Ética, Governança e Transparência

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É T I C A , G O V E R N A N Ç A E T R A N S PA R Ê N C I A J U L IA NA DE TOL E D O M AC HA D O

9 788538 765479
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6547-9
Código Logístico

58981
Ética, governança e
transparência

Juliana de Toledo Machado

IESDE
2019
© 2019 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem
autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais.
Capa: IESDE BRASIL S/A.
Imagens da capa: Sergey Nivens/ Panos Karas/Shutterstock
eishier/ SeanPavonePhoto/ iStockphoto

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
M131e
Machado, Juliana de Toledo
Ética, governança e transparência / Juliana de Toledo Machado. -
1. ed. - Curitiba [PR]: IESDE Brasil, 2019.
112 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6547-9
1. Governança corporativa. 2. Ética empresarial. 3. Comportamento
organizacional. 4. Ética profissional. I. Título.
CDD: 174.4
19-60089
CDU: 174.4

Todos os direitos reservados.


IESDE BRASIL S/A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Juliana de Toledo Machado
Doutoranda em Gestão Urbana pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Mestre em
Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnológica Federal
do Paraná (UTFPR). Especialista em História Econômica pela
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Licenciada em
História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES-
JF). Possui, ainda, formação internacional em Biologia Cultural,
pela Escola Matriztica do Chile, e Investigação Apreciativa,
pela Case Western Reserve University (EUA), além de MBA
em Gestão de Projetos pelo Senai-SC. Atuou por mais de
10 anos na indústria automotiva, com desenvolvimento de
pessoas, e por 13 anos na Federação das Indústrias do Estado
do Paraná (FIEP), em projetos estratégicos em parceria com a
ONU, o PNUD e com outros órgãos internacionais, tendo sido
a responsável pelo eixo temático Sociedades Inovadoras no
BAWB – Global Forum – edição virtual. Atua como professora
de Negócios Internacionais, Política Internacional, Economia
Internacional, Gestão Pública e Ética. Possui experiência
no desenvolvimento de materiais para educação a distância
(EaD), escrevendo conteúdos baseados em metodologias
ativas de aprendizagem para diversas disciplinas.
Sumário

Apresentação 7

1. Ética: uma introdução 9


1.1 O que é ética 10

1.2 Pode-se aprender ética? 12

1.3 A importância e o significado da ética para o homem 15

1.4 Ética, moral e legalidade 17

1.5 Ética empresarial 19

2. Ética e compliance 25
2.1 O que é compliance: conceito e histórico 26

2.2 Aplicação do compliance nas empresas 29

2.3 Compliance no setor público 33

3. Governança: o que é e como se aplica 41


3.1 O que é governança: componentes e práticas 42

3.2 Objetivos e mecanismos da governança 46

3.3 Governança e governabilidade 49

4. Governança na gestão pública 55


4.1 O que é gestão pública 56

4.2 Aplicação da governança na gestão pública 61

4.3 Governança pública e suas características 65


5. Ética e legalidade 73
5.1 Licitações, convênios e parcerias 73

5.2 Estatuto jurídico da empresa pública 80

5.3 Ações corretivas e sua aplicação 85

6. Transparência e combate à corrupção 91


6.1 Transparência e reputação das empresas 92

6.2 Combater a corrupção: uma meta de muitos países 96

6.3 O combate à corrupção no Brasil 99

Gabarito 107
Apresentação

Em um primeiro momento, pensar em falar de ética,


governança e transparência pode causar estranheza. Isso
porque ética parece algo óbvio, que todos conhecem e, portanto,
não precisa ser discutido. Já a governança é frequentemente
entendida como um conceito restrito a determinado
grupo, enquanto a transparência, por sua vez, é vista como
responsabilidade dos políticos.

No decorrer das páginas deste livro, desmistificaremos


tal estranheza, mostrando como o pensar e o agir ético estão
presentes no cotidiano de cada um de nós e precisamos
refletir sobre eles; já a governança vem ganhando espaço em
empresas públicas e privadas, e a transparência deve ser um
objetivo de todos para a construção de uma sociedade mais
justa e igualitária.

Cada capítulo desta obra é destinado à compreensão de


um desses assuntos, bem como de temas correlatos a eles.
Assim, iniciamos apresentando a ética no primeiro capítulo,
o compliance no segundo e a governança no terceiro. A gestão
pública, suas particularidades e sua relação com a governança
são assuntos do quarto capítulo.

O quinto capítulo tem um tom mais jurídico, pois


trata de licitações, estatutos e ações corretivas. Por fim, no
sexto capítulo, será feito um panorama sobre o combate à
corrupção ao redor do mundo, fixando o olhar nas ações
adotadas pelo Brasil.
8 Ética, governança e transparência

Este livro não tem a pretensão de esgotar nenhum desses


assuntos, mas objetiva fomentar a curiosidade em relação aos
temas abordados e servir como um incentivador para a busca
de aprofundamento, seja por meio das leituras indicadas, seja
pelo despertar de um olhar crítico sobre a sociedade atual.

Bons estudos!
1
Ética: uma introdução

Seja bem-vindo à disciplina de Ética, governança e transparência.


Vamos iniciar nossos estudos falando sobre a ética, assunto que,
principalmente nos últimos tempos, é tema de conversas em família
e entre amigos. Além de figurar com frequência nas mídias sociais,
ela também está na pauta de organizações públicas e privadas e nos
noticiários.
Ingetraut Dahlberg (1978), cientista e filósofa alemã, em seu
artigo científico chamado “Teoria do conceito”, mostra que para
discutir determinados assuntos, primeiramente, é importante
entender os conceitos que os sustentam, e a ética sempre foi tema
bastante discutido, desde os filósofos clássicos até os estudiosos
atuais. Mas não é só a academia que se ocupa de tal discussão,
o mundo empresarial também vem manifestando crescente
preocupação em dialogar sobre um código de ética nas relações
corporativas, produtivas e comerciais.
Falar de ética é tratar sobre as relações humanas, de sustenta-
bilidade, falar do planeta (ou nossa casa comum), de crise ambiental,
crises políticas, responsabilidades, enfim, temas que permeiam a
vida de todos.
Neste capítulo, vamos entender o que é ética, se é possível
aprendê-la, qual a sua importância para a humanidade, a diferença
entre ética, moral e legalidade, que muitas vezes não é clara para as
pessoas, e, por fim, a ética dentro das empresas ou ética empresarial.
10 Ética, governança e transparência

1.1 O que é ética


Vídeo O estudo da ética na sociedade ocidental
teve início com o grego Sócrates, que se ocupava
de refletir sobre os valores e preceitos morais.
Na busca por entender tais assuntos, o filósofo
frequentemente interpelava seus concidadãos
sobre o que eles entendiam por coragem, amizade,
justiça e amor, temas que se configuram como princípios e valores
de ordem moral.
Pode parecer estranho imaginarmos um sujeito andando pelas
ruas e fazendo tais perguntas aos transeuntes, mas, na verdade, o
objetivo de Sócrates era fazer com que as pessoas pensassem sobre
as questões propostas, o que evidenciava o caráter filosófico do
exercício de reflexão sobre os valores. Sua prática buscava respostas
para perguntas que ainda hoje inquietam nossa sociedade. Por
exemplo: como saber se uma conduta é boa ou não? Reprovável ou
virtuosa? Por que o bem é uma virtude e o mal é um erro? É melhor
ser justo ou injusto?
Além de Sócrates, Aristóteles, outro filósofo grego, também
se ocupou de pensar a ética de forma profunda e transmitiu seus
conhecimentos para o filho por meio dos escritos de Ética a
Nicômaco (2016). Na obra, o pensador apresenta uma teoria da ação
humana construída com o estudo dos atos humanos. Ele observou
como a razão humana interfere em suas paixões, desejos e ações,
bem como até que ponto tais ações são voluntárias ou involuntárias.
Uma característica bastante importante dos estudos de Aristóteles
(que foi discípulo de Platão1) é que a ética, tal qual ele a chamava,
não podia ser separada do que ele denominava política, sendo ambas
entendidas como “a ciência do sumo bem”.

1 Aristóteles foi aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande. É considerado,


ao lado de seu mestre, um dos mais importantes filósofos da Grécia.
Ética: uma introdução 11

Vimos na introdução deste capítulo que é importante entender


os conceitos que compõem os objetos de discussão. Nesse sentido,
é necessário saber que a palavra ética tem origem grega e significa
costume, comportamento, podendo ser entendida como um grupo
de normas, princípios ou formas de pensar que guiam as ações de
determinado grupo. Ainda de acordo com o minidicionário Aurélio,
“ética é o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta
humana, do ponto de vista do bem e do mal. Conjunto de normas e
princípios que norteiam a boa conduta do ser humano” (FERREIRA,
2001, p. 300). Portanto, conforme as acepções apresentadas,
inferimos que a atitude ética se apoia na intencionalidade da ação,
na consciência tranquila e na integridade do ser humano.
Se interrompermos agora a leitura deste capítulo para fazer um
exercício de reflexão, perceberemos que as questões éticas fazem
parte de todos os domínios da atividade humana. Quando nos
deparamos com situações nas quais temos de decidir entre certo ou
errado, se uma atitude está no domínio do bem ou do mal, se algo é
permitido ou proibido, estamos lidando com questões éticas. E não
é só no âmbito pessoal que esses temas emergem, mas também na
política, economia, educação, religião, nos negócios e onde houver
dois ou mais indivíduos se relacionando.
É correto dizer que as pessoas têm um senso ético e sempre estão
avaliando suas ações. Na maioria das vezes, tais ações não envolvem
somente o indivíduo, mas também outras pessoas que podem vir a
sofrer as consequências (ALENCASTRO, 2012). Nessa autoanálise,
podemos fazer também perguntas como:
• “Posso mentir por um bem maior ou devo sempre dizer a
verdade?”
• “Dependendo da circunstância, posso atravessar fora da faixa
ou passar no sinal vermelho?”
• “Para matar a fome do meu filho, posso roubar?”
12 Ética, governança e transparência

• “Para que minha empresa não entre em falência e várias pessoas


percam o emprego, devo fraudar determinado relatório?”

O cenário exposto mostra que a ética é constituída por muita


reflexão, inúmeras perguntas e poucas convicções, pois, como é
falado em uma das primeiras cenas do filme Pacto dos lobos (2001),
“as certezas transformam os homens em loucos e tolos”.
Obviamente, existem muitos outros filósofos antigos e atuais que
trataram e tratam da ética em correntes filosóficas distintas. Nesta
seção, falamos de Sócrates e Aristóteles por entendermos que eles
nos ajudam a ter uma visão geral e nos introduzem ao tema; no
entanto, para quem deseja se aprofundar nos estudos sobre ética,
os filósofos Kant, Santo Agostinho, Hegel, Hannah Arendt, entre
outros, são leituras que podem ajudar.

1.2 Pode-se aprender ética?


Vídeo A pergunta que abre esta seção é, na verdade,
uma proposição provocativa. A exemplo do que
fazia Sócrates com seus contemporâneos, o que
buscamos com ela é que, ao ter passado pelo
conteúdo inicial, o leitor possa refletir sobre a ética
e suas perspectivas.
Para ajudar na análise, é importante conhecer as bases que
construíram os modelos éticos e entender as propostas colocadas
pelos filósofos, no decorrer da História, como possíveis respostas às
questões éticas das perguntas apresentadas na primeira seção.
Comecemos entendendo que os seres humanos só conseguem
realizar sua existência, ou o “ser no mundo”, na convivência com os
demais, uma vez que são seres sociais cujas ações e decisões afetam
outras pessoas. Com isso, desde os primórdios da humanidade,
percebeu-se que, para funcionar adequadamente e não ser caótica, a
convivência humana precisa ser ordenada por normas, regras e leis.
Ética: uma introdução 13

Por sua vez, tais normas, regras e leis precisam fazer sentido para
os indivíduos, que devem entender sua importância e relevância,
pois só assim irão cumpri-las adequadamente. Caso contrário, todo
o conjunto de normas que deveriam ser seguidas com o intuito de
beneficiar as pessoas se transformará em letra morta.
Se considerarmos que a ética tem como maior interesse
compreender como se configura o processo de formação dos hábitos,
costumes, regras e leis que regem as sociedades (ALENCASTRO,
2012), fica claro o porquê de ser importante estudá-la nos dias atuais.
Na busca por tal entendimento, teorias vêm sendo formuladas desde
a Antiguidade e surgem novas em diversas épocas e diferentes
sociedades. Tais teorias (ou modelos éticos) podem ser divididas de
acordo com suas motivações básicas, que são:
• ética das virtudes;
• ética religiosa;
• ética do dever;
• finalismo;
• utilitarismo.

Veremos cada uma delas a seguir.

1.2.1 Ética das virtudes


A ética das virtudes tem seu foco no indivíduo ou no agir
virtuoso. Sua pergunta direcionadora é “como devo viver?”, ao
que Aristóteles responde: “no cultivo das virtudes”. É importante
observar que, enquanto Platão considerava a virtude inata, ou seja,
qualidade com a qual o indivíduo nasce, Aristóteles entendia que as
virtudes podem ser aprendidas e deixa isso muito claro em Ética a
Nicômaco.
Aristóteles dividiu as virtudes em duas categorias: virtudes
éticas, que são alcançadas pelo exercício e pelo hábito, como
justiça, temperança, lealdade, honestidade, fidelidade entre outras;
14 Ética, governança e transparência

e a dianoética, ou não morais, que são obtidas pelo estudo e


ensinamento. Entre elas estão a coragem, a sapiência e a prudência.
É importante ter em mente que os grupos de virtudes se relacionam
e, por isso, nesse sentido, uma pessoa prudente (virtude dianoética)
costuma ter temperança (virtude ética) nos seus gastos.

1.2.2 Ética religiosa


A ética religiosa, como o próprio nome sugere, é determinada
e regulada por princípios religiosos. Um de seus maiores guias é
o conjunto de ordens presente nos Dez Mandamentos, entendido
como imperativo supremo e inquestionável. Ao preconizar total
obediência aos deveres religiosos, a ética cristã se configura como
um exemplo bastante contundente desse modelo ético.

1.2.3 Ética do dever


O filósofo alemão Immanuel Kant foi quem propôs o modelo
da ética do dever, que tinha como direcionador não mais a religião,
mas a razão humana. Kant defendia a seguinte tese: quando o
indivíduo – que atua racionalmente – reconhece a importância e
a necessidade de se obedecer determinada regra, nasce dentro dele
o senso do dever. Para o autor, um ato bom é aquele praticado por
todas as pessoas, sem distinção. Duas frases de Kant podem resumir
as bases da ética do dever. São elas: “Age de tal maneira que uses a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro,
sempre e simultaneamente, como um fim e nunca simplesmente
como um meio” (KANT, 1984, p. 135) e “age como se a máxima de
tua ação devesse tornar-se lei universal” (KANT, 1984, p. 135).

1.2.4 Ética finalista


A ética finalista, por sua vez, lembra bastante Nicolau Maquiavel,
pois, assim como o pensador, entende que os fins justificam os
meios. O ponto de partida do pensamento utilitarista não são as
Ética: uma introdução 15

regras, mas os objetivos. Nesse modelo, as ações são avaliadas de


acordo com o quanto facilitam o alcance de objetivos.

1.2.5 Ética utilitarista


Por fim, temos o utilitarismo, que relaciona o útil ao bom. O
modelo utilitarista apregoa que o objetivo da ética é proporcionar
o máximo de felicidade ao maior número de pessoas possível.
Para os utilitaristas, ter o máximo de felicidade significa ter o
máximo de utilidade, uma vez que assim se alcançaria o máximo de
prazer e o mínimo de dor.
Todos os modelos éticos têm suas qualidades e imperfeições,
seus prós e contras. O importante, quando pensamos em cada um
deles ou em qualquer outra questão ética, é que a reflexão não seja
apoiada em convicções íntimas, pois, como já demonstrou Max
Weber (2004), isso não é adequado e limita as possibilidades de
aprendizado.

1.3 A importância e o significado da ética


para o homem
Vídeo Por viverem em sociedade, mantendo
recorrentes e constantes dinâmicas relacionais
com outros indivíduos, os seres humanos são
considerados seres sociais, políticos e comunitários.
Claro que um leitor mais atento pode dizer que
outros animais também vivem em comunidade ou
bandos e que pesquisadores já conseguiram até mesmo distinguir
certas ordenações em suas relações. Esse leitor está correto.
O que difere os homens desses animais que também vivem de
forma coletiva é a capacidade de usar a razão, emitir juízos, elaborar
conceitos e ideias a respeito do próprio modo de agir, bem como sobre
as atitudes alheias, além de se comunicar usando a palavra articulada.
16 Ética, governança e transparência

As capacidades listadas possibilitam que vivamos em coletividades


humanas que, por sua vez, originam a cultura de um grupo. O termo
germânico kultur, em sua origem, era utilizado para simbolizar
todos os aspectos espirituais de um grupo, enquanto seu equivalente
culture, do inglês, quando tomado em seu amplo sentido etnológico,
representa o complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte,
moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito
adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
A cultura, mais do que a herança genética, determina o
comportamento da humanidade e justifica suas realizações, uma
vez que as pessoas agem de acordo com seus padrões culturais.
Historicamente, ao adquirir cultura, o homem passou a, cada vez
mais, depender do aprendizado, já que ela é o resultado e a totalidade
dos produtos desenvolvidos pela atividade humana, tanto materiais
quanto simbólicos (ALENCASTRO, 2012). Para Santos (1994, p. 41),
a cultura abarca “todo o conhecimento que uma sociedade tem
sobre si mesma, sobre outras sociedades, sobre o meio material em
que vive e sobre a própria existência”.
Grupos sociais distintos possuem diferentes formas de cultura,
as quais, por sua vez, apresentam racionalidades próprias, que
devem ser bem entendidas para suas práticas fazerem sentido.
O observador não deve julgar como diferente uma cultura que,
por exemplo, proíba o consumo de carne suína, mas procurar
entender que práticas culturais estão relacionadas aos contextos
nos quais foram construídas. Assim, entendemos cultura como algo
transmitido e aprendido.
As culturas e sociedades estabelecem diferentes padrões e regras
morais, determinando o conceito do que é bom e mal, proibido
e autorizado, de conduta certa ou errada. Daí vem a afirmação de
Humberto Maturana: “toda dor é cultural” (MATURANA; DÁVILA,
2009, p. 209). A cultura, portanto, pode ser vista como um conjunto
de valores internalizados pelos indivíduos, ainda que de forma
Ética: uma introdução 17

inconsciente, e que definirão suas atitudes no meio. Logo, quando


falamos em cultura, necessariamente estamos falando de ética, e tal
compreensão é primordial para entendermos as relações humanas.

1.4 Ética, moral e legalidade


Vídeo Em sua obra A República (2014), Platão conta
a história de um pastor chamado Giges que, em
determinada ocasião, foi participar da reunião
mensal de pastores usando um anel mágico. No
momento em que estava sentado com seus pares,
distraidamente Giges girou o anel em seu dedo e,
quando a pedra cravada na joia se virou para a palma de sua mão,
de imediato o pastor ficou invisível para as demais pessoas que se
encontravam no local.
Quando Giges se deu conta de que o simples movimento de girar
o anel lhe dava o poder da invisibilidade, seduziu a rainha, matou
o rei e se apoderou do trono. Pegava tudo o que queria nas casas e
mercados, soltava uns prisioneiros, matava outros e deitava-se com
quem tinha vontade, pois não temia qualquer represália ou castigo,
uma vez que ninguém o via em ação.
Platão afirma que, ao fazer tais coisas, Giges agiu como qualquer
outro, pois, segundo o autor, ninguém é justo por opção, mas por
obrigação.
A história de Giges é um bom ponto de partida para a reflexão
sobre o ético, o moral e o legal. Quando o pastor participa da reunião
do grupo de trabalhadores ao qual pertence, está atuando de acordo
com as regras e a cultura de sua época e região. No entanto, quando
vê a oportunidade de atuar sem sofrer nenhum tipo de punição, seus
atos passam a ir contra o que é ético, moral e legal, uma vez que ele
prejudica outras pessoas, rouba e se aproveita de sua invisibilidade
para fazer o que bem entende. Isso mostra que, antes de possuir o
18 Ética, governança e transparência

anel, Giges não agia guiado pela reflexão do que era certo ou errado,
mas motivado pela força da lei. E isso faz toda a diferença.
Ética, moral e legalidade fazem parte da mesma dinâmica, mas
não são a mesma coisa. A ética, nesse contexto, é uma dimensão
mais geral e teórica, na qual ocorrem a reflexão e a crítica sobre o
conviver e as ações humanas. Esse processo reflexivo promovido
pela ética é o alicerce que estabelece as questões morais e legais.
Voltando ao Giges, é possível inferir que mesmo ele fazendo uma
reflexão ética e empática sobre seus atos, ainda com o poder que lhe
foi concedido pelo anel, não os realizaria.
A moral pode ser entendida como o conjunto de hábitos e
costumes aceitos em determinada cultura. Por isso, é tão complicado
discutir moral, afinal, o que é aceito e natural em determinado grupo
pode ser até mesmo ilegal em outros. Um exemplo global disso é a
pena de morte.
No domínio individual, as questões morais são assumidas,
e o moralmente correto é praticado pelos indivíduos, quando faz
sentido e tem significado para eles. Assim, as pessoas praticam o
que é tido como certo por sua comunidade, independentemente de
sofrerem ou não punição. Para Giges, ainda que sua comunidade
não aprovasse o assassinato, o roubo, a luxúria, tais normas não
faziam sentido. Tanto que, como dito anteriormente, quando ele
teve a oportunidade de praticá-las sem ser penalizado, não hesitou.
A legalidade tem a ver com as leis que, para muitos juristas,
representam o mínimo de moral obrigatória necessária para o
funcionamento regrado e harmônico de uma sociedade. Uma vez
que alguns indivíduos, assim como Giges, nem sempre demonstram
disposição espontânea para agir dentro da moralidade estabelecida,
é necessário que ela seja fortalecida por meio de leis e sanções. Em
linhas gerais, as leis servem para orientar decisões sobre como agir
em determinadas situações, por meio de normas de condutas claras
e universais.
Ética: uma introdução 19

1.5 Ética empresarial


Vídeo Nem sempre a ética voltada ao meio empresarial
era abordada pelas organizações. A tendência era
acreditarem que ética e negócios não combinavam
e, nesse sentido, muitos executivos expressavam
sarcasmo quando interpelados sobre o assunto,
por, até então, entenderem que no mundo dos
negócios predominavam a ganância, a busca desenfreada pelo lucro
e o crescimento constante. Nesse universo, a honestidade era vista
como uma fraqueza.
No final dos anos 1960, porém, essa realidade passou a mudar, e
o tema ética foi ganhando destaque graças a uma série de escândalos
ocorridos nos Estados Unidos. Eles eram causados tanto por produtos
que colocavam em risco a saúde e até mesmo a vida dos consumidores
quanto devido a práticas empresariais contrárias à moral e à legalidade.
A partir daí, nas décadas seguintes, muitos seminários sobre ética
foram realizados. Executivos treinados e universidades adotaram
a disciplina em todas as áreas do conhecimento e várias empresas
inseriram comitês de ética em seus organogramas.
A ética se tornou tema tão presente no cotidiano de indivíduos e
corporações que, no Brasil e no exterior, existem diversas entidades
dedicadas ao seu estudo e debate. Um exemplo é o Instituto Brasileiro
de Ética nos Negócios, que tem como missão fomentar a ética no
ambiente empresarial e estudantil.
Para se manter no mercado, as empresas precisam adotar
novas práticas que atendam às necessidades de bens e serviços
atuais, promovam retorno de capital a seus acionistas, cumpram
as leis, paguem os impostos pontualmente, contribuam para
o desenvolvimento da localidade em que estão inseridas e
ofereçam condições de trabalho justas para seus funcionários
(ALENCASTRO, 2012).
20 Ética, governança e transparência

Na gestão, existe uma ampla variedade de temas que podem


ser abordados à luz da ética. Podemos discutir ética em relação a
produtos, propaganda enganosa, lucro, informação e comunicação,
entre outros.
Especificamente sobre comunicação e informação, Mattar Neto
(2010, p. 313) afirma que:
questões relativas ao tratamento da informação e à
comunicação corporativa revestem-se também de cunho
ético. Como encarar a honestidade na comunicação
corporativa, interna e externa? Estaria o funcionamento
efetivo das organizações dependente de relacionamentos
baseados em respeito, honestidade, justiça e verdade?
Informações constantes de relatórios, fraudes, manipulação
da informação e da mídia são também interessantes do
ponto de vista ético. Quantas de suas informações sigilosas
a empresa é obrigada a compartilhar? Quando? Com quem?

Tais perguntas ajudam profissionais e empresas a refletirem


sobre as normas vigentes como regras morais existentes, racionalizar
a respeito delas e conduzir seus negócios.
Laura Nasch (1993, p. 6) define ética nas organizações como “o
estudo da forma pela qual normas morais pessoais se aplicam às
atividades e aos objetivos de uma empresa comercial”. Dessa forma,
podemos entender que a ética nas organizações é construída e
praticada pelas pessoas, que transferem para elas as mesmas crenças
e princípios que aprenderam na sociedade.
Considerando tal fato, as empresas devem buscar desenvolver
a formação ética e inseri-la como um elemento a mais em sua
administração, uma vez que, conforme adverte Aguilar (1996, p. 15),
o custo da conduta antiética pode ir muito além das
penalidades legais, notícias desfavoráveis na imprensa
e prejuízos nas relações com os clientes. Muitas vezes a
consequência mais grave é o dilaceramento do espírito
organizacional.
Ética: uma introdução 21

Uma empresa ética é aquela que mantém sua lucratividade, pois


o lucro é um imperativo para sua sustentabilidade, e, ao mesmo
tempo, conserva práticas alinhadas aos preceitos morais e legais da
sociedade em que se encontra.
As empresas têm cada vez mais se dado conta de que a falta de
ética em suas operações coloca em risco a própria existência. Esse
risco é potencializado pelo alto nível de conectividade dos dias
atuais, em que a reputação de uma corporação pode ser enaltecida ou
desmoronar devido aos rápidos compartilhamentos de informação.

Considerações finais
Entender ética é compreender as relações humanas. O
homem é um ser racional que se distingue dos demais animais
por apresentar a capacidade de refletir seus atos e racionalizar.
No entanto, para realizar tal processo, é necessário conhecer
os preceitos éticos e as normas morais e legais que vigoram na
sociedade em que estamos inseridos.
O mesmo processo é aplicável às empresas. Sem valores éticos
bem definidos e conhecidos por todos, por meio de sua missão,
visão e valores, e, sobretudo, praticados em suas operações e fluxos,
uma empresa dificilmente sobreviverá, uma vez que a ética passou a
ser uma exigência da sociedade como um todo.
Nos próximos capítulos serão tratados os temas governança,
compliance e transparência. Além disso, vamos entender que a ética,
em seus diversos domínios, é fundamental para a construção da
compreensão das relações e implicações entre esses temas.
22 Ética, governança e transparência

Ampliando seus conhecimentos


Como vimos neste capítulo, a ética tem sido um tema recorrente
de livros, palestras, artigos, entre outros. Assim, deixamos três dicas
que servirão para ampliar os conhecimentos estudados até aqui.

• O QUE é ética? 2016. Publicado pelo canal Marcelo Doi.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Q-
CcfQXJJhc. Acesso em: 25 set. 2019.
No trecho do programa Café Filosófico, os filósofos
contemporâneos Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros
Filho falam sobre ética no cotidiano.

• MARTINS FILHO, I. G. Ética e ficção: de Aristóteles a Tolkien.


Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2010.
Se observarmos atentamente, veremos que muitos filmes
(senão todos) tratam de temas ligados à ética em menor
ou maior proporção. Considerando tal fato, imagine agora
Ética a Nicômaco, de Aristóteles, dentro das cenas de O
Senhor dos Anéis. Pois Ives Gandra Martins Filho imaginou,
pesquisou, analisou e escreveu Ética e Ficção, de Aristóteles
a Tolkien, livro no qual materializou a teoria aristotélica nos
personagens tolkianos.

• GONTIJO, E. D. Os termos ‘ética’ e ‘moral’. Mental, Barbacena,


ano IV, n. 7, p. 127-135, 11 jul. 2006. Disponível em: http://
pepsic.bvsalud.org/pdf/mental/v4n7/v4n7a08.pdf. Acesso
em: 25 set. 2019.
Os estudos sobre ética e moral estão presentes em todas
as áreas do conhecimento. Tanto que o psicólogo Eduardo
Dias Gontijo, doutor em psicologia pela United States
International University of San Diego e professor da
Ética: uma introdução 23

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escreveu o


artigo “Os termos ‘ética’ e ‘moral’”, no qual aborda a confusão
no uso dessas duas palavras, tema que também abordamos
na seção 1.4 deste capítulo.

Atividades
1. Diante de tudo o que você leu neste capítulo, bem como
após assistir ao vídeo com as falas de Mário Sérgio Cortella
e Clóvis de Barros Filho, voltamos a perguntar: é possível
aprender ética? Justifique.

2. Quando falamos em cultura, necessariamente estamos


falando também de ética. Como visto na seção 1.3,
Humberto Maturana afirma que “toda a dor é cultural”.
Com base no que foi estudado, o que você entende quando
lê essa afirmação?

3. Neste capítulo, foi apresentado o caso de Giges, um indivíduo


que, ao ter uma oportunidade, passou por cima da ética, da
moralidade e da lei com o intuito de obter benefícios para
si mesmo. Tanto a ficção quanto a realidade estão repletas
de histórias similares, como Robin Hood, que roubava
dos ricos para dar aos pobres. Quais são as similaridades e
diferenças, do ponto de vista ético, moral e legal, entre esses
dois personagens?

Referências
AGUILAR, F. J. A ética nas empresas. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

ALENCASTRO, M. S. C. Ética empresarial na prática: liderança, gestão e


responsabilidade corporativa. Curitiba: Intersaberes, 2012.
24 Ética, governança e transparência

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. e notas de Luciano Ferreira de


Souza. São Paulo: Martin Claret, 2016.

DAHLBERG, I. Teoria do conceito. International Classification. Verlang


Dokumentation. Munchen, Alemanha Ocidental. Ci. Inf., Rio de Janeiro,
ano 7, n. 2, p. 101-107, 1978.

FERREIRA, A. B. de H. Miniaurélio século XXI escolar: o minidicionário da


língua portuguesa. 4. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. 2. ed. São Paulo: Abril


Cultural, 1984.

MATTAR NETO, J. A. Filosofia e ética na administração. 2. ed. São Paulo:


Saraiva, 2010.

MATURANA, H. R.; DÁVILA, X. Y. Habitar humano: em seis ensaios de


biologia-cultural. Trad. de Edson Araújo Cabral. São Paulo: Palas Athena,
2009.

NASCH, L. Ética nas empresas: boas intenções à parte. São Paulo: Makron
Books do Brasil, 1993.

PLATÃO. A República. Trad. de Leonel Vallandro. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2014.

SANTOS, J. L. dos. O que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

WEBER, M. Ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo:


Companhia das Letras, 2004.
2
Ética e compliance

Agora que já estudamos o que é ética, suas implicações e como


ela impacta a vida de todos, passaremos para um segundo assunto
de igual importância e interesse: compliance.
Nos últimos anos, graças à globalização e ao advento das mídias
sociais, temos tomado cada vez mais conhecimento sobre escândalos
financeiros e atos de corrupção envolvendo grandes empresas
de alcance mundial. Tais acontecimentos não afetam somente
essas instituições, mas também suas nações de origem e demais
stakeholders. Negócios são prejudicados e reputações, abaladas, stakeholders:
todos os
comprometendo milhões. envolvidos em
determinado
Para conter tais eventos e punir seus responsáveis, vários países projeto ou negócio.
implementaram regras e leis de combate à corrupção, compelindo as
corporações a adotarem políticas de compliance para se manterem
atuantes nos mercados local e global. O Brasil também aderiu a esse
movimento ao promulgar a Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846/2013),
que atribuiu relevância aos programas de integridade e concedeu
destaque ao termo compliance.
Neste capítulo, entenderemos melhor como se deu esse processo,
o conceito de compliance e seu histórico, como as organizações o
aplicam em seu cotidiano e, por fim, de que modo o setor público
tem atuado nessa nova realidade.
26 Ética, governança e transparência

2.1 O que é compliance: conceito e histórico


Vídeo O modo como as organizações atuam e
realizam suas operações, tanto em nível local como
global, tem sido tema de reflexão por parte de
governos, agências internacionais, opinião pública
e das próprias corporações, interessadas em não
prejudicar seus rendimentos ao redor do mundo.
A importância atribuída ao tema foi estabelecida a partir do
momento em que vieram à tona escândalos de corrupção, como
os que envolveram a companhia de energia norte-americana
Enron, em 2001; as alemãs Siemens e Volkswagen, em 2006 e 2015,
respectivamente; a brasileira Petrobras, em 2014; e até a internacional
FIFA, em 2015, entre outros. À medida que as pessoas tomaram
conhecimento dos atos de corrupção dessas grandes corporações,
a palavra compliance começou a aparecer de forma recorrente em
noticiários e relatórios, bem como na rotina de empresas dos mais
variados setores.
Com isso, seria de se imaginar que a aplicação do compliance
viesse obtendo grande sucesso, com os processos todos ajustados
e as empresas já atuando totalmente dentro da conformidade. No
entanto, essa ainda não é a realidade que se observa. Bertoccelli
(2019, p. 37) aponta a falta de clareza sobre o significado do termo
compliance como um dos fatores responsáveis pela implementação
de “programas com baixa consistência jurídica, incapazes de
gerenciar riscos e cumprir seus verdadeiros propósitos”.
Fica clara, então, a importância de entendermos qual é, de fato,
o significado dessa palavra. Você se lembra do artigo “Teoria do
conceito”, sobre o qual falamos no capítulo anterior? Mais uma vez,
esse texto se mostra correto.
A palavra compliance, originada do verbo inglês to comply,
significa “agir de acordo com a lei”, dentro das normas da empresa,
Ética e compliance 27

cumprir as regras, agir eticamente. Em português, podemos dizer


que estar em compliance significa estar em conformidade. Manzi
(2008, p. 15) complementa esse conceito afirmando que “o termo
compliance significa cumprir, executar, satisfazer, realizar algo
imposto. Compliance é o ato de cumprir, estar em conformidade
e executar regulamentos”. Dessa forma, a empresa que está em
compliance consegue reduzir riscos tanto de ter sua reputação
abalada quanto de ter problemas regulatórios e legais.
Um número cada vez maior de empresas tem adotado programas
de compliance, também chamados de programas de integridade,
implementando sistemas e procedimentos de controle de riscos
e preservação de valores. O processo de compliance deve atender
à legislação dos países nos quais a empresa atua e precisa estar
alinhado com sua missão, visão e valores.
No Brasil, especificamente, existe o Instituto Brasileiro de
Direito e Ética Empresarial (IBDEE), instituição sem fins lucrativos
que busca garantir a integridade dos negócios realizados no país.
Segundo o Instituto, para que um programa de compliance seja
efetivo, ele precisa prever a elaboração de regras e o treinamento de
profissionais, o desenvolvimento de controles e processos internos,
a implementação de mecanismos de controle e identificação de
desvios de conduta e, ainda, monitoramentos e auditorias internas
e externas.
Já existe um grande número de empresas que incluíram a área
de compliance em seus organogramas. Nelas atuam profissionais
bem treinados e que são, também, monitorados – compliance do
compliance (CARVALHO; ALMEIDA, 2019). Isso é necessário
porque, além de garantir a transparência nos processos, ajuda a
identificar se seus elementos estão sendo aplicados adequadamente,
visto que existem casos em que ocorrem problemas, seja por
falta de entendimento das normas, seja pela forma como elas
são praticadas. Incoerências também acontecem por excesso
28 Ética, governança e transparência

de pessoas envolvidas nos processos disciplinares ou pela falta


de informações disponibilizadas ao funcionário investigado
(CARVALHO; ALMEIDA, 2019).
Um programa de compliance é composto por cinco etapas,
conforme mostra a Figura 1.

Figura 1 – Etapas do programa de compliance

Implementação Execução Ajustes e


Análise Monito-
do programa do correções
do risco ramento
de compliance programa de falhas

Fonte: Elaborada pela autora.

Na etapa de análise do risco, a ação considerada não conforme


é identificada e investigada para que seu impacto e suas implicações
sejam mensurados e, a partir de então, um plano de contenção possa
ser traçado. Entre as não conformidades mais comuns estão lavagem
de dinheiro, corrupção, assédio de diversas naturezas, fraude,
divulgação de dados confidenciais, trabalho desumano, violação de
normas e leis, entre outras possibilidades.
O segundo estágio consiste na implementação do programa de
compliance, que implica conscientizar todos os níveis da empresa
sobre a missão, a visão e os valores da companhia, divulgar as normas
internas e realizar treinamentos, além de definir responsáveis
por monitorar riscos, identificar quebras de protocolos e prever
punições.
Na fase de execução do programa, os responsáveis o colocarão
em prática, executando os processos e disseminando as políticas
internas e externas. Muitas vezes, as etapas dois e três caminham
em paralelo.
O monitoramento, por sua vez, corresponde à aplicação de
pesquisas de campo periódicas realizadas pela área de compliance,
com o objetivo de identificar como os demais colaboradores da
empresa atuam, bem como verificar se observam regras e normas.
Ética e compliance 29

É uma auditoria interna que verifica o cumprimento das regras


de compliance da empresa, da legislação vigente e – ponto muito
importante – tenta entender se os processos fazem sentido no
contexto da organização.
Por fim, realizam-se os ajustes de processos e a correção das falhas
que porventura tenham sido detectadas na fase de monitoramento.
Na fase de ajustes e correções de falhas, são tomadas as medidas
de contenção de riscos, realinhamento de processos e, quando
necessário, punição dos responsáveis.
Essa prática começou com bancos e instituições financeiras,
além de empresas voltadas à saúde, e vem se estendendo para os
mais variados setores.
Entretanto estabelecer uma área de compliance não é simples.
Alguns gestores acreditam que basta publicar um código de
conduta com um conjunto de políticas corporativas e realizar
alguns treinamentos. Na verdade, essa postura pode se voltar contra
a empresa. Um programa de compliance implementado de modo
inadequado, além de não alcançar seus objetivos, também pode ser
visto pelas autoridades competentes como um artifício para driblar e
iludir clientes, governos, órgãos reguladores e a sociedade como um
todo. Tal interpretação pode ser mais prejudicial para a empresa do
que ela não ter um programa de compliance.

2.2 Aplicação do compliance nas empresas


Vídeo Uma constatação filosófica e bastante
prática é o fato de que nenhuma instituição,
independentemente de sua natureza, existe
sem pessoas. Bancos, indústrias automotivas,
universidades, redes de fast food, entre outros,
seriam somente prédios se, em seu interior, não
30 Ética, governança e transparência

houvesse pessoas atuando, criando e executando suas normas e


processos. Em suma, ao final, o que importa são as pessoas.
Isso posto, podemos concluir que, quando a alta direção de
uma organização decide implementar um programa de compliance,
o primeiro passo é capacitar os funcionários que serão envolvidos
nesse processo. Como já dito anteriormente, compliance é um
termo relativamente novo e que ainda causa algumas confusões.
Dessa forma, o treinamento deve ser iniciado pelo básico, com
o esclarecimento de conceitos, para que depois sejam passadas
informações mais complexas.
Algumas corporações cometem o erro de acreditar que basta
disponibilizar material de leitura aos funcionários para que todos
tenham um conhecimento nivelado sobre o tema. Isso, além de
ilusório, é também perigoso, pois, mesmo que os funcionários leiam
todo o código de ética, o programa de integridade e a legislação
vigente, não há como assegurar a aplicação do que leram em suas
atividades. Isso pode ocorrer devido a uma compreensão deficiente
do conteúdo lido ou por tais regras não fazerem sentido para o
funcionário (CARVALHO, 2019).
Considerada essa realidade, para que os programas de compliance
das empresas alcancem sucesso, é preciso investimento constante e
recorrente em capacitações corporativas, que devem fazer parte da
estratégia organizacional.
O treinamento organizacional ou corporativo é uma ferramenta
que deve ser utilizada na criação de um programa ou em sua
consolidação, adaptação ou mudança de cultura de compliance. A
adesão e o comprometimento por parte dos funcionários com os
objetivos da empresa dependem diretamente de uma formatação
bem estruturada do treinamento, pois isso fará com que eles
percebam sentido e significado no que estão aprendendo.
A escolha pelo melhor formato e tipo de programa de
treinamento corporativo a ser empregado deverá ser feita pela alta
Ética e compliance 31

gestão junto com os analistas de treinamento e desenvolvimento da


área de Recursos Humanos, considerando-se a natureza do negócio,
o perfil da empresa e dos funcionários.
Como já mencionamos antes, as pessoas são essenciais para o
sucesso dos programas de compliance (e de todos os outros processos
dentro das organizações). Assim, é fundamental que os treinamentos
sejam dinâmicos e motivadores, uma vez que pode haver grande
resistência por parte dos funcionários, seja por considerarem
que o treinamento toma deles um tempo em que poderiam estar
realizando outras tarefas, seja por não se sentirem responsáveis pelas
falhas da empresa.
Outro fato que parece óbvio, mas que é muitas vezes negligenciado,
é que a alta gestão também precisa ser treinada, visto que seu
despreparo sobre o tema, sua falta de percepção com relação ao
impacto causado pelo programa e sua dificuldade em dar-lhe
continuidade podem comprometer os resultados fortemente.
Frequentemente, isso ocorre porque, a exemplo do que acontece
com os funcionários de outros níveis hierárquicos, a alta gestão
também apresenta uma resistência em abandonar suas atividades
cotidianas para imergir em um treinamento. Considerando-se que
são os líderes que dão o tom da empresa, isso pode ser um problema,
pois, quando eles próprios não se dedicam a determinado tema, os
funcionários acabam seguindo o exemplo.
Após se deparar com vários casos assim, o advogado Allan Bittar
(2019), com vasta experiência na implementação de programas
de compliance em empresas e atuação nas áreas de anticorrupção,
fraudes, direito concorrencial e novos negócios, elencou algumas
razões pelas quais as empresas devem se motivar a implantar um
programa de compliance robusto. Entre elas, destacamos:
1. pressão do mercado, que demanda um comportamento cada
vez mais ético por parte das empresas;
32 Ética, governança e transparência

2. traumas com relação a algum processo de investigação ou


criminal pelo qual a empresa tenha passado;
3. tendência a uma cultura de gestão de risco;
4. uso estratégico de certificações, que podem abrir portas para
novos negócios, pois demonstram uma boa reputação das
empresas;
5. exigência de certificação por parte de clientes;
6. ISO1 37001, uma norma certificável e passível de acreditação
que trata de sistemas de gestão antissuborno;
7. Premiação Pró-Ética, do Ministério da Transparência e
Controladoria-Geral da União, ou Selo Pró-Ética, o qual
reconhece e assegura que a empresa possui um bom programa
de compliance.

Todas essas razões têm em comum o fato de demonstrarem,


para os stakeholders do negócio e para a sociedade como um todo, a
preocupação da empresa em manter uma atuação ética e correta, o
que lhe confere uma reputação positiva.
Uma vez que a empresa tenha superado dificuldades como as
demonstradas, seu programa de compliance deve ser pautado pelo
trinômio: prevenir, detectar e responder (GUIMARÃES; VAN
HEEMSTEDE; OLIVEIRA, 2019).
Inicialmente, deve ser feita a avaliação de riscos, que visa analisar
a estrutura interna da empresa e sua atuação no mercado. Em seguida,
precisam ser implementadas a descrição das políticas e controles
internos e a nomeação de um compliance officer, funcionário
responsável por todo o processo de compliance da empresa.

1 ISO – International Organization for Standardization. Em português, Organização


Internacional para Padronização. Instituição criada em Genebra (Suíça), dedicada à
criação de normas e padrões, além de certificações adotadas por empresas de todo o
mundo.
Ética e compliance 33

Além de conhecer profundamente as regras e normas internas,


bem como a legislação que rege as atividades da empresa, o
compliance officer deve, ainda, ser um profissional dinâmico,
motivado e proativo, com fácil acesso à alta gestão e capacidade de
dialogar com colegas de todos os níveis hierárquicos. Sem falar, é
claro, de ter uma postura profissional impecável.
A maior responsabilidade desse cargo é garantir que a conduta
empresarial esteja totalmente adequada aos requisitos legais externos
e às normas internas. Com isso, a função do compliance officer pode
ser dividida em duas vertentes principais:
a. a do interesse da empresa em si, mediante fiscalização interna,
que busca prevenir práticas ilícitas;
b. a busca de um equilíbrio social da empresa com o setor público,
tentando evitar a ocorrência de infrações (GUIMARÃES;
VAN HEEMSTEDE; OLIVEIRA, 2019).
O compliance officer atua também como conselheiro da alta
gestão, usando seu conhecimento para apontar as melhores decisões
a serem tomadas e agindo como um fiscalizador.
Até aqui, vimos que atuar com compliance pode trazer inúmeros
benefícios para as organizações e profissionais dessa área. As
empresas têm adotado essas práticas de conformidade e buscado agir
de forma ética, pois perceberam que os custos do não compliance,
sejam eles financeiros ou de reputação, são muito maiores do que
qualquer investimento demandado por sua implementação.

2.3 Compliance no setor público


Vídeo Vamos começar a última seção com um
esclarecimento: provavelmente você já ouviu falar
em autarquia. Mas você sabe o que são autarquias?
34 Ética, governança e transparência

Se já ouviu falar, sabe que elas fazem parte do cotidiano do povo


brasileiro. Caso não saiba do que se trata, já deve ter entrado em
pelo menos uma sem saber. Como? Se alguma vez foi ao INSS dar
entrada em algum documento, fazer uma consulta ou perícia, se já
abriu ou pagou uma conta na Caixa Econômica Federal ou no Banco
do Brasil, ou mesmo se foi a uma agência dos Correios, por exemplo,
você esteve em uma autarquia.
Isso mesmo. Autarquias nada mais são do que as também
chamadas empresas estatais. Mas esse esclarecimento serve
apenas para que possamos nos situar, pois, quando essa palavra
for utilizada no decorrer das próximas páginas, você saberá do
que estamos falando.
Vimos anteriormente que as empresas têm gradativamente
inserido o compliance em seus processos. Além disso, há, entre
os estudiosos do tema, uma discussão bastante inflamada sobre a
existência ou não do compliance na administração pública e nas
autarquias. Essa dúvida ocorre devido às diferenças existentes entre
os modelos de gestão e atuação dos dois setores, pois as empresas
privadas, em geral, utilizam o compliance no intuito de prevenir
riscos e atender às demandas do mercado, enquanto o setor público
não se ocupa dessas questões.
Por outro lado, o grande desafio do setor público em relação ao
compliance é evitar o uso incorreto e abusivo dos recursos públicos
e, em alguns casos, viabilizar a convivência com acionistas privados
sem que a empresa perca sua missão pública (NETO; DOURADO;
MIGUEL, 2019, p. 647).
É importante destacar que, no âmbito da gestão pública, os
programas de compliance visam aplicar dinâmicas gerenciais
utilizadas no setor privado para estabelecer objetivos e metas
voltados à obtenção de resultados, dispensando o antigo modelo
Ética e compliance 35

burocrático de gestão. Outra meta vista de modo positivo pela


sociedade é a atribuição de previsibilidade e transparência nas
operações do setor público.
Historicamente, a gestão pública brasileira tem como
características marcantes a burocracia e a falta de transparência,
que são totalmente incompatíveis com o compliance. Nesse modelo,
os cidadãos, stakeholders diretamente interessados e afetados pelas
decisões tomadas, ficam completamente alheios aos processos.
A Lei de Acesso à Informação – Lei n. 12.527/2011 – chegou
como um mecanismo para redefinir papéis e tornar o processo
mais claro e transparente para seus interessados. À medida que
os cidadãos passam a ter informações que lhes permitem cobrar
resultados, a gestão pública se vê motivada a seguir a tendência
global e atuar com compliance.
O processo de implementação do compliance no setor público
deve acompanhar a mesma lógica do setor privado, observando
as cinco etapas necessárias (análise do risco, implementação do
programa de compliance, execução do programa, monitoramento e,
por final, ajustes e correções de falhas), adotando um programa de
treinamento robusto e comprometendo todos os envolvidos.
Para auxiliar o Poder Executivo – prefeituras, governos de estado,
presidência da República, ministérios, entre outros – a implementar
bons programas de compliance, o Ministério da Transparência
e Controladoria-Geral da União instituiu, em agosto de 2017, o
Programa de Fomento à Integridade Pública (Profip), que capacita,
orienta e dá suporte metodológico e teórico em todas as etapas de
execução do processo.2

2 Para conhecer o Profip na íntegra, acesse: https://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-


e-integridade/profip.
36 Ética, governança e transparência

Esse programa está entre os esforços de combate à corrupção


implementados no Brasil, dos quais também fazem parte a Lei de
Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), a Lei das Licitações
(Lei 8.666/1993) e a Lei de Lavagem de Dinheiro, (Lei 9.613/1998),
entre outras que serão vistas no Capítulo 5 deste livro.

Considerações finais
O compliance vem se destacando cada vez mais ao redor do
mundo, e o Brasil segue essa tendência. A sociedade não tolera
mais escândalos e ações ilícitas por parte das empresas, que estão
percebendo que, para conservarem suas reputações e permanecerem
no mercado, precisam se adequar a essa nova realidade.
O setor público está seguindo o mesmo caminho, pois a
maturidade do indivíduo enquanto consumidor também se
manifesta em sua atuação como cidadão. As exigências em relação
à adoção de postura ética, à responsabilidade com o planeta, com
as pessoas, com o dinheiro público e com os recursos em geral se
tornaram parte do cotidiano.
Órgãos de controle vêm adotando atuações mais ativas, visto que
leis de combate à corrupção, de transparência e de conformidades
têm sido sancionadas e praticadas de forma efetiva.
Essas mudanças são positivas, afinal, como as organizações
empresariais são as principais produtoras de riqueza e o setor
público objetiva o bem-estar da população, programas de compliance
robustos podem ajudar a promover a prosperidade da sociedade
como um todo.
Cabe aqui, ainda, uma última observação: vimos que todas as
ações dentro das empresas são criadas e colocadas em prática pelas
pessoas. Além de ser bom profissional, atuar eticamente dentro da
empresa e respeitar as regras corporativas, é necessário que o cidadão
também atue com compliance na sociedade, adotando atitudes como
Ética e compliance 37

não jogar lixo nas ruas, devolver troco que receber a mais, não “furar
filas”, não estacionar em vagas preferenciais etc.
Esses pequenos comportamentos do cotidiano ajudam a
transformar a cultura e a construir de fato uma sociedade próspera,
justa, correta e sustentável, fatores que o compliance tenta alcançar.

Ampliando seus conhecimentos


Além do que foi visto no capítulo e das referências bibliográficas,
apresentamos, a seguir, duas sugestões para ajudá-lo a compreender
melhor o compliance e suas aplicações:

• FERRO, J. R. Compliance precisa mudar práticas de gestão


e liderança para funcionar. Época Negócios, 26 out. 2016.
Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/colunas/
Enxuga-Ai/noticia/2016/10/compliance-precisa-mudar-
praticas-de-gestao-e-de-lideranca-para-funcionar.html.
Acesso em: 30 set. 2019.
Esse artigo, publicado pela revista Época Negócios, fala sobre
os esforços das empresas para manter uma postura ética,
minimizar riscos e evitar escândalos.

• CUEVA, R. V. B.; FRAZÃO, A. Compliance: perspectivas e


desafios dos programas de conformidade. Belo Horizonte:
Fórum, 2018.
O livro reúne uma série de artigos sobre a prática do
compliance, demonstrando tanto as questões teóricas
envolvidas em sua concepção quanto as demandas relativas
à sua aplicação. A grande riqueza da obra está no fato de os
autores terem recorrido a abordagens distintas sobre o tema,
o que torna o livro interessante para pessoas de diversas áreas.
38 Ética, governança e transparência

Atividades
1. Vimos, neste capítulo, que um número cada vez maior
de empresas dos mais diversos setores têm se ocupado de
implementar o compliance com o objetivo de manter suas
reputações e permanecer no mercado. Considerando o que
você aprendeu até aqui, na sua opinião, qual é a relação entre
estar em compliance e ter uma boa reputação no mercado?

2. Na seção 2 deste capítulo, foram relatadas as competências


que o compliance officer deve ter, e, entre elas, está a postura
profissional impecável. Suponha que você seja o gerente
de uma grande empresa e, subordinado a você, haja um
compliance officer que exerce suas funções de forma eficiente
e eficaz, apresentando bons resultados e sempre respondendo
adequadamente às demandas. No entanto, foi descoberto
que ele aceitou suborno de um fornecedor para omitir uma
falha em um relatório. Não se trata de uma falha que impacta
fortemente o negócio, e, ao ser aberto um processo interno,
o compliance officer alegou que precisava do dinheiro para
pagar a conta de hospital da mãe doente. Qual seria a sua
posição nessa situação? Demitiria o funcionário e aplicaria o
rigor da lei ou consideraria que as circunstâncias amenizam
o ato?
Ética e compliance 39

3. Na seção 2.3, vimos que o setor público tem empregado


esforços para implementar o compliance nos mesmos moldes
aplicados no setor privado. Vimos também que o processo
de implementação deve seguir as mesmas etapas nos dois
setores. Diante disso e de tudo o que você aprendeu, qual é
o papel do programa de treinamentos em compliance dentro
do setor público?

Referências
BERTOCELLI, R. P. Compliance. In: CARVALHO, A. C.; ALVIM, T. C.;
BERTOCCELLI, R. P.; VENTURINI, O. (coord.). Manual de compliance.
Rio de Janeiro: Forense, 2019.

BITTAR, A. Certificação e aderência em compliance nas organizações. In:


CARVALHO, A. C. et al. (coord.). Manual de compliance. Rio de Janeiro:
Forense, 2019.

CARVALHO, I.; ALMEIDA. B. Programas de compliance: foco no programa


de integridade. In: CARVALHO, A. C. et al. (coord.). Manual de compliance.
Rio de Janeiro: Forense, 2019.

CARVALHO, A. C. Criação da cultura de compliance: treinamentos


corporativos. In: CARVALHO, A. C. et al. (coord.). Manual de compliance.
Rio de Janeiro: Forense, 2019.

GUIMARÃES, C. C.; VAN HEEMSTEDE, F. T.; OLIVEIRA, R. Função


do compliance officer e sua responsabilização na esfera criminal. In:
CARVALHO, A. C. et al. (coord.). Manual de compliance. Rio de Janeiro:
Forense, 2019.

MANZI, V. A. Compliance no Brasil: consolidação e perspectivas. São Paulo:


Saint Paul, 2008.

NETO, G. G.; DOURADO, G. A.; MIGUEL, L. F. H. Compliance na


administração pública. In: CARVALHO, A. C. et al. (coord.). Manual de
compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
3
Governança: o que é e como se aplica

Até aqui vimos o que é ética, suas implicações e impactos


no cotidiano de todos, em seguida passamos pelo conceito de
compliance, palavra relativamente nova no vocabulário brasileiro,
mas cuja prática que representa está presente na rotina de diversas
empresas, sejam elas públicas ou privadas.
Neste capítulo, falaremos sobre governança, assunto diretamente
relacionado à ética e compliance e que desempenha papel
fundamental no ordenamento e padronização das atividades e
processos organizacionais, além de facilitar também o alinhamento
das expectativas em relação aos resultados desejados.
Governança é um tema que gera muitos debates na academia,
pois vários estudiosos alegam que o seu uso no mundo corporativo é
equivocado. Para eles, na verdade, trata-se de um termo adequado
somente no âmbito da gestão pública, mas isso é apenas uma curiosidade
no contexto dos nossos estudos. No universo corporativo, o termo
governança tem origem com o crescimento das empresas, que acarretou
a necessidade de desassociar os interesses que motivam os sócios ou
acionistas dos interesses dos gestores (ALTOUNIAN; SOUZA; LAPA,
2018).
Parece estranha a afirmação de que os interesses desses dois atores
devam ser separados, uma vez que, pelo fato de fazerem parte da
mesma empresa, deveria ser comum a ambos o desejo e o trabalho
para o seu sucesso. Mas, no mundo real, acontecem muitos embates
entre os dois grupos, porque os sócios e investidores visam sempre
a aumentar o retorno de seus investimentos, enquanto os gestores,
além de objetivarem melhorar seus salários e benefícios, precisam
lidar com as dificuldades diárias da execução do negócio.
42 Ética, governança e transparência

Nas próximas páginas, ao estudarmos o que é governança, os


elementos que a compõem e como é praticada, seus objetivos e
mecanismos e, por fim, a diferença entre governança e governabilidade,
esse cenário será mais bem explicado.

3.1 O que é governança: componentes e


práticas
Vídeo Quando falamos em governança corporativa,
necessariamente devemos referenciar a Organisation
for Economic Co-operation and Development
(OECD), que em português significa Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Trata-se de um órgão internacional que atua junto a governos e demais
atores em vários países, cujo intuito consiste em estabelecer normas
internacionais, estimulando o desempenho econômico, a criação de
emprego e a educação, além de promover ações contra a corrupção
por meio do compartilhamento de experiências e boas práticas.
Outra atividade da OECD é o forte trabalho de aconselhamento
sobre políticas públicas e o estabelecimento de padrões globais de
governança para governos de diversos países.
A OECD define governança corporativa como “o conjunto
de relações entre administração de uma empresa, seu conselho
de administração, seus acionistas e demais partes interessadas”
(GODZIKOWSKI, 2018, p. 75). O órgão reafirma a importância
da governança quando declara que ela se encarrega e cuida de toda
a estrutura institucional e política das organizações, passando por
todas as suas fases e áreas, desde a abertura, formação de estruturas
de governança, vida útil e eventual saída do mercado.
Por essa característica, é possível entender e analisar a governança
corporativa enquanto um conjunto de sistemas de relações, como
guardiã de direitos, uma estrutura de poder ou ainda um sistema
normativo (ALMEIDA, 2019).
Governança: o que é e como se aplica 43

Já o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)


adverte que a governança objetiva a melhoria do desempenho e
a agregação de valor ao negócio, utilizando boas práticas, “sendo
o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e
incentivadas” (IBGC, 2015, p. 20).
O profissional que for atuar com governança deve conhecer
bem seu contexto e ser bastante cauteloso, pois é possível encontrar
diversos conceitos relacionados a ela. Tais conceitos não se
contradizem e chegam até mesmo a se complementar. No entanto,
cada um enfatiza uma característica específica da governança, de
acordo com a área de conhecimento com a qual se relaciona. Essas
áreas podem ser: gestão de projetos, gestão pública, economia,
controladoria, sistemas de informação, direito, entre outras1.
Tal amplitude do leque de atuação demonstra o valor da
governança, que, assim como o atuar ético e a observação do
compliance, deve estar presente em todas as atividades e processos da
organização, pois se relaciona com o modelo de gestão das empresas
e com a forma como são tomadas as decisões. Em outras palavras,
o modelo de governança de uma entidade molda e direciona sua
forma de gestão.
A importância da governança tem se consolidado nas corporações
e se destacado nas relações interinstitucionais. Isso ocorre devido
a seus fundamentos sólidos definidos com base em princípios
éticos, que se aplicam em todos os tipos de negócio (ROSSETTI;
ANDRADE, 2006).
Além disso, a aplicação da governança corporativa se sustenta
em uma robusta base metodológica. Tanto é assim, que instituições
internacionais como a OECD, o Fundo Monetário Internacional
(FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre

1 No Capítulo 4 deste livro, nosso foco se voltará mais detidamente à governança na


gestão pública.
44 Ética, governança e transparência

outros, a consideram uma importante aliada para o crescimento


econômico global, sendo um instrumento determinante para o
desenvolvimento sustentável. Segundo a OECD, a influência da
governança no desenvolvimento sustentável acontece no tripé da
sustentabilidade, ou seja, nos eixos ambiental, social e econômico.
Por sua vez, o famoso G8, grupo formado pelos países2 mais
desenvolvidos e industrializados do mundo, considera que a
governança “representa um dos mais novos e importantes pilares
da arquitetura da economia global” (ALTOUNIAN; SOUZA; LAPA,
2018, p. 244).
Assim como acontece com as práticas de compliance, apesar
de o mérito da governança ser amplamente conhecido, ela ainda
não é totalmente internalizada pelas empresas, o que acontece,
segundo Altounian, Souza e Lapa (2018), basicamente devido a
três fatores: por ainda ser uma novidade; pela abrangência do uso
do termo, que causa dúvidas com relação ao que de fato significa;
e à quantidade de modelos de governança, que geram diferentes
conceitos.
Ademais, ainda há a abrangência da governança. Vimos
anteriormente que ela está presente em todos os setores e estágios
da corporação. E essa presença extrapola as organizações, pois
pode haver governança no contexto mundial, nas políticas
governamentais, na empresa como um todo e em uma área
específica. Nesse sentido, deve-se destacar que quando falamos que
existe governança em uma área específica, estamos nos referindo às
suas particularidades de gestão, as quais devem estar alinhadas ao
modelo da gestão da corporação como um todo.
Independentemente do contexto, uma estrutura de governança
organiza a gestão, definindo papéis e responsabilidades, esclarecendo

2 Os países que compõem o G8 são: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França,


Itália, Japão, Reino Unido e Rússia.
Governança: o que é e como se aplica 45

as regras e procedimentos, bem como as variáveis que devem ser


consideradas nas tomadas de decisão. Além disso, promove uma
estrutura eficiente e com foco na maximização dos resultados,
evitando, por meio do estabelecimento de responsabilidades, a
expropriação de bens da organização (CERDA, 2000).
Quando se trata de empresas privadas, o maior objetivo é a
produção de lucro. As empresas públicas, por sua vez, têm como
resultado principal a geração de bem-estar para a sociedade. Em
ambos os casos, o modelo de governança adotado deve propiciar a
maximização dos resultados, aumentando o retorno aos investidores
e atendendo às demandas de todos os stakeholders.
Mas qual seria o melhor modelo? Trata-se de uma resposta
que exige uma análise criteriosa e um conhecimento profundo do
negócio e do contexto no qual ele está inserido. Todavia, cumpre
destacar aqui os dois principais modelos de governança adotados no
mundo: outsider system e insider system.
O outsider system, modelo anglo-saxão, é o sistema de
governança que tem como principal foco a geração de riqueza com
mercados mais desenvolvidos e com mais proteção aos investidores.
Esse modelo é amplamente aplicado no Reino Unido e nos Estados
Unidos.
A seu turno, a Europa continental e o Japão utilizam o insider
system, modelo menos voltado aos acionistas, e mais orientado para
os chamados stakeholders não financeiros. Seu maior objetivo é
satisfazer de forma equilibrada os interesses e necessidades de todos
os envolvidos com o negócio.
Agora você pode estar se perguntando: qual desses dois modelos
é adotado pelo Brasil?
O modelo latino-americano de governança, no qual o Brasil se
insere, é diferente dos apresentados, uma vez que predomina nele
a alavancagem (LEAL; CAMURI, 2008), em que a expressividade
46 Ética, governança e transparência

do mercado de capitais é mínima e as grandes corporações são


propriedades concentradas, a gestão e a tomada de decisão são
feitas por acionistas majoritários. Nesse contexto, o ambiente
regulatório ainda está em transição, o que pode fragilizar o modelo
de governança.

3.2 Objetivos e mecanismos da governança


Vídeo O termo corporative governance (governança
corporativa) foi cunhado na década de 1980 e
começou a ser utilizado no Brasil na década de
1990. No entanto, conforme Almeida (2019),
podemos dizer que sua gênese ocorreu com a
publicação do livro The modern corporation and
private property, escrito pelo advogado-diplomata Adolf Berle e pelo
economista Gardiner Means e publicado em 1932.
Não é errado considerar o texto como um divisor de águas, pois
pela primeira vez se falou sobre a necessidade de maior transparência
nos negócios, prestação de contas por parte dos administradores e
sobre os direitos dos acionistas.
A partir da década de 1980, observa-se uma mudança de
comportamento por parte das organizações no mundo todo, as quais
passam a valorizar mais a presença dos acionistas em detrimento
dos donos do negócio. As empresas até então ainda operavam no
modelo familiar, tendo o patriarca como o grande comandante do
negócio.
Essa realidade mudou, contudo, quando houve a abertura de
capital, a criação de fundos de investimentos, de fundos de pensão e,
como não poderia deixar de ser, com a entrada de pessoas diferentes,
com outros pontos de vista, que inflamaram as críticas relativamente
à falta de transparência na gestão.
Governança: o que é e como se aplica 47

Nessa época, o mercado de capitais brasileiro ainda era bastante


modesto, uma vez que poucas empresas apresentavam liquidez
(ALMEIDA, 2019). Já na década de 1990, enquanto os conselhos de
administração ganhavam maior poder de decisão e tinham melhor
definidos seus papéis dentro das organizações, a auditoria externa
obtinha espaço para atuar no Brasil. À medida que as atribuições da
auditoria externa ficavam mais claras aos empresários, ela passou a
ser encarada não mais como um órgão inconveniente de fiscalização,
mas como um possível aliado na implementação de melhorias na
gestão do negócio.
De lá para cá, vários acontecimentos ajudaram a consolidar a
relevância da governança corporativa em diversos âmbitos. A General
Motors divulgou suas diretrizes de governança corporativa, grandes
corporações mundiais como as alemãs Thyssen e Mercedes-Benz, as
norte-americanas General Motors, IBM e American Express, entre
outras, tiveram seus comandos alterados por pressão dos conselhos,
que se encontravam já empoderados. Logo, essas mudanças
demonstraram a importância dos conselhos administrativos para o
estabelecimento de boas práticas de governança.
Foi nesse momento que, no Brasil, criou-se o IBGC, que na época
se chamava Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração
(IBCA). Além da alteração do nome, o passar dos anos conferiu
maturidade e experiência ao instituto, que vem aprimorando sua
atuação.
No que tange ao nível global, a OECD lançou os seus Princípios
de Governança Corporativa (Principles of Corporate Governance),
que se baseiam na experiência dos países-membros e se constituem
em uma base comum considerada essencial por eles para serem
obtidas boas práticas de governança corporativa. Esses princípios
foram criados para serem sucintos, compreensíveis e acessíveis a
toda a comunidade internacional. São eles (OECD, 2004):
48 Ética, governança e transparência

• garantir a base para um sistema eficaz de governança


corporativa;
• direitos dos acionistas e principais funções da propriedade;
• tratamento equitativo dos acionistas;
• papel de outras partes interessadas na governança corporativa;
• divulgação e transparência;
• responsabilidade do conselho de administração.

Em linhas gerais, os princípios da OECD objetivam que o sistema


de governança possibilite a formação de mercados transparentes e
eficazes, com responsabilidades bem definidas, de modo a proteger
os direitos dos acionistas e atuar como um facilitador no exercício
desse direito. Assim, visa-se garantir que todos os acionistas sejam
tratados de forma justa e imparcial, reconhecendo os direitos de
todas as partes interessadas e estimulando-as a atuarem de forma
cooperativa para gerar riqueza, empregos e sustentabilidade
financeira. Além disso, também se espera que todo o processo seja
transparente e confiável e que a governança corporativa garanta a
orientação estratégica da gestão empresarial.
No Brasil, o IBGC lançou o Código de Melhores Práticas de
Governança Corporativa, o qual é periodicamente atualizado e tem
como premissas a evolução do ambiente de negócios, a tomada de
decisão, a identidade da organização e deliberação ética e o papel dos
agentes de governança. Esse código também elenca como princípios
básicos da governança corporativa:
• transparência;
• equidade;
• prestação de contas (accountability); e
• responsabilidade corporativa.

O princípio da transparência consiste em disponibilizar para


todas as partes interessadas (stakeholders) as informações sobre
Governança: o que é e como se aplica 49

desempenho econômico-financeiro, tomadas de decisão, reputação


e todas as demais que sejam de interesse. Com a equidade, busca-
se o tratamento justo, imparcial e isento de todos os interessados.
A prestação de contas ou accountability prevê que os gestores ou
agentes de governança prestem contas de sua atuação, assumindo
as consequências e resultados de seus atos. A responsabilidade
corporativa, por fim, exige que os agentes de governança zelem pela
viabilidade econômico-financeira das empresas, lidando com todas
as questões que se apresentam no cotidiano da gestão.
Ao compararmos os Princípios de Governança Corporativa
da OECD com o Código de Melhores Práticas de Governança
Corporativa do IBGC, percebemos que suas bases e objetivos são
os mesmos, ou seja, promover uma boa e robusta governança,
ancorada em princípios éticos, que atue com compliance e abranja
cada vez mais atores interessados.
No entanto, é importante ter em mente que a governança
corporativa precisa considerar as particularidades do contexto em
que está inserida. O Brasil, por exemplo, com suas leis altamente
complexas e em constante mudança, configura-se como um grande
desafio para a implementação de modelos de governança que
precisam ser implementados de forma alinhada com a legislação
vigente.

3.3 Governança e governabilidade


Vídeo Um tema que causa muita dúvida não só nos
estudantes, mas em grande parte da população
que se interessa pelo assunto, é a diferença entre
governança, gestão e onde a governabilidade se
insere.
Em primeiro lugar, é preciso ficar claro que governança e gestão
não são palavras sinônimas e que a governabilidade tem relação
50 Ética, governança e transparência

exclusiva com o poder público e a capacidade de governar de


seus gestores, representando o poder dos governos em atender às
demandas da sociedade.
Governabilidade pode ser entendida como a qualidade
do desempenho do governo, que depende diretamente de
suas capacidades governamentais: capacidade financeira; de
gestão, para articular atores em prol de um objetivo comum; de
arrecadação; de elaboração e implementação de políticas públicas,
entre outras. Tais capacidades são geridas por meio de um modelo
de governança adotado.
Portanto, a governabilidade depende dos elementos que garantam
a estabilidade dos governantes e sustentem sua liderança política
(ANDRADE, 1998), atribuindo-lhe aquilo que promove o poder
para governar: a legitimidade. Por exemplo, quando determinado
candidato vence a eleição para a prefeitura de um município no
qual a maioria da Câmara dos Vereadores é formada por opositores,
entendemos que sua governabilidade pode ser prejudicada.
Diante do exposto, fica claro que quando falamos em empresas
privadas, o uso dos termos gestão e governança está correto, mas a
governabilidade só se aplica no âmbito do poder público, seja ele
municipal, estadual ou federal.
Nas seções anteriores, o conceito de governabilidade já foi
explorado e vimos que seu entendimento é variável de acordo
com a área em que está sendo empregado. Portanto, no domínio
do poder público, no qual a governabilidade está inserida, a
governança se refere à capacidade técnica, financeira e gerencial que
um governo tem para implementar suas políticas públicas. Nesse
contexto, ela indica os aspectos operacionais de gestão dos recursos
públicos. Resumindo, a governabilidade se refere à capacidade
política de um governo, independentemente de ele ser federal,
estadual ou municipal, enquanto a governança trata da capacidade
administrativa e da organização da gestão desse mesmo governo.
Governança: o que é e como se aplica 51

Agora que as diferenças entre governança e governabilidade


foram apontadas, vamos entender a distinção entre gestão e
governança.
A gestão implica a utilização dos recursos de forma direcionada
para o alcance das metas estabelecidas. Ela é responsável pela
execução do planejado de forma ordenada e eficaz. Entre suas
funções, elencadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU),
estão a implementação de programas, a garantia da conformidade
(compliance), a revisão e reporte do status das ações, a garantia da
eficiência administrativa, a comunicação com os stakeholders e a
avaliação de desempenho (ALTOUNIAN; SOUZA; LAPA, 2018).
Por outro lado, definir o direcionamento estratégico, supervisionar
a gestão, envolver os stakeholders, gerenciar riscos e conflitos
internos, auditar o sistema de controle e promover a prestação de
contas estão entre as responsabilidades que o TCU (2014) atribui à
governança.
Assim, enquanto a gestão é responsável pela execução dos
processos que compõem o negócio, a governança se ocupa do
seu direcionamento. Podemos dizer que a responsabilidade da
governança é avaliar, direcionar e monitorar, enquanto à gestão cabe
planejar, executar, agir e controlar.

Considerações finais
Conforme visto anteriormente, o tema governança é bastante
amplo e complexo, abarcando diversos conceitos e práticas a
depender da abordagem. Essa característica do termo torna bastante
árdua, senão impossível, qualquer tentativa de esgotá-lo.
O que buscamos neste capítulo foi lançar as bases para um estudo
mais amplo, mostrando que vários temas podem ser abordados à luz
da governança, independentemente do objeto de estudo ser o setor
público, privado ou governamental.
52 Ética, governança e transparência

Outro objetivo buscado foi esclarecer conceitos, uma vez que,


como temos repetido desde o início deste livro, conhecer conceitos
é fundamental para haver uma visão clara e correta do que se
pretende conhecer.
A governança tem ganhado cada vez mais espaço nas corporações
ao redor do mundo, sejam elas públicas ou privadas, e até mesmo
nos setores governamentais. Frise-se que ela caminha (ou deve
caminhar) simultaneamente com a ética e o compliance, pois esses
três elementos se complementam e ajudam a garantir o sucesso do
negócio, sua sustentabilidade e credibilidade na sociedade.

Ampliando seus conhecimentos


Para que você continue aprendendo sobre governança, sugerimos
as leituras a seguir:
• ASSUNÇÃO, R. R.; DE LUCA, M. M. M.; VASCONCELOS,
A. C. de. Complexidade e governança corporativa: uma
análise das empresas listadas na BM&FBOVESPA. Revista
Contabilidade & Finanças, USP, São Paulo, v. 28, n. 74, p. 213-
228, maio/ago. 2017. Disponível em: http://www.revistas.usp.
br/rcf/article/view/131272. Acesso em: 7 set. 2019.
O artigo apresenta um estudo sobre a governança aplicada
nas empresas listadas na BM&FBOVESPA (Bolsa de Valores,
Mercadorias e Futuros de São Paulo) e suas particularidades.

• LODI, J. B. Governança corporativa: o governo da empresa e


o conselho da administração. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.
Tomando como ponto de partida as manchetes de jornais do
ano de 1995, nos quais diariamente eram publicadas notícias
sobre fusões, aquisições, concordatas, globalização, abertura
de mercado etc., esse livro busca entender o que se passou
com a empresa familiar brasileira.
Governança: o que é e como se aplica 53

Atividades
1. Vimos neste capítulo que a governança possui ampla
abrangência, tendo espaço em nível internacional, nacional
e local. As empresas vêm aos poucos conhecendo e
incorporando a governança corporativa em seu cotidiano.
Como é sabido, não existem empresas sem as pessoas, pois
são elas que dão vida às corporações. Agora, imagine uma
empresa que é resistente à novidade da governança. Eis que
nela começa a trabalhar um gerente de projetos que entende
a importância dessa prática para o sucesso dos negócios. Ele
tem a intenção de implementar a governança em sua área
custe o que custar, independentemente de o resto da empresa
segui-lo ou não. Com base no que você leu neste capítulo,
esse gerente de projetos terá sucesso? Por quê?

2. Na seção 3.2 frisamos que a partir de determinado momento


os empresários começaram a ter um novo olhar sobre as
auditorias externas, encarando-as não mais como um órgão
inconveniente de fiscalização, mas enquanto um possível
aliado na implementação de melhorias na gestão do negócio.
De que forma as auditorias externas podem contribuir para
melhorar a gestão?

3. A governabilidade se refere à legitimidade de determinado


governo e impacta diretamente em sua capacidade de
governar. Com base nessa afirmação e no que você estudou
neste capítulo, responda: o que legitima um governo?
54 Ética, governança e transparência

Referências
ALMEIDA, L. E. de. Governança corporativa. In: CARVALHO, A. C. et al.
Manual de compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

ALTOUNIAN, C. S.; SOUZA, D. L. de; LAPA, L. R. G. Gestão e governança


pública para resultados: uma visão prática. 1. reimpr. Belo Horizonte:
Fórum, 2018.

ANDRADE, I. A. L. de. Poder municipal e governabilidade. In: CONGRESO


INTENACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y
DE LA ADMINISTRACION PÚBLICA, 3, oct. 1998, Madrid, Anais [...]
Madrid, p. 14-17.

CERDA, A. C. de la. Tender offers, takeovers and corporative governance. São


Paulo: The Latin America Corporate Governance Roundable, 2000.

GODZIKOWSKI, A. Governança & nova economia. São Paulo: Lura


Editorial, 2018.

IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores


práticas de governança corporativa. 5. ed. São Paulo: IBGC, 2015. Disponível em:
https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/21138/
Publicacao-IBGCCodigo-CodigodasMelhoresPraticasdeGC-5aEdicao.pdf.
Acesso em: 17 set. 2019.

LEAL, M. J.; CAMURI, W. C. A governança corporativa e os modelos


mundialmente praticados. Revista de Ciências Gerenciais, v. 12, n. 15, p. 1-16,
2008. Disponível em: https://docplayer.com.br/23484693-A-governanca-
corporativa-e-os-modelos-mundialmente-praticados.html. Acesso em: 3
out. 2019.

OECD - Organisation for Economic Co-operation and Development.


Principles of corporate governance. 2004. Disponível em: http://www.oecd.
org/corporate/ca/corporategovernanceprinciples/31557724.pdf. Acesso
em: 3 set. 2019.

ROSSETTI, J. P.; ANDRADE, A. Governança corporativa: fundamentos,


desenvolvimento e tendências. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

TCU - Tribunal de Contas da União. Referencial básico de governança:


aplicável a órgãos e entidades da administração pública. v. 2. Brasília:
TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, 2014.
Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.
jsp?inline=1&fileId=8A8182A24F0A728E014F0B34D331418D. Acesso em:
3 set. 2019.
4
Governança na gestão pública

O nosso quarto capítulo é integralmente dedicado à


compreensão das dinâmicas e processos do que é público, ou seja,
daquilo que afeta a todos nós.
Entender o que é a gestão pública deveria ser interesse não só
dos profissionais dessa área, mas de todos os cidadãos, pois o bom
desempenho do gestor público significa mais e melhores serviços e,
pelo menos em tese, a solução mais rápida e eficaz dos problemas
que afetam a sociedade.
A razão de existir da gestão pública, desde a criação dos
primeiros cursos que tratavam do tema na Prússia, no século XVIII,
é o atendimento das demandas coletivas e da responsabilidade com
tudo o que é de interesse comum, por meio de controles adequados
dos processos, ideal destinação do erário e da comunicação assertiva erário: conjunto
dos recursos
das ordens públicas (MOTTA, 2013). financeiros
públicos; dinheiro e
De lá para cá, realizaram-se muitos estudos a respeito desse bens do Estado.
assunto, foram estabelecidas comparações e paralelismos com
a gestão privada, e implementaram-se tentativas de melhoria,
tais como a criação do New Public Management (NMP) – nova
gestão pública. Além disso, o papel do gestor público começou a
ser questionado, pois surgiram reflexões sobre as suas limitações
diante de fatores políticos, da descrença da população com relação
à eficiência dos serviços prestados por eles, além da competência e
do comprometimento do servidor público com suas atividades que
nem sempre são exercidas com a eficiência esperada.
Mais recentemente, os tópicos corrupção e transparência têm
chamado bastante a atenção de pessoas, instituições e demais
56 Ética, governança e transparência

atores, o que exige da gestão pública uma atenção especial para suas
nuances e a criação de mecanismos de prevenção e combate. Uma
boa governança, eficiente e transparente, mostra-se como uma forte
aliada dessa missão, além de ser uma ferramenta poderosa para
inibir os atos antiéticos e de não compliance.
A gestão pública sofre influência da cultura na qual está inserida,
da tendência ideológica dos políticos, que se revezam no poder, dos
arranjos sociais vigentes, das dinâmicas impostas pela globalização
e de uma série de outros fatores. Para entendê-los, vamos falar
sobre o que é a gestão pública, seus conceitos e características,
como a governança é aplicada em seus processos e, por fim, sobre a
governança pública e como ela se difere da privada.

4.1 O que é gestão pública


Vídeo Em uma perspectiva histórica, a partir da
Revolução Industrial, quando os processos de
produção, antes artesanais, foram substituídos
por processos mecânicos e padronizados, além de
outras mudanças ocorridas, começou-se a pensar
na otimização da administração das fábricas e
empresas privadas e, por analogia, a se aspirar por uma gestão mais
eficiente dos serviços públicos.
Na Prússia1, durante o século XVIII, motivadas pelo nascimento
de uma burocracia pública, começaram a se manifestar preocupações
com controles, ordenamento das finanças públicas e comunicação
adequada dos atos da gestão pública – que hoje conhecemos

1 A Prússia foi uma poderosa nação europeia cujo território compreendia partes do
que são hoje República Tcheca, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Lituânia, Polônia, Rússia
e Suíça. Ela dominou boa parte do centro do continente no século XIX. A partir da
unificação dos Estados de origem germânica da região prussiana é que se estabeleceu
o Império Alemão, que veio a originar a Alemanha em 1871. Após a Segunda Guerra
Mundial, com a derrota da Alemanha, a Prússia, em 1947, deixou oficialmente de existir.
Governança na gestão pública 57

como transparência. Nesse momento, valendo-se da experiência


prussiana, foram criados os primeiros cursos de Administração
Pública (AMATO, 1958).
A partir daí, a gestão pública passou a ser vista como ciência,
referindo-se a um campo do conhecimento relacionado com
as organizações que têm como missão o interesse público ou
aspectos que o afetem. Esse público é formado por diversos
atores (stakeholders): cidadãos, eleitores, contribuintes, crianças,
empresas, imprensa, expatriados, turistas etc., que precisam ter suas
necessidades atendidas.
Existem muitos questionamentos relacionados à diferenciação
entre a gestão aplicada no setor público e a no setor privado. Coloca‑se
que não deveriam ser vistas como coisas distintas, pois a ciência da
gestão é uma só. E isso é verdade. No entanto, se pensarmos que
até mesmo entre empresas privadas, com culturas organizacionais
diferentes, influenciadas em grande parte pela lógica de mercado,
a forma de aplicação da gestão ocorre de maneiras distintas,
perceberemos que, de fato, uma tentativa de implementar a gestão
no setor público de forma idêntica ao que é feito no setor privado
dificilmente teria sucesso. Particularidades devem ser respeitadas,
sem que se deixe de buscar a máxima eficiência.
No setor público, existe um fator muito forte que interfere na
gestão: o fator político. E isso se dá, por exemplo, por que ao assumir
a responsabilidade de prestar serviços para a sociedade, sejam eles
de saúde, segurança, educação, moradia, geração de empregos, entre
outros, a gestão pública passa a ser um estágio importante para a
democracia (MOTTA, 2013).
O fato de a gestão pública ser associada à política não deveria
ser negativo, afinal, como vimos no Capítulo 1, de acordo com
Aristóteles, política é a “ciência do sumo bem”, e se a gestão pública
é voltada ao interesse público, ambas têm a mesma essência. O que
se configura como um problema é a crença disseminada de que a
58 Ética, governança e transparência

eficiência da gestão pública não progride sem fortes laços políticos,


que a legitimem e amparem. Essa dependência gera ineficiência e
uma parcialidade, prejudiciais ao bom andamento dos processos
que afetam diretamente a ponta, ou seja, o cidadão.
O gestor público, diferentemente de um gestor do setor privado,
não tem tanta liberdade de atuação, e o seu bom desempenho,
muitas vezes, não é tão relevante quanto a capacidade de transitar
nos ambientes políticos.
Diante desse cenário e da contínua crítica e insatisfação da
população com os serviços e servidores públicos, a eficiência
apresentada pela gestão privada passa a ser uma aspiração da gestão
pública, que precisa entregar qualidade para a população. Para
fazê‑lo, além de lançar mão das modernas ferramentas de gestão, o
setor público precisa, também, apresentar uma visão holística, ouvir
o cidadão e suas necessidades.
E aqui, deseja-se contar uma história verídica2, ilustrando como
é importante que o gestor público esteja atento às necessidades do
seu cliente, ou seja, da população.
Um grupo de trabalho certa vez foi designado para atender a
uma comunidade carente, que estava vivendo em uma ocupação e
demandava serviços básicos e constitucionais: moradia, educação
e saúde. Ao entrarem em contato com os moradores locais, os
técnicos solicitaram que dissessem qual serviço gostariam que fosse
implementado primeiro. Qual não foi a surpresa dos pesquisadores
ao obterem a resposta de que não era saneamento nem posto de
saúde que os moradores queriam, mas a instalação de placas com os
nomes das ruas e os números nas casas.
Espantados, os técnicos questionaram os moradores sobre suas
prioridades, pois estava claro que água encanada, energia elétrica,

2 Optou-se por manter as identidades dos envolvidos e o nome do município em


sigilo, pois o foco é aqui ilustrar a importância de se ouvir o interlocutor.
Governança na gestão pública 59

ou posto de saúde eram mais importantes do que placas com


nomes de rua. E esse questionamento era muito bem-intencionado.
No entanto, a resposta revelou a importância de se ouvir a parte
interessada, pois os moradores alegaram que com placas nas ruas e
números nas casas eles teriam um endereço formal e comprovável,
cuja falta lhes impossibilitava de conseguir emprego e, assim,
limitava o acesso a todos os outros recursos.
Esse é um exemplo, entre tantos outros que poderíamos colocar
aqui, de como a gestão pública precisa aprender com a privada a
ouvir o cliente. E uma gestão pública semelhante à privada vem
sendo proposta desde o século XIX.
Já no século XX, objetivando fazer com que a gestão pública
operasse como uma empresa privada, buscando eficiência, redução
de custos e qualidade de serviços, criou-se o NPM3.
Uma característica marcante do NPM é a preferência pela
terceirização de serviços, que promove, por meio da competição
entre as prestadoras, diminuição dos custos, além de evitar
monopólios e flexibilizar a gestão (OSBORNE; GAEBLER, 1995).
Outra particularidade do NPM é a diminuição da influência
do Estado, por meio da redução de suas responsabilidades
(como privatizações, por exemplo), e a inserção da filosofia e dos
mecanismos de mercado no governo, características resgatadas do
liberalismo (MOTTA, 2013).
A ideia de um governo com uma cultura mercadológica tem
como princípio liberar o Estado de tarefas facilmente executadas
por terceiros. Dessa forma, ganharia mais espaço para se dedicar às
funções legislativas, executivas e judiciárias, enquanto os servidores
públicos assumiriam o papel de prestadores de serviço. Nessa lógica,

3 Como já elucidado na Introdução deste livro, NPM é sigla para New Public
Management, significando em português, nova gestão pública.
60 Ética, governança e transparência

os cidadãos são vistos, como na iniciativa privada, enquanto clientes,


e atendidos em todas as suas necessidades.
Com as características apresentadas, o NPM trouxe consigo uma
grande esperança de melhoria efetiva na qualidade e na eficiência
dos serviços prestados pela gestão pública. Contudo, com o passar do
tempo, o que se observou foi que a prática de medidas adotadas pela
iniciativa privada resultou em ganhos bastante modestos quando
aplicados à gestão pública, devido às dificuldades e morosidades
inerentes ao setor público.
Para uma gestão eficiente e eficaz, é necessário que o gestor tenha
autonomia, que haja descentralização, que as regulações não sejam
engessadas e a burocracia não seja mais importante que os resultados.
Esse contexto é mais fácil de ser implementado na iniciativa
privada, enquanto na pública sempre que houve tentativas de
minimizar a burocracia, de descentralizar as decisões e dar maior
autonomia para o gestor, o resultado foi novas centralizações e mais
regras (MOTTA, 2013), evidenciando que o poder político sempre
supera o administrativo.
Além das possibilidades colocadas pela NPM, o setor público
também lança mão das parcerias público-privadas (PPP), que
abrangem:
• Terceirização: contrata-se uma empresa privada para
executar uma atividade dentro de um órgão público;
• Concessão: uma empresa privada executa determinado
serviço para a população e obtém lucro. Um exemplo são
as concessionárias que administram as estradas e cobram
pedágio dos usuários;
• Empresas de capital misto: como Petrobras, Vale e Banco do
Brasil;
• Private Finance Initiative (PFI) – Iniciativa Financeira
Privada: o governo paga uma empresa privada para gerenciar
Governança na gestão pública 61

uma empresa pública, como presídios, hospitais, escolas,


entre outros.

Todas as proposições feitas pela NPM para melhorar a eficiência


da gestão pública, bem como as demais iniciativas apresentadas, são
tentativas de responder às cobranças cada vez mais recorrentes da
sociedade, que demanda, dos serviços públicos, maior qualidade,
sem que isso signifique o aumento de impostos. Nesse cenário,
a governança se apresenta como uma aliada para a obtenção dos
resultados que se busca.
Na próxima seção, veremos como se aplica a governança na
gestão pública.

4.2 Aplicação da governança na gestão


pública
Vídeo Como vimos anteriormente, a população vem
demandando a oferta de serviços públicos de
qualidade sem que isso resulte em aumento de
impostos. O que a sociedade deseja, na realidade,
é que “se faça mais com menos, o que só é possível
com ganhos de produtividade no setor público
através da incorporação de novas tecnologias, ou de inovações no
sentido schumpeteriano4 do termo” (ALVES, 2015, p. 110).
As tecnologias estão disponíveis, e o que se observa é um esforço
crescente por parte das instituições em usá-las da melhor maneira,
para otimizar seus processos e incrementar seus resultados. A
inovação, no caso, pode ser tanto no sentido tecnológico quanto na
forma de atuar e de realizar as atividades rotineiras.

4 Joseph Schumpeter (1883-1950) foi um economista austríaco que cunhou a


expressão “destruição criativa”.
62 Ética, governança e transparência

Conforme é demonstrado nos princípios da ciência econômica


– aplicados em todas as áreas –, o que se coloca como um grande
desafio para o gestor público é o uso adequado de recursos finitos
para atender às infinitas necessidades da sociedade. Cabe ao Estado,
na figura do gestor público, buscar as melhores alternativas para
conseguir atender a tais necessidades, que se apresentam nas áreas
de educação, saúde, transporte, moradia, segurança, entre outras.
Existem duas correntes filosóficas que debatem o papel do Estado e
o grau de intervenção dele no atendimento às demandas da população.
Elas se opõem na forma, mas buscam o mesmo objetivo, ou seja, uma
atuação eficiente, competente e eficaz. Essas correntes filosóficas são
o liberalismo econômico, com a tendência mais capitalista e que prega
a intervenção mínima do Estado, e o modelo de Estado de Bem-Estar
Social (Welfare State), defendendo uma forte atuação estatal para que
se alcance o bem-estar social, cuja premissa básica é a garantia de
serviços públicos e segurança para a população.
Independentemente de um governo seguir a corrente liberal
ou o modelo de bem-estar social, a aplicação dos princípios da
governança em sua gestão é possível e desejável, para que logre
sempre fazer mais e melhor (ALTONIAN; SOUZA; LAPA, 2018).
Os princípios da governança corporativa aplicáveis na gestão
pública são a definição de estratégias, planejamento, estabelecimento
de comitês de auditoria, gestão de risco, monitoramento e avaliação.
O Australian National Audit Office (ANAO), órgão australiano
especializado no setor público, cujos estudos são referência para
todo o mundo, elenca seis elementos que devem ser inseridos na
cultura organizacional para que se atinjam as boas práticas de
governança corporativa no setor público (ANAO, 2012):

Figura 1 – Elementos para boas práticas de governança corporativa

Comprome- Responsa- Transpa-


Liderança Integridade Integração
timento bilidade rência

Fonte: Elaborada pela autora com base em ANAO, 2012.


Governança na gestão pública 63

• Liderança
A liderança é um tema amplamente discutido no setor privado.
Sabemos que o bom desempenho de uma equipe está diretamente
relacionado ao modelo de líder que ela possui. Essa realidade se
repete no setor público, pois, como já abordamos anteriormente, o
que faz uma empresa, escola ou um setor público são as pessoas que
atuam em seu nome e essa atuação é direcionada pela liderança.
• Integridade
A integridade se refere ao agir ético, ao ter compliance e à
honestidade individual e institucional. No capítulo 1, lemos a
história do pastor Giges, que ao perceber que não corria risco
de sofrer punições, passou a realizar várias atitudes antiéticas,
criminosas e não íntegras. Essa história ilustra a importância de
as empresas adotarem mecanismos de fiscalização e controle para
garantir a integridade de seus negócios e processos. No setor público,
o Tribunal de Contas da União (TCU) é um exemplo de órgão de
controle que auxilia nessa missão.
• Comprometimento
Para que se alcance sucesso na implementação de boas
práticas de governança no setor público, é imprescindível haver
comprometimento de todos os envolvidos. Para isso ocorrer, é
necessário, assim como no setor privado, que a comunicação seja
clara e transparente, que os objetivos sejam conhecidos por todos e
que se invista em um robusto programa de treinamento.
• Integração
A integração dos elementos e práticas da governança dentro
da organização como um todo consiste em um verdadeiro desafio.
É necessário que eles sejam compreendidos e incorporados aos
processos e à rotina para que, de fato, a governança seja bem-sucedida.
64 Ética, governança e transparência

• Responsabilidade
Dentro do contexto da governança, a responsabilidade também
é conhecida como accountability e demanda clareza e compreensão
dos papéis e responsabilidades de todos os stakeholders, bem como
das relações estabelecidas entre eles. É importante que todos estejam
cientes sobre quem é responsável por qual atividade, a quem responde
e com que periodicidade deve se reportar. Esquematicamente essa
dinâmica pode ser representada da seguinte forma:

Figura 2 – Esquema de responsabilidades na governança

Quem é
responsável

Governança

Quando Para quem


responde responde

Fonte: Elaborada pela autora.

A compreensão das responsabilidades é fundamental para


o bom andamento dos processos, os quais ficam mais rápidos e
dinâmicos quando é de conhecimento geral com quem deve ser
tratado determinado assunto.
• Transparência
Promove a confiabilidade por parte dos stakeholders em todas
as etapas do processo, desde a tomada de decisão até as atividades
cotidianas da gestão. Ajuda na responsabilização dos dirigentes, uma
vez que eles precisam prestar contas de suas ações. É considerada
pela International Federation of Accountants (IFAC) como mais do
que estruturas e processos, devendo ser vista como uma atitude e
uma crença entre os stakeholders, além de um recurso público, como
o dinheiro e demais ativos (MARQUES, 2007).
Governança na gestão pública 65

Entre as ações que devem ser observadas pela gestão pública na


aplicação da governança estão: distinção dos papéis do presidente e
do diretor executivo, estabelecimento de um conselho – cuja maioria
dos membros não seja de executivos –, criação de um comitê de
auditoria – da qual nenhum executivo faça parte –, realização
periódica de auditorias externas, divulgação regular de relatórios
financeiros para todos os interessados, adoção e divulgação de um
código de ética, identificação e gestão do risco.
A exclusão de executivos de algumas ações objetiva garantir a
autonomia e imparcialidade dos processos. As auditorias externas,
por sua vez, confirmam (ou não) a confiabilidade da operação,
e a divulgação de relatórios financeiros confere transparência ao
processo, pois todos podem saber como os recursos financeiros
estão sendo utilizados. A adoção de um código de ética promove
a isonomia de procedimentos, e a identificação e gestão de riscos
ajuda a minimizar falhas e evitar surpresas no processo.
Os princípios da governança corporativa podem ser aplicados
amplamente na gestão pública. Mas é importante que se considere as
particularidades desse setor e se busque a forma mais adequada de
incorporar a governança nos processos para que sua implementação seja
bem-sucedida e seus resultados gerem impactos positivos na sociedade.

4.3 Governança pública e


suas características
Vídeo Observamos, no Capítulo 3, que o conceito de
governança corporativa ainda é novo e difícil de
ser definido, adequando-se à área de conhecimento
que o aborda. Veremos agora que a mesma
dificuldade se dá com a conceitualização de
governança pública.
No Brasil, o Decreto n. 9.203/2017, no inciso I, do artigo 2º,
define a governança pública como “um conjunto de mecanismos
66 Ética, governança e transparência

de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar,


direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas
públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade”
(BRASIL, 2017). No decreto, são listados os princípios, as diretrizes e
os mecanismos da governança pública reconhecidos e demandados
pelo governo brasileiro.
Do ponto de vista da ciência política, a governança pública se
refere às mudanças efetuadas na gestão política, que cada vez mais
atua com a autogestão nos campos social, econômico e político,
tratando-se de uma alternativa para a gestão baseada na hierarquia
(KISSLER; HEIDEMANN, 2006).
Nos esforços feitos por teóricos e estudiosos para conceitualizar
governança pública, observamos que o papel do acionista é
desempenhado pelo cidadão que, no final das contas, é quem
financia o Estado mediante suas contribuições realizadas por meio
dos impostos pagos.
Ao ser colocada em prática, a governança pública precisa
entender quais são as necessidades da população e como priorizá‑las.
Nesse sentido, se os órgãos públicos entregam os serviços que lhes
competem, ou seja, se cumprem suas missões perante a sociedade,
como evitar a imagem que normalmente carregam de serem
instituições ultrapassadas e obsoletas? Como identificar as atividades
que agregam valor e priorizá-las, reconhecer os projetos estratégicos
da gestão, otimizar os processos, gerar economia, mobilizar, integrar
e motivar as pessoas? E, por fim, como tornar as informações
acessíveis a todos (ALTONIAN; SOUZA; LAPA, 2018)?
Muitas vezes, a eficiência buscada pela governança pública no
Brasil esbarra no princípio da legalidade, previsto no texto original
do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988),
o qual, em outras palavras, prevê que enquanto a gestão pública
só pode fazer o que a lei autoriza, sob pena de responsabilização
judicial de quem não seguir essa regra, o setor privado pode fazer
Governança na gestão pública 67

tudo o que a lei não proíbe. Ou seja, para a gestão pública, só vale o
que está escrito.
Essa pode parecer uma diferença sutil, mas, na verdade, impacta
os processos diários mais corriqueiros das empresas estatais, como a
contratação de um serviço de ticket alimentação para os funcionários
ou a compra de material de limpeza para manutenção do prédio no
qual o órgão público funciona.
Muitos gestores públicos, temerosos de serem acionados
judicialmente e terem seus CPFs (Cadastro de Pessoa Física)
comprometidos, preferem não se arriscar em melhorias de gestão
ou de processos que não estejam explicitadas na lei, realizando
sempre as mesmas atividades de maneira igual, o que resulta em
ineficiência, morosidade e desatualização.
Diante do contexto apresentado, a governança pública busca
auxiliar os gestores públicos a compreenderem que a lei não abarca
detalhes operacionais, lhe concedendo uma certa autonomia para
atuar. E, ainda, que se essa atuação for feita de forma normatizada
e transparente, poderá resultar em grande benefício tanto para os
processos, que se tornarão mais modernos, eficientes e dinâmicos,
quanto para os funcionários, que se sentirão motivados, pois
perceberão que suas atividades estão sendo desempenhadas de
acordo com as dinâmicas atuais e, finalmente, para os cidadãos, que
terão suas demandas atendidas a contento.
Ao se orientar para o bem comum, a governança pública deixa de
ser uma simples governança para assumir o status de boa governança
(KISSLER; HEIDEMANN, 2006).
Valendo-se da liderança, da estratégia e do controle, a
governança pública vem desempenhando o papel que se propôs,
ou seja, o de auxiliar a gestão pública por meio do monitoramento,
direcionamento e avaliação de sua atuação, na criação de políticas
públicas e prestação de serviços que atendam às demandas da
sociedade.
68 Ética, governança e transparência

Considerações finais
A missão atual, tanto da gestão pública quanto da governança
pública, é implementar formas eficientes de utilizar os recursos
públicos no atendimento às necessidades dos contribuintes.
Para tanto, elas devem trabalhar conjuntamente, pois enquanto a
gestão pública se ocupa da execução cotidiana, a governança pública
implementa estratégias de melhoria e verifica o seu desempenho.
Existe, ainda, uma longa caminhada pela frente, no Brasil e no
mundo, mas o que se observa é que os passos estão sendo dados no
sentido de se chegar a uma gestão pública que atenda com qualidade
às demandas da população e atue de forma ética, buscando o
bem‑estar comum. Gestores e governantes vêm se conscientizando
de que as antigas formas de gerir não cabem mais no contexto
contemporâneo.
E, por fim, encerramos este capítulo com uma afirmação sobre
governar, feita por Clóvis de Barros Filho, que ministra vários cursos
de ética no Brasil e no exterior: “governar é uma questão moral e a
ética do governante é a reflexão ininterrupta para buscar a melhoria
das condições de vida da sociedade, com a maior abrangência
possível” (BARROS FILHO, 2018, p. 26).

Ampliando seus conhecimentos


Já lemos, na introdução deste capítulo, que a gestão pública
deveria ser assunto de interesse de todos os cidadãos, uma vez que
seus resultados impactam diretamente o cotidiano da sociedade.
Para você que, esperamos, tenha se interessado em conhecer
mais sobre o assunto, além do conteúdo do livro e das referências
utilizadas, sugerimos as dicas a seguir:
Governança na gestão pública 69

• CAMPOS, H. D. et al. A inovação na gestão pública e a


eficiência dos serviços prestados aos cidadãos. Revista
Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, v. 1,
n. 5, p. 309-318, jul. 2017. Disponível em: https://www.
nucleodoconhecimento.com.br/administracao/inovacao-na-
gestao-publica. Acesso em: 15 set. 2019.
Como estudamos, a gestão pública sofre influência de vários
fatores, tanto internos quanto externos, e precisa se adaptar às
dinâmicas e tendências vigentes. Entre elas, está a inovação,
prática que os autores desse artigo defendem como uma
importante iniciativa para auxiliar no aumento da eficiência
dos serviços prestados aos cidadãos.

• NASCIMENTO, E. R. Gestão Pública. 3. ed. São Paulo:


Saraiva, 2014.
O autor possui vasta vivência na gestão pública, tendo
inclusive atuado nos Ministérios da Fazenda, dos Transportes
e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Nesse livro, à
luz de sua experiência, Nascimento faz uma análise bastante
interessante sobre as finanças e a gestão pública brasileiras,
nos níveis municipal, federal e estadual.

• GOVERNANÇA Pública – o que é? 2013. 1 vídeo (4 min. 19 seg.).


Publicado pelo canal Tribunal de contas da União. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=kGYdT1mJ-0c. Acesso
em: 15 out. 2019.
Com o intuito de disseminar a cultura de governança, o TCU
divulgou essa animação, na qual você encontrará elementos
estudados na seção 4.3, auxiliando no entendimento sobre
governança pública e suas características. Procure perceber
como o TCU entende a governança e espera que ela seja
praticada.
70 Ética, governança e transparência

Atividades
1. Na seção 4.1, “O que é gestão pública”, estudamos que entre
as ações abarcadas pelas parcerias público-privadas (PPP)
estão as concessões, cuja natureza é a prestação, por parte de
empresas privadas, de serviços à sociedade com a obtenção
de lucro. Como exemplo, mencionamos as concessionárias,
que administram as estradas e cobram pedágio pelo serviço.
Além das concessionárias, cite outros serviços prestados
à sociedade na forma de concessão. Caso não lhe ocorra
nenhum, faça uma pesquisa para responder a esta questão,
pois vale a pena conhecer outros exemplos.

2. Abordamos, na seção 4.2 deste capítulo, que a liderança é um


tema amplamente discutido e estudado, uma vez que o bom
desempenho de uma equipe está diretamente relacionado
à forma como ela é liderada. Isso é compreensível no setor
privado, mas como ela se reproduz no setor público?

3. Por que a transparência promove a confiabilidade na gestão


pública?

Referências
ALTOUNIAN, C. S.; SOUZA, D. L.; LAPA, L. R. G.; Gestão e governança
pública para resultados: uma visão prática. 1. Reimpr. Belo Horizonte:
Fórum, 2018.

ALVES, P. V. Gestão pública contemporânea. Rio de Janeiro: Alta Books,


2015.

AMATO, P. M. Introdução à administração pública. Rio de Janeiro: Fundação


Getúlio Vargas, 1958.

ANAO - Australian National Audit Office. Performance Information in


Portfolio Budget Statements. The Auditor-General, Audit Report, n. 1
Governança na gestão pública 71

2001-2002. Canberra: Commonwealth of Australia, 2002. Disponível em:


https://www.anao.gov.au/sites/default/files/anao_report_2001-2002_18.
pdf. Acesso em: 15 set. 2019.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de Luciano Ferreira de Souza. São


Paulo: Martin Claret, 2016.

BARROS FILHO, C. de. Prefácio. In: ALTOUNIAN, C. S.; LAPA, L. R.


G.; SOUZA, D. L. Gestão e governança pública para resultados: uma visão
prática. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 25-26.

BRASIL. Decreto n. 9.203, de 22 de novembro de 2017. Diário Oficial da


União. Poder Executivo, Brasília, DF, 23 nov. 2017. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9203.htm.
Acesso em: 24 set. 2019.

KISSLER, L.; HEIDEMANN, F. G. Governança pública: novo modelo


regulatório para as relações entre Estado, mercado e sociedade? Revista de
Administração Pública, v. 3, n. 40, p. 479-499, maio/jun. 2006. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/rap/v40n3/31252.pdf. Acesso em: 15 set. 2019.

MARQUES, M. da C. C. Aplicação dos princípios de governança corporativa


o sector público. Revista de Administração Contemporânea, v. 11, n. 2,
p. 11-26, abr./jun. 2007. Disponível: http://www.scielo.br/pdf/rac/v11n2/
a02v11n2.pdf. Acesso: 15 set. 2019.

MOTTA, P. R. M. O estado da arte da gestão pública. Revista de Administração


de Empresas, v. 53, n. 1, p. 82-90, jan./fev. 2013.

OSBORNE, D.; GAEBLER, T. Reinventando o governo. 6. ed. Brasília: MH


Comunicação, 1995.
5
Ética e legalidade

Neste capítulo, trataremos de assuntos incomuns para quem não


tem familiaridade com a área jurídica, são eles: licitações, convênios,
parcerias, estatutos, leis etc. Nem todos esses termos fazem parte do
vocabulário cotidiano das empresas privadas, entretanto, no setor
público, eles e suas práticas estão presentes nos processos diários e nas
rotinas.
O objetivo deste capítulo, portanto, não é, obviamente, fazer grandes
aprofundamentos jurídicos, mas traçar um panorama sobre as práticas
rotineiras no setor público, bem como conhecer as leis que as regem.
O profissional do setor público precisa estar atento para as questões
legais, o que não é tarefa simples, uma vez que a cada comoção pública
uma nova lei é criada (LOSINSKAS; FERRO, 2019). Isso dificulta muito
a vida de quem tem sua atuação diretamente relacionada aos textos
legais.
Licitações, convênios, contratos e parcerias, assim como suas
dinâmicas e regras, compõem o assunto da primeira seção deste
capítulo. Na segunda seção, entenderemos o estatuto jurídico da
empresa pública. Por fim, serão tratadas, na última seção, as ações
corretivas e sua aplicação.

5.1 Licitações, convênios e parcerias


Vídeo Para começarmos a falar sobre licitações,
convênios, contratos e parcerias com a
administração pública, é importante estar bem
claro que os direcionamentos para essas ações
estão na Constituição Federal, Lei Maior brasileira,
74 Ética, governança e transparência

que, entre outras normas, estabelece os princípios e procedimentos


para a efetivação de compras e contratações públicas.
É no artigo 37 que a Constituição determina os princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Isso a fim de que estes sejam observados como condicionantes para
a realização de contratações públicas.
No caso de licitações, além da obrigatoriedade de que seja
assegurada a igualdade de condições a todos os concorrentes,
também devem ser observados os seguintes princípios:
• probidade administrativa;
• julgamento objetivo;
• vinculação ao instrumento convocatório (edital);
• sustentabilidade.

Por probidade administrativa entendemos o atuar com


honestidade, ética, eficiência e compliance no âmbito da
administração pública. Já seu antônimo, a improbidade
administrativa, é um termo muito mais conhecido pelas pessoas
em geral e representa os atos que promovem o enriquecimento
ilícito dos agentes públicos1, como fraude em concursos públicos,
facilitação para que determinado fornecedor ganhe uma licitação,
a não prestação de contas, entre outros.
No ano de 1992, no governo do então presidente Fernando
Collor, foi homologada a Lei da Improbidade Administrativa (Lei
n. 8.429, de 2 de junho de 1992), que prevê as penalidades a serem
aplicadas aos agentes públicos no caso de enriquecimento ilícito.
O estabelecimento de critérios e parâmetros claramente
definidos e divulgados em edital, conforme previsto na seção V da
Lei de Licitação (Lei n. 8.666/1993), permite o julgamento objetivo

1 Entendemos agente público de forma ampla, desde o funcionário do município até o


presidente da República.
Ética e legalidade 75

nas licitações, visando afastar qualquer parcialidade que possa


ocorrer quando da avaliação de documentação.
A vinculação ao edital, por sua vez, pode ser traduzida na
frase popular “vale o que está escrito”. Isso porque, como vimos no
Capítulo 4, a gestão pública só pode fazer o que a lei autoriza. Assim,
quando se escreve um edital para licitação, o texto é construído com
base na lei e, no caso de aquisição de produtos, por exemplo, deve
prever tudo o que será comprado, ou seja, o quê, a quantidade, a
qualidade, as características do produto, o preço, o prazo de entrega,
as formas de pagamento etc. Quando se trata de serviços, devem ser
detalhados os seguintes aspectos: a natureza do serviço, o preço das
horas técnicas, em qual localidade ele será prestado, a qualificação
e titulação exigida para os profissionais que irão executar o serviço,
entre outras informações relevantes.
Por fim, a sustentabilidade é um princípio relativamente novo
e preconiza que os processos licitatórios precisam atentar para a
promoção do desenvolvimento nacional sustentável. O decreto que
estabelece os critérios de sustentabilidade nas contratações públicas
é o de n. 7.746, de 5 de junho de 2012.
Isso posto, é importante acrescentar que as licitações, além
de atenderem aos princípios constitucionais, também são
regulamentadas pela Lei 8.666 (BRASIL, 1993) (Lei de Licitações),
que institui as normas para todo e qualquer processo licitatório, seja
ele destinado à compra de qualquer natureza, a leilões, a obras etc.
As fases de um processo licitatório são:

Figura 1 - Fases do processo licitatório

Decisão
sobre o Elaboração Homolo- Adjudi-
Habilitação Julgamento
tipo de do edital gação cação
licitação
Fonte: Elaborada pela autora.
76 Ética, governança e transparência

A decisão sobre o tipo de licitação a ser feita é tomada com base


na análise da legislação e do princípio da legalidade tributária2, que
devem ser considerados na escrita do edital de convocação.
O edital, também chamado de instrumento convocatório, deve
conter todos os detalhes da contratação. Considerando, assim, o que
se quer contratar, os documentos e comprovações que devem ser
apresentados pelos candidatos a fornecerem o produto ou serviço, a
forma de faturamento e pagamento, os prazos etc.
Nos casos em que o serviço ou produto é muito específico, em
vez de edital, a convocação para o processo de licitação é feita por
meio de uma carta-convite, que é enviada diretamente para alguns
candidatos. Nela, devem constar as mesmas informações que
compõem o edital.
Na habilitação, também chamada de fase de abertura dos envelopes,
é analisada a documentação apresentada pelos concorrentes e
verifica-se se todos estão habilitados a prestar o serviço ou entregar
o produto previsto no edital. Normalmente, essa análise é feita em
sessão pública, com a presença dos interessados. Trata-se de fase
eliminatória.
Na fase de julgamento, são avaliadas as propostas feitas por
todos os candidatos considerados habilitados na etapa anterior.
Um questionamento muito forte e que tem gerado bastante reflexão
sobre esse momento é o fato de as empresas públicas, para atender à
lei, optarem pelo fornecedor que tiver oferecido o preço mais baixo.
Isso, à primeira vista, parece positivo, pois garante a economicidade
no processo. No entanto, o que se observa, na prática, é que muitas
vezes os fornecedores baixam muito seus preços e, no decorrer do
contrato, não conseguem realizar as entregas. Além do desgaste por
ter de aplicar as penalidades previstas no edital, isso gera atraso,

2 O princípio da legalidade tributária está previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição


Federal.
Ética e legalidade 77

retrabalho e custos de tempo e recursos financeiros para se fazer


uma nova licitação. Portanto, a reflexão que colocamos é que um
processo licitatório bem-sucedido é feito não só com vistas a atender
à lei, mas também ao que é preciso, considerando não o menor, mas
o melhor preço3.
A homologação é a etapa em que o processo licitatório é
ratificado, uma vez comprovado ter cumprido todos os preceitos
legais. Normalmente, nessa fase, é divulgada a identidade do
vencedor da licitação e é estabelecido um prazo para que os demais
concorrentes entrem com um recurso, caso julguem pertinente.
É preciso que, ao escrever o edital de licitação, seja observado se
nenhuma cláusula inviabiliza ou dificulta a competição igualitária
entre os pretendentes, pois, caso alguma o faça, o processo pode ser
anulado e ainda ser considerado fraudulento.
Por fim, na fase de adjudicação, o vencedor da licitação é
confirmado, os contratos são assinados, e a prestação do serviço ou
do fornecimento é iniciada.
O Tribunal de Contas da União (TCU) considera a licitação
como fator de transparência e moralidade na gestão da coisa pública,
bem como uma ferramenta de exercício da democracia, na medida
em que permite que a sociedade participe dos negócios públicos
(BRASIL, 2010).
A princípio, parcerias, contratos ou convênios não podem ser
celebrados pela administração pública sem passar antes por um
processo licitatório; a Constituição Federal obriga tal realização em
todos os casos, sem distinção.
Existem, no entanto, três situações nas quais pode ser praticada a
chamada compra direta, que não exige licitação. São elas:

3 Entendemos como melhor preço aquele que nem sempre é menor, mas é coerente
com a demanda; que, ao ser praticado, o fornecedor consegue cumprir e entregar o
acordado.
78 Ética, governança e transparência

1. Prorrogação de contrato: casos em que a licitação foi


feita anteriormente, mas o prazo estipulado não pôde ser
cumprido por alguma circunstância justificável. Então,
ocorre a prorrogação: estipulação de um novo prazo para
cumprimento do contrato.
2. Dispensa de licitação: casos em que os custos do processo
licitatório ultrapassam o custo do objeto a ser comprado.
Nessas situações, abre-se um processo interno em que é
documentada e comprovada a regularidade da contratação
sem a licitação. Normalmente, os limites dessas compras
indiretas já são previstos em orçamento. Por exemplo: pode-
-se comprar de forma direta se o valor final não ultrapassar
R$ 10.000,00. Outro exemplo de dispensa de licitação são
as compras emergenciais, que não podem esperar o tempo
normal de um processo licitatório.
3. Inexigibilidade de licitação: casos em que a realização de
licitação é impossível devido à ausência de competidores. Por
exemplo: quando há necessidade de se comprar um produto
que só tenha um fabricante no país ou de se contratar uma
palestra de especialistas ou profissionais com notório saber.
Concorrência, tomada de preços, convite, pregão – tanto
presencial quanto eletrônico –, concurso e leilão são alguns tipos
de licitação. A decisão sobre qual deles será utilizado depende de
uma análise feita pelo gestor público, que deverá considerar fatores
legais e práticos.
Uma prática que vem sendo bastante utilizada pela administração
pública e tem ajudado a tornar o processo de aquisição menos
burocrático, mais ágil e econômico é a tomada de preços. Ela
consiste em flexibilizar o contrato que, em uma licitação normal,
prevê, por exemplo, a compra de mil lápis para determinado
órgão público. Nesse caso, devem ser comprados os mil lápis ou,
Ética e legalidade 79

no máximo, essa quantidade pode ser alterada em 25% para mais


ou para menos.
Ainda considerando esse exemplo, na tomada de preços, ao
vencer a licitação, o fornecedor assina um contrato válido por
12 meses, dentro dos quais fornecerá, no mínimo, mil lápis e, no
máximo, 3 mil lápis, ou seja, é estabelecido um número mínimo
(que garante a viabilidade do negócio para o fornecedor) e uma
quantidade máxima de itens, que garante ao órgão público a não
necessidade da realização de outro processo licitatório, caso precise,
dentro dos 12 meses de vigência do contrato, de mais de mil lápis,
dentro do limite de 3 mil.
Os contratos da administração pública devem ter, por regra
geral, vigência restrita à vigência dos créditos orçamentários aos créditos
orçamentários:
quais estão vinculados. A celebração de contratos com prazo autorizações
indeterminado pela administração pública é proibida. para
realizações
São premissas fundamentais no processo licitatório e na de despesas
constantes
celebração do contrato resultante da licitação: possibilidade de na Lei
participação igualitária, durante a competição, de todas as empresas Orçamentária.

que tenham interesse no objeto e responsabilidade com os recursos


públicos.
Uma vez celebrado o contrato, fica proibida a sua alteração,
exceto no caso em que se aplicam as chamadas alterações qualitativas,
em que são modificadas somente as características do produto
comprado ou as características técnicas do serviço contratado,
ou, então, alterações quantitativas, em que são aumentadas ou
diminuídas as quantidades adquiridas, respeitando o limite de 25%.
Essas alterações são unilaterais, ou seja, somente a empresa pública
pode fazê-las.
As regras até aqui listadas não são totalmente aplicadas aos
convênios devido às particularidades de sua natureza, pois enquanto
nos contratos existe uma relação de interesses contrários, uma vez
80 Ética, governança e transparência

que um quer comprar e o outro, vender, nos convênios o interesse é


comum, o que estabelece uma relação de parceria. Portanto, quando
ocorre a celebração dos convênios, a legislação deve ser consultada
para averiguar em qual categoria ele se enquadra.
Por fim, é importante colocarmos que participar dos processos
licitatórios é um direito assegurado para todos os interessados que
estejam habilitados a fazê-lo. No entanto, no caso de vencer um
processo licitatório, a menos que não seja convocado pela entidade
licitatória no prazo de até 60 dias contados a partir da divulgação,
o vencedor é obrigado a fornecer o que se propôs nos termos
estabelecidos. Em outras palavras, a apresentação de proposta obriga
o cumprimento por parte do proponente.
É obrigação do gestor público acompanhar a execução do
contrato, realizando fiscalização contínua, com exigência de
relatórios de resultados e cumprimento de fases, de modo a assegurar
que esteja sendo entregue o que foi acordado e que os recursos
públicos estão sendo utilizados de forma adequada e responsável.

5.2 Estatuto jurídico da empresa pública


Vídeo Para iniciar o entendimento sobre o estatuto
jurídico da empresa pública, é importante termos
claro que, sempre que falamos em empresa pública,
estamos nos referindo às estatais. Atualmente,
no Brasil, existem cerca de 140 empresas estatais
federais e um número ainda maior de empresas
controladas pelas chamadas unidades subnacionais (estados e
municípios), além do Distrito Federal.
As empresas públicas são descritas na Constituição Federal
como as que fazem parte da administração pública indireta.
Possuem personalidade jurídica própria e compõem a estrutura
organizacional do Estado.
Ética e legalidade 81

Para regular as empresas públicas, foi criada, em 2016, no


governo do presidente Michel Temer, a Lei n. 13.303, de 30 de junho
de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública,
das sociedades de economia mista, como a Eletrobras, a Petrobras e
o Banco do Brasil e suas subsidiárias (BRASIL, 2016).
Para compreendermos a abrangência dessa lei, é necessário
entender a natureza jurídica das empresas estatais, ou seja, conhecer
o seu conceito e a sua classificação.
As empresas públicas são pessoas jurídicas autônomas em
relação à unidade subnacional que as criou; possuem personalidade
jurídica e patrimônio próprios, respondem por seus resultados
e, portanto, são responsabilizadas por seus atos, inclusive, com o
comprometimento de seus patrimônios.
Elas podem também ser classificadas, em relação à finalidade de
existência, como prestadoras de serviços públicos ou exploradoras
de atividades econômicas. Essas classificações são fundamentais
para nossos estudos, uma vez que, de acordo com a Constituição
Federal, o estatuto jurídico das empresas públicas só é aplicado
ao segundo caso, ou seja, às empresas públicas exploradoras de
atividades econômicas.
Empresas como os Correios, o BNDES, a Embrapa, a Caixa
Econômica, a Infraero, entre outras, são exemplos de exploradoras
de atividades econômicas, pois suas atividades geram lucro.
Uma característica importante dessas empresas é o fato de elas
serem regidas pelas regras do Direito Privado, tendo, no entanto, que
se submeter a algumas regras de Direito Público, como contratação
por concurso público, por exemplo. Além disso, são obrigadas,
também, a realizar licitação para compras de produtos e serviços,
precisam prestar contas ao Tribunal de Contas, entre outras. Por fim,
devem observar o artigo 173 da Constituição Federal, que preconiza
que, em geral, o Estado não pode intervir diretamente na exploração
de atividades econômicas (BRASIL, 1988).
82 Ética, governança e transparência

Essa regra demonstra que, apesar de aparentemente o Estado


poder criar empresas exploradoras de atividades econômicas
livremente, dado o número das já existentes, na verdade, não é isso
que ocorre. Tais empresas só podem ser criadas em duas situações:
quando existe uma questão de segurança nacional ou no caso de
interesse público relevante em sua abertura. Os exemplos que
utilizamos anteriormente se enquadram nesse segundo caso.
Também de acordo com o artigo 173 da Constituição Federal,
as empresas públicas exploradoras de atividades econômicas devem
observar as mesmas regras civis, comerciais, trabalhistas e tributárias
que são aplicadas às empresas privadas, isto é, seguem o mesmo
conjunto de normas e leis que a iniciativa privada (BRASIL, 1988).
Por representarem um papel extremamente delicado
e excepcional no modelo econômico, uma vez que essas
empresas públicas exploradoras de atividades econômicas atuam
competitivamente no mercado sob a chancela do Estado, viu-se a
necessidade de criação de um estatuto para as regularizar, de forma
que elas não planifiquem a economia nem criem distorções em
seu mercado de atuação. Assim, em 1988, foram elaboradas, pela
Constituição Federal, as primeiras regras para a criação do estatuto
jurídico das empresas públicas, que foram balizadoras da Lei
13.303/2016, objeto de nossos estudos.
Vimos, anteriormente, que entre as regras que devem ser
observadas pelas empresas públicas exploradoras de atividades
econômicas está a realização de licitações. No entanto, como essas
empresas têm a função de concorrer em pé de igualdade com as
empresas privadas, o seu estatuto prevê um conjunto de regras de
licitação diferenciado, que lhes permite ter celeridade e eficiência.
Para essas empresas, a modalidade licitatória preferencial deverá
ser o pregão, caracterizado pelo menor preço, no qual a disputa é
realizada por meio de propostas sucessivas de valores, podendo ser
presencial ou eletrônico.
Ética e legalidade 83

Quando não for possível fazer o pregão, deve-se optar pelas


outras modalidades de licitação, observando-se as particularidades
previstas na Lei 13.303/2016, que prevê, ainda, que as empresas
públicas exploradoras de atividades econômicas possam dispensar a
realização de licitação para contratações de obras cujo valor seja de
até 100 mil reais e para a compra de produtos e serviços que custem
até 50 mil reais (BRASIL, 2016).
As fases desses processos licitatórios são:
• preparação;
• divulgação do edital;
• julgamento;
• verificação da efetividade da proposta;
• negociação;
• habilitação;
• adjudicação;
• contratação.

A contratação, no caso das empresas públicas exploradoras de


atividades econômicas, segue as mesmas regras de um contrato
celebrado entre empresas privadas, ou seja, não pode haver alteração
unilateral e o contrato pode ter vigência de até cinco anos.
A preparação segue os mesmos preceitos da fase de elaboração
do edital vistos anteriormente, bem como a divulgação, que consiste
em publicar o edital de licitação. Na fase de julgamento, que pode ser
aberta ou fechada, devem ser observados os critérios de desempate
de propostas. A primeira ação tomada é uma negociação de preços
e ganha aquele candidato que propuser o menor. Caso o empate
permaneça, analisa-se o desempenho contratual dos candidatos.
Se ainda assim houver empate, aplicam-se os critérios de desempate
previstos na Lei 8.666 (Lei de Licitações) e, por fim, esgotados todos
os meios, recorre-se ao sorteio.
84 Ética, governança e transparência

Na verificação da efetividade da proposta, é feita análise para


saber se o candidato é capaz de entregar o que prometeu na oferta
realizada. Caso se mostre incapaz de efetivá-la, passa-se para a fase
de negociação, em que se tenta alcançar uma maneira de realizar a
proposta.
As fases de habilitação e adjudicação também seguem a mesma
lógica vista anteriormente.
Além das regras de licitação já tratadas aqui, o estatuto estabelece
os mandatos (tempo de atuação), os critérios e indicadores para a
avaliação do desempenho e a responsabilização dos administradores
das empresas públicas exploradoras de atividades econômicas. Essas
regras ajudam a garantir uma gestão eficiente, transparente e que
atenda aos princípios de governança.
A Lei 13.393/2016 também visa à organização da gestão das
empresas públicas exploradoras de atividades econômicas, uma vez
que prevê o estabelecimento de:
• um comitê de auditoria estatutário, composto por um grupo
de no mínimo três e no máximo cinco membros, que realizam
auditorias internas periódicas, cujos resultados serão
confirmados ou não por auditorias externas;
• um conselho de administração formado por no mínimo
sete e no máximo onze membros, entre os quais pelo menos
três deverão compor a diretoria da empresa. Existe ainda a
obrigatoriedade de atuação de um membro independente
dentro desse conselho;
• um conselho fiscal composto por pessoas idôneas e com
capacidade técnica para definir metas financeiras.

A escolha dos membros do comitê e dos conselhos descritos


deve seguir um conjunto de regras previstas na lei.
Vimos até aqui inúmeras particularidades e detalhes que devem
ser observados quando se trata do estatuto das empresas jurídicas.
Ética e legalidade 85

Para o profissional que atuará nessa área, a boa prática aconselhável


é, sempre que surgirem dúvidas, consultar a lei para se assegurar de
que os procedimentos estão sendo realizados de forma correta.

5.3 Ações corretivas e sua aplicação


Vídeo Até aqui vimos as dinâmicas dos processos
licitatórios, as características dos contratos
celebrados dentro da gestão pública, bem como as
regras e particularidades do estatuto jurídico das
empresas públicas. Nesta seção, vamos divisar um
cenário no qual tudo deu errado, ou seja, o que
acontece quando, ao participar de um processo licitatório, ocorrer
de o fornecedor ser inabilitado ou desclassificado.
Quando o fornecedor vence uma licitação, a empresa pública
tem até 60 dias para convocá-lo a apresentar a documentação
necessária à contratação e, uma vez assinado o contrato, ele deve
começar a cumprir com o que se comprometeu na proposta lançada.
Se a convocação, por parte da empresa pública, não for feita dentro
dos 60 dias, o fornecedor fica desobrigado de cumprir a proposta
e poderá, caso queira, participar da nova licitação que a empresa
pública terá de fazer.
Caso o contrato seja assinado e o fornecedor, no decorrer de sua
vigência, mostre-se incapaz de cumpri-lo, seja por ter superestimado
sua capacidade de entrega, seja por fatores quaisquer que poderiam
ter sido previstos e controlados, serão aplicadas a ele as penalidades
previstas em lei. Pode ser, inclusive, vetada a sua participação em
qualquer outra licitação dentro do território nacional.
Até o ano de 2015, as empresas públicas só aplicavam penalidades
aos fornecedores contratados nesses casos descritos ou aos licitantes
que comprovadamente apresentassem práticas dolosas ou de má-
fé ao participarem das licitações. Entre as condutas de licitantes
86 Ética, governança e transparência

passíveis de punição estavam a apresentação de documentação e


certificados falsos, obtenção de informações privilegiadas com
relação ao orçamento dos concorrentes, entre outras.
Em 2015, no entanto, essa prática mudou, pois o TCU publicou
o Acórdão 754/2015, no qual orientava os gestores públicos a
aplicarem as penalidades previstas no artigo 7º da Lei n. 10.520,
de 17 de junho de 2002, aos licitantes, quando forem detectadas as
práticas de condutas não justificadas (BRASIL, 2015).
Essa orientação endureceu um pouco mais o processo, uma vez
que instrui a aplicação das penalidades aos licitantes não só nos
casos de má-fé, mas também quando eles cometerem erros no
processo licitatório.
Verificada a inconsistência no processo por parte do licitante, o
gestor público deve abrir um processo administrativo de penalização,
sob pena de ser aberta contra ele uma sindicância e ter de responder
por omissão do dever caso não o faça.
A abrangência maior da aplicação das medidas punitivas tem
o objetivo, entre outros mais, de minimizar práticas como a não
manutenção da proposta por verificação de baixo lucro, por parte
do fornecedor ou do “coelho e kamikaze”, nas quais os licitantes
entram em um acordo de que uma das empresas entra na licitação
apresentando uma proposta de valor muito baixo, impossibilitando
que as demais cubram seu preço. Essa empresa ganha e sua associada
fica em segundo lugar, pois esse preço já estava combinado. Na
hora da verificação da documentação, ela não apresenta todos os
documentos necessários propositadamente, sendo desclassificada.
Por consequência, a segunda colocada assume o contrato.
Até 2015, essas práticas, que se configuram como fraudes, eram
conhecidas, mas não punidas, pois a comprovação era difícil de
ser realizada. A partir da orientação do TCU, as penalidades são
aplicadas, podendo haver suspensão da participação em licitações
Ética e legalidade 87

por até cinco anos e, ainda, descredenciamento do Sistema de


Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf).
É importante observar aquilo que no Direito é chamado de
princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, em que as
punições devem ser aplicadas proporcionalmente ao ato cometido,
ou seja, se for comprovada a má-fé, a tentativa de fraude ou o dolo,
a pena deve ser aplicada de forma implacável. Todavia, quando,
comprovadamente, tratar-se de um erro de documentação ou
qualquer outro equívoco por parte do fornecedor, aplica-se a
punição de forma proporcional à gravidade do ato.
Proporcionalidade e razoabilidade têm como objetivo manter a
participação nos processos licitatórios atrativa para os fornecedores,
ainda que sejam obrigados a ter mais cuidado na preparação das
propostas e da documentação.
A ideia dessas medidas punitivas é conferir mais seriedade
aos processos licitatórios e à execução e gestão de contratos com
as empresas públicas, que vêm buscando cada vez mais atender
aos critérios do atuar ético, com compliance, boa governança e
responsabilidade com os recursos públicos.

Considerações finais
O Brasil é um país complexo, ainda em fase de amadurecimento
em diversos aspectos, entre eles, os jurídicos. A população ainda está
aprendendo a se comportar democraticamente, e o poder público
busca, da melhor maneira, atender às demandas da sociedade.
Ocorre, com isso, que, frequentemente, leis são criadas diante
de demandas que poderiam ser atendidas com base na legislação
já existente. Esse cenário promove uma inflação legislativa (FARIA,
1994) e, muitas vezes, complica o trabalho dos agentes públicos, que
têm sua atuação totalmente delineada pelas leis vigentes.
88 Ética, governança e transparência

Muitos gestores públicos limitam sua atuação e prestam serviços


ineficientes e obsoletos movidos pelo temor de cometerem erros
e sofrerem punições. Diante das dúvidas, as áreas jurídicas têm
papel fundamental, pois podem assessorar os gestores na correta
interpretação das leis e estatutos.
Há também muitas iniciativas legais, como as vistas neste
capítulo, que buscam melhorar os processos públicos, como
licitações, contratações, gestão de contratos, entre outras, por
meio de práticas que atendem a critérios éticos, sustentáveis, de
transparência e dentro dos princípios de governança.
Com tais medidas e a mudança de comportamento, tanto da
sociedade quanto dos agentes públicos, a gestão pública tem
caminhado a passos talvez não largos, mas contínuos, para alcançar
maior eficiência e credibilidade.

Ampliando seus conhecimentos


Para que você continue a construir e consolidar seu conhecimento,
além do conteúdo do livro e das referências utilizadas, sugerimos as
leituras a seguir.
• CALDEIRA, D. M.; GALLI, R. Licitação deserta: a
dificuldade de municípios de pequeno porte para seguirem
a Lei n. 8.666/93. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo
do Conhecimento, v. 9, 7. ed, ano 4, p. 72-85, jul./2019.
Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/
administracao/licitacao-deserta. Acesso em: 16 out. 2019.
O artigo é resultado de uma pesquisa realizada, pelos autores,
com profissionais que trabalham com licitações municipais.
Ele demonstra a dificuldade que muitas vezes essas pessoas
enfrentam para seguir categoricamente a lei.
Ética e legalidade 89

• ANTUNES, G. A. Estatuto jurídico das empresas estatais. Lei


13.303/2016 comentada em consonância com o Decreto Federal
n. 8.945/2016. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
Esse livro é recomendado para aqueles que querem aprofundar
seus conhecimentos sobre o estatuto jurídico das empresas estatais
(Lei 13.303/2016), pois apresenta uma explicação sobre suas
particularidades, além de relacioná-las com os vetos presidenciais
apresentados pelo Decreto Federal n. 8.945/2016.

Atividades
1. Imagine a seguinte situação: uma empresa pública realizou
uma licitação para a compra de 50 computadores. O
processo licitatório foi realizado cumprindo todas as etapas,
a homologação foi feita, e o vencedor assinou um contrato de
tomada de preços, sem nenhum pedido de recurso por parte
dos concorrentes que perderam. Porém, durante a execução do
contrato, após o fornecedor ter entregado 30 computadores, a
empresa que realizou a licitação percebeu que, em vez de precisar
dos outros 20, sua necessidade é de impressoras. O fornecedor
tem condições de entregar essas 20 impressoras pelo mesmo
preço orçado para os computadores. Essa mudança de objeto
pode ser feita, tendo em vista que o contrato firmado foi o de
tomada de preços? Justifique.

2. Uma empresa pública exploradora de atividade econômica


pode utilizar de sua prerrogativa de estatal para obter
benefícios e facilidades de atuação no mercado, uma vez que
sua atividade é de interesse da sociedade? Justifique.

3. Uma empresa pública precisa realizar uma pesquisa sobre


mobilidade na cidade. Entre os pesquisadores do tema, é
unânime que determinado professor é o maior pesquisador,
90 Ética, governança e transparência

que mais conhece e, portanto, poderá desenvolver a pesquisa


com a confiabilidade, agilidade e qualidade necessárias.
Essa empresa pode contratá-lo sem realizar uma licitação?
Explique.

Referências
BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 16 out. 2019.

BRASIL. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Diário Oficial da União, Poder


Legislativo, Brasília, DF, 3 jun. 1992. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm. Acesso em: 16 out. 2019.

BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial da União,


Poder Legislativo, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8666cons.htm. Acesso em: 16 out. 2019.

BRASIL. Lei n. 13.303, de 30 de junho de 2016. Diário Oficial da União,


Poder Legislativo, Brasília, DF, 1 jul. 2016. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm. Acesso em:
16 out. 2019.

BRASIL. Licitações, contratos e convênios públicos: coletânea de legislação.


Brasília: Senado Federal, coordenação de edições técnicas, 2017. 226p.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 754. 2015. Disponível


em: https://www.unifesp.br/reitoria/etagae/images/legislacao/
TCU_n_754_2015.pdf. Acesso em: 16 out. 2019.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e


jurisprudência do TCU. 4. ed. Brasília: TCU, Secretaria Geral da Presidência:
Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, Brasília,
2010.

FARIA, J. E. A inflação legislativa e a crise do Estado do Brasil. Revista da


Procuradoria do Estado de São Paulo, n. 42, p. 165-182, dez, 1994.

LOSINSKAS, P. V. B.; FERRO, M. R. Compliance nas licitações e contratações.


In: CARVALHO, A. C.; ALVIM, T. C.; BERTOCCELLI, R. P.; VENTURINI,
O. Manual de compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 663-678.
6
Transparência e combate à corrupção

Chegamos ao sexto e último capítulo. Até aqui fizemos um


percurso no qual entendemos o que é ética, suas implicações,
importâncias e seus significados, sua relação com a lei e com
a moral, bem como sua aplicação nas empresas. Falamos, ainda,
sobre compliance, governança, gestão pública, licitações e questões
relacionadas à legalidade.
Encerraremos nossa trajetória tratando de um tema que esteve
presente, ainda que implicitamente, nos capítulos anteriores e que é
motivo de preocupação em toda a história: a corrupção.
Já na Roma Antiga, quando as formas de divisão setoriais e
hierárquicas da administração pública, criadas na Grécia Clássica,
foram aplicadas, surgiram as primeiras manifestações de corrupção,
bem como as primeiras tentativas de combatê-la. De acordo com
muitos historiadores, um dos fatores que levaram à queda do
Império Romano foi justamente a corrupção generalizada, que o
corroeu de dentro para fora.
A mesma corrupção, com poucas variações na forma de se
manifestar, pode ser observada em todos os países e culturas, em
todos os momentos históricos.
Ela e a grande influência exercida pelos “amigos do rei1” em
Portugal são amplamente conhecidas e nos tempos do Brasil Colônia
estavam fortementes enraizadas na sociedade, tendo chegado às

1 A expressão “amigos do rei” se refere a baixos integrantes da corte com privilégios


devido às relações que mantinham ou por terem prestado algum tipo de favor ao rei
diretamente ou a algum membro poderoso da corte. Ainda hoje, essa expressão é
utilizada nas organizações, normalmente, para se referir a alguém que caiu nas graças
da alta direção.
92 Ética, governança e transparência

nossas terras junto à corte portuguesa. Desde então, convivemos


com esse fenômeno e buscamos formas de estabelecer mecanismos
para, se não o eliminar completamente, pelo menos inibir sua prática
e minimizar seus danos.
Impedir a ocultação de ganhos pessoais ou sistemas
institucionalizados de lucro ilícito por meio da transparência,
valorizar a reputação de profissionais e empresas, combater atos
antiéticos, denunciar fraudes, implementar a governança, agir
dentro da lei e mais tantas outras atitudes são formas de combater a
corrupção em diversos níveis da sociedade.
Neste capítulo, vamos entender a relação entre a transparência e
a reputação das empresas, como o combate à corrupção é encarado
e realizado em alguns países e, por fim, as ações que o Brasil vem
adotando nesse sentido.

6.1 Transparência e reputação das empresas


Vídeo Basta ligar a televisão, o rádio ou, ainda,
acessar os sites de notícias e as mídias sociais que,
inevitavelmente, nos depararemos com alguma
matéria ou post relacionado à corrupção. Apesar
de esse fenômeno sempre ter existido ao longo
da história, nos últimos anos vem chamando a
atenção da população mundial e tem tomado as rodas de conversa,
os encontros de família, sem falar nas reuniões corporativas e
governamentais.
Para evitar que sejam associadas à corrupção, empresas
privadas já se deram conta de que reputação é poder (ROSA, 2006)
e da importância de se manter uma boa imagem. Afinal, com
a globalização, a sociedade conectada e a tecnologia disponível a
todos, não há mais espaço para segredos e atos encobertos.
Transparência e combate à corrupção 93

Uma boa reputação garante a sustentabilidade e a perenidade


dos negócios, pois a sociedade se posiciona contra ou a favor de
determinada marca, de acordo com suas atitudes, a relação com
os funcionários, a responsabilidade social corporativa, a cadeia de
suprimentos, seu compromisso com o desenvolvimento do entorno
no qual está inserida e diversos outros fatores. Tanto que grandes
empresas já possuem áreas responsáveis por medir e monitorar a
reputação nas mídias sociais e esse resultado faz parte das pautas de
reuniões de conselho e de planejamento.
Uma das grandes preocupações das empresas na atualidade é ter
suas imagens, eventualmente, associadas ao crime de lavagem de
dinheiro ou de conexão com o financiamento ao terrorismo, ainda
que de forma involuntária (RIZZO; ROSA, 2019). Para diminuir tal
risco, a adoção do compliance tem se mostrado um aliado valoroso
na promoção da transparência, que conta também com, além de
relatórios fiscais, a publicação de relatórios de sustentabilidade e de
responsabilidade social corporativa, nos quais as empresas prestam
contas de seus atos e decisões aos stakeholders.
Nesse contexto, a gestão pública vem sendo alvo de constante
vigilância por parte da sociedade, com relação à transparência de
seus atos. Como vimos no Capítulo 4, a democracia está diretamente
relacionada ao nível de transparência que a administração pública
apresenta; assim, quanto mais democrática for uma sociedade, mais
ela questionará a aplicação de seus recursos comuns.
Além de cobrar o pleno conhecimento e a visibilidade dos atos
da gestão pública, a sociedade também demanda periodicidade na
divulgação das informações, o que veio a resultar nos portais da
transparência em nível municipal, estadual e federal, com ações
reforçadas pela Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.572, de 18 de
novembro de 2011).
Os instrumentos de fiscalização e controle são primordiais para
mensurar a eficiência do uso dos recursos públicos e se estão, de
94 Ética, governança e transparência

fato, sendo empregados no atendimento de necessidades sociais.


Tais instrumentos são propostos pela governança por meio da
transparência e do accountability, com o objetivo de evitar o
surgimento de oportunidades de realização de atos ilícitos, desvios e
mal-entendidos, além de promover a participação da sociedade nas
decisões, fortalecendo o regime democrático.
É importante que tenhamos em mente a relação direta entre
governança e transparência, pois a governança é composta por
um conjunto de princípios e práticas promotoras do alcance da
eficiência, eficácia e efetividade de resultados por parte da gestão
pública. Ela, assim, passa a gerir melhor seus processos e atividades
e a prestar contas, de forma responsável, sobre a destinação dada aos
recursos (BIZERRA, 2011). Isso, em outras palavras, é a promoção
da transparência, que podemos descrever como a divulgação de
informações que permitem a verificação, por parte dos stakeholders,
das ações dos gestores e, quando necessário, sua responsabilização.
A transparência está relacionada também com a informação
completa, objetiva, confiável, de qualidade, de fácil acesso e
compreensão e com canais abertos de comunicação (ALÓ, 2009),
ou seja, precisa atender aos atributos de acesso, abrangência,
relevância, qualidade e confiabilidade listados por Vishwanath e
Kaufmann (1999).
Quando a informação é completa, não possui lacunas e não deixa
espaço para interpretações equivocadas. Portanto, sua objetividade
é fundamental para que se entenda todo o processo de tomada de
decisão. A confiabilidade, que deve ser legitimada pelos órgãos de
fiscalização, demonstra que ela reflete a realidade, e o seu acesso
facilitado é o maior indicador da existência de transparência.
Alcançar um alto índice de transparência é uma das preocupações
na pauta dos governos de vários países, o que se confirma por
meio dos relatórios publicados pela Transparência Internacional
(Transparency International), uma organização não governamental,
Transparência e combate à corrupção 95

criada em 1993, com o objetivo de combater a corrupção e promover


a transparência, a responsabilidade e a democracia. Para isso,
pesquisa, monitora e divulga, anualmente, relatórios sobre o nível
de percepção da corrupção em diversos países.
A relevância dos relatórios publicados pela Transparência
Internacional é tão grande que eles servem como referência para os
empresários que estudam a internacionalização de suas empresas.
Com as informações obtidas, é possível avaliar o desempenho
de agentes públicos e políticos, o grau de intervenção estatal,
o nível de burocracia com a qual terão de lidar, a perspectiva de
desenvolvimento econômico e outros dados essenciais para a
tomada de decisão.
Voltando nossa atenção para a realidade brasileira, identificamos
que a Constituição de 1988, em seu artigo 37, já previu a promoção
da transparência ao assegurar a observação dos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
em todos os domínios da gestão pública. Dez anos depois, foi
publicada a Lei n. 9.755, de 16 de dezembro de 1998, que “dispõe
sobre a criação de ‘homepage’ na ‘internet’, pelo Tribunal de Contas
da União, para divulgação dos dados e informações” de interesse da
sociedade (BRASIL, 1988).
Em continuidade das ações de promoção da transparência, foi
promulgada a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.
101, de 4 de maio de 2000), afirmando no parágrafo 1º do artigo 2º
que “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e
transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes
de afetar o equilíbrio das contas” (BRASIL, 2000). Essa lei, além de
disciplinar os gastos do gestor, confere efetividade ao princípio da
publicidade ao promover a transparência na gestão fiscal.
Juntamente às medidas governamentais de fomento à
transparência e combate à corrupção, encontram-se as iniciativas
não governamentais, como o site Transparência Brasil, que tem
96 Ética, governança e transparência

a missão de promover a transparência e o controle social do


poder público. Há ainda as ações menores, aquelas realizadas nas
empresas privadas, as ensinadas nas escolas e as promovidas por
pequenos grupos.
Diante de todo esse cenário, concluímos que, apesar de ainda
não ter atingido o nível de transparência almejado, o Brasil está
caminhando para isso, uma vez que, como se diz na governança,
“tem feito o dever de casa” ao promover e incentivar iniciativas
para dificultar ações antiéticas e promover a transparência em
diversos níveis.

6.2 Combater a corrupção: uma meta de


muitos países
Vídeo Que a corrupção é muito ruim, um fenômeno
indesejado, chegando mesmo a ser designada como
um “câncer” dentro do organismo social, todos
já sabemos. Que seus efeitos podem, inclusive,
destruir grandes impérios, como o romano,
também não é novidade.
Entre esses efeitos, Warde (2018, p. 35-36) elenca cinco,
considerados por ele como devastadores:
1. Transformação do Estado e suas funções em coisas dentro do
mercado.
2. Desnaturalização das instituições, que passam a se submeter
aos fins da corrupção.
3. Usurpação mediante apropriação da energia vital dos
trabalhadores.
4. Falsificação da concorrência entre os agentes econômicos,
privilegiando uns em detrimento de outros.
5. Restrição ao desenvolvimento das nações, promoção da
pobreza e afronta à dignidade das pessoas.
Transparência e combate à corrupção 97

Lidar com a corrupção não é fácil e muitas pessoas até mesmo


encontram desculpas para praticá-la, pois, por exemplo, se o
pagamento de propina para vencer uma licitação de construção de
um túnel é ilícito, realizar uma obra de qualidade e gerar muitos
empregos é bom para a sociedade. Então, no inconsciente de muitas
pessoas, uma coisa anularia a outra.
Há empresários afirmando ainda que, em um país repleto de
burocracia e impostos exorbitantes como o Brasil, não sonegar é
impossível e inviabiliza os negócios. Diante de afirmações como
essa, muita gente balança a cabeça concordando.
Tal justificativa e conivência com o ato fraudulento e corrupto
podem ser explicadas pelo modelo desenvolvido por Cressey (1953),
denominado triângulo da fraude. Nele, o estudioso identificou três
fatores que corroboram a existência de atos de fraude e corrupção,
que são: a oportunidade, a pressão e a racionalização.
Por oportunidade, Cressey entende a chance que se apresenta de
agir. Um exemplo é o caso de Giges, de Platão, que utilizava o anel
mágico para atender a todos os seus desejos sem o risco de sofrer
qualquer punição, pois não podia ser visto pelos demais cometendo
suas ações antiéticas. Atentos a isso, empresas e governos vêm
tomando medidas como a criação de um modelo de governança,
fiscalizações, auditorias internas e externas, compliance officer, entre
outras, que diminuem a oportunidade e dificultam a realização dos
atos fraudulentos e corruptos.
O elemento pressão, por sua vez, diz respeito às pressões sociais
experienciadas pelos indivíduos que, algumas vezes, passam por
situações que os levam a cometer atos ilícitos. Entre as mais
comuns identificadas estão dificuldades financeiras e problemas
de saúde na família.
Já no fator racionalização está presente um mecanismo de
autojustificação por parte do corrupto. Trata-se de um recurso
98 Ética, governança e transparência

psicológico ao qual ele recorre para tornar um ato ilegal, imoral e


antiético em algo aceitável.
Os dois últimos elementos contribuem para que o combate
à corrupção seja uma tarefa bastante árdua, pois, apesar de os
mecanismos implementados para inibir a oportunidade serem
eficientes, as pessoas sempre encontram outras formas de promovê-la,
movidas pela pressão e pela racionalização.
Além desses fatores, que podem ser considerados como de
caráter mais individual, Cordeiro (2017) afirma que a corrupção
se desenvolve em contextos diversos. O autor cita aqueles que
apresentam debilidade institucional, como em comunidades com
deficiência no sistema educacional, os quais podem ser impulsionados
por fatores histórico-culturais e até mesmo pela natureza do sistema
capitalista. Tais contextos podem ser encontrados em diversos
países, que estão cada vez mais preocupados em demonstrar para a
comunidade global seu empenho em combater a corrupção.
No intuito de auxiliar os países a mitigarem a corrupção, bem
como eliminar seus efeitos perniciosos, a Organização das Nações
Unidas (ONU) incluiu em seus Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) o objetivo 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes
–, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas, nas quais
todos têm acesso à justiça, e as instituições são eficazes e responsáveis
(ONU, 2015).
Entre os desdobramentos dos objetivos do ODS 16, destacamos
o de número 16.5, cujo texto propõe “reduzir substancialmente a
corrupção e o suborno em todas as suas formas” e o 16.6, que visa
“desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em
todos os níveis” (ONU, 2015).
Ao se tornarem signatários dos ODS, países e empresas se
comprometem com a comunidade global em adotar ações visando
alcançar as metas acordadas. Ao todo, 193 estados-membros das
Nações Unidas – entre eles o Brasil – assinaram o pacto em 2015.
Transparência e combate à corrupção 99

Além de aderirem à luta global contra o fenômeno da corrupção,


os países também promovem ações internas. Como exemplo, há
a operação Mãos Limpas, na Itália (que inspirou a operação Lava
Jato no Brasil), de 1992 a 1996, e a criação, em 1974, da Comissão
Independente Contra a Corrupção em Hong Kong, que, além de
combater o fenômeno, passou a ensinar valores éticos nas escolas
ao invés de leis, formando cidadãos mais conscientes e engajados,
dispostos a denunciarem qualquer ato corrupto e cientes do peso
da ética.
Se fizermos uma rápida pesquisa em ferramentas virtuais de
busca sobre os métodos empregados para combater a corrupção pelos
países que encabeçam os relatórios da Transparência Internacional,
encontraremos muitas iniciativas e boas práticas que podem servir de
inspiração para as nações que ainda não alcançaram índices tão bons.
Claro que as realidades e características distintas de cada país
devem ser consideradas e não se pode querer aplicar tais medidas de
forma exatamente igual em sociedades diferentes, mas é certo que,
em todos os lugares, ao melhorar os índices educacionais, promover
a inclusão e reduzir as diferenças sociais, a corrupção encontra
menos espaço e mais dificuldades para se estabelecer.

6.3 O combate à corrupção no Brasil


Vídeo De acordo com o relatório Índice da Percepção
da Corrupção 2018, publicado pela Transparência
Internacional, o Brasil apresentou nesse ano sua
pior nota desde 2012, caindo da 96ª para a 105ª
posição entre os 180 países estudados (HORNSBY;
POLLAKUSKY, 2019). Esse mesmo relatório
apontou a Dinamarca enquanto país menos corrupto e a Somália
como a nação com maiores índices de corrupção.
100 Ética, governança e transparência

Essa situação é muito preocupante, uma vez que o próprio


Tribunal de Contas da União, em seu Referencial de combate à
fraude e à corrupção, admite que “fraude e corrupção são grandes
obstáculos ao progresso social do país” (TCU, 2016).
Veja que não é de hoje que o Brasil emprega esforços no sentido
de combater a corrupção. Já no ano de 2003 o Ministério da Justiça
e Segurança Pública (MJSP) instituiu a Estratégia Nacional de
Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), formada
por entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além
do Ministério Público e de associações que visam à prevenção e ao
combate à corrupção.
Entre as atividades da Enccla estão o estabelecimento anual
de ações, objetivando a prevenção e o combate à corrupção, além
da criação de grupos de trabalho que se responsabilizarão por
executar tais ações. Entre os resultados alcançados estão a criação do
Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate
à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (PNLD), que capacita agentes
públicos e orienta a sociedade sobre seu papel e a melhor forma de
atuar na busca pela melhor utilização dos recursos públicos.
Outro resultado bastante significativo foi o estabelecimento da
Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de
Dinheiro (Rede-LAB). Ela conta com 58 unidades no território
nacional e dissemina as boas práticas, as ações que coíbem a lavagem
de dinheiro, além da padronização do leiaute para quebra de sigilo
bancário que originou a criação do Cadastro Único de Correntistas
do Sistema Financeiro Nacional (CCS).
Podemos considerar que a coroação dos resultados alcançados
pela Enccla foi a proposição de leis como a Lei n. 12.683/2012,
também conhecida como a Lei de Lavagem de Dinheiro.
Não temos como falar em ações de combate à corrupção no
Brasil sem mencionar a operação Lava Jato, que ficou conhecida
mundialmente por ter atingido as elites dominantes e governamentais.
Transparência e combate à corrupção 101

A Lava Jato é uma operação jurídica e policial de investigação


de corrupção e lavagem de dinheiro. É considerada pelo Ministério
Público Federal como a maior investigação que o Brasil já teve e seus
números realmente impressionam. Com cinco anos de existência
completados em 2019, a operação resultou em 242 acusações
contra 155 pessoas por crimes como lavagem de dinheiro, fraude
em licitações, evasão de divisas, tráfico de drogas, embaraço à
investigação, falsidade ideológica entre outros atos que atentam
contra a ética, a legalidade e a moralidade2.
A Lava Jato vem sendo acusada de parcialidade em relação aos
seus investigados e acusados, o que iria contra os preceitos éticos e
legais. Para a sociedade brasileira, o ideal é a operação provar que
tais acusações são infundadas, assim deve atuar contra todos os
políticos e partidos com o mesmo braço forte, pois já se mostrou
muito benéfica, tendo logrado a devolução de dinheiro público para
os cofres, dos quais R$ 2,5 bilhões retornaram para a Petrobras e
estima-se a restituição de ainda mais R$ 11,5 bilhões.
Os números de prisões, crimes e dinheiro restituído apresentam
um quadro triste do mal que a corrupção pode fazer a uma sociedade.
A Lava Jato investiga uma parte desses crimes, mas sozinha não
tem braços para alcançar todas as empresas, repartições, públicas
e privadas, escolas, universidades, todos os estados, municípios,
enfim, os espaços nos quais o fenômeno da corrupção possa se
manifestar.
Isso mostra que ações institucionalizadas, repressão jurídica e
policial, fiscalização e combate são importantes e imprescindíveis,
mas elas sozinhas não dão conta do todo. É preciso que a sociedade
também assuma seu papel no combate a esses crimes. Muito já foi
feito no Brasil na luta contra a corrupção e muito ainda falta a ser

2 Dados obtidos da Agência Brasil, disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/


justica/noticia/2019-03/lava-jato-completa-cinco-anos-com-155-pessoas-condenadas.
102 Ética, governança e transparência

feito para que nos próximos relatórios divulgados pela Transparência


Internacional possamos ver orgulhosos nossa posição melhorar.

Considerações finais
O que vimos até aqui não esgota o assunto abordado, mas
esperamos que funcione como um impulso para a curiosidade
do leitor em estudar mais, pesquisar novas fontes, confrontar
informações, questionar e exercer em sua vida as boas práticas que
estudou e fizeram sentido para ele.
O interesse por temas como ética, governança, transparência,
combate à corrupção, reputação etc. é um forte indicativo de
uma sociedade desenvolvida e pronta para enfrentar os desafios
que sempre estiveram presentes na história da humanidade e
que nem sempre encontraram resistência ao seu estabelecimento
como fenômenos normais, pois as pessoas tinham a crença de que
“sempre foi assim”. Podemos encontrar evidências dessa conivência
da sociedade com o ilícito até mesmo nos clássicos da literatura.
Dostoiévski (2002) escreveu O idiota entre os anos de 1867 e 1869 e,
na obra, além retratar o cotidiano da elite russa, o autor mostra que,
muitas vezes, para ser um bom servidor público, era necessário não
ter muita qualificação e ser adepto dos atos de corrupção.
A boa notícia é que em todo o mundo vêm sendo instituídos
planos e medidas para combater processos de corrupção há muito
estabelecidos, minimizar as diferenças, promover a inclusão e a
equidade, promover a transparência empresarial e governamental,
de forma a construir uma sociedade mais justa.
Para nós, brasileiros, dá ânimo saber que também
estamos nesse caminho, pois nossas instituições e governos
estão sintonizados com o resto do mundo na promoção do
combate à corrupção. Mas para que os efeitos das ações sejam
potencializados, é importante que os indivíduos também se
Transparência e combate à corrupção 103

responsabilizem, não vejam a culpa só no outro ou no governo,


entendam que pequenos gestos contam e façam a parte que lhes
cabe nesse processo que objetiva beneficiar a todos.

Ampliando seus conhecimentos


Para que você continue a construir e consolidar seu conhecimento,
além do conteúdo do livro e das referências utilizadas, sugerimos
estas leituras:
• CRUZ, C. F.; FERREIRA, A. C. S.; SILVA, L. M.; MACEDO,
M. A. S. Transparência da gestão pública municipal: um
estudo a partir dos portais eletrônicos dos maiores municípios
brasileiros. Revista de Administração Pública, n. 46, v. 1, p.
153-176, jan./fev. 2012. Disponível: http://www.scielo.br/pdf/
rap/v46n1/v46n1a08. Acesso em: 22 out. 2019.
Os autores desse artigo analisaram o nível de transparência
dos portais de 96 dos 100 municípios brasileiros mais
populosos e verificaram a existência de uma relação entre o
desenvolvimento socioeconômico e o grau de transparência.

• WARDE, W. O espetáculo da corrupção: como um sistema


corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país. Rio
de Janeiro: Leya, 2018.
Trata-se de um livro um tanto provocativo, pois traz à tona os
erros que são cometidos no combate à corrupção no Brasil.
Uma leitura que deve ser feita com olhar crítico e seguida de
bastante reflexão.

• CGU – Controladoria-Geral da União. Programa Olho Vivo


no Dinheiro Público. Disponível em: https://www.cgu.gov.br/
sobre/perguntas-frequentes/controle-social/olho-vivo-no-
dinheiro-publico. Acesso em: 22 out. 2019.
104 Ética, governança e transparência

A Controladoria-Geral da União criou esse curso com o


intuito de incentivar o cidadão a exercer o controle social dos
gastos públicos. Acesse o site e veja como participar.

Atividades
1. Vimos, na primeira seção deste capítulo, que o acesso facilitado
à informação é um dos maiores indicadores da transparência.
Com base em tudo o que você estudou no decorrer da disciplina,
explique a relação entre a transparência e a informação.

2. Entre as ações de combate à corrupção promovidas por


Hong Kong está o ensino de valores éticos nas escolas.
Considerando o que você estudou até aqui, qual é a relevância
e a efetividade dessa ação?

3. No referencial de combate à fraude e à corrupção, o TCU afirma


que “fraude e corrupção são grandes obstáculos ao progresso
social do país”. O que faz com que fraude e corrupção afetem e
atrapalhem o desenvolvimento e o progresso de um país?

Referências
ALÓ, C. C. Uma Abordagem para Transparência em Processos
Organizacionais Utilizando Aspectos. 328f. Tese (Doutorado em Ciências
– Informática) – Departamento de Informática, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Disponível: http://www-di.
inf.puc-rio.br/~julio/tese-cappelli.pdf. Acesso em: 22 out. 2019.

BIZERRA, A. L. V. Governança no setor público: a aderência dos relatórios


de gestão do Poder Executivo municipal aos princípios e padrões de
boas práticas de governança. 124f. Dissertação (Mestrado em Ciências
Contábeis) – Faculdade de Administração e Finanças, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Disponível: http://bdtd.ibict.
Transparência e combate à corrupção 105

br/vufind/Record/UERJ_3c963693eedfd9c1850ef9f17036bdf3. Acesso em:


22 out. 2019.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília, DF:


Presidência da República, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 22 out. 2019.

BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Diário Oficial da


União, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 maio 2000. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em: 23 out.
2019.

CORDEIRO, C. P. B. S. A corrupção sob um prisma histórico-sociológico:


análise de suas principais causas e efeitos. Revista Eletrônica Direito e
Conhecimento, n. 2, v. 1, p. 67-93, jul./dez. 2017. Disponível: https://revistas.
cesmac.edu.br/index.php/dec/article/view/670. Acesso em: 22 out. 2019.

CRESSEY, D. R. Other people’s money: a study in the social psychology of


embezzlement. Glencoe, IL: The free press, 1953.

DOSTOIÉVSKI, F. O idiota. Trad. de Paulo Bezerra. 34. ed. São Paulo: 2002.

HARARI, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. 38. ed. Trad. de


Janaína Marcoantonio. Porto Alegre: L&M, 2018.

HORNSBY, M.; POLLAKUSKY, J. Índice de percepção da corrupção 2018


mostra que os esforços anticorrupção estão paralisados na maioria dos
países. 29 jan. 2019. Disponível em: https://www.transparency.org/news/
pressrelease/indice_de_percepcao_da_corrupcao_2018. Acesso em: 28 set.
2019.

MACHADO, M. R. R. Investigação da ocorrência de fraudes corporativas


em instituições bancárias brasileiras à luz do triângulo de fraude de
Cressey. 295f. Tese (Doutorado em Administração) - Universidade Federal
de Brasília. Disponível: http://repositorio.unb.br/handle/10482/18006.
Acesso em: 22 out. 2019.

ONU - Organização das Nações Unidas. 17 objetivos para transformar nosso


mundo. 2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods16/.
Acesso em: 22 set. 2019.

PLATÃO, 427-347. A República. Trad. de Leonel Vallandro. Rio de Janeiro:


Nova Fronteira, 2014.

RIZZO, M. B. M.; ROSA, L. V. Prevenção da lavagem de dinheiro e do


financiamento ao terrorismo (PLD-FT) In: CARVALHO, A. C.; ALVIM, T.
106 Ética, governança e transparência

C.; BERTOCCELLI, R. P.; VENTURINI, O. Manual de compliance. Rio de


Janeiro: Forense, 2019, p. 373-401.

ROSA, M. A reputação na velocidade do pensamento: imagem e ética na era


digital. São Paulo: Geração editorial, 2006.

TENGARRINHA, J. (org.) História de Portugal. 2. ed. rev. e ampl. Bauru:


EDUSC; São Paulo: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2000.

VISHWANATH, T.; KAUFMANN, D. Towards transparency in finance and


governance. Draft: The World Bank, 1999.

WARDE, W. O espetáculo da corrupção: como um sistema corrupto e o


modo de combatê-lo estão destruindo o país. Rio de Janeiro: Leya, 2018.
Gabarito

1 Ética: uma introdução


1. Nessa questão, o estudante deverá fazer uma análise à luz
de todo conteúdo estudado no capítulo para responder
à pergunta que abre a seção 2: é possível aprender ética?
É importante analisar os modelos éticos e demonstrar o
entendimento de que, quando normas, regras e leis fazem
sentido, bem como quando o indivíduo se abre para a
reflexão, a ética pode ser aprendida.

2. Quando Maturana (2009) afirma que “toda dor é cultural”,


isso significa que o conjunto de valores, práticas, regras do
aceito e do não aceito em uma sociedade podem resultar em
processos dolorosos para aqueles que não os seguem. Ao
mesmo tempo, uma mesma prática pode ser motivo de dor
em algumas culturas e de orgulho em outras. Por exemplo:
na sociedade ocidental, normalmente, a perda de um filho
é motivo de dor inenarrável para os pais e para a família. Já
em culturas de povos guerreiros, perder um filho em uma
batalha é motivo de orgulho e honra.

3. Do ponto de vista legal, tanto Giges quanto Robin Hood estão


errados, pois suas ações infringem as leis vigentes em seus grupos
sociais. Do ponto de vista ético e moral, Giges continuaria
errado, porque prejudicou outras pessoas em benefício próprio.
Já Robin Hood, em uma reflexão ética, poderia ser absolvido
de seus crimes, uma vez que roubou de quem tinha em excesso
para matar a fome e sanar as necessidades básicas de quem não
tinha nada. Se for considerado que a ética é a busca da felicidade
e do bem, matar a fome de outros não seria fazer o bem?
108 Ética, governança e transparência

2 Ética e compliance
1. A globalização e o advento das mídias sociais têm dificultado
que atos ilícitos fiquem encobertos. A sociedade, ao saber
que empresas não atuam eticamente, boicotam seus serviços
e produtos, além de incentivar que seus contatos façam o
mesmo. Por outro lado, quando a empresa tem a reputação
de ser idônea e responsável, isso pode refletir em crescimento
de vendas e melhora de posicionamento no mercado.

2. Essa é uma questão bastante difícil e que não tem resposta


pronta. Ao analisar o caso, devemos, sim, levar em conta
o histórico positivo do funcionário, e pode-se também
considerar a situação familiar pela qual ele passa. No entanto,
a posição que ele ocupa como compliance officer não permite
esse tipo de deslize, pois, após esse episódio, que credibilidade
ele e o superior que o manteve terão para continuar exigindo
que todos atuem dentro da conformidade?

3. Assim como acontece no setor privado, é essencial que se


estabeleça um processo de treinamento em compliance no
setor público. Esse processo deve envolver profissionais de
todos os níveis e buscar fazer com que os funcionários vejam
sentido no cumprimento das normas e regras.

3 Governança: o que é e como se aplica


1. Dificilmente o novo gerente conseguirá implementar com
sucesso a governança somente em sua área se toda a empresa
for resistente. Isso porque nenhuma área trabalha sozinha e
uma empresa deve ter atuação e visão sistêmica para gerir seu
negócio. Nesse caso, o gerente deve demonstrar aos demais
stakeholders a importância e as vantagens da aplicação da
governança corporativa na entidade.
Gabarito 109

2. Por ser externa, não estar imersa no cotidiano da empresa


e não ter um olhar “viciado” dos processos, a auditoria é
capaz de identificar fragilidades e pontos de melhoria que
os agentes internos não percebem. Quando a empresa não
é resistente e se abre para a auditoria externa, pode usar
os pontos identificados por ela como oportunidades de
melhoria, implementando planos de ação, mudanças na
forma de gerir, entre outras medidas.

3. Um governo é legitimado pela aprovação da opinião pública


e dos demais atores políticos e sociais que lhe creditam o
direito de gerir o país, município ou Estado, criando leis,
políticas e condições que beneficiam a todos.

4 Governança na gestão pública


1. Além das concessionárias, administradoras das estradas,
também são exemplos de empresas que atuam sob o
regime de concessão o complexo penal de Minas Gerais, as
Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEI) em Belo
Horizonte e Minas Gerais e o metrô de Salvador na Bahia.
Outros exemplos são a construção do Hospital do Subúrbio,
também em Salvador, uma parte do metrô de São Paulo e o
projeto de irrigação do semiárido nordestino em Petrolina,
Pernambuco.

2. A influência do papel da liderança no desempenho de equipes


ocorre da mesma maneira tanto no setor público quanto no
privado, devido ao fato de as pessoas, que são responsáveis
pelo sucesso dos processos, em ambos os setores, serem
altamente impactadas e influenciadas em suas ações pelo
modelo de liderança que possuem.
110 Ética, governança e transparência

3. Quando um processo é feito de forma transparente e


com ampla divulgação para todos os envolvidos, ele gera
confiança, pois demonstra que, ainda que incorra em erros,
é feito de forma ética, observando os interesses de todos os
envolvidos, e não somente de um grupo.

5 Ética e legalidade
1. Como foi visto na seção 5.1, em contratos de tomada de
preço, as alterações possíveis são de qualidade, ou seja, das
características do objeto contratado, ou de quantidade, dentro
do limite estabelecido. No caso da alteração de computadores
para impressoras, ocorre mudança do objeto contratado e,
portanto, não pode ser feita.

2. A Constituição Federal, em seu artigo 173, e a Lei 13.303/2016,


no artigo 28, deixam claro que as empresas públicas
exploradoras de atividades econômicas devem concorrer
em pé de igualdade com as empresas privadas no mercado.
Dessa forma, elas não podem usar de sua prerrogativa de
estatais para obter algum tipo de benefício ou vantagem.

3. Uma vez comprovado que o professor em questão possui o


notório saber na área da pesquisa a ser realizada, a contratação
pode ser feita sem a necessidade de se realizar a licitação.

6 Transparência e combate à corrupção


1. O acesso facilitado à informação é um forte indicador
da existência de transparência, uma vez que quanto mais
detalhados estiverem os critérios relativos a tomadas
de decisão, os usos destinados às verbas, as regras de
contratação, enfim, todas as etapas do processo, mais os
Gabarito 111

stakeholders estarão seguros de que tudo foi feito dentro da


ética e da legalidade. Assim, fica a percepção de que não
houve manobras encobertas e oportunidades de realização
de ações corruptas ou fraudulentas.

2. Conforme vimos no Capítulo 1, e foi reforçado ao longo do


livro, o atuar ético e o consequente repúdio a atos ilegais,
corruptos e fraudulentos só são efetivos e espontâneos
quando faz sentido para o indivíduo. Como a sociedade é
composta por um conjunto de indivíduos, ao ensinar valores
éticos nas escolas, são formados grupos de cidadãos que
não praticarão ou serão coniventes com ações ilegais ou
corruptas, pois isso feriria a ética.

3. Fraude e corrupção são fenômenos perniciosos e atrapalham


o crescimento e o desenvolvimento dos países, uma vez
que promovem a pobreza e afrontam a dignidade dos seres
humanos. Além disso, enfraquecem as instituições, fazem
com que os governos percam a legitimidade e a confiabilidade,
entre tantos outros efeitos maléficos.
É T I C A , G O V E R N A N Ç A E T R A N S PA R Ê N C I A J U L IA NA DE TOL E D O M AC HA D O

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58981

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