurídica. O que se coloca, aqui e agora,
precipuamente neste tópico, é que a ALERJ deu
prosseguimento às denúncias, na sessão do dia 10.6.2020,
sem qualquer base probatória. Deputados, portanto,
votaram pelo prosseguimento de uma denúncia leviana e
carente de provas.
50. Votaram, então, com base em quê? Como poderiam
justificar seu voto? Quais fontes ou documentos
consultaram? Elas deveriam estar necessariamente no
processo. Porque essa é a essência do devido processo
legal. Quem julga deve julgar com base no que está nos
autos, não no que está fora dos autos. Essa é uma garantia
mínima do denunciada, mas que, no caso restou
confessadamente violada. O procedimento está maculado
desde a origem. A árvore está contaminada, na sua raiz, no
seu tronco e nos seus frutos. Consequentemente, o prejuízo
ao impetrante já está consumado.
1. De fato, naquela sessão ocorrida no dia 6.7.2020, a
ALERJ, após acolher parecer exarado por sua Procuradoria no
dia 2.7.2020, delimitou a denúncia a 2 (dois) fatos, quais sejam:
i) “a Denúncia mencionou um processo administrativo específico, afirmando que o
Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado nele proferira Decisão pessoalmente e
que esta fora publicada no Diário Oficial do Poder Executivo. Tais documentos, em decorrência
de louvável esforço dessa Egrégia Comissão, agora instruem o processo n° 5.328/2020;” e
ii) “Especificamente quanto à menção ao PBAC n° 27-DF, ora em processamento perante a
Egrégia Corte Especial do Colendo Superior Tribunal de Justiça, é pública a erudita, enfática e
detalhadíssima Peça por meio da qual o Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado
prestou esclarecimentos ao Egrégio Tribunal da Cidadania. A Peça, de lavra de consagrados
Escritórios de Advocacia, demonstra, a mais não poder, que o Excelentíssimo Senhor Doutor
Governador do Estado teve pleno acesso ao supramencionado PBAC n° 27-DF. De qualquer
forma, anexo-a a este Parecer”
52. Não há nenhuma dúvida, portanto – trata-se de fato
incontroverso, pré-constituído - que, no dia 10.6.2020, quando
a ALERJ votou por unanimidade pelo prosseguimento das
denúncias, os processos não estavam minimamente
instruídos com documentos que pudessem lastreá-los. E
mesmo após, quando a votação pelo prosseguimento já estava
concluída, só foi carreada aos autos cópia de procedimento
administrativo em que o impetrante profere uma decisão e nada
mais (decisão essa, aliás, que o impetrante nem sequer poderia
deixar de proferir, já que de sua competência; mas tão logo a
proferiu, logo em seguida, no dia 15.5.2020, a desqualificou, em
razão da ação criminal denominada “Operação Favorito” – doc.
2) e alguns outros documentos (doc. 2).
53. Seja como for, e aqui retorna-se ao busílis da narrativa.
Como os deputados votaram? Com lastro em que? Com

33
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

base em nada, ou melhor, em conjecturas e queremismos


políticos. Os processos, por isso, são nulos, integralmente
nulos. Fica evidente que todos os deputados votaram ao
léu, com base em meras conjecturas e alegações carentes
do mínimo lastro probatório. Esse fato é inconteste, e já foi
reconhecido a partir das próprias medidas já anteriormente
intentadas pela ALERJ, quais sejam:
i) No dia 18.6.2020, após a formação da Comissão Especial de
Impeachment, o próprio deputado estadual denunciante
confessou que não teria instruído a denúncia com os
documentos necessários (doc. 5);
ii) No dia 23.6.2020, a ALERJ deferiu o pedido do
impetrante, de suspensão do processo, justamente para que
esses documentos fossem juntados aos autos (doc. 2);
iii) Dias depois, o STJ negou o pedido da ALERJ de
acesso aos autos (doc. 2); e
iv) Agora, no dia 2.7.2020, muito depois de já ter sido
deliberada o prosseguimento da denúncia a Procuradoria da
ALERJ confessou, uma vez mais, que só nessa ocasião é que
alguns documentos foram juntados aos autos do processo,
enquanto na verdade já deveriam dali constar ao menos antes
do dia 10.6.2020, para viabilizar a votação do prosseguimento
das denúncias feitas contra o impetrante (doc. 2).
54. Em outras palavras, deputados, sem ter acesso a provas
mínimas, que devem necessariamente ser carreadas ao
processo, formalmente instruído, simplesmente não podem
deliberar sobre o impedimento de governador. E isso
simplesmente porque não podem se louvar, para formação
de um juízo de tal natureza, em elementos extra autos, ou
em notícias da mídia, ou ainda em mera decisão do STJ que
defere a busca e apreensão de documentos. Deputados,
enfim, não podem deliberar no vazio, ou no escuro, ou com
base em puro queremismo político, sem que haja qualquer
elemento de prova que possa conduzir a uma acusação de
prática de ilícito, minimamente fundada. Um mínimo de
liturgia, para que as instituições não sejam banalizadas, é
devido. Do contrário, tudo, confessadamente, não passa de
uma grande encenação orquestrada.
55. E essa é a correta exegese do art. 76 da Lei n. 1.070/51.
A ótica, que ali se aguça, é a do denunciado: não haverá
cerceamento de defesa, nem violação ao contraditório, se,
não juntadas aos autos as provas que lastreiem a denúncia,
indicar-se a fonte delas àquele. Mas isso não vale para os
deputados votantes. Como julgadores, eles não podem
julgar nada com base naquilo que esteja fora dos autos.
Seus votos, com efeito, devem justificar-se a partir do que
restou provado no processo, não na mídia. Do contrário, não
haveria garantias jurídicas mínimas a um processo político. O
impulso político prevaleceria, sem freios. E o político também
deve ceder ao jurídico, notadamente quando se trata de
processo sancionatório. O julgamento é político porque,
fundamentalmente, se processa perante um corpo político. Mas
isso não significa a completa abdicação de garantias jurídicas
mínimas. E estas faltaram aqui.
56. Lembrem-se que os fatos objeto das denúncias, que
ensejaram este mandado de segurança, basicamente se
referem a atos que teriam sido praticados pelo impetrante, à

34
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

época da pandemia, e que supostamente seriam ilegais. A esse


respeito, o Ministério Público Estadual ajuizou ação civil pública
(processo n° 0127970-77.2020.8.19.0001, em curso perante o
MM. Juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública da Capital – doc. 6).
Mas o impetrante nem sequer é parte nesta ação coletiva.
Pela leitura da petição inicial, verifica-se que essa ação civil
pública foi fruto de investigações promovidas pela 3ª Promotoria
de Justiça de Tutela Coletiva da Capital, com o auxílio da força
Tarefa de Atuação Integrada na Fiscalização de Ações
Estaduais e Municipais de Enfrentamento à COVID-19, no
âmbito do inquérito civil n° 2020.00284171, cujo objeto são
supostos ilícitos praticados na contratação, pelo Estado do Rio
de Janeiro, através da Secretaria de Estado de Saúde, das
empresas (i) A2A Comércio e Representações LTDA., (ii) ARC
Fontoura Indústria Comércio e Representações Ltda. e (iii) MHS
Produtos e Serviços EIRELI, na contratação de respiradores
(ventiladores) destinados ao tratamento de pacientes com
COVID-19 (contratos n: 2020.001633, 2020.001868 e
2020.001859). Além das referidas empresas e seus
representantes, nela figuram como réus o então Secretário de
Saúde do Estado (Edmar Santos), seu subsecretário executivo
(Gabriell Neves), e o servidor responsável pelo processo de
contratação (Gustavo Borges). Das mais de 120 (cento e vinte)
páginas daquela petição inicial, contudo, não há nenhuma
referência à participação do impetrante em tais eventos. E o
fato do nome do impetrante nem sequer ser citado naquela
ação é prova cabal de que o Ministério Público, por meio dos
seus órgãos especializados de investigação, não foi capaz
de encontrar indícios, mínimos que fossem, da participação
do impetrante nos aludidos eventos. Não obstante, a ALERJ,
como visto, por meio da sessão ocorrida no dia 6.7.2020,
entendeu por bem dar prosseguimento ao processo de
Impeachment, no qual se discutem exatamente os mesmos
fatos.
57. Outro exemplo: a mídia, recentemente, no dia 11.7.2020,
noticiou que o Exmo. Sr. Presidente do STJ determinou a
suspensão de um depoimento agendado para essa data sobre a
investigação instaurada pelo MPF para apurar casos de fraude
na saúde estadual no contexto da pandemia. A suspensão foi
decidida depois que o impetrante pediu acesso aos documentos
da referida investigação, já que o caso está em segredo de
Justiça. O Ministro do STJ entendeu que o impetrante somente
deve prestar depoimento depois que a sua defesa tivesse
acesso às informações, notadamente para evitar eventuais
nulidades dos atos processuais praticados (“(...) considero
prudente determinar a remarcação do depoimento em data
breve, mas seguramente depois de esclarecida a situação da
falta de acesso integral aos elementos probatórios”).
58. Fica bastante evidente, então, que o que há, aqui, nestas
denúncias, é uma pura encenação de 2 (dois) processos que,
não obstante ainda se encontrarem na fase política, já estão
viciados na origem, com o único fim de performar uma carta
marcada: afastar o impetrante, ainda que provisoriamente, do
atual cargo (porque é exatamente essa a sanção que se dá com
o recebimento formal da denúncia pela ALERJ). E é exatamente
por esse motivo que os processos administrativos objeto deste
mandado de segurança são integralmente nulos.

35
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

59. Nessa linha, como é elementar, para a validade de qualquer


ato público – e, por conseguinte, de todo o procedimento
administrativo que o ensejou – é indispensável a observância
dos requisitos formais: a) agente habilitado à prática do ato
(rectius, competente); b) objeto lícito, possível, certo e moral; c)
motivo; e d) finalidade. O motivo, por sua vez, se divide nos
pressupostos de fato e de direito: enquanto este é o próprio
dispositivo legal em que se estriba o ato, o pressuposto de fato
“corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos,
de situações que levam a Administração a praticar o ato.”
60. Nem o fato de ser político o procedimento, em sua
primeira fase, justificaria o total alheamento do direito. Sem
provas mínimas carreadas num processo formal, não há
como deputados motivarem seu voto; não há como eles
justificarem seu voto; não há, enfim, como eles votarem.
Mas o fato é que já o fizeram. O processo então é nulo.
61. Devido processo legal é o meio jurídico. E não há fim,
muito menos político, que justifique sua supressão.
Suprimi-lo, afinal, é afastar o Estado de Direito. Seria descer
muito fundo, em nome de um obscuro fim mais alto. Seria a
negação da racionalidade. Seria o vale tudo (“Desça fundo quem
aspire tanto quanto subiu”17). Foi o que a ALERJ fez: atropelou
todas as formalidades constitucionais obrigatórias para
prosseguir, a todo custo, com as denúncias contra o
impetrante.
62. Além das garantias constitucionais já mencionadas,
essas condutas adotadas pela ALERJ violam, diretamente, as
seguintes regras:
i) art. 76 da Lei nº 1.079/1.950: é a regra da lei federal específica
à Impeachment de Governador. Dispõe que a denúncia “deve
ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da
declaração de impossibilidade de apresentá-los com a indicação
do local em que possam ser encontrados”.
Essa regra existe, por óbvio, para que sejam atendidas 2 (duas)
finalidades: a primeira, a de cientificar os deputados estaduais
das Assembleias Legislativas do lastro probatório das alegações
feitas pelo denunciante. Só com isso é que os deputados
conseguirão aferir se a denúncia poderá ou não ser deferida,
para que, então, haja o seu prosseguimento.
Se a denúncia prosseguir, então o cumprimento integral dessa
regra atenderá à sua segunda finalidade: ao denunciado é
garantido o exercício pleno da ampla defesa, do contraditório e
do devido processo legal. Ele só pode ser submetido ao
prosseguimento da denúncia, se antes a Assembleia tiver
votado à luz da íntegra das alegações e dos documentos da
denúncia. Depois disso, o denunciado deverá ter o mesmo
acesso para fins de apresentação da defesa prévia;
Mas, no caso, como visto, nada disso aconteceu. A ALERJ
simplesmente atropelou todo esse ritual procedimental, com o
fim evidente de muito em breve tentar receber formalmente a
denúncia feito contra o impetrante, para, com isso, afastá-lo
provisoriamente do cargo de chefe do Executivo estadual.
ii) arts. 41 e 648, I e VI, do CPP: pelo CPP também o
denunciante possui a obrigação de instruir a denúncia com
elementos mínimos, inclusive sob pena de se prosseguir,
caracterizar coação ilegal. E foi exatamente essas situações que
aconteceram aqui no caso do impetrado.

36
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

63. Nessa linha, escusado seria dizer que o elemento de prova


da narrativa acusatória possui capacidade de influenciar na
decisão do colegiado. Mas esse ato formal, no caso,
inclusive já aconteceu, por meio da votação ocorrida no dia
10.6.2020, na qual se deferiu o pedido de prosseguimento
das denúncias. E, por conseguinte, o impetrante ainda deve ter
conhecimento prévio do que realmente está sendo denunciado,
bem como das provas que lastreiam tais denúncias, para ser
oportunizado o exercício do seu direito de defesa no prazo legal,
o que igualmente não aconteceu.
64. A questão, aqui, é simples: num julgamento, que se inicia
político, o devido processo legal, com todas as suas
garantias, não se direciona apenas ao denunciado. Ele é
mais amplo, e abarca a todos os participantes, isto é, a
todos os deputados reunidos num corpo político. A
existência de elementos mínimos, portanto, a instruir a
demanda, tem a ver com a necessidade de que todos os
deputados, ao votarem politicamente pelo prosseguimento ou
não processo de impedimento, disponham de elementos oficiais,
importados a um processo regular formal, com base nos quais
possam emitir seu voto. Não basta, destarte, que o impetrante
possa ou tenha tido acesso as provas alocadas em outros
procedimentos (o que não ocorreu no caso). É imprescindível
que essas provas instruam os procedimentos, através dos quais
seu impedimento será julgado, para que seus julgadores (ou
seriam algozes?) possam formar seu próprio convencimento e
não seguir, simplesmente, o que diz a imprensa ou a opinião
pública.
65. Sem essa base probatório mínima, o processo
carece de um mínimo de juridicidade. E o julgamento
político, para ser compatível com a garantia do devido
processo legal, não pode ser puramente político, calcado
em mera vontade política. Ele deve revestir-se de
juridicidade mínima, de elementos básicos. Pouco importa,
portanto, aqui, que os arts. 16 e 76 da Lei nº 1.079/1.950
aludam à circunstância de que poderá ser indicado ao
denunciado a fonte onde se encontram os documentos. Não
é essa a hipótese aqui. O que importa é que os deputados
que participem do processo possam, para votar, ter acesso
a documentos que amparem a denúncia. Sem isso, o
processo todo não passa de um simulacro, de uma
encenação política, de um jogo de cartas marcadas, com
violação do devido processo legal.
66. E ainda que se admita que o início do procedimento possa
se dar, apenas com a indicação da fonte da prova a ser obtida,
como admite expressamente a lei ( art. 16 da Lei 1.079/1950), o
prosseguimento deste depende, necessariamente, da coleta
destas provas, que devem ser carreadas aos autos.
Não há outra interpretação possível, à luz dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
67. A hipótese, pois, é grave: o julgamento já ocorrido no dia
10.6.2020 jamais poderia ter ocorrido; jamais as denúncias
deveriam ter prosseguido; e os 70 deputados da ALERJ jamais
poderiam ter determinado o prosseguimento de denúncias,
referentes a 2 (dois) processos de Impeachment, porque
confessamente nem sequer possuíam lastro probatório; a

37
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

nulidade do processo é patente; essas denúncias deveriam ter


sido indeferidas liminarmente.
68. Mas há um fato ainda mais grave: no dia 6.7.2020, a
ALERJ já prenunciou/prejulgou que haverá provável
afastamento do impetrante (Lei nº 1.079/1.950, art. 77), ao
final da atual fase política, sem elementos mínimos de prova
(doc. 2).
69. Os deputados simplesmente não poderiam ter votado porque
não dispunham de elementos probatórios no dia 10.6.2020, fato
esse que foi inclusive confessado na sessão do dia 18.6.2020,
após a Comissão Especial de Impeachment ser instituída.
70. E agora, na sessão ocorrida no dia 6.7.2020, eles
confessaram mais uma nulidade processual intransponível, até
mesmo temerária: anunciaram que haverá oportunidade de
fazer prova, após o recebimento das denúncias. Ou seja,
prenunciam que acolherão as denúncias, mesmo antes da
apresentação da defesa do impetrante, o que, nos termos da lei,
ensejará o afastamento do impetrante, tudo isso sem lastro
probatório, ao afirmarem que a instrução probatória poderá ser
feita após o recebidas as denúncias.
71. Ora, aqui, constata-se uma genuína inversão da ordem
legal e constitucional. Primeiro, a denúncia. Depois, o denodo
em se provar. Não é este, contudo, como sabido, o devido
processo legal. Primeiro se prova. A prova é essencial,
indispensável para que qualquer denúncia seja acolhida seja em
processo político ou judicial. Requisito sine qua non. Essa regra,
não há dúvida, aplica-se a todo ou qualquer procedimento,
menos, ao que parece, para estes simulacros de procedimento
legal, verdadeiros processos kafkanianos, que ora se impugna.
72. Diga-se, por fim, que há ainda um fundamento de que per se
se mostra suficiente para anular integralmente os 2 (dois)
processos administrativos objeto deste mandado de segurança.
O STF, ao julgar a ADI 5.895/RR, também manteve o
entendimento de que as denúncias devem ser instruídas com os
respectivos documentos ou da indicação de onde os
documentos podem ser encontrados (o que, como dito, não
houve no caso, já que o STJ indeferiu o pedido de acesso dos
autos do processo do inquérito no qual o impetrante está sendo
investigado), ao considerar constitucional o art. 280-A, parágrafo
único, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do
Estado de Roraima.
73. Outra acachapante jurisprudência do STF aplicável ao
caso é a seguinte:
“(...) À toda evidência, se não houver a intercessão do Poder
Judiciário, poder-se-á esperar que, em pouco tempo, seja
ressuscitada a bizarra tese da insindicabilidade das questões
políticas, a opor-se a concepção de que é possível, sim, o
controle jurisdicional dos atos de caráter político, sempre que
suscitada questão de índole constitucional.” (STF, Pleno, MS
26.441/DF, Relator Min. Celso de Mello, DJE 18.12.2009).
74. Como no processo penal, o denunciado aqui se defende dos
fatos narrados e imputados pela denúncia. É forçoso que os
fatos constantes da exordial acusatória sejam determinados e
limitados e, ainda, devida e previamente ladeados pelas
indicadas provas e demais documentos para que o acusado
possa exercer plenamente o direito de defesa. E o mais grave,
repita-se: não obstante essa necessidade, o fato é que, para

38
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

que os deputados da ALERJ votassem no dia 10.6.2020, é


óbvio que assim deveriam proceder após analisar os
referidos documentos.
75. Conforme aferido na jurisprudência consolidada do STF e
por força dos princípios da reserva legal e da finalidade e
vinculação dos atos administrativos, ora cânones corolários do
devido processo legal, há motivação suficiente para anular
integralmente os 2 (dois) processos administrativos objeto deste
mandado de segurança, diante da patente violação de normas
procedimentais que conferem um dever impositivo às partes, em
especial aos denunciantes, e que deveriam ter sido tuteladas
pelos ora impetrados – o que não ocorreu – quanto à formação
prévia de um acervo probatório de modo a garantir a devida e
plena votação dos deputados da ALERJ no dia 10.6.2020
(preclusão temporal/consumativa). Como cediço, inexiste direito
à “ampla acusação” ou um suposto alargamento de denúncia
inicial, data vênia, diante de encenação política, de um jogo de
cartas marcadas, repita-se, em violação clara ao devido
processo legal.
76. Assim, confia o impetrante em que será concedida a
segurança, para preservar ao impetrante as suas garantias
constitucionais processuais do contraditório, da ampla defesa e
do devido processo legal, notadamente para que somente com
isso possa eventualmente ser submetido a um processo tão
grave como o de impedimento.
SEGUNDO MOTIVO:
COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT INSTITUÍDA SEM
QUALQUER VOTAÇÃO
77. Como devidamente explicado no primeiro tópico desta
petição inicial, em decisão proferida no dia 10.6.2020, quarta-
feira, publicada em 15.6.2020, o Exmo. Sr. Presidente da
ALERJ, após votação pelos seus membros, deu prosseguimento
às denúncias objeto deste mandado de segurança (doc. 3). No
mesmo dia, o mesmo Exmo. Sr. Presidente da ALERJ editou o
Ato 41/2020, por meio do qual definiu o rito processual do
processo de Impeachment do impetrante (doc. 4).
78. Em seguida, foi instalada, sem votação, a Comissão
Especial de Impeachment no dia 18.6.2020, quarta-feira (doc. 5).
Os líderes de cada partido da ALERJ indicaram um membro e,
com isso, automaticamente, a comissão foi instituída. Não
houve absolutamente nenhuma votação, nem sequer fechada
ou simbólica.
79. Violou-se, pois, a publicidade dos atos do Poder Legislativo.
Até porque, é um princípio que decorre, de forma imediata, (i) do
princípio democrático (CF/88, art. 1º, caput), (ii) do sistema
representativo (CF/88, art. 1º, parágrafo único), (iii) do regime
republicano (CF/88, art. 1º, caput), e (iv) do princípio da
publicidade (CF/88, art 37, caput). E isso sem contar que a
própria Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu art.
96, parágrafo único, impõe essa conduta. A
inconstitucionalidade aqui, pois, é evidente, sob todos os
aspectos.
80. Também foi violada a reserva de plenário. E essa supressão
fulmina a higidez do feito com a inaceitável retirada da legalidade
do procedimento, o que enseja na sua nulidade, como novel
desobediência ao devido processo legal.

39
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

81. Violou-se, ainda, a representatividade, que atinge, por sua


vez, o sistema democrático. Afinal, “isto pode servir de
advertência para aqueles que são os verdadeiros e absolutos
representantes do povo, a fim de ensinarem a todos a natureza
de seu cargo, e tomarem cuidado com a maneira como admitem
a existência de qualquer outra representação geral, em qualquer
ocasião que seja, se pretendem corresponder à confiança neles
depositada.” (HOBBES, Thomas. Leviatã). Ou seja, a partir
dessa reflexão da citação de Hobbes, muito se recorda do
Estado forte, que, em breves palavras, veio a ser criado para
tentar conter os excessos cometidos no estado de natureza, no
qual a sociedade se encontrava antes da instituição do Estado.
A citação acima reproduzida destaca que a representação
legítima é fundamental para existência de um governo voltado
para os administrados.
82. A representatividade é conferida na Constituição da
República pelo exercício mais legítimo do sufrágio universal, ou
seja, a delegação de Poder se concretiza por meio do voto na
escolha dos representantes do Executivo e do Legislativo. Tal
escolha também remete à vontade geral, conceito eivado de
diferentes interpretações, todavia pode se associar em termos
políticos à soma da vontade de todos que assim o exerceram,
em sua maioria quantitativa, por meio da votação legítima
recebida no devido processo eleitoral. Logo, foram respeitadas
as formas de escolha da sociedade, no momento do exercício
do sufrágio universal. Em tal contexto, tanto os representantes
do Poder Legislativo e do Executivo são ‘ungidos’ pelo voto para
exercer a delegação que o povo deu para o Estado, por meio de
cada Poder em sua função delegada, em nome dos
representados e em cumprimento aos ditames da Constituição
da República.
83. Por outro lado, há que se questionar a retirada de tal
representação popular por meio dos institutos democráticos, tal
como o processo de impedimento de representação, quando
existem suspeitas, ou seja, não há contundentes provas de que
as condutas praticadas pelos eleitos tenham sido efetivamente
praticadas contra os interesses da vontade geral, isto é, que
tenham sido voltadas para qualquer outro interesse.
84. Nessa linha, o STF, ao julgar a ADPF 378-MC/DF, no dia
17.12.2015, decidiu que a formação final da Comissão
Especial de Impeachment deve ser submetida à votação. E
essa votação deve ser i) aberta, ii) ainda que simbólica, iii)
com veiculação no Diário Oficial. Como o voto possui mais de
400 laudas, confiram-se alguns trechos da ementa e da
fundamentação específicos sobre essa questão:
“(...) III.5. A ELEIÇÃO PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO
ESPECIALDEVE SE DAR POR VOTO ABERTO (CAUTELAR
INCIDENTAL)
64.Na segunda medida cautelar incidental apresentada, o autor
também requereu provimento liminar para garantir que a eleição
da Comissão Especial do Impeachment seja feita por meio do
voto aberto do Plenário da Câmara dos Deputados. Acolho o
pedido. No processo de Impeachment do Presidente da
República, todas as votações e deliberações devem ser abertas.
65. A publicidade dos atos do Poder Legislativo
decorre de forma imediata (i) do princípio democrático
(CF/1988, art. 1º, caput), (ii) do sistema representativo

40
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

(CF/1988, art. 1º, parágrafo único), (iii) do regime


republicano (CF/1988, art. 1º, caput), e (iv) do princípio da
publicidade (CF/1988, art 37, caput). A regra geral que se
extrai desses princípios é a de que as votações no âmbito das
Casas Legislativas devem se dar por meio de voto ostensivo, de
modo a permitir maior transparência e controle dos
representantes eleitos pelos titulares da soberania
(accountability). Praticamente toda deliberação ou votação do
Congresso deve ser realizada sob as vistas da sociedade.
66. Devo dizer que não considero que o escrutínio secreto
encontra-se proscrito pela ordem constitucional. Tampouco
entendo que a Constituição Federal tenha definido de forma
taxativa as hipóteses de deliberações das Casas Legislativas
que possam ser realizadas por voto sigiloso. Porém, a previsão
desta forma de votação ostenta caráter absolutamente
excepcional em uma democracia representativa, que pressupõe
que os representantes eleitos prestem contas aos eleitores de
seus votos e ações.
67. Feitas tais observações preliminares, parece-me claro
que no processo de Impeachment não há lugar para voto
secreto. E isso por quatro fundamentos. Em primeiro lugar, a
exigência de votação ostensiva no caso decorre do conjunto
normativo aplicável ao processo por crime de responsabilidade.
Ao disciplinar o processamento do Impeachment, a Constituição
de 1988 não estabeleceu nenhuma hipótese de votação secreta.
Do mesmo modo, a Lei n. 1.079/1950, embora tenha previsto em
seu art. 19 a existência de uma “comissão especial eleita”, não
instituiu escrutínio sigiloso nesta situação. Finalmente,
Constituição, da Lei n. 1.079/1950 e do Regimento Interno, não
é admissível que o Presidente da Câmara dos Deputados possa,
por decisão unipessoal e discricionária, estender hipótese
inespecífica de votação secreta prevista no RI/CD, por analogia,
à eleição para a Comissão Especial de Impeachment.
68. Em segundo lugar, o sigilo do escrutínio é incompatível
com a natureza e a gravidade do processo por crime de
responsabilidade. O processo de Impeachment tem natureza
político-administrativa, constituindo ferramenta de preservação
da legitimidade da representação popular. Contudo, a
responsabilização do Presidente nesse caso não se dá por uma
decisão dos eleitores, mas dos parlamentares eleitos. Em outras
palavras, o Presidente pode ser afastado e perder o mandato
conquistado nas urnas por decisão não daqueles que os
elegeram, mas dos congressistas. Em processo de tamanha
magnitude institucional, é preciso garantir o maior grau de
transparência e publicidade possível. A exigência de votação
ostensiva torna-se ainda mais evidente, tendo em conta que a
mera aceitação da denúncia contra o
69. ocupante do mais elevado cargo da Nação já instaura
no país um clima de instabilidade política, econômica e social.
Em terceiro lugar, o processo de Impeachment se sujeita à
incidência direta e com especial vigor dos princípios
democrático, representativo e republicano. O voto aberto é
aquele que melhor realiza referidos princípios, conferindo aos
representados ferramentas para que possam exercer o controle
social sobre todas as etapas deste procedimento e examinar a
atuação de seus representantes. Na realidade social brasileira,
de grave crise de representatividade e desconfiança dos

41
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

eleitores em relação aos governantes, a exigência de


publicização das votações adquire um destaque ainda maior.
Como já afirmei, o Brasil é um país no qual o imaginário social
supõe que por trás de cada porta fechada são conduzidas
tenebrosas transações e – acrescento – que cada votação
secreta está a encobrir barganhas e acordos pouco
republicanos. Portanto, em um processo de tamanha seriedade
como o do Impeachment, não é possível invocar como
justificativa para o voto secreto a necessidade de garantir a
liberdade e independência dos congressistas, afastando a
possibilidade de ingerências indevidas (por exemplo, de
lideranças partidárias, dos pares ou de outras autoridades). Se
a votação secreta pode ser capaz de afastar determinadas
pressões, ao mesmo tempo, ela enfraquece a possibilidade de
pressão e controle popular sobre os representantes, o
Regimento Interno da Câmara dos Deputados dispôs
expressamente sobre as comissões temporárias especiais no
art. 33, mas tampouco trouxe previsão de eleição secreta para
sua formação. E mais: seu art. 188 elenca os casos de votação
por escrutínio secreto, sem prever expressamente, entre eles, a
Comissão Especial do Impeachment. No silêncio da que vai na
contramão das exigências dos princípios democrático,
representativo e republicano. Daí porque não se pode admitir o
escrutínio sigiloso em processo desta natureza.
70. Em quarto e último lugar, trata-se da mesma forma de
votação que foi adotada para a composição da Comissão
Especial no processo de Impeachment de Collor. Na ocasião, a
chapa única formada por indicação dos líderes foi eleita em
votação aberta (simbólica) do Plenário da Câmara dos
Deputados. A manutenção do mesmo rito seguido em 1992
contribui para a segurança jurídica e a previsibilidade do
procedimento, evitando casuísmos indesejados e manipulações
das regras do jogo ao sabor das lideranças políticas de
ocasião.”(STF, ADPF 378-MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. p/
acórdão Min. Luís Roberto Barroso, j. 17.12.2015; (grifou-se)
85. Insatisfeita com o resultado do acórdão, a Mesa da Câmara
dos Deputados opôs embargos de declaração, ocasião na qual,
dentre outras matérias, apontou essa parte da votação, como
um dos supostos vícios do acórdão. Mas o STF, ao julgá-los,
reforçou a posição já exarada, agora por meio de um voto de
mais de 130 laudas.
86. Note-se que no caso do Impeachment da ex-Presidente
Dilma Rousseff o que se colocou perante o STF foi a
possibilidade de a Comissão Especial de Impeachment ser
instituída por votação secreta. Nem se cogitou da hipótese de
não ter votação. Mas, no caso, foi exatamente isso o que
aconteceu: a ALERJ nem sequer fez alguma votação para
escolher a Comissão Especial de Impeachment do
impetrante, o que caracteriza que o ato legislativo, além de
descumpridor do princípio democrático, deu-se com a celeridade
dos atos de exceção, típicos do regimes totalitários.
87. Já não bastasse, o STF, ao julgar a ADI 5.895/RR (com efeito
erga omnes), também manteve esse entendimento, ao
considerar constitucional o art. 280-C, §1°, do Regimento Interno
da Assembleia Legislativa de Roraima. Para evitar remissão
excessiva, confira-se íntegra dessa regra:

42
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“Art. 280-C. Caberá à Comissão Especial a emissão de parecer


sobre a autorização para instauração de processo por crime de
responsabilidade contra o Governador, o Vice-Governador ou os
Secretários de Estado. (Incluído pela Resolução nº 017, de
2016).
§1° A Comissão será constituída de um quarto da composição
da Assembleia Legislativa e eleita na mesma sessão em que se
fizer a leitura da denúncia, por deliberação da maioria absoluta
dos seus membros, em votação aberta, obedecida a
proporcionalidade das representações partidárias ou dos blocos
parlamentares, vedada a apresentação de candidatura ou chapa
avulsas.
(Incluído pela Resolução nº 017, de 2016).” (STF, ADI 5895/RR,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 27.9.2019;
grifou-se)
88. Como se observa do excerto supracitado, o Regimento
Interno da unidade federativa referenciada foi considerado legal
porque repetiu a regência da Lei Federal nº 1079/1950, à luz da
CF/88 e da SV 46. A contrario sensu, a ALERJ não poderia ter
alterado o rito de regência federal que prevê o obrigatoriedade
da eleição para a formação da Comissão Especial do
Impeachment.
89. Assim, o impetrante possui direito líquido e certo, com provas
já pré-constituídas, razão pela qual confia em que esse e. Órgão
Especial afastará a aplicação do Ato 41/2020 do Presidente da
ALERJ, para determinar que as autoridades coatoras votem,
expressamente, de forma aberta, ainda que simbólica, quais
serão os membros da ALERJ que comporão a Comissão
Especial de Impeachment.
TERCEIRO MOTIVO:
PRESIDENTE DA ALERJ NÃO INDICOU QUANTIDADE DE
MEMBROS DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT E
NEM A LIMITOU 1/4 DOS MEMBROS DA ALERJ
90. Arrebatada pelo momento pandêmico vivenciado e na ânsia
de dar agilidade ao processo de Impeachment contra o
impetrante, a ALERJ atropelou o procedimento em mais um
aspecto. Ao exarar o Ato 41/2020, o Exmo. Deputado Estadual
Presidente da ALERJ, dentre outras determinações,
estabeleceu, logo como primeiro ato, “abrir prazo de quarenta e
oito horas a cada um dos Excelentíssimos Senhores Líderes a
fim de que indiquem cada qual um Membro da Comissão
Especial”. Ou seja, tal como prevê o art. 19 da Lei 1.079/50,
determinou-se a criação de uma Comissão Especial que,
segundo o Ato, foi formada pela indicação de um membro por
cada um dos líderes de cada partido:
“Art. 1º Abrir o prazo de quarenta e oito horas a cada um dos
Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada
qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir
Parecer sobre a Denúncia por contra o
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada no
processo ALERJ nº 5.328/2020.
Parágrafo único - Esgotado o prazo sem indicação de Liderança,
o Presidente da Assembleia Legislativa fará as indicações
necessárias, sempre respeitando, tanto quanto possível, a
proporcionalidade partidária.”
91. Não obstante a exatidão em determinar a formação da
Comissão Especial de Impeachment, esse Ato não observou as

43
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

formalidades necessárias previstas no próprio Regimento


Interno da ALERJ. Dele há previsão do art. 29 o qual dispõe que
o ato que institui a referida comissão deve indicar, além da
finalidade, o número dos membros que a compõe:
“Art. 29. As comissões especiais são constituídas para fins
predeterminados, por proposta da Mesa Diretora ou a
requerimento de um décimo dos Deputados, com aprovação do
Plenário.
§1º. O requerimento para constituição de comissão especial,
submetido à discussão e votação únicas, decorridas vinte e
quatro horas de sua apresentação, deverá indicar, desde logo:
I - finalidade; II - número de membros; III - prazo de
funcionamento”
92. Nessa linha, deveria ter constado do ato o número de
membros da Comissão Especial de Impeachment. E esse
número deveria ser equivalente a um quarto do número dos
membros da ALERJ, como definido no parágrafo 1º do art. 280-
C do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de
Roraima. Foi exatamente essa a determinação referendada pelo
STF ao julgar a ADI 5895.
93. Para que se faça ainda mais claro, como o Regimento
Interno da ALERJ não especifica o número de membros que
deve ter a Comissão Especial para o processamento dos crimes
de responsabilidade do Governador, deve-se adotar o parâmetro
estabelecido no parágrafo 1º do art. 280-C do Regimento Interno
da Assembleia Legislativa de Roraima, que dispõe que “a
Comissão será constituída de um quarto da composição da
Assembleia Legislativa”. Confira-se a íntegra dessa regra:
“Art. 280-C. Caberá à Comissão Especial a emissão de parecer
sobre a autorização para instauração de processo por crime de
responsabilidade contra o Governador, o Vice-Governador ou os
Secretários de Estado.
§1º A Comissão será constituída de um quarto da composição
da Assembleia Legislativa e eleita na mesma sessão em que se
fizer a leitura da denúncia, por deliberação da maioria absoluta
dos seus membros, em votação aberta, obedecida a
proporcionalidade das representações partidárias ou dos blocos
parlamentares, vedada a apresentação de candidatura ou chapa
avulsas.” (grifou-se)
94. Com base nessa regra, como a ALERJ é composta por 70
(setenta) deputados estaduais22, a Comissão Especial de
Impeachment deveria ser composta por 25% (ou 1/4) desse
número, o que seria equivalente a 17 (dezessete) ou 18 (dezoito)
membros no máximo (considerando que o cálculo não chega a
número certo – dá 17,6). Pontue-se que a norma não fala em
“ao menos” 25%, mas em exatos 1/4 do número de membros
da Assembleia Legislativa. Acima desse montante também
não pode ser considerado em consonância com o compreendido
pelo STF.
95. No entanto, como dito, a Comissão Especial de
Impeachment formada para os processos administrativos objeto
deste mandado de segurança é composta por 25 (vinte e cinco)
Deputados Estaduais. Isso porque, em cumprimento ao Ato
41/2020, é constituída por 1 (um) membro de cada um dos 25
(vinte e cinco) partidos com representação na ALERJ ( doc. 4 e
doc. 5).

44
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

96. Em síntese, não foi respeitado o quantitativo definido pelo


STF, ao julgar a ADI 5895/RR, de um quarto dos membros da
ALERJ (ao invés de 25, deveria ser formada por 17 ou 18
deputados estaduais). Eis, portanto, mais um equívoco na
formação da Comissão Especial de Impeachment do impetrante,
a inquinar de ilegal o ato coator.
QUARTO MOTIVO:
A FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT
DESRESPEITOU A PROPORCIONALIDADE
97. Na linha do tópico anterior, há, ainda, mais um ponto que não
foi observada pela ALERJ ao compor a Comissão Especial de
Impeachment: a necessária proporcionalidade partidária.
Como já pontuado, através do Ato 41/2020 (doc. 4), foi
determinado que “cada um dos Excelentíssimos Senhores
Líderes (...) indiquem cada qual um Membro da Comissão
Especial”. Consequentemente, a comissão foi formada por um
representante de cada partido.
98. Deve-se observar, no entanto, que o art. 23 do Regimento
Interno da ALERJ dispõe que na composição das comissões
“deve ser obedecida, tanto quanto possível, a proporcionalidade
partidária”. Essa previsão reflete o previsto no art. 19 da Lei
1.079/50, que estabelece, igualmente, a necessidade de ser
observada a proporcionalidade partidária:
Regimento Interno da ALERJ:
Art. 23. Na composição das comissões permanentes e
temporárias deve ser obedecida, tanto quanto possível, a
proporcionalidade partidária, a qual se define como o número de
lugares reservados aos partidos em cada comissão.
Lei 1.079/50:
Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma.
99. O fato de a comissão ser composta por representantes de
todos os partidos que compõem a ALERJ, embora garanta a
representatividade partidária de todos os partidos, não atende
ao princípio constitucional da proporcionalidade partidária.
Como consta do próprio site do Congresso Nacional,
proporcionalidade partidária é o “princípio segundo o qual a
representação dos partidos políticos e dos blocos parlamentares
na Casa Legislativa deve ser reproduzida proporcionalmente,
tanto quanto possível, na composição da Mesa Diretora, das
comissões e de outros órgãos colegiados fracionários que a
integram”.
100. Desta forma, há flagrante violação ao princípio
constitucional da proporcionalidade da composição partidária e,
outrossim, existe visível mácula aos arts. 19 e 76 da Lei nº
1079/50, o que nulifica todos os atos executivos praticados pela
Comissão Processante, com flagrante prejuízo ao impetrante.
Diga-se, ademais, que os dispositivos constitucional e legal
fulminados pela ALERJ não podem ser albergados sob a égide
da “soberania do Parlamento” e nem interpretados como matéria
interna corporis porque atos inconstitucionais e ilegais não são
convalidáveis ao arrepio de normas reguladores que dispõem
sobre o funcionamento do processo de Impeachment.
101. Esse princípio da proporcionalidade, aliás, decorre da
necessidade de ser garantida a vontade popular, refletida na

45
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

composição das Casas Legislativas, nos demais órgãos


fracionados que a integram. Atender o princípio da
proporcionalidade partidária na formação de comissões não
significa garantir a presença de representantes de todos os
partidos que compõem aquela legislatura, mas, sim,
garantir que seja ali refletida, na mesma proporção, a
representação dos partidos na Assembleia Legislativa, a fim
de que esses órgãos não destoem da vontade dos eleitores que
compuseram a Casa Legislativa. É nesse sentido que dispõe a
CF/88 e a Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Confira-se:
Constituição do Estado do Rio de Janeiro:
Art. 109. A Assembleia Legislativa terá comissões permanentes
e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições
previstas nos respectivos Regimento ou ato legislativo de sua
criação. § 1º Na constituição da Mesa Diretora e de cada
Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a
representação proporcional dos partidos ou dos blocos
parlamentares com participação na Assembleia Legislativa.
Constituição Federal:
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões
permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as
atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que
resultar sua criação.
§ 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é
assegurada, tanto quanto possível, a representação
proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que
participam da respectiva Casa.
102. Nessa linha, por exemplo, se um partido detém 20%
de participação na Assembleia Legislativa, deve ele deter os
mesmos 20% de participação no âmbito das suas comissões. Da
mesma forma, um partido que detenha pouca participação na
casa legislativa, deterá pouca participação no órgão fracionado,
mesmo que isso signifique a ausência da sua representação.
Exatamente por essa possibilidade é que todas as normas que
versam sobre proporcionalidade partidária dispõem que a
observação do princípio deve ocorrer “tanto quanto possível”.
103. Sobre esse aspecto, o Regimento Interno da ALERJ
dispõe, no art. 23, que “na constituição das Comissões
assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação
proporcional dos Partidos e dos Blocos Parlamentares que
participem da Casa, incluindo-se sempre um membro da
Minoria, ainda que pela proporcionalidade não lhe caiba lugar”.
Da leitura desse dispositivo torna-se claro que o
atendimento à proporcionalidade partidária não exige a
inclusão de todos os partidos. Ainda que não seja possível a
inclusão de todos os partidos – o que, pelo número limitado de
lugares nas Comissões, não será – a participação da minoria
deverá ser assegurada.
104. Outro exemplo: a Comissão Especial formada na
Câmara dos Deputados na ocasião da instauração do processo
de Impeachment da Presidente Dilma Rousseff (PT). Em 2015,
foram empossados para mandato na Câmara dos Deputados,
para a 55ª legislatura, 513 (quinhentos e treze) deputados de 28
(vinte e oito) partidos24. Para a formação da Comissão Especial,
composta por 65 (sessenta e cinco) deputados federais, apenas
continha deputados de 24 (vinte e quatro) partidos. Ademais, os
partidos com maior representação na Câmara, como o PMDB e

46
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

o PT, tinham participação maior que os partidos com menor


representação. Confira a lista dos membros divididos por
partido:
105. O que se evidencia, portanto, é que a
proporcionalidade partidária não é alcançada meramente pela
presença de todos os partidos na Comissão, como fez a ALERJ,
mas, na verdade, pela representatividade equânime (e
proporcional, passe o truísmo) de membros dos partidos
existentes na Casa Legislativa. O objetivo é o de que aquele
órgão fracionado, integrante da Casa Legislativa, reflita a
vontade dos eleitores que a compuseram.
106. Como mencionado, na Comissão Especial, como
formada hoje, com 25 (vinte e cinco) participantes, cada partido
possui participação idêntica de 4%. Contudo, a participação
desses 25 (vinte e cinco) partidos na ALERJ não é equânime,
como se apresenta na Comissão Especial. Conforme consta do
próprio site da ALERJ, os 70 (setenta) deputados estaduais, que
compõem atualmente a ALERJ, estão distribuídos, ente os 25
(vinte e cinco) partidos, gerando a seguinte representatividade
partidária:
Partido / Vagas na Representativid
ALERJ ade na
ALERJ
PSL - 9 deputados 12,86%
PSOL - 5 deputados 7,14%
DEM -5 deputados 7,14%
PSD - 5 deputados 7,14%
PSC - 4 deputados 5,71%
REP - 4 deputados 5,71%
SDD - 4 deputados 5,71%
MDB - 4 deputados 5,71%
PT - 3 deputados 4,29%
PDT - 3 deputados 4,29%
PSDB – 3 deputados 4,29%
NOVO - 2 deputados 2,86%
PP - 2 deputados 2,86%
PTC - 2 deputados 2,86%
DC - 2 deputados 2,86%
PSB - 2 deputados 2,86%
PODE - 1 deputado 1,43%
PL - 1 deputado 1,43%
PC DO B - 1 deputado 1,43%
AVANTE - 1 deputado 1,43%
PTB - 1 deputado 1,43%
PMB - 1 deputado 1,43%
PRP - 1 deputado 1,43%
PROS - 1 deputado 1,43%
PATRIOTA - 1
deputado 1,43%
CIDADANIA - 1
deputado 1,43%

107. O que se evidencia é que na atual formação da


Comissão Especial não foi atendida a proporcionalidade
partidária, na medida em que estão ali igualmente
47
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

representados, tanto os partidos com representação expressiva


na ALERJ quanto os que detém mínima. Tome-se, por
exemplo, o PSL, que detém 12,86% da ALERJ, mas, na
comissão, representa apenas 4% dos seus membros. Ao
passo que partidos com 1,43% de representação na ALERJ
acima mencionados estão com os mesmos 4% de
participação na Comissão. Essa conta não fecha; a
representação partidária na Comissão não reflete, como deveria,
a composição da Casa Legislativa.
108. Nem se diga que, dentro dessa realidade, a minoria
não teria representação na comissão. Isso porque, considerando
que 15 (quinze) partidos detém menos de 3% dos membros da
ALERJ, eles, conjuntamente, representam quase 30% da Casa
Legislativa. Por óbvio, esses 30% terão participação na
Comissão Especial mesmo que não seja possível a participação
de todos os partidos individualmente. Exatamente para abranger
essas hipóteses que as normas que dispõem a respeito da
proporcionalidade partidária possuírem a ressalva de que o
princípio deve ser atendido “tanto quanto possível”.
109. Sobre esse aspecto, o Regimento Interno Câmara dos
Deputados dispõe, no art. 23, que “na constituição das
Comissões assegurar-se-á, tanto quanto possível, a
representação proporcional dos Partidos e dos Blocos
Parlamentares que participem da Casa, incluindo-se sempre um
membro da Minoria, ainda que pela proporcionalidade não lhe
caiba lugar”. Da leitura desse dispositivo torna-se claro que
o atendimento à proporcionalidade partidária não exige a
inclusão de todos os partidos. Ainda que não seja possível a
inclusão de todos os partidos – o que, pelo número limitado de
lugares nas Comissões, não será – a participação da minoria
deverá ser – e será – assegurada.
110. O prestígio do critério da proporcionalidade constitui
autêntico direito subjetivo e respeito ao princípio
democrático. Como funciona de acordo com o número de
membros de cada legenda na Casa Legislativa, está diretamente
relacionado à força da representatividade popular. De tal forma,
repita-se, aplicável “tanto quanto possível”, como assim disposto
no citado Ato nº 41/2020 e não sendo alcançado tal princípio
meramente pela presença de todos os partidos na Comissão.
111. Formar uma comissão de outra forma, pois, significa
desrespeitar a vontade popular, pilar do Estado Democrático de
Direito (CF, art. 1º, caput). A doutrina ainda explica o seguinte:
“A Constituição da República (Art. 58, §1o), tanto quanto
possível, assegura a representação proporcional dos partidos ou
dos blocos parlamentares junto às Comissões, com o propósito
de preservar o princípio democrático e pluralista, além de
homenagear o aspecto partidário da democracia brasileira. Com
o viés de criar procedimentos para conferir maior efetividade ao
processo legislativo, bem como de valorizar os órgãos técnicos,
o Constituinte de 1988 atribuiu poderes às Comissões
Parlamentares (art. 58, § 2o da C.R.) para substituir o Plenário
nas deliberações dos projetos de leis.”25
112. Não há dúvida, portanto, do direito líquido e certo do
impetrante, de ser julgado na forma prevista na lei, que dá
representatividade proporcional na citada comissão, tendo em
vista que a sua formação desrespeita não só o número de
componentes (como compreendido pelo STF), como também o

48
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

princípio constitucional e a regra legal da proporcionalidade


partidária.
QUINTO MOTIVO:
INSTITUÍDA, A COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT
NÃO ELABOROU PARECER INICIAL PARA DELIMITAR
EXATAMENTE AS DENÚNCIAS
113. Diga-se, por fim, que ainda há um quinto motivo para a
segurança ser concedida ao impetrante, ainda que analisado
isoladamente. Isso porque, além de não ter havido votação para
a instituição da Comissão Especial de Impeachment e o
desrespeito ao número de membros da ALERJ que a compõe e
a proporcionalidade entre eles, essa comissão adotou ilegal
conduta omissiva.
114. Segundo constou do Ato 41/2020 exarado pelo
Presidente da ALERJ (doc. 4), depois que a referida comissão
fosse instituída, o impetrante seria citado para apresentar defesa
em até 10 sessões parlamentares. No entanto, após a
instituição, mas antes da citação, a comissão deveria
elaborar um parecer inicial. E a razão desse parecer é singela:
ele nortearia, num filtro técnico de admissibilidade, a ampla
defesa e o contraditório a ser exercido pelo impetrante, porque
delimitaria, exatamente, o escopo das denúncias objeto deste
mandado de segurança.
115. Foi exatamente esse o rito delimitado pelo STF ao
julgar a ADI 5.895/RR. Essa formalidade se perfaz exatamente
no art. 280-C, caput, do Regimento Interno da Assembleia
Legislativa do Estado de Roraima. Para evitar transcrição
excessiva, os trechos do voto do STF, inclusive com essa regra,
já foram transcritos no tópico desta petição inicial referente ao
“PRIMEIRO MOTIVO”. Somente para facilitar a análise, essa
regra dispõe o seguinte:
“Art. 280-C. Caberá à Comissão Especial a emissão de parecer
sobre a autorização para instauração de processo por crime de
responsabilidade contra o Governador, o Vice-Governador ou os
Secretários de Estado. (Incluído pela Resolução nº 017, de
2016).” (grifou-se)
116. Aliás, o próprio parecer da Procuradoria da ALERJ,
referendado na sessão do dia 6.7.2020 (doc. 2), faz clara
alusão à necessidade de se delimitar especificamente a
denúncia feita contra o impetrante,
especialmente à luz do precedente do STF que decidiu a
ADPF 378-MC. Mas até o momento, além da ausência do
parecer inicial, o impetrante ainda não possui absoluta certeza
de quais serão exatamente os fatos que ser objeto das
denúncias objeto dos processos administrativos os quais o
impetrante neste mandado de segurança pretende ver
suspensos/anulados.

117. Nem alegue que o parecer inicial, de incumbência da


Comissão Especial de Impeachment, seria o referido parecer
apresentado pela Procuradoria da ALERJ. Se, eventualmente,
algum impetrado assim alegar, então o impetrante realmente
estará convicto de que todo o processo está eivado de vícios.
Isso porque, se assim ocorrer, então o impetrante não saberá,
exatamente, quais fatos prevalecem no prosseguimento do
processo: os fatos descritos nas petições iniciais das 2

49
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

(duas) denúncias? Os fatos que constaram do parecer da


Procuradoria da ALERJ? Os 2 (dois)?
118. É evidente que a conduta omissiva da Comissão
Especial de Impeachment criou mais um relevante problema
processual. As denúncias revestem-se, pois, de elementos
de dubiedade. E denúncias dúbias, ou ambíguas, são nulas.
Quais, efetivamente, hoje, os fatos imputados ao
denunciado? Do que ele deverá se defender? Daqueles
constantes da peça inicial? Daqueles do parecer
apresentado e ratificado? Há imprecisões entre ambos.
119. A exigência de elaboração de parecer prévio é peça
indispensável para a motivação dos atos legislativos e de
formação de convicção prévia parlamentar, ainda que seja ato
processual perfunctório, de instauração de processo de crime de
responsabilidade. Isso porque tem incalculável repercussão nos
direitos subjetivos do impetrante, ainda que não haja imputação
de direta de culpa.
120. É evidente que há violação a direito líquido e certo do
impetrante no prosseguimento das denúncias em curso na
ALERJ, sem que previamente ele tenha a oportunidade de ter
acesso ao parecer inicial da ilegal Comissão Especial de
Impeachment. Isso, evidentemente, vulnera as suas garantias
fundamentais ao contraditório, à ampla defesa e ao devido
processo legal, consagrados na Constituição Federal
(assegurados no art. 5º, LIV e LV).
121. Por mais essas circunstâncias, confia o impetrante em
que será concedida a segurança, com vistas a assegurar o seu
direito líquido e certo de apresentar defesa tão somente após a
Comissão Especial de Impeachment elaborar parecer inicial,
que deve conter ao menos quais fatos exatamente o impetrante
será investigado e eventualmente punido, de modo a que seja
garantido o seu direito de defesa substantivo, em respeito às
garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal.
TUTELA DE URGÊNCIA IMPOSITIVA
122. O art. 7o, III, da Lei no 12.061/2009 possibilita ao
magistrado, ao receber a petição inicial do mandado de
segurança, determinar a suspensão da eficácia do ato coator,
desde que demonstrados, cumulativamente, fundamentos
relevantes (fumus boni iuris) e do ato impugnado puder resultar
a ineficácia da medida (periculum in mora). E há, no caso, farto
respaldo fático-jurídico a justificar a concessão desse
provimento de urgência.
123. Em síntese, como demonstrado, por meio de
documentos idôneos:
i) no dia 10.6.2020, mesmo sem a indispensável
documentação de suporte, a ALERJ decidiu que as denúncias
feitas contra o impetrante, objeto deste mandado de segurança,
deveriam prosseguir. Diante dessa evidente violação às
garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal, o impetrante requereu à ALERJ, no dia
22.6.2020, que a ele fosse ao menos concedido o direito de ter
acesso à íntegra dos documentos que deveriam dar lastro à
denúncia. No dia 23.6.2020, a ALERJ deferiu a suspensão dos
processos administrativos, para tentar acesso aos documentos.
Poucos dias depois o STJ negou tal pleito. No dia 6.7.2020, o
impetrante soube que a ALERJ decidiu que as denúncias

50
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

prosseguirão, e que os referidos documentos instruirão o


processo só na sua eventual fase jurídica, pressupondo-se,
então, que a denúncia será recebida, sem a apresentação de
qualquer prova. A encenação que este procedimento simboliza
é patente; o simulacro de devido processo é ululante; e o arbítrio
de um desejo político já encomendado é gritante. Tudo isso, com
efeito, tornou manifesto o intuito de vendeta da ALERJ contra o
impetrante; A ALERJ, com efeito, se colocou acima de todas as
garantias basilares de qualquer processo; o processo, pois, é
nulo;
ii) Com base nos acórdãos do STF que julgaram a ADPF
378-MC/DF (em 2015, Impeachment “Dilma Rousseff”) e a ADI
5.895/RR (em 2019, Impeachment “Governadora de Roraima”),
a formação final formal (ou instituição) da Comissão
Especial de Impeachment deve ser submetida à votação
aberta, ainda que simbólica, com veiculação no Diário
Oficial. Mas nada disso aconteceu aqui no caso do
impetrante. Aliás, nem sequer houve votação no caso. Os
líderes de cada partido da ALERJ indicaram um membro e, com
isso, automaticamente, a comissão foi instituída;
iii) Tal como já decidido pelo STF, ao julgar a ADI
5.895/RR, a Comissão Especial, formada para instruir o
prosseguimento de denúncia de Impeachment contra
Governador, deve possuir 1/4 dos membros da Assembleia
Legislativa. Mas o Exmo. Sr. Presidente da ALERJ, ao definir
como seria composta a Comissão Especial de Impeachment do
caso do impetrante, não delimitou que deveria ser composta por
1/4 dos deputados da ALERJ (ou 18, porque a ALERJ possui um
total de 70). Diante dessa ilegalidade, a comissão instituída
possui 25 membros da ALERJ;
iv) Esses 25 membros são exatamente a soma de 1
deputado escolhido pelo líder de cada partido que possui
representação na ALERJ. Mas, à luz dos votos que decidiram a
ADPF 378-MC/DF e a ADI 5.895/RR, essa comissão deveria
respeitar a proporcionalidade/representatividade partidária,
tanto quanto possível. Os percentuais dos membros de cada
partido da ALERJ são facilmente aferíveis do próprio site da
ALERJ; e à luz do acórdão do STF que decidiu a ADI 5.895/RR,
a Comissão Especial de Impeachment deve exarar um
parecer inicial para que as denúncias sejam devidamente
esmiuçadas/esclarecidas para, só depois, citar o
denunciado. Mas, no caso, a comissão do caso do impetrante
não procedeu dessa forma, na medida em que não há parecer
algum (na verdade, como dito acima, sequer há documentos
necessários que poderiam dar algum lastro às denúncias).
124. O fumus boni iuris decorre, pois, da inobservância
manifesta, por parte das autoridades coatoras, dentre outros,
dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa,
do devido processo legislativo e da publicidade, ao
prosseguirem com as denúncias objeto do Processo
Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e do Processo
Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em trâmite
perante a ALERJ. Violou-se pelos 5 (cinco) motivos
demonstrados ao longo desta petição inicial, a CF/88, a Súmula
Vinculante 46, a Lei nº 1.079/1.950, com as delimitações já feitas
pelo STF ao julgar a ADPF 378-MC/DF e a ADI 5.895/RR.

51
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

125. A gravidade da afronta aos preceitos fundamentais fala por


si mesma. A Casa Legislativa de representação popular estará
à frente de um processo de Impeachment eivado de vícios
processuais e sob evidentes máculas a inúmeras garantias
constitucionais (cláusulas pétreas constitucionais).
126. Note-se, nessa linha, que definir o rito é definir o texto
da lei do processo. Sem isso, nenhum passo pode ser dado. Se,
não obstante, o procedimento seguir mesmo assim, ele seguirá,
então, por caminho próprio, insuflado, quiçá, por ventos
políticos, quiçá, por ventos do arbítrio, mas não pela bitola da lei.
Seguirá, enfim, no escuro, e não sob a luz da lei. Tudo não
passaria, então, de um simulacro de processo, travestido em
mera formalidade externa, marcada por uma sequência ad hoc
de atos para se chegar, por derradeiro, ao fim já traçado.
127. Mas Direito não é fim, ainda mais quando se trata
de direito punitivo. Direito é meio. Se o meio não é legal, o
fim, seja ele qual for, é ilícito. Direito, lembrava Scalia, é
essencialmente forma; ela é que legitima o conteúdo; os meios
é que legitimam os fins. Essa é a essência do devido processo
legal (CF, art. 5º, LIV). Essa é a essência do contraditório e da
ampla defesa (CF, art. 5º). E devido processo legal, contraditório
e ampla defesa integram o núcleo duro do Estado Democrático
de Direito (CF, art. 1º, caput).
128. Definir o rito, portanto, sem vícios legais, é definir o
texto; e definir o texto, é definir, de antemão, qual será a lei
aplicável. Afinal, seguir o rito, é seguir o texto; e ser fiel ao texto,
é ser fiel à lei. No caso, essas definições elementares foram
violadas. Tudo isso já foi definido pelo e. STF. Mas a ALERJ
destoou da liturgia ali chancelada em vários aspectos.
129. O periculum in mora, por sua vez, também se faz
presente. Afinal, o prazo da suspensão do processo terminou
com a sessão da ALERJ ocorrida no dia 6.7.2020, segunda-feira.
Nessa ocasião, como a ALERJ decidiu que os processos
administrativos objeto deste mandado de segurança
prosseguirão, o prazo de 10 sessões parlamentares para o
impetrante apresentar defesa começou a fluir a partir do dia
8.7.2020, quarta-feira (data na qual foi veiculada no Diário
Oficial a decisão da ALERJ), cjujo prazo chega a termo no
dia 29.7.2020, quarta-feira.
130. Mas como um processo tão relevante, notadamente à
sociedade carioca, poderia prosseguir eivado de tantas
inconstitucionalidades/ilegalidades? Essa resposta, no dia
6.7.2020, foi respondida pela ALERJ: não obstante a
completa/integral ausência de provas, e as demais
ilegalidades acima apontadas, as denúncias objeto deste
processo prosseguirão; do jeito que a ALERJ decidiu nesse
dia, eventuais documentos somente serão apresentados na
próxima fase (na jurídica), na qual o impetrante já estará
afastado do cargo.
131. Em outras palavras, o periculum in mora se baseia no
prosseguimento das denúncias com o prazo da defesa e o
possível impedimento do representante eleito (na verdade, o
recebimento da denúncia já foi anunciado pela ALERJ na sessão
do dia 6.7.2020; lamentável). Isso viola, diretamente, o
próprio resultado do processo eleitoral e a força da
soberania popular. O processo, desde o início é nulo, por

52
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

nulidades insanáveis e inconvalidáveis, que se comunicam


aos atos posteriores.
132. Não há, por outro lado, nenhum perigo de dano
inverso. Fazer com que o devido processo legal seja respeitado,
na forma já explicitada, no pior cenário, apenas retardará por
pouco tempo o curso destes procedimentos, até que seja
devidamente instruído e sejam ajustadas as condutas aos
termos da lei. Nada além.
133. Qual prejuízo terá a assembleia ou a sociedade
fluminense, se os procedimentos de Impeachment vierem a ser
retardados por umas poucas semanas ou até por um mês ou
outro, para que sejam respeitados dogmas constitucionais tão
caros à democracia, como o contraditório e a ampla defesa? E
veja-se que os vícios apontados são todos, sem exceção,
sanáveis. Dir-se-ia até: fáceis de serem corrigidos.
134. O que custa às autoridades coatoras juntar as provas
da acusação aos autos, antes de abrir o prazo para defesa, ao
menos, antes de julgar? O que impede de formar a Comissão
Especial de Impeachment, obedecida a proporcionalidade
representativa, prevista na constituição e na lei? Nada,
absolutamente nada, a não ser o açodamento e a precipitação
da realização do interesse político momentâneo. Em verdade,
corrigir as ilegalidades ora apontadas, desde logo, trará a estes
processos mais segurança jurídica e, por conseguinte,
legitimidade.
135. Conquanto o impetrante e seus patronos reconheçam
a soberania do Parlamento, conforme proclamaram John
Locke27 e Montesquieu28, nesse momento é fundamental a
suspensão dos processos administrativos enquanto os vícios
objeto deste mandado de segurança não forem sanados. O
processo de impedimento decorre da prática de atos vinculados
à legislação procedimental sem que haja qualquer espaço para
o “ativismo parlamentar”.
136. E a necessidade de deferimento de liminar de imediato
se justifica, na medida em que o prazo para defesa do impetrante
já está em curso e chegará a termo em 29.7.2020. Cada dia que
passa, menos prazo o impetrante dispõe para apresentar sua
defesa regular, à luz dos princípios do contraditório e da ampla
defesa.
137. Por isso, o impetrante requer a V. Exa. a concessão de
tutela de urgência, inaudita altera parte, para determinar que as
autoridades coatoras abstenham-se de retomar o
prosseguimento das denúncias objeto do Processo
Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e do Processo
Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em trâmite
perante a ALERJ: i) sem antes instruir adequadamente as
denúncias, com as provas da acusação, para somente então o
prosseguimento delas ser apreciado, ii) bem como para instituir
uma Comissão Especial de Impeachment de forma adequada
(deve haver votação aberta ainda que simbólica + 1/4 dos
membros da ALERJ + membros eleitos com respeito à
proporcionalidade partidária), que depois deverá elaborar um
parecer inicial, no qual deverá conter, no mínimo, os fatos exatos
sobre os quais o impetrante será investigado, para somente
depois o impetrante ser citado para apresentar a sua defesa.
Essa é a forma de se assegurar, até o momento, o direito líquido
e certo do impetrante ao devido processo legal, à ampla defesa,

53
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

ao contraditório, à legalidade e à publicidade dos atos públicos,


como. (...)” (grifos originais)

Por fim, o impetrante concluiu o mandado de segurança, manifestando


confiança de que lhe seria concedida a medida liminar postulada e, na oportunidade,
requereu ainda a notificação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
e demais integrantes do polo passivo para que prestassem as informações que
julgassem convenientes. Solicitou, ainda, a intimação da Procuradoria Geral da
ALERJ para que ingressasse no feito. Em suma: requereu, no mérito, a concessão de
medida liminar para que fossem anulados todos os atos praticados, nos seguintes
termos: “anulação integral ou ao menos após o Ato 41/2020 do Exmo. Deputado
Estadual Presidente da ALERJ, quais sejam: i) a indicação dos membros da Comissão
Especial de Impeachment; ii) a instituição da Comissão Especial de Impeachment; iii)
a votação do Presidente e do Relator da Comissão Especial de Impeachment; iv) a
citação do impetrante para apresentar defesa, no prazo de até 10 sessões
parlamentares”.

VII – DA RESPOSTA OFERECIDA PELA PROCURADORIA GERAL DA ALERJ AO


MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO DENUNCIADO NO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

Ao tomar conhecimento do Mandado de Segurança impetrado pela defesa do


Chefe do Poder Executivo, a Procuradoria Geral da ALERJ, espontaneamente,
através do Ofício PGPR nº 33/2020, datado de 14 de julho de 2020, protocolou
resposta nos termos que se seguem:

“(...)
FATOS
O Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Doutor
WILSON JOSÉ WITZEL, impetrou este Mandado de Segurança
alegando, em síntese, defeito na instalação e na composição da
Comissão Especial destinada a oferecer parecer quanto à
Denúncia formulada contra o insigne Impetrante pelos
Excelentíssimos Senhores Deputados Luiz Paulo e Lucinha em
virtude de alegado cometimento de crime de responsabilidade,
bem como a nulidade de uma suposta decisão colegiada que,

54
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

em 10 de junho de 2020 teria decidido o prosseguimento de tal


ação por crime de responsabilidade.
SÚMULA VINCULANTE N° 46
Os Impetrados concordam plenamente que a tipificação e o
processo por crime de responsabilidade, à luz do Verbete n° 46
da Súmula Vinculante do Colendo Supremo Tribunal Federal só
podem ser feitos por lei federal.
Tal verbete sumular vinculante tem a seguinte redação:
"A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são de
competência legislativa privativa da União." (grifou-se)
Exatamente por isso, os Impetrados se pautam quanto ao
processo por crime por responsabilidade, exclusivamente, pela
Lei federal n° 1.079/1950 e pelo venerando Acórdão que julgou
o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental n° 378-DF, doravante mencionado por sua célebre
sigla "ADPF" e publicado no Diário de Justiça eletrônico de 8 de
março de 2016.
Em outras palavras: nenhum regimento interno - nem o do
próprio Parlamento fluminense, ora impetrado, nem o da
Augusta Assembleia Legislativa do Estado de Roraima - foi
utilizado como parâmetro no processo por crime de
responsabilidade. Isso seria juridicamente impossível porque,
nos termos do pré-falado Verbete n° 46 da Súmula Vinculante
do Pretório Excelso, as normas de processo e julgamento por
crime de responsabilidade são de competência legislativa
privativa da União.
Aliás, como Impeachment de governador de Estado só pode ser
regulado por lei federal, os Impetrados elogiam e subscrevem a
citação do saudoso ex-Senador da República, ex-Ministro de
Estado e ex-Ministro do Colendo Supremo Tribunal Federal,
Professor Doutor Paulo Brossard, no sentido de "o fato de ser o
Impeachment processo político não significa que ele deva ou
possa marchar à margem da lei" (grifou-se).
Indubitavelmente! Todo processo de Impeachment deve
marchar de acordo com a lei. Todavia, não basta ser lei: deve
ser lei federal, a qual, seja processo por crime de
responsabilidade federal, seja estadual, deve ser a Lei federal n°
1.079/1950.
INTERNA CORPORIS?
Em absolutamente nenhum momento os Impetrados invocaram
a doutrina de ato interna corporis no processo por crime de
responsabilidade.
Desde o início do processo por crime de responsabilidade, os
Impetrados, nos termos do pré-falado verbete sumular
vinculante, recusaram a incidência de normas regimentais
fluminenses - e, evidentemente, também de normas regimentais
roraimenses... - a fim de, exclusivamente, utilizarem a Lei federal
n° 1.079/1950 e o supramencionado Acórdão decorrente do
julgamento do mérito da ADPF n° 378-DF.
Assim, não se pode compreender, com todas as vênias devidas,
o porquê de o insigne Impetrante preocupar-se tanto em afirmar
que não se cuida de ato interna corporis.
ADPF n° 378-DF
Anexado a estas Informações, junta-se o inteiro teor do
venerando Acórdão decorrente do julgamento do mérito da
ADPF n° 378-DF.

55
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Os Impetrados, aliás, elogiam e subscrevem a citação da ADPF


n° 378-DF, ressalvando que a menção a trecho daquele
venerando Acórdão pode não permitir sua integral
compreensão.
No venerando Acórdão, há várias menções a "bloco
parlamentar". Posto que a Augusta Câmara dos Deputados,
composta por quinhentos e treze Excelentíssimos Senhores
Deputados Federais, tenha organizado Blocos Parlamentares, o
Parlamento fluminense não formou nenhum bloco parlamentar.
O bloco parlamentar não é uma instituição regimental: é
constitucional, porque prevista no art. 58, § 1°, da Lei Maior e no
art. 109, § 1°, da Carta do Estado.
O bloco parlamentar é, em determinado Parlamento e durante
determinada Legislatura, a reunião, perante o correspondente
plenário e as respetivas comissões, de dois ou mais partidos
políticos com a finalidade de aumentar a representatividade,
perante a Casa Legislativa, de determinadas ideias políticas.
Destarte, a instituição de bloco parlamentar é uma decisão de
partidos políticos destinada a facilitar a consecução dos
elevados objetivos políticos comuns no que tange as suas
atividades finalísticas: a atuação política perante o plenário e as
comissões.
Repita-se: na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro, nesta 12ª Legislatura, pelo menos por ora, não há
nenhum bloco parlamentar formado. Em virtude de não haver
blocos parlamentares na Impetrada, não se destacarão os
trechos do venerando Acórdão da ADPF n° 378-DF que
mencionem os blocos parlamentares da Augusta Câmara dos
Deputados.
ESCOLHA DA COMISSÃO ESPECIAL
O trecho destacado na primeira folha da primorosa Inicial, ora
transcrito sem nenhum grifo e encontrável na página 10 do
venerando Acórdão, é:
"13. Cautelar incidental (forma de votação): concessão integral
para reconhecer que, havendo votação para a formação da
comissão especial do Impeachment, esta somente pode se dar
por escrutínio aberto."
Em primeiro lugar, os Impetrados repetirão a transcrição - com a
qual concordam e ora subscrevem - permitindo-se, apenas, o
grifo da parte essencial:
"13. Cautelar incidental (forma de votação): concessão integral
para reconhecer que, havendo votação para a formação da
comissão especial do Impeachment, esta somente pode se dar
por escrutínio aberto." (grifou-se)
Como se vê, o trecho da ementa do venerando Acórdão
estabelece que, se houver votação para formação da comissão
especial, então ela deverá ser aberta. Todavia, esse tipo de
escrutínio deve ocorrer se houver votação.
Como o venerando Acórdão da ADPF n° 378-DF tem
quatrocentas e três páginas, destacar-se-ão os trechos que
abordam a "forma de votação" para formação da comissão
especial. Na página 2 do venerando Acórdão, lê-se:
"2. A cautelar incidental requerida diz respeito à forma de
votação (secreta ou aberta) e ao tipo de candidatura (indicação
pelo líder ou candidatura avulsa) dos membros da Comissão
Especial na Câmara dos Deputados. A formação da referida
Comissão foi questionada na inicial, ainda que sob outro prisma.

56
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Interpretação da inicial de modo a conferir maior efetividade ao


pronunciamento judicial. Pedido cautelar incidental que pode ser
recebido, inclusive, como aditamento à inicial. Inocorrência de
violação ao princípio do juiz natural, pois a ADPF foi à livre
distribuição e os pedidos da cautelar incidental são abrangidos
pelos pleitos da inicial." (grifos acrescidos)
Por ora, observe-se que no precedente do Caso Dilma, a própria
ADPF n° 378-DF, debateram-se, quanto à formação da
comissão especial, duas questões: a) se, havendo votação para
a comissão especial, ela seria aberta ou secreta; b) se seriam
permitidas candidaturas avulsas ou somente as indicadas pelos
eminentes Líderes partidários.
Lendo mais, agora na página 5 do venerando Acórdão:
"4. NÃO É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DE
CANDIDATURAS OU CHAPAS AVULSAS PARA FORMAÇÃO
DA COMISSÃO ESPECIAL (CAUTELAR INCIDENTAL): É
incompatível com o art. 58, caput e § 1º, da Constituição que os
representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares
deixem de ser indicados pelos líderes, na forma do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados, para serem escolhidos de
fora para dentro, pelo Plenário, em violação à autonomia
partidária. Em rigor, portanto, a hipótese não é de eleição. Para
o rito de Impeachment em curso, contudo, não se considera
inválida a realização de eleição pelo Plenário da Câmara, desde
que limitada, tal como ocorreu no caso Collor, a ratificar ou não
as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, isto é,
sem abertura para candidaturas ou chapas avulsas.
Procedência do pedido.
• A VOTAÇÃO PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL
SOMENTE PODE SE DAR POR VOTO ABERTO (CAUTELAR
INCIDENTAL): No Impeachment, todas as votações devem ser
abertas, de modo a permitir maior transparência, controle dos
representantes e legitimação do processo. No silêncio da
Constituição, da Lei nº 1.079/1950 e do Regimento Interno sobre
a forma de votação, não é admissível que o Presidente da
Câmara dos Deputados possa, por decisão unipessoal e
discricionária, estender hipótese inespecífica de votação secreta
prevista no RI/CD, por analogia, à eleição para a Comissão
Especial de Impeachment. Em uma democracia, a regra é a
publicidade das votações. O escrutínio secreto somente pode ter
lugar em hipóteses excepcionais e especificamente previstas.
Além disso, o sigilo do escrutínio é incompatível com a natureza
e a gravidade do processo por crime de responsabilidade. Em
processo de tamanha magnitude, que pode levar o Presidente a
ser afastado e perder o mandato, é preciso garantir o maior grau
de transparência e publicidade possível. Nesse caso, não se
pode invocar como justificativa para o voto secreto a
necessidade de garantir a liberdade e independência dos
congressistas, afastando a possibilidade de ingerências
indevidas. Se a votação secreta pode ser capaz de afastar
determinadas pressões, ao mesmo tempo, ela enfraquece o
controle popular sobre os representantes, em violação aos
princípios democrático, representativo e republicano. Por fim, a
votação aberta (simbólica) foi adotada para a composição da
Comissão Especial no processo de Impeachment de Collor, de
modo que a manutenção do mesmo rito seguido em 1992

57
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

contribui para a segurança jurídica e a previsibilidade do


procedimento." (grifos acrescidos)
Aqui, o ponto essencial: os representantes de cada Partido
Político na Comissão Especial devem ser indicados pelos
respetivos Líderes o que permite concluir que, nos termos do
venerando Acórdão, em "rigor, portanto, a hipótese não é de
eleição". Em verdade, se fosse permitida uma rigorosa eleição
dos membros da Comissão Especial, partidos políticos com
pequenas bancadas poderiam ser derrotados e seus membros
rejeitados, o que, novamente nos termos do venerando Acórdão,
implicaria "violação à autonomia partidária".
Lendo um pouco mais, depara-se com o já transcrito parágrafo
na página 10 do venerando Acórdão:
"12. Cautelar incidental (candidatura avulsa): concessão integral
para declarar que não é possível a formação da comissão
especial a partir de candidaturas avulsas, de modo que eventual
eleição pelo Plenário da Câmara limite-se a confirmar ou não as
indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos; e
13. Cautelar incidental (forma de votação): concessão
integral para reconhecer que, havendo votação para a formação
da comissão especial do Impeachment, esta somente pode se
dar por escrutínio aberto." (grifos acrescidos)
Na página 12 do venerando Acórdão, mais uma vez se reafirma
que, havendo votação para formação da comissão especial,
além de o escrutínio dever ser aberto não se admitirão
candidaturas avulsas. Confira-se:
"Quanto à cautelar incidental (candidatura avulsa), por maioria,
em deferir integralmente o pedido para declarar que não é
possível a formação de comissão especial a partir de
candidaturas avulsas, vencidos os Ministros Edson Fachin
(Relator), Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Quanto
à cautelar incidental (forma de votação), por maioria, em deferir
integralmente o pedido para reconhecer que a eleição da
comissão especial somente pode se dar por voto aberto,
vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Teori Zavascki,
Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello." (grifos
acrescidos)
Nas páginas 27 e 28, leem-se os seguintes trechos essenciais à
compreensão histórica do venerando Acórdão:
"Em 09.12.2015, em virtude da concessão do pedido liminar, a
Presidência da Câmara dos Deputados prestou informações
complementares e requereu a imediata revogação da liminar
(eDOC 51), aduzindo que:
(...)
c) em virtude da ausência de pacificação nas bancadas no tocante às indicações oficiais dos
partidos, a Presidência da Câmara adiou a votação dos integrantes da comissão especial,
estabelecendo as regras para que as candidaturas avulsas fossem registradas, tendo como
parâmetro os artigos 7º, inciso I e 8º do RICD;
d) nesse sentido, os deputados que desejassem concorrer deveriam registrar chapas com pelo
menos 33 integrantes (metade mais um da composição da comissão especial, respeitando-se
a proporcionalidade das bancadas e o número de vagas destinadas a cada partido). Caso
fossem registradas chapas incompletas, far-se-ia eleição suplementar para o preenchimento
das vagas restantes; formaram-se duas chapas: uma constituída com os candidatos indicados
pelos líderes de partidos e de blocos parlamentares e outra integrada por candidatos avulsos;"
(grifos acrescidos)
Chega-se, finalmente, ao ponto crucial para que se compreenda
o quadro fático do venerando Acórdão decorrente do julgamento

58
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de mérito da ADPF n° 378-DF: no Caso Dilma, havia conflito


interno entre as bancadas partidárias e, por força de tais
desavenças, o então Presidente da Augusta Câmara dos
Deputados editou regras sobre composição de chapas,
admitindo candidaturas avulsas.
Todavia, na Impetrada, a composição da Comissão Especial do
processo de Impeachment transcorreu em total harmonia,
cabendo a cada Líder indicar o representante do respetivo
Partido Político. Não ocorreram conflitos partidários, não houve
registros de chapas nem candidatos avulsos.
Nas páginas 87 e 88 do venerando Acórdão, lê-se:
"Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve
respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o
sufrágio e a participação de todos os partidos. No caso, seja a
indicação feita por líderes a ser submetida à votação perante o
Plenário da Câmara dos Deputados, seja a concorrência entre
chapas oficial e avulsa, ambas as formas satisfazem os critérios
formativos da comissão." (grifos acrescidos)
Assim como já se destacara no trecho da página 10 do
venerando Acórdão, a indicação dos membros da Egrégia
Comissão Especial por Líderes é, de novo, reputada
constitucional.
Entretanto, o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950 tem a seguinte
redação:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Então, como essa tal "eleição" deve ser feita? Consulte-se,
então, as páginas 139 e 140 do venerando Acórdão:
"'Eleita' pode ter dois sentidos: 'sujeita à votação', ou pode ter o
sentido de 'escolhida' - Comissão Especial escolhida. Eu até fui
ao Aurélio hoje pela manhã, e a primeira acepção de 'eleita' é
'escolhida', não é 'votada'. Portanto, essa é uma acepção
possível, e não só é uma acepção possível, como é a única que
faz sentido. Por que ela é a única que faz sentido? É que não há
lógica que possa sustentar que os candidatos do partido 'A' que
vão integrar a Comissão Especial sejam escolhidos não pelo
partido 'A', que eles vão representar, mas pelo Plenário. Não! A
indicação tem que ser pelos líderes. Você não pode ter o
representante de um partido em uma Comissão eleito pelo
Plenário."
Repita-se: o vocábulo "eleita" significa "escolhida"; escolhida
pelos Líderes. Simplesmente, não se pode correr o risco de
submeter-se a um plenário de Casa Legislativa a aprovação de
indicações partidárias: se isso acontecesse, um partido político
minoritário jamais escolheria seus membros nas mais
importantes comissões parlamentares, marcantemente na
Comissão Especial de Impeachment. Como cada partido
político, com grande ou minúscula bancada, tem direito a indicar
seu representante em comissão especial de Impeachment,
admitir-se votação pelo respetivo plenário implicaria tolerar que
um partido político minoritário não conseguiria indicar o membro
que elegesse - que escolhesse - para tão importante comissão.
A eleição da comissão especial significa, assim, escolha; a
escolha se dá pelos respetivos Líderes. Na página 175 do
venerando Acórdão, a dúvida é, finalmente, sepultada:

59
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

"62. A partir dessa premissa é que se deve examinar o art. 19 da


Lei nº 1.079/1950, que prevê uma “comissão especial eleita”
para emissão de parecer no rito de Impeachment na Câmara dos
Deputados. Restam, assim, duas interpretações possíveis
acerca do preceito legal: (i) a expressão 'eleita', nele prevista,
implica comissão aprovada por votação do Plenário da Casa,
destinada a validar ou não a indicação apresentada pelos líderes
partidários; ou, o que me parece mais adequado, (ii) 'eleita'
significa apenas escolhida, de maneira que a formação da
comissão de Impeachment segue, por completo, o regramento
padrão do RI/CD, que é de designação dos membros das
Comissões pelos líderes.
f) Não há sentido na primeira interpretação. Não pode caber ao Plenário da
Casa Legislativa escolher os representantes dos partidos ou blocos
parlamentares. Tal mecanismo enfraqueceria, sobremaneira, a
autonomia partidária e a garantia constitucional de representação
proporcional dos partidos nas comissões. Logo, eleita deve significar
escolhida, que é, aliás, uma das acepções léxicas possíveis. Portanto,
esta é a interpretação que se entende correta e que se propõe seja
adotada daqui por diante." (grifos acrescidos)
REPRESENTAÇÃO PARTIDÁRIA NA COMISSÃO ESPECIAL
Relembre-se, inda mais uma vez, o teor do art. 19 da Lei federal
n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifos
acrescidos)
A Lei federal n° 1.079/1950 exige que a Comissão Especial do
Impeachment seja composta por representantes de todos os
Partidos Políticos da respetiva Casa Legislativa.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro é, em
obediência ao comando insculpido no caput do art. 27 da
Constituição da República, composta por setenta
Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais, os quais são
filiados a vinte e cinco diferentes Partidos Políticos.
Neste ponto, é essencial lembrar-se as regras sobre sistema
eleitora, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças
Armadas aplicáveis aos Excelentíssimos Senhores Deputados
Estaduais são normas estabelecidas pela Constituição da
República. Em outras palavras, absolutamente nada cabe às
Assembleias Legislativas - nem mesmo à do Estado de Roraima
ou do Rio de Janeiro - quanto aos temas acima mencionados.
Da mesma forma, a composição numérica das vinte e seis
Assembleias Legislativas e da Augusta Câmara Legislativa do
Distrito Federal é, também, norma estabelecida pela
Constituição da República, motivo por que o número de setenta
Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais é imposto pelo
comando insculpido no caput do art. 27 da Lei Maior.
Fixada a premissa de que o número de Excelentíssimos
Senhores Deputados Estaduais é norma estabelecida na
Constituição da República, confira-se, de acordo com
documento oficial da Secretaria Geral da Mesa Diretora, a
composição partidária da Impetrada:

60
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A fim de que se cumpra a regra de um representante por partido


político em comissão especial de Impeachment, na Impetrada,
ela terá, no mínimo, vinte e cinco Membros, porque, atualmente,
há vinte e cinco Partidos Políticos nela representados.
Ocorre que o multicitado Acórdão decorrente do julgamento do
mérito da ADPF n° 378-DF pelo Egrégio Plenário do Colendo
Supremo Tribunal Federal também determinou a representação
de todos os partidos políticos de uma Casa Legislativa em
comissão especial de Impeachment.
Na página 87 do venerando Acórdão, leem-se:
"Posto isso, extrai-se do diploma legal dois critérios formativos
no que se refere à comissão especial: (i) a
eleição de seus membros integrantes; e (ii) a participação em
sua composição de representantes de todos os partidos
políticos, observada a proporção partidária.
(...)
Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve
respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o
sufrágio e a participação de todos os partidos." (grifos
acrescidos)
Em primeiro lugar, se todos os partidos políticos representados
numa Casa Legislativa têm direito a vaga em comissão especial
de Impeachment, não se pode, previamente, determinar
nenhuma fração ou número máximo de tal comissão especial.
Em segundo lugar, a Lei federal n° 1.079 foi publicada em 12 de
abril de 1950. Como ela foi promulgada entre 1° de fevereiro de
1947 e 31 de janeiro de 1951, o início de sua vigência ocorreu
durante a trigésima oitava Legislatura da Augusta Câmara dos
Deputados.
Na pré-falada trigésima oitava Legislatura da Augusta Câmara
dos Deputados, havia trezentos e cinco Excelentíssimos
Senhores Deputados Federais divididos, naquela época, entre
dez Partidos Políticos. Considerada tal composição político-
partidária, a garantia de pelo menos um Membro de cada Partido
Político em comissão especial de Impeachment talvez

61
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

implicasse composição menor do que a necessária na


Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Em terceiro lugar, a Lei federal não determina o número máximo
de membros ou a fração da composição plenária que deva ser
imposta a comissão especial de Impeachment. Todavia, a Lei
federal determina que haja pelo menos um membro de cada
partido político em comissão especial de Impeachment.
Em quarto lugar, é democrático que se assegure a cada partido
político representado em uma Casa Legislativa uma vaga em
comissão especial de Impeachment. Se não fosse assim, seriam
justamente os partidos políticos com menores bancadas que não
teriam acesso a tal comissão especial, porque, evidentemente,
ela seria partilhada apenas entre os grandes partidos políticos.
PROPORCIONALIDADE PARTIDÁRIA NA COMISSÃO
Inicialmente, destaque-se que é impossível cumprir-se a
proporcionalidade!
De novo, relembre-se o teor do multicitado art. 19 da Lei federal
n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifos
acrescidos)
Literalmente, além de um representante por partido político,
cada comissão especial deveria espelhar a composição plenária
da respetiva Casa Legislativa. Com o devido respeito e
acatamento, essa interpretação, além de ser literal, anula
completamente a regra constitucional pertinente.
Consulte-se, em primeiro lugar, o parágrafo único do art. 40 da
Constituição da República de 1946, vigente quando foi publicada
a Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 40 ..................................................................
Parágrafo único - Na constituição das Comissões, assegurar-se-
á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos
Partidos nacionais que participem da respectiva Câmara." (grifos
acrescidos)
Confira-se, agora, o § 1° do art. 58 da Constituição da República
de 1988:
"Art. 58 .................................................................
§ 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é
assegurada, tanto quanto possível, a representação
proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que
participam da respectiva Casa. ............................................."
(grifos acrescidos)
É comezinho que se interpreta uma lei - mesmo uma Lei federal
- à luz da Constituição da República e nunca o contrário. Assim,
quer se analise a Constituição da República de 1946, vigente na
época da publicação da Lei federal n° 1.079/1950, quer se
considere a atual Constituição da República de 1988, o comando
legal de respeito à proporcionalidade partidária é podado pela
determinação constitucional de que isso se dê "tanto quanto
possível".
Aliás, a questão da cláusula "tanto quanto possível", inscrita na
Lei Maior, não é exclusividade brasileira. Ela é tão rotineira nos
Parlamentos mundiais que se a pode encontrar, por exemplo, no
Regimento Interno do Augusto Parlamento Europeu, literalmente
em português, um dos idiomas oficiais da União Europeia.

62
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Confira-se em
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/RULES-9-
2019-07-02-RULE-209_PT.html:
"Artigo 209: Composição das comissões:
1. ..........................................................................
A composição das comissões deve refletir, tanto quanto
possível, a composição do Parlamento. A distribuição dos
lugares nas comissões entre os grupos políticos deve
corresponder ao número inteiro imediatamente superior ou
inferior ao resultado do cálculo proporcional.
Se não houver acordo entre os grupos políticos quanto à sua
proporção numa ou mais comissões específicas, a Conferência
dos Presidentes decide da
distribuição.............................................." (grifos acrescidos)
No caso da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,
já se demonstrou que a composição da Comissão Especial de
vinte e cinco Excelentíssimos Senhores Deputados, porque vinte
e cinco Partidos Políticos nela são representados.
Considerando-se que o Colendo Plenário da Impetrada conta
com setenta Parlamentares, a Comissão Especial já representa
35,7% da composição plenária do Parlamento fluminense.
A busca obsessiva pela irretocável proporcionalidade aritmética,
além de ignorar a expressão constitucional "tanto quanto
possível", implicaria a composição da Comissão Especial com
número de Membros perto da totalidade da Casa Legislativa
fluminense.
Neste passo, inda mais uma vez, é necessário reler-se o art. 19
da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Com o devido respeito, por que uma comissão destinada a
opinar - isto é, a emitir parecer - sobre uma denúncia por crime
de responsabilidade precisa ser tão grande a ponto de
ultrapassar 35,7% da composição plenária do Parlamento
fluminense? Simplesmente, não precisa!
Pelo exposto, considerados os vinte e cinco Partidos Políticos
representados na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro, a imposição legal de um representante de cada Partido
Político na Comissão Especial do Impeachment, a composição
plenária constitucionalmente imposta de setenta
Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais e, finalmente,
a cláusula constitucional do "tanto quanto possível", a única
solução juridicamente possível era a composição da Comissão
Especial com vinte e cinco Membros.
Como se vê, é impossível cumprir-se a proporcionalidade.
ADI n° 5.895-RR
Ao julgar, em 27 de setembro de 2019, o mérito da Ação Direta
de Inconstitucionalidade n° 5.895-RR, o Egrégio Plenário do
Colendo Supremo Tribunal Federal afirmou - como aliás o
insigne Impetrante muito bem destacou - que:
"1. Ação Direta não conhecida em relação ao inciso I do art. 65
da Constituição do Estado de Roraima, pois sua
inconstitucionalidade já foi declarada no julgamento da ADI
4.805, Relator Ministro LUIZ FUX.

63
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

2. Compete apenas à União (art. 22, I, c/c art. 85,


parágrafo único, da CF) legislar sobre a definição de crimes de
responsabilidade e sobre o processo e julgamento desses
ilícitos. Essa competência foi exercitada pela edição da Lei
Federal 1079/1950, em grande parte recepcionada pela
Constituição de 1988. (Enunciado 722 da Súmula do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, convertida na Súmula Vinculante 46).
64 No caso, são inconstitucionais os artigos e 65, § 2º, da
Constituição de Roraima, por afronta à competência legislativa
da União para legislar sobre crimes de responsabilidade, seja
tipificando os ilícitos ou disciplinando questões inerentes ao
processo e ao julgamento.
4. A mera repetição, pela Assembleia Legislativa em seu
Regimento Interno, da legislação federal de regência – tanto do
regramento da Lei 1.079/1950, como do conteúdo prescrito pelo
precedente firmado pela CORTE na ADPF 378-MC – denota
uma coerente harmonização das normas sobre o funcionamento
interno da Casa Legislativa na apuração dos crimes de
responsabilidade do Governador e dos Secretários de Estado, o
que não se confunde com a alegada invasão de competência
legislativa da União." (grifos acrescidos)
Assim, o que fez a Augusta Assembleia Legislativa do Estado de
Roraima foi, em seu Regimento Interno, meramente repetir a Lei
federal n° 1.079/1950, que tipifica as condutas e rege o processo
e julgamento por crime de responsabilidade. Ocorreu, nos
termos do venerando Acórdão, "mera repetição".
Quanto à limitação da composição de comissão especial de
Impeachment a um quarto da composição plenária da
Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, há três
problemas:
a) o Regimento Interno do Parlamento roraimense não é
lei em sentido formal a ponto de tornar-se obrigatório para outros
Estados;
b) o Regimento Interno do Parlamento roraimense não é
lei federal a ponto de tornar-se obrigatório para outros Estados;
c) como o Regimento Interno do Parlamento roraimense
prevê que a Comissão Especial de Impeachment será composta
por um quarto dos Membros do Parlamento, na Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, ela teria dezoito
Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais, o que
implicaria deixar sete Partidos Políticos sem representação.
CARÁTER OPINATIVO DA COMISSÃO ESPECIAL
Mesmo que se admitisse que houve ilegalidade na composição
da Comissão Especial do Impeachment, o que ora se imagina
apenas a título de argumentação, nenhuma lesão poderia ser
arguida pelo insigne Impetrante.
Em primeiro lugar, o Excelentíssimo Senhor Deputado Relator
da Comissão Especial pode elaborar Voto no sentido da rejeição
da Denúncia em virtude de alegado crime de responsabilidade.
Em segundo lugar, qualquer que seja o Voto do Excelentíssimo
Senhor Deputado Relator, a própria Comissão Especial poderá
aprovar parecer - repita-se: parecer - no sentido da rejeição de
tal Denúncia.
Por fim e o mais importante, o Parecer da Comissão Especial é
meramente opinativo. Ele não vincula o Plenário da Assembleia
Legislativa, o qual pode sempre decidir em sentido oposto ao
parecer da Comissão Especial. Mais uma vez: quem decide é o

64
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Plenário da Assembleia Legislativa, não a Comissão Especial,


legalmente incumbida de apenas oferecer parecer.
Na página 88 do venerando Acórdão decorrente do julgamento
do mérito da ADPF n° 378-DF, lê-se:
"Aliás, o trabalho da comissão especial é essencialmente
instrutório e opinativo, tendo em conta que as decisões políticas
de deliberar sobre a denúncia e de autorizar a instauração do
processo estão reservadas ao Plenário da Câmara dos
Deputados, por força da Lei 1.079/50." (grifos acrescidos)
Na página 93 do venerando Acórdão, constata-se:
"De novo, cabe-se frisar que a Comissão Especial possui
funções instrutórias e opinativas." (grifos acrescidos)
Por fim, novamente, é fundamental reler-se o art. 19 da Lei
federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Como se vê, se houvesse inconstitucionalidade ou ilegalidade
na composição da Comissão Especial - e essa possibilidade já
foi refutada – não haveria risco para o insigne Impetrante, porque
a deliberação sobre a Denúncia é de competência exclusiva do
Plenário da Impetrada.
INSTRUÇÃO PROCESSUAL
Leia-se, inicialmente, o caput do art. 76 da pré-falada Lei federal
n° 1079/1950:
"Art. 76 A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma
reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a
comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-
los com a indicação do local em que possam ser encontrados.
Nos crimes de que houver prova testemunhal, conterão rol das
testemunhas, em número de cinco pelo menos.
Parágrafo único ................" (grifos acrescidos)
A Denúncia por alegado cometimento de crime de
responsabilidade foi oferecida por dois Excelentíssimos
Senhores Deputados Estaduais indicando o local em que se
poderiam encontrar os documentos que a esclarecessem.
Repita-se, porque essencial: esclarecessem.
Sim, no dispositivo do venerando Acórdão que julgou o mérito
da ADPF n° 378-DF, precisamente na página 402, lê-se:
"quanto ao item C, por maioria, deferiu parcialmente o pedido
para (1) declarar recepcionados pela CF/88 os artigos 19, 20 e
21 da Lei nº 1.079/1950, interpretados conforme à Constituição,
para que se entenda que as “diligências” e atividades ali
previstas não se destinam a provar a improcedência da
acusação, mas apenas a esclarecer a denúncia; e (2) para
declarar não recepcionados pela CF/88 o artigo 22, caput, 2ª
parte [que se inicia com a expressão “No caso contrário...”], e §§
1º, 2º, 3º e 4º, da Lei nº 1.079/1950, que determinam dilação
probatória e segunda deliberação na Câmara dos Deputados,
partindo do pressuposto que caberia a tal casa pronunciar-se
sobre o mérito da acusação, vencidos os Ministros Edson Fachin
(Relator), Dias Toffoli e Gilmar Mendes;" (grifos acrescidos)
É, aliás, importante, recordar-se como o Egrégio Plenário do
Colendo Supremo Tribunal Federal, no mesmo julgamento,
reputou o ônus probatório que recai sobre comissão especial de
Impeachment. Na página 4 do venerando Acórdão, lê-se:

65
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

"Conforme indicado pelo STF e efetivamente seguido no caso


Collor, o Plenário da Câmara deve deliberar uma única vez, por
maioria qualificada de seus integrantes, sem necessitar, porém,
desincumbir-se de grande ônus probatório. Afinal, compete a
esta Casa Legislativa apenas autorizar ou não a instauração do
processo (condição de procedibilidade)."
O principal documento indicado na Denúncia era o processo
administrativo n° E-08/001/1170/2019. Segundo a Denúncia,
nele se conteriam Decisão do insigne Impetrante e sua
publicação. Nos termos do caput do art. 76 da Lei federal n°
1.076/1950, isso foi indicado, cabendo à Comissão Especial do
Impeachment juntá-lo.
A Comissão Especial juntou-o e os eruditos Advogados que
elaboraram a preciosíssima Inicial receberam a integralidade de
tais documentos.
Assim, no dia 10 de junho de 2020, o Excelentíssimo Senhor
Presidente da Assembleia Legislativa recebeu
monocraticamente a Denúncia, conforme o parágrafo n° 7 da
preciosa Inicial.
Naquele momento, Denúncia com firma reconhecida descrevia
fato que, em tese, pode configurar o crime de proceder de modo
incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo,
conforme o art. 9°, item n° 7, da Lei federal n° 1.079/1950, sendo
certo que o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado não
deixara, por qualquer motivo, o elevado cargo que ora ocupa.
A juntada de documentação, que ocorreu em data posterior à
respeitável Decisão monocrática do Excelentíssimo Senhor
Presidente da Assembleia Legislativa, mas anterior à intimação
dos cultíssimos Advogados do insigne
Impetrante, não era essencial para que, à luz dos argumentos
da Denúncia, fosse reconhecida sua viabilidade.
Nos parágrafos n° 49 e n° 50 da preciosa Inicial, impugna-se o
fato de "na sessão do dia 10.6.2020, sem qualquer base
probatória. Deputados, portanto, votaram pelo prosseguimento
de uma
denúncia leviana e carente de provas." Naquela data, como já
se demonstrou, o Excelentíssimo Senhor Presidente da
Assembleia Legislativa, monocraticamente, decidiu dar
prosseguimento à Denúncia.
Mesmo que juridicamente competisse ao Plenário tal decisão,
não era necessária, naquele momento e em virtude do pré-
falado art. 76, caput, da Lei federal n° 1.079/1950, nenhuma
prova. Bastava o fortíssimo indício decorrente da transcrição da
respeitável Decisão do Excelentíssimo Senhor Ministro Benedito
Gonçalves no PBAC n° 27/DF.
Enfrentando-se o parágrafo n° 53 da erudita Inicial, pode-se
resumir assim a questão:
a) em 18 de junho de 2020, os Denunciantes não
confessaram que não instruíram a Denúncia com os
"documentos necessários",
porque, nos termos do art. 76, caput, da Lei federal n°
1.079/1950, indicaram onde se os poderiam obter;
b) no dia 2 de julho de 2020, com os documentos
juntados aos autos, foi possível a intimação dos eminentes
Advogados do insigne Impetrante, que receberam o conjunto
completo de documentação que instrui o processo de
Impeachment.

66
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Segundo o insigne Impetrante, no parágrafo n° 54 de sua


preciosa Inicial, "deputados, sem ter acesso a provas mínimas,
que devem necessariamente ser carreadas ao processo,
formalmente instruído, simplesmente não podem deliberar sobre
o impedimento de governador."
Em primeiro lugar, os Denunciantes indicaram onde as provas
poderiam ser obtidas, nos termos do caput do art. 76 da Lei
federal n° 1.079/1950.
Em segundo lugar, o Excelentíssimo Senhor Presidente,
monocraticamente, julgou viável a Denúncia, porque elaborada
por cidadãos brasileiros, cujas firmas foram reconhecidas por
tabelião, descrevendo conduta que, em tese, estaria adequada
ao tipo do art. 9°, item n° 7, da Lei federal n° 1.079/1950, sendo
certo que o Governado do Estado não deixara - como não deixou
- o prestigioso cargo por qualquer motivo.
Por fim, nunca é demais repetir que o pré-falado processo
administrativo n° E-08/001/1170/2019, expressamente
mencionado na Denúncia e ora integralmente carreado aos
autos, contém Decisão exclusiva do insigne Impetrante. (...)”
(grifos originais)

Ao final do documento, oferecido em resposta ao Mandado de Segurança


impetrado pelo denunciado, a Procuradoria Geral da ALERJ concluiu sua exposição,
requerendo a declaração de integral improcedência do pedido formulado pela defesa
do governador afastado, Exmo. Sr. Wilson José Witzel.

VIII – DA DECISÃO DO EXMO. SR. DESEMBARGADOR DR. ELTON LEME SOBRE


O MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO DENUNCIADO NO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

No dia 15 de julho de 2020, após a juntada espontânea da resposta da


Procuradoria Geral da ALERJ ao Mandado de Segurança impetrado pelo denunciado,
no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, decidiu o Eminente
Desembargador Elton Leme, nos termos que passo a citar:

“(...)
DECISÃO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Wilson José
Witzel, contra atos praticados pelo Exmº Sr. Presidente da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro ALERJ, pelo
Exmº Sr. Presidente da Comissão Especial de Impeachment da
Assembleia Legislativa do Estado Rio de Janeiro e do Exmº Sr.
Relator da Comissão Especial de Impeachment da Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Deputados Estaduais,
narrando que, no dia 27/05/2020, o Deputado Estadual Luiz
Paulo Correa da Rocha e a Deputada Estadual Lúcia Helena
Pinto de Barros ofereceram “denúncia” perante a ALERJ contra
o impetrante. Menciona que a primeira recebeu o nº 5.328/2020
67
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

e a segunda, apensada à primeira, é identificada pelo nº


5.360/2020, ambas com fundamento nos arts. 4º V, 9º, VII, 74 a
79, da Lei nº 1.079/1.950.
Ressalta a competência exclusiva da União para legislar sobre
crime de reponsabilidade e sobre processo-julgamento desse
ilícito, não havendo espaço para a teoria dos “atos interna
corporis, modus in rebus”. Destaca que o suposto “rito” adotado
por meio de ato administrativo-normativo do Presidente da
ALERJ, uma das autoridades impetradas, mostra-se inválido e
denota dúplice mácula jurídica: uma inconteste
inconstitucionalidade e evidente ilegalidade, além de ferir a
súmula vinculante nº 46 do STF, bem como afrontar a
jurisprudência da Corte Suprema.
Sustenta, em resumo, a nulidade do processo, por falta de
provas e motivação. Narra que, no dia 10/06/2020, mesmo sem
a indispensável documentação de suporte, a ALERJ decidiu que
os processos em questão, com as denúncias feitas contra o
impetrante, objeto deste mandado de segurança, deveriam
prosseguir. Relata que, diante da evidente violação às garantias
do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal,
requereu à ALERJ, no dia 22/06/2020, a concessão do direito de
ter acesso à íntegra dos documentos que deveriam dar lastro à
denúncia. E, no dia 23/06/2020, a ALERJ deferiu a suspensão
dos processos administrativos para tentar obter o
compartilhamento de documentos junto ao Superior Tribunal de
Justiça, o que foi negado por aquela Corte Superior de Justiça.
Prossegue mencionando que, no dia 06/07/2020, o impetrante
soube que a ALERJ decidiu que as denúncias prosseguiriam e
que os referidos documentos instruiriam o processo somente na
sua eventual fase jurídica, fazendo supor que a denúncia será
recebida sem a apresentação de qualquer prova, em detrimento
das garantias processuais básicas, sendo, pois, nulo o processo.
Destaca que, com base nos acórdãos do Supremo Tribunal
Federal que julgaram a ADPF 378-MC-DF em 2015
(Impeachment da Presidenta “Dilma Rousseff”) e a ADI
5.895/RR em 2019 (Impeachment da “Governadora de
Roraima”), a composição final formal da Comissão Especial de
Impeachment deve ser submetida à votação aberta, ainda que
simbólica, com veiculação no Diário Oficial. Entretanto, nada
disso aconteceu no caso do impetrante. Aliás, sequer houve
votação no caso, pois o líder de cada um dos partidos da ALERJ
indicou um membro e, com isso, automaticamente, a comissão
foi instituída.
Descreve que, tal como já decidido pelo Supremo Tribunal
Federal, ao julgar a ADI 5.895/RR, a comissão especial, formada
para instruir o prosseguimento da denúncia de Impeachment
contra Governador deve possuir 1/4 dos membros da
Assembleia Legislativa, ou seja, 18 deputados, porque a ALERJ
possui um total de 70 deputados. Aponta que a comissão
instituída pela ALERJ possui 25 membros, constituindo
ilegalidade.
Menciona que os 25 membros são exatamente a soma de um
deputado escolhido pelo líder de cada partido com
representação na ALERJ, sendo que de acordo com os votos
que decidiram a ADPF 378- MC/DF e a ADI 5.895/RR, essa
comissão deveria observar, tanto quanto possível, a
proporcionalidade-representatividade partidária, à medida que

68
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

os percentuais dos membros de cada partido da ALERJ são


facilmente aferíveis a partir do próprio site da ALERJ.
Ressalta que, à luz do acórdão do Supremo Tribunal Federal que
decidiu a ADI 5.895/RR, a Comissão Especial de Impeachment
deve exarar um parecer inicial para que as denúncias sejam
devidamente esclarecidas para, só depois, citar o denunciado.
Contudo, no caso, a comissão não procedeu dessa forma, na
medida em que não há parecer algum e sequer há documentos
para lastrear as denúncias.
Sustenta que o fumus boni iuris decorre da inobservância
manifesta pelas autoridades apontadas como coatoras, dentre
outros, dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla
defesa, do processo legislativo e da publicidade, ao
prosseguirem com a denúncia objeto do Processo Administrativo
nº 5.328/2020 (principal) e do Processo Administrativo nº
5.360/2020 (apenso), ambos em trâmite perante a ALERJ,
violando a Constituição Federal, a Súmula Vinculante 46, a Lei
nº 1.079/1950, com as delimitações já feitas pelo Supremo
Tribunal Federal ao julgar a ADPF 378-MC/DF e a ADI 5.895/RR.
Alega a existência de vícios processuais e inúmeras máculas às
garantias constitucionais e cláusulas pétreas constitucionais.
Salienta que, em decisão do dia 10/06/2020, publicada em
15/06/2020, o Presidente da ALERJ, mesmo à míngua da
indispensável documentação de suporte, deferiu o
prosseguimento das denúncias, vindo a definir o rito por meio do
ATO/E/GP/nº 41/2020.
Aduz a existência de periculum in mora, uma vez que o prazo da
suspensão do processo terminou com a sessão da ALERJ
ocorrida no dia 06/07/2020, segunda-feira, na ocasião em que a
ALERJ decidiu que os processos administrativos objeto deste
mandado de segurança prosseguirão. O prazo de 10 sessões
parlamentares para o impetrante apresentar defesa começou a
fluir a partir do dia 08/07/2020, quarta-feira (data em que foi
veiculada a decisão da ALERJ no Diário Oficial), com término no
dia 29/07/2020, quarta-feira. Assim, eventuais documentos
somente serão apresentados na próxima fase (jurídica).
Aponta violação ao próprio resultado do processo eleitoral e a
força soberana do voto popular, sendo nulo o processo, por
vícios insanáveis e inconvalidáveis, que contaminam os atos
posteriores.
Afirma a ausência de perigo de dano inverso com o deferimento
da liminar, pois o respeito ao devido processo legal apenas
retardará pouco tempo o curso desses procedimentos, até que
sejam devidamente instruídos e sejam ajustadas as condutas
nos termos da lei.
Sustenta a existência de direito líquido e certo.
Desse modo, postula a concessão da liminar “inaudita altera
parte”, com fundamento no disposto no art. 7º, III, da Lei nº
12.016/2009, para determinar que as autoridades coatoras
abstenham-se de retomar o prosseguimento das denúncias
objeto do Processo Administrativo nº 5.328/2020 (principal) e do
Processo Administrativo nº 5.360/2020 (apenso), ambos em
trâmite perante a ALERJ, sem antes instruir adequadamente as
denúncias com as provas da acusação, para somente então o
prosseguimento delas ser apreciado, bem como para instituir
uma Comissão Especial de Impeachment de forma adequada,
com votação aberta, ainda que simbólica, mais 1/4 dos membros

69
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

da ALERJ eleitos com respeito à proporcionalidade partidária,


que depois deverá elaborar um parecer inicial, no qual deverá
conter, no mínimo, os fatos exatos sobre os quais o impetrante
será investigado, para somente depois o impetrante ser citado
para apresentar sua defesa, a fim de assegurar o direito líquido
e certo ao devido processo legal, à ampla defesa, à legalidade e
à publicidade dos atos públicos.
Manifestação do impetrante a fls. 48, informando o recolhimento
de custas complementares, conforme guia a fls. 50-51.
As autoridades impetradas prestaram informações a fls. 52- 83,
afirmando a ausência de defeito na instalação e composição da
comissão especial destinada a oferecer parecer quanto à
denúncia formulada contra o impetrante. Ressaltam que a
tipificação e o processo por crime de responsabilidade, à luz do
verbete 46 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal,
só podem ser estabelecidos por lei federal. Mencionam que se
pautam, quanto ao processo por crime de responsabilidade,
exclusivamente na Lei nº 1.079/1950 e no acórdão que julgou o
mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 378/DF, publicado no Diário de Justiça
eletrônico no dia 08/03/2016. Mencionam que nenhum
regimento interno, nem o do próprio Parlamento Fluminense,
nem o da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima foi
utilizado como parâmetro. Destacam que em nenhum momento
invocaram a doutrina de ato interna corporis no processo por
crime de responsabilidade contra o impetrante. Salientam que
no acórdão da mencionada ADPF 378/DF há várias menções a
bloco parlamentar, mas o Parlamento Fluminense não formou
nenhum bloco parlamentar.
Apontam, em síntese, que o voto na ADPF 378/DF menciona o
seguinte: a) se houver votação, esta deve ser aberta; b) os
representantes de cada partido serão indicados pelos
respectivos líderes, não sendo, a rigor, hipótese de eleição para
a Comissão Especial; c) havendo votação para formação da
comissão especial, o escrutínio deve ser aberto, não se
admitindo candidaturas avulsas; d) a compreensão histórica do
acórdão da ADPF 378/DF obriga à análise do conflito interno
existente entre as bancadas partidárias; e) na assembleia
impetrada a escolha da comissão especial do processo de
Impeachment transcorreu em total harmonia, cabendo a cada
líder indicar o representante do respectivo Partido Político; f) não
ocorreram conflitos partidários no presente caso; g) não houve
registros de chapas, nem candidatos avulsos; h) a indicação dos
membros da comissão especial por líderes é considerada
constitucional; i) o vocábulo “eleita” utilizado no art. 19 da Lei nº
1.079/1950 significa “escolhida”, no caso, escolhida pelos
líderes, sob pena de enfraquecimento da autonomia partidária;
j) a Lei n° 1.079/1950 exige que a Comissão Especial do
Impeachment seja composta por representantes de todos os
partidos políticos da respectiva Casa Legislativa; l) o acórdão na
ADPF 378/DF determinou a representação de todos os partidos
políticos de uma Casa Legislativa em Comissão Especial de
Impeachment; m) a impossibilidade de cumprimento da
proporcionalidade partidária; n) quer se analise a Constituição
da República de 1946, vigente na época da publicação da Lei n°
1.079/1950, quer se considere a Constituição da República de
1988, o comando legal de respeito à proporcionalidade partidária

70
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

tem alcance limitado pela expressão “tanto quanto possível”; o)


a Comissão Especial é composta de 25 membros, porque 25
partidos políticos nela estão representados, o que constitui
37,5% da composição plenária do Parlamento Fluminense; p) a
comissão destinada a emitir parecer sobre uma denúncia por
crime de responsabilidade não precisa ultrapassar 35,7% da
composição plenária do Parlamento Fluminense de 70
deputados; q) a Assembleia Legislativa de Roraima, em seu
Regimento Interno, reproduziu a Lei nº 1.079/1950; r) o
descabimento de limitação da composição da Comissão
Especial de Impeachment a 1/4 da composição plenária nos
moldes da Assembleia Legislativa de Roraima; s) o caráter
opinativo da comissão especial; t) a deliberação sobre a
denúncia é de competência exclusiva do Plenário; u) a denúncia
por alegado cometimento de crime de responsabilidade foi
oferecida indicando expressamente os documentos e onde
poderiam ser obtidos; v) o processo administrativo nº E-
08/001/1170/2019 foi juntado pela Comissão Especial, dando-se
acesso aos advogados do impetrante; x) o impetrante não
deixou o cargo de Governador do Estado; z) o processo
administrativo nº E-08/001/1170/2019, expressamente referido
na denúncia, foi integralmente trazido aos autos, constando ali
decisão administrativa da lavra exclusiva do Impetrante. Assim,
pedem a declaração integral de improcedência do pedido.
Consta certidão da secretaria deste Órgão Especial a fls. 487,
atestando a manifestação das autoridades impetradas e que as
custas foram devidamente recolhidas.
É o breve relatório. Decido.
Inicialmente, destaca-se a competência deste Órgão Especial
para conhecer e apreciar a matéria, nos termos do art. 3º, inciso
I, alínea “e”, do Regimento Interno deste Tribunal e art. 161, IV,
alínea “e”, item 3, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro,
cabendo a apreciação do pleito liminar pelo relator, de acordo
com o art. 124 do referido Regimento Interno e do art. 7º da Lei
nº 12.016/09, que disciplina o mandado de segurança.
Com efeito, verifica-se que são imputados ao Governador do
Estado do Rio de Janeiro, ora impetrante, os crimes de
responsabilidade tipificados no art. 4º, V, e no art. 9º, VII, ambos
da Lei nº 1.079/1.950. Nesse caso, o procedimento a ser
adotado nos processos nº 5.360/2020 (fls. 5-29) e nº 5.328/2020
(fls. 31-43), que tratam do tema, encontra previsão expressa nos
arts. 74 a 79 da aludida lei federal, sendo que os referidos feitos
se encontram apensados por força do despacho de fls. 45 do
anexo.
Deve-se ser observado desde logo que não se vislumbra, em
sede de cognição sumária, a utilização do Regimento Interno da
ALERJ para ditar o curso dos processos administrativos em
questão. Como dito, esses feitos tramitam lastreados na Lei nº
1.079/1950 e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
notadamente nos termos sedimentados quando do julgamento
da ADPF nº 378/DF, de relatoria do Ministro Edson Fachin, tendo
como redator do acórdão o Ministro Luís Roberto Barroso.
Note-se que o próprio Regimento Interno da ALERJ, em seu art.
211, dispõe que “o processo nos crimes de responsabilidade do
Governador e do Vice-Governador do Estado obedecerá às
disposições da lei federal em vigor”.

71
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, no acórdão que julgou


a ADPF nº 378-DF, “deferiu parcialmente o pedido para
estabelecer em interpretação conforme à Constituição do art. 38
da Lei nº 1.079/1950, que é possível a aplicação subsidiária dos
Regimentos Internos da Câmara e do Senado ao processo de
Impeachment, desde que que sejam compatíveis com os
preceitos legais e constitucionais pertinentes”, conforme cópia
acostada a fls. 485 dos presentes autos.
Em uma análise superficial, parece não proceder a alegação do
impetrante de ausência de prova a lastrear o oferecimento da
“denúncia”. Neste ponto, observa-se que a respectiva peça de
“denúncia”, ao narrar os fatos imputados ao impetrante, faz
alusão expressa ao procedimento administrativo instaurado no
âmbito da Secretaria de Estado sob o número E-
08/001/1170/2019, bem como aponta a decisão supostamente
ilícita proferida pelo impetrante, publicada no Diário Oficial do
Estado do Rio de Janeiro no dia 24/03/2020 (cópia a fls. 06 do
anexo). Há indicação, portanto, dos fatos e atos administrativos
que possibilitam a identificação e localização dos respectivos
documentos públicos que lastreiam a denúncia, conforme exige
o art. 76, caput, da Lei nº 1.079/1950, que assim dispõe:
“Art. 76 - A denúncia, assinada pelo denunciante e com a firma
reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a
comprovem, ou da declaração de impossibilidade de
apresentá-los com a indicação do local em que possam ser
encontrados. Nos crimes de que houver prova testemunhal,
conterá o rol das testemunhas, em número de cinco pelo
menos.”
Neste sentido, por não se tratar de ato reservado ao Plenário da
Assembleia Legislativa, o Presidente da ALERJ, no dia
10/06/2020, decidiu monocraticamente o seguinte: “(...) dou
prosseguimento à denúncia por crime de responsabilidade no
Processo 5328/2020 do Excelentíssimo Sr. Governador. (...)
Declaro que dou prosseguimento ao processo de Impeachment
(...) que não há qualquer pré-julgamento aqui, não estamos
fazendo qualquer juízo de valor, mas estamos dando
prosseguimento ao procedimento de apuração de crime de
responsabilidade, no qual vamos garantir, como sempre
fazemos, até o presente momento, todo direito à ampla defesa
do Sr. Governador” (Diário Oficial do Estado, 15/06/2020; fls.
1.168 do anexo).
Outrossim, no momento da apresentação da “denúncia” não se
fazia imprescindível a apresentação das provas, tendo em vista,
como acima ressaltado, o disposto no art. 76 da Lei nº
1.079/1950. Dessa forma, revelam-se suficientes os indícios
extraídos da transcrição da decisão proferida pelo
Excelentíssimo Senhor Ministro Benedito Gonçalves no PBAC
n° 27/DF e a referência aos documentos públicos mencionados.
Nesse ponto, é de especial relevância o entendimento do
Supremo Tribunal Federal manifestado quando do julgamento
da ADPF n° 378-DF, no sentido de “(1) declarar recepcionados
pela CF/88 os artigos 19, 20 e 21 da Lei nº 1.079/1950,
interpretados conforme à Constituição, para que se entenda que
as “diligências” e atividades ali previstas não se destinam a
provar a improcedência da acusação, mas apenas a esclarecer
a denúncia; (...)” (cópia a fls. 485 destes autos).

72
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

E ainda, ao apreciar o item (2.2) (Rito do Impeachment na


Câmara), entendeu Supremo Tribunal Federal que “(...)
Conforme indicado pelo STF e efetivamente seguido no caso
Collor, o Plenário da Câmara deve deliberar uma única vez, por
maioria qualificada de seus integrantes, sem necessitar, porém,
desincumbir-se de grande ônus probatório. Afinal, compete a
esta Casa Legislativa apenas autorizar ou não a instauração do
processo (condição de procedibilidade). (...)” (fls. 87 destes
autos).
Tem aqui especial relevância o fato de que a cópia do Processo
Administrativo nº E-08/001/1170/2019, mencionado na inicial da
denúncia, foi disponibilizada ao impetrante, conforme
demonstrado pela parte impetrada à fls. 94-483. Nesse passo,
embora a alegação de que a juntada dos documentos ocorreu
em data posterior à decisão do Presidente da ALERJ que
determinou o prosseguimento do processo administrativo,
verifica-se, em verdade, que a juntada se efetivou em data
anterior à intimação dos advogados do impetrante da referida
decisão (02/07/2020). Na ocasião, os advogados receberam o
conjunto completo da documentação que instrui o processo de
Impeachment (fls. 82), o que, a princípio, afasta qualquer
prejuízo potencial à defesa.
É oportuno observar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, ao
se manifestar quanto ao momento da apresentação da defesa,
decidiu expressamente na ADPF n° 378-DF que “a
apresentação de defesa prévia não é uma exigência do princípio
constitucional da ampla defesa: ela é exceção, e não a regra no
processo penal. Não há, portanto, impedimento para que a
primeira oportunidade de apresentação de defesa no processo
penal comum se dê após o recebimento da denúncia. No caso
dos autos, muito embora não se assegure defesa previamente
ao ato do Presidente da Câmara dos Deputados que inicia o rito
naquela Casa, colocam-se à disposição do acusado inúmeras
oportunidades de manifestação em ampla instrução processual.
Não há, assim, violação à garantia da ampla defesa e aos
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em tema de
direito de defesa”.
Desse modo, em análise ainda que breve, não se evidencia a
alegada falta de prova e motivação nos processos
administrativos em questão a macular as garantias do devido
processo legal, ampla defesa e do contraditório.
No tocante à formação da Comissão Especial de Impeachment,
sem votação prévia, destaca-se que o Supremo Tribunal Federal
na ADPF n° 378-DF reconheceu que “(...) 12. Cautelar incidental
(candidatura avulsa): concessão integral para declarar que não
é possível a formação da comissão especial a partir de
candidaturas avulsas, de modo que eventual eleição pelo
Plenário da Câmara limite-se a confirmar ou não as indicações
feitas pelos líderes dos partidos ou blocos.” E segue: “(...) 13.
Cautelar incidental (forma de votação): concessão integral para
reconhecer que, havendo votação para a formação da comissão
especial do Impeachment, esta somente pode se dar por
escrutínio aberto (...)” (fls. 93 destes autos).
Ainda na reiteradamente mencionada ADPF n° 378-DF, quanto
aos temas “votação aberta ou secreta para a formação da
comissão especial”, e “candidaturas avulsas em contrapartida à
indicação pelos líderes partidários”, decidiu o Supremo Tribunal

73
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Federal que “(...) 4. NÃO É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DE


CANDIDATURAS OU CHAPAS AVULSAS PARA FORMAÇÃO
DA COMISSÃO ESPECIAL (CAUTELAR INCIDENTAL): É
incompatível com o art. 58, caput e § 1º, da Constituição que
os representantes dos partidos políticos ou blocos
parlamentares deixem de ser indicados pelos líderes, na
forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, para
serem escolhidos de fora para dentro, pelo Plenário, em
violação à autonomia partidária. Em rigor, portanto, a
hipótese não é de eleição. Para o rito de Impeachment em
curso, contudo, não se considera inválida a realização de eleição
pelo Plenário da Câmara, desde que limitada, tal como ocorreu
no caso Collor, a ratificar ou não as indicações feitas pelos
líderes dos partidos ou blocos, isto é, sem abertura para
candidaturas ou chapas avulsas”. (fls. 88 destes autos).
Muito embora a ADPF n° 378-DF faça menção à existência de
“bloco parlamentar”, é de toda evidência que inexiste, no caso
da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a
organização de alianças de representações parlamentares em
bloco.
Assim, por simetria à hipótese decidida pela Suprema Corte, a
formação da comissão especial nas Assembleias Legislativas
estaduais deve ocorrer mediante indicação de membros pelos
líderes dos partidos políticos, a afastar a suscitada necessidade
de eleição. Desta feita, entendeu também o Supremo Tribunal
Federal que a expressão “comissão eleita” contida no art. 19
da Lei nº 1.079/1951 significa “escolhida”, pois entendimento
contrário constituiria violação à autonomia partidária, como se
extrai dos itens 62 e 63 do acórdão trazido por cópia a fls. 175
destes autos.
No que diz respeito à alegação de que o Presidente da ALERJ
não indicou o número de membros da Comissão Especial de
Impeachment e nem o limitou a 1/4 dos membros da ALERJ,
verifica-se que a Lei nº 1.079/1950 exige que essa comissão
especial seja composta por representantes de todos os partidos
políticos da Casa Legislativa. Tal assertiva se extrai do
respectivo art. 19, a saber:
Art. 19. - Recebida a denúncia, será lida no expediente da
sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita,
da qual participem, observada a respectiva proporção,
representantes de todos os partidos para opinar sobre a
mesma.
Nos termos do regramento inserto no art. 27 da Constituição
Federal, a ALERJ é composta de 70 Deputados Estaduais, que
são filiados a 25 partidos políticos, conforme consta a fls. 68.
Assim, informam as impetradas que para atender à referida
regra, ou seja, de um representante por partido político, a
Comissão Especial de Impeachment deverá ter no mínimo 25
membros, guardada a razão direta do número de partidos
políticos ali representados.
Na mesma linha, o acórdão na ADPF n° 378-DF estabeleceu que
a escolha de membros dessa comissão deve ter a participação
de todos os partidos, como se depreende do trecho a seguir
transcrito:
“(...) “Posto isso, extrai-se do diploma legal dois critérios
formativos no que se refere à comissão especial: (i) a eleição de
seus membros integrantes; e (ii) a participação em sua

74
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

composição de representantes de todos os partidos políticos,


observada a proporção partidária. (...) Isso porque a escolha de
membros dessa comissão deve respeitar os preceitos
constitucionais e legais, especialmente o sufrágio e a
participação de todos os partidos (...)”. (fls. 170 dos presentes
autos).
Nesse contexto, não é possível estabelecer antecipadamente
regramento numérico ou de fração para integrar a comissão em
análise, sem antes conhecer a composição partidária da Casa
Legislativa que é alterada a cada eleição. Ademais, a Lei nº
1.079/1950 não determina o número máximo de membros ou a
fração da composição a ser adotada para integrar a comissão.
No que se refere ao ventilado desrespeito à proporcionalidade,
verifica-se, a princípio, a impossibilidade prática, no caso
concreto, de observar tal recomendação concomitantemente à
representação de todos os partidos políticos da Casa
Legislativa. Isso porque os 25 membros que representam todos
os partidos já espelham o percentual de 35,7% da composição
plenária da ALERJ, não sendo razoável que a comissão especial
tenha em sua composição número ainda maior de Deputados.
Com relação à pretendida aplicação da limitação a 1/4 da
composição, que é prevista no Regimento Interno da
Assembleia Legislativa do Estado de Roraima ‒ regramento este
que foi apreciado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
5.895-RR ‒ não é possível transpor para a Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro os termos regimentais da Casa
Legislativa de outro Estado da federação. Além disso, a adoção
da limitação a 18 membros, como ocorre naquele Estado,
deixaria no caso do Rio de Janeiro sete partidos políticos sem
representação na comissão, o que não pode ser acolhido em
razão do evidente conflito com o que dispõe o art. 19 da Lei nº
1.079/1950.
Ressalte-se que o art. 58, § 1º, da Constituição Federal
assegura, tanto quanto possível, a representação proporcional
dos partidos junto às comissões. Todavia, no caso em análise,
essa proporcionalidade não se mostra possível por malferir a
própria representação numérica partidária na comissão especial.
Cumpre mencionar que o parecer da Comissão Especial de
Impeachment é meramente opinativo, como ressaltado no
acórdão da ADPF nº 378/DF (fls. 170 destes autos), a saber:
“(...) o trabalho da comissão especial é essencialmente
instrutório e opinativo, tendo em conta que as decisões políticas
de deliberar sobre a denúncia e de autorizar a instauração do
processo estão reservadas ao Plenário da Câmara dos
Deputados, por força da Lei 1.079/50. (...)”.
Registre-se que o art. 4º do Ato/E/GP nº 41/2020 do Presidente
da ALERJ, publicado no Diário Oficial de 15/06/2020, transcrito
na inicial a fls. 04, estabelece que o parecer da Comissão
Especial de Impeachment, sobre a admissibilidade ou não da
denúncia, deverá ser emitido em cinco sessões, contadas do
oferecimento da defesa pelo impetrante ou do término do prazo
mencionando no caput do art. 2º. Dado a seu caráter meramente
opinativo, como acima destacado, não procede a alegação do
impetrante no sentido de que deveria haver parecer prévio da
comissão especial para viabilizar a defesa.

75
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Por fim, vale relembrar a sempre lúcida lição do saudoso Ministro


Paulo Brossard, em sua obra clássica sobre o tema, conforme
citado pelo Ministro Gilmar Mendes no MS 33921 MC/DF:
“O Impeachment terá inspiração política, motivação política,
estímulos políticos. Políticos serão os resultados perseguidos. É
natural que seja assim; dificilmente assim não será. Contudo,
isto não quer dizer que o Impeachment seja inteiramente
discricionário e que o seu desenvolvimento se processe ao
inteiro sabor de uma e outra casa do Congresso, tanto é certo
que, uma vez instaurado, deve desdobrar-se segundo a lei, que
minuciosamente o disciplina. Em glosa ao Regimento do Senado
norte-americano, Thomas Jefferson, que o presidiu, escreveu
que, em matéria de Impeachment, a decisão senatória ‘must be
secundum, non ultra legem’. E não só a sentença, mas o
processo todo, no que diz respeito a suas fases e formalidades”.
(BROSSARD, Paulo de Souza Pinto. O Impeachment. 3ª ed.
São Paulo, Saraiva. 1992) (...)”

Ao final de sua decisão, o Exmo. Sr. Desembargador Elton Leme indeferiu a


liminar postulada, por não ter vislumbrado, no transcurso dos procedimentos
realizados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, qualquer afronta
à Constituição, à lei de regência ou à inteligência dos precedentes do Supremo
Tribunal Federal, razão pela qual não considerou presentes os requisitos ensejadores
do provimento liminar.

IX – DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL AJUIZADA PELO DENUNCIADO NO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Inconformado com o indeferimento da liminar pleiteada no Mandado de


Segurança que tramitou no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o
denunciado deu entrada em Reclamação Constitucional perante o Supremo Tribunal
Federal (STF), na data de 22 de julho de 2020, contra dois atos administrativos
praticados no transcurso do processo, no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro, que não teriam proporcionado: a) a suspensão do prazo para
apresentação de defesa escrita à Comissão Especial de Impeachment enquanto a
peça acusatória não fosse instruída com os documentos solicitados em diligência; b)
a realização de votação aberta, ainda que simbólica, dos membros eleitos para
integrarem a Comissão Especial de Impeachment, respeitada a proporcionalidade
partidária. Cumulativamente, a Reclamação ajuizada no STF se insurge contra a
respeitável decisão judicial proferida pelo Exmo. Sr. Desembargador, Dr. Elton

76
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Martinez Carvalho Leme, Relator do Mandado de Segurança no Tribunal de Justiça


do Rio de Janeiro, que ratificou os atos praticados pela ALERJ por não ter neles
vislumbrado qualquer ofensa à Constituição. Assim, para expressar seu
inconformismo face à decisão desfavorável no Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro, buscando revertê-la, o denunciado ajuizou a Reclamação, nos seguintes
termos:

“(...)
I. SÍNTESE DA PRETENSÃO E DA FINALIDADE DESTA
RECLAMAÇÃO.
1. Trata-se de reclamação contra 2 (dois) atos desviantes
praticados pela ALERJ e seus membros (sua mesa Diretora, seu
Presidente, o Presidente da Comissão Especial de
Impeachment e o Relator da Comissão Especial de
Impeachment), no âmbito do processo de Impeachment movido
contra o ora reclamante (doc. 3).
2. Cumulativamente, trata-se de reclamação, também, contra
decisão judicial proferida pelo Exmo. Desembargador Elton
Martinez Carvalho Leme, que, ao indeferir o pedido de medida
liminar veiculado nos autos do Mandado de Segurança n°
0045844-70.2020.8.19.0000 – TJ/RJ, culminou por referendar e
encampar os atos da ALERJ, assim igualmente desafiando a
autoridade dos julgados proferidos por essa c. Suprema
Corte, nas seguintes ações de controle concentrado de
constitucionalidade: i) a ADPF 378-MC/DF; e ii) a ADI
5.895/RR, além do desrespeito à Súmula Vinculante 46.
3. Assim, com esta reclamação – encartada, para todos os
reclamados, na hipótese do art. 988, III, do CPC/15 –, pretende-
se seja restaurada a autoridade decisória dessa c. Corte.

II. SÍNTESE DOS FATOS.


II.A SÍNTESE DAS 2 (DUAS) DENÚNCIAS RECEBIDAS PELA
ALERJ ATÉ O DEFERIMENTO DE SUSPENSÃO DOS 2 (DOIS)
PROCESSOS ADMINISTRATIVOS INSTAURADOS CONTRA
O RECLAMANTE.
4. Em 27.5.2020, o Exmo. Deputado Estadual Sr. Luiz Paulo
Correa da Rocha e a Exma. Deputada Estadual Sra. Lúcia
Helena Pinto de Barros ofereceram denúncias perante a ALERJ
contra o reclamante (doc. 3). A primeira, foi distribuída sob o no
5.328/2020, e a segunda, apensada à primeira, sob o no
5.360/2020, ambas com fundamento nos arts. 4º, V, 9º, VII, 74 a
79, da Lei nº 1.079/1.950.
5.Tais processos ficaram com prazo de defesa suspenso até o
dia 3.7.2020, sexta-feira (doc. 3). Isso porque, no dia 23.6.2020,
quarta-feira, a ALERJ deferiu o pedido de suspensão formulado
pelo reclamante, deduzido com base em 2 (dois) relevantes
motivos: (i) a ALERJ deveria informar o rito processual a ser
adotado para julgamento dos Processos Administrativos de nos
5328/2020 (principal) e 5360/2020 (apenso); e (ii) deveriam ser
acostados aos autos os documentos que motivaram as
denúncias, para somente então ser avaliada a pertinência ou
não do prosseguimento dos gravíssimos processos políticos
administrativos (o principal e o apenso).
77
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

6.Sobre o item (ii), em sessão posterior, o eminente relator da


Comissão Especial de Impeachment, para evitar coação ilegal
(CPP, art. 648, I), solicitou ao STJ o compartilhamento da
documentação relativa à medida cautelar de produção
antecipada de provas. Esse pedido, no entanto, foi indeferido
pelo Ministro Benedito Gonçalves (doc. 3), o que não impediu o
procedimento de anomalamente retomar o seu curso.
7. Já sobre o item (i), o reclamante se surpreendeu, ao pesquisar
nos Diários Oficiais do Estado do Rio de Janeiro. Constatou,
então, ali, que a ALERJ já tinha definido o rito de prosseguimento
das denúncias e que alguns atos dessa liturgia ad hoc já tinham
sido praticados de forma inidônea, porque destoantes do rito
fixado por essa e. Corte para o processo de Impeachment
(ADPF 378 e da ADI 5.895), a partir da Lei 1.079/50, cuja
disciplina é de competência é exclusiva da União Federal (SV
46).
II.B SÍNTESE DO ATOS ILEGAIS OBJETO DO MANDADO DE
SEGURANÇA, E QUE TAMBÉM SÃO OBJETO DESTA
RECLAMAÇÃO – A COMISSÃO ESPECIAL DE
IMPEACHMENT FOI INSTITUÍDA SEM VOTAÇÃO; POSSUI 25
MEMBROS DA ALERJ (AO INVÉS DE 18), NÃO RESPEITOU A
PROPORCIONALIDADE (POR PARTIDO), NEM TAMPOUCO
EXAROU O NECESSÁRIO PARECER INICIAL
8. Em decisão do dia 10.6.2020, publicada em 15.6.2020, o
Exmo. Deputado Estadual Presidente da ALERJ, à míngua da
indispensável documentação de suporte, deferiu o
prosseguimento das denúncias. E assim o fez, após submetê-
las à apreciação do colegiado, como se infere da referida
publicação (doc. 3), nos seguintes termos:
“Eu, André Luiz Ceciliano, baseado no parecer técnico da douta
Procuradoria, dou prosseguimento à denúncia por crime de
responsabilidade no Processo 5328/2020 do Excelentíssimo Sr.
Governador.
Como manifestei no início, vamos dar todo direito à ampla
defesa ao Governador. Temos certeza de que de onde vem,
como juiz, terá também a possibilidade de esclarecer os fatos
nos quais está baseado o pedido de Impeachment no Processo
5328/2020.
Declaro que dou prosseguimento ao processo de Impeachment.
Nós vamos publicar o ato, abrir prazo para que cada partido
indique um representante para a comissão e, depois, essa
comissão terá 48 horas para eleger o presidente e o relator.
Rogo aos líderes que façam as indicações. O prazo vai contar a
partir de segunda-feira. Não indicando, a Presidência indicará o
representante do partido nessa comissão.
Volto a dizer que não há qualquer pré-julgamento aqui; não
estamos fazendo qualquer juízo de valor, mas estamos dando
prosseguimento ao procedimento de apuração de crime de
responsabilidade, no qual vamos garantir, como sempre
fazemos, até o presente momento, todo direito à ampla defesa
do Sr. Governador.”
9.No mesmo dia, com publicação oficial em 15.6.2020, o Exmo.
Sr. Presidente da ALERJ (ora reclamado) editou o Ato 41/2020,
no qual definiu o rito processual a ser seguido nos processos
políticos administrativos (o principal e o apenso) movidos contra
este Governador de Estado (doc. 3), o que fez nos seguintes
termos:

78
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“Atos do Presidente ATO/E/GP/N° 41/2020


Dá cumprimento, nos termos da Súmula Vinculante n° 46, à
Legislação federal sobre crime de responsabilidade.
O Presidente da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e em estrito
cumprimento à Súmula Vinculante n° 46 e às normas da Lei
federal n° 1.079/1950, RESOLVE:
Art. 1° Abrir prazo de quarenta e oito horas a cada um dos
Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada
qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir
Parecer sobre a Denúncia por crime de responsabilidade contra
o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada
no processo ALERJ n° 5.328/2020. Parágrafo único - Esgotado
o prazo sem indicação de Liderança, o Presidente da
Assembleia Legislativa fará as indicações necessárias, sempre
respeitando, tanto quanto possível, a proporcionalidade
partidária.
Art. 2° Determinar a citação do Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado para, querendo, defender-se, no prazo
de dez sessões, perante a Comissão Especial dos fatos
articulados na Denúncia.
Parágrafo único A citação deverá ser acompanhada do inteiro
teor do processo ALERJ n° 5.328/2020 e eventuais apensos.
Art. 3° Depois que os Membros forem indicados, a Comissão
Especial terá quarenta e oito horas para reunir-se, elegendo seu
Presidente e seu Relator.
Art. 4° A Comissão Especial terá cinco sessões para emitir
Parecer sobre a admissibilidade ou não da Denúncia, contadas
do oferecimento da Defesa do Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado ou do término do prazo mencionado no
caput do art. 2°.
Art. 5° O Parecer será lido em Plenário da Assembleia
Legislativa e publicado no Diário Oficial, sendo imediatamente
inserido na Ordem do Dia.
Art. 6° Os Excelentíssimos Senhores Deputados, no limite
máximo de cinco por Partido, poderão discutir o Parecer por uma
hora, ressalvado ao Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da
Comissão Especial o direito de responder a cada um.
Art. 7° Encerrada a discussão do Parecer, e submetido à votação
nominal, será a Denúncia, com os documentos que a instruam,
arquivada, se não for considerada objeto de deliberação ou
recebida, hipótese em que, publicado o resultado, comunicar-se-
á o Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do
Egrégio Tribunal de Justiça para a composição do Tribunal
previsto no art. 78, § 3°, da Lei federal n° 1.079/1950.
Art. 8° A Denúncia será arquivada se não for recebida até o final
do mandato do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado.
Art. 9° Este Ato Executivo entra em vigor na data de sua
publicação.
Palácio Tiradentes, 10 de junho de 2020
Deputado ANDRÉ CECILIANO,
Presidente Em 10.06.2020.” (doc. 2)”
10. Em cumprimento ao referido ato, instituiu-se, então, sem
qualquer tipo de votação e a partir de mera indicação pelos
Líderes, a Comissão Especial de Impeachment, no dia
18.6.2020 (doc. 2).

79
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

11. É exatamente com base na formação dessa atual Comissão


Especial de Impeachment que o reclamante deduziu, no writ
objeto desta reclamação e naquilo que para ela importa, 2 (duas)
evidentes ilegalidades praticadas pelas autoridades coatoras
(ora reclamados), em claro desrespeito às balizas vinculantes
firmadas por esta Suprema Corte:
1. a Comissão Especial de Impeachment foi instituída pela
simples indicação de líderes partidário, sem qualquer posterior
votação (aberta, ainda que simbólica, veiculada no Diário
Oficial); e
2. a formação da Comissão Especial desrespeitou por completo
da regra da proporcionalidade partidária, tendo em vista que
cada partido teve direito a indicar um membro. Com isso,
partidos restaram sub representados (aqueles com as maiores
bancadas, mas com apenas um representante na Comissão
Especial), enquanto outros, de bancadas pequenas, foram
super-representados, com artificial desvirtuamento das próprias
forças políticas existentes no Parlamento.
12.Dentre outras ilegalidades apontadas no mandado de
segurança, o fato inquestionável é o de que as 2 (duas) acima
mencionadas revelam claro descumprimento de parâmetros já
bem definidos pelo STF ao interpretar, em sede de controle
concentrado (com caráter vinculante – CF /88, 102, § 2º), a Lei
nº 1.079/50, fonte normativa exclusiva, em tema de crime de
responsabilidade. Assim procedeu o STF ao julgar a ADPF 378-
MC/DF e a ADI 5.895/RR e ao editar a súmula vinculante 46 do
STF (CF/88, art. 103-A).
13. Nesse contexto, o reclamante, por meio do mandado de
segurança, deduziu, inicialmente, pedidos de urgência, a fim de
que o Órgão Especial do e. Tribunal a quo suspendesse ou
anulasse os referidos atos ilegais, praticados pela ALERJ em
total descumprimento à autoridade decisória de precedentes
vinculantes desta Suprema Corte e do rito a ser
compulsoriamente observado em tema de crime de
responsabilidade.
14. No entanto, o Ilustre Desembargador Relator, também
indicado como autoridade reclamada, indeferiu o pedido de
medida liminar ali formulado, chancelando, assim, ele próprio, os
descumprimentos dos comandos deste Supremo Tribunal
Federal realizados pelo Poder Legislativo.
15. Daí a presente reclamação, com pedido urgente de medida
liminar.
III. MANIFESTO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO: DOIS ATOS
PRATICADOS PELAS AUTORIDADES COATORAS (ORA
RECLAMADOS) E DECISÃO JUDICIAL (TAMBÉM OBJETO
DESTA RECLAMAÇÃO) QUE OS MANTEVE.
III.A DOS ATOS RECLAMADOS E PARADIGMAS VIOLADOS.
16.Reclamação, como se sabe, é instrumento processual que
objetiva resguardar, contra atos do Poder Público, a
competência desse e. Supremo Tribunal Federal e a autoridade
de seus julgados, notadamente quando impregnados de eficácia
vinculante, como se dá com aqueles proferidos em sede de
fiscalização normativa abstrata. A respeito do cabimento desta
reclamação para essa e. Corte, dispõe o art. 102, I, ‘l’, da CF/88
que “compete ao Supremo Tribunal Federal (...) processar e
julgar (...) a reclamação para a preservação de sua competência
e garantia da autoridade de suas decisões”. Já o art. 103-A, §3°,

80
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

da CF/88 prevê que, “do ato administrativo ou decisão judicial


que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a
aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal”.
17. Nesse mesmo sentido dispõe o art. 988, III, do CPC/15, ao
prever que “caberá reclamação da parte interessada” para
“garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de
decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado
de constitucionalidade”. E em sintonia com essa regra, o art. 9°,
I, ‘c’ do RI STF ainda prevê que compete às Turmas do STF
processar e julgar, originariamente, “a reclamação que vise a
preservar a competência do Tribunal ou a garantir a autoridade
de suas decisões ou Súmulas Vinculantes”.
18. Com bases nessas premissas é que esta reclamação –
encartada na hipótese dos arts. 102, I, ‘l’, 103-A, , §3°, da CF/88
c/c art. 988, III, do CPC/15 – é o meio processual adequado para
a correção dos desvios dos atos administrativos e da decisão
judicial reclamados em relação a parâmetros já previamente
definidos em acórdãos proferidos em sede de controle de
constitucionalidade e em Súmula Vinculante. Afinal, esta
reclamação é proposta contra os seguintes atos:
i) Os 2 (dois) atos administrativos praticados no processo de
impedimento do reclamante pelo Presidente da ALERJ, pelo
Presidente da Comissão Especial de Impeachment e pelo
Relator da Comissão Especial de Impeachment; e
ii) A decisão judicial proferida pelo Exmo. Desembargador Elton
Martinez Carvalho Leme, Relator do Mandado de Segurança n°
0045844- 70.2020.8.19.0000, por meio da qual indeferiu os
pedidos de tutela de urgência formulados pelo ora reclamante, a
qual permitiu a manutenção dos referidos atos administrativos.
19. Os reclamados, ao praticarem todos esses atos (dois
administrativos e um judicial), violaram a autoridade:
i) da Súmula Vinculante n° 46, a qual prevê ser competência
legislativa privativa da União a definição dos crimes de
responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas
para processo e julgamento; e
ii) dos acórdãos proferidos por esta Suprema Corte ao julgar a
ADPF 378- MC/DF (analisou a recepção das normas previstas
na Lei n° 1.079/1950 à luz da CF/88) e a ADI 5.835/RR (em que
se fez o filtro de constitucionalidade da disciplina atinente ao
processo por crime de responsabilidade contra Governadores de
Estado, considerado o monopólio da União Federal na matéria).
20. dos acórdãos proferidos por esta Suprema Corte ao julgar a
ADPF 378- MC/DF (analisou a recepção das normas previstas
na Lei n° 1.079/1950 à luz da CF/88) e a ADI 5.835/RR (em que
se fez o filtro de constitucionalidade da disciplina atinente ao
processo por crime de responsabilidade contra Governadores de
Estado, considerado o monopólio da União Federal na matéria).
21. Esse entendimento se reforça à luz do art. 85, parágrafo
único, da CF/88, que exige lei especial federal para definir,
processar e julgar crimes de responsabilidade. É a Lei
1.079/1.950, recepcionada, com algumas ressalvas, pela CF/88
(ADPF 378-MC/DF, Rel. para o acórdão Min. Luís Roberto
Barroso, DJe 8.3.2016).
22. O que, em suma, o reclamante busca, nesta reclamação, é
valer-se do meio processual mais adequado, célere, eficaz para
preservar a autoridade das decisões dessa e. Corte. Até porque,
diga-se logo, o prejuízo já milita contra o reclamante, na medida

81
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

em que o prazo para apresentar defesa no processo de


Impeachment (permeado de ilegalidades em seu rito) já está em
curso, com termo em 29.7.2020, quarta-feira. Pretende-se, pois,
aqui, restaurar a autoridade desse e. STF e os parâmetros já
definidos na Súmula Vinculante 46 e nos acórdãos da ADPF
378-MC/DF e da ADI 5.895/RR.
III.B JURISPRUDÊNCIA DO STF ESPECÍFICA SOBRE O
CABIMENTO DE RECLAMAÇÃO PARA ANULAR ATOS
PRATICADOS PELO PODER LEGISLATIVO EM PROCESSOS
DE IMPEACHMENT
23. Não é incomum o ajuizamento de reclamações perante esta
Suprema Corte, contra atos praticados em “processos de
Impeachment” que desrespeitem o rito federal previsto pela Lei
nº 1.079 (fonte normativa exclusiva na matéria, tal como
estabelece a SV 46) e a filtragem constitucional realizada por
esta Suprema Corte nos julgamentos da ADPF 378 e da ADI
5.895.
24. Em recente caso análogo, o eminente Ministro Luís Roberto
Barroso deferiu pretensão de urgência postulada por 2 (dois)
vereadores em uma medida cautelar na Reclamação 38.371/PR,
que se voltava contra decisão proferida pela Câmara Municipal
que prestigiou legislação estadual/local em detrimento da
federal, dentro de um processo de Impeachment (no caso, do
Prefeito). Nas palavras do eminente relator, que inclusive citou
vários outros precedentes, “ao afastar o regramento federal,
para aplicar o princípio da simetria e a legislação estadual e
local, o ato reclamado, aparentemente, acabou por contrariar a
Súmula Vinculante. Nessa linha, confiram-se, entre outras, Rcl
22.034, da minha relatoria; Rcl 24.727, Rel. Min. Dias Toffoli; e
Rcl 37.923, Rel. Min. Alexandre de Moraes. Presente, portanto,
o fumus boni iuris. Igualmente presente o periculum in mora, em
face do eminente encerramento da sessão legislativa.”
25. Em outro caso ontologicamente análogo e bastante recente,
agora sob a relatoria do eminente Ministro Edson Fachin
(Reclamação 40.561/RS, DJe. 14.5.2020), igualmente foi
deferida a pretensão de urgência contra ato que, em sede de
Impeachment de Prefeito Municipal, criou uma modalidade de
Sessão de julgamento não prevista em Lei Federal, em afronta
à Súmula Vinculante 46 do STF.
26. Também assim Vossa Excelência, Ilustre Ministro Dias
Toffoli, que, ao deferir medida liminar na Rcl 24.727 (já julgada
monocraticamente em seu mérito e também movida tanto contra
ato de Tribunal de Justiça, como contra ato do Poder Legislativo
em processo em Impeachment), assim se manifestou:
“(...). Em juízo de estrita delibação, próprio dos provimentos
liminares, e da perspectiva da definição, do processo e do
julgamento de crimes de responsabilidade estarem
regulamentados por lei nacional, da competência privativa da
União, entendo que assiste razão jurídica à tese de violação à
SV nº 46 e à decisão na ADPF nº 378/DF pelo TJ/PA ao legitimar
o recebimento de denúncia e a deliberação pela cassação do
mandato de prefeito do Município de Novo Progresso por
escrutínio secreto (...)”.
27. Também assim as decisões proferidas na Reclamação
37.923/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 20.11.2019 e na
Reclamação 22.034-MC/SP, Rel. Min. Luís Roberto Barroso,
DJe 24.11.2015.

82
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

28. Vê-se, portanto, que se mostra viável a presente reclamação


(movida contra decisão judicial e também contra atos praticados
pela ALERJ na tramitação do processo de Impeachment) sendo
plenamente legítimos os pedidos nela veiculados, já acolhidos
por esta Suprema Corte em outras reclamações movidas em
contexto em tudo idêntico, considerado o desrespeito à SV 46 e
aos julgamentos vinculantes proferidos na ADPF 378 e na ADI
5.895.
IV. MÉRITO:
DO MANIFESTO DESCUMPRIMENTO À AUTORIDADE DAS
DECISÕES PROFERIDAS NA ADI 5.895, NA ADPF 378, BEM
ASSIM À FORÇA VINCULANTE DA SV 46:
COMISSÃO ESPECIAL DO IMPEACHMENT FORMADA SEM
QUALQUER VOTAÇÃO DE SEUS MEMBROS E À REVELIA
DE QUAQUER CRITÉRIO DE PROPORCIONALIDADE
PARTIDÁRIA – CRIAÇÃO DE UM NOVO RITO PELA
AUTORIDADE ESTADUAL.
29. Como sintetizado, a ALERJ, ao fixar o rito que está sendo
seguido nos processos políticos administrativos (o principal e o
apenso) movidos contra este Governador, determinou que a
Comissão Especial do Impeachment seria assim constituída:
mediante “indicação” dos seus membros por cada partido, sendo
certo que cada agremiação faria jus a um único assento no
órgão, independentemente do número de parlamentares eleitos.
Eis o que se contém no pronunciamento do Ilustre Presidente da
ALERJ:
“(...). Nós vamos publicar o ato, abrir prazo para que cada partido
indique um representante para a comissão e, depois, essa
comissão terá 48 horas para eleger o presidente e o relator.
Rogo aos líderes que façam as indicações. O prazo vai contar a
partir de segunda-feira. Não indicando, a Presidência indicará o
representante do partido nessa comissão”.
30. Esse rito fixado pela Nobre Assembleia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro destoa daquele fixado no art. 19 da Lei nº
1.079, sede normativa exclusiva na matéria, nos exatos termos
da Súmula Vinculante 46 desta Suprema Corte, verbis:
“Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma”
31. “Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da
sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita,
da qual participem, observada a respectiva proporção,
representantes de todos os partidos para opinar sobre a
mesma”.
32. Há, portanto, no art. 19 da Lei Federal especial sobre a
matéria, dupla exigência a ser observada em tema de
constituição da Comissão Especial encarregada de inicialmente
analisar acusações de crime de responsabilidade contra Chefes
do Poder Executivo: a de que os nomes dos integrantes da
Comissão Especial sejam submetidos à eleição e a de que a
composição dessa mesma Comissão Especial deve ao máximo
refletir a proporção partidária da Casa.
33. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no entanto,
inovou na matéria e criou rito até então inexistente, além de
flagrantemente destoante daquele previsto na Lei nº 1.079, pois
DISPENSOU a votação, ainda que simbólica, dos membros da

83
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Comissão Especial, contentando-se com a mera indicação


partidária, além de ter criado um Colegiado completamente
descolado das reais forças políticas que compõem o Parlamento
Estadual, com total quebra de qualquer mínima regra de
proporcionalidade, já que cada agremiação foi contemplada com
uma vaga, independentemente do tamanho de sua bancada.
34. Assembleias Legislativas, no entanto, não podem criar ritos
para processos políticos administrativos por crime de
responsabilidade, nos exatos termos da Súmula Vinculante 46,
claramente violada na espécie.
35. Provocado o tema em sede de mandado de segurança, o
Ilustre Desembargador Relator, também apontado como
autoridade coatora, ao indeferir o pedido de tutela de urgência,
chancelou o novo rito criado pela ALERJ (em que os membros
não são jamais eleitos, apenas indicados, e no qual não se
observa a regra da proporcionalidade partidária), invocando,
para tanto, em resumo, os seguintes fundamentos:
“Assim, por simetria à hipótese decidida pela suprema Corte, a
formação da comissão especial nas Assembleias Legislativas
estaduais deve ocorrer mediante indicação de membros pelos
líderes dos partidos políticos, a afastar a suscitada necessidade
de eleição. Desta feita, entendeu também o Supremo Tribunal
Federal que a expressão “comissão eleita” contida no art. 19 da
Lei nº 1.079/51 significa “escolhida” (...)”
(…)
No que se refere ao ventilado desrespeito à proporcionalidade,
verifica-se, a princípio, a impossibilidade prática, no caso
concreto, de observar tal recomendação concomitantemente à
representação de todos os partidos políticos da Casa
Legislativa. Isso porque os 25 membros que representam todos
os partidos já espelham o percentual de 35,7% da composição
plenária da ALERJ, não sendo razoável que a comissão especial
tenha em sua composição número ainda maior de Deputados”.
36. Com todo o respeito devido, há, por parte da Nobre
Assembleia Legislativa (que inovou em tema de processo por
crime de responsabilidade), e por parte do ilustre
Desembargador apontado como reclamado, claro desrespeito à
Súmula Vinculante 46/STF, explícita no sentido de que compete
exclusivamente à União Federal disciplinar as normas materiais
e procedimentais em tema de crimes de responsabilidade,
sendo vedado às autoridades estaduais dispor de forma
diferente daquela estabelecida na Lei nº 1.079, fonte normativa
exclusiva na matéria.
37. Em primeiro lugar porque, como dito, o art. 19 é claríssimo
ao prever que os membros da Comissão Especial do
Impeachment devem ser “eleitos”. A eleição dos integrantes do
órgão, portanto, é requisito imposto pela Lei nº 1.079.
38. Não por outro motivo, no “Caso Collor”, os membros da
Comissão, após indicação de seus nomes pelos líderes
partidários respectivos, foram eleitos, ainda que de forma
simbólica, pelo Plenário da Casa, em rito chancelado por este
Supremo Tribunal.
39. Como se não bastasse a expressa previsão no art. 19 da Lei
nº 1.079, o que impediria qualquer ritualística diferente, sob pena
de violação à Súmula Vinculante 46, tal como ocorrente na
espécie, o fato é que esta Suprema Corte, no julgamento da
ADPF 378, ao realizar uma filtragem constitucional da Lei de

84
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Crimes de Responsabilidade (fonte exclusiva na matéria), foi


expressamente provocada a ser pronunciar sobre o art. 19 da
Lei nº 1.079, mais precisamente sobre a exigência de “eleição”
dele constante.
40. E o fato é o de que o Ministro Luís Roberto Barroso, em
verdadeira posição de auto contenção e em reconhecida
deferência ao antecedente do “caso Collor”, não impôs qualquer
interpretação conforme ou qualquer restrição semântica à
exigência de “eleição” dos membros da Comissão Especial, tal
como constante do art. 19 da Lei nº 1.079.
41. É dizer: não assiste razão à decisão que indeferiu o pedido
de tutela de urgência por este Governador de Estado, quando
afirma que esta Suprema Corte teria assentado que o termo
“eleição” significaria “escolha”.
42. Não foi isso o que esta Suprema Corte fez, no julgamento da
ADPF 378, justamente em respeito à legislação existente e à
experiência já consolidada sob a égide da Carta Política de
1988, precisamente num tema com a delicadeza institucional
como o é o Impeachment.
43. Eis o que se contém no voto proferido pelo Ministro Luís
Roberto Barroso, acompanhado pela maioria desta Casa:
“Eleita pode ter dois sentidos: ‘sujeita à votação’, ou pode ter o
sentido de ‘escolhida’ – Comissão Especial escolhida. Eu até fui
ao Aurélio hoje pela manhã, e a primeira acepção de eleita é
escolhida, não é votada. Portanto, essa é uma acepção possível,
e não só é uma acepção possível, como é a única que faz
sentido (...).
(...).
Porém, eu não vou fazer a retificação para aplicar nesse caso,
por enquanto, porque eu estou seguindo tudo como feito no
precedente “Collor” e, no precedente “Collor”, a Comissão foi
efetivamente eleita, homologada pelo Plenário”.
44. A gravidade inerente aos processos políticos administrativos
de Impeachment, portanto, fez com que esta Suprema Corte, ao
submeter a Lei nº 1.079 a uma clivagem constitucional,
prestigiasse, tanto quanto possível, não apenas as disposições
já expressas na lei, mas, também, a própria experiência do “caso
Collor”, com o que se atribuiria ao regime jurídico constitucional
dos crimes de responsabilidade tônus de estabilidade e
previsibilidade.
45. Não por outro motivo, a parte dispositiva do julgamento
proferido na ADPF 378 atesta a declaração de recepção do art.
19 da Lei nº 1.079, sem qualquer ressalva quanto a ele.
46. Nesse contexto, portanto, em que esta Suprema Corte, no
julgamento da ADPF 378, expressamente opta, em típica
filtragem constitucional, por validar a integralidade do art. 19 da
Lei nº 1.079 (em especial no que concerne à necessidade de
eleição, ainda que simbólica, tal como previsto em lei e tal como
praticado tanto no “caso Collor” como no “caso Dilma”), descabe
às autoridades estaduais inovar em tal ritualística e ir além
daquilo que está na Lei Federal específica e daquilo que consta
do julgado vinculante desta Suprema Corte.
47. Ao assim proceder, as autoridades reclamadas
desrespeitaram a autoridade decisória não apenas do
julgamento proferido na ADPF 378 (ignorando o juízo de
recepção, sem ressalvas, que ali foi feito quanto ao art. 19), mas,
por igual, a própria força vinculante da SV 46, claríssima no

85
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

sentido de que a disciplina jurídica em tema de crimes de


responsabilidade é exclusiva da União Federal, falecendo aos
Estados Membros fugir, adequar ou restringir os termos da Lei
nº 1.079.
48. Como se não bastasse, em momento posterior à ADPF 378,
esta Suprema Corte ratificou orientação de que a Comissão
Especial do Impeachment, inclusive de âmbito estadual, deve
ser eleita.
49. É o que se contém no julgamento da ADI 5.895/RR, também
descumprido, ocasião em que o Plenário desta Casa assentou a
constitucionalidade de dispositivo interno de Assembleia
Legislativa que continha tal exigência, justamente por entender
que se tratava de reprodução obrigatória de exigência constante
do art. 19 da Lei nº 1.079, já chancelada por este Supremo
Tribunal Federal, quando da ADPF 378.
50. Isso significa, portanto, que as autoridades reclamadas, ao
entenderem ser “dispensável” que os nomes dos integrantes da
Comissão Especial do Impeachment, após indicação dos líderes
partidários respectivos, fossem submetidos à eleição, mesmo
que simbólica, desrespeitaram a autoridade decisória dos
julgamentos proferidos na ADPF 378 e na ADI 5.895 e, ainda,
ao criarem uma ritualística que destoa daquela prevista na Lei nº
1.079 bem assim da prática institucional brasileira nos casos
“Collor” e “Dilma”, violaram em idêntica medida a SV 46.
51. Tudo a autorizar, portanto, o deferimento dos pedidos ora
formulados na presente reclamação.
52. Mas há mais. Isso porque, como visto, a Comissão Especial
do Impeachment foi composta por um membro de cada partido
político, independentemente do tamanho e da expressão de sua
respectiva bancada, com o que se nulificou integralmente a regra
da proporcionalidade, expressamente fixada no mesmo art. 19
da Lei nº 1.079.
53. No caso concreto, insista-se, cada partido político teve direito
a um único representante na Comissão Especial, o que
desvirtuou por completo a equivalência de forças existente no
âmbito do Poder Legislativo, tornando desviada eventual
manifestação de vontade por este órgão.
54. No caso concreto, insista-se, cada partido político teve direito
a um único representante na Comissão Especial, o que
desvirtuou por completo a equivalência de forças existente no
âmbito do Poder Legislativo, tornando desviada eventual
manifestação de vontade por este órgão.
55. No caso concreto, insista-se, cada partido político teve direito
a um único representante na Comissão Especial, o que
desvirtuou por completo a equivalência de forças existente no
âmbito do Poder Legislativo, tornando desviada eventual
manifestação de vontade por este órgão.
56. Em resumo: é uma Comissão Especial que não reflete nem
de longe a realidade política da própria Assembleia e que ignora
por completo a exigência constante não apenas do art. 58, § 1º
da Carta Política, mas, por igual, do art. 19 da Lei nº 1.079, claro
ao prever que, da “Comissão Especial”, devem participar
“representantes de todos os partidos”, “observada a respectiva
proporção”.
57. Ora, se a Lei Federal é clara ao exigir a observância da
proporcionalidade partidária na composição da Comissão
Especial do Impeachment, não poderia a ALERJ criar um

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TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“NOVO RITO”, com previsão concebida justamente para


neutralizar e esvaziar a exigência legal e constitucional.
58. Ao assim proceder, ou seja, ao inovar, ao criar rito novo, em
que não há proporcionalidade alguma, claramente destoante
daquele previsto no art. 19 da Lei nº 1079, a ALERJ claramente
ofendeu a SV 46.
59. Houve, também, ofensa clara ao julgamento vinculante da
ADPF 378-MC/DF, ocasião em que esta Suprema Corte, ao
realizar uma filtragem constitucional do art. 19 da Lei nº 1.079,
MANTEVE A EXIGÊNCIA DA OBSERVÂNCIA DA
PROPORCIONALIDADE, que também está na Constituição da
República, apenas entendendo pela possibilidade também “de
se calcular a proporcionalidade na Comissão a partir dos blocos
parlamentares”..
60. Eis o que se contém no voto proferido pelo Ilustre Ministro
Luís Roberto Barroso:
“(...) se, por força do art. 58, § 1º da Constituição, a
representação proporcional é do partido ou bloco parlamentar,
os nomes do partido não podem ser escolhidos
heteronomamente, de fora para dentro, em violação ao princípio
constitucional da autonomia partidária (CF/1988, art. 17, § 1º).
Isso, é claro, desfiguraria a proporcionalidade. De acordo com
as normas regimentais, as comissões devem ser compreendidas
como órgãos formados por partidos ou blocos parlamentares,
sendo a estes que se assegura, tanto quanto possível, o direito
de participação proporcional à representação no Plenário da
Casa. Há, portanto, direito subjetivo dos partidos ou blocos de
serem contemplados nas comissões, na proporção que ocupem
no Plenário”.
61. Para que dúvidas não pairassem, Vossa Excelência, Ilustre
Ministro Presidente Dias Toffoli, após o voto do saudosíssimo
Ministro Teori Zavascki, travou o seguinte debate com o Ministro
Gilmar Mendes:
“O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Uma questão que eu
gostaria de trazer, Ministro Teori, se me permite, até porque eu
fui assessor parlamentar na Câmara dos Deputados durante
cinco anos, é que candidaturas avulsas são admitidas para as
eleições, por exemplo, da composição da mesa, tanto para a
Presidência quanto para a Vice-Presidência e para as
secretarias da Mesa da Câmara dos Deputados. O que a
Constituição exige é a proporcionalidade, que se respeite a
proporcionalidade partidária.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Partidária ou de
bloco, não é?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Partidária ou de bloco.
A questão se a vaga vai ser do a ou do b na eleição, eu penso
que é uma questão interna corporis da Câmara dos Deputados.
O que não se pode ter aqui é uma comissão que seja eleita com
desrespeito à proporção prevista na Constituição (...). O que a
Constituição exige - e aqui eu entendo que, aí, sim, nós podemos
analisar e enfrentar - é se foi respeitada a proporcionalidade,
isso sim”.
62. Em sede de embargos declaratórios na mesma ADPF 378,
Vossa Excelência, Ilustre Ministro Presidente, voltou a
asseverar: “O que a Constituição garante, e eu disse, quando do
voto em dezembro, é que haja a proporcionalidade. E nós
estamos aqui sim, aptos a interferir”.

87
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

63. Data vênia, ao simplesmente desconfigurar, neutralizar,


esvaziar a regra da proporcionalidade prevista no art. 19 da Lei
nº 1.079 e no art. 58, §1º da Carta Política, as autoridades
reclamadas claramente instauraram rito novo, completamente
dissociado das balizas firmadas por esta Corte Suprema na
ADPF 378, cujo julgamento foi frontalmente desrespeitado, e em
claro desrespeito à Súmula Vinculante 46.
64. Consoante dito por esta Casa no julgamento da ADPF 378,
claramente violado, é direito subjetivo das agremiações
partidárias se fazerem representar na Comissão Especial do
Impeachment, observada, tanto quanto possível, o peso de sua
representatividade e o tamanho de sua bancada.
65. De idêntica forma, é direito do acusado ter sua defesa
submetida à análise de uma Comissão Especial que revele, ao
máximo possível, a dinâmica de forças presente na Assembleia,
sob pena de burla à própria regra da representatividade que
timbra as Casas Legislativas.
66. Data vênia, como assentar que partidos que o PSL (09
deputados eleitos) ou o PSOL (05 deputados eleitos) ou o DEM
(05 deputados) possuam o mesmo número de representantes na
Comissão Especial (um único) que partidos que possuem
apenas um único representante na Assembleia?
67. Fixar número igual de representantes a partidos com
bancadas tão assimétricas, portanto, é criar rito novo, em que
não há exigência de qualquer mínima proporcionalidade.
68.Tal proceder, contudo, ofende claramente o julgado desta
Casa na ADPF 378, a Súmula Vinculante nº 46 e se afasta em
absoluto da ritualística prevista no art. 19 da Lei nº 1.079 e na
própria Carta Política (art. 58, § 1º). Tudo a justificar, também
aqui, o deferimento dos pedidos veiculados na reclamação.
69. Não custa mencionar, finalmente, que esta Corte Suprema,
ao projetar, para o âmbito estadual, as regras atinentes aos
crimes de responsabilidade, tais como fixadas na Lei 1.079,
igualmente reafirmou a imprescindibilidade de respeito à regra
da proporcionalidade, na formação da Comissão Especial do
Impeachment, o que fez no julgamento da ADI 5.895, Rel. Min
Alexandre de Moraes, também desrespeitado na espécie.
70.Nesse contexto, portanto, constatada a clara
desconsideração da regra da proporcionalidade, com nítido
desrespeito à baliza legal federal (art. 19 da Lei de Crimes de
Responsabilidade), com clara desconsideração do precedente
vinculante firmado na ADPF 378 e reafirmado na ADI 5.895, tudo
isso com igual ofensa à Súmula Vinculante 46 (que não permite
inovações pelas autoridades locais, nem mesmo mediante
invocação do princípio da “razoabilidade”, em tema de
Impeachment), pede-se sejam deferidos os pedidos
acautelatórios postulados na presente reclamação, cuja
procedência, no mérito, também se requer.
V. DO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA.
71. Senhor Ministro Presidente: é de todos sabido a gravidade
político institucional de procedimentos que visem à destituição
de seus mandatos de Governadores de Estado legitimamente
eleitos, com a grave daí decorrente.
72. Não por outro motivo, esta Suprema Corte consolidou sua
jurisprudência no sentido de que apenas lei federal específica
pode disciplinar a matéria, com o que se consolida uma
arquitetura legal única e segura, capaz de conferir o maior grau

88
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de confiabilidade e previsibilidade possível aos processos por


crime de responsabilidade movidos contra Chefes do Poder
Executivo.
73. No caso, como demonstrado, a ALERJ, em atos chancelados
pelo Ilustre Desembargador Relator do MS 0045844-
70.2020.8.19.0000 no TJ/RJ, se afastou não apenas das balizas
previstas no art. 19 da Lei nº 1.079, mas, por igual, da
jurisprudência vinculativa desta Suprema Corte, firmada no
julgamento da ADPF 378 e da ADI 5.895, criando ritualística
local nova e distinta, em clara ofensa à Súmula Vinculante 46.
74. Ajustes precisam ser feitos, até mesmo para fins
pedagógicos, já que, como sabido, num momento de grave crise
de saúde pública e de clara polarização política, diversos
pedidos de Impeachment contra Governadores de Estados
tramitam nas Assembleias Legislativas, sendo temerário que
cada uma possa, ao seu critério, criar sua própria ritualista, em
total desrespeito aos parâmetros da Lei Federal e desta
Suprema Corte.
75. No caso concreto, acha-se em curso o prazo de 10 sessões
parlamentares deste Governador de Estado para apresentação
de sua defesa, a expirar em 29.7.2020, quarta-feira.
76. É iminente, portanto, o término do prazo para que este
Governador de Estado apresentar peça defensiva a uma
Comissão Especial manifestamente ilegítima, seja porque o
nome de seus membros jamais foi submetido à eleição, mesmo
que simbólica, seja, ainda, porque formada em total
desconsideração da cláusula legal e constitucional da
proporcionalidade partidária.
77. Imperioso, com todo respeito, uma correção de rumos, até
porque descabe cogitar-se da apresentação de um parecer em
tema institucionalmente tão sensível, por uma Comissão
Especial completamente dissociada e descolada da composição
de forças existente no âmbito da própria Casa Legislativa.
78. Quanto antes forem feitos os devidos ajustes, menor os
vícios a serem corrigidos.
79. Presentes, portanto, os requisitos do periculum in mora (já
que o prazo para defesa por este Governador se encerra em
poucos dias) e da probabilidade jurídica do direito invocado,
considerada as violações aos precedentes vinculantes firmados
na ADPF 378, na ADI 5.895, bem assim a ofensa à Súmula
Vinculante 46, pede-se, em sede de tutela de urgência, que
Vossa Excelência, inaudita altera pars:
1) Conceda medida liminar, sustando-se os efeitos dos atos
reclamados, para que seja imediatamente desconstituída a
Comissão Especial formada no âmbito da ALERJ (Processo
Administrativo nº 5.328/2020 e Processo Administrativo nº
5.360/2020), formando-se outra em seu lugar, agora com
observância dos parâmetros vinculantes desta Corte, ou seja,
com representantes que correspondam tanto quanto possível à
proporcionalidade partidária e apenas após votação plenária dos
nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o
escrutínio seja feito de modo simbólico;
2) Caso assim não se entenda, pede-se a concessão de medida
liminar ao menos em parte, para que, ao menos por ora, seja
sustado o prazo para apresentação da respectiva defesa por
este Governador de Estado, prazo que se consuma em 29/07
(risco de perecimento do direito), até que possam ser recebidas

89
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

as respectivas informações das autoridades reclamadas e


também da ALERJ, além de coletado o parecer da douta PGR,
quando a medida de urgência poderá ser novamente avaliada
por esta Suprema Corte.
VI. DOS PEDIDOS.
80. Ante todo o exposto, pede e espera o ora reclamante:
1) A concessão de medida liminar, sustando-se os efeitos de
todos os atos reclamados, para que seja imediatamente
desconstituída a Comissão Especial formada no âmbito da
ALERJ (Processo Administrativo nº 5.328/2020 e Processo
Administrativo nº 5.360/2020), determinando-se a formação de
outra em seu lugar, agora com observância dos parâmetros
vinculantes desta Corte e da Lei Federal específica, ou seja, com
representantes que correspondam tanto quanto possível à
proporcionalidade partidária e apenas após votação plenária dos
nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o
escrutínio seja feito de modo simbólico, comunicando-se com
urgência as autoridades reclamadas;
2) Caso assim não se entenda, pede-se a concessão de medida
liminar ao menos em parte, para que, ao menos por ora, seja
sustado o prazo para apresentação da respectiva defesa por
este Governador de Estado, prazo que se consuma em 29/07
(risco de perecimento do direito), até que possam ser recebidas
as respectivas informações das autoridades reclamadas e
também da ALERJ, além de coletado o parecer da douta PGR,
quando a medida de urgência poderá ser novamente avaliada
por esta Suprema Corte, comunicando-se com urgência as
autoridades reclamadas.
81. Após a concessão da medida liminar postulada acima, pede-
se sejam requisitadas as informações aos reclamados (CPC/15,
art. 989, I), bem como a intimação/citação de eventuais
beneficiários, tal como a Procuradoria da ALERJ (CPC/15, art.
989, III e RI STF, art. 159).
82. Pede-se, ainda, seja ouvida a douta Procuradoria Geral da
República e, no mérito, seja confirmada a medida liminar
anteriormente deferida, com o decreto de PROCEDÊNCIA da
presente reclamação, para que:
i) Seja desconstituída a Comissão Especial formada no âmbito
da ALERJ (Processo Administrativo nº 5.328/2020 e Processo
Administrativo nº 5.360/2020), com anulação de todos eventuais
atos por ela praticados, determinando-se a formação de outra
em seu lugar, agora com observância dos parâmetros
vinculantes desta Corte e da Lei Federal específica, ou seja, com
representantes que correspondam tanto quanto possível à
proporcionalidade partidária e apenas após votação plenária dos
nomes apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o
escrutínio seja feito de modo simbólico, comunicando-se com
urgência as autoridades reclamadas. (…)” (grifos originais)

Declinado o conteúdo da Reclamação constitucional ajuizada pelo denunciado,


a primeira no transcurso do presente processo, passemos às próximas etapas.

90
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

X – DA RESPOSTA DA PROCURADORIA GERAL DA ALERJ À RECLAMAÇÃO


CONSTITUCIONAL AJUIZADA PELO DENUNCIADO NO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL

Ao tomar conhecimento da Reclamação Constitucional ajuizada pela defesa do


Governador Wilson Witzel, a Procuradoria Geral da ALERJ, mais uma vez de forma
espontânea, através do Ofício PGPR nº 35/2020, datado de 23 de julho de 2020,
ofereceu resposta à mencionada Reclamação, na forma que passo a citar:

“(...)
FATOS
O Excelentíssimo Senhor Governador do Estado do Rio de
Janeiro, Doutor WILSON JOSÉ WITZEL, ajuizou esta
Reclamação alegando, em síntese, defeito na instalação e na
composição da Comissão Especial destinada a oferecer parecer
quanto à Denúncia formulada contra o insigne Reclamante pelos
Excelentíssimos Senhores Deputados Luiz Paulo e Lucinha em
virtude de alegado cometimento de crime de responsabilidade.
CARÁTER OPINATIVO DA COMISSÃO ESPECIAL
Mesmo que se admitisse que houvesse ilegalidade na
composição da Comissão Especial do Impeachment, o que ora
se imagina apenas a título de argumentação, nenhuma lesão
poderia ser arguida pelo insigne Reclamante.
Em primeiro lugar, o Excelentíssimo Senhor Deputado Relator
da Comissão Especial pode elaborar Voto no sentido da rejeição
da Denúncia em virtude de alegado crime de responsabilidade.
Em segundo lugar, qualquer que seja o Voto do Excelentíssimo
Senhor Deputado Relator, a própria Comissão Especial poderá
aprovar parecer - repita-se: parecer - no sentido da rejeição de
tal Denúncia.
Por fim e o mais importante, o Parecer da Comissão Especial é
meramente opinativo. Ele não vincula o Plenário da Assembleia
Legislativa, o qual pode sempre decidir em sentido oposto ao
parecer da Comissão Especial. Mais uma vez: quem decide é o
Plenário da Assembleia Legislativa, não a Comissão Especial,
legalmente incumbida de apenas oferecer parecer.
Na página 88 do venerando Acórdão decorrente do julgamento
da ADPF n° 378-DF, lê-se:
"Aliás, o trabalho da comissão especial é essencialmente
instrutório e opinativo, tendo em conta que as decisões políticas
de deliberar sobre a denúncia e de autorizar a instauração do
processo estão reservadas ao Plenário da Câmara dos
Deputados, por força da Lei 1.079/50." (grifos acrescidos)
Na página 93 do venerando Acórdão, constata-se: "De novo,
cabe-se frisar que a Comissão Especial possui funções
instrutórias e opinativas." (grifos acrescidos)
Por fim, leia-se o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)

91
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Como se vê, se houvesse inconstitucionalidade ou ilegalidade


na composição da Comissão Especial, não haveria risco para o
insigne Reclamante, porque a deliberação sobre a Denúncia é
de competência exclusiva do Plenário da Reclamada.
SÚMULA VINCULANTE N° 46
Os Reclamados concordam plenamente que a tipificação e o
processo por crime de responsabilidade, à luz do Verbete n° 46
da Súmula Vinculante do Colendo Supremo Tribunal Federal, só
podem ser feitos por lei federal.
Tal verbete sumular vinculante tem a seguinte redação:
"A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são de
competência legislativa privativa da União." (grifou-se)
Exatamente por isso, os Reclamados se pautam quanto ao
processo por crime por responsabilidade, exclusivamente, pela
Lei federal n° 1.079/1950.
Em outras palavras: nenhum regimento interno - nem o do
próprio Parlamento fluminense, ora reclamado, nem o da
Augusta Assembleia Legislativa do Estado de Roraima - foi
utilizado como parâmetro no processo por crime de
responsabilidade. Isso seria juridicamente impossível porque,
nos termos do pré-falado Verbete n° 46 da Súmula Vinculante
do Pretório Excelso, as normas de processo e julgamento por
crime de responsabilidade são de competência legislativa
privativa da União.
ADPF n° 378-DF
Os Reclamados elogiam e subscrevem a invocação ao
venerando Acórdão que julgou o mérito da ADPF n° 378-DF,
publicado no Diário de Justiça eletrônico de 8 de março de 2016.
Exatamente por isso, os Reclamados, nos pontos em que a Lei
federal n° 1.079/1950 é omissa ou não foi recepcionada pela
vigente Constituição da República, utilizam o precedente
consubstanciado na ADPF n° 378-DF.
ADI n° 5.895-RR
Em primeiro lugar, registre-se que estas Informações procuram
veicular o mais profundo respeito pela fulgurante história do
antigo Território Federal do Rio Branco, atualmente Estado de
Roraima, prestes a completar seu septuagésimo sétimo
aniversário de criação no próximo dia 13 de setembro. A
"Amazônia do Norte da Pátria" sempre deve ser para todo
brasileiro motivo de orgulho, desde seu "lindo berço, rincão
Pacaraima".
Em segundo lugar, não se discute que a legislação do Estado de
Roraima declarada constitucional pelo Pretório Excelso na ADI
n° 5.895-RR não pode ser juridicamente questionada. Como é
óbvio, a respetiva veneranda Decisão tem efeito vinculante.
Entretanto, nada permite que se obriguem os outros vinte e cinco
Estados-membros e o Distrito Federal a cumprir legislação do
Estado de Roraima, inda que declarada constitucional por
decisão definitiva, dotada de efeito vinculante e proferida pelo
Colendo Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal.
O efeito vinculante de que é dotada a veneranda Decisão na ADI
n° 5.895-RR implica a vedação jurídico-constitucional de o Poder
Judiciário e o Poder Executivo recusarem cumprimento ou
questionarem a higidez da Legislação roraimense dela objeto.
Contudo, esse efeito vinculante não obriga o Estado do Rio de
Janeiro a cumpri-la.

92
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Numa Federação - inda que marcantemente centralizadora com


a Brasileira -, a declaração de constitucionalidade com efeito
vinculante de norma de um Estado-membro não tem o efeito de
vincular os outros Estados-membros a obedecer a tal
Legislação. O efeito vinculante significa, apenas, que não mais
se pode juridicamente questionar, no âmbito espacial de
validade da legislação objeto do controle abstrato de
constitucionalidade, sua plena adequação à Lei Maior.
Além disso, ao julgar, em 27 de setembro de 2019, o mérito da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.895-RR, o Egrégio
Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal afirmou que:
"1. Ação Direta não conhecida em relação ao inciso I do art. 65
da Constituição do Estado de Roraima, pois sua
inconstitucionalidade já foi declarada no julgamento da ADI
4.805, Relator Ministro LUIZ FUX. 2. Compete apenas à União
(art. 22, I, c/c art. 85, parágrafo único, da CF) legislar sobre a
definição de crimes de responsabilidade e sobre o processo e
julgamento desses ilícitos. Essa competência foi exercitada pela
edição da Lei Federal 1.079/1950, em grande parte
recepcionada pela Constituição de 1988. (Enunciado 722 da
Súmula do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, convertida na
Súmula Vinculante 46). 3. No caso, são inconstitucionais os
artigos 64 e 65, § 2º, da Constituição de Roraima, por afronta à
competência legislativa da União para legislar sobre crimes de
responsabilidade, seja tipificando os ilícitos ou disciplinando
questões inerentes ao processo e ao julgamento. 4. A mera
repetição, pela Assembleia Legislativa em seu Regimento
Interno, da legislação federal de regência – tanto do regramento
da Lei 1.079/1950, como do conteúdo prescrito pelo precedente
firmado pela CORTE na ADPF 378-MC – denota uma coerente
harmonização das normas sobre o funcionamento interno da
Casa Legislativa na apuração dos crimes de responsabilidade
do Governador e dos Secretários de Estado, o que não se
confunde com a alegada invasão de competência legislativa da
União." (grifos acrescidos)
Assim, o que fez a Augusta Assembleia Legislativa do Estado de
Roraima foi, em seu Regimento Interno, meramente repetir a Lei
federal n° 1.079/1950, que tipifica as condutas e rege o processo
e julgamento por crime de responsabilidade. Ocorreu, nos
termos do venerando Acórdão, "mera repetição".
Quanto à limitação da composição de comissão especial de
Impeachment a um quarto da composição plenária da Augusta
Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, há três
problemas: a) o Regimento Interno do Augusto Parlamento
roraimense não é lei em sentido formal a ponto de tornar-se
obrigatório para outros Estados;
b) o Regimento Interno do Augusto Parlamento roraimense não
é lei federal a ponto de tornar-se obrigatório para outros Estados;
c) como o Regimento Interno do Augusto Parlamento
roraimense prevê que a Comissão Especial de Impeachment
será composta por um quarto dos Membros do Parlamento, na
Reclamada, ela teria dezoito Excelentíssimos Senhores
Deputados Estaduais, o que implicaria deixar sete Partidos
Políticos sem representação.
Sim, na Reclamada, como adiante se demonstrará, há vinte e
cinco Partidos Políticos representados, motivo por que a
limitação do número de Membros da Comissão Especial de

93
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Impeachment nos termos da legislação roraimense implicaria,


na melhor das hipóteses, a exclusão de sete deles, o que, sem
dúvida, violaria o comando insculpido no art. 19 da Lei federal n°
1.079/1950 de nela haver "representantes de todos os partidos".
Além disso, nenhuma lei federal determina o número máximo de
membros ou a fração da composição plenária que deva ser
imposta a comissão especial de Impeachment. Todavia, a Lei
federal determina que haja pelo menos um membro de cada
partido político em comissão especial de Impeachment.
BLOCO PARLAMENTAR
No venerando Acórdão da ADPF n° 378-DF, há várias menções
a "bloco parlamentar". Posto que a Augusta Câmara dos
Deputados, composta por quinhentos e treze Excelentíssimos
Senhores Deputados Federais, tenha organizado Blocos
Parlamentares, o Parlamento fluminense não formou nenhum
bloco parlamentar.
O bloco parlamentar é, em determinado Parlamento e durante
determinada Legislatura, a reunião, perante o correspondente
plenário e as respetivas comissões, de dois ou mais partidos
políticos com a finalidade de aumentar a representatividade,
perante a Casa Legislativa, de determinadas ideias políticas.
Destarte, a instituição de bloco parlamentar é uma decisão de
partidos políticos destinada a facilitar a consecução dos
elevados objetivos políticos comuns no que tange as suas
atividades finalísticas: a atuação política perante o plenário e as
comissões.
Repita-se: na Reclamada, nesta 12ª Legislatura, pelo menos por
ora, não há nenhum bloco parlamentar formado.
ESCOLHA DA COMISSÃO ESPECIAL
O insigne Reclamante impugna o Ato/E/GP/n° 41/2020,
afirmando que ele violou o Verbete n° 46 da Súmula Vinculante
na medida em que não determinou a "eleição" dos
Excelentíssimos Senhores Deputados que ora compõem a
Egrégia Comissão Especial do Impeachment.
Com o devido respeito, o Ato/E/GP/n° 41/2020, o qual
expressamente menciona a Súmula Vinculante n° 46 e a
legislação federal sobre Impeachment, cumpriu o art. 19 da Lei
federal n° 1.079/1950 nos termos da ADPF n° 378-DF.
Como o venerando Acórdão da ADPF n° 378-DF tem
quatrocentas e três páginas, destacar-se-ão os trechos que
abordam a "forma de votação" para formação da comissão
especial. Na página 2 do venerando Acórdão, lê-se:
"2. A cautelar incidental requerida diz respeito à forma de
votação (secreta ou aberta) e ao tipo de candidatura (indicação
pelo líder ou candidatura avulsa) dos membros da Comissão
Especial na Câmara dos Deputados. A formação da referida
Comissão foi questionada na inicial, ainda que sob outro prisma.
Interpretação da inicial de modo a conferir maior efetividade ao
pronunciamento judicial. Pedido cautelar incidental que pode ser
recebido, inclusive, como aditamento à inicial. Inocorrência de
violação ao princípio do juiz natural, pois a ADPF foi à livre
distribuição e os pedidos da cautelar incidental são abrangidos
pelos pleitos da inicial." (grifos acrescidos)
Por ora, observe-se que no precedente do Caso Dilma, a própria
ADPF n° 378-DF, debateram-se, quanto à formação da
comissão especial, duas questões: a) se, havendo votação para
a comissão especial, ela seria aberta ou secreta; b) se seriam

94
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

permitidas candidaturas avulsas ou somente as indicadas pelos


eminentes Líderes partidários.
Lendo mais, agora na página 5 do venerando Acórdão:
"4. NÃO É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DE
CANDIDATURAS OU CHAPAS AVULSAS PARA FORMAÇÃO
DA COMISSÃO ESPECIAL (CAUTELAR INCIDENTAL): É
incompatível com o art. 58, caput e § 1º, da Constituição que os
representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares
deixem de ser indicados pelos líderes, na forma do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados, para serem escolhidos de
fora para dentro, pelo Plenário, em violação à autonomia
partidária. Em rigor, portanto, a hipótese não é de eleição. Para
o rito de Impeachment em curso, contudo, não se considera
inválida a realização de eleição pelo Plenário da Câmara, desde
que limitada, tal como ocorreu no caso Collor, a ratificar ou não
as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, isto é,
sem abertura para candidaturas ou chapas avulsas.
Procedência do pedido.
5. A VOTAÇÃO PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO
ESPECIAL SOMENTE PODE SE DAR POR VOTO ABERTO
(CAUTELAR INCIDENTAL): No Impeachment, todas as
votações devem ser abertas, de modo a permitir maior
transparência, controle dos representantes e legitimação do
processo. No silêncio da Constituição, da Lei nº 1.079/1950 e do
Regimento Interno sobre a forma de votação, não é admissível
que o Presidente da Câmara dos Deputados possa, por decisão
unipessoal e discricionária, estender hipótese inespecífica de
votação secreta prevista no RI/CD, por analogia, à eleição para
a Comissão Especial de Impeachment. Em uma democracia, a
regra é a publicidade das votações. O escrutínio secreto
somente pode ter lugar em hipóteses excepcionais e
especificamente previstas. Além disso, o sigilo do escrutínio é
incompatível com a natureza e a gravidade do processo por
crime de responsabilidade. Em processo de tamanha
magnitude, que pode levar o Presidente a ser afastado e perder
o mandato, é preciso garantir o maior grau de transparência e
publicidade possível. Nesse caso, não se pode invocar como
justificativa para o voto secreto a necessidade de garantir a
liberdade e independência dos congressistas, afastando a
possibilidade de ingerências indevidas. Se a votação secreta
pode ser capaz de afastar determinadas pressões, ao mesmo
tempo, ela enfraquece o controle popular sobre os
representantes, em violação aos princípios democrático,
representativo e republicano. Por fim, a votação aberta
(simbólica) foi adotada para a composição da Comissão
Especial no processo de Impeachment de Collor, de modo que
a manutenção do mesmo rito seguido em 1992 contribui para a
segurança jurídica e a previsibilidade do procedimento." (grifos
acrescidos)
Aqui, o ponto essencial: os representantes de cada Partido
Político na Comissão Especial devem ser indicados pelos
respetivos Líderes o que permite concluir que, nos termos do
venerando Acórdão, em "rigor, portanto, a hipótese não é de
eleição". Em verdade, se fosse permitida uma rigorosa eleição
dos membros da Comissão Especial, partidos políticos com
pequenas bancadas poderiam ser derrotados e seus membros

95
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

rejeitados, o que, novamente nos termos do venerando Acórdão,


implicaria "violação à autonomia partidária".
Lendo um pouco mais, depara-se na página 10 do venerando
Acórdão:
"12. Cautelar incidental (candidatura avulsa): concessão integral
para declarar que não é possível a formação da comissão
especial a partir de candidaturas avulsas, de modo que eventual
eleição pelo Plenário da Câmara limite-se a confirmar ou não as
indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos; e 13.
Cautelar incidental (forma de votação): concessão integral para
reconhecer que, havendo votação para a formação da comissão
especial do Impeachment, esta somente pode se dar por
escrutínio aberto." (grifos acrescidos)
Na página 12 do venerando Acórdão, mais uma vez se reafirma
que, havendo votação para formação da comissão especial,
além de o escrutínio dever ser aberto não se admitirão
candidaturas avulsas. Confira-se:
"Quanto à cautelar incidental (candidatura avulsa), por maioria,
em deferir integralmente o pedido para declarar que não é
possível a formação de comissão especial a partir de
candidaturas avulsas, vencidos os Ministros Edson Fachin
(Relator), Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Quanto
à cautelar incidental (forma de votação), por maioria, em deferir
integralmente o pedido para reconhecer que a eleição da
comissão especial somente pode se dar por voto aberto,
vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Teori Zavascki,
Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello." (grifos
acrescidos)
Nas páginas 27 e 28, leem-se os seguintes trechos essenciais à
compreensão histórica do venerando Acórdão:
Em 09.12.2015, em virtude da concessão do pedido liminar, a
Presidência da Câmara dos Deputados prestou informações
complementares e requereu a imediata revogação da liminar
(eDOC 51), aduzindo que: (...)
e) em virtude da ausência de pacificação nas bancadas no
tocante às indicações oficiais dos partidos, a Presidência da
Câmara adiou a votação dos integrantes da comissão especial,
estabelecendo as regras para que as candidaturas avulsas
fossem registradas, tendo como parâmetro os artigos 7º, inciso I
e 8º do RICD;
f) nesse sentido, os deputados que desejassem concorrer
deveriam registrar chapas com pelo menos 33 integrantes
(metade mais um da composição da comissão especial,
respeitando-se a proporcionalidade das bancadas e o número
de vagas destinadas a cada partido). Caso fossem registradas
chapas incompletas, far-se-ia eleição suplementar para o
preenchimento das vagas restantes;
g) formaram-se duas chapas: uma constituída com os
candidatos indicados pelos líderes de partidos e de blocos
parlamentares e outra integrada por candidatos avulsos;" (grifos
acrescidos)
Chega-se, finalmente, ao ponto crucial para que se compreenda
o quadro fático do venerando e célebre Acórdão da ADPF n°
378-DF: no Caso Dilma, havia conflito interno nas bancadas
partidárias e, por força de tais desavenças, o então Presidente
da Augusta Câmara dos Deputados editou regras sobre
composição de chapas, admitindo candidaturas avulsas.

96
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Todavia, na Reclamada, a composição da Comissão Especial do


processo de Impeachment transcorreu em total harmonia,
cabendo a cada Líder indicar o representante do respetivo
Partido Político. Não ocorreram conflitos partidários, não houve
registros de chapas nem candidatos avulsos.
Nas páginas 87 e 88 do venerando Acórdão, lê-se:
"Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve
respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o
sufrágio e a participação de todos os partidos. No caso, seja a
indicação feita por líderes a ser submetida à votação perante o
Plenário da Câmara dos Deputados, seja a concorrência entre
chapas oficial e avulsa, ambas as formas satisfazem os critérios
formativos da comissão." (grifos acrescidos)
Assim como já se destacara no trecho da página 10 do
venerando Acórdão, a indicação dos membros da Egrégia
Comissão Especial por Líderes é, de novo, reputada
constitucional.
Entretanto, o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950 tem a seguinte
redação:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Então, como essa tal "eleição" deve ser feita? Consulte-se,
então, as páginas 139 e 140 do venerando Acórdão:
'Eleita' pode ter dois sentidos: 'sujeita à votação', ou pode ter o
sentido de 'escolhida' - Comissão Especial escolhida. Eu até fui
ao Aurélio hoje pela manhã, e a primeira acepção de 'eleita' é
'escolhida', não é 'votada'. Portanto, essa é uma acepção
possível, e não só é uma acepção possível, como é a única que
faz sentido. Por que ela é a única que faz sentido? É que não há
lógica que possa sustentar que os candidatos do partido 'A' que
vão integrar a Comissão Especial sejam escolhidos não pelo
partido 'A', que eles vão representar, mas pelo Plenário. Não! A
indicação tem que ser pelos líderes. Você não pode ter o
representante de um partido em uma Comissão eleito pelo
Plenário."
Repita-se: o vocábulo "eleita" significa "escolhida"; escolhida
pelos Líderes. Simplesmente, não se pode correr o risco de
submeter-se a um plenário de Casa Legislativa a aprovação de
indicações partidárias: se isso acontecesse, um partido político
minoritário jamais escolheria seus membros nas mais
importantes comissões parlamentares, marcantemente na
Comissão Especial de Impeachment. Como cada partido
político, com grande ou minúscula bancada, tem direito a indicar
seu representante em comissão especial de Impeachment,
admitir-se votação pelo respetivo plenário implicaria tolerar que
um partido político minoritário não conseguiria indicar o membro
que elegesse - que escolhesse - para tão importante comissão.
A eleição da comissão especial significa, assim, escolha; a
escolha se dá pelos respetivos Líderes. Na página 175 do
venerando Acórdão decorrente do julgamento de mérito da
célebre ADPF n° 378-DF, a dúvida é, finalmente, sepultada:
"62. A partir dessa premissa é que se deve examinar o art. 19 da
Lei nº 1.079/1950, que prevê uma “comissão especial eleita”
para emissão de parecer no rito de Impeachment na Câmara dos
Deputados. Restam, assim, duas interpretações possíveis

97
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

acerca do preceito legal: (i) a expressão 'eleita', nele prevista,


implica comissão aprovada por votação do Plenário da Casa,
destinada a validar ou não a indicação apresentada pelos líderes
partidários; ou, o que me parece mais adequado, (ii) 'eleita'
significa apenas escolhida, de maneira que a formação da
comissão de Impeachment segue, por completo, o regramento
padrão do RI/CD, que é de designação dos membros das
Comissões pelos líderes.
63. Não há sentido na primeira interpretação. Não pode caber
ao Plenário da Casa Legislativa escolher os representantes dos
partidos ou blocos parlamentares. Tal mecanismo
enfraqueceria, sobremaneira, a autonomia partidária e a
garantia constitucional de representação proporcional dos
partidos nas comissões. Logo, eleita deve significar escolhida,
que é, aliás, uma das acepções léxicas possíveis. Portanto, esta
é a interpretação que se entende correta e que se propõe seja
adotada daqui por diante." (grifos acrescidos)
REPRESENTAÇÃO PARTIDÁRIA NA COMISSÃO ESPECIAL
Relembre-se, inda mais uma vez, o teor do art. 19 da Lei federal
n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifos
acrescidos)
A Lei federal n° 1.079/1950 exige que a Comissão Especial do
Impeachment seja composta por representantes de todos os
Partidos Políticos da respetiva Casa Legislativa.
A Reclamada é, em obediência ao comando insculpido no caput
do art. 27 da Constituição da República, composta por setenta
Excelentíssimos Senhores Deputados Estaduais, os quais são
filiados a vinte e cinco diferentes Partidos Políticos.
Fixada a premissa de que o número de Excelentíssimos
Senhores Deputados Estaduais é norma estabelecida na
Constituição da República, confira-se, de acordo com
documento oficial da Secretaria Geral da Mesa Diretora, a
composição partidária da Reclamada:
(…)
A fim de que se cumpra a regra de um representante por partido
político em comissão especial de Impeachment, na Reclamada,
ela terá, no mínimo, vinte e cinco Membros, porque, atualmente,
há vinte e cinco Partidos Políticos nela representados.
Ocorre que o multicitado Acórdão decorrente do julgamento da
ADPF n° 378-DF também determinou a representação de todos
os partidos políticos de uma Casa Legislativa em comissão
especial de Impeachment.
Na página 87 do venerando Acórdão, leem-se:
"Posto isso, extrai-se do diploma legal dois critérios formativos
no que se refere à comissão especial: (i) a eleição de seus
membros integrantes; e (ii) a participação em sua composição
de representantes de todos os partidos políticos, observada a
proporção partidária.
(...)
Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve
respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o
sufrágio e a participação de todos os partidos." (grifos
acrescidos)

98
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Em primeiro lugar, se todos os partidos políticos representados


numa Casa Legislativa têm direito a vaga em comissão especial
de Impeachment, não se pode, previamente, determinar
nenhuma fração ou número máximo de tal comissão especial.
Em segundo lugar, a Lei federal n° 1.079 foi publicada em 12 de
abril de 1950. Como ela foi promulgada entre 1° de fevereiro de
1947 e 31 de janeiro de 1951, o início de sua vigência ocorreu
durante a trigésima oitava Legislatura da Augusta Câmara dos
Deputados.
Na pré-falada trigésima oitava Legislatura da Augusta Câmara
dos Deputados, havia trezentos e cinco Excelentíssimos
Senhores Deputados Federais divididos, naquela época, entre
dez Partidos Políticos. Considerada tal composição político-
partidária, a garantia de pelo menos um Membro de cada Partido
Político em comissão especial de Impeachment talvez
implicasse composição menor do que a necessária na
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Em terceiro lugar, a Lei federal não determina o número máximo
de membros ou a fração da composição plenária que deva ser
imposta a comissão especial de Impeachment. Todavia, a Lei
federal determina que haja pelo menos um membro de cada
partido político em comissão especial de Impeachment.
Em quarto lugar, é democrático que se assegure a cada partido
político representado em uma Casa Legislativa uma vaga em
comissão especial de Impeachment. Se não fosse assim, seriam
justamente os partidos políticos com menores bancadas que não
teriam acesso a tal comissão especial, porque, evidentemente,
ela seria partilhada apenas entre os grandes partidos políticos.
É importante observar-se que tal partilha exclusiva entre
grandes partidos políticos ocorreria se houvesse eleição dos
membros da comissão especial pelo respetivo plenário ou se
fosse adotado estrito critério de proporcionalidade. Repita-se:
ambos os argumentos tão rigidamente defendidos pelo
Reclamante implicariam, sempre, a lesão ao direito dos
pequenos partidos políticos de serem representados em
comissão especial de Impeachment.
PROPORCIONALIDADE PARTIDÁRIA NA COMISSÃO
De novo, relembre-se o teor do multicitado art. 19 da Lei federal
n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifos
acrescidos)
Literalmente, além de um representante por partido político,
cada comissão especial deveria espelhar a composição plenária
da respetiva Casa Legislativa. Com o devido respeito e
acatamento, essa interpretação, além de ser literal, anula
completamente a regra constitucional pertinente.
Consulte-se, em primeiro lugar, o parágrafo único do art. 40 da
Constituição da República de 1946, vigente quando foi publicada
a Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 40 ..................................................................
Parágrafo único - Na constituição das Comissões, assegurar-se-
á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos
Partidos nacionais que participem da respectiva Câmara." (grifos
acrescidos)

99
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Confira-se, agora, o § 1° do art. 58 da Constituição da República


de 1988:
"Art. 58 ................................................................. § 1º Na
constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada,
tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos
ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.
............................................." (grifos acrescidos)
É comezinho que se interpreta uma lei - mesmo uma Lei federal
- à luz da Constituição da República e nunca o contrário. Assim,
quer se analise a Constituição da República de 1946, vigente na
época da publicação da Lei federal n° 1.079/1950, quer se
considere a atual Constituição da República de 1988, o comando
legal de respeito à proporcionalidade partidária é podado pela
determinação constitucional de que isso se dê "tanto quanto
possível".
Aliás, a questão da cláusula "tanto quanto possível", inscrita na
Lei Maior, não é exclusividade brasileira. Ela é tão rotineira nos
Parlamentos mundiais que se a pode encontrar, por exemplo, no
Regimento Interno do Augusto Parlamento Europeu, literalmente
em português, um dos idiomas oficiais da União Europeia.
Confirase em
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/RULES-9-
2019-07-02-RULE-209_PT.html:
"Artigo 209º: Composição das comissões 1.
.......................................................................... 2. A composição
das comissões deve refletir, tanto quanto possível, a
composição do Parlamento. A distribuição dos lugares nas
comissões entre os grupos políticos deve corresponder ao
número inteiro imediatamente superior ou inferior ao resultado
do cálculo proporcional. Se não houver acordo entre os grupos
políticos quanto à sua proporção numa ou mais comissões
específicas, a Conferência dos Presidentes decide da
distribuição. ............................................." (grifos acrescidos)
No caso da Reclamada, já se demonstrou que a composição da
Comissão Especial é de vinte e cinco Excelentíssimos Senhores
Deputados, porque vinte e cinco Partidos Políticos nela são
representados. Considerando-se que o Colendo Plenário da
Reclamada conta com setenta Parlamentares, a Comissão
Especial já representa 35,7% da composição plenária do
Parlamento fluminense.
A busca obsessiva pela irretocável proporcionalidade aritmética,
além de ignorar a expressão constitucional "tanto quanto
possível", implicaria a composição da Comissão Especial com
número de Membros perto da totalidade da Casa Legislativa
fluminense, ora Reclamada.
Neste passo, inda mais uma vez, é necessário reler-se o art. 19
da Lei federal n° 1.079/1950:
"Art. 19 Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma." (grifou-se)
Com o devido respeito, por que uma comissão destinada a
opinar - isto é, a emitir parecer - sobre uma denúncia por crime
de responsabilidade precisa ser tão grande a ponto de
ultrapassar 35,7% da composição plenária do Parlamento
fluminense? Simplesmente, não precisa!

100
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Pelo exposto, considerados os vinte e cinco Partidos Políticos


representados na Reclamada, a imposição legal de um
representante de cada Partido Político na Comissão Especial do
Impeachment, a composição plenária constitucionalmente
imposta de setenta Excelentíssimos Senhores Deputados
Estaduais e, finalmente, a cláusula constitucional do "tanto
quanto possível", a única solução juridicamente possível era a
composição da Comissão Especial na Reclamada com vinte e
cinco Membros.
PERICULUM IN MORA
Sendo a atribuição da Comissão Especial, cuja composição ora
se impugna, apenas a de oferecer parecer sobre a Denúncia por
crime de responsabilidade, a apresentação de Defesa pelo
Reclamante não lhe pode trazer nenhum prejuízo. Em qualquer
hipótese, o Egrégio Plenário da Reclamada terá a mesma
composição e ele - somente ele - pode determinar o
prosseguimento do processo, motivo por que não há, com o
devido respeito, periculum in mora que justifique a concessão da
liminar ora requerida.
SÍNTESE DOS ARGUMENTOS DO INSIGNE RECLAMANTE
Nos parágrafos n° 38 a n° 48, o insigne Reclamante insiste,
citando parte do venerando Acordão da ADPF n° 378-DF, em
que o Pretório Excelso, por força do Caso Collor, decidiu no
sentido de a comissão especial de Impeachment ser
formalmente eleita, isto é, submetida a processo de aprovação
pela maioria do plenário do eventual parlamento. É necessário,
todavia, reler-se o trecho específico, páginas 87 e 88, do
venerando Acordão:
"Isso porque a escolha de membros dessa comissão deve
respeitar os preceitos constitucionais e legais, especialmente o
sufrágio e a participação de todos os partidos. No caso, seja a
indicação feita por líderes a ser submetida à votação perante o
Plenário da Câmara dos Deputados, seja a concorrência entre
chapas oficial e avulsa, ambas as formas satisfazem os critérios
formativos da comissão." (grifos acrescidos)
Repita-se: "ambas as formas satisfazem".
Nos parágrafos n° 52 a n° 58, o insigne Reclamante insiste,
invocando exclusivamente o art. 19 da Lei federal n° 1.079/1950,
em que deve haver estrita proporcionalidade na composição de
comissão especial de Impeachment. Contudo, a "clivagem
constitucional", nos termos da preciosa Inicial, impõe a leitura do
pré-falado art. 19 - e, por conseguinte, a determinação de
proporcionalidade - segundo o art. 58, § 1°, da Constituição da
República:
"Art. 58 ................................................................. § 1º Na
constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada,
tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos
ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.
............................................." (grifos acrescidos)
Repita-se: "tanto quanto possível".
Por fim, além de a proporcionalidade dever ser respeitada tanto
quanto possível, é necessário identificar-se quem seria o titular
do direito subjetivo de maior representação na Comissão
Especial do Impeachment da Reclamada.
Os célebres Partidos Políticos PSL, PSOL e DEM, mencionados
pelo ínclito Reclamante, não impugnaram a forma de
composição da Comissão Especial, sem embargo, segundo o

101
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

insigne Reclamante, de as prerrogativas de tais agremiações


partidárias terem sido lesadas. Com o devido respeito, não cabe
ao erudito Reclamante vindicar em nome próprio suposto direito
alheio.
Repita-se: direito alheio (…).”

A Procuradoria Geral da ALERJ conclui sua resposta à Reclamação


Constitucional em apreço, requerendo o indeferimento da Medida Cautelar pretendida
pelo denunciado e, no mérito, a declaração de improcedência integral do pedido.

XI – DA DECISÃO DO EMINENTE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


DIAS TOFFOLI QUE DEFERIU O PEDIDO LIMINAR NO ÂMBITO DA
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

No dia 27 de julho de 2020, o Exmo. Sr. Dias Toffoli, Ministro do Supremo


Tribunal Federal, à época presidente da Suprema Corte brasileira, respondendo pelo
plantão judiciário daquela elevada Corte, proferiu decisão liminar sobre a Reclamação
Constitucional ajuizada pelo denunciado naquela Corte Constitucional, que doravante
passo a citar:

“(...)
Decisão:
Vistos.
Trata-se de reclamação constitucional, com pedido de tutela
provisória de urgência, ajuizada por Wilson José Witzel em face
de um conjunto de atos administrativos da Mesa Diretora da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ,
pelo Presidente da Comissão Especial de impeachment do
Processo nº 5.328/20 – ALERJ, pelo Relator da Comissão
Especial de impeachment do Processo nº 5.328/20, de
pronunciamento unipessoal do Desembargador Elton Martinez
Carvalho Leme, Relator do Mandado de Segurança nº 0045844-
70.2020.8.19.0000, em trâmite perante o Órgão Especial do
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por
suposta violação ao enunciado nº 46 da Súmula Vinculante e às
autoridades das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento da ADPF 378-MC/DF e da ADI 5.835/RR.
O reclamante diz que “[e]m 27.5.2020, o Exmo. Deputado
Estadual Sr. Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Deputada
Estadual Sra. Lúcia Helena Pinto ofereceram denúncias perante
a ALERJ contra [si]. A primeira, foi distribuída sob o nº
5.328/2020, e a segunda, apensada à primeira, sob o nº
5.360/2020, ambas com fundamento nos arts. 4º, V, 9º, VII, 74 a
79, todos da Lei nº 1.079/1950.”
Afirma que “[t]ais processos ficaram com prazo de defesa
suspenso até o dia 3.7.2020, sexta-feira (doc.3). Isso em razão,
segundo entende, com de base em 2 (dois) relevantes motivos:
i) a ALERJ deveria informar o rito processual a ser adotado para
102
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

julgamentos dos Processos Administrativos de nºs 5328/2020


(principal) e 5360/2020 (apenso); e (ii) deveriam ser acostados
aos autos os documentos que motivaram as denúncias, para
somente então ser avaliada a pertinência ou não do
prosseguimento dos gravíssimos processos políticos
administrativos ( o principal e o apenso).”
Informa que “[s]obre o item (ii), em sessão posterior, o eminente
relator da Comissão Especial de Impeachment, para evitar
coação ilegal (CPP, art. 648, I), solicitou ao STJ o
compartilhamento da documentação relativa à medida cautelar
de produção antecipada de provas. Esse pedido, no entanto, foi
indeferido pelo Ministro Benedito Gonçalves (doc. 3), o que não
impediu o procedimento de anomalamente retomar seu curso.”
Alega que “[...] sobre o item (i), o reclamante se surpreendeu, ao
pesquisar nos Diários Oficiais do Estado do Rio de Janeiro e ali
constatar, então, que a ALERJ já tinha definido o rito de
prosseguimento das denúncias e que alguns atos dessa liturgia
ad hoc já tinham sido praticados de forma inidônea, porque
destoantes do rito fixado por esta e. Corte para o processo de
impeachment (ADPF 378 e da ADI 5.895), a partir da lei
1.079/50, cuja disciplina é de competência exclusiva da União
Federal (SV 46).”
O autor aduz que “[a] Comissão Especial de Impeachment foi
instituída pela simples indicação de líderes partidários, sem
qualquer posterior votação (aberta, ainda que simbólica,
veiculada no Diário Oficial) [...]”
Assevera que “a formação da Comissão Especial desrespeitou
por completo a regra da proporcionalidade partidária, tendo em
vista que cada partido teve direito a indicar um membro. Com
isso, partidos restaram sub representados (aqueles com as
maiores bancadas, mas com apenas um representante na
Comissão Especial), enquanto outros, de bancadas pequenas,
foram super-representados, com artificial desvirtuamento das
próprias forças políticas no Parlamento.”
Relata que “por meio do mandado de segurança, deduziu,
inicialmente, pedidos de urgência, a fim de que o Órgão Especial
do e. Tribunal a quo suspendesse ou anulasse os referidos atos
ilegais, praticados pela Alerj em total descumprimento à
autoridade decisória de precedentes vinculados desta Suprema
Corte e do rito a ser compulsoriamente observado em tema de
crime de responsabilidade.”
Expõe que “[…] o Ilustre Desembargador Relator, também
indicado como autoridade reclamada, indeferiu o pedido de
medida liminar ali formulado, chancelando, assim, ele próprio, os
descumprimentos dos comandos deste Supremo Tribunal
Federal realizados pelo Poder Legislativo.”
Argumenta “[...] que se mostra viável a presente reclamação
(movida contra decisão judicial e também contra atos praticados
pela ALERJ na tramitação do processo de impeachment) sendo
plenamente legítimos os pedidos nela veiculados, já acolhidos
por esta Suprema Corte em outras reclamações movidas em
contexto em tudo idêntico, considerado o desrespeito à SV 46 e
aos julgamentos vinculantes proferidos na ADPF 378 e na ADI
5.895.”
O reclamante sustenta a presença dos pressupostos para a
concessão da tutela provisória de urgência. No mérito, requer a
procedência do pedido para que “seja desconstituída a

103
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Comissão Especial formada no âmbito da ALERJ (Processo


Administrativo nº 5.328/2020 e Processo Administrativo nº
5.360), com a anulação de todos os eventuais atos por ela
praticados, determinando-se a formação de outra em seu lugar,
agora com observância dos parâmetros vinculantes desta Corte
e da Lei Federal específica, ou seja, com representantes que
correspondam tanto quanto possível à proporcionalidade
partidária e apenas após a votação em plenário dos nomes
apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o escrutínio
seja feito de modo simbólico, comunicando-se com urgência as
autoridades reclamadas”.
Em 23/07/2020, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro prestou, voluntariamente, informações nos autos,
ocasião em que defendeu o respeito à Lei federal 1.059/1950 e
ao julgado desta Corte na ADPF 307. Informa que “o Parlamento
fluminense não formou nenhum bloco parlamentar” e que
“[n]o caso da Reclamada, (...) a composição da Comissão
Especial é de vinte e cinco Excelentíssimos Senhores
Deputados, porque vinte e cinco Partidos Políticos nela são
representados. Considerando-se que o Colendo Plenário da
Reclamada conta com setenta Parlamentares, a Comissão
Especial já representa 35,7% da composição plenária do
Parlamento fluminense.
A busca obsessiva pela irretocável proporcionalidade aritmética,
além de ignorar a expressão constitucional ‘tanto quanto
possível’, implicaria a composição da Comissão Especial com
número de Membros perto da totalidade da Casa Legislativa
fluminense (...).”
Quanto ao argumento de necessidade de eleição da comissão
especial, defende que, nos termos do julgamento da ADPF 378-
MC, “[a] eleição da comissão especial significa, assim, escolha;
escolha se dá pelos respetivos Líderes.”
Por fim, pugnam pelo “indeferimento da medida liminar e, no
mérito, a declaração de integral improcedência do pedido”.
É o relato do necessário. Decido.
Preliminarmente, assento a competência desta Suprema Corte
para processar e julgar a presente reclamação constitucional.
A reclamação constitucional é ação cabível para garantir a
observância de súmula vinculante e do conteúdo da decisão
proferida em controle abstrato de constitucionalidade pelo
Supremo Tribunal Federal. (Nesse sentido: MITIDIERO, Daniel.
Precedentes – da Persuasão à vinculação. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2018. p.108; CAMARGO, Luiz Henrique
Volpe. Os precedentes fortes e as técnicas para garantir
soluções jurídicas iguais para casos iguais. Dissertação -
Mestrado em Direito – Faculdade de Direito, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 424;
MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Súmulas e precedentes
qualificados. Saraiva: São Paulo, 2019, p. 469-470).
Estando em jogo a desatenção quanto às regras que conformam
o processo de impeachment, versadas em enunciado da Súmula
Vinculante da Suprema Corte, revela-se adequado o cabimento
da reclamação constitucional para a preservação da autoridade
dos julgados da Suprema Corte (Nesse sentido: Rcl 38.371/PR,
relatoria do Ministro Roberto Barroso; Rcl 24.727/PA, da minha
relatoria; Rcl 40.561/RS, relatoria do Ministro Edson Fachin).

104
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

De acordo com o Professor Pedro Miranda de Oliveira, “[o] efeito


vinculante da súmula pode ser visto como uma consequência do
respeito à estrutura hierárquica do Poder Judiciário, e não de
limitação à liberdade de convencimento dos juízes de primeiro e
segundo graus. Afinal, em última análise, a função do Supremo
Tribunal Federal é, precipuamente, ser o fiel guardião da
Constituição Federal. O Supremo é a máxima instância de
superposição em relação todos os órgãos de jurisdição.”
(OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal
conforme o CPC/2015. 3ª ed. Empório do Direito: Florianópolis,
2017. p.257)
O autor aponta como paradigma de confronto na presente
reclamação constitucional o verbete do enunciado nº 46 da
Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, cuja redação
transcrevo:
“A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são da
competência legislativa privativa da União.”
Como é sabido, o procedimento de edição de súmula vinculante
por esta Suprema Corte pressupõe “reiteradas decisões sobre
matéria constitucional” (art. 103-A, caput, da Carta da República)
e, portanto, o alcance de sua eficácia em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta perpassa pela compreensão do conteúdo decisório
anterior da jurisprudência desta Suprema Corte acerca do tema
constitucional.
No ato de subsunção do enunciado sumular é necessário
analisar as razões de decidir dos julgados que deram ensejo a
sua edição, lançando um olhar sobre as questões de fato e de
direito examinadas nos precedentes. Mas faz-se imprescindível
também voltar os olhos para as decisões subsequentes que
aplicaram o verbete. Nesse sentido, é importante a lição do
Professor Ronaldo Cramer ao ponderar que “[…] a tese jurídica
sintetizada pela súmula deve ser compreendida não só a partir
do precedente que a criou, mas também das decisões
posteriores.” (CRAMER, Ronaldo. A súmula e o sistema de
precedentes no CPC. In: NUNES, Dierle, MENDES, Aluísio,
JAYME, Fernando Gonzaga (org). A nova aplicação da
jurisprudência e precedentes no Código de Processo Civil/2015:
estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 972).
O paradigma evocado deriva de proposta de conversão do
enunciado n° 722 da súmula da jurisprudência dominante em
enunciado com força vinculante, aprovada nos autos da PSV nº
106, na qual o Ministro Presidente Ricardo Lewandowski
consignou que:
“Mesmo após a edição da Súmula 722-STF, ocorrida em
novembro de 2003, este Tribunal – seja por meio de seus órgãos
colegiados, seja pela atuação individual de seus membros – tem
se debruçado diversas vezes quanto ao tema ora em debate,
sobretudo em razão da permanente insistência de Estados
membros e Municípios em caracterizar uma série de novas
condutas como crimes de responsabilidade.” a oportunidade,
ressaltou-se manifestação do Ministro Celso de Mello, no RE nº
367.297/SP, após ressalva de posicionamento individual, in
verbis:

105
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

‘A orientação consolidada na Súmula 722/STF, hoje


prevalecente na jurisprudência desta Suprema Corte, conduz ao
reconhecimento de que não assiste, ao Estado-membro e ao
Município, mediante regramento normativo próprio, competência
para definir tanto os crimes de responsabilidade (ainda que sob
a denominação de infrações administrativas ou político-
administrativas) quanto o respectivo procedimento ritual:
(…)
Cabe assinalar que têm sido reiteradas as decisões proferidas
por esta Suprema Corte, cujo magistério jurisprudencial se
orienta - considerados os precedentes mencionados - no sentido
da impossibilidade de outros entes políticos, que não a União,
editarem normas definidoras de crimes de responsabilidade,
ainda que sob a designação formal de infrações político-
administrativas ou infrações administrativas:
(…)
O que me parece incontroverso, no entanto, a partir da edição
da Súmula 722/STF, é que resultou superada, agora, prestigiosa
corrente doutrinária (PAULO BROSSARD DE SOUZA PINTO,
'O Impeachment', p. 88/112, 2ª ed., 1992, Saraiva; JOSÉ
AFONSO DA SILVA, 'Curso de Direito Constitucional Positivo',
p. 629/630, 32ª ed., 2009, Malheiros; HELY LOPES
MEIRELLES, 'Direito Municipal Brasileiro', p. 805, 16ª ed., item
n. 4.2.1, 2008, Malheiros), que admite a possibilidade de os
Estados-membros ou os Municípios definirem, eles próprios, os
modelos tipificadores dos impropriamente denominados crimes
de responsabilidade.
O Estado-membro e o Município, portanto, considerada a
jurisprudência predominante nesta Suprema Corte, não dispõem
de competência para estabelecer normas definidoras de crimes
de responsabilidade (ainda que sob a designação de infrações
administrativas ou político-administrativas), bem assim para
disciplinar o respectivo procedimento ritual.’
Ainda nesse sentido, rememoro a ADI nº 2.220/SP, julgada
procedente na parte conhecida para, com fundamento no art. 85
da Lei Maior, declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da
Constituição do Estado de São Paulo que pretendiam
regulamentar a definição, o processo e o julgamento de crimes
de responsabilidade, assim ementada na parte de interesse:
“2. A definição das condutas típicas configuradoras do crime de
responsabilidade e o estabelecimento de regras que disciplinem
o processo e julgamento das agentes políticos federais,
estaduais ou municipais envolvidos são da competência
legislativa privativa da União e devem ser tratados em lei
nacional especial (art. 85 da Constituição da República).
Precedentes.” (ADI nº 2.220/SP, Rel. Min. Carmen Lúcia,
Tribunal Pleno, DJe de 7/12/2011).
É convencional o conhecimento de que, em sua acepção
moderna, o princípio republicano se concretiza pela presença de
três elementos característicos: a eletividade dos governantes, a
temporariedade dos mandatos e a responsabilidade dos agentes
públicos. De fato, a responsabilidade dos governantes traduz-se
em uma das pedras angulares essenciais à forma de governo
republicana pensada pelos norte-americanos quando da
fundação daquele país. Na verdade, a ideia de que tal princípio
envolvia o elemento da responsabilização dos governantes já
contava das famosas Notas de Thomas Jefferson sobre a

106
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

ciência do governo republicado que tanto influenciaram seus


compatriotas (GISH, Dustin; KLINGHARD, Daniel. Thomas
Jefferson and the science of republican government: a political
biography of notes on the State of Virginia. Cambridge University
Press. Cambridge: 2017, p. 200 e ss.) No Brasil, o princípio
republicano tem recebido uma compreensão equivalente. Tal
princípio, ao lado do princípio democrático e do princípio
federativo, integra o núcleo essencial de nossa Constituição
(LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Reflexões em torno do
Princípio Republicano. In: Carlos Mário da Silva Velloso e outros
(Coord.), Princípios Constitucionais Fundamentais. Estudos em
Homenagem ao Professor Ives Gandra da Silva Martins, 2001 p.
375).
De fato, em nosso sistema constitucional a feição do princípio
republicano também exprime a ideia de que todos os agentes
públicos são igualmente responsáveis perante a lei,
entendimento este reverenciado por esta Suprema Corte em
diversos precedentes importantes, inclusive naqueles evocados
pelo reclamante.
Embora corolário do princípio republicano, o impeachment é
uma experiência gravíssima em uma democracia constitucional
(Nesse sentido, conferir: TRIBE, Laurence; MATZ, Joshua. To
end a Presidency : the power of impeachment. New York: Basic
Book, 2019; SUNSTEIN, Cass. Impeachment – a citizen´s guide.
Cambridge, MA: Harvard University Press, 2017). É por essa
razão que o processo de impeachment se reveste de caráter de
excepcionalidade em sistemas constitucionais presidencialistas.
Exatamente por isso a realização de um processo de
impeachment precisa guardar a higidez constitucional e legal em
relação ao seu procedimento.
Ressalte-se, nesse sentido, diversos precedentes desta Corte
que, em sede de Reclamação, analisou exatamente a não
observância, em processos de impeachment, do rito previsto na
legislação federal e no julgamento da ADPF 378. Nesse sentido:
Rcl 38.371 MC/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 17/12/19; Rcl
24.727/PA, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 7/5/18; Rcl 31.850/PB,
Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 14/11/18.
Na presente reclamação constitucional, indica-se como violada
autoridade do pronunciamento formalizado na decisão cautelar
na ADPF nº 378/DF, por meio da qual esta Corte realizou
verdadeira filtragem constitucional da Lei nº 1.079/50. Confira-
se a ementa que recebeu esse julgado, na parte de interesse:
“3. A PROPORCIONALIDADE NA FORMAÇÃO DA COMISSÃO
ESPECIAL PODE SER AFERIDA EM RELAÇÃO A BLOCOS
[….]: (i) a possibilidade de se assegurar a representatividade por
bloco (art. 58, §1º) e (ii) a delegação da matéria ao Regimento
Interno da Câmara (art. 58, caput). A opção pela aferição da
proporcionalidade por bloco foi feita e vem sendo aplicada
reiteradamente pela Câmara dos Deputados na formação de
suas diversas Comissões, tendo sido seguida, inclusive, no caso
Collor. Improcedência do pedido. (Rel. Min. Edson Facchin, Rel.
P/ acórdão Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe de
8/3/2016, grifei).
Com efeito, a Constituição de 1988 estabelece, em seu art. 58,
§ 1º, a necessidade de se respeitar a representatividade
proporcional nas Comissões. Vide:

107
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“Art. 58 (…) § 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão,


é assegurada, tanto quanto possível, a representação
proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que
participam da respectiva Casa.”
No mesmo sentido estabelece o art. 19 da Lei 1.079/50,
especificamente quanto à formação da comissão especial:
“Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma.”
No julgamento da ADPF 378-MC, decidiu-se que, em razão das
elevadas funções exercidas, a deliberação institucional para
escolha dos membros da comissão especial deveria observar a
representação proporcional dos partidos políticos ou blocos
parlamentares, assegurando-se, na medida do possível, a
dinâmica das forças políticas na proporção que ocupem no
Parlamento.
Conforme assentado por esta Corte, a comissão especial deve
revelar em sua composição a representação proporcional do
ambiente parlamentar. Nesse sentido, fui expresso em meu voto
no julgamento da ADPF 378 MC, quando destaquei:
“(…) O que a Constituição exige é a proporcionalidade, que se
respeite a proporcionalidade partidária.
(…)
Partidária ou de bloco. A questão se a vaga vai ser do a ou do b
na eleição, eu penso que é uma questão interna corporis da
Câmara dos Deputados. O que não se pode ter aqui é uma
comissão que seja eleita com desrespeito à proporção prevista
na Constituição.”
No presente caso, a forma de composição da comissão especial
no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro, formada por um representante de cada legenda, inovou
o processo para apuração de responsabilidade política previsto
no art. 19 da Lei nº 1.079/50, contrariando, assim, o verbete nº
46 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal.
É o que se verifica da leitura do Ato 41/2020, editado pelo
Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro, no qual estabelece o rito processual a ser seguido no
referido processo:
“Atos do Presidente ATO/E/GP/N° 41/2020
Dá cumprimento, nos termos da Súmula Vinculante n° 46, à
Legislação federal sobre crime de responsabilidade.
O Presidente da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e em estrito
cumprimento à Súmula Vinculante n° 46 e às normas da Lei
federal n° 1.079/1950, RESOLVE:
Art. 1° Abrir prazo de quarenta e oito horas a cada um dos
Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada
qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir
Parecer sobre a Denúncia por crime de responsabilidade contra
o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada
no processo ALERJ n° 5.328/2020.
Parágrafo único - Esgotado o prazo sem indicação de Liderança,
o Presidente da Assembleia Legislativa fará as indicações
necessárias, sempre respeitando, tanto quanto possível, a
proporcionalidade partidária.

108
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Art. 2° Determinar a citação do Excelentíssimo Senhor


Governador do Estado para, querendo, defender-se, no prazo
de dez sessões, perante a Comissão Especial dos fatos
articulados na Denúncia.
Parágrafo único A citação deverá ser acompanhada do inteiro
teor do processo ALERJ n° 5.328/2020 e eventuais apensos.
Art. 3° Depois que os Membros forem indicados, a Comissão
Especial terá quarenta e oito horas para reunir-se, elegendo seu
Presidente e seu Relator.
Art. 4° A Comissão Especial terá cinco sessões para emitir
Parecer sobre a admissibilidade ou não da Denúncia, contadas
do oferecimento da Defesa do Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado ou do término do prazo mencionado no
caput do art. 2°.
Art. 5° O Parecer será lido em Plenário da Assembleia
Legislativa e publicado no Diário Oficial, sendo imediatamente
inserido na Ordem do Dia.
Art. 6° Os Excelentíssimos Senhores Deputados, no limite
máximo de cinco por Partido, poderão discutir o Parecer por uma
hora, ressalvado ao Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da
Comissão Especial o direito de responder a cada um.
Art. 7° Encerrada a discussão do Parecer, e submetido à
votação nominal, será a Denúncia, com os documentos que a
instruam, arquivada, se não for considerada objeto de
deliberação ou recebida, hipótese em que, publicado o
resultado, comunicar-se-á o Excelentíssimo Senhor
Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça para
a composição do Tribunal previsto no art. 78, § 3°, da Lei federal
n° 1.079/1950.
Art. 8° A Denúncia será arquivada se não for recebida até o final
do mandato do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado.
Art. 9° Este Ato Executivo entra em vigor na data de sua
publicação.
Palácio Tiradentes, 10 de junho de 2020
Deputado ANDRÉ CECILIANO, Presidente
Em 10.06.2020.”
Tal medida não se acomoda à jurisprudência desta Corte e, de
fato, contraria os precedentes e enunciados evocados pelo
reclamante, além de incidir em desencontro com o texto
constitucional tanto quanto em relação ao art. 58, § 1º, quanto
no que diz respeito à competência da União para disciplinar o
processo e o julgamento de crimes de responsabilidade.
Também assiste razão ao reclamante, quanto à ausência de
eleição da comissão. O art. 19 da Lei 1.179 estabelece que a
comissão especial será eleita. Tal exigência se faz necessária
ainda que se limite a confirmar ou não as indicações realizadas
pelos líderes dos partidos ou do bloco, o que pode se dar
inclusive por aclamação ou votação simbólica, tal qual ocorreu
nos casos dos Presidentes Fernando Collor de Melo e Dilma
Vana Rousseff.
No julgamento da ADPF 378-MC, conquanto o Ministro Roberto
Barroso, redator para o acórdão, tenha salientado que, a título
de esclarecimento, não se tratava propriamente de votação, Sua
Excelência concluiu:
“Apesar disso, como se reconhece que, em 1992, a Câmara dos
Deputados adotou a interpretação de que haveria uma votação
no Plenário para ratificação dos nomes indicados pelos líderes,

109
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

vota-se por manter, para o rito do impeachment em curso, a


realização de eleição pela Câmara, limitando-se a confirmar ou
não as indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos,
sem admissão de candidaturas avulsas”.
Assim, em juízo de cognição sumária, próprio das tutelas
provisórias de urgência, e a partir da perspectiva da definição,
do processo e do julgamento de crimes de responsabilidade
estarem disciplinados por lei nacional (Lei nº 1.079/50), da
competência privativa da União, entendo que assiste razão
jurídica à tese de violação ao enunciado nº 46 da Súmula
Vinculante da Jurisprudência Dominante do STF e à autoridade
da decisão proferida na ADPF-MC nº 378/DF pelo
Desembargador Elton Martinez Carvalho Leme, Relator do
Mandado de Segurança nº 0045844- 70.2020.8.19.0000, em
trâmite perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, ao legitimar o ato de formação da
comissão especial de impeachment sem a obediência à
necessária configuração proporcional dos partidos políticos e
blocos parlamentares e sem a realização de votação plenária
dos nomes apresentados pelos líderes, ainda que de forma
simbólica.
Ante a iminência do prazo para o reclamante apresentar sua
defesa (29/07/2020), defiro a medida liminar para sustar os
efeitos dos atos impugnados, desconstituindo-se, assim, a
comissão especial formada, para que se constitua outra
comissão, observando-se a proporcionalidade de representação
dos partidos políticos e blocos parlamentares, bem como a
votação plenária dos nomes apresentados pelos respectivos
líderes, ainda que o escrutínio seja feito de modo simbólico,
consoante o previsto no art. 19 da Lei nº 1.079/50 e o assentado
no julgamento da ADPF 378 -MC/DF. (...)” (grifos originais)

Assim, em decorrência da decisão liminar acima citada, proferida pelo


Eminente Ministro Dias Toffoli, os trabalhos da Comissão Especial de Impeachment
da ALERJ foram interrompidos, até que sobreveio nova decisão, no âmbito do
Supremo Tribunal Federal, sobre a Reclamação apresentada pelo denunciado.

XII – DA DECISÃO DO EMINENTE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL ALEXANDRE DE MORAES QUE REFORMOU A DECISÃO ANTERIOR
SOBRE A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL, REVOGANDO A LIMINAR
CONCEDIDA EM PLANTÃO JUDICIÁRIO

Designado como relator no Supremo Tribunal Federal da Reclamação em tela,


após a declaração de impedimento manifestada por seu antecessor na relatoria desta
matéria, o novo relator, Exmo. Sr. Ministro Alexandre de Moraes, decidiu, na data de
28 de agosto de 2020, nos seguintes termos:

“(...)
110
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

DECISÃO
Trata-se de Reclamação, com pedido de tutela de urgência,
proposta por Wilson José Witzel, Governador do Estado do Rio
de Janeiro, contra atos praticados pelo Presidente da Mesa
Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,
pelo Presidente da Comissão Especial de Impeachment do
Processo nº 5.328 da ALERJ, pelo Relator do Processo nº 5.328
da Comissão Especial de Impeachment da ALERJ, bem como
contra o indeferimento do pedido liminar nos autos do Mandado
de Segurança 0045844-70.2020.8.19.0000, em trâmite no
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por suposta
violação à Súmula Vinculante 46 e às autoridades das decisões
proferidas no julgamento da ADPF 378 MC (Redator p/ o
Acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, julgamento em
17/12/2015, DJe de 8/3/2016) e da ADI 5.895 (Rel. Min.
ALEXANDRE DE MORAES, Pleno, julgamento em 27/9/2019,
DJe de 15/10/2019).
Em razão de sua completude, reproduzo o relatório lançado pelo
Presidente desta SUPREMA CORTE na decisão que analisou a
medida liminar requerida:
O reclamante diz que [e]m 27.5.2020, o Exmo. Deputado
Estadual Sr. Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma. Deputada
Estadual Sra. Lúcia Helena Pinto ofereceram denúncias perante
a ALERJ contra [si]. A primeira, foi distribuída sob o nº
5.328/2020, e a segunda, apensada à primeira, sob o nº
5.360/2020, ambas com fundamento nos arts. 4º, V, 9º, VII, 74 a
79, todos da Lei nº 1.079/1950.
Afirma que [t]ais processos ficaram com prazo de defesa
suspenso até o dia 3.7.2020, sexta-feira (doc.3). Isso em razão,
segundo entende, com de base em 2 (dois) relevantes motivos:
i) a ALERJ deveria informar o rito processual a ser adotado para
julgamentos dos Processos Administrativos de nºs 5328/2020
(principal) e 5360/2020 (apenso); e (ii) deveriam ser acostados
aos autos os documentos que motivaram as denúncias, para
somente então ser avaliada a pertinência ou não do
prosseguimento dos gravíssimos processos políticos
administrativos ( o principal e o apenso).
Informa que [s]obre o item (ii), em sessão posterior, o eminente
relator da Comissão Especial de Impeachment, para evitar
coação ilegal (CPP, art. 648, I), solicitou ao STJ o
compartilhamento da documentação relativa à medida cautelar
de produção antecipada de provas. Esse pedido, no entanto, foi
indeferido pelo Ministro Benedito Gonçalves (doc. 3), o que não
impediu o procedimento de anomalamente retomar seu curso.
Alega que [...] sobre o item (i), o reclamante se surpreendeu, ao
pesquisar nos Diários Oficiais do Estado do Rio de Janeiro e ali
constatar, então, que a ALERJ já tinha definido o rito de
prosseguimento das denúncias e que alguns atos dessa liturgia
ad hoc já tinham sido praticados de forma inidônea, porque
destoantes do rito fixado por esta e. Corte para o processo de
impeachment (ADPF 378 e da ADI 5.895), a partir da lei
1.079/50, cuja disciplina é de competência exclusiva da União
Federal (SV 46).
O autor aduz que [a] Comissão Especial de Impeachment foi
instituída pela simples indicação de líderes partidários, sem
qualquer posterior votação (aberta, ainda que simbólica,
veiculada no Diário Oficial) [...]

111
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Assevera que a formação da Comissão Especial desrespeitou


por completo a regra da proporcionalidade partidária, tendo em
vista que cada partido teve direito a indicar um membro. Com
isso, partidos restaram sub representados (aqueles com as
maiores bancadas, mas com apenas um representante na
Comissão Especial), enquanto outros, de bancadas pequenas,
foram super-representados, com artificial desvirtuamento das
próprias forças políticas no Parlamento.
Relata que por meio do mandado de segurança, deduziu,
inicialmente, pedidos de urgência, a fim de que o Órgão Especial
do e. Tribunal a quo suspendesse ou anulasse os referidos atos
ilegais, praticados pela Alerj em total descumprimento à
autoridade decisória de precedentes vinculados desta Suprema
Corte e do rito a ser compulsoriamente observado em tema de
crime de responsabilidade.
Expõe que […] o Ilustre Desembargador Relator, também
indicado como autoridade reclamada, indeferiu o pedido de
medida liminar ali formulado, chancelando, assim, ele próprio, os
descumprimentos dos comandos deste Supremo Tribunal
Federal realizados pelo Poder Legislativo.
Argumenta [...] que se mostra viável a presente reclamação
(movida contra decisão judicial e também contra atos praticados
pela ALERJ na tramitação do processo de impeachment) sendo
plenamente legítimos os pedidos nela veiculados, já acolhidos
por esta Suprema Corte em outras reclamações movidas em
contexto em tudo idêntico, considerado o desrespeito à SV 46 e
aos julgamentos vinculantes proferidos na ADPF 378 e na ADI
5.895.
O reclamante sustenta a presença dos pressupostos para a
concessão da tutela provisória de urgência. No mérito, requer a
procedência do pedido para que seja desconstituída a Comissão
Especial formada no âmbito da ALERJ (Processo Administrativo
nº 5.328/2020 e Processo Administrativo nº 5.360), com a
anulação de todos os eventuais atos por ela praticados,
determinando-se a formação de outra em seu lugar, agora com
observância dos parâmetros vinculantes desta Corte e da Lei
Federal específica, ou seja, com representantes que
correspondam tanto quanto possível à proporcionalidade
partidária e apenas após a votação em plenário dos nomes
apresentados pelos respectivos líderes, ainda que o escrutínio
seja feito de modo simbólico, comunicando-se com urgência as
autoridades reclamadas.
Em 23/07/2020, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro prestou, voluntariamente, informações nos autos,
ocasião em que defendeu o respeito à Lei federal 1.059/1950 e
ao julgado desta Corte na ADPF 307. Informa que o Parlamento
fluminense não formou nenhum bloco parlamentar e que [n]o
caso da Reclamada, (...) a composição da Comissão Especial é
de vinte e cinco Excelentíssimos Senhores Deputados, porque
vinte e cinco Partidos Políticos nela são representados.
Considerando-se que o Colendo Plenário da Reclamada conta
com setenta Parlamentares, a Comissão Especial já representa
35,7% da composição plenária do Parlamento fluminense. A
busca obsessiva pela irretocável proporcionalidade aritmética,
além de ignorar a expressão constitucional tanto quanto
possível, implicaria a composição da Comissão Especial com

112
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

número de Membros perto da totalidade da Casa Legislativa


fluminense (...).
Quanto ao argumento de necessidade de eleição da comissão
especial, defende que, nos termos do julgamento da ADPF 378-
MC, [a] eleição da comissão especial significa, assim, escolha;
escolha se dá pelos respetivos Líderes.
Por fim, pugnam pelo indeferimento da medida liminar e, no
mérito, a declaração de integral improcedência do pedido.
Em 27/7/2020, o Presidente deste TRIBUNAL, nos termos do art.
13, VIII, do RISTF, deferiu a medida liminar requerida “para
sustar os efeitos dos atos impugnados, desconstituindo-se,
assim, a comissão especial formada, para que se constitua outra
comissão, observando-se a proporcionalidade de representação
dos partidos políticos e blocos parlamentares, bem como a
votação plenária dos nomes apresentados pelos respectivos
líderes, ainda que o escrutínio seja feito de modo simbólico,
consoante o previsto no art. 19 da Lei nº 1.079/50 e o assentado
no julgamento da ADPF 378 -MC/DF”. Na ocasião, o Ministro
Presidente determinou, ainda, a citação da beneficiária da
decisão reclamada (art. 989, III, do CPC), a requisição de
informações e a manifestação da Procuradoria-Geral da
República.
Em 1º/8/2020, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
apresentou manifestação contra a liminar deferida, reiterando os
argumentos aduzidos na prestação de informações,
anteriormente apresentadas (doc. 18).
Em 3/8/2020, o TJRJ prestou informações sobre o indeferimento
do pedido liminar requerido no MS 0045844-70.2020.8.19.0000,
cuja transcrição segue abaixo:
Nesse contexto, destaca-se que a decisão reclamada entendeu
que não houve contrariedade à regra da proporcionalidade,
diante da composição partidária da Assembleia Legislativa deste
Estado, com representação por 25 partidos políticos,
percebendo, num juízo de cognição sumária, a possibilidade de
indicação dos membros da comissão especial pelos líderes de
cada partido com representação na ALERJ, entendendo inexistir
incompatibilidade com as orientações firmadas pelo Supremo
Tribunal Federal e tampouco existir contrariedade à Súmula
Vinculante 46 também da Suprema Corte.
Em 3/8/2020, o eminente Ministro LUIZ FUX, relator sorteado,
declarou sua incompatibilidade para julgamento da presente
ação reclamatória, com fundamento no art. 277 do RISTF, sendo
os autos redistribuídos para minha relatoria.
Em 20/8/2020, a Procuradoria-Geral da República apresentou
parecer pela improcedência do pedido reclamatório, em
manifestação assim ementada:
RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO DE
IMPEACHMENT. COMPOSIÇÃO DE COMISSÃO ESPECIAL.
INDICAÇÃO DE LIDERANÇAS PARTIDÁRIAS. ELEIÇÃO DE
MEMBROS. VOTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO
LEGAL. PROPORCIONALIDADE. REGRA CONDICIONADA À
POSSIBILIDADE. PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA.
1. A indicação dos membros da Comissão Especial de
impeachment, prevista no art. 19 da Lei 1.079/50, é prerrogativa
dos partidos políticos, por meio de suas lideranças, não estando
sujeita a deliberação por partidos diversos.

113
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

2. Havendo a Suprema Corte decidido que a função de indicação


de membros para a composição da comissão especial de
impeachment recai sobre as lideranças partidárias e inexistindo
previsão constitucional e legal de votação para referendar tais
indicações, não há que se impor tal procedimento às Casas
Legislativas.
3. Existindo número alargado de partidos políticos na
assembleia legislativa, a formação de comissão especial de
impeachment com um representante de cada partido atende ao
comando constitucional de proporcionalidade na medida de sua
possibilidade, conferindo legitimação material e formal para a
sua atuação.
— Parecer pela improcedência do pedido.
O reclamante peticionou, contrapondo à ALERJ, no que diz
respeito ao pedido de reconsideração do deferimento da medida
cautelar (doc. 46).
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro peticionou,
reiterando o requerimento de revogação da liminar e o pedido de
julgamento da improcedência do pedido (doc. 48).
Por fim, o reclamante, mais uma vez, defendeu a subsistência
da medida liminar (doc. 50).
É o relatório. Decido.
A respeito do cabimento da reclamação para o SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, dispõe o art. 102, I, l, e o art. 103-A, caput
e § 3º, ambos da Constituição Federal:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
l) a reclamação para a preservação de sua competência e
garantia da autoridade de suas decisões;
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre matéria
constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação
na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida
em lei.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a
súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá
reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a
procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com
ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Veja-se também o art. 988, I, II e III, do Código de Processo Civil
de 2015:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do
Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e
de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle
concentrado de constitucionalidade;
Na presente hipótese, o reclamante invoca como parâmetro
principal de controle a Súmula Vinculante 46, cujo teor é o
seguinte:

114
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento


das respectivas normas de processo e julgamento são de
competência legislativa privativa da União.
A questão primordial da presente reclamação, portanto, é saber
se, em respeito à Separação de Poderes, a Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro respeitou as normas
constitucionais e legais referentes ao processo de
responsabilização do Governador do Estado por crime de
responsabilidade, em especial os termos da Lei Federal
1.079/1950 no tocante a composição da Comissão Especial.
A Constituição Federal, visando, principalmente, a evitar o
arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem,
previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e
harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais
para que bem pudessem exercê-las, bem como criando
mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da
perpetuidade do Estado Democrático de Direito (MARCELO
CAETANO. Direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1987. v. 1, p. 244; NUNO PIÇARRA. A separação dos
poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra:
Coimbra Editora, 1989; JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA
BARACHO. Aspecto da teoria geral do processo constitucional:
teoria da separação de poderes e funções do Estado. Revista de
Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 19, n° 76,
p. 97, out./dez. 1982; JOSÉ LUIZ DE ANHAIA MELLO. Da
separação de poderes à guarda da Constituição: as cortes
constitucionais. 1969. Tese (Cátedra) – Fadusp, São Paulo;
MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES. Tripartição de
poderes na Constituição de 1988. Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos
Tribunais, ano 3, N° 11, p. 16, abr./jun. 1995; MÁRCIA
WALQUÍRIA BATISTA DOS SANTOS. Separação de poderes:
evolução até à Constituição de 1988: considerações. Revista de
Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 29, N°
115, p. 209, jul./set. 1999).
Assim, apesar de independentes, os Poderes de Estado devem
atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e a
lealdade institucional e afastando as práticas de guerrilhas
institucionais, que acabam minando a coesão governamental e
a confiança popular na condução dos negócios públicos pelos
agentes políticos.
Para tanto, a Constituição Federal consagra um complexo
mecanismo de controles recíprocos entre os três poderes, de
forma que, ao mesmo tempo, um Poder controle os demais e por
eles seja controlado. Esse mecanismo denomina-se teoria dos
freios e contrapesos (WILLIAM BONDY. The separation of
governmental powers. In: History and theory in the constitutions.
New York: Columbia College, 1986; JJ. GOMES CANOTILHO;
VITAL MOREIRA. Os poderes do presidente da república.
Coimbra: Coimbra Editora, 1991; DIOGO DE FIGUEIREDO
MOREIRA NETO. Interferências entre poderes do Estado
(Fricções entre o executivo e o legislativo na Constituição de
1988). Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado
Federal, ano 26, n° 103, p. 5, jul./set. 1989; JAVIER GARCÍA
ROCA. Separación de poderes y disposiciones del ejecutivo com
rango de ley: mayoria, minorías, controles. Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos

115
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Tribunais, ano 7, n° 7, p. 7, abr./jun. 1999; JOSÉ PINTO


ANTUNES. Da limitação dos poderes. 1951. Tese (Cátedra) –
Fadusp, São Paulo; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ.
Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos
normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1994. p. 2021; FIDES OMMATI. Dos freios e
contrapesos entre os Poderes. Revista de Informação
Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 14, n° 55, p. 55,
jul./set. 1977; JOSÉ GERALDO SOUZA JÚNIOR. Reflexões
sobre o princípio da separação de poderes: o “parti pris” de
Montesquieu. Revista de Informação Legislativa, Brasília:
Senado Federal, ano 17, n° 68, p. 15, out./dez. 1980; JOSÉ DE
FARIAS TAVARES. A divisão de poderes e o constitucionalismo
brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado
Federal, ano 17, n° 65, p. 53, jan./mar. 1980).
Dentro do mecanismo de controles recíprocos
constitucionalmente previstos em uma República, a Constituição
Federal estabelece várias hipóteses, entre elas encontra-se,
exatamente, o processo e julgamento do Chefe do Poder
Executivo por crime de responsabilidade – impeachment pelo
Poder Legislativo, que deverá sempre ser utilizada com
precaução, por tratar-se da mais devastadora arma à disposição
do Poder Legislativa contra o Chefe do Poder Executivo
(conferir: MADISON, The federalist papers LXVI; KURLAND,
Philip B. The rise and fall of the doctrine of separation of powers.
Michigan Law Review. Ann Arbor, ano 3, v. 85, p. 605, dez. 1986.
Conferir, ainda: KURLAND, Philip B. The rise and fall of the
doctrine of separation of powers. Michigan Law Review. Ann
Arbor, ano 3, v. 85, p. 605, dez. 1986; YODER, Edwin M. The
presidency and the criminalization of politics. Saint Louis
University Law Journal. Saint Louis, ano 3, v. 44, p. 749-760,
1999; GRIESBACH, John M. Three levels of trouble: a comment
on Edwin Yoder’s. Saint Louis University Law Journal. Saint
Louis, ano 3, v. 43, p. 761-777, 1999; CAVALCANTI,
Themistocles Brandão. A constituição federal comentada. Rio de
Janeiro: Forense, 1948. v. 2, p. 263 ss.; MAXIMILIANO, Carlos.
Comentários à Constituição brasileira... Op. cit. p. 643 ss;
BROSSARD, Paulo. O impeachment. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
1992. p. 118).
Diferentemente do princípio da absoluta irresponsabilidade,
inerente ao caráter vitalício do cargo real – The King can do no
wrong –, as constituições presidencialistas, seguindo o modelo
norte-americano, preveem regras especiais de
responsabilização do Presidente da República, integralmente
aplicáveis aos Governadores de Estado, permitindo sua
responsabilização, tanto por infrações político-administrativas,
quanto por infrações penais (ALBUQUERQUE, Roberto de. A
Revolução Francesa e o princípio da responsabilidade. Revista
de Informação Legislativa. Brasília, ano 26, no 104, p. 299,
out./dez. 1989; SIQUEIRA, Galdino. O impeachment no regime
constitucional brasileiro. 1912. Dissertação no concurso ao lugar
de Professor Extraordinário Efetivo da 1a Seção da Faculdade
de Direito de São Paulo;
FRANCO, Ary Azevedo. Em torno de impeachment. 1926. Tese
(cátedra) – Fadusp, São Paulo; FIGUEIREDO, Paulo de.
Impeachment: sua necessidade no regime presidencial. Revista

116
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, ano 2. no


6, p. 31, abr./jun. 1965).
O regime republicano, diferentemente do monárquico, não pode
ficar indefeso, desprovido de mecanismos que garantam a
aplicabilidade das constituições e as defendam, principalmente,
dos governantes que buscam ultrapassar os limites das funções
conferidas a eles pelas normas constitucionais (PIOUS, Richard
M. Impeaching the president: the intersection of constitutional
and popular law. Saint Louis University Law Journal. Saint Louis,
ano 3, v. 43, p. 864, 1999; FITTS, Michael A. The legalization of
the presidency: a twenty-five year watergate retrospective. Saint
Louis University Law Journal. Saint Louis, ano 3, v. 44, p. 728,
1999).
Como, historicamente, salientado por HAMILTON, o princípio
republicano requer que o senso deliberado da comunidade
governe a conduta daqueles a quem ela confia a administração
de seus assuntos (The Federalist papers nº LXVIII).
RUI BARBOSA sempre advertiu para a grande importância da
previsão constitucional de responsabilização política do Chefe
do Executivo, afirmando que:
“o presidencialismo americano sem a responsabilidade
presidencial, porém, é a dictadura canonizada com a sagração
constitucional. Basta a eliminação deste correctivo, para que
todo esse mecanismo apparente de freios e garantias se
converta em mentira. Todos os poderes do Estado então vão
sucessivamente desapparecendo no executivo, como nas
espiraes revoluteantes de um sorvedoiro” (BARBOSA, Rui.
Comentários à Constituição Federal Brasileira. São Paulo:
Saraiva, 1933. p. 435).
Nesse sentido, essa CORTE SUPREMA entende que o
impeachment concretiza “o princípio republicano, exigindo dos
agentes políticos responsabilidade civil e política pelos atos que
praticassem no exercício do poder” (ADPF 378/DF, Rel. Min.
EDSON FACHIN, 16, 17 e 18-12-2015).
Tal previsão, tanto no âmbito federal quanto estadual, torna-se
necessária quando se analisa que a eficácia da Constituição é
dependente de fatores alheios à mera vontade do legislador
constituinte. Por esse motivo, a Constituição Federal não pode
ficar indefesa, desprovida de mecanismos que garantam sua
aplicabilidade e a defendam, principalmente, dos governantes
que buscam ultrapassar os limites das funções conferidas a eles
pelas normas constitucionais.
Dentro deste mecanismo de defesa, que corresponde ao já
citado sistema de “freios e contrapesos” existente em um
sistema de Separação de Poderes, o processo e julgamento por
crime de responsabilidade são estabelecidos pela Lei Federal
1.079/1950, em sua maior parte recepcionada pela Constituição
de 1988.
Em que pese minha posição doutrinária – no sentido de que, em
relação aos chamados crimes de responsabilidade, deveria ser
a própria Constituição de cada Estado a fixar competência para
o processo e julgamento, em face de sua autonomia em um
Estado Federal (Constituição do Brasil Interpretada. 9. ed. São
Paulo, Atlas, p. 1.284), conforme ressaltei na ADI 5895/RR, de
minha relatoria, é entendimento assentado do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL de que compete apenas à União (art. 22,
I, c/c art. 85, parágrafo único, da CF) legislar sobre a definição

117
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de crimes de responsabilidade e sobre o processo e julgamento


deles.
Nesse sentido, essa SUPREMA CORTE aprovou, por
unanimidade, a Súmula Vinculante 46 editada em 9 de abril de
2015, mediante a conversão da antiga Súmula 722 da CORTE,
aprovada em 26 de novembro de 2003, que estabelecia o
mesmo enunciado, porém sem caráter vinculante, para,
finalmente, pacificar a questão:
A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são de
competência legislativa privativa da União.
Com a edição da SV 46, o posicionamento adotado pelo
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tornou-se vinculante no
tocante à competência privativa da União para legislar sobre a
definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento; ou seja, o
verbete vinculante tanto se refere às normas de direito material
– a definição dos crimes de responsabilidade –, quanto às de
direito processual – o estabelecimento das respectivas normas
de processo e julgamento (ADI 1.890, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/1998, DJ de
19/9/2003; ADI 1.628, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno,
julgado em 10/08/2006, DJ de 24/11/2006; ADI 2.220, Rel. Min.
CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 16/11/2011, DJe
de 6/12/2011; e ADI 4.791, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal
Pleno, julgado em 12/2/2015, DJe de 23/4/2015).
O Ato 41/2020, editado pelo Presidente da Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, portanto, deve estar
plenamente de acordo com a Constituição Federal e a citada
legislação federal e, especificamente, para a análise da presente
reclamação, o ato deve ser compatível com as normas previstas
para a formação da Comissão Especial de impeachment.
Eis o ato impugnado:
Atos do Presidente ATO/E/GP/N° 41/2020
Dá cumprimento, nos termos da Súmula Vinculante n° 46, à
Legislação federal sobre crime de responsabilidade.
O Presidente da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e em estrito
cumprimento à Súmula Vinculante n° 46 e às normas da Lei
federal n° 1.079/1950, RESOLVE:
Art. 1° Abrir prazo de quarenta e oito horas a cada um dos
Excelentíssimos Senhores Líderes a fim de que indiquem cada
qual um Membro da Comissão Especial competente para emitir
Parecer sobre a Denúncia por crime de responsabilidade contra
o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado documentada
no processo ALERJ n° 5.328/2020.
Parágrafo único - Esgotado o prazo sem indicação de Liderança,
o Presidente da Assembleia Legislativa fará as indicações
necessárias, sempre respeitando, tanto quanto possível, a
proporcionalidade partidária.
Art. 2° Determinar a citação do Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado para, querendo, defender-se, no prazo
de dez sessões, perante a Comissão Especial dos fatos
articulados na Denúncia.
Parágrafo único A citação deverá ser acompanhada do inteiro
teor do processo ALERJ n° 5.328/2020 e eventuais apensos.

118
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Art. 3° Depois que os Membros forem indicados, a Comissão


Especial terá quarenta e oito horas para reunir-se, elegendo seu
Presidente e seu Relator.
Art. 4° A Comissão Especial terá cinco sessões para emitir
Parecer sobre a admissibilidade ou não da Denúncia, contadas
do oferecimento da Defesa do Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado ou do término do prazo mencionado no
caput do art. 2°.
Art. 5° O Parecer será lido em Plenário da Assembleia
Legislativa e publicado no Diário Oficial, sendo imediatamente
inserido na Ordem do Dia.
Art. 6° Os Excelentíssimos Senhores Deputados, no limite
máximo de cinco por Partido, poderão discutir o Parecer por uma
hora, ressalvado ao Excelentíssimo Senhor Deputado Relator da
Comissão Especial o direito de responder a cada um.
Art. 7° Encerrada a discussão do Parecer, e submetido à
votação nominal, será a Denúncia, com os documentos que a
instruam, arquivada, se não for considerada objeto de
deliberação ou recebida, hipótese em que, publicado o
resultado, comunicar-se-á o Excelentíssimo Senhor
Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça para
a composição do Tribunal previsto no art. 78, § 3°, da Lei federal
n° 1.079/1950.
Art. 8° A Denúncia será arquivada se não for recebida até o final
do mandato do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado.
Art. 9° Este Ato Executivo entra em vigor na data de sua
publicação.
O reclamante, entretanto, aponta duas ordens de nulidades do
referido ato, por flagrante desrespeito à legislação federal, no
tocante a formação da Comissão Especial:
(i) “desrespeitou por completo a regra da proporcionalidade
partidária, tendo em vista que cada partido teve direito a indicar
um membro. Com isso, partidos restaram sub representados
(aqueles com as maiores bancadas, mas com apenas um
representante na Comissão Especial), enquanto outros, de
bancadas pequenas, foram super-representados, com artificial
desvirtuamento das próprias forças políticas existentes no
Parlamento” (doc. 1, fl. 5); e
(ii) “a Comissão Especial de impeachment foi instituída pela
simples indicação de líderes partidários, sem qualquer posterior
votação (aberta, ainda que simbólica, veiculada no Diário
Oficial)”.
A questão essencial a ser analisada, portanto, diz respeito à
regularidade na composição da Comissão Especial, prevista
expressamente no artigo 19 da Lei 1.079/1950:
Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão
seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes
de todos os partidos para opinar sobre a mesma.
Importante ressaltar, entretanto, que a recepção do referido
artigo 19 da Lei 1.079/1950 deve ser interpretada nos exatos
termos do artigo 58 da Constituição Federal, conforme
salientado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no
julgamento da ADPF 378 MC (Pleno, red. p/ o Acórdão Min.
ROBERTO BARROSO, j.17/12/2015), no sentido de que houve
delegação ao próprio Poder Legislativo – seja por meio de seu

119
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

regimento interno, seja pela próprio ato específico – para a


constituição de suas Comissões, nos seguintes termos:
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões
permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as
atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que
resultar sua criação.
§ 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é
assegurada, tanto quanto possível, a representação
proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que
participam da respectiva Casa.
Dessa maneira, o artigo 58 da Constituição Federal assegurou a
possibilidade da Comissão Especial ser constituída “na forma e
com as atribuições previstas no ato de que resultar sua criação”,
como ocorreu com a edição do Atos do Presidente ATO/E/GP/N°
41/2020 e, nos termos de seu §1º, indicou a necessidade de
observar “tanto quanto possível, a representação proporcional
dos partidos ou blocos parlamentares”, no sentido de espelhar a
escolha popular de seus representantes parlamentares,
garantindo, por consequência, o pluralismo político e a
democracia representativa; e, principalmente, para garantir a
participação da “maioria” e “minoria” do órgão legislativo.
Não me parece que o Ato do Presidente da Assembleia
Legislativa tenha desrespeitado o texto constitucional ou mesmo
a legislação federal, pois refletiu o consenso da Casa
Parlamentar ao determinar que cada um dos partidos políticos,
por meio de sua respectiva liderança, indicasse um
representante, garantindo ampla participação da “maioria” e da
“minoria” na Comissão Especial. Basta verificar que não houve
irresignação por parte de nenhum dos partidos políticos
representados na Assembleia Legislativa.
Tratando-se de legítima opção política realizada pela
Assembleia Legislativa, com observância do consenso dos
partidos políticos e nos termos do artigo 58 da Constituição
Federal, em proteção ao princípio fundamental inserido no artigo
2º da Constituição, segundo o qual, são Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo
e o Judiciário, fica afastada a possibilidade de ingerência do
Poder Judiciário em escolhas eminentemente políticas, dentro
das opções constitucionais, conforme posicionamento
pacificado no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (MS 34.099,
Rel. Min. CELSO DE MELLO, Plenário, Sessão Virtual de
28/9/2018 a 4/10/2018; MS 33.558 AgR, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, Tribunal Pleno, DJe de 21/3/2016; MS 34.578, Rel. Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, DJe-073, 10/4/2017; MS 26.062
AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de
4/4/2008; MS 30.672 AgR, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Pleno, DJe de 17/10/2011; MS 26.074, Rel.
Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ de 13/9/2006; MS 34.406, Rel.
Min. EDSON FACHIN, Dje-139, 26/6/2017; MS 21.374, Rel. Min.
MOREIRA ALVES, Pleno, DJ de 2/10/1992).
Anoto, ainda, que, no julgamento da ADPF 378/MC, o
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL não analisou a possibilidade
do Poder Legislativo, por ato consensual e unânime dos partidos
com representação no órgão legislativo, garantir a participação
de todos os partidos – mediante indicação dos respectivos
líderes – na Comissão Especial.

120
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A discussão à época foi quanto a proporcionalidade na formação


da Comissão Especial “poder ser aferida em relação a blocos
parlamentares”, conforme consta no item III, 3 da Ementa, tendo
sido, por unanimidade, reconhecido que “a proporcionalidade na
formação da comissão especial pode ser aferida em relação aos
partidos e blocos partidários:
3. A PROPORCIONALIDADE NA FORMAÇÃO DA COMISSÃO
ESPECIAL PODE SER AFERIDA EM RELAÇÃO A BLOCOS
(ITEM D DO PEDIDO CAUTELAR) : O art. 19 da Lei nº
1.079/1950, no ponto em que exige proporcionalidade na
Comissão Especial da Câmara dos Deputados com base na
participação dos partidos políticos, sem mencionar os blocos
parlamentares, foi superado pelo regime constitucional de 1988.
Este estabeleceu expressamente: (i) a possibilidade de se
assegurar a representatividade por bloco (art. 58, § 1º) e (ii) a
delegação da matéria ao Regimento Interno da Câmara (art. 58,
caput). A opção pela aferição da proporcionalidade por bloco foi
feita e vem sendo aplicada reiteradamente pela Câmara dos
Deputados na formação de suas diversas Comissões, tendo sido
seguida, inclusive, no caso Collor. Improcedência do pedido.
Por fim, importante observar que, em momento algum, essa
SUPREMA CORTE afirmou a necessidade de realização de
eleições para a escolha dos representantes dos partidos
políticos ou blocos parlamentares para a Comissão Especial,
tendo reafirmado que o artigo 58, caput e §1º da Constituição
Federal estabelece a indicação pelos líderes como mecanismo
para sua composição, exatamente como ocorreu no
procedimento instaurado pela Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro.
A CORTE, expressamente, declarou que “a hipótese não é de
eleição”, somente deixando de invalidá-la desde que a eleição a
ser realizada fosse limitada “a ratificar ou não as indicações
feitas pelos líderes dos partidos ou blocos”, como
expressamente constou no item II. 4 da Ementa do julgamento
da ADPF 378/MC:
4. NÃO É POSSÍVEL A APRESENTAÇÃO DE CANDIDATURAS
OU CHAPAS AVULSAS PARA FORMAÇÃO DA COMISSÃO
ESPECIAL (CAUTELAR INCIDENTAL): É incompatível com o
art. 58, caput e § 1º, da Constituição que os representantes dos
partidos políticos ou blocos parlamentares deixem de ser
indicados pelos líderes, na forma do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados, para serem escolhidos de fora para
dentro, pelo Plenário, em violação à autonomia partidária. Em
rigor, portanto, a hipótese não é de eleição. Para o rito de
impeachment em curso, contudo, não se considera inválida a
realização de eleição pelo Plenário da Câmara, desde que
limitada, tal como ocorreu no caso Collor, a ratificar ou não as
indicações feitas pelos líderes dos partidos ou blocos, isto é, sem
abertura para candidaturas ou chapas avulsas. Procedência do
pedido.
Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO
IMPROCEDENTE o pedido, mantendo a plena validade do art.
1º do Ato 41/2020, editado pelo Presidente da Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e regular a consequente
composição da Comissão Especial, ficando revogada a medida
liminar deferida. (...)” (grifos originais).

121
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Em face da nova decisão, acima citada, sobre a Reclamação ajuizada pela


Defesa no Supremo Tribunal Federal, que revogou a decisão liminar e julgou
improcedente a aludida Reclamação, o presidente da Comissão Especial de
Impeachment da ALERJ, Exmo. Sr. Deputado Estadual Chico Machado, publicou, em
01 de setembro de 2020, no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, ato de
Intimação para dar publicidade à retomada da contagem do prazo de apresentação
da defesa pelo denunciado, no âmbito daquela colenda Comissão Especial.

XIII - DA DEFESA APRESENTADA PELO DENUNCIADO À COMISSÃO ESPECIAL


DO IMPEACHMENT DA ALERJ

Apresentada tempestivamente à Comissão Especial do Impeachment na data


de 02 de setembro de 2020, a peça de Defesa do denunciado está estruturada nos
seguintes eixos ou seções: a) tempestividade; b) histórico dos procedimentos
administrativos; c) dubiedade e ambiguidade da denúncia; d) razões de mérito; e)
conclusão.

Quanto às razões de mérito, elas se dividem em sete subseções, que versam


sobre as seguintes questões: I) ausência de motivação e lastro probatório para
sustentar o processo administrativo; II) sobre a competência do denunciado para
julgar recurso hierárquico; III) ausência de dolo ou má- fé nos fatos apontados contra
o denunciado; IV) inexistência material do ato impugnado dado como ímprobo; V)
ausência de provas da participação do denunciado nos fatos contra ele apontados;
VI) fragilidade de provas contra o denunciado nos autos da medida cautelar adotada
pelo Superior Tribunal de Justiça; VII) demanda do denunciado por produção de
provas.

No tocante à conclusão, destacam-se três aspectos: I) o denunciado requer,


antes da continuidade do processo, que lhe sejam esclarecidos os fatos que
fundamentam a denúncia; II) o denunciado requer, em decorrência do item anterior,
que lhe seja concedido novo prazo de defesa; c) o denunciado reitera sua postulação
acerca da produção de provas testemunhais e periciais, estas de natureza contábil.

122
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Valho-me do resumo da defesa apresentada pelo denunciado, contido no


Parecer do relator na Comissão Especial de Impeachment da ALERJ, Exmo. Sr.
Deputado Estadual Rodrigo Bacellar, para destacar os principais elementos de
conteúdo da peça defensiva apresentada à aludida Comissão, que doravante passo
a citar:

“(...)
O denunciado argui, a título de preliminar, a ausência de provas
que viabilizem qualquer deliberação sobre o prosseguimento ou
não da denúncia e, por conseguinte, seu recebimento.
Argumenta que a leitura genérica da denúncia não traz a devida
clareza a respeito dos aspectos especificamente imputados ao
denunciado que ensejariam a caracterização de crime de
responsabilidade e, que tal fato, portanto, vulnera as garantias
fundamentais constitucionais do contraditório, da ampla defesa
e do devido processo legal.
Alega que o próprio fato, “vaga e genericamente narrado na
denúncia”, nem sequer existe mais, pois foi desconstituído com
a nova desqualificação do Instituto UNIR como Organização
Social de Saúde apta a contratar com o governo do Estado, não
subsistindo o pilar sobre o qual se apoia a denúncia.
Afirma que a Comissão Especial de Impeachment deveria
prestar esclarecimentos sobre a denúncia recebida com a
emissão de parecer prévio delimitando exatamente o escopo da
denúncia.
No que tange às razões de mérito, alega que o processo
administrativo foi instaurado sem motivação e sem o necessário
lastro probatório da denúncia.
Sustenta que a decisão do denunciado nos autos do processo
administrativo nº E-08/001/1170/2019 foi realizada dentro de sua
competência, estando assentada nos seguintes fundamentos:
a) presunção do cumprimento das disposições contratuais em
decorrência de celebração de Termo Aditivo;
b) autotutela administrativa;
c) princípio da proporcionalidade;
d) necessidade da preservação do caráter competitivo diante
das contratações públicas.
Argumenta que os pareceres dos quais o denunciado discorda
em sua decisão não são vinculantes e que ele se pautou no
melhor interesse da sociedade, pois a prestação do serviço
encontrava-se satisfatória, mesmo após a verificação de atos de
descumprimento contratual por parte da prestadora do serviço.
Além disso, a desqualificação de uma OSS configuraria medida
gravosa não só para a própria OSS, como para a Administração
Pública, pois importaria na rescisão do contrato de gestão,
deixando 10 UPAs sem funcionamento.
Assevera que não se verificou tentativa da Administração
Pública de utilizar todos os mecanismos legais e contratuais
disponíveis para apurar e sanar as irregularidades verificadas, a
fim de manter o contrato vigente.
Sustenta que o administrador público deve buscar alcançar o
princípio da eficiência, calculando os benefícios e prejuízos do

123
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

ato a ser praticado para os administrados que serão diretamente


afetados, bem como para a sociedade como um todo.
Entende que ao fazer uso do instrumento jurídico da revogação
por motivos de conveniência e oportunidade, não violou os
princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal,
tampouco os demais princípios norteadores da Administração
Pública, não havendo improbidade nem crime de
responsabilidade.
Alega, ainda, que não houve dolo a ser imputado à conduta do
denunciado, nem nada lesivo à Administração Pública. Afirma
que o STJ entende, em jurisprudência pacífica, a necessidade
do elemento anímico do dolo para a imposição de qualquer
sanção prevista na Lei nº 8.429/1992, sendo imprescindível a
existência de má-fé qualificada por parte do acusado,
evidenciando a finalidade de causar lesão à Administração
Pública e violação a alguns de seus princípios, caracterizando
dolo ou culpa grave por parte do agente, o que não aconteceu.
Além disso, argumenta que o inquérito sobre o qual a denúncia
se funda está em fase embrionária e foi motivado por “denúncia”
de cunho político.
Também afirma que a narrativa do Ministério Público Federal
neste inquérito se pauta em presunções inexistentes quanto ao
seu conhecimento dos detalhes envolvendo as contratações
emergenciais
Alega que o Ministério Público se socorre da teoria do domínio
do fato para tentar contornar a mais absoluta falta de provas ou
mesmo indícios de que houve participação do denunciado nas
irregularidades investigadas.
Entende incabível a criminalização do exercício da advocacia
como pretendeu fazer o Ministério Público Federal em relação à
primeira-dama.
Em seguida, a defesa protesta pela produção de provas
testemunhais e periciais.
Por fim, solicita o denunciado que, caso a ALERJ vote pelo
prosseguimento da denúncia, seu eventual afastamento do
cargo ocorra apenas após juízo positivo do Tribunal Especial
Misto.
Juntamente com a defesa foram apresentados os seguintes
documentos:
1. Cópia da intimação do Governador em Diário Oficial,
para apresentação de defesa perante Comissão Especial;
2. Páginas do site da ALERJ, demonstrando a realização
de sessões ordinárias nos dias 08, 09, 14, 15, 16, 21, 22, 23, 28
e 29 de julho;
3. Decisão do Exmo. Ministro Alexandre de Moraes,
julgando improcedente a Reclamação 42.358;
4. Cópia da intimação do Governador em Diário Oficial,
para apresentar defesa “pelo número de sessões
remanescentes”;
5. Sentença da Ação Civil Pública movida pelo Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro em face do ex-Governador
Luiz Fernando de Souza, por ato de improbidade administrativa;
6. Medida Cautelar ajuizada pelo Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro em face de Edmar José Alves dos
Santos, ex-Secretário de Saúde, em decorrência da Operação
“Mercadores do Caos”;

124
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

7. Cópia do Diário Oficial contendo a exoneração do ex-


Subsecretário Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos;
8. Inicial da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro em face de autoridades do
setor de saúde fluminense no âmbito da pandemia;
9. Petição Inicial da Denúncia da Operação Favorito;
10. Inicial da segunda Ação Civil Pública de improbidade
administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio
de Janeiro em face de autoridades do setor de saúde fluminense
no âmbito da pandemia.”

Restituídos os elementos centrais da peça defensiva apresentada pelo


denunciado à Comissão Especial de Impeachment, passo à etapa ulterior.

XIV - DO VOTO DO RELATOR NA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA


ALERJ

O voto do Relator na Comissão Especial de Impeachment da ALERJ, Exmo.


Sr. Deputado Estadual Rodrigo Bacellar, integra o Parecer de sua lavra, datado de 14
de setembro de 2020, que é composto por três partes: a “Introdução”, o “Relatório” e
o “Voto” propriamente dito.

No que se refere à Introdução, trata-se de preâmbulo em que o relator reflete


sobre a responsabilidade de que estava investido, menciona adversidades que
precisou superar e declina agradecimentos a pessoas que lhe prestaram auxílio e
apoio, inclusive na esfera familiar. No tocante ao Relatório, trata-se, como se supõe,
de restituição descritiva dos fatos relacionados ao objeto do Parecer, qual seja, o
processo de impeachment do governador Wilson Witzel. Ora, como a “Introdução” do
aludido Parecer se revestiu principalmente de elementos subjetivos e, ainda, como o
“Relatório” produzido pelo relator da Comissão Especial contém elementos que já
estão aqui claramente restituídos, visto que o presente documento é também um
relatório sobre o mesmo objeto, fixar-me-ei apenas no relato do “Voto” proferido pelo
relator na Comissão Especial.

Na primeira seção, o voto do relator cuida de aspectos históricos e conceituais


em relação ao instituto do impeachment, concluindo que o referido instituto é, com
efeito, o processo adequado para a punição de governantes que cometem crime de
125
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

responsabilidade, ressalvando que a penalidade daí decorrente não tem caráter penal,
mas antes político-administrativo: perda do cargo e inabilitação para o exercício da
função pública.

Na segunda seção, o voto do relator discute, levando em conta o contexto


brasileiro, o lastro constitucional, legal e jurisprudencial do julgamento de
governadores por cometimento de crime de responsabilidade.

Na terceira seção, dialogando diretamente com a defesa apresentada à


Comissão Especial, cujo resumo expandido já citei anteriormente, o voto aborda a
demanda do denunciado por produção de provas naquela fase do processo, o que o
relator entendeu não ser pertinente.

Na quarta seção do voto, o relator da Comissão Especial da ALERJ passa a


tratar dos requisitos referentes à admissibilidade da denúncia e, por consequência, do
prosseguimento do processo de impeachment. Nessa esteira, considera a
legitimidade ativa, a legitimidade passiva, os requisitos formais da denúncia, a justa
causa da denúncia e os indícios de autoria do denunciado.

Nesse âmbito, o relator discorre, com certa minúcia, sobre os fatos relativos às
contratações, no governo de Wilson Witzel, da Organização Social de Saúde Instituto
Unir Saúde e da Organização Social de Saúde Instituto de Atenção Básica e Avançada
à Saúde (IABAS), dissertando notadamente sobre as fraudes e os prejuízos ao erário
e à população, que derivam daquelas contratações. Após fazê-lo, o relator conclui ter
sido “demonstrada a justa causa para o prosseguimento do processo de
impeachment.”

Ainda no âmbito da quarta seção de seu voto, o relator menciona “fortes


indícios” de relações próximas entre empresários da área da saúde, que se
beneficiaram de desvios, e o denunciado. Acrescenta que tais danos ao erário só
puderam se viabilizar com a interveniência direta do próprio denunciado. Adiciona sua
interpretação de que o denunciado tinha “plena consciência” de todos os seus atos
relacionados às contratações das aludidas Organizações Sociais. E chega o relator a
afirmar que o denunciado, no exercício da função de governador do Estado do Rio de

126
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Janeiro, “agiu dolosamente contra os interesses públicos e em benefício de interesses


privados”.

Assim, na Conclusão, quinta e última seção de seu voto, o relator da Comissão


Especial de Impeachment da ALERJ, Exmo. Sr. Deputado Estadual Rodrigo Bacellar,
assevera que “após a análise dos autos, não existe outra resposta possível senão a
de que o presente processo de impeachment deve prosseguir.” Seu voto, portanto, foi
pela “admissibilidade da denúncia e consequente autorização para prosseguimento
do processo pela Comissão Mista, com vistas a julgar o Exmo. Sr. Governador do
Estado, Wilson José Witzel, pela prática de crime de responsabilidade.”

XV – DA APROVAÇÃO DO PARECER PELOS MEMBROS DA COMISSÃO


ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ

No dia 17 de setembro de 2020, no Plenário Barbosa Lima Sobrinho,


Palácio Tiradentes, sede do Poder Legislativo fluminense, bem como por meios
digitais, via Plataforma “Zoom”, reuniram-se 24 (vinte e quatro) dos 25 (vinte e
cinco) Deputados Estaduais, membros da Comissão Especial de Impeachment,
sob a presidência do Exmo. Sr. Deputado Estadual Chico Machado, para a
terceira reunião ordinária.

A reunião teve como objetivo discutir e votar o Parecer do relator, Exmo.


Sr. Deputado Estadual Rodrigo Bacellar, que propugnava pela admissibilidade da
denúncia e consequente continuidade do processo de impeachment.

Após a leitura integral do Parecer pelo relator, o documento foi debatido


pelos membros da Comissão, tendo sido aprovado por unanimidade pelos
deputados estaduais presentes.

Cabe destacar que o único membro da Comissão ausente naquela reunião foi
o Deputado Estadual João Peixoto, que se encontrava hospitalizado e licenciado por
motivo de saúde, razão pela qual não participou da aludida sessão. Infelizmente,
o referido parlamentar veio a falecer poucos dias depois.

127
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Concluída a votação e proclamado o resultado, foi elaborado o Projeto de


Resolução, de iniciativa da Comissão Especial, sobre o prosseguimento do
processo de impeachment, que seria encaminhado para deliberação, em Plenário,
pelos deputados estaduais fluminenses.

XVI – DA APROVAÇÃO EM PLENÁRIO DO PROJETO DE RESOLUÇÃO DE


AUTORIA DA COMISSÃO ESPECIAL DE IMPEACHMENT DA ALERJ

No dia 23 de setembro de 2020, em sessão ordinária da Assembleia Legislativa


do Estado do Rio de Janeiro, foi pautado o Projeto de Resolução n° 433/2020, com a
seguinte ementa: “Autoriza o processo por crime de responsabilidade contra o
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Doutor Wilson José Witzel, nos termos
da Denúncia documentada nos Processos ALERJ nº 5328/2020 e nº 5360/2020”.

A sessão contou com a participação de 45 (quarenta e cinco) parlamentares,


em caráter presencial, e de outros 24 (vinte e quatro) parlamentares, que dela
participaram de forma virtual. Após os debates, foi aprovado por unanimidade (69
votos favoráveis) o Projeto de Resolução, que autoriza o prosseguimento do processo
de impeachment em desfavor do Governador do Estado do Rio de Janeiro, Exmo. Sr.
Wilson José Witzel, nos termos das denúncias constantes nos processos ALERJ n°
5.328/2020 e 5.360/2020.

Após a aprovação unânime da matéria pelos deputados estaduais, foi


promulgada pelo Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro, Deputado André Luiz Ceciliano, a Resolução ALERJ n° 294/2020,
publicada em Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro (DOERJ), na data de 24 de
setembro de 2020, oriunda do Projeto de Resolução aprovado, com a seguinte
ementa: “Autoriza o processo por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo
Senhor Governador do Estado, Doutor Wilson José Witzel, nos termos da Denúncia
documentada nos processos ALERJ nº 5.328/2020 e nº 5.360/2020.”

Na mesma data, em cumprimento ao disposto no art. 2° da Resolução


294/2020, foram encaminhadas ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro (TJRJ) as cópias integrais dos processos ALERJ n° 5.328/2020 e 5.360/2020,

128
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

devidamente acompanhadas dos demais documentos referentes à autorização para


processar o Chefe do Poder Executivo fluminense por suposta prática de crime de
responsabilidade, de modo a ensejar a instalação do competente Tribunal Especial
Misto para o devido julgamento.

XVII – DO ENVIO PELA ALERJ DOS DOCUMENTOS SOBRE O PROCESSO DE


IMPEACHMENT AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DA INSTALAÇÃO DO TRIBUNAL
ESPECIAL MISTO

Após a aprovação na ALERJ do Projeto de Resolução n° 294/2020, que


autoriza o processo por crime de responsabilidade contra o Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado, Doutor Wilson José Witzel, nos termos da Denúncia
documentada nos processos ALERJ n° 5.328/2020 e n° 5.360/2020, e a consequente
publicação da Resolução nº 294/2020, no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro,
na data de 24 de setembro de 2020, o Exmo. Sr. Presidente do parlamento estadual,
Deputado André Luiz Ceciliano, remeteu o processo ao E. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), encaminhando os documentos eletrônicos
correspondentes à autorização para abertura de processo em desfavor do Chefe do
Poder Executivo por suposta prática de Crime de Responsabilidade, na forma do
disposto na Lei Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1950.

Recebidos os referidos documentos encaminhados pela Assembleia


Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, foi inaugurado, no Poder Judiciário estadual,
o Processo n° 2020-0661953 e determinado, em despacho da lavra do Exmo. Sr.
Presidente do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Desembargador
Claudio Mello Tavares, o que se segue:

“1) Intime-se o denunciante, o acusado e seus representantes


legais da data da sessão do Tribunal Pleno que será realizada
para fins de sorteio dos Desembargadores que irão integrar o
Tribunal Especial Misto para, se assim desejarem,
comparecerem presencialmente ou, caso não desejem estar
presentes fisicamente na sessão, poderão assistir a mesma por
videoconferência ou através do canal do Tribunal de Justiça no
YouTube, conforme link que segue abaixo:
https://cnj.webex.com/cnj-
pt/onstage/g.php?MTID=e3c9e6e8e978b00b79df832293d3007
c8

129
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

2) Oficie-se ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil,


ao Procurador-Geral de Justiça, ao Procurador-Geral do Estado,
ao Presidente da ALERJ, com a finalidade de informar a data da
sessão do Tribunal Pleno, que será realizada para fins de sorteio
dos Desembargadores que irão integrar o Tribunal Especial
Misto, solicitando que indiquem representantes para comparecer
a mesma, de modo a presenciar o sorteio que será realizado
manualmente por globo sorteador com bolas numeradas, onde
os números representam a antiguidade do Desembargador no
Tribunal;
3) Junte-se aos autos a cópia da decisão exarada no processo
nº 2020-0661953, que determinou a convocação do Tribunal
Pleno para fins de sorteio dos Desembargadores que irão
integrar o Tribunal Especial Misto.
4) Ao DEMOV para juntar aos autos certidão dos
Desembargadores que se encontram fora do mapa da
Distribuição ordinária, por estarem de férias, licença ou
afastados por qualquer motivo.”
Na mesma data, foi proferida a respeitável Decisão (Id1204182) da Presidência
do TJRJ, que apresenta a sugestão sobre o rito a ser seguido para julgamento do
processo de impeachment do Governador do Estado do Rio de Janeiro, bem como
convoca Sessão Extraordinária do Tribunal Pleno para realização do sorteio dos
Exmos. Senhores Desembargadores que passariam a integrar o E. Tribunal Especial
Misto, o que foi realizado na data de 28 de setembro de 2020. Foram sorteados, na
referida sessão, os seguintes eminentes Desembargadores:

1- Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves;


2- Desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho;
3- Desembargadora Maria da Glória Bandeira de Mello;
4- Desembargador Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva;
5- Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo.

Também em Sessão Plenária da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de


Janeiro, na data de 29 de setembro de 2020, foram eleitos os 5 (cinco) Deputados
Estaduais que passariam a compor o E. Tribunal Especial Misto, o que foi
devidamente publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, na mesma data.
Foram eleitos, por ordem de votação, os seguintes Exmos. Srs. Deputados Estaduais:

1- Deputado Alexandre Freitas;


2- Deputado Chico Machado;
3- Deputado Waldeck Carneiro;

130
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

4- Deputada Dani Monteiro;


5- Deputado Carlos Macedo.

A composição do Tribunal Especial Misto foi publicada no Diário da Justiça


Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, em 30 de setembro de 2020. No dia seguinte,
01 de outubro de 2020, foi realizada a Sessão Inaugural de Instalação daquele E.
Tribunal, tendo como pauta a aprovação do roteiro sugerido para julgamento do
processo de impeachment do Governador do Estado do Rio de Janeiro e a realização
de sorteio para definição do Relator.

Na oportunidade, foi aprovado o rito sugerido para julgamento do presente


processo, com algumas modificações pontuais, e foi também realizado o sorteio do
relator, sendo na ocasião sorteado para tal função o Exmo. Sr. Deputado Estadual
Waldeck Carneiro.

No mesmo dia, em seu primeiro ato, o relator determinou a notificação do


denunciado para que oferecesse, no prazo de 15 (quinze) dias, sua resposta à
denúncia perante o E. Tribunal Especial Misto.

XVIII – DA CITAÇÃO DO DENUNCIADO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA AO


TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Após sorteio do relator do processo de impeachment em curso no Tribunal


Especial Misto, em 01 de outubro de 2020, o relator sorteado, na mesma data,
determinou a notificação do denunciado para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar
sua resposta à denúncia, conforme disposto no artigo 514, do Código de Processo
Penal (CPP).

A decisão foi devidamente publicada em Diário da Justiça Eletrônico do Estado


do Rio de Janeiro (DJERJ), bem como no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro
(DOERJ), conforme documentos constantes nos autos (Id1214319 e Id1214321,
respectivamente).

No dia 02 de outubro de 2020, o denunciado foi notificado pessoalmente,


conforme documento constante às fls. 02 e respectiva certidão positiva às fls. 03 do
131
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

arquivo Id121909, devidamente juntados aos autos pela Oficial de Justiça e Avaliadora
(OJA), Ilma. Sra. Ana Maria Monteiro Braga.

No dia 05 de outubro de 2020, primeiro dia útil subsequente à data do


recebimento pessoal da notificação pelo denunciado, iniciou-se a contagem do prazo
para apresentação de sua defesa ao Tribunal Especial Misto, conforme entendimento
pacificado na Súmula 710 do Supremo Tribunal Federal (STF), qual seja: “No
processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos
autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem.” Portanto, o prazo de defesa
do denunciado chegaria a termo em 19 de outubro de 2020.

XIX – DA DEFESA APRESENTADA PELO DENUNCIADO AO TRIBUNAL


ESPECIAL MISTO

Durante a vigência do prazo para apresentar a sua defesa, o denunciado


protocolou petição, na data de 09 de outubro de 2020, para solicitar a interveniência
do relator, de modo que seus representantes legais pudessem ter acesso ao Processo
ALERJ nº 11.371/2020, que, segundo o denunciado, poderia conter elementos
relevantes para a sua defesa. Movido pelo respeito ao princípio da Ampla Defesa, o
relator despachou nos autos do processo, em 12 de outubro de 2020, nos seguintes
termos:

“Em atenção à petição juntada aos autos deste processo pelo


acusado, por meio de seus advogados regularmente
constituídos, na data de 09 de outubro do corrente, comunico
que oficiei ao Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), solicitando que assegure
ao acusado o acesso à íntegra dos autos do processo ALERJ nº
11.371/2020, com máxima urgência, se possível na data de 13
de outubro do corrente, primeiro dia útil subsequente à data da
referida petição. Notifique-se o acusado sobre a providência
tomada, que, ressalte-se, não modifica o prazo de resposta à
denúncia já fixado por esta relatoria.”

Com efeito, a defesa do denunciado teve acesso aos autos do processo


solicitado, na íntegra, no dia seguinte à data do despacho do relator.

132
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

No dia 19 de outubro de 2020, o denunciado protocolou sua defesa,


tempestivamente, anexando à peça defensiva 34 (trinta quatro) documentos, a
saber:

1. Procuração;
2. Decreto Estadual nº 46.991/2020;
3. Trecho da Cautelar Inominada Criminal nº 35/DF– Trecho da declaração
do Sr. Edmar Santos ;
4. “Proposta de Trabalho” apresentada pelo IABAS em 27.3.2020 ;
5. Ata das Reuniões presenciais, ocorridas perante a Subsecretaria
Executiva da Secretaria da Saúde e proposta de readequação do Contrato
enviada ao Subsecretário Executivo Iran Aguiar;
6. Termo Aditivo – Contrato de Gestão firmado entre IABAS e Estado do
Rio de Janeiro;
7. Declaração da Subsecretaria Executiva da Secretaria de Estado de
Saúde acerca da inexistência de repasses financeiros ao IABAS após a
publicação do Decreto nº 47.103/2020 e Planilha com os valores repassados
ao IABAS referente a Contratação alheia ao escopo da denúncia (Contrato de
Gestão nº 003/2016) ;
8. Inicial da ação de produção de provas IABAS e Ofício enviado pelo
IABAS à Fundação Saúde ;
9. Trecho da Cautelar Inominada Criminal nº 35/DF ;
10. Habeas Corpus nº 5005110-96.2020.4.02.0000;
11. Relatório da interceptação telefônica – processo 0500358-
69.2019.4.02.5101 ;
12. Petição protocolizada na ALERJ pelo Sr. Mário Peixoto no dia 18.9.2020
13. Parecer SSJ/SES nº 237/2019;
14. Parecer jurídico elaborado pelo ex-ministro do STJ Sr. Nilson Naves;
15. Sentença proferida nos autos da ACP por improbidade nº 0053368-
86.2018.8.19.0001;
16. Decisão proferida nos autos do Processo nº 5010476-42.2020.4.02.5101
em 7.5.2020;

133
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

17. Planilha de pagamentos questionados pela ALERJ feitos pelo Estado à


UNIR;
18. Relatório de auditoria nº 51/2019 elaborado pela Controladoria Geral do
Estado – CGE;
19. Processos administrativos sancionatórios OSS;
20. Procedimentos E-08/001/1168/2019 e E-08/001/1169/2019;
21. Regularidade dos contratos advocatícios;
22. Documentos societários das empresas DPAD, Cootrab, e Quali;
23. Petição do Ministério Público Federal acerca da relação entre o Sr. Mário
Peixoto e as empresas DPAD, Cootrab, e Quali;
24. Contratação da Primeira-Dama pelo Hospital Jardim Amália – HINJA;
25. Atuação da Primeira-Dama no agravo de instrumento nº 5002001-
74.2020.4.02.0000;
26. Atuação da Primeira-Dama na execução fiscal nº 0000899-
05.2009.4.02.5104;
27. Atuação da Primeira-Dama na execução fiscal nº 0000437-
43.2012.4.02.5104;
28. Juntada de procuração em nome da Primeira-Dama em 8.4.2020 nos
autos do agravo de instrumento nº 5002001-74.2020.4.02.0000;
29. Suspensão do agravo de instrumento nº 5002001-74.2020.4.02.0000 em
26.6.2020 e pedido de reconsideração protocolizado no dia 12.10.2020;
30. Cópia das decisões proferidas no processo de partilha do denunciado
com a ex-esposa;
31. Sentença judicial que declarou a comunhão universal de bens entre o
governador com a sua ex-esposa, proferida em setembro/2019;
32. Cópia do seguro de vida (Primeira-Dama como beneficiária);
33. Cópia da petição inicial da ação civil pública (processo n° 0127970-
77.2020.8.19.0001);
34. Cópia da petição da inicial da ação civil pública (processo n° 45099-
95.2020.8.19.0001);

134
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Sobre a defesa apresentada pelo denunciado ao Tribunal Especial Misto, em


resposta à denúncia, passo a citar o Memorial que resume seus aspectos mais
centrais:

“(...) ANTECEDENTES RELEVANTES DESTE PROCESSO


Para se analisar os fatos, objeto deste processo, é importante
salientar o contexto no qual eles ocorreram. Para tanto,
inicialmente, deve-se pontuar que o Estado do Rio de Janeiro
possui o segundo maior PIB do Brasil (perde apenas para o
Estado de São Paulo), é dividido em 92 municípios, possui um
orçamento anual de aproximadamente 90 bilhões de reais e a
sua estrutura organizacional dispõe de 27 secretarias.
Ao Governador deste Estado, como o de qualquer outro estado,
cabe acompanhar as políticas públicas estrategicamente
elaboradas, conforme o plano de governo e as promessas
eleitorais. Não se imiscui na rotina diária de cada Secretaria.
Aliás, o Governador nem mesmo é o ordenador de despesas (na
Secretaria de Saúde, por exemplo, à época dos fatos objeto
deste processo, era o subsecretário Executivo, o Sr. Gabriell
Neves).
O Governador, nesse contexto, implementou, a partir de 2019,
em conjunto com a SEFAZ, o Sistema Eletrônico Integrado —
SEI no Estado do Rio de Janeiro, a fim de dar total transparência
ao que acontece no dia a dia de cada secretaria. Esse sistema,
desenvolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
modificou completamente a transparência de toda e qualquer
contratação estadual. Inclusive, permitiu à imprensa e até
mesmo aos próprios cidadãos se cadastrarem no SEI, para
terem informações diretas a respeito de licitações em
andamento, dotações orçamentárias, dentre outras relevantes
informações sobre as contas públicas.
Note-se, já aqui, e como inclusive restou demonstrado na
defesa, que o Governador sempre atuou, de forma eficaz e
imediata, para sanar eventuais irregularidades que apareceram.
Essa atuação do Governador sempre se pautou pelo respeito ao
sistema jurídico -- no qual ele atuou como Juiz Federal por quase 20
anos, sem a mais mínima mácula --, em prol da sociedade
fluminense. E tudo isso se deu num contexto dantesco: conter o
avanço, de uma pandemia mundial nunca antes vivenciada, com
uma infraestrutura de saúde pública estadual sucateada,
herdada de governos anteriores.
De todo modo, como sabido, aberto este processo, ainda na
ALERJ, após o Governador apresentar a sua defesa, foi
aprovado o relatório apresentado pelo Exmo. Relator Deputado
Rodrigo Bacellar, por meio do qual concluiu-se pela existência
de irregularidades relacionados a 2 (dois) eventos específicos,
ocorridos durante o combate à pandemia da Covid-19, quais
sejam:

135
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

(i) a revogação da desqualificação da Organização Social


de Saúde — OSS denominada Instituto Unir Saúde (fls. 31/57 do
relatório); e
(ii) a contratação da Organização Social de Saúde — OSS
denominada “IABAS” (Instituto de Atenção Básica e Avançada à
Saúde), para a construção de hospitais de campanha (fls. 57/62
do relatório). O relatório ainda imputou a participação da Dra.
Helena Witzel, no alegado esquema delituoso, ao aduzir que “as
investigações e a denúncia apontam existirem fortes indícios de
recebimento de vantagens indevidas pelo Governador, através
do pagamento de honorários à sua esposa, a senhora Helena
Alves Brandão Witzel”.
A lamentável história política deste Estado, nas últimas décadas,
mostra que vários governadores se envolveram em gravíssimos
escândalos de corrupção. Essa triste circunstância, infelizmente,
contribuiu para que os fatos objeto deste processo ensejem
conclusões precipitadas acerca da prática pelo Governador de
supostos atos de improbidade. Mas, em sua defesa, o
Governador demonstrou que sua biografia não pode ser lançada
na mesma vala comum da história política deste Estado,
notadamente porque, no caso, não há contra ele qualquer prova,
nem sequer indiciária. Muito ao contrário: já há prova robusta de
que o Governador agiu regularmente.
SÍNTESE DA DEFESA
Por meio da defesa, atualmente submetida à judiciosa
apreciação de V. Exa.,
o Governador Wilson Witzel expôs, com base na farta
documentação que a instruiu, os seguintes motivos, que
justificam o não recebimento das 2 (duas) denúncias contra ele
apresentadas:
SOBRE A CONTRATAÇÃO DO IABAS:
i) não há provas e nem indícios de que o Governador ao menos
teria participado da contratação do IABAS. Todo o contexto pré
e pós-contratação do IABAS se deu entre o Sr. Edmar Santos o
Sr. Gabriell Neves e os membros do IABAS. Esses fatos foram
confirmados pelos próprios protagonistas ao MPF;
ii) após notícias da imprensa, sobre a existência de
superfaturamento na referida contratação do IABAS, tomando
conhecimento dos fatos, o Governador promulgou o Decreto n°
47.039, no dia 17.4.2020, para que a Controladoria Geral do
Estado - CGE passasse a fazer auditoria prévia em todas as
contratações emergenciais;
iii) não há prova de prejuízo do Estado na contratação do
IABAS. Ao contrário. Ao que se saiba, o IABAS ajuizou uma ação
de antecipação de provas contra o Estado do Rio de Janeiro,
justamente para comprovar a inadimplência pelos vários
serviços prestados pelo autor; e
iv) o Sr. Mário Peixoto não é um dos donos ocultos do IABAS.
Segundo as próprias provas colhidas pelo MPF, nos autos da
cautelar Inominada n° 35/DF, o IABAS estaria “sob o comando”
do Sr. Roberto Bertholdo. Inexistindo este vínculo, impossível

136
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

cogitar de benefício indevido do Governador, no tocante a


recebimentos da primeira dama, em seu escritório de advocacia.
SOBRE A DECISÃO DO GOVERNADOR QUE JULGOU
RECURSO DA UNIR:
i)o Sr. Mário Peixoto não é um dos donos ocultos da UNIR. O
MPE já chegou a esta constatação em investigação já concluída.
O Sr. Mário Peixoto se manifestou no mesmo sentido, em sua
defesa. Se a UNIR possui ligação política com alguém,
notadamente com base nas próprias provas colhidas pelo
próprio MPE e pelo MPF, é com o Sr. Nelson Bornier;
i) a UNIR já possuía relação contratual com o Estado do Rio de
Janeiro anos antes de o Governador assumir o cargo. A UNIR
celebrou com o Estado, ainda sob a gestão de Luiz Fernando
Pezão, 7 (sete) contratos de gestão, entre janeiro e dezembro
de 2018, que somam aproximadamente R$ 172.514.848,00.
Desses contratos, 5 foram aditados entre o fim do mandato de
Pezão e início do governo de Witzel;
ii) a decisão de revogação de descredenciamento,
proferida pelo Governador, foi totalmente regular (fundamentada
e motivada). Ainda assim o Governador revogou essa decisão
tão logo soube do aparente uso criminoso da UNIR. E essa
revogação ainda se deu antes dos protocolos das denúncias
objeto deste processo;
v) eram devidos todos os valores pagos à UNIR entre
novembro/2019 e janeiro/2020 (período em que a UNIR estava
desqualificada). Referiram-se a serviços já prestados antes do
descredenciamento. Perdoe-se outra obviedade, mas, para
aferir a regularidade do pagamento, não se deve observar a data
em que ele foi efetuado (fundamento do Exmo. Deputado
Rodrigo Bacellar, encampado pela ALERJ). Deve-se focar na
data da realização do serviço; e
vi) o Governador recebeu a saúde estadual em péssimo
estado. Várias outras OSS estavam em situação muito pior que
a UNIR (inclusive com mais condenações administrativas), como
evidenciam a farta documentação juntada aos autos.
Consequentemente, manter a UNIR afastada, à luz da
pandemia, seria prejudicial à população fluminense, já que ao
descredenciá-la, não se planejou sua substituição adequada na
gestão dos contratos em curso.
• SOBRE OS CONTRATOS DE HONORÁRIOS DA DRA.
HELENA WITZEL:
i) não há provas e nem indícios de que a contratação do
escritório da Dra. Helena Witzel teria beneficiado ilegalmente o
Governador e, menos ainda, o Sr. Mário Peixoto;
il) as empresas privadas DPAD, COOTRAB e QUALI nem
sequer possuem qualquer relação com o Sr. Mário Peixoto;
iii) a empresa privada HINJA também não possui relação com o
Sr. Mário Peixoto e a Dra. Helena Witzel prestou vários serviços
advocatícios àquela entidade desde 2017, como comprovam os
documentos anexados aos autos; e
iv) a alteração do regime de bens que rege o casamento de
Wilson Witzel e a Dra. Helena Witzel é absolutamente irrelevante,
no caso, e, ainda assim, plenamente justificável, já que
realizada loqo após a homologação da partilha patrimonial

137
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

do primeiro casamento do Governador, como comprovam os


documentos anexados à defesa.
• SOBRE A AUSÊNCIA DE PROVAS/INDÍCIOS DE ATO
DOLOSO OU DE MÁ-FÉ:
Não há provas e nem indícios de que o Governador teria agido
de má-fé ou dolo (coMo impõe a jurisprudência pacífica do STF
e do STJ), com o intuito de causar dano ao erário ou de que teria
infringido algum princípio administrativo de modo incompatível
com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. A lógica do MPF,
encampada pela ALERJ, atribui responsabilidade penal objetiva
ao Governador meramente por estar ele no exercício do
mandato de governador, o que é vedado pelo sistema jurídico
(também com farta jurisprudência nesse sentido).
Ficou demonstrado que o Sr. Mario Peixoto não tem qualquer
relação ou, se tem, o que se admite para argumentar, não se
teria beneficiado de qualquer ato do Governador, objeto deste
processo. Consequentemente, não há como se sustentar a
acusação de que o Governador teria tido algum benefício,
causado dano ao erário, ou violação algum princípio, seja com a
contratação do IABAS ou com a requalificação da UNIR.
Não há uma linha sequer a apontar que o Governador
efetivamente sabia de fraudes supostamente cometidas na
contratação do IABAS, nem que ele teria participado das
atividades das pessoas que supostamente cometeram os atos
(o Sr. Edmar Santos e o Sr. Gabriell Neves. v.g.) e nem que ele
teria beneficiado a UNIR com a decisão por ele proferida. O que
há nos autos deste processo é exatamente o oposto: o
Governador agiu, por várias vezes, à luz dos fatos deste
processo, com eficiência e agilidade, diante de grave crise na
área da saúde estadual, notadamente decorrente dos governos
anterior (como dito) e da pandemia (para piorar o cenário). Tanto
é que ele nem sequer consta como réu de 2 recentes ações de
improbidade administrativa ajuizadas pelo MPE justamente para
apurar irregularidades de temas relacionadas ao combate da
Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro.”
CONCLUSAO
Diante do exposto, o Governador confia em que V. Exa., ao
elaborar o relatório, opinará pela rejeição total das denúncias ou,
eventualmente, parcial (com relação à contratação do IABAS ou
à decisão proferida pelo Governador que requalificou a UNIR).”

XX – DA SESSÃO DE ADMISSIBILIDADE DA DENÚNCIA

Após juntada da defesa técnica pelos patronos do Governador, o Relator


incorporou seu Relatório (id. 1329005) aos autos do presente processo, no dia 29 de
outubro de 2020, oportunidade em que solicitou ao Presidente a convocação de
138
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

sessão do Tribunal Especial Misto, com o objetivo de deliberar sobre a admissibilidade


da denúncia por crime de responsabilidade contra o chefe do Poder Executivo, Sr.
Wilson José Witzel.

Na mesma data, o então Presidente do Tribunal Especial Misto,


Desembargador Claudio de Mello Tavares, proferiu decisão, designando a realização
da sessão plenária solicitada pelo Relator para o dia 05 de novembro de 2020, às 10
horas, no plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Iniciada a sessão, o Relator proferiu seu voto, nos seguintes termos:

“(...)1. Resumo da Denúncia


A Denúncia oferecida pelo Excelentíssimo Senhor Deputado
Estadual Luiz Paulo Correa da Rocha e pela Excelentíssima
Senhora Deputada Estadual Lucia Helena Pinto de Barros
imputa ao Governador do Estado do Rio de Janeiro,
Excelentíssimo Senhor Wilson José Witzel, a prática de crimes
de responsabilidade, caracterizados na forma do disposto no art.
4°, inciso V, e no art. 9°, item 7, todos da Lei Federal n° 1.079,
de 10 de abril de 1950, em dois eixos de acusação: a)
requalificação da Organização Social de Saúde Instituto Unir
Saúde (OSS Unir Saúde); b) contratação da Organização Social
de Saúde Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (OSS
IABAS).
Com relação ao primeiro eixo, qual seja, a requalificação da OSS
Unir Saúde, aduz a Denúncia que, no exercício de 2019, foi
instaurado o processo administrativo n° E-08/001/1170/2019,
com vistas à apuração de indícios de irregularidades cometidas
pela OSS Unir Saúde na execução dos contratos de gestão das
unidades estaduais de saúde sob sua responsabilidade.
Após assegurado o contraditório e a ampla defesa nos autos do
referido processo administrativo, teriam restado comprovados os
indícios de irregularidades na execução dos contratos de gestão
sob a responsabilidade da OSS Unir Saúde, razão suficiente
para aplicação da sanção de desqualificação da referida
entidade, o que se deu com a edição da Resolução Conjunta
SES/SECCG nº 664/2019, de 16 de outubro de 2019, ato
conjunto firmado pelo Secretário de Estado de Saúde e pelo
Secretário de Estado da Casa Civil e Governança.
A citada Resolução tinha amparo na Lei Estadual n° 6.043, de
19 de setembro de 2011, regulamentada pelo Decreto nº 43.261,
de 27 de outubro de 2011, que disciplina a qualificação de
entidades sem fins lucrativos como organizações sociais, na
área de saúde, bem como dispõe sobre a celebração de
contratos de gestão entre o Poder Executivo e as entidades
qualificadas na forma da aludida Lei. Com efeito, neste diploma
legal, está claramente prevista, em seu art. 38, a possibilidade
de o Poder Executivo desqualificar a entidade como
Organização Social, o que acarreta a rescisão do contrato de
gestão, assim como a reversão dos bens permitidos e dos

139
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

valores entregues à entidade, sem prejuízo de outras sanções


cabíveis.
Ocorre que, em 23 de março do corrente, o denunciado, “sem
fundamento idôneo” e fazendo uso de poder discricionário,
fundado unicamente nos elementos subjetivos da oportunidade
e da conveniência da Administração Pública, deu provimento a
recurso administrativo interposto pela OSS Unir Saúde,
inconformada com sua desqualificação.
Com isso, a Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664/2019 foi
revogada e, consequentemente, restaurou-se a qualificação da
OSS Unir Saúde, sendo-lhe restituídos, não apenas todos os
direitos e obrigações de que gozava antes de sua
desqualificação, mas também o direito de participar de novos
certames licitatórios e contratações com o Estado do Rio de
Janeiro e demais entes federativos. O ato de requalificação
como Organização Social da referida entidade foi devidamente
publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro
(DOERJ), em 24 de março de 2020.
O provimento do recurso administrativo interposto pela OSS Unir
Saúde, segundo a Denúncia, sem fundamento legal, amparado
apenas em elementos subjetivos, quais sejam, a oportunidade e
a conveniência da Administração Pública, teve como principal
justificativa o reconhecimento da situação de emergência no
Estado do Rio de Janeiro, na área de saúde pública, nos termos
do Decreto nº 46.973, de 16 de março de 2020, posteriormente
convalidado pela Lei n° 8.794, de 17 de abril do corrente, que
reconhece o estado de calamidade pública decorrente da
pandemia do novo coronavírus.
A situação reconhecidamente calamitosa impôs a necessidade
de aumento exponencial do número de leitos hospitalares,
notadamente de leitos para tratamento intensivo,
disponibilizados para atendimento à população, bem como a
aquisição de equipamentos hospitalares e demais insumos
necessários ao abastecimento das unidades estaduais de
saúde, com especial destaque para os respiradores mecânicos,
dada a importância de sua aplicação no tratamento da COVID-
19.
Tamanha seria a importância dos respiradores mecânicos no
tratamento dos pacientes contaminados pelo novo coronavírus,
que o Poder Executivo realizou a compra de 1.000 (mil) unidades
deste equipamento, em valores que estariam supostamente
muito acima dos preços praticados no mercado, o que, no
entanto, não compõe o escopo da Denúncia em apreço, embora
seja objeto de investigações ainda em curso, no âmbito do
Ministério Público Estadual.
Em relação ao segundo eixo da acusação, qual seja, a
contratação da OSS IABAS, afirmam os denunciantes que o
Ministério Público Federal teria identificado robustos indícios de
participação do Governador do Estado do Rio de Janeiro,
Excelentíssimo Senhor Wilson José Witzel, de forma ativa, na
prática de atos ilícitos referentes à mencionada contratação.
Acrescentam os denunciantes que elementos comprobatórios
teriam sido encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, o que
ensejou a deflagração do Inquérito nº 1.338/DF e, em
consequência, a adoção de medida cautelar baseada no pedido
de Busca e Apreensão Criminal nº 27-DF (2020/0114014-7),
acolhido por iniciativa do eminente relator, Excelentíssimo

140
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Senhor Ministro Benedito Gonçalves, tendo sido, então,


autorizada a expedição de doze mandados de busca e
apreensão, no âmbito da “Operação Placebo”, em endereços
direta ou indiretamente ligados ao ora denunciado e seus
supostos colaboradores.
Conforme destacado ainda na Denúncia, o eminente Ministro do
Superior Tribunal de Justiça acima citado relatou que os
investigadores afirmam existir “prova robusta” de ilicitude nos
processos que levaram à contratação da OSS IABAS para
construir e gerir os hospitais de campanha no Rio de Janeiro,
tudo sempre com a presumível anuência do denunciado, que
teria agido de modo a assegurar todo suporte necessário à
realização das fraudes constatadas no âmbito da Secretaria de
Estado de Saúde do Rio de Janeiro.
Assim, nos termos da respeitável Decisão do Excelentíssimo
Senhor Ministro Benedito Gonçalves, o denunciado teria criado
“uma estrutura hierárquica para a prática de delitos dentro da
estrutura do poder executivo fluminense para dar suporte aos
contratos fraudulentos para originar ações de combate ao
coronavírus no Estado do Rio”. Ainda segundo o eminente
relator no Superior Tribunal de Justiça, as provas estariam nas
diferentes propostas orçamentárias apresentadas ao Poder
Executivo, que teriam sido fraudadas para dar aparência de
concorrência e legalidade à contratação da referida instituição,
com vistas à prestação dos serviços de montagem e
desmontagem de tendas, instalação de caixas d’água e de
geradores de energia, colocação de piso, entre outros itens, para
a estruturação dos hospitais de campanha.
Em suma, é possível afirmar que, em pouco mais de um ano de
governo, com o advento da pandemia do novo coronavírus,
tragédia sanitária e humanitária de proporções inéditas no Rio
de Janeiro, no Brasil e no planeta, todos os holofotes
fluminenses se voltaram, como era de se supor, para a gestão
pública da saúde. Na esfera estadual, descortinou-se, então, um
cenário que evidenciava fragilidade na gestão da crise,
revelando-se nítido despreparo da administração estadual para
adotar, em caráter efetivo, as necessárias ações emergenciais
de gestão para o enfrentamento à COVID-19, embora o
denunciado, como Governador, tivesse anunciado, de início,
medidas firmes e, em geral, sintonizadas com as
recomendações das autoridades sanitárias e científicas,
nacionais e internacionais.
Contudo, decretado o estado de calamidade pública em virtude
da pandemia, com a suspensão de várias atividades
presenciais, em função da adoção das medidas de isolamento
ou distanciamento social, imprescindíveis à contenção da
curva de contágio, começaram a ser anunciados os
investimentos emergenciais para aparelhamento de hospitais e
para aquisição dos insumos necessários ao atendimento de
pacientes que apresentassem sintomas ou tivessem a
confirmação do contágio pelo novo coronavírus. Naquele
mesmo período, foi anunciada também a montagem de 8 (oito)
hospitais de campanha no estado, de modo a possibilitar o
aumento de 1.800 (mil e oitocentos) leitos, aqui incluídos os
leitos intensivos, para serem disponibilizados à população
fluminense, com previsão de inauguração até 30 de abril do
corrente, o que jamais ocorreu.

141
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Dos 8 (oito) hospitais de campanha prometidos, apenas 2 (dois)


foram entregues (Maracanã e São Gonçalo), mesmo assim, com
muito atraso na montagem e com a quantidade de leitos
reduzida, muito aquém da propagada, além das crescentes
suspeitas de irregularidade e dos fortes indícios de fraude nos
processos de contratação da organização social responsável
pelo serviço.
Com base nesses fatos, aqui restituídos em apertado resumo,
porém detalhadamente expostos no Relatório que antecede este
Voto, cabe sublinhar que, nos termos da Denúncia, a conduta do
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado do Rio de
Janeiro, ora denunciado, no que se refere às decisões tomadas
em sua administração, no tocante à OSS Unir Saúde e à OSS
Instituto IABAS, foi qualificada, além de ímproba, como
incompatível com a dignidade, a honra e o decoro requeridos
para o exercício de tão elevado cargo público.
2. Qualificação do denunciado
A qualificação do denunciado é pública e notória. O Chefe do
Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro, ora afastado por
decisão cautelar adotada pelo Superior Tribunal de Justiça,
assumiu seu mandato de Governador, após ter sido eleito
democraticamente, em segundo turno de votação, nas eleições
de 2018. De origem socioeconômica modesta, o denunciado
integrou os quadros da Marinha do Brasil, chegando à patente
de Segundo-Tenente. Graduou-se em Tecnologia de
Processamento de Dados e posteriormente em Direito.
Ingressou, no ano de 1998, como Defensor nos quadros da
valorosa Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, onde
ficou por apenas três anos, pois, em 2001, passou a integrar a
magistratura como Juiz Federal. Concluiu o Mestrado em
Processo Civil (UFES, 2010) e o Doutorado em Ciência Política
(UFF, 2019). Em março de 2018, pediu exoneração do cargo
público de Juiz Federal para filiar-se ao Partido Social Cristão
(PSC) e disputar, com êxito, naquele mesmo ano, a eleição para
Governador do Estado do Rio de Janeiro.
Durante a campanha eleitoral de 2018, o denunciado adotou
discurso de renovação, pregando não apenas uma “nova
política”, mas também a defesa de uma gestão pública eficiente,
feita por agentes públicos qualificados, extremamente técnicos,
que em seu governo ocupariam, segundo o então candidato,
todas as áreas da administração estadual.
Especificamente na área de saúde, seu programa de governo
prometia, entre outras medidas, o efetivo cumprimento do
dispositivo constitucional que obriga os estados a aplicar, no
mínimo, 12% (doze por cento) do orçamento em saúde; a
realização de auditoria em todos os contratos celebrados entre
o Poder Executivo estadual e organizações sociais, assim como
em contratos de terceirização firmados no governo de seu
antecessor; reforma dos hospitais de referência; criação de
mecanismos de accountability na gestão dos recursos da área
de saúde, de modo a impedir novas fraudes e desvios; apoiar a
força-tarefa da “Operação Lava-Jato” no Rio de Janeiro, com
foco especial na investigação de atos de corrupção na saúde
pública nos últimos 20 (vinte) anos. Aqui foram selecionadas
estas promessas de campanha, entre várias outras, porque são
as que mais flagrantemente se chocam com o quadro de desvios
na Secretaria de Estado de Saúde, durante a administração do

142
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

denunciado, o que inclusive deu origem à Denúncia ora em


exame.
3. Formalidades da Denúncia
A Denúncia em análise é de caráter estritamente documental,
pois nela não se faz qualquer menção a rol ou lista de
testemunhas que poderiam atestar os fatos denunciados. Caso
ocorra o recebimento integral ou parcial da Denúncia e a
consequente instauração de processo por crime de
responsabilidade contra o denunciado, aí sim, poderão ser
realizadas diligências com o concurso de testemunhas. Nesse
cenário, provas documentais suplementares, para além
daquelas já anexadas ao presente processo, provas
testemunhais e, eventualmente, até provas periciais poderão ser
requeridas pelas partes, pelo relator ou por qualquer membro do
Tribunal Especial Misto.
Quanto à tipicidade, os fatos narrados na Denúncia estão, em
tese, adequados aos tipos previstos no art. 4°, V, e no art. 9°,
item 7, da Lei Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1950. Vejamos
o que dispõe o primeiro artigo citado:
“Art. 4º: São crimes de responsabilidade os atos do
Presidente da República que atentarem contra a
Constituição Federal, e, especialmente, contra:
(...)
V - A probidade na administração;
(...)” (grifos nossos)
Vale enfatizar que a mesma norma deixa suficientemente clara
sua aplicabilidade em relação aos crimes, de idêntico teor,
cometidos por Governadores de Estado, nos seguintes termos:
“Art. 74: Constituem crimes de responsabilidade dos
governadores dos estados ou dos seus secretários, quando
por eles praticados, os atos definidos como crimes nesta
Lei.”
Convém salientar que o dispositivo acima citado foi
recepcionado pela Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em
seu art. 146. Ademais, está consolidada a simetria do
processamento de crimes de responsabilidade cometidos pelo
Presidente da República e por Governadores dos Estados,
conforme voto da Relatora na Ação de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 740-DF, eminente Ministra Rosa
Weber, recentemente julgada, nos termos do voto da insigne
relatora, aprovado por unanimidade, no Supremo Tribunal
Federal.
Vale destacar que a definição de “improbidade” é motivo de
acalorados debates doutrinários entre juristas. Parte dos autores
entende que a probidade é dever máximo do agente público,
mas outros doutrinadores preferem enfatizar que ela é, a rigor,
um dos princípios basilares da Administração Pública. Ambas as
correntes, porém, são confluentes quanto ao dever legal e moral
do agente público em servir à administração com honestidade,
boa fé e zelo para com a res publica.
Nas lições da ilustríssima jurista Maria Sylvia Zanella di Pietro 1,
a improbidade administrativa seria a lesão à probidade e à
moralidade administrativa, acrescentando ainda a autora que,
quando tratada como infração, a improbidade ganha um sentido

1
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001.
143
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

mais extenso e preciso, abarcando os atos imorais ou


desonestos, como também os atos ilegais.
Vejamos agora o enquadramento dos fatos narrados na
Denúncia em face do art. 9°, item 7, da Lei Federal n° 1.079, de
10 de abril de 1950, qual seja, o modo de agir incompatível com
a dignidade, a honra e o decoro exigível em razão do cargo
ocupado. Eis o que reza o citado dispositivo:
“Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade
na administração:
(...)
7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra
e o decoro do cargo.”
Como se percebe, em relação ao modo de agir compatível com
a dignidade, a honra e o decoro, impõe-se ao agente público, na
forma da Lei, o dever do atendimento a padrões éticos, tais como
honestidade, lealdade, boa fé e probidade.
Nesse sentido, o saudoso jurista Hely Lopes Meirelles 2 ensina
que “o agente administrativo, como ser humano dotado de
capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem
do Mal, o Honesto do Desonesto. E, ao atuar, não poderá
desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que
decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o
conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas
também entre o honesto e o desonesto.”
Diante do exposto, considerados os fatos narrados nos termos
da Denúncia, reconheço, do ponto de vista formal, sua
viabilidade, vale dizer, entendo que estão presentes indícios,
tanto de improbidade administrativa como de conduta
incompatível com a honra e o decoro do cargo, seja no que tange
à rumorosa requalificação da OSS Unir Saúde para manter e até
ampliar seus contratos de gestão com o Poder Executivo; seja
em relação à não menos rumorosa contratação da OSS IABAS
para construir e gerir hospitais de campanha.
Cumpre aqui acrescentar que se constata, no presente
processo, a inexistência ou inaplicabilidade de qualquer das
causas extintivas de punibilidade, tal como elencadas nos
incisos que integram o art. 107 do Código Penal.
Importa também sublinhar que a causa especial de extinção de
punibilidade prevista no parágrafo único do art. 76, da Lei
Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1950, citada a seguir, também
não se verifica no presente processo:
Art. 76. (...)
Parágrafo único. Não será recebida a denúncia depois que
o Governador, por qualquer motivo, houver deixado
definitivamente o cargo. (grifos nossos)
Cabe ainda adicionar que o crime de responsabilidade, na forma
tentada ou consumada, nos termos do art. 2° da Lei Federal n°
1.079, de 10 de abril de 1950, é punível da mesma forma. Senão
vejamos:
“Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando
simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do
cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de
qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos
processos contra o Presidente da República ou Ministros de

2
MEIRELLES, Hely Lopes et al. Direito Administrativo Brasileiro. 44ª ed. Salvador, Juspodivm; São
Paulo: Malheiros, 2020.
144
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou


contra o Procurador Geral da República.” (grifos nossos).
4. Sobre a Defesa apresentada pelo denunciado ao Tribunal
Especial Misto
Apresentada tempestivamente ao Tribunal Especial Misto, em
19 de outubro do corrente, a respeitável Defesa protocolada pelo
denunciado é uma peça de 53 (cinquenta e três) páginas,
acrescida de robusto material anexo, distribuído em 34 (trinta e
quatro) diferentes documentos, que somam, no total, 1.933 (mil
novecentas e trinta e três) páginas anexadas.
De modo cuidadoso, a Defesa busca esclarecer diferentes
aspectos, todos de mérito, que constituem a Denúncia
protocolada na ALERJ contra o Exmo. Sr. Governador Wilson
Witzel. Em primeiro plano, ressalte-se que a Defesa insiste na
tese de que o Relatório aprovado pela Comissão Especial de
Impeachment da ALERJ e, em seguida, acolhido pelo plenário
do parlamento fluminense não teria sido capaz de demonstrar a
existência de ato ímprobo ou doloso praticado pelo denunciado.
De maneira enfática, a Defesa também busca desmontar as
questões centrais da Denúncia: a requalificação da OSS Unir
Saúde e a contratação da OSS IABAS. Neste segundo caso,
alega a Defesa que o denunciado não teve qualquer participação
na contratação da entidade para implantar e gerir os hospitais
de campanha, vale lembrar, símbolo dos desvios ocorridos na
administração estadual no contexto do enfrentamento à
pandemia do novo coronavírus. Sobre esse ponto da Denúncia,
a peça defensiva afirma com veemência que os denunciantes
apenas se limitaram a reproduzir excertos da decisão do
eminente Ministro Benedito Gonçalves, sem apresentar
qualquer elemento probatório, ainda que em caráter indiciário.
Sobre o conflito de datas entre a proposta de trabalho
apresentada pela OSS IABAS e a data de abertura do processo
administrativo, no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do
Rio de Janeiro, a Defesa invoca o argumento do erro material, o
que, na linha do denunciado, não corroboraria os elementos da
Denúncia.
Acerca da questão relativa à requalificação da OSS Unir Saúde,
decisão monocrática e discricionária tomada pelo denunciado,
contrariando ato conjunto de duas Secretarias de seu próprio
governo, a Defesa se manifesta de modo a enfatizar a
excepcionalidade da situação de calamidade pública, a
inexistência de comprovada motivação pessoal ou política do
denunciado e, ainda, a atitude diligente do denunciado, que
revogou sua própria decisão, “tão logo tomou ciência do suposto
uso criminoso da OSS”.
A respeito da colaboração premiada efetivada pelo ex-Secretário
de Estado de Saúde do denunciado, Sr. Edmar Santos, a Defesa
lembra que o conteúdo dessas delações não são provas em si
mesmas, devendo ser cotejadas com outros elementos
probatórios para que sejam, digamos, validadas no processo
investigativo. Assim, seja em relação à eventual participação do
denunciado nos fatos constantes da Denúncia, seja em relação
ao vínculo entre o Sr. Mario Peixoto e as organizações sociais
citadas na peça denunciatória, a Defesa sublinha que, além de
vaga, não há elementos probatórios que confirmem o conteúdo
da aludida delação premiada.

145
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A propósito, importa destacar aqui as questões atinentes ao


envolvimento do Sr. Mario Peixoto, em suposto conluio com o
denunciado, no comando da OSS Unir Saúde e da OSS IABAS.
Sobre tal tema, a Defesa é contundente, quando assevera que
não há qualquer comprovação ou menção esclarecedora acerca
do alegado comando exercido pelo Sr. Mario Peixoto sobre
aquelas entidades, nem mesmo no material colhido pelo
Ministério Público Federal ou pelo Ministério Público Estadual. A
esse respeito, a Defesa surpreende, quando aponta para outra
linha de investigação, que vincula, não o Sr. Mario Peixoto, mas
o Sr. Nelson Bornier, ex-prefeito de Nova Iguaçu e ex-Deputado
Federal, às organizações sociais citadas nos eixos centrais da
Denúncia.
Ora, tendo em vista que nesta etapa de deliberação o Tribunal
Especial Misto tende a se concentrar no exame da presença dos
requisitos formais para recebimento ou rejeição da Denúncia,
não se revela oportuno aprofundar agora a análise do mérito da
Defesa. Contudo, levando em elevada consideração os
argumentos defensivos brandidos pelo denunciado, inclusive a
perspectiva de abertura de novos veios de investigação, e,
ainda, em homenagem ao espesso conjunto de documentos
anexados à Defesa, que merecem ser analisados verticalmente
à exaustão, penso que ganha fôlego a ideia de que apenas o
recebimento da Denúncia e a consequente instauração do
processo poderiam propiciar uma análise rigorosa, minudente e
esclarecedora dos graves fatos apontados pela Denúncia, que
envolveriam diretamente o denunciado, bem como dos diversos
e relevantes elementos apresentados na Defesa. Afinal, o
próprio denunciado julgou adequado anexar à peça de Defesa
quase duas mil páginas de documentos, que, decerto, precisam,
a bem da verdade, ser minuciosamente examinados.
Nesse diapasão, não é demasiado ressaltar que o fato alegado
na Defesa, qual seja, os denunciantes não teriam apresentado
elementos mínimos probatórios, não é apto a afastar a justa
causa para o prosseguimento do processo por crime de
responsabilidade.
5. Sobre a ocupação do Palácio das Laranjeiras pelo
denunciado
Com relação ao Palácio das Laranjeiras, construído entre os
anos de 1910 e 1913 para ser residência da Família Guinle, o
imóvel foi adquirido pela União, em 1947, para servir como
hospedagem de convidados ilustres e de chefes de Estado em
visita ao Brasil. Após a transferência da capital para Brasília, em
1960, o Palácio das Laranjeiras passou a hospedar também
presidentes da República durante suas estadas na Cidade do
Rio de Janeiro.
Após 15 de março de 1975, data da fusão do Estado da
Guanabara e do antigo Estado do Rio de Janeiro, a Velha
Província, o referido Palácio foi doado ao novo Estado do Rio de
Janeiro, passando, então, a integrar o patrimônio imobiliário
estadual e a funcionar como residência oficial do Governador
fluminense.
Importa mencionar, ainda, com relação ao Palácio das
Laranjeiras, que o edifício foi tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pelo Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural do Rio de janeiro (INEPAC),

146
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

dada sua importância histórica e cultural para o país e para o


Estado do Rio de Janeiro.
Tendo em vista que o Palácio das Laranjeiras pertence ao
Estado do Rio de Janeiro e tem seu uso afetado à moradia de
quem chefia o Poder Executivo estadual, não se justifica sua
ocupação por quem não preenche os requisitos necessários
fixados em Lei. A esse respeito, dispõe a Constituição do Estado
do Rio de Janeiro, em seu art. 68:
“Art. 68. Os bens imóveis do estado não podem ser objeto
de doação nem de utilização gratuita por terceiros, nem de
aluguel, salvo mediante autorização do Governador, se o
beneficiário for pessoa jurídica de direito público interno,
entidade componente de sua administração indireta ou fundação
instituída pelo Poder Público, bem como nos casos legalmente
previstos para regularização fundiária.” (grifos nossos)
Na mesma perspectiva, dispõe o artigo 3º da Lei Complementar
Estadual n° 08, de 25 de outubro de 1977:
Art. 3º - Os imóveis do Estado são imprescritíveis,
insusceptíveis de doação, a qualquer título, ou de cessão de
uso gratuita e somente alienáveis ou utilizáveis nas
modalidades e sob as formas previstas nesta Lei. (grifos nossos)
Assim, se vier a ser afastado do cargo de Governador do Estado
do Rio de Janeiro, por decisão deste colendo Tribunal Especial
Misto, o Exmo. Sr. Wilson José Witzel, ora denunciado, não
reunirá mais as condições para utilizar, de modo justificável, na
forma da Lei, o Palácio das Laranjeiras como sua residência
particular.
6. Conclusão
Por fim, considerando que a existência de justa causa é o
requisito legal para o recebimento da Denúncia e consequente
instauração e processamento da ação penal, conforme disposto
no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP);
considerando, também, que estão presentes seus
componentes fundamentais, quais sejam: a) TIPICIDADE
(“adequação de uma conduta fática a um tipo penal”); b)
PUNIBILIDADE (“além de típica, a conduta precisa ser punível,
ou seja, não existir quaisquer das causas extintivas da
punibilidade”); c) VIABILIDADE (“existência de fundados
indícios de autoria”)3; considerando, ainda, o preenchimento
dos requisitos do artigo 41, do Código de Processo Penal (CPP),
quais sejam, a exposição do fato apontado como criminoso com
suas respectivas circunstâncias; a qualificação do denunciado e
a tipificação da conduta como crime, é possível afirmar, sem
adentrar o juízo de mérito, que a narrativa exposta pelos
denunciantes é suficiente para ensejar o competente processo
de impeachment. Em outras palavras, pelo exame dos requisitos
formais da Denúncia, que fundamentam sua justa causa, sem
abordar, insisto, os aspectos de mérito, parece-me claro que se
encontram aqui reunidos seus componentes essenciais,
tipicidade, punibilidade e viabilidade, exatamente nos termos do
voto do relator, eminente Ministro Alexandre de Moraes, quando

3
Agravo Regimental no Habeas Corpus n° 185.914/RN, Supremo Tribunal Federal, Acórdão publicado
nos termos do voto do Relator (e. Ministro Alexandre de Moraes), em 14/07/20.
147
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

da apreciação do Agravo Regimental no Habeas Corpus nº


185.914/RN, no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

CONCLUSÃO
Diante do exposto, VOTO PELO RECEBIMENTO INTEGRAL
DA DENÚNCIA contra o EXMO. SR. WILSON JOSÉ WITZEL
e, em decorrência, PELA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO
POR CRIME DE RESPONSABILIDADE CONTRA O
DENUNCIADO, PELO AFASTAMENTO DO DENUNCIADO DA
CHEFIA DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL, durante a
vigência do presente processo, e PELA DESOCUPAÇÃO
POR PARTE DO DENUNCIADO DO PALÁCIO DAS
LARANJEIRAS, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data
de publicação do Acórdão.” (grifos originais)

Aberta a votação, acordaram os membros do e. Tribunal Especial Misto, por


unanimidade de votos, receber a denúncia por crime de responsabilidade quanto ao
eixo referente à Organização Social de Saúde Instituto Unir Saúde e também, por
maioria de votos, vencido o Excelentíssimo Senhor Deputado Alexandre Freitas,
decidiram receber a denúncia por crime de responsabilidade quanto ao eixo referente
à Organização Social de Saúde Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde,
contra o Governador do Estado, Sr. Wilson José Witzel.

Ainda em votação, por maioria de votos, vencidos o Excelentíssimo Senhor


Desembargador Fernando Foch de Lemos Aragony da Silva, o Excelentíssimo Senhor
Deputado Chico Machado, o Excelentíssimo Senhor Deputado Alexandre Freitas e a
Excelentíssima Senhora Desembargadora Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello,
o Tribunal Especial Misto determinou, em decorrência do recebimento da denúncia, a
desocupação, pelo denunciado, do Palácio das Laranjeiras, no prazo de dez dias,
contado da data de publicação do Acórdão.

Por fim, ao deliberar sobre a última matéria em votação, mediante proposta do


Presidente, o Tribunal Especial Misto decidiu, por unanimidade, em virtude do
recebimento da Denúncia e nos termos do art. 57, c, combinado com o art. 77 da Lei
Federal n° 1.079/1950, fixar a redução de 1/3 (um terço) do subsídio do
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Wilson José Witzel, sendo que os
valores subtraídos por tal decisão serão ressarcidos ao denunciado, em caso de
absolvição.

148
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

XXI - DO MANDADO DE SEGURANÇA N° 0078852-38.2020.8.19.0000, VISANDO


À PERMANÊNCIA NO PALÁCIO DAS LARANJEIRAS

Com a aprovação, pela maioria dos membros do Tribunal Especial Misto, da


desocupação, pelo agora já Réu, do Palácio das Laranjeiras, o governador afastado,
antes mesmo de ser notificado de tal decisão, mudou-se imediatamente, com sua
família, para o imóvel de sua propriedade localizado no bairro do Grajaú, na cidade
do Rio de Janeiro.

Surpreendentemente, porém, na data de 11 de novembro de 2020,


demonstrando estar irresignado com a decisão, o Réu impetrou o mandado de
segurança n° 0078852-38.2020.8.19.0000 no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, a fim de garantir sua “permanência” na residência oficial, sob o argumento de
que o imóvel de sua propriedade não oferecia a infraestrutura necessária à sua
segurança e de sua família.

Recebido o mandado de segurança pela 1ª Vice-Presidência do Tribunal de


Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a peça foi distribuída à relatoria do
Excelentíssimo Senhor Desembargador Antônio Iloízio Barros Bastos, que proferiu a
seguinte decisão:

Mandado de Segurança nº 0078852-38.2020.8.19.0000


Relator: Des. Antônio Iloízio Barros Bastos
DECISÃO DO RELATOR
MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por WILSON JOSÉ
WITZEL “contra (i) o TRIBUNAL ESPECIAL MISTO, instituído
na forma previsto no art. 78 da Lei nº 1.079/50, em razão de
ato judicial teratológico, violador de garantias fundamentais
(doc. 2), praticado pelos seus membros, e (ii) o EXMO. SR.
PRESIDENTE DESSE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE
JANEIRO, DESEMBARGADOR CLAUDIO DE MELLO
TAVARES, enquanto presidente do mencionado Tribunal
Especial Misto”.
O ora impetrante se insurge especificamente contra a ordem de
desocupação do Palácio das Laranjeiras; aduz “E aqui reside,
principalmente, o risco do ato impugnado, para a segurança
do impetrante e de sua família já que, embora afastado
temporariamente, o impetrante ainda é o Chefe do Poder
Executivo e como tal, sofre com constantes ameaças a sua
vida, agravadas, inclusive, pelo Processo de Impeachment”.
Ao final de substanciosa peça inaugural, o impetrante pugna
pela “concessão de tutela de urgência, inaudita altera parte,
para determinar a revogação da determinação ilegal
proferida pelas autoridades coatoras, mantendo-se (...) o e.
149
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Governado do Estado do Rio de Janeiro no Palácio


Laranjeiras até decisão final no Processo nº 2020- 0667131”.
Esse, a propósito, é o objeto final do presente remédio
constitucional.
É o breve Relatório. DECIDO.
Em que pese o brilhantismo da cuidadosa peça inaugural, com
a devida vênia, não parece ser o caso de se deferir a tutela de
urgência, a começar pela aparente ausência de periculum in
mora.
Ora, já foi noticiado na imprensa que o ora impetrante, quase
que imediatamente, apesar do prazo de dez dias, cumpriu a
determinação ora atacada e desocupou o Palácio das
Laranjeiras, retornando para a sua residência pessoal no bairro
do Grajaú.
Iniludivelmente, esse é um fator de esvaziamento desse
requisito da tutela liminar pretendida, pois não está
caracterizado que ao final do mandado de segurança será
ineficaz a eventual medida concedida se não for suspenso o ato
impugnado in limine; sobretudo diante do objeto da ação que é
a manutenção da ocupação do Palácio das Laranjeiras pelo
impetrante e sua família.
O certo é que se afigura plenamente verossímil a possibilidade
da espera até final julgamento sem que com isso eventual
retorno ao Palácio das Laranjeiras se torne ineficaz. É bem
verdade que o impetrante trabalha a ideia da segurança de sua
família – questão de ordem indeferida pelo Desembargador
Presidente2–; no entanto, trata-se de alegação também
esvaziada pelo fator acima explicitado; que demanda ser
incorporada com prova real de que existe iminente e concreto
perigo contra a vida e que, de toda sorte, poderia ser remediado
sem necessariamente o uso e ocupação do Palácio das
Laranjeiras.
Em relação ao fumus boni iuris o caso também não aparenta,
em um primeiro olhar, qualquer inconsistência que justifique o
deferimento liminar; até em função da juridicidade, da lógica
jurídica, de preceitos consagrados (como o acessório segue o
principal ou quem pode o mais pode o menos). Em termos, ora,
se não há cargo sem funções, na medida em que o denunciado
fica suspenso do exercício das funções, logicamente fica
afastado do cargo; e se o Palácio das Laranjeiras, que pertence
ao Estado, tem o seu uso afetado à moradia de quem chefia o
Poder Executivo, data venia, afigura-se até mesmo lógico e
intuitivo que não pode ser usado por quem não mais chefia por
que foi afastado de suas funções de Chefe do Poder Executivo,
sob pena de fazer uso gratuito de um bem público4 afetado a
quem preenche a condição de chefiar o Poder Executivo, função
essa em relação a qual o impetrante foi afastado.
Portanto, não é porque algo não está expresso na lei, facilitando
uma descansada e limitada interpretação literal, que, por isso,
seja ilegal. Aquilo que parece ilegal aos olhos de uns pode ser
inferido da interpretação do Sistema de Direito.
O impetrante concorda que o afastamento temporário do cargo
reflete uma medida absolutamente acauteladora (fls.5), como
também o é essa desocupação do imóvel do ERJ, em
homenagem à moralidade administrativa que seria violada caso
fosse expressamente possível o uso por quem foi afastado das
funções de chefia do Poder Executivo.

150
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Ao lado da juridicidade acima desvelada, sabe-se que o


Julgador, modernamente, tem amplo poder geral de cautela para
adotar medidas adequadas e nem por isso se pode falar em
ilegalidade. Desenganadamente, afigura-se, sim, ao menos em
um primeiro olhar, uma medida adequada a desocupação do
imóvel nas circunstâncias em que se encontra o impetrante, o
que confere efetividade ao afastamento do cargo, atende à
moralidade, se coaduna aos anseios da maioria da população
que busca soluções mais justas e coerentes.
Enfim, ainda que o impetrante bem discorra sobre inexistência
de previsão legal; princípios da inércia da jurisdição e da
demanda; sobre devido processo legal e supressão da ampla
defesa; precedentes históricos, o fato é que, na espécie, fumaça
do bom direito e perigo na demora não apresentam contornos
suficientes para um deferimento in limine e sem manifestação
dos personagens que atuam na presente ação mandamental.
Indefiro, por isso, o pedido liminar” (grifos originais)

Relatado o indeferimento do mandado de segurança acerca da desocupação,


pelo Réu, do Palácio das Laranjeiras, passo à etapa seguinte

XXII – DO REQUERIMENTO DE PROVAS APRESENTADO PELA ACUSAÇÃO

Instaurado o processo de impeachment, conforme Acórdão (Id 1357272),


devidamente publicado em 09 de novembro de 2020, no Diário da Justiça Eletrônico
do Estado do Rio de Janeiro (DJERJ), e no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro
DOERJ), em 10 de novembro de 2020, conforme certidão (Id 1365769), a Acusação
se manifestou sobre as provas que pretendia produzir. Nesse sentido, protocolou
petição (Id 1374749) nos seguintes termos:

“(...) Prova Testemunhal


1- Luiz Roberto Martins Soares, de qualificação
ignorada, sendo certo que é um dos responsáveis pela
OS UNIR, a necessidade de oitiva desta testemunha se
justifica em razão do fato de que ele seria o “operador”
do Grupo de Mario Peixoto, no caso UNIR, que também
foi preso, disse em um grampo telefónico ter pago
propina a um agente público não identificado para
reabilitar a empresa. A partir da interceptação telefónica
de 20 de março de 2020 fica claro o envolvimento de
LUIZ ROBERTO MARTINS (um dos responsáveis pela
UNIR), anunciando o pagamento de propina pela
revogação e o, provável, acerto entre Mario e o Réu para
revogação da desqualificação da UNIR.
2- Lucas Tristão do Carmo (Lucas Tristão), brasileiro,
advogado, inscrito no CPF/MF sob o n° 112.776.547-78,
nascido aos 16/01/1987, residente e domiciliado na
Avenida Érico Veríssimo, n° 135, apto. 201, Barra Da
Tijuca, CEP 22.621-180, Rio De Janeiro/ RJ, atualmente
custodiado no Presídio Pedrolino Werling de Oliveira
151
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

(SEAPPO), localizado em Bangu, Complexo de Gericinó,


foi o homem de confiança do Réu. (...)
3- Everaldo Dias Pereira (Pastor Everaldo), inscrito no CPF/MF sob o n° 258.815.587-
15, com endereço na Estrada Benvindo de Novaes, n° 181, apto. 302, Recreio, CEP
22.795-712, Rio de Janeiro/RJ, Telefone (21) 2428-1853, atualmente custodiado no
Presídio Pedrolino Werling de Oliveira (SEAPPO), localizado em Bangu, Complexo
de Gericinó;
4- Victor Hugo Amaral Cavalcante Barroso (Victor Hugo), inscrito no CPF/MF sob o
n° 117.225.887-21, com endereço na Rambla Arménia, n° 1.624, Buceo, Montevidéu,
Uruguai, atualmente custodiado no Presídio Pedrolino Werling de Oliveira
(SEAPPO), localizado em Bangu, Complexo de Gericinó;
5- Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos (Gabriell Neves), brasileiro,
advogado, inscrito no CPF/MF sob o número 099.842.177-44, residente à Avenida
Ataulfo de Paiva, 1335/304, Leblon, Rio de Janeiro, CEP 22440-035, atualmente sob
custódia do Estado do Rio de Janeiro.
3- Ramon de Paula Neves, de qualificação
ignorada, inscrito no CPF/MF sob o n°101.489.547-23, a
oitiva desta testemunha é necessária em razão do Ex-
Secretário Edmar Santos, em sua delação, ter afirmado
que o mesmo “pressionava para a contratação de
empresas de Mario Peixoto, queixando-se do controle da
secretaria (de saúde) pelo grupo do Pastor Everaldo”. E,
ainda, teria ido ao Governador, em março de 2020, para
repassar sobre o que Mariana Scardua, então
subsecretária de Gestão Integral da Saúd, tinha lhe falado
sobre a nomeação de Gabriell Neves (fevereiro de 2020)
e que haveria suspeitas de irregularidades na Secretaria
de Saúde e que traria problemas. Dias após Witzel ser
notificado, Mariana Scárdua foi demitida. (Guilherme
Amado- Época, 17/07/20). E teria, também, a troca de e-
mail, intitulado “Operação Amanhã”, em 13/05/20,
véspera da operação Favorito entre o mesmo e o Sr.
Alessandro de Araújo Duarte, apontado pelo MPF como
um dos operadores financeiros do empresário Mario
Peixoto.
4- Roberto Bertholdo, inscrito no CPF/MF sob o
n°478.913.869-00, advogado do Instituto IABAS, teria
sido o supervisor da contratação da IABAS.
Prova Documental
A requisição ao Ministério Público Federal do inteiro teor
dos depoimentos decorrentes dos acordos de
colaboração premiada celebrados por Edmar Santos e
Edson Torres.
Seja requerido ao Ministro Benedito Gonçalves, Relator
no STJ do Inquérito n° 1138/DF, o compartilhamento das
provas.
(...)” (grifos originais)

Ato contínuo, os patronos do Réu apresentaram nova peça de defesa


(Id1455369), além do requerimento sobre produção de provas, como será declinado
em seguida.

152
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

XXIII – DO REQUERIMENTO DE PROVAS E DA NOVA PEÇA APRESENTADA


PELA DEFESA

Intimada a apresentar a sua defesa, após a admissibilidade da denúncia,


o Réu assim procedeu, reunindo, no mesmo documento, argumentos defensivos e
pedido de provas testemunhais, documentais e periciais. Segue o essencial do
conteúdo dessa peça:

“(...)
CONTEXTO GERAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ESTADUAL
2. Como bem sintetiza o próprio e. Tribunal Superior Eleitoral, “é
o governador que exerce o Poder Executivo na esfera dos
estados e do Distrito Federal. Cabe a ele representar, no âmbito
interno, a respectiva Unidade da Federação em suas relações
jurídicas, políticas e administrativas. No exercício da sua função
de administrador estadual, ele é auxiliado pelos secretários de
estado. O governador participa do processo legislativo e
responde pela segurança pública. Para isso, o governador conta
com as Polícias Civil e Militar e com o Corpo de Bombeiros. Em
razão da autonomia dos estados e do Distrito Federal, cada
constituição estadual e a lei orgânica do DF dispõem sobre
competências, atribuições e responsabilidades do cargo de
governador” (grifou- se).
3. Essa deve ser a perspectiva a nortear a análise dos fatos e
das provas objeto das denúncias. Deve-se, a essa definição,
somar os seguintes fatos relevantes, substancialmente
sumariados neste tópico: o Estado do Rio de Janeiro possui o
segundo maior PIB do Brasil (perde apenas para o Estado de
São Paulo)”, é composto por 92 municípios”, possui um
orçamento anual de aproximadamente 90 bilhões de reais” e se
divide em 27 secretarias.
4. Ao Governador deste Estado, então, como ao de qualquer
outro, cabe acompanhar as políticas públicas estrategicamente
elaboradas, conforme definido no plano de governo e externado
na campanha eleitoral. Ele não se imiscui na rotina diária de
cada Secretaria. É até mesmo intuitivo não caber ao Governador
gerir, de forma individualizada, menos ainda diariamente, cada
um dos milhares de contratos firmados pelo Estado. Essa rotina
compete aos Secretários, subsecretários e demais órgãos
vinculados à Administração Pública, no âmbito de suas
respectivas secretarias.
5. Mais dois fatos importantes relacionados à Administração
Pública estadual: dentre outras atribuições, compete à
Secretaria de Fazenda — SEFAZ fiscalizar o orçamento
estadual e implementar mecanismos para sua melhor gestão,
notadamente à luz da Resolução da SEFAZ nº 48/2019. E nem
mesmo ordenar as próprias despesas orçamentárias estaduais
é competência do Governador; a ordenação de despesas
compete a funcionários com essa atribuição específica dentro
153
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

das respectivas secretarias (na SEFAZ, por exemplo, é o


Superintendente de Orçamento e Despesas; já na Secretaria de
Saúde, à época dos fatos das denúncias, era o subsecretário
Executivo, o Sr.Gabriell Neves, pessoa que muito será citada ao
longo desta defesa). Ou seja, compete à SEFAZ atuar,
ativamente, no controle do orçamento; e às demais Secretarias
compete fazer uso adequado do dinheiro público para cumprir
com lisura todos os milhares de compromissos assumidos.
6. Justamente diante desses fatos superlativos, o Govenador
Wilson Witzel implementou neste Estado, a partir de 2019, em
conjunto com a SEFAZ, o Sistema Eletrônico Integrado — SEI,
a fim de dar total transparência ao que acontece no dia a dia de
cada Secretaria. Como bem explica o site principal do SEI, “é um
sistema de gestão de processos administrativos e documentos
eletrônicos. É a substituição do papel como suporte para
documentos institucionais. Com ele, os calhamaços envoltos em
uma capa, presos por bailarinas e cheio de carimbos deixam de
ser parte da rotina dos servidores públicos. Com acesso via web,
é um software público desenvolvido pelo Tribunal Regional
Federal da 4º Região (TRF/4) e escolhido como a solução de
processos eletrônicos, no âmbito do projeto Processo Eletrônico
Nacional (PEN), iniciativa conjunta de órgãos e entidades de
diversas esferas da administração pública e coordenada pelo
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Por
isso, foi cedido gratuitamente ao Estado do Rio de Janeiro via
acordo de cooperação firmado com o Governo Federal. Com o
SEI, as informações, conhecimento e decisões são
compartilhados em tempo real, proporcionando melhoria no
desempenho dos processos da administração pública, com
ganhos em agilidade, produtividade, transparência, satisfação
do público usuário e redução de custos” (grifou-se)”.
7. Esse sistema modificou completamente a transparência de
toda e qualquer contratação estadual. Inclusive, permitiu à
imprensa e até mesmo aos próprios cidadãos cadastrarem-se no
SEI para terem informações diretas a respeito de licitações em
andamento, dotações orçamentárias, etc. O compromisso do
Governador Wilson Witzel com a transparência e o respeito do
uso dinheiro público pode ser inequivocamente constatado pela
implantação desse importante sistema.
8. Nessa linha, como será demonstrado ao longo desta defesa,
o Governador sempre atuou, de forma eficaz e imediata, para
sanar eventuais irregularidades que aparecessem. Como
igualmente será demonstrado, essa atuação do Governador
sempre se pautou no respeito ao sistema Jurídico em prol da
sociedade fluminense. E tudo isso se deu num contexto
dantesco: conter o avanço de uma pandemia mundial, nunca
antes vivenciada, com uma infraestrutura de saúde pública
estadual tão maltratada/vilipendiada/marginalizada pelos
últimos governos estaduais.
RETORNO À RAZÃO
9. Agora, também como uma premissa geral desta defesa, um
elogio à razão: ela, afinal, deverá presidir este julgamento; e ela,
só ela, deverá orientar e conduzir seu resultado.
10. Diz-se, comumente, e de modo acrítico, que o processo de
impeachment é político. Essa assertiva é falsa, ou apenas
parcialmente verdadeira. Precisa, então, ser bem compreendida.

154
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

l1. Ele é político na medida em que se inicia, na sua primeira


fase, perante uma casa de representação popular; é político,
ainda, na medida em que integrantes do Poder Legislativo
participam, na fase jurisdicional, também como julgadores — daí
a existência de um tribunal misto.
12. Mas o político cessa aí. E a partir daí o político deve ceder
ao jurídico; e a vontade, à razão; e a paixão (o elemento
irracional), à reflexão (o elemento racional). Num processo,
todas as alegações devem ceder a fatos e provas, isto é, todo
fato deve ser provado. Norma e fato (provado) são os dois lados,
colados, da legalidade. Essa é a racionalidade do processo num
Estado de Direito.
13. Julgamentos políticos, ademais, são uma contradictio in
terminis. Se um julgamento pauta-se por convicções políticas,
então não há julgamento, mas ato de vontade. E, se o que
condena é a vontade, então não há julgamento, mas inquisição,
ou teatro armado. Se impeachment, enfim, pressupõe crime de
responsabilidade, e crime é um conceito jurídico, então
inequivocamente o jurídico deverá filtrar o político, com todas as
garantias inerentes a um processo justo.
14. É o que se espera aqui. O acusado já demonstrou
anteriormente, e demonstrará aqui e adiante, que não há provas
acerca das ilações e imputações que lhe são feitas. A razão,
então — a razão jurídica —, se a ela se retornar, e se ela, ao
final, prevalecer, imporá a sua absolvição.
15. Espera-se que não se invoque o político, como tese sido feito
até aqui, como jargão vazio para condenar. Impeachment, afinal,
não é instrumento para se afastar representante eleito por
simples querer político, ou por simples vontade política
direcionada e de ocasião.
16. Em 27.5.2020, o Exmo. Deputado Estadual Luiz Paulo
Correa da Rocha e a Exma. Deputada Estadual Lucia Helena
Pinto de Barros ofereceram denúncias, perante a ALERJ, contra
o Governador Wilson Witzel. A primeira, distribuída sob o nº
5.328/2020, e a segunda, apensada, sob o nº 5.360/2020,
ambas com fundamento nos arts. 4º, V, 9º, VII, 74 a 79 da Lei nº
1.079/1.950.
17. Em decisão proferida no dia 10.6.2020, o Exmo. Deputado
Estadual Presidente da ALERJ, Sr. André Luiz Ceciliano deferiu
o prosseguimento das denúncias após submetê-las à
apreciação do colegiado. No mesmo dia 10.6.2020, o Exmo. Sr.
Presidente da ALERJ definiu o rito processual e, em
cumprimento ao referido ato, instalou a Comissão Especial de
Impeachment por meio do ATO/E/GP/Nº 42/2020, que regulou o
processamento das denúncias naquela fase.
18. Após a eleição do parlamentar Presidente e do Relator da
Comissão Especial de Impeachment, o Exmo. Deputado
Estadual Luiz Paulo, um dos autores das denúncias, reconheceu
que deixou de instruir o seu requerimento de instauração do
processo com os documentos necessários a comprovar os fatos
narrados. Para contornar essa lacuna fundamental, o Exmo.
Deputado Estadual Rodrigo Bacellar, relator dos processos,
solicitou informações e subsídios à Procuradoria Geral da
República, Superintendência da Polícia Federal e Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro”.
19. Em 23.6.2020, também em razão da instrução deficiente do
procedimento, a Comissão Especial deferiu o pedido de

155
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

suspensão do processo formulado pelo Governador, a fim de


que ele fosse devidamente esclarecido acerca do rito processual
a ser adotado para o julgamento dos Processos Administrativos
nº 5328/2020 e nº 5360/2020, bem como para que fossem
acostados aos autos os documentos que teriam motivado as
denúncias. Isso porque os denunciantes só haviam juntado à
denúncia a decisão proferida pelo eminente Ministro Benedito
Gonçalves do e. Superior Tribunal de Justiça, no âmbito de
Inquérito Penal nº 1338, cujo objeto consiste na coleta de provas
sobre eventuais práticas de atos ilícitos, bem como notícias
veiculadas na mídia sobre o tema.
20. A Comissão Especial, no entanto, decidiu pelo
prosseguimento do procedimento no dia 6.7.2020, ao
fundamento de que eventuais provas deveriam ser produzidas
nesta atual fase “jurídica” do processo de Impeachment, isto é,
só após eventual recebimento da denúncia (quando, na verdade,
como ora se vê ainda mais claramente, já se fizera ali um pré-
julgamento), com o afastamento do Governador do cargo para o
qual foi eleito por quase 5 milhões de eleitores.
21. Em seguida, após o Governador apresentar sua defesa, o
Exmo. Relator Deputado Rodrigo Bacellar elaborou parecer, por
meio do qual entendeu pela existência de irregularidades
relacionados a 2 (dois) eventos específicos, ocorridos durante o
combate à pandemia da Covid-19 quais sejam: (i) a revogação
da desqualificação da Organização Social de Saúde — OSS
denominada Instituto Unir Saúde (fls. 31/57 do relatório); e (ii) a
contratação da Organização Social de Saúde — OSS
denominada “IABAS” (Instituto de Atenção Básica e Avançada à
Saúde) para a construção de hospitais de campanha (fls. 57/62
do relatório). Confiram-se trechos do referido relatório:
i“(...) A peça de denúncia descreve os fatos ocorridos nos autos
do processo administrativo nº E-08/001/1170/2019, instaurado
no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde, com o fim de
apurar indícios de irregularidades cometidas pelo INSTITUTO
UNIR SAÚDE na execução dos contratos de gestão das
unidades de saúde sob sua responsabilidade (...)”; e ii) “Segundo
decidido pelo Exmo. Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Benedito Gonçalves no Pedido de Busca e Apreensão Criminal
nº 27 — DF
(2020/0114014-7), fora levantado em investigação realizada
pelo Ministério Público Federal, nos autos do inquérito nº 1338,
a existência de prova robusta de fraudes no processo de
contratação da IABAS para gerir os hospitais de campanha no
Rio de Janeiro.”
22. O relatório, no entanto, vai além. Imputa, ainda, a
participação da Primeira-Dama, Dra. Helena Witzel, no alegado
esquema delituoso, ao aduzir que “as investigações e a
denúncia apontam existirem fortes indícios de recebimento de
vantagens indevidas pelo Governador através do pagamento de
honorários à sua esposa, a senhora Helena Alves Brandão
Witzel”.
23. Na sessão ordinária realizada no dia 23.9.2020, a ALERJ
aprovou a abertura do processo de impeachment. Determinou-
se, então, o prosseguimento deste processo perante esse e.
Tribunal Especial Misto, para que os fatos fossem apurados e os
documentos apresentados, avaliados, com maior profundidade,
nesta nova fase processual e jurisdicional.

156
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

24. Nesse sentido, o Governador, em 19.10.2020, apresentou


resposta, pela qual demonstrou que o relatório aprovado pela
ALERJ, lastreado nos mencionados fatos (à luz das denúncias
que originaram este processo), não aponta a existência de
quaisquer atos ímprobos, quanto mais dolosos (como exige a
jurisprudência do STF e do STJ), ligados ao denunciado. E nem
poderia, porque ele não praticou ato ilícito, muito menos
ímprobo.
A SESSÃO REALIZADA NO DIA 5.11.2020 POR ESTE E.
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO
25. Esse e. Tribunal Especial Misto, em sessão realizada no dia
5.11.2020, quinta-feira, deliberou por receber as denúncias e,
consequentemente, instaurar processo por crime de
responsabilidade. Ao assim decidir, afastou temporariamente o
Governador, ora investigado, de suas atribuições, bem como
determinou, de ofício, sua retirada do Palácio da Guanabara!?.
26. Nos termos do voto do relator, Exmo. Sr. Deputado Waldeck
Carneiro, estariam presentes “indícios, tanto de improbidade
administrativa como de conduta incompatível com a honra e o
decoro do cargo, seja no que tange à rumorosa requalificação
da OSS Unir Saúde para manter e até ampliar seus contratos de
gestão com o Poder Executivo; seja em relação à não menos
rumorosa contratação da OSS IABAS para construir e gerir
hospitais de campanha” (fl. 9 do voto).
27. Por outro lado, o voto proferido pelo Exmo. Sr. Deputado
Waldeck Carneiro, que, em linhas gerais, reflete a opinião dos
demais membros desse e. Tribunal Especial Misto, foi enfático
em reconhecer a relevância dos argumentos defensivos
deduzidos pelo denunciado. Esclareceu, para tanto, que a
análise realizada recaiu sobretudo sobre os “requisitos formais
para recebimento ou rejeição da denúncia” (grifou-se) e que
“apenas o recebimento da Denúncia e a consequente
instauração do processo poderiam propiciar uma análise
rigorosa, minudente e esclarecedora (...) dos diversos e
relevantes elementos apresentados pela Defesa” (fl. 12 do voto).
28. Não obstante o posicionamento unânime dos membros
desse e. Tribunal Especial pela abertura de processo para
apurar a prática de crime de responsabilidade, o fato é que o
Exmo. Sr. Deputado Estadual Alexandre Freitas, ao tratar da
“suposta gestão administrativa do Denunciado para benefício da
IABAS”, divergindo do relator, declarou voto pelo qual
reconheceu que “a imputação carece de indícios mínimos e,
portanto, deve ser rejeitada, neste ponto” (fl. 10 da declaração
de voto; grifou-se e negritou-se). Isso porque, conforme ali
asseverado, “a ausência de provas ou, no menos, indícios de
que o Denunciado tenha atuado ou direcionado as condutas de
Edmar Santos e Gabriel] Neves não autoriza a imputação das
irregularidades na contratação da TABAS” (cf. f1. 11).
29. Seja como for, será demonstrado, nesta defesa, que o
relatório aprovado pela ALERJ e o referido acórdão proferido por
esse e. Tribunal Especial Misto, ambos lastreados nos
mencionados fatos (à luz das denúncias que originaram este
processo), não apontam a existência de quaisquer atos
ímprobos, dolosos (como exige a jurisprudência do STF e do
STJ), praticados pelo Governador Wilson Witzel. E nem
poderiam, porque, repita-se, o Governador não praticou nenhum
ato ilícito, muito menos improbo. Por isso, ele confia em que

157
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

esse e. Tribunal Especial Misto concluirá, ao final da instrução,


pela improcedência das denúncias.
SÍNTESE DA HISTÓRIA DO SR. WILSON JOSÉ WITZEL E DA
PRIMEIRA-DAMA
30. Antes de adentrar as razões de mérito, as quais, como
acredita o Governador, levarão à improcedência das denúncias,
é importante resgatar!!, para a devida contextualização, o
passado do Governador Wilson Witzel e sua esposa, a
advogada Helena Witzel. Ambos, até o ano de 2018, eram
pessoas absolutamente dissociadas do mundo da política e de
tudo que orbita em seu entorno.
31. Wilson José Witzel nasceu em Jundiaí/SP, filho de uma
empregada doméstica (Olívia Vital Witzel) e de um metalúrgico
(José Witzel). Após concluir o ensino fundamental e médio,
formou-se num curso técnico de topografia. Aos 18 anos, entrou
na Escola de Formação de Oficiais da Marinha e, aos 20 anos,
foi fuzileiro naval. Permaneceu na Marinha até o ano de 1992,
quando chegou ao posto de segundo-tenente. Em 1991,
concluiu a sua primeira graduação em Tecnologia de
Processamento de Dados, na Faculdade Integrada Anglo-
Americano.
32. Em 1993, iniciou o curso de Direito, no Instituto Metodista
Bennett, no Estado do Rio de Janeiro, graduando-se em 1996.
Após a conclusão desta etapa de sua vida profissional,
prosseguiu com os estudos, no âmbito do Direito, e concluiu o
Mestrado em Processo Civil pela Universidade Federal do
Espírito Santo — UFES, no ano de 2010. Posteriormente,
tornou-se doutor em Ciência Política pela Universidade Federal
Fluminense — UFF, no ano de 2019.
33. Paralelamente à vida acadêmica, foi Defensor Público no
Estado do Rio de Janeiro de 1998 até 2001, quando ingressou
na magistratura como Juiz Federal. Ao todo, foram 17
(dezessete anos) de magistratura, exercida, com afinco, em
Varas Cíveis e Criminais. Em março de 2018, pediu exoneração
para se filiar ao Partido Social Cristão — PSC e, com isso,
disputar as eleições como candidato a Governador do Estado do
Rio de Janeiro. Sagrou-se vitorioso, no dia 28.10.2018, com
59,87% dos votos válidos (ou 4.675.355 votos), no segundo
turno.
34. Helena Witzel, nascida em 1981, formou-se em direito no
ano de 2006, na faculdade de Direto em Vila Velha/ES, na qual,
inclusive, foi aluna do Governador. Após conseguir sua
habilitação profissional perante a OAB, passou a atuar, em
demandas judiciais e consultorias, como advogada.
35. O patrimônio do casal, amealhado até hoje, resume-se a
uma casa no Grajaú, além de uma nada relevante poupança.
Essa casa é onde o casal morava antes de Wilson Witzel
assumir o governo do Estado e para onde pretende voltar a
morar, quando chegar a termo o seu mandato.
36. O resumo, ainda que sumário, da vida do casal Witzel,
revela, para além de qualquer dúvida razoável, que, neófito na
política, e de origem simples, e vida modesta, e de formação
jurídica, tanto Wilson Witzel quanto sua mulher desconheciam
ou, ao menos, conheciam muito pouco, o universo político
brasileiro ou fluminense, bem como as pessoas, aí incluídos
políticos e empresários, que sobre ele orbitam. É fato público e
notório que o Governador era um outsider do mundo político, fato

158
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

que, aliás, foi decisivo para a sua vitória na eleição para o


governo do Estado.
37. A lamentável história política deste Estado, nas últimas
décadas, mostra que vários governadores se envolveram em
escândalos de corrupção. Essa triste circunstância, infelizmente,
contribui para que os fatos objeto deste processo ensejem
conclusões precipitadas acerca da real culpa do Governador.
38. O Governador demonstrará, contudo, que sua biografia não
pode ser colocada na mesma vala comum da história política
deste Estado, nos últimos 20 anos. Será cabalmente esclarecido
que não há qualquer prova efetiva contra ele da prática de
qualquer irregularidade. Nem sequer há indícios. Muito pelo
contrário: já há prova robusta de que o Governador agiu
regularmente, como será novamente explicado ao longo desta
defesa. E certamente no decurso deste processo ele produzirá
outras provas sobre a sua inocência.
A VERDADE DOS FATOS: O GOVERNADOR NEM SEQUER
PARTICIPOU DA ESCOLHA E CONTRATAÇÃO DO “IABAS”
a) Absoluta ausência de provas/indícios contra o Governador:
39. Uma das duas imputações contidas nas denúncias objeto
deste Processo de Impedimento consiste numa suposta
ilegalidade na contratação do IABAS, para a construção dos
hospitais de campanha, destinados ao enfrentamento da
pandemia do Covid-19. Os fatos relacionados à acusação
formulada contra o Governador são, em síntese, os seguintes:
i) De acordo com a decisão proferida pelo Ministro do STJ
Benedito Gonçalves, no Pedido de Busca e Apreensão Criminal
nº 27/DF, haveria suposta fraude, no processo de contratação
do IABAS, para construir e gerir os hospitais de campanha no
Estado do Rio de Janeiro;
ii) O processo administrativo nº SEI-080001/007073/2020, que
gerou a contratação do IABAS para prestação dos serviços nos
hospitais de campanha, foi instaurado em 27.3.2020. Mas a
Proposta de Trabalho apresentada pelo IABAS teria sido
elaborada em 26.3.2020;

ii) Em 3.4.2020, foi firmado o Contrato nº 027/2020, tendo como


signatário o Subsecretário Sr. Gabriel Neves. Porém, apenas no
dia 20.4.2020, o contrato foi submetido à Subsecretaria Jurídica,
que opinou pela abertura de sindicância, para apurar supostas
irregularidades;
iv) Teriam sido apurados pagamentos realizados pelo Governo
do Estado do Rio de Janeiro ao IABAS, no valor de R$
256.532.002,84, após o Decreto nº 47.103/2020, que
determinou a intervenção nos hospitais de campanha sob a
gestão do IABAS; e
v) Haveria provas de que o Sr. Mário Peixoto vem ampliando seu
espectro de atuação, com o domínio sobre outras OSS, e, nessa
linha, no caso, haveria indícios de participação ou influência dele
sobre o IABAS.
40. Sucede, no entanto, que, não obstante os fatos narrados, in
genere, na denúncia, não restou comprovado, nem antes, nem
agora, sob nenhuma perspectiva, de que forma o Governador
poderia ter participado neste procedimento administrativo, que
resultou na celebração do Contrato nº 027/2020 entre o Estado
do Rio de Janeiro e o IABAS. E a demonstração desse vínculo é
essencial. Afinal, se o Governador não participou, nem sequer

159
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

minimamente, de nenhum dos fatos acima elencados, não há


como se cogitar de qualquer denúncia a este respeito contra ele.
Reitere-se, como mencionado na abertura desta defesa, que
não está nas atribuições do Governador do Estado verificar
contratos e ordenar despesas.
41. A esse respeito, aliás, a denúncia limitou-se a reproduzir
trecho da decisão proferida pelo eminente Ministro Benedito
Gonçalves, no âmbito de medida cautelar criminal, na qual
simplesmente se afirma existirem, mas não se indica quais,
supostas provas acerca da existência de orçamentos fraudados
para serviços de montagem e desmontagem de tendas,
instalação de caixas d'água, geradores de energia e piso para a
formação da estrutura dos hospitais de campanha, no que tange
ao IABAS. Essa menção, além de desvinculada de qualquer ato
concreto, especificamente atribuível ao Governador, é
desacompanhada, ressalte-se, de qualquer comprovação.

42. Estribado apenas em trechos da decisão liminar em


processo cautelar de busca e apreensão deferida
monocraticamente no âmbito do STJ — precária e provisória por
definição —, passou a constar da fl. 57 do relatório elaborado
pelo Exmo. Relator Rodrigo Bacellar uma afirmação genérica, no
sentido de que “o Exmo. Governador Wilson Witzel “tinha o
comando ' da estrutura que deu suporte a fraudes na Secretaria
de Estado de Saúde, tendo criado uma estrutura hierárquica
para a prática de delitos dentro da estrutura do poder executivo
fluminense” (fl. 58 do relatório).
43. Com base, então, em afirmação rarefeita, despida de
explicação detalhada de como se chegou a esta conclusão, e
sem que tivessem sido apresentadas quaisquer provas
concretas ou mesmo indícios que pudessem lastrear a
afirmação de que o Governador estaria envolvido diretamente na
contratação do IABAS, foi feita a denúncia. E é verdadeiramente
assustador que assim tenha sido feita, e que assim se tenha
procedido em pleno Estado de Direito. A razão, aqui, foi
violentada.
44. De fato, não foi anexada às denúncias nenhuma prova, nem
mesmo indiciária, que pudesse demonstrar qualquer relação do
Governador com o suposto esquema de corrupção, relacionado
à contratação do IABAS. Não foi descrita nenhuma conduta sua,
capaz de ligá-lo, direta ou indiretamente, à contratação dessa
OSS. Mas ainda assim, somente porque há trecho mencionando
o IABAS na indigitada decisão do Min. Benedito Gonçalves, a
acusação persiste.
45. Não há indícios, nem muito menos provas, de nenhuma
natureza, que demonstrem a participação do Governador nos
fatos que conduziram a celebração de contrato entre o Estado
do Rio de Janeiro e o IABAS. Há, na verdade, evidências
contrárias a essa participação.
46. Foi exatamente nesse sentido, inclusive, que se posicionou
o Exmo. Sr. Deputado Estadual Alexandre Freitas, na sessão
realizada no dia 5.11.2020, quinta-feira. Por meio de
esclarecedor voto, asseverou o deputado o seguinte: “Depois de
ler e reler os autos, esmiuçar as provas neles contidas, não é
possível detectar um mínimo indício de que o Denunciado
operou em favor da contratação emergencial da IABAS, para
construção e gestão de hospital de campanha, especificamente

160
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

quanto ao Termo de Referência e Contrato 027/20” (fl. 10,


documento 1358686; grifou-se).
47. Ainda nos termos da r. decisão proferida pelo Exmo. Sr.
Deputado Estadual Alexandre Freitas, “a ausência de provas ou,
no menos, indícios de que o Denunciado tenha atuado ou
direcionado as condutas de Edmar Santos e Gabriell Neves não
autoriza a imputação das irregularidades na contratação da
IABAS” (fl. 11, documento 1358686). Afinal, “não há só uma
circunstância que induza a sua colaboração no fato que lhe é
imputado — que a contratação da [ABAS se deu de forma
fraudulenta com a colaboração direta ou mediata do
Denunciado. E jamais se poderia aceitar um processo de
impedimento de um Governador baseado em presunções” (fl.
13, documento 1358686; grifou-se).
b) Robusta prova de inexistência de qualquer relação do
Governador com os fatos investigados, relacionados ao IABAS:
48. Além da mais absoluta ausência de provas, não há como
essa denúncia ser julgada procedente, especialmente em
relação aos fatos que precederam a contratação emergencial do
IABAS, diante da inexistência de vínculo do Governador com
esse fato. A narrativa trazida pelo Ministério Público Federal —
nos autos da cautelar inominada criminal, em que é apontado a
suposta existência de corrupção nesta contratação —,
demonstra, sem margem para dúvida, que todos as provas
colhidas, relativas à contratação do IABAS, convergiram,
exclusivamente, para a responsabilização do Sr. Gabriell Neves
(à época Subsecretário Executivo de Saúde) e do Sr. Edmar
Santos (à época Secretário de Saúde).
49. Relembrem-se os fatos. Diante da grave crise na área da
saúde, ocasionada pela COVID-19, o Governador, no uso de
suas atribuições constitucionais e legais, autorizou, em
24.3.2020, “a celebração de contrato de gestão com entidade
qualificada como organização social de forma simplificada, cujos
prazos poderão ser reduzidos, mediante justificativa detalhada
de sua necessidade, observados os princípios contidos no caput
do art. 37 da CRFB/88” (document 1284751). E assim o fez na
forma do art. 5º do Decreto nº 46.991/2020 dentre outros atos
visando a combater a ameaça representada pelo Covid-19.
50. Com base nessa autorização, perfeitamente legal, nas
circunstâncias — já estava presente a pandemia naquele
momento —, nos termos do art. 4º-E da Lei nº 13.979/2020 e no
art. 5º do Decreto nº 46.991!2, o Sr. Gabriell Neves se
encarregou da contratação da OSS que seria responsável pela
construção e gestão dos hospitais de campanha. Ato contínuo,
em 3.4.2020, o Sr. Gabriell Neves autorizou a tramitação, sem
pesquisa de mercado, com fundamento art. 4º, 82º, da Lei nº
13.979/2020. E, no mesmo dia, junto ao Sr. Edmar Santos, foi
assinado o referido contrato com o IABAS, objeto da denúncia
que instaurou este processo.
51. Em 20.3.2020, a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro
analisou a juridicidade do contrato administrativo nº 027/2020 e
apontou a existência de vícios. Opinou, então, ali, pela nulidade
do contrato ou, alternativamente, para duas alternativas
jurídicas:
(i) a manutenção do contrato, convalidando-o, por meio de
alterações no Termo de Referência, nas cláusulas contratuais

161
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

tidas como imprecisas e ilegais, bem como no equilíbrio da


equação econômico-financeira, mediante termo aditivo;
ou
(ii) a viabilização da celebração de contrato de gestão
emergencial, com a mesma ou outras OSS, desde que extinto o
ajuste inicial, mediante a aplicação da hipótese de dispensa de
seleção, prevista no art. 17 da Lei Estadual nº 6.043/2011.
e p.s.: Como já salientado, foi essa opção “(ii)” a acatada pelo
Estado do Rio de Janeiro.
52. Registre-se que, em toda esta tramitação, após a
autorização para a contratação de OSs, sem qualquer
especificação de qual seria (o que não tem nada de irregular ou
ilegal, muito ao contrário, era a conduta que se esperava de um
Governador diligente), não houve qualquer intervenção pelo
Governador no procedimento de contração. Nem mesmo o MPF
ousa afirmar ou indicar ato imputável ao Governador na escolha
e contração do IABAS para gestão da crise.

53. E mais: após notícias da imprensa sobre a existência de


superfaturamento, na referida contratação do IABAS, tomando
conhecimento dos fatos, e atento à repercussão negativa do
assunto, o denunciado promulgou o Decreto nº 47.039, no dia
17.4.2020, para que a Controladoria Geral do Estado - CGE
passasse a fazer auditoria prévia em todas as contratações
emergenciais. Confiram-se as regas específicas:
“Art. 1º - Fica determinado à Controladoria Geral do Estado
(CGF-RJ), a realização de avaliações dos atos de controle para
o enfrentamento da propagação e medidas decorrentes do
Covid-19 que incorram em saída, ainda que futura, de recursos
públicos e garantia da transparência, conforme preconiza a Lei
Estadual nº 7.989/2018.
(...)
Art. 2º - A Controladoria Geral do Estado (CGE) deverá avaliar,
de forma preventiva e com vistas à melhoria dos controles e à
aderência normativa, os riscos identificados nos procedimentos
de contratações e aquisições realizadas pelos Órgãos e
Entidades do Poder Executivo Estadual.”
54. Note-se que o Governador, uma vez mais, agiu de forma
célere para evitar eventuais danos ao erário do Estado do Rio
de Janeiro. Isso porque, ordinariamente, a CGE atua apenas
depois de eventuais contratações.
55. A propaganda negativa massiva, acerca da contratação do
IABAS, que se iniciava na imprensa, acabou por criar obstáculos
para sua própria execução, que não mais conseguiu contratar
profissionais, mão de obra para a construção dos hospitais,
adquirir material para os hospitais, etc. Para piorar o cenário,
vários membros da ALERJ, e por várias vezes, atuaram
ativamente para dificultar, sobremaneira, o bom funcionamento
dos hospitais de campanha (ora com invasões! Ora com
carreatas!?), insuflados pelo negacionismo da “bancada
bolsonarista”, que era contra a política de saúde de
enfrentamento da pandemia, adotada pelo Governador neste
Estado.

56. Diante, então, dos atrasos na montagem dos hospitais e dos


demais fatos repercutidos pela imprensa, o Governador
decretou a intervenção nos hospitais de campanha, sob a gestão

162
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

do IABAS, no dia 2.6.2020, por meio do Decreto nº 47.103/2020.


O Governador, portanto, uma vez mais, não deixou de tomar as
medidas necessárias à preservação da saúde estadual e ao
cumprimento dos contratos.
57. É preciso salientar, ainda, que o próprio Sr. Gabriell Neves
— que o Parquet aponta como sendo o principal articulador da
contratação do IABAS -, já afirmou, em depoimento prestado ao
Ministério Público Federal, que o Governador não participou da
escolha e contratação do IABAS, até porque, diga-se e repita-
se, não está nas atribuições do Governador do Estado do Rio de
Janeiro a gestão de contratos e ordenação de despesas, in
verbis. Cite-se trecho esclarecedor do depoimento:
“29 — Em relação à contratação que envolve o IABAS: sabe
informar de quem foi a decisão de não realizar o processo
licitatório em relação ao objeto do contrato nº. 27/20? Houve
alguma reunião entre o Senhor, o Secretário de Saúde e
Governador antes do dia 27 de março de 2020 para tomada
desta decisão?
Que estava seguindo o Decreto do Governador do estado do Rio
de Janeiro, Wilson Witzel, e a Lei 13979/2020: Que não houve
reunião, inclusive não tendo tido contato com o Governador
Wilson Witzel, apenas com o Secretário de Estado de Saúde.”
58. De igual modo, o ex-Secretário de Saúde, Sr. Edmar Santos,
foi enfático ao afirmar, na delação premiada que celebrou com o
Ministério Público Federal, que todos os fatos relativos à
contratação do IABAS estão vinculados exclusivamente a
atuação de Gabrielli Neves. Confiram-se trechos (documento
1284751):
“(...) EDMAR SANTOS asseverou que GABRIELL NEVES, à
época Subsecretário de Saúde, foi o responsável por conduzir
todo o trâmite para a contratação, a qual restou eivada de vícios,
ocasionando inclusive recomendação do Tribunal de Contas do
Estado.” (fl. 217 da cautelar inominada criminal)

xxx
“Existem fortes elementos que demonstram que GABRIELL
NEVES, ex-Subsecretário Executivo de Saúde, responsável por
iniciar o processo no SEI 080001/007073/2020 e assinar o
Termo de Referência e o Contrato 027/2020, atuou ativamente
para camuflar as irregularidades e dificultar a fiscalização pelos
órgãos de controle.” (fl. 244 da cautelar inominada criminal)
59. Nesse contexto, restaurada a razão, não se poderá fatiar a
prova em pedaços e dela excluir o que interessa, para adotá-la
apenas em parte, quando for conveniente. E se a própria
delação premiada, que é usada contra o Governador no
processo criminal, o inocenta no tocante ao episódio envolvendo
o IABAS, não se poderia descartar seu trecho que o isenta de
qualquer responsabilidade.
60. Assim, não bastasse a ausência de provas contra o
Governador, ainda há um robusto acervo probatório produzido
que demonstra que o Governador nem sequer atuou na
contratação do IABAS, tampouco foi omisso quando se tornou
necessária sua atuação para fiscalização e auditoria imediata,
seja ao determinar a fiscalização do contrato pela CGE, seja ao
intervir na sua gestão. Ir além dessas evidências seria ir contra
a razão, arrastado pelo turbilhão da paixão.
c) A regularidade da contratação do IABAS:

163
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

61. Até o presente momento não houve qualquer ilegalidade,


tendo-se por parâmetro um administrador diligente e probo, que
pudesse ser atribuída ao Governador. E menos ainda alguma
ilegalidade cometida com dolo ou má-fé pelo Governador, nos
limites de suas atribuições legais. O único fato que pode ser
atribuido a ele é a nomeação de um secretário, que
posteriormente atuou de
forma desonesta e desastrosa. Mas nomeações equivocadas
não configuram crime de responsabilidade, nem poderiam
ensejar o impedimento de um governador de Estado.
62. O fato de a “Proposta de Trabalho” apresentada pelo IABAS
ter sido assinada em 26.3.2020, um dia antes do ato de abertura
do referido processo administrativo (em 27.3.2020), cujo objeto
foi definido como “Contratação de serviços administrativos e
outras atividades de natureza operacional, para atender a
demanda do Hospital de Campanha”, em absolutamente nada
colabora para a alegada irregularidade na contratação. Afinal, a
assinatura do documento, com apenas um dia de antecedência,
consubstancia mero erro material, que certamente passou
despercebido. Até porque, como consta do próprio processo
administrativo de contratação, essa proposta foi ali indexada no
dia 27.3.2020, ou seja, somente depois de aberta a contratação
(documento 1284726).
63. Além disso, o relatório menciona que o contrato foi celebrado
em 3.4.2020, mas que apenas em 20.4.2020 teria sido
submetido à Subsecretaria Jurídica da Procuradoria do Estado
do Rio de Janeiro, que apresentou parecer relatando
irregularidades no referido Contrato nº 027/2020. Ocorre que,
diante do cenário de pandemia e da urgência (pela Defesa Civil,
só no Estado do Rio de Janeiro teria aproximadamente 100 mil
mortos!º), em que as medidas precisavam ser tomadas pela
chefia do Poder Executivo de todo o Brasil (Presidente,
Governadores e Prefeitos), o próprio Presidente editou a Lei nº
13.979/2020, que, por meio de seu art. 4º, determinou que, “nas
aquisições ou contratações de bens, serviços e insumos
necessários ao enfrentamento da emergência de saúde pública
de importância internacional de que trata esta Lei, será admitida
a apresentação de termo de referência simplificado ou de projeto
básico simplificado " (grifou-se).
64. Nesse contexto, as formalidades de uma contratação com a
Administração Pública, em situações normais, foram
expressamente dispensadas, para atender às necessidades da
população (no caso, da fluminense), na contenção da Covid-19.
O intuito sempre foi o de conter um aumento do número de
infectados e até mesmo de óbitos.
65. Nesse cenário, então, absolutamente extraordinário, caso
entendesse pertinente, a Secretária de Saúde do Estado do Rio
de Janeiro poderia requisitar, inclusive, a prestação do serviço
diretamente a qualquer empresa. Mas, ainda assim, optou por
seguir os protocolos legais, pelo menos em alguma medida. De
todo modo, quem pode o mais, pode o menos.

66. Não obstante a ausência de necessidade de cumprir


algumas formalidades, ainda na tentativa de solucionar as
dificuldades apontadas, foi realizada reunião presencial na
Subsecretaria Executiva da Secretaria da Saúde (documento
1284735). Nessa ocasião, restou reconhecida a

164
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

responsabilidade da Administração Pública sobre os erros


constantes do primeiro termo de referência, motivo pelo qual foi
proposta a readequação das condições inicialmente
contratadas.
67. Esse equivoco deu origem, em 30.4.2020, ao Termo Aditivo,
ocasião em que transformou o contrato originário em um
contrato de gestão. Com isso, o Estado do Rio de Janeiro
atendeu prontamente a uma das soluções dadas pela
Procuradoria ao contrato em questão (transformar o contrato
firmado em contrato de gestão — documento 1284750).
Consequentemente, não se sustenta o fato apontado pelo Exmo.
Deputado Rodrigo Bacellar, em seu relatório, como irregular.
68. E nem se diga, como transcrito no relatório do Exmo.
Deputado Rodrigo Bacellar, v.g., que teriam sido apurados
pagamentos irregulares ao IABAS, após o Decreto nº
47.103/2020, de autoria do Governador, que determinou a
intervenção estadual nos hospitais de campanha sob a gestão
do IABAS, com o seu imediato afastamento. Não consta dos
autos deste processo qualquer documento que possa, ou
pudesse, ainda que indiciariamente, apontar algum repasse
financeiro superfaturado ou que consubstanciasse alguma
ilegalidade de pagamento, notadamente em relação à
contratação emergencial.
69. A verdade dos fatos, também nesse aspecto, foi
substancialmente deturpada. Não houve nenhum repasse ao
IABAS após a publicação do Decreto nº 47.103/2020, referente
ao Contrato nº 027/2020. Todos os pagamentos ao IABAS
ocorridos, após aquela data, decorreram, exclusivamente, do
Contrato de Gestão nº 003/2016, totalmente alheio aos fatos da
denúncia, cujo objeto foi a gestão e a operacionalização dos
serviços de saúde no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes —
HEAPN, conforme informado pela Superintendência de
Orçamentos e Finanças da Secretaria de Estado de Saúde, em
13.10.2020 (documento 1284742):

“Quanto ao item 11, esclarecemos que o Contrato 027/2020, foi


celebrado com a Organização Social de Saúde IABAS, para gerir
os Hospitais de Campanha, cuja Planilha financeira segue em
anexo. Em atenção ao item 12, informamos que nenhum
pagamento foi executado em favor da IABAS, após a publicação
do Decreto nº 47.103/2020, que versa sobre a intervenção da
Organização acima citada pela
Fundação Saúde; E por fim, em atenção ao item 13, informamos
que os motivos dos pagamentos a IABAS, são decorrentes do
Contrato de Gestão nº 003/2016, cujo objeto foi a gestão e
operacionalização dos serviços de saúde no Hospital Estadual
Adão Pereira Nunes - HEAPN, cuja planilha financeira segue
acostada a presente demanda. Sendo assim, retomamos o
presente para conhecimento dos esclarecimentos prestados”
(grifou-se).
70. Quanto ao eventual e suposto superfaturamento na
contratação emergencial do JABAS, é preciso esclarecer que o
Tribunal de Contas do Estado nem sequer se manifestou sobre
este tema. Não há que se falar, então, em superfaturamento.
Não há qualquer prova de sua ocorrência.
71. Insista-se: no tocante a contratação emergencial do IABAS,
nem sequer houve repasse, após a intervenção, muito menos

165
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

ilegal. Qualquer afirmação nesse sentido, evidentemente, é


meramente especulativa e visa a denegrir a imagem do
Governador. Seria, enfim, também aqui, outra violência à razão.
72. Não obstante a falta de provas, o IABAS ainda ajuizou, em
2.7.2020, uma ação de produção antecipada de provas, em face
do Estado do Rio de Janeiro e da Secretaria de Saúde. Busca-
se, ali, justamente, quantificar o valor da indenização
ocasionada pela extinção do contrato, que, na prática, mesmo
após o Decreto estadual de intervenção, permaneceu valendo
nos hospitais de campanha, conforme ofício enviado pelo IABAS
à Fundação Saúde, em 19.6.2020. Confira-se trecho
(documento 1284742):
“Em resposta aos esclarecimentos solicitados pelo Instituto
IABAS, a Fundação Saúde do Estado do Rio de Janeiro
encaminhou planilhas especificando os contratos que entendem
que devem ser validados pela Secretaria Estadual de Saúde;
necessitam de renegociação de valores e prestação de serviço;
findaram; e os que devem ser interrompidos.” (...) Destaca-se
ainda que os contratos firmados com os
fornecedores citados possuem cláusulas de aviso prévio, com
prazo de trinta dias para rescisão unilateral, bem como multa
contratual que podem constituir prejuízos ao erário público, uma
vez não havendo mais saldo para sua quitação pelo Instituto
IABAS, conforme já mencionado em documento anterior.”
(grifou-se)
73. À toda evidência, o que se denota não é um prejuízo ao
erário, que foi preservado, graças à atuação oportuna e enérgica
do Governador, mas, sim, ao IABAS que, mal ou bem, presto
serviço, investiu e não foi remunerado nem pelo que gastou.
Também por mais esses motivos é que os pedidos devem ser
julgados improcedentes.
d) Ausência de ligação do Sr. Mario Peixoto com o IABAS:
74. Com relação ao fato de que haveria provas do envolvimento
do Sr. Mário Peixoto na contratação do IABAS, a denúncia
hauriu-se na denominada “Operação Favorito”, para aduzir que:
“MARIO PEIXOTO vem ampliando seu espectro de atuação com
o domínio velado sobre outras Organizações Sociais (...)
havendo, ainda, indícios de participação ou influência sobre a
OS IABAS, recentemente contratada pelo Estado do Rio de
Janeiro para a implantação de hospitais de campanha para
tratamento de pacientes contaminados pelo COVID-19" (fl. 62 do
relatório).
75. Mas essa assertiva, desacompanhada de qualquer indício,
retirada da mera narrativa criada pelo Ministério Público Federal,
é uma afirmativa solta, e, portanto, também ela, atentatória da
razão, já que tem assento num universo solto e imaginário de
especulações. Por isso, não se sustenta. E essa ausência de
indícios (uma afirmativa baseada em suposição inviabiliza a
própria defesa do denunciado.
76. Não é só: não há prova e nem mesmo indícios da
ligação/relação do Sr. Mário Peixoto com o IABAS. Ao contrário,
segundo as provas colhidas pelo próprio Ministério Público
Federal, nos autos da cautelar Inominada nº 35/DF, a
Organização Social estaria “sob o comando” do Sr. Roberto
Bertholdo. As provas produzidas pelo Parquet Federal, em
momento algum, citam o Sr. Mário Peixoto. A prova mais
expressiva, sobre a qual se debruçou o Ministério Público

166
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Federal, foi a delação premiada do Sr. Edmar Santos


(documento 1284750), que, como sabido, para ter validade, tem
que ser corroborada por outras provas. A razão, portanto,
também aqui, não ampara as alegações da denúncia, só a
vontade política.
77. Cite-se, ainda, outra prova contundente, qual seja, o Habeas
Corpus nº 5005110-96.2020.4.02.0000, impetrado pelo Sr.
Mário Peixoto em face da decisão proferida no Processo nº
5010476-42.2020.4.02.5101, que determinou a prisão
preventiva dele. Na petição inicial domandamus, o próprio Sr.
Mário Peixoto afirma que “não possui nenhuma relação com o
IABAS, nem com os componentes da antiga gestão, tampouco
com os membros da atual gestão”, tanto que “medidas
cautelares foram determinadas judicialmente contra membros
da antiga gestão do IABAS, como prisões temporárias e
preventivas, em face de supostos contratos fraudulentos
firmados com entes públicos. Mário Peixoto não foi
correlacionado a qualquer fraude. Não foi de nada acusado. Não
foi alvo de medida judicial” (doc. 1284761). Ele afirma, ainda,
que “tentativa de relacionar o paciente ao IABAS visa a somente
conceder atualidade à justificativa da prisão” (doc. 1284761).
78. O que se conclui, também sob esse enfoque, é que foi
construída uma narrativa em cima de meras digressões, sem
qualquer lastro probatório idôneo, legalmente aceitável. Nada do
que foi dito, a este respeito, é demonstrado com clareza, muito
menos provado, o que inclusive — repita-se —
dificulta/inviabiliza a defesa do Governador, premido a produzir
provas negativas notadamente em demanda cujo objeto é crime
de responsabilidade. A razão, também aqui, foi violentada.
79. Indaga-se: qual exatamente é o vínculo do Sr. Mário Peixoto
com o IABAS? Qual a vantagem que o Sr. Mário Peixoto teria
recebido do IABAS, que o motivasse a interferir nesta
contratação? Em que termos? Em que extensão? Em que
medida? Qual o lastro probatório? D.v., nada existe de concreto,
palpável e consistente, muito menos comprovado, nem sequer
indiciariamente.
80. Ainda que existisse esse fantasioso vínculo, o que só se
admite aqui pela eventualidade, sem nada conceder, o fato é que
o Governador, tal como acima explicitado, não participou, direta
ou indiretamente, da escolha e contratação do IABAS,
notadamente porque não faz parte de suas atribuições fiscalizar
contratos e ordenar despesas. É, destarte, sobre esta parte da
denúncia, absolutamente despiciendo perquirir se o Sr. Mário
Peixoto tem ou não vínculo com o IABAS, que pudesse inquinar
de ilicitude sua contratação emergencial. E se o Governador não
participou desta contratação, o seu suposto relacionamento com
o Sr. Mário Peixoto não poderia ter qualquer relevância.
81. O que se vê, claramente, destas afirmações vagas e
imprecisas, é o propósito do Parquet de dar ares de verdade às
suas especulações açodadas e impressionar, com adjetivos
abundantes, os julgadores. Ao se lançar, dentro de um contexto
complexo, envolvendo diversos fatos, afirmações genéricas e
incomprovadas, que, no conjunto da narrativa, possam passar a
ideia de conluio e ilicitude, quando, na verdade, desnudadas e
devidamente contextualizadas, nada representam, o que se faz
é confundir e desvirtuar a verdade. Tais assertivas, com efeito,
só contribuem para a desinformação, como se prestam hoje as

167
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

fake news. Consequentemente, também por esses motivos, o


Governador confia em que os pedidos serão julgados
improcedentes.
LISURA DA ATUAÇÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO E-
08/001/1170/2019: ESCORREITA DECISÃO DE TEMPORÁRIO
RECREDENCIAMENTO DA “UNIR”
82. Essa denúncia se pauta, ainda, na suposta ilegalidade da
decisão proferida pelo Governador, no âmbito do Processo
Administrativo E-08/001/1170/2019, que levou à temporária
requalificação da OSS UNIR sob os seguintes aspectos:
i) O Processo Administrativo de Desqualificação teria sido
regular, com a observância do contraditório e da ampla defesa.
Logo, segunda a denúncia, teria sido injustificável a decisão do
Governador de dar provimento ao recurso administrativo da
UNIR para requalificá-la;
ii) A desqualificação se justificaria à luz das inúmeras
irregularidades perpetradas pela UNIR, que culminaram na
instauração de 19 (dezenove) procedimentos administrativos
punitivos. Logo, a decisão que revoga a desqualificação foi “uma
transgressão ao ordenamento jurídico, em que pese a atribuição
tenha sido prevista em lei formalmente válida”;
ii) A relevância desse pontual caso, dentro do cenário atual, se
justificaria em razão da constatação, nos autos do Processo
Criminal nº 5010476-42.2020.4.02.5101, em trâmite perante a 7º
Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. A OSS UNIR estaria
inserida no âmbito de atuação do Sr. Mário Peixoto, tido pelo
Ministério Público Federal como o principal personagem do
esquema criminoso envolvendo a saúde no Estado do Rio de
Janeiro: e
iv) Teriam ocorrido pagamentos irregulares à UNIR, entre
novembro de 2019 e janeiro de 2020, que totalizam o montante
de R$ 26.883.245,88. Isso porque, nesse período, a UNIR
estava desqualificada.
83. Deve-se, antes de mais nada, estabelecer a necessária
distinção entre o fato da OSS UNIR e do IABAS. A UNIR era uma
OSS responsável pela gestão de 9 (nove) Unidades de Pronto
Atendimento — UPAs no Estado do Rio de Janeiro. A sua
contratação, muito anterior a qualquer evento pandêmico
(anterior, inclusive, à gestão do Governador Wilson Witzel), não
possui qualquer relação com a situação extrema vivenciada
nesse ano de 2020.
84. A questão aqui é, principalmente, relativa ao sucateamento
do serviço de saúde no Estado do Rio de Janeiro, que teve início
na gestão de seus antecessores, Luiz Fernando Pezão e Sérgio
Cabral, notoriamente conhecida pelo desinvestimento na saúde
e por ter entregado a pasta em situação lamentável ao
Governador Wilson Witzel. É, portanto, reflexo de questão
endêmica, que não seria resolvida com adoção de medida
precipitada, mas através de extenso trabalho que pudesse
restaurar a lisura na pasta sem impactar na prestação do serviço
à população fluminense.
85. Como será demonstrado, não houve, qualquer motivação
política ou pessoal. Tudo depurado, imputa-se, in extremis, ao
Governador um “delito de hermenêutica”, absolutamente
insustentável e repudiado pelo ordenamento. Sua decisão,
afinal, para além de motivada, pautou-se em princípios e

168
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

orientações de interpretação consolidadas no âmbito da


jurisprudência dos Tribunais.

a) Governador recebeu saúde sucateada e estava pretendendo


sanear as irregularidades:
86. Como mencionado, não é nenhuma novidade que o
Governador Wilson Witzel recebeu o Governo do Estado do Rio
de Janeiro em situação crítica, notadamente na área da saúde.
A gestão de seu antecessor foi notoriamente conhecida pelo
desinvestimento na saúde e por ter entregado a pasta em
situação deplorável!”, tendo sido amplamente noticiado o baixo
investimento e a situação deplorável em que se encontrava!
87. O descaso com a saúde fluminense não foi “privilégio” do ex-
governador Pezão. Este recebeu governo igualmente assolado
em escândalos envolvendo o serviço de saúde. O também ex-
Governador Sérgio Cabral coleciona condenações, inclusive
envolvendo esquemas de corrupção na saúde, como
recentemente ocorreu em ação oriunda da Operação “Fratura
Exposta”!?. Trata-se, portanto, de problema endêmico, que o
atual Governador pretendia, finalmente, solucionar.
88. Tanto é assim, que o Governador, como um dos primeiros
atos de sua gestão, determinou ao Controlador Geral do Estado
e ao Secretário de Saúde imediata auditoria em todas as
unidades de saúde, o que resultou no dramático relatório de
auditoria nº 51/2019. O objetivo do mencionado relatório, datado
de dezembro/2019, era, como ali disposto, “examinar e
comprovar a legalidade e legitimidade dos fatos e atos
administrativos, avaliar os controles internos dos setores
envolvidos a fim de verificar possíveis impropriedades existentes
nos procedimentos internos que possam levar a uma
malversação dos recursos públicos, seja por se mostrarem em
desacordo com os normativos vigentes, seja por não alcançarem
os objetivos previstos dentre eles a eficiência, a eficácia e a
economicidade” (fl. 7 — documento 1284791).
89. O ágil trabalho, realizado entre fevereiro e agosto de 2019,
pretendia, ainda, aferir o “grau de maturidade dos controles
internos, esta auditoria pretende orientar e auxiliar os gestores
na implantação e aperfeiçoamento dos procedimentos
adequados às principais práticas de melhoria de governança, no
que tange a política pública de gestão da saúde estadual por
meio de organizações sociais de saúde entre 2012 e 2018,
permitindo assim, que a entidade debruce sobre os seus
principais objetivos e busque sustentar a melhora no seu
desempenho e aumentar o grau satisfatório de eficiência na
entrega de resultados à sociedade” (fl, 7 — documento
1284791).
90. Dentre as inúmeras irregularidades constatadas pelo
extenso relatório, citem-se (i) graves problemas concernentes à
fiscalização do cumprimento das políticas públicas pelas OSS,
bem como (ii) a ausência de critérios de fiscalização que não
acompanhava não só o desenvolvimento dos trabalhos das OSS
como o cumprimento da proposta econômica contratada. Ou
seja, ao proferir a decisão questionada nas denúncias, objeto
deste processo, o Governador já estava ciente das inúmeras
falhas existentes nos mecanismos fiscalizatórios que não
estavam atendendo a seu objetivo primordial: garantir a
eficiência da prestação do serviço de saúde.

169
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

91. Esse é outro relevante motivo para o Governador não confiar


“cegamente” nas constatações dos órgãos fiscalizadores. Havia
o fundado receio de que a investigação, como nos demais casos
objeto de estudo no relatório, não teria sido procedido da forma
idônea. E as suas suspeitas se concretizaram, já que, como
demonstrado, não havia, no momento da prolação da decisão
que revogou a desqualificação da UNIR, um conjunto de
decisões apontando descumprimentos contratuais pela OSS
que justificasse a adoção de medida tão drástica.
92. O trabalho desnudou a existência de algumas OSS em
situação igual ou até mesmo mais problemática, tais como, por
exemplo, a da Hospital Maternidade Therezinha de Jesus
(HMT), a da Viva Rio (VIVA), a da Pro Saúde, a da Cruz
Vermelha e a da Mahatma Gandhi, sobre as quais pretendia se
debruçar como início da solução da questão endêmica que vive
o serviço de saúde no Estado do Rio de Janeiro. Imagine-se,
então, se o Governador também tivesse que descredenciar
todas essas OSS, notadamente — repita-se — à luz da
pandemia? Seria, certamente, uma catástrofe.
93. O mencionado relatório indicou que “1/3 Contratos de Gestão
apresentaram majoritariamente Conceitos € durante a sua
vigência, nos períodos avaliados pelas CAF” e esse Termo de
Referência significa que “a unidade hospitalar receberá
Notificação da SES/RJ para a apresentação de justificativas e
repactuação do Contrato de Gestão. Caso as justificativas não
sejam acolhidas ou a unidade hospitalar não cumpra a
repactuação, deverá ser observada a Cláusula Contratual que
especifique sobre as penalidades em que a Organização Social
de Saúde, ora CONTRATADA, é sujeita caso ocorra infração
contratual” (fls. 80 — documento 1284791 Ou seja, são as
unidades que seriam as mais críticas, in verbis:

94. Note-se que nesse documento inclusive foram listadas as


OSS que representavam maior risco de dano ao erário e,
embora a UNIR esteja listada, o valor apontado para ela é de R$
616.727,69 (seiscentos e dezesseis mil, setecentos e vinte e
sete reais e sessenta e nove centavos). Mas algumas OSS
170
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

possuíam valores substancialmente superiores. Por exemplo:


para a OS Hospital Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ) foi
apontado o gritante valor de R$ 27.099.212,03 (vinte e sete
milhões, noventa e nove mil, duzentos e doze reais e três
centavos) e para a OS Viva Rio (VIVA), R$ 128.514.033,55
(cento e vinte e oito milhões, quinhentos e quatorze mil, trinta e
três reais e cinquenta e cinco centavos).
95. Não há dúvida de que havia — e ainda há, já que o contrato
da OS Viva ainda se encontra vigente — OSS com maiores
potenciais lesivos ao erário, confira-se a planilha apresentada,
no relatório que sintetiza os valores que causariam potencial
dano ao erário:

96. Diga-se, ainda, que as mencionadas OSS batem recordes


de processos, no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde. Por
exemplo: a OSS Hospital Maternidade Therezinha de Jesus
(HMT)) possui 82 (oitenta e dois) processos administrativos
sancionatórios, a OSS Viva Rio (VIVA) possui 104 (cento e
quatro), a OSS Pro Saúde possui 42 (quarenta e dois) e a OSS
Cruz Vermelha (CVB) possui 48 (quarenta e oito) (documento
1284794).
97. Aliás, a OSS Pro Saúde e a OSS Cruz Vermelha (CVB)
também estão com processos de desqualificação pendentes
perante a Secretaria de Estado de Saúde e com a Secretaria de
Estado de Planejamento e Gestão. Contudo, embora essas OSS
se mostrem mais preocupantes, os mencionados procedimentos
(E-08/001/1168/2019 e E-08/001/1169/2019, respectivamente)
ainda não foram encerrados pelos órgãos competentes
(documento 1284796).
98. Diga-se, por fim, que depois que a OSS UNIR foi
desqualificada, várias OSS a substituíram, como consta
didaticamente do documento anexo recentemente fornecido
pela Secretaria de Saúde (doc. 1). Confira-se a seguir resumo
das substituições que ocorreram:
1- UPA CAMPO GRANDE I

171
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

1.1. Contrato de Gestão nº 019/2018 celebrado com a OSS


INSTITUTO UNIR SAÚDE
Vigência 1º/11/2018 a 31/10/2019
Contratos posteriores;
1.2. Contrato Emergencial nº 002/2019 celebrado com OSS
ASSOCIAÇÃO FILANTRÓPICA NOVA ESPERANÇA (AFNE)
Vigência: 1º/11/2019 a 30/11/2019
1.3. Contrato de Gestão nº 005/2019 celebrado com OSS
ASSOCIAÇÃO FILANTRÓPICA NOVA ESPERANÇA (AFNE)
Vigência: 1/12/2019 a 30/11/2021
2 - UPA CAMPO GRANDE II
2.1. Contrato de Gestão nº 021/2018 celebrado com a OSS
INSTITUTO UNIR SAÚDE
Vigência: 1º/11/2018 a 31/10/2019
Contratos posteriores:
2.2. Contrato Emergencial nº 003/2019 celebrado com a OSS
ASSOCIAÇÃO FILANTRÓPICA NOVA ESPERANÇA (AFNE)
Vigência: 1/11/2019 a 30/11/2019
2.3. Contrato de gestão nº 006/2019 celebrado com a OSS
ASSOCIAÇÃO FILANTRÓPICA NOVA ESPERANÇA (AFNE)
Vigência: 1º/12/2019 a 30/11/2021
3 - UPA DUQUE DE CAXIAS II
3.1. Contrato de Gestão nº 020/2018 celebrado com a OSS
INSTITUTO UNIR SAÚDE
Vigência: 19/11/2018 a 31/10/2019

Contratos posteriores:
3.2. Contrato Emergencial nº 004/2019 celebrado com a OSS
HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ESPÍRITA MAHATMA GANDHI
Vigência: 1º/11/2019 a 30/04/2020
3.3. Contrato de gestão nº 008/2020 celebrado com a OSS
INSTITUTO DIVA ALVES DO BRASIL (IDAB)
Vigência: 27/03/2020 a 26/03/2022
4 - UPA MESQUITA
4.1. Contrato de Gestão nº 001/2018 celebrado com a OSS
INSTITUTO UNIR SAÚDE
Vigência: 02/01/2018 a 1/01/2020
Contratos posteriores:
4.2. Contrato Emergencial nº 008/2019 celebrado com a OSS
HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ESPÍRITA MAHATMA GANDHI
Vigência: 30/12/2019 a 30/06/2020
4.3. Contrato de gestão nº 015/2020 celebrado com a OSS
HOSPITALPSIQUIÁTRICO ESPÍRITA MAHATMA GANDHI
Vigência: 27/07/2020 a 26/07/2021
5 - UPA NOVA IGUAÇUI
5.1. Contrato de Gestão nº 003/2018 celebrado com a OSS
INSTITUTO UNIR SAÚDE
Vigência: 19/01/2018 a 18/01/2020
Contratos posteriores:
5.2. Contrato Emergencial nº 002/2020 celebrado com a OSS
INSTITUTO DOS LAGOS RIO (ILR)

Vigência: 19/01/2020 a 18/07/2020


5.3. Contrato de Gestão nº 010/2020 celebrado com a OSS
INSTITUTO DOS LAGOS RIO (ILR)
Vigência: 19/07/2020 a 18/07/2021
6 - UPA NOVA IGUAÇU II

172
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

6.1. Contrato de Gestão nº 004/2018 celebrado com a OSS


INSTITUTO UNIR SAUDE
Vigência: 19/01/2018 a 18/01/2020
Contratos posteriores:
6.2. Contrato Emergencial nº 003/2020 celebrado com a OSS
HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ESPÍRITA MAHATMA GANDHI
Vigência: 19/01/2020 a 18/07/2020
6.3. Contrato de Gestão nº 011/2020 celebrado com a OSS
HOSPITALPSIQUIÁTRICO ESPÍRITA MAHATMA GANDHI
Vigência: 19/07/2020 a 18/07/2021
7 - UPA QUEIMADOS
7.1. Contrato de Gestão nº 002/2018 celebrado com a OSS
INSTITUTO UNIR SAÚDE
Vigência: 19/01/2018 a 18/01/2020
Contratos posteriores:
7.2. Contrato Emergencial nº 001/2020 celebrado com a OSS
INSTITUTO DIVA ALVES DO BRASIL (IDAB)
Vigência: 19/01/2020 a 18/07/2020
7.3. Contrato de Gestão nº 012/2020 celebrado com a OSS
INSTITUTO DIVA ALVES DO BRASIL (IDAB)

Vigência: 19/08/2020 a 18/08/2021


8 - UPA SANTA CRUZ
8.1. Contrato de Gestão nº 022/2018 celebrado com a OSS
INSTITUTO UNIR SAÚDE
Vigência: 1/11/2018 a 31/10/2019
Contratos posteriores:
8.2. Contrato Emergencial nº 001/2019 celebrado com a OSS
ASSOCIAÇÃO FILANTRÓPICA NOVA ESPERANÇA (AFNE)
Vigência: 1/11/2019 a 31/11/2019
8.3. Contrato de Gestão nº 007/2019 celebrado com a OSS
ASSOCIAÇÃO FILANTRÓPICA NOVA ESPERANÇA (AFNE)
Vigência: 19/12/2019 a 30/11/2021
9 - UPA TIJUCA
9.1. Contrato de Gestão nº 009/2018 celebrado com a OSS
INSTITUTO UNIR SAÚDE
Vigência: 02/04/2018 a 19/07/2018
9.2. Contrato de Gestão nº 017/2018 celebrado com a OSS
INSTITUTO UNIR SAÚDE
Vigência: 02/07/2018 a 1/01/2020
Contratos posteriores:
9.3, Contrato Emergencial nº 005/2019 celebrado com a OSS
VIVA RIO
Vigência: 24/11/2019 a 23/02/2020
9.4. Contrato de Gestão nº 001/2020 celebrado com a OSS VIVA
RIO

Vigência: 22/01/2020 a 21/01/2022


99. Note-se, facilmente, que algumas OSS que substituíram a
UNIR se encontravam em situação mais grave. Com absoluta
certeza, na linha do que já restou explicado neste tópico, ao
menos duas OSS possuíam avaliação pior do que a UNIR e
ainda assim assumiram seu lugar:
MAHATMA GANDHI e VIVA RIO.
100. Essas substituições refletem a situação lamentável da
saúde do Estado do Rio de Janeiro. A absoluta falta de opções.
Nessa linha, como dito, ou o Governador descredenciava todas

173
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

as OSS em plena pandemia ou ele mantinha a OSS UNIR.


Preferiu essa opção, em prol do povo fluminense e não por outro
motivo.
101. Nesse contexto, a intenção do Governador era acabar,
finalmente, com a sequência de gestão desastrosa na saúde.
Contudo, era imprescindível a cautela, não só para manter a
prestação serviço de saúde, como também para que seu
trabalho fosse efetivamente proveitoso.
b) AUNIRea sua relação com o Estado do Rio de Janeiro — os
contratos celebrados e os processos administrativos contra a
UNIR na Secretaria de Saúde:
102. Antes de analisar a retidão da decisão proferida pelo
Governador, nos autos do Processo Administrativo E-
08/001/1170/2019, deve-se contextualizar a relação da UNIR
com o Estado do Rio de Janeiro. A UNIR celebrou com o Estado
do Rio de Janeiro, ainda sob a gestão de Luiz Fernando Pezão,
7 (sete) contratos de gestão, entre janeiro e dezembro de 2018,
que somam aproximadamente R$ 172.514.848,00 (cento e
setenta e dois milhões, quinhentos e quatorze mil, oitocentos e
quarenta e oito reais). Desses contratos, 5 (cinco) foram
aditados entre o fim do mandato de Pezão e início do governo
de Witzel. Não foi, portanto, na gestão do Governador que se
iniciou a relação do Estado do Rio de Janeiro com a UNIR.
103. Foi apurado, no Processo Administrativo E-
08/001/1170/2019, que, em relação àUNIR, a Secretaria de
Saúde do Estado do Rio de Janeiro iniciou 19 (dezenove)
processos administrativos punitivos, entre os anos 2018 e 2019,
que visavam apurar eventuais irregularidades, a respeito de 7
(sete) contratos. Nessa linha, em um universo de 7 (sete)
contratos, e em um contexto de sucateamento do sistema de
saúde deixado pelo antigo governador, a existência de 19
(dezenove) processos não deveriam ser considerado um
número expressivo.
104. No entanto, a questão mais relevante é a de que, desses
19 (dezenove) procedimentos, a UNIR só foi intimada a efetuar
o pagamento de multas em 2 (dois) deles e tão somente em
setembro/2020. Ou seja, para apenas 2 (dois) procedimentos as
penalidades aplicadas tornaram-se efetivamente definitivas,
ainda assim muito recentemente, meses depois da decisão
proferida pelo Governador.
105. Reitere-se que há crasso equívoco do relatório elaborado
pelo Exmo. Deputado Rodrigo Bacellar, aprovado pela ALER.
Embora ali se tenha afirmado que, no momento do decreto de
descredenciamento da UNIR, teria ocorrido trânsito em julgado
das penalidades impostas no processo E-08/001/1070/2019, da
consulta do procedimento no endereço eletrônico da Secretaria
de Estado da Fazenda (módulo SEN, é possível verificar que,
até o momento, o mencionado procedimento pende de decisão
o recurso administrativo interposto pela UNIR?
106. Ainda que tivesse transitado em julgado, o valor da multa
aplicada foi de apenas R$47.990,60 (quarenta e sete mil,
novecentos e noventa reais e sessenta centavos), que
representa menos de 0,03% do valor dos contratos celebrados
com a UNIR. Em um contexto ordinário, essa multa, passe o
truísmo, jamais poderia ser considerada penalidade relevante
para justificar a desqualificação de uma OSS. Menos ainda na
extraordinária situação vivida (simplesmente uma pandemia), à

174
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

época da indigitada decisão, que deixou os cidadãos do Rio de


Janeiro, que dependem das 9 (nove) UPAS geridas pela UNIR,
sob ameaça séria à vida.
107. Ademais, foi omitido no relatório do Exmo. Deputado
Rodrigo Bacellar o fato de que, desses 19 (dezenove)
procedimentos, 6 (seis) foram julgados improcedentes, não
sendo passíveis, portanto, de embasar a decisão que
desqualifica a OSS. São os seguintes: (i) E-
08/001/100548/2018; (ii) E-08/001/103014/2018; (ii) E-
08/001/1074/2019; (iv) E-08/001/1094/2019; (v) E-
08/001/1102/2019; (vi) E-08/001/1100/2019.
108. Outro aspecto que merece atenção é o de que esses
processos administrativos, em sua maioria, já existiam e
tramitavam há algum tempo. Já se apuravam, portanto, naquela
altura, quando celebrados os contratos aditivos, condutas
irregulares da UNIR. Repita-se: os procedimentos foram
instaurados, majoritariamente, em 2018 e começo de 2019, e os
aditivos celebrados em dezembro de 2018 e início de 2019. Há,
no mínimo, um curioso comportamento paradoxal da Secretaria
de Estado de Saúde. A existência de procedimentos punitivos,
ainda não definitivamente julgados, não impediu a assinatura de
contratos aditivos (ampliam a relação — inclusive financeira —
do Estado com a OSS), mas deveria ensejar na desqualificação
da UNIR para prestar o mesmo serviço? Por certo, não.
109. Essas duas realidades não coexistem. E foi exatamente
para corrigir essa contradição e preservar a prestação do serviço
de saúde, no período de pandemia, que se posicionou o
Governador pela requalificação da UNIR.
c) Regularidade da decisão proferida pelo Chefe do Poder
Executivo Estadual, nos autos do Processo Administrativo E-
08/001/1170/2019:
110. Já foram feitas, ainda que sucintamente, necessárias
considerações para bem se compreender as circunstâncias que
permeavam a relação do Estado com a OSS Unir. Deve-se,
agora, afastar qualquer ideia de que há alguma irregularidade,
na decisão proferida pelo Governador, nos autos do Processo
Administrativo E-08/001/1170/2019.
111. O mencionado processo administrativo foi instaurado com
a CI OP SCIC nº 268/2019, com o objetivo de apurar
irregularidades, na Gestão de Unidades de Saúde da OSS
UNIR. Após apresentação de defesa da OSS, a Subsecretaria
Jurídica da Secretaria de Estado de Saúde concluiu que haveria
indícios de irregularidades; reconheceu, ao fim, que “a
desqualificação é ato de natureza discricionária, podendo ser
feita, inclusive, fora do rol do art. 75 [do Decreto 43.261/2011P'.
Editou, para tanto, a Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664,
de 16.10.2019, que a desqualificou do âmbito do Estado do Rio
de Janeiro.
112. Nessa linha, embora afirme que havia indícios de
irregularidades, a referida decisão também dispõe que a
desqualificação é “ato de natureza discricionária, podendo ser
feita, inclusive, tora do rol do art. 75 [do Decreto 43.261/2011]".
Diante da realidade dos fatos (não havia nem sequer
procedimentos administrativos definitivamente julgados quando
proferida a decisão de desqualificação), esse aspecto da
decisão da Secretaria de Saúde torna-se relevante. O ato de
desqualificação foi, confessadamente, um ato discricionário.

175
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

113. Essa discricionariedade se sobressai, inclusive, quando se


analisa o teor do Parecer SSJ/SES nº 237/2019. Embora aponte
alguns pontos críticos da atuação da UNIR, também afirma que
“esta Organização Social assumiu uma unidade após uma grave
Crise Financeira do Estado com uma unidade sucateada em
alguns pontos”, que “houve empenho por parte de toda a
Coordenação, assim como a Sede” e que “durante as visitas
existe uma população satisfeita com o atendimento prestado
pelos profissionais da unidade”. No mesmo documento é
apontado que a UNIR teria alcançado conceitos A e B?! ao longo
do ano de 2019 (documento 1284772).
114. Note-se que a situação da UNIR não era tão alarmante
quanto o relatório do Exmo. Rodrigo Bacellar tenta fazer crer.
Havia aspectos favoráveis, também, a justificarem a
manutenção do serviço, tendo sido a decisão de desqualificação
um ato discricionário da SES - Secretaria de Estado de Saúde
— e da SEPLAG - Secretaria de Estado de Planejamento e
Gestão.
115. Contra essa decisão a UNIR interpôs, tempestivamente,
Recurso Administrativo, motivo pelo qual os autos foram
remetidos para parecer, respectivamente, à Subsecretaria
Jurídica da Secretaria de Estado de Saúde (pronunciou-se
através do Parecer SSJ/SES nº 248/2019 — fls. 345/354) e à
Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Casa Civil e
Governança (manifestou-se através do Parecer ASJUR/SECCG
nº 67/2019 — ACSC — fls. 358/367). Ambas foram uníssonas
em opinar no sentido de que o acolhimento do recurso
administrativo se insere na competência do Chefe do Executivo,
conforme sua avaliação, o que tem respaldo nos 57 e 63 da Lei
Estadual nº 5.427/20092, 116. Procedendo, então, à análise
ampla, de modo a ponderar acerca dos atos praticados e/ou dos
descumprimentos contratuais perpetrados pela UNIR, com os
prejuízos que seriam suportados pelos usuários do serviço, a fim
de concluir pela medida em que fosse a menos onerosa não só
para OSS, mas principalmente para a sociedade fluminense, o
Governador deu provimento ao recurso interposto pela UNIR. De
forma mais simplificada: o Governador, basicamente, proferiu
uma decisão proporcional/razoável à luz da realidade de todos
os fatos, em que se vivia à época (maio/2020). E invocou, para
tanto, os seguintes fundamentos normativos: arts. 37 e 93 da
CF/88; e arts. 2º, 51, 57 e 63 da Lei Estadual nº 5.427/2009.
117. O relatório do Exmo. Deputado Rodrigo Bacellar, contudo,
adjetivou e qualificou a decisão proferida pelo Governador da
seguinte forma:
(1) A decisão teria sido proferida “sob o pálido e genérico
argumento de atendimento ao interesse público” (fl. 73 do
relatório);
(ii) Nessa linha, configuraria uma “transgressão ao ordenamento
jurídico, em que pese a atribuição tenha sido prevista em lei
formalmente válido” por compreender que ao usar de seu poder
discricionário violou os “princípios constitucionais
administrativos do interesse público, da moralidade, da
impessoalidade, da razoabilidade, da legalidade, da igualdade e
da autotutela” (fl. 55 do relatório);
(iii) E, como consequência, “permitiu que a empresa fosse
contratada por valores mais uma vez milionários” fl. 73 do
relatório).

176
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

118. Não há como se dar razão a este relatório. Como acima


explicitado, em relação aos itens “(1)” e “(ii)”, o Governador agiu
de forma regular, baseado em dispositivos legais claros, que o
autorizavam a rever a decisão, ainda que no uso do seu poder
discricionário.
119. Já sobre o último ponto “(iii)”, trata-se de mais uma
inconsistência do relatório. A decisão proferida pelo Governador
não “permitiu que a empresa fosse contratada”; ela já prestava
serviço ao poder público desde 2018, ainda sob o mandato do
ex-governador Luiz Fernando Pezão.

120. No limite, a decisão apenas retardou o desligamento da


UNIR, mas, como visto, em benefício da população fluminense,
que, como todos no mundo, encontrava-se (e ainda se encontra)
sob a ameaça da pandemia. A decisão, ademais, pautou-se no
seguinte racional:
(i) a presunção de que, se, mesmo diante da existência de
procedimentos administrativos punitivos contra a UNIR, foram
celebrados Termos Aditivos, renovando a relação com o
Governo do Estado, sob pena de soar contraditório, os mesmos
fatos não poderiam justificar a desqualificação da oss;
(ii) seguindo nessa mesma linha, a aplicação do princípio da
proporcionalidade já que não havia notícia de que teriam sido
adotadas outras medidas para garantir a efetiva prestação do
contrato, sendo, desta forma também, a desqualificação medida
desproporcional e, acima de tudo, precipitada, no contexto da
pandemia do coronavírus; e
(iii) a autotutela administrativa que visava, dentro de uma
avaliação proporcional e adequada, garantir que a população
não fosse sobremaneira afetada, já que a rescisão do contrato
importaria no desatendimento, imediato, de 10 (dez) UPAs.
121. Embora o relatório do Exmo. Deputado Rodrigo Bacellar dê
ares de arbitrariedade na decisão proferida pelo Governador, o
que houve, na verdade, foi a correção de uma desqualificação
que não parecia adequada, naquele momento, diante das
circunstâncias. O mero fato de o Governador discordar dos
demais pareceres jurídicos não torna a decisão “sem
fundamento legal idôneo” (como argumentaram os
denunciantes) ou genérico (como afirma o relatório aprovado
pela ALERJ).
122. Afinal, os Pareceres Jurídicos proferidos por órgão de
Assessoria Jurídica não são vinculantes, independentemente de
serem pareceres facultativos ou obrigatórios, como inclusive já
devidamente decidido pelo Supremo Tribunal Federal. O jurista
Nilson Naves, em parecer sobre o tema, reiterou esse aspecto,
ao pontuar que “a consulta jurídica é facultativa, a autoridade
competente não precisa requerer a manifestação do órgão
consultivo, mas se o fizer o seu poder de decisão não se altera
pela manifestação do mesmo, pois o parecer concedido é
apenas uma opnião jurídica, não vinculativa” (fl. 17; documento
1284778).
123. Ademais, a decisão proferida pelo Governador foi
amplamente fundamentada, no art.48, VIL da Lei Estadual nº
5.427/2009, e no próprio art. 93, IX, da CF, bem como pautada
no melhor interesse da sociedade fluminense. Compreendeu o
Governador que a assinatura de diversos Termos Aditivos ao
Contrato de Gestão, celebrado com a UNIR, no sentido de

177
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

prorrogar a vigência contratual, mesmo após a verificação de


alguns atos de descumprimento contratual, geraria, de certo
modo, a presunção de que os requisitos de habilitação se
mantiveram preenchidos, assim como a prestação do serviço
encontrava-se satisfatória, de modo a convergir com o interesse
público.
124. Admitir o prosseguimento da desqualificação implicaria não
só em um movimento contraditório do Poder Público. Também
diante desse cenário, haveria uma incongruência, já que a
existência de procedimentos punitivos não serviria para obstar o
prolongamento da relação, mas se prestaria à sua rescisão
antecipada.
125. À evidência, a fundamentação da decisão do Governador
de requalificar a UNIR não somente existe e é razoável, como
tem respaldo lógico e jurídico, o que é atestado pelo jurista
Nilson Naves, em parecer sobre o tema (documento 1284778).
No limite, então, o Governador seria punido, aqui, por um “crime
de exegese”, algo absolutamente descabido, tanto mais nas
circunstâncias do caso, em que a decisão, além de ampla e
devidamente fundamentada, justificava-se à luz do contexto. E
também isso não se coaduna com o império da razão.
126. Além disso, não foi verificado, nos autos do Processo
Administrativo nº E-08/001/1170/2019 ou por meio de qualquer
outra medida, a tentativa por parte da Administração Pública de
se utilizar de todos os mecanismos legais e contratuais
disponíveis para garantir o cumprimento dos contratos, que
tinham como contraparte a UNIR, que beneficiavam uma
considerável parcela da população fluminense. Compreendeu-
se que a Administração Pública não adotou, antes de tomar a
decisão extrema de desqualificar a UNIR e com isso prejudicar
a prestação do serviço de saúde, outras medidas capazes de
garantir que os contratos — que foram inclusive renovados pela
mesma Secretaria de Saúde que desqualificou a UNIR —
fossem prestados a contento por terceiros, sem solução de
continuidade.
127. Somado a isso, observe-se que a desqualificação de uma
OSS configuraria medida gravosa não só para a própria OSS,
como, também, para a própria Administração Pública. Mais
grave: 24 Art. 48. As decisões proferidas em processo
administrativo deverão ser motivadas, com indicação dos fatos
e dos fundamentos jurídicos, quando: (...) VII. importem em
anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrative para a própria população fluminense. Isso porque,
na forma do art. 38, $2º, da Lei Estadual nº 6.043/2011, que
dispõe sobre a qualificação de entidades, sem fins lucrativos,
como Organizações Sociais, no âmbito da saúde, a
desqualificação importará rescisão do contrato de gestão,
fazendo com que a população fosse sobremaneira prejudicada
pela carência do serviço.
128. Além de reduzir a competitividade para futuras
contratações, caso a Administração não dispusesse, de
imediato, de mecanismos para realizar todos os serviços até
então prestados pela UNIR, a população será sobremaneira
prejudicada pela carência do mesmo. No caso, 10 (dez) UPAs
correriam o risco de ficar sem funcionamento, o que prejudicaria
uma parcela significativa da população, que ficaria
temporariamente privada do acesso ao serviço de saúde, ainda

178
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

mais em tempos de pandemia. Isto em um momento em que já


se avizinhava a pandemia.
129. Cite-se, nesse sentido, recentíssima sentença proferida,
nos autos da ação civil pública por improbidade administrativa
ajuizada contra o ex-Governador do Estado do Rio de Janeiro,
Luiz Fernando Pezão, julgada improcedente? Naquele julgado,
foram sopesadas as consequências dos atos praticados pelo
Exmo. Governador a fim de mitigar os danos, tendo sido ali
pontuado que, “ainda que se identifique uma opção pelo bem
jurídico de menor valor abstrato, não há dúvidas de que tal
escolha se fez premida pela anormalidade das circunstâncias,
notadamente pela severa escassez de recursos e por fatores de
pressão política e social de tal significação que seria impossível
exigir do gestor um comportamento diverso” (grifou-se;
documento 1284783).

130. O MM. Juízo da 14º Vara de Fazenda Pública ainda


concluiu que os atos do chefe do executivo não poderiam ser
considerados improbos, já que, “adaptadas as balizas da
dogmática penal à seara da improbidade administrativa, é
forçoso concluir pela inaplicabilidade das gravosas sanções
cominadas na Lei 8429/92, haja vista a impossibilidade de se
estabelecer, em face das circunstâncias que limitaram e
condicionaram a liberdade de conformação do agente público,
um juízo de censura — reprovabilidade — de sua conduta, o que
afasta a própria caracterização do ato improbo”. Convalidou-se,
pois, o fato de que fica a cargo do Administrador Público
sopesar, à luz da razoabilidade, da proporcionalidade e da
eficiência, a gravidade dos seus atos.
131. Foi o que fez o Governador no caso. Ao revogar a grave
pena de descredenciamento, ele ponderou os atos praticados
e/ou dos descumprimentos contratuais perpetrados pela OSS
UNIR, ora contratada (ainda objeto de procedimento
administrativo não concluído, sujeito a recurso), com os
prejuízos que seriam suportados pelos usuários do serviço.
Priorizou, naquele momento, a adoção de medida menos
onerosa, não só para a UNIR, mas, principalmente, para a
sociedade fluminense.
Com as devidas vênias, mas estranho, neste procedimento, à
vista deste contexto, que exsurge de uma análise serena e
imparcial, foram os irresponsáveis pareceres pela
desqualificação da UNIR.
132. A decisão proferida pelo Governador, que revogou a
desqualificação da UNIR, embora tenha partido do poder
discricionário dele (como reconhecidamente foi a
desqualificação pela Secretaria de Estado de Saúde) é
findamentada e, portanto, absolutamente regular.
Consequentemente, o Governador confia em que os pedidos
serão julgados improcedentes.
d) Inexistência de ato improbo — Governador revogou sua
decisão após 54 dias:
133. Tal como não poderia gerar qualquer suspeita a decisão
proferida pelo Governador, que revogou a desqualificação da
UNIR, não deveria causar também qualquer estranheza a
revogação dessa decisão por ele mesmo. Ela foi igualmente
fundamentada.

179
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

134. Até então, o Governador dispunha de informações relativas


a pontuais descumprimentos contratuais, já devidamente
investigados pelo Poder Público, embora ainda não de forma
definitiva. Só depois sobreveio-lhe informação que colocava em
xeque a contratação como um todo. Isso porque, por meio de
decisão proferida em 7.5.2020, nos autos do Processo nº
5010476-42.2020.4.02.5101 (documento 1284786), em curso
perante o MM. Juizo da 7a Vara Federal Criminal do Estado do
Rio de Janeiro, foi ventilado — embora já demonstrado aqui a
inexatidão das conclusões do Ministério Público Federal — que
a UNIR fosse parte de uma organização criminosa engendrada,
desde o Governo do Sergio Cabral, e liderada pelo Sr. Mário
Peixoto.
135. Ciente, então, agora, de que havia outras questões mais
contundentes, de relevância inclusive criminal, o Governador,
novamente ao se valer de seu poder discricionário (Súmula
473/STF), determinou, em 15.5.2020, a desqualificação da
UNIR, Entendeu, também em atenção ao interesse público, que
a situação demandava medidas mais extremas.
136. Aliás, diante da revogação do ato, não subsiste o pilar sobre
o qual se apoiam as denúncias objeto deste processo. É que o
fato imputado ao Governador, que revogou a desqualificação da
UNIR e que aos olhos dos denunciantes seria ímprobo, não mais
existe. O ato em que as denúncias se pautam esteve vigente por
menos de 2 (dois) meses e hoje não mais existe. A UNIR está
desqualificado. E essa desqualificação já existia antes mesmo
do momento do oferecimento das denúncias (27.5.2020).
137. Nesse sentido, aliás, já se posicionou, com firmeza, o
eminente Desembargador Henrique Carlos de Andrade
Figueiras, no âmbito da Quinta Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, no julgamento do agravo de
instrumento nº 0054697-73.2017.8.19.0000, em ação civil
pública por improbidade administrativa ajuizada contra o ex-
Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Naquele
caso, em que o ato objeto da lide foi revogado após o
ajuizamento da ação civil pública, compreendeu-se inexistir ato
ímprobo, já que “o ato administrativo tido por lesivo não mais
existir no mundo jurídico a partir de sua revogação, produzida no
regular exercício de atribuição e competência pela autoridade
pública”. E esse acórdão foi confirmado não só pelo Superior
Tribunal de Justiça?” como, recentemente, pelo Supremo
Tribunal Federal”.
138. Se inexiste objeto, as denúncias não podem prosseguir.
Esse também foi o entendimento exarado pelo Superior Tribunal
de Justiça, em julgado de relatoria do eminente Ministro Luiz
Fux, que compreendeu que, em sede de improbidade
administrativa, quando o ato considerado ilícito é revogado, deve
ser rejeitada a petição inicial, porquanto o ato improbo não
produziu nenhum resultado?
139. Assim, como inexiste o ato reputado caracterizador de
crime de responsabilidade, antes mesmo dos próprios
protocolos das denúncias objeto deste processo, não subsiste
matéria para instauração do processo por este e. Tribunal
Especial Misto, outro imperativo categórico, aqui, da razão.
e) Regularidade dos valores pagos à UNIR entre novembro/2019
e janeiro/2020:

180
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

140. O relatório aprovado pela ALERJ ainda questiona a


“justificativa para continuar a pagar vultosos valores a uma
empresa que foi punida”, o que indicaria “Yortes indícios de dano
ao erário, uma vez que sequer se buscou proteger o Estado
contra o direcionamento de dinheiro público por pagamento de
serviços que não vinham sendo prestados” (fls. 55 e 56 do
relatório do Exmo. Deputado Rodrigo Bacellar). A afirmação
demonstra, d.v., uma completa falta de conhecimento, seja
sobre as competências de um Governador de Estado, seja a
respeito das burocracias que envolvem pagamentos por
serviços públicos (que em nada se compara com o imediatismo
da relação entre particulares).
141. Foram listados, como pagamentos irregulares à UNIR, 53
(cinquenta e três) pagamentos feitos entre novembro/2019 e
janeiro/2020, período em que a UNIR estava desqualificada, que
totalizam o montante de R$ 26.883.245,88. Inicialmente, deve-
se lembrar que o Governador, perdoe-se o óbvio, não é
ordenador de despesa. E isso sem contar que, embora esses
pagamentos sejam posteriores à decisão de desqualificação da
UNIR, eles não significam, por si só, que exista, ou tenha
existido, qualquer irregularidade com o direcionamento desses
valores.
142. A leviana presunção desconsidera que, para garantir a
legalidade e a lisura dos atos administrativos, os pagamentos
efetuados pelo Poder Público não são simples transações. Elas
decorrem de minuciosos Processos Administrativos que
tramitam entre as diversas Subsecretarias Executivas dentro da
Secretaria de Saúde a fim de garantir que o dinheiro público está
sendo bem aplicado. Essa burocracia tem, contudo, por vezes,
um preço: a discrepância entre a competência daquele
pagamento e o efetivo desembolso.
143. Exatamente por isso, para aferir a regularidade do
pagamento, não se deve observar a data em que ele foi
efetuado. Por exemplo, nos 15 (quinze) casos apontados no
relatório do e. Deputado Rodrigo Bacellar datados de
janeiro/2020, o serviço é relativo ao ano de 2018, ou seja, são
valores em atraso, devidos pelo Poder Público. Confira-se parte
desses lançamentos:

144. A planilha acima é meramente exemplificativa. A explicação


integral de todos os pagamentos questionados pela ALERJ
segue anexa (documento 1284787). Outros 20 (vinte)
181
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

lançamentos também possuem fato gerador anterior à


desqualificação da OSS UNIR, como foi esclarecido pela própria
Secretaria de Fazenda, tendo indicado, ainda, os Procedimentos
Administrativos dele decorrente:

145. A respeito dos 18 (dezoito) lançamentos faltantes há uma


peculiaridade. Esses valores decorrem de processo de empenho
relativo aos Aditivos celebrados nos Contratos nºs 1/2018 (SEI-
08/001/027350/2019), 2/2018 (SEI-08/001/027330/2019),
3/2018 (SEI-08/001/027365/2019), 4/2018 (SEI-
08/001/027316/2019) e 17/2018 (SEI-08/001/027491/2019).
Nesses processos são efetuados pagamentos em novembro de
2019 relativos a outubro do mesmo ano. Cite-se, um desses
despachos a título exemplificativo:

146. Ademais, nesses Processos Administrativos foram


aprovados pagamentos em dezembro de 2019 relativos a
novembro do mesmo ano que, contudo, não são, de nenhuma
forma, ilegais. A decisão que desqualifica a OSS é, como já se
disse à exaustão, datada de 22.10.2020. Embora naquele
momento tenha havido rescisão dos contratos firmados entre o
Estado do Rio de Janeiro e a OSS UNIR, para se evitar risco à
população fluminense com a descontinuidade do serviço
prestado, a OSS UNIR não deixou automaticamente de atuar.

182
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Por isso, ainda em novembro/2020, enquanto não eram


celebrados contratos emergenciais, a UNIR ainda participou da
gestão das UPAs, se fazendo devida, portanto, a
contraprestação. Essa informação também consta
expressamente dos Processos Administrativos mencionados:

183
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

147. Foi igualmente noticiado naqueles autos a celebração de


contrato emergencial o que fez cessar, consequentemente, os
pagamentos à UNIR, já que, a partir de então, deixou de atuar
para o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Ou seja, estão
explicados todos os 53 (cinquenta e três) desembolsos
efetuados à UNIR no período de novembro/2019 a janeiro/2020,
quando a OSS estaria desqualificada. O pagamento a posteriori
ocorreu apenas em função de questões burocráticas. Restou
atestado, portanto, que os valores são referentes a serviços
prestados enquanto a UNIR ainda atuava na gestão das 9 (nove)
UPAs. E, se são valores regulares, não há qualquer dano ao
erário.
148. À luz dessas provas, o fato é que todos os valores que
somam R$ 26.883.245,88 eram efetivamente devidos à UNIR, já
que, em relação a todos eles, o serviço prestado data de muito
antes da decisão que a desqualificou. Trata-se, tão somente, de
valores pagos em atraso, em razão da inegável burocracia do
Poder Público e justificados, também, pela situação deplorável
em que o Governador recebeu o Estado do Rio de Janeiro.
149. O que se tem, portanto, é uma decisão embasada não só
na lei, como, também, nas circunstâncias vivenciadas pelo
Governo do Estado do Rio de Janeiro (saúde sucateada e em
vias de adequação) e pela sociedade (situação pandêmica, não
podendo ficar a população desassistida). Seria então, este
gravíssimo processo de impeachment realmente é o meio
adequado para sanar esse ato praticado pelo Governador (que,
na verdade, como visto, não possui qualquer irregularidade)? Se
não há nem sequer indícios de que o Governador, agindo com
dolo ou má-fé, causou algum dano ao erário (já se provou, dentre
outras questões, a retidão de todos os pagamentos feitos à
UNIR) ou teria infringido algum princípio (de modo incompatível
com a dignidade, a honra e o decoro do cargo), não há, portanto,
como se admitir a procedência dos pedidos. Também isso é um
imperativo de razão.
f) Equívoco primordial: a inexistência de relação entre a unir e o
Sr. Mário Peixoto:
150. Esclarecida a lisura da atuação do Governado do Estado
do Rio de Janeiro nos autos no Processo Administrativo E-
08/001/1170/2019, deve-se, então, infirmar uma premissa
absolutamente equivocada, que norteou este processo: a
suposta existência de relação entre a UNIR e o Sr. Mário
Peixoto. Ou, indo mais além: a existência de qualquer benefício
de Sr. Mário Peixoto, com a decisão proferida pelo Governador
que requalificou a UNIR.
151. Não se nega que o Sr. Mario Peixoto é objeto de
investigação pelo Ministério Público Federal. Contudo, não há
elementos suficientes para se afirmar, indene de dúvidas, de que
exista ligação do Sr. Mário Peixoto e UNIR. Muito pelo contrário,
a prova testemunhal, a ser produzida nestes autos, será
categórica em constatar o descabimento desta relação
inventada pelo Parquet.
152. O entendimento de que o Sr. Mário Peixoto seria ligado à
UNIR adveio dos devaneios ficcionais do Ministério Público
Federal, que, para fechar a sua cinematográfica narrativa, vale-
se de temerárias conclusões. Segundo essa fantasiosa
narrativa, todos os caminhos, imaginários, levariam à Roma,
personificada no Sr. Mário Peixoto. Só que essa Roma não

184
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

existe. E, se existe, o Governador não está na Cidade Eterna.


Antes, há um oceano de distância entre eles. Tanto é assim, que
nenhuma prova efetiva, nem sequer indiciária, foi apresentada
nesse sentido contra o Governador.

153. Consta do relatório do Exmo. Deputado Rodrigo Bacellar


que o Ministério Público Federal, nos autos do Processo Criminal
nº 5010476-42.2020.4.02.5101, em trâmite perante a 7º Vara
Federal Criminal do Rio de Janeiro, alegou que, “não obstante a
ausência de qualquer vinculação formal entre LUIZ ROBERTO
MARTINS e o INSTITUTO UNIR SAÚDE, no curso das
interceptações telefônicas, foram captados diálogos que deixam
claro que o denunciado [Luiz Roberto Martins], assim como
MÁRIO PEIXOTO, que são os verdadeiros donos da
Organização Social” (grifou-se).
154. Esse trecho acima transcrito, que faz menção à
interceptação telefônica, teria sido o elo de ligação —
especulativo — entre a decisão proferida pelo Governador no
processo da UNIR, que a requalificou, e os eventos que levaram
ao recebimento da denúncia pela ALERJ. Segundo a denúncia,
a decisão do Governador teria, de alguma forma, beneficiado a
UNIR e, por conseguinte, ao seu suposto dono, o Sr. Mário
Peixoto.
155. Em outras palavras, a decisão proferida pelo Governador,
que visava, como será melhor exposto, garantir à população
regular acesso ao serviço de saúde, em meio a uma pandemia
nunca antes vista/vivida no último século, só tomou relevância e
ares de irregularidade dada à suposta relação entre a UNIR e o
Sr. Mário Peixoto (colocado, pelo Ministério Público Federal,
como sendo o principal personagem do esquema criminoso,
envolvendo a saúde no Estado do Rio de Janeiro). Mas nada há
de minimante concreto a este respeito, muito pelo contrário.
156. Cumpre chamar a atenção, ainda, para outra circunstância
relevante, deixada no escuro e ofuscada por
achismos/suposições/malabarismos especulativos. Esses ares
especulativos do Ministério Público Federal foram denunciados
pelo próprio Sr. Mário Peixoto nos autos do Habeas Corpus, por
ele impetrado, já mencionado nesta defesa, nos seguintes
termos: “Esta Corte de Justiça irá se deparar, ao examinar o
ilegal decreto de prisão, o tempo inteiro, com expressões tais e
quais:

157. A verdade é: não há qualquer prova da ligação do Sr. Mário


Peixoto com a UNIR. Inclusive, o Presidente da UNIR, Sr.
Marcus Velhote de Oliveira, em depoimento prestado perante a
ALERJ, especificamente à “Comissão de Fiscalização dos
185
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Gastos na Saúde Pública Durante o Combate do Coronavirus” e


pela “Comissão de Saúde”, negou conhecer o Sr. Mário Peixoto”.
De fato, então, se esta OSS possui, efetivamente, ligação
política com alguém, como as provas colhidas pelo próprio
Ministério Público Estadual e Federal apontam, é com o Sr.
Marcus Velhote de Oliveira e/ou Sr. Luiz Roberto Martins e/ou o
Sr. Nelson Bornier.
158. Embora o Ministério Público Federal afirme a existência de
relação entre o Sr. Mário Peixoto e a UNIR, as provas por ele
mesmo produzidas apontam o contrário. A prova mais
expressiva, sobre a qual o Ministério Público Federal se
debruçou, para estabelecer a relação UNIR/Sr. Mário Peixoto,
posta na denúncia, é o relatório da interceptação telefônica
acostado aos autos da mencionada ação criminal (documento
1284767), em que foram analisados registros de conversas
entre os seguintes personagens: Sr. Mário Peixoto, Sr. Luiz
Roberto Martins e Sr. Nelson Bormnier.
159. Não obstante o Sr. Mário Peixoto estivesse sendo
monitorado, nenhuma das conversas dele tratou, nem por um
segundo, da UNIR. As aparições do Sr. Mário Peixoto, na
interceptação telefônica, segundo o MPF, são apenas duas.
Uma para pedir comida*? (questiona-se, inclusive, a relevância
dessa informação constar do relatório para justificar a
manutenção do monitoramento) e outra, em que é mencionado
apenas o nome Mário?!, pelo Sr. Luiz Roberto Martins, de forma
totalmente isolada. E só, mais nada.
160. Indaga-se, pois: estas duas referências ao Sr. Mário
Peixoto são suficientes para comprovar uma ligação entre ele e
a UNIR, de tal modo próxima, que o coloque na posição de um
dos seus proprietários? Recorde-se que o MPF afirma que ele
seria um dos donos desta OSS.
161. Ou ainda: por que o tal “Mário”, mencionado na
interceptação telefônica, teria que ser o Sr. Mário Peixoto? De
onde se tirou esta conclusão? Somente existiria um Mário
orbitando sobre o Palácio Guanabara? Não há outra pessoa,
com o mesmo nome, que pudesse ter interesse em resolver os
problemas da UNIR? Não se sabe. Não se investigou. Só
presunções sobre presunções.
162. Nas conversas interceptadas, na investigação criminal,
entre o Sr. Nelson Bornier eo Sr. Luiz Roberto Martins, revela-se
uma ligação estreita entre a UNIR e o Sr. Nelson Bornier (o que
não era do conhecimento do outsider da política, o Sr. Wilson
Witzel ). Nestas conversas foram tratadas não só das medidas a
serem adotadas para que a UNIR fosse novamente qualificada,
como, também, de outras para recompensar os supostos
prejuízos decorrentes dessa decisão. Nesse sentido, citem-se
trechos das conversas:
“LUIZ: Oi Nelson
NELSON: Luiz, eu estava vendo lá atrás a resolução conjunta lá
atrás
LUIZ: sim
NELSON: Isso aí cabe danos para eles
LUIZ: cabe danos?
NELSON: para eles lá
LUIZ: É né?
NELSON: Isso tem que ser analisado profundamente pegar na
integra esse processo todo porque aí. Isso não é brincadeira não

186
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

a resolução conjunta aquilo tirou a OS do páreo em todos os


sentidos não podia fazer mais nada, foi jogada para escanteio.
E agora vem de repente decisão dessa resolução do despacho
do homem. Isso tem que ser bem analisado isso.
LUIZ: Está bom. Cabe então uma ...?
NELSON: você tem noção de ficar de outubro de 2019 agora até
agora final de março. Sua firma julgada inidônea sem poder
participar de porra nenhuma
LUIZ: E você contemplado no edital em dois lotes com sete
unidades
NELSON: Isso
LUIZ: corresponde a 10 milhões de contrato.
NELSON: Isso é uma perda irreparável tem que ser revisto,
analisado friamente
LUIZ: é uma briga boa né?
NELSON: pegar essas peças desde o início. E tem mais uma
irresponsabilidade de ambos dos dois secretários. Não é só ele
lá não os dois. Tudo bem.
LUIZ: boa, boa
NELSON: Tem que pegar todas as peças para ver onde chegou
agora até a assinatura final do homem aqui. Isso não é
brincadeira. Você sabe o que é pegar uma empresa e PUM!! Dar
um tiro no peito e tchau e benção. E os prejuízos causados nisso
aí, e o acervo e os problemas causados, problemas intemos,
pessoal, administrativo. chegou deu um tiro e vai embora tchau
e benção. Se ela tinha uma finalidade só que era isso. Finalidade
dela é isso, atuar nessa área e agora até logo tchau não existe
mais.” (documento 1284767)
163. Aliás, em outro trecho da interceptação telefônica fica claro
que o Sr. Luiz Roberto Martins é hierarquicamente subordinado
ao Sr. Nelson Bornier. Este dá ordens expressas âquele para
“tomar uma providência já”, “reivindicar o ganho que você teve
lá atrás” e “você está com o queijo e a faca na mão. Não pode
esperar essa porra não.” (documento 1284767). Confira-se:

“LUIZ: eu fiquei sabendo de uma situação hoje, lá em Caxias, eu


estive em Caxias. Eu fiquei sabendo que as OSs que estão
nessa quatro ai emergencialmente tinham pedido a carteira
profissional do pessoal para assinar. Mas alguma coisa no meio
do caminho eles voltaram atrás e demoveu as carteiras para os
empregados sem assinatura
NELSON: estão prevendo alguma coisa.
LUIZ: a notícia rolou. O que que eu fiz eu peguei o rapaz do
escritório lá e falei para ele não vamos esperar o fim do
emergencial. Vamos entrar agora de uma vez NELSON: também
acho. Acho que diante disso ai Luiz. Você tem que tomar uma
providência já, você tomou uma porra e vieram aqui botaram o
remédio em você, você ficou bom e você ficar quieto. Você tem
que reivindicar o ganho que você teve lá atrás. Você tem que
pegar o processo em embaraçar mais do que nunca, você tem
que reivindicar o que ela ganhou de direito, entendeu?
LUIZ: não só as quatro, mas as outras também.
NELSON: lógico, tudo. Tem que ver isso correndo LUIZ, não
passar isso não. Vão se empepinar todo entendeu?
LUIZ: vou entrar dentro disso ai com unhas e dentes
NELSON: correndo. Tem que entrar correndo e o babaca que
fica ao lado do chefão ai assinou essa porra ai sem ter

187
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

conhecimento nenhuma. Se tiver que ir lá vocês têm noção da


cagada que vocês fizeram aí, tem noção porra!! Você está com
a faca e o queijo na mão. Não pode esperar essa porra não.
Quem cala consente!”
164. Insista-se, então, que, notadamente com base nessa
conversa, seria muito mais plausível ao Ministério Público
entender que o tal “Mário” seria Mário Marques (leia-se, para
evitar dúvidas, que aqui se faz exercício mental, tal como feito
pelo Ministério Público: até porque, como visto, o Governador
proferiu a decisão de requalificação da UNIR com base na
legalidade e no contexto da época, sem qualquer intuito lesivo
ao erário ou menos ainda que afrontasse algum princípio do
cargo) do que o Sr. Mário Peixoto. Afinal, quem comandaria a
UNIR, à luz das provas até agora produzidas pelo próprio
Ministério Público, seria o Sr. Nelson Bornier. E Mário Marques,
já à época da decisão proferida pelo Governador, era
Subsecretário de Comunicação dele. E esse Mário Marques é,
precisamente, filho do vice-prefeito do Sr. Nelson Bornier, nas
eleições do ano de 2.000 em Nova Iguaçu. Especulação por
especulação, esta parece muito mais plausível.
165. Aliás, a ausência de relação com a UNIR foi também
pontuada pelo próprio Sr. Mário Peixoto, em petição protocolada
na ALERJ, no dia 18.9.2020, que, “equivocadamente”, nunca foi
acostada aos autos deste processo. Mais grave: mesmo após os
patronos do Governador postularem à ALERJ o acesso da
referida petição, inclusive por meio de petição formal à ALERJ,
ainda assim a ALERJ somente viabilizou o acesso depois que o
e. Relator deste Tribunal Especial Misto assim determinou
expressamente.
166. Essa atitude da ALERJ desnuda a intenção de que esse
aspecto não seja considerado pelos membros desse e. Tribunal
Especial Misto. Contudo, a relevância da questão é extrema: não
se pode julgar o caso sem que o processo esteja plenamente
instruído com todas as provas e alegações.
167. Por meio dessa petição (omitida pela ALERJ, insista-se), o
Sr. Mário Peixoto afirma que não tem relação com a UNIR, fato
que é corroborado, agora, pelo Ministério Público Estadual, na
denúncia que levou ao início da “Operação Filhote de Cuco”
(documento 1284770). Essa operação, que se desenvolveu
perante a Justiça Estadual do Rio de Janeiro e que redundou em
denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual, detalha a
utilização da empresa Instituto Data Rio — IDR, em supostos
desvios de verbas públicas, ligadas à área de saúde do Estado
do Rio de Janeiro. Essa empresa, segundo o Ministério Público
Estado, teria passado a atuar, posteriormente, com a UNIR.
Veja-se o que diz a denúncia do MPE sobre este ponto:
“Desde data que não se pode precisar, mas certo que o estado
de permanência ininterrupto foi identificado a partir de março de
2016 até o oferecimento da presente denúncia, primordialmente
na cidade de Duque de Caxias (RJ), em comunhão de ações e
desígnios e prévio acordo de vontades e divisão de tarefas
pormenorizadamente descritas abaixo, os denunciados LUIZ
ROBERTO MARTINS, LUCIANO LEANDRO DEMARCHI,
LISLE RACHEL DE MONROE CARVALHO, CARLA DOS
SANTOS BRAGA e LEANDRO BRAGA DE SOUSA, associados
a terceiros ainda não identificados, constituíram e integraram,
pessoalmente e de maneira estável, organização criminosa

188
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

preordenada a obter vantagens da Administração Pública, com


o fim específico de cometer crimes, e em especial o delito de
peculato, mediante desvio de recursos públicos geridos por
organização social de saúde.
A organização criminosa, que inicialmente controlava o
INSTITUTO DATA RIO, expandiu sua atuação para alcançar
também o INSTITUTO UNIR SAÚDE, organização social
sucedeu ao IDR na gestão de Unidades de Pronto Atendimento
da Secretaria Estadual de Saúde, ao longo do ano de 2018.
(...)
No topo da organização criminosa encontra-se LUIZ ROBERTO
MARTINS, detentor último de poder decisório no seio da
estrutura. Seu principal papel criminoso é deliberar quanto ao
emprego e destino dos recursos públicos auferidos a partir dos
contratos de gestão celebrados pelas organizações sociais que
se encontrem subordinadas a seu controle, notadamente o
INSTITUTO DATA RIO e o INSTITUTO UNIR SAÚDE.”
(documento 1284770)
168. Ao longo da referida extensa denúncia, apresentada pelo
Ministério Público Estadual, não é possível identificar qualquer
menção ao Sr. Mário Peixoto, que, consequentemente, não foi
denunciado pelo órgão acusador. Ali a relação identificada é,
exatamente, entre a UNIR e o mencionado Sr. Nelson Bornier,
chamado de “rei da baixada” em uma referência ao fato dele ter
sido Prefeito de Nova Iguaçu e ex-deputado Federal (documento
1284770). Esse aspecto foi mencionado pelo próprio Sr. Mário
Peixoto na petição protocolizada na ALERJ:
“A denúncia estadual, de quase 300 folhas (em anexo), não
deixa nenhuma margem para dúvidas. IDR e UNIR nunca foram
de Mário Peixoto, o qual também jamais foi sócio oculto das
mesmas, ou controlador dos institutos, não possuindo nenhuma
participação no episódio da requalificação da UNIR pelo
governador atual.
Aliás, surge aqui um personagem que o próprio Ministério
Público Estadual afirmou estar investigando, dentre outros
tantos (menos Mário Peixoto): o rei da baixada. Acessando-se
singelamente a ferramenta de buscas Google, tem-se que o “rei
da baixada”, referido nos diálogos citados na operação “filhote
de cuco”, tem nome e sobrenome: Nelson Bornier” (documento
1284770)
169. Nesse contexto, de duas, uma: ou bem tem razão o MPF,
ou o MPE. Para o mesmo fato, não pode haver duas versões.
Para o MPF, como visto, lastreado em uma imprecisa
interceptação telefônica e uma inidônea delação, UNIR é do Sr.
Mário Peixoto. Para o MPE, com base em prova robusta, UNIR
é ligada, não ao Sr. Mário Peixoto, mas ao Sr. Nelson Bumier. O
que, aliás, é corroborado também pela prova colhida pelo próprio
MPF (interceptações telefônicas entre o Sr. Nelson Bornier e o
Sr. Luiz Roberto Martins), acima já destacada. E se há dúvida
sobre este fato, esta deve se operar em favor do Governador,
ora acusado. Isso também é um imperativo da razão.
170. Diga-se, ainda, que o próprio Sr. Mário Peixoto prestou
esclarecimentos relevantes em sua petição, que, repita-se, já
deveria constar dos autos deste processo, especialmente para
que os membros da ALERJ pudessem deliberar sobre a
aprovação ou não do relatório elaborado pelo Exmo. Deputado
Rodrigo Bacellar. Por meio desta petição ele afirma que a

189
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

vinculação promovida pelo Ministério Público Federal advém da


sua pretérita participação societária na empresa ATRIO RIO
SERVICE TECNOLOGIA E SERVIÇOS LTDA, que teria
prestado serviços para a empresa IDR - INSTITUTO DATA RIO,
empresa essa que, na narrativa do Ministério Público, teria sido
substituída pela UNIR. Contudo, ali ele esclarece que “Mário
Peixoto não faz parte do quadro societário da Atrio, há muitos
anos (...) havendo deixado o quadro social em 2014” bem como
que “o ultimo serviço prestado pela Átrio ao IDR remonta o ano
de 2014 (documento 1284770).
171. Fez-se, portanto, como diz o próprio Sr. Mário Peixoto “um
malabarismo presuntivo verdadeiro contorcionismo
interpretativo, a fim de se vincular o nome de Mário Peixoto a um
suposto diálogo interceptado do senhor Luiz Roberto Martins”
(documento 1284770; grifou-se). Inclusive, confirma-se ali o que
vem sendo afirmado aqui: o conto que narra o Ministério Público
é absolutamente ficcional à luz do que as provas efetivamente
apresentam. Confiram-se mais alguns trechos para facilitar a
análise deste e. Tribunal Especial Misto:
“A despeito do que realmente aconteceu, o fato é que se
comprova ausência de liame de qualquer natureza com Mário
Peixoto na questão da reabilitação do UNIR: falou-se em
deputados, zero 1 da saúde, Elaine, Vanderley, Nelson Bornier
e muitos outros personagens. Nada de Mário Peixoto, restando
claro que quem estava orientando Luiz Roberto no ponto era
Bornier, o “rei da baixada”
Por fim, acerca deste tema, Mário Peixoto não possuía, há anos,
relação com Luiz Roberto Martins, sequer constando de sua
agenda telefônica o contato de Luiz, como de resto não consta
o nome de qualquer pessoa que tenha ainda que remotamente
ligação com a OS IABAS — adianta-se. Mais uma vez, envolveu-
se o nome de Mário Peixoto por especulação. Luiz Roberto não
disse o que as autoridades afirmaram que ele disse. Há uma
clara distorção dos fatos e encaminhamento específico de
conclusões a um fim previamente desejado. Ainda a propósito,
Luiz Roberto teve inúmeros diálogos interceptados, falou de
negócios com muitas pessoas e sobre diversas pessoas. Não
conversou nenhuma vez com Mário Peixoto, tampouco com
alguém sobre Mário Peixoto em circunstância de que se possa
inferir seu envolvimento em esquemas ilícitos. O Ministério
Público Federal é que especula, supõe, presume e acusa sem
provas Peixoto de envolvimento com Luiz Roberto.
Portanto, não há propósito algum em se insinuar que Mário
Peixoto seria o dono da
UNIR Saúde, e que teria pago valores a Wilson Witzel por sua
requalificação. Não
existe verdade nesta assertiva.” (documento 1284770).
172. O que se percebe é que toda a narrativa fantasiosa do MPF
advém de uma frase solta que, confrontada com as demais
provas, não se sustenta. É fraco, precipitado e temerário
presumir uma relação a partir de uma isolada menção em um
contato telefônico e, mais grave, vincular o elaborado enredo à
decisão proferida pelo Governador, em um processo
administrativo que não possui qualquer cunho político.
173. Se, portanto, se deve presumir alguma vinculação política,
o que se tem, de concreto, então, é que a relação da UNIR seria
com o Sr. Luiz Roberto Martins e o Sr. Nelson Bornier. E que o

190
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

tal “Mário” poderia ser, perdoe-se o truísmo, qualquer “Mario”.


De modo que, se não há relação comprovada entre o Sr. Mário
Peixoto e UNIR (e as provas produzidas pelo Ministério Público
Federal e Estadual apontam nesse sentido), não há como se
presumir que a decisão proferida pelo Governador (nos autos do
procedimento administrativo que desqualificou a UNIR) teria o
objetivo de beneficiá-lo.
174. E mais, especificamente sobre esse ponto, quais são os
indícios/provas de que o Sr. Mário Peixoto restou efetivamente
beneficiado pela decisão proferida pelo Governador?
Simplesmente não há! Não há absolutamente nada que ao
menos indique que o Sr. Mário Peixoto realmente teria sido
beneficiado pela decisão proferida pelo Governador. A atribuição
de importância a uma decisão — repita-se, regular — a ponto de
subsidiar uma denúncia por crime de responsabilidade, que em
nada beneficia o Sr. Mário Peixoto, é, além de precipitada,
absolutamente descabida.
175. As provas a serem produzidas neste processo sepultarão,
de uma vez por todas, as insustentáveis suspeitas levantadas
pelo Ministério Público Federal e, indevidamente, replicadas nas
denúncias objeto deste processo. Será demonstrado, de uma
vez por todas, não só a inexistência de qualquer benefício
recebido pelo Sr. Mario Peixoto, como a sua completa
desconexão com a OSS Unir, que levará, consequentemente, à
improcedência dos pedidos dos denunciantes.
A VERDADE SOBRE OS CONTRATOS DE HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS CELEBRADOS COM O ESCRITÓRIO DA
PRIMEIRA-DAMA HELENA WITZEL
a) Narrativa falha — já foi devidamente demonstrado que os atos
do Governador não beneficiaram, em nada, o Sr. Mario Peixoto:
176. Se até aqui esse procedimento é permeado pela ausência
de prova, neste aspecto, especificamente, essa circunstância se
intensifica. Além de questionar a própria mudança de regime de
bens do casamento adotado pelo denunciado e a sua atual
esposa (o que será demonstrado absolutamente irrelevante para
os fatos objeto deste processo), o relatório elaborado pelo Exmo.
Deputado Rodrigo Bacellar, encampado pela decisão proferida
por este e. Tribunal Especial Misto, ao seguir a deturpada
narrativa do Ministério Público Federal, afirma existirem “fortes
indícios de recebimento de vantagens indevidas pelo
denunciado através do pagamento de honorários à sua esposa,
a senhora Helena Alves Brandão Witzel” (fl. 72 do relatório).
Segue afirmando que “apontam os indícios que a primeira dama
teria sido contratada por cerca de meio milhão de reais pela
DPAD Serviços Diagnósticos LTDA, empresa, controlada, na
verdade, por operadores do Sr. Mario Peixoto” (fl. 72 do
relatório).
177. A intenção da Comissão Especial de Impeachment, que
atuou perante a ALERJ, ao dar relevância a essa informação,
era fazer a ligação com os atos do denunciado. A narrativa era
a de que (1) os atos do denunciado que beneficiaram a UNIR e
o IABAS, estavam (ii) igualmente beneficiando, financeiramente,
o Sr. Mario Peixoto, já que (iii) a entrega da contrapartida seria
por meio de contratos firmados entre empresas supostamente
ligadas ao Sr. Mário Peixoto, com o Escritório da Primeira-Dama
Helena Witzel. Esse seria o estratagema que o Governador
estaria inserido, segundo a fantasiosa denúncia.

191
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

178. Note-se que, demonstrado o equívoco da premissa de que


o Sr. Mário Peixoto estaria sendo beneficiado, rompe-se o nexo
de causalidade entre os contratos firmados pelo escritório de
advocacia da Primeira-Dama, Helena Witzel e os fatos ditos
criminosos objetos desta denúncia. Como já se provou, em
tópico próprio desta defesa, não há qualquer relação entre o Sr.
Mário Peixoto e as empresas UNIR e IABAS.
Consequentemente, nenhuma irregularidade houve na
celebração de contratos advocatícios com empresas privadas
(que, aliás, nunca receberam nenhum centavo do Estado do Rio
de Janeiro — documento 1284778). Também
consequentemente não há qualquer ato criminoso praticado pelo
Governador.
179. Onde estaria o dano ao erário? Qual teria sido o princípio
violado pelo Governador capaz de ensejar crime de
responsabilidade? Nenhum. Ou seja, as denúncias objeto deste
processo novamente se apoiam nas embrionárias investigações
do Ministério Público Federal que, embora tenham uma narrativa
cinematográfica, não apontam evidências minimamente
concretas de irregularidades perpetradas.

b) A empresa DPAD que contratou o escritório da Primeira-


Dama não possui o Sr. Mário Peixoto como sócio:
180. Não obstante o fato de inexistir o necessário vínculo entre
as atitudes do Governador com os contratos celebrados pela
Primeira-Dama, o fato é que, como bem reconhece o Ministério
Público Federal, o Sr. Mário Peixoto não figura no quadro
societário da empresa DPAD, nem mesmo nas demais
empresas que contrataram com o escritório da advogada Helena
Witzel. Inclusive, para se estabelecer a relação entre o Sr. Mário
Peixoto e as empresas privadas em questão, o Ministério Público
Federal precisou fazer um verdadeiro juízo de abstração, tão
complexo, que foi necessário desenhar e ainda explicá-lo por
meio de uma petição de quase 500 (QUINHENTAS) laudas
(documento 1284783).
181. O que se sabe efetivamente é que a empresa DPAD,
liderada pelo Sr. Alessandro Duarte, tornou-se cliente do
escritório da Dra. Helena Witzel através do Dr. Lucas Tristão.
Esse fato, inclusive, é comprovado pelas provas produzidas pelo
próprio Ministério Público Federal, já que se demonstrou ali que
a relação foi intermediada pelo referido advogado (documento
1284786).
182. A deturpada narrativa do Ministério Público,
equivocadamente endossada pelos denunciantes, não procede.
Não há como uma advogada, que recebe indicação de um
colega advogado, ter conhecimento de toda a suposta
organização criminosa, que nem mesmo o Ministério Público
consegue demonstrar de forma lógica, clara e por meio de
provas contundentes, embora certamente esteja trabalhando
nisso há meses e com vários técnicos especializados
envolvidos.
183. Lembre-se que o casal Witzel era outsider, não estava
familiarizado ao contaminado ambiente político/empresarial
deste Estado. Sua visão, não passava dos limites expressos nos
contratos que assinaram. Nada além.
184. Nessa linha, sem terem o conhecimento dos esquemas de
corrupção que já permeavam e impregnavam o Governo do

192
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Estado, a única informação que poderiam se apoiar seriam os


documentos oficias/públicos das empresas. E foi o que a
Primeira-Dama fez diante da oportunidade de firmar contrato,
não só com a empresa DPAP, mas com as empresas COOTRAB
e QUALI.
185. Foram obtidas pelo Escritório de Helena Witzel certidões
junto a JUCERJ e ali não constava o nome do Sr. Mário Peixoto
como sócio ou qualquer pessoa envolvida em atos ilícitos.
Para facilitar a análise dos documentos anexos, confira-se
planilha ilustrativa:

186. Aliás, a investigação feita pelo MPF constatou que os


pagamentos feitos pela empresa DPAD ao escritório da Dra.
Helena Witzel. a título de honorários advocatícios, tiveram início
em 13/08/2019. Mas, como já demonstrado, conforme a
Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664, a desclassificação da
UNIR ocorreu em 16/10/2019, e o Governador apenas revogou
a sua desclassificação em 23/03/2020. Ou seja, é
completamente desarrazoada — para dizer o mínimo — a
pretensão acusatória ao querer fazer crer que os pagamentos
da suposta vantagem ilícita destinada ao Governador teriam
começado antes mesmo da desclassificação da UNIR.
187. Em outras palavras, o MPF alega que os pagamentos
realizados pelo agente corruptor,como contraprestação ao ato
de corrupção, qual seja, a revogação da desclassificação da
OSS UNIR, se iniciaram 2 meses antes de esta ser
desclassificada. Seguindo o mesmo raciocínio do MPF, o Sr.
Mário Peixoto teria, em 13.8.2019, determinado o pagamento de
vantagem indevida ao Governador, de alguma forma
adivinhando que, em 16.10.2019, a UNIR seria desclassificada,
bem como também adivinhando que, em 23.3.2020, o
Governador revogaria a referida decisão de desclassificação.

188. Nesse contexto, haveria atos criminosos (aqui, de


corrupção, v.g.), em que a propina teria sido paga em virtude de
ato que nem sequer poderia ter sido ser objeto de negociações
entre os agentes. Isso porque, como visto, consistia na
revogação de decisão que ainda não havia sido proferida. E o
mais grave é que tudo isso teria ocorrido sem absolutamente
nenhuma prova, nem sequer indiciária, de que o Governador
teria solicitado, recebido ou se beneficiado com algum valor.
189. À luz dessas informações que estavam disponíveis à Dra.
Helena Witzel, não poderia ter conhecimento do engendrado
suposto esquema de corrupção indicado, ainda que de forma
muito incipiente, pautado em ilações pelo Ministério Público.
Logo, por mais esses motivos, o Governador confia em que este
e. Tribunal Especial Misto deliberará pela não instauração do
processo.
c) Regularidade da atuação da Primeira-Dama para o Hospital
Jardim Amália (HINJA):
193
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

190. Embora não tenha sido citado pelo relatório aprovado pela
ALERJ e nem tampouco pelas denúncias, mas apenas
mencionado pelo Ministério Público Federal, a contratação feita
pelo Hospital Jardim Amália — HINJA foi igualmente regular. A
advogada Helena Witzel possuía antiga relação com essa
empresa privada (desde 2017, como correspondente). Essa
relação foi igualmente intermediada pelo escritório do Dr. Lucas
Tristão, localizado em Vitória/ES, que aparece, ainda, como
patrono de diversas ações do hospital (documento 1284787).
Importante mencionar que a Dra. Helena Witzel captou o cliente
e o indicou ao Dr. Lucas Tristão, que já vinha com forte atuação
na área tributária. O HINJA, reconhecidamente, não possui
qualquer relação com o Sr. Mário Peixoto.
191. O HINJA, aliás, nunca foi atrelado ao Sr. Mário Peixoto;
nem o próprio MP e a ALERJ alegam alguma vinculação com o
referido empresário. A explicação feita nesta defesa é apenas a
título de argumentação, para demonstrar que nem à luz da
contratação da Primeira-Dama pelo HINJA haveria alguma
irregularidade. Antes de mais nada, porque, aqui também, à luz
dos documentos oficiais/públicos, não há qualquer vinculação
com o Sr. Mário Peixoto, in verbis:

192. Desde 2016, como visto, a Primeira-Dama atuava como


correspondente jurídico do Escritório do Dr. Lucas Tristão,
sediado em Vitória/ES, em diversas execuções movidas contra
o HINJA, que ali tramitavam. Em 2016, após ser admitida no
exame da OAB e, com isso, abrir o próprio escritório, a relação
advocaticia foi mantida. A advogada patrocina, v.g., recurso que
versa exatamente sobre a tese que ajudou a consolidar
(documento 1284809).
193. Como foi apontado pelo próprio MPF, a advogada celebrou
com o HINJA contrato de ampla assessoria jurídica como
“efetivo departamento jurídico terceirizado”. E ali ainda se
pontuou a necessidade de atuação no agravo de instrumento nº
5002001-74.2020.4.02.0000, em trâmite perante o e. Tribunal
Federal Regional da 2º Região, e que tem o condão de
estabelecer parâmetros a serem adotados em outras inúmeras
ações que tramitam perante aquela e. Corte (documento
1284809).
194, A advogada Helena Witzel inclusive já atuava
profissionalmente, em nome do HINJA, desde julho/2018, nos
autos da execução fiscal nº 0000899-05.2009.4.02.5104, que
deu ensejo ao mencionado agravo de instrumento, conforme
cópia da petição, ora em anexo, extraída do evento 49 dos autos
da ação fiscal (documento 1284810). Cite-se, ainda, que antes
mesmo da celebração do questionado contrato de honorários, a
advogada já havia recebido o mandato para atuar na defesa dos
interesses do HINJA, como consta do substabelecimento,
juntado aos autos da execução fiscal nº 0000437-
43.2012.4.02.5104 (evento 62 — documento 1284816).
195. Ainda que o Ministério Público afirme, na denúncia, que a
atuação da advogada no recurso seria “inócua”, já que “o recurso

194
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

estava suspenso”, deve-se retificar essa afirmação, já que a


juntada de procuração, em nome da Dra. Helena Witzel, ocorreu
em 8.4.2020, a efetiva suspensão do processo, em razão do
recurso repetitivo afetado pelo Superior Tribunal de Justiça, deu-
se apenas em 26.6.2020, e ela apresentou pedido de
reconsideração em 12.10.2020 (documento 1284820), que se
encontra pendente de apreciação (autos conclusos com o
relator). Não se faz necessário explicar com mais detalhes aos
membros deste e. Tribunal Especial Misto que a existência de
matéria afetada pelo STJ não garante automaticamente que a
tese ali suscitada seria compreendida como aplicável à hipótese
daqueles autos. A atuação da Dra. Helena Witzel foi necessária
e eficaz para garantir o possível sucesso na demanda.
196. A genérica imputação de irregularidades, nas atuações da
Dra. Helena Witzel, é absolutamente inaceitável, já que, como
demonstrado, a Primeira-Dama exercia regularmente seu ofício
de advogada. Não se pode criminalizar a advocacia e, com mais
razão ainda, não se pode criminalizar sem provas. E o mais
grave, não se pode criminalizar o advogado em razão de quem
ele representa, menos ainda terceiro (no caso, o Governador).
d) Absoluta irrelevância da alteração do regime de bens —
questão atrelada, apenas e tão somente, ao fim da partilha do
Governador com a sua ex-esposa:
197. Por fim, deve-se esclarecer a despropositada imputação a
respeito da mudança no regime de bens do denunciado com a
Primeira-Dama, Dra. Helena Witzel. Constou do relatório do
Exmo. Deputado Rodrigo Bacellar, inclusive por alegação dos
denunciantes, que, “em setembro de 2019 houve a mudança do
regime de bens do casamento do denunciado, passando o
casamento a ser regido pelo regime da comunhão universal de
bens um mês depois da assinatura do contrato de serviços
advocatícios firmado entre a DPAD Serviços Diagnósticos LTDA
e a Primeira-Dama” (fl. 72 do relatório). Além de não apresentar
a necessária justificativa para dar a esse argumento uma
relevância que ele não tem, o relatório não apontou todos os
fatos (tal como feito mais uma vez pelo Ministério Público
Federal).
198. A questão é absolutamente simplória e não merece nem
sequer grandes digressões. Como se casou com a Primeira-
Dama, o denunciado obviamente era divorciado. Mas o processo
de partilha com a sua ex-mulher ainda estava em curso
(documento 1284794). E o regime de separação de bens era
obrigatório, nos termos dos artigos 1.523, HI e 1.641, 1, do
CC/02.
199. Como a partilha de bens do divórcio do denunciado com a
sua ex-esposa, somente transitou em julgado em 27.6.2019, foi
nesse momento em que ele pode alterar o regime de bens com
sua atual mulher. Passou, agora, para comunhão universal de
bens, conforme registrado em sentença judicial proferida em
setembro/2019 (documento 1284799). Exatamente por esse
motivo, somente em setembro/2019, e não a partir da celebração
do casamento, o casal alterou o regime de bens, a fim de garantir
à Primeira-Dama o direito ao único bem do Governador, qual
seja o imóvel em que a família residia no Grajau.
200. Aliás, essa medida também ia ao encontro do temor que o
denunciado tinha e ainda tem pela sua própria segurança: para
garantir que caso algo o aconteça, o denunciado pensa em

195
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

deixar a sua família amparada. Tanto é que após sair da


magistratura — e essa motivação foi exacerbada após entrar
para a política, diante das constantes ameaças que recebe —
celebrou seguro de vida, na qual possui a sua atual esposa como
beneficiária (documento 1284802).
201. Passe o truísmo, invocar a alteração do regime de bens do
casamento do Governador com a Primeira-Dama, não é, d.v.,
um argumento sério. E menos sério ainda é dizer que haveria
circulação de dinheiro entre o casal, como indício de prática
delituosa. Como se trata de um casal, com filhos em idade
escolar, é absolutamente regular — e chega a ser óbvio — que
haja movimentação financeira entre eles, já que ambos detêm
obrigações dentro da relação conjugal. Não pode causar
estranheza o fato de a Dra. Helena Witzel transferir parte do
recebido pelo seu escritório como pro labore ao seu marido para
que possa quitar as contas do casal e vice-versa.
AUSÊNCIA DE DOLO OU MÁ-FÉ DO GOVERNADOR:
AUSÊNCIA DE PRÁTICA DE ATO QUE VIOLE A LEI 1079/50
202. As denúncias objeto deste processo imputam ao
denunciado crime de responsabilidade com fundamento nos
arts. 4º, V, 9º, VII, da Lei nº 1.079/1.950. Mas de tudo quanto já
foi exposto nessa defesa, o que se tem, claramente, no caso, é
que não há crime de responsabilidade, porque não há qualquer
conduta dolosa a ser imputada ao Governador, nem nada de
lesivo à Administração Pública. Isso porque ele agiu dentro de
suas atribuições e ainda sempre agiu correta e agilmente. Tanto
é assim, que não consta dos autos elemento de convicção que
aponte para eventual dolo ou má-fé ou ganho ilícito do
Governador, a caracterizar suposto crime de responsabilidade
(por improbidade e nem por violação a princípios do cargo que
ocupava).
203. Ímprobo, afinal, não é predicado banal, ou que admita
tratamento banalizante. Isso significa dizer: nem todo ato
administrativo que supostamente atente contra os princípios da
Administração Pública ou que aparentemente encerre dano ao
erário implicará no vício da improbidade. Só deve ser
considerado ato improbo aquele revestido de relevante
gravidade, refletindo inegável má-fé e desonestidade, o que nem
de longe é a hipótese aqui.
204. O e. Superior Tribunal de Justiça, há tempos, em
jurisprudência pacífica, entende pela necessidade de o elemento
anímico do dolo ser demonstrado para a imposição de qualquer
sanção prevista da Lei nº 8.429/1992, no mínimo culposo para a
hipótese do art. 10 da referida lei (AglInt no AREsp 1596135/MA,
1º Turma, Min. Benedito Gonçalves, j. 6.10.2020; RESP
1.835.583/SE, 2º Turma, Min. Herman Benjamin, j. 12.11.2019;
AgRg no AREsp 184.923/SP, 1º Turma, Min. Napoleão Maia, j.
2.5.2013; AgRg no REsp 1352541/MG, 2º Turma, Min. Mauro
Campbell, j. 5.2.2013; AgRg no REsp 1248806/SP, Rel. Ministro
Humberto Martins, 2º Turma, j. 26.6.2012; Resp 939118/SP, 1º
Turma, Min. Luiz Fux, j. 15.2.2011; v.g.). Aliás, o próprio c.
Supremo Tribunal Federal também entende dessa forma (AO
1833, Rel. Min. Alexandre de Moraes, 1º Turma, j. 10.4.2018).
205. Nessa linha, se nem o Ministério Público reuniu provas no
sentido da autoria de qualquer ato de improbidade pelo
Governador, cometido com intenção manifesta de causar danos
à Administração e ao erário público, notadamente à luz dos fatos

196
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

objeto das presentes denúncias, os pedidos das denúncias


devem ser julgados improcedentes. A pretensão punitiva é
grave; aqui não se tem certeza de que o Governador cometeu
qualquer ato criminoso; muito pelo contrário, ao longo desta
defesa o Governador provou a fundo a higidez de seus atos
objeto deste processo.
206. A lógica do Ministério Público Federal, encampada pelos
denunciantes e até mesmo pela ALERJ, atribui, portanto,
responsabilidade penal objetiva ao Governador meramente por
estar ele no exercício do mandato de governador, o que é
vedado pelo sistema jurídico. Nas palavras do saudoso Ministro
Teori Zavascki, “imputar a alguém uma conduta penal tão
somente pelo fato de ocupar determinado cargo significa, na
prática, adotar a responsabilização objetiva na esfera pena?”
(grifou-se).
207. Nessa linha, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
é enfática no sentido de que a mera posição de cargo de chefia
ou direção não é suficiente para se presumir pelo pleno
conhecimento do Governador, sendo necessária a imputação
específica do ato praticado. Nesse sentido se decidiu, por
exemplo, nos seguintes julgados: AP: 987 MG, 2º Turma, Rel.
Min. Edson Fachin, j. 25.9.2018; AP: 975 AL, 2º Turma, Rel. Min.
Edson Fachin, j. 3.10.2017.
208. Não há uma linha sequer a apontar que o Governador
efetivamente sabia de fraudes supostamente cometidas nos
processos de contratação do IABAS, nem que ele teria
participado das atividades das pessoas que supostamente
cometeram os atos (o Sr. Edmar Santos e o Sr. Gabriell Neves,
v.g.) e nem que ele teria beneficiado a UNIR com a decisão por
ele proferida. É nítido que o Ministério Público Federal, no que é
acompanhado pela ALERJ, tenta contornar a mais absoluta falta
de provas ou mesmo indícios de que houve participação do
Chefe do Executivo, nas irregularidades apontadas, com base
em teorias inadequadas, que nem de longe refletem a realidade
dos fatos, a vontade da lei e até mesmo da jurisprudência.
209. O mesmo se diga da delação premiada do Sr. Edmar
Santos, invocada pelo Ministério Público Federal —- como se
verdade fosse — para imputar diversas inverdades ao
Governador. A fragilidade das informações prestadas (calcadas
em meros “ouvi dizer”) foi objeto de notícia na imprensa”. E ali
fica explícito que o delator teria apenas “ouvido que o
governador afastado do Rio de Janeiro (...) recebia propina de
contratos referentes a todas as 20 secretarias de sua gestão”.
Mas, como dito, não apresentou absolutamente nenhuma prova
do que ouviu dizer.
210. Trata-se, também ali, de outro frágil “testemunho de ouvir
dizer”. Para além do conhecido desvalor do chamado
testemunho de ouvir de dizer (“hearsay testimony”), maior será
ele no caso, porque não advém de uma oitiva judicial em exame
cruzado de testemunha (meio de prova com a aplicação do
contraditório pleno e demais garantias), mas, sim, de uma única
conversa informal, captada isoladamente em horas e horas de
interceptação telefônica autorizada judicialmente há meses (com
todas as fragilidades próprias dos meios de obtenção de prova).
211. E mais: delações premiadas, isoladamente, nada provam.
Isso já foi reconhecido em diversas oportunidades. O próprio
STF, em julgamentos recentes, tem decidido no sentido de que

197
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

delações premiadas não são consideradas provas, mas apenas


um meio de obtenção de provas. Cite-se, a respeito, decisão do
Ministro Dias Toffoli, na qual consigna que “depoimentos do
colaborador premiado sem outras provas idôneas de
corroboração não se revestem de densidade suficiente para
lastrear um juízo positivo de admissibilidade de acusação” (Ing
3.994/DF — j. 18.12.2017).
212. Outro exemplo da fragilidade de delações premiadas serem
analisadas, isoladamente, decorre da constatação, pela Polícia
Federal, de que o depoimento do ex-ministro Antonio Palocci
não teria suporte em fatos e provas. De reportagem recente”,
datada de 16.8.2020, colhe-se que “os únicos elementos de
corroboração da delação produzida pelo ex-ministro Antonio
Palocci são notícias de jornais que, na coleta de provas, não se
confirmaram”, e que, embora tente imputar a participação de
outros personagens, os ilícitos, ao que parece, não foram, ali, de
autoria dos delatados. Essa parece ser também a hipótese da
delação do Sr. Edmar Santos: embora cite vários nomes, é dele
principalmente, senão só dele, a responsabilidade pelos atos
delituosos imputados.
213. Nessa linha, diga-se que essa delação não reflete as
próprias investigações do Ministério Público Estadual. Isso
porque o Ministério Público Estadual recentemente ajuizou ação
civil pública (processo nº 0127970-77.2020.8.19.0001, em curso
perante o MM. Juízo da 2º Vara de Fazenda Pública da Capital
— documento 1284806), a quai deriva de investigações
promovidas pela 32 Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da
Capital, com o auxílio da força Tarefa de Atuação Integrada na
Fiscalização de Ações Estaduais e Municipais de Enfrentamento
à COVID-19, no âmbito do inquérito civil nº 2020.00284171, cujo
objeto são supostos ilícitos praticados na contratação, pelo
Estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria de Estado de
Saúde, das empresas (i) AZA Comércio ce Representações
LTDA,, (ii) ARC Fontoura Indústria Comércio e Representações
Ltda. e (iii) MHS Produtos e Serviços EIRELI, na contratação de
respiradores (ventiladores) destinados ao tratamento de
pacientes com COVID-19 (contratos n: 2020.001633,
2020.001868 e 2020.001859).
214. Além das referidas empresas e seus representantes, nela
figuram como réus o então Secretário de Saúde do Estado (Sr.
Edmar Santos), seu subsecretário Executivo (Sr. Gabriell Neves)
e o servidor responsável pelo processo de contratação (Sr.
Gustavo Borges). Das mais de 120 (cento e vinte) páginas
daquela petição inicial, contudo, não se colhe qualquer
referência à participação do Governador em tais eventos. E o
fato do nome do Governador nem sequer ser citado naquela
ação constitui mais um contundente elemento de convicção de
que o Ministério Público — neste caso, o Estadual —, por meio
dos seus órgãos especializados de investigação, mais uma vez
não foi capaz de encontrar indícios da participação do
Governador nos aludidos eventos.
215. Como outro exemplo, cite-se que o Ministério Público
Estadual ajuizou mais uma? (a segunda) ação civil pública de
improbidade administrativa contra atos praticados por
autoridades do setor de saúde fluminense no âmbito da
pandemia. E mais uma vez o Governador foi excluído do polo
passivo, por não pesar sobre ele a mais vaga sombra do mais

198
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

ínfimo indício de participação nessas imputadas ilegalidades.


Essa segunda ação coletiva tem por objeto “irregularidades
envolvendo os contratos emergenciais de aquisição de testes
rápidos para detecção da COVID-19 e os decorrentes atos de
improbidade administrativa praticados pelos agentes públicos
responsáveis e particulares beneficiados pelas contratações (Lei
8.429/92)” (documento 1284840).
216. Logo nas primeiras linhas da petição inicial, o Ministério
Público esclarece, expressamente, não haver “indícios (...) de
envolvimento do atual Governador do Estado do Rio de Janeiro,
Wilson Witzel, nas contratações objeto desta ação, a despeito
das notícias veiculadas recentemente na mídia” (documento
1284840). E mais: de uma simples leitura da petição inicial
também se constata que, não obstante ter sido divulgado na
mídia que o ex-secretário de saúde Edmar Santos teria
entregado provas do envolvimento do Governador e que estaria
negociando uma delação premiada, “não houve até agora, no
entanto, compartilhamento com o Parquet fluminense de
quaisquer elementos que impliquem o Governador do Estado
nos fatos objeto da presente ação” (documento 1284840). À luz
disso, o Governador confia em que os pedidos deduzidos nas
denúncias serão julgados improcedentes.
217. Diante desta realidade, como pode subsistir a afirmação
vaga, despida de qualquer elemento probatório, de que o
Governador participaria de esquema que lhe renderia
participação em todos os negócios com estado? Se este fato
fosse verdadeiro, o Governador teria que ser necessariamente
réu nestas demandas propostas pelo MPE, v.g.. E se não é (aí
um dado de realidade), é porque a afirmação do delator é
flagrantemente mentirosa.
218. O Governador não cometeu nenhum ato ilícito, menos
ainda ímprobo ou até mesmo criminoso, especialmente à luz das
provas dos autos. Muito pelo contrário. O Governador, no caso,
agiu com extrema transparência e rapidez.
219. Cite-se, nesse sentido, acórdão recente, proferido pelo e.
Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve decreto de
improcedência proferido em ação civil pública de improbidade
administrativa ajuizada contra o ex-governador de São Paulo,
Fernando Haddad. Ali, o Relator, Desembargador Coimbra
Schmidt ressaltou a necessidade de apurar atos de corrupção,
mas compreendeu ser imprescindível “exigir indícios suficientes
na justificativa do constrangimento ínsito ao processo também
representa garantia de todos tendente a evitar abusos do
Estado” (TJ/SP, Apelação 1042137-88.2018.8.26.0053, 7º
Câmara de Direito Público, j. 20.7.2020).
220. Nesses termos, diante da boa-fé do Governador
demonstrada ao longo desta defesa (agiu com o foco no
interesse público diante da situação notoriamente alarmante na
qual se vive, sem precedentes), da absoluta ausência de
elementos caracterizadores de desvios, beneficiamentos,
locupletamentos ou imoralidades de quaisquer ordens, bem
como da evidente, a essa altura, inexistência de prejuízo ao
erário, ou violação a qualquer princípio da Administração, não
há que se falar em ato que possa ensejar crime de
responsabilidade, Com isso, o Governador confia em que esse
e. Tribunal Especial Misto deliberará pela improcedência dos
pedidos deduzidos nas denúncias.

199
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

PROVAS A SEREM PRODUZIDAS: DOCUMENTAL


SUPLEMENTAR, TESTEMUNHAL E PERICIAL
221. Não obstante as denúncias apresentadas encontrarem-se
desprovidas de qualquer prova que lhes dê lastro, no sentido de
confirmar a prática dos imputados e genéricos atos ilícitos que
tivesse o condão de configurar crime de responsabilidade, a
ponto de interromper um mandato outorgado pelo povo do
Estado do Rio de Janeiro com quase 5 (cinco) milhões de votos,
o Governador postula pela produção de (i) prova documental
suplementar, (ii) prova testemunhal; (iii) prova pericial contábil
(fatos relacionados ao IABAS e à UNIR): e (iv) prova pericial de
engenharia (para comprovar que não houve superfaturamento
na contratação emergencial do IABAS à luz da pandemia).
222. Com efeito, a prova testemunhal terá por finalidade
esclarecer os fatos narrados nas denúncias que são objeto deste
processo. Demonstrará, também por meio dessa prova, a
inexistência de ato de ilícito doloso que configure a prática de
um crime de responsabilidade.
223. Nesse sentido, cumpre esclarecer que, no julgamento da
ADPF 378/DF, a e. Suprema Corte confirmou, incidentalmente,
a aplicação subsidiária do CPP ao rito do processo de
impeachment, como inclusive já adequadamente bem
reconheceu esse e. Tribunal Especial Misto ao delimitar o rito do
presente processo. E o art. 401 do CPP estabelece que “na
instrução poderão ser inguiridas até 8 (oito) testemunhas
arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa”.
224. Com base nessa premissa, então, a Comissão Especial de
Impeachment do Senado Federal, no caso Dilma Rousseff,
asseverou ser “consolidado na doutrina e na jurisprudência que
o número de testemunhas é por fato narrado na denúncia. Para
um réu e um fato, portanto, cada parte pode arrolar até 8
testemunhas (art. 401 do CPP)” (grifou-se). Ali, como se
impugnava a legalidade de dois decretos editados pela ex-
presidente Dilma Rousseff, a Comissão Especial Processante
do Senado determinou que a defesa aditasse a defesa, a fim de
“indicar as 8 testemunhas para cada decreto” (doc. 2). Para
tanto, o denunciado postula a oitiva das seguintes testemunhas:
a) Testemunhas referentes à contratação do IABAS:
1) Sr. Edmar Santos, ex-secretário de Saúde do Estado do Rio
de Janeiro, brasileiro, inscrito no CPF nº 004.634.797-69,
residente e domiciliado à Rua Dezenove de Fevereiro, 45,
Apartamento 201, Bloco 3, Botafogo, Cidade e Estado do Rio de
Janeiro, CEP 22.280-030:
A testemunha poderá prestar esclarecimentos sobre eventual
existência de fraude na contratação do IABAS e se houve
participação do Governador no processo de contratação da
empresa;
2) Sr. Gabriell Carvalho Neves do Franco Santos, ex-
subsecretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, inscrito no
CPF nº 099.842.177-44, Carteira de Identidade nº 12.085.777-6,
residente e domiciliado à Avenida Ataulfo de Paiva, 1335, 304,
Leblon — Cidade e Estado do Rio de Janeiro, CEP 22440-034,
atualmente custodiado no Presídio José Frederico Marques,
localizado na R. Célio Nascimento, S/N-Benfica, Rio de Janeiro
- RJ, 20930-050:

200
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A testemunha, responsável pela contratação do IABAS, poderá


prestar esclarecimentos sobre eventual existência de fraude na
contratação do IABAS e se houve participação do Governador
no processo de contratação da empresa;
3) Sr. Cláudio Alves França, presidente do IABAS, inscrito no
CPF nº 263.501.758-16, Carteira de Identidade nº 22.280.822,
residente e domiciliado com endereço na Avenida Luiz Carlos
Prestes, 350, Loja C, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro-RJ, CEP:
22775-055:
A testemunha, na qualidade de presidente do IABAS e
responsável pela celebração do contrato questionado, poderá
esclarecer se houve fraude na contratação, se houve
participação do Governador no processo de contratação, bem
como eventual participação do Sr. Mário Peixoto na empresa;
4) Sr. Carlos Alberto Chaves, Secretário de Estado de Saúde,
com endereço na Rua México, nº 128, 3º, 4º,5º,6º e 11º andares,
Centro, Rio de Janeiro, CEP: 20031-142:
A testemunha, na qualidade de atual Secretário de Estado de
Saúde, poderá esclarecer se o Estado parou ou não de realizar
pagamentos ao IABAS, bem como atestar a regularidade dos
pagamentos realizados após o Decreto nº 47.103/2020, que
determinou a intervenção nos hospitais de campanha.
5) Sr. Mário Peixoto, inscrito no CPF nº 546.667.247-53, Carteira
de Identidade nº 047866330, residente e domiciliado na Avenida
do Pepê, nº 1200, apto. 302, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro,
atualmente custodiado no Presídio Pedrolino Werling de Oliveira
(SEAPPO), galeria A, localizado em Bangu, Complexo de
Gericinó:
A testemunha poderá esclarecer se houve fraude na
contratação, se houve participação do Governador no processo
de contratação, bem como eventual participação na empresa;
6) Sr. Roberto Bertholdo, inscrito no CPF nº 478.913.869-00,
Carteira de Identidade nº 1304839, residente e domiciliado na
SHIS QL 12, Conjunto 4, Casa 18, Setor de Habitações
Individuais, Brasília, CEP: 71630-245:
A testemunha poderá esclarecer seu suposto envolvimento com
a IABAS;
7) Sr. Luis Augusto Damasceno Melo, brasileiro, solteiro,
funcionário público, endereço eletrônico luis augusto
(Dhotmail.com, inscrito no CPF/MF sob o nº 051.576.037-46,
residente e domiciliado na Rua Doutor João Francisco Motta,
201, Icaraí, Niterói-RJ, CEP.: 24220-130:
A testemunha, na qualidade de ordenador de despesas da
Secretaria de Estado de Saúde, a partir do dia 20.5.2020, quarta-
feira, poderá atestar a regularidade dos pagamentos realizados
após o Decreto nº 47.103/2020, do dia 2.6.2020, terça-feira, que
determinou a intervenção nos hospitais de campanha.
***
b) Testemunhas referentes à revogação da desqualificação da
UNIR:
1) Sr. Hormindo Bicudo Neto, ex-Controlador Geral do Estado,
inscrito no CPF nº 634.970.937-34, residente e domiciliado na
Rua Siqueira Campos, nº 142, apto. 401, Copacabana, CEP:
22031-072:
A testemunha poderá confirmar os resultados da auditoria
realizada pelo Governador na Secretaria de Estado de Saúde,

201
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

bem como o estado calamitoso da pasta no início da gestão do


Governador;
2) Sr. Edmar Santos, ex-secretário de Estado de Saúde,
brasileiro, inscrito no CPF nº 004.634.797-69, residente e
domiciliado à Rua Dezenove de Fevereiro, 45, Apartamento 201,
Bloco 3, Botafogo, Cidade e Estado do Rio de Janeiro, CEP
22.280-030;
A testemunha, já arrolada, poderá confirmar os resultados da
auditoria realizada pelo Governador na Secretaria de Estado de
Saúde, bem como o estado calamitoso da pasta no início da
gestão do Governador. Da mesma forma, poderá confirmar o
teor dos processos administrativos abertos por conta de
supostas irregularidades na UNIR, bem como o resultado deles;
3) Sr. Sergio D'Abreu Gama, ex-secretário de Estado de Saúde,
inscrito no CPF nº 023.297.217-65, Carteira de Identidade nº
081671166, residente e domiciliado na Rua Barão de Mesquita,
nº 164, Bloco 1, apto. 1208, Tijuca, Rio de Janeiro, CEP: 20540-
006:
A testemunha ocupou o cargo de Secretário de Estado de Saúde
antes do início da gestão do Governador Witzel. Poderá fornecer
um panorama da saúde no Estado do Rio de Janeiro ao tempo
em que o Governador assumiu, esclarecendo inclusive a
situação da UNIR àquele tempo;
4) Sr. Felipe de Melo Fonte, Subsecretário Jurídico da Secretaria
de Estado de Saúde, com endereço profissional na Rua do
Carmo, nº 27, Sala 1025, Centro, Rio de Janeiro, CEP: 20011-
020 (Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro):
A testemunha assinou o Parecer SSJ/SES 237/2019 que
entendeu pela desqualificação da UNIR e que embasou a
decisão pela desqualificação da UNIR e poderá prestar
esclarecimentos sobre a situação da empresa naquele
momento;
5) Sr. Mário Peixoto, inscrito no CPF nº 546.667.247-53, Carteira
de Identidade nº 047866330, residente e domiciliado na Avenida
do Pepê, nº 1200, apto. 302, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro,
atualmente custodiado no Presídio Pedrolino Werling de Oliveira
(SEAPPO), galeria A, localizado em Bangu, Complexo de
Gericinó:
Testemunha igualmente já arrolada para o outro fato, poderá
prestar esclarecimentos sobre o seu envolvimento com a
empresa;
6) Sr. Luiz Roberto Martins, ex-presidente do IDR, inscrito no
CPF nº 233.267.357-15, residente e domiciliado na Rua Dr. Julio
Xavier, nº 240, Laranjeiras, Valença, CEP: 27600-000:
É acusado pelo Ministério Público de ser o controlador da UNIR,
em conjunto com o Sr. Mário Peixoto. Logo, poderá prestar
esclarecimentos do seu envolvimento e do Sr. Mário Peixoto no
controle da empresa;
7) Sr. Marcus Velhote de Oliveira, representante da UNIR,
inscrito no CPF nº 510.517.027-04, com endereço na Rua
Almirante Grenfall, 405, Bloco 02, 7º Andar, Sala 701 a 707, Vila
São Luiz, Duque de Caxias;
Na qualidade de representante da UNIR, poderá prestar
esclarecimentos sobre o suposto envolvimento do Sr. Mário
Peixoto com a empresa; e
8) Dr. Luiz Octávio Martins Mendonça, ex-Chefe de Gabinete da
ex-Subsecretaria de Gestão da Atenção Integral da Saúde, com

202
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

endereço na Rua São clemente, nº 272, bloco 1, apto 1304,


Botafogo, Rio de Janeiro, CEP: 22.260-004:
Poderá prestar esclarecimentos sobre o desempenho da UNIR
e demais OSS do Estado do Rio de Janeiro.
225. Por sua vez, a prova pericial contábil terá por objetivo
apurar a existência de eventual irregularidade com relação aos
pagamentos feitos à UNIR à luz dos contratos firmados entre ela
e o Governo do Estado, bem como aos pagamentos das obras
e serviços de hospitais de campanha pelo IABAS à luz do
contrato firmado com o Governo do Estado. Postula-se, ainda, a
produção de prova pericial de engenharia, para comprovar que
não houve superfaturamento, especificamente na contratação
emergencial do IABAS pelo Governo do Estado, para
construção, montagem e estruturação de hospitais de campanha
(Contrato nº 027/2020), à luz do contexto da pandemia e de
sucateamento da saúde pública estadual, São provas técnicas
importantes também para comprovar que o Governador não agiu
dolosamente a ponto de caracterizar algum dos crimes de
responsabilidade objeto do processo, não obstante ao menos
com relação aos fatos relacionados ao IABAS já se tenha
constatado e provado que o Govenador nem sequer participou
de nenhuma fase (pré e pós-contratação).
CONCLUSÃO
226. Diante do exposto, após produzidas as provas postuladas,
inclusive com interrogatório do Governador como último ato de
instrução probatória, ele confia em que este e. Tribunal Especial
Misto julgará improcedentes os pedidos das denúncias. (...)”

Diante da juntada das citadas manifestações, foi designada sessão para


deliberação sobre os requerimentos de produção de provas para o dia 04 de dezembro
de 2020, às 11 horas.

XXIV – DA SESSÃO PARA DELIBERAÇÂO SOBRE AS PROVAS

Recebida a Denúncia por crime de responsabilidade em desfavor do


Excelentíssimo Senhor Governador Wilson José Witzel, em sessão realizada na data
de 05 de novembro de 2020, com posterior publicação do respectivo Acórdão no Diário
da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro (DJERJ), na data de 09 de
novembro de 2020, foram apresentados requerimentos pela Acusação (Id:1374749) e
pela Defesa (Id:1455369), em que se manifestam acerca das provas que pretendiam
ver produzidas. Pelo Excelentíssimo Desembargador Claudio de Mello Tavares, então
Presidente do Tribunal Especial Misto, foi designada sessão para deliberar sobre tais
requerimentos e outras eventuais provas propostas pelos julgadores.

203
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Iniciada a sessão, foi passada a palavra ao Relator, que proferiu seu voto nos
seguintes termos:

“(...)
Tendo em vista os requerimentos apresentados pela Acusação
e pela Defesa sobre as provas que pretendem ver produzidas,
VOTO:
1. Defiro, na íntegra, adotando a fundamentação expendida
pelas Partes, a produção de provas testemunhais requeridas
pela Acusação e pela Defesa.
2. Ainda sobre a produção de provas testemunhais, acrescento
as oitivas das pessoas abaixo relacionadas:
a) Nelson Roberto Bornier de Oliveira, ex-Prefeito de
Nova Iguaçu e ex-Deputado Federal: investigações em curso no
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e no Ministério
Público Federal apontam, com base em interceptações
telefônicas, a existência de vínculos entre o ex-Prefeito e a
Organização Social de Saúde Instituto Unir Saúde (OSS Unir
Saúde), cogitando-se inclusive a possibilidade de que ele exerça
algum nível de comando sobre a entidade;
b) Mario Pereira Marques Neto, ex-Subsecretário de
Estado de Comunicação Social da Secretaria de Estado da Casa
Civil e Governança do RJ: apontado pela Defesa como sendo o
“Mario” citado em conversas telefônicas interceptadas durante
as investigações, em contraponto à ideia de que o “Mario” em
questão seria o Sr. Mario Peixoto. A propósito, o Processo
ALERJ nº 11371/2020 foi aberto exatamente pelo Sr. Mario
Peixoto, em 18 de setembro do corrente, em estreita
consonância com a tese da Defesa. Cabe lembrar que o Sr.
Mario Pereira Marques Neto é filho do falecido ex-Prefeito de
Nova Iguaçu, Sr. Mario Marques, histórico aliado político do Sr.
Nelson Bornier, de quem foi Vice-Prefeito e sucessor na
Prefeitura daquele município;
c) Edson da Silva Torres, Empresário: recorrentemente
apontado pela imprensa e pelo Ministério Público Federal, com
quem celebrou acordo de colaboração premiada, como
“operador” financeiro do Partido Social Cristão, com fortes
ligações com o Sr. Everaldo Dias Pereira, o Pastor Everaldo,
principal dirigente nacional da referida agremiação partidária,
função da qual se encontra afastado por estar sob custódia do
Estado;
d) Gustavo Borges da Silva, ex-Superintendente de
Logística, Suprimento e Patrimônio e ex-Subsecretário
Executivo interino da Secretaria de Estado de Saúde do RJ:
preso na Operação “Mercadores do Caos” e citado pelos
Senhores Edmar Santos e Edson Torres, em suas respectivas
colaborações premiadas com o Ministério Público Federal, como
beneficiário de vantagens indevidas;
e) Carlos Frederico Verçosa Duboc, ex-
Superintendente de Orçamento e Finanças da Secretaria de
Estado de Saúde do RJ: preso na Operação “Mercadores do
Caos” e citado pelos Senhores Edmar Santos e Edson Torres,
em suas respectivas colaborações premiadas com o Ministério
Público Federal, como beneficiário de vantagens indevidas;
f) Maria Ozana Gomes, ex-Superintendente de
Compras e Licitações da Subsecretaria Executiva da Secretaria
204
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de Estado de Saúde do RJ: gestora responsável pela condução


da maioria das contratações emergenciais do órgão durante a
pandemia do novo coronavírus, citada pelos Senhores Edmar
Santos e Edson Torres, em suas respectivas colaborações
premiadas com o Ministério Público Federal, como beneficiária
de vantagens indevidas;
g) Mariana Tomasi Scardua, ex-Subsecretária de
Gestão da Atenção Integral à Saúde da Secretaria de Estado de
Saúde do RJ: gestora responsável pela fiscalização de contratos
e pela execução de recursos do órgão, citada pelos Senhores
Edmar Santos e Edson Torres, em suas respectivas
colaborações premiadas com o Ministério Público Federal, como
beneficiária de vantagens indevidas.
h) Bruno José da Costa Kopke Ribeiro, diretor médico
da OSS UNIR SAÚDE e 5° (quinto) maior doador de campanha
do então candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro,
Wilson Witzel, nas eleições de 2018.
3. Defiro a produção de provas documentais suplementares,
nos termos requeridos pela Acusação, a saber: a) inteiro teor dos
depoimentos decorrentes dos acordos de colaboração premiada
celebrados pelos Senhores Edmar Santos e Edson Torres com
o Ministério Público Federal; b) solicitação de compartilhamento
das provas do Inquérito nº 1338/DF, que tramita no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do eminente Ministro
Benedito Gonçalves.
4. Defiro a produção de provas documentais suplementares
requeridas pela Defesa, aqui entendidas, na ausência de
manifestação explícita, como sendo os dois documentos
anexados à peça de defesa protocolada em 30 de novembro do
corrente, a saber: a) Documento fornecido pela Secretaria de
Estado de Saúde do Rio de Janeiro sobre organizações sociais
que substituíram a OSS Unir Saúde após seu
descredenciamento; b) Decisão proferida no processo de
impeachment da presidenta Dilma Vana Rousseff sobre a
fixação do limite de testemunhas arroladas pelas partes.
5. Indefiro a produção de prova pericial contábil requerida pela
Defesa cujo objetivo seria "apurar a existência de eventual
irregularidade com relação aos pagamentos feitos à UNIR",
posto que a Acusação criminalizou a requalificação da OSS Unir
Saúde por ter sido ato pessoal discricionário do Réu, “sem
fundamento legal idôneo”, mas não especificamente por terem
sido efetuados eventuais pagamentos indevidos pelo Tesouro
estadual à aludida Organização Social. Assim, a prova pericial
contábil requerida é impertinente, nos termos do art. 400, § 1°,
do Código de Processo Penal combinado com o art. 79, caput,
da Lei Federal n° 1.079/1950.
6. Indefiro a produção de prova pericial de engenharia requerida
pela Defesa cujo objetivo seria "comprovar que não houve
superfaturamento, especificamente na contratação emergencial
do IABAS pelo Governo do Estado", posto que a Acusação se
referiu, em relação a essa entidade, especificamente ao fato de
que os hospitais de campanha contratados não tinham sido
entregues à população fluminense até 27 de maio de 2020, data
em que a Denúncia foi protocolada no parlamento estadual.
Quanto ao superfaturamento, registre-se que o tema, embora
abordado com ênfase pela Defesa, não é objeto da peça
acusatória em relação à contratação da OSS IABAS. A rigor,

205
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

quando a Acusação se refere diretamente a superfaturamento,


tal abordagem recai sobre a aquisição de respiradores pela
Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, fato que não
se constitui como eixo da Denúncia. Ademais, sua apuração
dependeria simplesmente da análise do Contrato Administrativo
SES n° 027/2020 e de outros documentos conexos, como
relatórios de pesquisa de preços ou planilhas de custos, o que
decerto dispensaria a perícia técnica solicitada. Além disso, os
hospitais de campanha estaduais não existem mais, pois as
duas únicas unidades inauguradas (São Gonçalo e Maracanã)
foram desmontadas, ou sequer chegaram a existir (como no
caso das demais unidades prometidas), o que inviabiliza, por
óbvio, qualquer perícia de engenharia feita no campo. Assim, a
prova pericial de engenharia requerida é impertinente, nos
termos do art. 400, § 1°, do Código de Processo Penal
combinado com o art. 79, caput, da Lei Federal n° 1.079/1950.
É como voto.” (SIC)

Iniciada a votação, acordam os Membros do Tribunal Especial Misto, sob a


Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Cláudio de Mello Tavares: a)
por unanimidade de votos, deferir a produção de provas testemunhais e de provas
documentais suplementares, tal como requeridas pelas partes; b) por maioria de
votos, indeferir a prova pericial contábil, vencidas as Excelentíssimas Senhoras
Desembargadoras Teresa de Andrade Castro Neves, Inês da Trindade Chaves de
Melo e Maria da Glória Bandeira Oliveira de Mello e a Excelentíssima Senhora
Deputada Dani Monteiro; c) por maioria de votos, indeferir a prova pericial de
engenharia, vencida a Excelentíssima Senhora Deputada Dani Monteiro; d) por
unanimidade, ouvir as testemunhas Nelson Roberto Bornier de Oliveira, Mario Pereira
Marques Neto, Edson da Silva Torres, Gustavo Borges da Silva, Carlos Frederico
Verçosa Duboc, Maria Ozana Gomes, Mariana Tomasi Scardua e Bruno José da
Costa Kopke Ribeiro, arroladas pelo Relator, Deputado Waldeck Carneiro; e) por
unanimidade, ouvir as testemunhas Helena Witzel e Alessandro de Araújo Duarte,
arroladas pelo Excelentíssimo Senhor Deputado Alexandre Freitas.
O competente Acórdão (Id. 1494648) foi publicado no DJERJ (id. 1502443), no
dia 09 de dezembro de 2020, e no DOERJ (Id. 1502449), em 10 de dezembro de 2020.

XXV - DO MANDADO DE SEGURANÇA N° 0001341-27.2021.8.19.0000, VISANDO


À PRODUÇÃO DE PROVAS PERICIAIS

Diante da publicação do Acórdão (Id. 1494648) referente à sessão realizada no


dia 04 de dezembro de 2020, que deliberou sobre os requerimentos de produção de
206
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

provas protocolados pelas partes, bem como sobre os requerimentos de provas


apresentados pelos julgadores, a defesa do Réu, reputando como necessária ao
contraditório e à ampla defesa a produção de provas periciais, contábil e de
engenharia, impetrou o mandado de segurança n° 0001341-27.2021.8.19.0000 no
TJRJ.

Recebido o mandado de segurança, a peça foi distribuída ao Excelentíssimo


Senhor Desembargador Custódio de Barros Tostes, que proferiu a seguinte decisão:

“(...)
Wilson José Witzel impetra mandado de segurança para
desafiar ato coator atribuído ao Exmo. Sr. Desembargador
Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e também
ao Egrégio Tribunal Especial Misto do Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro. Aduz direito líquido e certo a produzir prova perícia
contábil no âmbito do processo de impeachment no qual é réu.
Parte, então, de assentar a viabilidade do mandamus, forte em
que, irrecorrível a decisão indeferitória da diligência pericial,
somente o remédio excepcional poderia preservar o direito
subjetivo à ampla defesa, com estatura constitucional. Invoca, a
propósito, o enunciado sumular n° 267 do E. Supremo Tribunal
Federal.
Adiante, no mérito, prossegue a defender a necessidade de que
um especialista contábil afira a regularidade dos pagamentos
feitos pela contratação da O.S.S. IABAs e à O.S.S. UNIR. Tanto
mais porque, na sessão de 28/12/2020, o Eminente
Desembargador Maldonado de Carvalho, ainda que
alegadamente fora do escopo delineado pelo Relator, procedeu
à inquirição de testemunha sobre suposto superfaturamento
havido na contratação da O.S.S. IABAs. A par disso, “ele próprio,
na mesma ocasião, fez cálculos aritméticos, quando, sabe-se lá
por quais motivos, concluiu, já naquele momento, que,
aparentemente, teria havido superfaturamento.”.
Ao ensejo, faz lembrar que, quando do julgamento da presidenta
Dilma Roussef, foi oportunizada a consulta ao expert, mormente
porque o direito à ampla defesa, enquanto franquia
constitucional fundamental, compõe-se, também e até
essencialmente, pelo direito à prova.
Enfim, sustenta que, com a suspensão do processo-crime por
ordem do E. Supremo Tribunal Federal, há tempo mais do que
suficiente para realizar a prova essencial sem prejudicar ou
protelar os trabalhos do Tribunal Especial.
Há pedido de liminar.
Vindo-me conclusos, determinei a integralização do preparo de
ingresso, ao que acorreu imediatamente o interessado.
É o relatório. DECIDO.
Logo de saída, constato, de ofício, que a impetração se ressente
de seus requisitos de procedibilidade.
É que, de um lado, carece este Órgão Especial de investidura
para arrogar-se à instância revisora do Tribunal Especial Misto,
razão pela qual desborda o pedido como sucedâneo de recurso.
Noutro eito, não poderia adjudicar o mérito das decisões
207
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

judicialiformes tomadas por aquela Corte; e daí a


impossibilidade de definir quais provas são necessárias à
compreensão da controvérsia.
Passo a escandir ambos os fundamentos.
I — O ÓRGÃO ESPECIAL NÃO É INSTÂNCIA REVISORA DO
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO: INVIABILIDADE DA
IMPETRACÃO COM BASE EM INTEPRETA CÃO A
CONTRARIO SENSU DO ENUNCIADO SUMULAR N• 267 DO
E. STF
A leitura das razões iniciais leva ao preceito do enunciado
sumular n° 267 da Suprema Corte, segundo a qual “[n]ão cabe
mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso
ou correição.” Propõe o autor, então, um silogismo reverso para
asseverar que, como no caso concreto o ato não é passível de
recurso ou correição, seria cabível o writ.
Sucede, contudo, que, embora a interpretação a contrário sensu
tenha sido bem operada, a conclusão esbarra no fato de que o
Órgão Especial não é instância revisora do Tribunal Especial
Misto, ao qual o artigo 78 da Lei 1.079/50 1 comete competência
soberana para julgar o Governador de Estado por crimes de
responsabilidade.
Assim, não se defere o mandado de segurança a sucedâneo
recursal, na medida em que sequer existe órgão judicante
revisor para o qual poderia ser dirigido.
A toda evidência, a leitura que o impetrante fez do verbete
sumular pressupõe uma hipótese em que o processo comporte
o duplo grau de jurisdição em determinadas hipóteses, mas não
em todas. Assim, para aquela excepcionalidade, quando
sobrevier decisão teratológica, será possível acionar o remédio
heroico, endereçado ao Tribunal.
Mas a tese, conquanto bem construída, não compraz a criar
Tribunal de Apelação quando este não tenha sede legal. A
corroborar, a convergente jurisprudência do Eg. TJRJ:
0049389-51.2020.8.19.0000 - MANDADO DE SEGURANÇA -
Des(a). ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME - Julgamento:
04/08/2020 - OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E
ORGAO ESPECIAL MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO
DA DÉCIMA CÂMARA CİVEL QUE DEU PARCIAL
PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO
INTERPOSTO PELA EXECUTADA MANTENDO A DECISÄO
QUE DEFERIU A ADJUDICAÇÃO DO IMÕVEL PELA
EXEQUENTE AGRAVADA EM EXECUÇĂO POR TÍTULO
EXTRAJUDICAL. PENHORA ANOTADA NA MATRÍCULA DO
BEM JUNTO AO OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS
COMPETENTE ANTES DA AQUISIÇÃ 0 DO IMÓVEL PELA
IMPETRANTE. IMPETRAÇÃ 0 DE SEGURANÇA POR
TERCEIRO QUE TINHA PLENA CIÊNCIA DA DEMANDA
ORIGINÁRIA E DA CONSTRIÇĂO QUE RECAIA SOBRE O
IMÓVEL. EXCEPCIONALIDADE PARA O MANEJO DA
SEGURANÇA NĂO CONFIGURADA. INAPLICAÇÄO DA
SÚMULA 202 DO STJ. TERCEIRO QUE PODERIA
INGRESSAR NOS AUTOS DA EXECUÇĂO OU OPOR
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM FACE DO ACÓRDÃO
PROFERIDO NOS AUTOS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
AINDA NÃO TRANSITADO EM JULGADO. INTELIGÊNCIA DA
SÚMULA 227 DO STF. INDEFERIMENTO DA INICIAL. 1.
Acórdão impugnado na presente segurança que deu provimento

208
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

parcial ao agravo de instrumento interposto pela primeira


executada, para reconhecer que o débito deve ser atualizado
segundo os encargos previstos no contrato pactuado, mantendo
a decisão do juízo singular que deferiu a adjudicação e mandou
expedir a respectiva cada e o mandado de imissão na posse do
imóvel então penhorado nos autos de execução por título
extrajudicial. 2. A jurisprudência assente no Superior Tribunal de
Justiça admite a utilização do mandado de segurança contra ato
judicial quando, excepcionalmente, a decisão judicial for(a)
manifestamente ilegal ou teratológica, (b) contra a qual não
caiba recurso, ou para (c) imprimir efeito suspensivo a recurso
desprovido de tal atributo, ou ainda quando manejado (d) por
terceiro prejudicado por decisão judicial. 3. A incidência do
verbete 202 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça contempla apenas aquele que esteve impossibilitado de
tomar ciência da decisão que lhe prejudicou, ficando impedido
de utilizar o recurso cabível, pois a condição de terceiro
pressupõe o desconhecimento do processo, o que não se
constata no caso concreto. 4. Verifica-se que na averbação da
transferência do imóvel para a impetrante em 2013 foi
ressalvada a ciência desta quanto a penhora averbada junto à
matrícula do imóvel em 2005, então determinada na execução
por título extrajudicial em referência. Estava a impetrante,
portanto, plenamente ciente da tramitação da execução por título
extrajudicial, que foi ajuizada em 2001, quando o segundo
executado ainda figurava como sócio da impetrante, ocorrendo
sua saída do quadro societário somente em 2013. 5. Por isso,
não pode prevalecer a alegação de desconhecimento das
consequências naturais da execução, no caso a adjudicação do
imóvel, o que equivale à alegação da própria torpeza, já que
optou a impetrante por permanecer inerte ao longo de todos
esses anos, apesar de ciente do gravame que formalmente
recaía sobre o imóvel. 6. O Superior Tribunal de Justiça já
decidiu que "0 excepcional manejo do mandado de segurança
por terceiro prejudicado contra ato judicial considerado
teratológico poderá ocorrer na hipótese de ser completamente
alheio ao processo causador de gravame”. 7. Embora possa ser
considerada como "terceira prejudicada” em relação à execução
e ao agravo de instrumento n° 0007911-87. 2019.8.19. 0000,
não se verifica a ventilada teratologia do acórdão aqui
impugnado, uma vez que a questão da titularidade não foi
suscitada perante o juízo da execução e muito menos perante a
câmara julgadora que apreciou o agravo de instrumento objeto
da presente segurança. 8. impossibilidade de se utilizar a via
estreita do mandado de segurança como substituto de recurso,
na medida em que o agravo de instrumento referido ainda não
transitou em julgado, eis que não foi apreciado o agravo em
recurso especial e, portanto, poderia a impetrante manejar
embargos de declaração para ingressar nos autos daquele
recurso. 9. 0 Órgão Especial não é a instância revisora das
câmaras isoladas, ainda mais quando ausente a teratologia,
somado ao fato de que a impetrante não foi surpreendida pelo
resultado da execução diante de sua já destacada ciência da
penhora sobre o imóvel que adquiriu. 10. Ausência de direito
líquido e cedo e da suscitada violação do devido processo legal
no acórdão impugnado, a inviabilizar a presente segurança. 11.

209
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Indeferimento da inicial, com fundamento no artigo 10 da Lei no


12.016/09 e ad. 124 do Regimento interno deste Tribunal.
0074642-75.2019.8.19.0000 - MANDADO DE SEGURANÇA -
Des(a). ADOLPHO CORREA DE ANDRADE MELLO JUNIOR -
Julgamento: 03/08/2020 - OE
- SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO
PRATICADO PELO TERCEIRO VICE-PRESIDENTE. BAIXA
DOS AUTOS À ORIGEM ANTE 0 TRÂNSITO EM JULGADO.
DECISĂO JUDICIAL DA QUAL CABE RECURSO.
INADMISSIBILIDADE DO WRIT. IMPETRANTE
ELETRONICAMENTE INTIMADO QUANDO SEU CADASTRO
AINDA SE ENCONTRA VA ATIVO. AGRAVO INTERNO
PREJUDICADO. ORDEM DENEGADA. Mandado de segurança
ajuizado contra ato praticado pelo Terceiro Vice-Presidente
deste Tribunal de Justiça, que determinou a baixa dos autos à
origem ante o trânsito em julgado da decisão que inadmitiu o
recurso especial interposto, a fim de que seja reconhecida a
ausência de publicação da decisão que inadmitiu o referido
recurso por ausência de observação dos trâmites legais.
Inadmissível o writ, tendo em vista o que dispõe o artigo 5º, II,
da Lei n° 12.016/09, que prevê a não concessão de mandado de
segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba
recurso, sendo neste mesmo sentido o enunciado n 267 da
súmula do Supremo Tribunal Federal. O impetrante, então autor,
que figura e figurava como advogado em causa própria, foi
eletronicamente intimado da decisão que inadmitiu o recurso
especial quando o seu cadastro ainda se encontrava ativo.
Impetrante que foi efetivamente intimado eletronicamente,
deixando transcorrer in albis o prazo para a interposição do
recurso, não havendo qualquer teratologia, ilegalidade ou abuso
flagrante a dar azo ao cabimento do mandado de segurança.
Não se pode utilizar de maneira inadequada a via mandamental,
de forma a transformar o Órgão Especial em instância revisora
de certidão de trânsito em julgado ou de decisão da Terceira
Vice-Presidência. Prejudicado o agravo interno, denegada a
ordem pleiteada.
Nada obstante, ainda assim, o expediente processual poderia
ser acionado em seu viés mais comum, isto é, para coartar
violação de direito subjetivo por ato do Poder Público.
Seria, de todo modo, incabível. Eis por quê.
II — INTANGIBILIDADE DO MÉRITO DAS DECISÕES DO
TRIBUNAL MISTO. JUSTICIABILIDADE APENAS DOS ATOS
QUE VIOLEM DIREITOS SUBJETIVOS.
Antiga e complexa é a questão acerca do processo de
impedimento das autoridades políticas por crime de
responsabilidade. E, transversalmente, a indagação sobre a
possibilidade de controle judicial dos atos praticados pelos
magistrados convocados a decidi-lo.
Entre nós, contudo, devido à multiplicidade de casos
congêneres, o
E. Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de firmar
jurisprudência sobre o ponto.
Ao julgar o M.S. n° 20.941, o Pretório Excelso definiu que a
cláusula de inafastabilidade da jurisdição não se compaginaria à
inafastabilidade das decisões do Senado Federal. Confira-se a
ementa do julgado:

210
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

IMPEACHMENT": DENUNCIA DE SENADORES, ”UT CIVES",


CONTRA O PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTROS DE
ESTADO E 0 CONSULTOR-GERAL DA REPUBLICA:
REJEIÇĂO LIMINAR PELO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS: MANDADO DE SEGURANÇA DOS
DENUNCIANTES: LITISCONSORCIO PASSIVO NECESSARIO
DOS DENUNCIADOS; CONTROLE JURISDICIONAL DO STF
SOBRE A REGULARIDADE PROCESSUAL DO
"IMPEACHMENT"; LEGITIMIDADE ATIVA DOS
DENUNCIANTES; SEGURANÇA DENEGADA POR
FUNDAMENTOS DIVERSOS. I. "QUESTÖES PRELIMINARES"
1. NO MANDADO DE SEGURANÇA REQUERIDO CONTRA
DECISĂO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS,
QUE REJEITOU LIMINARMENTE A DENUNCIA POR CRIME
DE RESPONSABILIDADE, OS DENUNCIADOS SĂO
LITISCONSORTES PASSIVOS NECESSARIOS: CONVERSAO
DO JULGAMENTO EM DILIGENCIA PARA A CITAÇAO
DELES: DECISAO UNANIME. 2. PRELIMINAR DE FALTA DE
JURISDI AO DO PODER JUDICIARIO PARA CONHECER
DO AO POR MAIORIA DE VOTOS SOB 0 FUNDAMENTO DE
QUE EMBORA A AUTORIZA AO PREVIA PARA A SUA
INSTAURA AO E A DECISAO FINAL SECAM MEDIDAS DE
NAȚUREZA PREDOMINANTEMENTE POLITICA - CUJO
MÈRITO E INSUSCEPTIVEL DE CONTROLE JUDICIAL - A
ESSE CABE SUBMETER A REGULARIDADE DO PROCESSO
DE "IMPEACHMENT", SEMPRE QUE, NO
DESENVOLVIMENTO DELE, SE ALEGUE VIOLACÃ 0 OU
AMEAÇA AO DIREITO DAS PARTES, VOTOS VENCIDOS, NO
SENTIDO DA EXCLUSIVIDADE, NO PROCESSO DE
"IMPEACHMENT", DA JURISDIÇĂ 0 CONSTITUCIONAL
DAS CASAS DO CONGRESSO NACIONAL. 3. NO PROCESSO
DE "IMPEACHMENT", REJEITADA LIMINARMENTE A
DENUNCIA POPULAR PELO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, NO ART. 14 DA L. 1.079/50 RESULTA A
LEGITIMAÇÄO ATIVA DOS AUTORES DA DENUNCIA PARA
POSTULAR, EM MANDADO DE SEGURANÇA, A NULIDADE
NO ATO, POR INCOMPETENCIA DA AUTORIDADE
COATORA, E A SEQUENCIA DO PROCEDIMENTO;
DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA DA DENUNCIA POPULAR
E A QUALIFICAÇÃO DOS DENUNCIANTES NO PROCESSO
DE "IMPEACHMENT"; VOTOS VENCIDOS PELA
ILEGITIMIDADE, FUNDADOS EM QUE, NO PROCESSO DE
"IMPEACHMENT", A DENUNCIA E MERA "NOTITIA
CRIMINIS", CUJA FORMULAÇÃO NĂO CONFERE A
QUALIDADE DE PARTE AOS DENUNCIANTES. II. "DECISĂO
DE MÉRITO" 1. CONFLUENCIA DA MAIORIA DOS VOTOS,
NĂO OBSTANTE A DIVERSIDADE OU A DIVERGENCIA
PARCIAL DOS SEUS FUNDAMENTOS, PARA 0
INDEFERIMENTO DA SEGURANÇA: QUESTÔES
ENFRENTADAS: A) NATUREZA DA AUTORIZAÇĂO DA
CÂMARA DOS DEPUTADOS A INSTAURAÇÃO DO
PROCESSO DE "IMPEACHMENT" PELO SENADO FEDERAL;
DIFERENÇA, NO PONTO, DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 EM
RELAÇÄO AS ANTERIORES; B) DIVERGENCIA DOS VOTOS
VENCEDORES EM TORNO DA RECEPÇÃO OU NÃO DA L.
1.079/50, NA PARTE RELATIVA AO PROCEDIMENTO DO
"IMPEACHMENT" NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, QUE,

211
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

ENTRETANTO, NÃO COMPROMETEU, NO CASO


CONCRETO, A CONCLUSÃO COMUM NO SENTIDO DE
AUSÊNCIA DO ALEGADO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOS
IMPETRANTES AO DESARQUIVAMENTO DA DENUNCIA; C)
COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS, NO PROCESSO DO "IMPEACHMENT", PARA 0
EXAME LIMINAR DA IDONEIDADE DA DENUNCIA POPULAR,
QUE NÃO SE REDUZ A VERIFICAÇÃO DAS FORMALIDADES
EXTRINSECAS E DA LEGITIMIDADE DE DENUNCIANTES E
DENUNCIADOS, MAS SE PODE ESTENDER, SEGUNDO OS
VOTOS VENCEDORES, A REJEIÇĂO IMEDIATA DA
ACUSAÇÃO PATENTEMENTE INEPTA OU DESPIDA DE
JUSTA CAUSA, SUJEITANDO- SE AO CONTROLE DO
PLENÁRIO DA CAUSA, MEDIANTE RECURSO, NÃO
INTERPOSTO NO CASO. 2. VOTOS VENCIDOS QUE, A VISTA
DA L. 1.079/50 OU DA PROPRIA CONSTITUIÇÄO, NEGARAM
AO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS PODER
PARA A REJEIÇĂO LIMINAR DA DENUNCIA PELOS
MOTIVOS, QUE REPUTARAM DE MÉRITO, DA DECISÃO
IMPUGNADA. (MS 20941, Relator(a): ALDIR PASSARINHO,
Relator(a) p/ Acórdão: SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal
Pleno, julgado em 09/02/1990, DJ 31-08-1992 PP-13582
EMENT VOL-01673-01 PP-00022 RTJ VOL-00142-01 PP-
00088)
Note-se, com efeito, a importante ressalva a que se procedeu: o
juízo de admissibilidade e a decisão final são mesmo atos
políticos, infensos à revisão pelo Judiciário. Idêntica orientação
foi adotada no MS 21.689, Relator(a): CARLOS VELLOSO,
Tribunal Pleno, julgado em 16/12/1993, DJ 07-04-1995 PP-
08871 EMENT VOL-01782-02 PP-00193 RTJ VOL-00167-03
PP-00792.
Melhores exemplos desta sutil diferenciação vêm do repertório
da Suprema Corte dos Estados Unidos, notadamente pelo
contraste entre os precedentes nos casos Powell v. McCormack,
395 U.S. 486, 89 S.CI. 1944, 23 L.Ed.2d 491; e Nixon v. United
States, 506 U.S. 224 (1993).
No primeiro caso, Powell v. McComarck, decidiu-se que a
Câmara dos Deputados americana não poderia desqualificar um
de seus componentes por grave má conduta se os requisitos
constitucionais eram apenas idade, cidadania e residência.
No voto condutor, o Justice Warren, respaldado em opiniões
anteriores, consignou que:
Especialmente competente e próprio que esta Corte considere
se os procedimentos legislativos estão em conformidade com a
Constituição e com as leis, porque, vivendo sob uma constituição
escrita, nenhum Poder ou departamento do Governo é supremo;
e é o mister e dever do Poder Judiciário determinar nos casos
que regularmente aprecia se os poderes de qualquer Poder do
Estado, até mesmo o Legislativo na aprovação de leis, foram
exercidos em conformidade com a Constituição; e, se não foram,
tratar seus atos como nulos e vazios 2.
Sem prejuízo, ao julgar, posteriormente, o caso Nixon v. United
States, o mesmo Sodalício Constitucional entendeu que não era
justiciável o pedido do juiz federal WALTER L. NIXON, JR.
Visando a declarar a nulidade de seu julgamento pelo Senado
Federal, formulado em razão de a colheita da prova ter sido
realizada por uma comissão em vez de pelo Plenário.

212
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

No voto condutor, da lavra do Chief Justice Rehnquist, ficou


expressa a distinção do caso específico:
27. O peticionante, finalmente, afirma que uma decisão de
não justiciabilidade não pode ser reconciliada com nossa opinião
em Powell v. McCormack, 395 U.S. 486, 89 S.Ct. 1944, 23
L.Ed.2d 491 (1969). A questão relevante em Powell era se os
tribunais poderiam revisar a conclusão da Câmara dos
Representantes de que Powell era” desqualificado“ para tomar
assento como membro porque havia sido acusado de
apropriação indébita de fundos públicos e abuso do processo
dos tribunais de Nova York. Afirmamos que a questão da
justiciabilidade girava em torno de se a Constituição conferia
autoridade à Câmara para julgar as qualificações de seus
membros e, em caso afirmativo, a extensão dessa competência.
Id., Em 519, 521, 89 S.Ct., em 1962-1963, 1963-1964. 0 Artigo
I, § 5 dispõe que ”Cada Câmara será o Juiz das Eleições,
Retornos e Qualificações de seus próprios Membros.“ Por sua
vez, o Ad. I, § 2 especifica três requisitos para ser membro da
Câmara: 0 candidato deve ter pelo menos 25 anos de idade, ser
cidadão dos Estados Unidos há pelo menos sete anos e um
habitante do Estado que for escolhido para representar.
Defendemos que, à luz dos três requisitos especificados na
Constituição, a palavra “qualificações” - das quais a Câmara
deveria ser o juiz - era de natureza precisa e limitada. Id., Em
522, 89 S.Ct., em 1964; veja também The Federalist No. 60, p.
409 (J. Cooke ed. 1961) ("As qualificações das pessoas que
podem escolher ou ser escolhidas, como foi observado em outra
ocasião, são definidas e fixadas na constituição; e são
inalteráveis pela legislatura.”) (Ênfase adicionado) (citado em
Powell, supra, 395 US, em 539, 89 S.Ct., em 1973).
28. Nossa conclusão em Powell foi baseada no significado
fixo de “[q]qualificações” estabelecido no ad. I, §
2. A alegação da Câmara de que seu poder de "ser o Juiz das
Eleições, Retornos e Qualificações de seus próprios Membros”
era um compromisso textual de autoridade irreconhecível foi
derrotado pela existência desta disposição separada
especificando as únicas qualificações que pode ser imposto para
os membros da Câmara. A decisão sobre se um membro
satisfazia essas qualificações foi colocada com a Câmara, mas
a decisão sobre em que essas qualificações consistiam não foi.
29. No caso que temos diante de nós, não há uma disposição
separada da Constituição que poderia ser interpretada
permitindo que a autoridade final do Senado determinasse o
significado da palavra “julgar” na Cláusula de Julgamento de
Impeachment. Concordamos com Nixon que os tribunais
possuem poder de revisar ações legislativas ou executivas que
transgridam os limites textuais identificáveis. Como deixamos
claro, "se a ação [do Legislativo ou do Executivo] ultrapassa
qualquer autoridade que tenha sido cometida, é em si um
exercício delicado de interpretação constitucional, e é uma
responsabilidade deste Tribunal como intérprete final da
Constituição”. Baker v. Carr, supra, 369 U.S., em 211, 82 S.CI.,
em 706; acordo, Powell, supra, 395 U.S., em 521, 89 S.CI., em
1963-1964. Mas concluímos, após exercer essa delicada
responsabilidade, que a palavra “julgar" na Cláusula de
Impeachment não fornece um limite textual identificável sobre a
autoridade que é cometida ao Senado’.

213
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Como se vê, ao perfilhar os precedentes do qual se abeberou o


Supremo Tribunal pátrio, nota-se que a justiciabilidade de atos
praticados pelo tribunal de impeachment exibe um gradiente
médio entre a total intangibilidade e a absoluta sujeição ao
controle judicial.
Neste sentido, embora o Judiciário possa e deva tutelar direitos
individuais e a regularidade formal do processo, não pode se
substituir aos magistrados com atribuição dada pela
Constituição para formar convicção absolutória ou condenatória.
É dizer: neste caso, tenho que seria possível conceder a
segurança para garantir genericamente o direito à instrução
probatória, mas não para definir os meios probatórios
necessários e oportunos.
Afinal, como cediço, o acusado tem direito à prova, mas a gestão
desta atividade, inclusive para indeferir diligências inúteis à
formação de seu convencimento, fica a critério do juiz,
destinatário final dos elementos produzidos.
Em outros termos, “ao magistrado é facultado o indeferimento
de forma fundamentada, no requerimento de produção de
provas que julgar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes,
devendo a sua imprescindibilidade ser devidamente justificada
pela parte. Precedentes no STJ e no STF. 2. No caso dos autos
foram declinadas justificativas plausíveis para a negativa de
oitiva da testemunha indicada pela defesa em audiência, sendo
certo que ultrapassado o prazo para a apresentação do rol de
testemunhas, a colheita de novos depoimentos não configura
direito subjetivo da parte, mas faculdade do juiz, caso considere
as declarações imprescindíveis à busca da verdade real, o que,
como visto, não ocorreu na hipótese em exame. Precedente.
(AgRg no HC 539.979/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI,
QUINTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 19/11/2019)”.
No caso concreto, o próprio impetrante admite que não lhe foi
negado o direito a produzir provas, sendo certo que as
autoridades coatoras teriam apenas, como se lhes impõe,
discernido entre as que mais interessavam à elucidação da
controvérsia posta.
Não praticaram, destarte, qualquer violência a direito subjetivo
que pudesse ser neutralizada na via eleita.
III. CONCLUSÃO E DISPOSITIVO
A par de todo o encimado, diviso, outrossim, a falta de interesse
acionário.
Isto porque, no processo penal, o ônus probatório é
integralmente da acusação, de modo que a insuficiência
probatória reverte em favor do acusado. Isto é: cabe ao acusador
provar sua versão, nunca ao réu demonstrar sua inocência.
Por isso, não se compreende qual seria o benefício ao
impetrante em que se determinasse a produção de prova pericial
contábil, cujo resultado é incerto e pode prejudica-lo. Máxime
quando, conforme se vê de fls. 8 da peça inicial, o Relator do
feito já averbou que o objeto da prova requerida não enfeixa a
acusação.
Logo, nenhuma vantagem processual poderia advir de um laudo
favorável, porquanto não seja possível provar inocência de algo
que sequer se cogita. (...)” (SIC)

214
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Por fim, finaliza o magistrado sua r. decisão, indeferindo o pedido formulado


pelo Réu no citado mandado de segurança, cujo mérito segue ainda sem resolução.

XXVI - DA PRIMEIRA SESSÃO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS

No dia 17 de dezembro de 2020, ocorreu a primeira sessão de oitiva das


testemunhas arroladas pelas partes e pelos membros do Tribunal Especial Misto, que
foram devidamente intimadas:

1. Testemunhas arroladas pela Acusação:


a) Luiz Roberto Martins;
b) Lucas Tristão do Carmo;
c) Everaldo Dias Pereira;
d) Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos; e
e) Ramon de Paula Neves.

Observação: Os senhores Victor Hugo Amaral Cavalcante Barroso e Roberto


Bertholdo não foram encontrados nos endereços fornecidos.

2. Testemunhas arroladas pela Defesa:


a) Edmar Santos
b) Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos
c) Carlos Alberto Chaves
d) Mário Peixoto
e) Luiz Augusto Damasceno Melo
f) Hormindo Bicudo Neto
g) Felipe de Melo Fonte
h) Luiz Roberto Martins; e
i) Marcos Velhote de Oliveira.

Observação: Os senhores Claudio Alves França, Roberto Bertholdo, Sergio


D´Abreu Gama e Luiz Octávio Martins Mendonça não foram localizados nos
endereços fornecidos.

3. Testemunhas arroladas pelo Juízo – Relator: Deputado Waldeck Carneiro:


215
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

a) Carlos Frederico Verçosa Duboc; e


b) Bruno José da Costa Kopke Ribeiro.

Observação: Os senhores Nelson Roberto Bornier de Oliveira, Mario Pereira


Marques Neto, Edson da Silva Torres, Gustavo Bordes da Silva e as Senhoras Maria
Ozana Gomes e Mariana Tomasi Scardua não foram localizados nos endereços
fornecidos.

4. Testemunhas arroladas pelo Juízo – Deputado Alexandre Freitas


a) Helena Witzel; e
b) Alessandro de Araújo Duarte.

Os senhores Gustavo Borges da Silva, Nelson Roberto Bornier de Oliveira e


Mario Pereira Marques Neto, apesar de não terem sido encontrados pelo Oficial de
Justiça, compareceram espontaneamente à sessão.

Aberta a sessão para oitiva das testemunhas arroladas, em razão da devolução


negativa pelo Oficial de Justiça de vários mandados de intimação, o então Presidente
do Tribunal Especial Misto questionou a acusação, a defesa e o Relator se insistiriam
na oitiva das pessoas acima mencionadas.

Pela Acusação, foi manifestado o interesse em desistir da oitiva de Victor Hugo


Amaral Cavalcante Barroso; pela Defesa, foi manifestado o interesse de manter as
oitivas de Claudio Alves França, Sérgio D´abreu Gama e Luiz Octávio Martins
Mendonça, razão pela qual lhe foi deferido prazo de 5 (cinco) dias para fornecer novos
endereços; pelo Relator, Deputado Waldeck Carneiro, foi manifestado o interesse de
manter as oitivas de Edson da Silva Torres e Mariana Tomasi Scardua, razão pela
qual lhe foi deferido também o prazo de 5 (cinco) dias para que fossem fornecidos
novos endereços para intimação das testemunhas.

Na oportunidade foram ouvidas as seguintes testemunhas arroladas pela


Acusação: Luiz Roberto Martins (Id.1553233); Lucas Tristão do Carmo (Id.1553195);
Everaldo Dias Pereira (Id. 1553247); Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos (Id.
1571056), também arrolado pela Defesa; Ramon de Paula Neves (Id. 1571087).

216
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Nesta mesma sessão, foram ouvidas as seguintes testemunhas arroladas pela


Defesa: Mario Peixoto (Id. 1571139); Edmar José Alves dos Santos (Id. 1553286);
Carlos Alberto Chaves de Carvalho (Id. 1571195); Luiz Augusto Damasceno de Melo
(Id.1553306); Hormindo Bicudo Neto (Id. 1571270).

Ainda nesta sessão, foram ouvidas as seguintes testemunhas arroladas pelo


Relator: Nelson Roberto Bornier de Oliveira (Id. 1553334); Mario Pereira Marques
Neto (Id. 1553342); Gustavo Borges da Silva (Id. 1553347); Carlos Frederico Verçosa
Duboc (Id. 1553359); e Bruno José da Costa Kopke Ribeiro (Id. 1553399). E, ainda, o
Sr. Alessandro de Araújo Duarte, testemunha arrolada pelo Exmo. Sr. Deputado
Alexandre Freitas.

Importa destacar que, apesar de arrolada pelo Juízo, a senhora Helena Witzel
protocolou petição (Id. 1507139), solicitando que lhe fosse deferido o direito
constitucional ao silêncio, nos termos do inciso LXIII, do artigo 5° de nossa Carta
Magna, bem como sua prerrogativa de recusar-se a depor em processo em que figure
seu marido como imputado, nos termos do artigo 206, do Código de Processo Penal.
Tal solicitação foi deferida pelo Desembargador Claudio de Melo Tavares e
posteriormente submetida aos membros do Tribunal Especial Misto que, por maioria,
concordaram com a dispensa, vencido o Deputado Alexandre Freitas.

Devido ao avanço da hora, a sessão foi encerrada pelo Presidente, que


designou nova sessão de oitiva de testemunhas e de interrogatório do Réu para o dia
28 de dezembro de 2020.

XXVII – DA DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE O


COMPARTILHAMENTO DO LINK COM PARTE DAS PROVAS REQUISITADAS

Diante do pedido de compartilhamento das provas obtidas pelo Ministério


Público Federal nos autos da Ação Penal n° 976/DF, da Cautelar Inominada Criminal
n° 35/DF, do Inquérito n° 1338/DF e dos anexos da colaboração do Sr. Edmar Santos
referentes ao Réu (anexos 3, 4, 9, 10, 11, 14, 18, 28, 29, 30 e 31), manifestou-se o
Excelentíssimo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Senhor Benedito Gonçalves,
conforme correspondência eletrônica (Id. 1532029), nos seguintes termos:
217
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“(...)
Defiro, parcialmente, o pedido, ressalvados os anexos da
colaboração que não digam respeito ao Governador Wilson José
Witzel.
(...)

Relatada sumariamente esta fase processual, passo, então, à etapa


imediatamente posterior.

XXVIII – DA PETIÇÃO DA DEFESA SOBRE DANOS NOS ARQUIVOS


COMPARTILHADOS, SOLICITAÇÃO DE NOVO LINK PARA ACESSO E
MUDANÇA DA DATA DE INTERROGATÓRIO DO RÉU

Após o deferimento do compartilhamento das colaborações e demais peças


probatórias pelo Ministério Público Federal e posterior envio do material pelo Superior
Tribunal de Justiça, através de transferência eletrônica de arquivos, a Defesa
peticionou (Id. 1561788), no dia 22 de dezembro de 2020, requerendo o seguinte:

(...)
PROVIDÊNCIAS PENDENTES PARA O DESLINDE DO
PROCESSO: NECESSÁRIO RESPEITO AQ RECESSO
FORENSE / FÉRIAS DOS ADVOGADOS
l. No dia 17.12.2020, quinta-feira, várias testemunhas foram
ouvidas perante a audiência designada pelo Exmo. Presidente
deste e. Tribunal Especial Misto. Ao fim da audiência, o Exmo.
Presidente concedeu prazo de 5 dias para o Governador i)
indicar novos endereços de 3 testemunhas arroladas que não
receberam intimação positiva, bem como ii) ter pleno acesso dos
documentos novos juntados aos autos naquele mesmo dia e no
dia anterior, notadamente para viabilizar o adequado
interrogatório do Governador.
2. Diga-se, antes de mais nada, que, ao assim decidir, o Exmo.
Presidente decidiu, expressamente, sem fundamentar, que o
recesso forense não seria levado em consideração.
Consequentemente, nas palavras do próprio Exmo. Presidente,
o referido prazo de 5 dias chegaria a termo no dia 22.12.2020,
terça-feira. Exatamente por esse mesmo motivo, já designou o
dia 28.12.2020, segunda-feira, não só para ouvir as
testemunhas que restam, bem como inclusive para já interrogar
o Governador (último ato da instrução probatória).
3. No entanto, com as devidas vênias, o Exmo. Presidente deve
ao menos expor os motivos pelos quais este e. Tribunal Especial
Misto não respeitará o recesso forense. Até porque, como se
sabe, o recesso forense foi uma relevante conquista da
advocacia, notadamente para oportunizar aos advogados o
devido descanso anual ao menos do dia 20 de dezembro ao dia
20 de janeiro.

218
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

4. Tamanha é a relevância do período que restou


expressamente positivada na lei estadual que “DISPÕE SOBRE
A ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. Confira
integra da regra específica que consta da Lei Estadual nº
6.956/15:
“Art. 66 Não haverá expediente nos órgãos do Poder Judiciário:
(.)
§1º Os prazos processuais ficarão suspensos nos dias
compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, período
em que não serão designadas audiências e/ou sessões de
julgamento, salvo casos de urgência, não havendo expediente
no período compreendido entre 20 de dezembro e 06 de janeiro,
inclusive.”
5. Embora a Lei nº 1.079/50, que rege o processo de
impeachment, nada disponha sobre o recesso forense, ela
possui o art. 79, que prevê, especificamente, a aplicação
subsidiária do CPP e do Regimento Interno da Assembleia
Legislativa e do Tribunal de Justiça. Como se sabe, nem o CPP
nem os demais Regimentos Internos preveem o mencionado
recesso forense. Mas, como acima demonstrado, essa é uma
vitória da classe dos advogados que já restou positivado em lei
estadual.
6. Diga-se, en passant, que o Governador não tem objetivo de
procrastinar o julgamento do processo. Afinal, a ele nem sequer
interessa que se prolongue mais do que o prazo adequado,
notadamente porque já está afastado por mais alguns meses
(até o dia 9.5.2021). Pretende-se, tão somente, como dito, que
se respeite o recesso forense, notadamente por também se
tratar de férias dos advogados.
7. Assim, o Governador confia em que o Exmo. Presidente
reconsiderará a decisão proferida, a fim de que este e. Tribunal
Especial Misto respeite o recesso forense, para que os próximos
atos processuais sejam praticados em datas posteriores ao dia
20.1.2021, quarta-feira.
8. Independentemente da decisão a ser proferida pelo Exmo.
Presidente com relação ao requerimento do tópico, o
Governador, de boa-fé e cooperação processuais, informa os
seguintes endereços novos de 1 testemunha por ele arrolada
que não pode ser intimada até o momento:
Dr. Luiz Octávio Martins Mendonça:
Rua Doutor Mário Viana, número 758, apartamento 401, Bairro
Santa Rosa, Niterói, RJ, CEP: 24.241-002;
Avenida Rio Branco, número 125, 6º andar, Centro, Rio de
Janeiro, RJ, CEP: 20.040-006;
Rua Afonso Cavalcanti, número 455, Cidade Nova, Rio de
Janeiro, RJ, CEP: 20.071-004 (Prefeitura do Rio de Janeiro);
Largo dos Leões, número 50, Humaitá, Rio de Janeiro, RJ, CEP:
22.260-210;
Avenida Jornalista Alberto Francisco Torres, número 299, Icaraí,
Niterói, RJ, CEP: 24.230-000;
Rua Nobrega, número 243, Icaraí, Niterói, CEP: 24220320; e/ou
Email: luizoctaviomartins2hotmail.com ou
luizoctaviomm@yahoo.com.br;
9. Note-se que o Governador indicou vários endereços da
referida testemunha a fim de que, em novas diligências, ela
possa ser efetivamente encontrada. No entanto,

219
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

especificamente com relação às testemunhas CLÁUDIO ALVES


FRAÇA e SÉRIO D'ABREU GAMA, o Governador, infelizmente,
não conseguiu localizar novos contatos. Por esse motivo, ele
requer a substituição das 2 referidas testemunhas pelas
seguintes:
Coronel Alex Bousquet, ex-secretário de saúde do Estado do Rio
de Janeiro (email: rrobadey@gmail.com): testemunha
importante para o
Governador provar que não mediu esforços para combater a
pandemia; e Coronel Roberto Robadey Júnior, ex-Secretário da
Defesa Civil do
Estado do Rio de Janeiro e Comandante Geral do CBMERJ
(email: dralexbousquet@gmail.com): testemunha importante
também para o
Governador provar que não mediu esforços para combater a
pandemia.
10. O Governador informa que se compromete a intimar essas 2
testemunhas. De toda forma, indicou devidamente o endereço
eletrônico de cada uma delas, para facilitar os trabalhos dos
serventuários deste e. Tribunal Especial Misto. Até porque,
essas 2 novas testemunhas deverão ser ouvidas por
videoconferência, na medida em que não se encontram no
Município do Rio de Janeiro (com certeza, ao menos o Coronel
Roberto Robadey Júnior).
l1. Assim, o Governador requer que seja novamente intimada
nos novos endereços a testemunha inicialmente já arroladas,
bem como requer o deferimento do pedido de substituição de 2
testemunhas por aquelas arroladas nesta petição.
DOCUMENTOS JUNTADOS AOS AUTOS NOS DIA 16.12.2020
E 17.12.2020: DOIS CORROMPIDOS E ALGUNS COM LINKS
EXPIRADOS
1Z; Especificamente com relação aos documentos novos
juntados aos autos nos dias 16.12.2020, quarta-feira, e
17.12.2020, quinta-feira, o Governador informa que ainda não foi
possível acessar a íntegra. Como consta da troca de emails que
ora segue anexa (doc. 1), havida entre serventuários deste e.
Tribunal Especial Misto e advogados do Governador, os
documentos que constam da pasta “202001068087” estão
corrompidos. Também está corrompido o seguinte documento
que consta da pasta “certidão FLS. 2563”: “2020.0053828-
Apenso 1-até fls. 979/2020.09.117. E estão expirados os links
dos documentos que constam das seguintes pastas: “(b) midias
inq 1338”; “FI. 187; “202002042041”: “202002053893”;
“PBAC34”: e “PBAC37”.
13; Para sanar o problema, a solícita serventuária, Sra.
Regineyde Anete Reis, informou aos patronos do Governador
alguns telefones, a fim de agilizar o acesso aos documentos.
Nessa ocasião, em contato com o Sr. Rodrigo, mencionado no
email pela referida serventuária, informou que o e. Tribunal
Especial Misto entraria novamente em contato com o Superior
Tribunal de Justiça para postular novos links e inclusive novos
documentos (no caso dos que restaram corrompidos).
14. Nessa ocasião, a serventuária, hoje, reenviou email aos
patronos do Governador, por meio do qual informou que novos
links foram atualizados pelo Superior Tribunal de Justiça. No
entanto, nas palavras da própria serventuária, “o êxito que
obtivemos foi de quase 100% e, na pequena parte que ficou

220
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

pendente, as mesmas prosseguem junto ao Tribunal Superior”


(doc. 1; grifou-se). Ou seja, ainda há documentos pendentes de
serem adequadamente juntados aos autos.
15: Assim, como a integra de alguns documentos não constam
dos autos do processo, o Governador requer seja redesignada a
sua audiência de interrogatório para alguma data na qual haja
pelo menos 5 dias de oportunidade para analisá-los.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, o Governador requer a V. Exa o seguinte:
i) reconsiderar da decisão proferida na audiência do dia
17.12.2020, quinta-feira, a fim de este e. Tribunal Especial Misto
respeite o recesso forense previsto no art. 66, $1º, da Lei
Estadual nº 6.956/15. Logo, todos os próximos atos processuais
devem ser praticados em datas posteriores ao dia 20.1.2021,
quarta-feira;
ii) determinar a intimação da testemunha LUIZ OCTÁVIO
MARTINS MENDONÇA nos novos endereços apontados;
iii) deferir a substituição das testemunhas CLÁUDIO ALVES
FRAÇA e SÉRIO D'ABREU GAMA pelas testemunhas
CORONEL ALEX BOUSQUET e CORONEL ROBERTO
ROBADEY JÚNIOR (como informado, essas novas
testemunhas deverão ser ouvidas por videoconferência);
iv) determinar a expedição de ofício ao Superior Tribunal de
Justiça para que os documentos corrompidos e os documentos
que possuem links expirados sejam todos adequadamente
juntados aos autos do processo; e v) redesignar a audiência de
interrogatório do Governador para alguma data posterior de pelo
menos 5 dias após o acesso integral dos documentos novos
referentes ao parágrafo anterior.

No mesmo dia, foi proferida pelo então Presidente do Tribunal Especial Misto,
Desembargador Claudio de Melo Tavares, a seguinte decisão (Id. 1563351):

“(...)
Não assiste razão à defesa em suas alegações e
requerimentos.
Primeiramente, cabe trazer à baila que o rito procedimental foi
submetido ao Tribunal Especial Misto, e, aprovado, não foi
sequer impugnado pela defesa.
Foi decisão expressa do Tribunal Especial Misto que os prazos
e atividades não seriam suspensos durante o recesso forense.
Inobstante, urge salientar que o chamado “recesso forense” é
a suspensão de prazos processuais exclusivamente
determinada por força de regra de organização judiciária.
Por exemplo, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, tal suspensão se dá por força do § 1º do art. 66 da
LODJ.
Tal não ocorre com o Tribunal Especial Misto, não lhe sendo
oponível eventuais suspensões por recesso de outros
tribunais, dado que o TEM é unidade jurisdicional, ainda que
temporária, autônoma.
Não se alegue ainda que seria oponíveis as chamadas “férias
dos advogados” instituídas pelo art. 220 do CPC.
Tal suspensão não se aplica ao processo penal.

221
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Sobre tal controvérsia debulhou-se a Exmª Ministra Carmen


Lúcia, no bojo da reclamação 6866-92.2016.2.00.0200, veja-
se:
“...A suspensão dos prazos processuais entre os dia 20 de
dezembro e 20 de janeiro, prevista no artigo 220 do novo
Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), não se aplica aos
processos criminais. O entendimento é da ministra Cármen
Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho
Nacional de Justiça.
"O processo penal tem princípios, regras e conteúdos distintos
do processo civil, razão pela qual não é possível aplicar
indistintamente as normas do segundo sobre o primeiro, sob
pena de subverter a lógica processual com base na qual foi
construído o processo penal", registrou a ministra, ao negar
liminar requerida pela Ordem dos Advogados do Brasil de
Pernambuco, que pretendia estender o recesso forense
previsto no novo CPC para os processos criminais.
Regras do processo civil só podem ser aplicadas ao processo
penal em caso de ausência de norma específica, diz Carmen.
Inicialmente, a OAB-PE fez a requisição ao Tribunal Regional
Federal da 5ª Região, que negou o pedido. Inconformada, a
OAB-PE recorreu ao CNJ que também não acatou os
argumentos apresentados. “Além de haver norma específica
sobre o tema, a não realização de sessões de julgamento, de
audiências e a suspensão dos prazos processuais de 7 a 20 de
janeiro representa restrição às garantias do réu, notadamente
à duração razoável do processo (artigo 5º, Inciso LXIII, da
Constituição da República)”, afirmou a ministra Cármen Lúcia.
A ministra explicou ainda que as normas do processo civil
podem ser aplicadas supletivamente ao processo penal em
caso de ausência de norma específica, o que não é o caso
analisado, devido a previsão do artigo 798 do Código de
Processo Penal. Este dispositivo do CPP estabelece a
continuidade de todos os prazos processuais, inclusive no
período de férias, pela natureza jurídica do bem tutelado pelo
Direito Penal, como o direito de ir e vir. O CPC, por sua vez,
não reproduz esse entendimento legislativo. (Conjur)”
Não se perca de linha que é paradigma à solução de eventuais
omissões do rito a regra insculpida pelo CPP, o que não seria
o caso face a decisão expressa em sessão.
Nesse particular determinam os arts. 797 e 798 do CPP:
“...Art. 797. Excetuadas as sessões de julgamento, que não
serão marcadas para domingo ou dia feriado, os demais atos
do processo poderão ser praticados em período de férias, em
domingos e dias feriados. Todavia, os julgamentos iniciados
em dia útil não se interromperão pela superveniência de feriado
ou domingo.
Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão
contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias,
domingo ou dia feriado...
Por fim, a própria lei 1079/50 determina, no art. 82, que o
processo e julgamento dos crimes definidos naquela lei deve
ser ultimado em 120 dias. Tal determinação legal inculca
obviamente que os prazos e atividades não podem ser
suspensos por fictício recesso forense ou férias de advogados.
Intime-se a testemunha nos endereços indicados pela defesa,
e, requisitem-se as demais testemunhas junto aos seus

222
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

comandos militares, uma vez que não oferecidos endereços


para intimações.
Uma vez infrutífera a intimação para comparecimento pessoal
intime-se por mensagem eletrônica para participação
telepresencial.
Ao contrário do que alega, há certidão de que todos os
documentos enviados pelo STJ lhe foram disponibilizados,
ainda que em dois momentos.
Tendo sido designada sessão de instrução para o dia
28/12/2020 é forçoso reconhecer que haverá prazo mais que
suficiente para análise dos documentos efetivamente enviados
pelo STJ.
Os documentos sobre os quais houve erro de download por
força do tamanho dos arquivos serão desconsiderados como
prova.
Finalmente, ante a alegação da defesa sobre a ausência do
acusado à sessão de interrogatório já designada, cabe ser
alertada sobre a aplicabilidade do disposto no art. 397 do CPP
ao caso.
Isto posto, mantenho a data de sessão anteriormente
designada. (...)

XXIX – DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL N° 45.366/RJ, COM VISTAS À


SUSPENSÃO DO INTERROGATÓRIO DO GOVERNADOR WILSON WITZEL

Inconformada com a r. decisão proferida pelo Excelentíssimo Desembargador


Claudio de Melo Taves, que indeferiu o pedido de suspensão do interrogatório do
Governador Wilson José Witzel, na sessão designada para o dia 28 de dezembro de
2020, os patronos do Réu ingressaram com a Reclamação Constitucional n°
45.366/RJ. Vejamos o teor do pedido:

“(...)
SÍNTESE DA PRETENSÃO: ATROPELO PROCEDIMENTAL,
INTERROGATÓRIO NO ESCURO – ATUALMENTE O
PROTAGONISTA NEM SEQUER PODE SER OUVIDO!
1. Trata-se de reclamação proposta contra decisão proferida
pelo Exmo. Presidente do e. Tribunal Especial Misto instituído
para processar e julgar o impeachment do Governador do
Estado do Rio de Janeiro, Sr. Wilson Witzel, ora reclamante
(Processo nº 2020-066713). Ao julgar a ADPF 378-MC/DF, essa
e. Suprema Corte, em precedente de caráter vinculante (CF, art.
102, §1º c/c Lei nº 9.882/99, art. 10, §3º), placitou o
entendimento de que o interrogatório, em processos de
impedimento, deve ser o último ato da instrução probatória. No
caso, no entanto, ao proferir a decisão objeto desta reclamação,
o reclamado desafiou esse entendimento, ao designar, antes
mesmo do encerramento da instrução probatória, audiência para
interrogatório do reclamante (doc. 2).
2. O Sr. Edmar Santos é o protagonista do processo de
impeachment e também do criminal que tramita no e. Superior
223
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Tribunal de Justiça. Suas ações estão na origem das imputações


feitas em ambos processos. Afinal, todas as imputações se
relacionam à área de saúde do Estado do Rio de Janeiro no
contexto da pandemia. Sendo, então, o Sr. Edmar Santos, o
Secretário de Saúde à época dos fatos, e já tendo ele
confessado que praticou atos criminosos, é evidente que ele é o
epicentro da instrução probatória.
3. Ocorre, no entanto, que ele negociou uma delação premiada
no âmbito do processo criminal. E a delação ainda se encontra
sob sigilo. Mais do que isso, o e. Min. Benedito Gonçalves,
relator do processo criminal, o proibiu de prestar testemunho no
processo de impeachment, sobre os fatos da delação prestada,
enquanto a denúncia criminal do MPF não for apreciada.
4. Por esses motivos, o Sr. Edmar Santos, ao ser ouvido em
audiência no processo de impeachment, invocou o direito de
permanecer em silêncio. Só que é direito intangível do
reclamante ouvi-lo, perante o e. Tribunal Especial Misto, de
forma ampla e irrestrita, para que toda verdade seja debulhada.
A verdade real. O decano do referido tribunal, o Des. José Carlos
Maldonado, v.g., reiteradas vezes, já afirmou que a missão dos
julgadores é a de buscar essa verdade.
5. Se o Sr. Edmar Santos é uma peça chave e se o reclamante
por enquanto não pode ouvi-lo de forma minimamente
satisfatória – há expectativa de que o STJ paute para
fevereiro/2021 a análise da denúncia criminal –, então o
processo de impeachment ainda não está devidamente
instruído. Se não está instruído, mantida a decisão reclamada, o
reclamante será prematuramente interrogado – em plena
escuridão probatória. Com isso, não será exercida, de forma
adequada, conforme decidido na ADPF 378-MC/DF, a
“autodefesa que densifica as garantias do contraditório e da
ampla defesa”.
6. Além disso, como já aqui também fica de fácil percepção, o
reclamado igualmente violou a Súmula Vinculante nº 14, seja
porque não constam dos autos a íntegra da delação premiada
do Sr. Edmar Santos, seja porque não dará ao reclamante o
direito de ouvi-lo sem restrições, seja porque o reclamado ainda
imputou ao reclamante o ônus manifestamente desproporcional
de ser interrogado na sequência imediata de após várias
testemunhas serem ouvidas. Um completo atropelo processual.
7. Pretende-se, assim, com esta reclamação, cabível e
necessária, restaurar, com lastro nos arts. 102, I, ‘l’, e 103-A,
§3°, da CF, e art. 988, III, do CPC, a autoridade do precedente
vinculante dessa c. Corte e da Súmula Vinculante nº 14.
CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO: ATO VIOLADOR DA
SÚMULA VINCULANTE Nº 14 E DO PARADIGMA FIXADO NA
ADPF 378-MC/DF
8. Reclamação é instrumento processual que objetiva
resguardar, contra atos do Poder Público, a competência dessa
e. Corte Suprema e a autoridade de seus julgados, notadamente
quando dotados de eficácia vinculante, tal como se dá com
aqueles proferidos em sede de fiscalização normativa abstrata.
A respeito do cabimento desta reclamação, dispõe o art. 102, I,
‘l’, da CF que “compete ao Supremo Tribunal Federal (...)
processar e julgar (...) a reclamação para a preservação de sua
competência e garantia da autoridade de suas decisões. Já o
art. 103-A, §3°, da CF/88 prevê que, “do ato administrativo ou

224
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que


indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo
Tribunal Federal”.
9. Em linha com esse normativo constitucional, o art. 988, III, do
CPC dispõe que “caberá reclamação da parte interessada” para
“garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de
decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado
de constitucionalidade”. Por fim, o art. 9°, I, ‘c’ do RISTF prevê,
ainda, que compete às Turmas do STF processar e julgar,
originariamente, “a reclamação que vise a preservar a
competência do Tribunal ou a garantir a autoridade de suas
decisões ou Súmulas Vinculantes”.
10. Esta reclamação encarta-se na hipótese dos arts. 102, I, ‘l’,
e 103-A, §3º, da CF/88 c/c art. 988, III, do CPC. E constitui o
meio processual adequado e necessário para a correção de
desvio procedimental – com potenciais e iminentes efeitos
nefastos no resultado do julgamento - incorrido na decisão
reclamada, por destoar de parâmetro já assentado em acórdão
proferido em sede de controle de constitucionalidade.
11. O desvio procedimental, como já exposto, consiste em que,
na decisão reclamada, o e. Presidente do Tribunal Especial
Misto designou, para o dia 28.12.2020, segunda-feira, audiência
para interrogatório do reclamante. Mas isso sem que já
estivesse, como, de fato, ainda não está,finalizada a instrução
probatória (doc. 3).
12. Desrespeitou-se, com isso, o parâmetro fixado por essa e.
Corte no julgamento da ADPF 378-MC/DF, que assentou a
diretriz vinculante de que o interrogatório, por se tratar de
“instrumento de autodefesa que densifica as garantias do
contraditório e da ampla defesa, deve ser o último ato de
instrução do processo de impeachment” (grifou-se).
Desrespeitou, ao mesmo tempo, a Súmula Vinculante nº 14,
porque além de a delação premiada do Sr. Edmar Santos não
constar dos autos (prova já documentada em procedimento
investigatório), consequentemente o reclamante não poderá
ouvi-lo com toda liberdade.
13. Não tem sido incomum, aliás, o ajuizamento de reclamações
perante essa e. Corte contra atos praticados em “processos de
impeachment” em contrariedade à filtragem constitucional já
realizada no julgamento da ADPF 378-MC/DF. De fato, em caso
ontologicamente análogo, e bastante recente, o eminente
Ministro Dias Toffoli deferiu medida liminar na Rcl 24.727 (já
julgada monocraticamente em seu mérito), e assim se
manifestou:
“(...) Em juízo de estrita delibação, próprio dos provimentos
liminares, e da perspectiva da definição, do processo e do
julgamento de crimes de responsabilidade estarem
regulamentados por lei nacional, da competência privativa da
União, entendo que assiste razão jurídica à tese de violação à
SV nº 46 e à decisão na ADPF nº 378/DF pelo TJ/PA ao legitimar
o recebimento de denúncia e a deliberação pela cassação do
mandato de prefeito do Município de Novo Progresso por
escrutínio secreto (...)” (grifou-se).14. Nesse sentido foram as
decisões proferidas na Reclamação 37.923/SP (Min. Alexandre
de Moraes, DJe 20.11.2019), e na Reclamação 22.034-MC/SP
(Min. Luís Roberto Barroso, DJe 24.11.2015).

225
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Neste mesmo processo de impeachment, aliás, o reclamante já


apresentou a Reclamação 42.358/RJ, recebida, processada e
julgada, cuja relatoria coube ao Ministro Alexandre de Moraes.
O o intuito, ali, também era o de se preservar a autoridade da
decisão proferida na ADF 378-MC/DF).
15. A reclamação, no caso, no entanto, não é apenas adequada
e necessária: ela constitui, ainda, o meio mais célere e eficaz
para obviar o risco de prejuízo real, efetivo e iminente contra o
reclamante, na medida em que o seu interrogatório foi
açodadamente agendado para o dia 28.12.2020, segunda-feira,
num atropelo procedimental. Insista-se: essa data para
interrogar o reclamante deve ser alterada porque o processo de
impeachment ainda não está devidamente instruído. Muito pelo
contrário!
ANTECEDENTES RELEVANTES
16. Antecedentes – instalação da Comissão Especial na ALERJ:
Como já é público e notório, em 27.5.2020, quarta-feira, o Exmo.
Deputado Estadual Luiz Paulo Correa da Rocha e a Exma.
Deputada Estadual Lucia Helena Pinto de Barros ofereceram
denúncias, perante a ALERJ, contra o Governador Wilson
Witzel. A primeira, distribuída sob o no 5.328/2020, e a segunda,
apensada, sob o no 5.360/2020, ambas com fundamento nos
arts. 4º, V, 9º, VII, 74 a 79 da Lei nº 1.079/1.950. Depois de o
Exmo. Deputado Estadual Presidente da ALERJ, Sr. André Luiz
Ceciliano, deferir o prosseguimento das denúncias e determinar
a instalação da Comissão Especial de Impeachment, decidiu-se
pelo prosseguimento do rito em 6.7.2020 (doc. 3).
17. Cerne das denúncias – decisão proferida pelo e. Min.
Benedito Gonçalves, no dia 21.5.2020, no PBAC nº 27/DF,
relacionado com o Inquérito nº 1.338/DF: Os denunciantes
descreveram, como eixo e causa de pedir da denúncia, 2 (dois)
eventos específicos, ocorridos durante o combate à pandemia
da Covid-19, quais sejam: a revogação da desqualificação da
Organização Social de Saúde – OSS denominada Instituto Unir
Saúde; e a contratação da Organização Social Saúde – OSS
denominada “IABAS” (Instituto de Atenção Básica e Avançada à
Saúde) para a construção de hospitais de campanha. E o cerne
das denúncias radica, exatamente, em decisão proferida pelo
eminente Min. Benedito Gonçalves no Pedido de Busca e
Apreensão Criminal – PBACnº 27/DF, relacionado ao Inquérito
nº 1.338/DF, em trâmite perante o e. Superior Tribunal de
Justiça.
Das onze laudas das denúncias, cinco são dedicadas àquela
decisão; nas demais, ela é a todo momento mencionada.
18. Parte do Inquérito nº 1.338/DF convolou-se na Ação Penal
nº 976/DF, cuja principal prova é a delação premiada do Sr.
Edmar Santos: Nos autos do referido inquérito, o Sr. Edmar
Santos, ali também investigado, na condição de então secretário
de saúde do Estado do Rio de Janeiro à época dos fatos
narrados no parágrafo anterior, firmou um acordo de delação
premiada com a Procuradoria da República. Para tanto, prestou
depoimento nos dias 24, 25 e 26 de junho de 2020. E basta uma
ligeira passada de olhos na petição inicial da Ação Penal nº
976/DF2 para inferir-se, sem nenhum erro, que, do início ao fim,
ela gira em torno da referida delação premiada. Então, a
aritmética racional do caso é simples:

226
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

a) As denúncias do impeachment estribam-se no Inquérito nº


1.388/DF;
b) E a Ação Penal nº 976/DF, parte do Inquérito nº 1.388/DF, que
diz respeito exatamente aos fatos objeto do processo de
impeachment, estriba-se fundamentalmente, na delação
premiada, ali negociada, pelo Sr. Edmar Santos;
c) Fixadas essas premissas, a primeira conclusão, necessária,
que se extrai é a de que o denunciado, ora reclamante, não pode
defender-se adequadamente no processo de impeachment
enquanto não tiver acesso ao inteiro teor – ainda sob sigilo –
dessa referida delação;
d) A segunda conclusão necessária é a de que, enquanto essa
delação, na sua inteireza, for ali juntada, o reclamante está
impedido de ouvir, de forma ampla e irrestrita, o Sr. Edmar
Santos;
e) E a terceira conclusão necessária é a de que, seja como for,
o reclamante não poderá ser interrogado, no âmbito do processo
de impeachment;
f) E isso porque, como suma das sumas, enquanto esse ato
processual não se realizar ali, a instrução não estará ainda
concluída.
19. Relatório aprovado pela ALERJ: No processo de
impeachment, ainda na sua fase política, após o Governador
apresentar defesa, o Exmo. Relator então designado, o
Deputado Rodrigo Bacellar, elaborou parecer. À luz das
denúncias, entendeu pela existência de irregularidades
relacionados aos 2 (dois) referidos eventos (contratação da OSS
IABAS e decisão proferida pelo reclamante que requalificou a
OSS UNIR).
20. Instauração do Tribunal Especial Misto: Na sessão ordinária
realizada em 23.9.2020, a ALERJ aprovou a abertura do
processo. Determinou-se, então, seu rosseguimento perante o
e. Tribunal Especial Misto, que deveria ser formado por igual
número de Deputados e Desembargadores, com vistas à
apuração dos fatos, agora na fase jurisdicional. Elaborado o
roteiro do julgamento pelo e. Tribunal Especial Misto (doc. 3),
após a designação de relator, que coube ao Deputado Estadual
Waldeck Carneiro, o reclamante apresentou defesa. Em
seguida, o relator apresentou relatório, em 29.10.2020, terça-
feira. No dia 5.11.2020, quinta-feira, o e. Tribunal
Especial Misto decidiu pela instauração do processo.
21. A deliberação do Tribunal Especial Misto sobre provas: Na
sequência do roteiro definido pelo e. Tribunal Misto, o
reclamante apresentou, no dia 19.11.2020, segunda-feira,
defesa (doc. 3). Já não era mais a defesa prévia, mas a principal.
E postulou, ali, pela produção das seguintes provas: (i)
documental suplementar, (ii) testemunhal; (iii) pericial contábil
(fatos relacionados ao IABAS e à UNIR); e (iv) pericial de
engenharia (para provar que não houve superfaturamento na
contratação emergencial do IABAS). No mesmo prazo
designado para o reclamante apresentar defesa, o Exmo. Sr.
Deputado Estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, autor da
denúncia, também postulou oitiva de testemunhas e a produção
de prova documental (doc. 3).
22. No dia 4.12.2020, sexta-feira, em sessão específica para
deliberar sobre a instrução do processo – com o saneamento do
feito e a fixação não só dos pontos controvertidos, mas, também

227
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

dos meios de prova adequados para demonstrá-los –, o e.


Tribunal Especial Misto, por unanimidade, deferiu a produção de
prova testemunhal e documental suplementar para apurar
exatamente os 2 fatos já anteriormente narrados (contratação da
OSS IABAS e a decisão proferida pelo reclamante que
requalificou a OSS UNIR). Por sua vez, por maioria de 7x4 (o e.
Presidente do Tribunal Especial Misto também já proferiu voto),
indeferiu a produção das periciais postuladas pelo reclamante.
Confira-se íntegra do dispositivo da decisão (doc. 3):
“Por unanimidade de votos, foi deferida a produção de prova
testemunhal e as provas documentais suplementares. Por
maioria de votos, foram indeferidas as perícias, vencidas em
parte as Desembargadoras Teresa de Andrade Castro Neves,
Inês da Trindade Chaves de Melo e Maria da Glória Bandeira
Oliveira de Mello, que deferiam a prova pericial contábil. A
Deputada Dani Monteiro deferia todas as provas requeridas.
O Deputado Waldeck Carneiro indicou as testemunhas Nelson
Roberto Bornier de Oliveira, Mario Pereira Marques Neto, Edson
da Silva Torres, Gustavo Borges da
Silva, Carlos Frederico Verçosa Duboc, Maria Ozana Gomes,
Mariana Tomasi Scardua, Bruno José da Costa Kopke Ribeiro.
O Deputado Alexandre Freitas indicou
como testemunhas Helena Witzel e Alessandro de Araújo
Duarte.” (grifou-se)
23. Naquilo que interessa especificamente à esta reclamação,
tem-se que, ao deferir a produção de prova documental
suplementar, o e. Tribunal Especial Misto deferiu:
(a) a juntada da documentação já acostada à defesa; e (b) a
vinda aos autos de outros mais de 40 (quarenta) documentos
solicitados pela eminente Desembargadora Inês da Trindade
Chaves de Melo componente daquele e. Tribunal.
24. Na mesma ocasião, o reclamado designou, para as 9hs do
dia 17.12.2020, quinta-feira, audiência para a inquirição de 28
testemunhas (algumas arroladas pelos denunciantes e
denunciados, e outras, de ofício, como testemunhas do Juízo,
por membros do e. Tribunal Especial Misto). No dia 10.12.2020,
quinta-feira, o reclamado proferiu nova decisão, para designar,
para o dia 18.12.2020, sexta-feira, o interrogatório do
reclamante. Veja-se:
(...)
25. Como já era de se esperar (pelas próprias regras de
experiência – CPC, art. 375), não foi possível ouvir todas as
dezenas de testemunhas arroladas, notadamente porque várias
delas nem sequer foram intimadas. Também não foram juntados
aos autos a íntegra de todas as dezenas de documentos
suplementares. E mais, no dia, 2 membros do e. Tribunal
Especial Misto postularam a produção de novos documentos,
cuja necessidade surgiu com a oitiva de uma das testemunhas.
26. Nesse contexto, ao fim da referida audiência realizada no dia
17.12.2020, o reclamado proferiu nova decisão. Ao
desconsiderar solenemente, e sem qualquer fundamentação
mínima, o próprio recesso forense (férias dos advogados,
sempre do dia 20 de dezembro ao dia 20 de janeiro, com
previsão legal expressa – Lei do Estado do Rio de Janeiro nº
6.956/15, art. 66, §1º3), o reclamado designou para o dia
28.2.2020, segunda-feira, às 9 hs, a oitiva das testemunhas

228
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

remanescentes. Após, e para o mesmo dia, também designou o


interrogatório do reclamante.
27. Nesse ínterim, o reclamado concedeu ao reclamante o prazo
de 5 dias, com termo assinalado para o dia 22.12.2020, terça-
feira, para indicar novos endereços com relação a três
testemunhas por ele arroladas, que não haviam sido intimadas
positivamente. Esse também seria o prazo concedido pelo
reclamado ao reclamante para apreciar, nada mais e nada
menos, do que 174
documentos novos, distribuídos em 16 pastas, que, somados,
geram um conteúdo de 2,62 gigabytes, todos eles fornecidos
pelo e. Superior Tribunal de Justiça.
28. Para facilitar a análise da decisão objeto desta reclamação,
bem como a necessidade de se produzir outros novos
documentos, confiram-se trechos específicos (extraídos
diretamente do Youtube porque, diante do atropelo processual,
nem sequer há degravação formal):
“(...) 81min 32seg.: Presidente: Agora eu preciso indagar, fazer
umas perguntas, pelo seguinte: algumas testemunhas que foram
arroladas, inobstante o endereço apresentado e também o
esforço desse Tribunal Misto em tentar localizar as testemunhas,
algumas não conseguiram ser encontradas. Eu vou apenas
arrolar os nomes e vou indagar.
(...)
82:53h Presidente: Então indago ao Deputado Luiz Paulo se vai
abrir mão dessa testemunha ou não: Victor Hugo Amaral
Cavalcante Barroso.
Deputado Luiz Paulo: Esse presente esse cidadão seria o
pretenso tesoureiro da quadrilha e também o doleiro, mas a
dispensa do mesmo diante do caso UNIR e do caso IABAS não
compromete as provas que já possuímos. Então, seu o
presidente podemos liberar essa testemunha.
Presidente: Pergunta que faço a defesa: testemunhas arroladas
pela defesa: Edmar Santos, mandado positivo, ou seja,
encontrado. Gabriel Carvalho Neves Franco dos Santos,
encontrado. Cláudio Alves França, não encontrado. Carlos
Alberto Chaves, localizado. Mário Peixoto, preso. Foi feita a
intimação da testemunha. Luiz Augusto Damasceno Melo,
positivo. Hormindo Bicudo Neto, positivo. Sérgio de Abreu
Gama, negativo, não localizado. Felipe de Melo Fonte, positivo.
Luís Roberto Martins, positivo. Marcos Velhote de Oliveira,
positivo. Luiz Otávio Martins Mendonça, negativo. Faço a
pergunta a defesa, se abre mão das testemunhas que não foram
encontradas: Cláudio Alves França, Sérgio de Abreu Gama e
Luís Otávio Martins Mendonça.
Defesa: Senhor Presidente, a defesa não tem condições de abrir
mão de qualquer
testemunha antes de ver o material que foi juntado aos autos.
Eventualmente, depois de saber o que tem nos autos, eu posso
abrir mão. Portanto, a gente insiste nas testemunhas e pede um
prazo razoável para poder se manifestar. Eu não vi o contra
mandado para saber qual a dificuldade que teve em localizá-los.
Então, peço um prazo.
Presidente: Eu poderia, por gentileza, pedir ao senhor que
fornecesse o novo endereço, porque como disse no início, o
endereço que foi o fornecido pela defesa o oficial de justiça foi
no endereço e não localizou. Então, eu entrei em contato com o

229
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Tribunal Regional Eleitoral para verificar se havia um outro


endereço e foi fornecido esse outro endereço, em que também
não foi localizado. Então, eu preciso que o Senhor, por gentileza,
apresente esse endereço e, se possível, no prazo até amanhã,
porque eu gostaria de ouvir na semana que vem.
Defesa: Senhor Presidente, eu peço um prazo razoável, pois nós
passaremos o dia todo aqui hoje. Até amanhã não tenho
condições de buscar o endereço.
Presidente: Qual o prazo o Senhor acha razoável?
Defesa: Acho que cinco dias é um prazo razoável para poder
manifestar sobre a testemunha, o endereço e ir atrás disso. Se
o próprio Tribunal Eleitoral não conseguiu, eu não conheço as
pessoas. Eu vou tentar localizá-las.
Presidente: Pois não, então, hoje, deixa eu ver como é. Algum
colega quer sugerir algum prazo?
Tribunal Misto: Cinco dias parece razoável.
Tribunal Misto: Eu também penso assim, Presidente Maldonado
de Carvalho. Podese conceder o prazo de cinco dias, ele
trazendo o endereço das testemunhas. Se ele não trouxer, ele
deve formular sua desistência. Se ele também não conseguir,
não podemos ficar na expectativa de uma hora, um dia, isso ser
encontrado. Então, me parece razoável esse prazo de cinco
dias. Nós vamos ouvir todas as testemunhas de hoje.
Presidente: Então, Doutor, até o dia 22.12.2020, cinco dias.
Defesa: Ok, agradeço Vossa Excelência. Uma questão de
ordem. Nós pararemos no recesso?
Presidente: Continuaremos no recesso. (...)”
“(...) 10h 31min: Presidente: antes de encerrar, quero apenas
informar aos eminentes julgadores. Bom, testemunhas arroladas
pela defesa que ficaram de ser ouvidas, oportunamente, depois
que os advogados apresentarem no prazo de cinco dias o
endereço: Claudio Alves França, Sergio de Abreu Gama, Luiz
Otavio Martins Mendonca, Mariana Tomasi Scardua.
Testemunhas do deputado Waldeck Carneiro, que também não
foram encontradas: Edson da Silva Torres e Mariana Tomasi
Scardua e uma testemunha indicada pela Desembargadora
Maria da Gloria Bandeira de Melo, que e Walter Alencar Pires
Rebelo.
Deputado Alexandre Freitas: Senhor Presidente, gostaria de
fazer um requerimento de envio do procedimento de registro do
roubo que a testemunha Bruno. Seria interessante se fosse
juntado aos autos o registro de ocorrência a respeito do roubo
que tanto motivou a doação de campanha.
Presidente: Pode ser, ok. O Tribunal está de acordo? Ok, então,
vou pedir que ele seja intimado para apresentar. Bom, nós
estamos reunidos aqui em sessão desde cedo, terminando a
sessão as 22:00 horas. Estou encerrando a sessão nesse
momento e designando sessão de continuação para o dia 28 de
dezembro de 2020, as 9:00h. Determinando, desde já, o prazo
de cinco dias corridos para informação dos endereços das
testemunhas que não foram encontradas ou eventual
substituição. Resignação do interrogatório do acusado para a
data acima mencionada, após o término da oitiva das
testemunhas arroladas. A intimação das testemunhas e do
acusado para a sessão acima designada. Intimar a defesa na
presente sessão para ter acesso aos documentos
encaminhados pelo Superior Tribunal de Justiça no curso da

230
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

presente ação que, inclusive, foram entregues agora, hoje, às 15


horas pelo Ministro Benedito Gonçalves. Foram encaminhados
pelo Ministro para o Tribunal Especial Misto. Acabei de ser
informado pela secretaria do Tribunal Especial Misto. Portanto,
estou intimando a defesa, na presente sessão, para ter acesso
aos documentos encaminhados pelo STJ.
Agradeço.
Deputada Dani Monteiro: Pela ordem Presidente, gostaria de
solicitar a inclusão do imposto de renda de 2017/2018 da
testemunha, se for possível.
Presidente: É possível. Doutora Reginelde, por favor, anota.”
29. No dia 22.12.2020, terça-feira, o reclamante cumpriu o prazo
exíguo a ele concedido. Indicou novo endereço de 1 testemunha
e pediu a substituição de outras 2 porque não conseguiu
encontrar informações de onde se encontravam. Na mesma
ocasião, informou ao reclamado que os próprios documentos
novos, fornecidos pelo Superior Tribunal de Justiça, nem sequer
constam dos autos do processo na íntegra. Como
expressamente explicado por serventuária do e. Tribunal
Especial Misto, no dia 22.12.2020, terça-feira, “o êxito que
obtivemos foi de quase 100% e, na pequena parte que ficou
pendente, as mesmas prosseguem junto ao Tribunal Superior”
(doc. 3).
30. Sobre esses documentos, aliás, há um cuja relevância é
central, conforme já exposto: a delação premiada do Sr. Edmar
Santos. Requisitado pelo reclamado, o e. Superior Tribunal de
Justiça deferiu, apenas em parte, seu acesso. E nessa mesma
ocasião o e. Min. Benedito Gonçalves já decidiu que o Sr. Edmar
Santos até poderia comparecer à sessão do dia 17.12.2020,
quinta-feira, desde que mantivesse sigilo absoluto sobre os fatos
da delação, o que, de fato aconteceu. Ele, do início ao fim,
manteve-se em silêncio.
31. Também não consta dos autos a degravação dos
depoimentos prestados por dezesseis testemunhas no dia
17.12.2020, quinta-feira. E, com absoluta certeza, notadamente
pelas regras de experiência (CPC, art. 375), a degravação dos
depoimentos a serem prestados pelas seis testemunhas (até o
momento), no dia 28.12.2020, segunda-feira, também não
constará dos autos, notadamente para que o reclamante
disponha de prazo minimamente razoável para, em conjunto
com os seus advogados, analisar seu conteúdo, e, somente
depois, ser interrogado.
32. Não obstante todos esses aspectos, o reclamado, no dia
mesmo dia 22.12.2020, terçafeira, proferiu nova decisão. Além
de fundamentar os motivos pelos quais o processo de
impeachment seguiria mesmo durante o recesso forense,
decidiu que os documentos pendentes de apresentação pelo
Superior Tribunal de Justiça não mais seriam juntados aos
autos, bem como ao fim manteve a audiência do dia 28.12.2020,
segunda-feira, para ouvir testemunhas e interrogar o
reclamante, na medida em que o processo deve durar 120 dias.
Confiram-se os principais trechos da r. decisão que é o objeto
desta reclamação:
“Não assiste razão à defesa em suas alegações e
requerimentos. Primeiramente, cabe trazer à baila que o rito
procedimental foi submetido ao Tribunal Especial Misto, e,
aprovado, não foi sequer impugnado pela defesa. Foi decisão

231
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

expressa do Tribunal Especial Misto que os prazos e atividades


não seriam suspensos durante o recesso forense.
Inobstante, urge salientar que o chamado “recesso forense” é a
suspensão de prazosprocessuais exclusivamente determinada
por força de regra de organização judiciária. Por exemplo, no
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, tal suspensão
se dá por força do § 1º do art. 66 da LODJ. Tal não ocorre com
o Tribunal Especial Misto, não lhe sendo oponível eventuais
suspensões por recesso de outros tribunais, dado que o TEM é
unidade jurisdicional, ainda que temporária, autônoma.
Não se alegue ainda que seria oponíveis as chamadas “férias
dos advogados” instituídas pelo art. 220 do CPC. Tal suspensão
não se aplica ao processo penal.
Sobre tal controvérsia debulhou-se a Exmª Ministra Carmen
Lúcia, no bojo dareclamação 6866-92.2016.2.00.0200, veja-se:
(...)
Por fim, a própria lei 1079/50 determina, no art. 82, que o
processo e julgamento dos crimes definidos naquela lei deve ser
ultimado em 120 dias. Tal determinação legal inculca
obviamente que os prazos e atividades não podem ser
suspensos por fictício recesso forense ou férias de advogados.
Intime-se a testemunha nos endereços indicados pela defesa, e,
requisitem-se as demais testemunhas junto aos seus comandos
militares, uma vez que não oferecidos endereços para
intimações. Uma vez infrutífera a intimação para
comparecimento pessoal intime-se por mensagem eletrônica
para participação telepresencial. Ao contrário do que alega, há
certidão de que todos os documentos enviados pelo STJ lhe
foram disponibilizados, ainda que em dois momentos.
Tendo sido designada sessão de instrução para o dia
28/12/2020 é forçoso reconhecer que haverá prazo mais que
suficiente para análise dos documentos efetivamente enviados
pelo STJ. Os documentos sobre os quais houve erro de
download por força do tamanho dos arquivos serão
desconsiderados como prova. Finalmente, ante a alegação da
defesa sobre a ausência do acusado à sessão de interrogatório
já designada, cabe ser alertada sobre a aplicabilidade do
disposto no art. 397 do CPP ao caso. Isto posto, mantenho a
data de sessão anteriormente designada.” (doc. 2; grifou-se)
33. Com as devidas vênias, se as denúncias do processo de
impeachment foram mal propostas e de fato foram (o reclamante
avisou desde o primeiro momento), se essas denúncias foram
mal instruídas e de fato foram (o reclamante também apontou
essa irregularidade desde o início), se no STJ não há provas
contra o reclamante e de fato não há, se no Tribunal Especial
Misto não há provas contra o reclamante e de fato não há, se o
Tribunal Especial Misto possui 120 dias para processar e julgar
o reclamante e pela lei federal possui (a CF/88 não possui essa
regra), nada disso é justificativa para tolher do reclamante o
direito de exercer amplamente a sua defesa. Todo esse contexto
só demonstra que as denúncias não se sustentam. Perdoe-se o
óbvio, mas essa situação processual atual – a de a delação
premiada do Sr. Edmar Santos ainda estar sob sigilo – foi criada
pelo próprio Poder Público (no caso, o STJ, que ainda não
apreciou a denúncia criminal do MPF). Consequentemente, o
interrogatório do reclamante, que está previsto para o dia

232
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

28.12.2020, segunda-feira, deve ser adiado, como será


demonstrado.
INTERROGATÓRIO DO RECLAMANTE DESIGNADO PARA O
DIA 28.12.2020, SEM QUE TENHA HAVIDO FIM DA
INSTRUÇÃO PROBATÓRIA
A) DELAÇÃO PREMIADA DO SR. EDMAR SANTOS NÃO
JUNTADA NA ÍNTEGRA E, POR ISSO, FOI SUPRIMIDA A
OITIVA ADEQUADA DO DELATOR – COM A APRECIAÇÃO DA
DENÚNCIA PELO STJ, TUDO RESTARÁ SANADO:
34. Sobre a produção de prova documental suplementar, é
possível verificar, através de link público disponibilizado pela
ALERJ, o inteiro teor do voto proferido pela eminente
Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo, dia
4.12.2020, sexta-feira, pelo qual foi requerida a produção dos
seguintes documentos suplementares:
“(...) E a prova que eu acho de fundamental importância, que é
o compartilhamento da degradação das interceptações
telefônicas e outros documentos no âmbito da Operação
Placebo, inquérito 1.338 do Distrito Federal, bem como os
documentos e cópia abaixo listados com a denúncia, nos temos
do artigo 7º, parágrafo terceiro, da Lei 12.850 de 2013, não
interferindo em qualquer investigação, observado o sigilo
processual, caso decretado pelo STJ, como informado pelo
Ministro Relator na decisão de afastamento o ora réu, Cautelar
Inominada nº 13 do Distrito Federal de 2020/0204204-1.
Documento 1: anexo três do termo de colaboração premiada de
Edmar Santos.
Documento 2: anexo dez do termo de colaboração premiada de
Edmar Santos.
Documento 3: termo de depoimento de Edson Torres, de 3 de
setembro de 2020.
Documento 4: denúncia da Operação Favorito.
Documento 5: termo de depoimento de Edson Torres, de 8 de
setembro de 2020.
Documento 6: anexo dois do termo de colaboração premiada de
Edmar Santos.
Documento 7: RIF 51094.
Documento 8: termo de depoimento número quatro de Edmar
Santos.
Documento 9: RIF 51093.
Documento 10: termo de depoimento número onze de Edmar
Santos.
Documento 11: termo de depoimento número dezoito de Edmar
Santos.
Documento 12: RIF 51091.
Documento 13: livro de entradas do Palácio Laranjeiras,
apreendido na Operação Placebo.
Documento 14: contrato gestão Instituto Solidário.
Documento 15: depoimento número seis de Edmar Santos.
Documento 16: RIF 51042.
Documento 17: termo de depoimento número vinte e três de
Edmar Santos.
Documento 18: termo de depoimento número vinte e cinco de
Edmar Santos.
Documento 19: termo de depoimento número vinte e quatro de
Edmar Santos.

233
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Documento 20: relatório de análise do material apreendido,


número 100/2020.
Documento 21: termo de depoimento número trinta e três de
Edmar Santos.
Documento 22: depoimento de Carlos Fernando Riqueza
Marinho.
Documento 23: auto circunstanciado número três.
Documento 24: RIF 51638.
Documento 25: cadastro CITEL.
Documento 26: informação policial número 20/2020.
Documento 27: RIF 5152.
Documento 28: RIF 51053.
Documento 29: Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro do dia
30 de abril de 2020, página 19.
Documento 30: RIF 51054.
Documento 31: contrato SEDAE 062/2019.
Documento 32: termo de depoimento número trinta e cinco de
Edmar Santos.
Documento 33: relatório de comunicações interceptadas da
Polícia Federal.
Documento 34: relatório circunstanciado, imóvel José Carlos,
inquérito 1338, equipe RJ58.
Documento 35: RIF 542.
Documento 36: certidão de casamento de Wilson Witzel e
Helena Witzel.
Documento 37: relatório de análise de material apreendido
número 150/2020.
Documento 38: processo Helena Witzel.
Documento 39: troca de mensagens Gotardo x Wilson Witzel.
Documento 40: Diário Oficial GLM.
Além desses documentos, requer mais precisamente os
depoimentos mencionados da decisão da Cautelar Inominada
Criminal número 35DF2020/0204204-1.
Tenho depoimento do anexo dez, depoimento anexo dois,
depoimento anexo três, anexo quatro, anexo onze, anexo
dezoito, anexo seis, anexo vinte e três, anexo vinte e cinco,
anexo vinte e quatro, anexo trinta e três, anexo catorze, anexo
cinco, anexo vinte e dois, anexo sete, anexo oito e anexo vinte e
oito. Ressaltando que a denúncia contra Wilson Witzel já foi
apresentada no STJ. É o que eu tenho a requerer, presidente.”
(Trechos do voto proferido pela eminente Desembargadora na
sessão de julgamento do dia 4.12.2020, sexta-feira, extraídos do
seguinte link – 52m 50seg a 54m 35seg:
https://www.youtube.com/watch?v=zszNsFjikFU)
35. Trata-se de extensa lista de documentos suplementares
(mais de 40 no total), cujo ingresso nos autos demandará
atuação concentrada do Superior Tribunal de Justiça. E além
desta lista de documentos, o próprio relator do e. Tribunal
Especial Misto, por meio do voto proferido na sessão do dia
4.12.2020, sexta-feira, também determinou a produção de
provas documentais suplementares, cujos documentos são
inclusive análogos a alguns postulados pela eminente
Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo. Para
facilitar a compreensão e a relação existente entre os referidos
documentos, confiram-se trechos do voto proferido pelo
eminente relator (doc. 3):

234
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

36. Mais do que atender à solicitação oriunda do e. Tribunal


Especial Misto, o e. Min. Benedito Gonçalves, do Superior
Tribunal de Justiça, relator do Inquérito nº 1.338/DF, atual Ação
Penal nº 976/DF, ainda deverá analisar a viabilidade, por
exemplo, do compartilhamento de provas acobertadas por sigilo
judicial. Afinal, como ficou evidente na lista de documentos
acima colacionada, o conteúdo da delação premiada do Sr.
Edmar Santos interessa a todos.
37. E, assim, de fato, se deu. Ao apreciar uma petição
direcionada pelo delator (que foi arrolado como testemunha pelo
reclamante), o e. Min. Benedito Gonçalves decidiu,
expressamente, que o conteúdo da delação premiada é sigiloso,
ao menos até a apreciação da denúncia feita pela Procuradoria
da República, contra o reclamante, perante o Superior Tribunal
de Justiça,notadamente com base no referido documento. Já ao
apreciar a petição apresentada pelo reclamado, o mesmo e. Min.
Benedito Gonçalves decidiu que disponibilizaria apenas parte da
delação premiada.
Para facilitar a análise das referidas decisões, confiram-se
trechos de cada uma, respectivamente:
“(...) De qualquer forma, pelo princípio da cooperação, cumpre
seja informado o Presidente do Tribunal Especial Misto de que o
acordo de colaboração premiada e os depoimentos prestados
pelo colaborador EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS ainda se
encontram sob total sigilo no Superior Tribunal de Justiça, nos
termos art. 7º, § 3º, da Lei n. 12.850/2013, dado que não ainda
houve exame das denúncias apresentadas pelo MPF/PGR ao
STJ; bem como de que o referido colaborador, nos próprios
termos ajustados com o MPF na cláusula 36ª, letra "i", deve
resguardar o mais amplo sigilo, sob pena de rescisão de seu
acordo de colaboração premiada.” (doc. 3; grifou-se)
***
“(...) Defiro, parcialmente, o pedido, ressalvados os anexos da
colaboração que não digam respeito ao Governador Wilson José
Witzel.” (doc. 3; grifou-se)
38. Note-se que o e. Ministro afirmou que os termos de
depoimento do delator estão sob “total sigilo”, bem como que o
próprio estaria impedido de depor perante o e. Tribunal Especial
Misto sobre os fatos relacionados à delação, sob pena de perder
seu acordo de colaboração com o Ministério Público Federal.
Ainda segundo o e. Ministro, tal situação perduraria até que se
examinasse as denúncias formuladas pelo Parquet federal,
quando então, nos termos da Lei nº 12.850/2013, haveria
revogação do sigilo.
39. Ocorre que, como acima já demonstrado, as acusações
feitas pelo mencionado delator dizem respeito ao núcleo do que
o processo de impeachment busca esclarecer. Tanto é assim,
que a sua oitiva foi deferida pelo e. Tribunal Especial Misto e,
ainda, a juntada de seus depoimentos foi requerida por membros
desse mesmo Tribunal.
40. Indaga-se, pois, o seguinte: como o processo de
impeachment poderia seguir sem que a íntegra da delação
premiada conste dos autos? E como o processo de
impeachment poderia seguir sem que a oitiva do delator se
desse de modo amplo e irrestrito? A resposta já foi dada pelo
próprio e. Min. Benedito Gonçalves: quando a denúncia criminal
ali deduzida for apreciada.

235
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

41. Não se trata de entender que são processos distintos e


independentes porque obviamente são. Não se discute aqui a
independência e distinção entre os processos. O que se
pretende, tão somente, é que a delação premiada do Sr. Edmar
Santos se torne pública para que o reclamante tenha o direito de
ouvi-lo de forma ampla e irrestrita. Até porque, não só a delação
é documento que está na raiz do que se discute também no
processo de impeachment como a própria pessoa do delator.
Logo, não pode haver julgamento, muito menos conclusão da
instrução, e menos ainda interrogatório do denunciado, sem que
este tenha acesso ao que ali se diz para, consequentemente, o
reclamante ter o direito de inquirir a testemunha.
42. Nos próprios termos da Súmula Vinculante nº 14, “é direito
do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
Também nesse sentido é a jurisprudência dessa c. Corte
Suprema que se formou em torno da referida súmula, in verbis:
“Nada, absolutamente nada, respalda ocultar de envolvido –
como é o caso da reclamante – dados contidos em autos de
procedimento investigativo ou em processo alusivo a ação
penal, pouco importando eventual sigilo do que documentado.
Esse é o entendimento revelado no verbete vinculante 14 (...).
Tendo em vista a expressão acesso amplo”, deve-se facultar à
defesa o conhecimento da integralidade dos elementos
resultantes de diligências, documentados no procedimento
investigatório, permitindo, inclusive, a obtenção de cópia das
peças produzidas. O sigilo refere-se tão somente às diligências,
evitando a frustração das providências impostas. Em síntese, o
acesso ocorre consideradas as peças constantes dos autos,
independentemente de prévia indicação do Ministério Público. 3.
Defiro a liminar para que a reclamante, na condição de
envolvida, tenha acesso irrestrito e imediato, por meio de
procurador constituído, facultada inclusive a extração de cópia,
aos elementos constantes do procedimento investigatório (...).”
(STF, Rcl 31.213-MC, rel. min. Marco Aurélio, dec. monocrática,
j. 20-8-2018, DJE 174 de 24-8-2018; grifou-se)
***
“Reclamação. 2. Direito Penal. 3. Delação premiada. “Operação
Alba Branca”.
Suposta violação à Súmula Vinculante 14. Existente. TJ/SP
negou acesso à defesa ao depoimento do colaborador (...), nos
termos da Lei 12.850/2013. Ocorre que o art. 7º, § 2º, do mesmo
diploma legal consagra o “amplo acesso aos elementos de rova
que digam respeito ao exercício do direito de defesa”,
ressalvados os referentes a diligências em andamento. É ônus
da defesa requerer o acesso ao juiz que supervisiona as
investigações. O acesso deve ser garantido caso estejam
presentes dois requisitos. Um, positivo: o ato de colaboração
deve apontar a responsabilidade criminal do requerente (Inq
3.983, rel. min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 3-3-
2016). Outro, negativo: o ato de colaboração não deve referir-se
a diligência em andamento. A defesa do reclamante postulou ao
relator do processo o acesso aos atos de colaboração do
investigado. 4. Direito de defesa violado. 5. Reclamação julgada
procedente, confirmando a liminar deferida.” (STF, Rcl 24.116,

236
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. 13-12-2016, DJE 28 de 13-2-


2017; grifou-se)
***
“O conteúdo dos depoimentos prestados em regime de
colaboração premiada está sujeito a regime de sigilo, nos termos
da Lei 12.850/2013 (...). 2. O sigilo perdura, em princípio,
enquanto não “(...) recebida a denúncia” (art. 7º, § 3º) e
especialmente no período anterior à formal instauração de
inquérito. Entretanto, instaurado formalmente o inquérito
propriamente dito, o acordo de colaboração e os
correspondentes depoimentos permanecem sob sigilo, mas com
a ressalva do art. 7º, § 2º, da Lei 12.850/2013 (...). 3. Assegurado
o acesso do investigado aos elementos de prova carreados na
fase de inquérito, o regime de sigilo consagrado na Lei
12.850/2013 guarda perfeita compatibilidade com a Súmula
Vinculante 14, que garante ao defensor legalmente constituído
(...).” (STF, Pet 6.164 AgR, rel. min. Teori Zavascki, 2ª T, j. 6-9-
2016, DJE 201 de 21-9-2016; grifou-se)
43. Esses são os motivos pelos quais o reclamante ajuizou a
presente reclamação. Ele possui o direito inafastável de ter
acesso à delação em questão, notadamente para ver respeitada
a autoridade da Súmula Vinculante nº 14. Essa também é, no
caso, a adequada interpretação do art. 7º, §§2º e 3º, da Lei nº
12.850/13.
44. O reclamante jamais poderá ficar obstado de ouvir,
irrestritamente, o delator, na condição de testemunha, no
processo de impeachment. Mas, para que isso ocorra, a
denúncia criminal,que possui o mesmo lastro probatório (a
delação premiada), deve ser apreciada.
45. Sem essa prova e a possibilidade de ouvir o delator sem
restrições, torna-se evidente o cerceamento do direito de defesa
do reclamante. Afinal, com as devidas vênias, limitar o acesso
aos depoimentos que supostamente o reclamante não teria sido
diretamente citado é uma conclusão à qual, inclusive, o e.
Ministro do Superior Tribunal de Justiça chegou de forma
unilateral.
Dizer o que interessa ou não ao reclamante, d.v., é algo que
incumbe a ele dizer, e a mais ninguém.
46. E mais: é de relevância óbvia e ululante que as partes e os
próprios membros do e. Tribunal Especial Misto tenham acesso
à íntegra dos depoimentos prestados pelo referido delator e,
principalmente, que este possa ser inquirido sem restrições. Só
assim todos (acusação, reclamante, membros do e. Tribunal
Especial Misto e, mais importante, a população fluminense)
poderão ser aclarados dos fatos que recaem contra o
reclamante.
47. Pode-se dizer, sem receio de cometer qualquer exagero, que
o único ato que não poderia ser suprimido no processo de
impeachment é, justamente, o depoimento do delator, já que as
denúncias do processo de impeachment o colocam no centro
dos fatos; é o único elemento a conectar o reclamante aos ilícitos
narrados. Ou seja, a absolvição do reclamante passa,
indiscutivelmente, por aquilo que o delator em questão venha a
afirmar perante o e. Tribunal Especial Misto.
48. Qualquer incerteza que o referido delator eventualmente
expresse sobre as acusações ao reclamante, como deduções,
suposições ou juízos baseados em “ouvi dizer” podem solapar o

237
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

mérito das acusações. Consequentemente, suprimir tal ato é


impedir o direito à ampla defesa e tornar o processo em questão
em mero simulacro, encenação, faz de conta.
49. Diga-se, en passant, que o reclamante não tem objetivo de
procrastinar o julgamento do processo. Afinal, a ele nem sequer
interessa que se prolongue mais do que o prazo adequado,
notadamente porque já está afastado por mais alguns meses
pelo próprio e. Tribunal Especial Misto o constam dos autos a
degravação dos referidos depoimentos.
52. E mais, por óbvio, também não consta dos autos do processo
a degravação dos depoimentos a serem prestados pelas 6
testemunhas (até o momento), no dia 28.12.2020, segundafeira.
Ocorre que, como dito, o reclamado decidiu interrogar o
reclamante nesse mesmo dia, razão pela qual o reclamante não
possuirá absolutamente nenhum tempo razoável para, em
conjunto com os seus advogados, analisar o conteúdo dos
depoimentos.
53. Essa, inclusive, é a jurisprudência dessa c. Corte, como se
extrai do seguinte julgado:
“No caso, conforme despacho da autoridade policial, já foram
tomados os depoimentos de testemunhas, mas os respectivos
termos não foram juntados aos autos. A autoridade policial
argumentou que, por estratégia de investigação, o investigado
deve ser ouvido antes de tomar conhecimento do depoimento
das testemunhas. Acrescentou que o interrogatório e os
depoimentos das testemunhas fazem parte de uma única
diligência policial. Dessa forma, não haveria diligência concluída,
de juntada obrigatória aos autos. O ato contraria o entendimento
desta Corte representado pela Súmula Vinculante 14. O
depoimento de testemunhas é uma diligência separada do
interrogatório do investigado. Não há diligência única, ainda em
andamento. De forma geral, a diligência em andamento que
pode autorizar a negativa de acesso aos autos é apenas a
colheita de provas cujo sigilo é imprescindível. O argumento da
diligência em andamento não autoriza a ocultação de provas
para surpreender o investigado em seu interrogatório. É direito
do investigado tomar conhecimento dos depoimentos já colhidos
no curso do inquérito, os quais devem ser imediatamente
entranhados aos autos. Em consequência, a defesa deve ter
prazo razoável para preparar-se para a diligência, na forma em
que requerido. Ante o exposto, defiro o requerimento do
investigado AÉCIO NEVES DA CUNHA, para determinar que a
autoridade policial junte aos autos todos os depoimentos de
testemunhas já colhidos, franqueando acesso à defesa, e
suspenda o interrogatório do requerente, por pelo menos 48
horas, contados da juntada” (STF, Inq. 4.244, Rel. Min. Gilmar
Mendes, dec. monocrática, j. 25-4-2017, DJE 87 de 26-4-2017;
grifou-se)
54. Resta evidente, então, que, por mais esses motivos, o
processo de impeachment, no qual o reclamante é denunciado,
não está devidamente instruído. É ilegal – para dizer o mínimo –
interrogar o reclamante no mesmo dia em que várias
testemunhas serão ouvidas.
C) DESRESPEITO À SÚMULA VINCULANTE Nº 14 E À RATIO
DECIDENDI DA ADPF Nº378-MC/DF:
55. É direito do reclamante, notadamente na condição especial
e gravíssima de denunciado de um processo de impeachment,

238
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

comparecer à sessão de interrogatório ciente e munido de todas


as provas já produzidas no processo. Ele não pode ser
surpreendido, nem pode ser arguido no escuro.
56. Ainda que, por hipótese, todo esse volumoso acervo
probatório viesse a ser juntado aos autos até o dia 28.12.2020,
segunda-feira, o fato é que o reclamante jamais teria tempo hábil
de examinar todas elas, nem muito menos de absorver todos os
depoimentos das dezenas de testemunhas. Na verdade, mais
grave, é evidente que o Sr. Edmar Santos, protagonista do
processo de impeachment, deve ser ouvido de forma ampla e
irrestrita.
57. De um modo ou de outro, é inequívoco o prejuízo aqui para
a defesa da reclamante. Não há como, no atropelo, e aos
cambulhões, se fazer, em sequência, esses atos: oitiva de
testemunhas, seguida de interrogatório, com a vinda, ainda, para
agravar a situação, de um calhamaço de provas documentais (a
íntegra da delação), para somente depois ouvir o delator.
58. Essa ordem, evidentemente, não é a correta. Na audiência
já designada para o dia 28.12.2020, segunda-feira, a 6
testemunhas restantes podem ser tranquilamente ouvidas. Mas,
depois, deve-se aguardar cair o sigilo da delação premiada do
Sr. Edmar Santos para, aí sim, designar uma audiência para
ouvi-lo, nem se que seja em exíguo prazo de, por exemplo, 48h.
Somente depois, e aí sim ao fim da instrução processo, é que o
reclamante deve ser interrogado, notadamente para que ele
tenha pleno conhecimento de todo acervo probatório.
59. É exatamente por esses motivos que o interrogatório do
denunciado de um processo de impeachment deve ser o último
ato de instrução probatória. Mas, no caso, à luz da designação
do reclamado, não será. Não há como ser. Constrói-se, pois, ou
corre-se o risco de que seja construído, um expediente que
possa surpreender a defesa do reclamante, para dizer o mínimo.
60. Consequentemente, essa é a decisão objeto desta
reclamação. Isso porque, ao assim decidir (designar o
interrogatório do reclamante para o dia 28.12.2020, segunda-
feira, mesmo dia em que serão ouvidas várias testemunhas, e
tudo isso sem nem sequer constar dos autos a íntegra da
delação premiada e a exaustiva oitiva do delator), o reclamado
violou a Súmula Vinculante nº 14 e, ao mesmo tempo, o
precedente vinculante proferido por esse e. Supremo Tribunal
Federal.
61. A Súmula Vinculante nº 14 e os julgados que a aplicam são
claros. O reclamante possui o direito de ter pleno acesso à
delação premiada do Sr. Edmar Santos, que, embora seja
protagonista do processo criminal, também o é no processo de
impeachment. Consequentemente, o reclamante tem o direito, e
é até mesmo recomendável (em busca da verdade real), que o
delator seja ouvido de forma ampla e irrestrita. Por fim, é
inconcebível o reclamante ser interrogado no mesmo dia em que
6 testemunhas serão ouvidas.
62. Já no julgamento da ADPF 378-MC/DF, ao interpretar os
arts. 28 e 29 da Lei n. 1.079/50, e art. 400 do CPP, esta e. Corte
Suprema concluiu que o interrogatório do denunciado deve ser
necessariamente o último ato da instrução do processo de
impedimento. E o motivo é tão simples quando adequado,
porque se trata de “instrumento de autodefesa que densifica as

239
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

garantias do contraditório e da ampla defesa”. Confira-se trecho


para facilitar a análise:
“(...) 7. O INTERROGATÓRIO DEVE SER O ATO FINAL DA
INSTRUÇÃO PROBATÓRIA (ITEM “F”): O interrogatório do
acusado, instrumento de autodefesa que densifica as garantias
do contraditório e da ampla defesa, deve ser o último ato de
instrução do processo de impeachment. Aplicação analógica da
interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao rito
das ações penais originárias. Precedente:AP 528-AgR, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, Plenário.
(...)
IV.9. O INTERROGATÓRIO DEVESER O ATO FINAL DA
INSTRUÇÃO PROBATÓRIA (CAUTELAR “F” DA INICIAL)
97. O rito procedimental do processo e julgamento, elaborado
pelo próprio STF, em seus itens 10 e 11, deixa claro que, tão
logo formalmente instaurado no Senado Federal o processo de
impeachment, deve ser realizado o interrogatório do Presidente
da República. A deliberação administrativa, no ponto específico,
levou m consideração o fato de que, à época (08.10.1992), o
Código de Processo Penal estabelecia o interrogatório do
acusado logo no início da instrução (em seguida à citação).
98. Contudo, não há como negar que o Código de Processo
Penal sofreu expressiva alteração nessa matéria, tendo em vista
que a Lei n.11.719/2008 modificou o art. 400 do Código de
Processo Penal, transformando o interrogatório do acusado em
ato final da instrução. Sendo certo, ainda, que o Plenário do STF,
por entender que a referida alteração legislativa propicia maior
eficácia à defesa, passou a considerar que a nova sistemática
deve ser aplicada subsidiariamente às ações penais originárias
m tramitação nesta Corte, em que pese o art. 7º da Lei
n.8.038/90. Refiro-me à AP 528-AgR, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski.
99. Nessas condições, penso que idêntica solução deve ser
adotada para o processo de impedimento. O interrogatório do
acusado, instrumento de autodefesa que densifica as garantias
do contraditório e da ampla defesa, deve ser o último ato de
instrução do processo. Diante do exposto, dou interpretação
conforme aos arts. 28 e 29 da Lei n.1.079/1950 para que o
interrogatório do acusado (item 11 da deliberação administrativa
do STF) se realize após o término da instrução probatória (item
12 da deliberação administrativa do STF).” (STF, ADPF 378-
MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Luís Roberto
Barroso, j. 17.12.2015; grifou-se; grifou-se)
63. Aliás, nos termos do item 33 do Rito do processo de
impedimento (doc. 3), em apreço à referida tese vinculante, o
próprio e. Tribunal Especial Misto inclusive definiu que o
interrogatório do reclamante deveria ser “o último ato de
instrução do processo”, in verbis:
“33. O interrogatório do denunciado, instrumento de autodefesa
que densifica as garantias do contraditório e da ampla defesa,
deve ser o último ato de instrução do processo de impeachment.
Será o denunciado interrogado, pelo Relator, e demais membros
do Tribunal Especial Misto, pela acusação e pela defesa, nessa
ordem, devendo ser previamente cientificado pelo Relator, antes
do início do interrogatório, acerca do seu direito de permanecer
calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.”
(Rito deste processo, item 33; grifou-se)

240
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

64. Na verdade, a teratologia da decisão que violou a tese fixada


no julgamento da ADPF 378-MC/DF é tão evidente que o próprio
Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
ao fundamentar a primeira designação do interrogatório do
reclamante (aquela para o dia 18.12.2020, sexta-feira, que
restou adiada porque várias outras providências deveriam e
ainda devem ser adotadas), reconheceu que, em razão “dos
princípios da ampla defesa e do contraditório, [o interrogatório]
somente pode ocorrer após a produção de todas as provas
deferidas”. Ou seja, o próprio reclamado já reconheceu que o
interrogatório deve ser o ato final da instrução processual, mas,
ainda assim, manteve o interrogatório do reclamante para o dia
28.12.2020, sexta-feira, no processo de impedimento em que
ainda existe prova documental indispensável pendente de
produção (notadamente para viabilizar a adequada oitiva do
delator, que certamente é a testemunha principal/chave) e para
o mesmo dia em que várias testemunhas ainda serão ouvidas.
65. Se, no caso, tudo é um simulacro de processo, um teatro
orquestrado já com o fim previamente acordado, então a
primeira frase citada no pórtico desta reclamação – da célebre
obra –aplica-se como uma luva. Porque o que se vê, no caso,
desde o início, é um processo que já nasceu com o intuito de
condenar, em pleno século XXI e num Estado Democrático de
Direito.
66. Assim, o reclamante confia em que essa c. Suprema Corte
deferirá o pedido de revogação da decisão objeto desta
reclamação, a fim de determinar a revogação da audiência de
interrogatório do reclamante, em respeito à Súmula Vinculante
nº 14 e ao precedente vinculante firmado na ADPF 378-MC/DF.
Nessa linha, pelas razões demonstradas no tópico “A” acima, o
reclamante postula que a nova audiência seja designada, agora
sim para uma data posterior ao fim da instrução probatória do
processo de impeachment no qual é denunciado, que deve ser
depois de o e. Min. Benedito Gonçalves (ou outro eventual/futuro
relator) apreciar a denúncia da Ação Penal nº 976/DF a qual
possui como principal lastro probatório a delação premiada do
Sr. Edmar Santos (também protagonista do processo de
impeachment).
TUTELA DE URGÊNCIA IMPOSITIVA
67. Essa c. Suprema Corte, ao receber a petição inicial da
reclamação, pode determinar a suspensão/reforma da eficácia
da decisão judicial reclamada, desde que demonstrados,
cumulativamente, fumus boni iuris e periculum in mora, nos
termos do art. 989, III, do CPC15, e art. 158 do RI STF. E essa
é a hipótese, no caso, a justificar a concessão desse provimento
de urgência.
68. O fumus boni iuris decorre da manifesta inobservância, pelo
reclamado, da Súmula Vinculante nº 14 e da delimitação já feita
pelo STF ao julgar a ADPF 378-MC/DF. E esse desrespeito é
evidente na medida em que constou do próprio Rito definido pelo
e. Tribunal Especial Misto do Estado do Rio de Janeiro que o
interrogatório do reclamante deve ser o último ato de instrução
probatória. Mas, como visto, até o momento, há vários
documentos a serem juntados aos autos do processo, bem como
várias testemunhas a serem ouvidas exatamente no mesmo dia
em que também foi designado o interrogatório do reclamante. E
isso sem contar que somente depois da juntada dos documentos

241
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

é que será possível ouvir o protagonista do processo de


impeachment: o delator (Sr. Edmar Santos).
69. O periculum in mora, por sua vez, também se faz presente.
Afinal, a audiência para interrogar o reclamante foi designada
para o dia 28.12.2020, segunda-feira. Mas, como demonstrado,
até mesmo pelas regras de experiência (CPC, art. 375), resta
evidente que o reclamante jamais poderá ser interrogado nessa
data, nem muito menos antes de a denúncia da Ação Penal
976/DF ser apreciada.
Afinal, como explicado, é essencial para a instrução probatória
do processo de impeachment não só que a íntegra da delação
premiada do Sr. Edmar Santos seja apresentada como talvez
mais importante que o reclamante tenha o direito de ouvi-lo sem
qualquer restrição.
70. Não há, por outro lado, nenhum perigo de dano inverso.
Muito pelo contrário: não se justifica esse atropelo e sofreguidão
na realização do interrogatório o reclamante; o processo de
impeachment segue regularmente o rito fixado pelo próprio e.
Tribunal Especial Misto, sem delongas e atrasos. Nada justifica
essa correria. E tudo isso sem contar que, como igualmente
explicado, o reclamante, atualmente, ainda se encontra afastado
também pelo próprio e. Tribunal Especial Misto, ao menos até
maio/2021, razão pela qual se alguém deveria estar com pressa
para retornar às atividades ordinárias esse alguém é o
reclamante.
71. Assim, o reclamante requer a concessão de tutela de
urgência, inaudita altera parte, a fim de que seja suspensa a
decisão judicial objeto desta reclamação, para que a audiência
de interrogatório do denunciado seja designada, apenas, em
data posterior (sugestivamente, não inferior a 5 dias) à completa
instrução probatória do processo de impeachment (quando o
reclamante tiver acesso à íntegra da delação do Sr. Edmar
Santos, quando o reclamante exercer o direito de ouvir o delator
de forma ampla e irrestrita, e numa data que mais nenhum ato
processual será exercido senão o interrogatório do reclamante).
CONCLUSÃO
72. Diante do exposto, após esta reclamação ser autuada e
distribuída (CPC/15, art. 988, §3º), o reclamante confia em que
V. Exa. concederá, inaudita altera pars, a medida liminar
postulada no parágrafo anterior, na forma do art. 989, II, do CPC
e do art. 158 do RISTF, com a consequente comunicação ao
reclamado.
73. Após a concessão da medida liminar postulada acima, o
reclamante requer sejam requisitadas as informações ao
reclamado, nos termos do disposto no art. 989, I do CPC/15.
74. Requer, ainda, seja intimada a Procuradoria-Geral da
República para manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias,
conforme disposto no art. 991 do CPC/15 e no art. 160 da RISTF.
75. No mérito, nos termos do art. 992 do CPC/15, e art. 161, III,
do RI STF, o reclamante confia em que será julgada procedente
a reclamação, para cassar a decisão proferida pelo reclamado,
o bojo do Processo de Impeachment n° 2020-0667131, em curso
perante o e. Tribunal Especial Misto do Estado do Rio de
Janeiro, para, com isso, respeitar a Súmula Vinculante nº 14 e
restabelecer a autoridade da decisão proferida por esta c.
Suprema Corte que julgou a ADPF 378-MC/DF, a fim de que seja
revogada a audiência na qual o reclamante seria interrogado,

242
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

prematuramente designada para o dia 28.12.2020, segunda-


feira, na medida em que o interrogatório de denunciado em
processo de impeachment deve ser o último ato de instrução
probatória (no caso, a data deve ser também depois de o
Ministro relator da Ação Penal nº 976/DF apreciar a denúncia
apresentada pela Procuradoria da República, para somente
depois o reclamante ter amplo acesso à delação premiada e,
consequentemente, poder ouvir livremente o delator, que
também é o protagonista do processo de impeachment, e na
condição de delator ele ainda não se sujeita à autoincriminação
porque por lei é obrigado a responder e a responder a verdade
– não pode ficar em silêncio – é obrigado a falar e a falar a
verdade, sob pena de perder o acordo feito com o MPF).
76. Pelo princípio da eventualidade, caso não se entenda que a
íntegra da delação premiada do Sr. Edmar Santos deva constar
dos autos do processo de impeachment, bem como que o Sr.
Edmar Santos não deva ser ouvido como testemunha do
reclamante sem qualquer restrição, então o reclamante postula,
pelo mesmos motivos sumariados no parágrafo anterior e
notadamente em respeito ao devido processo legal, à ampla
defesa e ao contraditório (CF, art. 5º, LIV e LV), que a decisão
do reclamado seja revogada, para que o reclamante seja
interrogado em audiência a ser designada somente depois de a
instrução probatória do processo de impeachment estar
finalizada, sendo certo que todo e qualquer fato relacionado à
referida delação premiada não poderá ser levado em
consideração pelos membros do e. Tribunal Especial Misto
quando forem julgar definitivamente o reclamante. (...)”

Diante dos pedidos da Defesa, no bojo da Reclamação Constitucional nº


45.366/DF, foi proferida, pelo Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal,
Senhor Alexandre de Moraes, a seguinte decisão:

(...)
Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada
por WILSON JOSÉ WITSEL contra ato do PRESIDENTE DO
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, alegando afronta ao teor da Súmula Vinculante 14 do
Supremo Tribunal Federal, e à autoridade da decisão na ADPF
378-MC (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), que designou o dia
28.12.2020 para a realização de audiência com interrogatório do
Reclamante.
Afirma o Reclamante ofensa ao decidido na ADPF 378-MC, pois
teria ocorrido desrespeito à determinação para que o
interrogatório, em processo de impedimento, seja o último ato da
instrução probatória.
Argumenta que o conteúdo da delação em processo criminal de
Edmar Santos, figura central nas acusações no processo de
impedimento, precisa ser previamente conhecida antes do
interrogatório do Reclamante, estando aquela ainda em sigilo,
afirmando que:
“Mais do que isso, o e. Min. Benedito Gonçalves, relator do
processo criminal, o proibiu de prestar testemunho no processo

243
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de impeachment, sobre os fatos da delação prestada, enquanto


a denúncia criminal do MPF não for apreciada.”
E que,
“4. Por esses motivos, o Sr. Edmar Santos, ao ser ouvido em
audiência no processo de impeachment, invocou o direito de
permanecer em silêncio. Só que é direito intangível do
reclamante ouvi-lo, perante o e. Tribunal Especial Misto, de
forma ampla e irrestrita, para que toda verdade seja debulhada.
A verdade real. O decano do referido tribunal, o Des. José Carlos
Maldonado, v.g., reiteradas vezes, já afirmou que a missão dos
julgadores é a de buscar essa verdade.
5. Se o Sr. Edmar Santos é uma peça chave e se o reclamante
por enquanto não pode ouvi-lo de forma minimamente
satisfatória – há expectativa de que o STJ paute para
fevereiro/2021 a análise da denúncia criminal –, então o
processo de impeachment ainda não está devidamente
instruído. Se não está instruído, mantida a decisão reclamada, o
reclamante será prematuramente interrogado – em plena
escuridão probatória. Com isso, não será exercida, de forma
adequada, conforme decidido na ADPF 378-MC/DF, a
“autodefesa que densifica as garantias do contraditório e da
ampla defesa”.” (doc. 1, fl. 2)
Pelos mesmos fundamentos, segundo o reclamante haveria
ofensa à Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal,
eis que:
“não constam dos autos a íntegra da delação premiada do Sr.
Edmar Santos, seja porque não dará ao reclamante o direito de
ouvi-lo sem restrições, seja porque o reclamado ainda imputou
ao reclamante o ônus manifestamente desproporcional de ser
interrogado na sequência imediata após várias testemunhas
serem ouvidas. Um completo atropelo processual.” (doc. 1, fl. 3)
Busca, com a Reclamação, que se reconheça a ofensa aos
precedentes citados, determinando-se a designação de nova
audiência para o interrogatório do Reclamante, “depois de o e.
Min. Benedito Gonçalves (ou outro eventual/futuro relator)
apreciar a denúncia da Ação Penal nº 976/DF a qual possui
como principal lastro probatório a delação premiada do Sr.
Edmar Santos (também protagonista do processo de
impeachment). (doc. 1, fl. 20)
Requer, ao final, a cassação da decisão proferida pelo
Reclamado, nos seguintes termos:
“no bojo do Processo de Impeachment nº 2020-0667131, em
curso perante o e. Tribunal Especial Misto do Estado do Rio de
Janeiro, para, com isso, respeitar a Súmula Vinculante nº 14 e
restabelecer a autoridade da decisão proferida por esta c.
Suprema Corte que julgou a ADPF 378-MC/DF, a fim de que seja
revogada a audiência na qual o reclamante seria interrogado,
prematuramente designada para o dia 28.12.2020, segunda-
feira, na medida em que o interrogatório do denunciado em
processo de impeachment deve ser o último ato de instrução
probatória (no caso, a data deve ser também depois de o
Ministro relator da Ação Penal nº 976/DF apreciar a denúncia
apresentada pela Procuradoria da República, para somente
depois o reclamante ter amplo acesso à delação premiada e,
consequentemente, poder ouvir livremente o delator, que
também é protagonista do processo de impeachment, e na
condição de delator ele ainda não se sujeita à autoincriminação

244
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

porque por lei é obrigado a responder e a responder a verdade


– não pode ficar em silêncio – é obrigado a falar e a falar a
verdade, sob pena de perder o acordo feito com o MPF).” (doc.
1, fl. 22)
Subsidiariamente, caso não se entenda pela necessidade de
oitiva de Edmar Santos como testemunha e o ingresso aos autos
do inteiro teor da delação feita nos autos da Ação Penal 976/DF,
requer que “todo e qualquer fato relacionado à referida delação
premiada não poderá ser levado em consideração pelos
membros do e. Tribunal Especial Misto quando foram julgar
definitivamente o reclamante.” (doc. 1, fl. 23)
Pretende a concessão de liminar, afirmando a existência de
fumus boni iuris e periculum in mora, além da ausência de risco
inverso, já que a postergação do interrogatório até a conclusão
da instrução não traria riscos ao procedimento, considerando
seu afastamento do cargo público ao menos até maio de 2021,
pelo Tribunal Especial Misto.
O ato reclamado, emitido pelo Presidente do Tribunal Especial
Misto, tem o seguinte teor (doc. 42):
“Não assiste razão à defesa em suas alegações e
requerimentos. Primeiramente, cabe trazer à baila que o rito
procedimental foi submetido ao Tribunal Especial Misto, e,
aprovado, não foi sequer impugnado pela defesa.
Foi decisão expressa do Tribunal Especial Misto que os prazos
e atividades não seriam suspensos durante o recesso forense.
Inobstante, urge salientar que o chamado “recesso forense” é a
suspensão de prazos processuais exclusivamente determinada
por força de regra de organização judiciária.
Por exemplo, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, tal suspensão se dá por força do § 1º do art. 66 da
LODJ. Tal não ocorre com o Tribunal Especial Misto, não lhe
sendo oponível eventuais suspensões por recesso de outros
tribunais, dado que o TEM é unidade jurisdicional, ainda que
temporária, autônoma. Não se alegue ainda que seria oponíveis
as chamadas “férias dos advogados” instituídas pelo art. 220 do
CPC.
Tal suspensão não se aplica ao processo penal.
Sobre tal controvérsia debulhou-se a Exmª Ministra Carmen
Lúcia, no bojo da reclamação 6866-92.2016.2.00.0200, veja-se:
“...A suspensão dos prazos processuais entre o dia 20 de
dezembro e 20 de janeiro, prevista no artigo 220 do novo Código
de Processo Civil (Lei 13.105/2015), não se aplica aos
processos criminais. O entendimento é da ministra Cármen
Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho
Nacional de Justiça.
"O processo penal tem princípios, regras e conteúdos distintos
do processo civil, razão pela qual não é possível aplicar
indistintamente as normas do segundo sobre o primeiro, sob
pena de subverter a lógica processual com base na qual foi
construído o processo penal", registrou a ministra, ao negar
liminar requerida pela Ordem dos Advogados do Brasil de
Pernambuco, que pretendia estender o recesso forense previsto
no novo CPC para os processos criminais.
Regras do processo civil só podem ser aplicadas ao processo
penal em caso de ausência de norma específica, diz Carmen.
Inicialmente, a OAB-PE fez a requisição ao Tribunal Regional
Federal da 5ª Região, que negou o pedido. Inconformada, a

245
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

OAB-PE recorreu ao CNJ que também não acatou os


argumentos apresentados. “Além de haver norma específica
sobre o tema, a não realização de sessões de julgamento, de
audiências e a suspensão dos prazos processuais de 7 a 20 de
janeiro representa restrição às garantias do réu, notadamente à
duração razoável do processo (artigo 5º, Inciso LXIII, da
Constituição da República)”, afirmou a ministra Cármen Lúcia.
A ministra explicou ainda que as normas do processo civil podem
ser aplicadas supletivamente ao processo penal em caso de
ausência de norma específica, o que não é o caso analisado,
devido a previsão do artigo 798 do Código de Processo Penal.
Este dispositivo do CPP estabelece a continuidade de todos os
prazos processuais, inclusive no período de férias, pela natureza
jurídica do bem tutelado pelo Direito Penal, como o direito de ir
e vir. O CPC, por sua vez, não reproduz esse entendimento
legislativo. (Conjur)”
Não se perca de linha que é paradigma à solução de eventuais
omissões do rito a regra insculpida pelo CPP, o que não seria o
caso face a decisão expressa em sessão.
Nesse particular determinam os arts. 797 e 798 do CPP: “...Art.
797. Excetuadas as sessões de julgamento, que não serão
marcadas para domingo ou dia feriado, os demais atos do
processo poderão ser praticados em período de férias, em
domingos e dias feriados. Todavia, os julgamentos iniciados em
dia útil não se interromperão pela superveniência de feriado ou
domingo.
Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos
e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia
feriado...
Por fim, a própria lei 1079/50 determina, no art. 82, que o
processo e julgamento dos crimes definidos naquela lei deve ser
ultimado em 120 dias. Tal determinação legal inculca
obviamente que os prazos e atividades não podem ser
suspensos por fictício recesso forense ou férias de advogados.
Intime-se a testemunha nos endereços indicados pela defesa, e,
requisitem-se as demais testemunhas junto aos seus comandos
militares, uma vez que não oferecidos endereços para
intimações.
Uma vez infrutífera a intimação para comparecimento pessoal
intime-se por mensagem eletrônica para participação
telepresencial. Ao contrário do que alega, há certidão de que
todos os documentos enviados pelo STJ lhe foram
disponibilizados, ainda que em dois momentos.
Tendo sido designada sessão de instrução para o dia
28/12/2020 é forçoso reconhecer que haverá prazo mais que
suficiente para análise dos documentos efetivamente enviados
pelo STJ.
Os documentos sobre os quais houve erro de download por força
do tamanho dos arquivos serão desconsiderados como prova.
Finalmente, ante a alegação da defesa sobre a ausência do
acusado à sessão de interrogatório já designada, cabe ser
alertada sobre a aplicabilidade do disposto no art. 397 do CPP
ao caso.
Isto posto, mantenho a data de sessão anteriormente
designada.”
Os autos foram distribuídos por prevenção à Rcl 42.358, nos
termos do art. 69, caput do RISTF.

246
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A medida liminar foi deferida em 26/12/2020.


As informações foram prestadas pela autoridade reclamada.
O Procurador-Geral da República manifestou-se pela
procedência parcial da reclamação para que o interrogatório do
acusado ocorra apenas depois de (a) conferido integral acesso
à Defesa aos elementos de prova já documentados nos autos; e
(b) de realizada a oitiva de Edmar Santos sem restrição, ainda
que antes do recebimento da denúncia na AP 976/STJ, desde
que o sigilo das suas declarações sobre o conteúdo do acordo
seja resguardado pelo Tribunal Especial Misto (doc. 66).
É o relatório do essencial. Decido.
A respeito do cabimento da reclamação para o SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, dispõe o art. 102, I, l e o art. 103-A, caput
e § 3º, ambos da Constituição Federal:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:


(...)
l) a reclamação para a preservação de sua competência e
garantia da autoridade de suas decisões;
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre matéria
constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação
na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida
em lei.
(...)
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a
súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá
reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando- a
procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com
ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.
Veja-se também o art. 988, I, II e III do Código de Processo Civil:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do
Ministério Público para:
- preservar a competência do tribunal;
- garantir a autoridade das decisões do tribunal;
- garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de
decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado
de constitucionalidade;
Sobre a questão em debate, na apreciação da medida liminar,
assentei que:
Na presente hipótese, o Reclamante invoca como parâmetros
principais de controle o teor da Súmula Vinculante 14, além da
decisão proferida nos autos da ADPF 378-MC/DF.
A Súmula Vinculante 14 assim estabelece:
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso
amplo aos elementos de prova que, já documentados em
procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do
direito de defesa.”

247
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A decisão na ADPF 378-MC/DF, no que interessa ao caso em


questão, tem o seguinte teor:
“6. O INTERROGATÓRIO DEVE SER O ATO FINAL DA
INSTRUÇÃO PROBATÓRIA (ITEM F DO PEDIDO
CAUTELAR): O interrogatório do acusado, instrumento de
autodefesa que densifica as garantias do contraditório e da
ampla defesa, deve ser o último ato de instrução do processo de
impeachment. Aplicação analógica da interpretação conferida
pelo Supremo Tribunal Federal ao rito das ações penais
originárias. Precedente: AP 528-AgR, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, Plenário. Procedência do pedido.”
Dois são os pontos principais a serem decididos na
presente reclamação.
O primeiro, se a realização do interrogatório do reclamante,
antes de ter acesso à integralidade dos documentos remetidos
pelo Superior Tribunal de Justiça, a pedido do Tribunal Especial
Misto, após deferimento de pedido da defesa, consistiu ofensa à
prerrogativa reconhecida à defesa pela Súmula Vinculante 14,
bem como, ao mesmo tempo, ao direito de interrogatório como
ato de defesa após o encerramento e conhecimento de todas as
provas de interesse na solução da questão.
O segundo, se a realização de interrogatório do Reclamado
antes da possibilidade de oitiva integral da testemunha de
defesa Edmar Santos, que depôs com reservas ao Tribunal
Especial Misto ante a condição de delator sob sigilo em inquérito
policial sobre os mesmos fatos, consistiria ofensa ao que
decidido na ADPF 378-MC/DF, eis que ainda não encerrada a
instrução.
I ) DESRESPEITO À SÚMULA VINCULANTE 14:
Assiste razão ao reclamante quanto ao primeiro argumento
trazido aos autos, uma vez que, há necessidade da defesa ter
integral acesso a todas as provas compartilhadas, inclusive os
termos de colaboração premiada, sob pena de desrespeito ao
princípio do devido processo legal e seus corolários: ampla
defesa e contraditório.
A Constituição Federal de 1988 incorporou o princípio do devido
processo legal, que remonta à Magna Charta Libertatum de
1215, de vital importância no direito anglo-saxão. Igualmente, o
art. XI, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
garante que
“todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser
presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido
provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe
tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua
defesa”.
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo,
atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de
liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade
total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de
defesa; tendo como corolários a ampla defesa e o contraditório,
que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, conforme o
texto constitucional expresso (art. 5º, LV).
Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao
réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo
todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo
de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o

248
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa,


impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a
todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa
de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente,
ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa
daquela feita pelo autor.
Em defesa da efetividade do princípio constitucional da ampla
defesa, portanto, o Supremo Tribunal Federal editou a já citada
Súmula Vinculante 14, que, porém, deixou de ser fielmente
observada no procedimento de impeachment versado nos autos.
Importante ressaltar, inclusive, por adequar-se à presente
hipótese, que, em relação aos “Termos de colaboração
premiada”, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a SV 14:
“assegura ao defensor legalmente constituído o direito de
acesso às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao
procedimento investigatório, excluídas, consequentemente, as
informações e providências investigatórias ainda em curso de
execução e, por isso, não documentadas no próprio inquérito ou
processo judicial”
(2ª TURMA – Rcl 22.009 AgR/PR, Rel. Min. Teori Zavascki, 16-
2-2016.).
O Tribunal Especial Misto do Rio de Janeiro desrespeitou o
Enunciado da Súmula Vinculante 14.
Em relação à prova documental, o Tribunal Especial Misto
requereu ao Min. Benedito Gonçalves, relator do Inq 1.338/DF,
documentos e cópias relacionados à apuração criminal
decorrente da “Operação Placebo”, dentre eles, os Termos de
Colaboração Premiada de Edmar Santos e o teor de seus
depoimentos naqueles autos (doc. 37, fls. 48/49).
O Min. Benedito Gonçalves informou o compartilhamento da
íntegra dos autos da Ação Penal 976/DF, da Medida Cautelar
Inominada Criminal 35/DF, do Inquérito 1338/DF e dos anexos
da colaboração referentes ao Governador (anexos 3, 4, 9, 10,
11, 14, 18, 28, 29, 30 e 31). (doc. 38, fl. 21)

Na sessão de 17.12.2020, houve intimação da defesa para ter


acesso aos documentos encaminhados pelo Superior Tribunal
de Justiça (doc. 38, fl. 50).
mediatamente, a defesa do Reclamante peticionou nos autos,
afirmando que os documentos provindos do STJ juntados aos
autos em 16.12 e 17.12.2020, não foram acessados na íntegra,
eis que parte dos documentos estava corrompida ou com links
de acesso expirados e, mesmo após solução parcial por parte
do Tribunal Especial Misto e do STJ, foi-lhe informada que “o
êxito que obtivemos foi de quase 100% e, na pequena parte que
ficou pendente, as mesmas prosseguem junto ao Tribunal
Superior”.
Requereu, por isto, a redesignação do interrogatório com prazo
de ao menos 5 dias para análise dos documentos em sua
integralidade (doc. 41, fls. 20/21).
Como resposta, decidiu o Tribunal Especial Misto que os
documentos não acessados por erro de download serão
desconsiderados como prova (doc. 41, fl. 46). Ou seja, a
instrução processual, no aspecto documental, se encerrou de
maneira imprópria, pois a prova existe e, por uma falha em
proceder acesso à defesa a seu conteúdo, será desconsiderada.

249
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A circunstância, por certo, caracteriza uma ofensa à ampla


defesa, pois a prova a ser descartada, poderia ser favorável ao
acusado, tanto que requerida e deferida sua produção.
Desconsiderar uma prova que chegou a ser tecnicamente
juntada aos autos, eis que remetidos os links de acesso a seu
conteúdo pelo STJ, porque a defesa não consegue acessá-la por
problemas técnicos é desconsiderar que a prova, uma vez nos
autos, passa a ter eficácia para qualquer uma das partes,
especialmente a defesa.
Não se mostra de acordo com a ampla defesa permitir-se a
simples desconsideração de uma prova requerida pela defesa,
juntada aos autos mas sem acesso concreto por falha técnica de
informática, com potencial prejuízo à defesa.
Há, portanto, patente ferimento à Súmula Vinculante 14, com
potencialidade de graves prejuízos ao exercício da ampla defesa
e contraditório e, consequentemente, com desrespeito ao devido
processo legal, consagrado constitucionalmente como garantia
de todos os acusados.
II) DESRESPEITO À AUTORIDADE DA DECISÃO NA
ADPF 378-MC:
O segundo fundamento da reclamação é a ofensa ao
entendimento fixado no julgamento da ADPF 378-MC/DF, eis
que determinado o interrogatório do Reclamante ao final da
oitiva das testemunhas a ser realizada no dia 28.12.2020, sob a
alegação que a circunstância caracterizaria interrogatório antes
da conclusão da instrução processual, ou em outras palavras,
ocorreria a realização de um ato processual de defesa em
momento procedimental inadequado, em desrespeito ao devido
processo legal.
Igualmente, assiste razão ao reclamante.
A amplitude do interrogatório como meio de defesa engloba não
só o “direito ao silêncio”, mas também o “direito de falar no
momento adequado”, sob a ótica da possibilidade do acusado
manifestar-se após o término da produção probatória e de
integral juntada de todas as provas com potencial lesivo à sua
defesa.
A participação do réu em seu processo, inclusive nas hipóteses
de impeachment, não é apenas um meio de assegurar que os
fatos relevantes sejam trazidos à tona e os argumentos
pertinentes considerados. Mais do que isso, o direito do acusado
em manifestar-se livremente e em ser ouvido no momento
processual adequado é intrínseco à natureza do julgamento,
cujo principal propósito é justificar o veredicto final para o próprio
acusado, como resultado legal justamente obtido, concedendo-
lhe o respeito e a consideração que qualquer cidadão merece
(T.R.S. ALLAN. Constitucional Justice. Oxford: University Press,
2006, p. 12 ss).
A previsão de interrogatório do acusado em procedimentos
sancionatórios em momento processual adequado tornou-se
tema obrigatório a ser respeitado em relação ao direito
constitucional à ampla defesa, sendo direcionado no intuito de
preservar o caráter voluntário de suas manifestações e a
regularidade de seu julgamento, com um diálogo equitativo
entre o indivíduo e o Estado, como bem salientado pelo
citado professor da Universidade de Cambridge.
Esse diálogo equitativo entre o indivíduo e o Estado pressupõe
absoluto respeito à dignidade da pessoa, a possibilidade de

250
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

acesso à defesa técnica de todas as provas produzidas contra o


acusado e a participação do advogado em seu interrogatório,
que deverá ser realizado em momento adequado e após toda a
produção probatória, com prévia e integral ciência pela defesa
do material produzido.
Observe-se, portanto, que a fixação do interrogatório do agente
público sujeito ao processo de impeachment em momento
posterior ao encerramento da instrução deve ser lido a partir de
uma perspectiva material e não puramente formal.
A fixação temporal do interrogatório ao final da instrução, como
forma de materializar sua eficácia como instrumento de defesa,
exige que todas as provas, não só as testemunhais, tenham
sido previamente produzidas e com acesso razoável à defesa, à
fim de permitir que a fala do acusado se ampare no pleno
conhecimento dos fundamentos de fato da acusação e, também,
dos elementos de defesa produzido nos autos em seu favor.
A fala do acusado é, assim, qualificada pela necessidade de
amplo acesso e conhecimento sobre todas as provas produzidas
na instrução processual, sob pena de desvalidar-se o ato como
último exercício em concreto da autodefesa pela carência dos
elementos de convicção existentes nos autos.
Havendo provas deferidas por legítimas e pendentes de
produção não se pode falar em interrogatório antes da conclusão
da instrução processual, eis que elementos de convicção podem
surgir que se mostrem aptos a alterar a própria dinâmica da
autodefesa do acusado. O mesmo se diga quanto a provas
externas aos autos cuja produção já se tenha deferido, restando
apenas sua juntada e ciência pelas partes, eis que a relevância
reconhecida no deferimento da prova exige que se considerem
os argumentos havidos pela defesa a partir de sua existência e
conhecimento.
O atropelo na designação de interrogatório do acusado, quando
existem provas deferidas e não produzidas de forma válida ou,
ainda, existentes pois externas e ainda não conhecidas em seu
teor pela defesa, caracteriza ofensa ao conteúdo material da
fixação do direito ao interrogatório, no processo de
impeachment, como ato posterior ao encerramento da instrução
processual, conforme o entendimento fixado no julgamento da
ADPF 378-MC/DF.
No caso concreto, observa-se que em sua defesa (doc. 31, fls.
17/77), apresentou o Reclamante requerimento expresso para a
oitiva de Edmar Santos na condição de testemunha de defesa,
afirmando que
“a testemunha poderá prestar esclarecimentos sobre eventual
existência de fraude na contratação do IABAS e se houve
participação do Governador no processo de contratação da
empresa” (doc. 31, fl. 74) e que “poderá confirmar os resultados
da auditoria realizada pelo Governador na Secretaria de Estado
de Saúde, bem como o estado calamitoso da pasta no início da
gestão do Governador. Da mesma forma, poderá confirmar o
teor dos processos administrativos abertos por conta de
supostas irregularidades na UNIR, bem como o resultado deles”.
(doc. 31, fl. 76)
Requereu, no mesmo ato, prova documental suplementar, que
se concretizou pelo pedido de documentos produzidos na Ação
Penal 976/DF e Inquérito 1.338/DF, em trâmite pelo Superior
Tribunal de Justiça, com relatoria do Min. Benedito Gonçalves.

251
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

O Tribunal Especial Misto, ao apreciar o pedido de provas


apresentado pelo Reclamante, deferiu, por unanimidade, a
produção de prova testemunhal e de provas documentais
suplementares, designando o dia 17.12.2020 para a oitiva das
testemunhas. (doc. 32, fls. 51/59) No que diz respeito à produção
de prova complementar, assim decidiu o Tribunal Especial Misto:
“3. Defiro a produção de provas documentais suplementares,
nos termos requeridos pela Acusação, a saber: a) inteiro teor dos
depoimentos decorrentes dos acordos de colaboração premiada
celebrados pelos Senhores Edmar Santos e Edson Torres com
o Ministério Público Federal; b) solicitação de compartilhamento
das provas do Inquérito nº 1338/DF, que tramita no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do eminente Ministro
Benedito Gonçalves.” (doc. 32, fl. 58)
Conforme anteriormente ressaltado, em relação à prova
documental, o Tribunal Especial Misto requereu, e foi deferido
pelo Min. Benedito Gonçalves, relator do Inq 1.338/DF,
documentos e cópias relacionados à apuração criminal
decorrente da “Operação Placebo”, dentre eles, os Termos de
Colaboração Premiada de Edmar Santos e o teor de seus
depoimentos naqueles autos (doc. 37, fls. 48/49).
Diante desse contexto, é irregular o encerramento da instrução
apto a permitir o interrogatório do acusado, uma vez que houve
a oitiva apenas parcial da testemunha Edmar José Alves dos
Santos, após o deferimento de sua oitiva pelo Reclamado.
A testemunha Edmar José Alves dos Santos, ex-Secretário da
Saúde do Estado do Rio de Janeiro, intimada a comparecer
perante o Tribunal Especial Misto em audiência de instrução
designada para o dia 17.12.2020, levou a questão ao Min.
Sebastião Gonçalves, relator do Inquérito 1.338, que assim
decidiu (doc. 37, fls. 95/96):
“EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS informa que foi intimado
para comparecer à sessão de 17/12/2020, às 9h, do Tribunal
Especial Misto, referente ao processo de impeachment, a fim de
ser ouvido como testemunha arrolada pela defesa de WILSON
JOSÉ WITZEL. A partir disso, pede que este Ministro-Relator
oficie com urgência ao Tribunal Especial Misto, na pessoa de
seu Presidente, para que seja determinada a suspensão do
comparecimento do requerente ao ato.
As instâncias jurisdicional criminal (crimes comuns) e político-
administrativa (crimes de responsabilidade) são independentes.
Dessa forma, o requerimento para não comparecer à sessão
deve ser deduzido ao Tribunal Especial Misto, por meio de seu
Desembargador- Presidente, sendo incabível ao STJ imiscuir-se
no processamento de infração político-administrativa.
O sigilo previsto no art. 7º, § 3º, da Lei n. 12.850/2013 ("O acordo
de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador
serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da
queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua
publicidade em qualquer hipótese") tem ao menos duas
finalidades. Uma delas é investigativa, evitando que o acesso de
terceiros às declarações do colaborador inviabilize as diligências
investigativas baseadas nos meios de obtenção de prova
indicados pelo colaborador, permitindo-se, com isso, tanto ao
Ministério Público a busca de elementos de informação e/ou de
prova para subsidiar medidas ou eventual ação penal, como ao
colaborador o usufruto dos benefícios previstos no art. 4º da

252
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

referida Lei (perdão judicial, redução da pena privativa de


liberdade em até 2/3, substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos), caso sejam obtidos, a partir de sua
colaboração, um ou mais dos resultados previstos nos incisos I
a V desse dispositivo. Outra finalidade do sigilo é de proteção
aos direitos do colaborador, nos moldes do art. 5º dessa Lei,
impedindo- se que a autoridade judiciária publicize os
depoimentos antes do recebimento da denúncia ou da queixa-
crime. Todavia, não se extrai do citado art. 5º, como quer fazer
crer o colaborador, a impossibilidade de ser arrolado como
testemunha em procedimento em curso noutra instância, na
medida em que podem ser formuladas perguntas que não
guardem relação com a colaboração premiada.
De qualquer forma, pelo princípio da cooperação, cumpre seja
informado o Presidente do Tribunal Especial Misto de que o
acordo de colaboração premiada e os depoimentos prestados
pelo colaborador EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS ainda se
encontram sob total sigilo no Superior Tribunal de Justiça, nos
termos art. 7º, § 3º, da Lei n. 12.850/2013, dado que não ainda
houve exame das denúncias apresentadas pelo MPF/PGR ao
STJ; bem como de que o referido colaborador, nos próprios
termos ajustados com o MPF na cláusula 36ª, letra "i", deve
resguardar o mais amplo sigilo, sob pena de rescisão de seu
acordo de colaboração premiada.
Dessa forma, INDEFIRO o pedido; entretanto, à luz do princípio
da cooperação, determino a expedição de OFÍCIO ao
Excelentíssimo Desembargador-Presidente do Tribunal
Especial Misto do Estado do Rio de Janeiro para informar que o
acordo de colaboração premiada e os depoimentos prestados
pelo colaborador EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS ainda se
encontram sob total sigilo no Superior Tribunal de Justiça, nos
termos art. 7º, § 3º, da Lei n. 12.850/2013, dado que não ainda
houve exame das denúncias apresentadas pelo MPF/PGR ao
STJ; bem como que o referido colaborador, nos próprios
termos ajustados com o MPF na cláusula 36ª, letra "i", deve
resguardar o mais amplo sigilo, sob pena de rescisão de seu
acordo de colaboração premiada.” (grifei)
A decisão do Tribunal Especial Misto, ante tal situação, foi de
reconhecer que:
“havendo sigilo, sob pena de quebra do acordo de colaboração,
a testemunha em espeque não pode se manifestar em
testemunho. Entretanto, isso não quer dizer que sobre outros
fatos esta não seja obrigada a tal, o que, demanda e presença
da mesma.” (doc. 37, fl. 116).
Na sessão promovida em 17.12.2020, foram ouvidas diversas
testemunhas, dentre elas Edmar José Alves dos Santos, assim
constando a ata de sua oitiva (doc. 38, fls. 47/48):
“Pela defesa, foi dito que aguardará o recebimento da denúncia
e declinou de fazer perguntas. Pela acusação e pelos membros
do E. Tribunal Especial Misto, foi perguntado e respondido:
termo em mídia digital, entregue ao depoente mediante
assinatura e recibo. Quando da assinatura do Termo da Oitiva
de testemunha a Dra. Ana Tereza Basílio fez a seguinte
ressalva: ‘Na verdade, a defesa afirmou que está impossibilitada
de perguntar à testemunha sobre sua delação premiada, que
originou todos os fatos arguidos pela acusação, e protesta pela
oitiva da testemunha após o recebimento da denúncia pelo STJ,

253
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

ocasião em que será pública e o depoente poderá sobre ela


falar.’”
Percebe-se, ante o teor da manifestação do eminente Min.
Benedito Gonçalves e do teor do termo de audiência, que a
testemunha arrolada não respondeu às questões de interesse
da defesa, em respeito ao sigilo que deve manter quanto a fatos
que digam respeito à delação realizada, antes que haja o
recebimento da denúncia da ação penal em que se produziu.
Desde o momento da oitiva da testemunha em questão ficou
claro que sua oitiva, pelo impedimento legal incidente, ao menos
até o recebimento da denúncia da ação penal sobre fatos
parcialmente idênticos, não seria realizada na profundidade
necessária para o exercício da ampla defesa.
Diversas foram as manifestações no sentido de que a
testemunha seria ouvida, mas não sobre os fatos objeto da
delação que, por certo, guardam relação com os fatos em que
se sustenta a denúncia oferecida no processo de impeachment.
Ou seja, a testemunha que é corré em processo criminal
juntamente com o Reclamante, baseado nos mesmos fatos, não
foi ouvida sobre tudo o que sabe ou que poderia auxiliar no
exercício do direito de defesa, por vedação legal que
desaparecerá com o recebimento da denúncia na ação penal em
que houve a delação.
Se se admitiu o testemunho de tal pessoa, não se pode limitar o
conteúdo de sua manifestação, sob pena de grave ferimento ao
exercício do direito de defesa, consagrado no art. 5º da
Constituição Federal.
Encerrar-se a instrução e interrogar o acusado antes que se
possa ouvir a testemunha sobre todos os fatos descritos nos
autos e admitir o interrogatório antes que se realize a instrução
em sua plenitude acarretará gravíssimo ferimento ao devido
processo legal, consagrado constitucionalmente e secundado
pelos princípios corolários da ampla defesa e contraditório.
Tal circunstância, claramente, ofende o direito ao interrogatório
após o encerramento regular da instrução processual, com a
produção de todas as provas deferidas nos autos pelo próprio
julgador, quando reconhecidamente necessárias para o
exercício da ampla defesa, desrespeitando a autoridade da
decisão proferida por essa SUPREMA CORTE na ADPF 378-
MC.
Diante de todo o exposto, nos termos do artigo 989, II do Código
de Processo Civil e artigos 21, §1º e 161, parágrafo único, do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, DEFIRO A
MEDIDA CAUTELAR PARA SUSPENDER A REALIZAÇÃO DO
INTERROGATÓRIO DE WILSON JOSÉ WITZEL nos autos do
processo de impeachment 2020-066713, em sessão de
instrução designada pelo Tribunal Especial Misto para o dia
28.12.2020 e DETERMINO que o interrogatório somente poderá
ser realizado após a defesa ter acesso a todos os documentos
remetidos pelo Superior Tribunal de Justiça, com prazo mínimo
de 5 (cinco) dias entre o acesso integral e o ato processual, bem
como após a complementação da oitiva da testemunha Edmar
José Alves dos Santos, quando não mais incidirem as restrições
decorrente da delação negociada nos autos da Ação Penal
976/DF (Inquérito 1338/DF), nos termos do art. 7º, § 3º da Lei
12.820/2013.

254
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Com efeito, as circunstâncias que se apresentavam no momento


da apreciação da medida liminar permanecem imutáveis, a
sugerir, consequentemente, a confirmação do entendimento
manifestado.
Nesse cenário, configura-se ofensa ao Enunciado Vinculante 14
a determinação da realização do interrogatório da parte
reclamante, antes dela ter acesso à integralidade dos
documentos remetidos pelo Superior Tribunal de Justiça, com
prazo suficiente para a sua análise pela defesa técnica,
permitindo-se o concreto exercício da ampla defesa.
Igualmente, afronta ao decidido na ADPF 378 (Min. Rel.
ROBERTO BARROSO), ato do órgão jurisdicional impugnado,
que não atendeu à determinação de que, no curso do
procedimento de impeachment, a defesa do acusado tem a
prerrogativa de se manifestar ao final da instrução probatória.
A garantia material do exercício da ampla defesa exige o
conhecimento, por parte do acusado, da integralidade das
provas que possam vir a sustentar eventual decreto
condenatório, bem como tese arguida pela defesa. Não se
admite a realização de interrogatório judicial, ato de exercício
concreto da ampla defesa dos acusados em geral, antes de
encerrada toda a produção de provas que possam influenciar na
formação da convicção dos julgadores, pena de vulneração do
art. 5º, LV, da Constituição Federal.
A relação de antagonismo entre as versões da acusação e
da defesa não deixa dúvidas sobre quem tem o “direito de
falar por último”.
O direito de falar por último está contido no exercício pleno da
ampla defesa englobando a possibilidade de refutar TODAS,
absolutamente TODAS as informações, alegações,
depoimentos, insinuações, provas e indícios em geral que
possam, direta ou indiretamente, influenciar e fundamentar uma
futura condenação.
E isso ocorre em todos os ordenamentos jurídicos
democráticos, como se verifica em decisões da Corte Suprema
Alemã (BGH 4 StR 240/97 - Urteil vom 28. August 1997 – LG
Dortmund; BGH GSSt 1/04 - Beschluss vom 3. März 2005 – LG
Lüneburg/LG Duisburg) e na Itália, ao estabelecer o
desenvolvimento da discussão processual, no Capítulo V, do
artigo 523 do Código Processual, estabelecendo no item 5, que
“5. De qualquer forma, o acusado e o defensor devem ter, sob
pena de nulidade, a última palavra, se o solicitarem”.
Na Espanha, igualmente, se consagrou que sempre haverá
vulneração à ampla defesa e um prejuízo real e efetivo aos
interesses do réu se não puder impugnar todos os argumentos
apresentados, ou seja, se lhe for negado o direito à última
palavra, com o conhecimento prévio e pleno de toda a atividade
probatória realizada e de todos os argumentos apresentados e
que possam ter influência em sua eventual condenação. Nas
Sentenças 181/1994, 29/1995, 91/2000, 13/2006 e 258/2007, o
Tribunal Constitucional da Espanha estabeleceu que o “direito à
última palavra” no processo penal deve ser do acusado, que
deve ter a oportunidade final de apresentar suas argumentações
como garantia efetiva do princípio da ampla defesa.
Na América do Sul, a Corte Constitucional Colombiana,
afirmou que compete a esse acusado o “último turno de
intervenção argumentativa” (Corte Constitucional mediante

255
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Sentencia C-651 de 2011; Corte Constitucional mediante


Sentencia C-616 de 2014).
O devido processo legal, ampla defesa e contraditório exigem
que o réu se manifeste após ter o pleno conhecimento de toda a
atividade probatória realizada durante o processo, podendo
contraditar todos os argumentos trazidos nos autos, inclusive
aqueles trazidos pelo delator, como salientei no HC 166.373, no
qual fiquei como redator para o Acórdão.
Não foi outro o entendimento da Suprema Corte Americana, no
caso Crawford vs. Washington (2003), em que a Corte decidiu
que se toda e qualquer declaração de natureza testemunhal
utilizada para comprovar a veracidade de fatos somente poderá
ser admitida em juízo se o destinatário da imputação tiver a
oportunidade de examinar o teor da declaração.
Esse é o mesmo entendimento do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos, em diversas decisões: Asch vs. Áustria
(1991); Isgrò vs. Itália (1991); Kostovski vs. Países Baixos
(1989), Camilleri vs. Malta (2013), considerando que todo aquele
que imputa um fato criminoso ao acusado deve ser considerado
como “testemunha”, pouco importando o meio pelo qual o relato
chegou ao conhecimento do julgador, somente podendo ser
fundamento para a sentença condenatória se o acusado tiver
oportunidade posterior, adequada e suficiente para contestar
seu inteiro teor.
Dessa maneira, a defesa tem o direito de ter o “último turno de
intervenção argumentativa”, com base nos princípios
constitucionais do Devido Processo Legal e seus corolários, a
Ampla Defesa e o Contraditório.
Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO
PROCEDENTE o pedido para cassar o ato impugnado, proferido
pelo Tribunal Especial Misto nos autos do processo de
impeachment 2020-066713, e DETERMINO que o interrogatório
somente poderá ser realizado após a defesa ter acesso a todos
os documentos remetidos pelo Superior Tribunal de Justiça,
com prazo mínimo de 5 (cinco) dias entre o acesso integral e o
ato processual, bem como após a complementação da oitiva da
testemunha Edmar José Alves dos Santos, quando não mais
incidirem as restrições decorrente da delação negociada nos
autos da Ação Penal 976/DF (Inquérito 1338/DF), nos termos do
art. 7º, § 3º da Lei 12.820/2013. (...)

Diante da r. decisão acima transcrita e de sua competente comunicação ao e.


Tribunal Especial Misto, foi suspenso o interrogatório do Réu, até que a Defesa tivesse
acesso integral aos documentos compartilhados pelo Superior Tribunal de Justiça e,
assim, pudesse ser realizada a complementação da oitiva da testemunha Edmar José
Alves do Santos. Neste caso, quando não houvesse mais necessidade de aplicação
das restrições decorrente da delação negociada nos autos da Ação Penal 976/DF
(Inquérito 1338/DF), o que ocorreu no último dia 11 de fevereiro, com o recebimento
da Denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal. Da mesma forma, a r. Decisão

256
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

do Ministro Alexandre de Moraes adiou o interrogatório do Réu, que ficou designada


para a mesma ocasião da complementação da oitiva do Sr. Edmar Santos.

XXX – DA SEGUNDA SESSÃO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS

Aberta a segunda sessão de oitiva das testemunhas, no dia 28 de dezembro


de 2020, foram ouvidos: o senhor Luiz Octavio Martins Mendonça (Id.1571559),
testemunha da Defesa; a senhora Mariana Tomasi Scardua (Id. 1571594),
testemunha do Juízo; o senhor Roberto Robadey Costa Júnior (Id. 1571719),
testemunha da Defesa; e o senhor Alex da Silva Bousquet (Id. 1571741), testemunha
da Defesa.

Na oportunidade, não foi realizado o interrogatório do Réu, como previsto na


primeira sessão de oitiva de testemunhas, em virtude de decisão prolatada pelo
Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, nos autos da
Reclamação Constitucional n° 45.366-RJ, conforme já relatado.

XXXI – DO REQUERIMENTO DO RELATOR PARA CONSULTA A BANCOS DE


DADOS OFICIAIS A FIM DE LOCALIZAR A TESTEMUNHA EDSON TORRES

Diante do retorno negativo do mandado de intimação do senhor Edson da Silva


Torres, foi requerido pelo Relator, conforme despacho (Id. 1592669), a busca dos
endereços constantes nos bancos de dados oficiais, o que fez nos seguintes termos:

“Exmo. Sr. Presidente do Tribunal Especial Misto


Este Egrégio Tribunal diligenciou por diversos meios de busca,
na tentativa de localizar o Sr. Edson da Silva Torres,
testemunha arrolada por mim, na qualidade de relator. Porém,
os resultados foram negativos, uma vez que em todos os
endereços fornecidos para as diligências a testemunha não foi
localizada.
Assim, com base no princípio da cooperação, insculpido no
artigo 6º do Código de Processo Civil, requeiro, na condição de
relator, auxílio deste elevado juízo para diligenciar junto ao
Sistema de Informações ao Judiciário (INFOJUD), ao Sistema
de Restrições Judiciais sobre Veículos Automotores
(RENAJUD), ao Sistema de Informações Eleitorais (SIEL) e à
Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança
Pública e Justiça (INFOSEG), com o fito de localizar o
endereço da referida testemunha, que considero muito
importante para a elucidação dos fatos examinados pelo
Tribunal Especial Misto. (...)”

257
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Após conclusão ao Presidente do Tribunal Especial Misto, foi proferida, em


07 de janeiro de 2021, a seguinte decisão (Id. 1596070):

“Trata-se de requerimento do Exmº Sr Relator do processo de


Impeachment no sentido de que fosse deferida busca nos
sistemas INFOJUD, RENAJUD, SIEL e INFOSEG para apurar o
endereço da testemunha Sr. Edson da Silva Torres.
A defesa do acusado oferece petição requerendo a expedição
de guia para depósito à disposição do Tribunal Especial Misto
de 1/3 do valor indevidamente depositado em sua conta.
Autos encaminhados para determinações.
É o recopilado relatório.
O pleito do Exmº Sr. Relator deve ser deferido eis que, a
despeito do alegado princípio da cooperação, em processo
penal, a despeito dos termos da lei 13964/19, o sistema
acusatório implementado ainda não é puro, mas misto.
Nesse diapasão, há plena competência do julgador em
complementar a atividade probatória, eis que não revogado o art.
156 do CPP pela lei acima citada.
Assim, cabe a diligência para encontrar a testemunha cuja oitiva
é pretendida.
Para conferir maior efetividade à busca, e, por existir convênio
para tais consultas entre os entes e o TJRJ, deve ser deferida
busca aos sistemas LIGHT, NATURGY E CDL.
Tratando-se de afastamento de sigilo de dados tributário, deve
ser mantida sigilosa a busca no sistema INFOJUD, devendo o
endereço retornado na mesma ser inserido nos autos mediante
certidão, e, após, destruído o arquivo gerado.
O requerimento da defesa, de igual sorte, deve ser deferido,
entretanto não para depósito de 1/3 do valor indevidamente
creditado, mas a integralidade deste, qual seja 1/3 dos
vencimentos do Governador do Estado.
Isto posto, defiro a consulta aos sistemas INFOJUD, RENAJUD,
SIEL, INFOSEG, LIGHT, NATURGY E CDL, autorizando o Sr.
Juiz Auxiliar Dr. Marcello Rubioli a realizar as buscas nos
sistemas.
Defiro o depósito à disposição do Tribunal Especial Misto do
valor integral indevidamente depositado a favor do acusado,
devendo ser oficiado à Secretaria de Estado da Casa Civil do
Estado do Rio de Janeiro para que informe o valor a ser
depositado com urgência.
Designo sessão para o dia 13/01/2021, às 11:00hs para oitiva
das testemunhas faltantes e julgamento dos embargos
declaratórios interpostos pela defesa do acusado.
Oficie-se à Eg. Presidência do Tribunal de Justiça do Piauí para
aditamento da carta precatória expedida em função da data
redesignada.
Intime-se a testemunha residente no Estado do Rio de Janeiro,
por hora certa, caso necessário, e, sob pena de condução
coercitiva. (...)”

XXXII – DA TERCEIRA SESSÃO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS

258
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Com a localização das testemunhas faltantes, quais sejam, os senhores Edson


da Silva Torres e Valter Ferreira de Alencar Pires Rebelo (testemunha do Juízo), após
realização da intimação (Ids. 1600131 e 1608547, respectivamente), no dia 13 de
janeiro de 2021, foi realizada sessão do e. Tribunal Especial Misto para oitiva das
referidas testemunhas: Edson da Silva Torres (Id. 1619687) e Valter Ferreira de
Alencar Pires Rebelo (Id. 1619634).

XXXIII – DA REALIZAÇÃO DE NOVA SESSÃO PARA OITIVA DA TESTEMUNHA


EDMAR SANTOS E PARA O INTERROGATÓRIO DO RÉU

Após o recebimento da denúncia em desfavor do Governador Wilson Witzel,


nos autos da Ação Penal n° 976/DF, em 11 de fevereiro de 2021, no âmbito do STJ,
em cumprimento às determinações do Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal
Federal, Senhor Alexandre de Moraes, nos autos da Reclamação Constitucional n°
45.366/DF, foi proferido despacho (Id. 1935375) pelo novo Presidente do Tribunal
Especial Misto, Exmo. Senhor Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira,
determinando a designação de sessão plenária para os dias 07 e 08 de abril do
corrente ano, com vistas à realização da oitiva do senhor Edmar dos Santos e,
posteriormente, do interrogatório do Réu.

Aberta a sessão designada para o dia 07 de abril, foi realizada a oitiva do


senhor Edmar José Alves dos Santos (Ids. 1967300 e 1967322). Uma vez finalizada,
após breve suspensão, deu-se início à oitiva do Réu, Governador afastado Wilson
José Witzel, conforme mídia audiovisual (Ids. 1970566 e 1970594) constante nos
autos do presente processo.

XXXIV – DAS ALEGAÇÕES FINAIS DA ACUSAÇÃO

Conforme intimação para apresentação das Alegações Finais, ocorrida ao


término da sessão plenária do Tribunal Especial Misto do dia 07 de abril do corrente,
a Acusação apresentou, no dia 08 de abril de 2021, sua peça acusatória final (Id.
1970624), nos seguintes termos:

“(...)
Inicialmente, é de se assinalar que o plenário do Tribunal
Especial Misto do Estado do Rio de Janeiro - TEM/RJ, aprovou
259
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

por unanimidade, em 05 de novembro de 2020 a admissibilidade


da denúncia oriunda da Assembleia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro - ALERJ e o consequente afastamento do
Governador do cargo e da residência oficial por seis meses, isto
é, até 09/05/21.
1- A denúncia.
Em 27 de maio de 2020 perante Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro - ALERJ, o Deputado Luiz Paulo e a
Deputada Lucinha denunciaram por Crime de Responsabilidade
o Governador Wilson José Witzel (processos ALERJ 5.328/20 e
5.360/20, apensado ao primeiro), com pedido de impeachment,
consoante a Lei 1079/50 e com fundamento no artigo 4º, inciso
V, e no artigo 9º, item 7 e no art. 74.
Os principais fatos que sustentaram o pedido estão, também,
contidos na decisão do Ministro Benedito Gonçalves do Superior
Tribunal de Justiça – STJ, de 21 de maio de 2020, na concessão
de liminar na Medida Cautelar de Busca e Apreensão Criminal
requerida pelo Ministério Público Federal - MPF, fruto do
inquérito Penal nº 1.138/20 que embasou a Operação Placebo.
De tal operação derivaram outras que geraram 03 (três)
denúncias da Procuradoria Geral da República - PGR ao
Superior Tribunal de Justiça contra a Governador afastado
Wilson José Witzel.
A primeira das denúncias criminais, por corrupção e lavagem de
dinheiro, foi recebida em 11/02/2021 pelo Superior Tribunal de
Justiça – STJ, passando o Governador a ser réu e com a
determinação de afastamento do cargo por mais 1 (um) ano.
2- Das circunstâncias.
Consoante a Constituição Federal (Art. 84, XIII), o Presidente da
República é o comandante supremo das Forças Armadas e
pode, até, declarar guerra, nas condições do Art. 84, XIX.
Por analogia, o Governador do Estado é o comandante geral das
ações do governo, que deveriam proteger a população
fluminense, dando combate à invasão pandêmica do letal vírus
COVID-19, com ações preventivas e de atendimento aos
vitimados pelo vírus. Aliás, este é o mandamento do artigo 135
da Constituição do Estado do Rio de Janeiro – CERJ:
“Artigo 135 – O Poder Executivo é exercido pelo Governador do
Estado, auxiliado pelos Secretários de Estado. ”
Quando o COVID-19 iniciava a sua propagação no Estado do
Rio de Janeiro, o Governador editou o Decreto nº 46.973, de 16
de março de 2020, estabelecendo Calamidade Pública na área
da Saúde. A Calamidade foi reconhecida pela ALERJ, através
da Lei nº 8.794/20, guardando semelhança com o rito previsto
no inciso XIII c/com o inciso XIX, do art. 84 da CF, supracitado.
2.1- O Governador Wilson Witzel, em reuniões no Palácio
Guanabara, em entrevistas jornalísticas, nas divulgações nas
redes sociais e por decisões publicadas em Diário Oficial
demonstrou que mantinha o comando de todas as ações na área
da saúde. O Governador e o seu Secretário de Estado de Saúde,
Edmar Santos, eram os tomadores de decisões para
enfrentamento ao vírus, sendo que o Governador nomeou, em
17/02/2020, como Subsecretario Executivo da Secretaria da
Saúde o Sr. Gabriell Neves e o Secretário Edmar Santos, por
meio da Resolução SES nº 1191 de 28 de fevereiro de 2020,
delegou competências amplas ao mesmo, criando-se uma
estrutura hierárquica que viria a dar suporte aos contratos

260
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

fraudulentos e sucessivos atos de corrupção. Após tais atos


ímprobos se tornarem públicos o Sr. Gabriell Neves foi
exonerado em 20/04/2020 e preso em 07/05/2020.
2.2 – Tal comando hierárquico do Governador que foi oficial de
Marinha (segundo-tenente) foi expresso nas oitivas do atual
Secretário de Saúde Carlos Alberto Chaves (que foi da Marinha
do Brasil), e do Ex-Comandante Geral do Corpo de Bombeiros
Sr. Cel. Roberto Robadey da Costa Junior na gestão do Governo
Wilson Witzel, quando afirmaram que a “tropa seria reflexo de
seu comandante” (Governador), consoante a hierarquia
existente nos comandos militares.
Quanto ao Ex- Controlador Geral do Estado Sr. Hormindo Bicudo
ele afirmou que:”. Então, esse é meu juízo de valor: confiou
demais. Deveria ter confiado de menos e se cercado de mais
técnicos mais comprometidos e, eu volto a dizer de funcionários
públicos concursados, que é sempre a melhor saída”.
Na verdade, o Governador escolheu àqueles que refletiriam o
seu comando improbo.
2.2.1- Oitiva do Secretário de Saúde Sr. Carlos Alberto Chaves
(17/12/20) ao Tribunal Especial Misto.
“O SR. WALDECK CARNEIRO – Sim, claro. Pela sua
experiência, insisto, o que o senhor está chamando de
aparelhamento da Secretaria nessa dimensão, nessa
envergadura, o senhor acha possível que isso possa acontecer
sem que o Governador tome conhecimento?
O SR. CARLOS ALBERTO CHAVES – Eu? A minha opinião?
O SR. WALDECK CARNEIRO – Sim, claro.
O SR. CARLOS ALBERTO CHAVES – Eu tenho um ditado que
aprendi na Marinha do Brasil, que é: ¨A tropa é reflexo do seu
comandante,
O SR. WALDECK CARNEIRO – A tropa?
O SR. CARLOS ALBERTO CHAVES – É reflexo do seu
comandante. ”(grifos nossos)
2.2.2 – Oitiva, em 17/12/20, do ex- Controlador Geral do Estado
Sr. Hormindo Bicudo, em resposta a acusação, quando o mesmo
emite juízo de valor pessoal sobre a gestão do então Governador
Wilson Witzel:
“O SR. LUIZ PAULO – Aí, eu queria um juízo de valor seu. O
Presidente do PSC, Pastor Everaldo, tinha uma influência direta
– está na delação premiada, o senhor está confirmando – na
Saúde, no Detran e na Ciência e Tecnologia. Bom, são três
pastas, mas Saúde e Detran eu lembro bem.
Pastor Everaldo, Presidente, comandante do partido, com
influência direta na Secretaria de Saúde. Governador eleito e
uma pessoa muito influente no PSC. Todo Governador, dentro
do seu partido, se torna muito influente. Fica difícil que o
Governador não tenha tido ciência, pelo menos, de parte de toda
essa corrupção que acontecia na área da saúde. Queria saber o
seu ponto de vista.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Ele é pessoal, Deputado.
O SR. LUIZ PAULO – Pessoal.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Ele tem que ser pessoal
porque, como controlador, eu não pude fazer esse exame
porque eu não vivi esse mundo ali, naquele momento.
O SR. LUIZ PAULO - Nem era sua competência investigar o
Governador. ”

261
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Pois é. Mas, no plano


pessoal, eu vou fazer o meu juízo de valor, como eu tenho feito
e já fiz até a ele mesmo. Confiou demais, entregou demais na
confiança das pessoas, pela experiência na gestão pública. E
ele, que veio do Poder Judiciário, não teve tanta experiência na
área política. Então, esse é meu juízo de valor: confiou demais.
Deveria ter confiado de menos e se cercado de mais técnicos
mais comprometidos e, eu volto a dizer de funcionários públicos
concursados, que é sempre a melhor saída. (grifos nossos)
2.2.3 – Oitiva do Ex-Comandante Geral do Corpo de Bombeiros
Cel. Roberto Robadey da Costa Junior (28/12/20) ao TEM:
Respondendo ao Dep. Luiz Paulo.
“(...)
Eu queria só uma última pergunta. Coronel Robadey, o senhor,
como militar de carreira, avaliza o que foi dito aqui pelo
Secretário de Saúde Chaves, que aprendeu na Marinha que a
tropa é reflexo do seu comando
(...)
O SR. LUIZ PAULO - Mas a minha pergunta é direta, Coronel.
O SR. ROBERTO ROBADEY COSTA JÚNIOR – Sim. Mas eu
concordo com essa frase. Essa frase é uma frase militar. Eu
concordo, sim. (…)” (grifos e omissões nossas)
Fica, pois, demonstrado, conforme o itens 2 e seus subitens, que
o Sr. Wilson José Witzel era o Comandante Geral das ações de
seu Governo para o enfrentamento a COVID-19 e, portanto,
responsável direto pelas ações implementadas pelos seus
comandados que eram reflexo do seu comandante e quando
delegava não havia os controles necessários para fazer as
contratações, na linha que será demonstrado, não havia, pois,
planejamento e nem controle o que era um facilitador para a
corrupção, como ficará comprovado.
2.3. Esclarecimentos preliminares.
Sabemos que a Constituição Federal de 1988 em seus artigos
52, inciso I, 85 e 86 disciplinam os procedimentos do
impeachment por Crime de Responsabilidade que são regulados
pela Lei 1079/50.
O parágrafo 4º do artigo 86 diz que: “O Presidente da República,
na vigência do seu mandato, não pode ser responsabilizado por
atos estranhos ao exercício de suas funções”, logo o Crime de
Responsabilidade terá que ocorrer no exercício do mandato.
Assim os Crimes de Responsabilidade cometidos pelo
Governador Sr. Wilson Witzel serão considerados, no presente
procedimento, desde o momento que ele assume o seu mandato
de Governador, em 1º de janeiro de 2019 até o dia do seu
afastamento do Cargo pelo STJ em 02/09/2020.
Entretanto, não há impedimento que se contextualize o mandato
do Governador e suas relações, com tempos pretéritos ao
mesmo, para melhor entendimento do contexto precedente e a
sua devida conexão com a prática dos Crimes de
Responsabilidade que veio a praticar.
Os primeiros elementos remontam a época que o Sr. Wilson
Witzel exercia a função de Juiz Federal, sua renúncia da função,
sua pré-candidatura e candidatura vitoriosa até a sua posse
como Governador.
Registre-se que tais fatos compõem a narrativa de como se
iniciou a relação do Sr. Wilson Witzel com o grupo criminoso que
se instalou no Governo do Estado em parceria com agentes

262
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

públicos, depois da posse do mesmo no Governo do Estado do


Rio de Janeiro.
2.3.1- Sobre a cooptação do Sr. Wilson Witzel para o esquema
criminoso que estava em gestação, o Sr. Edson da Silva Torres,
no termo de depoimento ao MPF, em 03/09/20, às fls. 7 e 8 de
11, assim se expressou:
“Que ao final de 2017 o declarante foi convidado por
EVERALDO para participar de uma reunião com o Juiz Federal
WILSON WITZEL; Que o propósito da reunião era conversar
sobre a viabilidade política de WITZEL vir candidato a
Governador do Estado do Rio de Janeiro pelo PSC; QUE
WITZEL ainda não era filiado e nem poderia pois ainda era Juiz;
Que tal reunião ocorreu na sede do PSC, Rua Senador Dantas,
71, 21º andar, presentes o declarante, EVERALDO, WITZEL e
um empresário aposentado amigo do declarante VALDIR
LOPES; Que nessa reunião WITZEL apresentou seu interesse
em ser candidato ao Governo do Rio de Janeiro; Que nessa
reunião, foram tratados apenas assuntos políticos e viabilidade;
Que nada foi decidido nessa reunião; Que logo depois da
reunião, o depoente e EVERALDO conversaram a necessidade
de dar um conforto e segurança financeira para o então Juiz
Federal, caso ele pedisse demissão e se perdesse a eleição não
teria a garantia dos vencimentos que recebia enquanto Juiz, por
um período de tempo até ele se estabelecer; Que o depoente
marcou outras reuniões com alguns empresários e apresentou a
eles esta oportunidade porém, diante da perspectiva mínima de
chance da eleição, houve poucos interessados; Que dentre
esses empresários à época, o declarante procurou MÁRIO
PEIXOTO, conhecido do declarante no mercado e este não se
interessou; Que em seguida, conversando com VICTOR HUGO,
este mostrou interesse em apoiar o projeto financeiramente e
trouxe JUAREZ FIALHO, seu sócio, para também integrar o
projeto;”
2.3.2- Assinale-se o sagaz comentário do Jornalista Octavio
Guedes, em 14/01/2021, na TV Globo, “que em outras épocas
afirmava-se o político tinha um esquema e que agora o esquema
tinha um político”, consoante as denúncias de corrupção
efetivadas pelo MPF e MPE no Governo Wilson Witzel.
Vejamos, pois, as oitivas do Sr. Hormindo Bicudo, ex-
controlador Geral do Estado do Governo Wilson Witzel e do Sr.
Edson Torres que demonstram o início da relação de plutocratas
corruptos com o Sr. Wilson Witzel, então Juiz Federal. Tais
depoimentos estimularam a nossa percepção de que o “O
esquema avançava em direção ao, então, Juiz Federal”.
2.3.2.1 – Em oitiva ao TEM (17/12/2020) o Sr. Hormindo Bicudo
respondendo a acusação, afirmou que o Sr. Mario Peixoto teria
patrocinado pesquisa qualitativa para o então Juiz Federal
Wilson Witzel embasar o seu futuro pedido de renúncia do
Cargo.
“(...)
O SR. LUIZ PAULO – Pois, não.
O senhor afirmou aqui, quando sentou-se, que era amigo do Sr.
Wilson Witzel.
Eu poderia saber desde quando começou essa amizade?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - . Quando eu o conheci ele
ainda era Presidente da Associação dos Juízes Federados do
Rio de Janeiro, e eu era Procurador-Geral do Município de

263
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Itaguaí. E eu tive um contato com ele através de uma colega


contadora que ela tinha uma tese sobre a eficácia da execução
fiscal, e eu estava trabalhando exatamente uma reorganização
no sistema de execução fiscal do Município. E, aí, ele fez a
interface. Ela era colega dele de faculdade, faziam doutorado
juntos. E eu tive a oportunidade de conhecê-lo, se eu não me
engano, no ano de 2014. E, a partir daí, selamos uma boa
amizade. Havia todo um trato institucional, um trato de amizade
que acabou levando para as famílias também.
O SR. LUIZ PAULO - O senhor, de alguma forma, contribuiu, não
é contribuiu pecuniariamente, contribuiu com a sua ajuda
pessoal, seus conhecimentos, seus relacionamentos, com a
campanha do Sr. Wilson Witzel?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - No início, sim. Eu participei
até da ideia da candidatura, por ser uma candidatura vinda de
magistratura, sendo uma candidatura proba, uma candidatura
que poderia resgatar aí toda essa situação que o Estado vem
passando nesses últimos anos. Uma pessoa fora do quadro
político que pudesse dar uma nova dinâmica. Essa foi a nossa
ideologia inicial. Mas, infelizmente, quando o barco continuou,
de campanha eleitoral e tudo, infelizmente eu tive que trabalhar
para viver, e eu fui obrigado a me afastar da campanha
propriamente dita.
O SR. LUIZ PAULO - O senhor, nesse período, conheceu o
Pastor Everaldo?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Conheci o Pastor Everaldo
já com o Dr. Witzel, eu conheci já com o Dr. Witzel.
O SR. LUIZ PAULO - E o senhor conheceu o Sr. Mario Peixoto?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Conheci o Mario Peixoto
bem antes. Conheci o Mario Peixoto quando eu fui Controlador
Geral do Município de Nova Iguaçu, na gestão do Lindbergh, e
o Mario Peixoto já representava nas cooperativas de trabalho. E
havia tanto questionamento sobre a possibilidade de as
cooperativas prestarem serviço público ou não.
Na época, como Controlador, e conhecendo bem a dinâmica do
Tribunal de Contas, eu consegui emitir um parecer, naquela
época era um parecer sazonal, de acordo com a necessidade da
saúde naquela época, que foi inclusive aprovado pelo Tribunal
de Contas depois. A partir dali, Mario Peixoto passou a ter um
contato comigo praticamente profissional, porque houve um
respeito e tudo.
Muitos anos depois se passaram, eu não tive mais contato com
ele, fui ter um novo contato com ele justamente quando da
candidatura. Porque ele tinha um instituto de pesquisa...
O SR. LUIZ PAULO - Ah, o Sr. Mario Peixoto tinha um instituto
de pesquisa?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Sim, ele tinha um instituto
de pesquisa. Não sei se ele ainda tem hoje.
O SR. LUIZ PAULO - Não, não. Eu só fiquei curioso.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Ele tinha um instituto de
pesquisa e eu pedi a ele uma pesquisa. Porque essa ideia da
candidatura pudesse ser válida, eu pedi a ele uma pesquisa. Ele
me fez uma pesquisa, ele sempre faz pesquisa, ele inseriu lá
alguns requisitos da pesquisa para a gente poder analisar
tecnicamente e saber a viabilidade ou não. Afinal de contas a
pessoa teria que largar a carreira de magistrado, não podia ir
para uma aventura.

264
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Então, foi assim. E dali eu acabei me desligando deles porque


eu não pude mais continuar na campanha.
O SR. LUIZ PAULO – Pois é, mas nessa pesquisa que o Sr.
Mario Peixoto patrocinou para o Sr. Wilson Witzel, seguramente
deu um resultado...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Posso corrigir um
pouquinho, Deputado?
O SR. LUIZ PAULO – Pode, por favor.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Na verdade, quando eu fiz
o pedido ao Mario Peixoto, ele nem conhecia ainda o Witzel,
entendeu?
O SR. LUIZ PAULO – Sim, mas função dessa pesquisa que ele
patrocinou...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Sim. Sim.
O SR. LUIZ PAULO – ... deve ter dado indicadores de que seria
positiva a candidatura do Wilson Witzel.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – É. Numa análise que o
senhor conhece bem, não é?
O SR. LUIZ PAULO – Sim, sim, mas deu algum nível de
positividade, tanto é que ele virou candidato.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Exatamente.
O SR. LUIZ PAULO – A partir daí o sr. Mario Peixoto passou a
se relacionar com o então candidato Wilson Witzel?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Olha, eu confesso ao
senhor que eu presumo isso. Eu não convivi mais com eles a
esse nível, porque eu tinha, eu tive que cuidar do meu escritório
que eu estava montando e tudo, eu não pude mais dar atenção
a isso. Mas provavelmente sim. Até porque havia comentários
ao longo da campanha, que um ajudava, o outro comentava – o
senhor sabe como funciona, não é? Na verdade, é um grande
concílio em favor de uma eleição.
O SR. LUIZ PAULO – Perfeitamente.” (Grifos e omissões
nossas)
2.3.2.2 – Em oitiva no Tribunal Especial Misto –TEM, em
13/01/21, o Sr. Edson Torres respondendo ao Relator, afirmou
que financiou o então Juiz Federal Wilson Witzel antes de sua
desincompatibilização do cargo com quase R$ 1 milhão. Tais
recursos visariam a mantença do mesmo ao deixar o cargo de
Juiz, caso ele não ganhasse a eleição, confirmando a sua
confissão espontânea ao Ministério Público Federal - MPF,
citada no item 2.3.1. “(...)
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi, entendi.
Eu queria fazer outra pergunta ao senhor, Sr. Edson Torres. O
senhor no depoimento ao Ministério Público Federal, justamente
sobre esse ponto, afirmou que houve frequentes repasses
destinados ao Sr. Wilson Witzel, que ele teve que se
desincompatibilizar se exonerou do cargo de Juiz Federal, como
manda a lei, para ser candidato, com antecedência prevista em
lei e ele precisava de recursos para se manter. E aí houve
repasses com essa finalidade? O senhor cuidou disso?
Participou disso de alguma forma?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Excelência, o senhor
mesmo já tomou conhecimento do meu depoimento. Eu só estou
relatando fatos dos quais eu depus e confessei. Esses fatos são
verdadeiros. Eu participei dessa estrutura que eu venho lhe
afirmando; eu, junto com esse empresário que eu procurei, e que
ajudou - foi unicamente esse empresário que me ajudou. Nós,

265
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

durante esse período antes da desincompatibilização dele,


então Juiz Federal, nós fizemos um caixa de subsistência caso
ele não ganhasse a eleição, de um valor que era de
aproximadamente de 1 milhão de reais - chegou a 980 mil reais
esse valor - que foram pagos até a data da
desincompatibilização.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Foram pagas algumas
parcelas. Uma delas eu acabei de falar agora há pouco que foi
entregue por mim a Lucas Tristão. Outras foram entregues a
outras pessoas.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi. O senhor se lembra
que outras pessoas eram essas às quais foram entregues esses
outros repasses?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Entreguei algumas ao
próprio Everaldo Dias Pereira; e uma dessas parcelas - numa
das parcelas - eu não lembro se é a terceira ou se é a quarta, se
a quinta ou se a sexta, mas, numa dessas parcelas que eu
entreguei, eu entreguei na sala da EDP, na Rio Branco 109, 8º,
e estava presente o próprio, então, Juiz Federal. Eu entreguei
esse dinheiro para Everaldo que entregou ao então Juiz Federal
para levar esse dinheiro.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Estávamos na sala nós
três.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Estávamos na sala nós
três.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi, entendi.
E o senhor se lembra de qual foi esse empresário que ajudou?
Esse que deu a resposta positiva ao seu apelo e ajudou?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Quem era?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Victor Hugo.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Victor Hugo Barroso, é isso?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Isso.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi. (...)”
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendo, entendo bem.
E o senhor continuou fazendo esse trabalho de apoio financeiro
à campanha de Wilson Witzel? Quando a campanha começou,
propriamente dita, no primeiro e no segundo turno, o senhor
continuou atuando dessa forma?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Após a
desincompatibilização, não tão substancialmente, mas, sim, até
janeiro de 2020... 2019, até janeiro de 2019. Logo depois da
eleição, de ele eleito, e até a posse dele, subsidiei algumas
necessidades políticas, de campanha e de partido.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendo, entendo.
E, uma vez eleito, em segundo turno, o candidato Wilson Witzel,
o senhor, ao lado do Pastor Everaldo, ajudou de alguma forma
na montagem da equipe de Governo, a indicar Secretários, a
indicar membros para o futuro Governo que iria se instalar?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Diante da minha relação
de amizade e de confiança com o Everaldo, sim. Participei de
ajuda de algumas escolhas. (grifos e omissões nossas)

266
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Assertivas similares, também, fazem parte do Termo de


depoimento do Sr. Edson da Silva Torres ao MPF, em 03/09/20
às fls. 8,9 e 10 de 11.
Assim, fica devidamente assentado, que o Sr. Edson Torres e
seu esquema corrupto subsidiaram, com recursos pecuniários e
benesses, o Sr. Wilson Witzel, desde o período em que foi Juiz
Federal até a sua posse como Governador eleito, além, de terem
indicado representantes para Cargos em seu Governo, para
terem o retorno do investimento realizado, através da “caixinha
da propina”, confirmando-se a premissa que “o esquema tinha
um candidato a governador” que venceu o pleito.
3- O Crime de Responsabilidade.
Assim entendida a linha do tempo de comprometimento do Sr.
Wilson José Witzel com o “esquema corrupto” vamos aos fatos
e provas objetos da presente demanda que demonstrarão ter o
então Governador atentado contra a probidade na administração
a partir da sua posse em 1º de janeiro de 2019 até ser afastado
de seu cargo pelo Superior Tribunal de Justiça, em 02/09/2020.
Ficará, pois, demonstrado que o Exmo. Sr. Governador Wilson
José Witzel cometeu Crime de Responsabilidade punível, em
toda a sua amplitude, nas tipificações previstas no artigo 2º, no
inciso V do artigo 4º combinado com o item 7 do artigo 9º e na
forma do art. 74, da Lei 1079/50, abaixo transcritos:
“Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei
especifica.
Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente
tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com
inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função
pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o
Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os
Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador
Geral da República. (...)
Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da
República que atentarem contra a Constituição Federal, e,
especialmente, contra:
I - A existência da União:
II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e
dos poderes constitucionais dos Estados;
III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
IV - A segurança interna do país:
V - A probidade na administração;
VI - A lei orçamentária;
VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;
VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição,
artigo 89).
(...)
CAPÍTULO V
DOS CRIMES CONTRA A PROBIDADE NA ADMINISTRAÇÃO
Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na
administração:
1 - omitir ou retardar dolosamente a publicação das leis e
resoluções do Poder Legislativo ou dos atos do Poder Executivo;
2 - não prestar ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias
após a abertura da sessão legislativa, as contas relativas ao
exercício anterior;

267
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados,


quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos
contrários à Constituição;
4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às
disposições expressas da Constituição;
5 - infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais;
6 - Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para
coagí-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de
suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo
fim;
7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e
o decoro do cargo.
(...)
(grifo nosso)
PARTE QUARTA
TÍTULO ÚNICO
CAPÍTULO I
DOS GOVERNADORES E SECRETÁRIOS DOS ESTADOS
Art. 74. Constituem crimes de responsabilidade dos
governadores dos Estados ou dos seus Secretários, quando por
eles praticados, os atos definidos como crimes nesta lei.
(…)
(grifos e omissões nossas)
3.1 – Os fatos ímprobos após a assunção do Sr. Wilson Witzel
ao cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro
(01/01/2019), ficam devidamente comprovados, função da sua
responsabilidade objetiva, como se relata:
3.1.1 – A ausência de planejamento e a organização precária e
criminosa aliada a falta de controle dos atos antecedentes as
contratações fraudulentas.
O Doutor Wilson Witzel deveria ter exigido de seus subordinados
que respeitassem os elementos principais da centenária Teoria
Clássica da Administração, criada, por Taylor (1856/1915) e
Fayol (1841/1921), ou seja: “prever, organizar, comandar,
coordenar e controlar”. Tais princípios básicos foram
negligenciados. A previsão ou planejamento foi tosco, as ações
erráticas. A organização precária serviu de arcabouço para se
instituir uma estrutura hierárquica, incompetente e corrupta. O
comando, na área da saúde, estava contaminado pelo vírus da
corrupção, visto que o Secretário de Saúde Edmar Santos e o
Subsecretário Gabriell Neves foram presos e o próprio
Governador denunciado pela PGR e afastado do cargo por
6(seis) meses, por decisão do STJ. Posteriormente, a denúncia
foi acatada pelo STJ e se tornou réu em 11/02/2021, pela
unanimidade dos presentes e, agora, afastado por 1(hum) ano.
A coordenação serviu apenas para a divulgação dos atos
iniciais, pois, a coordenação administrativa inexistiu. O controle
veio a ocorrer após o erário ser pilhado.
As operações do MPF: Mercadores do Caos, Favorito e Placebo
ocorreram, antes da presente denúncia, como, também, a
operação do MPE “Filhote de Cuco”, que junto com a Placebo
revelaram o total descontrole e a corrupção instalada.
Constata-se que o Ministro Benedito Gonçalves, na sua decisão,
no inquérito 1138/20, relata que o MPF em sua denúncia, assim
se expressou: “Por fim afirmam que as provas coletadas até
esse momento indicam que, no núcleo do Poder Executivo do
Estado do Rio de Janeiro, foi criada uma estrutura hierárquica,

268
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

devidamente escalonada a partir do Governador, que propiciou


as contratações sobre as quais pesam fortes indícios de fraudes.

Afirmativa, totalmente comprovada e que se torna incontestável,
como abaixo relatado.
3.1.2- Observe-se que o Governador, também, agia em
consonância com os membros da caixinha da propina tendo
participação na mesma, segundo o termo de depoimento do Sr.
Edson da Silva Torres ao MPF, em 03/09/20 as fls.6 de 11 e a
oitiva do mesmo, em 13/01/2021, ao Tribunal Especial Misto -
TEM.
3.1.2.1 – Oitiva do Sr. Edson Torres ao TEM, em 13/01/21, onde
o candidato Wilson Witzel virou Governador e as colaborações
privadas oriundas do “esquema corrupto” com interesses
escusos continuaram.
A defesa arguindo o Sr. Edson Torres:
“(...)
O SR. JOSÉ ROBERTO SAMPAIO – Ele fazia parte. Mas o
senhor disse que não sabia se tinha recebido ou não.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Inclusive no meu
depoimento eu tenho um relato, em final de 2019, que
especialmente eu separei um recurso de um milhão e quinhentos
mil reais, que eu paguei parcelado durante dois meses, -
setembro, outubro, se não me engano. Esse dinheiro eu dei para
Everaldo para entregar a Gothardo. E que esse dinheiro
Everaldo disse-me que era para estrutura do Governador.
(...)
(grifos e omissões nossas)
O Sr. Edson Torres, na oitiva ao TEM, respondendo a
Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves:
A SRA. TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES – Eu só tenho
uma pergunta. O colaborador já afirmou que, salvo o momento
em que esteve presente com o então Juiz Wilson Witzel, nas
outras duas ocasiões, ele não entregou valores nem foi
combinada a entrega de propina. E também afirmou que sabia
desse fato através do pastor Everaldo. Alguma vez o pastor
Everaldo deu alguma prova de que de fato fazia a entrega de
propina ao Governador?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – A prova que eu tenho é a
confiança e o relacionamento com o Everaldo de 20 anos.
A SRA. TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES – Mas
nenhum depósito de valor, ou ele comentou para onde seria
entregue o valor ao Governador, ou em que ocasião? Algum
detalhe sobre essa entrega de valores?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Olha, ao longo da gestão,
foram pagas várias contas de empresas de turismo, passagens
aéreas, viagens, e era o Everaldo o responsável por isso. E o
dinheiro era remetido a ele, era entregue a ele por mim ou por
Victor para assim fazê-lo. E era para justamente a questão do
Governo.
A SRA. TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES – Só para
deixar claro. Empresas de turismo, viagens, todas beneficiadas
ou feitas, ou realizadas pelo Governador?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim.
(…)
(grifos e omissões nossas)
Sr. Edson Torres respondendo a defesa:

269
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

(...)
O SR. JOSÉ ROBERTO SAMPAIO – É só uma pergunta,
excelência.
É a propósito de uma pergunta que foi feita pela
Desembargadora Teresa. Gostaria que o depoente
esclarecesse se esses pagamentos de viagens, que
supostamente ocorreram, através do depoente, se deram antes
ou depois do Governador assumir o cargo. Se foi no período pré-
campanha, ou pós.
Só isso, excelência.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Os recursos que foram por
nós aportados, parte deles, eu volto a afirmar, que foi antes,
enquanto o Wilson era Juiz Federal, que era para, se ele
ganhasse a eleição, era um dinheiro que ele fizesse o que bem
entendesse. Se ele não ganhasse a eleição, era para sustento
dele durante um período. Ele estava desempregado, estaria
desempregado.
Depois, que ele (FALHA NA TRANSMISSÃO SONORA), nós
passamos a ajudar na campanha, e depois de ele eleito, durante
o período dele eleito e tomar posse, e no primeiro mês dele já
empossado, nós fizemos pagamento de empresas de turismo,
Casablanca(?) e uma outra que eu não sei o nome, para custeio
de viagens do então do Governador eleito e Governador
empossado.
(grifos e omissões nossas)
3.1.2.2 – “O esquema tinha um Governador”, como se verificou
na oitiva de Edson Torres.
O Sr. Edson Torres respondendo ao Relator:
(...)
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Agora, os recursos
advindos da gestão dele como Secretário em alguns contratos
na Secretaria de Estado de Saúde, esses havia uma divisão de
destinatários.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Certo.
E o senhor sabe dizer, se recorda que contratos eram esses
onde havia esta divisão de propina?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Alguns contratos que
houve a ingerência financeira na Secretaria de Saúde. Algumas
OSs, a OS Mahatma Gandhi, a OS Nova Esperança, Solidário,
Gnosis, essas OSs tinham a participação e quem cuidava desta
arrecadação, arrecadava esse dinheiro, prestava conta e dividia
proporcionalmente para quem de direito.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Não é propriamente de direito,
mas, enfim. O senhor sabe quem eram os outros beneficiados
desta distribuição?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Pode dizer para nós, por favor?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Posso. Da arrecadação
que se fez no período de 2019 até maio, junho de 2020, o
percentual girava em torno, dos 100% arrecadados, 15% dos
100% arrecadados ficavam comigo; 15% ficavam como Victor
Hugo; 30% ficavam com o Edmar, Secretário; e 40% iam para
Everaldo e o Governo - e aí é estrutura de Governo.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Então, só para eu fixar aqui a
sua informação, esses 40% restantes iam para o Pastor
Everaldo, o senhor disse, para o Governo? Mas sabe quem no
Governo pilotava isso?

270
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim. Ia para o Pastor


Everaldo porque aí era questão de foro íntimo dele, para que ia.
Eu não posso lhe afirmar se ia para A, B ou C. Não tem essa
garantia.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Claro. Claro.
O senhor sabe dizer se, eventualmente, desse percentual
restante, uma parte pode ter ido para o próprio Governador
Wilson Witzel?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – É, me perdoe, excelência.
Eu não posso lhe responder essa pergunte. Se ia para o próprio
Governador especificamente desses 40%, eu não posso
responder.
Verifica-se à similaridade da oitiva acima com os 2(dois)
depoimentos, o do Sr. Edson Torres e o do Sr. Edmar Santos, a
seguir:
a) No termo de depoimento do Sr. Edson da Silva Torres
ao MPF, em 03/09/20 as fls. 6 de 11 consta: “Que a propina era
sempre exigida em espécie; Que o percentual exigido variava
caso a caso, de acordo com o contrato; Que em regra p
percentual variava entre 3% a 7%; Que ficou combinada a
seguinte divisão da propina: 15% para o depoente. 15% para
VICTOR, 30% para EDMAR e 40% para a estrutura do governo;
Que “estrutura do governo” engloba: EVERALDO e Governador;
b- No termo de colaboração do Sr. Edmar Santos de 24/06/20,
em sede de delação premiada, narrado ao MPF em seu Anexo
4- Divisão de propina entre o Governador Wilson Witzel, Pastor
Everaldo, Edson Torres, Edmar e Victor e estruturação da
organização criminoso, declarou:
“QUE os recursos auferidos ilicitamente iriam para um caixa
único, administrado por VICTOR BARROSO; QUE tal caixa
único seria distribuído da seguinte forma: 30% para o
colaborador; 20% para o Governador WILSON WITZEL (que
recebia de as secretarias, de acordo com o relato de EDSON);
20% para o PASTOR EVERALDO; 15% para EDSON TORRES
e 15% para VICTOR BARROSO”.
(grifos nossos)
O Sr. Edson Torres respondendo a acusação:
“(...)
O SR. LUIZ PAULO – O senhor poderia informar ao Tribunal, de
uma forma objetiva, se no período de 1º de janeiro de 2019 até
meados de 2020, existia uma caixinha de propina derivada de
recursos das Organizações Sociais na área da Saúde?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Sim.
O SR. LUIZ PAULO – O Governador Wilson José Witzel, de
alguma forma, era beneficiado por essa caixinha de propina?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Sim.
O SR. LUIZ PAULO – Cabia a ele que percentual da caixinha de
propina?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Excelência, é o que eu
acabei de informar ao deputado anterior, relator, eu não tenho
como lhe afirmar percentual, porque eu entregava um valor a
Everaldo; a destinação deste valor era por conta de Everaldo.
O SR. LUIZ PAULO – Mas o senhor pode afirmar como já
afirmou que ele participava da caixinha de propina, o Sr. Wilson
Witzel?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim.

271
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

O SR. LUIZ PAULO – O senhor podia dizer que valor estimativo,


nesse período de 1° de janeiro a meados de 2020, a caixinha de
propina arrecadou, ordem de grandeza?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim, eu já como confessei
no Ministério Público Federal, esse valor girou em torno de 50 a
55milhões de reais.
O SR. LUIZ PAULO – E o senhor tinha qual seria a projeção
anual de recolhimento dessa caixinha nos anos de 2020, 21 e
22?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Não.
O SR. LUIZ PAULO – Não tinha projeção.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Não.
O SR. LUIZ PAULO - Eu queria perguntar para o senhor: qual
era o percentual médio que os contratos das Organizações
Sociais pagavam à caixinha da propina?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Entre três a seis por cento.
O SR. LUIZ PAULO – 3 a 6.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – É.
O SR. LUIZ PAULO - E essa variação se devia a quê?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Excelência, era de acordo
com o resultado de cada contrato, cada OS, era de acordo com
a negociação de cada OS.
O SR. LUIZ PAULO – O senhor podia informar a este Tribunal
se a caixinha de propina também teria sido alimentada por
pagamentos de restos a pagar de Organizações Sociais?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim.
O SR. LUIZ PAULO – Qual era o percentual médio que incidia
sobre esses restos a pagar?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Esses restos a pagar houve
dois casos específicos: um da HMTJ e outra da ... Eu me esqueci
o da outra Organização Social agora, mas o percentual era de
20%, como honorário jurídico.
O SR. LUIZ PAULO – O senhor, posteriormente, poderia
informar ao Tribunal qual é o nome dessa outra empresa?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Com certeza eu envio por
escrito.
(...)
(grifos e omissões nossas)
Oitiva do Sr. Edson Torres sendo perguntado pela defesa:
(...)
O SR. JOSÉ ROBERTO SAMPAIO – Então entendido o que o
senhor falou, mas o objeto da pergunta é saber... Para que o
senhor entenda e possa esclarecer a este Tribunal de uma forma
objetiva: não é se o senhor ouviu dizer, ou se o senhor acha que
acontecia. A pergunta é se o senhor presenciou alguma
conversa em que o Governador estivesse presente; ou o senhor
ouviu diretamente do Governador, não ouviu dizer? A pergunta
é: o senhor, pessoalmente, ouviu o Governador participar de
algum acerto de propina em seu Governo, seja antes da sua
eleição, seja depois de sua eleição? O senhor esteve presente
em alguma reunião em que o Governador também estivesse
presente e o senhor tenha ouvido da boca do Governador que
ele estaria participando de algum esquema?
O SR. EDSON TORRES – Da boca do Governador, não, mas
era o combinado com a estrutura de Governo. Eram combinados
os percentuais, que já falei por duas vezes neste tribunal hoje,
de 15%, 30% e 40% para a estrutura de Everaldo e Governo,

272
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

que intrinsicamente estava diretamente ligado ao Governador.


Essa era a informação clara que nós tínhamos.
(...)
O Sr. Edson Torres respondendo a Exma. Desembargadora
Maria da Gloria Oliveira Bandeira de Mello.
A SRA. MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
– Sim.
Sr. Edson, o senhor comentou já exaustivamente, aqui, a
caixinha de propinas, administração dessa caixinha, e que seria
beneficiário o Pastor Everaldo, o Sr. Victor Hugo, o senhor e a
estrutura do Governo, tal. A participação, o senhor ser
beneficiário dessa caixinha, assim como o Sr. Victor Hugo, seria
um retorno pelo que o senhor investiu na campanha, o senhor e
o Sr. Victor Hugo? Seria assim, uma compensação pelo que o
senhor investiu naquela fase, até pré-campanha, para o sustento
do Governador, em caso de não ser eleito? Pode ser atribuído a
isso?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Excelência, não é só pré-
campanha. Houve uma ajuda antes da desincompatibilização e,
até janeiro de 2019, houve um custeio e um sustento da
estrutura política.
A SRA. MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
– Hum, hum.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – ...na qual eu e Victor
também colocamos recursos.
A SRA. MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
– E esse retorno desse recurso veio com a sua participação na
caixinha posteriormente?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim.
(grifos e omissões nossas)
Conclusão nº 1.
Consoante os cruzamentos da denúncia espontânea do Sr.
Edson Torres e de parte da delação premiada do Sr. Edmar
Santos(liberada pelo STJ), com a oitiva do Sr. Edson Torres e
com o farto material oriundo das operações realizadas pelo
Ministério Público Estadual - RJ e Ministério Público Federal que
sustentaram as denúncias da Procuradoria Geral da República
ao Superior Tribunal Justiça - STJ é que se conclui que o Sr.
Wilson José Witzel teve comportamento ímprobo desde o 1º dia
de seu Governo e que se agravou no período pandêmico de
março de 2020 até o mesmo ser afastado do cargo pelo Superior
Tribunal de Justiça, em 02 de setembro de 2020, caracterizando
o crime de responsabilidade previsto na Lei 1079/50, visto ter
procedido de modo incompatível com a dignidade, a honra e o
decoro do cargo.
4- Detalhamento do Crime de Responsabilidade praticado pelo
denunciado nos 2(dois) casos (revogação da desqualificação da
OS UNIR e a contratação da OS IABAS) que foram considerados
mais relevantes no pedido de impeachment protocolado contra
o Governador Wilson Witzel, consoante a Lei 1079/50.
4.1- Caso Organização Social Instituto UNIR.
4.1.1 - A desqualificação da Organização Social UNIR, ocorreu
em 16 de outubro de 2019, por Resolução Conjunta nº 64,
(Saúde/Casa Civil), que importou na rescisão dos 9 (nove)
contratos de gestão vigentes;
4.1.2 - O ato de revogação da desqualificação pelo denunciado,
usando do seu Poder discricionário de conveniência e

273
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

oportunidade, foi publicada no D.O. de 24 de março de 2020, 08


dias após a decretação da Calamidade Pública. O ato restituiu à
mencionada a UNIR todos os direitos contratuais anteriores,
bem como a possibilidade de assinar novos contratos com o
Estado do Rio de Janeiro, função da pandemia. Ficando a UNIR
sob a custódia e amparo do Governador;
4.1.3 - A UNIR foi, novamente, desqualificada, agora, pelo
denunciado, em 15 de maio de 2020, dia seguinte da realização
da operação Favorito que prendeu 5 (cinco) suspeitos, entre
eles, Mario Peixoto, Vinicius Ferreira Peixoto e Luiz Roberto
Martins;
4.1.4 - A questão central sob a ótica do Crime Responsabilidade
do Governador Sr. Wilson Witzel, não é definir quem era o
detentor último do poder decisório na estrutura da UNIR, se era
Luiz Roberto Martins ou Mario Peixoto. E, sim, que a
requalificação da UNIR foi ato ímprobo, que não atendeu o
interesse público, e que a sua desqualificação em seguida foi
uma tentativa de se dar uma falsa aparência de imparcialidade,
quando os atos ímprobos já tinham sido descobertos pelas
operações do MPE-RJ e MPF. Tais operações tornaram
públicas a existência de uma “caixinha de propinas” que eram
irrigadas, principalmente, da área das OSs da Saúde,
comprovadas em denuncia espontânea e, posteriormente,
confirmada na oitiva do Sr. Edson Torres ao Tribunal Especial
Misto - TEM. Destaque-se que a IDR e sua sucessora a UNIR,
ambas, geridas pelo Sr. Luiz Roberto Martins pagaram a
Caixinha de propina o percentual de 20% do valor dos restos a
pagar recebidos por serviços prestados a Secretaria de Saúde.
Ficou, inclusive, demonstrado que a requalificação da UNIR,
consoante as escutas reveladas nas operações, teria sido
comprada. Foi instituída uma plutocracia corrupta que geria a
“caixinha da propina” do qual o Governador participava, via
Pastor Everaldo. Tais corruptores sugeriam ao Governador
nomeações, contratações, pagamento de restos a pagar e, até
a aludida requalificação da UNIR e operavam de forma oculta e,
eis, que tais ações criminosas foram reveladas pelas operações
do Ministério Público Federal - MPF e Ministério Público
Estadual – MPE-RJ e seus desdobramentos.
Restou demonstrado que a UNIR foi beneficiada por ato improbo
do Sr. Wilson Witzel que a requalificou a favor de outrens, sem
nenhum interesse público. Quando o cerco investigativo ocorreu,
o denunciado desqualificou a UNIR para, tentar se eximir de sua
responsabilidade. Os atos de ofício e as oitivas abaixo
demonstram o delito cometido.
4.1.5 - Oitivas sobre a requalificação da UNIR.
Assim se manifestou o atual Secretário de Saúde, em oitiva ao
Tribunal Especial Misto (17/12/2020), perguntado pela
Desembargadora Maria da Gloria Bandeira de Mello:
“(...)
A SRA. MARIA DA GLÓRIA BANDEIRA DE MELLO – Só um
minutinho, especificamente, eu estou entendendo o seu
enfoque, mas só para focarmos no ponto básico, em relação ao
caso da Unir, que era uma empresa que estava em situação
caótica.
O SR. CARLOS ALBERTO CHAVES – Sim.

274
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A SRA. MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO


– Poderia ato contínuo, ter se passado por uma prestação sem
prejuízo...
O SR. CARLOS ALBERTO CHAVES – Sim. Naquela época, sim.
(grifos e omissões nossas)
Assim se manifestou, em oitiva ao Tribunal Especial Misto – TEM
(17/12/20) o Sr. Hormindo Bicudo, ex- Controlador Geral do
Estado em parte da gestão de Wilson Witzel quando perguntado
pelo Relator:
O SR. WALDECK CARNEIRO – Tendo sido Controlador-Geral
do Estado, o senhor não acha um pouco estranho que para ter
havido uma resolução conjunta da Secretaria de Estado de
Saúde, da Casa Civil e Governança para desabilitar,
desqualificar a Unir, isso tenha sido precedido por um parecer
técnico e para decretar a sua requalificação o Governador não
tenha consultado ninguém, não tenha se baseado em parecer
técnico nenhum, como Controlador o senhor acha que é fora do
comum?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Não concordo.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Não concorda?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Não concordo com essa
atitude, não concordo com o ato, não posso lhe dizer
tecnicamente, porque eu não li, nunca tive acesso a esse
processo e nem aos pareceres que o fundamentaram, mas seria
de bom alvitre, por uma questão até de cuidado, a qualquer
gestor, de que encaminhe para os órgãos de controle
determinadas situações em que possa correr risco a sua gestão.
Eu acho que isso aí... Mas, eu volto a lhe dizer, Deputado, e
reproduzo a minha opinião, que eu dei: confiou demais. Eu volto
a lhe dizer: confiou demais. A gente que vive no setor público
durante anos, a gente é montado em pareceres, em páginas
numeradas, em atos publicados. Isso gera a nossa história
administrativa. Para isso, a gente faz o quê? Se cerca de bons
pareceres; se cerca de boas informações, inclusive, de áreas
antagônicas, áreas que não são interessadas ou com
interessados na matéria...
4.1.6 - Consoante a operação do Ministério Público Estadual -
MPE-RJ denominada “Filhote de Cuco”, deflagrada no mesmo
dia da Operação Favorito, destacamos alguns trechos
relevantes da denúncia constante do Procedimento
Investigatório Criminal nº 02/2017 – GAEC- Procedimento MPRJ
nº 217.00148690, as fls. E-STJ 4724, 4724 e seguintes que
demonstram a forma deletéria que atuava o Sr. Luiz Roberto
Martins Soares como o operador da IDR e da UNIR.
4.1.6.1- Núcleo de comando: LUIZ ROBERTO MARTINS
“ No topo da organização criminosa encontra-se LUIZ
ROBERTO MARTINS, detentor último de poder decisório no
seio da estrutura. Seu principal papel Criminoso é deliberar
quanto ao emprego e destino dos recursos públicos auferidos a
partir dos contratos de gestão celebrados pelas organizações
sociais que se encontrem subordinadas a seu controle,
notadamente o INSTITUTO DATA RIO e o INSTITUTOUNIR
SAÚDE.
Assim, promove e organiza a cooperação no crime e dirige a
atividade dos demais agentes (circunstância agravante prevista
no art.62, I do Código Penal).

275
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Incluem-se, dentre as tarefas de LUIZ ROBERTO MARTINS na


obra criminosa: definir os ocupantes dos cargos de direção das
organizações sociais INSTITUTODATA RIO e o INSTITUTO
UNIR SAÚDE, de modo a assegurar o controle sobre as
deliberações das referidas entidades; diligenciar a obtenção de
qualificação como “organização social” para novas entidades, de
modo que o descarte da personalidade jurídica anterior e não
interfira na continuidade da conduta delitiva; abordar e negociar
com agentes públicos visando à obtenção de novos contratos de
gestão em favor das organizações sociais sob seu controle;
pactuar acordos com os fornecedores da organização social,
quanto ao pagamento de vantagens indevidas em favor do
comando da organização criminosa ou de terceiros indicados
pelo mesmo; autorizar pagamentos extraoficiais (“por fora”) para
dirigentes da organização social que participam das atividades
ilícitas; e liberar pagamentos superfaturados em favor dos
fornecedores da organização social, viabilizando o desvio e
posterior apropriação dos recursos públicos.
LUIZ ROBERTO MARTINS ocupou ostensivamente a
Presidência do INSTITUTO DATA RIO ao menos a partir do ano
de 2007, à época em que a associação assumiu sua atual
denominação40. Embora a Presidência do INSTITUTO DATA
RIO tenha sido assumida pelo ex-Diretor Financeiro JORGE
CORRAL DE OLIVEIRA no ano de 2012. Anteriormente, a
entidade se denominava “INSTITUTO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS RIO DE JANEIRO. Foi o próprio LUIZ ROBERTO
MARTINS, na qualidade de Presidente do Conselho de
Administração da organização social, quem subscreveu os
contratos de gestão celebrados com a Secretaria Estadual de
Saúde para administração das Unidades de Pronto Atendimento
de Campo Grande I, Campo Grande II, Caxias I (Lafaiete),
Caxias II (Sarapuí), Magé, Mesquita, Nova Iguaçu I (Cabuçu),
Nova Iguaçu II (Bairro Botafogo), Queimados e Santa Cruz, entre
os anos de 2012 e 2013.
Após vários termos aditivos de prorrogação, os contratos de
gestão do
INSTITUTO DATA RIO foram se encerrando ao longo do ano de
2018: em janeiro de 2018, encerraram-se os contratos das UPAs
de Mesquita, Nova Iguaçu I (Cabuçu), Nova Iguaçu II(Bairro
Botafogo) e Queimados; em maio de 2018, os contratos das
UPAs de Caxias I(Lafaiete) e Magé; e em novembro de 2018, os
contratos de Campo Grande I, Campo Grande II, Caxias II
(Sarapuí) e Santa Cruz. Das dez Unidades de Pronto
Atendimento geridas pelo INSTITUTO DATA RIO, oito viriam a
ser assumidas pelo INSTITUTO UNIR SAÚDE (CNPJ nº
00.083.837/0001-41), cujos contratos de gestão lhe
proporcionariam uma receita anual superior a R$ 121 milhões
em recursos da Secretaria Estadual de Saúde. ”
(…)
(grifos e omissões nossas)
4.1.6.2 – As fls. 4730/31 e 32, dos autos, constata-se que:
“A atuação de LUIZ ROBERTO MARTINS como controlador do
INSTITUTO UNIR SAÚDE restou evidenciada após a publicação
da Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664, de 16/10/2019, que
desqualificou a entidade como organização social de saúde, no
âmbito do Estado do Rio de Janeiro, em razão de irregularidades

276
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

constatadas na execução dos contratos de gestão celebrados


com a Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro”.
“Dois dias após a publicação da citada Resolução Conjunta,
LUIZ ROBERTO MARTINS queixa-se de que “querem pegar os
contratos (da UNIR SAÚDE) na marra”:
MNI: Você está trabalhando hoje?
LUIZ ROBERTO: To chegando em Caxias.
MNI: Nossa... É...
LUIZ ROBERTO: Um stress muito grande com os contratos aí
porque...
Nego querendo pegar os contratos da gente na marra.
MNI: Uhum.
LUIZ ROBERTO: Então eu tô trabalhando muito e pulando em
cima dessa turma, que essa turma não vai levar...
“ Posteriormente, LUIZ ROBERTO MARTINS comenta com um
interlocutor que quatro dos contratos de gestão do INSTITUTO
UNIR SAÚDE estariam para vencer no dia 01 de novembro.
LUIZ ROBERTO acrescenta que teria “cercado pelos sete lados”
para assegurar a continuidade das contratações”:
LUIZ ROBERTO: Amanhã é o dia D pra mim.
HNI: É vai ver aí.
LUIZ ROBERTO: Ah passou pro (ininteligível)... O negócio da
desqualificação. Eu cerquei pelos sete. Agora eu estou só
esperando..
HNI: Amanhã eles vão dar a definição?
LUIZ ROBERTO: É o cara tinha da... dito que... É porque no dia
primeiro vence 4 contratos nossos, 4 UPAS. Agora eu quero ver
o que eles vão fazer. Vamos ver eu to... Eu cerquei pelos 7 lados.
Agora é esperar pra ver.
HNI: Não... Vai dar certo. Deus é pai.
LUIZ ROBERTO: Eu não posso. Eu falo para eles o seguinte: "
Eu não posso aos 47 do segundo tempo sair para um ataque em
cima dessa turma, levar um contra ataque e perder o jogo por 1
X 0 aos 50.
HNI: É não pode não. Não pode não.
LUIZ ROBERTO: Então tem que ficar... Eu cerquei, eu to
ouvindo todo
mundo.
HNI: Mais vai dar certo.
LUIZ ROBERTO: Agora depois que a criança nascer aí eu tenho
que fazer um
DNA... para ver que é o pai né.
HNI: É você trabalhou para tirar lá né.
LUIZ ROBERTO: Tudo que eu fiz... Ta tudo cercado. Vamos ver.
(...)
Mais adiante temos o seguinte:
“Nos diálogos interceptados, LUIZ ROBERTO MARTINS deixa
claro que pretende recorrer a agentes que possuem influência
política para estaria promovendo interlocução com agentes
políticos e/ou administrativos, cuja influência pudesse sustar –
ou até mesmo reverter – os efeitos da desqualificação do
INSTITUTO UNIRSAÚDE, referindo-se a um personagem ainda
não identificado pela alcunha de “Rei da Baixada”, que iria “partir
pra dentro dos caras”:
HNI: E o negócio de lá do Rio, tá indo tudo bem?
LUIZ ROBERTO: Tá.
HNI: Tá?

277
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

LUIZ ROBERTO: Tá, tá indo... O homem resolveu partir pra


dentro dos caras
lá. Vamos ver o que que vai dar.
HNI: Ele, ele, o homem não resolveu partir não?
LUIZ ROBERTO: Resolveu
HNI: Ahnnn
LUIZ ROBERTO: O Rei da Baixada.
HNI: Isso, lá de baixo. Resolveu?
LUIZ ROBERTO: Pelo que ele mandou pra mim, tá dentro.
HNI: Então tá bom
LUIZ ROBERTO: Então vamos segurar.
HNI: Tá
4.1.6.3- As fls 4733/34: “Um dos personagens com quem LUIZ
ROBERTO SOARES manteve contato, no intuito de preservar –
e até mesmo expandir – a atuação das organizações sociais foi
o empresário CÂNDIDO GILBERTO DA SILVA ARAÚJO51, que
se ofereceu para exercer influência junto a agentes públicos ou
políticos, para defesa dos interesses de LUIZ ROBERTO
MARTINS, três dias após a desqualificação do INSTITUTO
UNIR SAÚDE pela Secretaria Estadual de Saúde”:
CANDIDO GILBERTO: Oi meu amigo, boa tarde.
LUIZ ROBERTO: Você está bom?
CANDIDO GILBERTO: To bem e você? Tranquilo?
LUIZ ROBERTO: Risos, sobrevivendo.
CANDIDO GILBERTO: Não né? Tamo indo né?
LUIZ ROBERTO: Os cacetes estão comendo todos e mais
alguma coisa.
CANDIDO GILBERTO: Hum?
LUIZ ROBERTO: As porradas estão comendo todas e mais
algumas coisas.
CANDIDO GILBERTO: É né. Mais a gente vai... A gente vai, a
gente vai ganhar essa luta aí cara. A gente tá somando aliado aí
para vencer essa batalha. Tá tudo preparado aqui. Na hora certa
eu vou te apresentando. Se você precisar, é claro né. De repente
você nem precisa.
LUIZ ROBERTO: Hoje eu tenho um cartucho hoje a tarde...
CANDIDO GILBERTO: Bom né?
LUIZ ROBERTO: Eu tenho que fazer umas coisas. Ontem,
olha... Terça, quarta e ontem foi de lascar, mas vai dar certo.
CANDIDO GILBERTO: Eu imagino.
LUIZ ROBERTO: No final vai dar certo.
CANDIDO GILBERTO: É eu, eu to, eu imagino, meu irmão tua
guerra aí. Mas tamo junto cara, precisar eu to aqui. Te liguei para
saber como é que está e pra te dar também uma coordenada
que eu sei que o pessoal lá ta meio super atarefado né. Imagino
eu. Eu tive ontem lá mas estavam tudo em reunião. Aí eu...
Acabei não ficando muito tempo lá. Não pude esperar
LUIZ ROBERTO: Mas vai dar certo. Pode deixar que vai dar
certo.
CANDIDO GILBERTO: É. Eu fiquei aguardando ele passar um
e-mail pra mim. Não passou também... entendi. Eu falei: "não ta
tudo certo", tamo aqui, tamo junto.
LUIZ ROBERTO: A gente tá na só nessa fase...
CANDIDO GILBERTO: Não... Imagina. To ligando mais só pra
te dar um alô e dizer que nós estamos aqui. Ta bom? O que
precisar...
LUIZ ROBERTO: Tamos juntos.

278
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

CANDIDO GILBERTO: A gente é pequeninho mas... De repente,


soma uma pedrinha pra derrubar o gigante.”
Obs: 51CÂNDIDO GILBERTO DA SILVA ARAÚJO é casado
com DALILA PEIXOTO DE ARAÚJO, irmã do empresário
MÁRIO PEIXOTO, controlador de grupo de empresas que
recebeu mais de R$ 43 milhões em pagamentos do INSTITUTO
DATA RIO. CÂNDIDO GILBERTO, por sua vez, integrou as
empresas NOVA LOCAL RIO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
LTDA (CNPJ nº 07.056.444/0001-98) e TECHNO
EMPREENDIMENTOS EM INFORMÁTICA LTDA (CNPJ nº
12.112.414/0001-91), que ao todo receberam mais de R$ 11,3
milhões do INSTITUTO DATA RIO.
4.1.6.4 – Registre-se a reunião intermediada por Candido
Gilberto da Silva Araújo entre Luiz Roberto Martins e um agente
público identificado como “LEO” para tratar de pagamentos
atrasados de Organização Social ligada a Luiz Martins as fls.
4735/36.
“Posteriormente, Candido Gilberto da Silva Araújo também
intermediou uma reunião entre Luiz Roberto Martins e um agente
público identificado como “LEO”, que teria oferecido seus
serviços para agilizar a liberação de pagamentos atrasados do
Estado do Rio de Janeiro em favor do Instituto Data Rio. No
entanto, Luiz Roberto Martins recusou a oferta, alegando que já
teria um “contrato assinado”, pelo qual havia se comprometido a
entregar a terceiros o percentual de 20% dos valores liberados.

(...)
(grifo nosso)
4.1.6.5 - Uma das constatações fruto da operação “filhote de
cuco” que se infere é que o Sr. Luiz Roberto Martins Soares,
seguramente, era um dos responsáveis pela OS IDR
antecessora da OS UNIR.
Verifica-se, ainda, consoante grampo telefônico que ele teria
pagado propina a um agente público não identificado para
reabilitar a empresa. A partir das interceptações telefônicas de
20 e 24 de março e 1 de abril de 2020 ficou claro o envolvimento
de LUIZ ROBERTO MARTINS (um dos responsáveis pela
UNIR), anunciando o pagamento de propina pela revogação da
desqualificação e o, provável, acerto entre Mario... e o Réu para
revogação da desqualificação da UNIR.
Luiz Roberto Martins Soares (20/03/20).
Destacamos os seguintes trechos das conversas.
Conversa de Luiz Roberto x usuário do terminal – degravação.
Elcy – vai pintar muita coisa, abrindo. Esse (inaudível) te falaram
que vai revogar aquela decisão?
LUIZ: Diz o Mario que foi ele que acertou junto com o
GOVERNADOR. Mas não publicou ainda. Eu estava comprando
isso de um outro cara.
(Fonte: Denúncia MPF e PGR às fls.86; Inquérito 1338/DF).
No dia 1º de abril, Luiz Roberto Martins Soares volta a falar com
Elcy:
Luiz Roberto Martins Soares: o cara que conseguiu a revogação
para mim, que eu paguei lá de dentro. (Fonte: Denúncia MPF e
PGR às fls. 87; Inquérito 1338/DF).
Em outra gravação em conversa com Nelson Bornier ele afirma
que o próprio Bornier, também, teria a paternidade e
metaforicamente afirma que teria que verificar o DNA do pai:

279
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Conversa de Luiz Roberto x Nelson Bornier.


Data 24/03/20
Degravação:
.............................
LUIZ: estou te ligando para te dar uma boa notícia
Bornier: hum.
Luiz: O Zero 1 do Palácio assinou aquela revogação da
desclassificação da UNIR.
Bornier: aquele relatório
.........................................
LUIZ: aquela desclassificação que impediu a gente de assumir
as UPAS. Eu sei que tem muito pai aqui e eu teria que fazer um
DNA para saber quem é o pai.
.....................................................
Luiz: eu te passei isso aí porque eu sei que você tem uma parte
da paternidade.
Bornier: esperar você para gente falar pessoalmente.
4.1.6.6 - Na oitiva do Sr. Nelson Bornier ao TEM (17/12/20) ele
afirma que fez tal pleito de requalificação da UNIR ao Pastor
Everaldo e que o Mario que se referia o Sr. Luiz Martins era o
Mario Peixoto
(...)
O SR. WALDECK CARNEIRO – O senhor conhece o Sr. Luiz
Roberto Martins?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA –
Conheço.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Conhece de onde?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Conheço
quando da fundação das duas UPAs que existem na nossa
cidade: uma no bairro Botafogo e outra no bairro de Cabuçu;
uma se deu ali, precisamente, de Cabuçu, em 2008, e a de bairro
Botafogo, em torno de 2010, 2011, que era administrada pela
empresa que ele participa.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Certo.
E o senhor se recorda do nome dessa empresa da qual ele
participa?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – É Unir.
(...)
E o senhor, por acaso, sabe que função ou que papel ele exercia
nessa empresa ou exerce?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Não sei.
Um dos responsáveis. O cargo que ele exercia se era Presidente
ou alguma Diretoria, eu não sei, mas era um dos membros da
Unir.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Claro.
(...)
Durante a Operação Filhote de Cuco, no âmbito do Ministério
Público Estadual, aparecem interceptações telefônicas de
conversas que envolvem o Sr. Luiz Roberto Martins e o senhor
mesmo...
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Verdade.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Não é verdade?
Tratando, tudo leva a crer, do episódio da requalificação da Unir,
que tinha sido desqualificada, como o senhor conhece a
história...
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Verdade.

280
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

O SR. WALDECK CARNEIRO – Em outubro de 19, foi por ato


discricionário do Governador, ora afastado, reabilitado em março
deste ano.
Nos diálogos, têm-se a impressão que o senhor tem uma relação
muito forte com a UNIR, o senhor está diretamente interessado
no episódio. Por que razão?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA –
Deputado, se me permitir fazer uma exposição.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Por favor.
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Nós,
políticos, o senhor também, sabe perfeitamente que a gente é
procurado dia a dia por diversos correligionários, eleitores, que
necessitam principalmente, no momento que a gente vive desse
país, que é a questão do desemprego. Eu sou muito grato ao Sr.
Luiz porque ele nunca me deixou de atender naquelas pessoas
que a gente podia, efetivamente, apresentá-las, os currículos, e
tratando-se de pessoa da cidade para que ali trabalhassem
nessas UPAs. Aliás, o fiz ao longo de todo esse período, não só
nelas mas todas as empresas que se instalavam na minha
cidade para que a mão de obra ficasse ali dentro do nosso
Município. Foi a partir daí que a gente teve um relacionamento e
que se deu até esse momento do episódio que ocorreu e depois
nós não tivemos mais contatos.
O pleito do Sr. Nelson Bornier para Edson Torres e outros que
estivessem no mesmo espaço de reuniões com pautas não
republicanas:
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Deixa eu
lhe dizer. Eu tive uma visita no escritório onde aparece inclusive
essa filmagem lá do Edson, onde ali por uma ou duas vezes
encontrei o secretário de saúde então da época, o Edmar. E eu
mesmo, posso dizer aqui, até na subida do elevador, eu dizia
para ele: secretário, olha com cuidado a renovação. Eu não
estou falando das UPAs de modo geral, que eu não sei quantas
ele administrava, essa Unir, mas principalmente as duas de
Nova Iguaçu porque o senhor sabe, nós, políticos, vivemos
dessas indicações, não só a Unir, estou falando de um modo
geral, as empresas. A gente é procurado dia a dia e a gente
podendo ter pessoas da nossa cidade, daqui a pouco vai se
trocar, colocar uma outra qualquer que vai lá e tira todo mundo,
que é contrato, vai lá e dá baixa em todo mundo, e vem pessoas
que não têm nada a ver com a nossa cidade, de outros
Municípios, tirando emprego daqueles que estão ali na cidade,
que necessitam no dia a dia, que na sua maioria vinha até o para
Rio de Janeiro porque a falta de emprego na Baixada é grande.
Eis a única razão e motivo por que conversei e congratulei com
ele por telefone.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi.
Oitiva do Sr. Nelson Bornier quando perguntado pela acusação
sobre os responsáveis pela UNIR:
Quanto ao Sr. Luiz Martins
O senhor disse ainda há pouco que quando o senhor conheceu
o Luiz Martins ele era um dos responsáveis pela Unir. A gente
costuma dizer, quando diz “a gente” é mais de um, então, eu
posso depreender que ele era um dos responsáveis pela Unir,
um dos, mas não um só.

281
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

O senhor saberia me dizer, pela sua experiência lá em Cabuçu


e Botafogo, com duas UPAs. Quais seriam os outros
responsáveis pela Unir?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Não sei.
Não sei lhe dizer se ele teria outros sócios, se ele era Diretor, se
ele era Gerente, se ele era empregado, enfim, eu não sei se
teriam outras pessoas. Eu só sei que ele fazia o papel, que foi
quando o conheci, como representante da Unir. Agora, nesse
detalhe, se ele era dono, se ele tinha sócio, ou se ele tinha algum
cargo de Diretoria contratado, isso eu não tenho conhecimento.
Nunca entrei em detalhes nesse sentido.
Quanto ao Sr. Mario Peixoto.
O SR. LUIZ PAULO – Nem quero saber quem é, quero só no Sr.
Luiz, aqui é o Luiz Roberto. Luiz diz o seguinte: “Diz o Mário que
foi ele que acertou junto com o Governador, mas não publicou
ainda, eu estava comprando isso de outro cara. ” Essa é uma
degravação de 20 de março de 2020, é uma degravação bem
antes da sua, que foi de 24 de março, quatro dias antes.
Então, no sentido do senhor nos ajudar, “diz o Mário”, aí ficaram
se colocando em dúvida se esse Mário podia ser o Mario Peixoto
ou podia ser o Mário Marques Filho. Dessa frase o senhor
depreende que esse Mário qual seria?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Eu
acredito que seja o Mario que vocês tanto sabem, tão falado, que
é o Mario Peixoto. Pode até ser que o Mário, o Mário Marques,
que é o neto, conheça ele, eu não posso dizer isso aqui, isso aí
eu não posso falar, mas acredito que não.
4.1.6.7 - Quanto à oitiva de Mario Marques de 17/12/20:
O SR. LUIZ PAULO – Eu fui Deputado estadual com o seu pai,
na Assembleia Legislativa. O senhor tendo trabalhado
cotidianamente com o Governador afastado Wilson Witzel,
quando o seu nome veio à tona, o Governador poderia vir a
público e dizer assim: “Este Mário pode ser qualquer Mário,
menos o Sr. Mário Marques. ”
Como eu não acredito que nada acontece por acaso, então, eu
me lembrei do Abelardo Barbosa: “Eu não vim aqui para
esclarecer, e sim para confundir”. Eu acho que, se o senhor está
se sentindo magoado, aborrecido com isso, o senhor tem
absoluta razão, porque eu, no seu lugar, teria o mesmo
sentimento de profunda decepção com o ex-Governador Wilson
Witzel.
Muito obrigado.
O SR. MÁRIO PEREIRA MARQUES NETO – Eu, assim que
tomei conhecimento da defesa do Governador Wilson Witzel,
mandei uma mensagem para ele, perguntando por que ele tinha
feito aquilo, e ele respondeu que “Realmente você não tem nada
a ver com isso; foi apenas para desacreditar o interlocutor. ” Isso
saiu na matéria do Sr. Pedro Figueiredo. Depois, ele disse, na
matéria do UOL, que nunca tratou disso, de requalificação da
Unir comigo. A defesa dele também deu uma resposta para a
Globo, dizendo que não acreditasse que esse Mário seria eu.
Então, assim, eu estou absolutamente tranquilo. Eu acho que foi
uma estratégia equivocada que abalou bastante minha família,
abalou todas as pessoas que giram em torno de mim. É isso.
4.1.6.8 - Na oitiva do Sr. Edson Torres ele afirma que o Sr. Mario
Peixoto e Nelson Bornier lhe fizeram o tal pleito de requalificação
da UNIR quando perguntado pela acusação.

282
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Quanto a solicitação de Nelson Bornier a favor da UNIR:


(...)
O SR. LUIZ PAULO – Perfeitamente.
Nós tivemos aqui o depoimento, neste Tribunal, do senhor
Nelson Bornier, que lutava muito, por questões lá de Nova
Iguaçu, segundo o depoimento dele, pela requalificação da Unir.
Alguma vez o senhor foi procurado por ele ou por alguma outra
pessoa, pedindo para influenciar a requalificação da Unir?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Por algumas vezes,
Nelson Bornier esteve comigo, no endereço da Rodrigo Silva,
18/10º andar, pedindo para ajudar nos contratos da Unir nas
Upas e nos ajustes com a Unir.
Eu disse a ele que não tinha como ajudá-lo diante da situação
administrativa da empresa, os processos que ela detinha.
(grifos e omissões nossas)
Quanto a solicitação de Mario Peixoto a favor da UNIR, assim se
expressa o Sr. Edson da Silva Torres em oitiva ao TEM.
“Lembro-me que uma vez, depois de poucas vezes que eu estive
com o Mario, que eu restabeleci um relacionamento com Mario
Peixoto, em meados de 2019, Mario abordou o mesmo assunto,
eu disse: - Mario, é melhor você providenciar uma outra OS
porque a Unir está com muito problema.”
Foi a única vez que eu abordei o Mario sobre este assunto. E
com Nelson, algumas vezes ele me procurou, eu disse que era
impossível ajudar a Unir.
O SR. LUIZ PAULO – Eu fiquei aqui curioso, por que o Sr. Nelson
Bornier insistia com o senhor, a fazer esse pedido para o
senhor? Por que para o senhor especificamente?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Excelência, eu tinha uma
relação pessoal e de... e comercial com o Secretário de Saúde.
Provavelmente, é por causa desse conhecimento.
O SR. LUIZ PAULO – Perfeitamente, perfeitamente.
(...)
Ficou claro também que o Sr. Mario Peixoto intercedeu pela Unir
com vossa senhoria, não é isso?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Uma única vez...
O SR. LUIZ PAULO – Uma única vez.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - ...numa reunião, no final de
uma conversa, ele me abordou e eu disse: “Mario,
profissionalmente, é melhor arrumar outra empresa.
(...)
(grifos e omissões nossas)
O Sr. Edson Torres respondendo a Desembargadora Maria da
Gloria Oliveira Bandeira de Mello:
A SRA. MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
– Certo. Uma última colocação. Sobre essa reunião em que o
Sr. Mario Peixoto estava defendendo os interesses da Unir e em
que o senhor disse: - Olha, acho melhor o senhor mudar de OSS
porque essa tá com muitos problemas. Não foi isso?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Foi.
O Sr. Edson Torres respondendo a defesa:
A SRA. ANA TERESA BASILIO – O senhor sabe o que ele
respondeu o que ele ponderou quando o senhor disse isso, se
ele aceitou ou se ele...
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Mario não ponderou. Mario
fez um pedido muito clássico, se é possível ajudar resolver os
problemas da Unir. Eu disse: - Mario, infelizmente, não tem

283
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

como, é melhor procurar outra empresa. E nós despedimos e ele


saiu.
O Sr. Edson Torres respondendo a Desembargadora:
A SRA. MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
– Quando o senhor fez esse, deu esse conselho, o senhor então
já sabia que ele era, ele defendia os interesses da Unir, que ele
tinha alguma participação na Unir? Ou o senhor foi pego de
surpresa quando ele saiu pedindo pela Unir?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Eu já sabia que ele tinha
interesse na Unir, já sabia, porque o mercado dizia.
A SRA. MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
– Sim, mas o senhor sabe qual seria esse interesse?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Não, não sei, não sei.
A SRA. MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
– Mas o senhor tinha ouvido no mercado que ele tinha interesse
na Unir?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - É.
A SRA. MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
– E na IDR, empresa anterior, o senhor sabe também se ele
tinha algum tipo de interesse?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Não sabia, não sabia, não
sei, não sei.
4.1.6.9 - No termo de colaboração do Sr. Edmar José Alves dos
Santos de 25/06/20, em sede de delação premiada, ao MPF, no
seu Anexo 29- Reabilitação da UNIR por parte do Governador
Wilson Witzel, declarou: “Que quanto a UNIR foi instaurado
processo para a desqualificação; Que após tramite regular,
contando com parecer jurídico favorável, a INIR foi
desqualificado em outubro de 2019; QUE o decreto de Os no RJ
prevê que tanto a qualificação quanto a desqualificação de uma
OS depende da ato conjunto da SES e da Casa Civil; QUE foi
isso o que ocorreu no caso da UNIR; Que houve assinatura dos
dois secretários; QUE para a requalificação essa resolução
conjunta não ocorreu; QUE em meados de março de 2020, após
um almoço como governador WITZEL, o governador dá a notícia
de que iria requalificar através de decreto; Que o colaborador
sequer foi consultado; QUE quando o colaborador recebei a
notícia ele pediu que o governador reconsiderasse porque havia
muitas falhas na UNIR que levaram à sua desqualificação; QUE
o governador manteve a sua posição porque teria que atender
um pedido que lhe foi feito; (...)
Verifica-se, pois, que pessoas intercederam ao governador para
requalificar a UNIR e, como adiante, ficará claro, que houve
pagamento de propina na intermediação e nos pagamentos dos
restos a pagar da UNIR e da IDR.
4.1.6.10 - Em escuta telefônica gravada constante na operação
“Filhote de Cuco do MPE”, no item 4.1.6.4 da presente alegação,
o genro de Mario Peixoto, Sr. Candido Gilberto da Silva Araújo
tenta intermediar uma reunião entre Luiz Roberto Martins e um
agente público identificado como “LEO” para tratar de
pagamentos atrasados de Organização Social ligada a Luiz
Martins. No entanto, Luiz Roberto Martins recusou a oferta,
alegando que já teria um “contrato assinado”, pelo qual havia se
comprometido a entregar a terceiros o percentual de 20% dos
valores liberados.”
4.6.1.11- Na oitiva do Sr. Edson Torres quando perguntado pela
acusação ele confirma que a Caixinha teria recebido 20% de

284
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

vinte e poucos milhões da IDR, sendo 13% para a caixinha e 7%


para os advogados:
O SR. LUIZ PAULO – Agora, eu queria fazer umas perguntas
sobre o caso Unir.
O senhor afirmou ao nosso relator que desconhece qualquer
pagamento de propina da Unir. O senhor conhecia o Sr. Luiz
Martins?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Não.
O SR. LUIZ PAULO – Não. O senhor já disse que conhecia o Sr.
Mario Peixoto.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES - Com certeza.
O SR. LUIZ PAULO – Houve uma operação denominada Filhote
de Cuco em que se depreende que o Sr. Luiz Martins tinha já
separado 20% sobre os restos a pagar da Unir ou da IDR, que é
a firma que precede a Unir, que ele também trabalhava com ela,
para uma caixinha de propina. O senhor teve ciência dessa
notícia?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – IDR.
O SR. LUIZ PAULO – IDR.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – IDR. O senhor agora está
me trazendo o nome da empresa que eu falei que ia apresentar
aos senhores. Lembrei agora: é IDR. Essa empresa tinha um
resto a pagar de vinte e poucos milhões e foi feita uma gestão,
através de advogados, e ela recebeu vinte e poucos milhões de
restos a pagar. E ela pagou, de fato, 20% para os advogados
que remeteram uma parte ao caixinha. A empresa é IDR.
O SR. LUIZ PAULO – Porque a IDR precede a Unir. Então,
costumamos juntar as duas, mas sua resposta foi ...
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – CNPJ distintos.
(...)
(grifos e omissões nossas)
Restou, pois, comprovado que houve pagamento de propina.
Na escuta telefônica, o Sr. Luiz Martins, diz que teria um
“contrato assinado”, pelo qual havia se comprometido a entregar
a terceiros o percentual de 20% dos valores liberados.
Possivelmente, visto a coincidência de datas, iria pagar 20% de
propina para receber os restos a pagar do Instituto Data Rio de
Administração Pública – IDR e da sucessora UNIR.
Verifica-se mediante consulta aos dados retirados do sistema
SIG/Vision Flex, gerenciado pelo Poder Executivo, que o
montante aproximado de Restos a Pagar recebido pela UNIR foi
de R$26,883 milhões, entre 07/11/2019 a 28/0I/2020, através de
53 faturas e pela IDR, em 2020, foi de R$ 8,731 milhões, através
de 7(sete) CNPJs.
O montante pago a UNIR pelo Estado é similar aos vinte e
poucos milhões de restos a pagar citado pelo Sr. Edson da Silva
Torres em sua oitiva no TEM. Constata-se, ainda, que o
montante de R$26 milhões de restos a pagar foi uma demanda
que surgiu nos meses finais de 2019, conforme foi expresso pelo
mesmo em seu termo de depoimento ao MPF, de 03/07/21 às
fls. 7 de 11.
“ Que registra ainda que existiu outro pagamento de restos a
pagar em favor da OS IDR (Instituto Data Rio); Que, certa vez,
VICTOR HUGO trouxe para o grupo a demanda quanto ao
pagamento de atrasados em favor dessa OS no valor de R$ 26
milhões. Que essa demanda surgiu nos meses finais de 2019; ”

285
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Eu acrescentaria que, quiçá, a caixinha da propina teria recebido


o percentual de 20% de restos a pagar da IDR e UNIR, cujo
operador comum era o Sr. Luiz Martins.
Conclusão nº 2
Fica, sem dúvida nenhuma, provado que o Sr. Luiz Martins,
como operador da IDR/UNIR, comprou a requalificação da OS
UNIR e efetuou o pagamento do percentual de 20% sobre o
montante dos restos a pagar recebidos pela UNIR de R$26,833
milhões (cruzando o valor pago com os termos da oitiva do Sr.
Edson Torres que explicitou que a caixinha recebeu o seu
percentual que teria incidido sobre vinte e poucos milhões de
restos a pagar), utilizando todos os intermediários possíveis
junto ao Governador, mas, principalmente, os que geriam a
“caixinha da propina” em que o Governador era beneficiado.
Constata-se, pois, que o Governador abrigou intermediações
para requalificação da UNIR através de Decreto, cometendo
Crime de Responsabilidade, pois atendeu demandas de
terceiros ( consoante demonstrado de Mario Peixoto e Nelson
Bornier), contrariando o interesse público, estando incurso no
artigo 4º, inciso V, e no artigo 9º, item 7 e no art. 74, na forma do
artigo 2º, todos da Lei 1079/50, logo devendo ter seu
impeachment aprovado por esse egrégio Tribunal Misto.
4.2 - Caso da OS Instituto de Atenção Básica – IABAS.
4.2.1 - A IABAS, tinha 96% de avaliação de desempenho
semestral em conceito “C”, no contrato 03/2016, para gestão do
HEAPN. Tal conceito representa o mais crítico desempenho e,
mesmo assim, a IABAS foi selecionada pelo comando da área
da Saúde estadual, com intenção não republicana, para
implantar e gerir 7(sete) Hospitais de Campanha e que, ainda,
tinha sido desqualificada no Município do Rio de Janeiro por
gestão precária, que tinha sido investigada pelo MPE e que teve
dirigente da mesma preso. E que, também, estava inscrita na
dívida ativa do Município da Capital. O aparato institucional do
Estado nada verificou, mesmo se tratando de um contrato de tal
dimensão.
4.2.2 - Registre-se a oitiva do Sr. Edson Torres no Tribunal
Especial Misto-TEM (13/01/21) a acusação sobre a contratação
da IABAS e sobre o contrato que a mesma desfrutava na gestão
do Hospital Adão Pereira Nunes:
(...)
SR. LUIZ PAULO – Perfeitamente. Eu queria fazer algumas
perguntas ao senhor, agora, especificamente, sobre os dois
casos que eu tenho aqui grande interesse.
O primeiro caso, o Iabas. Eu perguntaria a V.Sa. se o Iabas
pagava propina à caixinha por conta do seu contrato de gestão
do Hospital Adão Pereira Nunes?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Inicialmente, não. Durante
todo o ano de 2019, início de 2020, não. Depois, no início de
2020, por causa da pandemia, que Edmar trouxe um contrato
fechado referente à pandemia, que, aí, colocou-se alguém para
conversar com o Iabas sobre questão de participação de
propina. Mas, durante 2019, é não, que eu saiba, não. Que eu
saiba, não.
O SR. LUIZ PAULO - O senhor poderia me informar...
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Excelência, quero afirmar,
que eu saiba, não.
O SR. LUIZ PAULO. Perfeitamente.

286
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

É porque o Iabas tinha dois contratos com o Governo do Estado;


um de gestão hospitalar do hospital Adão Pereira Nunes; e o
segundo foi a de contratação da mesma para a construção e
gestão dos sete hospitais de campanha.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim.
O SR. LUIZ PAULO - Eu estou perguntando a V.Sa. e estou
depreendendo do que o senhor falou, que em 2019 ela não
pagava propina – pelo menos que o senhor saiba – e só tinha o
contrato da Adão Pereira Nunes. Em 2020, o senhor está me
dizendo, que a partir de um contrato novo, em função da
pandemia, ela passou a pagar propina.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – É.
O SR. LUIZ PAULO – Esse contrato novo seria dos sete
hospitais de campanha?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Inicialmente, é o que eu
lhe disse: 2019 eu não tenho nenhuma afirmação concreta de
que ela pagou. Eu tenho... que eu saiba não pagou. 2020, por
causa deste contrato novo, passou-se a conversar com eles, o
pessoal do Victor Hugo passou a conversar com eles; mas eu
não sei se houve propina em cima desses novos contratos,
inclusive. Porque logo depois eu tive Covid, me afastei logo no
início da pandemia, e não mais tive relações com relação a este
contrato.
O SR. LUIZ PAULO – Deixe-me ver se eu entendi: então, o
senhor está me dizendo que foram abertas relações negociais
com o Iabas para pagar propina sobre os sete hospitais de
campanha. Que o senhor não sabe se essas negociações
tiveram um fechamento. É isso o que o senhor está me dizendo?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Com certeza. É a minha
afirmação, doutor.
O SR. LUIZ PAULO – Perfeitamente.
Queria aqui continuar com o Iabas. O senhor aqui afirmou que
as OSs pagariam propina de vinte pontos percentuais sobre os
montantes realmente pagos de restos a pagar. O Iabas recebeu
restos a pagar – o Iabas recebeu restos a pagar do hospital Adão
Pereira Nunes, do hospital Adão Pereira Nunes. Ela pagou
propina pelos restos a pagar?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Que eu saiba, são duas
organizações sociais que pagaram, que foi feito, que eu sei que
foi feito o acordo de 20%, dos quais devolviam-se 13% para o
caixinha que foi montado; 7% eram honorários que ficavam com
o advogado.
O SR. LUIZ PAULO – Então, eu estou entendendo...
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Agora, essas OSs que eu
posso lhe afirmar, que eu lhe garanto é a HMTJ e uma outra OS
que não é o Iabas, porque o Iabas eu não posso lhe afirmar, que
eu não sei, eu não vou lhe afirmar aquilo que eu não sei.
O SR. LUIZ PAULO – Perfeitamente.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Eu estou aqui como
testemunha e eu sou responsável pelos meus atos.
O SR. LUIZ PAULO – Perfeitamente.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Então, eu já confessei os
meus atos. Então, eu vou informar os senhores, às senhorias, a
questão da outra OS que eu não estou lembrando o nome agora.
Eu não quero cometer o erro de falar uma OS errada.
O SR. LUIZ PAULO – Perfeitamente. Mas o senhor está nos
informando algo que pelo menos não tinha sido ventilado na

287
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

mídia, que dessa propina de 20% dos restos a pagar, 13% iam
para a caixinha da propina e outros 7% seriam intermediados
por advogados, é isso?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – É. Os escritórios de
advogados que representavam as OSs é que ficavam com esse
percentual de honorário de trabalho deles.
O SR. LUIZ PAULO - O senhor nos afirmou que foi aberta uma
negociação do Iabas com a caixinha, o senhor sabe dizer quem
era o contato do Iabas? O contato, ou mais de um? Quem é que
fazia esse contato, possivelmente com o Sr. Victor Hugo ou com
quem de direito?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Eu não lembro, não
lembro. Me perdoe, mas eu não posso afirmar.
O SR. LUIZ PAULO – Está bem. O senhor conheceu o Sr.
Roberto Bertholdo?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Nunca vi.
(grifos e omissões nossas)
4.2.3 - A contratação da IABAS foi anunciada, publicamente,
pelo Governador em 30 de março de 2020. E, logo, após, em 03
de abril, celebrou-se o contrato, de R$ 835,8 milhões para
construção e gestão hospitalar de 7 Hospitais de Campanha por
um prazo de 6 meses. Não houve justificativa pertinente para a
sua escolha. O montante inicial de R$ 256,6 milhões foi
empenhado e pago, sendo que foram entregues, apenas, 2
(dois) hospitais e, somente, o do Maracanã funcionou por breve
tempo, e sob muitas ilegalidades, como sobre preço e
superfaturamento.
4.2.4 - Destacaram-se na rapinagem, os senhores Gabriell
Neves (preso em 07 de maio), Subsecretário Executivo e o
Secretário de Saúde Edmar Santos (preso em 10 de julho), que
estava sob o comando direto do denunciado.
4.2.5 - Verifica-se, em preliminar, ser improvável, que o
Governador, ex-juiz federal, e seu experiente Secretário Edmar
Santos, desconhecessem as regras elementares da Lei das
Licitações e Contratos, de que dois objetos distintos (obra de
engenharia e gestão hospitalar) não cabiam em um mesmo
contrato.
O Sr. Hormindo Bicudo sobre a contratação da IABAS, contrato
de R$ 850 milhões e que os órgãos de controle não foram
alertados sobre tal contratação em sua oitiva ao Tribunal
Especial Misto:
(...)
O SR. LUIZ PAULO – Que é um dos eixos aqui da nossa
investigação.
O senhor é um homem de controle, há muitos anos, segundo
a sua experiência, vai a três décadas. A Iabas havia sido
desqualificada do Município do Rio de Janeiro no Governo de
Marcelo Crivella e desqualificada por uma bagunça que ela vez
lá, a bagunça era tão grande que tem uma Deputada que dizia
que ela não era nem Iabas, era “Diabas”.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Eu me lembro disso.
O SR. LUIZ PAULO – Você vê como ela é conhecida, e ela foi
convidada por alguém para construir, construir obra de
engenharia e gerenciar serviços médicos...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Isso mesmo.
O SR. LUIZ PAULO – Serviços incompatíveis.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Totalmente.

288
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

O SR. LUIZ PAULO – Que só faz aumentar o valor do contrato.


O SR. HORMINDO BICUDO NETO – E numa dimensão
absurda.
O SR. LUIZ PAULO – Porque vai pagar um sobre preço sobre
as obras de engenharia.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Exatamente.
O SR. LUIZ PAULO - Quem vai pagar? O Estado.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Perfeito.
(...)
O SR. LUIZ PAULO – Claro, o senhor vai investigar isso, é claro
que isso salta aos seus olhos. Veio à tona algum dado de
realidade para o senhor de quem teria colocado essa Iabas para
fazer esse serviço?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Deputado, quando eu
fiquei sabendo da dimensão dessa contratação, né?
O SR. LUIZ PAULO - Mais de 800 milhões.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Na época era 850...
O SR. LUIZ PAULO - Pois é, mais de 800...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Com 10 hospitais de
campanha, que não é hospital simples, é um hospital... Hospital
mesmo, porque hospital de campanha não é um piso, um ar
condicionado, é um universo muito pesado, é uma
responsabilidade muito grande e eu fiquei bem assustado como
tudo aconteceu, sem planejamento nenhum, umas planilhas de
orçamento totalmente equivocadas, o que sofreu uma ação
nossa direta junto com a Procuradoria do Estado.
Numa primeira medida, nós reduzimos em mais de 150 milhões
aquele contrato e me surpreendeu também por ser o Iabas
porque ele aparece no nosso relatório e não aparece muito bem
no nosso relatório de auditoria, aparece com deficiências graves
e isso me surpreendeu profundamente, alertei todo setor, alertei
o Secretário Edmar também por que dessa escolha, essa
informação nunca me veio...
O SR. WALDECK CARNEIRO – ...mas apenas para questionar
o seguinte: quando da decisão, a meu ver, temerária, desastrada
de contratação da Iabas, o senhor afirmou que chegou a alertar
o secretário de saúde e o próprio Governador.
Esse alerta foi feito de que maneira? Foi informalmente, teve
algum documento?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Não, não foi alerta
propriamente dito, porque quando eu soube da situação, ela já
estava contratada. Tanto a Procuradoria quanto a CGE só
ficaram sabendo dessa contratação quando ela já foi realizada.
O que nos deixou perplexos, porque da dimensão, o tamanho
dela. Aliás, eu fiquei sabendo, Deputado, e aí, eu homenageio a
Assembleia, foi pela ação de Deputados. Eu descobri por uma
informação de um Deputado questionou o valor do contrato. Aí,
eu fui levantar essa informação e descobri que havia um contrato
de 850 milhões. Foi aí que começamos a bater em todos os
mecanismos o que estava acontecendo porque realmente o
controle não foi alertado sobre isso. E aí, descobri ainda que
também o controle da Saúde não foi consultado. Havia um setor
de controle na Saúde que não foi consultado. Os dois lados
erraram né?
(…)
(grifos e omissões nossas)

289
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Para demonstrar, mais ainda, que a ausência de planejamento


e controle, foram ingredientes que alimentaram a corrupção, se
reproduz a oitiva ao Tribunal Especial Misto (28/12/20) do Cel.
Alex da Silva Bousquet que foi o 3º ex- Secretario de Saúde do
Governo Wilson Witzel, respondendo a acusação:
(...)
O SR. LUIZ PAULO – Coronel Bousquet, o senhor foi o terceiro
Secretário de Saúde no período da pandemia. Agora nós
estamos no quarto.
Primeira pergunta, objetiva. Eu entendo que para enfrentar uma
pandemia desta dimensão precisava atender àquela regra de
ouro do planejamento: planejar, organizar, comandar, controlar,
etc. Veja o senhor, e aí a primeira pergunta, se decidiu de uma
forma, no meu entendimento, sem ter esse planejamento, de
construção de 1.100 leitos de hospital de campanha. 1.100
leitos. Sete hospitais de campanha. Com as áreas escolhidas da
forma mais aleatória possível. Depois se decide, o senhor
participou disso, desmontar todos esses hospitais de campanha.
E, dentro disso, evidentemente, está a IABAS. O contrato inicial
foi de 835 milhões, depois teve uma redução, os leitos
inicialmente eram 100, depois foi para 400, 700, 1.100, tudo
caracterizando a total ausência de planejamento.
Então, pergunta específica aí para o IABAS, que se estende ao
restante da Secretaria de Saúde. O senhor considera que o
planejamento seja fundamental para fazer ações desse tipo?
O SR. ALEX DA SILVA BOUSQUET – Não tenho nenhuma
dúvida disso.
O SR. LUIZ PAULO – O senhor não tem nenhuma dúvida, mas
o senhor também não acha, estou lhe perguntando, se a falta de
planejamento leva à desorganização e a desorganização e a
falta de controle levam à corrupção?
O SR. ALEX DA SILVA BOUSQUET – É possível.
O SR. LUIZ PAULO – É possível.
O SR. ALEX DA SILVA BOUSQUET – Facilita, pelo menos.
(…)
(grifos e omissões nossas)
O Cel Bousquet respondendo a Desembargadora Teresa de
Andrade Castro Neves sobre o Contrato da IABAS no mesmo
sentido da precariedade do contrato:
(...)
A SRA. TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES – Com
relação agora ao IABAS. Os contratos tinham a especificação
de quantos leitos, qual o hospital de campanha, qual era o
projeto de engenharia para construir o hospital? Tinha esse
detalhamento para os sete hospitais que pretendiam ser
contratados?
O SR. ALEX DA SILVA BOUSQUET – O contrato inicial,
Excelência, salvo engano, tinha uma página e meia.
A SRA. TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES – Ou seja,
não tinha nenhuma especificação.
O SR. ALEX DA SILVA BOUSQUET – Ele só dizia o número de
leitos e durante quanto tempo eles deveriam ser
disponibilizados. E aí depois disso, foram feitos aditivos e
adicionados cronogramas, adicionadas metas de entrega. Mas
o primeiro contrato ele é bastante precário.
4. 2. 6 - Para robustecer a acusação de que a contratação da
IABAS foi escusa e se deu de forma irregular e improba através

290
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de uma organização criminosa na gestão do acusado de Crime


de Responsabilidade, o GOVERNADOR WILSON WITZEL, é
que se transcreve o abaixo:
No termo de colaboração do Sr. Edmar José Alves dos Santos,
em sede de delação premiada ao MPF em 24/06/20, as fls. 2 e
3 de 5, no Anexo 14 – IABAS, afirma: “ QUE, por ser aliada ao
grupo do PASTOR EVERALDO o IABAS alimentava o pool de
empresas que contribuía com o caixa da propina (...)
QUE, em janeiro de 2020, BERTHOLDO conversa com o
colaborador sobre a perspectiva da contratação de hospitais de
campanha, para a pandemia que se aproximava, Que o
colaborador não deu muita importância para essa conversa
porque os hospitais de campanha não estavam em seus planos;
Que, com o avanço da pandemia, porém, o Estado SP decidiu
montar hospitais de campanha e o colaborador voltou a
conversar com BERTHOLDO, mas não definiu que seria o
IABAS o contratado; Que o governador WITZEL e a primeira-
dama HELENA começaram a pressionar o colaborador para a
montagem de hospitais de campanha, já que as cobranças na
mídia aumentaram; Que o colaborador voltou a orientar com sua
equipe a montagem de hospitais de campanha, em modelos
diferentes de SP, seguindo um raciocínio técnico; QUE quem
bateu o martelo para a contratação do IABAS não foi o
colaborador; QUE o colaborador recebeu de GABRIELL NEVES
a notícia de que seria o IABAS a OS contratada; QUE o
colaborador acreditou que essa escolha havia sido deliberada
pelo grupo do PASTOR EVERALDO, já que o IABAS já tinha
uma relação com o grupo; QUE, entretanto, o colaborador não
teve a confirmação de VICTOR HUGO que essa decisão partiu
do grupo; QUE PASTOR EVERALDO posteriormente informou
ao colaborador que também não partiu dele essa decisão, mas
é possível que tenha partido; Que VICTOR chegou a se queixar
da interferência de CASSIO BARREIROS na relação com o
IABAS; QUE a interface do grupo do empresário JOSÉ
CARLOS narrado em anexo próprio era feita por CASSIO
BARREIROS, que foi chefe de gabinete da casa civil e
posteriormente assessor especial do governador WITZEL (...)
4.2.7- Para demonstrar que, posteriormente as prisões,
principalmente, a de Gabriell Neves, a quadrilha continuou a
agir, cite-se o termo de colaboração do Sr. Edmar José Alves
dos Santos, em sede de delação premiada ao MPF em 25/06/20,
as fls. 1 e 2 de 2, no Anexo 18 –Obstrução com pagamento de
auxílio a Gabriell Neves e ligações para o colaborador. No
referido Anexo, pelo relato do colaborador, suscintamente, fica
claro como a quadrilha agiu. Por volta dos dias 19 e 20 de maio
com grande preocupação e de forma concatenada, visto
estarem preocupados com uma possível delação do Sr. Gabriell
Neves que se encontrava preso nesse momento, mostraram a
necessidade de se alinhar um discurso para se criar um álibi
para o colaborador e que foi narrado pelo colaborador a entrega
de R$ 15.000,00 feita pelo Sr. Wilson Witzel ao Pastor Everaldo
temendo busca e apreensão no Palácio, e que, até
monitoramento de Gabriel na prisão por informante lhe foi
narrado para evitar que GABRIELL entrasse em desespero e
resolvesse a falar sobre os esquemas e que, também, foi
providenciado o pagamento de advogados , assim como o

291
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

pagamento de despesas pessoais de Gabriell e sua família fora


da cadeia. (...)
“Que na véspera da exoneração de Edmar, ocorrida em 28 de
maio de 2020, já após a operação Placebo, WITZEL ligou para
o colaborador pelo WhatsApp perguntando se o colaborador já
tinha advogado e falando sobre a necessidade de alinhamento
dos discursos; QUE a proposta de WITZEL era um encontro
entre os advogados e membros do governo para esse
alinhamento; ” (...)
4.2.8 - Resta, pois, comprovado a existência de negociações
espúrias para a contratação da IABAS, a total ausência de
planejamento e controle institucional na fase de contratação, a
decisão foi tomada por voluntarismo e atendendo a interesses
não republicanos dos partícipes da “caixinha da propina” e que
continuaram a agir, mesmo depois de iniciadas as prisões de
forma preventiva. Tal contratação da IABAS na gestão do
Governador Wilson Witzel (denunciado ao Superior Tribunal
Justiça-STJ e com denuncia acatada em 11/02/2021) por sua
estrutura hierárquica corrupta composta pelo Secretário do
Edmar Santos (foi preso, denunciado ao STJ e fez delação
premiada) e do Subsecretario Executivo Gabriell Neves (foi
preso e denunciado ao STJ). O contrato estava eivado de
ilegalidades, com sobre preços, falta de qualidade dos materiais
entregues, superfaturamentos, corrupção e a ineficiência no
atendimento à população acometida de COVID-19. A tragédia
da falta de planejamento associado a corrupção levou que,
somente, 2 hospitais tenham sido concluídos, e efetivamente,
tenha funcionado, exclusivamente o do Maracanã, e assim
mesmo, com atendimento muito aquém do previsto e com
perdas evidentes para os cofres públicos.
Constatou-se que o Governador só assinou o Decreto nº
47.103/20, de afastamento da IABAS, em 02 de junho de 2020,
quando o erário já tinha sido pilhado, o Subsecretario Executivo
da Secretaria de Saúde Sr. Gabriell Neves exonerado (20/04/20)
e preso em 07/05/20, após a deflagração da “Operação
Placebo”, onde o contrato da IABAS foi o alvo principal. Pela 2ª
vez, agora no caso IABAS, o denunciado, só agiu, para tentar,
de forma vã, se eximir de sua responsabilidade.
Conclusão nº 3
Fica, pois, demonstrado que o Governador, no mínimo, permitiu,
a contratação da IABAS, sem licitação e sem os cuidados legais
necessários, contrariando o interesse público, estando incurso
no artigo 4º, inciso V, e no artigo 9º, item 7 e no art. 74 da Lei
1079/50 na forma do artigo 2º, logo devendo ter seu
impeachment aprovado por esse egrégio Tribunal Misto.
Últimos Atos no âmbito do Tribunal Especial Misto.
Em 07/04/21, o Tribunal Especial Misto, a pedido da defesa e
consoante a decisão do Exmo. Sr. Ministro Alexandre de Moraes
do STF, ouviu o Sr. Edmar Santos, colaborador do Ministério
Público Federal.
Quando perguntado pela defesa, em especial pelo Sr. Wilson
Witzel, pela acusação e pelos membros do TEM, confirmou
todas as acusações constantes dos Termos de Declaração em
sede de delação premiada que foram liberadas pelo STJ e STF,
reafirmando um amplo esquema de corrupção no âmbito da
Secretaria de Saúde, conforme já relatado na presente
alegação.

292
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

O que fica devidamente registrado, que, também, no período da


pandemia, que quase nada ocorria, em aquisições e
contratações, principalmente, no que tange as OSs, na
Secretaria de Saúde, se não houvesse propina. Triste, pois
revela a dilapidação do erário e o desrespeito a dor da população
fluminense. Ficou mais uma vez reforçada toda a narrativa da
presente alegação final, com as devidas comprovações, da
existência, nos casos UNIR e IABAS, de Crime de
Responsabilidade do, então, Governador Wilson Witzel.
Posteriormente, a oitiva do Sr. Edmar Santos, foi ouvido o
denunciado por Crime de Responsabilidade, o governador
afastado Sr. Wilson Witzel.
Que após preleção inicial, do mesmo, em que se declarou
inocente, foi ouvido pelos membros do TEM e pela acusação e
pelos advogados de defesa.
Nas oitivas procurou desqualificar as denúncias do Srs. Edmar
Santos e do Sr. Edson Torres e negar a sua responsabilidade
em relação a UNIR, IABAS e Caixinha da propina.
Entende a acusação que a denúncia fundamentada da presente
alegação final ficou na verdade robustecida com a oitiva, tão
desejada pela defesa, do Sr. Edmar Santos, visto que ele
respondendo ao Sr. Wilson Witzel, reafirmou com bastante
ênfase tudo que já havia relatado ao MPF e já explicitado nesta
alegação final.
5 -A tipificação por Crime de Responsabilidade, Lei 1079/50.
5.1-Torna-se imperioso destacar parte do artigo 2º da Lei
1079/50:
“Art. 2º - Os crimes definidos nesta lei, ainda quando
simplesmente tentados, são passiveis de perda do cargo, com
inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função
pública, ”...
5.2 – No caso UNIR, o denunciado foi o principal protagonista,
visto ter requalificado a UNIR a favor de outrem, a margem do
interesse público e, posteriormente, a desqualificou, para se
proteger das operações investigativas. Assim, o Sr. Wilson José
Witzel, cometeu Crime de Responsabilidade por ato ímprobo
tipificado no artigo 4º, inciso V, combinado com o art. 9º, item 7,
nos termos do artigo 74, todos da Lei 1079/50.
.3 – No caso IABAS, o denunciado, deu aval para que o seu
Secretário de Saúde a contratasse, em 03 de abril, por R$ 835,8
milhões para construir e gerir 7(sete) Hospitais de Campanha
por um prazo de 6 meses. Não houve justificativa pertinente para
a sua escolha, além de conter a ilegalidade flagrante de um
contrato de gestão que seria executado por uma OSs conter
obras de engenharia de razoável complexidade como edificar os
7 hospitais de campanha. O montante inicial de R$ 256,6
milhões foi empenhado e pago, sendo que foram entregues,
apenas, 2 (dois) hospitais e, somente, o do Maracanã funcionou
por breve tempo, com muitas desconformidades. O contrato se
revelou, ainda, eivado de ilegalidades e improbidades. Verifica-
se, que, em 28 de fevereiro de 2020, antes do Decreto de
Calamidade Pública na área de Saúde (16/03), o Secretário de
Saúde Edmar Santos, subordinado do denunciado, delegou, em
parte, suas funções, ao Subsecretario Executivo Gabriell Neves
(ambos presos). Pelo exposto o Sr. Wilson José Witzel, cometeu
Crime de Responsabilidade, tipificado no artigo 4º, inciso V,

293
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

combinado com o art. 9º, item 7, nos termos dos artigos 2º, e 74,
todos da Lei nº 1079/50.
6- Agravantes.
6.1- No Crime de Responsabilidade cometido pelo Governador
Doutor Wilson José Witzel, Oficial de Marinha, advogado, ex-
Defensor Público do RJ, ex-Juiz Federal, com Mestrado em
Processo Civil e Doutor em Ciência Política, o agravante é o
denunciado ser conhecedor profundo das Leis, da hierarquia de
Comando e de suas responsabilidades jurídico - administrativas
ter atentado contra a probidade na administração, procedendo
de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do
cargo, em período de pandemia.
6.2- Verifica-se, também, como agravante, que o Governador
Wilson José Witzel, por denúncia do Ministério Público Federal
ao Supremo Tribunal Justiça, em processo penal, foi afastado
do cargo, em 20 de agosto de 2020, pelo período de 6 (seis)
meses por decisão monocrática. E, em 02 de setembro de 2020,
por votação do plenário da Corte Especial do STJ, confirmou-se
o afastamento por 14x1. E, que, em 11/02/21 a primeira de três
denúncias feitas pela Procuradoria Geral da República - PGR foi
acatada pelo Superior Tribunal de Justiça pela unanimidade dos
presentes (14 votos em 15 possíveis), o transformando em réu
por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, além de ter sido
afastado pelo cargo por mais 1(hum) ano.
7- Do pedido ao Egrégio Tribunal Especial Misto – TEM.
7.1 - Inicialmente solicitamos que o referido julgamento, mesmo
com entrelaçamento de todos os componentes ocorra em 3(três)
etapas:
7.1.1- A existência do Crime de responsabilidade, do
Governador Wilson José Witzel, pelos atos ímprobos cometidos
pelo mesmo, desde sua posse em 1º de janeiro de 2019 como
Governador do Estado do Rio de Janeiro. Demonstrou-se a
existência, de um poder paralelo ao governo formado por uma
plutocracia corrupta estruturada por agentes privados e públicos
que agiam de fora para dentro do Governo dilapidando o erário
visto que administravam uma caixinha de propina. Constata-se
que o Governador se beneficiava da mesma, cujos recursos
escusos se originavam, entre outros, de propinas pagas por OSs
da área da saúde para se tornarem detentoras de contratos, para
receberem do Estado restos a pagar de seus contratos em plena
pandemia acirrando o número de contaminados e óbitos. Todos
os fatos devidamente comprovados pelo cruzamento de
informações que se originaram das operações efetuadas pelo
MPR e MPE-RJ, das denúncias efetuadas pela PGR ao STF, da
denúncia espontânea e da oitiva do Sr. Edson Torres, dos
documentos encaminhados pelo STJ, das oitivas do Tribunal
Especial Misto, entre outras fontes, tudo consoante sínteses
aqui efetuadas;
7.1.2 - O Crime de Responsabilidade do Governador Wilson
José
Witzel já devidamente justificada tipificada nesta alegação final,
pela requalificação e posterior desqualificação da OS UNIR;
7.1.3 - O Crime de responsabilidade do Governador Wilson
Witzel pela contratação da IABAS para construir e gerir 7(sete)
Hospitais de Campanha, também, devidamente justificada e
tipificada.

294
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Isto posto, verifica-se presente e comprovada a existência dos


componentes legais essenciais: a tipicidade da conduta e autoria
de Crime de Responsabilidade, punível. Assim a acusação,
composta pelos Dep. Luiz Paulo e Dep. Lucinha, requer as
Exmas. Desembargadoras e Desembargadores, a Exma.
Deputada e Deputados que compõe este Egrégio Tribunal
Especial Misto do Estado do Rio de Janeiro, que condenem,
consoante a Lei 1079/50, o Sr. Governador Wilson José Witzel
pelo cometimento de Crime de Responsabilidade declarando o
seu impedimento para continuar no cargo que ultrajou.
E que, posteriormente, seja o acusado sancionado com a
inelegibilidade por 05 (cinco) anos consoante o artigo 2º da Lei
1079/50, por ser de JUSTIÇA. (...)” (SIC)

XXXV – DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL N° 46.835-RJ, COM VISTAS À


DECLARAÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL POR AUSÊNCIA DO LIBELO
ACUSATÓRIO

Diante da apresentação das Alegações Finais pela Acusação (Id. 1975947), foi
proferido despacho do Presidente do Tribunal Especial Misto (Id. 1978568),
determinando a intimação do Réu para que apresentasse suas Alegações Finais.

Ocorre que, no dia 14 de abril do corrente, a Defesa do Réu protocolou a


Reclamação Constitucional n° 46.835-RJ, no Supremo Tribunal Federal, nos
seguintes termos:

(...)
I – CABIMENTO DA PRESENTE RECLAMAÇÃO
GARANTIA DE OBSERVÂNCIA À SÚMULA VINCULANTE Nº
46 E ÀS DECISÕES DO STF: Rcl-MC 42.861/SC; ADI 1.628/SC,
ADI-MC 1.890/MA, ADI 4.791/PR, ADI 5.895/RR e ADPF 378.
A Reclamação, como sabe, é cabível diante de atos do Poder
Público e tem por escopo, a preservação da competência dos
Tribunais e a garantia da autoridade de suas decisões.
Especificamente no caso tela, a Reclamação tem por objetivo
garantir a observância de enunciado de Súmula Vinculante e de
decisões do Supremo Tribunal Federal, as quais, conforme será
demonstrado a seguir, foram frontalmente vulneradas.
Dito isso, consoante asseverou o em. Min. Luís Roberto Barroso,
em voto específico acerca da matéria:
“A reclamação dirigida a esta Corte é cabível quando se tratar (i)
de usurpação de sua competência, (ii) ofensa à autoridade de
suas decisões ou (iii) violação a decisão dotada de efeito
vinculante (arts. 102, I, l, e 103, § 3º, da Constituição). Nessa
última hipótese, o Supremo Tribunal Federal entende que há
necessidade de aderência estrita entre o ato impugnado e o
paradigma supostamente violado.”
E prosseguiu, com a argucia que lhe é própria, ao tratar de
aspecto análogo ao objeto da presente:

295
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“A Súmula Vinculante 46, um dos paradigmas apontados na


inicial, consolidou o entendimento desta Corte no sentido de que
a “definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são da
competência privativa da União”. Assim, questionado o rito de
impeachment de Governador fixado em ato local em face de
enunciado de Súmula Vinculante desta Corte que estabelece a
competência da União para dispor sobre a matéria, revelase
adequado o cabimento da reclamação constitucional”
Nesta toada, deve-se observar que a presente Reclamação, tem
por objeto a manutenção das decisões proferidas por este
Supremo Tribunal Federal e que, equivocadamente, não foram
observadas pelo Tribunal Especial Misto do Rio de Janeiro, na
medida em que não houve apresentação do libelo acusatório por
parte da acusação.
Em outros termos, é dizer que, o Presidente do TEM estabeleceu
o roteiro a ser seguido durante o processo de impeachment sem
se atentar para necessidade de apresentação do libelo
acusatório, preconizado pelos arts. 24 e 58 a Lei 1.079/50, indo
de encontro, assim, ao posicionamento pacífico do STF.
Veja-se que, em momento algum, se questiona o mérito das
decisões que culminaram no atual estado do processo de
impeachment, mas tão somente a não observância ao rito
próprio estabelecido pela Lei 1.079/50 referendado por esta
Corte Constitucional.
Irretorquível, pois, que a presente Reclamação se mostra de
todo consentânea com o regramento anteriormente delineado,
porquanto visa restabelecer, com lastro nos arts. 102, I, ‘l’, e 103-
A, §3°, da CF, e art. 988, II e III, do CPC, a autoridade das
decisões proferidas por este sodalício nas Rcl-MC 42.861/SC;
ADI 1.628/SC, ADI-MC 1.890/MA, ADI 4.791/PR, ADI 5.895/RR
e ADPF 378, bem como do entendimento cristalizado pela
Súmula Vinculante nº 46.
II – ANAMNESE NECESSÁRIA
Em 27.05.2020, o Exmo. Deputado Estadual do Rio de Janeiro
Luiz Paulo Correa da Rocha, bem como a Exma. Deputada
Estadual do Rio de Janeiro, Lucia Helena Pinto de Barros
ofertaram, com arrimo nos artigos 75 e 76 da Lei nº 1.079/1950,
denúncia em desfavor do ora Reclamante, no bojo dos
Processos Administrativos nº 5360/2020 e 5328/2020.
À mingua, porém, dos requisitos taxativos do artigo 76 do
supracitado diploma; o qual estabelece como imperativo para a
apresentação de denúncia contra titular de cargo do Poder
Executivo Estadual documentos que comprovem os fatos
narrados e o respectivos rol de testemunhas; o Exmo.
Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro (ALERJ), após submetê-la à apreciação do colegiado
daquela Casa, entendeu por receber a frágil inicial acusatória e
prosseguir com o famigerado processo, em 10.06.2020 (doc.01).
Ato contínuo, ainda em 10.06.2020, após o recebimento da
denúncia, foi instaurada a Comissão Especial através do
ATO/E/GP/Nº 42/2020. Cumpre revelar, por oportuno, que
Exmo. Deputado Estadual Luiz Paulo, um dos subscritores da
acusação, admitiu que deixara de instruir a referida peça
inaugural com documentos indispensáveis a corroborar os
alegados fatos; uma das tantas irregularidades que permeiam o
processo de impeachment do Reclamante.

296
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Ainda em sede estritamente política perante a ALERJ, após


apresentada a defesa pelo Reclamante (doc.02), o Relator,
Deputado Rodrigo Bacellar, elaborou parecer (doc.03) no qual
concluiu, em face das denúncias originárias, pela existência de
indícios de irregularidades relacionadas a dois fatos específicos:
i) contratação da Organização Social de Saúde — OSS
denominada "IABAS" (Instituto de Atenção Básica e Avançada à
Saúde) para a construção de hospitais de campanha (fls. 57/62
do relatório) e ii) a revogação da desqualificação da Organização
Social de Saúde — OSS denominada Instituto Unir Saúde (fls.
31/57 do relatório).
Com efeito, na sessão ordinária ocorrida em 23.09.2020,
deliberou-se pela abertura do processo de impeachment em
desfavor do Reclamante, cuja competência para processar e
julgar, inequivocamente é do Tribunal Especial Misto.
Nessa perspectiva, o presidente do TEM à época,
Desembargador Cláudio de Mello Tavares, elaborou o roteiro de
julgamento do aludido Tribunal (doc. 4) e foi convocada sessão
inaugural na qual foi deliberado acerca da sugestão de referido
script (doc.05).
Antes, contudo, da realização da referida sessão, atento à
singularidade do caso ante o ineditismo de impeachment de
Governador levado a cabo, o Excelentíssimo Juiz Auxiliar da
Presidência, Dr. Fábio Porto, apresentou despacho
contemplando uma proposta de roteiro mais detalhado ao
Presidente daquele Tribunal. Todavia, analisando a Ata da
Sessão inaugural, verificou-se que restou aprovada a proposta
anteriormente elaborada.
Pois bem.
Pese embora até este momento tenha sido parcialmente
seguido o rito estabelecido pela Lei 1.079/50, com a devida
adequação constitucional determinada por esta e. Corte, fato é,
que com a instauração do processo de impeachment pelo
Tribunal Especial Misto, antes de passar à fase de instrução
probatória, era de rigor que tivesse sido apresentado libelo
acusatório, nos termos dos arts. 24 e 58 do citado diploma legal;
o que não se fez.
As consequências e prejuízos ao pleno exercício da defesa e
contraditório são patentes, mormente em razão da ausência de
delimitação do objeto da acusação o que tem dado azo, ex vi, a
toda sorte de questionamentos aos depoentes naquele feito,
para muito além dos dois fatos inicialmente imputados ao
Reclamante.
Este prejuízo se revela, outrossim, na medida em que a defesa
não consegue saber exatamente do que se defender, sendo
surpreendida a cada depoimento, viciando, assim, o próprio
julgamento perante o colegiado.
Agrega-se a isto, o fato de que se trata de Ação Originária, razão
pela qual, inexiste a possibilidade de revisão por um colegiado
isento em outro grau de jurisdição, afetando de forma flagrante
a imparcialidade, ainda que tais provas sejam extirpadas dos
autos e os depoimentos sejam novamente colhidos.
Atualmente, após o interrogatório do Reclamante – diga-se, por
mais uma vez eivado de perguntas completamente alienígenas
ao objeto da demanda -, o feito se encontra em fase de
alegações finais, e, por conseguinte, brevemente se sucederá o
veredito final invariavelmente contaminado pelo Tribunal

297
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Especial Misto, acaso não haja uma imediata, necessária e


pontual interferência por parte desta e. Corte.
III – DESRESPEITO À AUTORIDADE DAS DECISÕES
PROFERIDAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
SÚMULA VINCULANTE 46; APLICAÇÃO POR SIMETRIA AO
RITO DE IMPEACHMENT DE PRESIDENTE; Rcl-MC
42.861/SC; Rcl-MC 42.627/SC; ADI 1.628/SC, ADI-MC
1.890/MA, ADI 4.791/PR, ADI 5.895/RR e ADPF 378;
DESRESPEITO AO RITO DA LEI 1.079/1950; AUSÊNCIA DO
LIBELO ACUSATÓRIO; NECESSÁRIA DELIMITAÇÃO DO
OBJETO DA ACUSAÇÃO; INSOFISMÁVEL AFRONTA AOS
PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
(ART. 5º, LV DA CF).
É cediço que os processos de impeachment, historicamente,
culminam em demandas direcionadas a este Pretório Excelso.
Tal fato decorre, portanto, da excepcionalidade das
circunstâncias que tangenciam os processos desta natureza,
associado à Lei 1.079/50, que regula este procedimento e foi
editada sob a vigência da Constituição de 1946.
Diante disso, exercendo a jurisdição constitucional, o Supremo
Tribunal Federal é constantemente exigido, tendo em vista a
necessidade de se adequar a aplicação do rito previsto na
referida Lei aos preceitos e garantias fundamentais insculpidos
pela Constituição Cidadã.
Assim ocorreu no impeachment do então presidente Fernando
Collor, quando o Plenário deste Tribunal, à época, julgou o
Mandado de Segurança 21564/DF e assentou pela recepção,
em parte, da Lei 1.079/50, interpretada e aplicada conforme as
normas da Constituição Federal de 88.
Desde então, inúmeros são os precedentes deste Supremo
Tribunal Federal, com vistas a sanar as divergências
decorrentes das lacunas da Lei 1.079/50 e a atribuir-lhe
interpretação compatível com o regime democrático.
O caso em testilha, inclusive, não destoa de outros tantos onde
não prescindiu da pontual e cirúrgica intervenção desta e. Corte
para o desígnio de adequar o rito de impeachment à Lei
1.079/50, na esteira dos princípios fundamentais da CF de 88;
notadamente, o respeito ao devido processo legal, ao
contraditório e a ampla defesa, como, aliás, se reconheceu ao
se conceder liminar na Reclamação 45366/RJ.
Inobstante a ilegalidade reconhecida naquela Reclamação,
inúmeras outras maculam o processo de impeachment do
Governador Wilson Witzel e merecem o mais imediato reproche,
a fim de assegurar a autoridade do entendimento pavimentado
por esta egrégia Corte.
Frise-se que tais ilegalidades só foram percebidas após o início
da instrução, sem a apresentação do libelo acusatório, o que
dificultou, até mesmo, a própria defesa no momento de impugnar
perguntas, tornando impossível o exercício adequado da defesa
para formação do juízo de convencimento das teses defensivas.
Tais ilegalidades decorrem, decerto, das parcas experiências
em se tratando de impeachment sob a égide Estadual,
especialmente, após a redemocratização. Não há paradigma a
ser seguido, e cada caso concreto impulsiona a evolução
jurisprudencial, a fim de sanar as lacunas existentes na Lei
1.079/50, que ainda hoje, serve como parâmetro a ser seguido.

298
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Neste passo, é importante observar que, nos termos da Súmula


Vinculante nº 46, as normas de processo e julgamento nos
crimes de responsabilidade são de competência legislativa
privativa da União.
Destarte, ainda que se trate de processo de impeachment de
Governador, como no vertente caso, descabe eventualmente à
Assembleia Legislativa ou ao Tribunal Especial Misto criar
normas que desbordem o regramento instituído pela Lei
1.079/50.
Decorrência disso, em razão da necessidade interpretação
conforme a CF 88, em diversas oportunidades, o STF se
manifestou no sentido da aplicação por simetria das regras
previstas na aludida Lei, complementando, assim, as lacunas
existentes.
Ao julgar a ADPF 378 MC/DF, este Tribunal entendeu que, assim
como no caso do ex-presidente Collor, o rito aplicável ao
julgamento do impeachment de Presidente da República deve
seguir, necessariamente, o que preconiza a Lei 1.079/50,
sobretudo o julgamento de denúncias por crime iais:
“3.2. Diante da ausência de regras específicas acerca dessas
etapas iniciais do rito no Senado, deve-se seguir a mesma
solução jurídica encontrada pelo STF no caso Collor, qual seja,
a aplicação das regras da Lei nº 1.079/1950 relativas a
denúncias por crime de responsabilidade contra Ministros do
STF ou contra o PGR (também processados e julgados
exclusivamente pelo Senado).”
Ainda no mesmo julgamento, no que tange à necessária
observância aos princípios constitucionais da ampla defesa e do
contraditório, reconheceu-se que o rito previsto pela supracitada
regra é formalmente compatível com a Constituição Federal
vigente, além da validade material de parte de seus preceitos,
no que não conflitantes com o modelo delineado por esta.
Em outros termos, a observância aos referidos princípios
fundamentais é medida que se impõe, não apenas no aspecto
formal, mas sobretudo no plano material, mormente quando do
julgamento perante o Tribunal Especial Misto, como no caso em
tela.
Designadamente no que concerne ao julgamento de Governador
por crime de responsabilidade, a partir da decisão na ADPF 378
foram proferidas outras decisões pelo STF a respeito da matéria,
corroborando o paralelismo entre os modelos do processo de
impeachment de Presidente da República e aquele.
Neste espeque, cita-se, à guisa de exemplo, a ADI 1.628/SC;
ADI 5.895/RR; Rcl-MC 42.627/SC, bem como as esclarecedoras
palavras do Min. Luís Roberto Barroso, relator da Rcl 42.861-
MC/SC, na qual se reconheceu a lacuna da Lei 1.079/1950
quanto ao rito de impeachment de Governador e assegurou a
extensão dos efeitos da decisão na ADPF 378-MC sobre o
procedimento na esfera Estadual:
“23. Embora adotado o sistema unicameral nos
Estadosmembros, não parece haver óbice à aplicação do
princípio da simetria, tendo em conta que se tem, no âmbito
estadual, a mesma estrutura de órgãos exigida no rito do
Presidente da República, isto é: um órgão responsável por
autorizar a instauração do processo (a Casa Legislativa) e o
outro pelo julgamento (o Tribunal Especial Misto).

299
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Ressalte-se que esta Suprema Corte já assentou a recepção,


pela ordem constitucional vigente, do art. 78, § 3º, da Lei nº
1.079/1950, que prevê o processo e julgamento dos
Governadores de Estado, quanto aos crimes de
responsabilidade, por um tribunal misto composto por membros
do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. (ADI 4.791, Rel. Min.
Teori Zavascki, Tribunal Pleno)”
Como se estivesse a mirar o caso em concreto, o Ilustríssimo
Procurador Geral da República, proferiu hodierno parecer na
Medida Cautelar na ADPF 7406:
“É dizer: ainda que se entenda eventualmente que deva ser
afastada a reprodução do modelo federal na esfera estadual, o
contexto atual, na prática, e em grande parte por conta da
orientação firmada pelo STF, é o de simetria, não havendo razão
para ser alterado em juízo cautelar – para valer para o
procedimento em curso. Seria postura mais atentatória ao
princípio que o requerente afirma querer prestigiar. Adentrando
às questões relacionadas na inicial, a Procuradoria- Geral da
República entende que o rito aplicável ao processo de
impeachment de Governador há de seguir aquele delineado
para o impedimento de Presidente da República, por ser a
compreensão que melhor prestigia a segurança jurídica.
A despeito da autonomia política dos entes federados, é
importante haver uniformidade no tratamento da matéria,
entendendo-se que alterações locais afetariam o pacto
federativo.
A recepção ou não do rito estabelecido na Lei 1.079 toma como
parâmetro a Constituição Federal, em que previstas normas
atinentes ao procedimento na esfera federal, sem referência
àquele processado em âmbito estadual.
Sendo a Constituição o parâmetro vigente, e não sendo dado ao
Judiciário inovar no plano legislativo para suprir a insuficiência
normativa referente ao rito atinente ao impeachment de
Governador, parece adequada (e necessária) a correspondência
e simetria de normas, no que for possível.” –grifo nosso
Não sem razão, ao elaborar a sugestão de roteiro a ser seguido
pelo Tribunal Especial Misto/RJ, o insigne juiz auxiliar da
presidência, assinalou que (fls.06/07, doc.06):
“(...) Em seguida, utilizou-se, como parâmetro, o julgamento pelo
STF das demais Ações Diretas de Inconstitucionalidade que
tratam do tema, a lei federal que disciplina o rito de impeachment
(Lei nº 1.079/50) e, por fim, o Código de Processo Penal.
Somente em não se encontrando qualquer embasamento nos
parâmetros acima apontados é que se buscou delimitar um rito
utilizando-se por simetria aquele já consolidado para o caso dos
pedidos de impedimento de Presidente da República.”
Estreme de dúvida, desta feita, que o rito do impeachment de
Governador deve guardar simetria com o previsto para os casos
de Presidente da República, nos moldes da Lei 1.079/50, com a
devida filtragem constitucional realizada na ADPF 378/DF,
sendo imperiosa, deste modo, a observância aos princípios
constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido
processo legal.
Frise-se, a propósito, que os supracitados dispositivos legais
não passaram despercebidos pelo cauteloso Presidente do
Tribunal Misto do Estado do Rio de Janeiro, consoante se infere
da decisão acartada ao processo originário (doc. 07):

300
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“Nesse contexto, a Súmula Vinculante nº 46 consolidou o


entendimento da Corte Constitucional no sentido de que a
“definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento são da
competência privativa da união”. Esta competência foi exercida
por meio da edição da Lei nº 1.079/1950, que constitui norma
de observância obrigatória para os Estados, devendo, portanto,
ser reproduzida nas Constituições Estaduais e nos Regimentos
Internos das Assembleias Legislativas Estaduais” – grifo nosso
Mais adiante, ao se debruçar sobre o rito processual na espécie,
o douto Presidente do TEM chegou a mencionar,
expressamente, o indispensável libelo acusatório.
Todavia, fez tábula rasa aos ditames elencados na consolidada
jurisprudência desta e. Corte, vez que deixou de observar, a
taxatividade esteada nos artigos 24 e 58 da Lei 1.079/50, que
assim dispõem:
“Art. 24. Recebido no Senado o decreto de acusação com o
processo enviado pela Câmara dos Deputados e apresentado o
libelo pela comissão acusadora, remeterá o Presidente cópia de
tudo ao acusado, que, na mesma ocasião e nos termos dos
parágrafos 2º e 3º do art. 23, será notificado para comparecer
em dia prefixado perante o Senado.”
“Art. 58. Intimado o denunciante ou o seu procurador da decisão
a que aludem os três últimos artigos, ser-lhe-á dada vista do
processo, na Secretaria do Senado, para, dentro de 48 horas,
oferecer o libelo acusatório e o rol das testemunhas. Em seguida
abrir-se-á vista ao denunciado ou ao seu defensor, pelo mesmo
prazo para oferecer a contrariedade e o rol das testemunhas.”
Malgrado a jurisprudência pacífica supra referenciada, na
hipótese dos autos, superada a fase estritamente política do
processo de impedimento e, sendo instituído o Tribunal Especial
Misto, antes de se intimar o Reclamante para que apresentasse
sua defesa, era cogente que a acusação apresentasse o
respectivo libelo acusatório, nos termos preconizados pelos arts.
24 e 58 da Lei 1.079/50; o que não ocorreu.
Nota-se, portanto, que a ausência do indispensável libelo
acusatório, essencial à delimitação e formalização das
acusações anteriormente à etapa de instrução probatória,
mormente em observância aos princípios do contraditório, ampla
defesa e devido processo legal, acarreta vício insanável, indo de
encontro à jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal
Federal.
Conquanto inexista previsão expressa do libelo acusatório no
capítulo dedicado ao processo de Governador, à luz da
jurisprudência acima colacionada que determina, por simetria, a
aplicação do rito de julgamento de crime de responsabilidade de
Presidente da República ao Governador, seu oferecimento se
faz imperativo.
De fato, existem inúmeras lacunas na Lei 1.079/50 no que se
refere ao impeachment Estadual, de sorte que a sua
interpretação sistemática e em harmonia com o que se
consolidou em relação ao modelo Federal, conduz à inexorável
constatação acerca da necessidade do oferecimento do libelo
acusatório.
Muito ilustrativas, no ponto, as contemporâneas palavras do em.
Ministro Luís Roberto Barroso, relator da MC na Rcl 42.861/SC,
em 31.08.2020. Veja-se:

301
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“A Lei nº 1.079/1950 é lacunosa no que diz respeito ao rito de


impeachment dos Governadores. Na ADI 1.628-MC, o Min.
Nelson Jobim estabeleceu um cronograma, confirmado em
outras ações diretas de inconstitucionalidade, em simetria com
o processo e julgamento do Presidente da República.
Observo que o respectivo voto, embora se inicie com menção ao
disposto nos art. 75 e segs. da Lei nº 1.079/1950, analisa os arts.
19 e segs., para, na sequência, estabelecer o cronograma acima
citado, com fases correspondentes às do procedimento do
Presidente da República. Aliás, de uma simples leitura dos
dispositivos em questão, é fácil perceber que o cronograma não
externa matéria “tratada exclusivamente pela Lei federal n.
1.079/50, em seus artigos 74 a 79”, como pretende fazer crer o
reclamante.”
Não por acaso, no processo originário regido pelo
Excelentíssimo Presidente do Tribunal Misto do Estado do Rio
de Janeiro, constatou-se que o roteiro de julgamento,
contemplou inúmeras alusões a artigos para além do título “Dos
Governadores e Secretários de Estado” previsto nos artigos 74
a 79 da Lei 1.079/50.
E mais: observa-se no mesmo roteiro de julgamento a
“adaptação de item da sessão de julgamento do impeachment
da Presidente Dilma Vana Rousseff.”
Nesse sentido, insta asseverar, que no processo da ex-
Presidente, houve oferecimento de libelo acusatório, de sorte a
fundamentar, in casu, a necessidade de acusação
pormenorizadamente escrita na etapa anterior à instrução
probatória, em atenção aos princípios do contraditório, da ampla
defesa e do devido processo legal.
Cumpre consignar, por oportuno, que o aludido artigo 24 da Lei
1.079/50 restou recepcionado pela Corte Constitucional após a
decisão da ADPF 378, possuindo, assim, inteira aplicabilidade
no caso em testilha.
Merece especial atenção, neste ponto, o fato de que a
jurisprudência desta Corte reconhece a natureza
predominantemente criminal do processo de impeachment,
sendo aplicável à espécie, as normas do Código de Processo
Penal de maneira suplementar. Este posicionamento, aliás, foi
mencionado durante a elaboração da sugestão de roteiro
subscrito pelo Excelentíssimo Juiz Auxiliar da Presidência, Sr.
Fábio Ribeiro Porto, em 28.09.2020, no processo originário. É
de se ver:
“Daí sua feição, a um só tempo, densamente política e jurídica,
com matrizes de ação penal, segundo parte da doutrina. A
problematização é assim resumida por PAULO BROSSARD:
“(...) é difícil indicar o rumo, a nota dominante da doutrina, da
jurisprudência e da legislação (...) A fórmula que o tentasse teria
que conciliar as posições mais antagônicas e contraditórias,
para dizer mais ou menos assim: o processo político não é
puramente criminal, mas marcadamente judicial, portanto, misto”
(O impeachment. Aspectos da Responsabilidade Política do
Presidente da República. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p.86).
Em relação aos controvertidos aspectos jurídicos, a invocação
de alguma natureza penal possivelmente decorre de nossa
tradição jurídica, que, para além das relações contratuais,
concebia a sanção judicial essencialmente como consequência
penal até pouco tempo atrás. A nossa própria Corte

302
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Constitucional confirma esse tônus ao pedido de impeachment,


parametrizando o seu processamento a partir da liturgia
processual penal.” – grifo nosso Nesta toada, impõe-se
consignar que o libelo acusatório previsto pelos arts.24 e 58 da
Lei 1.079/50 é de inspiração procedimental da antiga sistemática
do Código de Processo Penal para Tribunal do Júri (antigos
arts.406 e segs. do CPP).
No entanto, a despeito da revogação desta sistemática instituída
pela reforma do CPP realizada em 2008, a alteração em nada
modificou a vetusa lei que disciplina os processos de
impeachment. Afinal, lex posterior generali non derogat priori
speciali.
Prova disso é que, no citado impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff, houve oferecimento do libelo acusatório e sua
respectiva contrariedade.
Apenas a título elucidativo, para que se compreenda a
importância do libelo acusatório nos moldes previstos pelo
antigo art. 417 do CPP, os seus requisitos eram: I) “o nome do
réu; II) a exposição, deduzida por artigos, do fato criminoso; III)
a indicação das circunstâncias agravantes, expressamente
definidas na lei penal, e de todas as circunstâncias que devam
influir na fixação da pena e IV)a indicação da medida de
segurança aplicável”.
Em outras palavras, a melhor doutrina instrui que: “Constitui o
libellium accusatorium a exposição escrita e articulada do fato
criminoso e de suas circunstâncias, deduzidas uma a uma, em
proposições simples e claras(...)”
Nota-se, portanto, a relevância e imprescindibilidade do libelo
acusatório, de modo a balizar, delimitar e expor detalhadamente
a acusação.
Afinal, no Estado Democrático de Direito, é fundamental que o
acusado tenha ciência de toda acusação para que, então, possa
exercer plenamente seu intocável direito a ampla defesa e o
contraditório (art.5º, LV da CF).
A sua ausência, especialmente no caso em concreto, para além
de se configurar como desrespeito às decisões consolidadas
desta e. Corte, tem dado azo a um julgamento, deveras tão
descompassado quanto teratológico, porquanto os
questionamentos em sede do Tribunal Especial Misto, estão
destoando por completo do cerne da demanda, por flagrante
indefinição da causa de pedir, o que, seguramente seria
delimitado pelo libelo acusatório.
Pode-se aferir tais limites à luz do art. 212 do Código de
Processo Penal, cuja observância se impõe como a mais
genuína forma de homenagem aos princípios do contraditório,
ampla defesa e devido processo legal, in verbis:
“Art. 212: As perguntas serão formuladas pelas partes
diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que
puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou
importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único: Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá
complementar a inquirição. (Incluído pela Lei nº 11.690, de
2008)”
Os excertos a seguir carreados, entretanto, se mostram de todo
dissonantes com os limites legais avalizados, na medida em que,
na sessão de instrução do Tribunal Especial Misto, foram

303
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

declinadas perguntas, inclusive, a respeito de “financiamento de


campanha”. Veja-se:
“Deputado Waldeck Carneiro: O senhor participou de, digamos,
de financiamento de campanha, ajudou a arrecadar recursos
para campanha do partido dirigido pelo pastor Everaldo?
Campanha recente, campanha de quem o senhor se lembra por
exemplo?
Edson Torres: Sim.
Deputado Waldeck Carneiro: Campanha de quem? O senhor
poderia nos dizer quais são?
Edson Torres: Do Governador eleito Wilson Witzel.
Deputado Waldeck Carneiro: E quando o senhor conheceu o
Governador afastado Wilson Witzel, em que circunstâncias
quando foi aproximadamente?
Edson Torres: Foi em meados para final de 2017 na sede do
PSC em reunião com o pastor Everaldo o Governador.
Deputado Waldeck Carneiro: Nessa ocasião o Wilson Witzel era
ainda juiz federal?
Edson Torres: Então, juiz federal me perdoe, não era
Governador então juiz federal, pretendente a disputar a vaga
para candidatar ao Governo do Estado.
Deputado Waldeck Carneiro: Então, o senhor participou,
digamos assim, de reuniões ou de articulações para que Wilson
Witzel se tornasse candidato a Governador?
Edson Torres: Perfeito.
Deputado Waldeck Carneiro: Qual foi a sua participação
exatamente nesse processo que levou Wilson Witzel a se tornar
candidato a Governador?
Edson Torres: Em primeiro plano nós tivemos reunião sobre o
interesse político dele, as conjunções de interesses do partido e
as necessidades de recurso para estruturar a campanha política
e eu participei nessa ajuda financeira para então viabilizar a
campanha do juiz federal Wilson Witzel.
Deputado Waldeck Carneiro: O senhor pode dizer de que forma
o senhor participou dessa, digamos, viabilização financeira da
campanha do candidato Wilson Witzel? Fazendo o que? Agindo
de forma? Abordando que pessoas?
Edson Torres: Eu inicialmente como empresário há alguns anos,
eu procurei alguns parceiros de relacionamento no mercado, se
tinham interesse em participar com ajuda
econômica para a campanha do Governador estruturando um
caixa para a campanha do Governador, tive uma resistência
porque o percentual de apoio dele , possibilidade era mínima e
não estava tendo êxito com quase ninguém eu só consegui êxito
com uma pessoa que eu já conhecia há muito tempo conversei
com ele , ele se interessou, ai ele sim me ajudou a montar uma
estrutura financeira na época para colocar à disposição do então
juiz federal Wilson Witzel(...)
Deputado Waldeck Carneiro: Repassou já a Lucas Tristão
recursos de campanha naquela ocasião?
Edson Torres: Sim, uma parte desse recurso para ajuda ao
então juiz federal.
Deputado Waldeck Carneiro: Na verdade a campanha não tinha
começado nessa época ne?
Edson Torres: Sim, era final de 2017, início de 2018.
Deputado Waldeck Carneiro: Então, o senhor está dizendo que
passou recursos para o candidato ex-juiz e pré-candidato antes

304
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de começar a campanha para suas despesas pessoais para


suas despesas previas a campanha?
Edson Torres: Perfeito.
Deputado Waldeck Carneiro: Queria fazer outra pergunta para o
senhor, senhor Edson Torres. O senhor no depoimento ao
Ministério Público Federal, justamente sobre esse ponto, afirmou
que houve frequentes repasses destinados ao senhor Wilson
Witzel, que ele teve que se desincompatibilizar, se exonerou do
cargo de juiz federal como manda a lei para ser candidato com
antecedência prevista em lei, ele precisava de recursos para ser
manter, houve repasses com essa finalidade? O senhor cuidou
disso? Participou disse de alguma forma?”
A defesa, por seu turno, sinalizou para esta anomalia, sem
alcançar, contudo, a efetividade necessária:
Advogado de defesa: “... ai o que o senhor está se referindo a
suposto pagamento que o senhor afirma ter feito ao Governador,
para ressarci-lo caso ele não tivesse sucesso em compensação
a renúncia dele a magistratura, que é uma situação, o senhor
mesmo afirma, que esse pagamento não foi para nenhuma
contrapartida, não foi pedido nenhuma contrapartida, esse
pagamento foi feito caso o Governador não tivesse sucesso na
eleição e ele poderia se sustentar, como se fosse um
compensação pelo risco que ele estava assumindo, essa é uma
situação. Outra situação completamente diferente é o tal caixa
de propina na saúde que seria dividido por pessoas integrantes
do Governo e essa estrutura do Governo, que não está claro
para esse Tribunal, pelo menos para defesa o que significa essa
estrutura de Governo. Então eu queria saber em relação a esse
caixa de propina, que é o objeto desse processo esses
pagamentos anteriores enquanto o Governador era juiz não são
nem objeto desse processo, o que interessa para esse processo,
seria eventualmente propina. Então eu queria saber se o senhor
tem alguma prova, algum documento que demonstre que o
Governador Witzel teria recebida alguma propina.”
Esse dantesco cenário, também não passou despercebido pela
Excelentíssima Desembargadora Tereza de Andrade, membro
do Tribunal Especial Misto, que assim registrou:
Deputado Luiz Paulo: Só a título de esclarecimento Coronel
Robadey, uma área que o senhor tem muito conhecimento uma
área do corpo de bombeiro, já que também tem a Defesa Civil,
também sob o manto do superfaturamento e da corrupção, foi
contratada a empresa OZZ saúde para a gerência do Samu. Aí
eu pergunto a Vossa Senhoria: Não dava para o Corpo de
Bombeiro fazer a gerência das ambulâncias? Isso também foi
discutido no grupo de crise a incapacidade do Corpo de
Bombeiros de fazer por administração direta a gerência das
ambulâncias?
Desembargadora: Presidente, nós estamos discutindo aqui se
houve o superfaturamento do IABAS e se houve uma
desqualificação, requalificação errada da UNIR, começam a
perguntar sobre assuntos diversos, número de mortos,
contratação de ambulância, nós não vamos chegar a lugar
nenhum! Nós não somos competentes para julgar outros
assuntos que não aqueles que constam na denúncia que o
senhor assinou (Deputado Luiz Paulo)! Se o senhor quisesse
denunciar sobre outras coisas, tivesse incluído na denúncia, a
questão é que nós temos um cronograma e um limite! Nós não

305
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

chegaremos a lugar nenhum conversando sobre assuntos


diversos que não o do processo! Além do mais, todas as
perguntas começam com juízo de valor, as perguntas têm que
ser sem juízo de valor! Eu deixo ele continuar se for assunto
pertinente ao processo, se não for, não!
Deputado Luiz Paulo Desembargadora, a senhora deixa eu falar,
Desembargadora, por favor?
Desembargadora: Se o senhor falar do nosso processo, se
senhor falar do mundo a fora não!
As discrepâncias, lamentavelmente, não param por aí.
Recentemente, quando da realização da derradeira audiência
perante o TEM, ao ser interrogado, o Reclamante foi indagado
acerca de inúmeros fatos que não são objeto do processo, ex vi:
Dep. Alexandre Freitas: “O Sr. disse que na busca e apreensão
(na ação penal) foram encontradas apenas bijuterias. O Sr.
conhece a joalheria Lion Jóias, no Rio Sul?
(...)
Dep. Alexandre Freitas: Porque que a Leão XIII ficava à cargo
do Vice-Governador?
(...)
Des.Maria da Glória15: “Qual foi o período que o Sr.,
Governador, foi sócio do Sr. Lucas Tristão, antes da eleição?”
(...)
Definitivamente não há margem para contorcionismos
processuais. A delimitação e escopo da acusação através do
competente libelo acusatório representa, a mais não poder,
verdadeira imperatividade formal que se desdobra em filtro
garantidor dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido
processo legal, tão caros e necessários, sobretudo no presente
caso.
IV – PEDIDOS
A manifesta ilegalidade que se abate nos presentes autos está
a reclamar, indubitavelmente, a concessão de medida liminar,
inaudita altera pars, de sorte a ser sobrestado o processo nº
2020-0667131, em curso perante o Tribunal Especial Misto do
Estado do Rio de Janeiro, até o provimento final na presente
Reclamação.
O fumus boni iuris é denso, consistente, e decorre do próprio
vazio jurídico em que incorrera a não observância da
apresentação do indispensável libelo acusatório,
invariavelmente necessário à delimitação do objeto da
acusação, e, por conseguinte, ao estrito e escorreito julgamento
de impeachment, tudo em homenagem aos princípios do
contraditório, ampla defesa e devido processo legal; nos moldes
das reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal.
O periculum in mora é igualmente gritante: a marcha processual
encontra-se contínua, sendo instruída por processo viciado na
origem, tudo a indicar, afronta a matéria sedimentada por esta e.
Corte. Ao fio do exposto, requer o Reclamante, ante a não
apresentação do indispensável libelo acusatório, e pautado,
sobretudo, na sensibilidade, descortino e senso de justiça de
Vossa Excelência, a concessão da tutela de emergência em
caráter liminar, a fim de que sejam sobrestados todos os atos
ulteriores à propositura da presente Reclamação nos autos do
processo nº 2020-0667131, em curso perante o Tribunal
Especial Misto do Estado do Rio de Janeiro.

306
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

No mérito, requer-se seja determinado ao Tribunal Especial


Misto do Rio de Janeiro observância aos arts. 24 e 58 da Lei
1.079/90, com o necessário oferecimento de libelo acusatório e,
consequentemente, o retorno e anulação de todos os atos desde
aquele momento processual, em alinho com o entendimento
assentado através da Súmula Vinculante 46; Rcl-MC 42.861/SC;
Rcl-MC 42.627/SC; ADI 1.628/SC, ADI-MC 1.890/MA, ADI
4.791/PR, ADI 5.895/RR e ADPF 378 desta e. Corte
Constitucional.
(...)

Em face da Reclamação ora citada, o Exmo. Senhor Ministro Alexandre de


Moraes proferiu a seguinte decisão:

XXXVI – DA PETIÇÃO DA DEFESA SOBRE DILAÇÃO DE PRAZO PARA


APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS

Diante da decisão pela improcedência da Reclamação Constitucional n°


46.835-RJ, ajuizada pela defesa do Réu no Supremo Tribunal Federal, a Defesa
peticionou ao Presidente do Tribunal Especial Misto, requerendo a dilação do prazo
para apresentação das Alegações Finais, pretextando, para tanto, a alta complexidade
do caso, bem como a quantidade excessiva de depoimentos a serem analisados,
razão pela qual requereu prazo adicional de 05 (cinco) dias.

Após análise do pedido pelo Desembargador Henrique Carlos de Andrade


Figueira, presidente do Tribunal Especial Misto, foi proferida a seguinte decisão:

“Juntem-se os documentos encaminhados através do Ofício nº


000877/2021-CESP pelo Ministro Benedito Gonçalves do
Superior Tribunal de Justiça, consistente em anexos da
colaboração premiada de Edmar Santos que não contemplam
diretamente o nome do denunciado.
No dia 12.03.2021, a Defesa do denunciado teve integral
acesso a esses documentos na Ação Penal que tramita no STJ,
conforme certidões de fls. 1830 e 1834 da Petição nº
13.505/DF.
Assim, não se está diante de informações desconhecidas da
Defesa, mas pelo contrário, a instrução probatória foi encerrada
sem prejuízo ao denunciado, na medida em que tinha amplo
conhecimento de todos os documentos que pudessem
ser usados em seu benefício.
Considerando que a Defesa requer dilação do prazo para
apresentação de alegações finais sob a justificativa da
complexidade da causa, conforme petição ora anexada, e
visando evitar qualquer arguição de nulidade, DEFIRO a
prorrogação até o dia 27/04/2021.

307
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Designo sessão de julgamento para o dia 30/04/2021 às 09:00


horas.
Dê-se ciência às partes.
Intimem-se.”

XXXVII – DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL N° 47.040-RJ, COM VISTAS À


REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA COM NOVA OITIVA DA
TESTEMUNHA EDMAR SANTOS E REINTERROGATÓRIO DO RÉU

Em 26 de abril do corrente, o Réu ajuizou a Reclamação Constitucional n°


47.040-RJ, no Supremo Tribunal Federal, objetivando a reabertura da instrução
probatória, com nova oitiva do Sr. Edmar Santos e novo interrogatório do Sr. Wilson
Witzel, nos seguintes termos:

“I – CABIMENTO DA PRESENTE RECLAMAÇÃO:


GARANTIA DE OBSERVÂNCIA AO ENTENDIMENTO
ADOTADO NA ADPF 378.
A Reclamação, como se sabe, é cabível diante de atos do Poder
Público e tem por escopo a preservação da competência dos
Tribunais e a garantia da autoridade de suas decisões.
No caso tela, a Reclamação tem por objetivo garantir a
observância de decisão do plenário deste Pretório Excelso, a
qual, conforme será demonstrado a seguir, foi claramente
vulnerada.
Dito isso, consoante asseverou o em. Min. Luís Roberto Barroso,
em voto específico acerca da matéria:
“A reclamação dirigida a esta Corte é cabível quando se tratar (i)
de usurpação de sua competência, (ii) ofensa à autoridade de
suas decisões ou (iii) violação a decisão dotada de efeito
vinculante (arts. 102, I, l, e 103, § 3º, da Constituição). Nessa
última hipótese, o Supremo Tribunal Federal entende que há
necessidade de aderência estrita entre o ato impugnado e o
paradigma supostamente violado.”
Nesta toada, deve-se observar que a presente Reclamação, tem
por objeto a manutenção de decisão proferida por este Supremo
Tribunal Federal e que, equivocadamente, não foi observada
pelo Tribunal Especial Misto do Rio de Janeiro, na medida em
que foram adunados ao processo originário termos de
colaboração premiada após o término da instrução; já
quando em curso o prazo para alegações finais da defesa.
Em outros termos, é dizer que, o Presidente do TEM, após ofício
originalmente enviado pelo STJ, especificamente o em. Ministro
Benedito Gonçalves, juntou 28 anexos de referentes à
colaboração premiada da principal testemunha do processo (ex
Secretário de Saúde, Edmar Santos) já quando encerrada a
instrução probatória, em flagrante desalinho do quanto
assentado no julgamento da ADPF 378-MC:
“O INTERROGATÓRIO DEVE SER O ATO FINAL DA
INSTRUÇÃO PROBATÓRIA (ITEM F DO PEDIDO CAUTELAR):
O interrogatório do acusado, instrumento de autodefesa que
densifica as garantias do contraditório e da ampla defesa, deve
308
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

ser o último ato de instrução do processo de impeachment.


Aplicação analógica da interpretação conferida pelo Supremo
Tribunal Federal ao rito das ações penais originárias.
Precedente: AP 528-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
Plenário. Procedência do pedido.”
(STF, ADPF 378 MC / DF; Tribunal Pleno, Rel.Min. Luis Roberto
Barroso, Dj em 08/03/06)
Irretorquível, pois, que a presente Reclamação se mostra de
todo consentânea com o regramento anteriormente delineado,
porquanto visa restabelecer, com lastro nos arts. 102, I, ‘l’, e 103-
A, §3°, da CF, e art. 988, II e III, do CPC, a autoridade da decisão
proferida por este sodalício na ADPF 378.
II – ANAMNESE NECESSÁRIA
Em 27.05.2020, o Exmo. Deputado Estadual do Rio de Janeiro
Luiz Paulo Correa da Rocha, bem como a Exma. Deputada
Estadual do Rio de Janeiro, Lucia Helena Pinto de Barros
ofertaram, com arrimo nos artigos 75 e 76 da Lei nº 1.079/1950,
denúncia em desfavor do ora Reclamante, no bojo dos
Processos Administrativos nº 5360/2020 e 5328/2020 (doc. 01).
À mingua, porém, dos requisitos taxativos do artigo 76 do
supracitado diploma; o qual estabelece como imperativo para a
apresentação de denúncia contra titular de cargo do Poder
Executivo Estadual documentos que comprovem os fatos
narrados e o respectivos rol de testemunhas; o Exmo.
Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro (ALERJ), após submetê-la à apreciação do colegiado
daquela Casa, entendeu por receber a frágil inicial acusatória e
prosseguir com o famigerado processo, em 10.06.2020 (doc.
02).
Ato contínuo, ainda em 10.06.2020, após o recebimento da
denúncia, foi instaurada a Comissão Especial através do
ATO/E/GP/Nº 42/2020. Cumpre revelar, por oportuno, que
Exmo. Deputado Estadual Luiz Paulo, um dos subscritores da
acusação, admitiu que deixara de instruir a referida peça
inaugural com documentos indispensáveis a corroborar os
alegados fatos; uma das tantas irregularidades que permeiam o
processo de impeachment do Reclamante.
Ainda em sede estritamente política perante a ALERJ, após
apresentada a defesa pelo Reclamante (doc.03), o Relator,
Deputado Rodrigo Bacellar, elaborou parecer no qual concluiu,
em face das denúncias originárias, pela existência de indícios de
irregularidades relacionadas a dois fatos específicos: i)
contratação da Organização Social de Saúde — OSS
denominada "IABAS" (Instituto de Atenção Básica e Avançada à
Saúde) para a construção de hospitais de campanha e ii) a
revogação da desqualificação da Organização Social de Saúde
— OSS denominada Instituto Unir Saúde.
Com efeito, na sessão ordinária ocorrida em 23.09.2020,
deliberou-se pela abertura do processo de impeachment em
desfavor do Reclamante, cuja competência para processar e
julgar, inequivocamente é do Tribunal Especial Misto.
Nessa perspectiva, o presidente do TEM à época,
Desembargador Cláudio de Mello Tavares, elaborou o roteiro de
julgamento do aludido Tribunal (doc. 4) e foi convocada sessão
inaugural na qual foi deliberado acerca da sugestão de referido
script.

309
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Com efeito, na sessão ordinária ocorrida em 23.09.2020,


deliberou-se pela abertura do processo de impeachment em
desfavor do Reclamante, cuja competência para processar e
julgar, inequivocamente é do Tribunal Especial Misto.
Nessa perspectiva, o presidente do TEM à época,
Desembargador Cláudio de Mello Tavares, elaborou o roteiro de
julgamento do aludido Tribunal (doc. 4) e foi convocada sessão
inaugural na qual foi deliberado acerca da sugestão de referido
script.
Pois bem.
Passada esta fase, transcorreram todas as etapas processuais
com vistas à elucidação do caso em testilha. Hodiernamente, o
feito se encontra com o prazo em aberto para a
apresentação de Alegações Finais da defesa (doc.05),
sendo certo que o termo final, após dilação de prazo
deferido pelo em. Des. Presidente do TEM quando da
juntada dos anexos em espeque, será terça feira próxima,
dia 27 (doc.06).
Sucede que, conforme dito alhures, o em. Des. Presidente,
acostou aos autos 28 (vinte e oito) anexos de colaboração
premiada do ex Secretario de Saúde Edmar Santos, após
findada a instrução processual, em flagrante disparidade do
quanto assentado quando do julgamento da ADPF 378-MC, que
assim dispõe:
“ O INTERROGATÓRIO DEVE SER O ATO FINAL DA
INSTRUÇÃO PROBATÓRIA (ITEM “F”): O interrogatório do
acusado, instrumento de autodefesa que densifica as
garantias do contraditório e da ampla defesa, deve ser o
último ato de instrução do processo de impeachment.
Aplicação analógica da interpretação conferida pelo Supremo
Tribunal Federal ao rito das ações penais originárias.
Precedente:AP 528-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
Plenário. (...) IV.9. O INTERROGATÓRIO DEVESER O ATO
FINAL DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA(CAUTELAR “F” DA
INICIAL) 97. O rito procedimental do processo e julgamento,
elaborado pelo próprio STF, em seus itens 10 e 11, deixa claro
que, tão logo formalmente instaurado no Senado Federal o
processo de impeachment, deve ser realizado o interrogatório do
Presidente da República. A deliberação administrativa, no ponto
específico, levou em consideração o fato de que, à época
(08.10.1992), o Código de Processo Penal estabelecia o
interrogatório do acusado logo no início da instrução (em
seguida à citação). 98. Contudo, não há como negar que o
Código de Processo Penal sofreu expressiva alteração nessa
matéria, tendo em vista que a Lei n.11.719/2008 modificou o art.
400 do Código de Processo Penal, transformando o
interrogatório do acusado em ato final da instrução. Sendo certo,
ainda, que o Plenário do STF, por entender que a referida
alteração legislativa propicia maior eficácia à defesa, passou a
considerar que a nova sistemática deve ser aplicada
subsidiariamente às ações penais originárias em tramitação
nesta Corte, em que pese o art. 7º da Lei n.8.038/90. Refiro-me
à AP 528-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. 99. Nessas
condições, penso que idêntica solução deve ser adotada para o
processo de impedimento. O interrogatório do acusado,
instrumento de autodefesa que densifica as garantias do
contraditório e da ampla defesa, deve ser o último ato de

310
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

instrução do processo. Diante do exposto, dou interpretação


conforme aos arts. 28 e 29 da Lei n.1.079/1950 para que o
interrogatório do acusado (item 11 da deliberação administrativa
do STF) se realize após o término da instrução probatória (item
12 da Impresso por: 099.654.547-60 Rcl 45366 Em: 22/04/2021
- 01:25:0320 deliberação administrativa do STF).”
(STF, ADPF 378-MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Min.
Luís Roberto Barroso, dj em 08/03/16) (grifou-se)
No caso em tela, como afiançado, esta imperatividade não
restou observada.
Decorrência disto, não há outra alternativa senão se socorrer a
este e. Tribunal, ante o dantesco cenário que se instalou no
processo de impeachment do Governador do Estado do Rio de
Janeiro, rogando, desde já, por pontual e enérgica intervenção
por parte de Vossa Excelência.
III – DESRESPEITO À AUTORIDADE DE DECISÃO
PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
ADPF 378; INTERROGATÓRIO DO RÉU COMO ÚLTIMO ATO
DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA; INOBSERVÂNCIA;
INSOFISMÁVEL AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO
CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO
LEGAL (ART. 5º, LV DA CF).
É cediço que a decisão proferida na ADPF 378-MC, homenageia
de forma ampla os princípios do contraditório, ampla defesa e
devido processo legal como uma das formas mais genuínas na
busca de um escorreito e isonômico julgamento.
Não por acaso, no bojo da RcL 45366/MC-RJ, que versa sobre
outros aspectos relativos ao impeachment do ora Reclamante,
Vossa Excelência assim assentou:
“A amplitude do interrogatório como meio de defesa engloba não
só o “direito ao silêncio”, mas também o “direito de falar no
momento adequado”, sob a ótica da possibilidade do
acusado manifestar-se após o término da produção
probatória e de integral juntada de todas as provas com
potencial lesivo à sua defesa”
In casu, todavia, a juntada extemporânea de anexos da
colaboração premiada do delator Edmar Santos, vulnerou de
forma aviltante o entendimento sufragado não apenas na Ação
Direta de Preceito Fundamental 378, mas sim, o núcleo
essencial do direito à ampla defesa e ao contraditório,
insculpidos pelo art.5ª, LV da Constituição Federal.
Pois bem.
Em 23.12.2020, a defesa técnica do Governador Wilson Witzel,
ajuizou Reclamação Constitucional, com fito de alcançar a tutela
jurisdicional no que concerne à inobservância da Súmula
Vinculante nº 14, bem como da própria ADPF 378.
À oportunidade, consignou-se que:
“O desvio procedimental, como já exposto, consiste em que, na
decisão reclamada, o e. Presidente do Tribunal Especial Misto
designou, para o dia 28.12.2020, segunda-feira, audiência para
interrogatório do reclamante. Mas isso sem que já estivesse,
como, de fato, ainda não está, finalizada a instrução probatória
(doc. 3). 12. Desrespeitou-se, com isso, o parâmetro fixado por
essa e. Corte no julgamento da ADPF 378-MC/DF, que assentou
a diretriz vinculante de que o interrogatório, por se tratar de
“instrumento de autodefesa que densifica as garantias do
contraditório e da ampla defesa, deve ser o último ato de

311
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

instrução do processo de impeachment” (grifou-se).


Desrespeitou, ao mesmo tempo, a Súmula Vinculante nº 14,
porque além de a delação premiada do Sr. Edmar Santos não
constar dos autos (prova já documentada em procedimento
investigatório), consequentemente o reclamante não poderá
ouvi-lo com toda liberdade”
Noutros termos, o Excelentíssimo Presidente do TEM à época
havia designado o interrogatório do Reclamante sem que fosse
possível interrogar o delator Edmar Santos, por decisão da lavra
do em. Min. Benedito Gonçalves, além da falta de acesso aos
anexos do seu termo de colaboração premiada na integralidade.
Diante dos fatos, este em. Relator entendeu por deferir o pedido
deduzido. A decisão restou vazada nos seguintes termos:
“Diante de todo o exposto, nos termos do artigo 989, II do Código
de Processo Civil e artigos 21, §1º e 161, parágrafo único, do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, DEFIRO A
MEDIDA CAUTELAR PARA SUSPENDER A REALIZAÇÃO DO
INTERROGATÓRIO DE WILSON JOSÉ WITZEL nos autos do
processo de impeachment 2020- 066713, em sessão de
instrução designada pelo Tribunal Especial Misto para o dia
28.12.2020 e DETERMINO que o interrogatório somente poderá
ser realizado após a defesa ter acesso a todos os documentos
remetidos pelo Superior Tribunal de Justiça, com prazo mínimo
de 5 (cinco) dias entre o acesso integral e o ato processual, bem
como após a complementação da oitiva da testemunha Edmar
José Alves dos Santos, quando não mais incidirem as restrições
decorrente da delação negociada nos autos da Ação Penal
976/DF (Inquérito 1338/DF), nos termos do art. 7º, § 3º da Lei
12.820/2013”
Ao tomar conhecimento da supracitada decisão, o em. Des.
Presidente do TEM determinou a expedição de ofício ao Min.
Benedito Gonçalves, relator da Ação Penal nº 976/DF, cujo
conteúdo carregou o seguinte teor:
“(...) o encaminhamento dos depoimentos prestados pelo Sr.
Edmar Santos, indagando, ainda, a respeito da conveniência da
publicização, tendo em vista a necessidade de indexá-lo aos
autos respectivos para prosseguimento da regular marcha
processual e disponibilização às partes interessadas junto ao
processo SEI respectivo, em observância do Devido Processo
Legal, ante o que restou decido na MC na Reclamação
45.366/RJ, no Supremo Tribunal Federal”
Entretanto, na ocasião, não foi encaminhada a totalidade dos
anexos da delação premiada. Ou seja, ao determinar o
compartilhamento, o em. Ministro o fez, novamente, de forma
parcial deixando de incluir os anexos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 12, 13, 15,
16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 32, 33, 34, 35 e 36.
Com efeito, a mesma defesa técnica peticionou ao TEM com o
desiderato de esclarecer que, antes de ser ultimado o
interrogatório do Reclamante, se fazia necessário o acesso
integral a todos os anexos da colaboração premiada
protagonizada pelo ex-secretário de saúde, Edmar Santos, nos
termos da decisão exarada por este respeitável Relator4
O Presidente do TEM, todavia, ao interpretar decisão proferida
naquela Reclamação, entendeu que já estavam disponibilizadas
todas as provas imprescindíveis ao amplo e escorreito exercício
do contraditório.

312
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Irresignado, o Excelentíssimo Governador peticionou nos autos


daquela mesma Reclamação informando o descumprimento da
decisão prolatada por este em. Ministro, notadamente pela
ausência dos anexos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 12, 13, 15, 16, 17, 19, 20,
21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 32, 33, 34, 35 e 36 do termo de
colaboração premiada5.
Ato contínuo, ao analisar a petição, Vossa Excelência entendeu
por não acolher os argumentos suscitados6:
“A garantia do exercício da ampla defesa somente alcança o
acesso a provas que digam respeito à pessoa do investigado ou
aos fatos diretamente a ele imputados, não autorizando o acesso
a documentos sigilosos que tenham por objeto fatos e
imputações dirigidas a terceiros e que não estão sendo
utilizados pela acusação no Tribunal Especial Misto, sob
pena de se romper, indevidamente, o sigilo legalmente
estabelecido para casos de delação negociada (art. 5º, I, Lei
12.850/2013)”
Assim, prosseguiu-se com a instrução, levando a cabo a oitiva
do delator, mesmo ausentes partes essenciais da sua
colaboração, culminando com o interrogatório do ora
Reclamante, o que deveria ser o último ato instrutório.
Todavia, em 20.04.2021, após encerrada a instrução, esta
defesa técnica foi surpreendida com a juntada, ex ofício, de 28
anexos de delação negociada do ex-Secretário, Edmar Santos,
cujo acesso havia se requerido antes da sua oitiva, com fito,
obviamente, de se oportunizar o devido contraditório7.
A referida juntada ocorreu por conta de ofício8 da lavra do em.
Ministro Benedito Gonçalves, que assim assinalou na sua
decisão:
“Ante o exposto, consolidando as decisões anteriores sobre a
situação jurídico-processual de WILSON JOSÉ WITZEL, já com
denúncia recebida, e à luz do art. 7º, §§ 2º e 3º, da Lei n.
12.850/2013, CONCEDO A WILSON JOSÉ WITZEL ACESSO
AOS ANEXOS 01, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14,
15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 28, 29, 30, 31, 32, 33 e 34. Na
forma do despacho de fls. 1795-1796, com pequena alteração
decorrente desta decisão em relação aos trechos que devem ser
suprimidos da mídia audiovisual da audiência, GARANTA SE-
LHE ACESSO ao instrumento do acordo de colaboração
premiada (fls. 01-23), à ata de audiência (fls. 645-646), à mídia
audiovisual referente à audiência (fl. 647) – à exceção dos
seguintes trechos: minuto 11:26 até 11:36 (anexo 02), minuto
16:10 até minuto 17:31 (anexos 23 a 27), minuto 19:38 até
minuto 20:27 (anexos 35 a 36) – e à decisão de homologação
(fls. 670-674).”
O Presidente do TEM, por sua vez, quando da juntada destes
anexos consignou:9
“Juntem-se os documentos encaminhados através do Ofício nº
000877/2021-CESP pelo Ministro Benedito Gonçalves do
Superior Tribunal de Justiça, consistente em anexos da
colaboração premiada de Edmar Santos que não contemplam
diretamente o nome do denunciado.
No dia 12.03.2021, a Defesa do denunciado teve integral acesso
a esses documentos na Ação Penal que tramita no STJ,
conforme certidões de fls. 1830 e 1834 da Petição nº 13.505/DF.
Assim, não se está diante de informações desconhecidas da
Defesa, mas pelo contrário, a instrução probatória foi encerrada

313
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

sem prejuízo ao denunciado, na medida em que tinha amplo


conhecimento de todos os documentos que pudessem ser
usados em seu benefício.”
Considerando que a Defesa requer dilação do prazo para
apresentação de alegações finais sob a justificativa da
complexidade da causa, conforme petição ora anexada, e
visando evitar qualquer arguição de nulidade, DEFIRO a
prorrogação até o dia 27/04/2021.
Designo sessão de julgamento para o dia 30/04/2021 às 09:00
horas.
Dê-se ciência às partes.
Intimem-se.
Causa espécie que a decisão proferida pelo em. Min. Benedito
Gonçalves10 de liberação de acesso aos anexos da delação
premiada até então não juntados, tenha ocorrido em 08.03.2021,
e a defesa, por seu turno, tenha peticionado nos autos da
Reclamação 45.366/RJ em 26.03.2021, justamente requerendo
fossem juntados estes mesmos anexos adunados somente
agora, dia 21.04.2021, após encerrada a instrução
processual. Quais sejam eles: 1, 2, 5, 6, 7, 8, 12, 13, 15, 16, 17,
19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 32, 33, 34, 35 e 36.
Ora, a defesa técnica se insurgiu contra a decisão de falta de
acesso aos anexos da colaboração em época oportuna, durante
a realização da instrução probatória, antes do interrogatório do
Reclamante, para que fosse garantido o contraditório e ampla
defesa, inclusive mediante pedido expresso aduzido no bojo da
RcL 45.366/RJ e que, somente agora, finda a instrução, foram
juntados aos autos.
Patente, destarte, que se esta diante de manifesto ultraje aos
princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e
devido processo legal, nos termos consubstanciados na ADPF
378-MC
E nem se argumente que a defesa já tinha acesso a esses
elementos através da Ação Penal 976/DF e que estes não dizem
respeito ao Governador Wilson Witzel.
Urge esclarecer, em primeiro plano, que não se discute o acesso
ou não a provas em processo alheio, mas sim, em juntada
extemporânea de meios de prova que não passaram pelo pálio
do contraditório e ampla defesa, com nítido condão de influenciar
a decisão dos julgadores do TEM, exsurgindo contaminação
subjetiva que viola o devido processo legal e a imparcialidade
exigidas em um julgamento justo.
Tais elementos de prova, acostados de forma irregular aos
autos, terminam por acarretar evidente contaminação subjetiva
dos julgadores, o que se desdobra, como dito, em um julgamento
invariavelmente comprometido.
Há, inclusive, colisão frontal ao julgamento proferido por Vossa
Excelência e à própria coisa julgada do STJ, uma vez que já
houve a delimitação expressa dos anexos a serem
compartilhados em momento anterior, limitando, por
conseguinte, a cognição em sede da instrução probatória
adstrita a estes.
Ademais, os novos anexos insertos no processo originário,
mesmo que não fizessem menção expressa ao Governador,
seriam imprescindíveis à estratégia e ao concatenamento da
linha defensiva. Não por acaso, o próprio Ministro Benedito

314
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Gonçalves, ao liberar o acesso a estes anexos, reconheceu


expressamente a relevância desta premissa, é de se ver11:
“Os anexos 01, 05, 06, 07, 08, 12, 13, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22,
32, 33 e 34, mesmo que não contemplem diretamente o nome
de WILSON JOSÉ WITZEL, fazem parte do espectro mais
amplo de atribuição de responsabilidade criminal a ele,
tendo em vista as denúncias já apresentadas pelo MPF. Por
outro lado, esses anexos não fundamentam nenhuma diligência
investigativa em curso, cuja concessão de acesso ao
denunciado possa torná-la parcial ou totalmente ineficaz.”
Na contramão, porém, do quanto sustentado pelo nobre Des.
Presidente do TEM, os novos anexos, em verdade, trazem
menções expressas ao Governador.
Assim, vez que liberados e disponibilizados de forma irrestrita a
todos os membros julgadores, necessariamente deveriam, ao
menos, ser submetidos ao pálio do contraditório e da ampla
defesa.
Não se trata apenas de mera prova documental, passível de
juntada a qualquer tempo, mas sim de elemento probatório
carregado de conteúdo eminentemente subjetivo, imprestável e
ilícito se não submetido ao contraditório.
A título exemplificativo, veja-se o excerto do anexo 1712
acostado aos autos de origem no dia do 20.04.2021:
“Que em março ou abril de 2020, em reunião na sede do PSC,
presentes o colaborador, o Pastor Everaldo e Felipe Pereira,
filho de Everaldo e assessor do Governador Witzel”
Gize-se, outrossim, que a testemunha Edmar Santos foi arrolada
exclusivamente pela defesa, não cabendo desta forma, juntada,
de ofício e extemporâneo, do seu acordo de colaboração
relacionado a este próprio arrolamento, em nítido prejuízo para
o Reclamante.
Ademais, fato é que, em um processo atento às garantias
constitucionais, o denunciado se defende com base nas provas
que estão carreadas àquele feito especificamente, sendo
vedado, deste modo, a inserção incidente de elementos
estranhos à marcha processual.
Seja como for, o ato de juntada dos anexos de delação
premiada, sem que se oportunize o contraditório e mais, sem
qualquer amparo legal, representa, a mais não poder,
inafastável contaminação subjetiva dos julgadores, burla ao
devido processo legal, ofensa ao contraditório e afronta direta ao
entendimento consolidado através da ADPF 378.
IV – PEDIDOS
A ilegalidade aduzida é patente, aferível de plano, de modo a
ensejar a concessão de medida liminar, inaudita altera pars,
a fim de que seja sobrestado o processo nº 20200667131, em
curso perante o Tribunal Especial Misto do Estado do Rio de
Janeiro, até o provimento final na presente Reclamação.
O fumus boni iuris é denso, consistente, e decorre da ofensa
direta ao entendimento adotado pelo plenário desta e.Corte
quando julgamento da ADPF 378-MC , especificamente no que
tange ao interrogatório do acusado como último ato no processo
de impedimento, em observância aos princípios do contraditório
e da ampla defesa (art.5º, LV da CF).
Como mencionado ao longo desta inicial, a defesa foi
surpreendida, já quando em curso o prazo para apresentação
das alegações finais, com a juntada de vinte e oito (28) anexos

315
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

do termo de colaboração premiada do Sr. Edmar Santos, ex-


Secretário de saúde do Estado do Rio de Janeiro, após ser
ouvido como testemunha no processo, sem que fossem
submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa; apesar
de ter sido anteriormente requerido pela defesa do Reclamante.
O periculum in mora é igualmente claro, posto que está em curso
o prazo para a apresentação das alegações finais defensivas e
já há designação da sessão de julgamento final para o próximo
dia 30, em exatos 4 dias.
Ao fio do exposto, requer o Reclamante, pautado, sobretudo, na
sensibilidade, descortino e senso de justiça de Vossa
Excelência, a CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA EM
CARÁTER LIMINAR, INAUDITA ALTERA PARS, a fim de que
seja sobrestado o processo nº 20200667131, em curso perante
o Tribunal Especial Misto do Estado do Rio de Janeiro, até o
julgamento do mérito da presente Reclamação.
No MÉRITO, requer-se seja determinado ao Tribunal Especial
Misto do Rio de Janeiro, em observância ao decidido na ADPF
378-MC, a reabertura da instrução probatória com nova oitiva do
Sr. Edmar Santos e reinterrogatório do ora Reclamante; ainda
que seja o mérito apreciado monocraticamente nos moldes do
art. 161, § único do Regimento Interno deste Supremo Tribunal
Federal.”

Sobre a matéria acima transcrita, manifestou-se o Ministro Alexandre de


Moraes, do Supremo Tribunal Federal:

"(...) Notifique-se, com urgência, o Presidente do Tribunal


Especial Misto do Estado do Rio de Janeiro, para que preste
informações no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Publique-se."

Após pronta resposta enviada pelo Presidente do Tribunal Especial Misto, o


insigne Ministro Alexandre de Moraes proferiu a seguinte decisão:

"(...) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido,


determinando o desentranhamento dos NOVOS Anexos
acostados aos autos (...) após o término da instrução probatória,
por ofício encaminhado pelo Superior Tribunal de Justiça. (...)”

Em suma, o Relator da matéria no STF decidiu pela invalidação dos novos


anexos, deferindo parcialmente o pedido do Réu, sem, contudo, determinar a
retomada da fase instrutória do processo nem impedir o julgamento do feito, marcado
para 30 de abril de 2021.

316
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

XXXVIII - DAS ALEGAÇÕES FINAIS DA DEFESA

Diante da apresentação das Alegações Finais pela Acusação (Id. 1975947), foi
proferido despacho do Presidente do Tribunal Especial Misto (Id. 1978568), em 09 de
abril de 2021, determinando a intimação do Réu para apresentar suas Alegações
Finais.

No dia 27 de abril do corrente, após ter obtido dilação de prazo, conforme já


relatado, a Defesa apresentou suas Alegações Finais (Id 2067588), iniciadas por três
preliminares, e, posteriormente, enviou memoriais aos membros do Tribunal Especial
Misto, destacando os principais aspectos do feito e as razões fáticas e jurídicas pelas
quais requer a absolvição do Réu. Valho-me, pois, da citação dos referidos Memoriais
da Defesa para restituir as preliminares e seus principais argumentos defensivos

“(...) O defendente foi alvo de denúncia subscrita pelos em.


Deputados Luiz Paulo Correa da Rocha e Lucia Helena Pinto de
Barros, pela suposta prática dos crimes de responsabilidade
insculpidos nos arts, 4º e 9º da Lei 1.079/50. Sucede que, para
além da questão meritória, que impõe absolvição, fato é que o
presente processo se encontra viciado desde sua origem,
consoante se verá a seguir: Em primeiro lugar, é cabível
consignar, que a denúncia pese embora o brilho dos
subscritores, revela-se imprestável tanto formalmente, quando
materialmente, porquanto não aponta a descrição fidedigna das
supostas práticas delitivas perpetradas pelo defendente, se
limitando, assim, a remontar fatos da decisão prolatada pelo em.
Min. Benedito Gonçalves. Afora isto, o processo carece do
indispensável libelo acusatório, corolário delimitador do objeto
da acusação. Por isso, face à flagrante inépcia da denúncia e
ausência do libelo acusatório, o processo merece ser anulado
desde a sua origem, por ofensa direta aos princípios
constitucionais da ampla defesa, do contraditório (art.5º, LV da
CF) e do devido processo legal (art.5º LIV da CF). Por outro lado,
nota-se a evidente ofensa à Súmula Vinculante 14 do STF. Isto
porque, o Ex. Presidente do TEM, entendeu por designar o
interrogatório do defendente antes mesmo do seu acesso
integral à delação do Sr. Edmar Santos, elementos estes,
indispensáveis ao deslinde da controvérsia e ao pleno exercício
de sua defesa. Desta feita, merece, assim, anulação tanto da
oitiva do referido, quanto do interrogatório do defendente.
Imprescindível consignar ainda, o cerceamento de defesa pelo
indeferimento de prova pericial. A produção de prova pericial,
sobretudo nesse caso, se revela indispensável para descortinar
a verdade real envolta no cerne da denúncia, são elas: i) prova
pericial contábil para apurar a existência de eventual
irregularidade com relação aos pagamentos feitos à UNIR, bem
como aos pagamentos das obras e serviços de hospitais de
campanha pelo IABAS; ii) prova pericial de engenharia, para
comprovar que não houve superfaturamento, especificamente
317
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

na contratação emergencial do IABAS 3 pelo Governo do


Estado, para construção, montagem e estruturação de hospitais
de campanha diante da pandemia de COVID-19. Com efeito, em
homenagem aos princípios do contraditório e ampla defesa, (CF,
art. LIV e LV), bem como ao art. 79, caput, da Lei nº 1.079/50, e
art. 400, §1º, do Código de Processo Penal, o processo deverá
retornar àquela fase processual. LISURA DA DECISÃO DE
TEMPORÁRIO RECREDENCIAMENTO DA UNIR SAÚDE A
OSS UNIR, era responsável pela gestão de 09 (nove) Unidades
de Pronto Atendimento (UPAs) no Estado do Rio de Janeiro. A
sua contratação, no entanto, se deu há muitos lustros, antes
mesmo à gestão do Governador Wilson Witzel. O defendente
recebeu o Governo em situação calamitosa, mormente na área
da saúde. A gestão pretérita, perpetrou o caos no Estado, para
muito além da pasta da saúde, indubitavelmente uma das mais
afetadas. Em decorrência disso, um dos primeiros atos de
gestão do Governador Wilson Witzel, fora o de ordenar ao
Controlador Geral do Estado e ao Secretário de saúde imediata
auditoria em todas as unidades de saúde, o que resultou no
dramático relatório de nº 51/2019. A referida OSS UNIR,
celebrou com o Estado do Rio de Janeiro, ainda sob o governo
do então Governador Luiz Fernando Pezão, 07 (sete) contratos
de gestão, entre janeiro e dezembro de 2018, cujas cifras
pecuniárias, atingem o valor de R$ 172.514.848,00, dos quais
05 (cinco) foram aditados entre o fim do mandato antigo e o início
do atual governo. Ao decidir pela requalificação da OSS UNIR,
o Governador já estava ciente das inúmeras falhas existentes
nos mecanismos fiscalizatórios, os quais, não estariam
atendendo o seu objetivo primordial: garantir a eficiência da
prestação do serviço de saúde. Não por acaso, suas suspeitas
se concretizaram, vez que, não havia, no momento da decisão
ora objurgada, um conjunto de decisões apontando
descumprimentos contratuais pela OSS UNIR que justificasse a
adoção de medida tão drástica.4 O trabalho, dessarte,
descortinou a existência de algumas OSS em situação igual ou
até mesmo mais problemática, como são exemplos o Hospital
Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ), a Viva Rio (VIVA), a
Pró Saúde, a Cruz Vermelha e a Mahatma Gandhi, sobre as
quais, se pretendia debruçar como início da solução da questão
endêmica que vivia e ainda vive a saúde no Estado do Rio de
Janeiro. Imagine se o Governador fosse descredenciar todas?
Seria o caos no RJ. Impende demonstrar, outrossim, que a OSS
UNIR apesar de estar listada como potencial risco de dano ao
erário, ainda sim era muito inferior à várias OSS que até hoje
prestam serviço ao RJ. E pasme-se após a desqualificação da
UNIR, estas empresas assumiram os contratos. A intenção do
Governador, era a de alinhar, mediante à parametrização feita
pela Controladoria, de modo definitivo as mazelas da saúde no
Estado, mas para isso, era necessário cautela e estratégia. Não
é demais lembrar, que já tinham sido celebrados aditivos de
contrato da OSS UNIR, com a Secretaria de Saúde do Estado
do RJ. Ora, por mais que tivessem alguns processos contra a
UNIR em andamento, nenhum com trânsito em julgado
declarado, era razoável desqualificá-la? Decerto que não. Como
já amplamente aduzido, existiam OSS em situação muito pior.
Não se pode criminalizar um ato discricionário, legal e fincado
na razoabilidade, por presunções de ilegais benefícios a quem

318
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

quer que seja. É preciso provas. Aliás, o Governador ao


requalificar a OSS UNIR, não determinou que esta voltasse aos
contratos pretéritos. Ora, onde está o tal benefício a terceiros?
Inobstante a absoluta lisura e regularidade dos atos praticados,
insta asseverar, que, em razão dos fatos apurados no Processo
nº 5010476- 42.2020.4.02.5101, em curso perante o Juízo da
07ª Vara Criminal Federal, o defendente, de ofício, determinou a
revogação da requalificação do Instituto Unir Saúde. Isto porque,
naquele processo sobrevieram fatos contundentes em desfavor
da referida OSS, o que, usando da mesma lógica de
pensamento, ou seja, em atenção ao interesse público, como já
dito, se entendeu por tomar esta medida extrema.5 Razão disso,
não se afigura minimamente razoável, por assim dizer, que se
utilize de decisão legítima proferida nos autos de um processo
administrativo, - repise-se, invariavelmente ancorado em
premissas legais-, para justificar abertura de processo de
impeachment contra um Governador eleito por mais de 4.5
milhões de votos. Data máxima vênia, isso beira o absurdo. Para
além disso, os depoimentos já carreados na petição de
“Alegações Finais” defensiva, dão conta que o ato de
requalificação da empresa UNIR, nada mais foi do que uma
decisão fincada na técnica, razoabilidade e lisura. Acerca dos
pagamentos efetuados a UNIR após ser descredenciamento,
urge destacar, em primeiro plano, que o Governador não é
ordenador de despesa. Os pagamentos efetuados pelo Poder
Público não são simples transações. Elas decorrem de
minuciosos Processos Administrativos que tramitam entre as
diversas Subsecretarias Executivas dentro da Secretaria de
Saúde a fim de garantir que o dinheiro público esteja sendo bem
aplicado. De toda sorte, é imprescindível consignar, que o
pagamento, empenho e todas as burocracias para que seja
realmente efetivada a transferência de valores, transcendem ao
entendimento de particulares, sendo certo que a última pessoa
que pode ser responsabilizada por eventuais inconsistências é o
Governador. Todos os pormenores técnicos acerca dos
referidos pagamentos, foram exaustivamente explicados nas
“Alegações Finais” defensivas. INEXISTÊNCIA DE CRIME DE
RESPONSABILIDADE NA CONTRATAÇÃO DA IABAS Já de
lanço, merece especial atenção que; em relação
especificamente à contratação da IABAS para gerir os hospitais
de campanha durante a pandemia de COVID-19 e questões
correlatas; o GOVERNADOR NÃO FOI DENUNCIADO
PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA! Isto, per se,
já é suficiente para afastar qualquer alegação do cometimento
de crime de responsabilidade, posto que se nem mesmo o MPF
entendeu por denunciar o defendente por estes fatos, com
menos razão ainda estes deveriam dar causa ao processo de
impeachment. A bem da verdade, todos os depoimentos
colhidos ao longo da instrução demonstram à margem de
qualquer dúvida que não houve 6 participação do defendente na
contratação da IABAS, menos ainda que tenha “permitido” “a sua
contratação sem os cuidados legais necessários, contrariando o
interesse público”, com sustenta a acusação. Acerca deste
ponto, aliás, é de rigor se observar que ao final, sabedora da
inexistência de comprovação de ato doloso do defendente, a
acusação se arvorou no que seria uma tentativa de se imputar o
cometimento dos crimes em questão ao defendente pelo que

319
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

seria um ato de negligência (“permitiu”); o que seria modalidade


culposa. Entretanto, os crimes dos quais o defendente é
acusado não comportam modalidade culposa (negligência), mas
apenas dolosa. Inobstante, as provas documentais fulminam por
completo a pretensão acusatória, para além das provas
testemunhas que são uníssonas em apontar no sentido da
absolvição. Com efeito, é de se observar que não houve
qualquer ingerência por parte do defendente na celebração do
Contrato nº 027/2020 entre o Estado do Rio de Janeiro e o
IABAS. Neste ponto, impende salientar, nos termos
supramencionados que não cabe ao Governador fiscalizar
contratos e ordenar despesas. Em razão da grave crise
ocasionada pela COVID-19, o Governador, dentro das suas
atribuições constitucionais e legais, autorizou, em 24.3.2020, “a
celebração de contrato de gestão com entidade qualificada
como organização social de forma simplificada, cujos prazos
poderão ser reduzidos, mediante justificativa detalhada de sua
necessidade, observados os princípios contidos no caput do art.
37 da CRFB/88” (index 1284751). E assim o fez na forma do art.
5° do Decreto n° 46.991/2020 1 dentre outros atos que tinham
por objetivo combater a ameaça real e iminente representada
pelo Covid-19. Assim, nos termos do art. 4°-E da Lei n°
13.979/2020 e no art. 5° do Decreto n° 46.9917, o Sr. Gabriell
Neves pessoalmente se encarregou da contratação da OSS que
seria responsável pela construção e gestão dos hospitais de
campanha, em conluio com o então secretário Edmar Santos –
ora algoz da democracia 1 Art. 4° É dispensável a licitação para
aquisição ou contratação de bens, serviços, inclusive de
engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional de
que trata esta Lei; Art.4º-E. Nas aquisições ou contratações de
bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional de
que trata está Lei, será admitida a apresentação de termo de
referência simplificado ou de projeto básico simplificado.7 Para
tanto, em 3.4.2020, o Sr. Gabriell Neves autorizou a tramitação,
sem pesquisa de mercado, com fundamento no art. 4°, §2°, da
Lei n° 13.979/2020. No mesmo dia, junto ao Sr. Edmar Santos,
seu comparsa, foi assinado o referido contrato com o IABAS,
objeto da denúncia que deu origem a este processo. A atuação
espúria do Sr. Gabriell Neves nos fatos relacionado a IABAS,
aliás, mereceu especial destaque do MPF na Cautelar
Inominada Criminal 35 do STJ: “Existem fortes elementos que
demonstram que GABRIELL NEVES, ex- Subsecretário
Executivo de Saúde, responsável por iniciar o processo no SEI
080001/007073/2020 ¢ assinar o Termo de Referência e o
Contrato 027/2020, atuou ativamente para camuflar as
irregularidades e dificultar a fiscalização pelos órgãos de
controle.” (fl. 244 da cautelar inominada criminal) Ao término das
oitivas das testemunhas; em especial do Sr. Edmar Santos e do
ex-controlador geral do Estado, Sr. Hormindo Bicudo; restou
confirmado que a todo tempo Gabriell Neves agiu sozinho,
inclusive ocultando do SEI informações referentes à contratação
da IABAS. Ou seja, tudo feito às escondidas, buscando burlar os
órgãos de controle e fiscalização. Ademais, tão logo o
defendente teve ciências das irregularidades, como também
confirmado pelo delator Edmar Santos e pelo excontrolador

320
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

geral do Estado, Sr. Hormindo Bicudo, determinou o


afastamento e exoneração do então subsecretário de saúde,
Gabriell Neves. Neste ponto, aliás, a despeito dos crimes que
cometeu, Gabriell Neves afirmou que jamais tratou com o
Governador acerca dos hospitais de campanha! Pois bem. Além
de não ter participado sob qualquer ótica da contratação da
IABAS, tão logo tomou conhecimento de que havia indícios de
superfaturamento na referida contratação, o defendente editou o
Decreto n° 47.039, no dia 17.4.2020, para que a Controladoria
Geral do Estado - CGE passasse a fazer auditoria prévia em
todas as contratações emergenciais. 8 Não apenas, mas
verificados os atrasos na montagem dos hospitais, o defendente
decretou a imediata intervenção nos hospitais de campanha sob
a gestão da IABAS, através do Decreto 47.103/2020. Ora, como
então se falar em ato improbo? Em descompromisso com a
administração pública e com a saúde da população fluminense?
Impossível! Tudo quanto era possível se fazer e que estava
dentro da sua alçada, nas suas atribuições enquanto gestor, foi
feito pelo defendente! Não houve omissão alguma! É de suma
importância gizar, outrossim, que diante da pandemia, o
Presidente da República, Sr. Jair Messias Bolsonaro, chefe do
Poder Executivo Nacional, editou Lei n° 13.979/2020, que, por
meio de seu art. 4°, determinou que, “nas aquisições ou
contratações de bens, serviços e insumos necessários ao
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional de que trata esta Lei, será admitida a apresentação
de termo de referência simplificado ou de projeto básico
simplificado”. Portanto, o procedimento adotado em relação ao
IABAS, ocorreu em observância às diretivas nacionais e,
consequentemente, dentro da estrita legalidade. Para além da
lisura de tudo o quanto demonstrado até aqui, é de rigor observar
que jamais houve pagamento indevido e muito menos
superfaturamento na contratação da IABAS. Neste diapasão,
não houve nenhum repasse ao IABAS após a publicação do
Decreto n° 47.103/2020, referente ao Contrato n° 027/2020.
Todos os pagamentos ao IABAS ocorridos, após aquela data,
decorreram, exclusivamente, do Contrato de Gestão n°
003/2016, cujo objeto foi a gestão e a operacionalização dos
serviços de saúde no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes —
HEAPN, conforme informado pela Superintendência de
Orçamento e Finanças da Secretaria de Estado de Saúde, em
13.10.2020 (index 1284742). Menos ainda há que se falar em
superfaturamento, posto que se o Tribunal de Conta do Estado
do Rio de Janeiro não acenou neste sentido, não há elemento
fático-probatório capaz de lastrear tais suposições. Somadas às
provas documentais e ao contexto fático acima descrito, em
mesmo sentido, os depoimentos coligidos ao longo da instrução
são claros em demonstrar que o defendente não teve qualquer
ingerência na escolha da IABAS para montar e gerir os hospitais
de campanha. 9 Muito em contrário, apontam, a mais não poder,
que tais atos foram propositadamente mantidos alheios aos
mecanismos de controle do governo e mais ainda, ocultados do
Governador, justamente para evitar que interesses espúrios de
terceiros fossem concretizados. Ainda assim, tão logo teve
ciência das irregularidades relativas à contratação, de pronto,
adotou as medidas que se lhe seriam exigidas. Em verdade, os
responsáveis por tamanho desiderato foram Gabriell Neves,

321
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Edmar Santos e Edson Torres, estes sim diretamente


imbricados na contratação da IABAS e os verdadeiros algozes
da população, como já confessado pelos dois últimos. Diante
dos depoimentos colhidos, em cotejo com as provas
documentais arrecadadas, não restam dúvidas que o
defendente : i) não participou da escolha e contratação da
IABAS; ii) agiu de maneira proba e escorreita diante do cenário
de pandemia e tão logo tomou ciência das irregularidades na
contratação da IABAS, agiu de maneira imediata a impedir que
tal situação se perpetuasse; iii) tanto a escolha como os
procedimentos na celebração do contrato com a IABAS foram
atos criminosos praticados por Gabriell Neves, em coautoria
com Edmar Santos e Edson Torres; iv) assim que o defendente
tomou ciência da atuação espúria de Gabriell Neves, de pronto
determinou seu afastamento e exoneração. Destarte, não há
alternativa senão a absolvição do Governador dos crimes de
responsabilidade que lhe são imputados, irresponsavelmente
pela acusação. Assim, confiam os signatários, sobretudo pelas
razões expostas nas Alegações Finais, na absolvição do
defendente, para que lhe seja assegurado o direto ao
cumprimento do seu mandato de Governador do Estado do Rio
de Janeiro, para o qual fora eleito com mais de 4,5 Milhões de
votos. (...)”

Assim, considero sintetizados os principais fatos e etapas que constituem o


presente processo, desde o protocolo da denúncia na Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro, em 27 de maio de 2020, até a presente data.

É o Relatório.

VOTO

1. Preliminares

Em suas Alegações Finais, apresentadas no dia 27 de abril do corrente, a


Defesa arguiu preliminarmente: (a) a inépcia da Denúncia e a ausência do libelo
acusatório; (b) a ofensa à Súmula Vinculante n° 14, do Supremo Tribunal Federal, que
trata da imprescindibilidade de acesso a todas as provas relevantes ao deslinde do
processo; (c) o cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de produção de
provas periciais.

No caso concreto, busca a combativa Defesa o reconhecimento das citadas


preliminares arguidas, pedindo: a) no que tange à primeira preliminar, que “seja
anulado o processo desde sua origem”; b) no que tange à segunda preliminar, que

322
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“seja anulada a oitiva do ex-Secretário e delator, Edmar Santos, bem como o


interrogatório do Governador Wilson Witzel”; c) no que tange à terceira preliminar, que
seja declarada a “nulidade do feito desde o início da instrução”.

Primeira Preliminar

Com relação à primeira preliminar arguida, qual seja, a inépcia da Denúncia e


a ausência do libelo acusatório, o próprio legislador, ao editar a Lei Federal n° 1.079,
de 10 de abril de 1950, consagrou, em seu artigo 59, a apresentação do libelo como
uma “faculdade”, deixando cristalina a sua natureza discricionária. Vejamos:

“Art. 59. Decorridos esses prazos, com o libelo e a


contrariedade ou sem eles, serão os autos remetidos, em
original, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, ou ao seu
substituto legal, quando seja ele o denunciado, comunicando-se
lhe o dia designado para o julgamento e convidando-o para
presidir a sessão.” (grifos nossos)

Ademais, o rito procedimental aplicável ao processo de impeachment de


governadores está insculpido nos artigos 74 a 79 da aludida Lei nº 1.079/50. Nessa
sequência de dispositivos, porém, não se faz qualquer referência à obrigatoriedade
de apresentação do libelo acusatório. Logo, a ausência de disciplinamento legal sobre
a exigência de apresentação de libelo acusatório, no que tange ao processo de
impeachment de governadores, configurou-se como escolha do legislador.

É nessa exata perspectiva que se insere o entendimento adotado pelo


eminente Relator, Ministro Alexandre de Moraes, do egrégio Supremo Tribunal
Federal, quando proferiu sua r. Decisão, dirimindo os mesmíssimos questionamentos
da Defesa, nos autos da Reclamação Constitucional n° 46.835-RJ:

“(...) não havendo falar em lacuna a ser preenchida pela


aplicação subsidiária do rito procedimental referente ao
Presidente da República, motivo pelo qual sequer há falar
em indevida aplicação da Lei Federal pelo órgão julgador
reclamado”.

E prossegue o insigne Ministro, referindo-se ao caso concreto ora em apreço:

“Seja como for, ainda que houvesse a possibilidade de


apresentação de libelo acusatório ao procedimento

323
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

referente aos governadores, não há que se falar em prejuízo


no presente caso, a partir da perspectiva do exercício
concreto da ampla defesa, garantia constitucional aos
acusados de maneira geral.”

Por fim, importa acrescentar que o Réu, desde a apresentação de seu primeiro
instrumento de defesa a este Tribunal Especial Misto, antes da decisão sobre a
admissibilidade da Denúncia, buscou enfrentar o mérito da acusação em seus dois
eixos estruturantes. Naquela peça defensiva, sobre o primeiro eixo da acusação
relativo à requalificação da OSS Unir Saúde, assim se pronunciou a Defesa:

“Em outras palavras, a decisão proferida pelo governador


que visava (...) garantir à população regular acesso ao
serviço de saúde, em meio a uma pandemia nunca antes
vista/vivida no último século, só tomou relevância e ares de
irregularidade dada a suposta relação entre a Unir e o Sr.
Mário Peixoto(...).”

Naquele mesmo instrumento de defesa, sobre o segundo eixo da acusação


relativo à contratação da OSS IABAS, a Defesa se manifestou nos seguintes termos:

“Não obstante os fatos narrados na denúncia, não restou


comprovado, sob nenhuma perspectiva, de que forma o
governador poderia ter participado neste procedimento
administrativo, que resultou na celebração do contrato nº
027/2020 entre o estado do Rio de Janeiro e o IABAS.”

Como se constata, desde a primeira etapa de processamento do Réu, quando


ainda era apenas denunciado, a Defesa já demonstrava conhecer, com clareza, os
eixos da denúncia, a ponto de enfrentá-los, diretamente, no mérito.

Diante do exposto, rejeito a primeira preliminar (III.1) relativa à inépcia da


Denúncia e à ausência de libelo acusatório.

Segunda Preliminar

Com relação à segunda preliminar arguida, qual seja, ofensa à Súmula


Vinculante n° 14, do Supremo Tribunal Federal, que trata da imprescindibilidade de
acesso a todas as provas relevantes ao deslinde do processo, a Defesa se refere à
integralidade da colaboração premiada do Sr. Edmar José Alves dos Santos, que não
teria sido disponibilizada a tempo, pelo Superior Tribunal de Justiça, para a sessão de

324
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

oitiva da referida testemunha e de interrogatório do Réu. A propósito desse


questionamento, cabe destacar os seguintes aspectos. Em primeiro lugar, todos os
anexos da aludida colaboração premiada que se referem aos dois eixos estruturantes
da Acusação já estavam disponíveis às partes durante a fase instrutória. Em segundo
lugar, os anexos encaminhados pelo e. Ministro Benedito Gonçalves, do Superior
Tribunal de Justiça, ao Tribunal Especial Misto, após a conclusão da fase de instrução
do presente processo, além de não guardarem relação com os eixos da Acusação, já
tinham sido disponibilizados à Defesa, desde 12 de março do corrente, como afirma o
próprio Ministro, no Ofício n° 877/2021-CESP, datado de 13 de abril de 2021. Ora, a
sessão de oitiva do Sr. Edmar Santos e de interrogatório do Réu ocorreu no dia 07 de
abril de 2021, portanto, quase um mês depois que a Defesa teve acesso aos referidos
anexos.

Diante do exposto, rejeito a segunda preliminar (III.2) relativa à


imprescindibilidade de acesso a todas as provas relevantes ao deslinde do processo.

Terceira Preliminar

Por fim, com relação à terceira preliminar arguida, qual seja, cerceamento de
defesa pelo indeferimento do pedido de produção de prova pericial, não tem
procedência a sua arguição pelo Réu, tendo em vista que se trata de matéria
pacificada em nossos colendos Tribunais, que consideram ser de competência do
julgador, de ofício ou a requerimento das partes, determinar as provas necessárias à
instrução processual, bem como indeferir aquelas que, a seu juízo, encerram caráter
protelatório.

Sobre o tema, destacamos o voto do eminente Ministro Edson Fachin, do


Supremo Tribunal Federal, proferido nos autos do HC 131.158-RS, Primeira Turma,
DJe 26.4.2016:

“(...) não há direito absoluto à produção de prova. Em casos


complexos, há que confiar no prudente arbítrio do juiz da
causa, mais próximo dos fatos, quanto à avaliação da
pertinência e relevância das provas requeridas pelas
partes”.(grifos nossos)

325
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Na mesma linha, ensina o eminente jurista e Desembargador do egrégio


Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Guilherme de Souza Nucci4:

“Sobre a vinculação do juiz ao laudo pericial, é natural que,


pelo sistema do livre convencimento motivado ou da
persuasão racional adotado pelo Código, possa o
magistrado decidir matéria que lhe é apresentada de acordo
com sua convicção, analisando e avaliando a prova sem
nenhum freio ou método previamente imposto pela lei.

(...) Por tal motivo, preceitua o art. 182 do Código de


Processo Penal não estar o juiz adstrito ao laudo, podendo
acolher totalmente as conclusões dos expertos ou apenas
parcialmente, além do poder rejeitar integralmente laudo ou
apenas parte dele. O conjunto probatório é o guia do
magistrado e não unicamente o exame pericial. Ex.: é
possível que o julgador despreze o laudo de exame do local,
porque acreditou na versão oferecida por várias
testemunhas ouvidas na instrução de que a posição original
do corpo no momento crime, por exemplo, não era a
retratada pelo laudo. Assim o juiz rejeitará o trabalho
pericial e baseará sua decisão nos depoimentos coletados,
que mais o convenceram da verdade real”. (grifos nossos)

Ademais, a preliminar arguida, além de ser objeto de Acórdão deste Tribunal


Especial Misto, também foi examinada no Mandado de Segurança, autuado no
egrégio Órgão Especial do colendo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob o n°
0001341-27.2021.8.19.0000, e jurisdicionalmente sanada, nos termos da Decisão do
eminente Relator, Desembargador Custódio de Barros Tostes. Se não, vejamos:

“Sucede, contudo, que, embora a interpretação a contrario


sensu tenha sido bem operada, a conclusão esbarra no fato
de que o Órgão Especial não é instância revisora do
Tribunal Especial Misto, ao qual o artigo 78 da Lei 1.079/50
comete competência soberana para julgar o Governador de
Estado por crimes de responsabilidade. Assim, não se
defere o mandado de segurança ao sucedâneo recursal, na
medida em que sequer existe órgão judicialmente revisor
para o qual poderia ser dirigido.”

Além de invocar o argumento da inexistência de instância recursal para as


decisões do Tribunal Especial Misto, o ilustre Desembargador acrescenta o límpido

4NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 2ª ed, São Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais, 2006.
326
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

entendimento, na mesma linha da posição anteriormente citada do eminente Ministro


Edson Fachin, de que cabe ao juiz discernir sobre o direito à instrução probatória:

“Afinal, como cediço, o acusado tem direito à prova, mas a


gestão desta atividade, inclusive para indeferir diligências
inúteis à formação de seu convencimento, fica a critério do
juiz, destinatário final dos elementos produzidos.”

Diante do exposto, rejeito a terceira preliminar (III.3) relativa ao cerceamento


de defesa pelo indeferimento de pedido de produção de prova pericial.

Decisão sobre as preliminares

Em face de toda a argumentação declinada até aqui, REJEITO TODAS AS


PRELIMINARES ARGUIDAS PELA DEFESA em suas Alegações Finais.

2. Aspectos contextuais e conceituais

Com a promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil,


em 05 de outubro de 1988, o Brasil deu largo passo rumo à restauração do Estado
Democrático de Direito, após 21 anos de arbítrio.

O preâmbulo da nossa Carta Magna é, por assim dizer, a expressão dos


profundos anseios e das reais intenções que permeiam o texto constitucional. É nesse
introito constitucional que, preliminarmente, os integrantes da Assembleia Nacional
Constituinte deixam claro que ali estiveram reunidos para “instituir um Estado
Democrático”.

Com efeito, ainda no preâmbulo da Constituição, texto de grande relevância e


imensurável valor teleológico, fica demonstrada a importância do primado dos direitos
para o tão almejado Estado Democrático. Vejamos:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a
327
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO


BRASIL.” (grifos nossos)

Mais adiante, é expressamente reiterada a vontade dos membros da


Assembleia Nacional Constituinte, no parágrafo único, do artigo 1°, a saber:

Art. 1° (...)
Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição. (grifos nossos)

Percebe-se, portanto, que, desde o início, a Constituição Federal configura a


República Federativa do Brasil não apenas como um “Estado Democrático”, mas
também, nos termos do caput de seu artigo 1º, como um “Estado Democrático de
Direito”. O corolário dessa submissão à forma jurídica é um Estado Constitucional no
qual a noção de “democracia” não se esgota no direito ao voto, ou seja, não se limita
à legitimação da vontade do povo no processo de eleição de seus representantes,
embora este seja, é claro, um componente inextricável da experiência democrática.

Sobre esse tema, o jurista Paulo Brossard de Souza Pinto, de saudosa


memória, ex-Ministro de Estado da Justiça e ex-Ministro do Supremo Tribunal
Federal5, ressalta:

"(...) sem eleição não há democracia, mas sem a


responsabilidade efetiva dos eleitos a democracia não
passará de forma disfarçada de autocracia. Autocracia
eletiva e temporária, mas autocracia." (grifos nossos)

Logo, o representante eleito, segundo o ordenamento jurídico, é conceituado


como agente público investido de mandato e de responsabilidades. Com efeito,
a Lei Federal n° 8.429, de 02 de junho de 1992, em seu artigo 2º, define agente público
como todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por
eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura
ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta ou
indireta.

5 BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 2ª Edição. São Paulo, Saraiva,1992.

328
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Nesse sentido, sublinha a eminente jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro6:

“(...) agente público é todo aquele que presta serviços ao


Estado e às pessoas jurídicas da administração indireta.
Dividindo-o em quatro espécies: agentes políticos - que
exercem cargos por mandato eletivo ou nomeação;
servidores públicos - pessoas físicas que prestam serviços ao
Estado; Militares - que são os agentes públicos das forças
armadas; e particulares em colaboração com o Estado - que são
aqueles que exercem funções sem vínculos empregatícios com
a Administração. (...)” (grifos nossos)

Decerto, o agente público, no exercício de sua função, deve atuar com zelo,
desprendimento, dedicação, conhecimento, sempre respeitando as normas
infraconstitucionais e constitucionais, bem como pautando sua conduta, de forma
permanente, na busca pelo bem comum do povo.

Importa destacar que, ao aceitar a investidura em uma função pública, o agente


deve respeitar e observar, acima de tudo, os ditames legais, ou seja, praticar atos
lastreados na legalidade. Mas também se requer que seus atos estejam igualmente
fundamentados na moralidade e na probidade. A inobservância dos comandos legais
ou a adoção de condutas imorais ou ímprobas poderão acarretar ao agente público a
responsabilização por suas ações, sejam elas comissivas ou omissivas.

No caso em tela, o agente público, qual seja, o Governador afastado do Estado


do Rio de Janeiro, Exmo. Senhor Wilson José Witzel, foi denunciado pela suposta
prática de crime de responsabilidade, na forma prevista no artigo 74, tipificado
conforme disposto no artigo 4°, inciso V, e no artigo 9°, item 7, todos da Lei Federal
n° 1.079, de 10 de abril de 1950, pelo Exmo. Senhor Deputado Estadual Luiz Paulo
Correa da Rocha (doravante, Deputado Luiz Paulo) e pela Exma. Senhora Deputada
Estadual Lucia Helena Pinto de Barros (doravante, Deputada Lucinha).

A supracitada Lei prevê os crimes de responsabilidade praticados por agentes


públicos, no presente caso, pelo Chefe do Poder Executivo estadual do Rio de Janeiro,
e regula o respectivo processo de julgamento que pode levar à perda do cargo e à

6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo, Atlas, 2005.

329
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

inabilitação, por até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem
prejuízo da propositura de ações judiciais pelos órgãos competentes.

No Brasil, prevalece o modelo estadunidense de impeachment, acerca do qual


as formulações de Alexis de Tocqueville7, filósofo, político, jurista e escritor francês,
restam atuais:

"(...)
Le but principal du jugement politique, aux États-Unis, est donc
de retirer le pouvoir à celui qui en fait un mauvais usage, et
d’empêcher que ce même citoyen n’en soit revêtu à l’avenir.
C’est, comme on le voit, un acte administratif auquel on a donné
la solennité d’un arrêt. (…)"

Em tradução livre, pode-se afirmar que o insigne pensador francês sustentou


que o objetivo principal do julgamento político é a retirada do poder de quem
dele fez mau uso e impedir que nele seja reinvestido no futuro, por meio de um
ato administrativo ao qual se dá a solenidade de uma sentença judicial.

A contrario sensu, importa destacar que a forma de Estado Monárquica se


caracterizava justamente pela absoluta irresponsabilidade do Rei ou do Imperador.
Essa irresponsabilidade era inclusive afirmada em sede de matéria constitucional,
mais especificamente no artigo 99, da Constituição brasileira de 1824. Respeitada a
grafia, vejamos:

"Art. 99 A Pessoa do Imperador é inviolável e Sagrada: Elle


não está sujeito a responsabilidade alguma." (grifos nossos)

É importante o destaque acerca da absoluta irresponsabilidade do monarca


para demonstrar que, ao contrário do Estado Monárquico, em uma República,
ninguém, absolutamente ninguém, está acima da Lei. Pouco importa se governados
ou governantes, todos estão sujeitos à responsabilização.

Justamente nesse sentido, Paulo Maria de Lacerda8 já considerava a


responsabilização do Chefe do Poder Executivo, há mais de um século e sob a égide

7
TOCQUEVILLE, Alexis de. 12ª Edição. Paris: Institut Coppet, 2012.
8 DE LACERDA, Paulo Maria. Princípios de Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Azevedo,
1912.
330
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

da nossa primeira Constituição republicana de 1891, como “uma conquista


fundamental da democracia e, como tal, é elemento essencial da forma
republicana democrática que a Constituição brasileira adotou." (grifos nossos)

É bem verdade que, no Brasil, o processo de impeachment, que tem natureza


político-administrativa e pode culminar na destituição de determinadas autoridades,
inabilitando-as para o exercício de funções públicas, é, nas palavras do eminente
jurista e membro do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luiz Roberto Barroso 9, “o
processo mediante o qual se promove a apuração e o julgamento dos crimes de
responsabilidade”, como pode ser o caso de delitos supostamente cometidos por
governadores, que é exatamente o objeto do processo ora em exame.

Nesse sentido, também se manifestou o eminente Ministro Edson Fachin, no


julgamento de mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) n° 378-DF, pelo egrégio Plenário do colendo Supremo Tribunal Federal, cujo
Acórdão foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico, na data de 08 de março de 2016:

"(...)
Por essa razão, é no preceito fundamental da relação entre
os poderes que se deve buscar a natureza jurídica do
impeachment, definido como um modo de se exercer o
controle republicano do Poder Executivo. A exigência de lei
específica, de um lado, e as garantias processuais, de outro,
permitem configurá-lo como modalidade limitada de controle, na
medida em que, sendo a República um fim comum, ambos os
poderes devem a ele dirigir-se. O limite, por sua vez, decorre do
fato de que não se pode, sob o pretexto de controle, desnaturar
a separação de poderes.
Do princípio republicano parece decorrer, pois, a natureza
político-administrativa do instituto, cuja tutela coincide,
embora com regimes diferenciados, com a que se sujeitam
os demais agentes públicos e aqueles a eles equiparados
relativamente à probidade da Administração. (...)" (grifos
nossos)

Na mesma esteira, em sua obra aqui já mencionada, Paulo Brossard de Souza


Pinto (1992, p. 75) sublinha: "o impeachment tem feição política, não se origina
senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob
considerações de ordem política e julgado segundo critérios políticos –

9 BARROSO, Luís Roberto. Impeachment – Crime de Responsabilidade – Exoneração do Cargo. Revista de


Direito Administrativo, vol. 212, p. 174, 1998.
331
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

julgamento que não exclui, antes supõe, é óbvio, a adoção de critérios


jurídicos."

Ainda sobre o mesmo tema, também se pronunciou o saudoso Ministro do


Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, mais precisamente sobre a natureza
jurídica do processo por crime de responsabilidade, no julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 378-DF:

"Eu não diria que se trata de um julgamento político, mas de


um modo diferente de interpretar a Lei. Obviamente que a
interpretação da Lei por um parlamentar é diferente do olhar
que um juiz lança a determinadas circunstâncias. Assim
também ocorre nos processos de competência do Júri."
(grifos nossos)

Merece destaque o fato de que o processo de impeachment tem motivações


políticas, desdobramentos políticos, provocações políticas e julgamentos políticos.
Porém, isso não quer dizer que seja um processo arbitrário: pelo contrário!

O processo de impeachment deve ser considerado como importante


instrumento garantidor da democracia. É através dele que se permite a
responsabilização de agentes públicos, cabendo seu julgamento, ou seja, o poder de
decisão, àqueles(as) em quem o povo brasileiro confiou seu voto e, portanto, que
foram eleitos(as) como seus representantes.

Isso não quer dizer, contudo, que "critérios jurídicos" não devam ser
observados e respeitados. Como já realçado por Paulo Brossard de Souza Pinto,
esses mesmos critérios nos obrigam inclusive a revisitar a Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), recepcionada em nosso
ordenamento jurídico por meio do Decreto Federal n° 678, de 06 de novembro de
1992, o qual prevê, em seu artigo 8°, as garantias judiciais aplicáveis aos processos
sancionatórios promovidos pelo Estado, quais sejam:

“ARTIGO 8º – GARANTIAS JUDICIAIS


1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou
tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou para que se

332
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil,


trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se
presuma sua inocência enquanto não se comprove
legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem
direito, em plena igualdade, às seguintes garantias
mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor
ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo
ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da
acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados
para a preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de
ser assistido por um defensor de sua escolha e de
comunicar-se, livremente e em particular, com seu
defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor
proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a
legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem
nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presente no
tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas
ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre
os fatos.
g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem
a declarar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal
superior.
3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de
nenhuma natureza.
4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não
poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
5. O processo penal deve ser público, salvo no que for
necessário para preservar os interesses da justiça.” (grifos
nossos)

É imperioso frisar que, com exceção das alíneas “a” e “e”, inaplicáveis ao caso
ora examinado, no curso do presente processo foram cumpridos todos os demais
requisitos apontados. Se não, vejamos:

• Item 1: Foi devidamente assegurado ao Réu o direito de ser ouvido, com todas
as devidas garantias, dentro de um prazo razoável, tanto perante a augusta Casa
Legislativa, onde o denunciado pôde se defender oralmente e por escrito, quanto
neste colendo Tribunal Especial Misto;

• Item 2, alínea b: Desde sua citação pela augusta Assembleia Legislativa, o


Réu conhece a Denúncia formulada pelos Excelentíssimos Senhores Deputados Luiz
Paulo e Lucinha;
333
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

• Item 2, alínea c: Foi assegurado ao Réu o acesso às informações, tempo e


meios necessários à sua defesa, tanto perante a augusta Assembleia Legislativa
quanto perante este egrégio Tribunal Especial Misto;

• Item 2, alínea d: Os seguidos mandatos conferidos e posteriormente


revogados pelo Réu aos seus patronos e defensores demonstram cristalinamente o
respeito ao mais amplo exercício de tal direito.

• Item 2, alínea f: Foi assegurado ao Réu o direito de arrolar inúmeras


testemunhas - todas ouvidas em juízo -, bem como o direito de inquirir aquelas
indicadas pela Acusação, ressaltando-se que o próprio Réu atuou, como inquiridor,
na oitiva da principal testemunha do processo em tela.

• Item 2, alínea g: Em momento algum, seja no âmbito da Assembleia


Legislativa, seja perante este Tribunal Especial Misto, o Réu foi obrigado a produzir
prova contra si mesmo nem tampouco a confessar qualquer das acusações que lhe
foram imputadas;

• Item 2, alínea h: Sobre as questões estritamente jurídico-constitucionais, o Réu


recorreu ao egrégio Supremo Tribunal Federal, onde ingressou com as Reclamações
Constitucionais n° 42.358-RJ, n° 45.366-RJ, nº 46.835-RJ e nº 47.040-RJ, além de ter
impetrado dois mandados de segurança perante o colendo Órgão Especial do egrégio
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Conclui-se, portanto, que, no âmbito deste processo, não é cabível falar em


afronta ao princípio constitucional do contraditório, que, nas palavras do jurista e
professor Vicente Greco Filho10, “se efetiva assegurando-se os
seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal
de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido
inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova
produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos

10GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2° Volume. 11ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva,
1996.

334
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a


oportunidade de recorrer da decisão desfavorável.” (grifos nossos)

Na mesma linha, também não cabem questionamentos ou ilações acerca do


princípio constitucional da ampla defesa, que assegura ao Réu a liberdade inerente
ao indivíduo de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas, seguindo,
para tanto, duas regras básicas: a) a possibilidade de se defender; b) a possibilidade
de recorrer.

Ainda no bojo dos ensinamentos do jurista e professor Vicente Greco Filho11,


“consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da
imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder
acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por
advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça (art.
133); e) poder recorrer da decisão desfavorável.”

Por fim, pontifica o sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de sociologia


das Universidades de Leeds e de Varsóvia, Zygmunt Bauman12: “no fundo de todas
as crises da atualidade está a crise dos instrumentos de ação efetiva.”

É exatamente esta ação efetiva que precisa ser resgatada. Afinal, neste
momento, todos os holofotes estão voltados para este inédito Tribunal Especial Misto
do Estado do Rio de Janeiro (TEM), em razão do processamento e do julgamento do
Chefe do Poder Executivo estadual, vale dizer, mais uma grave e lamentável página
na história recente do Estado do Rio de Janeiro.

Importa relembrar que, pouco mais de um ano à frente do Poder Executivo


fluminense, o Réu viu o mundo inteiro receber, com perplexidade, a notícia da
inauguração do hospital Huoshensha, na cidade de Whuan, capital da província de
Hubei, na China. A citada cidade viria a ser o epicentro, entre os meses de dezembro

11
GRECO FILHO, Vicente. Tutela Constitucional das Liberdades. São Paulo: Editora Saraiva, 1989.
12BAUMAN, Zygmunt. Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Rio de janeiro: Zahar,
2014.

335
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de 2019 e janeiro de 2020, de uma pneumonia, até então de causa desconhecida, que
havia se alastrado rapidamente e foi posteriormente nomeada “COVID-19”.

Não bastasse todo o espanto face à impressionante velocidade com que a


doença se espalhou, a notícia teve ainda mais repercussão com a divulgação do
tamanho do hospital, preparado para disponibilizar 1.000 (mil) leitos e dotado de uma
equipe médica de cerca de 1.400 (mil e quatrocentos) profissionais de saúde. Nesse
mesmo momento, a mídia mundial começa a divulgar as impressionantes imagens da
logística empregada para erguer aquela espantosa estrutura. Eram centenas de
caminhões, tratores e retroescavadeiras, somados a centenas de operários, que
trabalharam na empreitada por apenas 10 (dez) dias, tempo recorde e improvável para
realizar feito tão arrojado.

Além do hospital Huoshensh, o governo chinês previa ainda entregar, dois dias
depois, outro hospital, o Leishenshan, com capacidade de atendimento de 1.500 (mil
e quinhentos) leitos. Toda essa infraestrutura, infelizmente, não foi capaz de conter o
avanço da doença no planeta, que veio a ser reconhecida como Emergência em
Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), pela Organização Mundial da
Saúde (OMS)13, em 30 de janeiro de 2020.

Ainda em janeiro de 2020, a COVID-19 já havia rompido as fronteiras chinesas


e países como Japão, Coréia do Sul e Tailândia já registravam os primeiros casos. A
partir desse momento, começaram a ser divulgadas por autoridades sanitárias
internacionais as primeiras medidas de contenção do coronavírus, como o fechamento
das fronteiras dos países vizinhos à China, o controle e a quarentena de viajantes.

No Brasil, passado o carnaval, na quarta-feira subsequente, dia 25 de fevereiro


de 2020, foi registrado o primeiro caso suspeito, no dia seguinte confirmado, de
paciente infectado pelo novo coronavírus.14 Tratava-se de um homem de 61 (sessenta

13
OPAS/OMS Brasil. Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus) -
Atualizada em 17 de abril de 2020. Disponível em: Acesso em 17/04/2020.
14
BRASIL CONFIRMA PRIMEIRO CASO DO NOVO CORONAVÍRUS. Governo Brasileiro, 2020.
Disponível em: http://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2020/02/brasil-
confirma-primeiro-caso-do-novo-coronavirus

336
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

e um) anos, que deu entrada no Hospital Israelita Albert Einstein, na cidade de São
Paulo, com histórico de viagem pela Itália.

Em 05 de março do mesmo ano, foi anunciado, pela Fundação Oswaldo Cruz


(FIOCRUZ), o primeiro caso confirmado, no estado do Rio de Janeiro, de paciente
infectado pelo novo coronavírus.15 A assustadora notícia foi dada pelo então
Secretário de Estado de Saúde, Sr. Edmar Santos. Desta feita, tratava-se de uma
mulher de 27 (vinte e sete) anos, moradora do município de Barra Mansa, no sul
fluminense, que viajara pela Europa entre os dias 09 e 23 de fevereiro de 2020, data
em que retornou ao Brasil.

Na oportunidade, o então Secretário de Estado de Saúde procurou tranquilizar


a população fluminense, dizendo se tratar de “caso importado” por pessoa que
estivera em área de transmissão e acrescentando que a paciente apresentava
sintomas brandos da doença, “como são 85% dos casos”. Esclareceu, ainda, que a
enferma estava em isolamento domiciliar, onde permaneceria pelo prazo de 20 dias,
contado da data em que os sintomas se manifestaram. Disse ainda que não existiam
sinais de que o vírus estivesse circulando livremente pelo Rio de Janeiro: “(...) a
população pode seguir tranquila. Não há nenhum motivo para pânico.”

No dia 06 de março de 2020, dia seguinte às declarações do Sr. Edmar Santos,


o estado do Rio de Janeiro registrou o segundo caso confirmado de paciente infectado
pelo novo coronavírus, sendo o primeiro caso na cidade do Rio de Janeiro. Tratava-
se de uma mulher de 52 (cinquenta e dois) anos de idade, também com histórico de
viagem pela Itália.

Sobre esse novo caso, em nota, o Sr. Edmar Santos afirmou novamente que
se tratava de dois casos importados e completou: “permanecemos no nível zero do
nosso plano de contingência e não há razões para pânico. Os cuidados devem
permanecer os mesmos que tomamos para gripe.”

15
ESTADO DO RIO DE JANEIRO CONFIRMA PRIMEIRO CASO DE CORONAVÍRUS. Agência Brasil,
2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/estado-do-rio-de-
janeiro-confirma-primeiro-caso-de-coronavirus-0

337
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Na manhã da quinta-feira, dia 19 de março de 2020, foi confirmada a primeira


morte em decorrência do novo coronavírus, no estado do Rio de Janeiro, que ocorreu
na cidade de Miguel Pereira.16 A vítima era uma mulher de 63 (sessenta e três) anos,
que tinha comorbidades (diabetes e hipertensão) e trabalhava como empregada
doméstica na residência de uma pessoa que testara positivo para a doença.

Posteriormente, foi publicado o Decreto Estadual n° 46.984, de 20 de março de


2020, reconhecendo o estado de calamidade pública no estado do Rio de Janeiro em
decorrência da pandemia do novo coronavírus, ato executivo logo depois corroborado
pela Lei Estadual nº 8.794, de 17 de abril de 2020.

A partir daí, é possível afirmar que, diante da pandemia do novo coronavírus,


tragédia sanitária e humanitária, de proporções e características inéditas no Rio de
Janeiro, no Brasil e no planeta, todos os holofotes se voltaram, como era de se supor,
para a gestão pública da saúde. Na esfera estadual, descortinou-se, então, um cenário
que evidenciava fragilidade na gestão da crise, revelando-se nítido despreparo da
administração estadual para adotar, em caráter efetivo, as necessárias ações
emergenciais de gestão para o enfrentamento à COVID-19, embora o Réu, como
governador, tivesse anunciado, de início, medidas firmes e, em geral, sintonizadas
com as recomendações das autoridades sanitárias e científicas, nacionais e
internacionais.

Contudo, após decretado o estado de calamidade pública em virtude da


pandemia, com a suspensão de várias atividades presenciais, em função da adoção
das medidas de isolamento ou distanciamento social, imprescindíveis à contenção da
curva epidemiológica, começaram a ser anunciados os investimentos emergenciais
para aparelhamento de hospitais e para aquisição dos insumos necessários ao
atendimento de pacientes que apresentassem sintomas ou tivessem a confirmação
da infecção pelo novo coronavírus. Naquele mesmo período, em 30 de março de 2020,
foi anunciada também pelo Réu, na qualidade de governador, a montagem de 8 (oito)
hospitais de campanha no estado (incluindo uma unidade financiada e gerida pela

16GOVERNO DO RJ CONFIRMA A PRIMEIRA MORTE POR CORONAVÍRUS. Portal G1 Rio, 2020. Disponível
em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/19/rj-confirma-a-primeira-morte-por-coronavirus.ghtml

338
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

iniciativa privada, com pacientes encaminhados pela Secretaria de Estado de Saúde),


de modo a possibilitar o aumento de 1.800 (mil e oitocentos) leitos, aqui incluídos os
leitos intensivos, para serem disponibilizados à população fluminense, com previsão
de inauguração até 30 de abril de 2020: Maracanã, Jacarepaguá, Leblon (privado),
Duque de Caxias, São Gonçalo, Campos, Casemiro de Abreu e Gericinó. No início de
abril daquele ano, o governo estadual chegou a anunciar uma nona unidade em Nova
Friburgo.

Dos hospitais de campanha prometidos, além da unidade custeada pelo setor


privado (Leblon), apenas dois foram entregues pelo governo estadual (Maracanã e
São Gonçalo), mesmo assim, com muito atraso na montagem e com a quantidade de
leitos reduzida, muito aquém da propagada, além das crescentes suspeitas de
irregularidade e dos fortes indícios de fraude nos processos de contratação da
organização social responsável pelo serviço (ALERJ. Comissão Especial COVID-19.
Relatório Final, 2020).

A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) começaram então


a investigar desvio de recursos públicos da área de saúde no Estado do Rio de Janeiro
e, diante de indícios da participação do Governador Wilson Witzel, o MPF encaminhou
ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedido de Medida Cautelar de Busca e
Apreensão Criminal, que deu origem ao Inquérito nº 1338-DF, sob a relatoria do
eminente Ministro Benedito Gonçalves. Posteriormente, o MPF encaminhou o pedido
de Busca e Apreensão Criminal n° 27-DF, com vistas à apuração de possíveis
irregularidades na execução do programa estadual de enfrentamento à COVID-19 no
estado do Rio de Janeiro, o que desencadeou a chamada “Operação Placebo”.

3. Breve resumo da Denúncia e sua admissibilidade pelo TEM

Com base nos fatos acima, restituídos em apertado resumo, o Deputado


Estadual Luiz Paulo e a Deputada Estadual Lucinha protocolaram, em 27 de maio de
2020, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), denúncia
contra o governador do Estado do Rio de Janeiro, Senhor Wilson José Witzel,
imputando-lhe a prática de crimes de responsabilidade, caracterizados na forma do
disposto no art. 4°, inciso V, e no art. 9°, item 7, todos da Lei Federal n° 1.079, de 10
339
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de abril de 1950, em dois eixos de acusação: a) requalificação da Organização Social


de Saúde Instituto Unir Saúde (OSS Unir Saúde); b) contratação da Organização
Social de Saúde Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (OSS IABAS).

Em relação ao primeiro eixo, qual seja, a requalificação da OSS Unir Saúde,


aduz a Denúncia que, no exercício de 2019, foi instaurado o processo administrativo
n° E-08/001/1170/2019, com vistas à apuração de indícios de irregularidades
cometidas pela OSS Unir Saúde na execução dos contratos de gestão das unidades
estaduais de saúde sob sua responsabilidade.

Após assegurados o contraditório e a ampla defesa nos autos do referido


processo administrativo, teriam restado comprovados os indícios de irregularidades
na execução dos contratos de gestão sob a responsabilidade da OSS Unir Saúde,
razão que motivou a aplicação da sanção de desqualificação da referida entidade, o
que se deu com a edição da Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664/2019, de 16 de
outubro de 2019, ato conjunto firmado pelo Secretário de Estado de Saúde e pelo
Secretário de Estado da Casa Civil e Governança.

A citada Resolução tinha amparo na Lei Estadual n° 6.043, de 19 de setembro


de 2011, regulamentada pelo Decreto nº 43.261, de 27 de outubro de 2011, que
disciplina a qualificação de entidades sem fins lucrativos como organizações sociais,
na área de saúde, bem como dispõe sobre a celebração de contratos de gestão entre
o Poder Executivo e as entidades qualificadas na forma da aludida Lei. Com efeito,
neste diploma legal, está claramente prevista, em seu art. 38, a possibilidade de o
Poder Executivo desqualificar a entidade como Organização Social, o que acarreta a
rescisão do contrato de gestão, assim como a reversão dos bens permitidos e dos
valores entregues à entidade, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Ocorre que, em 23 de março do corrente, o Réu, de acordo com os


denunciantes, “sem fundamento idôneo” e fazendo uso de poder discricionário,
fundado unicamente nos elementos subjetivos da oportunidade e da conveniência da
Administração Pública, deu provimento ao recurso administrativo interposto pela OSS
Unir Saúde, inconformada com sua desqualificação.

340
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Com isso, a Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664/2019 foi revogada e,


consequentemente, restaurou-se a qualificação da OSS Unir Saúde, que voltou a ser
considerada apta a celebrar contratos de gestão com o Poder Executivo para
administrar unidades estaduais de saúde. O ato de requalificação da referida entidade
como Organização Social foi devidamente publicado no Diário Oficial do Estado do
Rio de Janeiro (DOERJ), em 24 de março de 2020.

O provimento do recurso administrativo interposto pela OSS Unir Saúde,


segundo a Denúncia, “sem fundamento legal”, amparado apenas em elementos
subjetivos, quais sejam, a oportunidade e a conveniência da Administração Pública,
teve como principal justificativa o reconhecimento da situação de emergência no
estado do Rio de Janeiro, na área de saúde pública, nos termos do Decreto nº 46.973,
de 16 de março de 2020, posteriormente convalidado pela Lei n° 8.794, de 17 de abril
do 2020, que reconhece o estado de calamidade pública decorrente da pandemia do
novo coronavírus.

Em relação ao segundo eixo da acusação, qual seja, a contratação da OSS


IABAS, afirmam os denunciantes que o Ministério Público Federal teria identificado
robustos indícios de participação do Réu, de forma ativa, na prática de atos ilícitos
referentes à mencionada contratação. Acrescentam os denunciantes que elementos
comprobatórios teriam sido encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, o que
ensejou a deflagração do Inquérito nº 1.338/DF e, em consequência, a adoção de
medida cautelar baseada no pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 27-DF
(2020/0114014-7), acolhido por iniciativa do eminente relator, Excelentíssimo Senhor
Ministro Benedito Gonçalves, tendo sido, então, autorizada a expedição de doze
mandados de busca e apreensão, no âmbito da “Operação Placebo”, em endereços
direta ou indiretamente ligados ao Réu e a seus colaboradores.

Conforme destacado ainda na Denúncia, o eminente Ministro do Superior


Tribunal de Justiça acima citado relatou que os investigadores afirmam existir “prova
robusta” de ilicitude nos processos que levaram à contratação, por valor aproximado
de R$ 850 milhões, da OSS IABAS para construir e gerir os hospitais de campanha
no Rio de Janeiro, tudo sempre com a presumível anuência do Réu, que teria agido

341
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

de modo a assegurar todo suporte necessário à realização das fraudes constatadas


no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro.

Sublinhe-se que a contratação, sem licitação, em caráter emergencial, da OSS


IABAS destinava-se a atender duas finalidades interligadas, porém muito distintas,
amalgamadas no mesmo milionário contrato: construir os hospitais de campanha e
gerir os hospitais de campanha construídos.

Assim, como salientam os denunciantes, o Réu teria criado, nos termos da


respeitável Decisão do Excelentíssimo Senhor Ministro Benedito Gonçalves, “uma
estrutura hierárquica para a prática de delitos dentro da estrutura do poder executivo
fluminense para dar suporte aos contratos fraudulentos para originar ações de
combate ao coronavírus no Estado do Rio”. Ainda segundo o eminente relator no
Superior Tribunal de Justiça, as provas estariam nas diferentes propostas
orçamentárias apresentadas ao Poder Executivo, que teriam sido fraudadas para dar
aparência de concorrência e legalidade à contratação da referida instituição, com
vistas à prestação dos serviços de montagem e desmontagem de tendas, instalação
de caixas d’água e de geradores de energia, colocação de piso, entre outros itens,
para a estruturação dos hospitais de campanha.

Após aceita pela augusta Casa Legislativa, a peça denunciatória foi


encaminhada ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a fim de
que instalasse, na forma da Lei, o competente Tribunal Especial Misto, responsável
pelo processamento e pelo julgamento do governador.

Na data de 05 de novembro de 2020, este Tribunal Especial Misto, reunido em


sessão presencial, sob a presidência do Exmo. Senhor Desembargador Cláudio de
Mello Tavares, decidiu, por unanimidade, receber a denúncia por crime de
responsabilidade referente à OSS Unir Saúde e, por maioria, receber a denúncia por
crime de responsabilidade referente à OSS IABAS.

4. Primeiro Eixo da Acusação: Requalificação da OSS Unir Saúde

Com relação ao primeiro eixo da acusação, qual seja, a requalificação da OSS


Unir Saúde, foi instaurado, conforme já mencionado anteriormente, o competente
342
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

processo administrativo n° E-08/001/1170/2019, com vistas à apuração de indícios de


irregularidades cometidas pela referida entidade na execução dos contratos de gestão
das unidades estaduais de saúde sob sua responsabilidade. Assegurado o
contraditório e a ampla defesa nos autos do referido processo administrativo, restaram
comprovados indícios de irregularidades na execução dos aludidos contratos, o que
ensejou a aplicação da penalidade de desqualificação da OSS Unir Saúde, fato
consumado com a edição da Resolução Conjunta SES/SECCG nº 664/2019, de 16 de
outubro de 2019. Trata-se de ato baixado, em conjunto, pelo então Secretário de
Estado de Saúde, Senhor Edmar José Alves dos Santos, e pelo então Secretário de
Estado da Casa Civil e Governança, Senhor André Luís Dantas Ferreira. Convém
destacar, a respeito da fundamentação do referido ato, o fragmento que se segue,
oriundo do parecer técnico-jurídico emitido pela Subsecretaria Jurídica da Secretaria
de Estado de Saúde, que é bastante eloquente:

“(...) Sendo assim, considerando as diversas denúncias de


malversação de recursos públicos pela OSS UNIR e a
constatação de várias irregularidades na execução de
contratos de gestão celebrados com esta SES, incluindo a
parte estrutural relativa à manutenção predial das unidades de
saúde, entende-se que juridicamente viável a desqualificação da
entidade em questão, tendo sido assegurado o direito ao
contraditório e à ampla defesa da OSS. Em paralelo, salienta-
se que, conforme se depreende dos arts. 4º da Lei n° 6.043/2011
e 1°, do Decreto Estadual n° 43.261/2011, a qualificação de uma
entidade em Organização Social tem natureza discricionária, ou
seja, o órgão administrativo encarregado de perfazer a
qualificação da entidade em OSS, além dos requisitos
normativos estabelecidos, estudará a conveniência e
oportunidade, motivadamente, de qualificar, ou não, a entidade.
Noutros termos, por ser o ato de qualificação de entidades
privadas sem fins lucrativos em Organizações Sociais de
Saúde ato de natureza discricionária, desde que
motivadamente e garantido o contraditório e a ampla defesa,
é juridicamente possível a desqualificação fora das
hipóteses regulamentares, por tratar de hipóteses
exemplificativas. (...)
III. CONCLUSÃO
Em face dos fatos expostos, esta Subsecretaria Jurídica entende
que, em tese, há indícios de irregularidades que tornam
juridicamente viável a desqualificação da OSS Unir. Dessa
forma, encaminha-se os autos à Subsecretaria Geral.”

343
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

A citada Resolução Conjunta tinha amparo nos parágrafos 1° e 2° do artigo 38,


da Lei Estadual n° 6.043, de 19 de setembro de 2011, posteriormente regulamentada
pelo Decreto nº 43.261, de 27 de outubro de 2011, como já foi declinado anteriormente

Apesar de cumpridos os requisitos para aplicação da sanção à OSS Unir


Saúde, esta, inconformada com sua desqualificação, interpôs Recurso Administrativo,
com amparo no art. 57 da Lei Estadual n° 5.427, de 1º de abril de 2009, dirigido à
autoridade hierarquicamente superior, no caso concreto, ao chefe do Poder Executivo
estadual.

No dia 23 de março de 2020, o Réu, fazendo uso de seu poder discricionário e


fundado unicamente nos elementos subjetivos da oportunidade e conveniência da
Administração Pública, deu provimento ao mencionado recurso administrativo. Em
nota à imprensa, a assessoria do governador afirmou que “(...) o processo
administrativo em questão foi julgado em conformidade com os princípios da
legalidade, moralidade, eficiência, publicidade e impessoalidade (...)” e alegou,
também, que a decisão do Réu de revogar a desqualificação da OSS Unir Saúde tinha
o propósito de “não impactar no adequado funcionamento das unidades de
saúde mantidas por ela.” (ALERJ-Comissão Especial COVID-19. Relatório Final,
2020, p. 392).

Ocorre que as investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF), Ministério


Público Federal (MPF) e Receita Federal (RF) demonstraram a existência de um
complexo e sofisticado esquema, com atuação no âmbito da saúde pública estadual,
composto por dezenas de indivíduos que se revezavam à frente de pessoas jurídicas
para ocultar a figura do empresário Mário Peixoto. Este empresário, além do controle
de várias empresas, detinha também forte influência na gestão de organizações
sociais prestadoras de serviços à Secretaria de Estado de Saúde, responsáveis pela
administração de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), espalhadas em diversos
municípios do Rio de Janeiro, sobretudo na Baixada Fluminense, como é o caso dos
municípios de Mesquita, Queimados, Magé e Nova Iguaçu.

Para isso, o empresário contava com a participação de outras pessoas,


constituindo uma rede complexa, com divisões de tarefas entre seus membros, o que
344
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

se dava, segundo aquelas investigações, da seguinte forma: (a) núcleo econômico:


composto pelo empresário Mário Peixoto e seu filho Vinícius Ferreira Peixoto; (b)
núcleo administrativo: composto pelo senhor Luiz Roberto Martins; (c) núcleo
operacional: composto pelos senhores Alessandro de Araújo Duarte, Cassiano Luiz e
Juan Elias Neves de Paulo; (d) núcleo político: composto pelos senhores Wilson José
Witzel e Lucas do Carmo Tristão.

Importa ainda destacar que o citado empresário foi um dos alvos da “Operação
Favorito”17, deflagrada em razão de investigações realizadas pelo MPF e pela PF, com
vistas à apuração de desvio de dinheiro público em contratos na saúde pública
estadual, envolvendo organizações sociais, e de pagamento de propina a agentes
públicos em troca da manutenção ou da concessão de novos contratos, tendo havido,
segundo tais investigações, expansão dessas ações ilícitas durante a pandemia do
novo coronavírus, notadamente por meio de organizações sociais.

O senhor Luiz Roberto Martins, integrante do núcleo administrativo do grupo do


citado empresário, também foi investigado como um dos alvos da Operação “Filhote
de Cuco”18, que tinha como objetivo apurar a existência de superfaturamento nos
contratos firmados entre o governo do estado do Rio de Janeiro e a organização social
responsável pela administração de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) nos
bairros de Botafogo (Nova Iguaçu), Cabuçu (Nova Iguaçu), Campo Grande I (Rio),
Campo Grande II (Rio), Santa Cruz (Rio), Lafaiete (Duque de Caxias) e Sarapuí
(Duque de Caxias), além das unidades situadas nos municípios de Magé e Mesquita.

Cabe destacar, ainda, que, além de sua prisão, também foram encontrados,
em sua residência, no município de Vassouras-RJ, valores que somados totalizam a
monta de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).

17
Polícia Federal. PF prende empresário envolvido em desvios na área da saúde do Rio de Janeiro.
2020. Disponível em: http://www.pf.gov.br/imprensa/noticias/2020/06-noticias-de-junho-de-2020/pf-
prende-empresario-envolvido-em-desvios-na-area-da-saude-do-rio-de-janeiro
18
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. MPRJ realiza operação para prender integrantes de
organização criminosa que desviou R$ 3,9 milhões dos cofres públicos em compras superfaturadas na
área de saúde. 2020. Disponível em: http://www.mprj.mp.br/noticias-todas/-/detalhe-
noticia/visualizar/85217
345
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Ainda sobre o senhor Luiz Roberto Martins, além das atividades referentes ao
núcleo administrativo da organização liderada pelo empresário Mário Peixoto, chegou
a acumular o cargo de presidente do Instituto Data Rio de Administração Pública
(IDR), organização social que foi sucedida pela OSS Unir Saúde na gestão das UPAs
citadas anteriormente.

Embora o empresário Mário Peixoto nunca tenha figurado formalmente nos


quadros das citadas organizações sociais, no curso das investigações restou
comprovado que, de fato, era ele quem detinha absoluto domínio e controle sobre
suas atividades, o que fazia com auxílio e atuação do senhor Luiz Roberto Martins.

Ao empresário Mário Peixoto cabia a função de articular a renovação de


contratos, assim como a captação de novos contratos de gestão na área da saúde
pública estadual, para as organizações sociais que controlava, ainda que por
intermédio e com auxílio de terceiros, mediante pagamento de vantagens financeiras
indevidas a agentes públicos integrantes do Poder Executivo estadual.

Esclarecedoras interceptações telefônicas no terminal utilizado pelo senhor


Luiz Roberto Martins, devidamente autorizadas no âmbito das investigações da
“Operação Favorito”, revelam a atuação do empresário Mário Peixoto, de forma
velada, na tentativa de reverter a desqualificação da OSS Unir Saúde.

Em conversa com o interlocutor, identificado apenas como Elcyr, Luiz Roberto


Martins refere-se a um acerto entre o empresário Mário Peixoto e o Réu a fim de
assegurar a requalificação daquela organização social. Na oportunidade, revela ter
havido pagamento de propina a um agente público não identificado com o fito de
conseguir a reabilitação da entidade, deixando claro que tinha conhecimento da
referida decisão, antes mesmo de sua publicação no Diário Oficial do Estado do Rio
de Janeiro (DOERJ). Vejamos parte da degravação do citado diálogo, ocorrido no dia
20 de março de 2020:

“(...)
LUIZ: O pessoal está todo doido atrás de mim para me dar
contrato
ELCY: hein?

346
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

LUIZ: O pessoal está todo doido atrás de mim para me dar


contrato
ELCY: já
LUIZ: vai revogar aquela desclassificação da UNIR. Recebi
até ligação dele. Voltar com aquelas quatro da baixada.
ELCY: beleza
(...)
LUIZ: Diz o Mario que foi ele que acertou junto com o
Governador. Mas não publicou ainda. Eu estava comprando
isso de um outro cara.
ELCY: aí volta?
LUIZ: As quatro de Nova Iguaçu não tem segundo colocado.
Então está com contrato emergencial ainda. Se revogar e
publicar a revogação tem que republicar o resultado do edital.
(...)”

Apesar de o nome de Luiz Roberto Martins também não constar oficialmente


no quadro de diretores, presidentes ou responsáveis pela OSS Unir Saúde, o senhor
Nelson Bornier, ex-Prefeito do município de Nova Iguaçu, recentemente falecido,
político experiente e dotado de relativa influência no governo estadual, durante a
gestão do Réu, ao menos no tocante a questões atinentes a seu município, por
ocasião de sua oitiva como testemunha arrolada pelo Tribunal Especial Misto,
respondeu ao relator:

“O SR. WALDECK CARNEIRO – O senhor conhece o Sr. Luiz


Roberto Martins?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA –
Conheço.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Conhece de onde?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA –
Conheço quando da fundação das duas UPAs que existem
na nossa cidade: uma no bairro Botafogo e outra no bairro
de Cabuçu; uma se deu ali, precisamente, de Cabuçu, em 2008,
e a de bairro Botafogo, em torno de 2010, 2011, que era
administrada pela empresa que ele participa.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Certo.
E o senhor se recorda do nome dessa empresa da qual ele
participa?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – É Unir.+
O SR. WALDECK CARNEIRO – É Unir Saúde.
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Não sei
a razão social, se é nome fantasia ou se é nome social.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Claro, claro.
E o senhor, por acaso, sabe que função ou que papel ele
exercia nessa empresa ou exerce?
O SR. NELSON ROBERTO BORNIER DE OLIVEIRA – Não sei.
Um dos responsáveis. O cargo que ele exercia, se era
Presidente ou alguma Diretoria, eu não sei, mas era um dos
membros da Unir.”

347
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Em diálogo com o mesmo senhor Nelson Bornier, em outra interceptação


telefônica, datada do dia 24 de março de 2020, mesmo dia em que foi publicada no
DOERJ a requalificação da OSS Unir Saúde, por ato discricionário do Réu, Luiz
Roberto Martins afirmou: “o zero um do palácio assinou aquela revogação da
desclassificação da UNIR”, fazendo clara referência ao chefe do Poder Executivo
fluminense.

LUIZ: estou te ligando para te dar uma notícia boa


BORNIER: hum
LUIZ: O zero 1 do palácio assinou aquela revogação da
desclassificação da UNIR.
BORNIER: aquele relatório
LUIZ: aquela desclassificação que impediu a gente de
assumir as UPAs. Eu sei que tem muito pai aqui e eu teria
que fazer um DNA para saber quem é o pai. (...)”

Por fim, ainda em relação à influência do empresário Mário Peixoto junto à OSS
Unir Saúde, o ex-Secretário de Estado de Saúde Edmar Santos, em seu depoimento
prestado à Procuradoria Geral da República no Rio de Janeiro, em 25 de julho de
2020, declarou:

“(...)QUE também no início de sua gestão foi levantada a


situação de 3 OSs mais problemáticas: UNIR, Pro Saúde e
Cruz Vermelha; QUE além disso, havia boatos de que a Cruz
Vermelha seria ligada a PAULO MELO e a UNIR seria ligada
a MÁRIO PEIXOTO; (...)”

De forma muito mais evidente, o ex-Secretário de Estado de Saúde, em


depoimento ao TEM, respondendo ao relator, deixou claro que recebeu ordem do Réu
para participar de almoço com o Sr. Mário Peixoto e com o Sr. Lucas Tristão, no
restaurante Aspargus, situado à Rua Senador Dantas, Centro do Rio. Segundo o
depoente, durante o almoço, o empresário conversou predominantemente sobre a
desqualificação da OSS Unir Saúde, pedindo que tal fato não ocorresse, e também
sobre a ampliação de seus negócios na área da saúde, no âmbito da administração
estadual. Antes da resposta ao relator, o depoente já havia revelado o episódio do
almoço, quando respondeu diretamente ao Réu, que atuava como seu inquiridor. Ao
responder ao Réu sobre a questão, o ex-Secretário de Saúde esclareceu, a bem da
verdade, que o Réu solicitara o seu comparecimento ao almoço, mas não dera
348
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

orientação expressa para que atendesse às demandas do empresário Mário Peixoto.


Ao ouvir tal resposta, o Réu aquiesceu, afirmando: “Está certo”. Ou seja, não
contestou o fato de que pediu ao Secretário para almoçar com o empresário. Vejamos
os diálogos:

“O SR. Wilson José Witzel: O senhor pode repetir, por favor?


O SR. Edmar José Alves dos Santos: Eu posso. O Senhor me
pediu que fosse ao almoço, determinou que fosse ao
almoço. Eu não tinha nenhuma proximidade nem com Lucas
Tristão àquela época. Eu fui ao almoço do Mário Peixoto a
seu pedido.
O SR. Wilson José Witzel: A meu pedido.
O SR. Edmar José Alves dos Santos: Mas não recebi nenhuma
ordem que atendesse aos pedidos dele. Então, realmente... mas
a conversa toda ficou clara, que é Mário Peixoto quem está
à frente da Unir e que tinha outros interesse na saúde, que
ele queria introduzir outras empresas dele que pudessem
negociar, vender, fazer negócios com a saúde.
O SR. Wilson José Witzel: Está certo.”

Diante disso, resta comprovada a existência de uma potente rede ligada ao


grupo do empresário Mário Peixoto, com atuação de forma estruturada e coordenada,
contando inclusive com divisão de tarefas entre seus membros e com incidência sobre
a administração pública estadual, durante a gestão do Réu. Aliás, percebe-se aí nítida
contradição nas falas do Réu. Em resposta ao Desembargador Fernando Foch, o
governador afastado chegou a afirmar que exonerava secretários que tivessem
relações com empresários. Acrescentou que, em seu governo, essa era “a norma da
casa”. Ora, nesse caso, o próprio Réu infringiu sua normativa, quando pediu que seu
secretário de Saúde fosse almoçar com um empresário.

Além do grupo de influência liderado pelo empresário Mário Peixoto, havia


também, no âmbito da saúde pública estadual, outro grupo atuante, diretamente ligado
ao Senhor Everaldo Dias Pereira (doravante, Pastor Everaldo). Político influente no
cenário fluminense, o Pastor Everaldo era presidente nacional do Partido Social
Cristão (PSC), agremiação político-partidária do Réu, e gozava de trânsito livre no
Palácio Guanabara, sede do governo do estado do Rio de Janeiro.

No núcleo diretamente ligado ao Pastor Everaldo, identifica-se, com destaque,


o empresário Edson Torres e o próprio Secretário de Estado de Saúde à época,
Senhor Edmar José Alves do Santos.
349
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Segundo declarado pelo próprio Edmar Santos, o empresário Edson Torres


tinha grande proximidade com o Pastor Everaldo, chegando ao ponto de se intitular
“sócio do PSC”, de forma que ambos se consideravam “proprietários” do partido.

Importa ainda destacar que o empresário Edson Torres atuou de forma intensa
no processo que culminou na indicação do Senhor Edmar Santos para o cargo de
Secretário de Estado de Saúde. Conforme declarado pelo próprio ex-secretário, que
foi sondado pelo empresário a esse respeito:

“(...) Que passada a eleição e tendo sido eleito, no período


de transição, o colaborador recebeu ligação por voz por
Whatsapp de EDSON TORRES; Que EDSON disse que o
futuro cargo de Secretário de Saúde estava entre o colaborador
e FERNANDO FERRY; (...) Que a procura por outro nome
tinha como objetivo emplacar um nome do PSC ao cargo;
Que o colaborador percebeu essa primeira reunião como
uma mera sondagem, não havendo qualquer tratativa sobre
negócios ilícitos; (...) Que, após certo tempo, em novembro de
2018 .o colaborador é indicado como futuro secretário de
saúde; (...)” (grifos nossos)

No mesmo sentido se manifestou, em depoimento aos membros do Tribunal


Especial Misto, na qualidade de testemunha, o empresário Edson Torres. Com efeito,
em resposta ao relator sobre a nomeação de Edmar Santos para o cargo de Secretário
de Estado de Saúde, afirmou:

“O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendo, entendo.


E, uma vez eleito, em segundo turno, o candidato Wilson
Witzel, o senhor, ao lado do Pastor Everaldo, ajudou de
alguma forma na montagem da equipe de Governo, a indicar
Secretários, a indicar membros para o futuro Governo que
iria se instalar?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Diante da minha relação
de amizade e de confiança com o Everaldo, sim. Participei
de ajuda de algumas escolhas.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi.
Que escolhas? De que escolhas o senhor participou de
alguma forma?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – O próprio Edmar. Final
de outubro, ele procurou uma pessoa próxima a nós, a mim, e
pediu uma reunião comigo. Marcamos um café da manhã no
Hotel Hilton, eu estive no Hotel Hilton com ele. O Edmar
tinha um projeto político de ser diretor do Hupe, depois
Reitor da Uerj e indo a Deputado. Era o projeto político dele,
que ele tinha compartilhado comigo anteriormente. E, nessa
hora, nesse café, ele me pediu se tinha como encaminhar o
currículo dele a um pleito a um cargo no Governo do Estado
depois da... Já com a eleição do Wilson já definida, Wilson
350
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Witzel, o então Governador. E assim eu fiz. Conversamos, ele...


A conversa seria para ele... Eu entendia que a conversa seria
para ele tratar da eleição dele a Reitor da Uerj, porém, ele disse
que não, que ele pretendia ver se conseguia um cargo por
indicação política. Eu encaminhei o currículo dele, que é um
bom currículo, ao Everaldo. O Everaldo encaminhou ao
Governador, o Governador o atendeu e o escolheu. (…)”

Diante dos elementos probatórios restituídos até aqui, resta clara a existência
de dois braços econômicos atuantes na Secretaria de Estado de Saúde: um ligado ao
empresário Mário Peixoto e outro ligado ao presidente nacional do PSC, Pastor
Everaldo.

Nesse sentido inclusive, manifestou-se Edmar Santos, em depoimento


prestado à Procuradoria Geral da República (PGR). Vejamos:

“Que existem três grupos que compõem o Governo WILSON


WITZEL, encabeçados por: (1) MARIO PEIXOTO; (2)
PASTOR EVERALDO e (3) JOSÉ CARLOS DE MELO; Que
MARIO PEIXOTO é o grupo que o colaborador tem menos
informações; Que sabe dizer, no entanto, que é o grupo
mais importante e que detém mais poder no Estado; (...) Que
os grupos de PASTOR EVERALDO tem equivalente
importância ao grupo de MARIO PEIXOTO; Que ambos tem
acesso direto ao governador; Que quanto às vantagens
ilícitas, o grupo de MARIO PEIXOTO é maior que o do
PASTOR; (...) Que o colaborador tem maior conhecimento
do grupo do PASTOR EVERALDO;”(grifos nossos)

Confirmada a existência de dois grupos econômicos e rivais atuantes no âmbito


da saúde pública estadual, quais sejam, o grupo ligado ao empresário Mário Peixoto
e o grupo ligado ao Pastor Everaldo, cumpre destacar que, segundo declarações de
Edmar Santos, prestadas à PGR, ambos conviviam em constante clima de tensão e
de disputa pelo poder e pelos contratos, no âmbito da administração estadual. A esse
respeito, reconhece Edmar Santos, “(...) que Peixoto e Everaldo viviam em
constante tensão”.

Ainda segundo Edmar Santos, a interface de comunicação entre o grupo de


Mário Peixoto e o Réu era feita por intermédio de Lucas Tristão, que ocupou o cargo
de Secretário de Estado de Desenvolvimento, Energia e Relações Internacionais na
gestão do Réu.

351
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Sobre Lucas Tristão, importa destacar que, além de homem de confiança do


Réu, era também amigo pessoal do empresário Mário Peixoto, relação essa
confirmada, por ambos, em depoimento prestado ao Tribunal Especial Misto.

Quando perguntado pelo relator sobre a relação de amizade com Lucas Tristão,
o empresário Mário Peixoto respondeu:

“O SR. WALDECK CARNEIRO - Entendi. Então, pode-se dizer


que tinha uma relação profissional, acabou evoluindo para
uma relação também de certa maneira de amizade?
O SR. MARIO PEIXOTO - É, porque, na realidade, o
Advogado Lucas Tristão, como ele era do Espírito Santo,
praticamente não tinha currículo no Rio, ele me procurava
muito. Aí, acabou nascendo uma amizade.”

Na mesma direção se manifestou o senhor Lucas Tristão em seu depoimento


ao Tribunal Especial Misto, em resposta à Acusação:

O SR. LUIZ PAULO – Senhor presidente, eu gostaria que a


testemunha nos informasse qual era a relação dele com o
senhor Mário Peixoto e filho.
O SENHOR PRESIDENTE: Pode responder.
“O SR. LUCAS TRISTÃO DO CARMO – O senhor Mario
Peixoto foi meu cliente enquanto exercia a advocacia. O
filho do senhor Mario Peixoto também foi meu cliente
quando eu exercia a advocacia. E, desde 1º de janeiro de
2019, quando me mudei para o Rio de Janeiro, desenvolvi
um relacionamento de amizade com ambos”

Em outro momento, ainda em seu depoimento ao Tribunal Especial Misto, o


empresário Mário Peixoto deixa claro que há uma relação de proximidade entre ele e
Lucas Tristão. Ao ser questionado a esse respeito pela Acusação, assim respondeu:

“O SR. LUIZ PAULO – Depois desse encontro quando o senhor


conheceu o Governador Wilson Witzel, eu pergunto ao senhor,
se foi nesse encontro também que o senhor conheceu o Sr.
Tristão?
O SR. MARIO PEIXOTO – Não, senhor. Conheci Lucas
Tristão lá em Angra dos Reis. Não lembro se em fevereiro
ou março, por aí.
O SR. LUIZ PAULO – O Sr. Tristão afirmou aqui a este
Tribunal que ele tem uma relação próxima ao senhor e ao
seu filho Vinícius, inclusive frequentando as casas. O
senhor confirma esse depoimento?

352
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

O SR. MARIO PEIXOTO – Em parte. Ele nunca frequentou a


casa do meu filho. Às vezes na minha casa, ele almoçou
algumas vezes na minha casa.
O SR. LUIZ PAULO – Eu confesso que não consegui ouvir.
O SR. MARIO PEIXOTO – Vou chegar mais próximo. Eu falei
que ele teve alguns encontros de almoço na minha casa,
mas não na casa do meu filho. Conheceu meu filho na minha
casa e encontrou-se com ele algumas vezes lá.(...)” (grifos
nossos)

Ainda para corroborar a grande proximidade entre o empresário Mário Peixoto


e Lucas Tristão, no bojo das investigações da “Operação Favorito”, foi interceptado
diálogo telefônico entre Vinícius Peixoto, filho de Mário Peixoto, e a senhora sua mãe.
Vejamos:

“Vinicius: meu teste deu positivo


mãe: mentira, você está brincando comigo.
Vinicius: é
mãe: meu Deus Vinicius, e as crianças e a Camila?
Vinicius: deu todo mundo negativo, só o meu deu positivo
mãe: eu estou bem. Você estava sentindo dor de cabeça e febre
Vinicius: eu tive febre e dor de cabeça
mãe: e agora está se sentido bem?
Vinicius: agora estou sentido bem mãe: a gente tem imunidade,
não é todo mundo que fica daquele jeito não, entendeu? Tem
gente que ... o vírus passa pelo corpo da pessoa e não sente
nada.
(...)
Vinicius: a gente acha que foi um dia que eu estive na casa
do meu pai. O Lucas teve, né? O Lucas estava lá, o Heitor
brincou com ele e pode ter ‘pego’ aquele dia lá. O primeiro
que ficou doente foi o Heitor ou a Helena, um dos dois.
Estava lá o Lucas com a esposa.
mãe: O Lucas irmão do Matheus?
Vinicius: não, é o Lucas secretário.
mãe: entendi, um grandão
Vinicius: É. Lá no governo todo mundo teve. Mãe: o que ele
foi fazer na casa dos outros?
Vinicius: meu pai, ideia de maluco. Todo mundo com corona
no governo e chama o cara para ir na casa dele.
mãe: tem sorte de não ter ‘pego’, o seu pai. Fez o exame?
Vinicius: fez, quando o do Lucas deu positivo ele fez os exames.”

Em sintonia com a estreita relação comprovadamente existente entre o senhor


Lucas Tristão, lugar-tenente do Réu, e o empresário Mário Peixoto, em depoimento
prestado à Procuradoria Geral da República no Rio de Janeiro, o ex-Secretário de
Estado de Saúde Edmar Santos afirmou que o próprio Réu atribuía ao citado
empresário o sucesso de sua eleição. No depoimento, disse: “Que WILSON WITZEL
atribui a sua vitória eleitoral a MARIO PEIXOTO”.

353
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Em contraponto às negativas do empresário Mário Peixoto quanto à sua


participação na vitoriosa campanha eleitoral do Réu, outro ex-integrante do governo
estadual, o senhor Hormindo Bicudo Neto, ex-Controlador Geral do estado do Rio de
Janeiro, que se qualificou como amigo do Réu, em depoimento, na condição de
informante, ao Tribunal Especial Misto, assim afirmou:

“O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Conheci o Mario Peixoto


bem antes. Conheci o Mario Peixoto quando eu fui
Controlador Geral do Município de Nova Iguaçu, na gestão
do Lindbergh, e o Mario Peixoto já representava nas
cooperativas de trabalho. E havia tanto questionamento sobre a
possibilidade de as cooperativas prestarem serviço público ou
não.
Na época, como Controlador, e conhecendo bem a dinâmica do
Tribunal de Contas, eu consegui emitir um parecer, naquela
época era um parecer sazonal, de acordo com a necessidade da
saúde naquela época, que foi inclusive aprovado pelo Tribunal
de Contas depois. A partir dali, Mario Peixoto passou a ter um
contato comigo praticamente profissional, porque houve
um respeito e tudo.
Muitos anos depois se passaram, eu não tive mais contato
com ele, fui ter um novo contato com ele justamente quando
da candidatura. Porque ele tinha um instituto de pesquisa...
O SR. LUIZ PAULO - Ah, o Sr. Mario Peixoto tinha um
instituto de pesquisa?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Sim, ele tinha um
instituto de pesquisa. Não sei se ele ainda tem hoje.
O SR. LUIZ PAULO - Não, não. Eu só fiquei curioso.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Ele tinha um instituto de
pesquisa e eu pedi a ele uma pesquisa. Porque essa ideia
da candidatura pudesse ser válida, eu pedi a ele uma
pesquisa. Ele me fez uma pesquisa, ele sempre faz
pesquisa, ele inseriu lá alguns requisitos da pesquisa para
a gente poder analisar tecnicamente e saber a viabilidade ou
não. Afinal de contas a pessoa teria que largar a carreira de
magistrado, não podia ir para uma aventura.
Então, foi assim. E dali eu acabei me desligando deles porque
eu não pude mais continuar na campanha.
O SR. LUIZ PAULO – Pois é, mas nessa pesquisa que o Sr.
Mario Peixoto patrocinou para o Sr. Wilson Witzel,
seguramente deu um resultado...
(...)
O SR. LUIZ PAULO – Sim, mas função dessa pesquisa que
ele patrocinou...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Sim. Sim.
O SR. LUIZ PAULO – ... deve ter dado indicadores de que
seria positiva a candidatura do Wilson Witzel.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – É. Numa análise que o
senhor conhece bem, não é?
O SR. LUIZ PAULO – Sim, sim, mas deu algum nível de
positividade, tanto é que ele virou candidato.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Exatamente.” (grifos
nossos)

354
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Logo, fica claro que há relações de proximidade que unem o Réu, o seu homem
de confiança e empoderado secretário, Lucas Tristão, e o empresário Mário Peixoto.
Essas relações foram importantes para dar algum nível de proteção aos interesses do
empresário na administração estadual, durante a gestão do Réu. Assim, considerando
que a OSS Unir Saúde estava vinculada ao aludido empresário, que a dirigia ou, no
mínimo, representava seus interesses, tal situação colidia com os interesses do grupo
concorrente, liderado pelo Pastor Everaldo, em conluio com o empresário Edson
Torres, notadamente em relação aos contratos na área de saúde. Ora, como Edmar
Santos torna-se secretário com a interveniência da citada dupla, sua ação, como titular
da Secretaria, não favorecia as demandas e pretensões do empresário Mário Peixoto.

Com efeito, assim que assumiu a Secretaria de Estado de Saúde, o então


Secretário Edmar Santos deu início à auditoria sobre a situação das organizações
sociais, que, segundo ele, trabalham, todas, na esfera da ilicitude. Ele assim se
pronuncia, em resposta ao relator, conforme o diálogo abaixo:

“O Senhor WALDECK CARNEIRO: o senhor afirmou, em uma


de suas respostas aqui hoje, que não há nenhuma OS que
trabalhe de forma lícita na saúde. Isso se aplica à Unir e à
Iabas na sua gestão também?
O Senhor EDMAR SANTOS: Se aplica a todas (...).
O Senhor WALDECK CARNEIRO: Certo, mas também à Unir
e à Iabas...
O Senhor EDMAR SANTOS: Também à Unir e à Iabas.”

A auditagem realizada na Secretaria, em que todas as organizações sociais


praticavam ilicitudes, conforme declaração do próprio secretário, identificou três
organizações sociais, tidas como as mais “problemáticas”: OSS Unir Saúde, OSS Pró-
Saúde e OSS Cruz Vermelha. Apesar disso, apenas a OSS Unir Saúde teve
instaurado em seu desfavor processo administrativo com vistas à sua desqualificação,
sendo as demais substituídas por outras organizações sociais, porém sem sofrer a
penalidade máxima de desqualificação.

Apesar de devidamente respeitados o contraditório e a ampla defesa da OSS


Unir Saúde, bem como ter sido o ato de desqualificação firmado pelos secretários

355
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

estaduais responsáveis, na forma dos diplomas legais que regem a matéria, a


instauração do processo administrativo n° E-08/001/1170/2019 (desqualificação da
Unir) se deu por determinação do ex-Secretário de Estado de Saúde, pessoa
intimamente ligada, como já vimos, ao grupo do Pastor Everaldo, concorrente do
grupo encabeçado pelo empresário Mário Peixoto. O vínculo do ex-secretário com a
dupla Pastor Everaldo/Edson Torres é confirmado no depoimento do empresário ao
MPF, como se observa a seguir:

“Que Edmar, no meio da conversa, perguntou ao depoente


se o mesmo não poderia arrumar um cargo para ele; que
Edmar disse que Witzel esteve no HUPE durante a
campanha e tinha gostado da visita; que Edmar pediu que o
depoente intercedesse junto ao governador eleito para a
obtenção do cargo do secretário de saúde; que até então o
depoente e Everaldo não tinham um nome para a secretaria
de saúde; que como Witzel já conhecia Edmar de sua visita
ao HUPE, acabou o escolhendo.”

No entanto, na tentativa de evitar a desqualificação da OSS Unir Saúde, o Réu


determinou que Edmar Santos fosse a um almoço com o empresário Mário Peixoto,
com a presença do senhor Lucas Tristão, fato esse narrado pelo próprio ex-Secretário
de Estado de Saúde, em seu depoimento aos membros do Tribunal Especial Misto,
no último dia 07 de abril. Vejamos o diálogo:

O SR. WILSON JOSÉ WITZEL – Sim. O senhor disse que nunca


teve nenhuma relação com o Mario Peixoto, nunca teve nenhum
contato com ele (...)
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS – À exceção do
almoço que eu fui a pedido seu, junto com o Lucas Tristão,
mais ou menos em junho, julho, a única vez que eu tive com
o Mario Peixoto, não é? E que o tema principal da conversa
dele foi realmente não desqualificar a Unir, me dando aí a
certeza que ele seria o dono oculto da Unir porque ele quase não
falou de outro assunto a não ser esse, e assim como o José
Carlos, como o Everaldo, ele próprio, também, queria ter mais
negócio na Saúde, como todo mundo queria ter mais negócio na
Saúde.
(...)
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL – Confirma, muito obrigado.
O senhor relata que teve um almoço com o Sr. Mario Peixoto e
com o Secretário Lucas Tristão. Esse almoço está relatado –
ressalto aqui, chamo a atenção do Tribunal que o almoço não
está relatado no anexo, mas consta do Termo de Declaração a
24 de junho de 2020, em que aparece o almoço. Esse almoço
de que participou o Sr. Lucas Tristão, a reunião tratou da
permanência da OS Unir nos contratos da Secretaria de Saúde:
“...A que o colaborador não sabe dizer se formalmente a OS está
em nome de Mario Peixoto, mas ficou claro que, de fato, lhe
356
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

pertencia”. O que o senhor pode esclarecer como “ficou claro


que, de fato, lhe pertencia”?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS– Porque 90% do
tempo que a gente almoçou, o Mario Peixoto tava
preocupado em que a Unir fosse reabilitada, quer dizer, não
fosse desqualificada, de que isso traria prejuízo para ele e
que, além disso, ele teria interesse em outros negócios de
empresas dele na Saúde. Ou seja, se ele quer outros negócios
de empresa dele, ele está afirmando que a Unir também é uma
empresa dele, não é? Então, na conversa, no almoço, foi muito
claro isso. A insistência do próprio Lucas, também, que eu
atendesse ao Mario Peixoto. (...)” (grifos nossos)

É interessante constatar que o Réu se contradisse, ao ser interrogado pelo


relator na mesma sessão, quando negou que tenha pedido ao ex-secretário para que
fosse ao referido almoço. Não se trata simplesmente de contradição com a fala de seu
ex-secretário, mas com sua própria fala. Afinal, ele afirmou “está certo”, quando
Edmar Santos repetiu que tinha ido ao tal almoço a pedido do Réu, mas que este não
pedira ao secretário para atender a demanda do empresário. Ora, se o Réu não
apenas não contestou seu ex-secretário, mas confirmou seu depoimento,
classificando-o como “certo”, por que então negou a ordem dada ao seu então
secretário para participar do almoço, quando indagado pelo relator a esse respeito?
Vejamos o breve diálogo:

“O SR. WALDECK CARNEIRO – Alguma vez o senhor chegou


a pedir ao Secretário de Saúde Edmar Santos que
participasse de um almoço com o Sr. Mario Peixoto e Sr.
Lucas Tristão?

O SR. WILSON JOSÉ WITZEL – Hipótese alguma.”

Sem sucesso na tentativa de reverter a situação da OSS Unir Saúde junto ao


seu então secretário de Saúde, o Réu viu publicada a Resolução Conjunta
SES/SECCG nº 664/2019, que desqualificou a entidade como organização social.

Em depoimento ao Tribunal Especial Misto, o Senhor Edmar Santos disse que


tomou conhecimento da possibilidade de requalificação da OSS Unir Saúde em
conversa com o Réu, na varanda do Palácio Guanabara, ocasião em que, segundo o
depoente, alertou o governador de que a requalificação da OSS Unir Saúde seria

357
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“batom na cueca”. Na oportunidade, o Réu respondeu, segundo o depoente, que


“era um pedido que ele não poderia deixar de atender”. Vejamos:

“O SR. WALDECK CARNEIRO – Bem, quando o senhor alertou


o Governador afastado que seria, na sua expressão, “batom na
cueca” a requalificação da Unir, o senhor queria dizer
exatamente o quê? E como ele reagiu a esse alerta?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS – Eu queria dizer
que era tão óbvio todas as evidências, que não tinha volta.
Não tem como fazer diferente. Se ele assina qualquer coisa
de... E, pior, o decreto... Na verdade, pelo decreto, o
Governador não teria nem essa autoridade. Porque a
qualificação de uma OS ou sua desqualificação tem que ser
concomitante da Saúde com a Casa Civil.
Então, ainda tinha essa questão sobre o próprio decreto
estadual que trata sobre as OSs no nosso âmbito.
Mas, pior que isso, com tantas evidências no processo que
foi feito – um processo longo, bem documentado –, como é
que, no dia seguinte, alguém assina e fala: não, está
qualificado de novo. Não é? Óbvio, aquela lista de processo,
bem-feito, com parecer da PGE, é um “batom na cueca”. Não é?
O SR. WALDECK CARNEIRO – E em relação...
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS – E ele reagiu(...)
Ele reagiu assim: não, não tem jeito, tenho que atender o
pedido. E é o pedido do Mario Peixoto. Então, ele estava
pressionado a atender o pedido, apesar dos riscos que isso
trazia.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Eu só queria entender...
Desculpe, Dr. Edmar. Ele, então, respondeu dizendo que não
teria jeito e era preciso atender ao pedido do senhor Mario
Peixoto? Foi nesses termos, aproximadamente?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS – É, que eu tenho
que atender... Um pedido que eu não posso deixar de
atender.”
O SR. WALDECK CARNEIRO: Mas ele falou que era do Mario
Peixoto?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS – Ele não falou do
Mario Peixoto diretamente. Mas todo o contexto, desde a minha
... o pedido aí ... é do Mario Peixoto. Por que a Unir é de quem?
Do Mario Peixoto. (grifos nossos)

Diante disso, em 24 de março de 2020, fazendo uso de seu poder discricionário,


o Réu publicou despacho para requalificar a OSS Unir Saúde, sem qualquer parecer
técnico que o fundamentasse, revogando o ato conjunto de seus secretários e
tornando a entidade apta novamente para assumir novos contratos de gestão.

Na direção contrária à decisão de requalificação proferida pelo Réu,


manifestou-se o senhor Hormindo Bicudo Neto, ex-Controlador Geral do Estado,

358
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

amigo do governador afastado, em depoimento ao Tribunal Especial Misto. Quando


indagado pelo Relator, se “não achava um pouco estranho que, para ter havido uma
resolução conjunta da Secretaria de Estado de Saúde e da Casa Civil e Governança
para desqualificar a Unir, isso tenha sido precedido por um parecer técnico e, para
decretar a sua requalificação, o Governador não tenha consultado ninguém, não tenha
se baseado em parecer técnico nenhum”, o ex-Controlador respondeu:

“O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Não concordo.


O SR. WALDECK CARNEIRO – Não concorda?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO - Não concordo com essa
atitude, não concordo com o ato, não posso lhe dizer
tecnicamente, porque eu não li, nunca tive acesso a esse
processo e nem aos pareceres que o fundamentaram, mas seria
de bom alvitre, por uma questão até de cuidado, a qualquer
gestor, de que encaminhe para os órgãos de controle
determinadas situações em que possa correr risco a sua
gestão. (...)” (grifos nossos)

Ainda sobre o tema, em seu interrogatório no Tribunal Especial Misto, o Réu foi
esquivo, quando questionado pela Desembargadora Inês da Trindade Chaves de
Melo, sobre a requalificação da OSS Unir Saúde. Vejamos:

“A SRA. INÊS DA TRINDADE CHAVES DE MELO – O senhor


revogou a desclassificação da Unir Saúde contradizendo o
parecer jurídico do Procurador responsável. O senhor
considera prudente, responsável, esse ato administrativo,
mesmo sabendo que a Unir respondia a 20 processos
administrativos na Secretaria de Estado de Saúde por
irregularidades na condução dos contratos existentes junto
ao Governo Estadual, na área de Saúde, inclusive, um deles
já com penalidade administrativa?
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL – Desembargadora Inês, V. Exa.
que é uma especialista no tema de improbidade, eu queria
esclarecer que, assim como a Unir, várias outras OS também
tinha problemas de irregularidade, 2018, 2017, 2016, foram
anos em que essas organizações sociais tiveram pagamentos
interrompidos por conta de várias crises financeiras. Assumimos
um Governo com R$17 bilhões de restos a pagar e grande parte
desses restos a pagar era em relação a organizações sociais e
atividades ligadas à área da Saúde.
Então, a Unir estava dentro desse problema em que as
irregularidades que elas alegavam – V. Exa. pode observar
no processo – muitas delas eram por falta de pagamento.
Então, não consertou o ar-condicionado, não colocou número de
médicos que deveria ser colocado, isso era um problema que
várias outras OS também tinham.” (grifos nossos)

A propósito desse quadro de irregularidades generalizadas, reconhecido pelo


próprio Réu, é especialmente revelador o diálogo travado entre ele e a
359
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves, durante o interrogatório do


governador afastado:

A Senhora Teresa de Andrade Castro Neves – A minha pergunta


é justamente por que não, já que existiam outras, e o senhor
estava ciente de que existiam outras com irregularidades
(...).
O Senhor Wilson José Witzel: Então, foi essa pergunta que fiz
para o secretário Edmar: ‘por que você não está fazendo a
desqualificação das outras OSs que estão em situações
muito piores?’
A Senhora Teresa de Andrade Castro Neves – Mas então a
opção foi para não punir ninguém, não para punir todos que
estivessem errados?”

Diante do triste quadro instalado no estado do Rio de Janeiro, em meio a


inúmeras suspeitas de corrupção e desvio de dinheiro público, envolvendo empresas
privadas e organizações sociais, além de pagamento de vantagens a agentes públicos
integrantes do Poder Executivo fluminense, no dia 14 de maio de 2020, por decisão
da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal do Rio de Janeiro, o empresário Mário Peixoto
foi preso preventivamente, no âmbito da “Operação Favorito”.

Curiosamente, ato contínuo à prisão do empresário Mário Peixoto, exatamente


no dia seguinte ao fato, o Réu voltou atrás em sua decisão de requalificar a OSS Unir
Saúde. Ora, mas se a requalificação discricionária da entidade, decidida
monocraticamente pelo Réu, menos de dois meses antes, não tinha nenhuma relação
com qualquer demanda do empresário Mário Peixoto, como várias vezes afirmou o
Réu, por que então ele se apressou em rever o seu próprio ato?

À luz do ordenamento jurídico brasileiro, assiste razão à Acusação, tendo em


vista que o Réu deixou de observar um princípio basilar da administração pública, qual
seja, a moralidade, princípio que está diretamente vinculado ao conceito de probidade,
que, por sua vez, abrange as noções de dignidade, honra e decoro, conforme tipificado
no artigo 9°, item 7, da Lei Federal 1.079, de 10 de abril de 1950.

No que tange ao princípio da moralidade, trata-se de realçar que o agente


público não pode se limitar a agir apenas dentro do estrito cumprimento dos comandos
legais, embora isso seja fundamental. Mas, não é suficiente. O exercício da função

360
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

pública requer também o estrito respeito ao imperativo da probidade. Nesse sentido,


já se manifestou o Ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo Tribunal Federal, nos
autos do Recurso Extraordinário nº 160.381 – SP, analisando o princípio da
Moralidade à luz da Constituição Federal:

“Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal


consagrou a moralidade como princípio de administração
pública (art 37 da CF). isso não é verdade. Os princípios podem
estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer
constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento
jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema,
permeando as diversas normas regedoras de determinada
matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto
constitucional, não significa que nunca teve relevância de
princípio. A circunstância de, no texto constitucional
anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa
que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo
amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez “el hecho de su
consagración en una norma legal no supone que con
anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa
haya perdido tal carácter” (El princípio de buena fé en el derecho
administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais de direito
existem por força própria, independentemente de figurarem em
texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto
constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio. O
agente público não só tem que ser honesto e probo, mas
tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher
de César.” (grifos nossos)

Logo, conclui-se que, não apenas a inobservância dos comandos legais, mas
também a indesejável flexibilidade moral, configuram práticas criminosas, ainda que
de natureza diversa. Afinal, o crime de responsabilidade contra a probidade
administrativa não é um crime comum, mas um delito especificamente vinculado à
adoção, por parte do agente público, de conduta incompatível com a dignidade, a
honra e o decoro do cargo que ocupa.

Sobre o mesmo tema, já dispunha o artigo 48, do Decreto nº 30, de 08 de


janeiro de 189219, que, em seu capítulo IV, artigo 48, definia o crime de
responsabilidade contra a probidade da administração. Vejamos:

19
BRASIL. Diário Oficial da União. Seção 1, 1892. Página 449. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-30-8-janeiro-1892-541211-
publicacaooriginal-44160-pl.html
361
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“Art. 48. Comprometter a honra e a dignidade do cargo por


incontinencia publica e escandalosa, ou pelo vicio de jogos
prohibidos ou de embriaguez repetida, ou portando-se com
inaptidão notoria ou desidia habitual no desempenho de
suas funcções.”(grifos nossos, mantida a redação original)

Percebe-se, portanto, que a preocupação com a dignidade, a honra e o decoro,


no exercício de cargos do alto escalão da gestão pública, há muito se faz presente no
arcabouço legal brasileiro. Como exemplo, podemos citar:

a) No âmbito da administração púbica federal: o artigo 9°, item 7, da Lei


Federal n° 1.079, de 10 de abril de 1970:

“Art. 9° São crimes de responsabilidade contra a probidade


na administração:
(...)
7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra
e o decôro do cargo.”(grifos nossos)

b) No âmbito da administração pública estadual: o §1° e inciso II, do artigo


104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro:

“Art. 104 - Perderá o mandato o Deputado:


(...)
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o
decoro parlamentar;
(...)
§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos
casos definidos no Regimento Interno, o abuso das
prerrogativas asseguradas a membro da Assembleia
Legislativa ou a percepção de vantagens indevidas.” (grifos
nossos)

Na mesma linha, ainda na citada Carta Estadual, dispõe o artigo 146:

“Art. 146 - São crimes de responsabilidade os atos do


Governador do Estado que atentarem contra a Constituição
da República, a do Estado e, especialmente, contra:
(...)
V - a probidade na administração; (...)” (grifos nossos)

Cabe ressaltar ainda os ensinamentos do saudoso jurista e ex-Ministro do


Supremo Tribunal Federal, Paulo Brossard20, sobre a responsabilização de

20
BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 3ª Edição. São Paulo, 1992. Editora Saraiva.
362
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

autoridades públicas pela prática de crime de responsabilidade e, consequentemente,


por atentar contra a honra, a dignidade e o decoro do cargo:

“Só aquele que pode malfazer ao Estado, como agente seu,


está em condições subjetivas de sofrer a acusação
parlamentar, cujo escopo é afastar do governo a autoridade
que o exerceu mal, de forma negligente, caprichosa,
abusiva, ilegal ou facciosa, de modo incompatível com a
honra, a dignidade e o decoro do cargo” (grifos nossos)

Ora, mas quais seriam os conceitos de honra, dignidade e decoro do cargo de


Governador? Antes de responder, faz-se necessário esclarecer o significado desses
termos, à luz do vernáculo.

Segundo o Dicionário Houaiss21, honra é o “princípio de conduta de quem é


virtuoso, corajoso, honesto; cujas qualidades são consideradas virtuosas.”; no
Dicionário Caldas Aulete22, é definida como “princípio de conduta pessoal
fundamentado na ética, honestidade, coragem e em outros traços de comportamento
socialmente considerados virtuosos; DIGNIDADE; HONRADEZ”; e no Dicionário
Michaelis23, como “princípio moral e ético que norteia alguém a procurar merecer e
manter a consideração dos demais na sociedade”.

Sobre dignidade, define-a o Dicionário Houaiss como a "qualidade moral que


infunde respeito; consciência do próprio valor; HONRA, autoridade, nobreza"; no
Dicionário Caldas Aulete, a dignidade é definida como a "qualidade moral que infunde
respeito; HONRA; autoridade"; e, por fim, no Dicionário Michaelis, é definida como o
"modo de proceder que transmite respeito; autoridade, HONRA, nobreza".

Já a palavra decoro, segundo o Dicionário Houaiss, é o "acatamento das


normas morais; DIGNIDADE, HONRADEZ, pundonor"; no Dicionário Caldas Aulete, é
definido como "honestidade, integridade, HONRADEZ"; e, segundo o Dicionário
Michaelis, é "seriedade e decência ao agir; DIGNIDADE".

21
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001.
22
AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Delta,
1980.
23
MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998.
363
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Percebe-se a evidente sinonímia que vincula as noções de dignidade, honra e


decoro, que se aplicam à ocupação do cargo de governador. Se não, vejamos:

a) dignidade do cargo de Governador: dever de o Governador pautar sua


conduta pelas mais rígidas normas éticas, o que lhe exige, em qualquer ocasião, alto
padrão de comportamento, o que se refletirá em seu desempenho como chefe do
Poder Executivo e no grau de respeito que lhe é devido;

b) honra do cargo de Governador: o apreço e o respeito de que é objeto ou


se torna merecedor o Governador, perante os cidadãos em geral, os demais Poderes
e os servidores públicos;

c) decoro do cargo de Governador: valor moral e social da Chefia do


Governo, cujo elevado conceito social é essencial para o exercício válido e
democrático do poder.

Com o mesmo entendimento, em sede de Alegações Finais, a Acusação


discorre sobre a linha do tempo que embasa a participação e a ciência do governador
afastado Wilson Witzel nas tomadas de decisão, sob a influência de atores políticos e
operadores financeiros que o cercavam, deixando cristalina sua preferência por
grupos econômicos em detrimento do interesse público. Vejamos:

“A questão central sob a ótica do Crime Responsabilidade do


Governador Sr. Wilson Witzel, não é definir quem era o detentor
último do poder decisório na estrutura da UNIR, se era Luiz
Roberto Martins ou Mario Peixoto. E, sim, que a requalificação
da UNIR foi ato ímprobo, que não atendeu o interesse
público, e que a sua desqualificação em seguida foi uma
tentativa de se dar uma falsa aparência de imparcialidade,
quando os atos ímprobos já tinham sido descobertos pelas
operações do MPE-RJ e MPF.” (grifos originais)

Diante de todo o exposto, conclui-se, portanto, que o ato praticado pelo Réu,
qual seja, a requalificação da OSS Unir Saúde deu-se em clara e total afronta às
noções de dignidade, honra e decoro, ou seja, em completa inobservância ao
imperativo da probidade. Afinal, no exercício da função pública, não se pode agir para
proteger ou prejudicar, deliberadamente, interesses privados, particulares ou
específicos, em detrimento do elevado interesse público.

364
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

5. Segundo Eixo da Acusação: contratação da OSS IABAS

Em relação ao segundo eixo da acusação, qual seja, a contratação da OSS


IABAS, os denunciantes afirmam haver robustos indícios de participação do Réu na
prática de atos ilícitos referentes à celebração do contrato milionário, no valor total de
R$835.772.409,78 (oitocentos e trinta e cinco milhões setecentos e setenta e dois mil
quatrocentos e nove reais e setenta e setenta e oito centavos).

A citada contratação, que ocorreu em caráter emergencial e sem qualquer tipo


de seleção pública ou licitação, tinha como objetivo a montagem de 7 (sete) hospitais
de campanha no estado, na esfera pública, de modo a possibilitar o aumento de 1.800
(mil e oitocentos) leitos, aqui incluídos os leitos intensivos, para serem disponibilizados
à população fluminense, sendo essa uma das medidas anunciadas pelo Réu, ainda
no mês de março de 2020. Pouco depois, chegou a ser anunciada uma oitava unidade,
sem contar, como já mencionado anteriormente, a unidade que seria erguida sob a
responsabilidade do setor privado, que estava fora do escopo do contrato.

O Relatório Final da Comissão Especial constituída na ALERJ para investigar


as contratações emergenciais na área de saúde, no contexto da pandemia, revela
que, no caso da contratação da OSS IABAS, não se constatou: a) justificativa
pertinente para a escolha dessa entidade; b) estudo preliminar para fundamentar a
contratação; c) especificação mínima de quantitativos referentes aos itens
contratados; d) devido zelo na antecipação de pagamento sem garantias suficientes
para a administração pública, entre outros aspectos temerários (ALERJ, Comissão
Especial COVID-19. Relatório Final, 2020, p. 69).

Dos hospitais de campanha prometidos, apenas 2 (dois) foram entregues


(Maracanã e São Gonçalo), mesmo assim, depois de considerável atraso no
cronograma de montagem e com número reduzido de leitos, muito aquém do
alardeado, como já foi mencionado na seção anterior.

Já vimos que, tão logo a pandemia se abateu sobre a população fluminense, o


quadro de inépcia na gestão da crise, por parte da administração estadual, foi ficando
delineado. Já vimos, também, que, além dos problemas gerenciais, rumores,

365
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

suspeitas e indícios de irregularidades ganharam corpo, o que despertou o interesse


investigativo de diferentes órgãos de controle do Estado.

O Réu, em sua defesa técnica, apresentada a este Tribunal Especial Misto,


alega: (a) que está dada a inexistência de provas ou indícios de sua participação na
contratação da OSS IABAS, imputando tais responsabilidades ao então Secretário de
Estado de Saúde, senhor Edmar José Alves dos Santos, e a seu Subsecretário
Executivo, senhor Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos; (b) que, após noticiada
pela imprensa a existência de superfaturamento na contratação da citada entidade,
determinou à Controladoria Geral do Estado (CGE) que procedesse a auditoria prévia
em todas as contratações emergenciais, o que fez por meio da edição do Decreto
Estadual n° 47.039, de 17 de abril de 2020.

É necessário fazer alguns destaques sobre atores importantes para a


elucidação das questões inerentes à contratação da OSS IABAS e sobre a existência
de um grande esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de vantagens
indevidas a agentes públicos, durante a gestão do Réu.

Como já vimos, o empresário Edson Torres teve participação destacada na


indicação de Edmar José Alves dos Santos para o cargo de Secretário de Estado de
Saúde, com a anuência do Pastor Everaldo, presidente nacional do Partido Social
Cristão (PSC), junto a quem o empresário gozava de grande influência.

Pastor Everaldo, por sua vez, além de político conhecido no cenário fluminense
e presidente nacional do PSC, partido pelo qual se elegeu Wilson Witzel, exercia,
como já afirmamos, grande influência na gestão estadual, em diferentes áreas.

Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos foi a pessoa escolhida pelo Pastor
Everaldo para ocupar o cargo de Subsecretário Executivo da Secretaria de Estado de
Saúde. Tal decisão foi comunicada ao então Secretário de Estado de Saúde Edmar
Santos pelo empresário Edson Torres. O Secretário, à época, não rejeitou a indicação
e delegou ao novo subsecretário executivo o poder de efetuar contratações e ordenar
despesas do órgão.

366
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Sobre suas relações com a dupla Pastor Everaldo/Edson Torres, Edmar


Santos, em seu depoimento prestado à Procuradoria Geral da República no Rio de
Janeiro, em 24 de junho de 2020, discorreu com clareza meridiana:

“(...)Que passada a eleição e tendo sido eleito, no período de


transição, o colaborador recebeu ligação por voz por
Whatsapp de EDSON TORRES; Que EDSON disse que o
futuro cargo de Secretário de Saúde estava entre o
colaborador e FERNANDO FERRY; Que o colaborador é
convidado por EDSON para um café da manhã no Hotel Hilton
na Barra da Tijuca, em novembro de 2018, estando presentes
apenas o colaborador e EDSON; Que na ocasião EDSON
afirmou que era "sócio" do PSC junto com o Pastor
Everaldo; Que ambos se consideravam "proprietários" do
partido; Que, por conta disso, EDSON afirmou que não tinha
interesse que FERNANDO FERRY assumisse a Secretária
de Saúde pois este tinha ligação com o Deputado Estadual
Rodrigo Amorim que é do PSL; Que a procura por outro
nome tinha como objetivo emplacar um nome do PSC ao
cargo; Que o colaborador percebeu essa primeira reunião
como uma mera sondagem, não havendo qualquer tratativa
sobre negócios ilícitos; Que, após uma semana, o
colaborador liga para EDSON por Whatsapp para saber
notícias e EDSON o convida para uma segunda reunião no
mesmo hotel HILTON; Que os termos da conversa são os
mesmos; Que não há nenhuma tratativa de vantagens
ilícitas, mas o nome do colaborador é chancelado por
EDSON para ser o nome indicado pelo partido ao cargo; Que
até então não conhecia o Pastor Everaldo; Que é marcada,
então, reunião na FIRJAN, onde funcionava o gabinete de
transição do Governador no Centro do Rio de Janeiro; (...)
Que esta primeira reunião com WITZEL foi muito atípica;
Que WITZEL conversou apenas por 15 minutos com o
colaborador. falando sobre parcerias público-privadas e temas
de seu interesse; Que o colaborador saiu da reunião achando
que não seria o escolhido pois não foram feitas muitas
perguntas a respeito do seu currículo, experiência ou visão
a respeito das políticas públicas de saúde para o Estado;
Que após dois ou três dias o colaborador recebe ligação de
EDSON onde é marcada nova reunião com o governador no
prédio da FIRJAN; Que EDSON servia como um
intermediário do PASTOR EVERALDO; Que nessa segunda
reunião o colaborador conversa de maneira detida com
WILSON WITZEL, por duas a três horas; Que o discurso do
governador neste momento é no sentido de afastar os grupos
corruptos dentro da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de
Janeiro; Que o colaborador chegou a pedir segurança para si e
família país temia pela sua vida ao mexer com os grupos que
estavam infiltrados na Secretaria de Estado de Saúde; Que
nesta reunião não houve qualquer ajuste de vantagem indevida
com o Governador; Que, após certo tempo, em novembro de
2018, o colaborador é indicado como futuro secretário de
saúde; (...)” (grifos nossos)

367
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Com relação à nomeação do ex-Subsecretário Executivo da pasta da Saúde,


Grabriell Neves, ainda em seu depoimento à PGR, Edmar Santos esclarece:

“(...) Que, ao longo de sua estadia à frente da Secretaria de


Estado de Saúde, a tensão com o grupo do PASTOR
EVERALDO foi crescendo e, a partir de outubro de 2019,
começou a haver pressão para troca subsecretária
executiva MARIA THEREZA LOPES; Que o colaborador
chegou a entender que havia ameaças veladas à DARIA
THEREZA, com expressões como "ela está muito velhinha, pode
falecer a qualquer momento"; Que as pressões começaram a
crescer e vários nomes foram sendo sugeridos para ocupar
o cargo; Que, à época, a indicação do nome de GABRIELL
NEVES não pareceu ao colaborador uma má indicação num
primeiro momento pois o mesmo possuía experiência na
área, sendo subsecretário na pasta de Ciência e Tecnologia;
Que, em janeiro de 2020, o colaborador foi chamado à sede
do PSC e o PASTOR EVERALDO comunicou que o novo
Subsecretário Executivo da Secretaria de Saúde seria, de
fato, GABRIELL NEVES; Que, a partir desse momento, o
colaborador começou a suspeitar do motivo pelo qual
GABRIELL tinha sido escolhido pelo PASTOR EVERALDO;
Que havia um processo de compliance na Casa Civil que fazia
uma avaliação da vida pregressa do futuro subsecretário; Que,
desta forma, a escolha não era exclusiva do Secretário
passando pelo aval de outras pastas (Casa Civil e
Governador); Que o colaborador entende que a nomeação
de GABRIELL teria como objetivo deixa-lo como "rainha da
Inglaterra". (grifos nossos)

Quanto à proximidade e à existência de uma relação de amizade entre o Pastor


Everaldo e o empresário Edson Torres, em seu depoimento prestado à PGR, em 03
de setembro de 2020, o empresário assevera:

“(...)Que no início da década de 90 o depoente começou a


gerir a Dinâmica Segurança, da qual detinha 50% de
propriedade; Que geria a Dinâmica. mas mantinha-se como
diretor das demais empresas; Que a empresa já possuía
diversos contratos com o setor público e na campanha para
o Governo do Estado do Rio de Janeiro de 1994 o depoente
chegou a visitar tanto MARCO AURÉLIO ALENCAR quanto
representantes da campanha de MARCELO ALENCAR; Que
forneceu cerca de 40 veículos para a campanha de
GAROTINHO a pedido de AUGUSTO ARISTON; (...) Que na
mesma eleição, registra que conheceu PASTOR
EVERALDO, num encontro promovido com evangélicos e a
candidata ao Senado Benedita;(...) Que após o Governo de
MARCELO ALLENCAR. o depoente passou a estreitar suas
relações com o PASTOR EVERALDO;(...) Que registra que
EVERALDO sempre teve negócios no ramo imobiliário; Que,
em 2003, EVERALDO ofereceu ao depoente a compra da
empresa BRM ENGENHARIA E CONSULTORIA; Que nessa
época EVERALDO colocou seu filho LAÉRCIO para cuidar

368
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

da empresa; Que o depoente comprou três ou quatro terrenos


no Recreio dos Bandeirantes para fazer incorporações; Que
Foram feitos três prédios. mas a empresa não teve sucesso: Que
o plano original era utilizar os apartamentos para aluguel, mas
todos os apartamentos acabaram sendo vendidos; Que
EVERALDO saiu da empresa após dois anos; (...)” (grifos
nossos)

Já com relação ao Pastor Everaldo, se manifestou Edmar Santos em seu


depoimento prestado à PGR, destacando sua proximidade com o Réu. A esse
respeito, assim se expressou:

“(...) Que nesta reunião, além do governador eleito WILSON


WITZEL, estavam o PASTOR EVERALDO, LUCAS TRISTÃO
e CLEITON RODRIGUES; Que os citados eram pessoas de
extrema confiança de WITZEL; (...)” (grifos nossos)

Também em seu depoimento prestado à PGR, o empresário Edson Torres


discorreu sobre os primórdios da parceria entre Pastor Everaldo, o depoente e o Réu:

“(...)Que o declarante esteve pessoalmente com WITZEL em


três oportunidades; Que, ao final de 2017 o declarante foi
convidado por EVERALDO para participar de uma reunião
com o Juiz Federal WILSON WITZEL; Que o propósito da
reunião era conversar sobre a viabilidade política de
WITZEL vir candidato a Governador do Estado do Rio de
Janeiro pelo PSC: QUE WITZEL ainda não era filiado e nem
poderia pois ainda era Juiz; Que tal reunião ocorreu na sede
do PSC. Rua Senador Dantas, 71, 21° andar, presentes o
declarante, EVERALDO, WITZEL e um empresário aposentado
amigo do declarante VALDIR LOPES; Que nessa reunião
WITZEL apresentou seu interesse em ser candidato ao
Governo do Rio de Janeiro; Que nessa reunião. foram
tratados apenas assuntos políticos e viabilidade; (...) QUE
VICTOR HUGO possuía também interlocução de PASTOR
EVERALDO para influenciar no governo WITZEL; (...)” (grifos
nossos)

Ainda sobre a relação de proximidade existente entre o Governador afastado


Wilson Witzel e o Pastor Everaldo, em depoimento prestado aos membros do Tribunal
Especial Misto, se manifestaram as seguintes testemunhas: (a) Hormindo Bicudo
Neto, ex-Controlador Geral do Estado do Rio de Janeiro durante a gestão de Wilson
Witzel; (b) Lucas Tristão do Carmo, ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico,
Energia e Relações Internacionais; (c) Alex da Silva Bousquet, ex-Secretário de
Estado de Saúde; (d) Edmar José Alves dos Santos, ex-Secretário de Estado de
369
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Saúde; (e) Edson da Silva Torres, empresário com forte atuação na saúde pública
estadual; (f) Valter Alencar Pires Rebelo, advogado e político filiado ao PSC. Disseram
eles:

a) Hormindo Bicudo Neto:

“O SR. WALDECK CARNEIRO – Uma última pergunta,


Presidente.
O senhor falou que tinha conhecimento da influência
política do Pastor Everaldo tendo em vista que ele é o
Presidente Nacional do Partido do Governador? O senhor
também tinha informações sobre a influência do Pastor
Everaldo na gestão de áreas do Governo: Detran, Cedae,
Saúde...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Ouvi falar, ouvi falar, né,
que ele também tinha na Cedae. No Departamento de
Trânsito, já não sei dizer para o senhor. Mas na Cedae ouvi
falar também que ele tinha interferência lá, sim: que o Dr.
Hélio era uma indicação dele.”

b) Lucas Tristão do Carmo:

“O SR. ALEXANDRE FREITAS – Sr. Lucas Tristão, qual sua


relação com o pastor Everaldo?

O SR. LUCAS TRISTÃO DO CARMO – A minha relação com


o pastor Everaldo, ela ficou muito ruim desde um período ali
na campanha. Desde então, a gente sempre se tratou
institucionalmente. Ele era o Presidente do partido do
Governador, eu era um Secretário de Estado do Governo
Wilson Witzel e nosso relacionamento sempre foi ali
institucional.”

c) Alex da Silva Bousquet:

O SR. WALDECK CARNEIRO – Entendi. O senhor afirmou


também que se encontrou uma única vez com o Pastor
Everaldo no Palácio Guanabara.
O SR. ALEX DA SILVA BOUSQUET – Isso.
O SR. WALDECK CARNEIRO – Foi alguma reunião
específica?
O SR. ALEX DA SILVA BOUSQUET – Não foi reunião
específica, foi encontro de corredor.

d) Edmar José Alves dos Santos:

370
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“O SR. WILSON JOSÉ WITZEL – Não houve facilitação de


indicação de OS etc.? O senhor participou de alguma
reunião?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS – Participei de
algumas reuniões com o pastor Everaldo e com o Edson
Torres e com o Vitor, que eu não lembro o sobrenome.
(...)
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - E o senhor se lembra da
resposta que eu dei ao senhor?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - O senhor me
deu uma primeira resposta.
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL - Qual foi a resposta que eu
dei para o senhor?
O SR. EDMAR JOSÉ ALVES DOS SANTOS - Que o senhor ia
conversar com o pastor Everaldo sobre isso. (...)”

e) Edson da Silva Torres:

“O SR. CARLOS MACEDO – Muito bem. Eu faço uma outra


pergunta. Dessa forma, o pastor Everaldo, ele é o longa
manus do Governador Wilson Witzel ou foi o longa manus
do Governador Wilson Witzel?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Me perdoe. Eu queria
que o senhor falasse em português. Eu não entendo essa
palavra “longa manus”.
O SR. CARLOS MACEDO – Muito bem. Seria uma mão
executora de uma ordem superior, ou seja, um braço que
não faz parte do mesmo corpo, mas atende a um comando
cerebral extinto ali ou independente daquele corpo.
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Sim.”

“O SR. ALEXANDRE FREITAS – Perfeito. O senhor tem


alguma dúvida de que o pastor Everaldo era o operador
financeiro do já Governador Wilson Witzel em questão de
favorecimentos em contratos do Estado?
O SR. EDSON DA SILVA TORRES – Não.”

f) Valter Alencar Pires Rebelo

O SR. FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA –


Depois de eleito o Governador tinha contato com o Pastor
Everaldo, assim, no Palácio, contatos com certa
frequência?
O SR. VALTER ALENCAR PIRES REBELO – Sem dúvida.
Em algumas oportunidades eu pude observar em algumas
reuniões a presença do Pastor que, para mim, conduzia
assuntos partidários. Eu nunca participei dessas reuniões,
mas o via em algumas oportunidades no palácio.”

371
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Importa destacar que, sobre o livre trânsito do Pastor Everaldo no Palácio


Guanabara, sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro, o próprio Wilson Witzel
confirmou esse fato em seu interrogatório no Tribunal Especial Misto:

(...)
O SR. WALDECK CARNEIRO – Pastor Everaldo?
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL – Diversas vezes, Presidente
do partido. Foram várias... Inclusive, várias das Atas de
entrada e saída do Palácio Laranjeiras constavam o Márcio
Pacheco, o Claudio Castro, o Sandro, membros da executiva
estadual do partido para tratar das eleições de 2020. Eu,
como Governador e Presidente de honra do partido, opinei, não
só nas eleições do Rio de Janeiro, mas do Brasil inteiro. Eu
estive em São Luiz do Maranhão para acompanhar as prévias
para a eleição no Maranhão, filiando Prefeito; no dia da minha
defesa de tese de doutorado eu estava em São Luiz fazendo
campanha – na verdade, fazendo campanha de filiação. Então,
eu, como Presidente de honra do partido, viajei o Brasil com
o Pastor Everaldo, com Deputados Federais do meu partido no
Tocantins, na Bahia, e no Rio de Janeiro não era diferente.
Foram várias reuniões realizadas com a executiva do
partido para definir sobre eleições. A reunião era
eminentemente política.”

São necessários tais esclarecimentos quanto ao networking entre essas


pessoas para possibilitar o enfrentamento do mérito quanto à influência do
Governador afastado Wilson Witzel na contratação da OSS IABAS.

Isto posto, em sua defesa apresentada ao Tribunal Especial Misto, o Réu aduz
não existir quaisquer indícios de sua participação na contratação da OSS IABAS.
Contudo, na contramão de sua afirmação, em depoimento prestado à Procuradoria
Geral da República no Rio de Janeiro, o ex-Secretário de Estado de Saúde, senhor
Edmar Santos, declarou ter sofrido pressões vindas do Réu e de terceiros para a
montagem dos hospitais de campanha, nos mesmos moldes dos contratados pelo
Estado de São Paulo.

Apesar do estudo realizado por sua equipe, que apontava outras medidas, o
então Secretário de Estado de Saúde foi informado pelo então Subsecretário
Executivo de sua pasta, senhor Gabriell Neves, que a OSS IABAS seria a organização
social encarregada de construir e gerir hospitais de campanha, sendo ele, o
subsecretário, o gestor responsável por decidir sobre a contratação:

372
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“QUE, com o avanço da pandemia, porém, o Estado de SP


decidiu montar hospitais de campanha e o colaborador
voltou a conversar com BERTHOLDO, mas não definiu que
seria o IABAS o contratado; QUE o governador WITZEL e a
primeira-dama HELENA começaram a pressionar o
colaborador para a montagem de hospitais de campanha, já
que as cobranças na média aumentaram; QUE o colaborador
voltou a projetar com sua equipe a montagem de hospitais de
campanha, em modelos diferentes do de SP, seguindo um
racional técnico; QUE quem bateu o martelo para a contratação
do IABAS não foi o colaborador; QUE o colaborador recebeu de
GABRIELL NEVES a notícia de que seria o IABAS a OS
contratada; QUE o colaborador acreditou que essa escolha
havia sido deliberada pelo grupo do PASTOR EVERALDO,
já que o IABAS já tinha uma relação com o grupo;(..) QUE o
novo contrato, porém, não solucionou alguns vícios como a
ausência de prazo para entrega dos hospitais e a falta de
exigência de documentos; QUE o contrato foi assinado mesmo
com esses vícios, o que causou espanto no colaborador, pois
sacramentou uma mudança drástica na postura do Estado com
o IABAS, que começou bastante severa e terminou
demasiadamente flexível; (...)” (grifos nossos)

Importa ainda destacar, sobre a contratação da OSS IABAS, que o Pastor


Everaldo, segundo depoimento de Edmar Santos, deixava claro que nada acontecia
na Secretaria de Estado de Saúde sem que o Governador soubesse, seja com
antecedência ou mesmo no transcurso das ações, ressalvando que seu grupo tinha
carta branca para atuar:

“QUE o PASTOR EVERALDO já disse mais de uma vez ao


colaborador que todas as questões que passavam pelo
grupo tinham carta branca do governador WILSON WITZEL,
que às vezes sabia antes e às vezes era informado ao longo
do processo;(...)” (grifos nossos)

Como se vê, segundo o delator, o Pastor Everaldo declarou que as ações de


seu grupo político tinham o aval do Governador, ou seja, o Réu tinha conhecimento
sobre as mesmas. Em depoimento ao Tribunal Especial Misto, outros agentes
públicos que integraram a equipe do Governo do Estado, durante a gestão do Réu, se
manifestaram, dando a entender que o governador afastado era sabedor do que se
passava em sua administração. É o caso do ex-Controlador Geral do Estado do Rio
de Janeiro, senhor Hormindo Bicudo, que alertou o chefe do Poder Executivo, não
apenas sobre a má fama, mas também sobre o valor astronômico da contratação da
OSS IABAS. Segue sua declaração a esse respeito, em diálogo com a Acusação:

373
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

“O SR. LUIZ PAULO – Que é um dos eixos aqui da nossa


investigação.
O senhor é um homem de controle, há muitos anos,
segundo a sua experiência, vai a três décadas. A Iabas
havia sido desqualificada do Município do Rio de Janeiro no
Governo de Marcelo Crivella e desqualificada por uma
bagunça que ela vez lá, a bagunça era tão grande que tem
uma Deputada que dizia que ela não era nem Iabas, era
“Diabas”.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Eu me lembro disso.
O SR. LUIZ PAULO – Você vê como ela é conhecida, e ela foi
convidada por alguém para construir, construir obra de
engenharia e gerenciar serviços médicos...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Isso mesmo.
O SR. LUIZ PAULO – Serviços incompatíveis.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Totalmente.
O SR. LUIZ PAULO – Que só faz aumentar o valor do
contrato.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – E numa dimensão
absurda.
O SR. LUIZ PAULO – Porque vai pagar um sobre preço sobre
as obras de engenharia.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Exatamente.
O SR. LUIZ PAULO - Quem vai pagar? O Estado.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Perfeito.
O SR. LUIZ PAULO – Claro, o senhor vai investigar isso, é
claro que isso salta aos seus olhos. Veio à tona algum dado
de realidade para o senhor de quem teria colocado essa
Iabas para fazer esse serviço?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Deputado, quando eu
fiquei sabendo da dimensão dessa contratação, né?
O SR. LUIZ PAULO - Mais de 800 milhões.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Na época era 850...
O SR. LUIZ PAULO - Pois é, mais de 800...
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Com 10 hospitais de
campanha, que não é hospital simples, é um hospital...
Hospital mesmo, porque hospital de campanha não é um
piso, um ar condicionado, é um universo muito pesado, é
uma responsabilidade muito grande e eu fiquei bem
assustado como tudo aconteceu, sem planejamento
nenhum, umas planilhas de orçamento totalmente
equivocadas, o que sofreu uma ação nossa direta junto com
a Procuradoria do Estado.
Numa primeira medida, nós reduzimos em mais de 150
milhões aquele contrato e me surpreendeu também por ser
o Iabas porque ele aparece no nosso relatório e não aparece
muito bem no nosso relatório de auditoria, aparece com
deficiências graves e isso me surpreendei profundamente,
alertei todo setor, alertei o Secretário Edmar também por
que dessa escolha, essa informação nunca me veio...
O SR. LUIZ PAULO - O senhor alertou o Governador
também?
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Alertei o Governador
também, ele criou uma comissão na época, se eu não me
engano, até a pedido com o Vice-Governador participando,
eu participei dessas reuniões, de vez em quando porque a
situação também ficou insustentável, Deputado, porque nós

374
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

estávamos com a pandemia acontecendo, a proliferação do


vírus estava enorme, os hospitais já tinham iniciado a
construção com esse instituto escolhido pela Saúde dessa
forma equivocada, mas, também parar aquilo poderia correr
um risco ainda maior de começar tudo do zero e as pessoas
sendo contaminadas à velocidade do que estava, então,
isso deu um medo em todo mundo, deu medo na PGE, deu
medo na CGE, deu medo na Assembleia, deu medo em todo
mundo.
O SR. LUIZ PAULO – Era para ter medo mesmo.
O SR. HORMINDO BICUDO NETO – Era para ter medo
mesmo. E, felizmente ou infelizmente, nós tivemos que
continuar com o Iabas naquele primeiro momento,
reduzimos o contrato, modificamos algumas cláusulas
deles que, inclusive, cláusula de despesa de capital
reverteriam em favor do Estado, ou seja, aquele dinheiro
que foi pago a eles teria voltado para a gente, mas, eu
confesso ao senhor que foi uma decisão horrível,
lamentável e que de falta de planejamento mesmo, porque
nem a projeção de 10 hospitais eu assumiria como gestor
porque eu nem vi ainda o tamanho do vírus, a expansão
dele.
Eu já projetar dez, assim, de primeira linha, foi meio pesado.
Eu achei muito exagerado. (...)”

Ainda sobre a má fama da OSS IABAS e os riscos envolvidos em sua


contratação, outra ex-integrante do Governo do Estado do Rio de Janeiro na gestão
Wilson Witzel, senhora Mariana Scardua, declarou ter avisado seu superior
hierárquico, o Secretário de Estado de Saúde, sobre aqueles aspectos e, em
consequência disso, teria sido exonerada do cargo que ocupava. Afirmou a depoente
à Acusação:

O SR. LUIZ PAULO - E relatava para ele que a Organização


Social Iabas tinha avaliação de 96% de conceito C na gestão
do Hospital Adão Pereira Nunes, que ela tinha sido
desqualificada no Município da Capital, que ela estava
inscrita na dívida ativa do Município da Capital, que ela teve
um dirigente preso e estava sendo investigada pelo próprio
Ministério Público, então, perguntei a ele se ele alertou o
Secretário ou alguém do Governo sobre tudo isso que
pesava sobre a Iabas, visto que ela foi escolhida para tocar
um contrato de construção e gestão de hospitais de
campanha de mais de oitocentos milhões de reais. A
senhora tinha conhecimento de todos esses fatos que eu
relatei aqui?
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA – Sim.
O SR. LUIZ PAULO – E a senhora relatou para o Sr. Edmar?
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA – Então, com relação
ao contrato de gestão do Hospital Adão Pereira Nunes, eu
repito aqui que tem um parecer meu ratificando pela não
renovação deste contrato, encaminhando para as
375
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

subsecretarias e para o Secretário competente, para as


sanções devidas e não renovação.
Com relação ao hospital de campanha, quando eu fiquei
sabendo...
O SR. LUIZ PAULO – Mas a Iabas, especificamente.
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA – Sim, a Iabas, Hospital
Estadual Adão Pereira Nunes, gerido pela Iabas, só tinha
conceito C e uma prestação de contas muito frágil. Após
avaliar os relatórios da comissão de fiscalização, ratifiquei
o parecer da CAF pela não renovação, não renovação deste
contrato, pela troca da Organização Social, porque o Iabas
não entregava o que estava em contrato. Essa foi uma das
ações.
A outra, como eu disse aqui, eu ficava sabendo, também já
falei isso na Alerj e no MPE, eu ficava sabendo das ações da
secretaria de estado pela televisão, às sete da manhã,
quando o Secretário entrava no ar. E por aí eu fiquei
sabendo que teriam hospitais de campanha, depois eu
fiquei sabendo que os hospitais de campanha seriam todos
com o Iabas. Aí, eu cheguei a comentar com ele que era... a
palavra certa, não sei como dizer, mas que era imprudente,
perigoso, porque o Iabas já tinha um histórico de não
entregar, e ele tinha conhecimento disso. Aí, sei lá, um dia
depois, dois dias depois, eu fui exonerada.

Novamente ao ser questionada sobre a contratação da OSS IABAS, desta vez


pela Deputada Dani Monteiro, Mariana Scardua afirma ter avisado sobre os riscos da
contratação daquela entidade ao Subsecretário Executivo (Gabriell Neves) e ao
Secretário de Estado de Saúde (Edmar Santos). Eis o excerto de seu depoimento com
esse teor:

A SRA. DANI MONTEIRO – Ao encontrar algumas


inconformidades, falhas ou faltas, nas palavras da senhora,
que em geral são irregularidades na gestão dos contratos, a
quem a senhora deveria se reportar?
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA – Então, eu não sei se
alguma testemunha já falou, mas a Comissão de
Acompanhamento e Fiscalização do Contrato de Gestão,
pelo decreto, é subordinada ao Secretário de Estado de
Saúde e ela se reporta aos superintendentes e aos
Subsecretários, para dar ciência desse acompanhamento.
Então, quando eu tive, por exemplo... quando você tem ciência
de alguma prestação de serviço que não está em conformidade
com o contrato, a primeira ação, por exemplo, da área técnica, é
notificar, por ofício, pedindo para corrigir. E aí, a gente comunica
aos órgãos competentes. Então, assim, quando era alguma
coisa que não era conduzida, a gente tinha que comunicar à
SubCIC, à Subsecretaria de Controle Interno e Compliance. A
CAF direcionava os relatórios também para a Subsecretaria de
Controle Interno e Compliance.
Então, por exemplo, no caso do Iabas, que é um caso
emblemático, quando a CAF encaminha o relatório para a
376
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Superintendência de Acompanhamento de Contrato de


Gestão, encaminha para a Subsecretaria de Gestão da
Atenção Integral, eu fiz questão – era um caso muito grave
-, então, eu fiz questão de informar todos os setores
competentes: a Subsecretaria Executiva; ao Secretário de
Saúde.
Eu não me lembro se eu cheguei a avisar a Subsecretaria Geral
ou não, mas ela não tem competência também nesse ramo, mas
é importante talvez saber. E, por fim, acho que também a gente
informou à Subsecretaria Jurídica ou pediu posterior
encaminhamento. Mas a Subsecretaria de Controle Interno e
Compliance; o Secretário de Estado e a Subsecretaria
Executiva, que são os três diretamente interessados, eles
foram comunicados pela Subsecretaria de Gestão da
Atenção Integral à Saúde, assim como foram comunicados
pela CAF.
A SRA. DANI MONTEIRO – Mariana, conforme as suas
declarações aqui, a falta de transparência motivou o pedido
da sua exoneração em fevereiro de 2020. Correto?
A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA – Sim. A falta de
transparência da Subsecretaria Executiva com relação à
execução financeira dos contratos e à execução financeira
e orçamentária dos contratos e à assinatura dos novos
contratos e lançamento de novos editais.

Em sua defesa, o Réu afirmou que ordenar despesas não faz parte das
atribuições do cargo para o qual foi eleito, mas sim o acompanhamento de políticas
públicas estrategicamente elaboradas, conforme seu plano de governo e promessas
de campanha.

Ainda em sua defesa, diz ter implantado o Sistema Eletrônico de Informações


(SEI), desenvolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com vistas à
garantia do acesso às informações sobre contratos e contratações em curso, de modo
a fortalecer a transparência das ações governamentais.

Foi exatamente nesse sentido que o Réu se manifestou em seu interrogatório,


em resposta ao Desembargador Fernando Foch:

“O SR. FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA –


Eu não sei se estou bem lembrado, mas acredito que não.
Acredito ter ouvido de V. Exa. na campanha eleitoral que
governaria desconfiando. Ou seja, fiscalizando todos os
seus Secretários. Essa... eu estou enganado ou isso foi dito
em campanha, Governador?
O SR. WILSON JOSÉ WITZEL – Desembargador, durante a
campanha eleitoral, eu fiz várias afirmações de
compromisso com a transparência. Tanto que ao assumir o
Governo do Estado eu implantei o SEI que foi feito um
377
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

acordo com o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que


tem o mais moderno sistema de processamento eletrônico
não só administrativo, mas judicial, o e-PROC e o SEI.
Fizemos um convênio com o TRF da 4ª Região e
implantamos o SEI no Governo do Estado. Para dar total
transparência às licitações, aos processos administrativos.
Da minha parte, sempre nós nos comportamos de forma
transparente. Em relação aos Secretários, a orientação
sempre foi nesse sentido. Agora, eu não tenho como
controlar efetivamente o que o Secretário faz - com quem
ele janta, com quem ele sai. Não é possível isso. São mais
de 20 Secretários, são Subsecretários. É difícil. Não é
possível controlar.”

Ocorre que todas as promessas e o declarado cuidado com a transparência,


em processos administrativos e licitações realizadas pelo Poder Executivo, não foram
suficientes para impedir a falta de limpidez na rumorosa contratação da OSS IABAS.

É relevante destacar que a cifra do contrato para montagem e gestão dos


hospitais de campanha no estado do Rio de Janeiro, qual seja, o valor exato de
R$835.772.409,78 (oitocentos e trinta e cinco milhões setecentos e setenta e dois mil
quatrocentos e nove reais e setenta e oito centavos), representa mais de 10% (dez
por cento) do orçamento previsto para a Saúde Estadual no ano de 2020, conforme
consta na Lei Orçamentária Anual daquele ano, que consignava o montante de R$
7.075.545.394,00 (sete bilhões setenta e cinco milhões quinhentos e quarenta e cinco
mil trezentos e noventa e quatro reais) 24 para o setor. Trata-se da maior contratação
feita pela administração estadual, com uma única empresa, em todas as áreas, no
ano de 2020. Provavelmente, uma das maiores contratações da história recente da
administração pública estadual do Rio de Janeiro.

Com relação ao fato de ser o senhor Grabriell Neves, Subsecretário Executivo


da Secretaria de Estado de Saúde, o responsável por ordenar despesas daquela
pasta, isso em nada exclui a responsabilidade do Réu, posto que era seu dever zelar
pela boa conduta de seus subordinados, mormente quando estão investidos de
responsabilidades estratégicas. Voltaremos às questões “estratégicas” mais adiante.

24 GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL 2020. Disponível em:
http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC42000007038
378
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Se os Secretários de Estado e Subsecretários exercem cargos de confiança e


são orientados a praticar atos que lhes são delegados, direta ou indiretamente, pelo
governador, este deve responder, não apenas pela escolha do subordinado, mas
também pelo dever de supervisionar diretamente os atos praticados por seus
escolhidos.

Com relação ao fato de que, após noticiada pela imprensa a existência de


superfaturamento na contratação da OSS IABAS, o Réu determinou que a
Controladoria Geral do Estado (CGE) fizesse auditoria prévia em todas as
contratações emergenciais, cabe ressaltar que, conforme consta das Alegações
Finais da Acusação:

“A IABAS, tinha 96% de avaliação de desempenho semestral em


conceito “C”, no contrato 03/2016, para gestão do HEAPN. Tal
conceito representa o mais crítico desempenho e, mesmo assim,
a IABAS foi selecionada pelo comando da área da Saúde
estadual, com intenção não republicana, para implantar e gerir
7(sete) Hospitais de Campanha e que, ainda, tinha sido
desqualificada no Município do Rio de Janeiro por gestão
precária, que tinha sido investigada pelo MPE e que teve
dirigente da mesma preso. E que, também, estava inscrita na
dívida ativa do Município da Capital. O aparato institucional do
Estado nada verificou, mesmo se tratando de um contrato de tal
dimensão.”

Cabe repetir que essa péssima reputação e avaliação foi também notificada ao
ex-Secretário de Estado de Saúde e ao seu Subsecretário Executivo, pela Senhora
Mariana Scardua, que também exercia cargo de Subsecretária naquela pasta:

“A SRA. MARIANA TOMASI SCARDUA – Sim, a Iabas,


Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, gerido pela Iabas, só
tinha conceito C e uma prestação de contas muito frágil.
Após avaliar os relatórios da comissão de fiscalização,
ratifiquei o parecer da CAF pela não renovação, não
renovação deste contrato, pela troca da Organização Social,
porque o Iabas não entregava o que estava em contrato.
Essa foi uma das ações.
A outra, como eu disse aqui, eu ficava sabendo, também já
falei isso na Alerj e no MPE, eu ficava sabendo das ações da
secretaria de estado pela televisão, às sete da manhã,
quando o Secretário entrava no ar. E por aí eu fiquei
sabendo que teriam hospitais de campanha, depois eu
fiquei sabendo que os hospitais de campanha seriam todos
com o Iabas. Aí, eu cheguei a comentar com ele que era... a
palavra certa, não sei como dizer, mas que era imprudente,
perigoso, porque o Iabas já tinha um histórico de não

379
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

entregar, e ele tinha conhecimento disso. Aí, sei lá, um dia


depois, dois dias depois, eu fui exonerada.”

Como se pode observar, a má fama da OSS IABAS era amplamente conhecida


entre gestores graduados da equipe do Réu. Apesar disso, foi a organização social
escolhida para prestar o serviço de montagem e de gestão dos hospitais de
campanha. Ademais, não obstante a publicação do Decreto Estadual n° 47.039, de
17 de abril de 2020, que determinava a realização de auditoria nos contratos
emergenciais realizados pela Secretaria de Estado de Saúde no âmbito das ações de
enfrentamento à pandemia do coronavírus, aquela famigerada organização social foi
afastada apenas no mês de junho de 2020, após a publicação do Decreto Estadual n°
47.103, de 02 de junho de 2020, sob pressão da imprensa e depois de desembolsados
valores expressivos pelo erário.

Isso por certo ocorreu pelo fato de que a OSS IABAS tem estreita ligação com
o grupo liderado pelo Pastor Everaldo, cujo principal operador executivo, nos meses
de fevereiro e março de 2020, no âmbito da SES, era Gabriell Neves, que respondia
pelas contratações no órgão.

Nesse sentido, destacou a Acusação, em suas Alegações Finais:

“Para robustecer a acusação de que a contratação da IABAS


foi escusa e se deu de forma irregular e improba através de
uma organização criminosa na gestão do acusado de Crime
de Responsabilidade, o GOVERNADOR WILSON WITZEL, é
que se transcreve o abaixo:
No termo de colaboração do Sr. Edmar José Alves dos
Santos, em sede de delação premiada ao MPF em 24/06/20,
as fls. 2 e 3 de 5, no Anexo 14 – IABAS, afirma: “ QUE, por
ser aliada ao grupo do PASTOR EVERALDO o IABAS
alimentava o pool de empresas que contribuía com o caixa
da propina (...)
QUE, em janeiro de 2020, BERTHOLDO conversa com o
colaborador sobre a perspectiva da contratação de hospitais de
campanha, para a pandemia que se aproximava, Que o
colaborador não deu muita importância para essa conversa
porque os hospitais de campanha não estavam em seus planos;
Que, com o avanço da pandemia, porém, o Estado SP decidiu
montar hospitais de campanha e o colaborador voltou a
conversar com BERTHOLDO, mas não definiu que seria o
IABAS o contratado; Que o governador WITZEL e a primeira-
dama HELENA começaram a pressionar o colaborador para a
montagem de hospitais de campanha, já que as cobranças na
mídia aumentaram; Que o colaborador voltou a orientar com sua
equipe a montagem de hospitais de campanha, em modelos

380
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

diferentes de SP, seguindo um raciocínio técnico; QUE quem


bateu o martelo para a contratação do IABAS não foi o
colaborador; QUE o colaborador recebeu de GABRIELL
NEVES a notícia de que seria o IABAS a OS contratada; QUE
o colaborador acreditou que essa escolha havia sido
deliberada pelo grupo do PASTOR EVERALDO, já que o
IABAS já tinha uma relação com o grupo; QUE, entretanto,
o colaborador não teve a confirmação de VICTOR HUGO que
essa decisão partiu do grupo; QUE PASTOR EVERALDO
posteriormente informou ao colaborador que também não
partiu dele essa decisão, mas é possível que tenha partido;
Que VICTOR chegou a se queixar da interferência de CASSIO
BARREIROS na relação com o IABAS; QUE a interface do
grupo do empresário JOSÉ CARLOS narrado em anexo próprio
era feita por CASSIO BARREIROS, que foi chefe de gabinete da
casa civil e posteriormente assessor especial do governador
WITZEL (...)”

Isto posto, não resta qualquer dúvida de que o Réu, ao lado do Pastor Everaldo,
tendo como operadores executivos Edmar Santos e, por dois meses, Gabriell Neves,
estruturou esquema para destinar parcela significativa do orçamento da pasta da
saúde estadual à efetivação de uma contratação temerária, mas aparentemente
tentadora, em face do estratosférico valor do contrato.

Pelo exposto, conclui-se, portanto, que, no lapso temporal entre a contratação,


a determinação de realização de auditoria e o efetivo afastamento da OSS IABAS, as
ações ocorreram mediante comando, direto ou indireto, do Réu. Ainda que não haja
sua assinatura no contrato; ainda que ele não tivesse executado uma ação direta para
contratar a OSS IABAS, é inverossímil que não soubesse de nada do que se passava.
Afinal, era a maior contratação de seu governo, com grande cobertura midiática e com
incidência sobre o principal desafio do Rio de Janeiro, naquele momento e ainda hoje:
salvar as vidas das pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Ora, poderia o Réu,
como governador, ficar absorto face a tudo isso?

Na hipótese de que a resposta à questão acima seja afirmativa, o caso passa


a ser de negligência, omissão, descuido ou desleixo. Como pode o Réu, como chefe
do Poder Executivo estadual, não ter acompanhado, monitorado, se interessado mais
de perto por um dossiê de gestão tão importante e tão decisivo para a vida do povo
fluminense?

381
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

De uma forma ou de outra, por ação direta ou indireta, ou, ainda, pela mais
absoluta omissão, não me parece cabível afastar a responsabilidade do Réu em
relação à desastrosa contratação da OSS IABAS. Até porque, sua atitude de se
manter sob alegada distância das decisões relativas à contratação da OSS IABAS foi
determinante para que tudo acontecesse da forma como ocorreu. Seu distanciamento,
omissão ou negligência, além de reprováveis por si mesmos, foram a senha para que
gestores e empresários, em conluio, agissem ao arrepio do interesse público e da
moralidade, de modo que o Réu pudesse vir a alegar, caso questionado, que não
tivera participação nos fatos, pois estava focado nas “questões estratégicas”.

Mas, mesmo sob o prisma da responsabilidade estratégica, sempre brandida


pelo Réu para justificar sua inimputabilidade sobre os fatos e responsabilidades que
lhe são atribuídos, há uma questão devastadora: afinal, o que seria mais estratégico
para o governador à época do que cuidar, com máximo zelo e irretocável integridade,
da gestão da saúde, da execução de um contrato milionário, único na administração,
em plena pandemia, com número ascendente de mortos e infectados no Rio de
Janeiro? Havia algo mais estratégico naquela conjuntura?

Outrossim, vale destacar que a definição de “improbidade” é motivo de


acalorados debates doutrinários entre juristas. Parte dos autores entende que a
probidade é dever máximo do agente público, mas outros doutrinadores preferem
enfatizar que ela é, a rigor, um dos princípios basilares da Administração Pública. Mas
essas vertentes, a rigor, não se colocam em contradição. Ambas as correntes são
confluentes quanto ao dever legal e moral do agente público em servir à administração
com honestidade, boa fé e zelo para com a res publica.

Nas lições da ilustríssima jurista Maria Sylvia Zanella di Pietro25, a improbidade


administrativa seria a lesão à probidade e à moralidade administrativa, acrescentando
ainda a autora que, quando tratada como infração, a improbidade ganha um sentido
mais extenso e preciso, abarcando os atos imorais ou desonestos, como também os
atos ilegais.

25 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001.
382
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Como se percebe, em relação ao modo de agir compatível com a dignidade,


a honra e o decoro do cargo de governador, impunha-se ao Réu o dever de
atendimento a padrões éticos, tais como honestidade, lealdade, cuidado, boa fé e
probidade.

É no mínimo curioso, além de improvável, que o governador afastado não


tivesse conhecimento da contratação da OSS IABAS para montagem e gestão dos
hospitais de campanha, assim como também é curioso, além de inverossímil, que o
Réu não tenha acompanhado o andamento do processo administrativo e a execução
desses serviços.

Além de ter grande envergadura financeira, sendo possivelmente o contrato


de valor mais alto da Secretária de Estado de Saúde e de todo o Poder Executivo
estadual, também se tratava de medida estratégica para o enfrentamento da
pandemia no estado do Rio de Janeiro. Sua omissão e negligência, no
acompanhamento do processo de contratação da empresa ou organização social que
realizaria a montagem e a gestão dos hospitais, certamente acabou por contribuir para
que dezenas de milhares de cidadãos fluminenses fossem fatalmente vitimados pela
covid-19, em decorrência da total ausência de infraestrutura na saúde estadual para
o acolhimento das pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

Segundo o Dicionário Michaelis26, a omissão é definida como “abstenção de


um ato ou de cumprimento de um dever legal; não realização de uma conduta
(socorro, salvamento, intervenção etc.) que pode ou poderia gerar responsabilidade
criminal, por causar dano moral ou patrimonial”; a negligência é definida como “(1)
falta de vigilância; descuido, desídia, desleixo; (2) sentimento de que alguém ou
alguma coisa não merece sua atenção ou respeito; desatenção, desinteresse,
menosprezo; (3) falta de iniciativa; indolência, inércia, preguiça.”

Já à luz do ordenamento jurídico brasileiro, a omissão e a negligência do Réu,


na qualidade de governador, caracterizam-se como descumprimento do poder-dever
de agir e, diante das consequências colhidas pela sociedade fluminense, não há como

26 MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998.

383
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

afastar sua responsabilização. Nesse diapasão, sublinha o eminente jurista Hely


Lopes Meirelles:

“O poder administrativo, portanto, é atribuído à autoridade


para remover os interesses particulares que se opõem ao
interesse público. Nessas condições, o poder de agir se
converte no dever de agir. Assim, se no Direito Privado o
poder de agir é uma faculdade, no Direito Público é uma
imposição, um dever para o agente que o detém, pois não
se admite a omissão da autoridade diante de situações que
exigem sua atuação. (“Direito Administrativo Brasileiro”,
2010, p.107)

Sobre a omissão e a negligência, nas palavras do saudoso jurista, professor de


direito e magistrado, Dr. José de Aguiar Dias27, podem ser conceituadas como:

“(...) omissão é a negligência, o esquecimento das regras de


proceder, no desenvolvimento da atividade. Negligência é a
omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as
condições emergentes às considerações que regem a
conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância
das normas que nos ordenam operar com atenção,
capacidade, solicitude e discernimento. A negligência
ocorre na omissão das precauções exigidas pela
salvaguarda do dever a que o agente é obrigado. Configura-
se, principalmente, no fato de não advertir a terceiro do
estado das coisas capaz de lhe acarretar prejuízo, de não
providenciar a remoção de objeto que produza dano
deixado em lugar público; na ignorância e no erro evitáveis,
quando impedem o agente de conhecer o dever; isto é
deixar de ouvir o que é audível, deixar de ver o que é visível.”

Logo, a responsabilização do Réu pode, sim, decorrer de sua conduta omissiva


e negligente no exercício de sua elevada função pública, de caráter executivo. Ou
seja, apto a cuidar, resolver, agir, como se espera de qualquer pessoa que exerça o
cargo de governador, o Réu, eleito para cumprir essa função, delega a terceiros, por
ação ou omissão, sem supervisão ou acompanhamento, a tomada de decisões
centrais de sua administração.

Como o próprio Réu ressaltou, não apenas em sua peça de defesa apresentada
ao Tribunal Especial Misto, mas também em seu interrogatório, sua obrigação se
restringia à tomada de “decisões estratégicas”. Ora, se a contratação milionária de um
serviço de montagem e gerência de hospitais de campanha para atendimento da

27 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. v. I, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
384
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

população fluminense, em meio a uma pandemia devastadora, não se tratava de


decisão estratégica de seu governo, ninguém mais saberá definir o sentido do que
seja estratégico.

Nessa perspectiva, também ensina o saudoso jurista Hely Lopes Meirelles28:

“o agente administrativo, como ser humano dotado de


capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o
Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E, ao atuar, não
poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim,
não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo
e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o
inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.”
(grifos nossos)

Em outras palavras, é inaceitável que, diante do porte financeiro do contrato e


da urgente necessidade de montagem de hospitais de campanha para atendimento à
população fluminense, cada vez mais afetada pela pandemia, que o Réu, como chefe
do Poder Executivo, não tenha se mantido informado sobre o processo de contratação
da OSS IABAS e, menos ainda, sobre a execução do contrato. Aliás, sem sequer tirar
proveito do inovador sistema que orgulhosamente implantou, o Sistema Eletrônico de
Informações, que lhe possibilitaria, de seu próprio gabinete, acompanhar o andamento
de todos os processos, notadamente monitorar o empenho, a liquidação e o
pagamento relativos a serviços prestados ou a bens e insumos comprados.

Mesmo em relação a supostas atitudes diligentes e zelosas reclamadas pelo


Réu em sua defesa, como a edição do Decreto nº 47.103, de 02 de junho de 2020,
que afastou a OSS IABAS da construção e da gestão dos fracassados hospitais de
campanha, o referido ato só veio à luz depois que o Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro exerceu seu poder de controle, determinando, em 27 de maio de 2020,
a suspensão dos pagamentos à entidade, por suspeita de irregularidades, incluindo
superfaturamento no contrato. Ou seja, o Réu afastou a OSS IABAS apenas poucos
dias depois da decisão do TCE-RJ!

28MEIRELLES, Hely Lopes et al. Direito Administrativo Brasileiro. 44ª ed. Salvador, Juspodivm; São Paulo:
Malheiros, 2020.
385
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Também é importante destacar que o Réu tem atitude hesitante, quando se


trata de responder sobre as decisões relativas à contratação da OSS IABAS. Embora,
nas Alegações Finais, a Defesa afirme categoricamente que a decisão sobre a
contratação da OSS IABAS tenha sido do Subsecretário Executivo Gabriell Neves, em
resposta ao Relator, durante o seu interrogatório, o Réu foi menos firme. Indagado se
a decisão tinha sido do Subsecretário Executivo, ele respondeu: “provavelmente”!
Aliás, não se sabe bem em que momento a administração estadual, sob o comando
do Réu, abandonou o “Plano de Resposta de Emergência ao Coronavírus no Estado
do Rio de Janeiro”, de janeiro de 2020, que previa o aproveitamento das estruturas
hospitalares das Forças Armadas e da própria Secretaria de Saúde, e se encaminhou
para a contratação discricionária da OSS IABAS. Como governador à época, será
mesmo honroso e digno que o Réu não tenha resposta precisa para nada disso?

Talvez a explicação esteja na resposta dada pelo Sr. Edson Torres, em diálogo
com a Acusação, durante seu depoimento. Indagado se a OSS IABAS participava da
caixinha de propina por ele assumidamente coordenada, no âmbito da Secretaria de
Estado de Saúde, o depoente afirmou: “Inicialmente, não. (...) Depois, no início de
2020, por causa da pandemia, que Edmar trouxe um contrato fechado referente
à pandemia, que, aí, colocou-se alguém para conversar com o IABAS sobre
questão de participação de propina.”

Nunca é demais lembrar dois dados assombrosos: no governo do Réu, o erário


estadual pagou cerca de R$ 256 milhões antecipadamente à OSS IABAS para
construir e gerenciar hospitais de campanha, iniciativa que se constituiu no mais
retumbante fracasso de sua gestão. O dramático corolário dessa vultosa soma
desperdiçada é o número de quase 44.000 mortos pela COVID-19 no Estado do Rio
de Janeiro, que fecha o mês de abril de 2021 com quase 740.000 casos confirmados.
Ambos os dados são do Consórcio de Veículos de Imprensa que monitora a pandemia
no Brasil.

Em resposta à Desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo, o Réu


afirmou, de forma eloquente, “que não é atribuição do governador verificar
regularidade de pagamentos”. Pouco antes, porém, afirmara, respondendo ao

386
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

Desembargador Fernando Foch, com orgulho, que havia implantado um moderno


sistema de monitoramento de informações da gestão: “Para dar total transparência
às licitações, aos processos administrativos. De minha parte, sempre nos
comportamos de forma transparente.” Contudo, mesmo com dispositivo tão
avançado, o Réu não sabe bem quem indicou o Subsecretário Executivo Gabriell
Neves, não sabe bem quem contratou a OSS IABAS, não sabe bem quanto se pagou
à entidade, pois, tudo isso, não seria de sua alçada. Essa atitude de “auto-
desresponsabilização”, de se colocar sempre como alguém que está eximido de
responsabilidade, mesmo diante de decisões graves em sua gestão, é efetivamente
indecoroso, aqui entendido como algo vergonhoso. Mas atenta também contra a
moral, na medida em que essa atitude de esquiva abriu caminho para que outros
operassem, de forma espúria, sem ser molestados, em sua administração.

Logo, não resta outra conclusão possível que não seja a nítida configuração de
flagrante, irresponsável e criminosa omissão do Réu, o que depõe gravemente sobre
a probidade de sua atuação como governador do estado do Rio de Janeiro.

6. DISPOSITIVO

Em relação à acusação de crime de responsabilidade relativo ao ato de


requalificação da OSS Unir Saúde, considero que a pretensão acusatória é
procedente, tendo em vista que tal ato, por parte do Réu, contribuiu diretamente para
proteger interesses privados, mesquinhos e ilegítimos, em detrimento do elevado
interesse público, sendo um capítulo da competição travada por grupos econômicos
concorrentes, no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, que
disputavam, por meio do aliciamento criminoso de agentes públicos e do pagamento
de vantagens indevidas, os contratos daquele órgão público estadual.

Em relação à acusação de crime de responsabilidade relativo à contratação da


OSS IABAS para construir e gerir hospitais de campanha, considero que a pretensão
acusatória é procedente, pois a atitude do Réu, ao se esquivar do exercício de sua
função de dirigente executivo máximo do Estado do Rio de Janeiro, contribuiu
diretamente para as maquinações delituosas de um dos grupos econômicos que

387
TRIBUNAL ESPECIAL MISTO

disputavam, por meio do aliciamento criminoso de agentes públicos e do pagamento


de vantagens indevidas, os contratos da Secretaria de Estado de Saúde.

Diante disso, CONSIDERANDO:

a) que o Réu, no que se refere a ambos os eixos da Acusação, agiu de modo


oposto ao que se espera de um governante e líder, no sentido de proteger, cuidar
e representar os legítimos interesses da população que governa e lidera;

b) que o Réu é particularmente conhecedor da Lei e das obrigações


inerentes ao ocupante de cargo público, posto que exerceu várias funções de
provimento efetivo, em diferentes órgãos públicos, notadamente o exercício da
magistratura federal, por quase 18 anos;

c) que as consequências diretas e indiretas dos atos praticados pelo Réu,


cuja autoria aqui reconheço, sem duvidar, portanto, de sua materialidade, têm relação
com os números devastadores de mortos e infectados pela pandemia do novo
coronavírus, no âmbito do estado do Rio de Janeiro;

d) que os atos do Réu, em relação aos dois eixos que estruturam a Acusação,
ferem frontalmente a dignidade, a honra e o decoro do cargo público que
ocupava:

ACOLHO INTEGRALMENTE A PRETENSÃO ACUSATÓRIA, OU SEJA, JULGO


PROCEDENTE, EM RELAÇÃO AOS DOIS EIXOS DA ACUSAÇÃO, O PEDIDO
PARA CONDENAR O RÉU À PERDA DO CARGO DE GOVERNADOR DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO E À INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE QUALQUER
FUNÇÃO PÚBLICA PELO PRAZO DE CINCO ANOS, NOS TERMOS DO ARTIGO
4º, INCISO V, DO ARTIGO 9º, ITEM 7, E DO ARTIGO 78, TODOS DA LEI FEDERAL
Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950.

É como voto.

WALDECK CARNEIRO
Relator

388

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