0% acharam este documento útil (0 voto)
20 visualizações116 páginas

Arte Critica Edicao 70

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1/ 116

ARTE & CRÍTICA

ANO XXI – Nº70 – JUNHO 2024


ABCA – Associação Brasileira de Coordenação Design página web
Críticos de Arte Leila Kiyomura Fernanda Pujol
Presidente Edição de arte e diagramação Programação página web
Sandra Makowiecky Fernanda Pujol Alessandra Klein
Revista Arte&Critica Leonor Teshima Shiroma https://abca.art.br/arte-critica/
ISSN: 2525-2992 Edição Geral Arte & Crítica
Periodicidade: publicação trimestral Leila Kiyomura [USP] ano XXI – nº70 – junho 2024
Conselho Editorial Maria Amélia Bulhões [UFRGS] Imagem da capa: Kazuo Wakabayashi,
Alexandre Sá Barretto da Paixão Editoria Arte/Atualidades Sem Título, 2011, óleo sobre tela
[UFRJ] Sylvia Werneck [USP] colado em madeira, 150 x 240 cm,
Ana Lúcia Beck [UFG] assinatura inf. dir. Participou da
Editoria Arte/Diversidade
Annateresa Fabris [USP] exposição: “A Realidade Máxima das
Alessandra Simões Paiva [UFSB]
Carlos Terra [UFRJ] Coisas”, com curadoria de Jacob
Diana Weschler [UNTREF/Argentina] Editoria de Arte/História
Klintowitz, na Galeria Frente, de
Gonzalo Leiva [PUC/Chile] Alecsandra Matias de Oliveira [USP]
16 de março a 29 de junho de 2024.
Jacques Leenhardt [EHESS/França] Editoria Arte/Internacional Reproduzido no catálogo da mostra
Jesus Pedro Lorente [AICA e UNIZAR/ Lisbeth Rebollo Gonçalves [USP] pág. 52 e 53. Foto divulgação
Espanha] Editoria Arte/Meio Ambiente Galeria Frente.
Luana Maribele Wedekin [UDESC] Gil Vieira da Costa [UNIFESSPA]
Marek Bartelik [MIT/Estados
[MIT/Estados Unidos]
Unidos] A Revista Arte & Crítica é uma
Editoria Arte/Tecnologia
Percival Tirapelli [UNESP] publicação da Associação Brasileira
Lilian França [UFS]
Rodrigo Vivas [UFMG] de Críticos de Arte
Sandra Hitner [UNICAMP] Jornalista responsável
Sandra Makowiecky [UDESC] Leila Kiyomura
Tadeu Chiarelli [USP] MTB 11.968-48-41-SP
Viviane Bashirotto [UDESC]
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 4 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 5

Caros Leitores mostras dedicadas a James Ensor, em Bruxelas. Em uma trabalho da artista Nina Moraes criado nos anos de 1990,
justa homenagem ao trabalho da fotógrafa Alice Brill, mas que, ainda hoje, reverbera no cenário contemporâneo.
A edição 70 de Arte&Crítica está no ar. Em conexão o artigo de Dalmo de Oliveira Souza e Rosemari Faga
com o que está acontecendo no mundo da arte, nossa Em homenagem aos 116 anos da imigração japonesa,
Viegas, analisa, com sensibilidade, o repertório de
revista apresenta três artigos sobre a Bienal de Veneza, comemorados em junho, Jacob Klintowitz, apresenta a
Brill em Flagrantes de São Paulo.
A 60ª Exposição Internacional de Arte pode ser vista curadoria da exposição e também o livro A Realidade
Elza Aizemberg discute o importante movimento
até 24 de novembro. E é iluminada com a curadoria do Máxima das Coisas. Prestigiados por estudantes,
muralista.mexicano através dos episódios históricos e
brasileiro Adriano Pedrosa, o primeiro latino-americano a
sociais; Destaca seus principais personagens e a pintura artistas, pesquisadores, na Galeria Frente, em São
desenvolver esta função. Importante destacar que Pedrosa
mexicana da primeira metade do século 20. Francesco Paulo, o crítico Klintowitz repercute em um ensaio
é uma das personalidades agraciadas, na solenidade deste
Ballerini questiona a consolidação do poder cultural da visual a sutileza e poesia das obras de Jorge Mori,
ano, com o Prêmio ABCA
arte que passa pelo audiovisual no século 21. O artigo
Rui Cepeda, membro da AICA - Associação Internacional Flávio Shiró, Kazuo Wakabayashi, Manabu Mabe, Megumi
elucida os mecanismos de consolidação do poder na arte
de Críticos de Arte, no Reino Unido, apresenta um e no entretenimento. Também Carmen Aranha e Evandro Yuasa. Takashi Fukushima, Tikashi Fukushima, Tomie
panorama geral da Bienal de Veneza, Também Adriana Nicolau analisam os significados na performance Marcha Ohtake, Tomoshige Kusuno, Yutaka Toyota e Tsuguharu
Almada, da AICA Paraguai, traz, como destaque, a à ré. O sentido do artigo é a reflexão, um repensar a Foujit. Como define Jacob Klintowitz, o trabalho
representação de seu país por uma mulher de origem passagem do tempo sem abraçar apenas a esperança como destes mestres é o encontro infinito entre a lua e
indígena. E Afonso Medeiros. da ABCA Pará, analisa única engrenagem e retornar às formas contemporâneas
a repercussão da curadoria de um latino através de o sol.
aderentes às forças emergentes.
notícias em periódicos norte - americanos. Caros leitores, finalizamos com dois convites: a
O artigo de Lucas Dilacerda discute os limites
Dando continuidade ao destaque aos povos originários. discursivos das categorias estéticas modernas de chamada para novos sócios e a participação de todos
Alessandra Simões Paiva e os críticos e professores figuração e abstração. Para tanto, traz o pensamento na cerimônia de entrega do Prêmio ABCA, atividade
Thea Pitman, Paulo Pepe entrevistam artistas indígenas poético de Castiel Vitorino Brasileiro e R.Trompaz. Uma importante e tradicional de nossa Associação.
brasileiros presentes em mostra coletiva na Inglaterra. surpresa para o leitor é o texto original de Avatar
Na linha de análise de artistas e obras, temos Moraes sobre tecnologia e forma, que o artista e
o artigo de Felipe Martinez abordando a exposição professor elaborou em sua máquina de escrever com as
“Hilma af Klint & Mondrian: Levensformen”, realizada no correções à mão, É apresentado por Tânia Fraga, sua
Kunstmuseum, em Haia, entre 2023 e 2024. Martinho Alves colega na Universidade de Brasília. Boa leitura.
da Costa Júnior faz uma análise sobre as exposições Encerramos esta edição com dois ensaios visuais, sob Leila Kiyomura e Maria Amelia Bulhões
celebrativas na Bélgica neste ano, a partir de duas forma de curadorias. Alecsandra Matias de Oliveira traz o
SUMÁRIO SUMÁRIO
22
Julia Isídrez y el Sur Global
ARTIGOS 154
en la 60ª Bienal de Venecia 70 112 O Muralismo Mexicano
Editorial O QUE FAZ UM ARTISTA
Adriana Almada Hilma af klint e e o contexto social 190
ADQUIRIR PODER CULTURAL? A realidade máxima
4 piet mondrian: paralelos e político do País
FRANTHIESCO BALLERINI das coisas: um encontro
Leila Kiyomura ELZA AJZENBERG
30 felipe martinez
e Maria Amelia Bulhões entre a lua e o sol
ADRIANO PEDROSA E O 124
ARTE & TECNOLOGIA Jacob Klintowitz
ENREDO VENEZIANO DA PLANOS À MARCHA À RÉ:
86
ARTE CONTEMPORâNEA O OLHAR ESQUECIDO 168 nota/convite
Para além dos mascarados:
INTERNACIONAL Afonso Medeiros CARMEN S. GUIMARÃES ARANHA AVATAR MORAES E
ano Ensor na Bélgica 224
e EVANDRO NICOLAU “A FORMA DAS COISAS FEITAS”
8 Martinho Alves da Costa Junior ABCA ABRE INSCRIÇÕES
LA BIENNALE ARTE DI VENEZIA 48 Tania Fraga
PARA NOVOS SÓCIOS
– 60TH INTERNATIONAL ART Originários brasileiros 144
98 ENSAIO VISUAL
EXHIBITION STRANIERI OVUNQUE / em terras britânicas: 226
Figuração e abstração:
FOREIGNERS EVERYWHERE uma conversa sobre arte, O Mundo de Alice Brill 176 Os vencedores do
movimento indígena, uma distração da linguagem
RUI GONÇALVES CEPEDA Flagrantes de São Paulo Nina Moraes: Sonhos d’água, Prêmio ABCA 2023
gênero e identidade Lucas Dilacerda
DALMO DE OLIVEIRA SOUZA E SILVA vidro e objetos.
Thea Pitman, Paulo Pepe E ROSEMARI FAGA VIÉGAS ALECSANDRA MATIAS
e Alessandra Simões Paiva
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 8 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 9

View of the Central Pavilion main


facade with mural by MAHKU Collective
(Movimento dos Artistas Huni Kuin),
2024, ‘Stranieri Ovunque’ –
‘Foreigners Everywhere’.
Photo © 2024 Rui Goncalves Cepeda

Abstract: In ‘Stranieri Ovunque’ historical linear canon. Thus, when


(‘Foreigners Everywhere’), “estrangeiros will be Euro-American art critics,
em todos os lugares” (in Portuguese) the curators, and historians willingly to
word ‘estrangeiro’ is etymologically delegate their fabricated authority
Internacional linked to the notion of ‘ser to “foreigners” over the writing of a
estranho’. For Adriano Pedrosa, the
new canon for a global art history?
La Biennale Arte 60th Biennale di Venezia curator,
‘ser estranho’ is to be queer, to
If the narrative of decolonisation is
to be a two-ways exchange between the

di Venezia – 60th
be an outsider, to be an indigenous
parties involved, when we include the
artist; the foreign is someone
‘foreign’ discourse, it can no longer
who is physically or conceptually
International Art displaced due to differences or
disparities conditioned by identity,
be a two-ways structural narrative;
the new reality will transcend those

Exhibition Stranieri nationality, race, sexuality, liberty,


wealth, believes, etc. The narratives
limiting readings towards unimagined
paths, and will become a marvellous

Ovunque / Foreigners developed by those four subjects are entanglement.


the focus of the Biennial di Venezia.
Keywords: La Biennale Arte di Venezia,
Everywhere
A cartography that is to be perceived
beyond what is known as the Euro- Stranieri Ovunque, Foreigners
American – known also as the Western Everywhere, Adriano Pedrosa, Migrants,
RUI GONÇALVES CEPEDA - AICA/UK civilisation or the Global North – Narrative, Decolonisation
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 10 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 11

The last time I got so excited During the in between years’ I have narrative of decolonisation is to enter the space, and, consequently, the decolonisation of sex and gender into an emotionally and tense argument
with the possibility of travelling to been introduced to copious curatorial be a two-ways exchange between the view the exhibition – the same way believes, race or disability, cultural on the structural conditions of art
Venice was just before my first time propositions which have presented parties involved, when we include I was also prevented from visiting appropriation versus homage, climate history. ‘Foreigners Everywhere’ is
going to visit La Biennial di Venezia. creative spaces for reflection and the ‘foreign’ discourse, it can no his exhibition at a commercial change (but certainly no climate not to be perceived as a collective
This time, however, the reason for my revealed inherent cultural risks. longer be a two-ways structural exhibition gallery, in 2002, because denying), rather than critically gathering of art works; it is one body
enthusiasm lies in personal issues and Aesthetics propositions that have narrative; the new reality will that private space was closed to the dealing with and rethinking the constituted by art works conceived
historical affinities related with the been critically confronted and transcend those limiting readings public by corrugated metal. Together limitation of a structure of thought by artists who aimed to materialised
Biennale Arte main focus: ‘Stranieri dissected by people like us, the towards unimagined paths, and will with migration and being foreign, the – the imperialism and colonialism of their territorial creativity and
Ovunque’ (‘Foreigners Everywhere’). In elitist and exclusive ‘dark matter’, to become a marvellous entanglement. concept of the representation of the the Global North – while aiming to inform about a particular condition,
“estrangeiros em todos os lugares” use Sholette astrophysical metonymy. According to the biennial curator nation as a political construction learn something new. their everyday cultural and life,
(in Portuguese), as was explained by With one exception, those have been “migration and decolonisation are key and the problematical nature of the I would rather question, if it though a own cannibalising language.
MASP’ and Biennale Arte 2024’ Artistic curatorial propositions that have themes” of the Biennale Arte 60th capitalist economic project were all depends of how much will the Not sure if it will be followed by
Director, the Brazilian curator Adriano entered into obliviousness when in edition (La Biennale di Venezia, paramount in both those two moments. Global North allow the Global an existential drift or it will have
Pedrosa, the word ‘estrangeiro’ is need to do a inclusive history of art. 2024). Although, for instance, on the More recently, still, the 59th Venice South to be decolonised, how will, any impact beyond the realisation
etymologically linked to the notion A cartography that is to be perceived occasion of the 55th Biennale Arte, in Biennial, entitled Milk of Dreams, gave more importantly, the Global North and confines of the Biennial in
of ‘ser estranho’. For Pedrosa, ‘ser beyond what is known as the Euro- 2013, entitle Il Palazzo Enciclopedico “voice to artists to create unique accept the Global South sovereign itself. What will come next is still
estranho’ is to be queer, to be American – known also as the Western (The Encyclopaedic Palace), Germany projects that reflected their visions views (alternative or multiple) on open to discussion.
an outsider, to be an indigenous civilization or the Global North – and France have swapped pavilion and our society.” (La Biennale di governance, authority, and life. We The title of this year edition
artist; the foreign is someone historical linear canon. Thus, when buildings as a constructive Venezia, 2022) In a time of insidious can not talk about colonialism but, ‘Stranieri Ovunque’ (‘Foreigners
who is physically or conceptually will be Euro-American art critics, international dialogue happening in climate of self-censorship by artistic should, instead, start a discussion Everywhere’) is drawn from a series
displaced due to differences or curators, and historians willingly to the art world that was concerned with and cultural institutions, the 59th about inter-relationships between of works made, since 2004, by the Paris
disparities conditioned by identity, delegate their fabricated authority the meeting of cultural discourses, edition could have been perceived as an equivalent different parties played born and Palermo base collective Claire
nationality, race, sexuality, liberty, to “foreigners” over the writing accumulation of creative operations on an equalitarian multiplicity Fontaine. As described by Pedrosa,
rather than keeping with the rigidity
wealth, believes, etc. (La Biennale di of a new canon for a global art of levels. That seem to be what Claire Fontaine’s “work consists of
of national borders and divisions; and recognising the limitations of the
Venezia, 2024) Narratives developed history? The reason for my question neon sculptures in different colours
ten years before, in 2003, the Spanish common relationships distributed ‘Foreigners Everywhere’ is all about.
by those four subjects are the focus is in that living in a democratic that render in a growing number of
artist, Santiago Sierra, covered the in and by the Global North. Milk A carefully choreographed sequence
of the 60th La Biennial di Venezia – paradigm, diverse cultures of word ‘Spain’ in the Spanish pavilion, of Dreams examined the underlying of curatorial propositions, lead by languages the expression ‘Foreigners
International Art Exhibition. democracy are played on a multitude had security guards blocking the assumptions – with Euro-American Adriano Pedrosa, that gives the finger Everywhere’.” (La Biennale di Venezia,
Several editions have passed since of levels and take a multiplicity of building’ entrance, only allowing allegiances – that might have appeared to the prevalent one-sided canonical 2024) – Claire Fontaine’s series of
my first visit to the Biennale Arte. different relational forms. If the those with a Spanish passport to to be logical arguments related with view of art history, as we all fall neon sculptures is exhibited both at
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 12 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 13

Photo 2 - View of main entrance to the


Corderie in the Arsenale with Claire
Photo 1 - View of the Central Pavilion Fontaine, Stranieri Ovunque (Foreigners
main facade with mural by MAHKU Everywhere), 2004-24 (upper right) and
Collective (Movimento dos Artistas Yinka Shonibare, Refugee Astronaut VIII,
Huni Kuin), 2024, ‘Stranieri Ovunque’ – 2024 (front left), ‘Stranieri Ovunque’ –
‘Foreigners Everywhere’. ‘Foreigners Everywhere’.
Photo © 2024 Rui Goncalves Cepeda Photo © 2024 Rui Goncalves Cepeda
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 14 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 15

the entrance of the Central Pavilion this year receivers of the Golden and discourse. The 60th International focused on the relationship between of a written book – the repetition globally, not only against the many
in the Gardini and at the Corderie in Lion for Lifetime Achievement, Nil Art Exhibition is, instead, focused artistic practices and political of the letter “o” – that do not Asian communities spread across the
the Arsenale (Photo 2) and as a large- Yalter (b. 1938 Egypt), combines two on the ‘estranho’; the Queer artist, action. Disobedience Archive communicate a message. globe, but against the ‘foreign’
scale installation at the Arsenale’s installations in the Central Pavilion who has moved within different encompasses hundreds of video and At another room of the main the ‘estranho’ as well. Through
Gaggiandre. Pedrosa is opening, first room that set the scene for sexualities and genders, often being film images made by thirty nine exhibition, Louis Fratino (b. 1993, a combination of independent or
in this form, new discourses and Pedrosa curatorial proposition, persecuted or outlawed; the outside artists and collectives, between United States), presents paintings collective choreographed movements
alternative conversation. Emerging while addressing the themes related artist, who is located at the margins 1975 and 2023. This artwork functions of male bodies in domestic spaces was he critically images an alternate
from different geographies, such with women’s sexual liberation, the of the art world, much like the as an atlas for art (diaspora) a way to explore how LGBTQ+ people relation to the conditions of being
as Latin America, Africa, and Asia, Orientalist objectification of Middle self taught artist, the folk artist, activism; as an ‘user’s guide’ to socialised as an ‘outsider’ (Photo foreign, by suggesting that an
the untranslatable interpretation of Eastern women, and people experiences and the ‘artista popular’; and the social (gender) disobedience. 4). His paintings capture moments individual’ fall can be supported and
certain images into other cultural through migratory movements. While indigenous and native artists, who Most of the other rooms remarkably of intimacy and tenderness within shielded by collective action.
ideals could be regarded as going in Exile is a hard job (1977-2024) are frequently treated as foreigner and thoroughly punctuate Predrosa’ everyday queer life, while juxtaposing It is worth remembering that, with
through a process of cannibalism1; her installation testifies to the in their own land. curatorial proposition with dispare tensions and contrasting emotional very few exception, like the work
of being reterritorialised when the challenges of migrant individuals, At continuation, those two room narratives about the foreign. Take images of traditional family values of Yinka Shonibare (b. 1962 United
Euro-American structure of political Topak Ev (1973) raises awareness to are the beginning of a journey that for instance the room where Kang with visceral homoerotic imagery.
Kingdom), Teresa Margolles (b.1963
imposition is. gender roles and societal norms will take us through three main Seung Lee (b. 1978, Korea) extensive Whereas, an archival-based conceptual
Mexico), Kiluanji Kia Henda (b.
In the Gardini, a monumental confining women to domestic spaces. historical propositions – Nucleo anthropological research, about installation The Museum of the Old
Alongside, at the Arsenal, the Mäori 1979 Angola), or Bouchra Khalili (b.
colourful painting experienced as Storico / Ritratti (Portraits), Nucleo the often overshadowed histories Colony (2024), by Pablo Delano (b. 1954
Mataaho Collective, from New Zealand, 1975 Morocco), for the more than 300
an embodiment of the spirit of Storico / Astrazioni (Abstractions), by the hegemonic art history, is Puerto Rico), examines the Caribbean
welcome us with a multisensorial artists featured in this edition’
the Amazonian forest greets the and Nucleo Storico / Italiani Ovunque pared to Romany Eveleign (b. 1934 island five hundred years of colonial
large-scale installation resembling main exhibition this was the first
public visiting the central building. (Italians Everywhere) – and one Nucleo United Kingdom, d. 2020 Italy) rich rule by highlighting, in particularly,
a finely woven mat that embodies time their work was presented at the
The MAHKU collective (Movimento Contemporaneo (Contemporaneous). monochromatic abstract paintings Delano culturally assess of the
interconnectedness. Takapau (2022) Biennale Arte.
dos Artistas Huni Kuin) painted Nucleo Contemporaneo gathers works and drawings drawn from the her capitalist expropriation and racial
the story of kapewë (the alligator addresses the manifestation of women’s that are informed by the more than act of writing (Photo 3). While hierarchy of his homeland – Puerto Paradoxically, within the context of
bridge), which describes the passage empowerment through the realities of 300 artists about their own lives, Seung Lee creates environments that Rico – since US (un)incorporation. The the art world the word ‘foreigner’ can
between the Asian and the American indigenous communities. experiences, reflections, narratives allow the visitor to reconfigure most thought provoking work, though, have different interpretations. the
continents, on the neo-colonial white It seems that both introductory and histories. In here, for instances, queer narratives in a transnational will be Isaac Chong Wai (b. 1999 obvious reading is that ‘Foreigners
facade of the Central Pavilion (Photo rooms lead us to realise that this year the multiphase archive Disobedience and transhistorical way, Eveleign’ China) Falling Reversely (2021-2024) Everywhere’ is not about the ‘other’,
1). Beyond one other of Fontaine’s Biennale Arte is not a celebration of Archive, developed by curator and art painting and drawings drawn from her (Photo 5). Chong Wai performance deals or the representations of the ‘other’s’
series of neon sculptures, one of the ‘other’, of the ‘other’s narrative theorist Marco Scotini since 2005, is visual vocabulary to produce pages with acts of violence perpetuated narratives. It can be about what
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 16 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 17

Photo 3 installation view of


the room at the Central Pavilion
(Gardini) with Kang Seung Lee
(foreground) and Romany Eveleign Photo 4 Louis Fratino, April (after
(background) works, ‘Stranieri Christopher Wood), 2024, ‘Stranieri
Ovunque’ – ‘Foreigners Everywhere’. Ovunque’ – ‘Foreigners Everywhere’.
Photo © 2024 Rui Goncalves Cepeda Photo © 2024 Rui Goncalves Cepeda
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 18 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 19

exists outside societies’ established closed every time I went to visit ideal. Pavilions can be perceived
norms and rules through written and it; the Spanish pavilion is what it as being comparable measures that
unwritten laws, as Agamben’s state of says it is, a ‘Pinacoteca Migrante’; can be used as thinking structures
exception (following Carl Schmitt), Mexico’s pavilion is a combination and in where ideas can flourish.
or a Helguera’s space of ambiguity, of Le Déjeuner sur l’Herbe, but with Particularly, in relation to the rest
meaning, the (contemporary) art world; a prudence that don’t exist in the of the world we need to consider
a second reading, thus, can be taken original version, mixed with a little that that relationship in the past
from within the contemporary art of Maarten Bass’ furniture design and centuries has been one of imperialism
world, towards those characterised Rachel Kneebone’s ceramics; while, the and colonialism of the Global North
as being popular and indigenous British participation ‘Listening All
over the Global South.
artists who, usually, are placed at Night To The Rain’, is as exciting as
the margins of this same art world; a a PhD thesis. La Biennial di Venezia For the artistic director of the
third reading can reflect upon those – International Art Exhibition is, 60th edition of Biennale Arte, the
who have a more popular or folkloric foremost, a XIX century output of the primary focus is the artistic dialogue
vocation; another reading can be left idea associated with the expression that has been and is been articulated
to, essentially, what is too strange, of national representation within the by those who have moved or have
as belonging to something or imperialism and colonialism project. been moving across the Global South
somewhere else that is not possible to National identities are grouped and the Global North. Regardless of
characterise, the defined. This idea into complex frameworks, each based what some ideological groups tend to
of characterisation, of definition on internal standardisation and on vindicate, historically we are all
lead me to the national pavilions. a common culture reflecting a sort migrants living in foreign lands.
With very few exceptions, the of imaginary unity. The reduction to
national pavilions remain as an the XVIII century idea of a common
entertaining distraction to the main unity is combined with the modernist
conversation. Whenever I go to visit ideal of a universal, rational
Photo 5 Performance view of Isaac La Biennial di Venezia for personal consensus where nations compete
Chong Wai, Failing Reversely, and historical reasons. I find myself amongst themselves to define the
2021-24, ‘Stranieri Ovunque’ – wanting to look at the Angola’s pavilion, hegemonic canon to which to follow.
‘Foreigners Everywhere’. which on this edition was nowhere to Pavilions are physical structures
Photo © 2024 Rui Goncalves Cepeda. be seen; Portugal’s Greenhouse was that metaphorically express that
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 20 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 21

notas References Bibliography Rui CEPEDAhas been working as an art


1 In 1928, the Brazilian modernist, La Biennale di Venezia (2013) Sholette, Gregory (2011) ‘Dark critic, curator and researcher and
Oswald de Andrade, called to the ‘The Encyclopaedic Palace: 55th Matter: Art and Politics in the Age art producer/manager for more than
critical, selective, and metabolising International Art Exhibition: La of Enterprise Culture. London: Pluto two decades. His expertise crosses
appropriation of Euro-American Biennale di Venezia’. Venezia: Marsilio Press. the fields occupied by arts and
artistic tendencies, by artist from Editori. cultural management and production,
Helguera, Pablo (2011) ‘Education for
Latin America, of ‘anthropophagy’ the market for and contemporary art
La Biennale di Venezia (2022) ‘Milk Socially Engaged Art: A Materials and
or ‘cannibalism.’ replaced by foreign’ theory (specifically photography),
of Dreams: 59th International Art Techniques Handbook’. New York: Jorge
structures of belief and rituals. In this as well as social criticism and
Exhibition: La Biennale di Venezia. Pinto Books.
case a Deleuzian deterritorialisation participation, and epicure. As an
Venezia: La Biennale di Venezia. Agamben, Giorgio (2005) ‘State of
of the Euro-American’ ideal is then art and cultural entrepreneur, he
La Biennale di Venezia (2024) ‘Foreigner Exception’. London: The University of has found the cross-cultures festival
followed by a reterritorialisation in
Everywhere: 55th International Art Chicago Press. Trienal, a festival that brings
to the foreign own system of belief
Exhibition: La Biennale di Venezia. Deleuze, Gilles and Guattari, Felix ( together all of those interests,
and ritual, which can go beyond the
Venezia: La Biennale di Venezia. ‘A Thousand Plateaus: Capitalism and and, from 2013 to 2017 he has led
pre imperialist and pre-colonialist
era. Schizophrenia. a programme of online exhibitions.
As an art critic and curator he has
written about and curated works by
Per Barclay, Wang Ningde, Rosângela
Rennó, Jane & Louise Wilson, Kimono
Yoshida, etc. and has collaborated in
the commission and organisation of
exhibitions by Robert Frank, Hermann
Pitz, amongst others. Rui’ pertinent,
singular, and analytical writings
about art have been published both
nationally and internationally in
art magazines and newspapers, and
he has contributed to books on art,
participation, and democracy.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 22 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 23

A view of the Arsenale, Venice's historic


shipyard, during opening week of the 2024
Venice Biennale. It is part of the main
exhibition, “Foreigners Everywhere”, curadet
by Adriano Pedrosa. Casey Kelbaugh for The
New York Times.

Un artículo de The New York Times incluye


esta imagen de las obras de Julia Isídrez
y Juana Marta Rodas en el Arsenale © Ding
Musa. Cortesía Gomide&Co

Resumen: En el enorme flujo de


información que generó la 60ª edición
de la Bienal de Venecia, inaugurada Abstract: In the vast flow of information
en abril pasado, el contraste de generated by the 60th edition of the
apreciaciones ha sido radical. Mientras Venice Biennale, opened last April,
algunos artículos celebraron la the contrast of opinions has been
irrupción del Sur Global en el Arsenale stark. While some articles celebrated
y los Giardini, otros –verdaderamente the emergence of the Global South
demoledores– dieron cuenta de la at the Arsenale and the Giardini,
Internacional perturbación y la incomodidad que la others—truly devastating—reported on
propuesta de Adriano Pedrosa –primer the disturbance and discomfort that

Julia Isídrez y el Sur latinoamericano que cura La Biennale


en más de un siglo de existencia– ha
Adriano Pedrosa’s proposal —the first
Latin American to curate La Biennale

Global en la 60ª Bienal


despertado en el sistema occidental in over a century—has sparked in the
del arte. Western art system.

de Venecia Palabras-clave: Bienal de Venecia,


Adriano Pedrosa, Sur Global, Julia
Keywords: Venice Biennale, Adriano
Pedrosa, Global South, Julia Isídrez,
Adriana Almada - AICA /Paraguay Isídrez, Paraguay. Paraguay.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 24 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 25

Llegar a Venecia no es fácil, en La expresión Extranjeros por todas pertenecen al acervo del CAV/Museo
sentido literal y figurado. El mayor partes tiene varios significados. del Barro, de Asunción. Ambas, madre
acontecimiento artístico del mundo “En primer lugar, a donde quiera que e hija, han suscitado interés en el
–al que solo Documenta disputa vayas y estés, siempre encontrarás circuito internacional del arte desde
protagonismo– ha sido concebido extranjeros —ellos/nosotros estamos hace tiempo. Cabe recordar que en
esta vez como una “celebración de la por todas partes. En segundo lugar, 2012 obras de una y otra estuvieron
diferencia” que, por cierto, no logra sin importar donde te encuentres, presentes en Documenta 13, en la
escapar al riesgo de exotización siempre eres verdaderamente, y en Rotunda del Museo Fridericianum
que sobrevuela rasante esta edición el fondo, un extranjero”, dice el de Kassel, en feliz vecindad con
en la que 331 artistas de todos curador en su statement. esculturas de Brancusi. Y que varios
los rincones del planeta han sido años antes habían recibido el Premio
En este maremágnum de diversidad,
reunidos bajo el título Stranieri Prince Claus de Holanda. Asimismo,
las obras de dos ceramistas populares
Ovunque (Foreigners Everywhere, hay que señalar que Aracy Amaral curó
paraguayas se muestran en un lugar
Extranjeros por todas partes), con 87 exposiciones de Isídrez en Santiago
privilegiado, el Arsenale di Venezia,
pabellones nacionales y una cantidad de Chile y São Paulo, en colaboración
de muestras y eventos paralelos. como parte de la exposición principal
con Osvaldo Salerno.
curada por Pedrosa. Casi al comienzo
Se trata de una construcción Es conocida la imagen de Julia
del recorrido, en el centro de uno
curatorial compleja y abarcadora que niña, en el campo, acompañando a su
de los grandes recintos, las piezas
puede ser vista como una “colección de madre muy temprano en el invierno
de Julia Isídrez y su madre, Juana
marginalidades”, una suma infinita de hasta el sitio de donde Juana
Marta Rodas, comparten espacio con
historias de exclusión y diáspora, de Marta extraía el barro para sus
obras de diversas latitudes. Esta
resistencia y obstinación. Una exposición trabajos. Con el tiempo, sus piezas
es la primera vez que artistas
transcultural, transdisciplinaria, fueron cobrando formas mitológicas,
procedentes del Paraguay son parte
transexual y abierta, que juega caprichosas, ficcionales, a medida
de la main exhibition por invitación
al anacronismo no solo en sus dos que se alejaban de cualquier función
directa del curador.
núcleos históricos y cuya ambición utilitaria. El imaginario de Julia,
reivindicativa del inmigrante, del A diferencia de los grandes Obras de Julia Isídrez y
como el de su madre, se orientaba
Juana Marta Rodas en el
extranjero, del queer y del indígena volúmenes de Julia (algunos rondan inexorable al territorio del arte y
Arsenale de la Biennale di
llega a homologar situaciones, los 150 cm de altura), las piezas de esta navegación paciente y a veces Venezia, abril 2024.
prácticas y contextos diversos. Juana Marta Rodas son pequeñas y fatigante llega hoy a un puerto Foto: Adriana Almada
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 26 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 27

codiciado con importantes escalas


cumplidas en el trayecto. En este
momento Julia, a quien representa
la galería paulista Gomide&Co,
expone en Kasmin Gallery en Nueva
York y lo hará pronto en Londres,
participará en una próxima bienal
y está construyendo una escuela en
su pueblo, Itá, donde dará clases y
organizará residencias artísticas.
En esta última Bienal de Venecia,
cientos de artistas como Julia,
desconocidos en el circuito global del
arte e incluso en sus propias escenas
locales, son mayoría. La larga lista de
participantes incluye tanto individuos
como colectivos, muchos de los cuales
jamás se asumieron como artistas.
Obras frescas y realizaciones ad
hoc conviven con piezas de artistas
desaparecidos o artefactos anónimos.
Los vivos se mezclan con los muertos,
Obras de Julia a razón de 100 contemporáneos frente
Isídrez y Juana
a 200 históricos, algo que nunca había
Marta Rodas
en el Arsenale
sucedido. La curaduría se planteó
Obras de Julia Isídrez y de la Biennale revelar un “otro” modernismo, el
Juana Marta Rodas en el di Venezia, desarrollado en y desde el Sur.
Arsenale de la Biennale di abril 2024.
Venezia, abril 2024. Foto: Adriana Nadie duda de que esta edición
Foto: Adriana Almada Almada marca un punto de inflexión en la
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 28 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 29

centenaria bienal, tanto por la y hasta desprolijos, el pasado y el En una Italia sacudida por el
muestra principal desplegada en futuro en la misma mesa, poniendo nacionalismo y la xenofobia, llenar de
Giardini y Arsenale, como por las colores furiosos al dolor, tejiendo “extranjeros” y outsiders la Bienal
propuestas nacionales, muchas de gran vínculos como hilos en un tapiz, de Venecia suena hasta temerario.
calidad y poesía, como las de los desoyendo cánones y descubriéndonos Pedrosa se animó. Es en este contexto
pabellones de Nigeria, España y Reino unos a otros. Esta bienal lleva la que la obra de Julia Isídrez puede ser
Unido. Cabe señalar el gesto político marca del exceso. Y no es para menos. vista como lo que es: una conexión
del gobierno del Brasil al denominar Más de los dos tercios del mundo directa con la vida. Así nacieron sus
su sitio en la bienal como “Pabellón están en Venecia, exponiendo sus gusanos de la mandioca y del coco,
Tupinambá” y presentar una propuesta conflictos, historias y ficciones, o sus ciempiés, sus osos hormigueros,
con curaduría y artistas indígenas. reflexionando sobre sus orígenes. sus lobisones y las tantas oquedades
La cita más glamorosa y seductora Por eso, a veces, no solo cuesta que acogen una memoria corporal y
de la escena global del arte, la entender la narrativa, sino también sensible de mujeres de pueblo. Una
que dispara carreras y cotizaciones, visualizar el amplio horizonte que sabiduría de siglos transmitida de
se ha visto invadida, contaminada, esta edición desbordante plantea. Un generación en generación.
excedida. La vocación decolonial del desborde discursivo que se anuncia Para terminar, las preguntas más
curador –perceptible en impecables desde el principio en la icónica frecuentes oídas en los días de Adriana Almada
propuestas anteriores suyas– sube a fachada del pabellón principal de los apertura: ¿No es esta, acaso, una Crítica de arte, escritora, editora
bordo a los desplazados del mundo en Giardini –que exhibe con orgullo el bienal pensada para espectadores del y curadora. Fue vicepresidenta de la
una travesía épica que se arriesga al logo de La Biennale– completamente centro? ¿No se parece a un gabinete Asociación Internacional de Críticos
naufragio y podría llegar a evocar Le intervenida por el colectivo de curiosidades o una feria de de Arte (AICA Internacional), y
radeau de la Méduse. indígena brasileño MAHKU (Movimento rarezas? Más allá de las críticas, presidenta del capítulo paraguayo
Sin embargo, y frente a las adustas dos artistas Huni Kuin). Un gesto creo que el canon bienalístico ha (AICA Paraguay). Es directora artística
miradas nor-atlánticas, aquí está el político que pudo ser ingenuamente sido desestabilizado y eso irrita. de la Colección Mendonca de Arte
Global South –expresión que más que interpretado como festivo, folklórico Por un momento, esta bienal da vuelta Contemporáneo (Paraguay), curadora
coordenadas geográficas señala una o complaciente, cuando en realidad el mapa, como lo hizo Torres García. general de Pinta Sud Asu –programa
posición política– en esta oportunidad se trata de vida-tragedia humana Quizás lo más productivo sea leerla de Global Pinta Art– y editora de
que quizás nunca más se repita. Sí, narrada en los códigos visuales como un gran libro del mundo, con artes visuales del diario El Nacional,
estamos aquí todos juntos, mezclados propios de una cultura. espíritu abierto y sin prejuicios. Asunción, Paraguay.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 30 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 31

Ziel Karapotó (1994) artista


indígena alagoano baseado em
Recife. Cardume II, instalação
(foto de Eduardo Freitas).

Resumo: Este artigo aborda a primeira Abstract: This article covers the
recepção crítica da curadoria de first critical reception of Adriano
Adriano Pedrosa para a 60ª Bienal de Pedrosa’s curatorship for the 60th
Veneza (2024), com foco em resenhas Venice Biennale (2024), focusing on
especializadas dos jornais New York specialized reviews from the New
Times (EUA) e El Pais (Espanha) e da York Times (USA) and El Pais (Spain)
Internacional revista The Spectator (Inglaterra). ) newspapers and The Spectator magazine
publicado na semana de abertura da já (England). ) published in the opening

ADRIANO PEDROSA E O centenária Bienal. Pelo meio, discute-


se a perspectiva decolonial ou pós-
week of the more than century-old
Biennale. In between, the decolonial

ENREDO VENEZIANO DA
colonial que este crítico percebe na or post-colonial perspective that
proposta curatorial de Pedrosa. this critic perceives in Pedrosa’s
curatorial proposal is discussed.
ARTE CONTEMPORâNEA Palavras-chave:
Adriano
Bienal de Veneza;
Pedrosa; Decolonial; Pós- Keywords: Venice Biennale; Adriano
Afonso Medeiros - ABCA/PARÄ Colonial. Pedrosa; Decolonial; Post-Colonial.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 32 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 33

Em fevereiro do ano passado, num latino-americano a exercer uma das dizendo, de produzirem menos fatos
encontro de cursos de pós que discutia curadorias mais cobiçadas do star estéticos do que fatos políticos
os efeitos de um projeto sobre arte system, acrescentou-se: “Ele não – crítica repetida, inclusive,
não europeia desenvolvido no ano tem medo de fazer uma declaração pelos connaisseurs brasileiros que
anterior em quatro pós-graduações forte sobre arte contemporânea” respiram melhor os ares do Sena do
brasileiras e uma estadunidense, – Zachary Small assina a matéria, que os do Tietê.
ouvimos o representante da Getty publicada em 10 de abril. A matéria segue – a meu ver –
Foundation (que financiou parte desse Nestes tempos de disputas acirradas um percurso jornalístico correto
projeto) declarar que eles estavam entre influencers, editores precisam esclarecendo a visão de Pedrosa
muito interessados em subsidiar de títulos retumbantes e o NYT não sobre o mote (“Estrangeiros em todo
o chamado “diálogo do sul global”, nega a regra. Mas, “salvar” a mais lugar”) da Biennale e sua subjacente
particularmente entre América Latina antiga bienal do planeta? Do que, afronta diante da guinada extremo-
e África. Imediatamente pensei nos exatamente? A matéria não esclarece, direitista de governos europeus
balangandãs de Carmen Miranda e na mas é sintomático que não se rascunhe (cita-se Itália e Hungria, com suas
antropologia de Ruth Benedict em O quaisquer causas que expliquem o pautas anti-imigrantes), além de
Crisântemo e a Espada – e não me fato de Adriano Pedrosa ser apenas o fazer alguns questionamentos sobre
perguntem os porquês. primeiro latino-americano nessa função as escolhas de Pedrosa (mais de
Por estes dias, interessado “galáctica” desde 1885. De imediato, 50% dos artistas sob sua curadoria
na repercussão internacional da fica parecendo que o “bonito grisalho” estão mortos, o que foi denominado
curadoria de Adriano Pedrosa para a brasileiro (o termo é do jornalista) como “inflexão sombria”) e de
60ª Bienal de Veneza, e depois de ter foi chamado para administrar afirmar que, dentre os 331 artistas
sido aggiornado quase diariamente por uma UTI, embora saibamos que a expostos2, “a maioria dos quais
meus orientandos Eduardo Freitas e ansiedade (com)padecida da crítica não será familiar até mesmo para
Waldírio Castro1 (que lá estiveram, internacional esteja sendo jogada os esnobes experts da arte” –
convidados pela Fundação Bienal de nas costas de bienais e similares, ainda não decidi se isso soa como
São Paulo), me deparo com a manchete já que algumas das últimas edições uma alfinetada na ignorância dos
do NY Times: “Poderá Adriano tanto de Veneza quanto de Dakar e de esnobes, ou uma afetação (em estilo
La Chola Poblete (1989), artista
Pedrosa salvar a Bienal de Veneza?”. São Paulo têm sido “acusadas” pela new yorkais) sobre a tendência “sul de Mendoza, vive em Buenos Aires.
No subtítulo, depois de esclarecer crítica especializada de “patinarem” global” da mostra. Fato é que os Martírio de Chola, fotografia, 2014
que se trata do primeiro curador ou “andarem em círculos” ou, melhor artistas escolhidos para ilustrar (foto de Eduardo Freitas).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 34 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 35

a matéria (Yinka Shonibare, Erica (turca que nasceu no Egito e migrou Se eu acreditasse nas minhas
Rutheford, Louis Fratino, Grace para França, também nos anos 1960). intuições de cartomante, talvez
Salome Kwami, Gerard Sekoto e Eduardo Nestas duas leoas que jamais tinham tivesse amealhado alguns euros “pra
Terrazas) estão todos nos radares sido escaladas para uma temporada cantar samba de breque numa biennale
de galeristas e colecionadores de em Veneza, uma síntese histórica e de lá”. Num tom tão previsível até
alto coturno. Onde estão os membros estética soberba do mote conceitual mesmo para o mais desavisado dos
daquela “maioria não familiar aos da Biennale e da própria arte críticos, o New York Times voltou à
esnobes”? Como sabemos, jornalão contemporânea – conclui com meus baila – digo, à Biennale – quatorze
nenhum prega prego sem estopa. botões o quanto deve ser difícil aos dias depois do intróito de Zachary
Resumindo a gestão artística de sobrinhos do Tio Sam a percepção Small, desta vez sob a batuta de
um carioca no MASP – “Histórias das sutilezas latinas! Embora sem Jason Farago e com o título (também
Afro-Atlânticas” (2018) foi citada vestir Prada, Pedrosa fulminou os tonitruante) de: “A Bienal de Veneza
–, Zachary afirma que essas mostras críticos que acham que o recurso e a arte de voltar atrás – toda
“uniram obras de arte de todos os ao passado é uma forma de obliterar instituição artística fala agora de
tempos e espaços, derrubando as o presente da arte: “Muitos dos progresso, justiça, transformação;
narrativas dominantes da cultura artistas estão mortos, mas a arte E se todas essas palavras esconderem
ocidental” (grifo meu). Malgrado está muito viva”. um objetivo mais antiquado?”.
esses laivos de lucidez de colonizados No mais, Zachary se esforça Diante desta manchete, logo
– que os estadunidenses também são (consultando alguns estrelados do lembrei de certa vibe “anti-
–, não se insiste em descolonização métier) para justificar o pedigree, historicista” de alguns críticos
e muito menos em contenciosos a experiência e a coragem do e historiadores nova-iorquinos do
históricos, apesar das dicas que o nosso curador – imagino que essa moderno-contemporâneo – remember a
próprio “bonitão grisalho” deu em justificativa faça mais sentido para Rosalind Krauss de “A escultura no
suas falas reproduzidas no texto e o público estadunidense (inclusive campo ampliado” (1979) que, em meio
no site oficial da mostra e, menos o especializado), sobejamente mal a insights brilhantes, condena (não
ainda, nas indicações aos dois e porcamente informado sobre o sem certa razão) o “historicismo”
leões de ouro desta bienal: Anna Brasil pós-Carmen Miranda. Mas, dos que vêm pegadas do passado
Maria Maiolino (italiana que migrou enfim, a matéria serviu como um no presente sem perceberem que
Moufouli Bello (1987), artista de Benim, país representado pela primeira vez num pavilhão nacional. Egbè Modjisola para Venezuela e se estabeleceu no correto antepasto para o que as obras dos contemporâneos, mais
(“sistema de suporte de Modjisola”), Instalação com pinturas, escultura em vidro e documentos (foto de Eduardo Freitas). Brasil dos anos 1960) e Nil Yalter haveria (de)vir. do que expressarem a “síndrome
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 36 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 37

Violeta Quispe
(1989), artista
Leo Chiachio & Daniel Giannone, peruana. Apu Suyus
coletivo argentino. (policromia mista
Da série Comechiffones. e pigmento natural
Instalação (bordados à mão sobre MDF), 2024,
com fios de algodão em Jorge M. Pérez
tecidos reaproveitados, Collection, Miami
patchwork e colchas), 2023 (foto de Edudardo
(foto de Eduardo Freitas). Freitas).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 38 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 39

do novo”, estabelecem um corte Farago vai além ao anunciar que Paglia em “Títulos podres e piratas
radical na linearidade narrativa da o verdadeiro problema é reduzir corporativos: o mundo acadêmico
história da arte e, assim, afetam artistas talentosos “a slogans” que na hora do lobo” (1991), que já
as próprias fronteiras do que é ou “caberiam na captura de tela de um expressava o belicismo da crítica
não arte – o alemão Hans Belting curador”, como se ali mesmo, nas estadunidense (indis)posta entre
e o estadunidense Arthur Danto barbas do NYT, o MoMA não tivesse teoréticas modernas alemãs e pós-
aprofundaram essa vereda alguns cometido a mesmíssima “tragédia” modernas francesas. Mas, depois de
anos depois. com os “primitivos” naquela célebre ler e reler o artigo e lembrar que
mostra outono-inverno de 1984 – e uma arte “que não seja um reflexo do
Começando com um tom lamurioso
aqui ainda dou um desconto: quiçá poder político, social ou econômico”
sobre a perda de confiabilidade em
Farago também esteja imbuído do repete o mote romanticamente
“nossas instituições” (o museu, o
“anti-historicismo” curatorial de historicista (e uber burguesa)
mercado, a universidade) e “nossa seus pares de antanho. das narrativas tradicionais – qual
incapacidade” de fazer algo novo – ou
Comentando os protestos políticos seja, a de que a arte “autônoma”
de canalizar os protestos para algo
que toda bienal sempre sofre (seja transcende as vicissitudes sociais
concreto – Farago principia dizendo
de artistas, seja de públicos), o –, intuí que aquele parágrafo
que encontrou nos pavilhões da sintetiza muito bem a intenção da
crítico nova-iorquino chegou num
Bienal “o catecismo mais doutrinário” crítica de Jason Farago: demonstrar
ponto que me intrigou: “o pavilhão
para, logo em seguida, vaticinar que que esta versão da Biennal se resume
de Israel resumiu em miniatura um
a “edição atual é, na melhor das a slogans vazios, desperdiçando
dilema e uma deficiência maiores,
hipóteses, uma oportunidade perdida em Veneza e na cultura de forma a chance de fazer algo novo ou,
e, na pior, algo como uma tragédia” mais ampla: uma incapacidade total espinafrando o estado da arte, (re)
– deixo estar porque, na matéria – mesmo Foucault não foi tão longe! esboçar a potencialidade criativa de
anterior (de Zachary), Max Hollein – de pensar na arte, ou mesmo na determinados artistas que, segundo
(austríaco diretor do MET) já havia vida, como algo que não seja um ele, “professam que o verdadeiro
lacrado: “Sempre nos primeiros dias reflexo do poder político, social valor político da arte reside na
há discussões acaloradas dizendo forma como ela excede a função Omar Mismar (1986), artista libanês.
ou econômico”. Minha pasmaceira
Two unidentified lovers in a mirror
que esta é uma Bienal fracassada, se deu, a princípio, por causa retórica ou o valor financeiro e,
(Dois amantes não identificados
mas você vê o impacto e a abertura do recurso viperino à Foucault, portanto, aponta para a liberdade num espelho), mosaico, 2023
de horizontes depois”. lembrando-me do furor de Camille humana” – o suposto livre arbítrio (foto de Eduardo Freitas).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 40 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 41

estético anda sempre nas bocas, nas tirada esnobe e, na pior delas, Dado que o crítico nova-iorquino
capturas de telas e nos bolsos dos a expressão dos preconceitos foi salpicando um Wole Soyinka aqui
conservadores “descolados”. estruturantes recalcados no e um Achille Mbembe acolá em seu
inconsciente ocidental – aqui, texto, fiquei pensando se ele tem
Concordando no varejo, mas
remember Elisabeth Roudinesco. E consciência do quanto as densidades
discordando no atacado, me pergunto
não custa lembrar que no artigo da obra dessas entidades africanas
se Farago não seria um daqueles
anterior de Zachary, ouve-se a voz se alinham mais com a diatribe de
esnobes ignorantes sobre o “sul
de Pamela Joyner (colecionadora Pedrosa e menos com um exercício
global” que Zachary aludiu em seu
dada como “ativista”, focada na raso do new journalism cara-
texto anterior.
produção afro-americana dos anos pálida – eis um exemplo justo do
Se questionou a presença de 1940): “Alguns programas coletivos
“reducionismo” conceitual-estético
artistas lgbts, indígenas e [dos museus estadunidenses] se
ou de apropriação que o nova-iorquino
aborígenes sob o guarda-chuva de voltam para o menor denominador
tentou impingir no carioca.
“estrangeiros em todo lugar”, é comum e não revelam nada de novo.
sinal de que, justamente, não Ele [Pedrosa] não faz isso. Ele te No fundo, a questão que
conseguiu (ou não quis) ler além da dá muito com o que trabalhar”. interessa talvez seja outra: por
literalidade do termo “estrangeiro”, mais que há muito haja uma crítica
A propósito, Farago ouviu Anna
preferindo refugiar-se no aparente sobre o declínio do prestígio de
Maria Maiolino dizer porque aceitou
(e fajuto) paradoxo entre “artistagem bienais, trienais e documentas,
o Leão de Ouro como artista
estética” e “artistagem ética” no é fato que estas têm sido mais
brasileira e não como artista
campo da arte. que um prêt-à-porter do mundo da
italiana? Ouviu falar da pulsação
Como eu, você, Pedrosa e Farago da arte brasileira referida por arte – papel este, aliás, assumido
bem sabemos, toda curadoria é Maiolino numa matéria para a sem vergonhices pelas feiras
arbitrária e fala tanto do que TV Cultura? Ouviu os artistas internacionais. É justamente
expõe quanto do que não expõe. Mas indígenas proclamarem “nunca mais o acordo tácito sobre a alta
alfinetar uma expografia afirmando sobre nós, sem nós” na penúltima voltagem das bienais que subsidia
(não sem um certo ar de irônica Bienal de São Paulo? Acho que a crítica em cada versão e, não
afetação) que “qualidade moral é não; críticos estadunidenses menos importante, aponta para uma
Lap-See Lam (1990, nasceu e vive em Estocolmo) com Kholod Hawash e Tze Yeung Ho. The Altersea Opera, igual a importância artística” não costumam usar o google para disputa sobre pedigrees crítico-
detalhe da instalação com o figurino da performance operística (foto de Eduardo Freitas). é, na melhor das hipóteses, uma superarem seus monoglotismos. curatoriais nesse circuito.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 42 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 43

Pablo Delano (1954),


artista porto-riquenho
baseado nos Estados Unidos. Bárbara Sánchez-Kane (1987),
The Museum of the Old Colony artista mexicana. Prêt-à-Patria
(O Museu da Antiga Colônia; detalhe). (Pronto para a Pátria; fibra de vidro,
Instalação, 2024 resina, estrutura em aço e poliéster), 2021
(foto de Eduardo Freitas). (foto de Eduardo Freitas).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 44 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 45

Um exemplo? O curador e crítico europeus, cito Javier Montes (no El A exotização de indígenas e forjar a língua universal da arte ao É fato que a fricção histórica, Se artistas, curadores e
“da arte social e politicamente Pais): “Alí, Adriano Pedrosa propõe estrangeiros – um risco nem sempre redor de um sem-fim de apropriações política e estética da tarda críticos queers, outsiders, blacks,
engajada” (assim é apresentado em renovar a já muito desgastada calculado nessas mostras do circuitão nostálgicas e de uma heróica visão modernidade já assoprou mais que 60 pachamamas e orientais de todo o
vários sites listados pelo google), teoria pós-colonial, apontando para –, também esteve no radar de Farago, pastoril do sul global” (grifo meu). velinhas, mas, independentemente mundo se reconhecem no scarpin do
o britânico Pierre d’Alancaisez uma descentralização ainda mais mas Ángela Molina (para El País) vai Traduzindo, ficaria mais ou menos de qualquer tonalidade over que carioca, isso já é tacacá para
assim vociferou numa matéria radical da arte e da vida: procurar mais longe: “Um sul global heróico, assim: Como? Um latino-americano (re) Pedrosa possa ter vocalizado nesse uma outra prosa. Mas resta saber
para The Spectator: “A abdicação a dissidência (e a esperança, pastoril e populista”. Seguindo o definindo a “língua universal” da arte mundo de excessos (qual bienal foi se a decolonização pretendida se
de critérios estéticos em favor que falta) em vozes e pontos de tom irônico do nova-iorquino, do e, ademais, arrogando-se o direito de minimalista?), a globalização ainda dá por absorção, cooptação ou
de um princípio organizador vista para além do eurocentrismo, londrino e do madrilenho, Molina esboçar narrativas globais? não produziu cicatrizes, muito emancipação (ou numa assemblagem
‘decolonial’ é uma justificativa do brancocentrismo e da simples tenta exercitar uma tonalidade mais menos na crítica de arte que, dessas três estratégias).
Pelo lido, o trauma da perda do
totalmente inadequada para oposição norte rico-sul global ou forte – tenora, por assim dizer –, por outro lado, não percebe que E, antes que me esqueça, Adriano
controle do mercado de arte para
apresentar a arte contemporânea”, colônia-metrópole” – o subtítulo sem perder a chance de dar seu “dó todos (historiadores, críticos, Pedrosa não vai salvar nem esta
os estadunidenses e sua subliminar
não sem antes sapecar: “A última do opúsculo de Montes é revelador: de peito”: lembrando que a indústria curadores) trabalhamos com enredos nem qualquer outra Bienal e muito
espetacularização hollywoodiana (que
Bienal de Veneza está ideológica e “Frente a un indigenismo que pasa cultural americana roubou o trono – e enredos pressupõem delírios, menos apontar uma “saída” para a
as bienais tão bem sintomatizam)
esteticamente falida”. D’Alancaisez de lo frívolo a lo forzado en la de Paris enfiando o “gosto” pelo ainda que camuflados. A diferença “deficiência geral da cultura”.
ainda é uma espinha de pirarucu num
é phd e, enquanto tal, continua mayoría de pabellones nacionales, expressionismo abstrato goela abaixo é que, além de bakhtinianamente O “bonitão grisalho”, ao expor
do mercado internacional, trombeteia peito colonizante.
advogando a metafísica do “critério la apuesta de España propone un carnavalizarmos nossos delírios, outra visão sobre a narrativa
estético” sobre quaisquer questões horizonte más noble” (o grifo é que “agora Veneza traça seu plano Não à toa, o “novo plano Marshall” nosso vira-latas (já trabalhado colonizante da história da arte
“ideológicas” – só se esqueceu de meu) – o pavilhão espanhol expõe Marshall para tornar visíveis as ou a “teoria da conspiração” que a em seus complexos) se arvorou a e seus reflexos indeléveis no
dizer qual “critério estético” é a artista peruana Sandra Gamarra, artes, artesanias e outras práticas crítica catalã detecta na proposta calçar um Louboutin sob medida contemporâneo, simplesmente fincou
válido para a arte contemporânea, que há 30 anos migrou para Madrid. históricas e contemporâneas dos curatorial de Pedrosa, se configura para penetrar na sacrossanta uma estaca inédita no coração da
dado que em outro de seus textos se Pelo menos, Montes viu na proposta artistas do hemisfério sul – como ato falho. Ao falarem de organização do tratado do atlântico haute couture artística, isto é,
pergunta porque o conceito de beleza de Pedrosa um “além do momento ignorância geopolítica, teoria da apropriação, estratégia populista norte. Em tempo: o recurso tanto cometeu a afronta magistral de
é rejeitado pelo mundo da arte. pachamama” (título da matéria), conspiração ou puro ressentimento? e universalidade da arte, nossos a Bakhtin quanto à OTAN se deve ao relativizar a “artistagem estética”
Para que percebam como o mas, no geral, é isso: britânicos e Entretanto, o bolo de sua cereja colegas europeus deveriam, na fato de que Jason Farago concluiu do circuito euro-estadunidense da
decolonial e o pós-colonial no ibéricos, em pleno usufruto de seus tem, ainda, um outro (amargo) melhor das hipóteses, deitar-se no sua matéria citando uma frase de arte galáctica moderna-pós-moderna,
tão badalado “diálogo (que nem passados imperiais transatlânticos, fermento: “Bem-vindos à Bienal de divã antes de abrirem aquele baú Putin sobre o anticolonialismo – há muito arfante de tanta exaustão –
diálogo é) sul-sul” é uma espinha sabem como tratar a colonialidade Veneza, com seu comissário estrela, de narrativas estéticas “heróicas” impossível não conectar esse grand eis porque a Getty e outras maisons
de tucunaré atravessada na garganta do saber estético num “horizonte Adriano Pedrosa [...], quem acaba de forjadas no bojo de uma colonização finale de sua matéria com o “novo se fazem interesseiras no “diálogo
de vários críticos e historiadores mais nobre”... se arrogar a condição originária de que perdura, agora como soft power. plano Marshall” de Ángela Molina. sul-sul global”.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 46 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 47

notas REFERÊNCIAS
1 Eduardo Freitas e Waldírio Castro, FARAGO, Jason. “The Venice Biennale
ambos doutorandos do PPGArtes/ and the art of turning backward”.
UFPA, são artistas de performance New York Times, April 24, 2024.
e curadores baseados em Fortaleza. Disponível em: [https://www.nytimes.
Enquanto praticam um segundo com/2024/04/24/arts/design/venice-
intercâmbio na Espanha, Eduardo cumpre biennale-review-art-israel.html].
estágio sanduíche na Universidade de SMALL, Zachary. “Can Adriano Pedrosa AFONSO MEDEIROS pela PUC-SP – com estágio na Japanese-
Zaragoza. save the Venice Biennale? No pressure”. Language Institute de Kansai (2000)
Crítico, professor titular e historiador
2 Em 2022, sob curadoria da italiana New York Times, April 10, 2024. e tese sobre o acervo de gravuras
da arte da FAV e do PPGARTES da UFPA,
Cecilia Alemani, foram 213 artistas. Disponível em: [https://www.nytimes. ukiyoe do Instituto Moreira Salles.
além de pesquisador do CNPq. Na UFPA
com/2024/04/10/arts/design/adriano- Foi Postdoctoral Visiting Scholar na
exerceu cargos diretivos no Núcleo
pedrosa-venice-biennale.html]. University of Kassel (2003) e fez
de Artes, no Instituto de Ciências da
D’Alancaisez, Pierre. “The latest Arte e no Programa de Pós-Graduação estágio pós-doutoral no PPGDTSA da
Venice Biennale is ideologically em Artes. Autor de O imaginário do UNIFESSPA (Marabá). Foi Vice-Presidente
and aesthetically bankrupt”. The corpo entre o erótico e o obsceno e Diretor de Relações Institucionais
Spectator, 27 april 2024. Disponível (2008) e A arte em seu labirinto da Federação de Arte-Educadores
em: [https://www.spectator.co.uk/ (2013), foi coorganizador de Corpos do Brasil (FAEB) e Presidente da
article/the-latest-venice-biennale- em divergência (2022) e Fronteiras e Associação Nacional de Pesquisadores
is-ideologically-and-aesthetically- alteridade: olhares sobre as artes na
em Artes Plásticas (ANPAP). Desenvolve
bankrupt/] contemporaneidade (2014). Graduado
desde 2022 o projeto de pesquisa
MOLINA, Ángela. “Un sur global em Educação Artística/Artes Plásticas
Iconografias das (in)diferenças:
heroico, pastoral y populista”. El (UFPA), é especialista em Belas
contradições da historiografia da arte
Pais, 20/04/2024, Caderno Babelia, pp. Artes/História da Arte pela Shizuoka
University (Japão); mestre em Ciências na (re)configuração da modernidade,
16-17.
da Educação/Arte-Educação também investigando as dialéticas entre
MONTES, Javier. “Más allá del ‘momento
pela Shizuoka University (Japão) e identidades e representatividades
Pachamama’”. El Pais, 20/04/2024,
doutor em Comunicação e Semiótica/ locais/globais nos fluxos e refluxos
Caderno Babelia, p. 17.
Intersemiose na Literatura e nas Artes entre o moderno e o contemporâneo.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 48 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 49

Vista da mostra Liquid Gender


(Sainsbury Centre,2024).
Foto. Kate Wolstenholme_9, 1996

Resumo: A importância da discussão Abstract: The growing importance of


discussions about intersectionality
Internacional sobre a interseccionalidade na
in contemporary art and the
arte contemporânea e no movimento
decolonial movement reflects the
Originários brasileiros
decolonial é crescente, refletindo
a necessidade de visibilidade e need for visibility and political
transformação política por meio das transformation through artistic

em terras britânicas: práticas artísticas em suas diversas


perspectivas. Na entrevista com os
practices from diverse perspectives.
In the interview with Indigenous

uma conversa sobre arte, artistas indígenas Fykyá Pankararu


e Bia Pankararu, conduzida pelos
artists Fykyá Pankararu and Bia
Pankararu, conducted by professors

movimento indígena, professores Thea Pitman, Paulo Pepe Thea Pitman, Paulo Pepe (both based
(ambos baseados na Inglaterra) e in England), and Alessandra Simões
Paiva (Brazil), their experiences in

gênero e identidade
Alessandra Simões Paiva (Brasil),
são abordadas suas experiências no the Indigenous movement and the arts
movimento indígena e nas artes. are discussed.
Thea Pitman, Paulo Pepe e Alessandra
Palavras-chave: arte indígena, Keywords: indigenous art, indigenous
Simões Paiva - da Inglaterra grafismos, arte e gênero, arte graphics, art and gender, contemporary
especial para a Revista Arte&Crítica contemporânea, povos originários art
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 50 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 51

Entrevista de realidade aumentada (AR) elaborado O projeto se inspirou na história a importância da representação e popular de Pernambuco no geral. E aí e desafiadora, porque pra trabalhar
pela artista digital boliviana Lucia do indígena Tibira (termo tupinambá da resistência cultural, trazendo aprendi a produzir palco, produzir com cultura no Brasil, como autônomo,
A relação entre arte, gênero Grossberger Morales, os retratos alusivo à homossexualidade), que reflexões profundas sobre a festival, produzir projetos. Nesses a gente precisa estar correndo atrás
e identidade nas visualidades se transformam em novas obras, nas foi condenado à morte no século 17, interseção entre arte, identidade e oito anos em que eu fiquei na saúde de edital, para poder se pagar, para
contemporâneas esteve em destaque quais as imagens originais aparecem acusado de “sodomia” por parte de política, suas dinâmicas, desafios e indígena, também entendi a importância poder desenvolver as coisas. Então a
na mostra Liquid Gender, em cartaz sobrepostas por grafismos indígenas missionários franceses no Maranhão. No contradições. dos cuidados com a saúde, que saúde gente planta hoje para colher amanhã,
até agosto deste ano, no Sainsbury brancos. dia 13 de junho, os artistas indígenas não é só não estar doente, saúde e amanhã a gente colhe aquilo que
Centre, na Universidade de East Fykyá Pankararu e Bia Pankararu, que Thea – Então, acho que seria muito bom também é lazer, é ter acesso a suas a gente plantou lá ano passado, e
Anglia, na Inglaterra. A mostra faz fazem parte do projeto e estão entre que cada um começasse se apresentando. dinâmicas, as suas especificidades no planta de novo para ter o que colher,
parte do programa “What is Truth?”, os personagens retratados, estiveram território, então saúde é você dançar todo ano.
eixo conceitual que abarca diversas no Sainsbury Centre para visitar a Fykyá Pankararu - Sou indígena do povo seu toré, você ter sua roça, você
ações em torno de discussões sobre exposição e gravar um vídeo com a Pankararu e tenho 25 anos de idade, ter sua prática de vida preservada. Thea - Voltando para Fykyá agora, eu
o que é verdade nas imagens em equipe local, seguido de um ritual sou multiartista, trabalho com música, Depois da pandemia, deixei a área queria saber como você começou, como
um mundo altamente tecnológico. feito no espaço museológico. Aliás, performance, cerâmica, mágica, teatro da saúde e mergulhei de cabeça nas você mexe em tantas coisas diferentes,
Entre as diversas obras de artistas o centro é um museu de grandes e com audiovisual. Recentemente, a produções culturais e audiovisuais. como artes visuais, teatro e até
internacionalmente aclamados, dimensões, com um acervo excelente, gente vem gravando o clipe da música Tenho um documentário feito com o mágica?
presentes em Liquid Genger, estavam que reúne uma coleção que vai da Tribunal dos Bichos, que é uma música canal Futura, tenho o longa-metragem
trabalhos do projeto Origem (2020), pré-história à arte contemporânea, de composição autoral minha e está onde atuo, Rama Pankararu, que Fykyá - Fykyá é uma palavra de origem
coordenado pelos professores Thea abrigada no edifício projetado por para ser lançada agora no dia 19 de estreou há 2 anos e que circulou tupi, do tupi antigo, que era falada
Pitman (Universidade de Leeds) e Paulo Sir Norman Foster, um espaço que junho. em vários festivais no mundo. Com a pelo povo Pankararu mas que hoje não
Pepe (este atualmente na Universidade busca uma relação interativa entre Lei Paulo Gustavo agora no Brasil, é mais falada dentro do território,
de East Anglia). O projeto resultou, pessoas, objetos e paisagem natural. Bia Pankararu - Também sou do povo a gente conseguiu aprovar alguns devido aos processos coloniais. E essa
entre outras atividades, em uma série A presença dos artistas brasileiros Pankararu e tenho 30 anos. Como documentários, um deles é o clipe de palavra significa lagarto, camaleão,
de retratos fotográficos realizados resultou também em uma entrevista formação, sou técnica de enfermagem, Fykyá. E a gente vai produzindo e iguana. E quando eu me aproprio dessa
pela afro-indígena Laryssa Machada conduzida por Thea Pitman, Paulo trabalhei oito anos na saúde indígena construindo junto, então a gente está palavra enquanto nome, enquanto
e o criativo indígena Antônio Vital Pepe e Alessandra Simões Paiva, da no território Pankararu. Mas também nessa, somos multiartistas agora, ele essência, é justamente um processo
Neto Pankararu, que documentaram Universidade Federal do Sul da Bahia e sou produtora cultural desde a um pouco mais, Fykyá um pouco mais de adaptação, de entender essa
Participantes da entrevista: No sentido
identidades indígenas queer no integrante da ABCA. Os artistas falam adolescência, há 15 anos trabalho com na performance, e eu um pouco mais adaptação. Lá dentro do território,
horário, Fykya Pankararu à frente)
nordeste brasileiro. Ao serem Alessandra Simões, Thea Pitman, de suas experiências no movimento grupos de cultura popular, com grupos nessa produção para fazer, realizar. E os mais velhos falam assim: para andar
observados por meio de um aplicativo Paulo Pepe e Bia Pankararu indígena e nas artes, destacando de pífano, com grupos de cultura está sendo uma caminhada bem bonita no mundo, você tem que ser igual tiú,
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 52 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 53

teju, que é uma espécie de lagarto Eu vi que o barro pode entrar em em Recife, o que para a gente foi
grande que se movimenta bastante, mas tudo, a terra está em tudo. Então, eu uma conquista muito grande. Nestas
que quando ele chega a um determinado começo a mergulhar também no teatro, pesquisas, entendi que minha bisavó
ponto que ele não conhece, ele para, e aí nasce o grupo de teatro musical, foi cantadeira e dançadeira de coco,
fecha os olhos, inclina a cabeça um o Coco das Antigas, que vem a partir mas isso se perdeu com a geração de
pouquinho, ouvindo. Primeiro ele de uma busca, também de uma pesquisa minha mãe, ela foi criada na cidade,
escuta para poder agir. Então, quando em relação a esse contato com o barro. devido à busca por trabalho na época
eu começo a me entender enquanto A dança do coco, trabalhada por povos da década de 60, no tempo que teve
Fykyá, eu percebo que essa adaptação negros e indígenas, adormeceu por uma seca muito grande dentro do
é constante, ela não para. Quando eu muito tempo, e ninguém mais ouvia território. E aí eu converso com a
vejo que as artes me possibilitam falar do coco dentro do território. minha mãe e digo: a senhora não pode
essa caminhada, eu vejo que existe E aí quando eu converso com a minha parar também. A senhora está viva,
uma adaptação contínua. Eu começo mãe, em 2008, e ela me diz que tentou tem que falar, tem que dizer que está
a trabalhar com cerâmica dentro do fazer uma pesquisa elaborada nessa aqui, e a minha mãe retorna também
território, a partir do momento que área, porém ela não tinha tempo de para a prática do Coco, e hoje eu
eu vejo as louceiras tradicionais. lidar com isso, mais um trabalho e tenho uma sobrinha de 3 anos de idade,
Vejo que o movimento das mulheres criar cinco filhos. Então eu vou atrás que também já dança e já canta Coco,
trabalhando com barro está cada vez dos mais velhos dentro do território então a gente já garantiu a quinta
menor, devido à busca por trabalho para entender como era essa prática geração da família. Depois, também
fora do território. Então, eu começo era realizada. E aí eu vejo que ela me envolvi com a mágica, a partir
a trabalhar com cerâmica, e como tem uma conexão muito forte com dessa magia transformadora do barro
eu já era cantador, cantava para os o barro, com o ato de pisar barro surge a proposta de um amigo chamado
encantados na minha comunidade, nasce para fazer casa, para fazer fogão Rafa Santa Cruz, que é um artista
o Canto do Barro, que é um espetáculo de lenha, enfim, para diversos tipos de Caruaru, que é mágico, e ele me
autoral, com músicas minhas. Ele traz de trabalhos. Então eu me junto com convida a aprender mágica. Então, é
alguns aspectos como a água, a terra, outras pessoas da comunidade, com mais uma prática artística também,
o ar e o fogo e, por último, apresenta Bia também, e a gente começa a fazer que pode possibilitar que o povo
Fykiá e Bia
uma escultura de barro, transformada essa busca. Unimos um grupo de dez Pankararu também seja reconhecido
Pankararu no
Sainsbury Centre. em cerâmica. E a partir do canto do pessoas bem diverso, chamado Coco das em outros territórios. Então, esse
Foto de Thea Pitman barro, outras possibilidades se abrem. Antigas, que chegou a se apresentar processo de adaptação continua sendo
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 54 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 55

Projeto Origem
- Retrato de Bia
Pankararu. Artistas
Laryssa Machada e
Antônio Vital Neto
Pankararu (2020)

Projeto Origem
- Retrato de
Bia Pankararu
sobreposta pelo
grafismo. Artistas
Laryssa Machada e
Antônio Vital Neto
Projeto Origem, na mostra Liquid Gender (Sainsbury Centre, 2024). Foto Kate Wolstenholme Pankararu (2020)
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 56 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 57

transformado, não parou ainda, e eu


Bia - Tem uma citação, não vou lembrar modelo do que seria um povo indígena, lá, puro. Quando a gente observa chachada, é base do forró, é base a televisão, mas eu não tenho esse
lancei agora o espetáculo Tiranidaee, quem é que diz, mas que diz assim: o tem que ter um cacique, tem que ter aqui a catinga na nossa região, nosso de manifestações culturais, entendeu? medo não, a gente pode estar com
que na biologia é um termo para sertanejo antes de tudo é um indígena. um pajé, tem que ter uma aldeia mãe, bioma é o único bioma 100% brasileiro, Dançar em roda, esse celebrar a vida celular, a gente pode estar aqui na
designar a família das aves Tiranos, Então, aquele sertanejo antes de tudo tem que ter esse modelo de receita não existe catinga em nenhum outro do São João, que se mistura com a Inglaterra, mas quando a gente tem
que é a família do Bem-te-Vi, das ele é um indígena. Quando você vê a para o governo ler esse território país do mundo, então a catinga que coisa portuguesa das festas, então pertencimento, a gente leva esse
Lavandeiras, que são uma família de colonização no Brasil naquela época como indígena. Então, todos aqueles é um bioma especificamente daquela vemos que as tradições e as festas pertencimento com a gente, a gente
aves com comportamento agressivo, das capitanias hereditárias, aquele grupos que eram autônomos entre si, região não é valorizada, é vista populares são de origem indígena, se não se desmancha nunca. Quando a
territorialista. Então, eu trago uma mapa que é dividido assim do litoral com mais de 50 grupos na região, como pobre, como seca. E quando misturam nessa colonização e acabam gente sai do território, a gente
perspectiva dessas aves na cidade e as capitanias hereditárias... Nessa se conformam a este modelo. Então você vê uma diversidade de fauna e sendo festa de cultura popular. Mas está usando a arma de vocês, a gente
época, nossos povos estavam ali a gente vê que foram mais de 500 de flora que só existe ali, e mesmo quando a gente olha bem a fundo, a teve que aprender a usar, a utilizar
como metáfora para os povos indígenas
naquela região, então a gente costuma anos resistindo nesse território para assim não se tem esse elo forte ali, gente vê que vem tudo de uma herança
que migram dos territórios indígenas essas ferramentas para poder também
dizer que os índígenas do Nordeste conseguir ainda ter nossos grupos essa preservação se perde, a catinga indígena que foi brutalmente velada no
para a cidade, em busca de alimento, estar de igual pra igual, a gente não
foram o primeiro escudo quando essa indígenas, e quando você olha para já está em processo avançado de decorrer do tempo, o indígena deixa
em busca de água, em busca de uma vai lutar hoje com arco e flecha,
colonização chegou, então, quando essa a Amazônia são séculos de diferença, desertificação, não é mais semiárido, de ser indígena e se torna caboco,
qualidade de vida que seria almejada a gente vai lutar com a internet,
colonização vai adentrar na Amazônia, de colonização, então, claro que o é árido. Essa mudança climática que é aquele indígena misturado com
para dentro e fora do território. com a comunicação, com a música, com
a gente já está há séculos sofrendo pessoal da Amazônia vai ter a língua está correndo a passos largos nos o preto, que já não fala mais a
o cinema, com a espiritualidade. A
mais preservada, vai ter mais esse sertões e na catinga, mas não tem
Alessandra - Eu acho que seria
com essa colonização no litoral.
fenótipo indígena, essa imagem, essa importância nem ambiental, nem
língua, mas que tem o pé na aldeia
nossa tecnologia ancestral também
Então, o que é que aconteceu? Muitos e essa memória corporal, quase que
interessante vocês comentarem um continua muito bem preservada, está
indígenas migraram do litoral para o essa cara do índio que as pessoas social, nem cultural. E quando você subliminar.
pouco sobre a questão dos indígenas do com a gente, por conta do nosso
sertão. No Rio de Janeiro, os Guaranis imaginam, enquanto no Nordeste a volta para a parte cultural, quando
Nordeste, que tem um reconhecimento
sobem também para o sertão, então gente já perdeu isso há muito tempo, você chega na casa de um Nordestino Paulo – Diante do fato de que vivemos
pertencimento. Talvez eu tenha medo
muito menor do que os indígenas da que tem um pote de barro, aquilo ali dessas facilidades capitalistas, os
eles vão se refugiando onde hoje é perdeu completamente. Mas a gente num mundo muito global, a minha
Amazônia, como podemos ver aqui ainda está lá e resistindo dessa é indígena, aquele pote de barro é pergunta seria: uma vez que vocês estão jovens vão querer ter aquele tênis,
a região do Rio São Francisco, que
na Inglaterra, onde há muito mais foi um oásis para muitos povos e que forma. E aí quando você vai hoje para indígena, o filtro de barro é indígena, hoje em dia tão mais expostos, vocês o carro do ano. Mas ser bem-sucedido
projetos voltados para as comunidades vira um grande território indígena. uma discussão de justiça climática, mundialmente reconhecido como um não têm medo de que essa globalização talvez para mim é ter minha casa,
da Amazônia. Como que é isso para Então, em 1940, quando tem a primeira de justiça ambiental, justiça social, dos melhores. Então, partindo para faça com que vocês percam mais partes poder plantar minhas plantinhas, poder
vocês, como isso também se reflete demarcação do território Pankararu, vemos mais uma faceta do racismo, as culturas e para as sonoridades, das vossas identidades? ver meu filho bem com saúde, poder
no campo das artes? O que vocês têm a comunidade era formada por vários porque se institui que o indígena de o pífano, o maracá, a pisada do toré dançar toré no domingo, ter essa
feito no sentido de reconhecimento da grupos indígenas. Mas o governo, para verdade, que merece ser protegido e é base do coco, a pisada do toré Bia - Acho que o primeiro grande boom espiritualidade e esse pertencimento
arte dos indígenas do Nordeste? fazer essa demarcação, traz esse preservado, é aquele que ainda está e o balanço ritmico, é base para o que está na casa de todo mundo é preservados.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 58 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 59

Projeto Origem
- Retrato de
Fykyá - Quando eu estive na universidade coletivo da sociedade enxerga esse olhar dos outros. Eu não pareço, eu

em 2018, 2019, na Universidade Federal indígena ainda como em 1500, com os sou, quem diz isso sou eu.
Brendo Tupinambá
de São Carlos, interior de São Paulo, cabelinhos de cuia, dentro de um barco.
- Artistas
Laryssa Machada e algumas pessoas do curso de biologia, Então é muito desgastante porque a Thea - Então, se você tem que fazer
Antônio Vital Neto gente está sempre sendo colocado certo tipo de performance para ser
inclusive alunos e professores, me
Pankararu (2020) em prova. Se eu não performar essa reconhecida, como isso mexe com a
perguntavam se eu não tinha esse medo
enquanto indígena na biologia. Então, expectativa, eu já sou desconsiderada performance como arte?
quando eu ouvi essa pergunta pela enquanto indígena. E dentro do próprio
primeira vez, eu respirei e disse: movimento indígena isso também Bia – Isto tem a ver com a nossa
ocorre, quando a gente não tem mais própria autoestima, esse movimento
olha, tem coisas que a biologia vai
a língua materna, a gente vai ser de você estar sempre se reafirmando.
ajudar a explicar em relação ao que
acontece dentro de um território, menos indígena e menos considerada Quando a gente traz isso tanto na
por exemplo, os diversos tipos de do que aquele povo que tem a língua música, quando na cultura em geral,
impactos ambientais na Catinga. E meu materna. Mas é uma realidade que e também dentro dos trabalhos
interesse era adaptar a biologia aos atinge não só os povos do Nordeste, da saúde, a gente reforça nossa
conhecimentos Pankararu. mas os povos do Sul também, que tem identidade. Mostramos que os nossos
uma miscigenação branca. Então você conhecimentos são válidos. E aí a
Thea – Me parece que a sociedade vai ver, por exemplo, entre os Kaigang gente vai tentando mesmo assim trazer
pede mais performatividade de vocês muito loiros de olhos azuis, mas que essa junção do passado, do presente
do que das pessoas que têm fenótipo é da aldeia, sabe? E aí é uma batalha e do futuro, porque senão daqui a
amazônico. um pouco mais cansativa, porque além pouco a gente não vai lembrar mais e
de você estar embaixo de uma mesma vai se acostumar apenas com que tá

Projeto Origem
Bia – Eu tenho uma “passabilidade” bandeira, de uma mesma luta que todos ali na farmácia, sabe? E deixar de ir
como branca muito grande. Então, em os indígenas estão, a gente ainda tem ao mato, tirar uma erva, de ter esses
- Retrato de
Brendo Tupinambá certos contextos, eu nem digo que sou essa dificuldade de convencimento, de conhecimentos.
sobreposto com indígena. As pessoas começam a olhar ter que estar convencendo os outros,
o grafismo. procurando onde. Se é no cabelo, se é explicando para os outros, fazendo Fykyá – Isso também acontece nas
Artistas Laryssa
no nariz, se é nos traços, sabe? Ou se toda essa reflexão histórica de artes, tanto na performance como
Machada e Antônio
Vital Neto a gente vai com um brinco, né? E aí porque a gente é assim hoje. A gente no teatro, como no audiovisual, é
Pankararu (2020) vira um lugar de que esse imaginário não tem que depender da validade do um movimento de desconstruir uma
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 60 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 61

visão e ao mesmo tempo reafirmar geração já chega dizendo que a gente


desde criança que a base do povo
tem que falar do documentário Do São Bem Querer de Baixo, no município de
Paulo – Hoje, existe muito a questão
quem você é. Seja isso na sociedade tem que ter a terra, mas tem que ter Francisco ao Pinheiros, que foi gravado Jatobá, que queimou além da escola,
Pankararu tem uma raiz, um tronco,
fora do território indígena e dentro cultura, educação, saúde, saneamento por Paula Morgado, da Antropologia um posto de saúde, em retaliação à da globalização dos termos LGBTQ plus
um galho, as folhas e as pontas de
do território indígena. Então você básico, todos esses direitos que se da USP, que é sobre a comunidade do luta pelo direito à terra e à vida mais. E então a minha pergunta pra
rama. E a gente é a ponta de rama.
tem que lembrar que você tá falando tem na cidade, pra todos os cidadãos, Real Parque, que está ali na beira do povo Pankararu. E aí a gente pega vocês é, enquanto indígenas, vocês
E na ponta de rama muitas vezes está
enquanto um Pankararu. porque antes da gente ser indígena, do Rio Pinheiros, em São Paulo. E aí o roteiro que a gente tinha joga também resistem a isso, a estas
escondida a medicina. Então a gente
somos cidadãos. Na época quando se nesse documentário ela entrevista a no lixo e faz outro roteiro em cima terminologias que são impostas, porque
tem essa ciência desde criança de
Alessandra - Queria entender como queria fazer um movimento, juntava que a gente é ponta de rama e que a
minha mãe, enquanto liderança, eu era dos atentados. Então, a premissa da acabam por ser impostas e nos colocam
vocês se veem como geração dentro todo mundo, fechava uma BR, queimava criança. E é um documentário muito história deixa de ser o personagem, nestas caixas da identidade?
gente também é futuro da comunidade.
do movimento indígena brasileiro, fiel, muito bonito. E Pedro Sodré, sabe? O fio da história vai ser os
pneu, invadia o lugar, né? Hoje se Amanhã seremos os galhos.
partindo do ponto da virada dos anos faz o quê? Se faz uma petição online,
que é o diretor do meu filme, é incêndios. O ponto central do filme Fykyá - Dentro do território a gente
2000, quando se afunda a caravela se entra na justiça, a ferramenta da Bia - O nome do meu filme é Rama
primo de Paula. Então quando ele está vai ser o conflito territorial. Aí não tem que estar reafirmando que a
comemorativa dos 500 anos do Brasil terminando o curso de cinema, ele já eu sou uma jornalista que vem pro gente é LGBT, que eu sou gay, que ela
justiça também é uma grande virada. Pankararu nesse entendimento, porque
em Porto Seguro. Vocês se veem como se interessa em fazer um longa de território fazer uma matéria sobre é lésbica, que a gente é bi. A gente
Então hoje a gente tem indígena, é entender o tempo presente. Então a
uma geração que herdou algo desse ficção baseado em histórias reais. E isso. Então a jornalista seria a não precisa estar reafirmando isso,
advogado, médico, engenheiro, nas gente é a rama que está se espalhando,
movimento? ele me convida para ser a personagem pessoa de fora que a gente está porque todas as pessoas sabem.
artes, então a gente tem os nossos mirando o presente e mirando para
do filme. Então quando ele chega para contando essa historinha. E aí dentro
em todos os campos. A gente consegue frente, porque amanhã ou depois a
Bia - Minha mãe foi liderança do
fazer essa representatividade em gente vai ser o galho. Nossos filhos,
mim e diz, Bia, você é uma mulher dessa troca com ela, a gente bota no Thea - Então dentro das comunidades
jovem, LGBT, mãe, que é da saúde, é roteiro um romance lésbico, a gente não tem preconceito?
lugares e papéis que não existiam A os nossos sobrinhos vão ser as pontas
território. Então eu cresci vendo da militância, que está fazendo tudo vive um romance também, então traz
de rama na próxima geração e assim
ela ser liderança, em reuniões, em gente era representado por outros,
sucessivamente.
isso, vamos fazer o filme contigo, essa ideia de que a gente sofre, mas a Fykyá - Existe preconceito, porque
discussões. O que eu percebo hoje as outras pessoas pensavam políticas acompanhando a sua vida. E aí a gente gente também ama. Que a gente sofre,
é que a comunicação foi a grande públicas pela gente. Então era sempre foi enraizado com a colonização.
virada nas lutas. Então, antigamente muito uma política que vinha de
Thea - Você poderia comentar um
faz um primeiro roteiro de ficção, mas a gente tem lutas, mas também somos
Porém, não é uma coisa que vai nos
com todo mundo que está fazendo seus pessoas com nossas individualidades.
pouquinho mais sobre o filme, a ideia
acontecia um incêndio, uma violência, fora pra dentro. Então hoje a gente papéis, eu sou eu, minha mãe, minha Então no filme a gente levanta afetar diretamente. Não é uma coisa
do filme.
até a gente conseguir denunciar isso, consegue fazer dentro do território mãe, as lideranças são todas reais. território, a gente levanta cultura, que a gente vai sair na rua e vai ser
era muito demorado. Hoje você faz um uma política social para reivindicar
Bia - Rama Pankararu foi a maior doideira A gente faz esse primeiro roteiro no a gente levanta sexualidade, a gente agredido assim que a gente pisa pra
vídeo e bota na internet. Então, o que nossos direitos. começo de 2018. E aí nas eleições levanta maternidade, a gente levanta fora de casa. Por exemplo, na cidade
está acontecendo aqui pode ser visto da minha vida. Eu já trabalhava com de 2018, quando o Bolsonaro foi os choques também entre duas mulheres a gente tem que resistir três vezes,
em qualquer lugar do mundo. A nossa Fykyá - A nossa geração aprendeu produções, mas para falar de Rama eleito, há um incêndio na comunidade que estão ali, que se encontram. uma por ser indígena, nordestino e
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 62 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 63

Projeto Origem - LGBT. E Bia tem que resistir mais as nossas brigas maiores mesmo são território tem que ser de uma forma
Retrato de Edmar
vezes porque ela é mulher, indígena, coletivas. E essas brigas coletivas tão sucinta que todo mundo possa
e Fykyá Pankararu_
Artistas Laryssa
nordestina e LGBT. Então na cidade a são pela terra, por saúde, por entender.
Machada e Antônio gente faz uso desses rótulos, a gente educação, por necessidades básicas
Vital Neto vê o LGBTQIA+ enquanto uma caixa enquanto pessoas Bia - Então tem uma frase que a gente
Pankararu fala muito: que eu sou indígena e
criada, um rótulo para a gente dizer o
que a gente é na sociedade. Então na Fykyá – Estes rótulos também são para essa é a minha própria natureza,
cidade a gente faz uso dessas siglas então se a minha natureza é essa,
nos auto proteger, uma ferramenta
para poder se enquadrar. eu vou respeitar a minha natureza.
para que a gente possa se conectar, O mais agressivo para um indígena é
Bia - Mas dentro do território não
sabendo onde encontrar os nossos. não respeitar a sua própria natureza,
Eu enquanto pertencente a mim, acho então eu converso isso lá com os
é uma coisa que eu me preocupo que meu território é o meu corpo, mais velhos, junto dos nossos fica
muito. Eu me preocupo muito mais o meu templo. Eu olho pra mim e eu muito mais simples do que usar as
com os embates políticos, com os sei que eu não me identifico com teorias e siglas que vem do campo
enfrentamentos territoriais que a esse macho que a sociedade espera mais acadêmico.
gente tem ali. Então isso é muito de mim, também não sou a fêmea que
mais ameaçador para a gente que barra a sociedade quer. Então, causa um Thea - Fazer um projeto como Origem,
empreendimento no território. Então certo desequilíbrio a questão da não com Larissa e Toninho, isso implicava
isso é muito mais violento para a binaridade. Só que quando a gente alguma dificuldade dentro das
gente enquanto seres políticos do traz a não binariedade enquanto comunidades? Também seria difícil
que seres LGBT. Esse movimento que ser pertencente a uma natureza, me mostrar essas imagens dentro da
vem principalmente dos pensamentos sinto parte do território, como uma comunidade, junto aos anciãos por
Projeto Origem -
universitários, dos pensamentos ave, você um mamífero, um peixe, um exemplo?
Retrado de Edmar
e Kykyá Pankararu ocidentais, criou um alfabeto inteiro inseto. Mas eu não uso esses rótulos
sobreposto de gênero e sexualidade. Mas eu acho com os mais velhos da minha aldeia Bia - Projetos como esse, principalmente
pelo grafismo. que a gente devia se esforçar mesmo porque eles não vão entender. Então de fotografia, são muito importantes
Artistas Laryssa
era para o respeito enquanto ser é isso, não é desconsiderando as porque a gente tem uma deficiência
Machada e Antônio
Vital Neto humano. E a gente não precisa estar siglas, na verdade, a gente entende muito grande de memória de imagem,
Pankararu brigando o tempo inteiro até porque que a adaptação dessa sigla dentro do então a gente não tem fotos dos nossos
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 64 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 65

Obra In the Absence Vista da mostra


of Evidence, We Create Liquid Gender
Stories, do artista (Sainsbury
Rashaad Newsome, Centre,2024).
na mostra Liquid Gender. Foto. Kate
(Sainsbury Centre,2024). Wolstenholme_9,
Foto Kate Wolstenholme 1996
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 66 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 67

cem anos atrás. Essas fotos lindas, Thea – Queria saber mais sobre as
criticada, tem que ter um negro, tem
grandes, bonitas e tal, isso mexe com “caixas” do mundo das artes, que que ter um indígena, tem que ter
autoestima não só da gente que está oferece visibilidade, portas para um LGBT, tem que ter um toquezinho
ali na foto, mas mexe com a autoestima fazer coisas, mas também come coisas, de cota, né? E aí, às vezes, as
de todo mundo que vai ver. E eu acho come indigeneidade. Como vocês veem pessoas convidam pessoas como nós
que o que está acontecendo na nossa esse mundo, essa indústria também para trabalhar sem nem conhecer o
geração de mais bonito é mostrar para das artes? nosso trabalho, não sabe o que você
os outros que é possível. A arte dá faz, não sabe qual é a sua linguagem.
muito essa janela de possibilidades Bia - Estou bem chateada. O que está Para a gente, enquanto profissional,
de mostrar isso, então um projeto acontecendo é: não está ficando enquanto trabalhador do mercado de
como o Origem mexe não só com a gente popular a arte indígena, está sendo trabalho cultural, é muito cansativo,
que participou, mexe principalmente comercializada mesmo, é pop, está muito desgastante. Nos projetos onde
com a autoestima daquele povo, de na moda. Eu digo que sou indígena, tem dinheiro, incentivo, estrutura
aí as portas se abrem, como não grande, a gente entra como cota,
outros que não participaram, mas que
se abriam antes. O que também me as portas não se abrem, a panelinha
podem ver como as imagens comunicam.
incomoda e que me deixa chateada, segue a mesma. Então, assim, quem tem
A gente é um povo indígena que luta
porque antes de ser indígena, eu sou continua tendo e vai continuar tendo
muito, a gente está cansado, queremos
uma cidadã. Então, se eu faço cinema,
falar de amor, de afeto, de cuidado, o poder, né? E aí pega um indígena
eu não faço cinema indígena, eu faço
porque é muita guerra, é muita luta, aqui, pega um negro ali, pega um
cinema. Então, se eu faço música, eu
é o tempo inteiro, e é muito duro LGBT ali, pra fazer trabalhos, pra
não faço música indígena, eu faço
encarar o mundo como inimigo, o tempo fazer seus trabalhos, e ainda quer
música. Então, a gente só vai poder
inteiro, todo mundo como inimigo o que a gente agradeça eternamente.
ser convidado para projetos que
tempo inteiro. Então, um projeto como sejam indígenas, ou que peçam que Eu acho que isso está muito ligado
Origem traz também essa autoestima, tenham indígena. A gente sabe que também à questão do neoliberalismo
esse afeto, esse carinho e eu tenho muito dificilmente eu vou trabalhar que a cada dia tem um novo interesse.
certeza que poder levar ele para o num filme grande, assim, uma Netflix Hoje em dia é com a raça, amanhã é
território, para os territórios, da vida, a não ser que estejam com a sexualidade, depois é com o
seria também com certeza uma maneira precisando de um indígena, porque gênero, depois é com o pobre, depois
Vista da mostra Liquid Gender (Sainsbury Centre,2024). Foto. Kate Wolstenholme_6 de abraço nessa população. hoje em dia para uma equipe não ser é com o favelado.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 68 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 69

Alessandra - Ao mesmo tempo, é difícil entra nesse processo de produção, a


gente quer, e eu acho que é o maior
essa relação contraditória do capital intuito, diversificar as narrativas.
com a arte, porque você precisa do Agora, quando você está em projetos
dinheiro para criar, o filme necessita que você não tem autonomia, você
de muito dinheiro. Então, parece que não tem poder de decisão, você está
é quase um problema sem solução. ali simbolicamente. Então, é o que
está acontecendo muito no mercado,
Bia - E até que ponto isso não é
contratar indígenas, pessoas negras,
também racismo? Porque na real eu simbolicamente. E isso é um problema.
recebo cada convite absurdo. Tipo, eu Projeto Origem:
estou precisando de alguém indígena,
https://origem.hotglue.me/
você pode fazer? Aí eu digo: Bom dia!
Então, você já viu meus trabalhos? E Exposição Liquid Gender:

tem o problema de não ter autonomia https://w w w.sainsburycentre.ac.uk/


também. Então, me convidam para fazer whats-on/liquid-gender/
um roteiro somente para atrelar meu
nome de coautora, mas eu não tenho
autonomia para mudar a história. Você
está lá na equipe, mas sem autonomia Alessandra Simões Paiva Thea Pitman
de narrativa. Então, acho que a Professora na Universidade Federal Paulo Pepe Professora na School of Languages,
importância de ter a gente nesses do Sul da Bahia (UFSB), pesquisadora Professor de Humanidades na Cultures and Societies, na Universidade
criações é a mudança da narrativa. Por visitante Universidade de Leeds (UK). Universidade de East Anglia (UK). de Leeds (UK). Pesquisa a expansão
quê? Quando colocam a gente, vocês vão Autora do livro A virada decolonial Seus interesses de pesquisa da produção cultural digital latino-
falar sobre nós, vocês vão falar sob na arte brasileira (Editora Mireveja, conectam as preocupações e histórias americana, incluindo, entre outras
a ótica de vocês. Com as ferramentas 2022). Integrante da Associação compartilhadas do Sul Global, com um coisas, literatura eletrônica, arte
de vocês. Então, quando isso se Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) foco particular em temas relacionados digital, videogames, páginas da web
filma ou se escreve, isso passa a se e da Associação Internacional de à identidade, incluindo gênero, sexo comunitárias e intervenções de mídia
tornar uma verdade. Quando a gente Críticos de Arte (AICA). e sexualidade, raça e etnia. tática.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 70 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 71

Hilma af Klint
The Ten Largest, Group IV,
No. 3, Youth, 1907,
Courtesy Hilma af Klint Foundation

Resumo: Este artigo trata da exposição ABSTRACT: This article addresses the
“Hilma af Klint & Mondrian: Levens- exhibition “Hilma af Klint & Mon-
formen”, realizada no Kunstmuseum, drian: Levensformen”, which was held
em Haia, entre 2023 e 2024. O texto at the Kunstmuseum in The Hague be-
aborda os acertos da mostra, como os tween 2023 and 2024. The text highli-
momentos em que a curadoria evitou ghts the exhibition’s successes, such
semelhanças forçadas entre as obras as when the curators didn’t fit the
dos dois artistas, bem como seus er- artworks in artificial similarities,
ros, como a impraticável relação en- and mistakes, such as the impractical
tre a exposição e a crise climática relationship between the exhibition
atual. Além disso, o artigo explora o and the current climate crisis. Fur-
esoterismo presente nas obras de af thermore, the article also addresses
Klint e Mondrian, argumentando que esotericism in the work of af Klint
and Mondrian and argues that it can-

Hilma af Klint e
ele não pode ser dissociado da com-
preensão de ciência vigente na época. not be separated from the understan-
ding of science of that time.

Piet Mondrian: paralelos PALAVRAS-CHAVE: Hilma af Klint, Piet


KEYWORDS: Hilma af Klint, Piet
Mondrian, Arte Abstrata, Esoterismo, Mondrian, Abstract Art, Esotericism,
FELIPE MARTINEZ - ABCA/SP Ciência. Science.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 72 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 73

Introdução movimentos de arte abstrata das correspondência possível entre as


primeiras décadas do século 20. obras dos artistas e o desastre
Este texto trata da exposição
climático, por mais que os textos do
“Hilma af Klint & Piet Mondrian: A exposição, tal como montada no
catálogo se esforcem para construí-
Levensvormen1”, que analisou museu holandês, mostrou as obras
la. Apesar disso, a relação de af
comparativamente a obra do artista de ambos os artistas em 9 salas,
Klint e Mondrian com a natureza é
holandês Piet Mondrian e da artista cada uma caracterizada como um dos
de grande interesse. Menos por sua
sueca Hilma af Klint. A exposição eixos da exposição. Além delas, a
capacidade de discutir os problemas
foi fruto de uma parceria entre mostra ainda trouxe a excepcional
climáticos de nossa época e mais
a Tate Modern, em Londres, e o série “As dez maiores”, um conjunto
porque coloca questões fundamentais
Kunstmuseum, de Haia, detentor da monumental de dez pinturas
para o campo da história da arte,
maior coleção de obras de Mondrian abstratas (fig. 1) descrevendo as
mais especificamente para o
em todo o mundo2. Não foi a diferentes fases da vida de uma
desenvolvimento da arte abstrata.
primeira vez que as obras dos dois pessoa, como juventude, vida adulta
artistas foram expostas juntas. Em e velhice. Esta série foi exposta Uma visão corrente da obra
1986, o mesmo Kunstmuseum (então de Mondrian associa sua obra
no térreo do museu, distante das
chamado Gemeentemuseum) recebeu a a princípios de organização e
demais obras presentes no primeiro
mostra3 “The Spiritual in Art”, racionalização. Esses princípios,
andar. A distância física deixa a
na qual as obras da artista sueca no entanto, perdem força diante
impressão de que as dez pinturas não
foram expostas ao lado de outros de um exame mais atento de sua
couberam na proposta curatorial,
pioneiros da abstração, incluindo trajetória, como feito na recente
que privilegia a relação dos dois
Mondrian, Kandinsky e demais nomes exposição “Mondrian Evolution”7.
artistas com a natureza.
relevantes do período. Desta vez, Um bom exemplo dessa associação
af Klint recebe mais destaque, No texto que apresenta o catálogo, com ideias de organização e
não somente pela qualidade de os responsáveis pela mostra5 racionalidade está no texto
sua obra, mas também em razão ressaltam a importância de abordar escrito por Willem Sandberg para
do reconhecimento dado a ela em a natureza em um mundo em rápida o catálogo da segunda Bienal de
publicações e exposições recentes, mudança climática e esperam que ela São Paulo, que contou com uma sala Fig. 1 – Hilma Af Klint
Infância, da série “as dez maiores”, 1907
como as ocorridas em São Paulo e contribua para a reflexão sobre especial dedicada ao artista, então
Oleo sobre tela, 328x240 cm
em Nova York4, que buscaram dar o tema . A exposição não alcança
6
celebrado como figura central da Hilma af Klint Foundation
centralidade à sua obra dentro dos esse objetivo, uma vez que não há modernidade europeia. No início Foto: Felipe Martinez
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 74 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 75

do texto, o autor argumenta que estabelecidos entre eles. Ambos logo a paleta tonal - como praticada
ao ver uma pintura de Mondrian, partiram da pintura de paisagens e por Anton Mauve e Hendrik Willem
“o espectador seria tomado por chegaram a fórmulas de abstração Mesdag - se torna mais colorida e
um impulso de organizar a própria radicais. Esse caminho envolveu intensa, próxima do expressionismo
vida” para em seguida contrastar o contato com interpretações das que perdurou por tempo considerável
a racionalidade do artista com a teorias científicas da época e um nas telas dele. O jovem Mondrian
gestualidade das obras dos demais interesse grande por esoterismo. experimentou com cores ousadas e
holandeses expostos naquela edição, Vejamos alguns desses paralelos. intensas durante os quatro anos em
como Frieda Hunziker e Karel Appel, que passou os verões na colônia de
mais próximos de uma abordagem artistas em Domburg, na Zelândia,
expressionista8. entre 1908 e 1912. É aí que ele começa
Paralelos a explorar verticais e horizontais
Não se trata de um personagem
Tanto af Klint quanto Mondrian puras, que posteriormente irão
qualquer. Sandberg foi um dos
começaram suas carreiras como caracterizar sua obra (fig. 2).
principais nomes da arte ocidental
pintores de paisagens. Esse é o
no período pós-Segunda Guerra A aproximação entre os pintores
tema do primeiro eixo temático
Mundial. Era o diretor do Stedelijk por meio das paisagens, no entanto,
Museum Amsterdam durante as da exposição (Landschapschilders,
é muito genérica. Boa parte
exposições do CoBrA, e teve papel pintores de paisagem, em holandês).
dos artistas que iniciaram suas
fundamental no estabelecimento de A formação de ambos seguiu o carreiras no final do século 19 e
uma história da arte holandesa nos caminho das academias a que tiveram começo do 20 seguiram essa trilha.
anos 1950. A essa visão tradicional, acesso no começo do século 20, ela Não existe nada de específico nessa
expressa nas palavras de Sandberg, a em Estocolmo e ele em Amsterdã. Af comparação que contribua para o
exposição do Kunstmuseum contrapõe Klint conquistou uma posição sólida estabelecimento de um ponto de
a ligação de Mondrian com a natureza no mercado sueco como pintora de contato relevante entre ambos. Do
e, por meio dela, aproxima a obra paisagens, gênero que continuou mesmo modo, o eixo da sala seguinte,
do holandês de af Klint. O texto praticando mesmo depois de iniciar chamado Op weg naar inzicht (algo
que apresenta a mostra informa que, seu trabalho com arte abstrata. As Fig.2 – Piet Mondrian
como “no caminho do entendimento”),
Farol em Westkapelle em laranja, rosa e roxo, 1910
embora os dois artistas não tenham primeiras paisagens do holandês, continua genérico ao comparar como Óleo sobre tela, 135x75 cm
conhecido as obras um do outro, há por sua vez, se aproximam das obras cada um deles foi abandonando a Kunstmuseum, Haia
diversos paralelos que podem ser dos artistas da Escola de Haia, mas paisagem e experimentando com novos Foto: Felipe Martinez
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 76 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 77

Fig. 3 -
Piet Mondrian
Evolução, 1911
Óleo sobre tela, Fig. 4 – Hilma Af Klint
186 x 87 cm Quatro pinturas da série
(painel central), “Pinturas para o Templo”,
168 x 85 cm 1906-15
(painéis laterais) Dimensões variáveis,
Kunstmuseum, Haia Hilma af Klint Foundation
Foto: Felipe Martinez Foto: Felipe Martinez
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 78 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 79

motivos ligados a uma compreensão poucos vai simplificando as formas nomeadas Evenwicht (equilíbrio)
esotérica do mundo. Por exemplo, a da árvore em linhas ortogonais e De Bloem (a flor), que mostram
série “Evolution” de Mondrian (fig. básicas e ecoando os procedimentos como cada um lidou com ideia de
3) está justaposta aos estudos de Af cubistas com que entrou em contato equilíbrio e com o motivo flor. A
Klint para suas “Pinturas do templo” antes da Primeira Guerra (fig. 5 e arte produzida por ambos progride
(fig.4), obras que a artista pintou fig. 6). As árvores de af Klint, por por vias distintas: Mondrian está
após ter recebido uma encomenda de outro lado, são sinuosas, biomórficas mais próximo dos desenvolvimentos
seus guias espirituais, Amaliel e e fazem parte de suas investigações das vanguardas artísticas do começo
Ananda. Elas fazem parte das obras espirituais, como as leituras que do século; af Klint, em diálogo
feitas por ela no período em que se ela fez de Yggdrasil, lendária árvore com doutrinas esotéricas como a
reunia com o Grupo das Ginco (De Fem, da mitologia nórdica, ou sua série teosofia e a antroposofia. Isso não
em sueco), um projeto coletivo que “árvore do conhecimento” (fig. 7). deve levar a crer, no entanto, que
fazia parte de sua missão espiritual. Embora os dois artistas partam do
apenas a pintora sueca fosse adepta
Apesar da afinidade mística entre as motivo, o tratamento dado a ele é
dessas correntes místicas. Como é
séries, os estudos de af Klint pouco bastante distinto na obra de cada um.
sabido, Mondrian também se aproximou
têm a ver com os experimentos formais Mondrian tem preocupações formais
das teorias de Madame Blavatsky e
que Mondrian começava a realizar no inspiradas pelos procedimentos
Rudolf Steiner, mas o impacto que
sul da Holanda, menos ainda com seu cézannianos de desintegração da forma
elas tiveram em sua obra foi menor,
posterior encontro com nomes como e investigação do espaço que guiava
como bem mostra a exposição.
Theo van Doesburg e Baart van der Leck boa parte dos artistas do período.
durante a Primeira Guerra Mundial. Essa simples justaposição, sem
Por outro lado, a sala seguinte peripécias interpretativas, permite
acerta ao explorar a relação que o espectador visualize como cada Esoterismo científico
que os artistas tiveram com o um deles trilhou seu caminho nas O progresso científico das décadas
motivo árvore (de boom, árvore em primeiras décadas do século. finais do século 19 e iniciais do
holandês), novamente atentando Este último eixo prova que a 20 foi metabolizado pelas principais Fig. 5 – Piet Mondrian
doutrinas esotéricas em voga no A árvore cinza, 1911
para a relação de ambos com a exposição ganha força quando obras
Óleo sobte tela,
natureza. A evolução de Mondrian é dos artistas são simplesmente Ocidente, como a antroposofia e
79x109 cm
didaticamente explicada a partir de justapostas, sem paralelos forçados, a teosofia. Tanto Af Klint quanto Kunstmuseu, Haia
sua representação do motivo: aos como também ocorre nas salas Mondrian se relacionaram com Foto: Felipe Martinez
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 80 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 81

Fig. 6 –
Piet Mondrian
Macieira em
flor, 1912
Óleo sobre tela,
78 x 107 cm Fig. 7 – Hilma af Klint
Kunstmuseum, A árvore do conhecimento – número 1, 1913
Haia Aquarela sobre papel, 46 x 30 cm
Foto: Felipe Hilma af Klint Foundation
Martinez Foto: Felipe Martinez
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 82 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 83

essas doutrinas, sem as quais o pela teosofia, como evidenciam as aumentavam a propagação de gravuras, além dos textos do catálogo, onde entre os dois, o mérito da exposição
entendimento de suas biografias e cartas que trocou com Steiner e livros e outros materiais impressos, a relação é pouco convincente11. Um é justapor as obras de Mondrian e
obras fica incompleto. Para artistas algumas das parcas anotações que fez como demonstrou Lori Lee . 10
Na enquadramento preferível, embora af Klint e, com isso, permitir que o
e intelectuais simpatizantes desses em seus cadernos, e principalmente prática, os avanços concretos ainda fraco, seria explorar como a olhar inteligente entenda os caminhos
movimentos, não havia divisão clara a série “Evolution”, a inclinação trazidos pelo capitalismo industrial época em que os dois viveram contribuiu variados da abstração do início do
entre o progresso da ciência e a esotérica de Mondrian perde força facilitaram que publicações de cunho para o desastre climático atual. As século 20, sem eleger precursores ou
vida espiritual: eles se imbricavam em sua obra quando ele começa a transcendental. Periódicos como The boas obras quase sempre escapam ao traçar uma linha do tempo estéril.
à medida que o século avançava. trabalhar com seus compatriotas do Theosophist, The Lamp, The Path, espaço mental, muitas vezes estreito,
No caso da pintora sueca, o De Stijl. Af Klint, por sua vez, Lucifer: A Theosophical Magazine, que os curadores delimitam para elas.
interesse pelo esoterismo anda lado manteve-se fiel a sua proposta e bem como variadas sociedades Felizmente para o público, no caso
a lado com o interesse pela ciência. a seu método esotérico-científico. regionais de teosofia, mostravam que de Af Klint e Mondrian, as pinturas
Suas obras fazem parte da busca A exposição acerta em não criar o ocultismo andava lado a lado com falam por si, e os bons momentos da
por uma racionalidade presente na uma convergência artificial entre o progresso da Belle Époque. Esses exposição são aqueles em que essa
natureza que, revelada pela ciência, as obras de ambos por meio da doutrinas também foram responsáveis fala é respeitada.
conduziria a um mundo espiritualmente espiritualidade, elas são produto de
por criar a imagem de um oriente
uma relação cultural complexa, com A mostra cresce quando sugere
elevado. Assim, suas obras ser espiritualizado, transcendente, que
vistas como parte de uma pesquisa, pontos de contato e distanciamento, relações sutis entre os artistas, que
servia como contraponto ao mundo
do desenvolvimento hipóteses e entre racionalidade e espiritualidade; permitem que o visitante compreenda
industrial europeu - o que também
porpostas para a compreensão do ciência e esoterismo. Nesse sentido, as ligações e contradições entre
só pode ser compreendido dentro do
mundo a partir das doutrinas que ela classificar a obra de Mondrian como eles sem uma medição exagerada.
contexto de expansão e dominação
seguita, especialmente a teosofia, racional e a obra de af Klint como É o que acontece no eixo que tem
colonial daqueles anos.
como atestam as cartas trocadas com esotérica é ignorar não apenas a como tema a árvore. Também fica
Steiner presentes na mostra. biografia de ambos, mas também a claro pela exposição que o interesse
Mondrian tornou-se membro da própria natureza desses movimentos pelo esoterismo e pelas ideias de
Associação Teosófica de Amsterdã no começo do século passado. Considerações finais personagens como Rudolf Steiner são
em 1908, mas o impacto das ideias Esse esoterismo que atraía os dois A intenção da exposição de parte integrante de como o discurso
de Rudolf Steiner sobre sua obra, artistas se beneficiou das inovações relacionar os dois artistas com a científico da modernidade foi
especialmente na fase abstrata, trazidas pela modernidade, como o crise climática atual parece ter pouco recebido por intelectuais e artistas.
foi limitado, como argumenta Carel telégrafo, as estradas de ferro e a ver com a obra de Piet Mondrian e Embora os eixos propostos nem sempre
Blotkamp9. Apesar de seu interesse novas tecnologias de impressão, que Hilma af Klint e não sobrevive para convençam a respeito da proximidade
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 84 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 85

NOTAS 7 A excelente Mondrian Evolution foi


organizada em 2022 pela Fundação
1 Título da exposição em holandês; Para
Beyeler, Riehen/Basel e pela
o português, a palavra levensvormen
Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen,
pode se traduzida como formas de
em Düsseldorf, em cooperação com o
vida. O nome da versão montada na
Kunstmuseum de Haia.
Tate meses antes: Hilma af Klint &
Piet Mondrian: Forms of Life. 8 Bienal de São Paulo, Catálogo da
Segunda Edição, São Paulo, 1953. p.
2 A exposição ficou em cartaz no
191.
museu de Haia de 07 de oubtro de
2023 a 25 de fevereiro de 2024, onde 9 Bessen, K. et al. Mondrian Evolution.
visitei a exposição. Fondation Beyeler, Hatje Cantz.
Berlin, Riehen, 2022. p.26.
3 Essa exposição foi originalmente
montada no Los Angeles County Museum 10 Brinbaum, D. op. cit. p. 157.
of Art, em Los Angeles. 11 Veja por exemplo, o texto escrito
4 Refiro-me eàs exposições “Hilma por Nabila Abdel Nabi para o catálogo
af Klint: Paintings for the Future”,
montada no Guggenheim em 2018 e à
da mostra.
FELIPE MARTINEZ
exposição “Hilma af Klint: Mundos Doutor em História da Arte pela
Possíveis”, montada na Pinacoteca de Unicamp, com pós-doutorado no MAC-
São Paulo também no mesmo ano. USP e na Universidade de Amsterdã. É
professor da pós-graduação da PUC-SP
5 A exposição teve curadoria de
e do MASP Escola. Autor de “O Escolar
Frances Morris; Nabila Adbel Nabi;
de Van Gogh” (Edusp) e tradutor de
Briony Fer; Laura Stamps e de Amrita
“Cartas a Theo” (Editora 34). Também
Dhallu.
é membro da Associação Brasileira de
6 Brinbaum, D. et al. Hilma af Klint Críticos de Arte (ABCA),. Associação
& Piet Mondriaan, Levensformen. Tate Internacional de Críticos de Arte
Publishing, Kunstmuseum Den Haag, (AICA) e do Conselho Internacional de
London, Den Haag, 2023, p. 8. Museus (ICOM).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 86 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 87

Hubert Bellis, Le lendemain du Carnaval, s.d.


Fotografia do autor.

Resumo: Este artigo analisa as ex- ABSTRACT: This article analyzes the
posições celebrativas na Bélgica em celebratory exhibitions in Belgium
2024 a partir das duas mostras de- in 2024 based on the two exhibitions
dicadas a James Ensor, em Bruxelas dedicated to James Ensor, in Brus-
– no Palais de Beaux-Arts – e Os- sels – at the Palais de Beaux-Arts

Para além dos tende – no Mu.Zee – a ideia central


é retirar o artista da compreensão
– and Ostend – at Mu.Zee – the cen-
tral idea is to remove the artist

mascarados:
fechada daquele considerado como o from the closed understanding of the
“pintor das máscaras” e analisá-lo “painter of masks” and analyze him

ano Ensor na Bélgica


em um círculo mais amplo de questio- in a wider circle of questions based
namentos a partir de sua obra. on his work.

Martinho Alves da Costa Junior PALAVRAS-CHAVE:James Ensor, exposi- KEYWORDS: James Ensor, exhibitions,
ABCA/Minas Gerais ções, arte belga. Belgian art.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 88 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 89

2024 é um ano festivo para as surrealismo valão. Nos museus reais Belgique”. Cujo título é retirado do museus se organizaram para colocá- pitoresca de sua arte, que o fez relação simbiótica é evidente em
artes na Bélgica. Em primeiro lugar o de belas-artes da Bélgica a exposição livro homônimo de Paul Nougé, de 1956. lo mais uma em evidência, por conta receber o nome de « pintor de obras como Le mirroir au squelette
surrealismo celebra os seus cem anos – “Imagine! 100 Years of International A exposição, que pretende ser mais dos 75 anos de sua morte. Assim, máscaras », é preciso insistir (1890), na qual o reflexo de um
se pensarmos a publicação do primeiro Surrealism” instaura uma leitura monográfica em relação aos MRBAB, primeiramente em Bruxelas, no mesmo sobre seu talento de retratista busto de esqueleto plana sobre
manifesto de Breton, em 1924, como traz um belo panorama do surrealismo Bozar (que dupla de exposições!), a e de natureza-morta1. um grupo vertical de máscaras
para reestabelecer as ligações
ponto de partida –, movimento que teve mostra “James Ensor. Maestro” discute flutuantes. Ensor esteve sujeito
entre o surrealismo e o simbolismo, na Bélgica, com obras de peso de Certamente Verhaeren, com
uma presença expressiva no país, com com potência os lugares de Ensor como
indissociável ao pensamento belga. Magritte e Paul Delvaux. olhar afiado para a obra do amigo, ao longo de sua vida a um certo
figuras maiores como René Magritte um artista múltiplo, não apenas dos
identifica energias que estão para número de obsessões – o mar, a
ou Paul Nougé, no círculo bruxelense, Por outro lado, o palácio de belas- Em segundo lugar, 2024 também se
pincéis, mas das penas, da música. luz, ele mesmo – mas a morte
ou Pol Bury e Marcel Lefrancq que artes, o Bozar, apresenta “Histoire coloca como o ano Ensor. Artista maior além das máscaras. Em especial a
Em Ostende, sua cidade natal, outra conta entre as mais importantes2.
integraram o grupo Rupture, marco do de ne pas rire. Le Surrealisme en no cenário da modernidade belga, os remarca para suas naturezas-mortas.
exposição tem uma proposta original,
Claro que o dado das máscaras é de Não saberíamos começar senão por
isolar as naturezas-mortas do artista
primeira importância para perceber o essa afirmação: a morte é uma das
e relacioná-las com a tradição belga.
artista de modo mais cabal. Esses tão mais importantes obsessões da arte
Vejamos um pouco sobre as duas mostras
que são especiais para a compreensão famosos elementos estiveram perto de Ensor. Dos famosos ossos animados

de um artista tão celebrado. dele, de sua casa na qual a loja com disputando um arenque seco (Squelettes
máscaras carnavalescas e produtos se disputant un hareng-saur, 1891) às
Émile Verhaeren foi o primeiro a
diversos animavam, à beira-mar, os suas naturezas-mortas, parece de fato
inaugurar o epíteto que seguiria o
carnavais de Ostende – hoje remontada um norteador para o artista.
artista por toda a história da arte
na Ensorhuis, pode ser vista para se É sob esse recorte que a exposição
“le peintre des masques”:
ter uma ideia do que representou a Rose, Rose, Rose à mes yeux. James
Figura 1. Entrada da James Ensor adotou esta maneira
loja para a formação visual de Ensor. Ensor et la nature morte en Belgique
exposição, Imagine! 10 de pintar com grandes tons
Years of International Se por um lado as máscaras sempre de 1830 à 1930 apresenta o artista
achatados e claros em Entrée
Surrealism, 2024, ganharam um lugar de destaque em no Mu.ZEE, em Ostende, até o dia
Museus reais de belas- du Christ à Bruxelles, e ele a
sua obra e entre os historiadores e 14/04/2024.
artes da Bélgica. guardará por muito tempo e a
Fotografia do autor. E críticos, os esqueletos foram espécie
usará frequentemente em seus Embora o gênero tenha sido constante
entrada da exposição, de pendente para essa característica:
estudos barrocos e macabros de durante sua carreira, seria difícil
Histoire de ne pas
Rire, 2024, Bozar. pierrôs e bufões. Mas, antes de A máscara tem um pendente na de imaginar uma exposição isolando e
Fotografia do autor. percorrer esta província larga e arte de Ensor: o esqueleto. Sua chamando atenção para essas obras,
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 90 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 91

instalado em uma antiga cooperativa estudo sobre o artista não se furta do artista. As margaridas no alto à exposição nos faz enxergar Ensor
socialista, o mundo do trabalho e sua em começar pela cidade, para o poeta: direta nos mostram quase o nascimento nesses artistas e ao mesmo tempo ver
força são evocados a todo instante. Frequentemente, as ondas vindas de uma outra natureza-morta, em um esses artistas em Ensor.
As salas da exposição são divididas enquadramento fotográfico.
do lado da Inglaterra quebram- Hubert Bellis, pintor de Schaerbeek,
por números de 1 a 5, sugere um
se numerosas e grandes no Uma parede com o nome da exposição tem uma participação especial. Le
percurso, mas não engessa o visitante,
porto de Ostende. E as ideais se estende por todo o andar, e no lendemain du Carnaval, s.d., do
que se encontra livre para se perder
e os costumes seguem este centro, reina sozinha, o cartão de museu M de Leuven, por exemplo, é
nas salas montadas com madeira. A
movimento marinho. A cidade é visitas, Rosas. A obra, de força uma das joias. Um verdadeiro espólio
exposição toma o primeiro andar do
meio inglesa: sinais de lojas e centrífuga, anima as salas que se de uma noite de carnaval formando
museu. As salas numeradas são erguidas
dos bares, proas arrogantes dos uma natureza-morta: uma garrafa de
com compensados e deixados crus, os abrem a partir dela, a sua frente
pescadores, bonés dos agentes e champagne, outra de vinho, cascas
pregos que ligam as placas de madeiras e também por detrás. A sala número
de funcionários brilham no sol de frutas, conchas vazias de ostras
são visíveis, um tablado com o mesmo 1 é destinada à natureza-morta na
com letras douradas, com sílabas já devoradas etc. e muitas flores
material sustenta esses muros. Evoca Bélgica. É impressionante como a
britânicas [...] Esta influência que se misturam em simbiose com
Figura 2 Entrada da exposição em Ostende. No fundo, a tela Roses de 1892. Fotografia do autor. o mundo citado das cooperativas,
de outro-mar que impregna o meio as serpentinas em um balde. Entre
mas vai além. Aquelas paletas
onde ele nasceu seria suficiente os vestígios, o sabor da noite
tanto pela quantidade quanto a animação criação –, como se seu engenho não se coloridas, vermelhos aberrantes,
para explicar a arte especial de impregnado nas máscaras deixadas
dentro da instituição. No entanto, é encadeasse a nada que o antecedeu ou cabeças de peixe, os verdes-água
James Ensor. no chão e também no vaso: não há
exatamente esse um dos pontos que o acompanhou naqueles anos. Ensor é tão característico de Ostende e que
mais fazem os olhos brilharem na um artista profundamente mergulhado inundam os quadros de Ensor, se fazem Seja como for, a exposição dúvidas do eco na obra de Ensor.
mostra. Ensor é posto lado a lado na tradição belga, em especial a presente naquelas obras. As salas são compreende essa ligação com o espaço As serpentinas da obra de Bellis,
com a tradição de natureza-morta flamenga. Nada melhor para entender montadas como um mercado à beira-mar, e com a terra reverberando na obra parece irradiar as confluências
belga, em especial aquela moderna. o pintor que flanar entre os muros flores, peixes, conchas, crustáceos, do artista. entre Ensor e seus pares.
Não a moderna apenas do grupo dos XX, dos museus reais de belas-artes da arranjos diversos são postos à mostra Rosas, de 1892 é responsável para Essa sala se expande com obras de
mas também da academia, dos ateliês Bélgica ou nos museus reais de belas- para o espectador. dar boas-vindas aos visitantes. Sua calibre, artistas como Anna Boch, Alice
privados. A exposição nos faz enxergar artes da Antuérpia nos corredores paleta inconfundível dos nos 90 se Ronner, Léon Fréderic se avizinham.
A ideia do frescor beira-mar
de modo mais claro as ligações do dos Bruegel, Bosch ou Jordaens. dentro da exposição não se refere faz presente. Os tons avermelhados, Nesse espaço Ensor não aparece senão
artista com seus pares. Dissolve um O Mu.ZEE (como é conhecido, simplesmente à cidade. O fato é rosados, são pastosos e curiosamente com vestígios, poucas obras fazem a
pouco o mito de um artista único abreviação carinhosa de Kunstmuseum que Ostende é indissociável da obra gráficos ao mesmo tempo. Há certa Figura 3. James Ensor. Roses, 1892. Fotografia ligação com o artista. A sala 3 lhe
em sua ilha intocável – pináculo da aan Zee ou Museu de arte no mar) está de Ensor. Verhaeren ao iniciar seu dimensão do desenho nos trabalhos do autor. é inteiramente dedicada, certamente
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 92 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 93

é o núcleo da exposição. A ideia é A sala nuclear da exposição é é posto em relação aos artistas identidade nos mostra mais claramente
abarcar toda a carreira do artista como uma explosão de obras de Ensor posteriores a sua presença no os lados animalescos, de impulsos e
com suas naturezas-mortas. Do Porte- que lançam seus vestígios para cenário belga. Dessa forma Rose, iniquidade humana. Os demônios que
manteau, de 1876 ao La Vieille Horloge, os outros cantos da mostra. Se a Rose, Rose à mes yeux se constrói atormentam o santo são mascarados.
de 1941, Ensor se mostra poderoso no potência da sala é inegável, vemos como uma visão múltipla a partir da A espécie de pierrô atrás, como um
gênero e nos faz lembrar de como os estilhaços sendo perceptíveis nas microanálise das naturezas-mortas obsidente, mostra essa dualidade
Verhaeren chamava atenção, em 1908, outras salas. A obra vai irradiando e compreende Ensor entre seus na obra do artista. Os espíritos
para essas obras. entre as paredes, na última, Ensor pares e sua força naquele cenário malignos escapam dos galhos ganham
que resiste como um farol para as o mundo enquanto o santo desolado
artes belgas até hoje. parece suplicar por nós.

No caso da exposição de Bruxelas, As exposições de Ensor neste ano


James Ensor. Maestro, no Bozar, alargam a compreensão do artista,
a ideia também quer fugir de ainda há a promessa do museu da
reapresentar o artista na chave Antuérpia como uma grande mostra
Figura 5. Sala número 1 da exposição em Ostende, Fotografia do autor.
“le peintre des masques”. Ensor é
apresentado como um polímata, suas nas extremidades da tela e banhados
relações com a escrita, com a música, com uma tinta com tons avermelhados.
com os pinceis são elencados. A composição faz eco à La joie de
Ensor foi também um compositor, vivre,1905-1906 de Henri Matisse ou
escritor ácido e irônico e um Au temps de l’harmonie – L’Age d’or
artista gráfico profícuo. As n’est pas dans le passé, il est dans
obras menos conhecidas do artista l’avenir de Paul Signac, 1895. A
aparecem agigantadas e os esforços obra, embora lembre os carnavais de
da exposição parece querer incidir Ensor, mantém uma outra iconografia,
novas iluminações para essas telas. seu título nos revela: Saint Antoine
turlupiné, de 1932.
Na obra acima, a cena aparentemente
é um carnaval. Vemos bandeirinhas, As máscaras na obra de Ensor podem
mascarados, fantasias, em personagens ser entendidas também como um aparato
Figura 4. Hubert Bellis, Le lendemain du Carnaval, s.d. Fotografia do autor. cercados pelos galhos que se elevam que desvela, ao invés de obstruir a Figura 6. Sala dedicada ao Ensor no exposição em Ostende. Fotografia do autor.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 94 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 95

Figura 7. Corredor de abertura da exposição no Bozar, em Bruxelas. Fotografia do autor.

no segundo semestre, esperemos. o prisma se decompunha em Em um mundo cada vez mais em


Até aqui a celebração cumpre seus cada uma de suas telas; sua frangalhos, esquisito e rabugento, Figura 8. James Ensor. Saint Antoine turlupiné, de 1932 . Fotografia do autor.

objetivos. Camille Lemonnier, o pictorialidade era violenta e a obra de Ensor se sobressai, o


naturalista belga, resume a arte mundo descortinado pelo artista,
emotiva. Um sabor maravilhoso
por suas naturezas-mortas, seus
de Ensor e nos ajuda a entendê-lo coincidia com sensações
esqueletos, sua paleta vermelho-
nesse 2024: gulosas, evocava a pompa dos
amarelada nos dá o tom azedo e
A penetração da visão de tecidos, o brilho das joias, o de descobertas fantásticas de Figura 9. Detalhes de James Ensor. Saint Antoine
Ensor era extraordinária; todo outono, a mulher, as frutas3. nosso mundo contemporâneo. turlupiné, de 1932 . Fotografia do autor.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 96 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 97

notas Referências
1 Verhaeren, Émile. James Ensor. Bruxelles :
Lemonnier, Camille. L’école belge
Libraire Nationale d’Art e d’Histoire, 1908,
p. 46 de peinture. 1830-1905. Bruxelles :
2 Madeline, Laurence et. Al. James (art) Éditions Labor, 1991.
Ensor. Paris : RMN, musée d’Orsay, 2009. P.
23.
Madeline, Laurence et. Al. James (art) Martinho Alves da Costa Junior
3 Lemonnier, Camille. L’école belge de Ensor. Paris : RMN, musée d’Orsay,
Professor de História da Arte e da
peinture. 1830-1905. Bruxelles : Éditions 2009.
Cultura do departamento e da pós-
Labor, 1991, p.192.
Verhaeren, Émile. Sensations d’Art. graduação em História da Universidade
Paris : Libraire Séguier, 1989. Federal de Juiz de Fora. Doutor em
Verhaeren, Émile. James Ensor. História da Arte pelo IFCH/UNICAMP.
Bruxelles : Libraire Nationale d’Art e Pesquisador convidado no INHA-Paris em
d’Histoire, 1908. 2012. Realizou o pós-doutoramento na
Université Libre de Bruxelles e no IFCH/
UNICAMP. Pesquisador do CHAA – Centro
de História da Arte e Arqueologia e
do LAHA – Laboratório de História da
Arte da UFJF. É editor associado da
RHAC – Revista de História da Arte
e da Cultura do IFCH/Unicamp. Autor
do livro Identidades Cruzadas: CCBB,
Claraluz de Regina Silveira e seus
espectadores, São José do Rio Preto:
Bluecom, 2009 e Benedito Calixto:
Folha de São Paulo/Itaú Cultural,
2013. É membro do Comitê Brasileiro de
História da Arte (CBHA), da Associação
brasileira dos críticos de arte (ABCA)
e da Association internationale de
critiques d’art (AICA).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 98 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 99

Fila em ponto de ônibus


no Vale do Annhamgabaú, 1953,
Acervo Instituto Moreira Salles

Resumo: Alice Brill, fotógrafa


falecida em 29 de junho de 2013, Abstract: Alice Brill, a photographer
traz um repertório intenso que who died on June 29, 2013, brings
desvela, em Flagrantes de São Paulo, an intense repertoire unveiling in
uma cidade que se transforma e se Candid shots of São Paulo, a city that
moderniza. O presente texto aborda: is transformed and modernized. The
as relações sensíveis que norteiam present text covers: the sensitive
a produção da artista (fotógrafa, relations that guide the production
gravadora e ensaísta); as suas artist (photographer, engraver and
experiências relacionadas à pintura essayist); their experiences related
(os primeiros ensinamentos com seu to painting (the first lessons with

O Mundo de Alice Brill1


pai, o pintor-viajante Erich Brill e his father, the painter-traveler Erich
sua aproximação com o Grupo Santa Brill and his approach to the Group
Helena) e, particularmente dedica Santa Helena) and particularly devotes

Flagrantes de São Paulo atenções ao registro das paisagens e


cenas urbanas – alvos constantes de
attention to the record of landscapes
and urban scenes - constant targets

DALMO DE OLIVEIRA SOUZA E SILVA sua fotografia espontânea. of their spontaneous photography.

E ROSEMARI FAGA VIÉGAS Palavras-chave: Alice Brill, Flagrantes Keywords: Alice Brill, Candid shots
ESPECIAL PARA ARTE&CRÍTICA de São Paulo; Arte e Fotografia. of São Paulo; Art and Photography.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 100 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 101

As duas primeiras décadas do das paisagens e dos modelos para isso, elegendo a cidade moderna e seu
século XX presenciaram a emergência poderem depois pintá-los no conforto cotidiano como foco central.
das vanguardas artísticas e as dos seus ateliês. A pintura passou
A aptidão de flâneur que surge
transformações culturais advindas dos a fazer uma exploração mais plástica
intrínseca à produção de Alice Brill
fenômenos da modernização. O caráter dos enquadramentos e assume um olhar
desperta para a reflexão sobre as
mecânico e de reprodutibilidade mais casual em relação aos objetos.
interações entre arte e fotografia;
intrínsecos aos processos fotográficos Já a fotografia modernista, por sua
entre o universo pictórico e o
foram vistos pelos artistas modernos vez, abriu mão dos temas bucólicos
registro documental de uma época e,
como atributos capazes de representar e pictóricos, característicos da
especialmente sobre a vida em uma
a dinâmica da nova vida que surgia fotografia acadêmica, jogando-
metrópole moderna, tal como São Paulo.
aceleradamente nos grandes centros se com profundidade na ação de
Sua produção fotográfica resume-se
industriais e urbanos. Ao mesmo desvelar a cidade moderna. E também
em 14 mil negativos, que a artista
tempo, os artistas ligados às nas experimentações técnicas que
passou ainda em vida para guarda
vanguardas passaram a empregar a proporcionavam inovadoras imagens.
do Instituto Moreira Salles (IMS)
fotografia como instrumental para Entre os anos de 1920 e 1950, o
o questionamento das hierarquias em 2000. Esse material assinala sua
“novo” desejado pela modernidade
tradicionais do sistema de produção, rara sensibilidade e sua diversidade
se coloca de forma definitiva na
fruição e circulação da arte. temática, que se estende dos aspectos
imagem técnica e nas possibilidades
mais nobres aos banais da cidade de
Nesse sentido, as interações de experimentação desta. O registro
São Paulo, passando por retratos,
entre arte e fotografia tornam-se fotográfico deixou de ser uma
pelos registros do mundo infantil
cada vez mais densas. O repertório tentativa de capturar o instante real
até a documentação de viagens a Ouro
ora apropriado do universo pictórico para transforma-se também em um ato
Preto, Salvador e Xingu.
passou a ser o ponto de conexão, no interpretativo. A afirmação do teor
qual pintura e fotografia colaboraram artístico do registro fotográfico Quando Alice Brill foi convidada
entre si e evoluiram uma com a outra. se manifestou, sobretudo, na a observar os aspectos urbanos
As técnicas pictóricas tornaram-se exploração dos atributos específicos em fortes contradições (moradias
mais fluidas, livres e espontâneas, da técnica fotográfica, tais como modestas versus de luxo; centro versus
uma vez que a fotografia liberava os enquadramentos oferecidos pela periferia), obteve como resultado uma
Realejo na praça do Patriarca,
os pintores dos rigores da mímese. câmera e os jogos de luz e sombra que cartografia sensível do urbano na São Paulo, c. 1953
Muitos artistas recolhem fotografias a objetiva podia proporcionar. Tudo década de 1950, filtrada pelo olhar Acervo Instituto Moreira Salles
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 102 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 103

da repórter que simultaneamente nesse episódio e na proximidade com a Paulo Rossi conheceu o pai de Alice
é pintora. Suas relações com o poética de seu pai: nos anos de 1940, quando de sua permanência em São
repertório pictórico iniciaram-se Alice Brill frequenta o Palacete Santa Paulo. No mesmo local também travou
sob a influência de seu pai, Erich Helena – lugar onde se encontraram contato com Yolanda Mohalyi, Hansen
Brill, um pintor-viajante que esteve artistas amadores ligados a trabalho Bahia e Samson Flexor. Dos traços
no Brasil, entre os anos de 1934 e simples de pintura de paredes ou herdados do Grupo Santa Helena,
1937. Aqui, ele retratou a paisagem de decoração de residências. Em talvez, o desejo de retratar a vida
que o cercava, pintando obras, tais sua maioria, imigrantes ou filhos popular seja uma das características
como, Paquetá, 1934, Viaduto do Chá, de imigrantes que se dedicavam ao mais marcantes de Alice Brill. Os
1935, Clube Tietê, 1935, Salto de Itu, desenho com modelo vivo e às paisagens santelenistas, aos finais de semana,
1935 e outros lugares brasileiros. O dos bairros suburbanos de São Paulo. realizavam excursões à periferia de
pintor chegou a realizar exposições Nesse edifício da Praça da Sé, no. São Paulo para praticar pintura ao ar
no Rio de Janeiro e em São Paulo. 43 (posteriormente, 237 e demolido livre. Também pequenas localidades
Porém, em 1937, ele retornou para em decorrência da construção do do interior e do litoral paulista
metrô em 1973), nasceu, o que os foram visitadas. Segundo Walter
Hamburgo, onde foi preso pelos
críticos de arte denominaram de Zanini, os santelenistas tinham
nazistas. Deportado para o campo
Grupo Santa Helena, constituído por “como objeto de representação e
de concentração de Jungfernhof,
Rebolo Gonsales (1902 -1980), Mário ponto principal de referência uma
próximo a Riga (Letônia), Erich foi
Zanini (1907-1971), Fulvio Pennacchi visão física, humana e social muito
fuzilado em 1942.
(1905-1992), Aldo Bonadei (1906- particular do meio paulistano”.
A família de Alice Brill desembarcou 1974), Alfredo Volpi (1896-1988), Na série Flagrantes de São Paulo
em terras brasileiras, quando ela Humberto Rosa (1908-1948), Clóvis essa preocupação tornou-se explícita.
aproximava-se dos 14 anos de idade. Graciano (1907-1988), Manoel Martins Encomendada por Pietro Maria Bardi,
Na bagagem, uma minicâmera Agfa, tipo (1911-1979) e Alfredo Rullo Rizzotti então diretor do Museu de Arte de
caixão – presente do pai – e equipamento (1909-1972). São Paulo (MASP), para integrar um
com o qual, Alice registrou a viagem
Do Santa Helena, Alice teve como álbum comemorativo do IV Centenário
Banca de jornal no que, antes do destino final, passou
mestres Paulo Rossi e Aldo Bonadei, da cidade de São Paulo, em 1954,
centro de São Paulo, por Espanha e Itália.
c. 1953
além disso, tem, como ensaísta, um a série é uma tentativa de Alice
Acervo Instituto As experiências envolvendo o livro sobre Mário Zanini (Mário Zanini Brill de mapear a metrópole paulista
Moreira Salles registro da paisagem não se esgotam e seu tempo, Ed. Perspectiva, 1984). moderna e ambígua, a partir desta
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 104 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 105

Túnel Nove de Julho. Tocador de Realejo,


São Paulo, c. 1953 1950
Acervo Instituto Acervo Instituto
Moreira Salles Moreira Salles
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 106 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 107

referência “física, humana e social”. no imaginário da época como um mito classes sociais. Protagonista mesmo é
O álbum comemorativo jamais foi fundador. Reconta-se a história da somente a cidade em seus contrastes,
publicado, à época, faltou patrocínio. antiga vila enfaticamente, numa linha ora colonial, ora cosmopolita; ora
A publicação integral das fotos que contínua e ascendente, evocando a sua vertical, ora horizontal; ora rica,
compõem a série permanece inédita grandiosidade e potência associada ora pobre e, assim por diante.
até hoje, porém, algumas fotografias aos heróis que teriam desbravado o
Na visão da crítica contemporânea,
foram publicadas em periódicos, tal Trópico de Capricórnio. “São Paulo, a
a série pode ser marcada por uma
como a Revista Habitat (dirigida por locomotiva do Brasil” era um lema que
saudade de uma cidade que não existe
Pietro Maria Bardi). Outras foram invadia o cotidiano das pessoas.
mais ou que seus vestígios estão
inseridas no livro Isto é São Paulo! Avessa a essa vertente, no conjunto sobrepostos – o que restou dos anos de
99 Flagrantes da Capital Bandeirante de fotografias, Alice Brill traçou 1950 tornaram-se memórias carregadas
(Melhoramentos, 1956). O Museu de um retrato da cidade em diversos pela poética gráfica de Alice Brill:
Arte Contemporânea da Universidade ângulos: do requinte das mansões de
de São Paulo (MAC USP) tem cerca de “Todo esse registro visto hoje
Higienópolis aos bairros operários;
70 fotografias da série – elas foram tem a nostalgia da cidade outrora
os grandes edifícios que se erguem
doadas pela artista em 1974. mais elegante e harmoniosa. Alice
solenes em seus registros fotográficos
Brill, pela formação artística
Nesse ponto, torna-se importante e, às cenas mais banais, como por
mais acentuada e pelas influências
assinalar que durante a década de exemplo, as vividas na banca de jornal
diretas da pintura e do desenho,
1950 há uma crescente produção de ou na feira livre que toma as ruas da
fotografou a cidade de São Paulo
álbuns fotográficos sobre a cidade cidade. Aliam-se, ainda, os anúncios
nos anos 1950 de maneira mais
de São Paulo. O período que antecede publicitários que se confundem e se
construtiva e gráfica. Seu olhar,
o aniversário dos quatrocentos anos ordenam, segundo a lógica da artista,
sentido privilegiado do nosso
da cidade, em 1954, transborda uma às frutas, aos tipos humanos e à
século e principal mediador entre
multiplicidade de imagens oficiais infraestrutura urbana. Nessa série
o sujeito e a realidade objetiva
amplamente divulgadas em outdoors, fotográfica: símbolos da modernização
e dinâmica, é mais poético,
revistas ilustradas, cartões- coexistem com ícones do passado
refinado e transformador”. Fila em ponto de
postais e álbuns que remetiam a um aristocrático ligado à economia
ônibus no Vale do
discurso efusivo sobre o progresso cafeeira; tipos sociais surgem como Flagrantes de São Paulo, Alice não
Annhamgabaú, 1953,
e a industrialização da metrópole. A coadjuvantes em cenas que sugerem exalta o formalismo ou a técnica. Ela Acervo Instituto
“saga dos bandeirantes” é propagada o desequilíbrio existente entre as está mais voltada à espontaneidade de Moreira Salles
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 108 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 109

cada cena, uma vez que seu interesse que nas quais se apresentam figuras notas: 1944, 1947 e 1948 (Prêmio Mário de 4 ZANINI, Walter. 60 anos do Grupo
era o documental imediato – o “fazer humanas em casarios ou apartamentos. Andrade, 1948); Bienal Internacional Santa Helena. In: O Grupo Santa
1 Em 2005, o Instituto Moreira Salles
o retratado de uma época”. Por meio Com delicadeza, elaborou figuras em de São Paulo, 1951 e 1967; Salão
organizou uma retrospectiva da Helena (folder de exposição realizada
de amplo e detalhado registro, Alice estruturas verticais semelhantes a Paulista de Arte Moderna, São Paulo,
artista com o mesmo título no Centro Cultural Banco do Brasil,
fixou uma paisagem ambígua para São prédios e telhados geometrizados de de 1961 a 1968 (Pequena Medalha de
Paulo da década de 1950. Suas lições casas avistados a partir das janelas 2 Alice Brill (Colônia, Alemanha, Prata, 1961; Medalha de Prata, 1962; Rio de Janeiro, jan—mar/1996.
que abrangiam o mundo pictórico, de seu ateliê O tema da solidão na 1920 – São Paulo, SP, 2013). Estudou Medalha de Ouro, 1963; Medalha de
pintura no Palacete Santa Helena, em 5 MOREIRA, Marina Rago. Alice Brill,
advindas de Erich Brill e de seus metrópole era recorrente em sua obra Prata, 1964; Prêmio Aquisição, 1965);
e pode detectar-se traços dela em São Paulo, durante a primeira metade Panorama de Arte Atual Brasileira, no retratos de uma metrópole. Primeiros
mestres do Grupo Santa Helena
da década de 1940. Entre 1946 e MAM SP, várias edições entre 1969 e Escritos, no. 18, junho, 2012. In:
nortearam essa produção. Flagrantes de São Paulo. Na série, a
1947, fez uma série de cursos na New 1979; A Cidade na Arte, no CCSP, São
fotógrafa registra as cenas em preto h t t p:// w w w.la b h oi.u f f.b r/sit e s/
Alice fotografou outras regiões Mexico University, em Albuquerque,
e branco, nas pinturas à estrutura Paulo, 1983; A Fotografia e os anos
do Brasil em viagens ou expedições, Novo México (Estados Unidos) e na default/files/AliceBrill_ rev.p df.
marcada de suas telas, ela une o 50, no MAC USP, 1984; Pinturas Alice
assim como registrou reproduções de Art Student’s League, em Nova York. Acesso em 12 mar. 2015
emprego apurado da cor, criando Brill, no MAC USP, 1994.
obras de arte e eventos ocorridos Nesse mesmo período, iniciou suas
ousadas relações formais na paisagem. 3 “O próprio Rebolo explicaria, anos 6 FERNANDES JÚNIOR, Rubens. Alice
em museu. Ela teve obras expostas primeiras experiências em fotografia.
No fim de sua trajetória, aproximou- mais tarde, as origens do Grupo:
nas primeiras bienais e é uma das Após o seu retorno ao Brasil, Brill. In: CARBONCINI, Anna (coord.).
se da abstração, porém, isso é uma trabalhou como fotógrafa da revista ‘O Santa Helena não começou como
fundadoras do Museu de Arte Moderna Coleção Pirelli/MASP de Fotografias:
outra história. Habitat, realizando reportagens sobre um movimento: foi transformado em
de São Paulo (MAM SP). Também fez
movimento pelos intelectuais.’ Um v. 7. São Paulo: MASP, 1997.
retratos de famílias e de crianças que arquitetura e artes plásticas, temas
que também desenvolveu em atividades grupo formado por meia dúzia de
foram importantes para consolidá-la
ligadas ao MASP, MAM SP e à Bienal amigos, cujo traço comum era não
na profissão. Vale mencionar, ainda,
Internacional de São Paulo. Entre gostar de acadêmicos e querer a
o interessante trabalho de registro
1948 e 1960, documentou os índios “pintura verdadeira” que não fosse
das atividades promovidas pela Seção
Carajás, de Mato Grosso. Formou-se anedótica ou narrativa. ‘A pintura
de Artes Plásticas do Hospital
em filosofia pela PUC SP em 1975. pela pintura’”. AJZENBERG, Elza. Grupo
do Juquery. Porém, a exploração
Obteve o mestrado em 1982 e o Santa Helena. 19&20, Rio de Janeiro,
da paisagem urbana tornou-se uma
doutorado, pela USP, em 1989. Entre v. III, n. 4, out. 2008. Disponível
constante em seu percurso estético.
as exposições de que participou, é em: http://www.dezenovevinte.net/
Prova disso, é sua produção na década possível destacar: Salão do Sindicato artistas/artistas_gsh.htm. Acesso em
posterior, que gira em torno de pinturas dos Artistas Plásticos de São Paulo, 12 mar. 2015.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 110 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 111

Referências: MOREIRA, Marina Rago. Alice Brill,


retratos de uma metrópole. Primeiros
AJZENBERG, Elza. Grupo Santa Helena.
19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 4, Escritos, no. 18, junho, 2012. In:
out. 2008. Disponível em: http://www. h t t p:// w w w.la b h oi.u f f.b r/sit e s/
dezenovevinte.net/artistas/artistas_ default/files/AliceBrill_ rev.p df.
gsh.htm. Acesso em 12 mar. 2015. Acesso em 12 mar. 2015.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna, ZANINI, Walter. 60 anos do Grupo Santa
São Paulo: Cia das Letras, 1993.
Helena. In: O Grupo Santa Helena
BENJAMIM, Walter, A obra de arte no (folder de exposição realizada no
tempo de sua técnica de reprodução
Centro Cultural Banco do Brasil, Rio
– Sociologia da Arte, Rio de janeiro:
Zahar, 1969.
de Janeiro, jan—mar/1996. ROSEMARI FAGA VIÉGAS
ERICH Brill: Pintor e viajante. Textos: Graduada em Administração pela
Erich Brill: Uma vida interrompida/
DALMO DE OLIVEIRA SOUZA E SILVA Escola Superior de Administração de
apresentação de Emanoel Araújo; Graduação em Pedagogia pela Faculdade Negócios (1975), Mestre em Ciências
textos de Alice Brill e Wolfgang de Filosofia e Letras Nove de Julho da Comunicação pela Universidade de
Pfeiffer. São Paulo: Pinacoteca do (1984), graduação em Letras pela São Paulo (1988) e Doutora em Ciências
Estado, 1995. Universidade Federal de Alagoas (1981), da Comunicação pela Universidade de
GOMBRICH, Ernst. H. A História da mestrado em Artes pela Escola de São Paulo (1996). Foi docente do
Arte, Rio de Janeiro: Zahar, 1978. Comunicações e Artes da Universidade Mestrado em Comunicação, Educação
de São Paulo (1987) e doutorado em e Administração da Universidade
HAUSER, Arnold. História Social da
Artes pela Universidade de São Paulo São Marcos. Exerceu cargos de
Arte e da Literatura, São Paulo:
com bolsa (Daad) na Universidade de direção e gestão em Instituição
Martins Fontes, 2000.
Augsburg/Alemanha (1993). Atualmente Pública e editor-gráfico em revistas
KOSSOY, Boris. Fotografia e História, é professor titular do Centro científicas. Organizou e participou de
São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. Universitário Álvares Penteado e da projetos acadêmicos e institucionais.
KOSSOY, Boris. “Construção de uma Universidade Metodista de São Paulo. Atualmente, é professora titular da
visualidade moderna” In: O Mundo de Pesquisador da Cátedra de Gestão de Faculdade São Sebastião/SP. Avaliadora
Alice Brill, 2005, p.p. 6-14. Cidades da UMESP. adhoc do MEC/INEP desde 1998.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 112 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 113

Foto: Alberto Mateus

Resumo: A consolidação do poder


cultural de um artista se passa,
fundamentalmente, pelo audiovisual no Abstract: The consolidation of the
século 21. A pesquisa realizada tem cultural power of an artist goes
como objetivo elucidar os mecanismos through, fundamentally, by audiovisual
de consolidação do poder na arte e in the 21st century. This research
no entretenimento. Percebe-se que aims to elucidate the mechanisms of
existem categorias fundamentais na consolidation of power in arts and
consolidação do poder cultural, como entertainment. There are fundamental
tempo, contexto, beleza, espaço categories in the consolidation of
e idioma, permeando, também, a cultural power, like time, context,
importância do poder suave (soft power), beauty, space and idiom, also
ou seja, sistemas internacionais permeating the importance of cultural
de poder. Esta pesquisa comparou, soft power, international systems of

O QUE FAZ UM ARTISTA debaixo destas categorias, o poder


cultural de artistas contemporâneos
power. This research compared, below
those categories, the cultural power

ADQUIRIR PODER CULTURAL? em diversos campos. of contemporary artists in many areas.

Palavras-chave: poder cultural; Keywords: cultural power; audiovisual;


FRANTHIESCO BALLERINI - ABCA/SÃO PAULO audiovisual; poder suave soft power
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 114 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 115

O que faz um artista adquirir por que alguns artistas de países para tornar suas obras, como livros, A pesquisa deixou claro outros relevante como atriz, diretora ou ao nosso tempo e contexto: é a
poder cultural durante sua vida? Por subdesenvolvidos enfrentavam relevantes neste século. O mais forte aspectos cruciais para acumular roteirista. Mas em 2020, seu filme, vingança de uma mulher (feminismo?)
que alguns artistas se tornam muito maiores obstáculos do que aqueles poder cultural advém de artistas já poder cultural. Artistas cujas ‘Bela Vingança’, um filme raso de contra homens abusivos.
poderosos com obras homogêneas e de países desenvolvidos e, ainda imersos em manifestações de poder atitudes e produtos estão alinhados entretenimento adolescente, ganhou O astro de Bollywood Shah Rukh
repetitivas enquanto outros lançam assim, adquiriam mais poder cultural suave, aquelas que historicamente Khan tem mais poder cultural que
com seu tempo, contexto e o Oscar de Melhor Roteiro Original.
obras de vanguarda e criativas e do que seus pares bem-nascidos. Eu (e internacionalmente) moldaram as
expectativas são mais prováveis de Por quê? Porque sua violência, não a estrela de Hollywood Brad Pitt.
permanecem desconhecidos por toda persegui estas respostas na minha preferências do mundo, como filmes
se tornar poderosos. Emerald Fennel muito diferente de franquias como Como é possível? Alguém admitiria
a carreira? Qual é a influência pesquisa de doutorado, na linha de Hollywood. isso em países desenvolvidos? De
de nascer e se tornar artista em nunca havia ganhado um prêmio ‘Rambo’, é perfeitamente adaptada
de processos socioculturais, com o fato, ele é mais poderoso que seu
países desenvolvidos no processo fundamental apoio da bolsa Prosuc/ colega norte-americano. Ambos
de internacionalização de obras de Capes do governo federal. Após cinco possuem um aspecto essencial
arte do artista? anos de pesquisa, minha tese gerou para se obter poder cultural na
Estas perguntas me perseguiram meu recente livro, ‘Poder Cultural – indústria cinematográfica: beleza.
durante minha pesquisa para o livro mecanismos de consolidação do poder No começo, Khan e Pitt usaram sua
‘Poder Suave – Soft Power’, lançado na arte e no entretenimento no século beleza para serem escalados em
no Brasil em 2017 e finalista, no 21’ (2023), e me possibilitou chegar filmes de entretenimento, mesmo
ano seguinte, do 60º Prêmio Jabuti a algumas respostas interessantes. de má qualidade. Mas enquanto
na categoria Economia Criativa. À Primeiramente, o que é poder acumulavam poder cultural, eles
época, eu foquei a pesquisa nas cultural? É a habilidade individual foram capazes de escolher projetos
manifestações culturais de poder de seduzir uma quantidade massiva melhores e serem menos dependentes
suave (soft power, em tradução de pessoas de muitos cantos do do aspecto físico. O espaço também
literal), como Hollywood e Bollywood, mundo, movendo a economia de outros é outro importante aspecto para
a moda francesa, o balé russo, a países, modelando os hábitos de o poder cultural: ambos nasceram
Invasão Britânica (onda musical dos consumo e criando uma indústria por em países com as duas maiores
anos 1960 iniciada pelos Beatles), si só. O verdadeiro poder cultural manifestações de poder suave no
a bossa nova, o carnaval e as frequentemente advém de produtos cinema (Hollywood e Bollywood),
telenovelas brasileiras. audiovisuais no século 21 – filmes, que os colocaram muitos passos à
Mas eu não estava satisfeito. programas de TV, telenovelas, vídeos frente de atores de outras nações.
Parecia haver aspectos na trajetória de mídias sociais – e até escritores Ambos apoiam causas internacionais
do artista que poderiam explicar precisam passar pelo meio audiovisual Foto: Alberto Mateus Margot Robbie no filme ‘Bela Vingança’ (2020). Crédito: Divulgação/Focus Features que modelaram positivamente suas
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 116 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 117

imagens: Pitt apoia a One Campaign, É também da Ásia outro artista cultural do brasileiro Mauricio milhões de espectadores ao redor algumas das principais chancelas do eles dois Oscars de Melhor Animação,
que luta contra a Aids e a pobreza que acumula um imenso poder de Sousa com o japonês Hayao do mundo, até mesmo de plateias poder cultural de artistas desde para os filmes ‘A Viagem de Chihiro’
em países subdesenvolvidos; Khan cultural. É importante lembrar Miyazaki. E o que se constatou é um arredias à cultura japonesa (devido o surgimento do cinema. Festivais (2002) e ‘O Menino e a Garça’ (2024).
é embaixador da Pulse Polio, que, na pesquisa, a comparação do poder cultural dez vezes maior do às invasões no século 20) como dão visibilidade internacional,
No mundo da música, videoclipes
Organização Nacional de Controle poder cultural se dá, sempre, entre asiático sobre o latino-americano. a chinesa e coreana. A animação são televisionados e se tornam
mecanismos eficientes para a (audiovisual) são a ferramenta mais
da Aids e Fundação Faça um Desejo artistas que nasceram em épocas Isso se deve, primeiramente, porque brasileira não possui poder suave
da Índia. Mas o que faz Khan ser semelhantes, de modo que o tempo Miyazaki está inserido num poder (internacional), ao contrário da concretização de futuros negócios importante para fortalecer o poder
mais poderoso que Pitt são suas não seja um fator que privilegie ou suave estabelecido há décadas, a telenovela nacional, como veremos e projetos. Miyazaki ganhou 47 cultural de cantores. A inglesa Dua
escolhas relativas à vida pessoal prejudique os analisados. No campo cultura MAG (mangá, anime e games) adiante. Mas o cerne da disparidade festivais de grande porte, dentre Lipa e a brasileira Anitta sabem
nas mídias sociais. Pitt e Angelina da animação, foi comparado o poder do Japão, responsável por seduzir de poder cultural entre ambos se
Jolie foram, provavelmente, o casal dá por uma escolha profissional:
mais perseguido de Hollywood nos Miyazaki escolheu passar a vida
anos 2000, o que talvez tenha como artista animador e apenas isso,
ajudado Pitt a decidir por não ter enquanto Sousa dividiu seu tempo
perfis em redes sociais. Khan tem um entre algumas criações de animações
longo casamento com Gauri Chibber, em longa-metragem (metade do número
até então desconhecida quando se do diretor japonês) e a administração
conheceram, em 1991, agora com três de seu império de entretenimento,
filhos. Ele posta constantemente a envolvendo parques, gibis, franquias
rotina da família nas redes sociais, e, também, a formação de outros
com 42 milhões de seguidores no animadores que dariam continuidade
Facebook, 30 milhões no Instagram e às obras. Junte-se a isso o fato
42 milhões no X (antigo Twitter). Em de que, há décadas, as animações,
2019, David Letterman entrevistou ou animes, não são consideradas
Khan no ‘Meu próximo convidado gêneros (infanto-juvenis) no Japão,
com David Letterman’ (Netflix). como é no Brasil. Elas são meios, ou
Após dias seguindo sua rotina em seja, uma forma de contar qualquer
Mumbai, Letterman o chamou de “a história, para qualquer público-
maior estrela de cinema do mundo”. alvo (adultos, crianças, idosos
Ele estava certo. O astro indiano Shah Rukh Khan. Imagem: Instagram de Shah Rukh Khan etc.). Sabe-se que os festivais são Hayao Miyazaki no Studio Ghibli. Foto: TCD/Prod. DB/Alamy/Fotoarena
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 118 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 119

disso perfeitamente. E seus poderes sucesso. Ambas utilizaram de sua quem recebeu a alcunha – pela mídia Vladimir Brichta e reservada quanto a
extrapolam a música. Em 2020, Dua beleza, no começo da carreira, para mexicana e norte-americana – de entrevistas, preferiu resguardar sua
Lipa postou um vídeo para seus 46 galgar papeis populares. Também em “a rainha das telenovelas”. Por intimidade. O contrário de Thalía,
milhões de seguidores no Instagram comum, ambas nasceram em espaços que este disparate? Em parte, a que tem 22 milhões de seguidores no
criticando a forma como as Forças (México e Brasil) onde as telenovelas razão reside na categoria idioma: Facebook, 7,21 milhões de inscritos
de Defesa Israelenses tratavam os se consolidaram como poder suave, o espanhol é uma língua capaz de em seu canal no Youtube, 20 milhões
palestinos. A ONG israelense Im portanto, de consumo e sedução de oferecer maior poder cultural a de seguidores no Instagram e 11,4
Tirtzu abriu uma petição exigindo grandes populações mundiais. Mas as seus artistas, pois seus produtos milhões de seguidores no TikTok, onde
que suas músicas fossem banidas semelhanças terminam aí. Thalía fez são consumidos em um maior número vende até produtos correlatos às
da rádio do exército israelense, apenas sete telenovelas, como ‘Maria de países, além da forte comunidade suas personagens. O poder cultural
a mais popular do país, mas não Mercedes’ (1992), ‘Marimar’ (1994) e hispânica nos Estados Unidos, onde de Thalía se sobressai a de Adriana
foi atendida. O ex-presidente de ‘Maria do Bairro’ (1995). Ela parece Thalía se mudou para consolidar a Esteves não pela qualidade de seus
extrema-direita brasileiro, Jair ter vivido um único personagem em carreira. As telenovelas da TV Globo trabalhos como atriz em telenovela,
A cantora mas porque ela continua reverberando,
Bolsonaro, costumeiramente usava toda a sua carreira: incorporou o viajam o mundo, mas são dubladas
brasileira
suas redes sociais para criticar sonho da menina pobre que conquista para os respectivos idiomas dos ano após ano, geração após geração,
Anitta. Foto:
Anitta por apoiar a legalização da Andre Nicolau/ o grande amor e a riqueza por meio países compradores e poucos foram o sucesso de suas poucas telenovelas
maconha, a eleição de Lula em 2022 Divulgação do trabalho árduo e da humildade. Já os casos de estrelas brasileiras que nas redes sociais, relembrando as
e suas visões sobre a forma que Adriana Esteves fez 19 telenovelas e ganharam poder cultural relevante no Marias vividas sempre que for preciso,
usa a bandeira brasileira. Ambas as dobro de videoclipes que Dua Lipa. desses “centros de língua inglesa”, soube diversificar os papeis muito exterior, como Lucélia Santos com para não perder a coroa de “rainha
artistas usam as mídias sociais para Mas o que faz Dua Lipa ser mais Anitta tem investido maciçamente habilmente. Da mocinha de ‘Renascer’ o sucesso estrondoso de ‘Escrava das telenovelas”.
aumentar seu poder, e não recuam poderosa? Outro aspecto crucial em mais videoclipes em inglês, como (1993), passando pela megera de ‘O Isaura’ (1976) na China. O segundo O segundo exemplo é do campo
de confrontos diretos com pessoas na consolidação do poder cultural: ‘Girl from Rio’, ‘Downtown’, ‘Faking cravo e a rosa’ (2000), indo para fator fundamental é a ausência de da direção cinematográfica.
poderosas de outros campos. O o idioma. Dua Lipa sempre cantou Love’ e ‘Boys don’t cry’. a heroína de ‘A indomada’ (1997) Adriana Esteves de todas as redes Helena Solberg foi a única mulher
conteúdo dos videoclipes de ambas no idioma mais popular do mundo, ao seu papel mais importante, a sociais, uma opção pessoal que ela diretora do Cinema Novo, movimento
Estes aspectos são justos
é evidentemente outro aspecto de o inglês, que também a ajudou a víbora cômica Carminha de ‘Avenida mesma admite ter um peso em sua cinematográfico brasileiro dos anos
acúmulo de poder cultural. Os clipes fechar muito mais contratos de para obtenção de poder cultural? Brasil’ (2012). Thalía não ganhou carreira, já tendo afirmado que, 1960 e o mais importante movimento
de Dua Lipa e Anitta nem são tão publicidade, pois sua carreira se Definitivamente não. Aqui vão dois nenhum prêmio internacional atualmente, testes de elenco exigem do hemisfério sul do planeta, com
diferentes em termos estéticos, desenvolveu em um dos centros de exemplos. No campo da atuação em relevante como atriz de telenovela. candidatos a atores com até 10 mil filmes que discutiam as raízes do
técnicos e até mesmo o conteúdo moda do mundo, Londres. Para ter telenovelas, Thalía e Adriana Esteves Adriana Esteves levou 32 prêmios seguidores no Instagram. Adriana, subdesenvolvimento da América
das letras. Anitta lançou quase o poder cultural, e sendo de fora fizeram telenovelas de grande importantes. Ainda assim, é Thalía de casamento longevo com o ator Latina. Ela também morou nos Estados
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 120 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 121

Unidos e foi aplaudida por filmes esperado. A diretora senegalense um completo apagamento cultural, já
como ‘The Brazilian Connection’ Safi Faye é a mãe do cinema que a maioria de seus filmes são
(1983), ‘Home of the Brave’ (1986) africano, a primeira mulher da África falados em idiomas como sererê e
e ‘Carmen Miranda – Bananas is subsaariana a dirigir um longa de uólofe, ignorados completamente por
my business’ (1994), mas nenhum ficção distribuído comercialmente, mecanismos de buscas como o Google.
deles foi feito dentro do sistema ‘Kaddu Beykat’, lançado em 1975. Sua morte, em 2024, foi praticamente
hollywoodiano, eles eram produções Seus filmes foram essenciais para ignorada pelos canais de TV e
independentes, dando a ela muito entender a vida das mulheres nas revistas culturais do Ocidente.
menos poder cultural do que o tribos africanas, mas ela sofre de O propósito desta pesquisa
do ‘Poder Cultural’ não foi
apenas dar respostas para estas
questões, mas principalm ente
contribuir para m ostrar com o os
dados são lançados na indústria do
entretenim ento. Este é o prim eiro
e mais importante passo para mudar
as regras do jogo e, então, fazer
o poder cultural ser mais justo e
mais acessível a todos.

Adriana Esteves
como Carminha em
‘Avenida Brasil’
(2012). Foto:
Raphael Dias A diretora senegalesa Safi Faye. Crédito: Divulgação
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 122 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 123

Referências
BALLERINI, Franthiesco. Poder Suave
– Soft Power. São Paulo: Summus
Editorial, 2017.
BALLERINI, Franthiesco. Poder
Cultural: mecanismos de consolidação
do poder na arte e no entretenimento
no século 21. São Paulo: Summus
Editorial, 2023.

FRANTHIESCO BALLERINI
Escritor, jornalista e doutor em
processos socioculturais pela
Universidade Metodista de São Paulo.
É autor de livros como ‘Cinema
Brasileiro no Século 21’ (2012),
‘Jornalismo Cultural no Século 21’
(2015), ‘Poder Suave – Soft Power’
(2017), finalista do 60º Prêmio Jabuti,
‘História do Cinema Mundial’ (2020),
e ‘Poder Cultural’ (2023).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 124 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 125

Marcha à ré. BRASIL | 12min |


2020 (still)
Resumo: A forma artística contemporânea Abstract: The contemporary artistic
nos impele a interrogar sua mensagem form compels us to interrogate
estética, lançando um olhar crítico its aesthetic message, taking a
para a vida. No dia 4 de agosto de critical look at life. On August 4,
2020, em São Paulo, logo após o início 2020, in São Paulo, shortly after
do isolamento social para conter a the beginning of social isolation
pandemia da Covid-19, já atingindo to contain the Covid-19 pandemic,
100.000 mortos, a performance Marcha already reaching 100,000 deaths, the
à ré discutiu a arte em sua dimensão performance Marcha à ré discussed
cultural, política e ativista ao art in its cultural, political and
representar um cortejo funeral e activist dimensions at the same time.
evidenciar o discurso contemporâneo represent a funeral procession and
de resistência cultural. O sentido highlight the contemporary discourse
do presente artigo é de reflexão of cultural resistance. The purpose
sobre alguns significados guardados of this article is to reflect on some
na performance Marcha à ré. Aponta- meanings stored in the performance
se para um campo perceptivo que Marcha à ré. It points to a perceptual
se aproxima do fenômeno estético field that approaches the contemporary
contemporâneo e para uma narrativa aesthetic phenomenon and to a critical
crítica que situa o conceito de narrative that situates the concept
retrogredir, como um repensar a of going backwards, as a rethinking

PLANOS À MARCHA À RÉ: passagem do tempo sem abraçar apenas


a esperança como única engrenagem e
of the passage of time without just
embracing hope as the only gear and

O OLHAR ESQUECIDO retornar às formas contemporâneas


aderentes às forças emergentes.
returning to contemporary forms that
adhere to emerging forces.

CARMEN S. GUIMARÃES ARANHA


Palavras-chave: arte contemporânea; Keywords: contemporary art;
e EVANDRO NICOLAU fenomenologia do olhar; mensagem phenomenology of the gaze; aesthetic-
ESPECIAL PARA ARTE&CRÍTICA estético-crítica. critical message.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 126 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 127

Introdução Marcha à ré: pontos de Berlim, em 2019, mas a data foi


mudada e a performance cancelada.
de partida e de chegada Em contrapartida, a organização da
“Toda forma é um rosto que me olha, Bienal propôs que a performance fosse
Depois do conceitualismo dos
porque me chama para dialogar” produzida e filmada em São Paulo para
anos 1960 e 1970, a arte relacional
(BOURRIAUD, 2019, p. 33). ser apresentada na mostra. Nesse
possibilitou outros modos de ver
contexto, Araújo convidou o artista
o presente e as manifestações
Nuno Ramos, o cineasta Erik Rocha e
O presente artigo parte de uma artísticas. Bourriaud diz que sua
outros artistas, além de convocar,
forma artística contemporânea novidade não tem antecedentes na
por meio de redes pessoais, um grupo
que nos impele a interrogar sua história da arte,
que formou o cortejo de 120 carros em
mensagem, por meio de um olhar (...) A novidade está em outro marcha à ré, saindo do Museu de Arte
que correlaciona seus elementos lugar. Ela reside no fato de que de São Paulo (MASP), percorrendo a
estéticos aos narrativos críticos essa geração de artistas não avenida Paulista, descendo a rua da
à sociedade. Queremos perguntar considera a intersubjetividade Consolação e chegando ao cemitério
se é possível abraçar um discurso e a interação como artifícios da Consolação.
estético-crítico capaz de lançar um teóricos em voga, nem como
O cortejo de carros emitia sons
olhar para a vida. coadjuvantes (pretextos) para
de respiradores mecânicos pelas suas
uma prática tradicional da arte:
No dia 4 de agosto de 2020, quando janelas abertas. Naquele momento, com
ela as considera como ponto de
o Brasil de quarentena, com todos
se atingia cerca de 100.000 mortes partida e de chegada, em suma,
em casa por algumas semanas, usando
no Brasil pelo avanço da pandemia como os principais elementos
máscaras e higienizando corpos e
da Covid-19, uma ação performática, a dar forma à sua atividade.
objetos, buscando conter o avanço
em São Paulo, proporcionou diversas (BOURRIAUD, 2019, p. 61)
da pandemia da Covid-19, esse misto
relações entre a criação artística
Segundo Antônio Araújo, diretor do de manifestação, performance e
e sua dimensão cultural: Marcha à Teatro da Vertigem, Marcha à ré é um filme envolveu cerca de 250 pessoas,
ré (Fig. 1) é uma dessas produções misto de manifestações (performance dentro dos carros, como garantia de Figura 1. Marcha à ré. BRASIL | 12min | 2020 | Dirigida por Eryk Rocha. Performance criada por
que nos motiva à reflexão sobre as Teatro da Vertigem, com colaboração de Nuno Ramos. Produzida por Aruac Filmes e Teatro da Vertigem.
e filme). A criação foi motivada integridade física do grupo, nesse
Comissionada e Coproduzida pela 11th Berlin Biennale for Contemporary Art.
muitas camadas de sentido que ali pelo convite que Araújo recebeu para exercício de luto público. Apenas Coproduzida por Porto Alegre em Cena – Festival Internacional de Artes Cênicas
parecem estar guardadas. realizar uma performance na Bienal Antônio Araújo e Nuno Ramos ficaram https://vimeo.com/448997055. Acesso 05 dez. 2023
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 128 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 129

do lado de fora, orientando o cortejo, há um fenômeno-índice nas partes PONTY, 2004, p. 16-18). Talvez, numa matéria. “É que a visão se choca por sua vez, parece reorganizar o mundo vivido. Imagens sucedem-se
protegidos por roupas próprias. conjugadas da expressão. É claro nesse emaranhado de movimentações, sempre com o inelutável volume dos nossa cultura (C MARA, 2005, p. diante dos olhos. Merleau-Ponty nos
que estamos percorrendo caminhos o corpo-reflexivo-visão-movimento- corpos humanos(...)” “(...) mas também 127-142). leva a pensar que em uma “visibilidade
Em frente ao cemitério da
reflexivos que se afastam um pouco no-mundo, possamos encontrar a coisas de onde sair e reentrar, volumes Estamos falando de uma dialética secreta”, ciframos conhecimento de
Consolação, com o hino nacional
das colocações de Bourriaud, na “mensagem estético-crítica”. Partir dotados de vazios, de cavidades ou em suspensão. mundo, mas hoje, a algaravia de um
tocado às avessas, desfralda-se uma
medida em que refutam a posição que do olhar-pensar que vê correlações receptáculo orgânico, bocas, sexos, sem-número de relações faz emergir
imagem da Série Trágica, Minha mãe Qual seria, então, o exercício do
os “artistas relacionais não evocam entre elementos estéticos e, ao mesmo talvez o próprio olho” (DIDI-HUBERMAN, uma síntese da cultura com imagens
morrendo, de Flávio de Carvalho1 – olhar que poderíamos realizar ao buscar
qualquer prática tradicional da tempo, escava as narrativas críticas 2010, p. 30). O olhar passeia pelos deslocadas do olhar, uma impressão
justamente o desenho no qual a mãe “(...) a suspeita de uma latência que
arte”. Caminhar por motivações, como à sociedade, situando certas linhas ocos, nichos, depressões das formas geral da cultura de simulacros.
de Flávio parece querer respirar com contradiz a segurança tautológica do
a “deflagração de uma dimensão” e, determinantes, decisivas e vivas da artísticas e a noção de sintoma, do
mais afinco. Esses são os pontos de ‘what you see is what you see’”? (DIDI- Os simulacros são imagens
nela ainda se perceber um “derrame linguagem de Marcha à ré. Com Ponty pensador, traz uma compreensão desse
partida e de chegada que nos fazem HUBERMAN, 2010, p. 62). hegemônicas na sociedade da
pulsional” conduzem-nos a legados da e Huberman, chegamos à ideia de que momento, ou seja, certos sentidos
pensar que entre eles existam ligações hipervisibilidade, como as
“Teoria Francesa da Arte que nunca precisamos nos apropriar do olhar de uma obra de arte transformam-na As obras de arte têm muitas
que talvez deflagrem dimensões, ou, que circulam na “tela total”:
quis romper com o coeficiente de como um paradigma que torna visíveis num “evento crítico”, num “acidente camadas de sentido que ali estão
como diz Merleau-Ponty (2004, p. 35), guardadas, ainda que a cultura computador, vídeo, televisão ou
‘presença viva’ na obra de arte e os traços do estado da criação soberano”; dão acesso ao “dilaceramento
“(...) uma certa localidade onde tudo atual esteja sem disponibilidade celular. São “imagens obscenas”,
nas imagens” (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. artística, as linhas de vestígios e os que revela a latência incontrolável
está ao mesmo tempo, cuja altura, 7). Por outro lado, abarcamos a ideia dos seus fundamentos fugidios e à poiesis e que estejamos cedendo segundo Baudrillard, no sentido
indícios deixados pela cultura atual.
largura e distância são abstratas, em que o artista de hoje, de acordo abissais” ((DIDI-HUBERMAN, 2010, p. lugar a um pensamento palpável e de que nada escondem, ou dão
Ao nos aproximar de um recorte da
de uma voluminosidade que exprimimos com Bourriaud, observa o presente e, 17). Estaríamos nos aproximando dessa fragmentado. Justamente por isso, tudo a ver, e não “imagens
cultura da arte, queremos um “campo
numa palavra ao dizer que uma coisa a partir dele, projeta o futuro da dimensão de crise limítrofe da imagem as formas artísticas contemporâneas sedutoras”, porque nessas algo
para desenvolver todos os nossos
está aí”. Didi-Huberman (2010, p. 12), arte, situando as relações humanas da forma artística, do acontecimento podem adensar nossa percepção e, ainda restaria fora da cena,
pensamentos e nossas percepções”
sublinhando a nosso ver essa proposição como o lugar da obra. cultural da obra de arte, da essência em vez de nos desagregar mais, ou mesmo em oposição à cena
(MERLEAU-PONTY, 1967, p. 166-169).
pontyana, diz que “a imagem da arte que a sustenta por dentro e que nos o exercício de um olhar criador (FABBRINI, 2019, p. 131).
Gostaríamos de oferecer um
é um corpo e um signo que envolvem inquieta com sua visualidade. alicerça a cultura contemporânea. Como as imagens-simulacros nos
a sugestão de um incarnat pictórico,
exercício reflexivo com o qual a
Marcha à ré: entre as coisas do mundo chegam rapidamente e são apreendidas
intersubjetividade pode se situar Embebidos num silêncio de fundo, Hoje, se pensarmos na relação dos
ou seja, de um derrame pulsional que Seguindo pelas proposições até em sucessões vertiginosas, a percepção
“uma volta da consciência sobre si num forro de invisibilidades indivíduos com a profusão de imagens
subjaz em cada obra”. agora apontadas, a primeira apreensão transforma-se. Como já dissemos,
para coincidir consigo numa presença marcadas pelos sentidos da veiculadas, observamos um olhar de
A localidade onde tudo está ao plena” (CHAUÍ, 2002, p. 22). Mas, para da forma artística sempre nos levará vivência, um tecido de forças sobrevoo (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 14- muitas imagens são de “segunda
mesmo tempo abarca esse derrame isso precisamos do olhar movente no ao ver. Ou seja, uma obra de arte é invisíveis situa um fenômeno 18), um olhar flutuante que não realiza geração”, sem a estrutura da primeira
pulsional, ou ainda, a ideia de que corpo que se move no mundo (MERLEAU- vista aqui como uma visão de mundo do conhecimento de mundo que, trocas entre o mundo da cultura e visualidade do pensamento, citando
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 130 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 131

Beuys (apud ADRIANI, sd). Perdem a arranjos espontâneos de suas partes.


A arquitetura de um olhar Quais seriam os alicerces dessa Corpo-reflexivo: o lugar onde à visão física àquilo acarpetado
origem, estrutura e historicidade É um ato de conhecimento com o qual arquitetura de apreensão do olhar a todas as operações (percepção subjetivamente.
pelos inúmeros redesenhos que sofrem. nos reconhecemos nas coisas do mundo. Todas as ligações que podemos imagem da forma artística? e percebido no corpo-reflexivo)
Nossa percepção enfraquece-se nesse fazer com as coisas do mundo são se realizam. Corpo entrelaçado Códigos da visão: elementos estético-
contexto de incessantes agoras. Com a O que há em Marcha à ré? aproximações de fenômenos percebidos Conceitos-chave: perceber, cogitar, à consciência, aos olhos e ao
percepção regida por uma temporalidade no emaranhado de movimentações mundo com a possibilidade de visuais e planos óticos
sem lastro, a compreensão da imagem- Já dissemos que a obra de arte corpo-reflexivo-visão-movimento-no- corpo-reflexivo, ver constituir um traçado essencial A apreensão dos códigos que
-enigma neutraliza-se. é um “campo para desenvolver todos mundo. Nesse momento, a proposição dessa vivência, a imagem 2.
Perceber: ato de conhecimento pertencem à linguagem artístico-
os nossos pensamentos e nossas do artigo é apresentar possibilidades
A imagem-enigma é que nos que não se coloca à parte do Ver: O corpo-reflexivo, como visual é necessária porque essas
percepções”. Diante da obra, uma que constroem o olhar à procura de
desorganiza; a realidade de fim ao qual está dirigido; projeto do cogito fenomenológico, movimentações permitem realizar o
subjetividade silenciosa interroga fenômenos estéticos situados em
uma ausência; uma inquietante percepção e percebido têm a entrelaça-se com os movimentos passeio por tais códigos que estão
“como o espírito poderia conhecer o
estranheza; uma imagem com Marcha à ré. modalidade de entrelaçamento, do olhar-pensar, já que, estamos nas formas artísticas: ao apreendê-
sentido de um signo que ele mesmo
inacessibilidade; uma imagem A obra de arte está no mundo, o qual, na medida em que perceber é falando de um olhar não apenas los visualmente temos a possibilidade
não constitui como signo?” (CARMAN,
adiada; um tumulto silencioso que como diz Merleau-Ponty, é um “campo sempre perceber alguma coisa físico apenas. Ao apreender de relacioná-los, dando gênese a
2005, p. 151). Esse é o cogito tácito
impregna o imaginário do observador para desenvolver todos os nossos no mundo (MERLEAU-PONTY, a visualidade da qualidade outros fenômenos estéticos que
que constrói linguagem (C MARA, 2005,
(FABBRINI, 2019, p. 138). pensamentos e nossas percepções” 1978, X – XI). (sentidos) das coisas do mundo, podem, por sua vez, serem estendidos
p. 129) numa apreensão articulada da
Mas, essa mesma imagem-enigma pode (MERLEAU-PONTY, 1967, p. 166-9). Cogitar: é encontrar, no discurso os olhos movimentam-se no corpo a outros tantos. O exercício da
qualidade do mundo da vida, com o
recuperar sua potência perceptiva Desse modo, estamos pensando numa consciente, a interrogação que se movimenta no meio do mundo visão, compreensão e interpretação
corpo no trabalho (MERLEAU-PONTY,
ao nos envolver em um ver e arquitetura de apreensão da imagem da visualidade originária. No e, de acordo com o que vem sendo desses códigos permite-nos novas
1999, p. 557). A apreensão articulada
pensar sobre o que se está vendo. da forma artística. Gostaríamos de vórtice de tal movimentação do colocado, corpo, olhar e cogitar criações ao apreender a linguagem
da qualidade do mundo, que vem a ser
Falamos, anteriormente, sobre nosso apontar os alicerces desse pensar, ato de conhecimento humano, situam a visualidade originária, artístico-visual.
a apreensão da imagem-enigma, é o
desestímulo ao exercício perceptivo. criando uma síntese de conceitos- a possibilidade da criação objetivando encontrar sua forma - Elementos estético-visuais:
exercício de um “campo de presença”,
O exercício dos atos perceptivos não chaves que, posteriormente, numa artística advinda desse artística. pontos, linhas e formas que
ao qual Merleau-Ponty se refere como
se realiza como posse das coisas do o momento em que somos lançados movimentação filosófica própria, “fenômeno-índice” interrogado O projeto de um exercício do se juntam e tornam-se espaços
mundo ou de um recorte de impressões em fronteiras entre a natureza e a originam o olhar criador: aquele oferece a transformação de cogitar fenomenológico é deixar fluir e profundidades; vestígios
que se possa ter dele. Esse modo cultura e ali apreendemos extensões de olhar que, ao se lançar às formas forças invisíveis em elementos esse entrelaçamento corpo-reflexivo- e projeções estético-visuais
de cogitar sobre o mundo é um ato mundo. Essas extensões nos provocam artísticas, realiza passeios de visíveis, ou de sentidos visão-movimento-no-mundo que, por sua das expressões modernas e
de compreensão-interpretação dos com ligações que podemos fazer entre fenômenos estéticos objetivando vividos na construção da forma vez, estrutura a visão imaginária do contemporâneas, assim como
seus significados, estruturas ou de as coisas do mundo. situar aqueles que são interrogados. artística genuína. real, ou seja, esse enredar empresta técnicas, suportes e materiais
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 132 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 133

movimentam-se e correlacionam- Movimentações do olhar: correlações que engendram formas, cores- um entrelaçamento da nossa procurando vestígios do que foi e do museu, mausoléu de coleções e
se tornando-se referências para luzes, espaços, espacialidades, maneira ativa de ser na já não é, buscando nos destroços o obras de arte. Motoristas levam seus
a fruição do conhecimento à Chegamos ao olhar-criador: o olhar profundidades; materialidades. profundidade vivida num fluxo silêncio do olhar criador do corpo no carros à ré, ao som de compassos da
procura do olhar que reconhece que apreende relações estético- de temporalidade, na duração trabalho. Entretanto, Merleau-Ponty falta de ar. No cemitério, a obra de
- Olhar como um diálogo com
a estrutura do imaginário: a) as visuais com a obra de arte. o mundo: a possibilidade (FONSECA, 2012, p. 81). frisa que o olhar é um delírio e, por Flávio de Carvalho feita estandarte,
linhas estão nas formas e entre - Olhar como um exercício com o da construção da expressão isso mesmo, é parcial. – anos 1940, o artista em seu luto”.
elas, sendo que a forma é uma qual corpo e consciência procuram refletida em muitos diálogos, O olhar esquecido Fabbrini (2016, p. 1) diz que a arte
Luto que, em pleno ano de 2020, se
linha em ação, uma formação; b) codificar sentidos visuais das com as linguagens artísticas nas ressignifica e penetra os poros da
A seguir, apresentamos um modo de contemporânea, desde os anos 1990,
a luz está nas formas: vejo-a mais diversas formas e conteúdo sociedade, torna-se épico, numa luta
experiências no mundo da vida: construção literária sobre o olhar mesmo nas propostas de embaralhamento
projetada, não vejo luz pura; da história da arte. de saúde e política.
O corpo reflete-se na consciência criador. Procuramos descrever o ato entre arte e vida, distingue-se do
c) com a luz projetada nas Visão e corpo agora se movimentam projeto moderno para situar uma Em busca da arte como uma possível
e vice-versa (“corpo-reflexivo”); de apreensão visual, no meio das
formas, vejo espaços; d) a luz com a linguagem artística refletida nas coisas do mundo, com palavras que o arte colaborativa e relacional. Diz forma de profilaxia no enfrentamento
movimenta-se no espaço da experiência
também constrói cores-luzes; transformações da história da arte. aproxima daquilo que nomeamos como “a o autor que “a arte hoje, mesmo ao adoecimento trazido pela situação
do mundo da vida;
e) o espaço está nas formas; arquitetura de um olhar”. As figuras não abraçando narrativas ‘utópico- pandêmica da Covid-19, Marcha à ré
Nossa visão move-se no corpo; Ver as obras é aproximar-se dos
f) o espaço constrói volumes 2, 3, 4, 5 e 6 nos ofereceram os revolucionárias’, pode construir uma é polissêmica: reuniu referências
essas movimentações (visão e corpo) elementos da linguagem intencionados
e profundidades; g) materiais, indícios que precisávamos para criar crítica à realidade presente. intertextuais de espaços de memória
entrelaçam-se; o indivíduo projeta na história, por um lado e, por outro
técnicas e faturas entrelaçam-se a descrição daquilo que só poderia como o MASP, o percurso e o cemitério
lado, como a expressão de um sistema Marcha à ré é uma expressão da
com os elementos da linguagem e a traçados essenciais, imagens; da Consolação ligados por um cortejo
artístico cultural situa-se com a ser traduzido em códigos visuais. negação, do retrocesso, um anti-
modifica; h) materiais, técnicas Na movimentação corpo-reflexivo- de automóveis que contrariava o
movimentação do olhar na busca de Movendo-nos num terreno nebuloso, movimento vivido pela sociedade em
e procedimentos oferecem no-mundo, a percepção carrega-se de sentido das vias.
sínteses das tensões e inquietações por muitas vezes arriscado, meio a um governo necrófilo, como uma
materialidades. sentidos visuais: as tensões vividas visuais cifradas na obra, o fenômeno cogitamos sobre a criação artística forma artística que abarca a ordem
- Planos óticos: Didi-Huberman codificam-se. artístico ali depositado é percebido contemporânea a partir do que busca na desordem da cidade, a proporção
A cura
(2010, p. 33) diz que vemos - Olhar como um ato de conhecimento como um sistema de diálogos: propor, um ponto de partida, um no caos da pandemia e a clareza Latour (2020 e 2016), ao refletir
também em planos óticos. Vemos a que codifica a experiência (...) a apreensão de uma extensão ponto de chegada e entre eles, “o da proposição. Marcha à ré é a sobre os problemas que vêm sendo
potência visual; planos rítmicos; de mundo: o indício para que do mundo, compartilhada pelo coeficiente de ‘presença viva’ da resistência que a arte contemporânea anunciados há algum tempo, evoca a
movimentos do olhar da superfície um sistema de correlações se indivíduo como uma transição obra de arte e das imagens” (DIDI- pode exercer. É a contestação em ecologia como o grande adoecimento
ao fundo, de avanço e recuo, estabeleça como possibilidade de entre o que é visto, é vivido HUBERMAN, 2010, p. 17). imagem que irrompe: – “automóveis, em da sociedade, passagem que parece ter
aparecimento e desaparecimento; ordenar aquilo que foi cifrado no e a ideia que essa experiência O olhar movente no corpo que marcha a ré em direção ao cemitério sido escrita no momento da eclosão da
pulsões de fluxo e refluxo. discurso da consciência, linhas é uma construção cultural; se move no mundo de Marcha à ré da Consolação, partindo da frente pandemia da Covid-19.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 134 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 135

Figura 2. Marcha à ré. BRASIL | 12min | 2020 (still) Figura 3. Marcha à ré. BRASIL | 12min | 2020 (still)
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 136 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 137

Figura 4. Marcha à ré. BRASIL | 12min | 2020 (still) Figura 5. Marcha à ré. BRASIL | 12min | 2020 (still)
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 138 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 139

4 de agosto de 2020. Noite. Na avenida da Consolação, cidade de São Paulo, ergue-

se o portal desgastado do cemitério, e seus vestígios arquitetônicos das colunatas

e frisos greco-romanos. Já no final do desfile fúnebre, acima do cenário final, um

homem só soa o seu trompete. Um spot o ilumina. Sua vestimenta nos reporta aos

jazzistas dos anos 1950, vestidos de branco com chapéu coco. Soa o hino brasileiro

subvertido, do fim ao início. Toca pelo fim… ou toca por um fim? Ao mesmo tempo,

entre as duas colunas que apartam a fachada do cemitério da Consolação, o estandarte

é desfraldado: da série Minha mãe morrendo, de Flávio de Carvalho, a mãe está morta.

Figura 6. Marcha à ré. BRASIL | 12min | 2020 (still)


ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 140 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 141

Sem dúvida a ecologia nos como possibilidade e transformação no Afinal, não deixa de ser uma forma Marcha à ré é o olhar crítico para NOTAS
enlouquece; e é daí que precisamos modo de existir e agir humano. Assim, de cuidado: viver bem com seus a realidade, são os olhares que
1 Em 1956, esse artista realizou
partir. Não com a ideia de se males, ou apenas “viver bem”. Se a pesquisam curas, que admiram as formas
Consequentemente, seria performance no Vale do Anhangabaú
tratar, mas para aprender a ecologia nos enlouquece, é porque artísticas do mundo, na busca por
preciso descobrir um percurso andando na contramão do público.
sobreviver sem se deixar levar na verdade ela é uma alteração
de cuidados – mas sem pretender alguma poiesis para prosseguir. Não
pela denegação, pela hybris, da alteração das relações com o 2 Merleau-Ponty, op. cit., 2004, p. 18.
uma cura muito rápida. Nesse devemos esquecer, devemos elaborar,
pela depressão, pela esperança mundo. Nesse sentido, é ao mesmo
sentido, não seria impossível porque tudo passou. Passou? Seguimos
de uma solução razoável ou pela tempo uma nova loucura e um novo
progredir, porém seria um
fuga para o deserto. Não existe modo de lutar contra as loucuras a respirar, mas a interrogação
progresso ao contrário, que
cura para o pertencimento ao precedentes! Não existe outra continua. No forro escuro contra
consistiria em repensar a ideia
mundo. Mas, pelo cuidado, é solução para o problema do cuidado o qual as estrelas se sobressaem,
de progresso, em retrogredir,
possível se curar da crença de sem a espera da cura: é preciso somos sobreviventes.
em descobrir outra maneira de
que não se pertence a ele; que chegar ao fundo da situação de
sentir a passagem do tempo.
essa não é a questão essencial; desamparo, na qual todos nós nos
Em vez de falar de esperança,
o que ocorre com o mundo não encontramos, quaisquer sejam as
teríamos de explorar um modo
nos diz respeito. O tempo em que nuanças que nossas angústias
bastante sutil de “desesperar”;
podíamos esperar “sair disso” não possam ter (LATOUR, 2016, p. 32).
o que não significa “se
existe mais. De fato, estamos, Finalizando o presente texto,
desesperar”, e sim não confiar
como se diz, “em um túnel”, iniciado em 2020, agora, em 2023,
apenas na esperança como
só que “não veremos seu fim”. lembramos do longínquo pesadelo
engrenagem sobre o tempo que
Nesses assuntos, a esperança escondido nos escombros dos seres
passa (LATOUR, 2016, p. 31-32).
é má conselheira, já que não entristecidos pelo luto. Olhamos o
estamos em uma crise. Isso não O pensador nos fala sobre a
mundo retornando à normalidade de
vai passar”. Será preciso lidar proposição do viver bem, de conviver
outrora com a permanência intacta
com isso. É definitivo (LATOUR, com os males, indo ao cerne da
dos defeitos, dos ódios, conflitos,
2016, p. 31). loucura que viria de nossas relações
guerras e de nosso afastamento
com o mundo.
Ao compreender a crise como da natureza, da ecologia que nos
forma inexorável, devemos torná-la Se nos falta a esperança da cura enlouquece, como diz Latour. A
experiência de viver. Latour pensa nas definitiva, podemos ao menos pandemia não foi um sonho, foi real,
fronteiras entre natureza e cultura apostar no menor dos males. foi sentida na carne e na agonia.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 142 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 143

Referências littérature de L’Amérique Latine, n. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia


8. 2016. da percepção. Trad. Carlos Alberto
ARANHA, Carmen S. G. Exercícios do
FABBRINI, Ricardo Nascimento. Arte e Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins
olhar. Conhecimento e visualidade.
vida: do moderno ao contemporâneo. Fontes, 1999.
São Paulo: UNESP / Rio de Janeiro:
FUNARTE, 2008. Tese de Livre-docência. Faculdade de MERLEAU-PONTY, Maurice. Phenomenology
Filosofia, Letras e Ciências Humanas of perception. Trad. Donald A. Landes.
BOURRIAUD, Nicolas. Estética
da Universidade de São Paulo. São Londres: Routledge & Kegan Paul Ltd,
relacional. Trad. Denise Bottmann.
Paulo, jun. 2019. 1978.
São Paulo: Martins Fontes, 2009.
FONSECA, Andrea Matos da. Corporeidade MERLEAU-PONTY, Maurice. The structure
C MARA, José Bettencourt da.
na arte atual brasileira: sensibilidades of behavior. Trad. Alden L. Fisher.
Expressão e contemporaneidade. A
desveladas. Dissertação de Boston: Beacon Press, 1967.
arte moderna segundo Merleau-Ponty.
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da mestrado. Programa de Pós-Graduação NICOLAU, Evandro Carlos. Desenhos EVANDRO NICOLAU
Moeda, 2005. Interunidades em Estética e História da paisagem: percepção, memória e Doutor em Estética e História da
da Arte da Universidade de São Paulo. imaginação. Tese de doutoramento. Arte pelo Programa Interunidades
CARMAN, Taylor; HANSEN, Mark B. N.
São Paulo, 2012. Programa de Pós-Graduação em Estética e História da Arte da
(org.) The Cambridge companion to
Merleau-Ponty. Cambridge: Cambridge LATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito Interunidades em Estética e História Universidade de São Paulo com a pesquisa
University Press, 2005. conferências sobre a natureza no da Arte. PGEHA USP. São Paulo, 2018. Desenhos da Paisagem: percepção,
Antropoceno. Trad. Maryalua Meyer. memória e imaginação. Mestre pelo
CHAUÍ, Marilena. Experiência do
São Paulo/Rio de Janeiro: Ubu Editora/ programa Interunidades em Estética e
pensamento. Ensaios sobre a obra de
Ateliê de Humanidades Editorial, 2020.
CARMEN S. GUIMARÃES ARANHA História da Arte da Universidade de
Merleau-Ponty. São Paulo: Martins
Professora do Programa de Pós- São Paulo,. Estagiou no programa de
Fontes, 2002. LATOUR, Bruno. Políticas da Natureza.
Graduação Interunidades em Estética e pós-graduação Art Space + Nature na
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, Como associar as ciências à democracia.
História da Arte da Universidade de São The Edinburgh University, Escócia,
o que nos olha. Trad. Paulo Neves. Trad. Carlos Aurélio Mota de Souza.
Paulo (PGEHA USP). Docente Associada UK (2018). Educador do Museu de Arte
São Paulo: Editora 34, 2010. São Paulo: Edit. UNESP, 2019.
do Museu de Arte Contemporânea da Contemporânea da Universidade
FABBRINI, Ricardo Nascimento. Estética MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o Universidade de São Paulo. MAC USP, de São Paulo (desde 2004), entre
e transgressão: da arte radical a espírito. Trad. Paulo Neves e Maria de 1993 a 2023. Autora de Exercícios 2010 e 2015 foi Chefe da Divisão
arte radicante. ArteLogie. Recherche Ermantina Galvão Gomes Pereira. São do olhar. Conhecimento e visualidade Técnico Científica de Educação e
sur les arts, le patrimoine et la Paulo: Cosac & Naify, 2004. (UNESP/Funarte, 2008). Arte do MAC USP.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 144 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 145

R.Trompaz, SSGE/APAGAMENTO, 2022

Resumo: O objetivo deste ensaio


é discutir os limites discursivos Abstract: The objective of this essay
das categorias estéticas modernas is to discuss the discursive limits
de figuração e abstração. Para of the modern aesthetic categories of
isso, realizamos um diálogo com o figuration and abstraction. To this
pensamento poético de duas artistas end, we carry out a dialogue with the
contemporâneas brasileiras – Castiel poetic thought of two contemporary
Vitorino Brasileiro e R.Trompaz - Brazilian artists – Castiel Vitorino
que, em seus trabalhos, buscam um Brasileiro and R.Trompaz - who, in
tensionamento e borramento dessas their works, seek to tension and blur
categorias binárias, revelando these binary categories, revealing
como as classificações modernas de how the modern classifications of
“figuração” e “abstração” podem ser “figuration” and “ abstraction” can

Figuração e abstração: um problema de linguagem e, ao mesmo


tempo, uma distração para os reais
be a problem of language and, at the
same time, a distraction from the real

uma distração
problemas que uma arte comprometida problems that an art committed to
com a criação de novos modos de ver, creating new ways of seeing, feeling

da linguagem
sentir e viver poderia se engajar. and living could engage with.

Palavras-chave: Figuração. Abstração. Keywords: Figuration. Abstraction.


Lucas Dilacerda Linguagem, Castiel Vitorino Brasileiro. Language.Castiel Vitorino Brasileiro.
especial para Arte&Crítica R. Trompaz R. Trompaz
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 146 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 147

Armadilhas e distrações QUE ESCOLHER POR APENAS UM OU de questionar e expandir nossos nos convida a considerar que as em arte podem ser múltiplas e
ATÉ MESMO TER QUE ESCOLHER POR entendimentos sobre arte e formas pelas quais entendemos e diversificadas.
A artista Castiel Vitorino Brasileiro ALGUM... MEU PALADAR MUDOU... expressão, mas também aponta para classificamos a arte são construções Esta discussão se insere dentro
embarca numa jornada fascinante ESSE CONFLITO ENTRE ABSTRAÇÃO E a armadilha que essa dicotomia culturais sujeitas a revisão e de uma linha de pensamento mais
de questionamento e redefinição de REPRESENTAÇÃO É APENAS DISTRAÇÃO representa. Essa “armadilha” de transformação. ampla acerca de como a arte não
linguagem, identidade e expressão QUE NOS DIFICULTA ADENTRAR que fala pode ser entendida como a
Esse diálogo crucial sobre as se limita a representar a política
artística, em contraposição ao legado EM OUTROS DILEMAS DE NOSSA tendência de enquadrar a arte dentro
nuances da expressão artística apenas ao abordar explicitamente
colonial da língua portuguesa. Esse EXISTÊNCIA EXTRATERRENA. ASSIM de categorias rígidas e dualistas
ressalta a importância de abordagens temas políticos. Ao invés disso, a
esforço em explorar outras séries de COMO AQUELES PROBLEMAS, QUE que, em última análise, limitam
mais flexíveis, que reconheçam arte também atua politicamente pelo
sistemas linguísticos, como o sistema CONSTUMAMOS DEFENDER: “UMBANDAS a compreensão e apreciação da
e celebrem a multiplicidade de modo como transforma a percepção,
bambu, e a integração dos desenhos KIMBANDAS OMOLOCÔ JUREMAS SÃO diversidade de práticas artísticas.
usados nos rituais de religiões de vozes, técnicas e tradições dentro sensibilidade e imaginação do
MAIS FRACAS QUE CANDOMBLÉS”. A insistência nessas categorizações
matriz africana refletem uma busca do mundo da arte. Ao fazer isso, espectador. Isso se alinha à
NÃO! QUE LÓGICA ESTRANHA, não apenas simplifica a riqueza da
profunda por formas de expressão que podemos começar a desmontar as ideia de “Paisagens sociais”,
COMPETITIVA, COLONIAL... SIM, expressão artística, mas também
transcendem o legado colonial e se estruturas de poder que sustentam concepção que propõe reflexões
A VERDADE É QUE AS HISTÓRICAS pode marginalizar formas de arte que
conectam com uma herança cultural e as hierarquias artísticas e abrir sobre as possibilidades da arte em
RISCADAS EM TERREIROS DE UMBANDA/ não se encaixam facilmente dentro
espiritual mais ampla. OMOLOCO/KIMBANDA, POR EXUS, desses parâmetros definidos. espaço para uma diversidade influenciar e modificar a maneira
POMBAGIRAS, CABOCLOS, MARUJOS, verdadeiramente representativa de como percebemos e nos relacionamos
Ao questionar as distinções A discussão proposta por esta
BOIADEROS, PRETAS VELHAS, práticas e percepções artísticas. com o mundo social e político ao
entre figurativo e abstrato, artista é particularmente relevante
Imagem 1. Castiel Vitorino Brasileiro,
SEREIAS, OGUNS... SÃO SISTEMAS A abordagem de R.Trompaz, em sua nosso redor.
a artista levanta uma questão no contexto de uma cultura
A língua dos seres híbridos, 2023.
fundam ental sobre a relatividade DE LINGUAGEM FUNDAMENTOS EM globalizada, onde o encontro de obra SSGE/APAGAMENTO (2022), traz à A arte política, portanto, não
da percepção artística. O que LÍNGUAS ESCONDIDAS / PERDIDAS diferentes tradições e perspectivas tona reflexões essenciais sobre o é apenas a que discute questões
m oldadas pelo contexto cultural
é considerado abstrato em uma / PRESERVADAS / MODIFICADAS desafia constantemente as normas papel da arte enquanto mecanismo políticas de maneira direta;
e pelas estruturas de poder
cultura pode ter significados DE MEUS POVOS BANTU. E AQUI estabelecidas. Ao reivindicar de representação e ação política. é também aquela que, através
subjacentes à própria linguagem e
concretos e profundos em outra, ESTOU. NESTA ENCARNAÇÃO CHAMADA sistemas linguísticos e formas de Ao desafiar a interpretação de sua do seu modo de fazer, do seu
à representação artística. CASTIEL VITORINO BRASILEIRO....
desafiando a ideia de que estas expressão não coloniais, a artista obra como abstração e reivindicá-la processo criativo e das escolhas
categorias são universais ou ABSTRAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SÃO (CASTIEL, 2022) não apenas afirma sua própria dentro do campo do realismo, Trompaz estéticas, consegue instigar
absolutas. Ela propõe uma reflexão APENAS DOIS SABORES DOCES QUE Ao desfazer a binaridade entre identidade e herança cultural, mas expande a compreensão convencional reflexão, gerar questionamentos e
crítica sobre com o as noções HÁ TEMPOS ME FAZER TER DOR DE figurativo e abstrato, a artista também contribui para um campo dessas categorias, sugerindo que as promover uma consciência crítica
de figurativo e abstrato são CABEÇA QUANDO ME OBRIGAM A TER não apenas sublinha a necessidade artístico mais multifacetado. Ela formas de representar a realidade nos espectadores. Essa capacidade
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 148 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 149

de agir sobre a percepção e a abstrato m e parece apenas o realidade em si pode ser abstrata,
sensibilidade - de usar a imaginação figurativo de u ma realidade ou seja, composta por elementos e
como campo de batalha - é, em si, mais delicada mais difícil, dinâmicas que não se apresentam
um ato político poderoso. m enos visível a olho nu de maneira direta ou simples,
Esse entendimento ampliado do que (LISPECTOR, 1984, p. 642). mas que moldam profundamente a
constitui a arte política ressalta A reflexão apresentada sobre a experiência humana.
a importância de reconhecer o obra de R.Trompaz, em diálogo com as Quando Trompaz reivindica sua
potencial subversivo e transformador ideias de Clarice Lispector, toca em obra como uma forma de realismo,
da arte, mesmo (ou especialmente) pontos cruciais sobre a natureza da está ampliando a noção tradicional
quando ela não trata diretamente arte, seu potencial de representação de como a realidade pode ser
de questões políticas específicas. da realidade e o papel da abstração representada e compreendida por
Ao alterar as formas de perceber e no entendimento dos fenômenos meio da arte. Seu trabalho desafia
sentir, a arte pode contribuir para sociais, especialmente aqueles os espectadores a reconsiderarem
uma mudança na consciência social que são marcados por violências suas próprias percepções sobre o
e, por consequência, promover estruturais e invisibilizadas, como que é visto como “real” e o que é
mudanças no mundo material. o processo de remoção e violência considerado “abstrato”, destacando
Dessa forma, a obra SSGE/ policial nas periferias. que a distinção entre essas
APAGAMENTO (2022) e o diálogo que ela O argumento de que o que muitas categorias é, muitas vezes, uma
instaura enfatizam o compromisso do vezes é rotulado como “abstrato” na questão de perspectiva.
artista em explorar e desafiar os arte pode, na verdade, representar A arte, ao atuar sobre a
limites entre o abstrato e o real, uma faceta da realidade que é percepção, a sensibilidade e a
e entre arte e política, abrindo mais difícil de ser percebida imaginação, engaja-se numa forma de
espaço para uma compreensão mais diretamente, é profundamente micropolítica, conforme mencionado.
complexa e multifacetada do poder relevante. A abstração, nesse Essa ação micropolítica pode revelar,
da arte como ferramenta de reflexão sentido, não se afasta da realidade, criticar e transformar as maneiras
e ação política. mas oferece um meio de captar e pelas quais apreendemos o mundo
Tanto em pintura co m o em comunicar aspectos dela que são ao nosso redor, incluindo questões
Imagem 2. R.Trompaz, m úsica e literatura, tantas menos óbvios ou visíveis a olho nu. sociais e políticas. Ao fazer isso,
SSGE/APAGAMENTO, 2022 vezes o que chamam de Isso ressoa com a ideia de que a a arte não está apenas discutindo
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 150 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 151

um tema político de maneira direta; resistência e afirmação cultural,


Referências
ela está engajando na política ao construindo “cavalos de Troia” que
BRASILEIRO, Castiel Vitorino. Kalunga:
alterar a forma como interpretamos operam dentro dos sistemas que
a origem das espécies. Disponível em:
e respondemos ao mundo, promovendo
buscam subverter. <https://kalungatheoriginofspecies.
uma reconfiguração da nossa
A ideia de essencialismo com>
sensibilidade e, potencialmente,
das nossas ações e atitudes. estratégico é fundamental aqui. Estes LISPECTOR, Clarice. A descoberda do
artistas, ao empregarem suas raízes mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
Nesse contexto, o trabalho de
1984.
Trompaz, assim como as reflexões de culturais e perspectivas únicas, não
Clarice Lispector sobre a abstração se limitam a confrontar diretamente
e a realidade, convida a uma o sistema ou a buscar validação
compreensão mais profunda de como a nos termos deste. Pelo contrário,
arte interage com a realidade. Eles eles criam espaços de expressão
sugerem que, através da arte, podemos
e reconhecimento que transcendem
acessar dimensões da realidade que
essas barreiras, demonstrando que
são complexas, delicadas e muitas
vezes ocultas, ampliando nossa a verdadeira liberdade inclui a

capacidade de perceber e reagir aos habilidade de ser estratégico na


aspectos mais intrincados e menos navegação e no questionamento dos
visíveis da vida social. limites impostos pela sociedade.
O artista indígena contemporânea Este é um testemunho poderoso da
Jaider Esbell utiliza a metáfora da arte como forma de resistência,
“armadilha para armadilhas” para diálogo e transformação.
descrever uma estratégia similar de
subversão e engajamento crítico com
o cárcere estético. Essa abordagem
não apenas desafia conceitos
estabelecidos sobre arte e beleza,
mas também atua como um meio de
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 152 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 153

Lucas Dilacerda
Curador e Crítico de Arte. É
coordenador da CAV - Curadoria em
Artes Visuais; do LAC - Laboratório
de Arte Contemporânea; e do LEFA -
Laboratório de Estética e Filosofia
da Arte. Graduado (Licenciatura e
Bacharelado) em Filosofia, com ênfase
em Estética e Filosofia da Arte,
com distinção Summa Cum Laude, pela
Universidade Federal do Ceará (UFC);
Mestre em Filosofia, com ênfase em
Estética e Filosofia da Arte, pelo
Programa de Pós-Graduação em Filosofia
da UFC; Graduação em Artes Visuais,
pela Universidade Estadual do Ceará;
e Mestrado em Artes, pelo Programa de
Pós-Graduação em Artes da UFC.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 154 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 155

Siqueiros, A Marcha da Humanidade,


(detalhe), 1966. Mural,
Cuernevaca, México.

Resumo: o texto apresenta o muralismo Abstract: the text presents Mexican


mexicano através dos episódios muralism through the historical and
históricos e sociais que orientaram social episodes that guided the
o movimento artístico. Evidencia artistic movement. It highlights
seus principais personagens e a its main characters and the Mexican
pintura mexicana da primeira metade painting from the first half of the
do século XX, de feitio realista e 20th century, realistic in nature
caráter monumental. Para o exercício and monumental in character. For the
de reflexão, a adesão dos pintores exercise of reflection, the painters›

O Muralismo Mexicano
aos murais de grandes dimensões está adherence to large murals is directly
diretamente ligada ao contexto social linked to the social and political
e político do país, marcado pela
e o contexto social e
context of the country, marked by
Revolução Mexicana de 1910-1920. the Mexican Revolution of 1910-1920.

político do País Palavras-chave: muralismo mexicano;


Diego Rivera; José Clemente Orozco;
Keywords: Mexican muralism; Diego
Rivera; José Clemente Orozco; David
ELZA AJZENBERG - ABCA/SÃO PAULO David Alfaro Siqueiros. Alfaro Siqueiros.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 156 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 157

O muralismo mexicano nasceu em igrejas com temáticas religiosas e naturalista e agitador de idéias) Revolucionário de Obreros Técnicos do muralismo mexicano nasce no
Personalidades Diferentes
1922, numa conjuntura política conversões indígenas. disponibilizaram paredes para pintar, y plásticos com o manifesto lançado Sindicato. Ao mesmo tempo, surgia
favorável a convite do governo que, precisamente na Escola recém- pela pena de Siqueiros. Propunham uma arte nacional e uma situação Todos valorizavam uma consciência
Em 1910, ainda sob a ditadura
entre os assassinatos de Carranza criada. A Revolução, ocorrida logo socializar a arte, produzir apenas ideológica mais definida. “Saudamos nacional do México, reformista,
e Pancho Villa, desejava divulgar de Porfírio Diaz, Orozco e o Dr. de Juarez, e revolucionária, de
em seguida, impediu esses artistas obras monumentais para o domínio a expressão monumental da arte
a obra de revolução social e Atl (ou Geraldo Murillo, grande Francisco Madero e de Zapata.
de iniciarem os trabalhos, “já com os público, criar uma beleza que porque essa arte é propriedade
nacionalista dos anos de 1910. Em personalidade da cultura mexicana, andaimes levantados ... 1922 marca Lutavam contra uma alienação da
sugerisse a luta. O corpo teórico pública” (CHIPP, 1998, p. 468).
instituições públicas e palácios, pintor, escritor, pensador, assim, e somente, o início físico do propriedade nacional nas mãos dos
foram colocadas diante dos olhos do muralismo mexicano” (IDEM). poderosos vizinhos norte-americanos,
povo imagens de sua história, de já invasores em 1847 (FRANÇA, op.
Os primeiros afrescos de Rivera,
sonhos e de uma permanência nacional cit., p. 222 e 223). A arte desses
no Anfiteatro Bolívar na Escola
encontrada através das adversidades muralistas estava em consonância com
Preparatória, representam A Criação,
dos domínios pré-cortesianos e as idéias nacionalistas. O manifesto
composição religiosa que expressa
colonial. Foram exaltados os ideais de Siqueiros, datado de 1921, de
um complexo simbolismo, contendo
da Independência e da Revolução. Barcelona, proclamava à jovem geração
inspiração italiana e abordando mexicana: “rechacemos las teorias
As propostas governamentais eram
temática sobre Tradição, Justiça, baseadas en la relatividad del arte
vagas e nenhum projeto definia a
Fé, Esperança, Tragédia e Caridade. nacional” (IDEM, p. 223).
temática dos artistas convidados para
Os de Orozco, realizados em 1923,
a elaboração das obras dos claustros, Rivera, Orozco, Siqueiros, embora
ilustram uma Maternidade e a figura
das escadarias e dos anfiteatros da amigos, discordavam entre si e ficou
de um Cristo – que mais tarde seria
Escola Preparatória (FRANÇA, 1967, famosa a campanha que este último
repintado, transformando-se numa
p. 220). Havia apenas o desejo de abriu contra Rivera, em 1934, “por
Greve. E também Siqueiros em 1923,
pintar algo mais do que quadros de desvio de seu projeto revolucionário”.
começou pintando anjos e santos,
cavalete – e de reatar com a tradição Siqueiros era apaixonado e sectário
antes de deixar inacabado o seu
mexicana que remontava aos templos em suas campanhas. Na realidade,
Enterro Operário, onde o caixão
dos seus deuses, inteiramente exigiu um envolvimento de “cúmplices”
decorados de pintura. A tradição leva a sinalização da foice e do
mais do que “discípulos”. Da polêmica
de ilustrar as paredes continuou, martelo (IDEM).
Rivera-Siqueiros, em 1935, veio o
através de outras motivações, com Todos estes pintores e outros mais slogan “Siqueiros hablando e Rivera
os missionários que cobriram as suas Emiliano Zapata, década de 1910 se reuniram, em 1923, no Sindicato Emiliano Zapata, década de 1920. pintando” (IDEM).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 158 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 159

Estes três artistas dominaram, Os muralistas acreditavam que as evoluções dos pintores Bateau- do México – ou um pedagogo dos seus 1928), em Chapingo (1926-1927), em representa o seu ambicioso projeto
de modo diferente, a vida artística só mesmo o mural poderia redimir Lavoir: Picasso, Braque e Juan Gris. momentos simbólicos – traduzidos em Cuernavaca (1929), na escadaria do com o tema “história do México”.
mexicana durante os anos de 1920, artisticamente um povo que esquecera Contudo, não se sentia a vontade imagens de fácil reconhecimento. Palácio do Governo do México (1929- Nessa obra o pintor expressa o seu
1930 e 1940. Unidos diante da reação a sua civilização pré-colombiana, nos meios parisienses. Alguns críticos de arte, como Jean 1935). Além dessas, do total de “sistema anedótico” e o seu poder
do gosto e dos interesses burgueses, durante tantos séculos de opressão Cosseau, assinalam Rivera como “um 4.000 metros quadrados que pintou:
Voltou ao México, dando início compositivo (cujos esboços a lápis
de certa forma, influenciados pela estrangeira e de espoliação por parte à descoberta da terra natal. épico” com “temas que animam os o painel do Instituto de Belas Artes encontram-se no Museu Frida Kahlo,
formação plástica tradicional, todos das oligarquias nacionais voltadas Entusiasmado por um lado pela arte povos e asseguram a grandeza de sua – réplica do que foi feito para a também na Cidade do México). O mesmo
criticavam com veemência a classe que para a metrópole espanhola. Portanto, antiga dos maias e dos astecas, história” (CASSOU, 1962, p. 512). Fundação Rockfeller (EUA) – destruído sistema reaparecerá, quase vinte anos
os perseguia. produzir obras em locais públicos para
sofreu também a influência dos ideais Rivera está ligado à história do por razões políticas em 1934 – e o mais tarde, no Sonho da Alameda –
Os muralistas, financiados pelo que todos a pudessem ver era uma forma
revolucionários que sopravam por toda México, como está associado às suas Sonho de uma Tarde de Domingo na história através de um sonho, ligada
governo e dentro das diretrizes de impedir que estas não acabassem
parte. Apoiado pelas autoridades que imagens e às sensações do dia a dia. Alameda (Hotel do Prado, 1947-1948)
nas mãos de alguns colecionadores. à doçura do “passeio domingueiro” –
culturais propagadas pelo ministro lhe fizeram encomendas, abandonou
No fim dos anos de 1920, Rivera estão entre as mais conhecidas. um cotidiano cheio de saudade, onde
José Vasconcelos, aliaram seu talento Desse modo, em várias partes do
durante algum tempo a pintura
artístico à causa da Revolução. Suas México foram pintados murais em já havia atingido a celebridade e O mais imponente mural encontra- ele próprio se reencontra, menino
de cavalete, elaborando vastos
produções transmitiam uma interpretação igrejas coloniais, pátios de prédios começado as suas obras mais famosas, se na escadaria do Palácio Nacional. gordo, sob a proteção de sua Frida
afrescos para estabelecimentos
da história mexicana marcada pela ministeriais, escolas e museus – em no Ministério da Educação (1923- Com seus 275 metros quadrados, (LOZANO, 2000, p. 20).
públicos, inspirados na história
prisão dos ricos e poderosos, com lugares que vão desde escadarias até
política e social do México. Desse
imagens fortes, especialmente sobre modernos edifícios.
modo, torna-se o autor da primeira
os índios oprimidos e explorados pelo
pintura mural mexicana dos tempos
colonizador. A Revolução pôs em marcha Rivera modernos, no Anfiteatro Bolívar da
uma política cultural que criou museus
Diego Rivera (1886-1957) nasceu Universidade, em 1922.
nacionais, instituições de pesquisa
e investigações arqueológicas que em Guanajuato e faleceu na Cidade Rivera elabora a sua obra com um
enfatizaram gradualmente o passado e do México. Cursou a Escola de lirismo repleto de fantasia. Siqueiros
as conquistas do país. Os pintores Belas Artes do México e nos anos chamou-o de esnobe; folclorista,
muralistas com profusão de imagens 1910 viveu em Paris, convivendo com arqueologista, chauvinista,
elaboradas das mais variadas formas os denominados artistas da Escola “discursador acadêmico” ... mas a
(satíricas, alegóricas ou realistas) de Paris. Amigo de Modigliani, sua arte foi perseguida pelos mesmos
expressaram a formação de múltiplas reconhecido por Apolinaire, Rivera inimigos de Siqueiros. Rivera é um
culturas, aspirações e conflitos. acompanhou, com a atitude reservada, “contador de histórias”, da história Diego Rivera, Sonho de uma Tarde Dominical na Alameda, 1947. Mural, Museu Diego Rivera, Cidade do México
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 160 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 161

Diego Rivera e a pintora Frida dos maias e dos astecas pudessem Pesquisa Social (1931), em Nova
Kahlo viveram juntos de 1929 a justificar a escolha (ARGAN, 1958, York: o Palácio das Belas Artes,
1954 – até a morte de Frida numa p. 588). Para Orozco cada obra devia da Cidade do México (1934), o
pitoresca casa de Coyoacan – bairro exemplificar uma reivindicação Anfiteatro, da Cidade de Guadalajara
afastado da capital. É um período do homem contemporâneo. Essa (1936), os seis painéis móveis
fundamental para a produção tendência conduziu o artista a dar
para o Museu de Arte Moderna,
artística de ambos. O resultado às suas obras o caráter de apelo,
MoMA, Nova York (1940); a Sala
dessa convivência encontra- de mensagem e, por consequência a
de Reforma, no Museu Nacional de
se também em Anahuacalli – hoje chegar num estilo cartaz (IDEM).
História Chapultepec (1948); enfim
museu que conserva cerca de 16.000 Sua arte não só solicita, “segura o
passante”, mas se esforça por fazê- a Cúpula do Hospício Cabanas, em
peças de escultura e cerâmica pré-
lo seguir e o consegue. Guadalajara (1937-1939), que é a
colombiana (RIVERA APUD. LOZANO,
sua obra mais famosa.
p. 233). Coyoacan e Anahuacalli Mostrou que a pintura moderna
constituem importantes acervos podia orientar-se para o domínio Atualmente, são lançados novos
para estudos sobre Rivera e Frida. que os pintores do final do século olhares sobre a produção de Orozco.
XIX haviam desprezado, esquecendo São observáveis, por exemplo, que
Orozco o exemplo e as lições de Delacroix. não só as proporções das obras,
Pela violência dramática e sombria, mas a própria luz da sua pintura
José Clemente Orozco (1883-1949) sua arte revela a revolta do povo corresponde às das cidades do
nasceu em Zapotlan e faleceu na injustiçado (IDEM). Nos desenhos,
Novo Mundo. O que, provavelmente,
Cidade do México. Pode-se considerar nas gravuras, na pintura de
explique certas resistências
tanto Orozco como Rivera como cavalete e, ainda mais, nas vastas
ou dificuldades na aceitação de
iniciadores do muralismo mexicano composições murais, é o canto da
moderno. Menos influenciado do que Orozco. A crítica colocou Orozco
humanidade que se faz ouvir. Nelas
Rivera pela pintura européia, mais até um tempo atrás, demasiado
se encontra tanto o poeta como
próximo das tradições astecas. o soldado, o camponês, o patrão, fiel a um determinado período da
história mexicana (IDEM). Mas aos Orozco,
Elaborando os escorços dos afrescos, o escravo ou o homem livre. São
Cúpula do
Orozco pensou mais em arranha-céus numerosas as suas obras murais. poucos, Orozco está sendo estudado
Hospício
do que nas casas e monumentos Podem ser destacadas: a Casa dos não apenas ligado ao contexto, mas de Cabañas,
mexicanos, embora as pirâmides Azulejos (1925); a Nova Escola para pontuando uma visão estética. 1937-1939
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 162 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 163

Siqueiros líder sindical e político, Siqueiros colaboradores: a Arte Cênica na Vida


participou de organizações de massa. Social (92 m2), para o teatro da
David Alfaro Siqueiros (1896- 1974) Dirigiu greves, tornou-se secretário Associação dos Atores do México, e
nasceu em Chihuahua e faleceu na Cidade geral do sindicato dos artistas a Revolução Mexicana (450 m2), para o
do México. Com quinze anos de idade, e também organizou sindicatos de Museu de Antropologia e História do
participou da greve dos estudantes mineiros. O artista foi preso diversas Castelo de Chapultepec.
de Belas-Artes do México, visando vezes. Exilado, trabalhou em Los
A obra inteira de Siqueiros
à supressão do ensino acadêmico da Angeles (EUA), depois no Uruguai e na
constitui uma série de experimentações
pintura (IDEM). Uma das consequências Argentina (1932-1933). Fundou, em Nova
e conquistas de novos materiais a
dessa greve foi a fundação, em York, em 1935, ateliê experimental
serviço da expressão monumental. O
1913, da primeira escola ao ar livre para estudo da pintura mural. Durante
que havia de marcante no projeto que
em Santa Anita. No ano seguinte, a guerra civil espanhola, promovido
desencadeou o muralismo mexicano?
participou junto com estudantes e a tenente-coronel, assumiu o comando
Muitos foram os motivos para o
trabalhadores da revolta contra o de várias brigadas.
predomínio das artes visuais e a
governo de Huerta; em seguida juntou- De volta ao México, em 1939,
primazia cultura do muralismo. Um
se ao exército da revolução mexicana acusado de ter tomado parte em um
dos motivos estava associado ao
e, no fim de quatro anos de combates, atentado contra Trotsky, foi preso.
compromisso do revolucionário José
foi promovido capitão. Exilou-se novamente e executou vastas
Vasconcelos – nomeado por Obregón
composições murais: Morte ao Invasor,
Em 1919, transformando o soldo de como presidente da Universidade e
no Chile, e Alegoria da Igualdade
oficial em bolsa de estudos, embarcou Ministro da Educação – com o chamado
Racial, em Cuba. Retornando ao México,
para a Europa. Em Paris, com Diego programa mural.
decorou inúmeros edifícios públicos,
Rivera, elaborou as bases da “arte
sem deixar de pintar inúmeros Siqueiros mergulhou nas fontes
monumental e heróica”, seguindo o
quadros, nos quais experimentava nova das tradições mexicanas, buscando
exemplo das grandes tradições pré- unificá-las através de uma “pulsão
técnicas. Continuou realizando muitas
espanholas da América, voltando em coletiva” (CASSOU, op. cit., p. 513).
viagens. Em 1961, preso novamente, foi
seguida ao México para retomar o seu Os lugares eram selecionados por
forçado a interromper a realização
lugar na revolução. ele, modificados ou construídos de
de dois afrescos importantes, nos Siqueiros, A Marcha da Humanidade,
Apaixonado tanto pelo trabalho quais trabalhava até 12 horas por modo a permitir que toda a área (detalhe), 1966. Mural,
de pintor, quanto pela vida de dia, auxiliado por uma equipe de da parede ficasse envolvida pelo Cuernevaca, México.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 164 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 165

clima pictórico. Utilizava tintas primeiro a permitir que se entregassem as diferenças étnicas e sociais.
Referências PRADO, Maria Ligia. América Latina no
industriais e pistola de jato. Utilizou as paredes da reconstruída Escola Apontava-se, ainda, a tradição indígena Século XIX: Tramas, Telas e Textos,
ADES, Dawn. Arte na América Latina:
também projetor para distender as Nacional Preparatória (ENP) a um e a valorização de uma arte que fosse São Paulo: EDUSP, 1999.
A Era Moderna 1820-1980, São Paulo,
imagens sobre a parede. grupo de jovens artistas. Atraiu, por “aguerrida, educativa, para todos”
Cosac & Naify Edições, 1997. PRADO, Maria Ligia. A Formação das
*** exemplo, Rivera e Siqueiros de volta (IDEM, p. 153). Os desdobramentos
para o México (IDEM, p. 152). desses motivos e fatos instigaram ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Nações Latino-Americanas, São Paulo:
As questões que envolvem o São Paulo: Mestre Jou, 1988.
uma política cultural que criou Atual Editora, 1999.
muralismo mexicano são muito densas. Outro motivo se deve ao fato de
museus, instituições de pesquisa e CAMÌN, Héctor Aguilar. MEYER, Lorenzo.
Elas confundem-se com importantes que, no México, a idéia de projeto
investigações arqueológicas. À Sombra da Revolução Mexicana –
personalidades que introduziram para murais é parte de uma tradição
que vinha de longa data. Em 1914, Dr. Os inúmeros murais mexicanos História Mexicana Contemporânea 1910-
significativas contribuições
Atl, durante o breve tempo que passou relatam a história do povo do México, 1989, São Paulo, EDUSP, 2000.
antes, durante e depois dos anos
revolucionários. Rufino Tamayo – como diretor da Escola de Belas Artes, não apenas sua história, mas também, CASSOU, Jean. Panorama das Artes
artista ligado aos antepassados assinalou que “arquitetos, pintores seus problemas políticos, econômicos e Plásticas Contemporâneas. Lisboa:
zapotecas e de perturbadoras e escultores, em vez de trabalhar sua vida cotidiana, numa visão crítica Estúdios Cor, 1962.
imagens – é um deles. O conjunto visando a uma exposição ou diploma, sociocultural. Mas o principal alvo CHIPP, H. B. Teorias da Arte Moderna.
de ações e de espaços ocupados deveriam construir prédios e decorá- foi uma maior aproximação com o povo, Martins Fontes: São Paulo, 1998, p.
por artistas como Rivera, Orozco, los” (IDEM). Muitos pintores não tinham que passou a enfatizar a história e 468. “Declaração Social, Política e
Siqueiros e tantos outros instigam consciência dos murais mexicanos, as conquistas do país. Estética do Sindicato dos Trabalhadores
a perguntar sobre o que possibilitou pois nas fases pré-colombianas os Técnicos, Pintores e Escultores às
tal contexto artístico? O que havia murais da cidade eram cobertos de Raças Indígenas Humilhadas ... Soldados
de extraordinário nesse projeto? A pinturas. Rivera só percebeu o fato ... os Trabalhadores e Camponeses ....
marca estava na “ausência de qualquer quando foi com Vasconcelos, em 1921, e aos Intelectuais (...) Repudiamos a
imposição”. Para Vasconcelos, era a Yucatán e em Chichén-Itza conheceu Chamada Arte de Cavalete ... Saudamos
importante deixar os artistas livres o Templo dos Jaguares (IDEM). a Expressão Monumental ...”.
para escolherem em seus estilos e A esse motivo somam-se questões FRANÇA, José Augusto. Oito Ensaios
temas (ADES, op. cit., p. 151). sobre o papel da arte. Buscava- sobre Arte Contemporânea. Lisboa:
Vasconcelos estava convicto de que se explicar que a arte não era uma Publicações Europa, 1967.
os mexicanos eram mais sensíveis às intrusa no cotidiano dos mexicanos, LOZANO, Luis-Martin. Frida Kahlo,
artes visuais que à música. Ele foi o pelo contrário a arte poderia amenizar Roma: Landucci, 2000.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 166 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 167

UNESCO do Memorial da América


ELZA AJZENBERG Latina (2008, 2009, 2010, 2011, 2012
Titular da Escola de Comunicações e e 2013). Publicações: Rebolo (1986);
Artes da Universidade de São Paulo Arte e Corpo (Org., 1998); Terra
Docente de Estética e História da Brasilis/Brincando com Arte (Série
Arte. Formada em Filosofia e Belas- Arte e Ciência Org., 2000); Mito e
Artes/Pintura. Coordenadora do Centro Razão (Série Arte e Ciência. Org.,
Mario Schenberg de Documentação da 2001); D. Quixote (Catálogo MAC USP.
Pesquisa em Artes (desde 1990). Foi Org., 2003); Marcoantonio Vilaça:
coordenadora do Programa de Pós- Passaporte Contemporâneo (Catálogo
Graduação Interunidades em Estética MAC USP. Org., 2003); Ciccillo
e História da Arte (2000-2009). Foi (Catálogo MAC USP Org., 2005);
diretora do MAC USP (2002-2006). Membro Arteconhecimento (Org., 2006); MAC
do Conselheiro do Acervo Artístico- Virtual (Catálogo MAC USP. Org.,
Cultural dos Palácios do Governo do 2006); América, Américas/Arte e
Estado de São Paulo. Coordenadora do Memória (Org., 2007); Arte, Cidade e
Curso Arte e Sociedade na América Meio Ambiente (Org. 2010); Portinari/
Latina pertencente à Cátedra da Três Momentos (EDUSP, 2012).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 168 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 169

Resumo: Na década de 1980, o artista,


pesquisador e professor da UNB, Avatar Abstract: In the 1980s, the artist,
Arte & Tecnologia Moraes, escreveu sobre as relações researcher and professor at UNB, Avatar
Moraes, wrote about the relationships

AVATAR MORAES E
entre arte e tecnologia. O texto
apresenta uma visão crítico analítica between art and technology. The text
e as perspectivas de desenvolvimento presents a critical analytical vision

“A FORMA DAS futuro da arte contemporânea. and perspectives for the future
development of contemporary art.
Palavras-chave:
COISAS FEITAS” Avatar Moraes, Arte,
Tecnologia, Arte brasileira, História Keywords: Avatar Moraes, Art,
Tania Fraga - especial para Arte&Crítica da Arte Technology, Brasilian art, Art History
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 170 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 171

O artigo de Avatar Moraes, intitulado Apresentamos nestas páginas, o seu


“A forma das coisas feitas”, escrito pensamento que documenta uma era,
na segunda metade da década de 1980, um estado de espírito, refletindo
versa sobre as relações entre Arte as perspectivas e a representação
e Tecnologia, mais especificamente de um momento em que profundas
sobre o fato tecnológico. E já transformações se iniciavam.
defendia: “todo artefato resulta de Os leitores vão observar que
uma transformação. Fazer significa Avatar Moraes sublinhou na máquina e
transformar, mudar de forma”. E também a mão o intertítulo A Forma
ressaltava: “A atividade transformadora e a Técnica e definiu: “Um material
do homem é determinada: ele não apenas na forma certa para o desempenho de
transforma, mas conforma. Modela a uma função: eis o conteúdo do fato
matéria conforme seus desígnios sejam tecnológico”. Continuou; “Obviamente,
técnicos ou simbólicos.” conhecia-se a roda antes de sua
Artista, pesquisador e professor utilização. Da combinação da roda
(Bagé RS 1933 - Rio de Janeiro RJ com o trenó surgiu uma nova forma:
2011) foi caçado durante a ditadura o carro de rodas. Mas este não teria
militar e reintegrado posteriormente sido importante se não tivesse sido
na Universidade de Brasília - UNB. conjugado com a tração animal cuja
Foi também o primeiro brasileiro a eficiência, por sua vez, dependia
receber o Fellow no Massachusetts de uma nova forma de arreios. O
Institute of Technology - MIT com a conhecimento da navegação à vela era
bolsa da Fundação Guggenheim. anterior aos Descobrimentos…”
Os leitores de Arte&Crítica vão Em meados da década de 1980, Avatar
poder conhecer uma pequena mostra de ponderou sobre a forma e o futuro
suas reflexões. E apreciar a versão da produção industrial: “O sistema
original, redigida em sua máquina industrial de produção em série é
de escrever e com as anotações e o fator central do tempo em que
correções em próprio punho. É uma vivemos. A repetição rápida, exata
peça de critica genética que permite e extensiva de uma mesma forma é a
conhecer seu processo de escrita. qualidade que define e distingue a
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 172 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 173

produção em série de outras tecnologias


de produção que marcaram a história das
sociedades humanas”. Mas pondera no
parágrafo seguinte: “Entretanto não é
igualmente razoável pensar na produção
em série como o estado definitivo da
evolução humana…”
O artigo flui com a profundidade de
suas pesquisas, do seu conhecimento
social, humano e da sua vivência como
professor e como artista. Observou:
“A tecnologia de multiplicação de uma
matriz ou produção em série determina,
não só um tipo de forma, mas toda
uma estética de amplas dimensões
sociais. Não apenas uma estética,
mas o referencial ideológico do
desenho industrial, que é a atividade
especificamente destinada a projetar
as formas a serem produzidas.”
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 174 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 175

TANIA FRAGA
Artista, arquiteta e pesquisadora é
doutora em comunicação e semiótica
pela PUC/SP. Professora aposentada da
UnB e vice-presidente do Instituto
de Matemática, Arte e Tecnologia de
São Paulo. Foi Pesquisadora na The
George Washington University, em
Washington (DC), no Bemis Project,
nos EUA, no CAiiA-STAR, na Grã-
Bretanha e na ECA/USP. Recebeu
os prêmios: Perceptual Challenge
Brasil, Intel.(2014); Caracolomobile,
instalação robótica interativa no
Instituto Cultural Itau. (2010).
Artista selecionada para representar
o Brasil no prêmio Möebius em Beijing
na China, Prix Möbius Internacional
(2001). Tem publicado nacional e
internacionalmente e participado de
exposições e espetáculos no Brasil,
Alemanha, Austrália, Chile, Estados
Unidos, França, Hong Kong, Inglaterra,
Itália, Macedônia, México, Noruega,
Rússia e Suíça.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 176 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 177

Compota de Transparências,
30,5X26X9cm, caixa de vidro,
água, vidros e plástico, 1991
Foto: Divulgação

RESUMO: neste ensaio visual, descreve- ABSTRACT: in this visual essay, the
se as opções e o modo de fazer arte options and way of making art by Nina
de Nina Moraes (São Paulo, 1960). Com Moraes (São Paulo, 1960) are described.
esse objetivo, selecionou-se três With this objective, three works were
trabalhos, criados nos anos de 1990, selected, created in the 1990s, seen
visto como exemplares do repertório as examples of the artist’s repertoire
da artista e, que, ainda, hoje and which still reverberate in the
reverberam no cenário contemporâneo. contemporary scene today. They are,
São eles, Infância e Das Lamentações Infância and Das Lamentações – works
– obras que integram o acervo do MAC that are part of the MAC USP collection
ensaio visual USP e que estiveram, entre os anos de and which were, between 2022 and
2022 e 2024, expostos na mostra Lugar 2024, exhibited in the Commonplace

Nina Moraes: Sonhos


comum, e a série Aquários vidros exhibition, and the series Aquários
n´água, com texto inédito escrito vidros n´água, with unpublished text
pela própria artista. written by the artist herself.
d'água, vidro e objetos PALAVRAS-CHAVE: Nina Moraes; artes KEYWORDS: Nina Moraes, Visual arts,
ALECSANDRA MATIAS - ABCA/SP visuais; ensaio visual. Visual essay.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 178 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 179

Seduzida pela transparência e pela mades a possibilidade da expansão Neste ensaio visual, selecionou-se distinguem os brinquedos. Em 2011, na [substância mãe. [permitem que
textura da matéria, Nina Moraes tem a do conceito do objeto de arte, no três trabalhos nos anos de 1990 que mostra MAC em obras, com curadoria A água, o vidro, a transparência contemplemos
apropriação e a colagem como aspectos qual torna-se possível transformar nos contam sobre a colagem das coisas, de Tadeu Chiarelli, a artista foi [duplicam as coisas para o universo
presentes em seu repertório. Ela se em arte, coisas de outras esferas sobre a passagem do tempo e sobre o convidada a pensar sobre a vida da também interior, e que este, a nos
apropria da memória e dos sonhos da vida. A atenção aos objetos mundo em ruínas. São eles, Infância e obra pela equipe de conservadores do duplicar o sonhador [contemplar, ultrapasse seu próprio
guardados nos objetos. Cola cacos também vem dos artistas do Nouveau Das Lamentações – obras que integram museu. Ao rever a obra, Nina Moraes arrastando-o para a possibilidade limite. Reconciliadas com o espaço,
e significados. Sua matéria-prima Réalisme (François Dufrêne, Jacques o acervo do MAC USP e que estiveram, acolheu esse processo como natural. [de uma experiência de [as coisas, antes
são os objetos banais dispersos no Villeglé, Mimmo Rotella, Yves Klein, entre os anos de 2022 e 2024, expostos Para ela, nossas memórias infantis reflexão na deslocadas,
cotidiano, salvos do descarte, que Arman, entre outros). Deles, vêm na mostra Lugar comum, e a série tornam-se embaçadas e pálidas com o qual a dualidade entre imaginação estão fluidas, acomodadas entre si
guardam relações sensíveis e pessoais o construir, o desenhar, o pintar Aquários vidros n´água, com texto transcorrer dos anos, porém, apesar [e realidade equilibrem-se [e os líquidos que não
com a artista – sua casa-ateliê inédito escrito pela própria artista. e a possuem
com objetos, as sobras de coisas de tudo, elas resistem.
torna-se paisagem primária cercada de Nele, Nina Moraes nos conta suas matéria passe ao inconsciente autonomia de forma, convertem-se
perdidas, sempre pensando no desenho Já na série de obras descrita como
motivações e as principais questões [da forma. [naquilo que podem
lembranças e afetos. que se forma da junção ou amálgama.
que compõem “esses acontecimentos Aquários vidros n´água (1991-1998),
No emprego de materiais estranhos É magia, preencher
No seu vocabulário, ela discute a dentro de caixas de vidro”. a descrição da artista nos traz a
coisa de ser transparente. Líquidos são lentes de aumento,
ruína como condição humana vinda do às artes e na subtração da função intensidade destas criações – aqui
Em Infância (1990), a travessa de A presença da matéria vem disfarçada [alteram a percepção dos
contemporâneo que emerge a partir dos dos utensílios, essa prática torna opta-se por conservar o formato
vidro encapsulada perde a função [de ausente volumes, ‘volumificam’ estas
anos de 1980, a profusão das poéticas, possível a atribuição de sentido da escrita da artista. Abaixo, seu
de servir-coisas e converte-se em só se denuncia pelos contornos. [matérias quase invisíveis
o feminino, as incertezas do que é estético às peças. texto-reflexivo-poético.
suporte expositor de acervo pessoal. Leve e pesado, cheio e vazio, A composição de transparências traz
ou não é arte, a atitude ecológica da Em muitos trabalhos, a artista
O recipiente translúcido permite ver [tensões dialéticas que são [uma questão de
reciclagem, a globalização, a memória elegeu o vidro na busca ambígua de os pequenos brinquedos de plásticos estabelecidas entre o visualidade
coletiva versus a individual, a casa
como lugar da pessoa no mundo etc.
revelar a coisa sem dar acesso – imersos em viscosidade. Isso desperta AQUáRIOS vidros n’água1 fragmento e a leitura da obra curiosa:
visto que a natureza do material um reconhecimento de memórias – os [completa. como um meio-limite, nos desafia a
O gosto pela recolha dos objetos, permite proximidade e antever pela sonhos infantis guardados no líquido Cada aquário é um exemplário mínimo, [atravessá-la.
talvez, tenha sido emprestado transparência, mas também afasta pela – um relicário da natureza das São acontecimentos dentro de caixas [modelo reduzido de Os objetos se sobrepõem como se
das lições de Marcel Duchamp, incapacidade do toque nos objetos. crianças. Porém, o tempo interfere [de vidro. um [ocupassem o mesmo
particularmente aquele do Grande Simultaneamente, na sua ação, Nina nos objetos. Passados mais de 30 Um composto de objetos transparentes atributo maior – o olhar fecundo lugar no
Vidro - que marcou sua formação Moraes evoca fluidez e imobilidade, anos da confecção da peça, o líquido mergulhados em água. [para o aproveitamento como espaço.
como artista nos anos de 1980. o líquido e o sólido e, ainda, a gelatinoso fez perder a cor e o viço Puro deleite. necessidade primordial. Achatando para um só plano a imagem
Nina Moraes encontrou nos ready transitoriedade e a permanência. do interior do pote – quase não se Nesses trabalhos, a água é a Vitrines de paredes transparentes [total.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 180 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 181

Seu desenho é a única coisa que o [química: ‘”a que tempera entre outras peças, já não quebramos
[contém. os demais elementos’’. em nossas casas? Mas, a coleção deles
O espírito da coisa rodeia as formas nos permite pensar sobre a ruína e a
[de seu corpo destruição, da qual somente sobrou a
Por último, dirigem-se olhares
e os dejetos possuem formas estante – e outra questão emerge: até
para Das lamentações (1999) – obra
[inusitadas: resultados de quanto tempo, ela resistirá? Ninguém
composta a partir de um conjunto
acidentes, pode prever.
de três estantes de vidro, de
trazem em si manifestação do segredo Assim, as três obras selecionadas
aproximadamente dois metros de altura
[da natureza evocam a água, o líquido e a
por três de largura, que traz, em cada
constância do acaso viscosidade. Nina Moraes a partir
uma de suas prateleiras, uma série
previsto no rompimento da forma, do encapsulamento de objetos guarda
de recipientes: vasos, copos, jarros,
(ouvi dizer que a natureza possui um memórias; preserva desejos e sonhos;
vasilhas, compoteiras etc. Todos
[temperamento mostra ruínas, nos conta da poesia
os utensílios são de vidro e estão
bricoleiro, ou do lugar-comum e, principalmente nos
quebrados. Em todos, a presença pela
seja, aproveita-se da possibilidade dá a compreensão de que não se pode
ausência da água. Juntos evidenciam
[mais imediata para aprisionar o tempo. Ele é fugidio,
sucessivos planos translúcidos da
constituir-se mas os objetos – mesmo os mais banais
estante de vidro que se fundem as
como fato) – tornam-se índices do tempo e da
diversas transparências dos cacos ali
podem assumir formas da flora memória e isso é possível que se
colocados – todos poderiam armazenar
[aquática registre nas obras.
líquidos (água, lágrimas etc.).
muitos poetas sentiram a riqueza
[metafórica da água Num primeiro golpe de vista,
contemplada trazem em si muitos potes parecem estar prestes
[manifestação do segredo da a cair no chão (e quebrar de novo).
natureza Com o olhar já apaziguado, percebe-
ao mesmo tempo em seus reflexos e se que eles estão colados às paredes
[em sua profundidade. das estantes. Segundo Ivo Mesquita,
Não é a água elemento universal da Das lamentações pode ser lido como
[vida? “fósseis contemporâneos”. Quantos Infância, 1990
Ou como diziam os antigos livros de potes, copos, travessas, jarras, Foto: Divulgação
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 182 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 183

Crime, 1991,
pirex de vidro, luvas e
detergente, 7x35x25cm Aquário, 1989
Foto: Divulgação Foto: Divulgação
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 184 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 185

Desejo, Vontade, 1997 Aquário, 1998


Foto: Divulgação Foto: Divulgação
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 186 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 187

Notas
1 Dissertação sobre um trabalho
escolhido no curso de pós-graduação
Criação e pesquisa em artes visuais,
orientado por Carmela Gross e Regina
Silveira, na Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo
(ECA USP), 1998. Texto baseado em
Bachelard, Gastón. El agua y los
sueños: ensayo sobre la imaginación
de la materia. Trad. de Ida Vitale. —
México: FCE, 1978. 298 p.

Das Lamentações, 1999


Foto: Divulgação
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 188 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 189

NINA MORAES na Oficina Oswald de Andrade em São


Paulo, onde foi professora em 1990.
Nina Moraes (São Paulo, 1960) graduou-
Lecionou também no Centro Cultural de
se em Artes Plásticas, em 1982, pela
Fundação Armando Álvares Penteado
São Paulo (CCSP), em 1991, na Fundação ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA
Athos Bulcão e na Universidade de
(FAAP), onde foi aluna de Carmela Curadora independente e crítica de
Brasília (UnB), em 1997. Em 1999,
Gross, Julio Plaza, Nelson Leirner e arte. Doutora em Artes Visuais (ECA
executou o troféu para o Prêmio
Regina Silveira. No início dos anos USP). Pós-doutorado em Artes Visuais
Multicultural do jornal O Estado de
1980, quando de sua passagem por (UNESP). Curadora independente.
S. Paulo. Participou de edições da
Paris, conheceu Dufrêne no Beaubourg, Professora do CELACC (ECA USP).
Bienal São Paulo (1981 e 1983); A
George Pompidou, onde ele apresentava Especialista em Cooperação e Extensão
um trabalho sonoro e frequentou o trama do gosto, na Fundação Bienal
Universitária (MAC USP). Formadora do
ateliê de César Baldaccini. Em 1983, de São Paulo (1987), Salão Nacional
NEER SME SP. Pesquisadora do Centro
cursou, como aluna especial de pós- de Artes Plásticas, no Rio de Janeiro Mario Schenberg de Documentação e
graduação, a disciplina sobre o La (1989); Brasil: la nueva generación Pesquisa em Artes (ECA USP). Membro
Mariée mise à nu par ses célibataires, (1991), no Museo de Bellas Artes de da Associação Internacional de Crítica
même (ou simplesmente Grande vidro), de Caracas, Venezuela; Bienal de Havana de Arte (AICA). Editora da Revista
Marcel Duchamp, ministrada por Walter (1997), A presença do ready mades: Arte & Crítica (ABCA), articulista
Zanini, na Escola de Comunicações e 80 anos (1993), Still-Life, Natureza do Jornal da USP e colaboradora da
Artes da Universidade de São Paulo Morta (2004) e Lugar-comum (2022) – DasArtes e Revista USP. Autora dos
(ECA USP). Fez a cenografia para o todas no Museu de Arte Contemporânea livros Schenberg: Crítica e Criação
Bailado do Deus Morto (1987) e para da Universidade de São Paulo. Vive e (EDUSP, 2011) e Memória da Resistência
o espetáculo PRNY (1988), realizados trabalha em São Paulo. (MCSP, 2022).
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 190 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 191

Kazuo Wakabayashi, Sem Título, óleo sobre


tela, 73 x 104 cm, assinatura inf. dir.
Participou da exposição: “A Realidade
Máxima das Coisas”, com curadoria de
Jacob Klintowitz, na Galeria Frente,
de 16 de março a 29 de junho de 2024.
Reproduzido no catálogo da mostra pág. 54.
Foto divulgação Galeria Frente.

RESUMO: Este ensaio trata de duas ABSTRACT: This essay addresses two
questões importantes na nossa important issues in our time. The
época. O entrelaçamento de culturas intertwining of previously distant
antes distantes e a contribuição da cultures and the contribution of
individualidade no processo cultural. individuality to the cultural process.
O autor apresenta duas culturas The author presents two distant
distantes, a da tradição japonesa, cultures, the Japanese tradition, with
com a sua introspecção e a brasileira, its introspection and the Brazilian
solar e de alta exposição. E ressalta, one, sunny and highly exposed. And
sempre, que, presentes nessa realidade it always emphasizes that, present

ensaio visual de duas culturas em diálogo, cada um


dos artistas escolhidos tem a sua
in this reality of two cultures in
dialogue, each of the chosen artists

A realidade máxima
particularidade e o seu conceito de has their own particularity and their
realidade. Pode ser dito que o autor concept of reality. It can be said

das coisas: um encontro


trata da ampliação do nosso conceito that the author deals with expanding
de realidade. our concept of reality.

entre a lua e o sol PALAVRAS-CHAVE:


culturas em
imigração japonesa,
diálogo, arte dos
KEYWORDS: Japanese immigration,
cultures in dialogue, art of Japanese
Jacob Klintowitz - ABCA/São Paulo imigrantes japoneses no Brasil immigrants in Brazil
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 192 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 193

Foi um longo percurso que o algum tempo no Brasil, dialogou com de arte. E mostra que artistas criados Ogata (1658 – 1716), Torii Kiyomasu Eles trabalharam a partir de convencional. A influência deveu-
espírito da moderação e da luz a cultura tropical, e nos incluiu na dentro da tradição japonesa, em (1752- 1815), Katsushika Hokusai situações objetivas: a ponte, a vida se à superioridade desse sistema, a
matizada, do meio tom, percorreu sua jornada pela América. Foujita contato com a plena luz dos trópicos, (1760 – 1849), Andô Hiroshige (1797 cotidiana, os pescadores, as gueixas, criação da linguagem a partir de um
até chegar ao mundo da plena luz (ele preferia essa graia ao invés de produziram uma arte exponencial na – 1858), Torii Kiyonaga (1679 – 1763) as florestas, o mar. Mas essa descrição referente reconhecível.
e da exaltação. A realidade mínima Fujita) tornou-se símbolo do artista qual oferecem uma vigorosa definição foram fundamentais na formação da era a da arte e não a do pretenso De muitas maneiras podem ser
das coisas e a realidade máxima das em trânsito, em transformação, capaz da realidade. Cada artista, em sua arte moderna europeia, realismo, ou seja, do entendimento explicados os percursos da arte nos
coisas. É fascinante o encontro entre do diálogo com culturas estranhas e, vertente individual, nos oferece uma últimos 150 anos. Mas o que une estes
a linguagem reflexiva e a linguagem no Brasil, ele é um pioneiro desta visão renovada da realidade cotidiana. vários procedimentos é a autonomia da
exponencial. Estas demarcações relação aberta dos artistas de Então é possível dizer que esta arte arte como ser único, personagem novo
e fronteiras contém, entre elas, origem nipônica. atual amplia a nossa consciência, no panorama dos existentes. O artista
todos os semitons e nuanças. Nada a nossa percepção da realidade. É tornou-se um demiurgo, um mágico, um
A tradição filosófica, poética e
é absoluto nessas identificações, uma arte afirmativa. O diálogo com Eloim bíblico a criar universos. Esta
visual do Japão, país de origem dos
nada é definitivo. Algumas das mais a origem, “A realidade mínima das é a razão porque os artistas tornaram-
artistas da exposição e do livro, é
significativas demonstrações do coisas” se dá através do cotejo de se figuras míticas na nossa época,
a de criar uma linguagem afirmativa,
caminho criativo desde diálogo entre uma arte extraordinariamente vital e independentemente de como foi a sua
mas com o mínimo de elementos. A
a luz matizada e a plena luz podem dinâmica. Os trópicos revisitados. Por vida particular. Excêntricos, loucos,
poesia haicai tem 17 sílabas, a isso “A realidade máxima das coisas”.
ser encontradas nessa pesquisa. drogados, irascíveis, egocêntricos,
pintura trata de temas cotidianos,
vislumbres., na qual estão presentes Um vaso com flores pode ser fantasistas, misantropos, nada
locais, mas com delicadeza. Esta
10 dos mais importantes artistas inteiramente pintura, linguagem, e disto importa muito, talvez só como
tradição de tantos séculos tem
brasileiros de origem nipônica. E um não simplesmente representação de peculiaridades que caracterizam
sido, muitas vezes, definida como a
décimo primeiro, símbolo do artista beleza decorativa e superficial, existências cotidianas, pois o que
realidade mínima das coisas. E, no
errante do século vinte e um artista O desenho sobre alguma coisa, verdadeiramente conta é a obra
entanto, foi capaz de influenciar
nipônico que viveu plenamente o é designar, nomear, dar nome às produzida e a sua capacidade de ser
artistas fundamentais do Ocidente
Brasil na década de 30. Manabu Mabe, coisas e, com este ato, trazê-las original e reveladora. A arte da
como Claude Monet, Vincent van Gogh
Yutaka Toyota, Tomie Ohtake, Megumi para o reino da humanidade. A arte nossa época tem duas características
e Cézanne. Esta origem qualificada
Yuasa, Takashi Fukushima, Tikashi chinesa e, depois, a japonesa, imanentes; ela é revelação, pois
como “a realidade mínima das coisas”
Fukushima, Flávio Tanaka Shiró, levou esse conceito ao supremo nos oferece um registro novo; e ela
Tomoshige Kusuno, Jorge Mori, Kazuo é muito importante.
grau de maestria.Os extraordinários é redentora, pois ela modifica os
Wakabayashi. E a presença excepcional A nossa exposição e o nosso livro gravadores/artistas japoneses – Jacob Klintowitz e Yutaka Toyota, lançamento do livro no Clube Atlético Monte Líbano, 2019 nossos padrões de realidade e forma
de Tsuguharu Foujita, que permaneceu não são uma mostra étnica. Ela trata Suzuki Harunobu (1725- 1770), Korin Arquivo Yutaka Toyota. novas consciências.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 194 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 195

É irresistível uma arte que é, ao a permanência do mundo: é comum em Na arte e na cultura, mais do
mesmo tempo, revelação e messiânica. agosto esta amplidão de cores; e a que descrever a influência da
Observe-se que a poesia haicai terceira frase, é o que se passa com presença japonesa, devemos falar
não quer nos dizer nada. Ela não o poeta, o seu sentimento: a triste desta presença como um elemento

tem uma mensagem explicita. Ele não memória do ocaso do meu amor. constitutivo da arte brasileira

pretende demonstrar nada, não tem O principal encanto do Novo atual. É inconclusivo e fragmentário

qualquer intenção de nos convencer. Mundo sempre consistiu em que pensar na arte brasileira atual se

Ela não nos diz o que é a realidade, ele nos oferece o futuro. Tudo não considerarmos a participação

não discursa sobre procedimentos, pode ser construído, imaginado, decisiva da cultura japonesa na

não se pretende uma plataforma experimentado. Evoca o Gênesis, o sua formação.

ideológica. Os poetas haicais, muitas mundo está sendo inventado. Não Penso sempre numa frase marcante
vezes, eram zen-budistas, errantes, existe limite nessa sempre sonhada sobre essas questões, um conceito
carregavam pouquíssimos pertences. viagem do ser. O Novo mundo é a escrito pelo poeta Matsuo Bashô (1644-
No seu percurso itinerante eram Máquina do Tempo. E, por lógica e 1694), magnificamente traduzido pelo
alimentados pelos habitantes locais simetria, o novo mundo é o único poeta mexicano Octávio Paz, adaptada
e, algumas vezes, faziam os seus recanto da Terra onde podemos ter no Brasil pela poeta Olga Savary, do
poemas neste contato, recebiam a sensação de que encontraremos um livro clássico “Sendas de Oku”.
poemas feitas pelos habitantes e, fragmento do Paraíso. “Os meses e os dias são Flávio Shiró
era comum, não escreviam os seus A inocência, a pujança da viajantes da eternidade. O ano
Sem título, 1968
óleo cartão colado em eucatex
poemas, mas eles eram registrados natureza, a semente do que virá, que se vai e o que vem também 64,0 x 49,0 cm
pelos circunstantes. A poesia os paradigmas das ideias perfeitas são viajantes. Para aqueles que assinatura inf. dir.
haicai não propõe nada, porque ela antes da contaminação causada pela deixam flutuar suas vidas a Participou das exposições: “De Ukiyo ao Manga
simplesmente é. nos 100 anos de imigração”, Espaço Cultural
civilização. Os dois polos, o futuro bordo dos barcos, ou envelhecem
Bmf & Bovespa, de 11 de agosto a 19 de setembro,
Na tradição a poesia haicai tem e o passado. E, naturalmente, as conduzindo cavalos, todos os 2008; “Flávio Shiró” Pinakotheke Cultural,
somente 17 silabas, em três frases, dificuldades de uma sociedade dias são viagem e sua casa mesmo Rio de Janeiro, 2018. Reproduzido no catálogo da
5-7-5. Ela é despojada. Costuma a construída a partir de culturas é viagem.”. mostra, p. 124; “A Realidade Máxima das Coisas”,
com curadoria de Jacob Klintowitz, na Galeria
primeira frase ser uma observação transplantadas. É neste universo de
Frente, de 16 de março a 29 de junho de 2024.
do instante: o horizonte avermelhado sonhos e contradições em que se dá Reproduzido no catálogo da mostra pág. 19.
do ocaso. Uma segunda frase, sobre a importante imigração japonesa. Foto Jaime Acioli. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 196 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 197

Jorge Mori
Buquê de Girassóis
óleo sobre tela
57 x 46 cm
assinatura no verso
Participou da exposição: “A Realidade
Flávio Shiró, Gênesis II, 1986, óleo sobre tela, 72 x 194 cm, assinatura inf. esq., Assinado, datado, e localizado “ Flávio-Shiró Máxima das Coisas”, com curadoria
Genesis II Paris 1986” no verso. Etiqueta da Galeria Paulo Figueiredo. Participou da exposição: “A Realidade Máxima das Coisas”, de Jacob Klintowitz, na Galeria Frente,
com curadoria de Jacob Klintowitz, na Galeria Frente, de 16 de março a 29 de junho de 2024. de 16 de março a 29 de junho de 2024.
Reproduzido no catálogo da mostra pág. 22 e 23. Reproduzido no catálogo da mostra pág. 33
Foto divulgação Galeria Frente. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 198 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 199

Jorge Mori
Ouro Preto
óleo sobre madeira
24 x 19 cm
assinatura inf. dir.
Participou da exposição:
“A Realidade Máxima das Coisas”,
com curadoria de Jacob Klintowitz,
na Galeria Frente, de 16 de março
a 29 de junho de 2024. Kazuo Wakabayashi, Sem Título, 2011, óleo sobre tela colado em madeira, 150 x 240 cm, assinatura inf. dir. Participou da exposição:
Reproduzido no livro pág, 37. “A Realidade Máxima das Coisas”, com curadoria de Jacob Klintowitz, na GaleriaFrente, de 16 de março a 29 de junho de 2024.
Foto divulgação Galeria Frente. Reproduzido no catálogo da mostra pág. 52 e 53. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 200 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 201

Kazuo Wakabayashi
Sem Título, 1967
óleo sobre tela
89 x 110 cm
assinatura inf. dir.
Participou da exposição:
“A Realidade Máxima das
Coisas”, com curadoria
de Jacob Klintowitz,
na GaleriaFrente,
de 16 de março a
29 de junho de 2024.
Reproduzido no catálogo
da mostra pág. 47. Kazuo Wakabayashi, Sem Título, óleo sobre tela, 73 x 104 cm, assinatura inf. dir. Participou da exposição:
Foto divulgação “A Realidade Máxima das Coisas”, com curadoria de Jacob Klintowitz, na Galeria Frente, de 16 de março a 29 de junho de 2024.
Galeria Frente. Reproduzido no catálogo da mostra pág. 54. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 202 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 203

Kazuo Wakabayashi Manabu Mabe


Sem Título Abstração Fundo Vermelho, 1961
óleo sobre placa óleo sobre tela
20 x 24,5 cm 185 x 200 cm
Participou da exposição: assinatura no verso
“A Realidade Máxima das Catalogada no Projeto do Instituto
Coisas”, com curadoria Manabu Mabe sob nº 2780. P
de Jacob Klintowitz, articipou da exposição:
na Galeria Frente, “A Realidade Máxima das Coisas”,
de 16 de março a com curadoria de Jacob Klintowitz,
29 de junho de 2024. na Galeria Frente, de 16 de março
Reproduzido no catálogo a 29 de junho de 2024.
da mostra pág. 55. Reproduzido no catálogo
Foto divulgação da mostra pág. 65
Galeria Frente. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 204 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 205

Manabu Mabe
Akogare (Esperança), 1984
óleo sobre tela
180 x 200 cm
assinatura inf. dir.
Catalogada no Projeto
do Instituto Manabu Mabe
sob nº 1025.
Maurico, Jayme.”Manabu Mabe
1984”, Rio de Janeiro, Paris,
Londres: Realidade Galeria
de Arte, 1984. pág. 15.
Mauricio, Jayme; Sicre,
Manabu Mabe José Gómez; Wolff, Theodore F.;
Rei do Mar, 1968 Kawabata, Yasunari; Okamoto,
óleo sobre madeira Taro; Kaneko, Hideo.
185 x 130 cm Introdução de Pietro Maria
assinatura inf. dir. Bardi. “Manabu Mabe: Vida e
Catalogada no Projeto do Instituto Obra”, São Paulo, 1986.pág. 313.
Manabu Mabe sob nº 2783. Participou da exposição:
Participou da exposição: “A Realidade Máxima das Coisas”,
“A Realidade Máxima com curadoria de
das Coisas”, com curadoria de Jacob Klintowitz,
Jacob Klintowitz, na Galeria Frente, de 16 de
na Galeria Frente, março a 29 de junho de 2024.
de 16 de março a 29 de junho de 2024. Reproduzido no catálogo da
Reproduzido no catálogo da mostra pág. 69. mostra pág. 75.
Foto divulgação Galeria Frente. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 206 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 207

Megumi Yuasa
Sem Título, 1990 Megumi Yuasa
pintura sobre placa de cerâmica Sem Título, 1990
35 x 35 cm pintura sobre placa de cerâmica
assinatura na peça 40 x 40 cm
Com marca do artista. assinatura inf. centro
Participou da exposição: Participou da exposição:
“A Realidade Máxima das Coisas”, “A Realidade Máxima das Coisas”,
com curadoria de com curadoria de Jacob Klintowitz,
Jacob Klintowitz, na Galeria Frente,
na Galeria Frente, de 16 de março a 29 de junho de 2024.
de 16 de março a 29 de junho de 2024. Reproduzido no catálogo
Reproduzido pág. 96. da mostra pág. 96.
Foto divulgação Galeria Frente. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 208 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 209

Megumi Yuasa
Sem Título, 1991 Megumi Yuasa
pintura sobre placa de cerâmica Sem Título, 1991
46 x 46 cm pintura sobre placa de cerâmica
assinatura na peça 45 x 45 cm
Participou da exposição: assinatura inf. centro
“A Realidade Máxima das Coisas”, Participou da exposição:
com curadoria de Jacob Klintowitz, “A Realidade Máxima das Coisas”,
na GaleriaFrente, com curadoria de Jacob Klintowitz,
de 16 de março a 29 de junho de 2024. na Galeria Frente,
Reproduzido no catálogo de 16 de março a 29 de junho de 2024.
da mostra pág. 97. Reproduzido no catálogo da mostra pág. 97.
Foto divulgação Galeria Frente. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 210 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 211

Takashi Fukushima
Black and Blue (díptico),
1995-1996
acrílica sobre tela
210 x 280 cm
assinatura no verso
Etiqueta da exposição
“Tempos Flutuantes -
Takashi Fukushima”,
Pinacoteca do Estado
Takashi Fukushima de São Paulo - SP,
Sem Título, 1972 Ago/Out de 1999.
óleo sobre tela Participou da exposição:
61 x 45 cm “A Realidade Máxima das
assinatura inf. dir. Coisas”, com curadoria
Participou da exposição: de Jacob Klintowitz,
“A Realidade Máxima das Coisas”, na Galeria Frente,
com curadoria de de 16 de março a
Jacob Klintowitz, 29 de junho de 2024.
na Galeria Frente, Reproduzido no catálogo
de 16 de março a 29 de junho de 2024. da mostra pág. 116 e 117
Reproduzido no catálogo da mostra pág. 111 Foto divulgação
Foto divulgação Galeria Frente. Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 212 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 213

Tikashi Fukushima
Sem Título, 1979 Tikashi Fukushima
acrílica sobre tela Sem Título
80 x 79,5 cm óleo sobre tela
Participou da exposição: 40 x 33 cm
“A Realidade Máxima das Coisas”, assinatura inf. dir.
com curadoria de Participou da exposição:
Jacob Klintowitz, “A Realidade Máxima das Coisas”,
na Galeria Frente, com curadoria de Jacob Klintowitz,
de 16 de março a na GaleriaFrente,
29 de junho de 2024. de 16 de março a 29 de junho de 2024.
Reproduzido no catálogo Reproduzido no catálogo da
da mostra pág. 122 e 123. mostra pág. 126 e 127.
Foto divulgação Galeria Frente. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 214 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 215

Tomie Ohtake
Sem Título, 1967
óleo sobre tela
100 x 60 cm
assinatura no verso
Registrada no Instituto
Tomie Ohtake - P-64-22.
Participou da exposição:
“A Realidade Máxima das Coisas”,
com curadoria de
Jacob Klintowitz,
na Galeria Frente,
de 16 de março a
29 de junho de 2024. Tomie Ohtake, Sem Título, 1979, óleo sobre tela, 204 x 750 cm, assinatura inf. dir.
Reproduzido no catálogo Participou da exposição: “A Realidade Máxima das Coisas”, com curadoria de Jacob Klintowitz, na Galeria Frente,
da mostra pág. 134. de 16 de março a 29 de junho de 2024. Reproduzido no catálogo da mostra pág. 136 e 137.
Foto divulgação Galeria Frente. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 216 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 217

Tomoshige Kusuno
Sem Título, 1976
pastel e técnica
mista sobre papel
Tomie Ohtake 50 x 68 cm
Sem Título, 1987 assinatura inf. dir.
acrílica sobre tela Participou da
210 x 142 cm exposição:
assinatura inf. dir. “A Realidade Máxima
Registrado no Instituto das Coisas”,
Tomie Ohtake sob o cód. P 87 21. com curadoria de
Participou da exposição: Jacob Klintowitz,
“A Realidade Máxima das Coisas”, na Galeria Frente,
com curadoria de Jacob Klintowitz, de 16 de março a
na Galeria Frente, 29 de junho de 2024.
de 16 de março a Reproduzido no
29 de junho de 2024. catálogo da mostra
Reproduzido no catálogo pág. 148.
da mostra pág. 139 Foto divulgação
Foto divulgação Galeria Frente. Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 218 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 219

Yutaka Toyota
Espaço Invisível
(azul e verde), 2010
aço inox, madeira e
pintura
110 x 134 cm
Participou da exposição
Tomoshige Kusuno Yutaka Toyota,
Diamante Museu de Arte Moderna
acrílica sobre tela e madeira Aloisio Magalhães -
150 x 110 cm Recife, PE, 2023-2024.
assinatura inf. esq. Participou da exposição:
Participou da exposição: “A Realidade Máxima das
“A Realidade Máxima das Coisas”, Coisas”, com curadoria de
com curadoria de Jacob Klintowitz, Jacob Klintowitz,
na Galeria Frente, na Galeria Frente,
de 16 de março a de 16 de março a
29 de junho de 2024. 29 de junho de 2024.
Reproduzido no catálogo Reproduzido no catálogo
da mostra pág. 150 e 151. da mostra pág. 164 e 165.
Foto divulgação Foto divulgação
Galeria Frente. Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 220 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 221

Tsugouharu Foujita
Eneide e Mucio Leão, 1932
desenho sobre pergaminho
30 x 27 cm
assinatura inf. dir.
Fotografia colada no verso: Identificados Foujita,
Eneida de Moraes, Madaleine e Múcio Leão/ Rio de
Yutaka Toyota Janeiro:1931, com assinatura do artista.
Espaço Reflexo Infinito 4º, 2023 Etiquetas no verso:
aço inox polido “Jean-Paul Ledeur à Paris, 61 rue Raymond Losserand”;
130 x 110 x 265 cm “FOUJITA, Tsuguharu - 1886 -1968 / Eneida e Mucio
Participou da exposição Yutaka Toyota, Leão, desenho, assinado e datado 1932 a direita/
Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães 30 x 27” (manuscrito desenho s/ pergaminho);
- Recife, PE, 2023-2024. “Bolsa de Arte do Rio de Janeiro”; “Tsuguharu Foujita
Participou da exposição: / Eneida e Mucio Leão, desenho s/ pergaminho/
“A Realidade Máxima das Coisas”, 30 x 27 /jan. 1932 Rio de Janeiro / Coleção Yashichi
com curadoria de Jacob Klintowitz, Kojima/ Brasil / Catalogado Sylve Boisson 1932 91”;
na Galeria Frente, “Florestano Leiloeiro Oficial /Bolsa de Arte do Rio
de 16 de março a de Janeiro/ Leilão: dias 9 e 10 de outubro de 1973
29 de junho de 2024. às 21hs.”Participou da exposição: “A Realidade Máxima
Reproduzido no catálogo das Coisas”, com curadoria de Jacob Klintowitz,
da mostra pág. 167. na Galeria Frente, de 16 de março a 29 de junho de
Foto divulgação 2024. Reproduzido no catálogo da mostra pág. 172 e
Galeria Frente. 173. Foto divulgação Galeria Frente.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 222 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 223

JACOB KLINTOWITZ
Escritor, crítico de arte,curador,
editor de arte, conferencista e
jornalista, é autor de 192 livros
sobre teoria de arte, arte brasileira,
monografias de artistas, ficção e
livros de artista. E escreveu mais de
3.000 artigos publicados especialmente
nos jornais “Tribuna da Imprensa”,
RJ, “Jornal da Tarde”, SP. Conselheiro
do Instituto Lina Bo e Pietro Maria
Bardi. Conselheiro do Museu Judaico
de São Paulo. Ganhou duas vezes o
“Prêmio Gonzaga Duque” da Associação
Brasileira de Críticos de Arte, pela
Tsugouharu Foujita, Nu deitado, 1927, grafite sobre papel, 65 x 90 cm, assinatura sup. dir.
atuação crítica. E duas vezes foi
Registro de autenticidade emitido por Sylvie BUISSON. Ex-Coleção Manabu Mabe.
homenageado pela ABCA por sua intensa
Participou da exposição: “A Realidade Máxima das Coisas”, com curadoria de Jacob Klintowitz,
na Galeria Frente, de 16 de março a 29 de junho de 2024. ação cultural. Atuou como curador do
Reproduzido no catálogo da mostra pág. 174 e 175. Foto divulgação Galeria Frente. Museu Brasileiro da Escultura.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 224 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 225

ABCA ABRE INSCRIÇÕES PARA NOVOS SÓCIOS


Anualmente, a ABCA - Associação Brasileira de Críticos de Arte faz uma chamada para candidatura de DOCUMENTOS A SEREM ENVIADOS PARA O PROCESSO DE CANDIDATURA:
novos sócios. Este ano, de as inscrições estão abertas desde o mês de março e vão até o dia 31/08/2024.
Formulários ABCA preenchidos (1, 2 e 3) que demonstrem sua produção na área de crítica de arte,
contínua e atualizada nos últimos 3 anos:
Conforme seu Estatuto, a ABCA tem como finalidade “reunir os críticos de artes visuais, aí amplamente Formulário ABCA 1 Identificação do candidato (disponível para download no site https://abca.art.
incluídos os profissionais da crítica de arte, pesquisadores, historiadores, teóricos, ensaístas, br/seja-membro/)
jornalistas, jornalistas culturais e professores de história da arte e de estética, brasileiros ou
Formulário ABCA 2 Memorial do candidato (disponível para download no site https://abca.art.br/
domiciliados no Brasil”.
seja-membro/)
Formulário ABCA 3 Carta de apresentação de um sócio da ABCA (disponível para download no site
A Associação se dedica às reflexões das artes e da crítica de arte. Promove todos os anos o Prêmio https://abca.art.br/seja-membro/)
ABCA, Jornada ABCA, edições da Revista Arte & Crítica e pode ser uma ponte para fazer parte da AICA -
Imagem do candidato
Associação Internacional de Críticos de Arte.
Reproduções de 5 (cinco) itens completos da produção do(a) candidato(a), no campo da crítica de
Interessados na ABCA podem conhecer mais sobre suas ações e impactos no site: abca.art.br
arte nos últimos 3 (três) anos, em formato PDF conforme especificações do edital de chamamento
Confira mais informações sobre a Chamada para Novos Sócios 2024: https://abca.art.br/seja-membro/

As inscrições e as dúvidas podem ser encaminhadas para: abca.art.br@gmail.com


CRONOGRAMA 2024:
Inscrições: até 31/08/24
Após o prazo de inscrições, associados que fazem parte da Comissão de Credenciais farão a avaliação
Avaliação da Comissão de Credenciais: de 01/09/24 até 31/10/24
das candidaturas. O resultado será homologado em Assembleia Geral ao final do ano e os interessados
Resultado: de 01/11/24 até 31/12/2024. serão avisados posteriormente sobre seu aceite.
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 227

Os vencedores do categorias e foi se ampliando através


dos anos. Em 2022 a premiação foi
desta tão tradicional premiação, que
se renova todos os anos, mantendo

Prêmio ABCA 2023


ampliada novamente e o Prêmio ABCA sempre sua identidade.
passou a contemplar 18 Prêmios em
Toda comunidade artística
13 categorias, incluindo 5 destaques
está convidada a participar, não
regionais. No ano de 2023, para além
A ABCA – Associação Brasileira necessitando de inscrição.
dos prêmios mencionados, a diretoria da
de Críticos de Arte informa que a
ABCA reservou-se o direito de prestar
solenidade de entrega do Prêmio ABCA
quatro homenagens, respeitando as
2023 acontecerá no dia 14 de agosto de
indicações de associados. CONTEMPLADOS PRÊMIO ABCA 2023
2024, às 18:30h no SESC Vila Mariana
em São Paulo. A premiação deste ano se torna
ainda mais especial, pois em 2024 1. Prêmio Gonzaga Duque: destinado a
A Associação Brasileira de Críticos de
a ABCA celebra os 75 anos de sua crítico associado, pela sua atuação
Arte divulga os nomes dos contemplados
fundação. A ABCA, a mais antiga ou publicação de livro.
com o prêmio destinado aos artistas
associação brasileira de profissionais
visuais, curadores, críticos, autores Felipe Chaimovich
da área das artes visuais, foi criada
e instituições culturais que mais
em 1949, tendo participado do ato de
contribuíram para a cultura nacional
fundação os críticos Sérgio Milliet, 2. Prêmio Mario Pedrosa: destinado a
em 2023 e que foi elaborada a partir
das indicações que os/as associados/as seu primeiro presidente, Antonio artista contemporâneo.
enviaram para discussão e aprovação Bento e Mário Pedrosa, entre outros
Dalton Paula
em reunião da Diretoria. importantes intelectuais atuantes na
crítica de arte.
Os Prêmios foram atribuídos pelo
O Troféu do Prêmio ABCA 2023 foi 3. Prêmio Sérgio Milliet: destinado a
resultado da votação de cerca de
produzido pelo artista Sanagê Cardoso um pesquisador ( associado ou não),
aproximadamente 169 associados/
que possui uma produção orientada por trabalho de pesquisa publicado.
as em escala nacional, por votação
em formulário online. O sistema pela linguagem neoconcretista. Maria de Fátima Morethy Couto – Livro:
de premiação foi criado em 1978, A solenidade conta novamente com A Bienal de São Paulo e a América
para destacar exclusivamente as o apoio do SESC São Paulo que, nos Latina: trânsitos e tensões (1950-
artes visuais quando iniciou com 3 últimos anos, tem sido a casa e o palco 1970). Campinas: Editora Unicamp, 2023
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 228 ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 229

4. Prêmio Ciccillo Matarazzo: 9. Prêmio Antônio Bento: difusão das 13. Prêmio Gilda de Melo e Sousa: Região Sudeste:
destinado à personalidade atuante no artes visuais na mídia. destinado ao reconhecimento de SESC- São Paulo – Instituição por sua
meio artístico. críticos/as, em início de carreira, programação.
Revista Continente (Pernambuco)
Adriano Pedrosa independentemente da idade, por sua
produção, ou engajamento em projetos
Região Nordeste:
10. Prêmio Paulo Mendes de Almeida: inovadores de divulgação da crítica
5. Prêmio Mário de Andrade: destinado destinado à melhor exposição do ano. Bienal Internacional do Sertão –
de arte.
a crítico de arte, pela trajetória. Instituições, pessoas e projetos que
35ª Bienal Internacional de São Paulo John Fletcher promovam ações de impacto amplo em
Moacir dos Anjos (São Paulo) processos educativos e de mediação
nos vários campos das artes, em
6. Prêmio Clarival do Prado Valadares: 11. Prêmio Emanoel Araújo: destinado
Prêmio Destaques regionais: destinado espaços formais e não formais
destinado a artista, pela trajetória.
ao reconhecimento de Coleção/Acervo/ aos destaques de cada região do país,
Anna Bella Geiger Conservação/Documentação histórica Região Centro-Oeste:
sendo que consideramos as cinco
Museu de Arte Contemporânea da Exposição coletiva “Atualização do
Universidade de São Paulo – (São
regiões – Norte, Sul, Nordeste, sistema”, na galeria principal do
7. Prêmio Maria Eugênia Franco:
destinado a curadoria de exposições. Paulo) Centro Oeste e Sudeste Museu Nacional da República – Melhor
exposição do ano
Daisy Peccinini, O Feminino na Obra de
Victor Brecheret, realizada no Museu Região Norte:
12. Prêmio Yêdamaria (Yêda Maria
Oscar Niemeyer ( MON) , Curitiba, Corrêa de Oliveira): destinado à 1ª Bienal das Amazônias – Melhor Homenagens da Diretoria
Paraná, 2023.
instituições, pessoas e projetos que
exposição do ano para o ano de 2023
promovam ações de impacto amplo em
processos educativos e de mediação Maria Bonomi
8. Prêmio Rodrigo Mello Franco de Região Sul:
Andrade: destinado à instituição por nos vários campos das artes, em Pedro Martins Caldas Xexéo (in
Pinacoteca Barão de Santo Ângelo
sua programação. espaços formais e não formais. memoriam)
(Instituto de Artes – UFRGS) –
Pinacoteca do Ceará – Fortaleza Sertão Negro Ateliê e Escola de Artes Reconhecimento de Coleção/Acervo/ Mariza Bertoli (in memoriam)
(Ceará) (Goiânia) Conservação/Documentação histórica Ricardo Viveiros
ARTE & CRÍTICA - ANO XXI - Nº 70 - JUNHO 2024 230

Arte & Crítica é uma publicação da Associação


Brasileira de Críticos de Arte.
Distribuição on-line
Fontes: Abolition e Letter Gothic Std

Você também pode gostar