Fichamento Crepúsculo Dos Ídolos de Friedrich Nietzsche

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FICHAMENTO DO LIVRO CREPÚSCULO DOS

ÍDOLOS DE FRIEDRICH NIETZSCHE


PRÓLOGO

Nietzsche estava trabalhando em seu projeto de transvaloração de


todos os valores: na época seu principal projeto (mas que acabou sendo
abandonado posteriormente). Crepúsculo dos ídolos (ou Ócio de um de
um psicólogo, como seria originalmente chamado) é descrito por Nietzsche
como uma espécie de descanso de seu trabalho principal, como uma forma
de “manter a jovialidade em meio a um trabalho sombrio”.

A guerra era para Nietzsche uma forma de manter a jovialidade, uma


forma de passatempo, descanso, cura. Por isso, Crepúsculo dos ídolos é
uma declaração de guerra contra os ídolos. Ídolos, para Nietzsche, são coisas
tomadas como verdadeiras pela sociedade, falsas verdades, falsos deuses.
Exemplos disso são: o cristianismo, o socratismo, o platonismo, a moral, o
dualismo.

Nesse livro, Nietzsche irá examinar esses ídolos e destruí-los. Ele diz
que faz isso com um “martelo”, com o qual irá bater nos ídolos e escutar o
oco que ecoa neles (mostrando que são vazios) para depois finalmente
demoli-los. Além de destruir os valores estabelecidos, Nietzsche irá propor
novos: utilizará o martelo também para construir (a transvaloração de todos
os valores seria esse processo de superação de valores antigos para a
criação de novos).

Crepúsculo foi escrito também como uma espécie de síntese do


pensamento de Nietzsche e como um livro “comercial”. Seus livros vendiam
pouco na época e ele tinha como objetivo ganhar mais projeção com esse.

I. MAXÍMAS E FLECHAS

Esse capítulo consiste em 44 aforismos que funcionam como um prelúdio


do que esta por vir no resto do livro.

1. De cara ele já demonstra algum apreço pelo vício, ideia que ele
retomará mais a frente no livro.

5. Sabedoria demais pode limitar o seu conhecimento.

6. Espiritualidade/religiosidade como antinatureza do homem.

7. Deus seria um erro do ser humano.


8. Uma das frases mais conhecidas de Nietzsche.

10. Contra o arrependimento da tradição cristã.

12. Devemos ter um objetivo bem definido: assim para chegar nele,
toleramos as coisas ruins do processo.

15. Nietzsche se considerava um extemporâneo.

17. O bom artista somente deve buscar sua arte e seu pão: arte e
sobrevivência são suficientes.

18. Quem não consegue impor sua própria vontade, “inventa” um


Deus, uma vontade que excede a dele para seguir.

19. Quem escolhe a filosofia, o estudo, não deve ver com inveja as
vantagens da ignorância.

23. “Espírito” nessa frase tem o sentido de intelecto, de cultura; assim


como no capítulo VIII, no qual ele vai continuar a falar mal dos alemães.

25. Nietzsche como filósofo do amor-próprio.

26. Se a pessoa não tem retidão ela precisa de sistema.

32. Deve se odiar a mentira não por medo de punição divina, mas por
honra.

33. Viva a música.

42. Algumas etapas da vida são apenas degraus para o nosso


crescimento.

II. O PROBLEMA DE SÓCRATES


1. Nietzsche diz que todos os homens mais sábios de todos os tempos
pensavam que a vida não valia nada. Sócrates, por exemplo, dizia que viver
é estar doente. Esse consenso provaria que isso é verdade? Não para
Nietzsche. Para ele, esse consenso revela algo em comum a esses sábios: a
décadence, a doença. Para Nietzsche, tudo aquilo que nega a vida
(colocando um mundo espiritual, uma “razão”, uma “moral”; como superior
a ela) é décadence, pois para ele o nosso mundo material é tudo o que
existe.
2. É impossível, para Nietzsche, julgar o valor da vida: ele não pode ser
estimado por um vivente, por alguém que está dentro da vida. Por isso
critica essa atitude de Sócrates.

3. Nietzsche vê a feiura fisiológica de Sócrates como mais um sintoma de


sua doença, de sua décadence.

4. Mais sintomas: o exagero (tudo nele é caricato), a “malvadez”, a


supervalorização da razão sobre os instintos (contrariando os gregos antigos
que, segundo Nietzsche, valorizavam os instintos).

5. Sócrates trouxe a dialética, que é desprezada por Nietzsche: aquilo que


tem que se provar tem pouco valor.

6. A dialética (a argumentação racional) é um recurso dos fracos, um último


recurso de defesa.

7. A ironia socrática seria uma forma de vingança de Sócrates contra os mais


nobres e belos (Sócrates era plebeu e feio): ele vingava-se vencendo na
argumentação.

8. Sócrates fascinava os gregos pois criou uma nova espécie de competição:


a dialética, o confronto de ideias. Ele mexeu com o instinto agonal
(competitivo, esportista, lutador) que era tão caro aos gregos.

9. Sócrates percebeu que Atenas vivia uma “crise dos instintos”, que esses
reinavam como tiranos. Então, ele apresentou a razão extrema como cura
para isso.

10. Sócrates substituiu a tirania dos instintos pela tirania da razão, que
tomou conta da filosofia ocidental por séculos. Essa é a grande crítica de
Nietzsche.

11. O combate aos instintos, a racionalidade, eram colocados como cura por
Sócrates, mas para Nietzsche, eram só uma outra expressão da doença, da
décadence. Nietzsche diz que felicidade = instinto.

12. Sócrates morreu porque quis, porque via a vida como doença.

III. A “RAZÃO” NA FILOSOFIA


1. Nietzsche critica a crença filosófica em conceitos eternos e imutáveis,
como por exemplo o idealismo platônico, que crê que existem conceitos
perfeitos de todas as coisas do nosso mundo material residindo no “mundo
das ideias”. Essa crença faz com que se questione a veracidade do que os
nossos sentidos nos mostram: “se existem conceitos imutáveis e os meus
sentidos mostram tudo em movimento, logo os sentidos mentem”.

2. Nietzsche concordava com Heráclito na crença de que o mundo vive em


constante mudança, vir-a-ser (devir). Mas mesmo Heráclito rejeitou os
sentidos, pois eles mostravam as coisas com unidade (uma coisa é uma
coisa) e duração (uma coisa tem um começo e um fim). Nietzsche acredita
que os sentidos não mentem na medida que mostram o devir, e que o
mundo material é o único (não existe “mundo verdadeiro”, “mundo das
ideias”).

3. Nietzsche exalta os órgãos sensoriais (como não é de costume dos


filósofos fazer) e faz uma ode ao nariz. Diz que só se faz ciência com o
testemunho dos sentidos: tudo que não leva em conta os sentidos nao é
ciência (metafisica, teologia, psicologia, epistemologia etc.).

4. Outro grande erro dos filósofos é confundir o último e primeiro: chegar em


um conceito e dizer que ele foi sempre assim, que não houve um
desenvolvimento ao longo dos anos para que ele chegasse no estado que se
encontra hoje; que ele é, sempre foi e sempre será como é.

5. Nietzsche aponta o “erro do ser” (de acreditar nesses conceitos perfeitos


e imutáveis) como um dos piores da humanidade. A “razão” é culpada disso
pois ela nos força a esse erro. A linguagem também é culpada pois ela é o
principal instrumento da “razão”: não se pensa metafisicamente,
conceitualmente sem a linguagem. “Receio que não nos livraremos de Deus,
pois ainda cremos na gramática...”

6. Resumo do capítulo em 4 teses:


Primeira tese: o fato do mundo material ser aparente comprova a sua
realidade.
Segunda tese: as características do “mundo verdadeiro” são criadas em
oposição às do mundo real/aparente, portanto são irreais.
Terceira tese: fabular sobre um possível “mundo verdadeiro” além do
material é vingança; é sintoma de insatisfação com o mundo real.
Quarta tese: dividir o mundo entre aparente e verdadeiro é sintoma de
décadence, de negação da vida.
IV. COMO O “MUNDO VERDADEIRO” FINALMENTE
SE TORNOU FÁBULA

Nesse capítulo, Nietzsche descreve uma progressão desde a ideia platônica


de mundo verdadeiro até a ideia nietzschiana:

1. PLATONISMO: mundo verdadeiro alcançado por meio da filosofia, do


estudo; a origem do dualismo, da divisão entre mundo aparente e
verdadeiro.
2. CRISTIANISMO: mundo verdadeiro (agora o Reino de Deus) prometido
para o virtuoso, negador do pecado; evolução do idealismo platônico,
uma ideia mais ardilosa.
3. KANTIANISMO: a ideia vai perdendo força. Kant prega que existe sim
um mundo verdadeiro, mas que ele é inalcançável por limitações do
intelecto humano.
4. Se o mundo verdadeiro é inalcançável ele não nos obriga a nada.
Evolução da ideia de Kant.
5. Se o mundo verdadeiro não nos obriga a nada, torna-se uma ideia
inútil e é eliminada.
6. NIETZSCHIANISMO: Se não existe mundo verdadeiro, não existe mundo
aparente: só há mundo.

V. MORAL COMO ANTINATUREZA

1. Nietzsche vê valor nas paixões e desejos. Critica a forma como a Igreja


combate as paixões: buscando erradicá-las (“se teu olho te escandaliza,
arranca-o de ti”). Compara essa prática à castração. Atacar as paixões
significa, para Nietzsche, atacar a vida.

2. Os “fracos de vontade” (pessoas incapazes de resistir aos desejos,


paixões e vícios) também internalizam essa prática de castração: somente
uma pessoa já degenerada e incapaz de moderação buscaria erradicar
completamente os desejos/paixões, como um último recurso.

3. Nietzsche considera a “espiritualização” (embelezamento) da


sensualidade – o amor – um triunfo sobre o cristianismo assim como a
espiritualização da inimizade: reconhecer o valor das inimizades, do
antagonismo. Na política por exemplo, um partido depende do antagonismo
do outro, se vê necessário na presença do partido oposto. Mesmo o conflito
interno é importante para Nietzsche: não devemos buscar paz de espírito,
mas sermos ricos em antagonismos, para nos mantermos jovens em alma.
“Renunciamos à vida grande, ao renunciar à guerra...”
4. A moral natural para Nietzsche é aquela dominada pelo instinto da vida.
Toda a moral ensinada é antinatural para o autor pois ela se volta contra os
instintos da vida, busca extirpar esses instintos (desejos, paixões etc.)

5. Toda moral que busca negar a “vontade de vida” (seja a moral cristã ou
schopenhaueriana) é um juízo de valor da vida, e para Nietzsche é
impossível julgar o valor da vida: para julgá-lo seria preciso ter uma visão de
fora dela ao mesmo tempo em que teria que conhecê-la de dentro (ser um
vivente).
6. Não faz sentido dizer como o mundo ou o homem deveriam ser: deve-se
abraçar a vida como ela é e não exigir mudanças.

VI. OS QUATRO GRANDES ERROS

1. Erro 1: confusão de causa de consequência. Segundo Nietzsche, toda


tese da religião e da moral contém esse erro. Um exemplo é o do livro de
Cornaro, que propunha uma dieta exígua como fórmula para uma longa vida.
Mas na verdade, a causa de sua longa vida era o seu metabolismo lento: por
isso a dieta funcionou para ele.

2. Exemplo da moral/religião: a moral/religião prega que façamos algo


virtuoso para conseguir a felicidade (seja bom e vá para o Céu, seja bom e
seja feliz). Nietzsche diz que por ser feliz a pessoa é virtuosa: se somos
felizes, sabemos instintivamente o temos e o que não temos que fazer. A
Igreja diz: “o vício leva à ruína”. Nietzsche diz: “se um povo se arruína,
segue-se o vício”. Todos esses erros seriam consequência da degeneração
do instinto: tudo bom é instinto para Nietzsche

3. Erro 2: falsa causalidade. Ele critica a crença de que o “eu”, que uma
“vontade” causa os pensamentos, as ações. Para Nietzsche não existe uma
evidência empírica de que a nossa “consciência”, que o nosso “eu”, causa as
ações e pensamentos.

4. Erro 3: causas imaginarias. Consiste em querer encontrar uma


explicação, uma causa para todo sentimento e sensação que temos: nunca
basta para nós apenas constatar essa sensação

5. Segundo Nietzsche, fazemos isso porque encontrar uma causa alivia a


mente e traz sensação de poder. O desconhecido nos soa perigoso. “Alguma
explicação é melhor que nenhuma”: esse princípio nos faz abraçar logo a
primeira explicação que nos vem à mente. Essa primeira explicação já nos
tranquiliza e nós a aceitamos, mesmo que não seja verdadeira.
6. A religião e a moral caem nesse erro: a religião explicando os maus
sentimentos como consequências de maus espíritos e a moral, como
consequência da má consciência. São castigos pelos pecados, pelas más
ações. Os bons sentimentos são explicados como consequência da confiança
em Deus, de uma boa consciência, recompensa pelas boas ações. Nietzsche
diz que essas explicações são resultadas do estado da pessoa: ela está feliz,
portanto, confia em Deus; ela está triste, portanto, culpa os maus espíritos
(mais uma confusão de causa e efeito). São resultados do sentimento
fisiológico básico que domina a pessoa no momento.

7. Erro 4: livre arbítrio. A crença no livre arbítrio é, segundo Nietzsche, um


erro dos teólogos, que provém de um instinto de querer achar culpado, de
julgar, punir. O objetivo deles é tornar a humanidade responsável: os
homens foram julgados livres para serem julgados, punidos,
responsabilizados. Aí também está a origem do erro 2, o de achar que a
causa das ações humanas é a consciência, o “eu”, a vontade. Nietzsche, que
busca livrar o mundo do conceito de culpa, vê nos teólogos inimigos. “O
cristianismo é uma metafisica do carrasco...”

8. A doutrina imoralista: ninguém dá aos ser humano suas características,


ninguém é responsável por existir, ninguém é culpado por ser como é. O
mundo é uma fatalidade, não consequência de uma intenção, de uma
finalidade: essa é a grande libertação para Nietzsche, a recuperação da
inocência do vir-a-ser (devir).

VII. OS “MELHORADORES” DA HUMANIDADE

1. Nietzsche exige ao bom filosofo que ele se coloque além do bem e do mal,
acima dos julgamentos morais, pois para ele não existem verdades morais
absolutas. Colocando-se acima da moral, tira-se proveito dela: vendo-a como
sintoma de uma cultura decadente.

2. A moral é uma tentativa de “melhorar” os homens, mas para Nietzsche, a


moral da Igreja cristã por exemplo, é uma espécie de domesticação do
homem, um amansamento. Ele compara as Igrejas à ménageries (espécie de
zoológico), nos quais os homens são enjaulados e têm seus instintos de vida
podados. A Igreja os torna doentes (décadents, negadores da vida) enquanto
diz estar melhorando-os.

3. Outro exemplo: a moral indiana, descrita na Lei de Manu, que consiste em


dividir o povo em castas. Os chandalas (casta mais baixa) tinham
pouquíssimos direitos: só podiam comer alho e cebola, beber água somente
de pântanos, não podiam tomar banho etc. – por terem nascidos “impuros”,
“frutos do adultério e do crime”. Nietzsche batiza isso de “moral do cultivo”,
por “cultivar” homens de castas diferentes. Ele a considera ainda superior ao
cristianismo (talvez por ser mais explicita e não alegar melhorar o homem?),
mas ainda a critica duramente, pois vê doenças e epidemias como resultado
da falta de direitos dos chandalas.

4. Nietzsche diz que o ódio chandala “deságua” no cristianismo, se torna o


cristianismo. O cristianismo seria a religião da vingança dos chandalas,
vingança das castas baixas; pois prega justamente o contrário deste
“arianismo”: a igualdade entre os seres humanos, independente de suas
origens, classes sociais. A religião que se diz do amor, na verdade é,
segundo Nietzsche, a religião da vingança.

5. Segundo Nietzsche, todos os meios de se impor a moral são imorais (no


sentido de serem mentirosos, violentos etc.)

VIII. O QUE FALTA AOS ALEMÃES

(A palavra “espírito” nesse capítulo, tem o sentido de intelecto, cultura).

1. Nietzsche demonstra apreço pelas “virtudes viris” que o povo alemão


havia cultivado e mantido em sua época (animo, segurança, laboriosidade,
perseverança etc.) mas, enxerga um declínio cultural, declínio no espírito por
parte dos alemães. A política seria a principal culpada dessa crise: a
Alemanha priorizava demais a política e esquecia-se de cultivar o espírito. Já
eram malvistos na Europa, não existiam mais grandes filósofos, escritores,
poetas, artistas alemães.

2. O povo alemão se imbecilizava com os “dois grandes narcóticos


europeus”: o álcool e o cristianismo. A música seria o terceiro narcótico,
descrita por Nietzsche como constipada e constipadora (na linguagem
musical, duros, sem balanço).

3. Nietzsche alega que a seriedade alemã está regredindo, e que as grandes


culpadas disso são as universidades e seus professores (seriam “estufas
para tal espécie de atrofia do espírito”).

4. Regra de Nietzsche que vale tanto para pessoas quanto para povos:
quando a política ascende, a cultura declina. Quando se dedica ao poder, à
política, à economia, não sobra tempo/energia/intelecto para se dedicar aos
estudos, à cultura. Ele vê na Alemanha dos tempos dele uma ascensão
política e um declínio cultural.

5. Nietzsche diz que o grande problema da educação alemã (comparada a


um adestramento) é visar formar cidadãos uteis ao estado e esquecer-se de
formá-los culturalmente. Diz que falta aos próprios educadores serem
educados. Aponta a “democratização” das universidades como fator
determinante para a crise cultural alemã: ele alega que o ensino superior
devia ser exclusividade de homens “superiores” (“o que é belo é para
poucos”). Critica também a pressa para escolher uma profissão que é
imposta aos jovens.

6. Nietzsche aponta que um educador tem 3 tarefas para chegar em uma


cultura nobre: ensinar a ver, a pensar, e a falar/escrever. Ver = habituar o
olho ao sossego, resistir à estímulos (todo não-espiritualidade baseia-se na
incapacidade de resistir a um estímulo).

7. Ele descreve poeticamente o aprender a pensar como uma espécie de


dança, mas que exige técnica, plano de estudos. Essa dança de “pés-
ligeiros” seria oposta à dureza, à falta de habilidade, a constipação alemã
(ele inclusive descreve Kant como um desses durões do pensamento,
incapazes de sambar). Depois, faz piadinha dizendo que os alemães não
entenderiam sua explicação sobre o aprende a escrever.

IX. INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO

1. Nietzsche faz algumas piadinhas sobre figuras


filosóficas/artísticas/culturais que ele não gosta: para ele, a história da
filosofia é uma comedia de erros. Algumas dessas críticas ele vai
desenvolver ao longo do capítulo, outras não.

2. Critica o teólogo Renan por sua tentativa de conciliar cristianismo e racionalidade/livre-


pensamento. Como poderia um cristão se dizer livre pensador?

3. Critica o crítico literário Saint-Beuve, o comparando a uma mulher. Nietzsche não tinha uma
visão muito positiva das mulheres.

4. Critica o livro “Imitação de Cristo”, considerado um dos maiores tratados


da moral cristã. Ele dizia sentir uma resistência fisiológica ao segurá-lo na
mão.

5. Critica George Elliot, pseudônimo da escritora inglesa Mary Ann Evans.


Nietzsche diz que na Inglaterra, abandonaram a fé cristã, mas não a moral
cristã. Isso não faz sentido, pois no cristianismo somente Deus sabe o que é
certo e o que é errado, o homem não sabe nada. Os ingleses, por
acreditarem saber o que é certo e errado intuitivamente, abandonam a fé
cristã; mas não a moral cristã, pois essa está enraizada em sua cultura: é a
origem da moral inglesa.
6. Critica George Sand, pseudônimo da escritora Amandine Aurore. Diz que
seu livro é falso, exagerado.

7. Nietzsche critica os psicólogos (no sentido de observador da mente


humana, mas provavelmente também no sentido de observador da
sociedade/cultura) que “observam por observar”. Ele diz de forma bastante
poética que o bom psicólogo deve ser como um bom pintor, que não
simplesmente copia a natureza, mas que permite que o seu instinto, a sua
sensibilidade exprima o caso. O bom psicólogo deve ter uma espécie de
sensibilidade artística, e não apenas observar os casos como eles sã

8. É indispensável para arte que haja embriaguez no artista. Pode ser


qualquer tipo de embriaguez: da excitação sexual (esta sendo a mais
primordial), da festa, da competição, da realização de um desejo, dos
narcóticos etc. Ela é importante pois aumenta a energia e traz sentimento de
plenitude. Nietzsche diz que o artista passa esse sentimento para às coisas,
num processo de idealização, ressaltando os traços principais daquela coisa.

9. O estado de embriaguez nos faz ver as coisas “avolumadas”, fortes. O ser


humano espelha seu poder nas coisas quando faz arte, ele frui a si mesmo
enquanto perfeição (mais definições extremamente poéticas). Por isso, o
cristianismo seria por natureza antiartístico, porque nele o homem vê apenas
Deus como perfeição.

10. Apolíneo e dionisíaco, dois conceitos muito importantes no pensamento


de Nietzsche, são descritos aqui como espécies de embriaguez. A
embriaguez apolínea excita o olhar, estimula a forca da visão (ele não da
exemplos, mas talvez o artista plástico seja o melhor exemplo de apolíneo).
A embriaguez dionisíaca excita o sistema afetivo: os atores, e sobretudo os
músicos, são dionisíacos. A música é a maior forma de excitação e descarga
dos afetos.

11. O arquiteto não é nem apolíneo nem dionisíaco, mas representa a


embriaguez da grande vontade: eles traduzem nas construções o orgulho, a
vontade de poder (outro conceito importante para Nietzsche). Arquitetura é
a “eloquência do poder em formas”.

12. Critica o escritor Thomas Carlyle, por buscar “santidade” mesmo sendo
ateu.

13. Elogia o filosofo Ralph Waldo Emerson, dizendo que ele tem jovialidade,
gratidão, satisfação.

14. Enquanto Darwin acredita na luta pela vida, Nietzsche acredita na luta
por poder (seu conceito de vontade de poder, de que todas as coisas estão
em constante luta para se expandir, explica isso). Darwin acreditava que os
fortes dominavam os fracos, Nietzsche que os fracos dominavam os fortes:
por serem mais numerosos e mais inteligentes (por serem fracos têm
necessidade de inteligência, de “espírito”).

15. O psicólogo estuda os homens para obter pequenas vantagens sobre


eles. Já o político, quer grandes vantagens, quer se sentir superior. O
psicólogo é mais humano que o político pois se coloca no mesmo plano dos
homens “comuns”, diferente do político que se coloca acima.

16. Nietzsche questiona o “tato psicológico “dos alemães; criticando Kant e o


hábito de comparar autores que estão em níveis qualitativos muito
diferentes (Goethe e Schiller, Schopenhauer e Hartmann).

17. Os homens que experimentam as piores tragedias são os que mais


honram a vida, por passarem pelo máximo antagonismo que ela pode
proporcionar.

18. Aqui Nietzsche vê a hipocrisia como uma coisa boa, como algo que é
parte da natureza humana. Diz que a cultura de sua época era muito fraca,
muito permissiva, e que não permitia a hipocrisia. Os homens modernos
seriam muito preguiçosos para certos vícios (vícios aqui vistos também como
algo positivo).

19. O ser humano é a medida do belo, não existe o “belo em si”. Nietzsche
acredita que o ser humano acha belo tudo aquilo que espelha a sua imagem
(seja fisicamente, ou emocionalmente no caso de algo mais abstrato).

20. O feio para o ser humano é tudo aquilo que remete à degeneração do
próprio homem, à morte, à doença, ao envelhecimento.

21. Schopenhauer buscava negar à “vontade” (instintos, desejos), que para


ele era a maior fonte do sofrimento humano. A arte, a beleza, a compaixão,
eram para ele manifestações dessa negação da vontade. Nietzsche compara
esse pensamento ao cristianismo, que também visa podar os instintos e
desejos em busca da felicidade (a arte para Schopenhauer é fuga da vida,
para Nietzsche é potencialização da vida).

22. Schopenhauer vê na beleza uma “redenção” temporária da vontade,


principalmente da sexualidade. Nietzsche discorda: concorda com Platão
quando este diz que a beleza estimula a procriação.

23. Platão, contrariando mais ainda Schopenhauer, defende inclusive que a


beleza e o erotismo são estimulantes para a própria filosofia. Nietzsche
concorda novamente com Platão.
24. A frase “L’art pour l’art” (arte pela arte) prega a ausência de finalidades
na arte. Nietzsche admira essa ideia no sentido de que ela é anti-
moralizante, mas a critica, pois acredita que a arte tenha finalidade: a de
estimulante para a vida, de potencializador da vida. A arte trágica, por
exemplo, ao trazer à tona as tragédias, demonstra amor à vida mesmo em
seus piores momentos (amor fati).

25. Não devemos abrir nossos corações para todas as pessoas, mas guardá-
los para pessoas especiais.

26. As palavras só expressam aquilo que é medíocre: nossas “verdadeiras


vivências” são inexpressáveis pela linguagem.

27. Nietzsche “pinta um quadro” de uma mulher “literária”: uma mulher que
vive no dilema entre estudar e construir família.

28. O “impessoal”, aquele que se sente superior, busca cultivar algum vício
para se tornar mais “humano”: é a única forma de ascese que resta para ele.

29. Nietzsche critica o ensino superior alemão que visa formar jovens para
servir o Estado, para serem funcionários públicos.

30. Critica a arte que funciona como férias, como puro entretenimento.

31. Elogia os hábitos saudáveis de Júlio César: caminhadas, permanência ao


ar livre.

32. O bom filosofo admira o homem que age, e despreza aquele que só
deseja, só pensa em ideais.
33. O egoísmo pode ter pouco ou muito valor, dependendo se o individuo
que o porta faz parte da linha ascendente ou descendente da vida: se ele
ascende ou descende fisiologicamente.

34. Cristãos, anarquistas e socialistas são décadents para Nietzsche, pois


todos esses buscam encontrar um culpado para o sofrimento: o cristão
encontra esse culpado nele mesmo, o anarquista e socialista na classe alta e
no Estado. O socialista e o cristão se “vingam no futuro”: o socialista com a
sonhada revolução e o cristão com o juízo final.

35. O altruísta é um décadent: se você coloca as vantagens dos outros acima


da sua própria, é sinal de que você é incapaz de conseguir sua própria
vantagem. O altruísta ao invés de reconhecer sua própria falta de valor,
projeta isso na vida e diz que ela não vale nada (nega à vida, portanto é
décadent).
36. Nietzsche vê o doente como um parasita da sociedade: defende de que
não vale mais a pena viver quando a vida se degenera, quando se está em
um estado no qual não é mais possível viver plenamente. Defende que o
homem se suicide, escolha o tempo de sua morte: assim ele poderá ter uma
boa despedida de sua família e uma boa autoavaliação do que foi a sua vida.

37. Nietzsche crê que o Renascimento foi a última grande época. As grandes
épocas seriam aquelas que prezam mais pelo amor próprio do que pelo
altruísmo, pela empatia, pela compaixão. A contemporaneidade é fraca
justamente por pregar a moral do amor ao próximo.

38. A guerra educa para a liberdade: liberdade é ter reponsabilidade por nos
mesmos, é quando os instintos viris predominam, quando se é forte (o perigo
produz a força).

39. Nietzsche critica a democracia e o casamento na modernidade. A


democracia não permite que instituições duráveis se estabeleçam. O
casamento não deve ser por amor, mas por instinto sexual, por vontade de
domínio, de poder, de expansão, de riqueza.

40. Nietzsche diz que não deve se colocar uma questão dos trabalhadores
(socialismo): ele acredita que deve haver uma espécie “modesta e satisfeita”
de homem na sociedade. Ele crê que não se deve dar educação e direito ao
voto à classe trabalhadora, pois isso os estimula a ver sua condição como
injusta.

41. Critica o conceito de liberdade da modernidade (talvez o de Kant: “um


homem só é livre quando faz o que não quer”) pois este busca podar os
instintos de vida.

42. Santos, moralistas e filósofos não são íntegros porque acreditam que
aquilo que falam é verdade, quando, segundo Nietzsche, não é. Quando se
acredita que uma hipocrisia é verdade, ela se torna inocência na cabeça do
hipócrita: daí vem a falta de integridade.
43. É impossível retomar valores do passado, “andar pra trás” como querem
os conservadores. O progresso da décadence é inevitável.

44. Um grande homem, um gênio, é uma pessoa que acumulou energia por
muito tempo e que em algum momento explode em um grande ato, um
grande gênio. É uma pessoa que está acima da sua época, é mais forte, mais
maduro que sua época.

45. O criminoso é uma pessoa forte que foi colocada em condições


desfavoráveis na sociedade, um homem forte tornado doente. É assim
também com quase todo gênio e grande artista: em algum momento eles
são renegados ao subterrâneo da sociedade e em algum momento se
“vingam” contra ela.

46. Se calar, não externar suas perturbações internas, é digno de um


filósofo. Mas não devemos também temer o mais indigno.

47. A beleza é meritocrática: é fruto de um trabalho geracional que prioriza o


corpo à alma. Nietzsche não acredita em alma, portanto, diz que deve se
priorizar o corpo.

48. O progresso para Nietzsche é uma “ascensão” à natureza, ao estado


natural do ser humano. Ele critica Rousseau, que prega um progresso em
direção à moralidade (antinatureza para Nietzsche).

49. Elogios a Goethe: um homem que buscava esse retorno à natureza, que
abraçava a vida, pregava uma totalidade entre razão, sentimento, vontade,
sensualidade. Kant seria uma espécie de antítese de Goethe.

50. A sociedade tentou aproveitar Goethe, mas não conseguiu: a Europa não
aprendeu nada com ele, ele foi uma inutilidade. Mas talvez seja próprio de
grandes homens serem incompreendidos e subaproveitados pela sociedade.

51. Nietzsche diz que não deseja ser lido no seu tempo: ele busca uma
imortalidade na sua filosofia (aqui estamos nós estudando-a mais de 100
anos depois). A ambição dele com seus aforismos é escrever em 10 frases o
que outros não dizem em um livro. Zaratustra, segundo Nietzsche, é o livro
mais profundo da humanidade, e Crepúsculo, o mais independente.

X. O QUE DEVO AOS ANTIGOS

1. Nietzsche admite que seu gosto é intransigente e que são poucos os livros
que são realmente importantes para ele. Os filósofos e escritores mais
famosos, no geral, não estão entre seus favoritos. Com Salústio ele se
despertou para o estilo aforismático, com Horácio para o estilo poético (diz
que todo o resto da poesia se torna “popular” demais quando comparado a
Horácio).

2. Nietzsche diz que prefere os romanos aos gregos. Critica Platão: mistura
estilos de forma confusa, os diálogos são infantis, era “cristão” antes do
cristianismo. Tucídides e Maquiavel são para Nietzsche uma “cura” de
Platão, pois eles também veem valor na realidade material e não em
qualquer outra coisa. Diz também que os sofistas eram na verdade realistas.
Platão é um covarde ante à realidade pois é um metafisico, Tucídides é
corajoso pois é materialista.
3. Segundo Nietzsche, dizer que a virtude dos gregos está na moderação, na
calma, na “boa” mentalidade, na repressão dos instintos, é mentir. Os pré-
socráticos (antigos helenos), com suas festas, guerras, artes e
autoglorificações, representam a nobreza grega. Os filósofos pós-socráticos
representam um antimovimento contra isso, pois queriam podar os instintos,
pregar uma moral.

4. Os filólogos alemães tratavam o dionisíaco (o instinto helênico, de festas,


orgias, guerras etc.) como uma mera curiosidade. Para Nietzsche, o
dionisíaco é a chave para compreender os gregos, pois ele expressa a sua
vontade de vida. Eles louvavam quase religiosamente a dor e a sexualidade
pois são coisas fundamentais para que haja vida, vontade de vida, “eterna”
vida. O cristianismo passou a ver a sexualidade como algo impuro.

5. O orgiástico representa um sentimento transbordante de vida. As


tragédias dos antigos gregos não revelavam pessimismo (como diria
Schopenhauer) nem funcionavam como catarse (como dizia Aristóteles):
elas, segundo Nietzsche, revelam um dizer Sim à vida mesmo em suas
contradições, problemas e durezas; revelam coragem ante à vida. O trágico
está relacionado com o dionisíaco pois ambos expressam essa vontade de
vida tão cara a Nietzsche

FALA O MARTELO

Devemos ser duros para que possamos moldar as coisas, criar: para riscar
ou cortar algo, deve-se ser mais duros do que esse algo.

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