Amor e Psicanálise
Amor e Psicanálise
Amor e Psicanálise
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produzir dispositivos clínicos. De forma semelhante, poderíamos pensar que o
amor move, inclusive, a teoria e clínica psicanalítica, as quais não são
dissociadas da sociedade e da cultura.
O amor de transferência
Nas palavras de Lacan "a análise veio nos anunciar que há um saber que não
se sabe" (LACAN, 1972- 1973/2008, p. 102). Uma análise teria a finalidade de
possibilitar que advenha a verdade do sujeito bem como "o que a fala comporta
de amor" (LACAN, 1972-1973/2008, p. 102). Deste modo, o saber de uma
análise estaria ligado ao discurso amoroso.
Retomando o caso de Anna O., podemos pensar que por mais que uma
transferência de amor como essa seja difícil de se conduzir à medida em que
pode atrapalhar o tratamento, o analista não deve recuar frente à mesma. A
dificuldade do tratamento analítico, conforme o ocorrido com Breuer, estaria na
proximidade entre os conceitos de transferência e resistência:
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Fora justamente a partir da dificuldade encontrada por Breuer no caso Anna O.
que Freud propõe as regras técnicas da neutralidade e da abstinência: "já
deixei claro que a técnica analítica exige do médico que ele negue à paciente
que anseia por amor a satisfação que ela exige. O tratamento deve ser levado
a cabo na abstinência" (FREUD, 1915a/1996, p. 182). Isso também implica que
o analista não responda a todas as demandas dos pacientes. A ideia freudiana
da abstinência e da neutralidade implicaria a não responder nem sim e nem
não, mas deixar que o paciente associe frente ao silêncio do analista.
Não estou ali, afinal de contas, para seu bem, mas para que ele ame. Isso quer
dizer que devo ensiná-lo a amar? Certamente, parece difícil elidir essa
necessidade – quanto ao que vem a ser amar e o que vem a ser o amor, há
que dizer que as duas coisas não se confundem (LACAN, 1960-1961/1992, p.
23).
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que haja possibilidade de esclarecer aquele algo. Posteriormente, no texto, o
autor conceitua o termo:
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pela janela era: I love you! Primeira e última palavra do ser falante (QUINET,
2011, p. 31, itálicos no original).
No entanto, o Freud nos lembra que, apesar da satisfação ser sempre parcial,
a finalidade da pulsão é sempre a satisfação sendo que a única possibilidade
de variação seria de serem "inibidas em sua finalidade" (FREUD, 1915b/1996,
p. 128).
Nesse sentido, se o amor é aquilo que repete, e que ao mesmo tempo deve
ficar na abstinência para não se esvair, como vemos em exemplos de amor
platônico, amor cortês e amor transferencial, modelos estes de amores
impossíveis, surge então uma questão: tendo proximidade entre o campo
amoroso e a pulsão, como abordar sob o enfoque do conceito de amor, as
questões ligadas ao corpo? Deste modo, "dizer que não há o objeto de desejo
não significa que não haja uma infinidade de objetos que causam desejo"
(FERREIRA, 2004, p. 8). Deste feito, o sujeito buscará sempre uma satisfação
a qual nunca será completa.
O amor narcísico
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quando se volta para um objeto, esse amor será idealizado e dependerá do
infantil de cada sujeito. Vejamos:
Amor e Castração
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O amor seria, então, uma tentativa de fazer desaparecer a falta original do
desejo. A situação paradoxal do amor, no entanto, também é reconhecida por
Freud e por Lacan: se o encontro amoroso proporciona, por um lado, um certo
apaziguamento ao alimentar a ilusão da completude perdida, por outro lado,
implica sempre um efeito de logro, pois basta amar para que o sujeito se
reencontre com essa hiância estrutural, como diz Lacan, na medida em que o
que falta ao sujeito (amante), o objeto (amado) também não tem.
Amor e Gozo
Conclusão
Para Freud, o amor está ligado mais à idealização, enquanto para Lacan, à
sublimação. Na obra freudiana, o amor é, a princípio, situado do lado da pulsão
sexual, enraizando-se no narcisismo primário. Ou seja, amor e sexo
compartilham, em sua constituição, o prazer parcial ligado, de início, à boca.
Amar como sinônimo de devorar seria, então, a primeira configuração do amor.
Além disso, o amor seria independente do ódio (forma mais primitiva de relação
com o objeto), opondo-se a este apenas sob a regência do princípio de prazer.
Mais tarde, com a introdução do conceito de narcisismo, implicando em que o
eu é também objeto da pulsão sexual, Freud distingue duas formas de amar,
mas não se descuida de discutir os destinos pulsionais. A escolha amorosa
seria marcada, então, pela divisão da libido entre o eu e o objeto, implicando
uma supervalorização do eu ou do objeto e sendo denominada,
respectivamente, narcisista e anaclítica (mais tarde, ligada à identificação e à
idealização). O amor, modelado pelas primeiras experiências, e as pulsões
sexuais, com seus pontos de fixação, são considerados dois campos distintos,
ambos funcionando como se o tempo houvesse parado. É, especialmente, em
sua vertente de idealização, na qual o objeto é tomado como fonte de todo
bem, que Freud destaca a tendência a uma relação de submissão neurótica a
este. Há uma preciosa indicação da autora sobre a aproximação, realizada por
Freud, entre o amor e os destinos da pulsão sexual, que devemos destacar.
Não obstante a distinção estrutural, os dois campos mantêm pontos de
conexão, que podem ser entrevistos na ampliação da oposição amor e ódio
(que passa a incluir a indiferença e o ser amado). Finalmente, com a
formulação da pulsão de morte, Freud volta a reunir amor e sexo sob a
denominação de Eros, agora tomado em seu poder de oposição frente à morte.
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O amor-paixão se dirige ao outro como objeto, buscando complementaridade e
revelando sua raiz narcísica, já indicada por Freud. Ou seja, o sujeito ama para
ser amado. Acrescenta que a paixão (além do amor, o ódio e a ignorância) é,
justamente, a alienação do desejo no objeto. Em sua face simbólica,
diferentemente, o eixo do amor é situado, não no objeto, mas naquilo que o
objeto não tem. Como dom ativo, o amor visa o ser, para além da captura
imaginária, sustentando-se e equivocando-se na trama significante. O que
Lacan sublinha é, sobretudo, a falta de harmonia fundamental entre sujeito e
objeto. Como a linguagem, o amor, em sua vertente simbólica, revela um
esforço, sempre precário, de fazer frente ao real da falta.
Lacan destacará, também, do amor como recusa do dom, articulando-o com a
pulsão de morte e com a sublimação, pois, em seu centro, habita o vazio e não
o objeto. O amor cortês é um entre os exemplos trabalhados pela autora para
explicitar os meandros desta modalidade de amor, que se apóia na renúncia ao
objeto. A elaboração teórica encaminhada por Lacan tem como um de seus
pontos fundamentais as diferentes posições subjetivas diante do objeto
amoroso e dupla possibilidade do amor de manter ou apagar a falta viva do
desejo.
A relação entre amor e saber, na transferência, constitui um importante
desdobramento realizado por Lacan: o amor de transferência, em sua essência
amor-paixão, seria acompanhado da ignorância, paixão sustentada,
simultaneamente, por um “não-querer-saber” e pela suposição de um saber no
analista. Se, na entrada em análise, o analisando ama para ser amado, em seu
desfecho entraria em jogo a “metáfora do amor”: uma transformação do amado
em amante como sujeito da falta, sujeito desejante. Efeito da estruturação do
desejo, invenção humana paradoxal, o amor é, também, um tema caro à
delimitação ética do campo da psicanálise, realizada por Lacan, mas
germinada por Freud.