Anais Fórum Pensar A Mulher 2020

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Aparecida Maria de Vasconcelos


Cláudia Maria Rocha de Oliveira
Émilien Vilas Boas Reis
Enio Luiz de Carvalho Biaggi
Marcelo Antônio Rocha
Vinícius Lott Thibau
(Organizadores)

Anais do Fórum
PENSAR A MULHER
11, 12 e 13 de março de 2020

Editora Dom Helder


Belo Horizonte
2020
2
CORPO EDITORIAL
COMISSÃO CIENTÍFICA
Prof. Dr. Adilson Felicio Feiler (UNISINOS)
Prof. Dr. André Luís Pereira Miatello (UFMG)
Prof. Dr. André Luis de Araújo (UNICAP)
Profa. Dra. Eileen Fitzgerald (UCA - Bolívia)
Prof. Dr. Enio Luiz de Carvalho Biaggi (DOM HELDER)
Profa. Dra. María Marcela Mazzini (UCA - Buenos Aires)
Profa. Dra. Nurya Martinez-Gayol Fernandez (Universidad Pontificia Comillas)
Prof. Dr. Valter Ferreira Rodrigues (UFCG)

COMISSÃO ORGANIZADORA
Profa. Dra. Aparecida Maria de Vasconcelos (FAJE)
Profa. Dra. Cláudia Maria Rocha de Oliveira (FAJE)
Prof. Dr. Elton Vitoriano Ribeiro (FAJE)
Prof. Dr. Émilien Vilas Boas Reis (DOM HELDER)
Prof. Dr. Marcelo Antônio Rocha (DOM HELDER)
Profa. Dra. Maria Carolina Ferreira Reis (DOM HELDER)
Profa. Dra. Lilian Cristina Bernardo Gomes (ISTA)
Profa. Dra. Márcia Eloi Rodrigues (SSCJ)
Profa. Dra. Raquel Vilela (ISMD/UFMG)

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Anais do Fórum Pensar a Mulher

Copyright © 2020 by Aparecida Maria de Vasconcelos e Marcelo Antônio Rocha

ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA


Reitor: Paulo Umberto Stumpf, SJ.
Vice-Reitor: Estevão D’Ávila de Freitas

PRO-REITORIA DE PESQUISA
Pro-Reitora de Pesquisa: Beatriz Souza Costa
Secretário Administrativo: Cristialan Belça da Silva

EDITORA DOM HELDER


Coordenador de Editoria: José Adércio Leite Sampaio
Diretora Executiva: Beatriz Souza Costa
Contato: R. Álvares Maciel, 628, B. Santa Efigênia CEP: 30150-250 - Belo Horizonte-MG.
Tel.: (31) 2125-8863

Todos os direitos desta edição são reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser
reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa. O conteúdo dos textos é de
responsabilidade dos autores.

FICHA CATALOGRÁFICA

A532
Anais do Fórum Pensar a Mulher: 11, 12 e 13 de março de 2020. Belo
Horizonte: Editora Dom Helder, 2020.

Vários organizadores.

Escola Superior Dom Helder Câmara.


FAJE – Escola de Filosofia e Teologia.
ISBN: 978-65-991904-1-4

1. Direito das minorias. 2. Anais. 3. Mulher. I. Reis, Émilien Vilas


Boas. II. Rocha, Marcelo Antônio. III. Oliveira, Cláudia Maria Rocha de.
III Reis, Maria Carolina Ferreira Reis.

CDU 342.726-055.2(063)

Bibliotecário responsável: Lucas Martins de Freitas Junior CRB6 - 3621

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Sumário

Apresentação 7
Os organizadores

1. Da violência contra as mulheres: os fatos sobre o ódio e o desprezo pelo 9


feminino
Marcelo Antônio Rocha

2. Reflexões existenciais-psicológicas sobre o cuidar mulheres em situação de 19


violência doméstica na perspectiva heideggeriana pelos profissionais de saúde
Christianne Viana

3. Política nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres 27


Lucas de Oliveira Barbosa

4. A insegurança imposta à mulher no cenário virtual 37


Anna Luisa Martins Nogueira
Isabella Lúcia Nogueira Silva

5. Mônica de Hipona à @chadascincoculturaearte - vocação feminina? - cuidadora 51


- pesquisa biográfica
Silvana Maria Fernandino

6. Antígona: uma ruptura da ordem machista 64


Luana Soares Ferreira Cruz
Sarah Martins Pessoa

7. A democratização da gestão pública: mulheres na política ou política contra as 76


mulheres?
Djéssica dos Santos Procópio
Maria Fernanda Vaz Oliveira

8. A imagem-mulher: a indústria cultural e a expropriação da imagem feminina 90


Rosalvo Henrique Cordeiro de Souza Iscold

9. A discriminação e a importunação no quesito sexual contra a mulher 103


Rayane Domingues Leite

10. Os direitos e garantias das mulheres na estrutura carcerária brasileira: uma 112
análise do caso concreto
Ana Luiza Baptista Pereira

11. Ativismo feminino ante a degradação ambiental 122


Luciana Aparecida Teixeira
Ulisses Espártacus de Souza Costa

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12. Terror psicológico que a cultura do estupro provoca nas mulheres 134
Arthur Gregório de Oliveira
João Victor Rocha Mendes
Yanne Karen de Oliveira Soares

13. A crise do cuidado: as implicações na vida da mulher e a reafirmação do 142


patriarcado
Ana Clara dos Reis Trindade Ferrer Monteiro

14. Violência psicológica: violência silenciosa que provoca a dor na alma 149
Kátia Helena Gonçalves Siqueira

15. A violência contra as mulheres e as medidas jurídicas para combatê-la 160


Vitor Augusto Abreu Fagundes Carvalho

16. O impacto de atletas trans no esporte: uma perspectiva humanitária e legal 172
João Filipe Dias Persilva

17. A violação dos direitos humanos na prática obstétrica brasileira 178


Sofia Vilhena Teixeira

18. A evolução histórica dos direitos da mulher 193


Ingrid Teixeira Rodrigues da Silva
Juliana Pereira da Costa

19. Gritos ensurdecidos de mulheres religiosas: violência e vulnerabilidades 205


Jorge Luiz Gray Gomes

20. O lugar da mulher é onde ela quer estar: o crescimento de violência doméstica 219
no ambiente urbano
Gianno Nepomuceno

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Apresentação

O Fórum Pensar a Mulher, realizado na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, entre


os dias 11 e 13 de março de 2020, foi uma realização dos Grupos de Pesquisa “Mística e
Estética” (FAJE, coordenado pelos Profs. Aparecida Maria de Vasconcelos e Clóvis Salgado
Gontijo), “Estudos de Cristologia” (FAJE, coordenado pelos Profs. Aparecida Maria de
Vasconcelos e Luiz Carlos Sureki), “Desafios para uma ética contemporânea” (FAJE,
coordenado pelos Profs. Elton Vitoriano Ribeiro e Cláudia Maria Rocha de Oliveira), “Por uma
justiça ambiental” (ESDHC, coordenado pelo Prof. Émilien Vilas Boas Reis) e do Grupo de
Iniciação Científica “Por uma Teoria da Justiça como Reconhecimento: uma análise jurídica
dos conceitos de igualdade, liberdade e vida pública democrática” (ESDHC, coordenado pelos
Profs. Enio Luiz de Carvalho Biaggi e Marcelo Antônio Rocha).
O evento foi fruto de uma parceria entre a Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia,
Escola Superior Dom Helder Câmara, Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto Santo
Tomás de Aquino e Instituto Superior de Medicina, com apoio da FAPEMIG.
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da
família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça
e da paz no mundo, o Fórum PENSAR A MULHER propôs discussões e intercâmbio de
conhecimentos sobre a condição e o ser mulher a partir das perspectivas da filosofia, teologia,
direito, medicina, poesia, fotografia e música. A redução da mulher a sua mera naturalidade
física, sexualidade ou força de trabalho, consiste numa forma de desvalorização de tudo o que
é feminino, sendo uma técnica de dominação da natureza das mulheres tão antiga quanto a
própria humanidade e, nesse sentido, a discussão sobre a condição, a igualdade e a emancipação
das mulheres é tema de alta relevância e urgência, que exige também uma reflexão sobre as
transformações sociais, éticas, culturais e institucionais necessárias à libertação das mulheres.
A construção e transmissão de saberes sempre foi fruto de um esforço em conjunto.
Mesmo as criações mais singulares e inovadoras carregam em si o esforço que toda a
humanidade, desde a aurora dos tempos, realiza incansavelmente: buscar um sentido para sua
existência. Criar; entender; sonhar; compartilhar – eis o convite que este fórum transdisciplinar
estende a todas as pessoas que desejam entrar em contato com as mais diferentes vozes do saber
e que, juntas, apontam para um horizonte de antigas e novas vozes, criando uma sinfonia única,
que remete à música especial criada pelo toque do feminino. Sua essência deita seu manto em
todos os lugares, épocas e aspectos da vida humana, muitas vezes discretamente, mas está

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sempre lá, cultivando a beleza, gerando e cuidando da vida. A Mulher e os mistérios do feminino
são assim, como a água: insiste, penetra, transforma, nutre. Sem ela, só resta o deserto e sua
infinita monotonia. Foi com grande júbilo e satisfação, junto com a mais sincera
responsabilidade social que o evento foi pensado e realizado, pois nunca foi tão urgente pensar
a Mulher junto às vicissitudes do feminino e seu papel como aquela que carrega em si a essência
da própria vida.
Os textos que compõem esta publicação foram apresentados no evento como
comunicações e representam as opiniões, visões de mundo e resultados parciais das pesquisas
individuais dos participantes.
Agradecemos o apoio e boa vontade dos alunos, funcionários e professores envolvidos
na realização do seminário. Especialmente, agradecemos o apoio e amizade dos professores
palestrantes, que nos honraram e prestigiaram com seus conhecimentos e reflexões.
Por fim, agradecemos o apoio constante e incondicional da Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia e da Escola Superior Dom Helder Câmara, instituições que nos unem e
inspiram!
Boa leitura!

Os Organizadores

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1

DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: OS FATOS SOBRE O ÓDIO E O


DESPREZO PELO FEMININO

Marcelo Antônio Rocha1

O objetivo deste texto é situar, através da apresentação de alguns dados oficiais sobre a
violência e a intolerância no Brasil, a condição da mulher brasileira e suas muitas dificuldades
na busca da felicidade e vida digna. Evidentemente, os homens são os algozes das mulheres e
de tudo aquilo que pertence ao universo feminino. Porém, a violência contra as mulheres pode
ser entendida também como um reflexo ou consequência da violência que condiciona a própria
masculinidade do homem brasileiro e, por isso, não podemos refletir sobre a condição das
mulheres sem relacioná-la à violência e autodestruição comum às masculinidades forjadas
numa sociedade patriarcal e ressentida.
Para que não restem dúvidas sobre qual será o pano de fundo e quais são os pontos de
partida para discutirmos o problema da violência e da intolerância contra mulheres, gostaríamos
de declarar que acreditamos e lutamos pelo ideal de que:
1. todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos;
2. o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana
e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz
no mundo,
3. todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito a igual proteção contra
qualquer discriminação e contra qualquer incitamento à discriminação;
4. é necessário eliminar rapidamente a discriminação racial, étnica, social, religiosa
e sexista no mundo, em todas as suas formas e manifestações, e de assegurar a
compreensão e o respeito à dignidade da pessoa humana;
5. nenhum ser humano dever ser tratado como um objeto para benefício de outrem;
6. todos os seres humanos devem ser tratados com igual consideração e respeito;
7. os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei; que precisamos exigir
que o Estado cumpra a sua função de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a

1
Bacharel, Especialista e Mestre em Filosofia. Bacharel em Direito. Professor da Escola Superior Dom Helder
Câmara.
9
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Segundo o Atlas da Violência 20192, divulgado em junho e produzido pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil
atingiu, pela primeira vez em sua história, o patamar de 31,6 homicídios por 100 mil habitantes.
A taxa, registrada em 2017, corresponde a 65.602 homicídios naquele ano.
O perfil médio das vítimas é: homem jovem, solteiro, negro, com até sete anos de estudo
e que esteja na rua nos meses mais quentes do ano entre 18h e 22h. Este é o perfil dos indivíduos
com mais probabilidade de morte violenta intencional no Brasil. Os homicídios respondem por
59,1% dos óbitos de homens entre 15 a 19 anos no país.
Apenas em 2017, 35.783 jovens de 15 a 29 anos foram mortos, uma taxa de 69,9
homicídios para cada 100 mil jovens, recorde nos últimos 10 anos. A juventude perdida é
considerada um problema de primeira importância para o desenvolvimento social do país e vem
aumentando numa velocidade maior nos estados do Norte (motivados pelo narcotráfico e
crescimento das facções criminosas). Os dados do Atlas da Violência também trazem
evidências de outra tendência preocupante: o aumento, nos últimos anos, da violência letal
contra públicos específicos, incluindo negros, população LGBTI+ e mulheres, nos casos de
feminicídio.
De 2007 a 2017, a desigualdade de raça/cor nas mortes violentas acentuou-se no Brasil.
A taxa de negros vítimas de homicídio cresceu 33,1%, enquanto a de não negros apresentou um
aumento de 3,3%. Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídio eram pretas ou pardas. De cada
quatro pessoas assassinadas no Brasil em 2017, três eram negras, segundo os dados do Ipea. A
taxa de homicídios para esse grupo da população chegou a 43,1 para 100 mil habitantes,
enquanto a dos não negros fechou o ano em 16 por 100 mil.
O Instituto aponta que houve uma piora na desigualdade racial nesse aspecto entre 2007
e 2017, já que a taxa cresceu 33,1% para os negros e 3,3% para os não negros. Apenas entre
2016 e 2017, a taxa de homicídios de negros no Brasil cresceu 7,2%.
Em números absolutos, o país registrou 49.524 assassinatos de negros em 2017, um
aumento de 62,3% em relação a 2007 e de 9,1% ante 2016. Quando são analisados os não
negros, os números absolutos tiveram queda de 0,8% em relação a 2016 e alta de 0,4% perante
2007, fechando 2017 em 14.734 mortes.

2
A partir daqui apenas transcrevemos, relacionamos e comentamos os dados apresentados no Atlas da Violência
2019, disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019.
10
O ano de 2017 registrou, também, um crescimento dos homicídios femininos no Brasil,
chegando a 13 por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde
2007 - 66% delas eram negras. Entre 2007 e 2017, houve um crescimento de 30,7% nos
homicídios de mulheres no Brasil. A taxa de homicídio de mulheres cresceu acima da média
nacional em 2017, enquanto a taxa geral de homicídios no país aumentou 4,2% na comparação
2017-2016, a taxa que conta apenas as mortes de mulheres cresceu 5,4%. Em 28,5% dos
homicídios de mulheres, as mortes foram dentro de casa, o que o Ipea relaciona a possíveis
casos de feminicídio e violência doméstica. Entre 2012 e 2017, o instituto aponta que a taxa de
homicídios de mulheres fora da residência caiu 3,3%, enquanto a dos crimes cometidos dentro
das residências aumentou 17,1%. Já entre 2007 e 2017, destaca-se ainda a taxa de homicídios
de mulheres por arma de fogo dentro das residências que aumentou em 29,8%.
O Ipea mostra ainda que a taxa de homicídios de mulheres negras é maior e cresce mais
que a das mulheres não negras. Entre 2007 e 2017, a taxa para as negras cresceu 29,9%,
enquanto a das não negras aumentou 1,6%. Com essa variação, a taxa de homicídios de
mulheres negras chegou a 5,6 para cada 100 mil, enquanto a de mulheres não negras terminou
2017 em 3,2 por 100 mil.
O Atlas de 2019 traz uma seção inédita, sobre a violência contra a população LGBTI+.
Segundo uma das bases utilizadas pela pesquisa (o canal de denúncias “Disque 100”), houve
um forte crescimento nos últimos seis anos nas denúncias de homicídios contra a população
LGBTI+, que subiram de cinco em 2011 para 193 em 2017, ano em que o crescimento foi de
127%. A avaliação é de que a situação tem se agravado e que a população sofre de invisibilidade
na produção oficial de dados e estatísticas. Os pesquisadores compararam esses dados com
informações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da
Saúde, e encontraram um mesmo resultado qualitativo. Em mais de 70% dos casos, os autores
do crime são do sexo masculino, enquanto que a maioria das vítimas é de homo ou bissexuais
do sexo feminino. O número de homicídios denunciados ao Disque 100 subiu de 5 em 2011
para 193 em 2017. Já as lesões corporais aumentaram de 318 em 2016 para 423 em 2017,
passando por um pico de 783 casos em 2012. Já os dados do Ministério da Saúde apontam que
entre 2015 e 2016 aumentou o número de episódios de violência física, psicológica, tortura e
outras violências contra bissexuais e homossexuais, sendo a maioria das vítimas solteiras e do
sexo feminino. Já em relação aos autores das violências, 70% eram do sexo masculino. Ao todo,
foram notificadas 5.930 situações de violência contra a população LGBTI+. 44% dos casos de

11
assassinatos de homossexuais do mundo ocorreram em território brasileiro. O País lidera as
estatísticas de mortes da comunidade LGBTI+.
Outro dado sobre as vítimas de homicídio que consta no Atlas é o nível de escolaridade.
Segundo o Ipea, 74,6% dos homens e 66,8% das mulheres assassinadas entre 2007 e 2017
tinham até sete anos de estudo.
A pesquisa também mostra que 68,2% dos homens foram mortos em ruas ou estradas,
enquanto 15,9% foram assassinados em suas residências entre 2007 e 2017. No caso das
mulheres, 44,7% morreram na rua/estrada e 39,2% foram mortas em casa.
Os meses do ano com mais homicídios são dezembro, janeiro e março, enquanto junho
e julho têm o menor número de registros. Em relação aos dias da semana, de acordo com o
estudo, o sábado requer maior atenção ao policiamento preventivo.
Para os homens, é mais provável a ocorrência de homicídios entre 18h e 2h da manhã,
enquanto para mulheres os casos se distribuem de forma mais uniforme ao longo do dia.
Segundo o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública3, no ano de 2018 foram
registrados 180 estupros por dia no Brasil, 66.041 registros/ano, um aumento de 5% em relação
ao ano anterior. 81,8% das vítimas são do sexo feminino, e 18,2%, masculino. Em relação à
raça, 50,9% são negras, 48,5% brancas e 0,6% amarelas. No caso do estupro de vulneráveis, o
ápice da violência sexual ocorre aos 13 anos entre meninas. Para os meninos, a maior
concentração de registros é por volta dos sete anos. O levantamento mostra ainda que 75,9%
dos agressores são conhecidos das vítimas. Do total de estupros reportados, 93,2% tiveram
autoria única e 6,8% foram cometidos por mais de um abusador. Os homens são maioria
(96,3%) entre os autores.
Indicadores globais mais recentes colocam o Brasil como o país mais violento contra
professores. De acordo com a pesquisa mais recente realizada pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2013, 12,5% dos professores ouvidos
no Brasil disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos
uma vez por semana.
É o porcentual mais alto entre os 34 países analisados. O índice médio global é de 3,4%.
Logo abaixo do Brasil, está a Estônia, com 11%, e a Austrália, com 9,7%. Já na Coreia do Sul,
na Malásia e na Romênia, o índice é zero. O levantamento foi feito com mais de 100 mil
professores e diretores de escola do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio
(alunos de 11 a 16 anos) em 34 países.

3
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Anuario-2019-FINAL-v3.pdf
12
A cada 15 minutos, uma pessoa morre em um acidente de trânsito no Brasil. Em 2017,
o número de indivíduos que morreram envolvidos em colisões e atropelamentos foi de 34.236.
Além das mortes, o tráfego gera mais de 50 milhões de feridos a cada ano no mundo todo. No
Brasil, mais de 60% dos leitos hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS) são ocupados por
vítimas envolvidas em colisões ou atropelamentos. Segundo o Observatório Nacional de
Segurança Viária, os acidentes nas ruas e estradas resultam em custos anuais de R$ 52 bilhões,
3,7% do Produto Interno Bruto (PIB).
O abandono afetivo, material e intelectual paterno também é uma forma grave de
violência e considerado uma epidemia no Brasil. Segundo o CNJ, 5,5 milhões de brasileiros
não possuem registro paterno na certidão de nascimento. 11,6 milhões de famílias são formadas
por mães solo. O número de lares brasileiros chefiados por mulheres passou de 23% para 40%
entre 1995 e 2015, segundo a pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgada
em março de 2017 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com base nos
números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Nessas famílias, em 34% há presença do cônjuge. O estudo destaca que a ausência
masculina aumenta o risco de vulnerabilidade social, já que a renda média das mulheres,
especialmente a das mulheres negras, continua bastante inferior não só à dos homens, como à
das mulheres brancas.
São as muitas as formas de violência. Algumas dessas formas são veladas, disfarçadas
como cuidado excessivo ou simplesmente são formas de violências aceitas culturalmente... e
suas consequências são difíceis de mensurar, como nos casos de violência psicológica.
Violência Psicológica é qualquer ação ou omissão destinada a controlar ações,
comportamentos, crenças e decisões de uma pessoa, por meio de intimidação, manipulação,
ameaça, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à sua saúde
psicológica. É muito comum nesses casos, a pessoa ter a sua autoestima ou sensação de
segurança atingida por agressões verbais, ameaças, insultos e humilhações. Essa violência
acontece também quando, por exemplo, a pessoa é proibida de trabalhar, estudar, sair de casa
ou viajar, de falar com amigos e familiares, ou então quando alguém destrói seus documentos
ou outros pertences pessoais. Em 2018 o número de denúncias de violência física, moral e
psicológica recebidas pelo Ligue 180, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos, foi de 58.815 casos.
Levantamento feito pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
revelou que, no ano passado, o Disque 100 registrou um aumento de 13% no número de

13
denúncias sobre violência contra idosos, em relação ao ano anterior. De acordo com a assessoria
de imprensa da pasta, o serviço de atendimento recebeu 37.454 notificações, sendo que a
maioria das agressões foi cometida nas residências das vítimas (85,6%), por filhos (52,9%) e
netos (7,8%).
Divulgado em junho, o levantamento mostra que a suscetibilidade das mulheres idosas
é maior. Elas foram vítimas em 62,6% dos casos e os homens, em 32,2%. Em 5,1% dos
registros, o gênero da vítima não foi informado.
Quanto à faixa etária, os dois perfis que predominam são de pessoas com idade entre 76
e 80 anos (18,3%) e entre 66 e 70 anos (16,2%). O relatório também destaca que quase metade
das vítimas (41,5%) se declarou branca, 26,6% eram pardas, 9,9% pretas e 0,7% amarelas. As
vítimas de origem indígena representam 0,4% do total.
As violações mais comuns foram a negligência (38%); a violência psicológica (26,5%),
configurada quando há gestos de humilhação, hostilização ou xingamentos; e a violência
patrimonial, que ocorre quando o idoso tem seu salário retido ou seus bens destruídos (19,9%).
A violência física figura em quarto lugar, estando presente em 12,6% dos relatos levados ao
Disque 100. O ministério informa que, em alguns casos, mais de um tipo de violência foi
cometido.
O Disque 100 também registrou 11.752 casos de violência contra pessoas com
deficiência em 2018. Os dados apontam que os irmãos são os que mais cometem a violência
(19,6%), seguidos por mães e pais (12,7%), filhos (10%), vizinhos (4,2%), outros familiares
(20,7%) e pessoas com relações de convivência comunitária (2,3%).
De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) destina-se a assegurar e
a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais
das pessoas com deficiência, visando a inclusão social e a cidadania. Nesse sentido, o Disque
100 serve para fortalecer ainda mais a autonomia das pessoas com deficiência diante dos
diversos abusos e para traçar um panorama da situação a ser enfrentada, tanto na formulação de
políticas e serviços especializados de proteção da vítima, quanto da responsabilização dos
agressores.
O Disque 100 registrou mais denúncias de violência contra pessoas do sexo feminino
(51%). De acordo com a faixa etária, a maior incidência é entre pessoas de 18 anos a 30 anos
(24%), seguidas daquelas de 41 anos a 50 anos (23%), 51 anos a 60 anos (21%), 61 anos ou
mais (1%) e de 0 a 17 anos (0,6%). As vítimas com a faixa etária não informada somam 6,8%.

14
O maior índice de violação foi em desfavor de pessoas com deficiência mental (64%),
seguidos de deficiência física (19%), intelectual (7,9%), (4%) visual (4%) e auditiva (2,5%). O
ambiente intrafamiliar permanece como o principal local onde ocorrem as violações. A casa da
vítima aparece com maior volume (74%), seguida da casa dos suspeitos com (9%), outros locais
(6,7%), rua (5%), órgãos públicos (3,4%) e hospitais (1,5%).
As denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes recebidas pelo
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), em 2018, foram de 76,2
mil. Dentre as denúncias recebidas em 2018, mais de 17 mil foram de violência sexual
envolvendo crianças e adolescentes. Destas, 13,4 mil foram de abuso sexual e 3,6 mil de
exploração sexual. O abuso abrange violações de cunho sexual com meninos e meninas. Já o
termo exploração é usado quando essa prática envolve algum ganho financeiro por parte do
autor.
No recorte por gênero de denúncias de abuso sexual, em 73,4% dos casos a vítima era
menina e em 18,6%, menino. Já nas ligações comunicando exploração sexual, a proporção foi
de 75% de vítimas do gênero feminino e 12% do gênero masculino.
As violências e os acidentes são as maiores causas das mortes de crianças, adolescentes
e jovens de 1 a 19 anos, no Brasil. Entre essas chamadas causas externas, as agressões são as
que mais matam crianças e adolescentes, a partir dos 10 anos. O suicídio (a violência contra si
mesmo) tornou-se a terceira maior causa das mortes de nossos adolescentes e jovens, entre 15
e 25 anos.
A violência é ainda mais letal contra o sexo masculino, os homicídios são a causa da
metade dos óbitos de rapazes de 15 a 19 anos. E ao se fazer o recorte de raça da taxa de
homicídios, verificamos o extermínio da juventude negra. Não à toa aparecemos como a quinta
nação mais violenta do mundo, com taxa de homicídio maior do que a de países em guerra.
A violência mais atendida nas unidades de saúde, contra crianças e adolescentes de 0 a
13 anos, é o estupro, que ocorre na própria casa da vítima em 58% dos casos. Entre aqueles
com 10 a 19 anos, a violência sexual é igualmente a mais sofrida, na maioria contra as meninas.
Os agressores são na maior parte os próprios pais, padrastos, familiares, namorados ou pessoas
conhecidas das vítimas. Dados mundiais assemelham-se, 90% das adolescentes de diversas
nacionalidades, vítimas de violência sexual, denunciam que o autor da primeira violação era
alguém próximo ou conhecido. Infelizmente, apenas 1% delas procura ajuda profissional após
o estupro pelo medo da rejeição social e familiar, e pelas ameaças sofridas pelo agressor.

15
O terror aprofunda-se com a repetição do estupro em 38% dos casos, podendo-se
prorrogar por torturantes longos períodos, quando praticada por familiares ou outros
conhecidos. As consequências vão desde distúrbios emocionais, doenças sexualmente
transmissíveis, gravidez não desejada, até a morte da adolescente, que tira sua própria vida ou
falece na tentativa de um aborto clandestino.
Por fim, queremos destacar o problema da violência no campo. Segundo dados do
relatório Conflitos no Campo Brasil 2018, da Comissão Pastoral da Terra (da CNBB), em 2018,
aumentou o número de pessoas envolvidas em conflitos no campo. Aproximadamente um
milhão de pessoas estiveram envolvidas em conflitos no campo no Brasil, em 2018, mais
especificamente foram 960.630 pessoas envolvidas em conflitos contra 708.520 pessoas em
2017, um aumento significativo de 35,6%. Nos conflitos especificamente por terra, foram
118.080 famílias envolvidas em conflitos por terra, em 2018, contra 106.180, em 2017, nesse
caso um aumento de 11%. De 2015 a 2018, média anual de 127.188 famílias envolvidas em
conflitos na luta por terra no período da chamada ruptura política (2015-2018). Na região Norte
estão 51,3% de todas as pessoas envolvidas em conflitos agrários. Isso significa forte indício
do avanço/invasão da Amazônia pelo agronegócio via monoculturas.
O acirramento da violência privada faz explodir o número de famílias expulsas. Somente
no ano de 2018, o poder privado foi responsável pela expulsão de 2.307 famílias (cerca de 9.228
pessoas) e o poder público por despejar 11.235 famílias (cerca de 44,940 pessoas). A região
Norte, com 36,3% das famílias expulsas; a região Sudeste, com 35,6 % e a região Centro-Oeste
com 24,9%. Em 2018, ano eleitoral, 28 camponeses foram assassinatos em conflitos no campo,
sendo 50% lideranças (14), 16 camponeses no Pará e 3 Sem Terra em Anapu, PA. A CPT
analisa que anos eleitorais tendem a ter uma diminuição nesse tipo de violência. Contudo, 2019
já aponta o retorno do aumento dos assassinatos. Nos quatro primeiros meses de 2019, a CPT
já registrou 10 assassinatos em conflitos no campo. Porém, os números podem ser maiores do
que os registrados. No Pará, Nazildo dos Santos Brito, 33 anos, liderança quilombola, foi
assassinado na Comunidade Quilombola Turé III. Ele estava ameaçado de morte por denunciar
crimes ambientais praticados pela empresa Biopalma da Amazônia S/A, subsidiária da Vale.
Em 2018, em relação a 2017, houve um crescimento de: a) 4% no número de conflitos
no campo; 35% no número de pessoas envolvidas; c) 40% em conflitos por água; d) 30% em
conflitos trabalhistas; e) 10% em conflitos envolvendo a mineração; f) 11% no número de
famílias envolvidas em conflitos por terra; g) 6,5% em terras em disputa; h) 59% em famílias
expulsas; i) 5,7% maior em famílias despejadas: 11.231.

16
Em 2018, 482 mulheres sofreram violência nos conflitos no campo: a) 36 foram
ameaçadas de morte; b) 6 sofreram tentativas de assassinato; c) 15 foram presas (10 mulheres
sem-terra foram presas em julho de 2018 durante ocupação da Fazenda Verde Vale, no
município de Alvorada do Oeste, em Rondônia); d) 2 torturadas; e) 6 sofreram ferimentos; f) 2
morreram em consequência dos conflitos. g) 1 sofreu aborto; h) 400 foram detidas (na ação em
que denunciavam a privatização das águas em Minas Gerais, elas ocuparam a Nestlé, em São
Lourenço, sul de MG. A polícia as manteve detidas por horas dentro dos ônibus que as
conduziam e todas passaram por revista). A grande maioria das mulheres que sofreram
violência em 2018 são sem-terra. Mas também sofreram violência: 13 indígenas, 2 advogadas
populares, 2 agentes de pastoral, 8 quilombolas. Entre as mulheres que sofreram violência 20
eram lideranças. Números da Violência contra mulheres de 2009 a 2018: a) 38 foram
assassinadas; b) 80 sofreram tentativas de assassinato; c) 409 receberam ameaças de morte; d)
22 morreram em consequência de conflitos; e) 111 foram presas; f) 410 foram detidas; g) 37
foram estupradas; h) Outras sofreram agressão (75), ameaça de prisão (16), contaminação por
agrotóxicos (19), ferimento (52), humilhação (67) e intimidação (94).
Em 2018, conflitos pela água quebraram novo recorde com maior número desde 2002.
Em 2018 foram registrados pela CPT 276 conflitos pela água, envolvendo 73.693 famílias.
2018, portanto, quebrou o recorde de 2017, como o ano com o maior número de conflitos pela
água, desde 2002, quando a CPT começou a registrar em separado esse tipo de conflito. Entre
as vítimas, 85% delas são comunidades tradicionais. O número de conflitos foi 40% maior e o
de famílias envolvidas, 108% maior. Bahia e Minas Gerais foram os estados com mais conflitos
pela água em 2018. Cada um com 65 casos (23,55%). Ressalte-se que a maioria dos conflitos
resulta em violência.
Em 2018, as mineradoras foram as responsáveis por 50,36% dos conflitos pela água
(139 conflitos). 111 deles foram protagonizados por mineradoras internacionais e 28 por
mineradoras nacionais. Três conflitos emblemáticos: 1) 58 ações envolvendo a tragédia de
Mariana da Samarco/Vale/BHP Billiton, em Minas Gerais; 2) 55 comunidades do Baixo São
Francisco Sergipano, na luta pela manutenção dos seus modos de vida, contra os interesses
especulativos imobiliários; 3) 30 ações da empresa Hydro Alunorte contra as comunidades
paraenses do município de Barcarena. Conflitos envolvendo mineração foram os mais altos em
2018. A mineração, a cada dia, torna-se responsável por boa parte dos conflitos e das violências
que as comunidades do campo sofrem. Ela não se restringe à mina explorada. Exige toda uma
infraestrutura de sedes, acampamentos, galpões, rodovias, ferrovias, minerodutos, condomínios

17
ou company-town, que “pressupõem diferentes formas de domínio sobre o espaço geográfico”.
São novos territórios usados, causando sobreposições e conflitos com os povos e comunidades
que vivem e atuam nestes mesmos espaços. Os conflitos envolvendo a mineração atingiram
diferentes povos e comunidades do campo de diversas categorias de trabalhadores e
trabalhadoras, no campo e na cidade. São pessoas que dependem das águas, das florestas e da
terra para reproduzir socialmente sua própria existência com dignidade. Os registros da CPT
mostram que de 2004 a 2018 houve 1.123 conflitos em torno à mineração. A partir de 2010
houve uma explosão de conflitos causados pela mineração, o que demonstra que a mineração
está causando colapso das condições objetivas de vida do povo e dos ecossistemas.
Em 2018, os conflitos trabalhistas deixaram milhares de trabalhadores reféns do
silêncio. Em 2018 houve 89 ocorrências de conflitos trabalhistas – 35% a mais que em 2017, e
com 1.477 pessoas envolvidas - 178,8% a mais que em 2017. De 2000 a 2018, a CPT registrou
363 vítimas em conflitos envolvendo agrotóxicos, pessoas que morreram ou tiveram sua vida
ameaçada devido ao contato com os venenos jogados na agricultura do agronegócio. Na
realidade, os números são muito maiores, pois a imensa maioria dos trabalhadores não denuncia
ou não são caracterizados como casos de intoxicação por exposição ao agrotóxico.
Pelo exposto e para concluir, é importante ressaltar que apesar de todas as formas de
educação e coerção, os números e as formas da violência contra mulheres aumentam a cada dia.
A radicalização das leis e formas de pena e coerção não são suficientes para domar o ímpeto de
destruição masculina. O ódio e o desprezo pelas mulheres e pelo universo feminino constitui
um grave e desprezível traço da masculinidade do homem brasileiro e merece uma reflexão
mais aprofundada sobre as suas motivações e sobre as possíveis soluções para este problema.
Evidentemente, homens e mulheres são ao mesmo tempo culpados e cúmplices, pois se inter-
relacionam e condicionam, mas é um fato que as mulheres, cada vez mais, lutam por sua
libertação e emancipação e resta aos homens a reinvenção da masculinidade. Resta aos homens
o aprendizado e a prática da atenção, compaixão e cuidado. Resta aos homens aprender a
humanidade com as mulheres.

18
2

REFLEXÕES EXISTENCIAIS-PSICOLÓGICAS SOBRE O CUIDAR


MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA
PERSPECTIVA HEIDEGGERIANA PELOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Christianne Viana4

Introdução

As relações de poder enquanto trama revelada por Foucault (1979), demonstram como
a Violência contra a Mulher é marcada por uma natureza contraditória da vida social sob o
estigma de variadas formas de agressões físicas e simbólicas.
Desde o período da colonização brasileira, o arquétipo do papel da mulher brasileira
perpassa por funções, às vezes excêntricas, ora degradantes, e, até desumanas. Em lugar de
admiradas, passam outrora, como temidas, representantes diabólicas, reduzidas a objetos de
dominação e submissão, conceituadas como “não-função”, marginalizada e até mesmo
aniquilada em relação a sua real influência na evolução do ser humano.
Nesta construção, a violência contra a mulher é uma realidade crescente no contexto
social brasileiro. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA/2010 -
IPEA, a cada ano, cerca de 1,3 milhão de mulheres são agredidas no Brasil. De uma forma
global, esses dados atingem a cerca de um quarto da população feminina do planeta, revelando
traços marcantes e assustadores do estigma social de desigualdade de gênero.
Na última década, a violência doméstica passou a ser dialogada com mais abertura e

4
Graduada em Psicologia pela Faculdade Pitágoras, Pós-Graduada em Psicologia Cognitivo-Comportamental
Focada em Esquemas de Personalidade pelo Instituto Wainer, Mestranda em Filosofia Religião na FAJE. Já atuou
como pesquisadora etno-antropológica entre os BAKONGOS de Angola e Congo RD, Voluntária do MINARSE
- PT (Órgão de proteção a crianças e mulheres vítimas de violação de direitos na África), Teóloga e coordenadora
MICAI-MULHER, núcleo de apoio a mulher em situação de Violência no Rio de Janeiro, Mediadora e
Conciliadora Judicial certificada pelo EJESP-TJMG, Voluntária Conciliadora do JESPCRIM- TJMG.
Atualmente, atua como Psicóloga Clínica em Reabilitação - ASPAC-MG e Psicoterapeuta Cognitivo
Comportamental com Mundivisão Existencial (Daseinsanályse). Interessa por Antropologia Cultural, Ritos e
Crenças Primitivas, Comportamentos Disruptivos e Antissociais, além de Filosofia e Livros. É colunista Oficial
da Revista Eletrônica A Empreendedora, um espaço para Empoderamento Feminino. Seu Blogger sobre
Antropologia Cultural e Etno-psicologia, abre espaços para outros saberes e filosofias.
19
intensidade devido aos índices aumentados e divulgação da mídia e redes sociais. Contudo, essa
abertura descreve o problema da violência doméstica, mas não propõe políticas eficazes para a
solução do problema social. Neste contexto, devido às significativas taxas de morbidade e
mortalidade femininas relativas a causas diretas e indiretas deste fenômeno, essa realidade é
considerada um problema de saúde pública.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde
(OPS), assim como de serviços de saúde, associações profissionais e movimentos feminista, se
mobilizam e despertam interesse cada vez mais ativo e militante na temática. O interesse se
revela pelo fato que este fenômeno estar associado a um agravamento mental e físico à saúde
das mulheres, tendo em vista as estatísticas do aumento na busca dos serviços de saúde.
Como tema de saúde, a violência contra mulher gera vários problemas. Dentre estes,
podemos destacar o abuso da prática intensiva da medicalização. Alguns profissionais de saúde,
orientados por essa prática, tendem em psicopatologizar as pacientes.
Logo, os debates nestas organizações circulam, entre outros temas, em torno da possível
diminuição da violência contra as mulheres, da defesa dos direitos humanos, assim como, da
capacitação dos profissionais de saúde para cuidar das vítimas de violência, a ainda, uma
abertura para a aplicação de medidas contra o ofensor para além das medidas punitivas.
O modelo do cuidar, pontuado no paradigma biomédico, se encontra alicerçado nos
princípios do mundo da técnica, na qual o ser humano é tratado como um objeto. A proximidade
a verdade desse sujeito torna-se algo distante e o cuidado passa a ser valorizado pelo seu teor
técnico, objetivo, ignorando, muitas vezes, a subjetividade.
A proposta de nossa reflexão, resulta de uma preocupação advinda deste modo de cuidar,
no que se refere, especificamente, ao mundo da técnica e sua influência no cuidar de mulheres
que sofrem violência doméstica, a partir da concepção filosófica de Martin Heidegger.
Para isso, procuramos dialogar sobre o modo de cuidar, apontando para a possibilidade
do ser enquanto ser autêntico, numa relação de alteridade, solicitude, guiada pela consideração
e pela tolerância, além de abertura a integralidade do ser, dentro de sua concepção de liberdade.
No pensar heideggeriano, ter consideração, indica uma maneira de aceitar tensões, limites e
características das situações e dos modos-de-ser no mundo, enquanto tolerância ou paciência,
pressupõe uma expectativa de algo que possa vir- a- ser.

Reflexões críticas acerca do cuidar biomédico

20
O mundo da técnica vem trazendo contribuições significativas à humanidade.
Renovados avanços tecnológicos, giram o mundo e destaca-se aqui como modus operandi do
ser que impõe uma visão unidirecional e, nesta perspectiva, o cuidar do outro também sofre
essa influência. Novos modos de confrontar a invisibilidade em que alguns atores insistem em
assegurar frente aos sintomas observados e denunciados, revelam a realidade da violência
contra a mulher. Ainda assim, as intervenções clínicas não contam com instrumentos capazes
de identificar a origem desse fenômeno. A resposta é que, os resultados mais comuns à esta
situação, se resumem em internações, que embutem a realidade de sofrimento do corpo e da
mente, num contexto para além do indivíduo.
Nesta mesma perspectiva, o modelo biomédico, oriundo das ciências naturais é,
portanto, pautado na razão científica. Nesse contexto, o cuidado à mulher que sofre violência
doméstica é delineado por um olhar meramente técnico. O cuidado que se revela é racional,
causal e distante, instrumental, i.é. meramente resumido, por um conjunto de procedimentos,
meios e modos de fazer. Contudo, compreende-se que esse sentido é o vigente, não só nas
atividades próprias relacionadas à área da saúde, mas em quaisquer outras atividades humanas
da contemporaneidade, incluindo as ações de políticas públicas. Assim, justifica-se o argumento
da influência da técnica no pensamento e no agir humano, que segundo Heidegger, é fomentada
pelo pensamento totalitário: a razão tecnológica. Essa razão, por natureza exclui o olhar
empático e humanista. O olhar para a questão da violência contra a mulher precisa de abertura
para além de uma questão policial, cultural, política e judiciária. O apelo ao que se diz direitos
humanos, é que este olhar se configure enquanto saúde pública sob a ótica existencial humanista
na preservação da integridade do ser.
Na perspectiva utilitarista, o ser humano absorve um modo de ser e existir técnico,
formal. Não observa o contexto do sujeito em sua integralidade. Por esta razão, a possibilidade
de perigo de se viver segundo o modo de ser da técnica, é revelado por uma percepção e
compreensão limitada sobre as coisas, sobre o outro e a relação com mundo. Essa dimensão
unidirecional, reduz o modo-de-ser como hegemônico, em virtude da superficialidade atribuída
ao ser, permitindo assim a proliferação de uma compreensão vaga e fria da realidade da
violência contra a mulher, inclusive em sua esfera doméstica.
Para Heidegger, a determinação instrumental da técnica moderna é compreendida como
um meio para fins. Nesse entendimento, o ser humano se percebe como parte dessa essência
da técnica, e, a fim de dominar esse tipo de pensamento, se estabelece numa relação constante
e contínua com a concepção instrumental. Essa construção subjetiva reforça a perpetuação da

21
violência, por justificar o binômio categorial dominação masculina/subjugação feminina, dado
a construção histórico-social. De acordo com Heidegger, o querer dominar se torna tão mais
iminente quanto mais a técnica ameaça escapar do nosso domínio:

O mais triste é estarmos entregues à técnica quando consideramos como algo neutro;
pois essa representação, à qual hoje em dia especialmente se adora prestar
homenagem, nos torna completamente cegos perante a essência da
técnica. (HEIDEGGER, 1997a).

O abuso caracteriza-se pelo conjunto de condutas que se efetivam causando danos físico,
mental, dor ou ferindo a outra pessoa de maneira intencional. Incluem-se os atos que vão desde
bofetadas, até lesões graves e que podem causar a morte. De acordo com RAMIREZ (2001), a
“violência manifesta-se no físico, assim como em todas aquelas formas nas quais se oprime,
impossibilita ou se violam as garantias individuais das pessoas”. Nesta razão, observa-se que
todas as definições concordam que a violência é um comportamento inautêntico do ser-no-outro
e no mundo, e, qualquer ato exercido contra a dignidade humana, incluindo a mulher -
independentemente de suas origens - revela esse lugar devastador de inautenticidade.
O modo autêntico do cuidar, na dimensão do Dasein, deve ser baseado na dimensão
interpessoal. Um cuidar livre de uma relação de sobreposição e dominação, mas que preza e
zela pelo que é solicito, ou seja, pelo que tem consideração com o outro e que direciona para
uma relação de proximidade. Vale ressaltar que a relação de proximidade, o estabelecimento de
vínculos seguros e equilibrados, proporcionam respostas muito positivas para o estabelecimento
da melhora emocional das pacientes vítimas de violência doméstica. Esse reestabelecimento de
vínculo saudável e seguro, proporciona o desabrochar dos desejos, medos, sentimentos,
angústias e possibilidades, permitindo ao profissional de saúde- incluindo o terapeuta - a análise
assertiva como uma espécie de fio condutor para que ela se perceba na situação de violência, e
a partir daí, possa fortalecer-se na sua autodeterminação e busca de sua liberdade. Sobre esse
modo de ser da proximidade descrito acima, Heidegger (1999) descreve: [...] a supressão de
toda distância não traz nenhuma proximidade, pois esta não consiste na pouca extensão de
distância. Pequena distância ainda não é proximidade. Grande distância ainda não é lonjura."
Quando pensamos nos cuidados prestados pela saúde mental, percebemos o agravante.
Muitos não se encontram preparados ou mesmo, à vontade para lidar com situações que
requerem alto grau de empatia, mas limitada ao contexto da relação violada-violador. O mais
comum é a situação de afastamento, e os resultados desse rompimento, revela aspectos e
comportamentos que interessam a fenomenologia. Dentre as muitas formas de violência de

22
gênero, queremos enfatizar a violência intrafamiliar ou violência doméstica e a violência no
trabalho, como as formas mais comuns que se manifestam através de agressões físicas,
psicológicas e sociais. Contudo, a violência intrafamiliar é uma forma de violência a que muitas
mulheres estão submetidas, tendo origem entre os membros da família, independentemente se
o agressor esteja ou não compartilhando o mesmo domicílio. As agressões incluem violação,
maltrato físico, psicológico, econômico e, algumas vezes, pode culminar com a morte da mulher
maltratada. Também o abuso psicológico, sexual ou físico, habitual, ocorre entre pessoas
relacionadas afetivamente como marido e mulher ou adultos contra menores ou idosos de uma
família (RAMÍREZ, 2001).
A partir de relatos clínicos, observamos que alguns sintomas fisiológicos eram
resultantes de situações psicossomáticas, e, o problema de saúde era agravado pelas
consequências da relação conjugal violenta, em que evolviam questões de violências ocultadas
por mulheres por medo ou coação. Muitas vezes, a figura do profissional de saúde é omissa a
esta realidade, devido ao fato de se encontrarem presos a um saber técnico, na qual o
conhecimento objetivo é sempre um reconhecimento da normalidade que se constituem nas
queixas das mulheres, e tal limitação os leva a identificar sinais e sintomas inespecíficos, sem
relacioná-las a violência doméstica.

Proposta da Daseinanálise como intervenção da clínica psicológica

Dentre as técnicas que mais trabalhamos em situações de mulheres vítimas de violência


doméstica, que possibilitam a expressão de subjetividades, destaca-se a de respiração,
associando a respiração consciente à bioenergética, além da escuta empática, terapia centrada
no cliente e Daseianályse.
O apenas ouvir não é eficaz para o cuidar. Numa relação terapêutica eficaz, é necessário
que haja a escuta empática, i.é., estar aberto para fazê-lo de maneira verdadeira e sem
julgamento e o saber intervir de forma personalíssima. Esse processo proporciona um cuidar
revestido de liberdade, possibilitando ao outro, um lugar de autenticidade diante da situação
apresentada.
O profissional de saúde mental, envolto no mundo da tecnologia, da produção, na qual
o saber é instrumento de dominação, apropriação e controle do outro, perdeu a capacidade de
valorizar as questões subjetivas do ser humano, assim como, de se admirar com o simples
(CORREIA, et al., 2001).

23
O olhar o outro com alteridade requer a habilidade de buscar o simples. Mas como
conseguir olhar as coisas, o outro e mundo na busca do puro singelo? A possibilidade se faz no
despojar de preconceitos e juízos de valores, e, para isso, é necessário permitir-se, olhar e tocar,
dando vazão a expressão do ser através de seus sentimentos. E no sentimento (pathos) que se
encontra a centralidade do cuidar, e não na razão-logos (BOFF, 1999).
Para Boff (1999), construímos o mundo a partir de laços afetivos, pois são eles que
tornam as pessoas e as situações preciosas. Nessa relação se evidencia um modo de cuidar, que
tem como base os sentimentos, e isso nos torna sensíveis ao que está à nossa volta, nos faz
gostar ou desgostar. São os sentimentos que nos une às coisas e nos envolve com as pessoas.
Também são eles, que produzem encantamento em face da grandeza da natureza e o
enternecimento diante da fragilidade de um recém-nascido.
Nessa perspectiva, compreendemos que a mulher vítima de violência doméstica precisa
de um cuidar que demonstre afeto, respeito, afetuosidade, devotamento, liberdade de ser,
valorização da sua fala, dos gestos, do silêncio e dos seus sentimentos de uma forma em geral.
Trabalhar com este problema requer preparo. E observado, no entanto, muitos profissionais de
saúde não revelam capacidades para o tolerar e acolher o outro, para este tipo de cuidar, e nem
tão pouco para atender este tipo de clientela. Uma justificativa seria o possível incômodo que o
aproximar dessas situações pode gerar.
O contexto de um espaço de violência doméstica é marcado por um “grito surdo”. É um
espaço protegido pelo silêncio. Muitas mulheres com vergonha e medo da exposição e possível
condenação social ou familiar se alienam em seus próprios sofrimentos. Temes serem expostas
pela ocorrência de violência doméstica e ao estupro, logo, ocultam sistematicamente ou negam
esses crimes. O lar, na construção feminina, deveria ser o espaço para o compartilhamento do
amor. Mas em muitos lares, é exatamente neste local, que ocorrem, com maior e trágica
intensidade, o desamor, a ameaça à integridade física e emocional das mulheres. Aquelas que
deveriam ser paredes protetoras desse espaço atuam como muros do medo (CORREA, 2000).

Considerações finais

Finalmente esta reflexão sobre o cuidar da mulher que sofre violência doméstica na
perspectiva analítica heideggeriana - Daseinályse, se encerra, na opinião de que grande parte
dos profissionais de saúde se encontram envolvidos no cotidiano assistencial. Firmamos nossa
conclusão no argumento de que é imprescindível a atenção à questão, a fim de não nos

24
tornarmos escravizados por este modo de ser da técnica, onde a frieza e sobrepõe os modos da
empatia, distorcendo em muito a realidade do valor do ser.
Para Heidegger, é no dia-a-dia que o humano se mostra "antes de tudo" e "na maioria
das vezes", nas situações que envolvem o mundo-circundante (mais próximo ou familiar), o
mundo-humano (da convivência com as demais presenças) e o mundo-próprio (relação do
indivíduo consigo mesmo). Todavia, não nos compete desvalorizar o que a técnica benfeitoria
a humanidade. Nossa real intenção é provocar o modo de viver do ser da técnica, que dispõe o
ser humano para a perda do sentido verdadeiro da palavra contiguidade, assim como, também,
nega a existência da empatia. Tal negação redireciona o ser humano para um lugar de
desumanização e de embrutecimento das relações.
Sendo o principal compromisso dos profissionais de saúde o de cuidar do outro no
modo-de-ser da angústia, é necessário desafiar as circunstâncias permanentes, e sair da
existência inautêntica, a partir da re-significação de um Dasein, para a abertura do horizonte do
ser.
Nesse sentido, considera-se o argumento heideggeriano que "o cuidado significa um
fenômeno ontológico existencial básico", ou seja, a base viabilizadora da existência humana.
Nesta concepção, ressalta-se que o cuidado deve estar presente de forma significativa na
existência humana, na possibilidade em que a concessão de direitos de cidadania possa permitir
ainda, sentir o outro, ter compaixão, empatia, para além da lógica utilitária, mas com a lógica
do coração.
Nesta relação de utilitarismo da tecnologia, excluímos a possibilidade de reconhecer a
magnificência do Ser. Porém, quando se abre em direção ao mundo, em termos de cuidado e
amor, para além das atitudes tecnológicas, reconhecemos as inter-relações dos entes. O cuidado
da psicologia é terapêutico e humano, e, portanto, sua operacionalização ocorre numa relação
de ajuda terapêutica e de protagonismo do ser. Ao citar Boff, fazemos com apreço a evocação
para o valor do sentido do cuidar de mulheres em situação de violência doméstica, naquilo que
envolva valores, decisão e confiança nesse protagonismo. Por fim, nos apropriamos de uma
reflexão heideggeriana: “esquecer a mais importante característica de nossa existência tem
custado ao homem um alto preço, o preço de um mundo dominado pela atitude tecnológica”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

25
BOFF L. Saber cuidar: ética do humano com paixão pela terra. 2 ed. Petrópolis: Vozes;
1999.

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Salvador (BA): UFBA; 2000.

FOGEL, G. Da solidão perfeita: escritos de filosofia. Petrópolis: Vozes; 1999.

HEIDEGGER, M. A questão da técnica. São Paulo: Cadernos de Tradução; 1997.

____________, M. A coisa. Salvador; 1999.

____________, M. (1975/2012). Os Problemas Fundamentais da Fenomenologia. (M. A.


Casanova, Trad.) Rio de Janeiro: Editora Vozes.

____________, M. Ser e tempo (1927), Partes I e II, tradução de Marcia Sá Cavalcante


Schuback, Petrópolis: Vozes, 2002. [Sein und Zeit, Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann,
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filosóficos, tradução de Ernildo Stein, São Paulo: Nova Cultural, 2005.

_________________, M., & Boss, M. (Org.) (2009). Seminários de Zollikon. Petrópolis, RJ:
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www.scielo.br/puspSP: Universitária São Francisco>. Acesso em: 05 de fev. 2020.

RAMÍREZ ,D. E. Factores psicosociales de la violencia familiar. Rev Enfermeras, México


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SANTOS, B.S. Um discurso sobre a ciência. 9 eds. Porto: Afrontamento; 1997. Disponível
em:<http://www.scielo.br/pdf/ea/v2n2/v2n2a07.pdf. >Acesso em: 05/02/2020.

26
3
POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
CONTRA AS MULHERES
Lucas de Oliveira Barbosa

1. INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher expressa-se de várias formas, graus e métodos, com


diferentes tipos de severidade. Essas barbaridades fazem parte de um conjunto crescente de
episódios, do qual, o homicídio é o ápice. Porém, em 2007, incitado e apoiado pelos
movimentos sociais a Secretaria Especial de Políticas para as mulheres (SMP) através de
idealizações, materializou para promover mais autonomia e mais cidadania para as brasileiras;
a Política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher.
Uma conquista importante diante do vergonhoso panorama da violência sexista em
nosso país foi a lei 11.340, também conhecida pelo nome; Lei Maria da Penha. É o preceito
mais importante para combater a violência no lar, considerada pela ONU como a terceira
melhor lei contra violência doméstica no mundo. É uma legislação que visa sanar com a
imparcialidade a violência, e punir com mais rigidez os agressores.
A partir da lei, tivemos grandes mudanças na legislação do país. O código penal, por
exemplo, passa a prever a violência doméstica como agravante de pena, uma vez que esse tipo
de violência não era categorizado com uma violência específica de gênero. Também obtivemos
mudanças nas punições dos agressores, pois, depois da lei, é proibido que sejam punidos
realizando doações de cestas básicas ou multas as vítimas; e as mulheres que eram dependentes
do acusado, podem ser inseridas em programas governamentais, como Bolsa Família, por
exemplo, até mesmo determinar ao agressor, o pagamento dos custos médicos de que a vítima
venha necessitar.
A política nacional de enfrentamento a violência contra a mulher tem sua base
estruturada pela assistência as vítimas, combate e enfrentamento, prevenção e a garantia de
direitos concedidos às mulheres que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade.
Elaborado em 2004 com base na I conferência nacional de políticas para as mulheres, realizado
pela secretaria de políticas para as mulheres focaliza juntamente a lei 11.340/2006 (Maria da
Penha) o enfrentamento as diversas violências que estão acometidas ao gênero feminino.

27
Ao fazer uma análise da sociedade, podemos observar que a questão da violência contra
a mulher é um tema que vem sendo cada vez mais discutido perante a sociedade, e mesmo
assim, a banalização e tolerância perante a violência tem sido pertinente. Já a observação do
enfrentamento as políticas, planos e programas ainda permanecem em desconhecido por quem
pratica e em muitos casos por quem sofre as agressões.
O motivo de escolha do tema foi devido ao número de incontáveis mulheres que estão
em situação de abuso, e também, por aquelas que morreram por não conhecerem a justiça de
fato, e nem as formas de enfrentar esse problema incrustado na sociedade. Alguns dos
rebatimentos sobre essa expressão da questão social e a impunidade que circunda os agressores
nos motivam a buscar um conhecimento a fundo, capaz de explanar os limites e possibilidades
do enfrentamento da violência contra a mulher.
Essa pesquisa tem como objetivo geral: analisar os quatro eixos estruturantes da política
nacional de enfrentamento à violência contra a mulher. Como objetivo específico pretende-se
mostrar os benefícios, assistências e garantias da política nacional de enfrentamento a violência
contra mulher, abordar as dificuldades no acesso das mulheres em situação de violência a essa
política. pretende-se também analisar os impactos da violência na vida das mulheres.

2. Benefícios, assistências e garantias da política nacional de enfrentamento a violência


contra mulher

O conceito de enfrentamento, adotado pela Política Nacional de Enfrentamento à


Violência contra as Mulheres, diz respeito à implementação de políticas amplas e articuladas,
que procurem dar conta da complexidade da violência contra as mulheres em todas as suas
expressões.
O enfrentamento requer a ação conjunta dos diversos setores envolvidos com a questão
(saúde, segurança pública, justiça, educação, assistência social, entre outros), no sentido de
propor ações que desconstruam as desigualdades e combatam as discriminações de gênero e a
violência contra as mulheres. Além disso, interfiram nos padrões sexistas e machistas ainda
presentes na sociedade brasileira; promovam o empoderamento das mulheres; e garantam um
atendimento qualificado e humanizado àquelas em situação de violência. Portanto, a noção de
enfrentamento não se restringe à questão do combate, mas compreende também as dimensões
da prevenção, da assistência e da garantia de direitos das mulheres (Brasil, 2011).

28
No que diz respeito aos Direitos a política cumprirá recomendações previstas no tratado
Internacional na área de violência contra mulher, além de tratar sobre a eliminação de todas as
formas de discriminação contra a mulher.
Quanto a garantia dos direitos terá implementação de iniciativas promovendo o
atendimento humanizado e qualificado as mulheres em situação de violência e a formação
contínua dos agentes públicos e comunitários, além, da criação de serviços especializados
(Brasil, 2007).
A Rede de Atendimento e composta pelas instituições governamentais, não
governamentais e das comunidades e possuem mecanismos que visam a melhoria do
atendimento, identificação e encaminhamento adequado, além do desenvolvimento de
estratégias de prevenção.
Os Centros de referência dispõem de espaços para acolhimento e atendimento
psicossocial e orientações, além de oferecer suporte necessário a superação da questão social
apresentada favorecendo resgate da cidadania conforme as normas do programa. Além disso,
ele deve se articular com os demais componentes da rede de atendimento, fazendo o
monitoramento e acompanhando as ações.
Outro meio de atendimento são as delegacias especializadas de atendimento à mulher
(DEAMs) que são unidades especializadas da Polícia Civil para atender a demanda da violência
doméstica. Essas, possuem caráter preventivo, propõe ações de investigação, apuração e
enquadramento legal, seguindo as diretrizes dos direitos humanos e no princípio do Estado
Democrático de Direito, baseando-se nas normas técnicas SPM (2006) que dispõe de medidas
protetivas conforme a lei Maria da Penha (11.340/06). A defensoria da Mulher tem ações no
âmbito jurídico, oferecendo orientações jurídicas e realizando o encaminhamento das vítimas
de violência doméstica ao devido setor para averiguar os casos.
O juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher são órgãos criados pela
união e pelo Estado para realizar o julgamento e execução de causas que envolvam prática de
violência na família contra Mulher.
Nos últimos anos o que temos assistido é uma mistura de melhorias, estagnações,
retrocessos, contradições. Acertos e conquistas, equívocos e instabilidades. Vitórias a celebrar,
derrotas a lamentar e desafios a enfrentar. No entanto, resta o desafio de que todas as políticas,
principalmente as conquistas possam vir a se tornar realmente efetivas.

3. Os impactos da violência na vida das mulheres

29
A violência contra as mulheres ocasiona sérias e graves implicações não só para o seu
pleno e absoluto desenvolvimento, afetando a mesma de praticar sua cidadania e direitos
humanos, mas, além disso, afeta o desenvolvimento socioeconômico do país. Conforme Bravo
(1994), a violência contra as mulheres não é mais um assunto particular, mas um elemento de
preocupação social.
Segundo Meneghel (2003), a violência surge de uma corriqueira herança recorrente em
todas as classes sociais, culturas e sociedades, logo, um fato inerente à construção da
humanidade, mostrar-se de distintas formas.
De acordo com Gomes (2002), a desigualdade reproduzida pela família contemporânea
demonstra o que se espera sobre a conduta de homens e mulheres. Consiste em, das mulheres
a expectativa é a de delicadeza, sensibilidade, passividade, subordinação e obediência. Por suas
características biológicas de engravidar e amamentar, a sociedade mantém a mulher para o
cuidado doméstico, inclusive, a torna culpada por eventos que possivelmente venham a sair
errados dentro do lar.
Segundo Portella (2005) a legitimação da violência contra a mulher é garantida por uma
licença social para a sua realização. O autor supracitado acima afirma ainda que em argumentos
populares mais ou menos igualitários, o nível de tolerância à violência é menor através de
artimanhas institucionais mais racionais para a resolução de conflitos de gênero.
Nessa mesma lógica Strey (2000), enfatiza que, embora as mulheres nas últimas décadas
tenham obtido inúmeras vitórias em relação a vários direitos civis e políticos, uma grande
porcentagem de mulheres ainda ignora seus direitos e não procura ajuda, quer legal, quer no
sistema de saúde. A vergonha da violência sofrida também tem constituído como sendo um dos
fatores que dificulta a busca de apoio no sistema de apoio familiar e comunitário, o que
atrapalha a quebra com o caso de abuso.
Após constatar danos sociais e econômicos nas últimas décadas e luta dos movimentos
feministas perante o fenômeno da violência contra a mulher, atentou para a inclusão do
problema da violência contra a mulher na agenda política dos governos e nos acordos
internacionais, Baudrillard (2004).
Passos na procura por efetivação da justiça já foram dados. Conforme Fernandes (2014)
com a aprovação da lei que estabelece mais rigor nas punições para os agressores de violência
doméstica concebida pela Lei 11340/06 – Lei Maria da Penha, o exemplo de políticas públicas
definidas pela totalidade, leva a reflexões sobre a relação entre gênero e políticas públicas,

30
violência doméstica e segurança pública; violência doméstica e mercado de trabalho; como
também, violência doméstica e políticas do terceiro setor para o fortalecimento de ações
estratégicas para a materialização dos direitos humanos.
O impacto que a violência doméstica causa só foi reconhecido pelo SUS, recentemente
por internacionais organizações como a OMS, de acordo com Gómez, (1993). Em estudos
numerosos, no meio de mulheres abusadas física e sexualmente a depressão, a toxicomania,
ações de autodestruição, tentativas de suicídio e suicídio são mais frequentes. De acordo com
os dados apresentados por Heise (1994), “Avaliar-se que 19% das mortes ou incapacitação
física em mulheres em idade fértil à violência de gênero é causa principal.”
Assim, contextualizamos o impacto da violência doméstica para além das estatísticas de
sua incidência, no sentido de inscrevê-la na interpretação das causas do adoecimento,
empobrecimento, desamparo à infância e evasão escolar, enfim, como obstáculos ao
desenvolvimento pessoal e social para milhares de mulheres, Camargo (1998).
De acordo com Casique (2006), analisando a violência, muitos concordam que se
apresenta como um fato que estraga a integridade da mulher, dando como resultado uma saúde
deficiente, desordens familiares e do grupo social. Com destaque para as complicações físicas
e as psicológicas que limitam a mulher. Ainda existem consequências sociais que em momentos
impossibilitam-na de abandonar esse lar violento onde transgridem suas garantias individuais e
denigrem sua individualidade.
Segundo a Universidade Federal do Ceará em parceria com o Instituto Maria da Penha
e com o Instituto de Estudos Avançados de Toulouse, na França em 2016, as agressões contra
as mulheres ainda pesam na atividade produtiva do país. A pesquisa feita com 10.000 mulheres
que habitam nas capitais do Nordeste, apontou que 27% delas já tinham padecido de algum tipo
de violência doméstica emocional, física ou sexual como apresenta Carvalho (2016).
A primeira coisa que se nota é perda de saúde mental. Uma menor capacidade de
concentração e de tomada de decisões é notada em vítimas de violência. É a partir daí que entra
no contexto o ambiente de trabalho. Mulheres que vivenciaram ou vivenciam violência no lar
permanecem 22% menos tempo no emprego do que as que não vivenciam a violência. Ainda,
os salários são, em média, 10% menores. Essas funcionárias faltam ao trabalho 18 dias por ano
por causa de violência. Apenas nas capitais nordestinas, são oito milhões de horas produtivas
perdidas por ano. Conforme afirma a revista Exame (2017)
A violência doméstica, de natureza intrafamiliar, frequente, vem junto do segredo e da
negação, o que pode acarretar com que muitos casos sequer cheguem ao sistema de Justiça ou

31
mesmo ao sistema de Saúde. Outros, quando revelados, já decorriam sendo praticados por
longos anos, prejudicando o êxito e desenvolvimento da mulher. Por isso a importância de
políticas para seu enfrentamento.

4. A dificuldade do acesso das mulheres em situação de violência a política nacional de


enfrentamento a violência contra a mulher

A violência contra a mulher foi abordada nesta política a fim de estabelecer que não se
tornasse referência apenas ao combate da violência, mas que atingisse também as condições de
prevenção, de assistência e de garantia de direitos das mulheres.
Com a efetivação da Lei Maria da Penha (11.340), por meio de sua propagação e
efetivação, como a ampliação da rede de serviços para as mulheres em situação de violência.
Essas ações visam possibilitar uma segurança da cidadania a todas as mulheres, pois tanto as
leis e quanto às normativas ainda são muito recentes.
Tais leis e normas precisarão ainda serem reajustadas para melhorar a prevenção contra
a violência, devido estarem sendo asseguradas há pouco tempo, e ainda sem garantia de seu
pleno acesso por meio de informação. Tendo em vista a diminuição dos índices de violência
contra as mulheres. “Pois as agressões sofridas eram tidas como meros desentendimentos
familiares, sem que as autoridades tomassem adequadamente medidas concretas”. Teles (2010).
Vale ressaltar uma garantia de proteção e efetivação dos direitos das mulheres em
situação de violência, como foi falado a Lei “Maria da Penha” e uma Política Nacional para as
mulheres, A lei não consegue garantir que seja ofertado atendimento obrigatório nos serviços
de apoio às mulheres em situação de violência devido não terem o controle sobre elas. Esta é
uma dificuldade que ainda deparamos em meio a um avanço das políticas.

5. Metodologia

O plano de desenvolvimento projetado para a metodologia do estudo baseou-se em


análise e revisão de literatura. As fontes de informações se deram a partir de pesquisas
bibliográficas, angariando a coleta de dados em artigos acadêmicos, sites governamentais,
livros, dissertações e teses. A Síntese da Metodologia está fundamentada em textos
argumentativos, havendo citações diretas longas, diretas curtas e indiretas.

32
Esse artigo acadêmico foi elaborado no ano de 2017, originalizado a princípio como um
trabalho universitário no curso de serviço social. Entretanto, com a repercussão do fenômeno
da violência de gênero, essa pesquisa tornou-se uma ferramenta de combate e denúncia dessa
expressão da questão social. Dessa forma, nos anos em sequência, novas leituras e citações
deram um complemento para que seu conteúdo pudesse ser mais amplo, a fim de servir como
aporte de conhecimento e para a população.
Os principais indivíduos vinculados ao nosso projeto interdisciplinar são: O Estado, o
sistema único de saúde, delegacias de polícias, organizações que atuam na luta pelo
enfrentamento a brutalidade que são submetidas diversas mulheres cotidianamente.

6. Considerações finais

Constituindo-se uma das maneiras de infração aos direitos humanos, a violência contra
as mulheres causa impactos em sua saúde física e mental. o estudo da violência doméstica
determina um caráter de muita tolerância e sensibilidade. Com sentimentos complexos que
despertam raiva, pena, tristeza e impotência. Esses acontecimentos que atacam mulheres em
todas as etapas da vida independentemente da classe social, cor, etnia, religião e orientação
sexual. Muitas vezes a situações de violência são iniciadas ainda na infância. As informações
que apresentamos no referencial teórico dizem que o agressor, na maioria das vezes é o próprio
companheiro, com a qual a vítima cultiva relação íntima e de afeto e até mesmo constitui uma
família, o que agrava ainda mais essas condicionalidades.
Considerando finalmente, o presente estudo teve por objetivo analisar os quatro eixos
estruturantes da política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher, já que na
sociedade, muitas mulheres conhecem a lei Maria da Penha, entretanto, poucas dispõe de
materiais diversificados para estudo sobre essa problemática apresentada, sendo assim,
fazendo-se necessário entender como estrutura-se essa política.
O estudo permite concluir que as políticas de enfrentamento a violência de gênero
promoveram mudanças efetivas no cenário de atendimento as mulheres vítimas de violência
doméstica, particularmente no campo da prevenção, assistência à mulher, enfrentamento e
combate a essa questão social e a punição devida aos agressores, o que constitui exatamente
nos quatro eixos dessa política em questão.
Apesar dos aspectos positivos da política e dos avanços no atendimento a mulheres
vítimas de violência doméstica, não podemos deixar de pontuar que ainda há dificuldades para

33
aplicar integralmente e efetivamente o que está determinado em lei. Os dados analisados
revelam que há falta de recursos humanos, materiais e ausência de uma rede integrada que
promova ações articuladas e que, possam prestar uma assistência imediata as mulheres, cria
arestas no enfrentamento a violência doméstica. Soma-se a isso, a falta de capacitações
continuadas aos profissionais que atuam na rede, o que vem resultando, muitas vezes, no
desconhecimento de algumas diretrizes preconizadas pela política, dificultando que as mulheres
vítimas de violência usufruam os benefícios e ações protetivas previstos em Lei.
Apesar da criação de leis, diretrizes e luta dos movimentos sociais, certas mudanças
simplesmente não ocorreram, deixando buracos na política nacional de enfrentamento a
violência contra as mulheres. As quais demandam atenção prioritária e necessitam ser tratadas
de forma adequada, com o fim de responder à atual realidade das mulheres vítimas e/ou em
situação de violência. Assim, diante de tudo o que mudou, não mudou e/ou ainda deve mudar
sobre a violência contra as mulheres brasileiras, só resta uma consideração final: Para resolver
as diversas expressões de violência acometida as mulheres, é necessário aderir uma conduta
social, cultural e política, ética e sincera mediante a esse problema. Sem isso fica impossível
construir um mundo melhor.
Levando em consideração a análise desenvolvida neste estudo, nós, enquanto estudantes
do serviço social, consideramos que a complexidade das situações que envolvem violência
contra mulheres atinge diversas áreas, entre elas; o campo social, a educação, a segurança e a
saúde. Isso, sugere a necessidade de emergir novos olhares e ações articuladas entre os serviços
especializados no atendimento a essas mulheres. Há que se buscar, cada vez mais, desenvolver
trabalhos e programas com alcance mais extenso, para envolver a vítima, o abusador e o restante
do grupo familiar, em face dos múltiplos aspectos considerados pela violência doméstica, em
especial a violência intrafamiliar evitando intervir sob um único ponto de vista.
As mulheres não podem deixar de acreditar. As lutas são longas. Hoje, pode ser que não
dê certo, mas, temos que insistir. Há um tempo, as mulheres eram submissas. Atualmente elas
podem enxergar melhorias e avanços históricos memoráveis, mas, ainda há muito a ser feito,
ainda há muitos espaços para conquistar.

REFERÊNCIAS

Ane Cuz Jadilza Araújo Tais Cerqueira Edição e produção: Assessoria de Comunicação da
Secretaria de Políticas para as Mulheres Projeto gráfico, capa e diagramação: Caco Bisol
Produção Gráfica Revisão: Maria Regina Alves Dias Impressão: Ideal Gráfica e Editora.

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Acessado em Outubro de 2017.

36
4

A INSEGURANÇA IMPOSTA À MULHER NO CENÁRIO VIRTUAL

Anna Luisa Martins Nogueira


Isabella Lúcia Nogueira Silva

1 A criminalidade virtual e a sua incidência no aspecto das violências de gênero

Com o surgimento da internet, é fácil constatar o impacto que a mesma teve na vida de
milhares de pessoas e como moldou a forma de se relacionar da humanidade. Cada vez mais, a
internet tem se expandido pelo mundo afora e aumentando seu número de novos usuários. Isso
é possível em grande parte pela constante evolução tecnológica e o barateamento desses
produtos, como celulares e computadores, que se tornaram acessíveis também às classes mais
baixas. A internet na sociedade atual possui diferentes recursos, ela proporciona diversão,
informação, estudos, acessos bancários, tudo, que antes exigia mais dificuldade para se buscar,
hoje em dia se tornou fácil, pois as pessoas possuem acesso na palma de sua mão.
Contudo, a internet não possui somente aspectos positivos, o mundo virtual se tornou
um ambiente favorável à prática de diversos crimes, principalmente aqueles ligados a violência
de gênero. A percepção da criminalidade no mundo virtual teve destaque através de
mobilizações de diversos ativistas pelo Brasil e das instituições de pesquisas, que levantam
dados e abordam esse problema, muitas vezes ignorado pelo resto da sociedade. Uma pesquisa
realizada em 2016, Pesquisa TIC Domicílios, revelou que 61% da população brasileira é usuária
de internet, uma proporção que seria equivalente a 107 milhões de brasileiros e dentre esses
107 milhões, 81% são usuários frequentes e 78% usuários de redes sociais, o que representa 85
milhões de pessoas. Portanto, não há dúvidas sobre a presença da internet, sobre como ela ocupa
um espaço de protagonismo em nossa sociedade, devendo ser analisada acerca dos seus
aspectos benéficos e maléficos.
Quanto aos crimes virtuais, ainda temos a noção de que é um conceito novo em
aplicação no direito brasileiro. Legislações estão se adequando para abarcar essa nova
modalidade criminosa. Augusto Rossini, conceitua da seguinte forma:

37
O conceito de ‘delito informático’ poderia ser talhado como aquela conduta típica e
ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou
omissiva, praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática, em
ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança
informática, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade e a
confidencialidade. (ROSSINI, 2004)

O grande problema dos crimes virtuais é à proporção que os mesmos podem tomar,
tendo em vista que o espaço virtual é ilimitado. Muitas ações realizadas na internet se espalham
com grande velocidade e o alcance pode ser extremo, preocupante e, muitas vezes, sem
possibilidade de se reverter o mal causado. Com isso, cada vez mais, surgem novas formas de
violência, principalmente, as que possuem como vítimas, meninas e mulheres.
De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas) a violência contra as mulheres
no ambiente virtual está presente em todos os lugares do mundo virtual e em diferentes idiomas
e países, se manifestando de distintas maneiras, como, por exemplo, linchamento virtual,
cyberbullying, pornografia de vingança, assédio moral e sexual, estupro virtual, entre outros.
Ainda, a ONU constata que 27 é o número de chances a mais que as mulheres possuem de sofrer
assédio virtual em comparação com os homens. Os homens também sofrem violência virtual,
porém, o aspecto preocupante nessa violência é o protagonismo das mulheres em serem vítimas
de tais crimes, simplesmente por serem mulheres. A pesquisa da ONU também nos mostra que
61% dos assediadores virtuais são homens. Salienta-se que, no Brasil, de acordo com dados
recolhidos pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, percebe-se que as
denúncias relacionadas com violência de gênero dentro do ambiente virtual aumentaram
1.640% de 2017 para 2018, passando de 961 denúncias para 16.717 e que as mulheres são as
principais vítimas de vazamento de nudes (fotos íntimas): 66%.
A ONG britânica End Violence Against Women Coalition (Coalizão de Combate à
Violência contra Mulheres), realiza pesquisas nesse sentido, abarcando também a violência de
gênero que as mulheres sofrem online. A diretora executiva da citada ONG, Marai Larasi, nos
diz que:

Acho que a internet é maravilhosa, nós não conseguiremos, nem queremos refreá-la,
mas nós precisamos ser capazes de intervir no espaço da internet. Nós precisamos
pensar no espaço virtual como nossas novas ruas e nossas novas casas e pensar no que
é necessário fazer para manter as mulheres seguras, em particular as meninas. Isso
apresenta novos desafios para todos nós, não apenas nas nossas análises de diferentes
‘sites’ de violência, mas crucialmente em torno de nossa abordagem de prevenção,
solução de crises e apoio contínuo.

38
Dessa forma, tem-se a percepção que a violência de gênero na internet possui uma
coalizão com a do “mundo real”. Elas também se baseiam no desrespeito que a mulher sofre
somente pelo fato de ser mulher, em que suas decisões não são respeitadas e uma expectativa
do papel da mulher na sociedade também é exigida no ambiente virtual. Dentre os crimes
cometidos no ambiente virtual contra o público feminino, é importante destacar alguns, por
terem maior incidência: o estupro virtual, pornografia de vingança, assédio moral e sexual,
cyberbullyng.

2 A nova modalidade de estupro – o estupro virtual

O estupro virtual, também conhecido como “sextorsão” é ainda bem recente no Brasil,
e consiste em uma interpretação mais extensa do Art. 213 do Código Penal, que trata sobre o
crime de estupro. Analisando o mencionado artigo, que foi alterado pela Lei 12.015/09, esse
crime também se estende ao meio virtual, abordando como estupro:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

É possível perceber que o Código Penal não traz uma definição concreta ou aborda
diretamente sobre o estupro virtual, cabendo, portanto, como uma tarefa dos juristas em
interpretar tal artigo de forma a estendê-lo para o ambiente virtual. Analisando o já mostrado
artigo, percebemos o final, em que se aborda sobre o “ato libidinoso”, e, segundo Mirabete e
Fabbrini (2016, p. 409), conforme citado por Fragoso (1981), ato libidinoso é deliberado como
“toda ação atentatória ao pudor, praticada com o propósito lascivo ou luxurioso”. O ato
libidinoso possui uma definição bastante ampla, podendo abranger qualquer ato de conotação
sexual, que também é prejudicial para a integridade da vítima.
Portanto, o estupro virtual consiste na ação de constranger a vítima, por intermédio de
grave ameaça no mundo virtual, exigindo dela material pornográfico próprio, com a intenção
de se praticar algum ato libidinoso. Tal crime possui consequências psicológicas bem similares
ao estupro físico, como por exemplo, depressão, síndrome de pânico, estresse pós-traumático,
sentimento de raiva, humilhação, nojo, medo e culpa.
O bem tutelado nessa tipologia criminal é definido por Bitencourt (2016, p. 49 e 50)
como:

39
O bem jurídico protegido, a partir da redação determinada pela Lei nº 12.015/2009, é
a liberdade sexual da mulher e do homem, o direito de exercerem a sua sexualidade,
ou seja, a faculdade que ambos têm de escolher livremente seus parceiros sexuais,
podendo recusar inclusive o próprio cônjuge, se assim o desejarem. (BITENCOURT,
2016, p. 49-50).

O crime de estupro, diversas vezes, passa-se despercebido, ou seja, as vítimas,


comumente, se sentem inseguras, sobretudo, pela sensação de impunidade em nossa sociedade
e por, frequentemente, haver dúvidas em relação à veracidade das palavras da vítima. Já se
tratando do estupro virtual, a possibilidade de produção de provas é mais extensa e, de certa
forma, mais “fácil” de ser obtida, afinal, é possível identificar se a vítima consentiu para o ato
ou não, bastando uma análise da conversa. Através desse diálogo, consegue-se perceber se a
vítima foi constrangida e ameaçada psicologicamente, o que basta para incriminação do agente.
Mesmo quando este crime não deixa marcas visíveis na vítima, como é o caso do delito
cometido em ambiente virtual, os abalos psíquicos são de enorme gravidade e não menos
importante do que os físicos. Portanto, é importante perceber que o fato do crime ser virtual não
diminui sua característica de crime hediondo e o mal que ele causa, e, geralmente, com maior
constrangimento.

3 Aspectos da pornografia de vingança

Já em relação à pornografia de vingança, embora possa ser cometida contra qualquer


um, existe uma predominância em se ter como vítimas as mulheres. E dessa forma, pode ser
encarada como uma nova modalidade de violência de gênero. A pornografia de vingança ocorre
quando há a divulgação sem autorização de fotos e vídeos íntimos de alguém na internet, com
o objetivo de vingança e, tendo como propósito, a humilhação da vítima, provocando, como
consequência, danos emocionais graves com a propagação daquele conteúdo. O material íntimo
divulgado pode ter sido conseguido com consentimento ou não. Entretanto, mesmo havendo
consentimento, não significa que houve autorização para reprodução daquele conteúdo em
ambiente público, como é a internet.
Os impactos dessa violência na vida das vítimas são inúmeros e bem prejudiciais.
Quando a atitude atinge domínio público também causa impactos à vida familiar e ao grupo
social em que a vítima está inserida. E esses impactos podem ser: perda de emprego, quebra de
laço social com pessoas próximas, dificuldade de se relacionar novamente, depressão,
humilhação, falta de confiança. As imagens, uma vez publicadas na internet, circulam de forma
40
bem rápida, rendendo uma exposição gigantesca para quem sofre o crime, principalmente
mulheres, sendo alvo de comentários machistas, ameaças, assédio e diversos outros abusos. Por
mais que se busque eliminar aquele conteúdo do ambiente virtual, nunca há a certeza para a
vítima de que realmente ele foi excluído definitivamente, restando como consequência uma
vida com medo e insegurança.
O site destinado ao Dossiê de Violência de Gênero expressa que “consequências não
são menos graves por conta da violência se propagar em um espaço virtual. Ao contrário,
muitas vezes, o alcance e a permanência, que as ferramentas online permitem, intensificam o
trauma das agressões sofridas”. Pelo mundo, essa exposição íntima sem autorização levou
várias vítimas a cometerem suicídio, diante da dificuldade para lidar com a pressão social e a
vergonha.
O poder de agressão se intensifica quando conhecidos e desconhecidos repassam o
conteúdo sobre a vítima, pouco importando com a consequência disso e o mal causado à
mulher. Como mulheres jovens são muito presentes no cenário virtual, sua vida sofre um
grande abalo e torna o conteúdo divulgado permanente. Em depoimento no Forúm Fale sem
Medo de 2014, a jornalista e fundadora da ONG Marias da Internet, Rose Leonel, comentou:

Quando você sofre um crime de internet, sofre três dores: a da traição da pessoa que
você amava, a vergonha da exposição e a dor da punição social. As vítimas deste tipo
de crime são responsabilizadas pela maioria das pessoas, enquanto o agressor ainda é
poupado pela sociedade machista.

Um dos motivos dessa vingança pornográfica contra as mulheres, está fundamentado,


principalmente, no machismo, que coloca as mulheres em uma posição social em que sua
sexualidade não deve ser explorada. Com essa perspectiva, mulheres que se comportam de
forma diferente daquela aceita na ideologia machista, são consideradas erradas e merecedoras
das consequências dos seus atos. E é desse modo machista, sobre o papel da sexualidade
feminina na sociedade patriarcal, que as pessoas receptoras desse tipo de material divulgado na
vingança pornográfica são consideradas cúmplices de quem as divulgou, quando repassam o
material e endossam a hostilidade perante a vítima.
Em 2014, foi realizado uma pesquisa pelo Data Popular/Instituto Avon, que revelou:
28% dos homens entrevistados afirmam que já repassaram imagens e vídeos de mulheres nuas
em aparente condição de não terem sido autorizadas a divulgação. A predominância dos
homens em serem os que cometem a pornografia de vingança vem da mesma sociedade
machista que impõe comportamento sexual limitado às mulheres. Quando os homens são

41
vítimas de tal crime, não há o mesmo julgamento pela sociedade comparado com o das
mulheres. Em vários casos houve o contrário disso e os homens tiveram sua masculinidade
afirmada e provaram sua virilidade.
A vice procuradora geral da República, Ela Wiecko, nos demonstra que:

Em primeiro lugar, a veiculação da foto por si só é um crime contra a honra, uma


difamação. E, para estabelecer se é também uma violência psicológica, é preciso ver
como isso repercute na pessoa que foi vítima. A mulher pode ficar tão mal com aquela
exposição que acaba ficando doente e, aí sim, há uma violência psicológica.

Em abril de 2014, fora aprovado o Marco Civil da Internet, o que acabou por dar uma
visibilidade ao assunto da vingança pornográfica. Conforme a Lei (12.965/2014), quando um
material desse tipo é divulgado no ambiente virtual, os provedores de internet são notificados
e precisam retirar o material do ar, sob pena de poderem ser responsabilizados pelos danos
causados à vítima. Isso foi importante para se tornar mais rápida a retirada desse material
prejudicial à integridade de outrem. Cabe também se fazer uma crítica ao Marco Civil da
Internet, pois é uma lei que foca mais na realidade da web quando acessada por um
computador. Em relação aos aplicativos móveis a lei se torna bastante ineficaz. Segundo o
promotor de Justiça titular da Coordenadoria de Combate aos Crimes Cibernéticos do
Ministério Público de Minas Gerais, durante o Fórum Fale sem Medo 2014, Mario Higuchi:

Na pornografia de vingança, a honra da vítima é atingida, mas como fica a saúde dela?
Muitas mulheres se afastam do trabalho, da família, têm sua saúde mental arrasada.
Podemos considerar a questão da lesão corporal, já que as vítimas acabam sofrendo
de problemas psíquicos.

Dessa forma, conforme dito pelo promotor, torna-se perceptível que o crime pode
gerar uma lesão corporal, e dependendo desses danos causados a saúde da vítima, o agressor
pode ser responsabilizado por tal crime, dependendo de um laudo psíquico para isso.
Em 24 de setembro de 2018, a Lei nº 13.718, tipificou essa conduta como crime,
introduzindo no código penal, especificamente no artigo 218-C:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda,


distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de
comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo
ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de
vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da
vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais
grave.

42
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado
por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou
com o fim de vingança ou humilhação.

A discussão sobre a criação dessa lei foi essencial para a mesma vir a existir, pois a
pornografia de vingança se tornou cada vez mais frequente, tendo como principal alvo
mulheres, muitas vezes adolescentes. Essa lei específica, teve como foco auxiliar o acolhimento
das vítimas e a punição dos agressores. Antes dessa lei, se aplicava a calúnia ou difamação, ou
seja, se buscava em outros dispositivos penais a forma de se punir os agressores, acabando
muitas vezes por gerar punições consideradas insuficientes ao crime cometido e que, para
vítima, gerava consequências ao longo de sua vida.
Apesar de seu aspecto positivo e da preocupação do legislador em se punir uma nova
modalidade de crime, muitas críticas são feitas. Destaca-se que ela não alcança seu objetivo
pretendido: as penas não trazem a devida proporção dos abalos que a vítima sofreu. Com uma
pena tão branda, muitas vezes ela é convertida para a pena de restrição de direitos. E conforme
nosso Código Penal, temos a aplicação das penas restritivas de direito quando:

Art. 44- As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de


liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714 de 1998)
I-aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena
aplicada, se o crime for culposo; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998). (BRASIL,
1940)

A aplicação de penas maiores não traz a paz social ou resolvem os problemas da


criminalidade no país, e é possível perceber isso através da grande crise que o sistema carcerário
enfrenta. Porém, nesse tipo penal, constata-se que não há proporcionalidade da pena para com
o mal causado à vítima, o que é diferente do que ocorre em relação ao crime de estupro virtual
que possuí uma aplicação de acordo com o mal causado, expressado através do Art. 213 do
Código Penal.
Mesmo existindo leis que amparem as vítimas em crimes cibernéticos, ainda é muito
precária a forma de combate a essa nova modalidade de criminalidade. O Google e o Facebook
instituíram novas política de usos que permitem denúncias sobre imagens expostas sem
autorização e a exclusão da determinada publicação. Porém, mesmo com essas mudanças por
parte desses sites, os aplicativos móveis de compartilhamento de imagem se tornaram perigosos
no combate a crimes virtuais, sobretudo, aqueles que cuidam da circulação de imagens íntimas
divulgadas sem autorização. Um grande problema desses aplicativos, como o whatsapp, é que
permitem que as imagens ou vídeos baixados também sejam armazenadas no celular da pessoa
43
e por essa razão se torna mais difícil encontrar o autor ou atores da divulgação e também
remover a imagem da internet. A responsabilidade se torna mais do usuário do que da empresa.
Um aspecto grave e preocupante sobre a pornografia de vingança tem relação aos
menores de idade, crianças e adolescentes, o que agrava o trauma. Conforme o Safernet, em
2014, de 224 casos registrados, 25% foram de vítimas entre 12 e 17 anos. Quando se trata desses
casos, a ONG encaminha um requerimento às empresas e notifica o Ministério Público. Uma
forma de se evitar que essa criminalidade atinja ainda mais os adolescentes é por meio dos pais,
que devem ser abertos a dialogar com os filhos sobre os perigos do mundo digital, pois os
adolescentes não têm dimensões de seus atos na internet e do prejuízo que eles podem causar,
tanto para sua integridade, como para o futuro. O psicólogo, Cristiano Nabucco afirma:

Dois efeitos atuam sobre o usuário no momento em que ele está conectado: uma falsa
noção de anonimato e o livre acesso, a qualquer horário. Quando você acessa internet
a partir de situações mais privadas, como no seu quarto ou no trabalho, isso cria um
efeito desinibitório, há mais facilidade de agir como na intimidade. A questão é que o
cérebro do jovem não se desenvolveu completamente até os 21 anos. A área ligada ao
raciocínio lógico ainda não está plenamente desenvolvida, por isso costumamos falar
que os adolescentes têm raciocínio de curto alcance, sem ter uma avaliação clara dos
seus atos.

Caso a pessoa passe por uma situação de ter suas fotos íntimas vazadas na internet, é
importante se ter a informação de como resolver a situação. O primeiro passo é não apagar as
provas, pois são provas importantes para a polícia. O indicado é salvar todo o material e anotar
todas as informações sobre a divulgação. Depois dessas atitudes, a vítima deverá imprimir tudo
e se dirigir a uma delegacia, registrando um boletim de ocorrência. Há a possibilidade de se
levar todas as provas para serem preservadas com registro em Ata Notorial em um cartório de
notas, dessa forma as provas não poderão ser contestadas em juízo, nem mesmo pelo juiz. É
importante também se buscar as devidas informações com advogados, principalmente se ele for
especializado em Direito Digital.

4 Exemplos de casos de estupro virtual e pornografia de vingança

O primeiro caso de prisão por estupro virtual aconteceu no Piauí, declarada pelo Juiz
Luiz de Moura Correia, da Central de Inquéritos de Teresina. O investigado realizava a prática
criminosa utilizando um perfil falso na rede social Facebook e ameaçando exibir imagens
íntimas da vítima. Isso gerou constrangimento da vítima e a conduziu, sob ameaça, a enviar

44
novas fotos em situações íntimas. O delegado do caso, Daniel Pires, detalha como se
estabeleceu a conduta de estupro no ambiente virtual:

A vítima, procurou a polícia para informar que estava sendo ameaçada para que enviasse
fotografias de conteúdo íntimo para um perfil falso receber estas imagens. Após o envio a
pessoa exigiu algo a mais. Que ela praticasse consigo mesma o ato libidinoso. (...) A gente
busca a conduta e procura saber se está tipificada no ordenamento jurídico como crime. A
conduta está tipificada como crime porque ela foi constrangida mediante grave ameaça para
manter ato libidinoso

Para identificação do acusado, o Juiz determinou que o Facebook fornecesse as


informações sobre o usuário do computador que foi utilizado para a prática criminosa. A
empresa cumpriu a ordem emitida pela Justiça e assim foi possível identificar o usuário e com
isso efetuar a prisão do mesmo.
No caso em destaque, não aconteceu contato físico entre a vítima e o agressor, mas isso
não impede a aplicação do crime de estupro, tendo em vista que a vítima foi constrangida a
praticar o ato libidinoso contra si mesma. O Juiz, entendeu nesse caso a aplicação do “estupro
virtual”, tendo em vista que houve uma coação moral irresistível para a vítima realizar tais
ações. A decisão foi inédita no Brasil e abriu precedente para novos casos serem denunciados
e mostrar que a internet não é um ambiente sem leis.
A pornografia de vingança é ainda mais comum que o estupro virtual e costuma ser mais
conhecida do que o “estupro virtual”. Saori Teixeira, uma menina de 12 anos na data dos fatos,
sofreu com esse ato criminoso. Na época teve suas fotos íntimas expostas na escola que
estudava em Recife. Ela havia confiado em um garoto com quem tinha se envolvido e
compartilhado as fotos íntimas, entretanto, o menino, que tinha 17 anos, e a ameaçava para
realizar um novo ato sexual, diante da negativa da menina, expôs as fotos íntimas pela escola.
Ela foi chamada pela diretoria junto com seus pais, resultando na expulsão da garota, que ainda
sofreu agressão física dos pais, bem conservadores e religiosos.
Saori, foi vítima de pornografia de vingança. A garota relata que foi muito difícil a
situação que passou na época. Amigos se afastaram e pessoas falavam comentários pejorativos
sobre ela. Saori conta que foi obrigada a parar de estudar por uns dois anos, que não saía de
casa, e que não fazia nada a não ser ficar trancada em casa. Ela chegou a sofrer pela depressão
e tentar se matar, tendo inclusive parado no hospital por esse ato. Hoje em dia, ela relata ter
aprendido a lidar e ter se tornado mais forte, porém ainda chora muito e toma remédios. A
adolescente ainda sofre com as consequências do crime cometido contra ela há quatro anos
atrás, as vezes ainda encontra suas fotos íntimas circulando por diferentes sites.

45
A menina tentou contatar alguns sites e o próprio Google sobre a situação de suas fotos
expostas na internet, porém ela não conseguiu o suporte por parte desses provedores na época.
Isso demonstra que deveria haver um apoio por parte dessas empresas com essas garotas e
mulheres vítimas desse crime que causa uma exposição gigantesca e prejudicial. O Google em
2015 realizou uma mudança em suas políticas internas, de modo que facilite a remoção de suas
buscas do material pornográfico divulgado de forma não consentida, bastando o preenchimento
de um formulário para que as imagens sejam desanexadas das buscas. Essa nova ação, apesar
de positiva, não resolve por completo a situação, visto que as imagens continuam expostas na
internet, só se tornando mais difícil encontrá-las.

Conclusão

Quando se analisa esses crimes cometidos no “mundo virtual”, há a percepção que suas
consequências não são menos graves que as cometidas no mundo físico. O ambiente virtual
proporciona um alcance e permanência maiores da atitude criminosa, o que, de certa forma,
intensifica as agressões e os traumas sofridos pelas vítimas. A pesquisadora e professora da
Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Marta Rodriguez Machado, afirma isso no
Dossiê Violência de Gênero na Internet:

Quando esse material vai para a internet, a mulher é culpada porque ela tem sua
sexualidade revelada – e há um julgamento natural da mulher que manifesta sua
sexualidade, por parte da nossa sociedade patriarcal. Muitas mulheres mudam de
cidade e até se suicidam.

Atualmente, o Brasil é o país que tem o quarto maior número de usuários de internet,
dados esses fornecidos pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento. Então, como uma consequência negativa para este número, há também um
aumento de criminalidade no mundo virtual. O que ocorre é que, normalmente, a legislação
brasileira, não está preparada para abarcar novas modalidades de crimes, pois ainda está se
adaptando ao desenvolvimento tecnológico que a internet trouxe e ao impacto que trouxe no
Direito. Em diversas situações, busca-se na legislação já existente meios para abarcar a nova
modalidade criminosa, o que nem sempre é suficiente, tendo em vista também que nosso
próprio código penal é antigo, de 1940, e não aborda diversos temas de nossa sociedade
moderna, importantes no direito penal atual.

46
Na sociedade moderna, o uso de aparelhos digitais com a internet, servem como meios
para armazenamento de dados, sejam eles profissionais ou pessoais. Porém, esses meios não
são absolutamente seguros, causando danos às pessoas vítimas de divulgação de dados. O
Estado brasileiro assegura em sua constituição, em seu Art. 5º, V, que o cidadão goze de sua
intimidade e vida privada, e, portanto, o Estado tem que garantir meios eficazes para proteger
esses direitos de sua população. Muitas leis foram criadas com o objetivo de regulamentar o
convívio da sociedade no ambiente virtual, como exemplos, podemos citar o Marco Civil da
Internet, a Lei Carolina Dieckmann e a Lei 12.737 que alterou o Código Penal em 2012,
introduzindo uma modalidade de crime cibernético. Porém, mesmo com a criação de tais leis,
o Brasil continua ineficiente em se punir tais crimes, com penas muito brandas e que não coíbem
de fato a prática desses atos. É necessário uma legislação especifica, tratando sobre esses crimes
virtuais e sua especificidade em ter como maiores vítimas as mulheres, além de um apoio maior
do Estado em informar as vítimas sobre seus direitos no mundo virtual, visto que, muitas
pessoas ainda não conhecem sobre os crimes cibernéticos e que podem sim procurar ajuda.
Um dos maiores problemas que os tribunais brasileiros enfrentam e que o ordenamento
jurídico sofre em ser eficaz no combate à criminalidade virtual é a novidade desses atos e suas
controvérsias, havendo então várias lacunas jurídicas e pouco conhecimento por parte dos
aplicadores do Direito. As mulheres sofrendo crimes contra a honra (calúnia, difamação e
injúria), com danos morais e violência psicológica podem buscar amparo na Lei Maria da Penha
(Lei nº 11.340/2006), se forem adultas, enquanto as meninas menores de idade são amparadas
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
A lacuna na legislação é uma barreira no combate aos crimes cibernéticos. O judiciário
costuma entender essas modalidades criminosas como de menor potencial ofensivo, não tão
graves como se fossem cometidas fisicamente. Com isso, agressores acabam tendo penas
brandas pelo mal causado e a vítima se sente desamparada de justiça. Isso se acumula com
investigações falhas e morosas e com o descaso da própria polícia quando não registra o boletim
de ocorrência. Para uma possível solução dessas novas tipologias criminais, é importante que a
sociedade promova um debate e reflexões sobre o uso da internet, suas violências e
principalmente o impacto delas perante o público feminino, para assim diminuir a incidência
desses casos. Os especialistas afirmam, como a diretora executiva da ONG britânica End
Violence Against Women Coalition (Coalizão de Combate à Violência contra Mulheres), Marai
Larasi, no Dossiê de Violência de Gênero na Internet:

47
Não educamos as pessoas a se comportarem no ambiente virtual. Temos uma área
cinzenta e precisamos conversar sobre isso. É quase como se nós pensássemos que,
de alguma forma, o espaço virtual nos dá licença para nos comportarmos de uma
maneira que talvez foram ou ainda seriam consideradas inaceitáveis em uma conversa
física. Eu acho que um dos pontos importantes nesse sentido é nós educarmos as
pessoas para entender que o espaço virtual é real. Não há espaço virtual que seja
desconectado.

O meio virtual facilita a desumanização do outro, e isso gera um sistema online muitas
vezes agressivo, com comentários preconceituosos, que atingem o outro de forma violenta. O
acesso a informação é importante para que as pessoas se conscientizem que o ambiente virtual
não é um “mundo sem leis”, e que as ações que se tomam nesse ambiente repercutem no mundo
físico e trazem consequências sérias. Os profissionais ligados a violência de gênero afirmam
que o apoio é fundamental para as vítimas lidarem com essas situações e, também, é necessário
que a justiça ampare essas mulheres e as acolham, mostrando que elas podem ter seus direitos
garantidos. O meio jurídico é o único possível a garantir a proteção das vítimas.
Além dos problemas já citados, é importante realçar que o maior problema pelo qual as
mulheres passam tendo que lidar com a violência digital dirigidas a elas, é a banalização da
violência online e culpabilização das vítimas. Muitas pessoas ainda acreditam que os problemas
que começam no meio digital também terminam nele, sendo passageiro. Essa percepção errada
diminui muito a gravidade da situação. Quando a vítima reclama e toma alguma atitude, ela
encontra uma barreira em enfrentar as situações, culpando-se por isso. Ainda há incentivos por
várias outras pessoas que jogam a culpa na vítima e não no agressor. Essas ações, deslegitimam
a gravidade dos crimes cibernéticos e suas consequências, como se a violência psicológica que
as vítimas passam não são tão graves como seria uma violência física. Todas essas percepções
são erradas, pois há relatos de pessoas que entraram em depressões graves e até mesmo
atentaram contra a própria vida, o que faz perceber o quão grave tem que ser levada a violência
psicológica que esses crimes acarretam. Desse modo, deve-se considerar que as reações online
não permanecem no cenário atual, atingindo o meio off-line, ou seja, a vida física,
principalmente, das mulheres.

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49
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Acesso em: 03/04/2020

WENDT, Emerson; JORGE, Higor Vinicius Nogueira. Crimes Cibernéticos: Ameaças e


Procedimentos de Investigação. 2. ed. Rio de Janeiro: Brasport, 2013.

50
5

MONICA DE HIPONA A @chadascincoculturaearte – VOCAÇÃO


FEMININA? – CUIDADORA – PESQUISA BIOGRÁFICA

Silvana Maria Fernandino

Criado o espaço pelo Pensar a Mulher - Fórum Transdisciplinar, para questões vigentes outras
subliminares serem postas para o debate tanto pela academia quanto pela comunidade,
Comunicações são sempre oportunas.

A construção do saber é infinita principalmente para quem busca autoconhecimento e reflexão


constante sobre seu trabalho e pesquisa.

Na categoria de Comunidade ou seja, não vinculada à academia, procuro aqui narrar vivências
sobre o cuidar como princípio, atributo feminino, cultural, herdado ou não, este se identifica
com o trabalho individual ou coletivo da Assistente Social, da Educadora Previdenciária, do
Ensino/Aprendizagem de Arte e ainda do Desenvolvimento e Gestão Cultural.

“... seu interesse pela arte é ao mesmo tempo algo raro e casual: ele não veio certamente da
escola (a menos que você tenha tido um professor excepcional); não foi estimulado por
nenhuma política cultural efetiva, coerente...” (COLI, 2007, p.127)

Minha pesquisa (auto)biográfica construída através de experiências e fatos episódicos


significativos que me conduziram por caminhos que me levaram a ser o que sou, começa por
esta primeira coleta de dados que oportunamente serão conduzidos por uma orientação,
questionados, acrescentados ou retirados mediante reflexão de ambas as partes.

Monica de Hipona

“Antes Tarde do Que Nunca” foi o título de uma redação, indicado por minha professora como
“Para Casa”. Eu estudava na terceira série do ensino fundamental no Grupo Escolar Professor
Caetano Azeredo no bairro Barro Preto em Belo Horizonte, hoje, escola estadual. Não
entendendo muito o significado do título, pedi a minha mãe que me ajudasse. Ela contou-me a
história de Santa Monica mãe de Santo Agostinho. Relatou-me que esta passou a vida orando

51
pela conversão do filho ao Cristianismo e para que deixasse a vida de pecados em que já vivia
durante anos. E Agostinho não só se converteu como se tornou um teólogo, filósofo, doutor da
Igreja Católica. E desde então, ele passou a ser seguido e estudado até os dias atuais. Santa
Monica foi canonizada pela fé e empenho na conversão do filho, Agostinho e não por fazer
milagres como os outros santos. Esta veio a falecer logo após esta conversão aos cinquenta e
seis anos, certa de que seu trabalho no mundo terreno estava concluído. Esta história tomou
conta dos meus pensamentos por muitos dias à época com nove anos:

- poder da mãe;

- oração de uma mãe;

- o papel desta mãe na vida do filho.

Reforma Protestante de Martinho Lutero

Aprendi aos treze anos um pouco do que se tratava uma nova visão do catolicismo por este
monge alemão que deu origem ao Luteranismo. Fichei o livro Reforma Protestante como
atividade da disciplina de Sociologia da graduação de Letras da minha mãe. Os fichamentos
eram feitos a mão, minha letra era muito bonita e eu, caprichosa. Se sentindo atribulada com
seu trabalho, estudos e cinco filhos, ensinou-me como fichar. Ao mesmo tempo, ela gostava de
compartilhar comigo, sua filha mais velha, tudo que admirara muito no seu curso, isto é, à
medida que eu conseguia absorver.

Assistentes Sociais e seu Trabalho


Em 1972/1973, menor de idade, trabalhei como secretária num instituto de psicopedagogia
aplicada a reeducação. Lá se destinava a crianças normais com distúrbios emocionais,
psicomotores, neurológicos e sociais. Estas tinham acesso à escolaridade e às clÍnicas de acordo
com a necessidade de cada uma. Uma das minhas funções era datilografar os prontuários.
Folhas de papel chamex amarela, azul, branca, rosa, verde para cada profissional que atendia:
Assistente Social, Neurologista, Psicopedagoga, Psicóloga, Psiquiatra, Terapeuta Ocupacional.
Fonoaudióloga em poucos casos até porque a profissão ainda não tinha sido regularizada. Quem
definia a ordenação e cores dos prontuários era a instituição federal que financiava o tratamento
de uma média de cem menores. Ao datilografar eu observava de forma leiga as informações e
conclusões dos profissionais. Com precariedade e informalidade óbvias, passei a observar os
relatórios das Assistentes Sociais. Havia questionário pronto a ser preenchido apenas pela

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Assistente Social que atendia a criança. Geralmente, ele focava a identificação da criança,
composição familiar, trabalho dos pais, situação socioeconômica, trajetória escolar,
necessidade de procurar o instituto. Paralelamente, faziam visitas à casa da criança: relatando
sobre características físicas do imóvel, funcionamento familiar; entrevista com algum membro
da família ou com os responsáveis juntos; atividades socializantes promovidas pelo Serviço
Social e ainda, alguma ocorrência episódica com alguma criança no espaço da clínica ou na
convivência familiar. Estes últimos eram acrescentados por descrição do ocorrido e pareceres
destas profissionais. A particularidade vivida pelas famílias das crianças e sua possibilidade de
mudar de atitude de partir de uma conversa com a profissional de Serviço Social era verificada
posteriormente. Por outro lado, mensalmente, este serviço fazia parceria com clubes recreativos
para que todas as crianças do instituto passassem o dia juntos. Esta ação as estimulava
positivamente, criando vínculos entre as mesmas e a socialização. Por vezes, os outros
profissionais pediam a intervenção da Assistente Social em alguns casos. Estas profissionais do
instituto tomavam cada caso como seus, cada uma no seu turno manhã e tarde. A função das
Assistentes Sociais conquistava por me convencer que seu pragmatismo/profissionalismo
solucionava situações cruciais vividas pela criança e sua família com muita leveza. E ainda, que
estas promoviam o lúdico também.

São Vicente de Paula e Santa Luiza de Marilac

Em 1985, conheci uma clínica cuja proprietária era uma Assistente Social onde trabalhavam
várias psicólogas. Era localizada numa casa com quintal com árvores, quadra. Os pacientes
participavam da consulta individual e de grupos terapêuticos. Estes sempre com duas
profissionais onde eram desenvolvidas atividades diversas: vôlei, peteca, na cozinha (fazer
lasanha, fazer geleia de pitanga que dava aos montes no quintal, fritar batatas sequinhas... havia
troca de ideias entre os pacientes sobre como fazer pois tinham sexo/idades variadas, passear
na praça, comemorar o carnaval numa sala enorme com espelho (cada um fazia sua fantasia),
ler, ouvir e contar estórias e outras várias atividades. Mas o objetivo primeiro era o desenvolver
de um bate-papo coletivo concluído com a construção de ideia na qual alguns participantes se
reconheciam expressamente ou não. Nesta clínica havia outra Assistente Social que foi à minha
casa algumas vezes, no horário em que meus familiares estavam. Ela nos ensinou no artesanato
de papel, a pensar em fazer “sopa de nada”. Desta vez foi definitivo. Dei novo rumo à minha
vida. Fiz vestibular para Serviço Social na PUC – Coração Eucarístico e lá fiquei durante quatro
anos fazendo minha segunda graduação até concluir. Pois minha primeira, Letras na UFMG,

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tranquei a matrícula. No primeiro semestre, ao estudar a história e origem do Serviço Social,
deparei com São Vicente de Paula e Santa Luiza de Marilac, esta cofundadora com Vicente das
Filhas da Caridade de São Vicente de Paula, patrona das obras sociais em 1960 proclamadas
pelo Papa João XXIII. Estes cuidadores que atravessaram continentes.

Assistente Social, profissional que insiste

Em 1995, como Assistente Social, trabalhei numa clínica médica psicológica onde crianças que
não participavam do ensino fundamental na escola pública por diferentes e inúmeras
dificuldades, nesta estudavam até a quarta série do ensino fundamental e até os catorze anos.
Conviviam com inúmeros obstáculos desde:

- não ter quem levá-las para escola e terem que acompanhar um colega que morasse perto de
suas casas;

- o motorista do ônibus chamá-las de doidas na hora de descer perto da clínica;

- assédio/abuso de várias naturezas dentro da família;

- deficiente auditivo sendo criado pelo avô que não queria levá-lo para avaliação e colocar
aparelho para ir para escola “comum/normal”;

- com catorze anos a completar uma ou outra criança já morria de medo de sair da clínica, pois
era o único lugar que saia do seu bairro com gratuidade no ônibus; entre outros.

Na semana da criança, a clínica foi transformada numa cidade onde os alunos podiam exercer
profissões que na semana anterior, haviam escolhido mediante entrevista sobre o que queriam
ser quando se tornassem adultas. Surgiram:

- babá, engraxate, motorista de ônibus, professora, manicure, cabeleireira, cozinheira entre


outras profissões. Não houve quem quisesse continuar os estudos. Houve uma criança que quis
possuir uma carteira de identidade.

Foi colocado à disposição de cada criança um espaço com móvel ou equivalente na “cidade”
para que ela exercesse sua profissão.

Promovíamos festa junina fechando todo o quarteirão. Muitas mães colaboraram cozinhando
nas suas casas, pois tinham no fundo do quintal fogão a lenha. No grupo de pais aos sábados,
quinzenalmente, um pai começou a queixar-se dos tratamentos da esposa enquanto outro

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levantou a bíblia e disse que todos aqueles problemas poderiam ser solucionados a partir da fé.
A colaboração, união, superação, insistência foi o maior aprendizado neste lugar onde surgiam
carências por todos os lados e em todos os níveis dentro da clínica.

Educação Previdenciária, opção pela margem

Trabalhando na Previdência Social em Belo Horizonte tive oportunidade analisar processos de


suprimento de fundos de toda Minas Gerais entre os exercícios de 1990 a 1998:

- Serviço Social – compra de órtese e prótese para o trabalhador acidentado no trabalho;

- Programa de Reabilitação Profissional – compra material e/ou aquisição de curso para


trabalhador com necessidade de adaptação em outra função ou tipo de trabalho.

Como Gerente de Qualidade da Agência Praça Sete – Belo Horizonte onde foi inaugurada uma
nova Previdência Social com novos moldes de atendimento de forma a beneficiar o
cidadão/usuário, atuei durante onze meses. Meu trabalho era gerenciar bom atendimento ao
cidadão. No meu turno, cento e doze colegas da retaguarda tinham que estar nos guichês de
atendimento com seus computadores iniciados nos às sete horas, uniformizados dentro do
padrão da nova Previdência Social. Além destes, eu e outro colega com a minha mesma função,
gerenciávamos os recepcionistas que faziam a triagem e entregavam a senhas. Todo este
movimento era computado numa máquina de senha. Nós, Gerentes de Qualidade éramos
responsáveis pelo melhor desempenho possível da Agência. Cuidávamos dela como se fosse
nossa agência.

Surgiram vagas para funcionários concursados candidatarem a cargos na recém-criada Gerência


Executiva do INSS Ouro Preto. Foi então que a partir de 2000 até 2009 trabalhei como
Educadora Previdenciária na Gerência Executiva Ouro Preto do INSS – MG cuja abrangência
era quarenta e oito cidades mineradoras. Nós, Educadoras Previdenciárias relacionávamos com
trabalhadores que ficavam à margem da mineração. O objetivo era orientar e instruir a
população do trabalho informal a manter sua Qualidade de Segurado junto à Previdência e
estimular estes trabalhadores a contribuir minimamente para garantir a sua Aposentadoria.

Para execução deste trabalho, levantávamos nestas cidades o seu calendário anual de datas
comemorativas, dias do padroeiro/a, arte e artesanato, agenda cultural, turismo, eventos e
outros.

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Deparamos com muitas artesãs, artistas de todas as áreas, quilombolas, panela de pedra, pastel
de angu, tricotadeiras, escritoras, atrizes, costureiras e adereçadoras temporários para carnaval,
folia de reis, dança do pau de fitas, festas juninas entre outras. Na fala das que se auto definiam
artistas ou artesãos havia um orgulho de ter nascido na cidade/entorno que Aleijadinho nasceu.
Estas pessoas se sentiam autorizadas às práticas artísticas. Cada município, cada grupo de
informais trazia uma estória diferente com as peculiaridades locais. Foi uma oportunidade rara
conhecer a população destes municípios ao promover ações do INSS para conscientização do
cidadão. Aquelas pessoas desejavam inclusão não só previdenciária, mas prioritariamente,
visibilidade para o seu trabalho, sua arte. Nosso grupo de trabalho promovia palestras instruindo
sobre legislação e como motivação trazia palestrantes como

- professora de Design da graduação de Projeto de Produto da Universidade Estadual de Minas


Gerais e alguns alunos a título de estágio para comemorar do dia do Artesão para conhecer e
conversar com as homenageadas;

- professora da Fumec fez uma palestra sobre a possibilidade do Luxo no Artesanato como
forma de valorizá-lo;

- estagiárias de Psicologia da PUC que estudavam sobre empoderamento através de oficinas de


arte e artesanato do Festival de Inverno que ocorria no distrito de um município todos os anos;

Além destas realizávamos eventos com palestras de atualização da legislação previdenciária


com cooperativa nacional dos criadores de abelha, com sindicato Metabase/Itabira, com
Associação dos Municípios do Vale do rio Piranga.

Participávamos de toda Ação Global que acontecia em algum dos municípios da abrangência
da Gerência Executiva Ouro Preto, atuando com uma agência móvel na qual tinha acesso toda
população local em Itabira, Nova Era, Caeté entre outros municípios.

Nossa equipe fez visita a uma Comunidade Quilombola no Povoado de Mendonça pertencente
ao município de Ferros.

Participávamos do Conselho de Previdência Social e relacionávamos com os trabalhadores da


mineração através dos seus sindicatos, com os trabalhadores na agricultura.

Estas ações e muitas outras ocorriam muito além das funções predeterminadas pela portaria do
Programa de Educação Previdenciária do INSS. Eram ocasionadas porque nós, Educadoras,

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sentíamos responsáveis pelo nosso trabalho. Estimuladas, contaminadas por aquela gente
criativa, original e simples e detentoras de direito.

Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida - A Sabedoria do Coração

Em 2003, a Previdência Social fazia 80 anos no dia 24 de janeiro. A Gerência Executiva Ouro
Preto do INSS - MG dentre seus 48 municípios está Mariana. O programa de Educação
Previdenciária convidou Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana para
celebrar a missa comemorativa no auditório da Agência Ouro Preto. Todas funcionárias e
funcionários sentiram-se homenageados pois um líder da Igreja Católica do Brasil, destacado
pela defesa dos direitos humanos estava participando desta festa tão importante para
trabalhadoras e trabalhadores. Na prática da missa ele disse que só em 1979 os Ministros de
Confissão Religiosa e demais obtiveram autorização para contribuir para a Previdência Social
como autônomos mediante lei. E ainda, para que a legitimação ocorresse foi necessário um
movimento liderado por ele. Foi a Brasília para defender sua classe ao direito à aposentadoria
e outros benefícios.(Lei nº 6.696, de 8 de outubro de 1979)

Após a missa foi mencionada a palestra que d. Luciano proferiu A Sabedoria do Coração no dia
21-9-1999 no auditório da PUC-Coração Eucarístico no seminário “O Desassombro da Fé, a
Audácia da Razão (Fides ET Ratio)”. Trata-se dos estudos sobre a encíclica do Papa João Paulo
II, Fé e Razão que tive oportunidade de assistir em Belo Horizonte.

Segundo o palestrante Fé e Razão traduzem uma unidade. São como asas. Ficam em lados
opostos mas caminham juntas. Fé e Razão são vicissitudes sem conflito. A Fé é uma superação
constante da autossuficiência. A Fé enriquece, acrescenta à sabedoria. É uma questão de saber
viver. A sabedoria do coração é a revelação no coração. A sabedoria é um caminho de busca.
Ela nos abre a oportunidade de uma relação com Cristo. Confia-se mais no outro do que em si
mesmo. Na razão, você confia em você mesma. Rejeita tudo que se apresenta através da
revelação, se fecha. Fé é a libertação da Razão. Confiar em alguém é próprio da Sabedoria do
Coração. D. Luciano cita que São Paulo dizendo que devemos procurar em nós o que Cristo
sentia, redescobrir a oração, Maria, o silêncio contemplativo, o rosto materno de Deus. Ele
completa, Sabedoria do Coração é saber viver. Você não precisa saber que Deus te ama, você
é chamado. E ainda:

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Estamos sem medida, pois não somos capazes de amar o outro como a nós mesmos, pois na
verdade não nos sentimos amados. O amor capacita o perdão. Pela fé, sabemos que somos
amados e interpretamos o mundo à luz deste amor.

O que levou Madre Teresa a cuidar dos excluídos de Calcutá?

Irmã Dulce às suas ações humanitárias, acolhendo doentes desde muito jovem na Bahia?

Irmã Cleusa a cuidar dos empobrecidos e marginalizados?

Trata-se aqui de momentos relevantes para este trabalho mas a palestra de d. Luciano sobre a
Sabedoria do Coração foi bem vasta e ampliou bastante a nossa visão Fé naquele ano de 1999.

Arte e Cultura – seu papel na nossa sociedade

A Prefeitura Municipal de Itabirito, cidade onde fica a sede da Gerencia Executiva Ouro Preto
do INSS divulgou chamada para Analista de Projetos Artístico-Culturais a toda população.
Selecionados, a portaria municipal teve validade para dois anos. É um trabalho sem
remuneração. Mas traz grandes oportunidades de aprendizado ao conhecer os projetos culturais
na área de música, teatro, dança, artesanato e outros e suas manifestações, ter condições de
dialogar com a população e conviver neste ambiente. A Secretaria de Cultura do município
promovia cursos de atualização em cultura, entre eles um incentivado pelo Ministério da
Cultura, realizado pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos/MG, patrocinado através da Lei
Estadual de Incentivo a Cultura pela Cemig de cento e vinte e seis horas-aula gratuito de
Desenvolvimento e Gestão Cultural.

Este trabalho mudou bastante minha visão de mundo e com certeza de todos os participantes e
a respeito de

- o que é arte. Esta em todas suas manifestações tem que ser promovida, divulgada,
ensinada/aprendida. Não é mais vista apenas como um dom

- divulgação dos eventos é uma forma das pessoas conhecendo se manifestarem artística e
culturalmente

- uma vez uma cidadã beneficiada pelas Leis de Incentivo a Cultura é interessante/importante
dispor de um percentual contribuir para uma comunidade no seu entorno

- relacionar com arte e cultura junto ao município pois gerará uma troca mútua saudável

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- participar sempre que possível, em feiras, festa tradicional do município, conselho de
comunidade, exposições e em outros eventos de artístico-culturais

- o papel transformador da visão de mundo da Arte e Cultura na sociedade/comunidade.

Ser Voluntária - Projeto Cariúnas

O Projeto Cariunas, idealizado e fundado por Tania Mara Lopes Cançado. Escola para crianças
de seis a dezessete anos de musica, canto, dança, teatro e instrumento. Lá oferece oportunidade
para trabalho voluntário devido ao baixo orçamento, insuficiente para contratar profissionais.
Me ingressei. Passei a recepcionar as crianças e ouvia o quanto podia os seus pais. Quando
alguma criança não conseguia acompanhar as atividades eu conversava com ela ou apenas fazia
companhia na biblioteca. Nas audições/apresentações eu colaborava no acabamento das roupas
e adereços destas. Acalmava. Ajudava na cozinha quando precisava e tudo o que fosse
necessário.

Aprendi a conviver no coletivo escolar. Fazer trabalhos mais simples. Relacionar de perto com
ensino/aprendizado de música, ouvir e apreciar crianças que não eram meus familiares.

Tive a impressão que o trabalho voluntário desenvolve uma certa amorosidade devido ao
ambiente de constante colaboração entre as pessoas pois tem que se empenhar mesmo com a
precariedade. Além de prazeroso, desenvolve um espírito de dedicação. A retaguarda tinha que
funcionar para que a música e seus desdobramentos acontecessem.

Especialização em Ensino de Artes Visuais – Escola de Belas Artes/UFMG

Ao fazer uma oficina para o Natal de 2011 com uma Arte-Educadora me senti elogiada quando
ao dar uma pincelada o que elevou bastante minha autoestima. Na época, era habituada a entrar
no site da UFMG e vi o edital da pós-graduação acima. Achei um pouco ousado aprender arte
já ensinando. Mas tinha ia completar dois anos de aposentada em fevereiro de 2012 e sentia
necessidade de fazer uma atividade. O público alvo prioritário era educadora do ensino
fundamental mas fui selecionada e em 2013, concluí.

Tudo foi muito novo para mim. De acordo com os cânones, arte se ensina/aprende não se
limitando mais ao conceito de dom. Conclui que há aprendizados distintos no curso. O que se
absorve com as disciplinas do curso e o aprendizado que se adquire ao fazer o Trabalho de
Conclusão de Curso é outro. Este nos enriquece quando nos submetemos aos trabalhos da
orientação que nos ajuda a encontrar caminhos, nos conduz a reflexões. Mas por outro lado
59
conhecer bibliografias como Jacques Ranciere, autor do livro o Mestre Ignorante – Cinco
Lições sobre a Emancipação Intelectual instruir é fazer perguntas pois todos os indivíduos tem
seu próprio saber; Romain Rolland, autor de Jean-Christophe mostrou como membros de uma
mesma família podem ter pensamentos e ações completamente diferentes dentro de uma mesma
formação artística e Mário de Andrade que diz o ensino-aprendizagem de arte instrumentaliza
o aluno a ter um novo olhar sobre o mundo. Foram um presente para minha vida. Terminei o
curso em dezembro/2013, fui praticar artes visuais numa escola que constava da minha
monografia, primava pela informalidade, relações intergeracionais entre alunos no ano
seguinte.

Surgiram vagas para Tutora no curso que havia acabado de fazer. Concorri ao edital e fui
selecionada para ser Tutora no curso de Especialização em Ensino de Artes Visuais. O salário
não acompanhava o mercado, mas era de uma riqueza incomparável. Quem ensina, aprende,
relaciona, troca saberes. Eu e as outras Tutoras, realizávamos o trabalho praticando ações mais
uma vez que iam muito além das atribuições descritas no edital. Sentíamo-nos comprometidas
com o trabalho, gostávamos do que fazíamos, e nos envolvíamos com as alunas. Muito amor e
aprendizado envolvido durante 23 meses.

@chadascincoculturaearte

Em 2006 mais ou menos assisti um evento no dia internacional da mulher cuja palestrante me
tocou profundamente em seus dizeres. Gostei tanto que acabei indo ao seu consultório conversar
sobre minha pretensão de aposentar e não para tratar de uma doença física. Saí do consultório,
fui à primeira loja de aviamentos, comprei uma revista de ponto de cruz, ali mesmo já defini o
que ia bordar, comprei as linhas, agulha e uma toalha de rosto branca. Segui a primeira receita
da médica de como começar a voltar para casa. Daí em diante sempre que me dá saudade, faço
alguma coisa no ponto de cruz. Há um tempo criei coragem e bordei um bule e uma xícara
muito difíceis e sofisticadas. O trabalho ficou tão bom que fiz um forro de bandeja e dei para
minha filha mais velha enfeitar sua casa. Tirei fotos lindas e guardei. Muito apaixonada com
meu trabalho coloquei o nome nele de Chá das Cinco.

Este trabalho deu origem ao nome da minha página no facebook, Chá das Cinco - Cultura e
Arte. Tornou-se uma logomarca. Nela são divulgados eventos relacionados a Arte e Cultura
como editais, peças de teatro, audições, exposições, apresentações em geral, fotos de trabalhos
artísticos, fotos antigas, letras de música, música.

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Chá das Cinco – Cultura e Arte é o nome também do meu grupo de whatsapp onde encontro
virtualmente com minhas amigas e ex-colegas de trabalho. Às vezes, conseguimos nos reunir
presencialmente e finalizamos com uma atividade de Artes Visuais. Tornou-se a arte do
encontro e reencontro entre amigas, troca de saberes, doação, alegria e amizade. Um cuidar
mútuo e feliz.

Da Arte Global À Arte Local: o inverso da trajetória e os desafios de uma trajetória da


Arte em Belo Horizonte

Em junho de 2017 foram abertas inscrições para disciplinas isoladas de mestrado na Escola de
Belas Artes da UFMG. Resolvi conhecer um mundo novo abriu-se à minha frente. Conheci um
professor de História da Arte (Artes Visuais), crítico, curador que nos ensinou a observar a obra
de arte com o olhar mais apurado. Ele escreveu o livro alusivo à disciplina Por Uma História
da Arte em belo Horizonte. Aprendia-se como além do fazer artístico, da criatividade existe é
a convivência no espaço social da arte, da exposição. A sociedade dos artistas plásticos. A arte
acompanha o movimento da sociedade a que pertence e do mundo em geral. Visitamos vários
espaços de arte importantes de Belo Horizonte e algumas exposições. Aprendemos muito sobre
a história da arte mineira.

O professor, o curador e o crítico evidenciaram o papel do cuidador.

Para Não Concluir

O Pensar a Mulher - Fórum Transdisciplinar com inscrições abertas à comunidade foi uma
oportunidade para manifestações através de Comunicações bem como plateia, escutas e
atualização.

Por vezes, gastamos uma vida para ressignificar os nossos valores, o que realmente somos e
quais são nossas reais escolhas. Precisamos reafirmar para nós mesmas para que viemos,
tamanha a pluralidade contida nos nossos afazeres e dedicações. A (auto)biografia é uma
oportunidade.

Nesta coleta de dados, visualizo os caminhos que me levaram atuar além das atribuições
domésticas, ora como Assistente Social, ora como Educadora Previdenciária, ora Arte-
Educadora e desdobramentos sociais e culturais do meu tempo vivido como (auto)biografia.

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Percebe-se aqui o quanto estão presentes o cuidar individual e coletivo, na educação formal e
não formal. Reconhece-se a construção de um perfil através de ações e escolhas que são feitas
no decorrer da existência.

Questiona-se ainda a função de cuidadora como atributo feminino e de algumas profissões.


Torna-se normal encaminhar a mulher para afazeres afins. Ao mesmo tempo, ela se adequa com
certa naturalidade em acordo com o senso comum.

Para tal, utilizamos o método da pesquisa (auto) biográfica que demonstra a interação entre
linguagem, pensamento e conduta social. Esta linguagem poderia ter sido um vídeo por
exemplo mas foi escolhida a “atividade linguageira” como mediação privilegiada num discurso
narrativo para acessar as mais variadas manifestações da nossa singularidade.

Esta atividade permite que se atualize o fazer individual de nós, sujeitos e nossa relação com o
meio que vivemos seja ele cultural, social, histórico, linguístico, político econômico e
reproduzimos na relação com o outro.

Esta reflexão sobre como construímos nosso modo de ser, o que nos tornamos enquanto sujeitos
no espaço de tempo da nossa existência vai construindo a narrativa como nossa história de vida
calcada na fenomenologia de Berger, Luckmann, Schapp e Schutz e na hermenêutica de
Dilthey, Radamer e Ricoeur. DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 524

Segundo Delory-Momberger, o sociólogo alemão Peter Alheit desenvolveu o conceito de


biograficidade para esta capacidade que temos integrar novas experiências às que já
vivenciamos. Construimos assim um fio condutor de nossa existência quando fazemos as nossas
escolhas. Trata-se de um código pessoal quando nos apropriamos de novas experiências.

A pesquisa biográfica enquanto método e relativamente ao seu objeto, traz entrevistador e


entrevistado numa relação mútua e colaborativa muito bem traduzida por Anne Dizerbo,
segundo Delory-Momberger:

A pesquisa biográfica é em essência colaborativa, uma vez que implica ao mesmo tempo um trabalho do
sujeito com o qual o pesquisador entra em relação, e um trabalho do pesquisador. Mas esse trabalho não
é da mesma natureza para uns e outros. Simplificando: os sujeitos trabalham para dar sentido às suas
experiências, os pesquisadores trabalham para dar sentido ao trabalho que fazem os sujeitos ao darem
sentido às suas experiências.

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Para Doutora Professora Maria da Conceição Passeggi, narrativas (auto)biográficas e escritas
de si(textos escritos pelos autores na lingua natural, português, inglês e francês) se encontram
na linguagem oral, escrita e de sinais, nas cinebiografias, videografias, webgrafias entre outras.
Segundo ela, é um processo civilizatório. Segundo a professora, as narrativas de vida foram
esquecidas de 1940-1970 na Europa, posteriormente retomadas. Traz o trabalho de
Bertaux(2010) Como Você Se Tornou Padeiro? Enfatiza Ferrarotti (2010) “as histórias de vida
não servem para ilustrar hipóteses e teorias. Elas são o método.”

Voltando à questão do Pensar a Mulher ainda temos muito por ressignificar. Profissão e herança
cultural se misturam. Ser cuidadora pode ser atribuição de muitas profissões mesmo que de
forma secundária ou subliminar.

“Quem deseja coisas boas e as obtém, é feliz” – Santa Monica

REFERÊNCIAS

COLI, J. O Que É Arte.São Paulo, Brasiliense, 2007

DELORY-MOMBERGER, C. Abordagens Metodológicas na Pesquisa Biográfica.Tradução


Anne-Marie Milon Oliveira. Revista de Educação Brasileira, v. 17, n.51, set-dez 2012

______A Pesquisa Biográfica ou a Construção Compartilhada de Um Saber do Singular.


Tradução Eliane das Neves Moura. Salvador, Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica,
v. 1, n. 1, p. 133-147, jan-abr 2016

FALBO,G. Santa Monica Modelo De Vida Familiar. São Paulo, Paulinas, 2017

PASSEGGI, M. C. Narrar é Humano! Autobiografar é Um Processo Civilizatório. In: NÓVOA,


A e FINGER, M. (Org.) Autobiografia: formação, territórios e saberes. São Paulo. PAULUS;
Natal; EDUFFN, 2008

VIVAS, R. Por Uma História da Arte em Belo Horizonte. C/Arte.2012

63
6

ANTÍGONA: UMA RUPTURA DA ORDEM MACHISTA

Luana Soares Ferreira Cruz5


Sarah Martins Pessoa6

Introdução

O presente artigo tem por objetivo analisar especificamente a tragédia grega Antígona
de Sófocles sob um olhar atemporal da condição feminina perante a sociedade, visto que a obra
se concretiza diante um dilema ainda hoje atual, entre a força jurídica dos discursos feminino e
masculino e das concepções de justo e injusto condicionadas à mulher. É notório que desde a
antiguidade a mulher é condicionada a se submeter e obedecer ao dito “poder” masculino,
incumbida apenas a cumprir, por meio de uma postura de dominada, os papéis de filha, cidadã,
esposa e mãe, o que é comprovado pelo desenvolver da história, pois apesar das conquistas
alcançadas pelas mulheres ao longo dos anos, as desigualdades de gênero ainda permanecem
nos ambientes culturais, políticos, trabalhistas e, especialmente, íntimos.
Assim, o artigo em pauta pretende, em geral, refletir sobre a condição da mulher na obra
e para além, também, dessa ficção literária, baseando-se no princípio do Estado Democrático
de Direito. Dessa forma – com base na análise da tragédia teatral Antígona, que se sustenta por
argumentos de um direito positivista, mas se contradiz na garantia dessas mesmas normas
jurídicas quando analisadas pelo patamar da igualdade e vida democrática do gênero feminino
– esse estudo irá esclarecer a manutenção de discursos machistas, a permanência majoritária de
visões masculinas nas instituições de poder, e a constância de violências físicas e simbólicas
contra Antígona, Ismênia e todas as mulheres que, por força social, pertencem a essa cultura
patriarcal construída sob uma suposta “superioridade” masculina.

5
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.
6
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.

64
Além disso, essa análise crítica de Antígona de Sófocles permite pontuar traços
importantes da força feminina e vangloriar a relevância de situações como na obra, nas quais a
postura da mulher se destacou em sobreposição ao poder do homem, visto que tal reflexão
permanece atual para a contemporaneidade e auxilia no desenvolvimento da luta feminista.

A tragédia grega: Antígona

Édipo, o rei amaldiçoado pelos deuses, era pai de quatro filhos, que os terá com sua mãe
Jocasta, entre eles Etéocles, Polinice, Ismênia e Antígona. Conta-se que em razão de seu
passado, Édipo, após descobrir a intensidade e gravidade de sua história, parte para o exílio e
morre, deixando o reino de Tebas sem um rei legítimo, o que faz com que seus filhos homens
– Etéocles e Policine – decidam estabelecer uma espécie de contrato, no qual partilhariam a
posição de poder ano após ano. No entanto, Etéocles, o primeiro a governar, não cumpre sua
parte e permanece no poder, o que faz com que Polinice declare guerra contra o irmão. Os dois,
então, movimentam-se em uma sangrenta batalha entre si pelo trono da cidade e matam-se,
fazendo com que o tio deles, Creonte – irmão de Jocasta – por ser o parente homem mais
próximo, assuma a posição de rei e, dessa forma, origina-se a complexidade da obra, visto que
o rei Creonte, ao assumir o poder, expede um édito concedendo o direito à sepultura a Etéocles
e negando esse mesmo direito a Polinice.
A obra inicia-se retratando a indignação de Antígona perante a decisão jurídica de
Creonte em não permitir que Polinice fosse enterrado, dado que em tempos antigos a sepultura
significava a garantia de uma vida após a morte mais feliz, o que a faz clamar a Ismênia que a
auxilie, já que decide enterrar seu irmão, independente da ordem de seu tio. Ismênia, entretanto,
é contrária à atitude da irmã, afirmando que elas já haviam passado por muitas dores recentes e
que seria loucura infringir a lei, em razão do gênero a que pertenciam, como pontuado por ela:
“Convém não esquecer ainda que somos mulheres, e como tais, não podemos lutar contra
homens” (SÓFOCLES. Antígone, p. 8-9). Mesmo sem o auxílio de Ismênia, Antígona,
assumindo uma posição de fortaleza, ruptura e coragem, promete erguer um túmulo ao irmão,
mas é pega pelos guardas do soberano enquanto sepultava seu corpo, sendo levada presa.
Creonte, inconformado pela desobediência da sobrinha, sentencia Antígona à morte, pois caso
não o fizesse, demonstraria fraqueza masculina ante uma mulher, como pontua: “É evidente
que sou o homem, e ela o homem se eu deixar impune a petulância. Não embora tenha sido
gerada pela minha irmã, esteja mais próxima do meu sangue do que todos os que veneram Zeus

65
no meu altar, nem ela nem a irmã escaparão a uma morte horrenda.” (SÓFOCLES. Antígona,
2005, p.32).
A história se fortifica entre o dilema positivista sustentado pelo absolutismo de Creonte
e o direito natural à vida e à sepultura, defendidos por Antígona. Por fim, a tragédia evidencia
que o discurso e a luta feminina, em comunhão com as predições de Tirésias, rompem com o
poder machista de Creonte, que se arrepende da decisão tomada. Porém, seu arrependimento é
tardio e quando seu filho Hémon – futuro marido de Antígona – vai até a caverna para encontrar
a amada, a encontra já morta. Diante desse triste desfecho, Hémon, furioso com o pai, tira sua
própria vida, da mesma forma, sua mãe, inconformada com a perda do filho, também se suicida,
o que faz com que toda a tirania e o machismo assumidos por Creonte transformem-se em dor
e maldição para o soberano.

Papéis sociais: A ruptura

“É menino ou menina?”. Assim inicia-se a história de um indivíduo na sociedade.


Dependendo da resposta dada pelos pais a essa pergunta, sonhos, empregos, posturas,
pensamentos, vestimentas e condutas são pré-estabelecidas para a criança, ainda no corpo da
mãe, como aborda – diante da teoria dos status de gênero - Maria Luiza Heilborn:

Nesta abordagem, indivíduos nascidos e classificados como homens e mulheres


seriam socializados para agir, pensar e sentir segundo roteiros culturalmente
construídos em posições vinculadas ao sexo anátomo-biológico. São perspectivas que
trabalham com base na construção cultural dos papéis de gênero e tendem a conceber
as relações entre os sexos a partir de pressupostos de costume e estabilidade social.

Dessa forma, é notório que o simples órgão reprodutor é responsável por pré-determinar
o que cada um de nós somos e devemos ser na teia das relações sociais, a fim de cumprirmos
os papéis designados culturalmente para homens e mulheres e mantendo a ordem social. Nesse
contexto, nascem as disparidades de gênero, visto que foram introduzidos por toda a história
direitos e deveres de prestígio e poder social ao ser masculino, inclusive sobre o corpo feminino,
o que estabelece atualmente, de forma velada, uma hierarquização na qual aos homens são
atribuídos direitos superiores de segurança, posição e voz. “E é nesse arranjo, onde o homem é
o detentor de direitos e poderes e as mulheres são inferiores, submissas e objetos de posse, que
a violência contra a mulher se apresenta como nada mais do que a demonstração de poder dos
homens.” (FARIA. Nalu, 1997, p.18). Violência essa estabelecida por discursos e atos

66
intrínsecos a nossa cultura que, na maioria das vezes, não são identificados como perpetuações
preconceituosas de gênero.
Da mesma maneira, pensemos em Antígona: filha de Édipo, irmã de Etéocles e
Polinicie. Nunca vista somente como uma mulher, mas filha e irmã em uma classe nobre, fato
que, claramente, impunha a ela, além da dominação masculina e social, condutas em
conformidade com a submissão, o silêncio e o seguimento de regras, normas e posturas, típicas
do comportamento de uma princesa. Antígona, assim como Ismênia, deveria ser “bela, recatada
e do lar”, porém é evidente que não se enquadrava no papel social a ela designado. Antígona é
forte e corajosa e por isso adota durante a obra uma postura de enfrentamento e ruptura – dentro
dos limites determinados pela sociedade em que estava inserida – a tudo o que a ela havia sido
estipulado simplesmente por ser mulher. A protagonista não assume as posições de dominada
ou de submissa que a ela eram impostas por lei e pelo poder masculino do tio, atitude que se
torna evidente em sua manifestação frente a Creonte, na qual, com desassombro, ergue a cabeça
e confessa, claramente, que havia sepultado o corpo de Polinice e ainda, ironicamente, responde
que sabia extamente o que estava fazendo: “ Sim, eu sabia! Por acaso poderia ignorar, se era
uma coisa pública?” (SÓFOCLES. Antígone, 2005, p. 29-30).
Sendo assim, em consonância à noção do determinismo social, Peter Berger e Thomas
Luckmann afirmam que a sociedade proporciona o script para todos os personagens, como por
exemplo a declaração "Sou homem", que carrega, segundo eles, a necessidade de encenar tal
papel. Diante dessa concepção, um indivíduo do sexo masculino aprenderia a ser agressivo, a
ter ambições, a competir com outras pessoas e a desconfiar de uma atitude demasiada gentil de
sua parte (BERGER, Peter. LUCKMANN, Thomas, p.112), comportamentos perfeitamente
perceptíveis na personalidade de Creonte. De maneira oposta à Antígona, o rei soberano é a
manifestação efetiva da teoria de gênero, representando e assumindo pois, todas as posturas
atribuídas à figura masculina. Inicialmente, Creonte se apresenta como um salvador, como
superior e mais forte indivíduo de Tebas, além de dizer que era o responsável pela felicidade
do reino e pela imposição da tranquilidade, em razão da cobrança de fidelidade às leis que ele
mesmo criava, identificando-se como o próprio Estado Absoluto e único detentor do poder.
Evidentemente assumindo seu personagem machista, Creonte condena suas sobrinhas porque
considerava uma desonra alguma mulher demonstrar a possibilidade de ruir todo o seu reinado
e por isso defende a ideia de sua hegemonia na posição de soberano por ser homem, como deixa
claro a Antígona: “Enquanto eu vivo for, nenhuma mulher me dominará”, o que demonstra a
manutenção de atos de violência simbólica manifestado por Creonte.

67
Sob tal cenário de violência entre gêneros, muitos estudos atuais ultrapassam a ficção
literária e afirmam que palavras e ações de detrimento contra mulheres são manifestações
diretas das inseguranças masculinas em compensação aos novos posicionamentos femininos de
enfrentamento, como o que é evidenciado na fala de Antígona: “em nome do controle, do poder
e dos ciúmes, os atos tendem a ser de violência cotidiana e crônica física e psíquica. Podem e
desencadeiam até em morte”. (MACHADO, Lia Zanotta. 2010, P. 57), o que explica a tentativa
de Creonte em se provar melhor e mais forte enquanto homem por meio da imposição do
discurso de superioridade e da sentença de morte para Antígona.
Tais posicionamentos, além de retratados na tragédia grega, são evidenciados
claramente nas relações sociais contemporâneas, pois, como pontuam Peter Berger e Thomas
Luckmann, o significado da teoria do papel poderia ser sintetizada dizendo-se que, numa
perspectiva sociológica, a identidade é atribuída, sustentada e transformada socialmente.
Eventualmente, torna-se evidente que apesar das revoluções estruturais – como a industrial e a
francesa – a sociedade reforça uma cultura de gênero que é sustentada pela possibilidade do
preconceito caso as condutas que “devem ser assumidas por cada personagem” sejam rompidas.
Condutas essas formuladas pelos grupos de referência social, que mesmo se alterando ao longo
das gerações, ainda mantêm o monopólio da construção de identidade de cada indivíduo.
Assim, ainda em concordância com a teoria dos papéis de gênero, a obra exemplifica,
também, a postura de internalização da suposta condição feminina retratada por Ismênia, que
durante toda a obra aceita ser submissa e obedece à lei e ao suposto poder masculino – que
eram, e ainda são, em muitos ambientes e contextos, descritos como deveres do caráter feminino
– visto que afirmava não ter forças para agir contra as leis da cidade, nem contra a
“superioridade” masculina. (SÓFOCLES. Antígona, 2005, p. 8-9). No entanto, é mais
importante destacar a postura de Antígona, pois assumir personagens já pré-determinados como
Creonte e Ismênia o fazem seria mais fácil e habitual até mesmo na modernidade, sendo que
tais papéis já possuem condutas, falas, ideologias e ações ditas “normais”. Em suma, a análise
da identidade da protagonista permite uma reflexão importante acerca da dimensão do
rompimento, porque apesar de seu final trágico, Antígona, enfrentando todo o machismo
estrutural e a soberania masculina imposta a ela, modificou todo o pensamento social, inclusive
o do rei, fato demonstrado pelo alcance de seu arrependimento.

Questão religiosa: O antagonismo feminino e o vínculo com a terra

68
A religião é um traço cultural que existe desde as sociedades primitivas. Ao buscar o
porquê de as coisas serem o que são, como a água e as pedras, ou explicar os fenômenos da
natureza, como a tempestade e as sementes que germinam, ou mesmo tentar entender o porquê
da raça humana existir, o indivíduo idealiza figuras e seres, os quais possuem encargo de
criadores e passam a nortear sua existência. Após ter sua revelação, o fiel dedica todos os
aspectos de sua vida a cultuar o divino: a forma como age nos âmbitos familiar e social, o modo
como se comporta e sua relação com o território que ocupa. Tal conjuntura é vista nas mais
diversas religiões ao redor do mundo, como afirma Francisco (2017) “A religião – no sentido
como em geral a compreendemos hoje – é uma construção cultural milenar importante na
estruturação da vida coletiva das diversas sociedades humanas”.
O cenário grego pode ser entendido através do livro A Cidade Antiga, no qual fica
explícita a hierarquia religiosa machista e patriarcal “A jovem deixa o lar paterno. Como não
está ligada a esse lar por direito próprio, mas apenas pela mediação do pai de família, somente
a autoridade do pai pode livrá-la desse laço” (COULANGES, Fustel de. 2006, P. 34) e a relação
de intimidade que os gregos possuem com a terra, em razão de que o solo familiar era sagrado
“Toda a antiguidade estava persuadida de que, sem sepultura, a alma era miserável, e que pela
sepultura tornava-se feliz. ” (COULANGES, Fustel de. 2006, P. 13). Ambientando-nos em
Antígona, podemos extrair em primeira análise a necessidade de Creonte assumir o trono, uma
vez que era o parente homem vivo mais próximo, não sendo permitido que uma de suas
sobrinhas tomasse esse lugar, e segundamente a importância religiosa do sepultamento de seu
irmão Polinice, em virtude do vínculo de suma seriedade com a terra.
Sob essa ótica, a perpetuação dessa disparidade entre homens e mulheres é comprovada
pelo lugar da mulher em religiões como o islamismo, onde o marido possui total controle sobre
a esposa, e o cristianismo, no qual a mulher é colocada como inferior ao homem por ter sido
feita dele “Com a costela que havia tirado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher e a trouxe
a ele. Disse então o homem: "Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será
chamada mulher, porque do homem foi tirada".” (Gn 2:22, 23). Além disso, outros aspectos a
serem discutidos são as disputas territoriais de cunho religioso, como o conflito na Palestina,
entre mulçumanos e judeus, e as desavenças entre budistas e o Partido Comunista da China no
Tibete, as quais exemplificam a complexidade da reivindicação de um território como
pertencente a determinado grupo.
Como conclusão, é possível refletir sobre as atitudes tomadas pelos personagens que
tinham como justificativa sua superioridade ou sua fé. A falta de um lugar de fala de Antígona

69
como mulher, estabelecida não só pelo machismo estrutural, representado pelas ações de
Creonte, mas também pelas convicções religiosas da época, a impossibilita de reivindicar
direitos iguais aos de um homem. Em contrapartida, ela se baseia nas crenças daquele tempo
para requerer o direito de seu irmão de ser enterrado. A partir dessa noção, a necessidade de
humanizar-nos, por meio da igualdade, da solidariedade e da aceitação de diferenças, se faz
presente tanto no século IV a.C. quanto no século XXI.

A mulher no ordenamento jurídico: de Antígona à modernidade

A tragédia de Antígona, além de estabelecer reflexões acerca da construção patriarcal


da cultura machista, é revolucionária, na medida que, pela primeira vez, aborda na literatura o
conflito entre o Direito Natural e o Direito Positivo. Essas duas correntes se diferem quanto à
característica cerne do direito: enquanto o jusnaturalismo é baseado nas concepções básicas e
inerentes ao ser humano, como a vida, a dignidade e a liberdade, assumindo um caráter
universal e atemporal, a noção juspositivista impõe a existência de um Estado para que haja
direitos, alegando que através do caráter coercitivo do mesmo, os indivíduos têm a possibilidade
de serem punidos caso haja alguma transgressão, tendo ele tempo e território determinados.
Sob tal ótica, segundo Nader (2014, p.343), “ O motivo fundamental que canaliza o
pensamento ao Direito Natural é a permanente aspiração de justiça” e portanto, ao analisarmos
o discurso de Antígona podemos perceber que ela designa sua ação como um Direito Natural,
pois, em sua percepção era injusto que não pudesse sepultar o corpo de Polinice. O crime
cometido por ela é então justificado enquanto ato justo sob uma postura de enfrentamento ao
Direito Positivo, o qual era estabelecido simbolicamente pela força masculina de Creonte:

Tais decretos, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem que por
isso me venham a punir os deuses [...] muito mais grave teria sido admitir que o filho
de minha mãe jazesse sem sepultura; tudo o mais me é indiferente! Se te parece que
cometi um ato de demência, talvez mais louco seja quem me acusa de loucura.
(SOFÓCLES. Antígona, 2005, p.30-31).

Ao verificarmos na obra literária a luta entre as vertentes, vemos que o jusnaturalismo,


sustentado por Antígona, sai vitorioso, entretanto, mediante uma reflexão mais aprofundada,
nos remetemos ao Direito Positivo, que se descreve como uma normatização construída sobre
uma estrutura machista, como escreve Dimoulis (2017) “Ser positivista em âmbito jurídico
significa, até hoje, escolher como exclusivo objeto de estudo o direito posto por uma
autoridade”, visto que não era legalmente aceitável, apesar da morte de todos os irmãos homens,
70
que Antígona ou Ismênia assumissem a posição de soberanas. Essa legislação, descrita na
ficção, ultrapassou o teatro e por convenção social ou leis escritas, durante muitos anos em
diversos países ao redor do globo, nenhuma mulher assumiu posições de poder político. No
Brasil, por exemplo, a história mudou apenas em 1928, quando Alzira Soriano foi eleita a
primeira mulher para um cargo público. Um outro exemplo foi a conquista do voto feminino, o
qual mesmo tendo de enfrentar toda a mentalidade cultural e social de disparidades de gênero,
foi garantido às brasileiras como manifestação de cidadania, obrigatoriedade e sem restrições
em 1946.
Apesar de ter sido escrita por volta de 442 A.C, a criação de Sófocles traça, além da
legislação autoritária e machista, um panorama de insegurança protecional da figura feminina,
que pode ser sintetizado pelos posicionamentos, falas e condutas de Ismênia e identificado hoje,
milhares de anos depois, nas rotinas diárias de muitas mulheres, especialmente as brasileiras,
posto que o país - apesar de ter uma legislação de proteção à mulher classificada como avançada
por olhares internacionais – possuí a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Em somatório
a essas inseguranças, é importante pontuar que o discurso feminino sempre sofreu ataques com
o objetivo de desconstruí-lo, como bem encenado pelo personagem de Creonte e que atualmente
se utiliza da disseminação de refutações de indivíduos que classificam a luta feminista como
“mi-mi-mi”, já que muitos perpetuam a exemplificação das grandes conquistas - sofridas – das
mulheres nos ambientes atuais sustentando a ideia de que os discursos de desigualdade de
gênero são ultrapassados e desnecessários na atualidade.
No entanto, é importante fortalecer que esse discurso pela luta feminina deve ser
mantido, pois fortalece a busca pela igualdade efetiva como forma de justiça proporcional que
deve ser garantida como direito pelos Estados democráticos, sendo necessário evidenciar que
os papéis de gênero permanecem, em muitos casos, velados através das duplas e triplas
jornadas femininas, pela manutenção majoritária de homens na política e pelo exacerbado
número de casos de violência física e simbólica contra mulheres. Tais manifestações de
violência indicam, portanto, a necessidade – preocupante – de um ordenamento jurídico
particular à figura feminina, à medida que milhares de mulheres são ridicularizadas pela cultura
patriarcal, algumas quando a enfrentam, como fez Antígona, ao romper com o poder masculino
da época, e Maria da Penha, que manifestou tamanha busca pela justiça ao ponto de seus
discursos se tornarem uma norma jurídica brasileira por meio da Lei nº 11.340, enquanto outras,
por outro lado, permanecem vítimas do poder masculino por assumirem, devido a diversos
motivos particulares, seu suposto papel de gênero, como fez Ismênia.

71
A mulher na vida política

Segundo Aristóteles “o homem é um animal cívico [político], mais social do que as


abelhas e os outros animais que vivem juntos” - importante pontuar a designação “homem”
como ser humano – o que evidencia a necessidade gregária dos seres de viverem em sociedade
e, assim, participarem da vida política e dessa organização de relações, visto que, o conceito de
política deve ser ampliado para além da estrutura governamental, como uma maneira de conduta
que visa a participação de todos os cidadãos. Porém, sabe-se que na prática a realidade se
diverge desse ideal. No livro, Creonte era considerado a única fonte política de leis e sanções e
mesmo que essas fossem contrárias ao olhar majoritário da sociedade, que identificava como
justo o ato de sepultamento realizado por Antígona para que seu irmão obtivesse vida próspera
após a morte, de acordo com as tradições da época, por meio de seu discurso “ O homem que a
cidade escolheu para seu chefe deve ser obedecido em tudo, quer seus atos pareçam justos ou
não.” (SÓFOCLES, 2005, p. 44), é possível perceber que sua palavra era final. Por meio dessa
passagem, torna-se evidente a tirania de Creonte enquanto pertencente ao gênero masculino e
detentor do poder governamental, o que ilustra também, atualmente, a lacuna da participação
igualitária de minorias na vida política, que prejudica a representatividade desses indivíduos.
Até o início do século XX, a disparidade de gênero no cenário público e político era
ainda mais evidente, segundo Barbosa e Machado as desigualdades se desdobravam em razão
de diversas teorias sociais, e no âmbito do gênero, baseava-se na teoria da incapacidade da
mulher:

A teoria da incapacidade da mulher apregoava que as mulheres eram emotivas e


instáveis, e sob pressão pública não conseguiam tomar decisões racionais. Esta teoria
supunha que a inaptidão feminina na esfera pública era natural e não cultural ou social.
Reforçava, então, que as mulheres eram inferiores aos homens, pois tomava como
base princípios formulados no âmbito interpretativo masculino. (BARBOSA.
MACHADO, 2011, p.9)

Devido à pressão social, muitas dessas ideias foram assimiladas como verdades
absolutas pelas próprias mulheres vítimas dessa exclusão na participação política. Podemos,
então, visualizar que há certo medo ou rejeição sentidos pelas mulheres (ou qualquer grupo
minoritário/ excluído) em ocupar espaços de relevância social (MOREIRA, 2009), mesmo que
já não haja mais normatizações como em Antígona que associavam o poder governamental e a
voz social apenas à figura masculina. Assim, como pontua Bourdieu (1999) por meio da

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designação de agorafobia socialmente imposta, a sociedade demonstra a eficácia de uma
violência simbólica construída historicamente e incessantemente reiterada através da violência
física e simbólica por meio de diversos mecanismos de poder, como a família e a igreja
(MOREIRA, 2009), sustendo a disparidade de gênero.

Conclusão

Em suma, destacam-se a importância e a relevância atemporais da obra Antígona de


Sófocles. Embora escrita séculos atrás, a narrativa retrata os diferentes aspectos sociais que
envolvem a luta por igualdade de gênero e provam que esse ideal ainda está longe de ser
alcançado, mesmo com os avanços contemporâneos. A protagonista tornou-se símbolo da luta
contra a opressão masculina e as mazelas sociais causadas por ela, uma vez que os preconceitos
formados a partir de uma noção de superioridade ainda estão presentes em diversas culturas ao
redor do mundo e se tornaram socialmente estruturais.
Baseando-se na leitura do livro, faz-se uma relação entre a época antiga e a atual: os
determinismos de gênero limitam ou até mesmo impedem o indivíduo de explorar as diferentes
possibilidades de se encaixar na sociedade, muitas vezes por receio em ser julgado ou por haver
uma proibição por lei. Em seguida, ao avaliarmos o caráter religioso, fica explícito o discurso
de submissão da mulher e do homem como provedor e detentor do controle familiar que perdura
até hoje, sendo que a maioria dos casamentos era e é de cunho religioso. Por um viés jurídico,
podemos ressaltar que o conflito entre jusnaturalismo e juspositivismo se dá pelo fato de que
como seres humanos todos possuímos direitos naturais e inerentes a essa condição, mas quando
se trata dos direitos garantidos pelas normas e leis, durante muito tempo as mulheres estavam
em desvantagem em relação ao homem que era resguardado e podia usufruir de decretos não
designados à parcela feminina da população. Conclui-se, diante do cenário político, que era e
até agora é imprescindível o lugar de fala feminino para que suas necessidades fossem e sejam
atendidas, reivindicando sua representatividade e rompendo com discursos patriarcais.
A necessidade de extinguir todos os mecanismos de poder que colaboram com a
exclusão feminina nos meios sociais, culturais e políticos é fundamental, para que haja, assim,
uma construção da sociedade de forma justa e isonômica, onde todos se sintam reconhecidos e
representados.

73
REFERÊNCIAS

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Disponível em:
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OS_DE_DECIS%C3%83O_POL%C3%8DTICA.pdf. Acesso em: 15 abr. 2020

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74
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SÓFOCLES. Antígone. Tradução J. B. de Mello e Souza, 2005. Disponível em:


http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/antigone.pdf. Acesso em: 2 mar.2020

75
7
A DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA: MULHERES NA
POLÍTICA OU POLÍTICA CONTRA AS MULHERES?

Djéssica dos Santos Procópio7


Maria Fernanda Vaz Oliveira8

1 Considerações iniciais

O tema-problema da pesquisa que se pretende desenvolver é a busca pela


democratização da gestão pública voltada para os direitos da mulher e sua baixa
representatividade no Poder Legislativo, e como promover seu acesso efetivo em cargos
políticos sem a manipulação do machismo estrutural
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
cerca de 52% da população brasileira são mulheres. Todavia, no mesmo ano, elas ocupavam
apenas 15% dos cargos entre os 513 deputados. Em um levantamento divulgada pelo Inter-
Parliamentary Union, vê-se o triste cenário da política brasileira: o país ocupa a 140º posição
entre 192 nações na análise da representatividade feminina no Congresso Nacional, no dia 1 de
janeiro de 2020. O Brasil se encontra atrás de países como a Arábia Saudita (111º), onde as
mulheres conseguiram, recentemente, o direito de dirigir.
Entretanto, antes de aprofundar na análise atual acerca da participação feminina na
política, é necessário aprofundar na luta das mulheres para adquirirem o direito ao voto. A
primeira discussão acerca da temática se deu na Revolução Francesa, de modo a ressaltar
Olympe de Gouges (1755-1793), o qual escreveu uma obra denominada “Declaração dos
direitos da mulher e da cidadã”, criticando a famigerada “Declaração dos direitos do homem e
do cidadão”.
A autora, à frente do seu tempo, defendia a invalidade das leis que não tivessem a
participação das mulheres. Ademais, defendia a igualdade de oportunidades de trabalho entre
os gêneros e a educação de qualidade para as pessoas do sexo feminino serem boas cidadãs.

7
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.
8
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.

76
A percussora afirmava, no artigo segundo da sua declaração, que “o objetivo de toda
associação política é de conservar os direitos naturais e imprescritíveis da mulher e do homem.
Esses direitos são à liberdade, à propriedade, à segurança, e, sobretudo, ao de resistir à
opressão” (GOUGES, 1791). Infelizmente, Olympe foi sentenciada à guilhotina em 1793 por
traição aos ideais revolucionários.
Em se tratando do âmbito nacional, quando se vê a Constituição de 1824, outorgada por
D. Pedro I, é válido salientar a figura dos cidadãos ativos. Para se enquadrar nesta categoria
adotava-se não só o critério de renda (voto censitário), mas também ser do sexo masculino,
como acreditava o conselheiro do Imperador José Antônio Pimenta Bueno São Vicente. O
jurista que as mulheres eram cidadãs passivas, ou seja, possuíam direitos civis como o direito
de receber herança, mas quando se fala em política não podiam opinar, muito menos participar.
(SÃO VICENTE, 1857, p. 470).
No início da República, a realidade permanecia a mesma. A Constituição de 1891
novamente trazia o termo “cidadãos” no masculino, gerando o questionamento se as mulheres
estão ou não incluídas neste vocábulo. As juntas de alistamento eleitoral analisaram a
literalidade da palavra, ou seja, mulheres adultas e com diploma não estavam contidas nas
hipóteses trazidas no documento para o exercício do direito de votar.
É importante mencionar o papel das professoras no movimento sufragista no país.
Ademais, nota-se o 1º Congresso Internacional Feminista, promovido pela Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino (FBPF), a qual, inicialmente, era a Liga para a Emancipação
Intelectual da Mulher, formada pela professora Maria Lacerda de Moura, por Jerônima
Mesquita, pela engenheira Carmen Portinho, por Maria Eugênia Celso, a bióloga Bertha Lutz,
a advogada Mirtes Campos e pela escritora Stella Duval.
Em 1931, Getúlio Vargas em seu governo recebeu o 2º Congresso Internacional
Feminista e mostrou interesse no movimento. Uma das primeiras medidas do então presidente
foi a constituição de uma comissão formada por juristas para a reformulação do sistema
eleitoral. Inúmeras divergências foram superadas. A princípio, desejam que apenas mulheres
solteiras ou viúvas com renda própria gozassem do direito. Finalmente, em 24 de fevereiro de
1932, foi publicado o novo Código Eleitoral, o qual permitia não só o voto feminino sem
nenhuma exceção, mas também a eleição das mulheres. Nas eleições de 1933, havia sete
candidatas para a Assembleia Constituinte pelo Distrito Federal (Rio de Janeiro naquela época).
Dentre elas: Bertha Lutz, integrante da FBPF. Apesar de ser mais bem votada de todas as

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mulheres, não conseguiu uma cadeira na Câmara, todavia, conquistou a primeira suplência do
seu partido. A bióloga se tornou deputada federal em 1936.
Ao longo do tempo, mulheres começaram a se destacar na carreira política, sendo crucial
destacar alguns nomes: Alzira Soriano, primeira prefeita eleita no país em 1929; Carlota Pereira
Queiroz, primeira deputada federal em 1934; Eunice Michiles, primeira senadora em 1979;
Laélia Alcântara, primeira mulher negra senadora em 1981; Antonieta de Barros, primeira
deputada estadual negra em 1935; e Dilma Rousseff, primeira mulher presidente do Brasil em
2011.
Por fim, a Constituição Cidadã de 1988 previu a possibilidade de homens e mulheres
analfabetos se alistarem como eleitores.

2 Contexto atual

Tendo em vista toda a luta já mencionada e enfrentada pelas mulheres para a aquisição
dos direitos políticos, hoje, destinados e assegurados a elas, é importante questionar a real
efetividade desta realidade. De fato, algumas medidas foram adotadas pelo Estado na tentativa
de conter a desigualdade política. Dentre elas, destaca-se a lei 9.504/1997, alterada em 2009.
Em seu art. 10, §3º, é disposto que cada partido ou coligação deve destinar no mínimo 30% de
suas candidaturas para cada gênero, promovendo, assim, um equilíbrio entre políticos e
políticas. Todavia, muitas vezes, tal tentativa não passa de mera utopia. No início de 2019, o
Senado, composto por 70 homens e 11 mulheres, discutiu sobre o Projeto de Lei 1.256/2019, o
qual propõe a revogação das cotas para as mulheres. Felizmente, o projeto mencionado foi
rejeitado.
Nesta perspectiva, é importante ressaltar a necessidade de políticas públicas feitas por
mulheres, de modo a ser um dos motivos para incentivar a representação feminina na gestão
pública. Mais figuras representando o gênero feminino pode significar mais medidas
governamentais voltadas para o grupo em destaque. Um exemplo evidente desta perspectiva é
o decreto parlamentar 46.072/2017. Esta norma, que regulamenta, no estado do Rio de Janeiro,
a destinação de vagões de metrôs e trens para mulheres em virtude dos inúmeros casos de
assédios enfrentados por elas, tem como um dos autores a deputada estadual Martha Rocha
(PDT-RJ).
Na atual celeuma política brasileira, é imprescindível mencionar mulheres que
representam toda a luta enfrentada e se caracterizam representantes de lenta, porém emergente,

78
democratização da gestão pública. Dentre elas, destaca-se a ex-presidente Dilma Rousseff (PT),
que foi a primeira mulher a governar o país. Em 2016, Dilma sofreu um impeachment e se
afastou do cargo. Entretanto, muitos leigos e desinformado associam o fato mencionado ao
gênero da ex-presidente, de modo a compactuar, equivocada e erroneamente, com o machismo
na política.
Outrossim, é importante mencionar Marielle Franco (PSOL-RJ), a qual foi não só
vereadora da cidade do Rio de Janeira, socióloga e ativista de direitos humanos, mas também
presidente da Comissão da Mulher na Câmara da cidade. Ela integrava a comissão que
investigava abusos das Forças Armadas e da polícia durante a intervenção federal na área da
Segurança Pública do Estado, suposto motivo pelo qual foi assassinada. A vereadora
representava a luta periférica, racial e feminista
Nesse contexto, nota-se Janaína Paschoal (PSL-SP), que foi responsável pela petição do
impeachment da Dilma. A deputada estadual pelo Estado de São Paulo foi eleita em 2018 com
mais de 2 milhões de votos, tornando-se a maior votação recebida por um parlamentar no país.
Ela foi membro da CPI Fake News acerca das eleições de 2018. Também do Partido Social
Liberal e eleita em 2018, com mais de um milhão de votos, Joice Hasselmann (PSL-SP) foi a
deputada federal mais votada da história, ficando atrás apenas do Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Quanto à causa ambiental, é necessário salientar Marina Silva (REDE), professora,
historiadora e ambientalista. Foi candidata à presidência na última eleição de 2018. Foi
senadora e Ministra do Meio Ambiente nos dois mandatos do Governo Lula.
Por fim, ressalta-se Duda Salabert (PDT-MG), que foi, em 2018, a primeira mulher
transgênero a se candidatar ao Senado, de modo a representar a causa LGBTQI+. Apesar de ter
tido mais de 350 mil votos, não conseguiu o cargo de senadora. A professora criou, em 2016, a
ONG Transvest, na qual profissionais da educação dão aulas preparatórias a transexuais para
vestibulares na cidade de Belo Horizonte.

3 Âmbito Internacional

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher


(1979), da qual o Brasil é signatário, em seu artigo 3°, afirma que

Os Estados Partes tomarão, em todas as esferas e, em particular, nas esferas política,


social, econômica e cultural, todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter
legislativo, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o
objetivo de garantir-lhe o exercício e gozo dos direitos humanos e liberdades
fundamentais em igualdade de condições com o homem. (CONVENÇÃO SOBRE A

79
ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A
MULHER, 1979).

Associando o aspecto mencionado ao artigo 7º do mesmo documento, o qual disserta


acerca dos direitos políticos da mulher entre os países-membros da Convenção, é possível
afirmar que cabe ao país incentivar e promover a plena integração feminina no contexto
político. Portanto, conclui-se que é inevitável exigir do Poder Público medidas eficazes e de
fato aplicadas para, enfim, ser alcançada a famigerada “democratização” da gestão pública.
Outro documento internacional deve ser salientado quando se fala sobre proteção dos
direitos da mulher. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher (1994), mais conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, em seu artigo
5º, evidencia que

Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos
consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os
Estados Partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício
desses direitos. (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ, 1994).

Por fim, exalta-se a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (ou Pacto de São
José da Costa Rica). No artigo 23,

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:


a) de participar da direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de
representantes livremente eleitos;
b) de votar e se eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio
universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos
eleitores; e
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades e a que se refere o
inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência,
idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente,
em processo penal. (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA, 1969)

É notório que “condições gerais de igualdade” devem ser empregadas na acessibilidade


à gestão pública. Dessa maneira, é legítima a seguinte questão sobre a aplicação e a efetividade
da lei 9.504/1997: os 30% das candidaturas de um determinado partido político destinados a
cada gênero é de fato uma realidade brasileira emprega o princípio de igualdade? Há medidas
eficientes para sancionar e punir quando ocorre descumprimento da quota?
Uma grande falha da lei mencionada, impedindo a consumação das legislações
internacionais, se dá no fato de que “se um partido tiver três mulheres entre seus dez candidatos,
ele pode permanecer na disputa porque cumpriu a cota. Mas, se depois disso, as três candidatas
desistirem, nada acontece, não há nenhuma punição” (BARBA, 2014). Ou seja, não há
80
obrigação por parte do partido político em efetivar a porcentagem mínima destinada às
mulheres, caso estas desistam no ingresso à política. Dessa maneira, vê-se que, na realidade, a
tentativa de aplicação do princípio igualitário pela alteração da lei 9.504/97 em 2009 é, na
maioria das vezes, falha e uma mera utopia.

4 A luta pela igualdade

Tendo em vista que mulheres correspondem mais da metade da população brasileira e a


existência das ações afirmativas como já salientado, é crucial relembrar também que, conforme
o levantamento feito pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2014, pessoas do gênero feminino são
maior parte do eleitorado brasileiro: são cerca de 74,5 milhões de mulheres dentre os 143
milhões de eleitores no Brasil. Então, torna-se válido o questionamento acerca do porquê de as
mulheres permanecerem minorias na gestão pública brasileira. A resposta está no forte
preconceito, na objetificação e no machismo sofridos constantemente.
Infelizmente, algumas mulheres se transformam em fantoches no jogo político. Após a
Lei da Ficha-limpa ter entrado em vigor no ano de 2012, as esposas, filhas e amigas de políticos
com candidaturas barradas passaram ser eleitas, principalmente em cidades do interior, para
que, indiretamente, os homens impedidos continuassem no poder. Além disso, a candidatura
fachada também pode visar o desvio de dinheiro do fundo eleitoral. Nas eleições municipais de
2012, nove de cada dez candidatos-fantasma eram mulheres (VAZ, 2017). Tais situações
configuram crimes eleitorais, previstos no Código Eleitoral. Assim, a emancipação feminina na
gestão pública deve ocorrer de forma correta, quebrando padrões comportamentais machistas.
Caso contrário, os estereótipos serão reforçados.
Outrossim, se em algumas situações a mulher se torna “laranja” ao ingressar no Poder
Legislativo, em outras, elas são utilizadas como mercadorias para atingir lucro e visibilidade.
Tal situação se mostra cada vez mais evidenciada após a lei 9.504/1997. Diversos partidos
políticos lançam candidaturas femininas fictícias a fim de apenas cumprir a cota obrigatória, e
não o emprego da democratização e do princípio igualitário (BARBA, 2014). Alguns
eleitorados carregam consigo maior conscientização, e consequentemente, a busca por maior
igualdade. Por isso, infelizmente, com o advento do femvertising, termo que caracteriza o
empoderamento feminino como uma forma de marketing (ANUNCIAÇÃO, 2019), várias

81
candidaturas foram lançadas meramente com um instrumento para angariar votos, manipulando
os eleitores ao usar a causa feminista de forma injusta e incoerente.
A “militância seletiva” em relação à busca da mulher na política também é um
instrumento poderoso do marketing. O fenômeno é explicável, já que diferentemente da mulher
branca de classe média, principal alvo do femvertising, a mulher negra, índia, periférica, com
baixo extrato social, que também é o retrato do povo brasileiro, é esquecida pelo Estado e não
é base atrativa para votos. “O profissional do marketing político é responsável pelos seus
candidatos e deve sempre orientar quanto ao objetivo (o que move o candidato) e quanto ao
projeto a ser estabelecido em caso de vitória” (RABELLO, 2020). O fato de o objetivo e o
projeto quase nunca se voltarem para essas minorias, é reflexo de um eleitorado preconceituoso
que se deixa levar pelo mundo da propaganda. Os diferentes recortes dos movimentos
feministas instigam um questionamento acerca de como as demandas das mulheres podem não
atingir a todos os grupos, como explicita Flávia Biroli, em seu livro “Gênero e Desigualdades:
limites da democracia no Brasil”:

A história do espaço público e das instituições políticas modernas é a história da


acomodação do ideal de universalidade à exclusão e à marginalização das mulheres e
de outros grupos sociais subalternizados. Vem sendo contada por intelectuais
feministas de um modo que explicita as conexões e as tensões entre patriarcado e
capitalismo, desvenda o caráter patriarcal do pensamento e das instituições políticas
modernas e as matrizes de dominação que são ao mesmo tempo patriarcais, racistas e
colonialistas. Seus efeitos não são idênticos na vida de todas as mulheres porque elas
estão situadas diferentemente no globo e nas dinâmicas de exploração do trabalho,
racialização e precarização da vida. Por isso, a existência de diversos ambientes
políticos nos quais homens brancos e proprietários são sobrerrepresentados não
implica a existência dos mesmos problemas para todas as mulheres. Ainda que os
obstáculos à participação política das mulheres sejam um problema em si, os efeitos
dessa participação desigual não as atingem da mesma forma, podendo até preservar
as posições vantajosas de algumas entre elas. Os movimentos feministas têm atuado
de “fora” (exercendo pressão a partir das ruas) e “dentro” do Estado, participando da
construção de políticas e de novos marcos de referência para as democracias
contemporâneas no âmbito estatal nacional e em organizações e espaços
transnacionais. Não cabe dizer que essa atuação ocorre a despeito da baixa presença
nos espaços formais de representação, mas, sim, que assume formas que têm relação
direta com ela e que produz efeitos concretos, sendo imprescindível considerá-la para
compreender a história política recente da América Latina. (BIROLI, 2018)

Ademais, o senso comum acaba impulsionando o preconceito já enraizado no


psicológico da população brasileira. No Brasil, muito se confunde a liberdade de expressão com
discursos de ódio. A máxima de que “se nem mulheres votam em mulheres, por que eu deveria
votar?” é uma falácia que deve ser combatida. Um exemplo prático, foi a declaração do atual
presidente nacional do Partido Social Liberal (PSL) em entrevista à folha: “[A política] não é

82
muito da mulher. Eu não sou psicólogo, não. Mas sei disso” (BIVAR, 2019). O estigma de que
o ambiente da gestão pública é masculino só se concretizou devido ao pouco espaço encontrado
pela força feminina sufocada pelo patriarcado, não tendo nenhuma base científica. Quando uma
mulher ocupa um espaço político, ela incentiva as outras a ocuparem também.
A mídia tem um enorme papel difusor da imagem da mulher, estereotipada ou não. Fato
é, que meios de comunicação mais tradicionalistas, principalmente os televisivos, divulgam e
exploram a ideia da feminilidade e maternidade e acabam reforçando o estereótipo de
fragilidade e inocência. Segundo Flávia Biroli, a “mera presença” das mulheres em noticiários,
não garante a efetividade do alcance à política (BIROLI, 2017). Consequentemente, essa baixa
representatividade é que define o direcionamento do foco dos holofotes políticos entre os
gêneros. Os interesses sociais, políticos e econômicos é que determinam os pensamentos e
ideais de nossa sociedade, sendo que a omissão desses fatores faz com que a população seja
massa de manobra dos que comandam (RABELLO, 2020). Percebe-se então, que “sair da
caverna” e tentar iluminar a mente daqueles que se encontram na escuridão política não é uma
tarefa fácil de ser enfrentada.
Além disso, a eleição de políticas mulheres não muda só o tipo de gasto público, mas
também gera efeitos significativos sobre resultados de saúde e educação. As economistas Sonia
Bhalotra e Irmã Clots-Figueras estudaram os efeitos de eleições para assembleias estaduais na
Índia. Elas olharam para o caso das eleições distritais onde homens e mulheres tiveram votações
muito apertadas - lugares em que homens ou mulheres ganharam por pouco. Elas descobriram
que, em assembleias estaduais que elegeram mais mulheres, há uma redução significativa na
taxa de mortalidade infantil neonatal. Além disso, localidades que elegem mais mulheres têm
uma maior proporção de crianças que terminam o ensino fundamental (BHALOTRA, 2014).
Em uma entrevista à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Marcia Tiburi
afirmou que as mulheres acabam tendo até quatro jornadas de trabalho diário (com os trabalhos
domésticos, criação dos filhos, vida conjugal e o trabalho exterior), assim a vida política é
deixada de lado. No entanto, a busca pela politização surge primeiro na mulher inserida em
outras minorias, sendo vítimas de violência, como racismo e LGBTfobia, pois a busca de
direitos é mais imediata (ALESP, 2016). A politização é uma via de mão-dupla: por um lado
os partidos adquirem um novo perfil eleitoral forte; por outro, a força eleitoral decisiva dessas
mulheres, acarreta um compromisso muito maior dos partidos com as causas a serem
defendidas. Segundo Daniela Rabello, o ambiente masculinizado e hostil, o interesse velado
para que ela permaneça na condição de incapaz e a falta de tempo para exercer atividades

83
consideradas estratégicas seriam três fatores impediriam o engajamento político das mulheres
(RABELLO, 2020).
Por conseguinte, podemos afirmar que o governo está tomando pequenas medidas para
amenizar e reverter o quadro atual de mulheres em quantidade minoritária na política. A Justiça
Eleitoral publicou nas redes sociais uma campanha com o tema “Mulheres na política. Seja o
exemplo que nós precisamos!” (JUSTIÇA ELEITORAL, 2020). Assim, conclui-se que embora
anos de sujeição tenham impedido que pessoas do sexo feminino alcançassem cargos políticos,
pequenos passos estão sendo tomados para que o processo democrático alcance um patamar
mais justo. O papel das redes sociais não deve ser descartado na luta pela igualdade, e a
ampliação de campanhas, como a abordada acima, em veículos de comunicação modernos
possibilitam um alcance muito maior da importância da causa.
Marcia Tiburi, Doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e
Mestre pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, é uma professora, filósofa,
artista plástica e escritora. Ela desenvolveu diversas obras abordando a importância do
feminismo e a figura da mulher na sociedade. Além de ter sido candidata ao governo do Rio de
Janeiro em 2018. Uma de suas assertivas, presente da entrevista “Poder é algo a ser descoberto
pelas mulheres”, é o marco teórico no qual a presente pesquisa se baseia. Segundo a autora:

O que significa uma ocupação do governo, por exemplo, dos cargos ou dos poderes
institucionais? Continua sendo uma grande questão porque as mulheres são, por mil
motivos culturais, políticos, sociais e históricos, alijadas, alienadas, praticamente
proibidas de participarem desse lugar. Então, constantemente, as mulheres são usadas
quando estão nestes cargos, são colocadas ali por motivos variados que não dizem
respeito a sua autonomia, e continua sendo uma questão, para nós, a
representatividade das mulheres, seja nas empresas, seja na esfera do poder público e,
no caso então, dos cargos eletivos, legislativos. Para mim, essas esferas não estavam
confusas, elas são esferas em que a ideologias são tão pesadas e as mulheres são tão
vítimas dessas ideologias que elas mesmas não sabem como proceder, elas não sabem
nem como se relacionar com o poder. Digamos que o poder é algo a ser descoberto
pelas mulheres, e aí desconstruído e transformado. Nós queremos eleger feministas,
não nos interessa simplesmente eleger mulheres. Porque não basta ser mulher. Sem
feminismo não há política para mulheres, só políticas machistas que pesam sobre a
vida das mulheres. A gente tem que ter cidades feministas, cidades em que as mulheres
não tenham medo de andar nas ruas, cidades em que os espaços públicos respeitem a
condição das mulheres, a condição feminina, a educação, trabalho todas essas esferas
precisam estar também voltadas para a vida das mulheres, porque as cidades, as
sociedades foram construídas para os homens. Tudo. As leis, a polícia, as instituições
são todas sexistas e machistas. Tudo que é dessa sociedade obedece a uma estrutura
patriarcal. Nós queremos mudar isso, nós queremos pensar como podemos integrar
numa cultura, numa sociedade, numa cidade e nos espaços públicos, nas instituições,
como nós podemos criar espaços para que a vida das mulheres e as suas questões
sejam contempladas. (TIBURI, 2016).

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A teoria conceitual proposta pela autora procura demonstrar que a simples eleição de
mulheres na política não é suficiente para o desenvolvimento de ações sociais em prol das
causas relativas às necessidades da mulher. Tiburi acredita que devemos eleger feministas,
porque elas saberão lidar com a constante vitimização imposta pela ideologia do patriarcado.
Caso contrário, a perpetuação de políticas machistas sobre a vida do gênero feminino será
consolidada. Logo, busca-se desconstruir essa realidade misógina, contemplando uma
sociedade em que mulheres terão a liberdade de caminhar por ruas seguras sem medo. Dessa
forma, tal situação só será alcançada com um Poder Legislativo e Judiciário que atuem em
comum acordo galgando a real autonomia dos direitos fundamentais femininos.
Por fim, a partir das reflexões preliminares sobre o tema, é possível afirmar, que devido
ao baixo contingente de mulheres inseridas na política, as ações afirmativas destinadas a essa
minoria são manipuladas pelo patriarcado, não atingindo seus objetivos. Além disso, o
preconceito enraizado no psicológico do povo brasileiro tem papel determinante nas poucas
candidaturas femininas. Ademais, a situação decorre de um histórico de baixa
representatividade na gestão pública, que tenta ser revertido pela luta feminista na busca de
direitos fundamentais. Conclui-se, também, que algumas medidas, decorrentes da batalha
dessas mulheres, estão sendo tomadas por órgãos governamentais; porém, a sociedade
igualitária a ser alcançada ainda está longe de se tornar realidade.

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7.250, de 04 de abril de 2016, que altera e acrescenta dispositivos à lei estadual nº 4.733, de 23
de março de 2006, que dispõe sobre a destinação de espaços exclusivos para mulheres nos
sistemas ferroviário e metroviário do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Assembleia
Legislativa, [2016]. Disponível em:
https://sogi8.sogi.com.br/Arquivo/Modulo113.MRID109/Registro1282255/decreto%20n%20
46.pdf. Acesso em: 06 abr. 2020.

88
SÃO VICENTE, José Antônio Pimenta Bueno. Direito publico brasileiro e analyse da
Constituição do Imperio. Rio de Janeiro: Typographia Imp. E Consti. De J. Villeneuve E. C.,
1857. p. 470.

TIBURI, Marcia. Poder é algo a ser descoberto pelas mulheres. [Entrevista concedida a]
Elizângela Carvalho. Portal O Dia.: 08 mar. 2016. Disponível em:
https://www.portalodia.com/noticias/politica/poder-e-algo-a-ser-descoberto-pelas-mulheres,-
dia-marcia-tiburi-262333.html. Acesso em: 05 abr. 2020.

TUDO sobre Marielle Franco. Portal Estadão. Disponível em: https://tudo-


sobre.estadao.com.br/marielle-franco. Acesso em: 09 abr. 2020.

VAZ, Camila. “Candidatas-laranja”: a falácia da inclusão de mulheres na política brasileira.


Jusbrasil, 2017. Disponível em:
https://camilavazvaz.jusbrasil.com.br/artigos/437619026/candidatas-laranja-a-falacia-da-
inclusao-de-mulheres-na-politica-brasileira. Acesso em: 11 abr. 2020.

89
8

A IMAGEM-MULHER: A INDÚSTRIA CULTURAL E A EXPROPRIAÇÃO DA


IMAGEM FEMININA.

Rosalvo Henrique Cordeiro de Souza Iscold9

O pretenso artigo busca relacionar os efeitos da indústria cultural na construção da


imagem feminina, em especial, na matriz do cinema Partindo de pressupostos Kantianos
entorno do conceito de esclarecimento ou a busca em abandonar a infância intelectual da qual
somos originariamente culpados, com a sua interpretação moderna, A Dialética do
esclarecimento, escrita por Adorno e Horkheimer. Buscamos relacionar os conceitos em
enfoques psicanalíticos e linguísticos(A linguagem do cinema). A técnica da indústria moderna
do cinema proposta por Bay como uma variação da tensão e do relaxamento em razão da
proximidade da câmera sobre os sujeitos das cenas, ganhou novos contornos quando é
relacionada com a expropriação do esclarecimento feminino operada pela indústria cultural; a
técnica cinematográfica emancipou-se, e sua repercussão no universo feminino é a questão
almejada. Por fim, analisamos os conflitos entre a escola histórica(Historicismo) e o Direito
Natural, do qual o primeiro busca, incessantemente, invalidar o segundo. O embate ancestral
da história e do Direito natural, proposto por Strauss, busca ratificar a necessidade em se
estabelecer princípios universais de justiça frente as particularidades históricas interpretadas
por seus agentes históricos como pouco efetivos. As nocividades dos modelos atuais do Direito,
não se excepcionando no direito da feminilidade, são resultados de incumbências e
imperfeições históricas. A aclamação de um “Trans-historicismos”; a persistência de modelos
opressores(repressores na esfera psicanalítica); são frutos de uma autoridade da história, e as
censuras dela sobre a razão natural da mulher pungentemente manifesta além dos tempos
históricos.

1 A imagem-mulher

9
Graduando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.

90
O mundo feminino está inscrito nas estrelas. A indústria cultural, no entorno do cinema
mundial, percorre caminhos sinuosos, suas pretensões evocam uma promessa de felicidade
sutilmente nociva. Os grandes artistas de Hollywood e do mercado cinematográfico mundial,
em especial as estrelas femininas do cinema, objetos da pesquisa, são modelos de
reprodutibilidade operada pelas necessidades psíquicas das culturas de massas. A subtração do
esclarecimento do sujeito, já em sua ordem prematura de existência, é operacionalizada por um
padrão sustentável do mercado da imagem, em que a mulher se deve restringir à padrões pré-
estabelecidos. As telas de cinema projetam as estrelas da semelhança, um conceito de igualdade
governado por leis singelas da diferença absoluta. A imagem da mulher habita o panteão, um
reino de percepções falidas, um paraíso de afeições alimentadas pelas engrenagens dos
fanáticos que sonham com as musas e a utopia de ali um dia estarem com elas. Esses clientes,
não só homens como também mulheres, são a demanda da indústria da imagem feminina e ela
lhes oferta o esperado juntamente com a irracionalidade da objetificação feminina. A mulher,
qualificada pela indústria como fator fungível, contempla seus sonhos, repleto de divindades
mitológicas remotas, vivendo o pesadelo de torna-se a imagem de um futuro impossivelmente
irrealizável. O mundo imagético feminino caminha a passos lentos à obliteração total da
feminilidade, não uma extinção do gênero, nem a sua completa censura, mas a morte da auto-
imagem feminina, da mulher-em-si, da sua estrutura psíquica. Em padrões otimistas, a mulher
deveria anteceder a imagem, porém, A imagem constrói a mulher antes mesmo dela entender-
se enquanto ser-mulher, explique-se.
A técnica cinematográfica subjugou a oportunidade do esclarecimento feminino, através
de um procedimento moderno que fora teorizado por Adorno e Horkheimer como indústria
cultural; a inércia e a covardia da feminilidade foram qualificadas pela estultícia dos senhores
dos axiomas sistêmicos. Qual a natureza de tal procedimento? O que seria a covardia e preguiça
feminina? A questão posterior, por silogismo, arremete a resposta da anterior. Cabe-nos antever
o conceito Kantiano de esclarecimento, em prol, da explicação simbólica da torpeza feminina
na qual são vitimadas, como conclusão as premissas explicaremos o torpe feminino, não como
qualidade inerente a elas, contudo como uma possibilidade de inserção ao sistema. há uma
simbiose dos signos imagéticos reconfiguradores da mulher-em-si e por consequência
opressores da estrutura vital personalizada da psique feminina, por possuir, em suas altercações
dinâmicas, as combinações entre as duas faces da tragédia: a covardia e a frouxidão.
Uma das máximas Kantianas, arguidas em 5 de dezembro de 1783, sobre o que seria o
esclarecimento. O mestre(douto filósofo) trouxe à luz o novo significado de responsabilidade

91
humana e suas consequências em caso de não perquirição ao abandono da própria ignorância
originária.

Esclarecimento(Aufklärung) significa a saída do homem de sua minoridade, pelo que


ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio
entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa
minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de
resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de
outro. Sapere aude! Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é
portanto a divisa do Esclarecimento. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais
uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia
(naturaliter majorennes), comprazem-se em permanecer por toda sua vida menores;
e é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores. É tão cômodo ser menor.
Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui
consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime, etc; não
preciso eu mesmo esforçar-me. Não sou obrigado a refletir, se é suficiente pagar;
outros se encarregarão por mim da aborrecida tarefa. Que a maior parte da
humanidade( e especialmente todo o belo sexo) considere o passo a dar para ter acesso
à maioridade como sendo não só penoso, como ainda perigoso, é ao que se aplicam
esses tutores que tiverem a extrema bondade de encarregar-se de sua direção. Após
ter começado a emburrecer seus animais domésticos e cuidadosamente impedir que
essas criaturas tranquilas sejam autorizadas a arriscar o menor passo sem o andador
que as sustenta, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentam andar
sozinhas. Ora, esse perigo não é tão grande assim, pois após algumas quedas elas
acabariam aprendendo a andar; mas um exemplo desse tipo intimida e dissuade
usualmente toda tentativa ulterior.( KANT, 1783, P.1-2)

O eufemismo “todo belo sexo” utilizado pelo Filósofo é um sinal de uma antiga
submissão feminina em seus tempos. Havia e há a notoriedade de uma necessidade de libertação
do gênero frente aos senhores que as intimidavam, impedindo-as de exercerem os instrumentos
cabíveis à emancipação, ao esclarecimento de si mesmas. Pois, como afirma o douto saber do
escrito, os senhores ocupavam-se em fornecê-las os produtos satisfatórios de suas necessidades
ou seja, tutela-las, assim como, intimidá-las quando se quer prenunciavam buscar os próprios
meios de satisfação. O dúplice mecanismo que alternava entre a satisfação e a temeridade,
colocaram não só as mulheres, como também a humanidade em estado de torpeza identitária, a
falta de identidade nos convence sobre uma ressignificação igualitária; ocultando-lhes a
diferenciação absoluta naturalmente sobreposta: a incapacidade deliberativa é o estado natural
humano”. O “E pluribus unum”, “de muitos, um”, a semelhança perfeita enquanto constructo
da divisão absoluta. Entretanto, tais circuitos fechados, em uma referência a tecnicidade
moderna, encontrou uma representação diversa no reino da psique-feminina, é como se fosse
mais nocivo a elas do que os demais gêneros, pois a covardia feminina juntamente com seu
consentâneo, a preguiça, possuem uma outra resposta ao núcleo imaginariamente pungente da
indústria cultural. Algo que as impedem com mais potencialidade de atingirem o
esclarecimento, O mestre Adorno o chama de “pseudo-individuação”. Nos pensamentos
92
Adornianos, a falsidade da individualidade, busca eliminar o indivíduo por estarem servidos de
suas próprias tragédias. É justamente a renúncia à suas próprias malícias, virulências e
pusilanimidades, os fatores retro-alimentadores das válvulas da indústria cultural. Antes de
respondermos à pergunta anterior, sobre o procedimento da indústria cinematográfica, resta-
nos explanar o poder político que a estrutura, consecutivamente com sua apologética proposta
por Adorno, detém. Não basta somente explicar o esclarecimento Kantiano, sem antes conhecer
a sua interioridade dialética, posterior a ela, ainda como explicar o terreno que a fertiliza.
Em seu lazer, as pessoas devem se orientar por essa unidade que caracteriza a produção.
A função que o esquematismo Kantiano ainda atribuía ao sujeito, a saber, referir de antemão a
multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria. O
esquematismo é o primeiro serviço prestado por ela ao cliente. Na alma devia atuar um
mecanismo secreto destinado a preparar os dados imediatos de modo a se ajustarem ao sistema
da razão pura. Mas o segredo está hoje decifrado. Muito embora o planejamento do mecanismo
pelos organizadores dos dados, isto é, pela indústria cultural, seja imposto a esta pelo peso da
sociedade que permanece irracional apesar de toda racionalização, essa tendência fatal é
transformada em sua passagem pelas agências do capital do modo a aparecer como o sábio
desígnio dessas agências. Para o consumidor não há mais nada classificar que não tenha sido
antecipado no esquematismo da produção.( ADORNO, ano, p)
Há a aparência do sábio. Mesmo parecendo satisfatórias as soluções das indústrias do
cinema, dos coeficientes imagéticos, dos malabarismo mentais ratificados pelas montagens e
sequências dos períodos entre cenas, a conversão das pessoas do racional para o irracional, não
lhes oferecem chances de se livrarem deles, por impreterivelmente, serem absorvidos pelas
fórmulas instantaneamente adaptativas aos novos seres manifestos. A mulher está encarcerada
na amálgama de sua própria negação generalizada propagada pelo processo falsamente
liberatório do esquematismo. Quando elas pretendem confrontarem as próprias incumbências,
em especial, a ignorância originária na qual todo homem é originariamente culpado, uma
estrutura voraz as absorve, imputando-lhes a ilusão de estarem confrontando-se. Adverso a isto,
há a verdade na pontencialização da fuga deste propósito originariamente subjetivo a todos. O
mundo aparenta confrontar-se, mas o mecanismo do confronto, tomado pela indústria cultural
da imagem, não os permitem as pessoas(clientes) se confrontarem.
Ressalta-nos compreendermos como a imagem, força primitiva da liberdade, oprime a
feminilidade, colocando-as, em estado intermitente de torpeza, sobressaindo-lhes a covardia e
preguiça como qualidades inerentes como também sendo elas modos práticos recomendáveis

93
no universo feminino. Como opera-se a linguagem, a gramática do cinema, no mundo regido
pelos ditames da indústria cultural? Como o esquematismo oprime ao invés de, primariamente,
libertar? Enfim, postergaremos um pouco mais a resposta em final sobre a natureza do
procedimento da indústria cultural, por antes, ser necessário, explicar-lhe o dogma entorno da
matriz de construção filmológica hollywoodiana.
A mulher, nascida em um útero de mesma natureza, replica-se em um universo de
natureza diversamente opressora. A sua imagem não provém do útero como se imaginam, a sua
imaginação opera-se juntamente com seu nascimento, e por isso sua gestação é iniciada após
adquirir uma certa capacidade perceptiva. A gestação da feminilidade, enquanto produto da
indústria cultural do cinema, cria inseminações artificiais, as maquinações do intento capitalista
concomitantemente com a força unificante que o corrompe, asseveram uma mulher virtual,
retrato das mulheres reais presentes e das futuras geratrizes dos diversos estímulos aos sentidos.
Este constructo, antes mesmo de existir uma mulher no mundo contemporâneo, reprograma os
sentidos, os tornando esquematizados, segundo os ditames da razão pura. O olfato, a visão, o
táctil prazer, o paladar e a audição, são recombinadas em uma permutação cartesiana. Sentindo-
se mulher, antes de ser-mulher, logo ela tende a cair no abismo insondável da peregrinação
infinita sem chances de retorno ao seu estado interior: confrontar-se, debelar-se entre os
instintos e suas fontes imagens-sensíveis, o ideal de si. A psicomotricidade perpetrada pela
indústria, opera não só o caminho a ser seguido pelas belas juventudes, como também, as
reconstroem. O destruir do feminino pela percepção é o foco das transições minitemporais, o
piscar de olhos de um editor pode representar um efeito de destruição borboleta por gerações
intermináveis. O código genético do cinema está na volatilidade entre o relaxar e o tensionar-
se. Essas qualidades sensíveis, quando operadas pela indústria cultural( repita-se responsável
por roubar o esquematismo Kantiano, o esclarecimento de cada um) arquitetam a penúria
global, totalizante, do mundo metafísico feminino.
A variação da proximidade da câmera ao objeto designado produz a polarização entre o
relaxamento e a tensão. O advento da informação agregou à linguagem uma nova projeção
antes impossibilitada. A técnica da indústria cultural retirou o oculto do cinema, o tornando,
paradoxalmente, mais obscuro. A imagem aproximou-se, em intimidade semântica, cada vez
mais a imaginação do indivíduo, o tornando desconhecedor de sua própria individualidade
prima. Não produz resultados distintos na dimensão da feminilidade. A mulher foi
reprogramada, não pela estética como muito se pensa, tão menos pelo o despertar dos desejos
rotineiramente consumistas, ela deixou de sentir o invisível de sua própria natureza. A alta carga

94
de tensão unido a sensações ilusórias de relaxamento e tensão, não permitiram as falhas técnicas
dos filmes de outrora, o cinema construído pelo o agente receptivo, a imaginação, o sonhar da
personalidade, mas pela ausência da sensação de estranhamento individual, abre-se, o refluxo
emocional, necessário a reconstrução e a perda da capacidade própria de expropriar-se. Nasce
a torpeza do pensamento genérico.

O caminho mais simples e fácil em promover um relaxamento à audiência é um grande


plano aberto (wide establishing shot). Estas composições geram muito impacto nos
começo das cenas porque elas possuem o poder de atrair o telespectador para dentro
de um novo ambiente. É exatamente a ideia de que algo novo está prestes a acontecer
e este acontecimento está na brilhante escolha da composição. O cinema é único em
sua capacidade em variar a distância da câmera aos objetos das cenas. A proximidade
da câmera ao objeto é o que chamaremos de eixo de proximidade(axis of proximity).
Este eixo é uma escala que alterna entre o plano fechado(close-up) e o plano
aberto(wide shot). Algo que seria impossível no teatro pois cada membro da plateia
está em uma posição constante do palco e ficará nela até o fim do espetáculo. O mestre
da aproximação da câmera é o Alfred Hitchcock. Ele enxergava a selação dos planos
como uma grande sinfonia na qual a escolha da variação da proximidade controlaria
o sentimento da audiência. Toda a vez que ele pretendia que o espectador sentisse
algo, usava a aproximação da câmera entre o plano fechado e aberto. Se ele quisesse
supreendê-los, faria um corte rápido do plano aberto para o fechado, por exemplo.
(Bays, pag 1166, ano 2014, versão eletrônica, tradução nossa)

O Professor da UCLA(University of California, Los Angeles) Jeffrey Michael Bays,


percebeu axiomas nos entre-cenas responsáveis por alternar os sentimentos da audiência,
reduzindo a fadiga ao decorrer do filme. Após assistir uma extensa gama de filmes, percebeu
uma gramática da linguagem da câmera baseada na variação dela em relação ao subjeto da cena.
Essa substituição do “monograma esquemático” pela imagem, expropria o esquematismo
transcendental do sujeito, colocando-o em um abismo insnodável de hipnotismo, traçando sua
intuição à outras categorias do entendimento. O relaxamento e a tensão, são fórmulas
psicológicas, que alternam a volição do indivíduo, sua característica temporal é preenchida pela
atemporalidade dos sentimentos. Preso nessa gaiola do sentir-somente, ele não consegue
movimentar-se em buscar de seu próprio entendimento; é como dizem os professores Rocha,
Marcelo Antônio e Reis, Maria Carolina Ferreira.

Segundo Rius, um fluxo de estímulos descotínuos acaba com a continuidade temporal,


na qual se funda o processo perceptivo do sujeito Kantiano. É importante lembrar que
o tempo organiza o sentido interno e o sentido externo do sujeito transcendental
kantiano, de modo que é ele quem faz a mediação esquemática entre o múltiplo da
intuição e as categorias do entendimento, isto é, a subsunção das intuições sob
conceitos. Nessa perspectiva, Rius observa que a indústria cultural supre, substitui os
esquemas transcendentais por um “esquematismo da produção” ou – em linguagem
kantiana – substitui os esquemas por imagens. [ ela] há de lograr uma certa coesão,
embora seja fictícia, para conservar a ilusão de que temos experiências( RIUS: 1985,
p.47, tradução dos professores).

95
O desenvolvimento da técnica permitiu a exalação da nocividade da linguagem
cinematográfica. O tempo, como agente que vincula a intuição aos conceitos, permitindo ao
sujeito Kantiano o acesso ao esquema transcendental,é expropriado pelo o esquematismo da
produção, mantendo o sujeito em estado de letargia, em uma infância simbólica, sem o
movimento do pensar: o Tempo. Como complementa os professores.
A indústria cultural parece levar isso muito a sério. O que ela oferece a seu cliente é
a economia de esforço justamente naquela atividade que o caracteriza enquanto
espécie. Se eu já recebo imagens configuradas, com sentido e valores, enfim, prontas,
em vez de monogramas( esquemas), que são só uma regra formal para o pensar, eu
me dispenso de pensar por conta própria, troco a autonomia do pensamento pelo
comportamento adaptado, ou ainda, troco a crítica pela letargia. E não é muito difícil,
é na verdade quase que a regra, nos pegarmos nos perguntando, em situações de crise,
porque que é agimos desse ou daquele modo. Como uma espécie de vírus, os
pensamentos “standard” invadem nosso pensamento e, uma vez lá dentro, são eles que
direcionam todo o nosso processo cognitivo. ( )

O esquematismo da produção oprime o sujeito com a falsa sensação de que ele possuí
controle próprio sobre a atividade própria de sua espécie. Tal Mecanismo, recepcionado pela
linguagem cinematográfica moderno teorizada por Bays, retira a monção temporal do indivíduo
responsável pela percepção. O tempo, fato ligante entre a intuição e os conceitos, é expropriado
pela indústria cultural, substituindo os pensamentos esquematicamente individuais dos sujeitos
transcendentais Kantiano por generalidades imagéticas, imagens construídas de personalidades
benéficas a indústria cultural. Nos Aforismos Adornianos, é uma “atrofia da imaginação” , as
imagens em sequência fílmica produzem, através da variação da distância entre subjeto e
câmera, um tempo simulado pela alternância entre relaxamento e tensão.
Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não
precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos – e entre eles em
primeiro lugar o mais característico, o filme sonoro – paralisam essas capacidades em virtude
de sua própria constituição objetiva. São feitos de tal forma que sua apreensão adequada exige,
é verdade, presteza, dom de observação, conhecimentos específicos, mas também de tal sorte
que proíbem a atividade intelectual do espectador, se ele não quiser perder os fatos que desfilam
velozmente diante de seus olhos. O esforço, contudo, está tão profundamente inculcado que não
precisa ser atualizado em cada caso para recalcar a imaginação. Quem está tão absorvido pelo
universo do filme – pelos gestos, imagens e palavras - , que não precisa lhe acrescentar aquilo
que fez dele um universo, não precisa necessariamente estar inteiramente dominado no
momento da exibição pelos efeitos particulares dessa maquinaria.

96
Porém, apesar da necessidade das combinações dos sentimentos dos sujeitos, a indústria
cultural lucra pelos os excessos, explique-se. Ao invés de buscar um bom produto do cinema,
ela torna o cinema um produto das pessoas. E para realizar determinado intuito, busca a
manutenção de um infância universal. Esta empreitada desvincula o esclarecimento do sujeito
através do esquematismo da produção, conservando sua minoridade intelectual, pelo contínuo
processo de retroalimentação da covardia e preguiça do sujeito. Esta máquina de recorrência
atroz aliada aos paradigmas da indústria cultural, e após entender a gramática dos filmes
modernos e o esquematismo da produção de adorno, podemos intuir, aprioristicamente, que a
indústria cultural mantém a covardia e a preguiça pelos os excessos de tensão e relaxamento,
sendo o oposto um processo de liberdade e não pertencimento a economia subjacente a malha
industrial do cinema.

2. A imagem convencionada e a mulher natural

O embate ancestral entre o natural e as convenções de direito sobre a natureza encontra


um espaço sublime nesta recorrente discussão. Cabe-nos, então, a pergunta: a liberdade e a
escravidão são direitos ou pertencem a natureza dos homens? Na conjectura atual tal
interrogação soaria absurda, mas como o mestre Adorno, deixa claro em seus aforismos, “o
mundo aparenta estar bem, mas a humanidade resplandece em um signo de uma calamidade
triunfal” devemos, sim, suspeitar sobre se a escravidão é ou não algo convencionado. O homem
é igualmente livre? A provocação partirá do pensamento Aristotélico. O filosofo secular não
economizou esforços em questionar a naturalidade da servidão humana, acreditando em
homens naturalmente escravos e senhores, sendo a consolidação das leis perante tais
comportamentos naturais, uma coação a tornarem-se homens livres em escravos ou escravos
em homens livres, gerando uma discórdia na clivagem e diferenciação arbitrárias, ou seja a
escolha que os homens se propuseram nas relações naturais entre eles. O signo da calamidade
triunfal, em termos linguísticos, é um significante que não revela com abrangência a
clarividência de seu significado. O conceito do mundo fora conservado por poucos homens que
se sustentam, convencionalmente, perante os governados que possuem falso conceitos sobre si
próprios, e este conceito está na possibilidade de ser ou não-ser, não em termos metafísicos,
mas em relação ao comportamento natural do homem frente as leis que lhes imputam
comportamentos contrários. Não é sobre uma antinaturalidade, contudo, mais nocivo, é sobre a
expropriação da “incapacidade deliberativa natural do homem” Esse comportamento, em não

97
ser dono de si, é a exegese do conhecimento Aristotélico, há muito retomado pelas discussões
da moderna filosofia, em especial na seara do Direito Natural, Segundo o Filosofo, o homem
nasceu para ser servil, enquanto não encontrar uma meta ou meio, que lhe favoreça a liberdade.
Um projeto de vida único, pertencente somente, ao indivíduo dotado de livre capacidade de
deliberar por confrontar os problemas subjacentes ao caminho pretérito. Os homens são
naturalmente carentes de meta e falsos senhores de seus destinos. Como observa o comentador
Aristotélico Richard Bodéüs.

A incapacidade deliberativa não é de modo algum uma enfermidade de nascimento.


No nascimento, pelo contrário, a natureza, salvo em caso de acidente, é igualmente
generosa com todos os homens; e , com o auxílio da idade, com o crescimento, ela
dota igualmente cada homem de razão. A alma servil não é, pois, em nada desprovido
pela natureza. O que lhe faz falta parece antes estar ligado a algo que se adquire de
outro modo, ao final de uma educação bem-sucedida, se se preferir, e sem a qual o
homem agiria sem delibera, segundo seus apetites imediatos. Ora, essa coisa é
simplesmente, segundo Aristóteles, uma meta pessoal: uma meta na existência e na
vida. Sem essa meta, com efeito, não há capacidade deliberativa, pois a deliberação
consiste também em buscar os meios que permitem que se atinja um fim. Tal como
Aristóteles a vê, a alma servil é uma alma que não tem metas, não tem fim ao qual
subordinar sua ação, exceto, evidentemente, o fim que consiste em sobreviver – todo
ser, inclusivre o homem, tende naturalmente a perserverar na existência- e também
aqueles fins que lhe são indicados eventualmente por outrem. Com isso se
compreende a espontaneidade com a qual a alma servil se reporta totalmente a outrem
e se satisfaz, oferecendo-se como mão-de-obra para servir aos de outrem. Com isso
se compreende também o motivo pelo qual Aristóteles permanece distante das ideias
modernas sobre a igualdade natural. Para ele, a natureza, que faz de todos nós seres
racionais, não nos torna, por causa disso, igualmente livres. Pelo contrário, a liberdade
é tão francamente natural que o escravo, segundo Aristóteles, é precisamente aquele
que permanece de algum modo no estado de natureza. À primeira vista, Aristóteles
parece estar no contrapé do pensamento contemporâneo quando sustena que no fundo
nascemos todos naturalmente escravos, em vez de livres, e permanecemos nesse
estado a não ser que encontremos um projeto de vida, uma meta, algum meio de
libertação.(Bodéüs, ano 2007, pag.39-40)

Quem não possui os próprios meios e fins, seguirá, fatalmente, os meios e fins de
outrem. O homem é naturalmente escravo de seus desejos imediatos, se ele se aprouver de toda
a sua imediatidade espontaneamente, logo ele cairá na escravidão. Sendo governado por
homens que se abstiveram de seus desejos por se consolidarem em suas metas sem a tutela do
outro, estabelecerão, por meta, o destino dos servidores em razão dos desejos imediatos dos
governantes. Aqui, a simbiose entre senhor-escravo, assume uma nova aparência quando
entoamos o debate para a seara da indústria cultural evidente, ela qualifica tal relação como
empresa-cliente, oferecendo-lhes produtos que falsamente preconiza uma finalidade, mas, na
íntima racionalidade, obscurece a racionalidade natural do cliente em se propor diante de sua
animalidade natural, e contradizê-la, com projetos de vida além do desejo basicamente

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animalesco. Não fora em vão os esforços dos filósofos, em Especial o Mestre Adorno, em
buscar o núcleo da subserviência. A servidão, foco do prenúncio de Aristóteles em afirmar os
pressupostos de uma trilha à felicidade, é aberta ventral ao mundo delirante e absolutamente
destrutiva da convenção da imagem. A técnica, pelo contínuo retrabalho e retroalimentada por
padrão esteticamente não condenáveis na tecnicidade do cinema relacional moderno, cria a falsa
projeção, ou espelho psicológico, de uma homem livre, ou melhor “ convencionalmente” livre.
O embate entre o natural e o convencionalismo, o segundo herdeiro da escola história, está,
como nas sentenças de Stauss, na discussão sobre a mutabilidade dos princípios de justiça, A
imagem construída da sociedade tecnicista se modela pela natureza humana, alma
frondosamente servil, ao invés de conferir-lhe a meta e os meios para se posicionarem para o
além daqui, do imediato desejo. A tensão entre as obras da indústria e da vida rotineira, pertence
à renúncia à possibilidade individual de cada homem em se contrapor, ou não, à sua animalidade
naturalmente escravocrata, A técnica absorve esse poder, a incapacidade deliberativa, para si,
criando falsos cognatos, que em uma dança legaliza a tragédia das relação humanas entre os
falsos senhores e falsos escravos, por não antes terem a possibilidade de se buscar os próprios
meios de suas auto realização. “É a rotina travestida de natureza, a barbárie estilizada” Como
fala Adorno.
Os grandes astros, porém, os que produzem e reproduzem, são aqueles que falam o
jargão com tanta facilidade, espontaneidade e alegria como se ele fosse a linguagem que ele,
no entanto, há muito reduziu ao silencia. Eis aí o ideal do natural neste ramo. Ele se impõe tanto
mais imperiosamente quanto mais a técnica aperfeiçoada reduz a tensão entre a obra produzida
e a vida quotidiana. O paradoxo da rotina travestida de natureza pode ser notado em todas as
manifestações da indústria cultural, e em muitas ele é tangível. Um músico de jazz que tenha
de tocar uma peça de música séria, por exemplo o mais simples minueto de Beethoven, é levado
involuntariamente a sincopá-lo, e é com um sorriso soberano que ele, por fim, aceita seguir o
compasso. É essa natureza, complicado pelas exigências sempre presentes e sempre exageradas
do médium específico, que constitui o novo estilo, a saber, “um sistema da não cultural, à qual
se pode conceder até mesmo uma certa “unidade de estilo”, se é que ainda tem sentido falar em
uma barbárie estilizada. A obrigatoriedade universal dessa estilização pode superar a dos
preceitos e proibições oficiais. Atualmente, é mais fácil perdoar a uma canção de sucesso que
ela não se atenha aos 32 compassos ou à extensão do intervalo de nona, do que a introdução,
por mais que seja, de um detalhe melódico ou harmônico que não se conforme ao idioma. Todas
as infrações cometidas por Orson Welles contra as usanças de seu ofício lhe são perdoadas,

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porque, enquanto incorreções calculadas, apenas confirmam ainda mais zelosamente a validade
do sistema.
Há um adágio da língua latina, sobre uma menina na sombra que se propôs a olhar no
espelho e se percebeu imbela pela imbeleza, impropriamente iluminada, de seu nariz.“In umbra
est puella quae in speculo se videt et interrogat: estne foedus nasus meus?” Ora, Como ela se
percebe feia na penumbra sem a luz que lhe revela a feiura? A beleza dos tempos vindos é uma
percepção não iluminada. A metáfora fora necessária para buscar um explicar a implicação
agravada no reino feminino quando nos propursermos em analisar a expropriação da imagem
da feminilidade. O homem enquanto andarilho na sombra de sua animalidade, percebe-se
falsamente. A mulher, não só apraz como também se constrói da sua percepção incorreta sobre
si, pois o ambiente e o instrumento são intercalaram-se inadequados no momento e local de
suas cognocibilidades. Isso porque a sombra das opiniões invadem o inconsciente feminino, a
reduzindo a meras convenções, impedindo-lhes a autoimagem, a perspectiva de busca de seus
próprios meios. A mulher natural está entre o espelho e a sombra. A sua auto percepção caminha
para uma individualidade antissocial e o ambienta a reduz à uma universalidade não natural.
Como explicita Strauss.

Os revolucionários supunham pode-se dizer, que o natural é sempre individual e que,


portanto, a uniformidade é não natural ou convencional. O indivíduo humano devia
ser libertado ou libertar-se de modo que pudesse procurar não apenas a sua felicidade,
mas a sua própria versão de felicidade. Isso significou, entretanto, que um único fim
universal e uniforme foi proposto para todos os homens: o direito natural de cada
indivíduo era um direito uniformemente pertencente a todo homem como homem.
Mas ao mesmo tempo dizia-se que a uniformidade era não natural e, portanto, ruim,
Evidentemente, era impossível individualizar os direitos em completa conformidade
com a diversidade natural dos indivíduos. Os únicos tipos de direito que não eram
nem incompatíveis com a vida social nem uniformes eram os direitos “históricos”: o
direito do povo inglês, por exemplo, em contraposição aos direitos dos homem. A
variedade local e temporal parecia oferecer um meio-termo seguro e sólido entre o
individualismo antissocial e a universalidade não natural.(Strauss, ano, pag.17-18)

A individualidade antissocial é a reflexão do espelho. O espectro dentro dele, é a


projeção da recusa do espelhado em confrontar sua transcendência. O indivíduo se confronta,
vislumbra sua própria forma distorcida pela sombra, a penumbra da história, o comodismo em
se contentar com os paradigmas do momento. A relação entre o espelho e espelhado projeta a
sombra do mundo ao redor que o torna indesejado e assombrado. É a limitação de si que se
projeta no além, impedindo a vontade de transcendência e a busca pelo os princípios universais,
através da quebra da naturalidade do alma em se servir para outrem se e somente se tal servidor
não for angariado de metas que o façam construir seus próprio meios para atingi-la. A mulher,

100
juntamente com a universalidade ao seu redor, reduz-se a imagem de outrem, por ele ser não
iluminada, ou não receber a luz de fora que lhe ilumine seu caminho individual, portanto, resta-
lhe a penumbra, o meio termo entra a luz e a escuridão, que a torna um sombra do outros e se
aprisiona, por fuga, dentro de sua própria personalidade aterrorizada.
A universalidade não natural é a sombra da animalidade que deve o homem abandonar.
A bolha da escuridão é um ninho do homem carente de universalidade. É o problema proposto
por Aristóteles, o home sem meta, não busca seus próprios meios de realizá-la, logo o homem
na penumbra só enxerga o que se projeta erroneamente no espelho e não além daquilo. O
princípio da justiça imutável é o homem abandonar o espelho e sair da penumbra, e caminhar
pelos os campos sem o conforto de sua sombra, não está preso ao aqui e agora, aos desejos
imediatos, abandonar o efetivo e seguir à transcendência. A mutabilidade cria a falsa sensação
de universalidade, ela fornece ao os homens os meios e os fins, a sombra e o espelho, gerando
o simulacro de sua naturalidade, escondendo-lhes suas promessas internas.
A mulher é responsável pela sua imagem no espelho, assim como todo homem, ela deve buscar
a sua meta sem se servir de nada, ela deve distinguir a luz da escuridão, ela não deveria acreditar
no espelho, mas na sua oposição natural à outrem. A meta da feminilidade é não acreditar na
sombra que se projeta no espelho.

REFERÊNCIAS

SIGMUND, FREUD. Das Ich und Das Es. Leipzig, Vienae e Zurique: Internationaler
Psychoanalytischer Verlag, 1920.

SIGMUND, FREUD. Neurose und Psychose. Internationale Zeitschrift Für Psychoanalyse. V.


10, N.1, PP. 1-5, 1924.

SIGMUND, FREUD. Das Ökonomische Problem Des Masochismus. Internationale Zeitschrift


Für Psychoanalyse. V. 10, N.2, PP. 121-33, 1924.
SIGMUND, FREUD.Der Realitätsverlust Bei Neurose und Psychose. Internationale Zeitschrift
Für Psychoanalyse. V. 11, N.4, PP. 401-10, 1924.

SIGMUND, FREUD. Die Verneinung. Studienausgabe III. PP. 371-7 ,1925.

SIGMUND, FREUD.Das Unbehagen in Der Kultur. Viena: Internationaler Psychoanalytischer


Verlag, 1930.

BAYS, JEFFREY MICHAEL. Between the Scenes, What Every Film Director, Writer, and
Editor Should Know About Scene Transitions. Los Angeles: Michael Wiese Productions, 2014.

101
ADORNO, T. W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

102
9

A DISCRIMINAÇÃO E A IMPORTUNAÇÃO NO QUESITO SEXUAL


CONTRA A MULHER

Rayane Domingues Leite10

1 Introdução

A pesquisa tem por finalidade analisar como demasiadamente ocorrem cenas de


desrespeito para com as mulheres por serem desse sexo, nas ruas parece ainda normal vivenciar
cantadas, expressões, assobios e gestos com intuito sexual, apesar de ser tipificado como crime
perante o Código Penal brasileiro. Não intermitentemente a importunação sexual retira a
liberdade das mulheres e pode vir a ferir a dignidade a fazer elas se sentirem inseguras ao andar
sair de casa no dia a dia (que é algo inevitável e ligado ao direito constitucional de locomoção),
gerar traumas, fazê-las mudarem sua postura ou muitas vezes sua roupa por não se sentirem
confortáveis pelo medo do que pode acontecer ou pedirem para que uma figura masculina as
acompanhem no caminho de forma que serão respeitadas pelos outros homens. Os homens têm
respeito recíprocos entre eles em relação a uma mulher e o mesmo respeito não se aplica
diretamente ou quando ela está sozinha ou com outra (s) mulheres.
A existência de direitos, princípios, normas e penalidades não são, no momento, capazes
ainda de reprimir e dizimar atos de violência verbal sexual, física ou mental com excelência de
homens contra mulheres. À discriminação quanto a ela que sofre diariamente principalmente
nos locais públicos com esta importunação com intuitos sexuais estão interligados, essa
discriminação e a importação quando ocorre o ato, não obstante a invasão na esfera pessoal da
mulher ocorre pelo fato de ser do gênero feminino, horrenda é a ilusão de submissão da mulher
em face do homem, que se sente no direito de lhe desferir agressões, ainda que não físicas.
Como fato, a discriminação e a importunação têm respaldo histórico, uma série de
fatores que resultam consequências, podemos concluir do passado vivido pelas mulher e pelos
homens os acontecimentos e costumes destes desde épocas remotas até hoje, e a relação das

10
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.
103
mulheres e dos homens com os animais não humanos e seu consumo de forma que também
influenciou o comportamento patriarcal do homem para com a mulher.

2 Discriminação ao gênero feminino

Discriminação é o ato de causar injustiça, conforme Aristóteles descreve em seu livro


Ética a Nicômaco, o “ato de injustiça” é ocasionar desigualdade. Essa desigualdade da
discriminação ao gênero feminino é por fato subjetivo ligado a sexualidade, a pessoa por ser
mulher é segregada e excluída pelo causador do ato injusto.
Um exemplo é no mercado de trabalho, uma pesquisa do IBGE aponta que entre 2012
e 2018 as mulheres ganham em média 20,5% menos no salário do que os homens. É importante
levar em conta a carga horária trabalhada, a qualidade da prestação de serviço e as questões que
diferenciam o salário de uma pessoa em relação a outra, mas analisando através de um vértice
amplo deveria ser ausente essa grande diferença (20,5% em média) do salários dos 2 gêneros,
isso ocorre devido a diversas questões agregadas à mulher na inserção e em se manter no
mercado de trabalho, um fato destacado é que a mulher tende a se prejudicar mais na carreira
em relação ao filho e a família do que o homem.
Outro exemplo de discriminação feminina é o crime de homicídio agravado pelo fato de
a vítima ser do sexo feminino ou por violência doméstica, conhecido popularmente apenas por
feminicídio, é crime hediondo desde 2015 punível com pena de reclusão de 12 a 30 anos.
Uma ampliação da discriminação é quando a mulher está dentro de uma
interseccionalidade. Ocorre que ela é subjetivada por mais de uma forma de discriminação
social por fazer parte de mais de um grupo minoritário. Notório é que uma pessoa negra faz
parte de um grupo minoritário, assim como uma pessoa obesa, uma deficiente, uma estrangeira,
uma com dificuldade financeira, uma mulher que é negra e deficiente auditiva, obesa e
homossexual por exemplo terá mais dificuldade de enfrentamento da discriminação do que uma
mulher branca, com corpo definido, heterossexual. A título de exemplo os apontamentos, é
possível comparar que se uma mulher tem dificuldades sociais uma mulher interseccional tem
mais ainda e que devemos ter em consideração a existência destes vários fatores internos na
discriminação para aplicação da igualdade e dos direitos para desiguais para alcançá-la.
Alguns fatos que naturalmente ocorrem influenciam na crença do patriarcado e do
pensamento misógino. Em um casamento entre uma mulher e um homem a noiva é levada ao
altar pelo pai e entregue ao futuro marido por ele, nota-se como a figura do pai é de dono da

104
noiva até então e ele acompanha ela na entrada a igreja e a dá ao futuro marido que a espera,
para que agora ele seja seu novo dono, ela passa então da dominação de um homem para outro.
Antes de pedir a noiva em casamento o que o companheiro deve fazer? Pedir a mão da
companheira para o pai, que dará ou não a permissão, não tem sequer a participação da mãe
como figura criadora da filha, tem se o homem como figura de dupla dominância, em relação a
mulher e a filha.
Outro fato misógino e repetitivo é que quando um homem é sexualmente ativo ele é
chamado de tigrão, garanhão, conquistador, enquanto se uma mulher ativa é rotulada de piranha
e safada, enquanto um é considerado livre para se envolver socialmente o outro além de não ser
considerado livre ainda tem sua honra subjetiva ferida.
Petrificando ainda a misoginia, as responsabilidades caseiras e filhos corriqueiramente
recaem quase que totalmente sobre a mãe e não sobre o pai, se o filho passa mal e o pai e a mãe
estão no serviço, liga-se para a mãe e não para o pai, um exemplo legal é o Estatuto da advocacia
no art 7º, trata dos direito das advogadas, note se que o artigo refere-se às advogadas, mulheres
apenas e foi inserido em 2016 pela lei 13.363 é muito recente para ocorrer em tanta
discriminação. Ele expressa o direito para a advogada à creche ou local adequado para as
necessidades do bebê, preferência na sustentação oral e nas audiências e suspensão de prazos
processuais quando for a única advogada da causa, todos esses direitos serão enquanto grávida
ou no período de amamentação. Durante a gravidez é certo, pois só a mulher é capaz de gerar
o filho, mas durante o período de amamentação da criança será que não é possível o pai cumprir
responsabilidades com a criança? Só a mulher as pode fazer? É certo que não, muito o pai da
criança pode fazer, a lei nesse aspecto está contribuindo com que o lugar de criação do filho
seja único e exclusivo da mulher, poderia ter dado direitos ao homem também para exercer a
paternidade, ou a ambos para decidirem e não submeter apenas a mulher. Cito:

Lei 8906/94, art. 7o-A. São direitos da advogada:


II - lactante, adotante ou que der à luz, acesso a creche, onde houver, ou a local
adequado ao atendimento das necessidades do bebê;
III - gestante, lactante, adotante ou que der à luz, preferência na ordem das
sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia, mediante
comprovação de sua condição;
IV - adotante ou que der à luz, suspensão de prazos processuais quando for a única
patrona da causa, desde que haja notificação por escrito ao cliente.
§ 1o Os direitos previstos à advogada gestante ou lactante aplicam-se enquanto
perdurar, respectivamente, o estado gravídico ou o período de amamentação

Não foge desse pensamento a garantia do direito à maternidade e da paternidade,


enquanto a mulher tem 6 meses de licença maternidade através da CLT, os homens têm 5 dias.
105
Existe para a mulher desde pequena uma pressão social ao que seria seus deveres, como os
brinquedos domésticos e os questionamentos de quantos filhos terá, se já casou, se casou
quando vai ter filho e o mesmo não ocorre com os homens, tornando assim mais leve suas
trajetórias de estudo e profissão enquanto para as mulher devido as mensagens diretas e
subliminares deve cuidar da casa e dos filhos.

3 Importunação sexual

Sempre que uma mulher sofre de determinados atos sexuais, são eles assobios ou
palavras, gestos ou similares para satisfação de desejo sexual de quem pratica ou terceiro com
os quais a vítima não anuiu está ocorrendo uma importunação sexual.
Antes de virar crime a conduta era considerada apenas uma contravenção penal, punida
com multa. No ano 2018 foi incorporada ao Código Penal através da lei 13718/2018, no art.
215-A: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer
a própria lascívia ou a de terceiro”. Libido está ligado aos desejos sexuais e o impulso, algo
afrodisíaco. A Pena é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais
grave, sendo crime de ação pública incondicionada, ou seja qualquer pessoa pode ajuizar ação
de importunação sexual contra o réu, pois é um crime contra a sociedade, considerado
repugnante em relação às pessoas e a proteção de grande valor social.
A importunação sexual é considerada crime comum, significa que pode ser praticado
por qualquer pessoa mesmo sendo do mesmo gênero. A competência para julgamento é da vara
criminal comum, exceto quando se tratar de violência doméstica e familiar que será em vara
especializada, Lei n. 11.340 (Lei Maria da Penha).
É repugnante quantas vezes essas vítimas foram importunadas ou tiveram que mudar a
trajetória na rua com medo que ocorra, deixaram de frequentar lugares onde ocorrem com mais
frequência, trocaram de roupa com intuito que não acontecesse (como se o erro fosse a roupa
vestida), pediram para que um homem lhe acompanhasse, pois só assim seria possível a
repressão, fingiu não notar os atos para assim tentar ficar em paz, tiveram vontade de reprimir
o ato, mas tiveram medo…
Há ainda sobre esse tema as consequências físicas e psíquicas que perpetuam nessas
vítimas, mudança de autoimagem, mudança de vestimenta, ou de outra característica na
aparência, a ausência de relatos porque muita gente rotula a importunação sexual como um

106
elogio, que é bom, mas está longe de ser um elogio e muito mais longe de ser algo bom,
causando falta de liberdade, segurança, confiança social, e medo ou por não saber que é crime.
Importunação sexual é diferente de assédio sexual, da violação sexual mediante fraude
e do estupro, ambos configuram crimes. O assédio sexual expresso no artigo 216-A do C.P.
(Código Penal) prevê que é constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, como um chefe a uma
funcionária ou um professor e a aluna. A violação sexual mediante fraude, artigo 215 do C.P. é
ter conjunção carnal ou outro ato libidinoso mediante fraude ou outro meio que impeça ou
dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. O estupro artigo 213 do C.P. é constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso. Embora todos tenham cunho sexual e estejam
previstos dentro do C.P. no Título VI que trata dos crimes contra a dignidade sexual, capítulo
I, dos crimes contra a liberdade sexual, eles se diferem da importunação sexual, onde basta 3
elementos, prática sem a anuência da vítima, de ato libidinoso, para satisfazer lascívia.
O importante é que o crime seja denunciado para a Central de Atendimento à Mulher no telefone
180, ou contatar um policial, ou outra autoridade pública que possa fornecer ajuda e
informações para a efetivação da denúncia, dessa forma a polícia civil, militar e os profissionais
do Direito procederam com processo conforme o caso.
Segundo o site exame “1 em cada 4 mulheres passou por violência no Brasil em
2018…”, no Estado do Rio de Janeiro, 1.490 pessoas foram vítimas de importunação sexual,
de acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP). Os casos foram registrados entre outubro
de 2018 e dezembro de 2019. Outubro e novembro de 2019 apresentaram os recordes de
registros, seguidos por março, mês do carnaval. Segundo agência brasil “De acordo com os
dados do ISP, em novembro de 2019, 143 pessoas foram vítimas de importunação no estado do
Rio, em outubro, 136. Março, mês do carnaval 2019, celebrado no dia 5, registrou 122 vítimas.”
No carnaval de 2019, do dia 1º ao dia 10 de março, foram registradas seis ocorrências de
importunação relacionadas ao carnaval no Rio, seja em blocos de rua, em desfiles ou bailes e
outras 32 em outros locais, como meios de transporte públicos ou mesmo em casa. No período
do carnaval de 2019, foram feitas sete prisões em flagrante, sendo duas em evento de carnaval.

4 Historicidade

107
A evolução histórica da mulher na sociedade tem muitos capítulos, seja pela luta social,
política, no dia a dia ou até individual. Quando se pensa nos antepassados a lembrança que vem
a mente dos homens da caverna que tem em uma mão um pedaço de pau, sendo caracterizado
como caçador e protetor e na outra uma mulher sendo arrastada pelos cabelos por ele, ora, mas
a mulher nesse capítulo não deixa de ser uma presa para o homem, mas esse tópico será
discutido posteriormente. A mulher das cavernas passa nos séculos seguintes a se encontrar
como dona de casa, mãe e muitas vezes objeto sexual (não muito diferente do capítulo anterior),
era um absurdo cogitar que a mulher sairia de casa para estudar ou trabalhar como os homens.
Avançando um pouco mais na história vê-se elas começando a ter o direito de estudar, fazer
faculdade, ter um emprego, não estavam mais tão atreladas ao destino de nascer, crescer, casar,
ser mulher do homem e ter filhos.
Hoje as mulheres podem votar, direito conquistado graças às sufragistas, podem estudar,
trabalhar e exercer os direitos que escolher, pois a Constituição Federal do brasil garante o
importante princípio da igualdade. Mas ainda existem diferenças em relação ao gênero, como
no caso do salário já demonstrado.
A mulher precisa ser introduzida com igualdade ao homem na sociedade, precisa estar
no legislativo, executivo e no judiciário para que condições a elas sejam impostas de forma
eficaz, é necessário o pluralismo.
Vem sendo desconstruída a ideia do gênero feminino como objeto sobre o que o homem
deseja e a imagem da mulher como beleza, a Obra Vênus ao Espelho (1644-1648) de Diego
Velázquez retrata Vênus nua de corpo esbelto se olhando no espelho como sinal de vaidade,
espelho segurado por cupido (seu filho com Marte). Enquanto na obra Vênus e Marte (1485-
1480) esse é apresentado como possuidor de uma lança simbolizando força, enquanto ela é vista
como símbolo de beleza e sexo, ele é visto como símbolo de força e dominância. Logo a mulher
invoca a beleza para conquistar um homem que a dominará. Mas a aparência não é a
característica da mulher, mas sim uma delas concomitantemente com as demais qualidades de
cada uma. A mulher está deixando de ser vista como elemento de beleza e parando de buscar
um padrão e se tornando, assim como um homem uma pessoa com qualificações para efetivar
suas escolhas de vida. Concomitantemente ser consequentemente capaz de auto sustento e
independência de ser mantida e dominada pelo sexo masculino.
Em 1932 foi eleita a primeira deputada no Brasil, chamada Carlota, iniciava a
representação por uma mulher na política, essa que deve ser plural, todos devem ser
representados e o direito da mulher votar e ser votada, representar suas iguais é de grande

108
avanço, para ser efetiva a igualdade dos géneros. Até hoje têm-se menos mulher do que homens
na política, mesmo o número de mulheres na população sendo maior.
Segundo o Inter-Parliamentary Union, o Brasil é um dos piores países em termos de
representatividade política feminina, ocupando o terceiro lugar na América Latina em menor
representação parlamentar de mulheres. (https://www.politize.com.br/mulheres-na-politica/).
Esse cenário se observa em todas as esferas do poder do Estado. Desde as câmaras dos
vereadores até o Senado Federal, essa taxa de representatividade ainda permanece muito baixa,
mesmo em um cenário no qual 51% dos eleitores são mulheres. O quadro abaixo, com dados
de 2016, mostra como o número de mulheres na política é baixo no Brasil. Como você pode
ver, naquele ano, apenas um cargo de governo estadual era ocupado por mulher, hoje a situação
não é muito diferente, apenas dois governos estaduais não são governados por homens.
(https://www.politize.com.br/mulheres-na-politica/). A lei 12.034 de 2009 incorporou a lei que
estabelece normas para a eleição que deve haver de 30% a 70% de ambos os sexos candidatos
para a eleição. Lelei 9504/97 em seu artigo 10, §3º cita: Do número de vagas resultante das
regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por
cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Redação dada
pela Lei nº 12.034, de 2009).
Percebe-se que a legislação tenta enquadrar a mulher na política, o que infelizmente não
tem ocorrido. O Jornal Nacional aponta “quase 15 mil candidatas a vereadora não tiveram
nenhum voto. Situação aconteceu em 65% das cidades do país. Partidos convidam mulheres
apenas para cumprir cota”. “A intenção era que os partidos convidassem lideranças femininas
e preparassem as mulheres para concorrer para valer, só que muitas delas estão apenas
cumprindo tabela, numa competição ainda dominada pelos homens”.
(http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/10/quase-15-mil-candidatas-vereadora-nao-
tiveram-nenhum-voto.html)
Difícil se torna a ascensão quando grandes figuras históricas têm e disseminam
pensamentos misóginos, Nietzsche disse: “mulheres são menos do que superficiais”, a fala de
uma figura pública muito influencia as pessoas, principalmente se for figura de grande
inteligência, pois passa à sociedade segurança de suas afirmações. Em contrapartida a Nietzsche
temos figuras públicas que disseminam o feminismo, como no livro A Segunda Onda, a autora
Beauvoir, 1949 indagou: não se nasce mulher: torna-se. Afirmação do empoderamento
feminino, ser mulher vai além de um órgão sexual.

109
5 Patriarcalismo como efeito do consumo de carne

A hierarquia da proteína da carne reforça uma hierarquia de sexo, desde os tempos da


idade da pedra os alimentos vegetais eram considerados alimentos femininos, e a carne dos
animais não humanos considerados alimento masculino, a crença que o consumo de animais
(que estão próximos do homem na escala evolutiva), que são fortes, torna o homem que os
comem forte também e o homem sendo considerado o provedor da família é então o merecedor
da carne, por as mulheres serem consideradas de segunda qualidade ficam então com os
vegetais “alimentos de segunda classe”. Porque os homens comeriam vegetais então se os
vegetais são comida de mulheres e mulheres não tem força, não dominam, não podem exercer
papéis importantes?
Fica subentendido logo que os homens são como os animais e as mulheres são como
plantas, ou seja, menos evoluídas do que os animais. Carol J. Adams cita em seu livro A política
Sexual da Carne (2018, pg. 71) “... o papel masculino de caçador e distribuidor da carne foi
transposto para o papel masculino de comedor de carne, e concluir que isso explica o papel da
carne como símbolo do domínio masculino.”
Tem se a mulher comparada como um pedaço de carne, para melhor entendimento para
ser um pedaço de “carne” segundo Adams em seu livro A política Sexual da Carne (2018) é
preciso uma desconfiguração do animal como ser vivo que vai ser comido, através da linguagem
faz se enganar que a carne deixa de ser um animalzinho e vira um pedaço de carne, um produto,
através de um referente ausente, pois bem, quando uma mulher se compara com um pedaço de
carne quer dizer que se sente utilizada para o bel prazer, ela vira um referente ausente, mulheres
estupradas e violentadas muitas vezes em seus depoimentos dizem: “me senti como um pedaço
de carne”. Notório que pelo exposto a dominação do homem existe na carne e na mulher, que
ambos estão interligados e que o consumo da carne e da comercialização de animais não
humanos está ligado ao patriarcalismo e subestimação dos homens com as mulheres. A autora
citada acima, no mesmo livro, página 81 indaga ainda que no ato sexual as mulheres podem ser
amarradas, usarem coleiras como de cachorro, espetos, cordas para bater nelas, lembrado desta
forma o tratamento dado aos animais. Há ainda outra ligação o termo sexual “comer” uma
mulher, com comer a carne de um animal não humano.

Considerações finais

110
Pelas análises, nota-se como a discriminação à mulher está ligada a importunação sexual
a elas sofridas, uma vez que essa é historicamente, socialmente e culturalmente inferior
hierarquicamente ao homem que tem o poder de violentá-la sexualmente, pensamento que está
sendo desconstruído pelas ondas feministas, a proteção ao direito de igualdade e também
através do respeito que cada pessoa tem às mulheres.
São levados em consideração ao mencionar as mulheres todas as pessoas que assim lhe
definem e se identificam, vale ressaltar que o oposto também ocorre, ou seja, há importunação
e discriminação com intuito sexual contra homens, assim como entre pessoas do mesmo sexo e
que o presente texto demonstra apontando a mulher em relação ao homem com enfoque por ser
o objeto da análise e que os homens também carregam um peso social que precisa ser revistos
ex.: homem não pode chorar, tem que ser sexualmente ativo, pensamento também que pode
gerar a discriminação destes que são os maiores acometidos de suicídio.
Vale analisar os conceitos aqui tragos para que através do conhecimento e de análise
desenvolva uma sociedade justa e igualitária.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Niemar de. Pesquisa do IBGE ostra que mulher ganha menos em todas as
ocupações. Agência Brasil, 08/03/2019. Disponível em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/pesquisa-do-ibge-mostra-que-mulher-
ganha-menos-em-todas-ocupacoes

Florentino, Caroline. Representatividade das mulheres na política. Politize, 18 de Abril de 2018.


Disponível em: https://www.politize.com.br/mulheres-na-politica/

Quase 15 mil candidatas a vereadora não tiveram nenhum voto. Jornal Nacional, 27/10/2106.
Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/10/quase-15-mil-candidatas-
vereadora-nao-tiveram-nenhum-voto.html

Cerione,Clara. 1 em cada 4 mulheres passou por violência no Brasil em 2018, diz pesquisa.
Exame, 2 de março de 2019. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/1-em-cada-4-
mulheres-passou-por-violencia-em-2018-no-brasil-diz-pesquisa/

Tokarnia, Marina. No Rio cerca de 1,5 mil foram vítimas de importunação sexual. Agência
Brasil, 19/02/2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-
humanos/noticia/2020-02/no-rio-cerca-de-15-mil-foram-vitimas-de-importunacao-sexual

111
10
OS DIREITOS E GARANTIAS DAS MULHERES NA ESTRUTURA CARCERÁRIA
BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO CASO CONCRETO

Ana Luiza Baptista Pereira11

Introdução

O sistema penitenciário brasileiro como processo de punir e reinserir os indivíduos na


sociedade é falho. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de
junho de 2017 há 37.828 presas, das quais 37,67% não foram condenadas, e vagas para somente
31.837, indicando uma superlotação no sistema carcerário brasileiro feminino. O Brasil é o
quarto país que mais prende no mundo, sendo responsável pelo aumento de 656%, desde 2000,
do encarceramento feminino. A maior parte das mulheres encarceradas possuem filhos (74%)
ou estão grávidas (59,60%), são solteiras (62%), foram presas por tráfico de drogas (59,98%),
possuem ensino fundamental incompleto (45%) e são negras (62%). Com a superlotação das
celas as prisões se tornam um ambiente que, além de não cumprirem com seus objetivos,
traumatizam e transformam quem ali está inserido.
Sabe-se que as mulheres inseridas no sistema carcerário, atualmente, sofrem graves
violações aos direitos e garantias fundamentais. O trabalho seguinte visa propor uma reflexão
a partir da situação emocional das mulheres no cárcere, bem como a análise da real situação em
que convivem em seu dia-a-dia, além da luta diária pelo reconhecimento e respeito aos seus
direitos. Um ambiente salubre é imprescindível para o asseguramento da dignidade da pessoa
humana e para a efetividade da ressocialização e reinserção da mulher na sociedade. Apesar do
Estado ter criado as prisões como uma forma de cumprimento de pena, estas foram construídas
dentro de um sistema que abarca o masculino, negligenciando as necessidades inerentes ao
feminino e à maternidade. Às gestantes, o atendimento médico é degradante e a separação entre
recém-nascido e mãe é abrupta, não há uma preocupação com o lado humano dessas mulheres
e o destrato e negligência é escandaloso.

11
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.
112
De um lado há a sociedade que busca a punição de quem violou a lei e, do outro lado,
há os direitos básicos das mulheres encarceradas. Percebe-se que, geralmente, há maior
importância em punir do que reinserir e proteger quem cometeu o crime, assim evitando as
graves violações aos direitos dessas mulheres. O objetivo do trabalho é analisar como a situação
atual do cárcere da mulher é degradante e injusta. Reconhecer, também, seus direitos e reais
deveres perante a sociedade. Além disso, analisar como no caso concreto seus direitos e
garantias são violados e como poderiam serem efetivados e cumpridos. A pesquisa que se
propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No tocante ao tipo de
investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-
projetivo.

1 Encarceramento feminino

A construção histórica, social e cultural de um país determina o modo de


desenvolvimento de políticas criminais, leis penais e processo de criminalização. O Brasil
desenvolveu-se baseado no patriarcado: o homem ocupa o centro das relações, públicas e
privadas, e exerce sobre a mulher domínio e influência que é oprimida de forma violenta. Dessa
forma, pode-se dizer que a sociedade brasileira é androcêntrica, ou seja, as regras inseridas na
sociedade privilegiam os homens, deixando as particularidades do feminino de lado. Esse
sistema preza pela subordinação da mulher em relação ao homem, gerando uma relação vertical.
Os costumes e padrões de conduta pautam-se em valores cristãos e capitalistas, os quais
reforçam a valorização da família e a posição da mulher como reprodutora. Dessa forma, há um
controle informal da mulher na sociedade: ela, responsável pelas relações privadas, é excluída
das relações públicas, exercidas normalmente pelo homem.
Por mais que homens e mulheres sejam tratados de forma igualitária pelas normas
penais, esta igualdade é meramente formal. Sabe-se que mulheres e homens têm exigências e
peculiaridades diferentes, tanto fisiológicas quanto psíquicas, e é errôneo atestar que as
regulamentações são justas. O sistema penal somente reforça a opressão da mulher,
marginalizando o feminino. Para a sociedade, ao cometer um crime, além de violar as normas
penais, a mulher viola padrões de comportamentos e expectativas concernentes ao feminino.
Em 2014, o Ministério da Justiça se manifestou:

Historicamente, a ótica masculina tem sido tomada como regra para o contexto
prisional, com prevalência de serviços e políticas penais direcionados para homens,

113
deixando em segundo plano as diversidades que compreendem a realidade prisional
feminina que se relacionam com sua raça e etnia, idade, deficiência, orientação sexual,
identidade de gênero, nacionalidade, situação de gestação e maternidade, entre tantas
outras nuances. (2014).

Além disso, o cárcere feminino atinge as mais vulneráveis: negras, mães solteiras, com
ensino fundamental incompleto e grávidas são os grupos com maior incidência no sistema
prisional. São, em sua maioria, jovens de 18 a 29 anos e, em sua maioria, mães. A maior parte
das presas inserem-se neste perfil diferenciando-se somente pelo tipo penal cometido. Porém,
em maioria, os crimes cometidos são infringindo a Lei de Drogas (que dispõe sobre o tráfico e
a associação a ele). A associação da mulher a este crime é de pouca importância, muitas vezes
atuando em cargos mais baixos. Ela se vê obrigada a participar do crime por questões
econômicas e sociais:

O envolvimento delas na criminalidade relaciona-se com a sobrevivência, com a


necessidade de manter o mínimo de subsistência para si e a família. Às vezes, como
atividade única e às vezes para complementar a renda. A maioria das mulheres presas
é chefe de família , pobre, com filhos pequenos, muitas são vítimas de violência
doméstica. E a cada três mulheres presas, duas são negras. (2016).

Vale ressaltar novamente que as mulheres possuem peculiaridades restritas ao sexo


feminino. As prisões brasileiras, por receberem maior contingente masculino
(aproximadamente 95% dos presos), não estão preparadas para receberem grupos femininos
com suas especificidades e diferenças. As mulheres possuem peculiaridades quanto a seus
aparelhos genitais femininos que devem passar regularmente por atendimentos médicos, porém,
são poucos médicos para muitas presas. De acordo com o Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias de junho de 2017, o país todo conta com somente 160 médicos
ginecologistas, sendo insuficientes para suprir tais necessidades.
As mulheres também possuem especificidades fisiológicas, entre elas a necessidade do
uso de absorventes íntimos e remédios (pílulas contraceptivas, como exemplo). Como a
infraestrutura dos presídios não está condicionado para atender as especificidades básicas das
mulheres há relatos da utilização de miolo de pão, que deveria ser utilizado para sua
alimentação, para conter o sangramento proveniente da menstruação. Por sua estrutura precária
e adaptada para somente o público masculino, percebe-se a falta do número adequado de papéis
higiênicos, que são entregues em mesma quantidade nas unidades prisionais femininas e
masculinas, consequência da diferença das genitálias femininas e masculinas fazendo com que
elas utilizam em maior quantidade.

114
Os presídios, por estarem superlotados, possuem problemas de higienização, ventilação,
iluminação e, no caso das mulheres, possuem problemas com as suas requisições básica. Além
do que já foi citado anteriormente, vale ressaltar a falta de espaços relativos ao exercício e
manutenção da maternidade. No Infopen de 2017 relatou que somente 0,66% dos
estabelecimentos penitenciários possuem creches e que somente 3,20% possuem berçários e
centros materno-infantis. Percebe-se um descaso com a manutenção dos laços familiares uma
vez que tanto a mãe quanto a criança são abandonadas pelo marido e pai.

2 O abandono

Uma das maiores diferenças entre os presos homens e mulheres é o abandono. Os


números de visitas concedidas aos homens são superiores às visitas concedidas às mulheres. Se
os números de visitas convencionais já são inferiores que o normal, as visitas íntimas são quase
inexistentes. A mulher presa é abandonada pela família e pelo seu companheiro. A visita íntima
é de extrema importância uma vez que ajuda a manter os laços familiares, não se tratando
somente de satisfação sexual, e, esse abandono, pode acarretar em distúrbios e transtornos que
dificultam a ressocialização da mulher . O número de presas que recebem visitas íntimas mal
chegam a 10% da população carcerária feminina. Em seu livro, “Prisioneiras”, Drauzio Varella
evidencia esse cenário:

De todos os tormentos do cárcere, o abandono é o que mais aflige as detentas.


Cumprem suas penas esquecidas pelos familiares, amigos, maridos, namorados e até
pelos filhos. A sociedade é capaz de encarar com alguma complacência a prisão de
um parente homem, mas a da mulher envergonha a família inteira. Enquanto estiver
preso, o homem contará com a visita de uma mulher, seja a mãe, esposa, namorada,
prima ou a vizinha, esteja ele num presídio de São Paulo ou a centenas de quilômetros.
A mulher é esquecida. (2017).

Cabe ressaltar que o direito à visitas íntimas somente foi consolidado em 2002, quase
20 anos após a concessão do direito à visitas íntimas ao homem. Os homens visitam as mulheres
com frequência no primeiro mês, após esse tempo já é notável a diminuição de visitas. Porém,
quando o preso é o homem, mães, esposas, avós viajam dias e horas para estarem presentes no
dia de visita. É a reafirmação do papel da mulher na sociedade: a mulher, a responsável pela
manutenção do lar, que cuida de todos, e o homem que nunca teve atribuído a si a
responsabilidade da manutenção dos laços familiares. Em um relato no livro “Presos que
Menstruam”, de Nana Queiroz, é evidente esse cenário:

115
Agora a gente se corresponde, se fala por telefone quase todos os dias. É a vida, fazer
o quê, né? Mesmo assim, eu acho que tenho mais sorte que as que têm um namorado.
Porque poucas pessoas que levam um relacionamento assim a sério. Os homens, no
começo da cadeia, vão um domingo sim um não, depois já passa a ir de um mês,
depois já esquece. Quando vê, já arrumou outra. Será que eles cansa? Não sei. Uns
abandona, acho que queriam mesmo é alguém pra lavar e passar. (2015).

Partindo desse estigma do papel da mulher na sociedade percebe-se uma tendência de


negação quanto a prisão da mulher. A sociedade não aceita a prisão feminina. Parte-se do
pressuposto que ela deve dar o exemplo à família e que sempre estará de acordo com os padrões
de conduta e os costumes da sociedade.
Há, também, a relação de que se a mulher é presa, comete crimes, é consequentemente
suja e não presta. Diferentemente do homem, a sociedade o vê como delinquente não
interessando sua vida sexual. A prisão feminina tem uma conotação sexual. Por essa relação da
mulher e a vida sexual dela, a família acaba por abandoná-la por sentir vergonha. Olga Espinoza
em seu livro “A mulher encarcerada em face do poder punitivo” atesta que:

(...) entendeu-se necessária a separação de homens e mulheres para aplicar a eles e


elas tratamentos diferenciados. Com essa medida buscava-se que a educação
penitenciária restaurasse o sentido de legalidade e de trabalho nos homens presos,
enquanto que, no caso das mulheres, era prioritário reinstalar o sentimento de ‘pudor’.
(2002).

Este trecho somente reafirma que a sociedade, desde cedo, se nega a aceitar a prisão da
mulher no Brasil, geralmente vinculado tal prisão a sua vida sexual impura.

3 A gravidez e a maternidade

De acordo com a Fundação Nacional de Assistência aos Presos somente 20% das
crianças, quando a mãe é presa, ficam sob guarda dos pais e quando os pais são presos, 90%
ficam sob guarda das mães. Um dos problemas do encarceramento feminino é o rompimento
de laços familiares, afetando a ressocialização da mulher e a vida de seus filhos. Na
Constituição da República de 1988 está previsto em seu art. 6º que “São direitos sociais a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.” garantindo, então, o direito à mãe de ter um parto seguro, além de
garantir uma gestação saudável e o cuidado do filhos nos primeiros anos. Por mais que seja

116
dever do Estado de punir aqueles que violam as normas penais, não justifica a supressão de um
direito para a concretização de outro.
Além disso, na Constituição da República de 1988 prevê, em seu art. 5º, XLVIII, que
“a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a
idade e o sexo do apenado”, evidenciando a necessidade de separação das unidades masculinas
das femininas. Os estabelecimentos prisionais devem ser adequados para a preservação das
peculiaridades femininas e para o exercício da gestação e da maternidade. Para o abrigamento
da criança nos sistemas prisionais, dentro do prazo legal estipulado pela lei, é necessário locais
próprios e centros específicos (como berçários, banheiros, brinquedotecas) de acordo com as
diretrizes básicas para arquitetura penal previstas pelo Ministério da Justiça. Porém, na prática,
não se observa a existência de tais locais específicos ou, no caso de haver, são escassos e pouco
frequentes.
Dentre as normas relativas à saúde da mulher é vedado a ocorrência do parto nas
dependências prisionais. Os partos devem ocorrer em hospitais ou maternidades e aviso prévio
aos familiares. Além disso, se a criança nascer dentro do ambiente penitenciário, não poderá
constar em sua certidão de nascimento, como forma de protegê-la. Porém, há relatos de mães
que recebem seus filhos algemadas às camas hospitalares ou até na própria penitenciária, sem
nenhum auxílio e segurança. No livro de Nana Queiroz, “Presos que Menstruam”, há uma
passagem que explicita tal situação:

Logo depois dessa inspecionada rápida, Gardênia foi algemada à cama novamente. O
procedimento é comum para presas que dão à luz. A ativista Heidi Cerneka, uma
americana de português quase impecável e fala pausada, que há treze anos trabalha
com a causa da mulher presa no Brasil na Pastoral Carcerária, faz brincadeira com
esse protocolo: — Tem mulher que até dá à luz algemada na cama. Como se ela
pudesse levantar parindo e sair correndo. Só homem pode pensar isso. Porque mesmo
que ela pudesse levantar, qualquer policial com uma perna só andaria mais rápido que
ela. (2015).

Após severas denúncias quanto a isso o Conselho Nacional de Política Criminal e


Penitenciária editou ato normativo o qual proibia expressamente a utilização de algemas durante
a realização do parto. Não bastando para coibir tais práticas, foi editada lei para que reforçasse
a proibição da utilização das algemas. A mulher em trabalho de parto não representa riscos e
nem é capaz de fugir durante o trabalho de parto.
Existem previsões regulamentares no Brasil como a Resolução 4/2009 do CNPCP e a
Lei de Execuções Penais que divergem quanto ao tempo de permanecimento com a mãe após
o nascimento da criança. Em uma, o tempo mínimo de 1 ano e 6 meses e, na outra, um tempo
117
mínimo de 6 meses. Porém, estas regulamentações estão em desacordo com a Organização
Mundial de Saúde, que delimita um tempo mínimo de 6 meses para alimentação exclusiva de
leite materno e até 2 anos de forma suplementar. Além disso, esse tempo é de permanência é
de determinado de forma discricionária pela administração de cada unidade prisional. Após esse
tempo de permanência na unidade prisional, ocorre a separação entre mãe e filho.
O processo de separação é gradual: deve estar presente novo responsável pela guarda, a
criança deve conhecer o novo lar e, de forma gradual, a permanência da criança na unidade
deve diminuir. Na prática, porém, não é o que acontece. A criança é retirada abruptamente e
repentinamente da mãe, enfraquecendo os laços familiares e o desenvolvimento afetivo dela.
Os pais também devem decidir, conjuntamente com psicólogos e assistentes sociais, onde a
criança habitará. Se, enquanto a mãe estiver presa, nenhum familiar puder assumir a guarda, a
criança será encaminhada para um abrigo ou para uma família substituta.
No Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu art.19, §4º que “Será garantida
a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio
de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento
institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial.”,
buscando-se, então, a manutenção do vínculo familiar entre mãe e filho, seguindo as normas de
visitação dos presídios e dignidade da criança.
Na Portaria 210/2014 em seu art. 4º, IV, que prevê tratamento diferenciado, quanto a
medidas disciplinares e de segurança, a grávidas, lactantes e mães. Além disso, devem ser
considerados o respeito à dignidade humana e a vedação à tortura. Os castigos, como a solitária,
são proibidos às presas que são gestantes ou lactantes e os meios de contenção devem ser
utilizados em casos excepcionais. Sabe-se que, na realidade, não há discriminação quanto às
mulheres quanto a quem é mãe ou não, além de violações diretas a dignidade delas e reiteradas
torturas, como explicita Nana Queiroz em “Presos que Menstruam”:

Bater em grávida é algo normal para a polícia — respondeu Aline. — Eu apanhei


horrores e tava grávida de seis meses. Um polícia pegou uma ripa e ficou batendo na
minha barriga. Nem sei qual foi a intenção desse doido, se era matar o bebê ou eu. A
casa penal me mandou pro IML para fazer corpo delito, mas não deu nada. Relatos de
outras presas confirmaram o que disse Aline. Michelle, já de barrigão protuberante,
apanhou de uma escrivã, outra mulher. Na hora da detenção, Mônica recebeu socos
de um policial, que disse que filho de bandida tinha que morrer antes de nascer.
(2015).

Os diplomas internacionais defendem a implementação da prisão domiciliar, a mulheres


gestantes ou mães, como substituição das penas privativas de liberdade (salvo os crimes graves

118
e de extrema violência ou se a mulher apresentar riscos à sociedade) como forma de manutenção
da maternidade e dos laços familiares, pelo alto índice de abandono que sofrem e violências
durante a gravidez, além da falta de estrutura para o exercício da maternidade. Porém, as normas
brasileiras somente possibilitam à gestantes ou mães de menor que sejam condenadas ao regime
aberto ou se a prisão for preventiva, nos casos de gestantes ou mães de menor de 12 anos.
Como o maior motivo do cárcere feminino é o tráfico de drogas, com pena mínima
maior que 4 anos, vê-se a impossibilidade de condená-las ao regime aberto. Além disso, a prisão
domiciliar está sob discricionariedade do juiz, diminuindo as chances de tal concessão. A prisão
domiciliar, além de manter os laços familiares e a maternidade, desafogaria o sistema prisional
feminino, melhorando as condições do estabelecimento, sendo menor alvo de violação dos
direitos humanos.

4 Violação aos direitos humanos

A Organização das Nações Unidas montou um documento para ser uma diretriz para o
tratamento das mulheres encarceradas pelos Estados-membros, chamado “Regras das Nações
Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para
Mulheres Infratoras — Regras de Bangkok”. Em 2011 foi criada a “Carta de Brasília” pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que recomendou aos Poderes Executivo, Judiciário e
Legislativo que seguissem as Regras de Bangkok. E, em 2016, foram traduzidas e garantiram
publicidade e importância a preservação aos direitos humanos no sistema penitenciário.
Por mais que o Brasil tenha participado na criação dessas normas e diretrizes e
reafirmado a importância das Regras de Bangkok, percebe-se pouquíssima influência delas no
cotidiano do cárcere feminino. As normas penais brasileiras são as mais distantes das diretrizes
das Regras de Bangkok: as leis penais preocupam-se mais com punir do que para a proteção da
presa. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei da Primeira Infância estão mais
próximas e acarretam maior proteção às gestantes encarceradas. Por fim, no que concerne aos
atos administrativos com a edição de regulamentos e portarias pelo Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), percebe-se a tentativa de reafirmar a importância
de se proteger a mulher encarcerada, entre outros órgãos fundamentais.
O Brasil é o 4º país que mais encarcera no mundo. Tanto as prisões femininas quanto as
masculinas estão superlotadas e, consequentemente, enfrentam violações constantes aos
direitos e garantias fundamentais ao ser humano. No que tange às mulheres é ainda pior: além

119
da falta de estrutura e das constantes violências e torturas, ainda têm que lidar com um ambiente
adaptado para receber somente o público masculino.
Previsto na constituição da República de 1988, em seu art. 196 “A saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.” e na Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948 em seu art. 25 que “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe
assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, [...]” , mostra-se cada vez mais importante o
asseguramento deste direito como forma de manutenção da dignidade da pessoa humana. O
direito à saúde, previsto pela Constituição da República de 1988 e assegurado pela Lei de
Execução Penal, é violado reiteradamente: a falta de assistência médica nos presídios, a falta
de locais próprios e de médicos específicos para o atendimento das mulheres é gritante.
As mulheres têm direito de serem atendidas por ginecologistas para exames rotineiros
relativos às especificidades do corpo feminino e para um certo amparo a mulheres que sofreram
abusos e traumas. A juíza Adriana Marques Laia Franco, da 4ª Vara de Fazenda Pública do Rio
de Janeiro, rejeitou ação na qual a Defensoria Pública requereu mais ginecologistas nas
unidades prisionais, alegando que as presas não poderiam ter os privilégios de uma mulher em
liberdade. Esta decisão somente reitera o descaso com a mulher encarcerada, violando a sua
dignidade humana e seu direito à saúde e assistência médica, periodicamente.
As detentas possuem o direito de receber do Estado vestimentas, roupas de cama, camas
individuais e alimentação. Por motivos de superlotamento, que cresce a cada ano, o Estado
quase não disponibiliza lençóis e camas, não atendendo a todas as presas. Além disso, as
vestimentas são raramente disponibilizadas o que obriga as presas a dependerem de suas visitas
trazerem. A alimentação fornecida nos presídios, além de muitas vezes insuficiente, é
normalmente de baixa qualidade.
A dignidade da pessoa humana, consolidada no art. 1º, III, CR/88, é a matriz de todos
os direitos e garantias fundamentais do ser humano, sendo ela indispensável e evendo ser
aplicável a todos os seres humanos, sem nenhuma distinção. Percebe-se, porém, graves
violações a Lei de Execuções Penais e a Constituição da República, uma vez que os presídios
e as celas são locais insalubres e impossíveis de se concretizar uma convivência saudável e
digna. As camas são duras, as celas são sujas e apertadas, os chãos gelados, entre outras
violações associadas à saúde já apresentadas.

120
Além da violação ao direito à saúde, percebe-se a prática de torturas contra a mulher
presa. A tortura é vedada pela Constituição de 1988 em seu art. 5º, III “ninguém será submetido
a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Como meio de coerção e opressão das
mulheres no cárcere, vê-se muitos relatos de policiais que se utilizam da força física e
psicológica para fazerem as presas cumprirem ordens. O sistema carcerário brasileiro é um local
onde a preservação das normas fundamentais e o asseguramento da dignidade da pessoa
humana estão cada vez mais escassos. Há também relatos de violência sexual contra as
mulheres pelos policiais, que se aproveitam de suas posições e da vulnerabilidade da mulher
presa para o cometimento do ato. Porém, há também relatos de estupro e violências físicas
contra companheiras de unidades prisionais, como forma de sobrevivência.

Conclusão

Este trabalho pretendia uma análise acerca do que as mulheres são obrigadas,
diariamente, a passar. A partir dos estudos realizados e do desenvolvimento do texto percebe-
se que há falhas na aplicação das leis, desrespeitando direitos básicos inerentes ao ser humano,
e um descaso, principalmente, às demandas especificamente femininas. A negligência perante
as mulheres encarceradas e a violação contínua a seus direitos básicos dificultam, em sua
maioria, a ressocialização das presas mulheres. Além disso, pode-se perceber a falta de estrutura
e apoio à mulher grávida ou que é mãe.
Após uma análise da construção histórica, social e cultural do país, percebeu-se a
predominância do masculino até em estabelecimentos prisionais, seja por meio do Estado agir,
seja pela infraestrutura da prisão. Pode-se ressaltar, também, a hipocrisia da sociedade no
tratamento quanto a mulher que é presa e quanto a mulher liberta, além das expectativas de que
a mulher sirva o marido preso, enquanto este não se preocupa com a manutenção de laços
familiares.
Dessa forma, este assunto se apresenta de extrema importância para evidenciar as
torturas sofridas diariamente pelas mulheres e como a sociedade patriarcal e machista está
inserida gravemente em nossa sociedade. Além disso, cabe ressaltar a tratativa diferenciada que
se dá às mulheres encarceradas no que se refere a direitos fundamentais. Não mais vistas como
mulheres ou como pessoas dignas de respeito e apoio: se tornam uma parte irrelevante da
sociedade.

121
11

ATIVISMO FEMININO ANTE A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

Luciana Aparecida Teixeira12


Ulisses Espártacus de Souza Costa13

Introdução

A crise ecológica aduz a reflexão da urgência ambiental, uma vez que o planeta terra
passa por mudanças profundas diante de um capitalismo predatório e os resultados estão
levando a extinção dos recursos naturais. Essa carência tem afetação global, entretanto, a crise
provocada pela escassez dos recursos e degradação do meio ambiente tem atingido
desproporcionalmente o gênero feminino, impondo risco a sua sobrevivência.
As mulheres são atingidas de forma mais extensa, a vulnerabilidade e diversas
violências impostas em seus cotidianos são potencializadas frente a depredação ambiental.
Ainda mais intensa é a violência que se apresenta para a mulheres envolvidas com as causas
ambientais, tanto para as mulheres que vivem em meio a natureza, comunidades rurais, nos
campos, ou comunidades de baixa renda e aglomerados. Os riscos são maiores devido ao seu
envolvimento e oposição.
O Estado, embora prossiga com campanhas e manifeste pela instituição de programas
de proteção, não se apresenta efetivo no cumprimento de seu mister de proteção da mulher. Não
dispõe de meios suficientes de fiscalização e opressão imediata dos agressores, ficando essa a
sua própria sorte.
Nesse aspecto o artigo busca abordar o ativismo feminino e a situação das mulheres
diante da luta ambiental no Brasil. Verifica o dito agir consciente, que busca concretizar
condições de enfrentamento à violência, verifica a efetivação de direitos legais e os direitos a
terra, ao trabalhando, como o empoderamento feminino, principalmente das mulheres no
campo.

12
Advogada, Mestranda em Direito Ambiental e Sustentabilidade da Escola Superior Dom Helder Câmara.
13
Mestre em Direito Ambiental pela Escola Superior de Direito Dom Helder Câmara. Advogado especialista em
direito corporativo e coletivo do trabalho, integrante do grupo de pesquisa: Política, Segurança, Mineração e
Responsabilidade Social Empresária da Escola Superior Dom Helder Câmara.
122
A pesquisa foi dividida em três títulos, além da introdução e considerações finais. No
primeiro título faz um breve relato sobre a interferência do homem na natureza e os revezes
climáticos os impactos negativos capazes de comprometer a vida na terra.
Já no segundo título discute-se o ativismo feminino no contexto ambiental, e a
consolidação da representação de mulheres, e para mulheres, em meio ao debate e a luta pelo
meio ambiente, conexo ao direito dessas mulheres de existirem no contexto social e político
como sujeitas de participação ativa acerca do tema.
O terceiro título aborda a violência no campo contra as mulheres, a realidade para a qual
a sociedade se queda inerte. Nesse viés, aborda-se as vulnerabilidades enfrentadas pela mulher
camponesa, as diferentes violências sofridas, a escassez de mapeamento dessas violências, além
da exposição dos dados acerca da violência no campo contra mulheres.
Foram utilizados o método jurídico-teórico e o raciocínio dedutivo, com técnica de
pesquisa bibliográfica. A pesquisa se justifica pela relevância do tema e sua atualidade frente a
tantos casos de violência ainda recentes, as discussões sobre o assunto são extremamente
pertinentes e necessárias para a comunidade acadêmica e para a sociedade. Sobretudo para
intensificação e busca pela consolidação dos direitos de proteção da mulher e do meio ambiente.
Ao final, uma reflexão sobre a necessidade de resistência no combate a degradação
ambiental e a necessidade de um desenvolvimento sustentável.

1 A CRISE ECOLÓGICA E A URGÊNCIA AMBIENTAL

A crise ambiental mundial é um resultado das ações humanas sobre o consumo


exacerbado dos recursos naturais, fatos que demonstram a ganância extrema do ser humano
sobre as riquezas e bens do planeta terra. É importante refletir sobre os rumos da degradação, e
intervir nesta crise, uma vez que as consequências prejudiciais são aparentes.
As ações humanas interferem aceleradamente no meio ambiente, desde a revolução
industrial até os dias atuais. A média global da temperatura tem alcançado índices altíssimos, o
que resulta em eventos climáticos extremos, causas de grandes incêndios, furacões, tornados,
tempestades, secas e enchentes, resultando em impactos negativos, que compromete a vida
terrestre.
Reitere-se que entre os impactos causados pela mudança global do clima estão
gerando o aumento na intensidade e frequência de eventos climáticos extremos como
grandes incêndios, furações, tornados, tempestades, secas e enchentes, desertificação
em regiões áridas, quebras de safras agrícolas, aumento de doenças, aumento da
temperatura média global do ar e dos oceanos, derretimento generalizado da neve e
do gelo, acidificação dos oceanos, elevação do nível do mar, invasão biológica e
extinção de espécies. (ABRAMPA, 2018).
123
A extrapolação e a emissão de gases têm alterado a composição atmosférica mundial,
intensificando o efeito estufa gerando o aquecimento global e as consequências são extinção de
espécies animais e vegetais, mudanças meteorológicas, o que provoca chuvas torrenciais,
estiagem prolongadas, ondas de calor, vendavais, inundações. Essas alterações interferem na
saúde, na alimentação dos seres, além, de consequências físicas/químicas como elevação do
nível do mar e mudanças meteorológicas. (ABRAMPA, 2018).
O principal desafio da atualidade acerca das alterações climáticas está no planejamento
e na gestão dos países no preparo para o seu enfrentamento, a busca de inovações, o
desenvolvimento de tecnologias e a estruturação das relações entre os indivíduos, sociedade e
poder político. No entanto, outros problemas fundamentais, como a desigualdade de gênero e
violência contra a mulher, ainda têm tratamento muito aquém dos necessários cuidados e
precauções.
Em um contexto de agravamento de crises ambientais há, consequentemente,
exacerbação da violência e um aprofundamento das desigualdades, que culminam no
distanciamento das mulheres ligadas, de alguma forma, ao meio ambiente e que resultam em
extenso desajuste social.
Todavia, alguns estudos tendem negar a crise ambiental, devido às visões distorcidas,
incompletas, calculistas da realidade. O que se busca são meios para manter os costumes
destrutivos, o consumo e a depredação na natureza, Reis aduz que:

Em contrapartida, existem alguns setores na sociedade que, frequentemente, criticam


a noção de que vivenciamos uma crise ambiental. A descrença ocorre devido às visões
incompletas, distorcidas e calculistas da realidade. No fundo, é buscada uma
justificativa para permanecer com os mesmos costumes destrutivos ante a natureza e
garantir que o nível de estragos e gastos permaneçam os mesmos. (REIS, 2015, p.42)

Em 1987 o relatório de Brundtland elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio


Ambiente e Desenvolvimento apresentou o documento denominado “Nosso Futuro Comum”,
mostrando que os padrões de consumo e consumo vigentes são incompatíveis com o
desenvolvimento sustentável e defendeu que deveria haver produção sem degradação, atingindo
todos níveis da empresa, ainda, busca pela tecnologia adaptada e o resultado estimaria o
desenvolvimento sustentável, tão necessário para o equilíbrio do meio ambiente:

O conceito de desenvolvimento sustentável deve ser assimilado pelas lideranças de


uma empresa como uma nova forma de produzir sem degradar o meio ambiente,
estendendo essa cultura a todos os níveis da organização, para que seja formalizado
um processo de identificação do impacto da produção da empresa no meio ambiente
124
e resulte na execução de um projeto que alie produção e preservação ambiental, com
uso de tecnologia adaptada a esse preceito. (RELATÓRIO BRUNDTLAN, 1987).

Outro ponto de destaque relevante enfrentado pela Comissão foi acelerar o


desenvolvimento de povos que não possuem acesso às condições descentes de vida, sob a
afirmação que a pobreza é resultado do crescimento econômico adotado e deve ser combatida,
descrito no relatório:

[...] na visão da Comissão, “a pobreza não é mais inevitável”. Uma abordagem mais
interessante seria uma que considerasse os mecanismos pelas quais a pobreza tem sido
socialmente construída nas últimas décadas no nível internacional. Sem dúvida isto
levaria a denunciar os mecanismos de exclusão praticados pelos moldes do
crescimento econômico adotados. (BRUNDTLAND, 1987).

Inevitavelmente grande parte da população excluída é composta pelas mulheres,


conforme a agenda 2030 da ONU, considerável parte da população feminina não dispõe de
acesso a serviços básicos de saúde como saneamento básico e atendimento médico. Essa
exclusão se propaga para outros ramos sociais em que as mulheres estão envolvidas, como
trabalho, posição e reconhecimento dentro da sociedade e no seio familiar.
O quadro de exclusão feminina é notório haja vista o Brasil contar com acanhados
10,7% de participação feminina no parlamento. (MARTINS, 2018), estado esse que dificulta a
modificação das políticas públicas em favor das mulheres. Ainda que exista um grande avanço
legislativo em favor de defesa dos direitos da mulher desde a década de 60. No entanto, ainda
são expressivas as supressões a esses direitos.
Ainda se tomando o Brasil como exemplo, país de extensão continental cuja população
feminina superam em maior quantidade a população masculina, chegando à população de
meninas ser superior em 50% a população de meninos (IBGE, 2014) a representatividade da
mulher nos cargos públicos ainda é irrisória.
As questões ambientais não resolvidas apresentam-se com maior intensidade ao público
excluído, sobretudo para as mulheres, invisíveis a margem social, e mais vulneráveis a doenças
e contaminações frente a ausência de condições de higiene, saneamento, auxílio médico e pelas
alterações provocadas no ambiente em que vivem.
O fato localidade e ausência de implementação de órgãos de fiscalização acirram ainda
mais a condição de vulnerabilidade das mulheres, pois o fator físico ambiental se apresenta
como um dos possíveis agentes que asseveram as condições de vulnerabilidade. Segundo a
União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) a escassez de recursos causadas
pela depredação humana, aumentam o stress das pessoas que habitam a localidade afetada, e tal
escassez assevera os índices de violência, sobretudo a de gênero. (UICN, 2020).
125
Logo a depredação ambiental vivida hodiernamente reflete não apenas em
externalidades ambientais, mas em revés social, que irradia pelos diversos campos,
principalmente refletindo sobre a desigualdade de gêneros e aumento da violência conta a
mulher que ainda tem direitos tolhidos no século XXI.

2 Ativismo feminino no contexto ambiental

O ativismo feminino no Brasil ganhou força em meados dos anos 70, quando houve
ingresso da pauta pública do feminismo, fortalecido, em muito, pelos movimentos sociais da
época. Esse tempo não se deu ao acaso, mas devido à luta pelo fim da ditadura militar e como
espelho à revolução feminista que tomava espaço no mundo, especialmente o movimento
feminista dos Estados Unidos em meados de 1960 por ser marco de início das construções
teóricas sobre o tema.

A partir de 1978, o movimento de mulheres se consolidou no quadro das forças


políticas emergentes no país. Com a consolidação do processo de abertura no final
dos anos 70, novos caminhos vão surgindo e as diferenças aparecem mais claramente.
Os grupos feministas se alastraram pelo país; houve significativa penetração do
movimento feminista em associações profissionais, partidos e sindicatos, legitimando
a mulher como sujeito social particular. (SARTI, 1988).

A partir da ampliação da participação das mulheres nos debates públicos, e da expansão


de suas pautas, houve também a elaboração da teoria chamada de ecofeminismo que, segundo
Mouro (2017) “tem como base um olhar crítico para as problemáticas ambientais e de gênero e
abarca uma perspectiva que visa contemplar todos os aspectos que estão intrínsecos nessa
relação.”.
A partir desse movimento estabeleceu-se um ponto em comum entre a luta de gênero e
o ambientalismo. Entretanto, essa ideia ainda pertence ao mundo acadêmico que é privilegiado,
no entanto, a teoria não consegue alcançar todas as camadas da sociedade, nem se popularizar
de maneira ampla a ponto de atingir o debate público pela consolidação da igualdade, de
proteção e respeito as conquistas femininas.
Ainda sob a lógica de prosperidade das mulheres e suas causas sociais, cada vez mais
essas vozes têm-se tornado lideranças, representando e defendendo ideais distintos, mas
participando ativamente da pauta pública. Pois, as mulheres já são maioria em vários
seguimentos da sociedade, que em grande parte as possuem como chefe ou arrimo da família,
exercendo um papel dúplice de guardiã da família e promotora da subsistência.

126
É fundamental participação das mulheres na formulação, implementação e obtenção de
resultados das políticas públicas de proteção do meio ambiente, uma vez que sua abordagem
pode trazer avanços para as questões igualitárias de direitos entre homens e mulheres, propiciar
igualdade na distribuição de poder e superação de outras desigualdades, além da promoção de
condições dignas de sobrevivência. (CAMARDELO, 2017).
O progresso, no entanto, é lento e ainda é possível observar com clareza a dominação
dos homens na sociedade, o que os privilegia e muitas vezes os autoriza a manter condições
que impelem tratamento completamente diverso para as mulheres a vista das mesmas situações.
Fatos que deixam claro que a balança de gênero ainda não é igualitária, mas pende para os
homens e, em muito, prejudica as mulheres e meninas.
No campo também houve crescimento da participação feminina, o que, evidentemente,
ampliou o acesso das mulheres as discussões e ativismos a respeito do meio ambiente como um
todo. Segundo Aguiar (2015), a década de 1990 marcou a constituição e estruturação da
participação das mulheres rurais dentro de estruturas sindicais em âmbito nacional, estadual e
municipal.
Aguiar (2015) afirma também que a partir da participação sindical, muitos movimentos
se autonomizaram e se tornaram independentes. Tendo se como exemplo os movimentos
femininos ligados ao meio ambiente, como o Movimento de Mulheres Trabalhadoras do Rio
Grande do Sul (MMT-RS), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento da
Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE).

É inegável, entretanto, que as mulheres rurais inauguraram um novo tempo no


sindicalismo rural. Como vimos, desde a década de 1980, a sua participação no
movimento sindical não somente foi ampliada, como sua organização veio se
fortalecendo, por meio das comissões e da realização de encontros, seminários e
plenárias nacionais de mulheres. (AGUIAR, 2015).

Outro movimento de presença extensa e importante para o ativismo feminino e o meio


ambiente é a Marcha das Margaridas, iniciada nos anos 2000, e que, segundo Aguiar (2015),
propunha a legitimação das mulheres pela obtenção de espaços na reivindicação de afirmação
e identidade de sua existência e da proteção de seus direitos.

[...] um formato organizativo e a formulação de uma estratégia de ação coletiva


própria, para dar reconhecimento e legitimidade à sua ação política, demonstrando,
assim, uma grande força mobilizatória. E marchando, as mulheres do campo e da
floresta, como se denominam, adentram o espaço público, reivindicam sua
visibilidade e a afirmação de outras identidades na sua construção como sujeito
político. (AGUIAR, 2015)

127
A Marcha das Margaridas, desde seu surgimento, se tornou uma das maiores e mais
organizadas instituições, ganhando centralidade acerca do ativismo feminino das mulheres em
relação ao meio ambiente. Aguiar (2015), afirma “Enfim, a Marcha é realização do seu próprio
sujeito político, as mulheres do campo e da floresta, que por meio dela ganham existência.”
E não somente em grupos organizados, mas figuras individuais de força expressiva estão
se tornando cada vez mais populares no debate ambientalista e sustentável. Em contexto mais
maximizado e de maior alcance a jovem Greta Thunberg, uma adolescente, atrai a atenção
mundial e desponta para assuntos ambientais ao redor do mundo, apontando a gravidade da
situação que nos encontramos.
A lista de mulheres na linha de frente do ativismo ambiental poderia ser extensa, mas
não é o que ocorre no Brasil. Entretanto, cabe lembrar que as populações quilombolas,
indígenas e camponesas, especialmente as mulheres dessas comunidades, estão fortemente
presentes na luta da proteção ambiental e são reconhecidas entre os ambientalistas por seus
trabalhos de mobilização e resistência. Mas não atingem expressão nacional, sendo apenas uma
ou outra reconhecida pelo esforço ou empenho.
Em um país de concentrações ambientais tão ricas como o Brasil, existem diversas lutas
a serem travadas e vencidas contra a degradação ambiental e a proteção não só da natureza,
como dos povos que vivem, dependem e subsistem diretamente dessa natureza. Principalmente
das mulheres que compreende a maior parte da população não só economicamente ativa, mas
geral.

3 Violência no campo contra mulheres

A violência contra a mulher é tema de debate intenso na sociedade atual, já que, cada
vez mais, as mulheres buscam seu espaço, serem respeitadas e garantir seus direitos, uma vez
que não é suficiente que eles existam na lei se não forem garantidos também na vida prática.
No entanto, qualquer progresso que se alcance no âmbito social caminha muito
lentamente para abarcar as mulheres que vivem no campo, uma vez que elas estão não só
distantes da realidade urbana, como também muito distantes da realidade legal do ordenamento
jurídico.
A esse respeito faz-se necessário estabelecer que a violência de gênero é aquela na qual
as agressões e violências contra as mulheres se dão em razão de seu sexo, ou seja, sofridas por
mulheres simplesmente pelo fato de serem mulheres.

128
A violência ocorre em todas as classes sociais, embora possua mais expressividade entre
as camadas sociais mais baixas, frente a fragilidade econômica das vítimas, o que sem dúvidas
é ser um fator facilitador, seja por não terem rendas ou ocuparem posições mal remuneradas no
mercado de trabalho.
Além disso, as mulheres não-brancas também são mais afetadas pela violência de
gênero, fator que parece também pertinente a análise da violência contra a mulher. Visto que o
país anda amarga as externalidades de uma abolição de escravidão tão recente, e políticas
públicas modestas para inclusão social e promoção dos direitos das pessoas negas.
As mulheres do campo, portanto, também são suscetíveis a sofrer dessa violência e,
estão em posição ainda mais vulnerável quando consideramos as condições e riscos aos quais
estão expostas além de estarem em situação muito mais desigual em aspectos econômicos,
políticos e sociais e físicos ambientais.

O que se constata de forma geral sobre a situação no campo é da existência de uma


profunda desigualdade, que é evidente marcada profundamente pela imbricação de
classe, gênero e raça-etnia. Por isso as estatísticas apontam a grande porcentagem de
população negra e descendência indígena. (FARIA, 2009).

No Brasil, as mulheres do campo são as que possuem menos oportunidades no mercado


de trabalho, e mais discriminação, são responsáveis pela maior parte dos trabalhos não
remunerados, como os domésticos, são expostas a mais riscos, além de terem menores chances
de acesso à terra, água, tecnologia, sementes, créditos assistenciais, apoio técnico e
profissionalização. Não obstante, são as maiores vítimas de violência e exploração sexual.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (2019), em sua 34ª publicação Conflitos
no Campo Brasil, que reúne dados sobre a violência no campo, trazendo índices acerca de
conflitos sofridos pela população do campo, índios, quilombolas e outros povos tradicionais,
no ano de 2018, 486 mulheres sofreram algum tipo de violência, dentre as quais agressão,
estupro, tentativa de assassinato, violência psicológica, intimidação, etc. em conflitos de campo.
A Comissão Pastoral da Terra (2019) também afirma, em seu relatório, que 37 mulheres
sofreram ameaças de morte, seis sofreram tentativa de homicídio e duas mulheres sem-terra
morreram em decorrência de conflito nos acampamentos que residiam apenas no ano de 2018.
Há também dados mais alarmantes: 1.409 mulheres foram vítimas de algum tipo de
violência no campo entre 2009 e 2018, 38 mulheres foram vítimas de homicídio, casos que
poderiam também ser qualificados como feminicídio devido ao seu caráter persecutório e de
ódio, 80 sofreram tentativa de homicídio, 409 mulheres foram ameaçadas de morte, 22

129
morreram vítimas de conflitos e 37 mulheres foram estupradas. (COMISSÃO PASTORAL DA
TERRA, 2019)
Esses números são significativos, mas, como todo estudo de realidade social de um
grupo, não pode ser considerado a totalidade. Assim sendo, há que se questionar quantas mais
mulheres violentadas sofrem variados tipos de violência que sequer chegam ao conhecimento
social, e, principalmente, institucional.
Para a compreensão dos potenciais agressores dessas mulheres do campo é preciso,
primeiro, marcar o fato de que as mulheres do campo, sejam elas apenas pertencentes a regiões
e povos locais, ou grandes líderes de diversos movimentos ambientais e sociais, são
invisibilisadas pela sociedade. Isso significa dizer que há um apagamento da existência dessas
mulheres perante a sociedade, um esquecimento de suas vidas, direitos e lutas.
O apagamento dessas mulheres é, portanto, um fator facilitador para o cometimento de
tais violências. Assim, as mulheres do campo se tornam vítimas visadas e os agentes dessa
violência podem ser tanto privados, como aqueles a serviço de propósitos latifundiários, de
terras e grandes empresas exploradoras, quanto agentes do Estado.
O Estado, por outro lado, não despende a atenção necessária a essas mulheres e
tampouco se organiza para colher dados, registrar a vivência e os problemas enfrentados por
essas mulheres, não faz um mapeamento efetivo da violência sofrida pelas mulheres no campo.
Além disso, não há iniciativa de apoio por parte do Estado para atendimento dessas mulheres
em suas diversas demandas ao longo de suas vidas, nem para a garantia do cumprimento dos
direitos dessas mulheres nem pela promoção de seus direitos básicos.

Desta forma, é necessário que se reflita sobre o papel do Estado, enquanto um ator
articulador central e suas prioridades em termos de políticas públicas no que se
refere não só ao reconhecimento, mas também às possibilidades de ação para a
garantia dos direitos das mulheres do campo, a uma vida sem violência, a um bem
viver. (BASTER, 2019)

A vulnerabilidade enfrentada pelas mulheres no campo é extremamente expressiva e


extensa. As afetações vão das mais conhecidas como o subjugamento, a agressões,
inferiorização, e a desvalorização, tanto em suas vidas sociais quanto em suas vidas
profissionais. Fatos que se complicam ainda mais com a ausência e omissão do Estado em face
a sua maior vulnerabilidade, a perseguição dessas mulheres, quando em posições de destaque e
visibilidade diante da causa ambiental, ou do acesso dificultado aos projetos voltados as
populações rurais, a terra, a economia de subsistência.

130
Todas as dificuldades já sentidas pelas mulheres por viverem em um mundo patriarcal
são ainda mais afincadas as mulheres do campo, que precisam lutar muito mais para, em geral,
alcançar menos. Sendo essas trabalhadoras que retiram o sustento diretamente da terra.

Considerações finais

O agravamento de problemas ambientais é um problema extenso, ao qual encaramos


como crise. A sociedade, desde a revolução industrial para girar a engrenagem capitalista,
demanda cada vez mais da natureza, sem se atentar para questões fundamentais à vida, tanto as
que estão por vir, quanto as que já se fazem presentes.
Neste escopo é possível citar o agravamento da exploração vegetal e mineral e a
demanda excessiva e descontrolada do meio ambiente, causando respostas naturais as quais as
populações do mundo não estão preparadas para enfrentar. O desbalanceamento é tão
expressivo, que coloca em questão a duração dos recursos naturais fundamentais à manutenção
da vida, e deixa todos suscetíveis a desastres ambientais, cada vez mais comuns e danosos a
vida.
Para além das consequências naturais e previsíveis da crise ambiental, há também um
agravamento das desigualdades sociais que geram impactos em toda a sociedade, mas
especialmente para as mulheres que se ligam ao meio ambiente, seja fazendo parte dele, seja
trabalhando por sua proteção. Essas agentes estão extremamente suscetíveis a uma deterioração
de seus direitos, da sua sustentabilidade, da sua segurança e das suas condições de vida.
A luta ambientalista feminina tem ligação com a luta de emancipação feminina, uma
vez que, a origem do problema e a necessidade de reafirmação de direitos e proteções perpassam
lugares comuns. As mulheres, especialmente ligadas a causas ambientais, buscam direitos
daquilo que lhes é caro: o respeito e a proteção.
A crise ambiental também escancara a necessidade de um desenvolvimento sustentável,
que leve em conta a situação das mulheres sem-terra, das mulheres camponesas, das mulheres
produtoras e das mulheres dos centros urbanos, mas, especialmente, a necessidade de políticas
protetoras do meio ambiente e das condições de vida dignas para as mulheres.
É, pois, apenas através da sustentabilidade, na qual o Estado precisa tomar para si a
responsabilidade, que será possível o avanço e o desenvolvimento não só do meio ambiente,
mas das comunidades que dele dependem, direta ou indiretamente, e que certamente acarretará
em maior segurança e melhores condições de vida para as mulheres ligadas a ele.

131
Através do avanço sustentável será possível se observar o desenvolvimento em
dimensões muito além da ambiental, como a jurídica, a política, a social e a econômica. Esse
avanço será caro também ao contexto das mulheres que, diante do quadro sustentável, terão
mais estabilidade também em suas vidas. A harmonia ambiental pode significar também a
harmonia social, mas desde sempre significou vida e sobrevivência para a sociedade.

REFERÊNCIAS:

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de constituição das mulheres do campo e da floresta como sujeito político. 2015. 491f. Tese
(Doutorado) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas.
Campinas. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/281133.
Acesso em: 04 ago. 2020

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Brasileiro do MP de Meio Ambiente. Ministério Público do Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso do Sul, 2018. Disponível em:
https://www.abrampa.org.br/uploads/.cache/conteudo/248-pdf/publico_248.pdf. Acesso em 29
Jul 2020.

BASTER, Raquel. O silenciamento das mulheres camponesas em situações de conflitos no


campo e as sementes que anunciam suas resistências. In: Centro de Documentação Dom Tomás
Balduíno: Comissão Pastoral da Terra. Conflitos na terra: Brasil, 2018. Goiás, 2019.
Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/component/jdownloads/send/41-conflitos-no-
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ago. 2020. p. 83-88

BRUNTLAND, Gro. Relatório Bruntland “O Nosso Futuro Comum”. Nações Unidas, Genève,
1987.

CAMARDELO, Ana Maria Paim et al. Notas acerca da participação política das mulheres na
proteção do meio ambiente. FERRI, Caroline. Mulheres, desigualdade e meio ambiente. Caixas
do Sul: Editora da Universidade de Caixas do Sul, 2017. cap. 6, p. 94-105.

Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno: Comissão Pastoral da Terra. Conflitos na


terra: Brasil, 2018. Goiás, 2019. Disponível em:
https://www.cptnacional.org.br/component/jdownloads/send/41-conflitos-no-campo-brasil-
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FARIA, Nalu. Economia feminista e agenda de luta das mulheres no meio rural. Estatísticas
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28, 2009. Disponível em: http://www.sof.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Economia-
feminista-e-agenda-de-luta-das-mulheres-no-meio-rural-Nalu.pdf. Acesso em 3 Ago. 2020.

IBGE; Distribuição percentual de homens e mulheres de 2000 a 2030. Projeção da população


brasileira. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html.
Acesso em 10 Jul 2020.

132
MARTINI, Diandra Avila. Cotas partidárias e sub-representação feminina na América do
Sul: Um estudo comparado entre Brasil e Bolívia. 2018. Disponível em:
https://www.ufrgs.br/sicp/wp-content/uploads/2015/09/DIANDRA-MARTINI.pdf. Acesso
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MOURO, Higor Henrique. Género e Ambiente: Reflexões sobre o papel da mulher na


questão socioambiental. 2017. 106f. Tese de Mestrado em Ecologia Humana e Problemas
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Disponível em:
https://run.unl.pt/bitstream/10362/22173/1/Vers%c3%a3o%20corrigida%20e%20melhorada
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REIS, Émilien Vilas Boas; BIZAWU, Kiwonghi. A encíclica Laudato Si à luz do Direito
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SARTI, Cynthia A. Feminismo no Brasil: uma trajetória particular. Cadernos de pesquisa, n.


64, p. 38-47, 2013. Disponível em:
http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/1182. Acesso em: 31 Jul 2020.

133
12

TERROR PSICOLÓGICO QUE A CULTURA DO ESTUPRO


PROVOCA NAS MULHERES

Arthur Gregório de Oliveira14


João Victor Rocha Mendes15
Yanne Karen de Oliveira Soares16

Introdução

Esse artigo possui a proposta de explicitar agentes que compõem e/ou complementam
a popularmente chamada cultura do estupro. Para a execução, correlacionando a cultura do
estupro com a questão do medo, foi-se indagada à subjetiva segurança a qual se é vivida nos
dias atuais, principalmente em relação às mulheres.
“O que você já deixou de fazer apenas por ser mulher?”. Essa foi uma frase encontrada
na internet que impulsionou o desenvolvimento deste trabalho. Embora a constituição vigente
no Brasil assegure o direito de ir e vir, e da igualdade de todos perante a lei, existe uma força
coesiva que advém de dentro das pessoas, que as impõe medo ou as impede de executar ações
tidas como simples na sociedade, tais como sair na rua à noite, fazer uma viagem particular
sozinha e coisas afins.
O tema, embora antigo, é atual e importante, considerando-se o aumento significativo
na porcentagem dos números de casos relacionados ao estupro e violência sexual e
feminicídio. Desta forma, destaca-se que um dos objetivos deste artigo é buscar entender o
processo como um todo e analisar a subjetiva segurança.

1 A evolução da penalização do estupro

Primeiramente, faz-se necessária uma contextualização de violência, que segundo


definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), se dá como: ”o uso de força física ou

14
Graduando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
15
Graduando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
16
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

134
poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou
comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico,
desenvolvimento prejudicado ou privação.”. Aqui extrai-se e destaca-se um de seus tipos, a
violência sexual, na qual hoje se utiliza principalmente o termo ‘estupro’ para a sua
denominação. Ela foi prevista inicialmente no Código Criminal do Império, de 16 de dezembro
de 1830, com a lei tendo a exata denominação de ‘estupro’. Entretanto, a lei defendia
plenamente apenas os direitos das mulheres consideradas de bem e a pena podia ser dada
apenas por meio do casamento com a estuprada. Apesar de também englobar a defesa a favor
das prostitutas, a pena tinha um diferencial para as mesmas, devido ao seu trabalho com o sexo
que não era bem visto naquela época. Além disso, o estupro só era reconhecido se o homem
fosse o estuprador, e a mulher a estuprada. Já no Código Penal de 1940, o sujeito ativo do
estupro já podia ser tanto o homem quanto a mulher, e não se tinha mais como pena o dote da
vítima. A última atualização dessa lei foi feita em 2009.
Apesar de inicialmente, devido aos costumes da época, a lei do estupro ainda ser
relativamente machista, a criação da mesma já foi um grande avanço, já que ela assegurava,
mesmo que de forma falha, algum direito para as mulheres, demonstrando que a luta pelos
direitos femininos já se encontrava desde os tempos mais remotos. Ainda, com o passar do
tempo, viu-se uma grande evolução na constituição, que gerou uma conquista ainda mais
efetiva desses direitos.

2 A sociedade e o estupro

A sociedade, desde os tempos antigos, cria estereótipos, principalmente para o sexo


feminino, julgando as mulheres por comportamentos, que não prejudicam ninguém e que
também são realizados pelos homens, mas a incomoda face à subcultura machista que perpassa
por toda a história e que ainda prevalece na sociedade nos dias atuais, mesmo após todas as
conquistas realizadas por elas. Infelizmente, algumas mulheres vão contra a corrente
feminista, que luta pela igualdade de gênero, e reproduzem a cultura machista ainda enraizada.
Isso acontece desde o nascimento, com a designação de gênero, onde meninas usam rosa e
brincam de boneca e casinha, reproduzindo a imagem que a sociedade cobra da mulher de ser
‘bela, recatada e do lar’ além de toda a delicadeza que sempre é cobrada do sexo feminino
desde o nascimento. Já os meninos vestem azul e brincam de carrinho, e muitas vezes são
repudiados quando querem brincar com algo considerado feminino, além do jeito rude e
agressivo que é esperado desse gênero. Ainda, desde pequenos, levam como espelho seus pais,
135
que por vezes são uma ‘família tradicional brasileira’, sendo a primeira imagem da sociedade
patriarcal a que uma criança é exposta, já que os pais são espelhos para seus filhos. Com isso,
os indivíduos crescem reproduzindo o machismo, já que é o único ideal que é ensinado a ter.
Contudo, mesmo com o patriarcalismo impregnado socialmente, ainda há quem foge
do padrão, como protagonista o sexo feminino, que muitas vezes é oprimido por essa prática,
já que o machismo preza apenas o lado do homem, onde ele é superior à mulher em muitos
aspectos. Desse ponto, surge o feminismo, buscando a igualdade de direitos que é prevista na
Constituição, onde ambos os gêneros são iguais perante a lei, e não há mais a imposição de
um gênero, além desse reconhecimento igualitário perante a sociedade.
Da sociedade patriarcal surge o estupro, como forma de o homem demonstrar a
submissão da mulher a ele, onde ela lhe devia obediência total e prevalecia sempre a sua
vontade mesmo que contrariasse a dela. O que é ensinado ao sexo masculino, mesmo que de
forma implícita, é a agressividade e brutalidade como características do macho. Eles estupram
para satisfazer os seus desejos que as mulheres não querem realizar de forma voluntária,
utilizando-se de força física ou ameaça.
Entretanto, a sociedade, que é indiretamente a causadora do estupro, o pensa de uma
forma diferente. Ela coloca como culpadas as mulheres, já que elas deveriam, por teoria, serem
submissas aos homens e agirem como mulheres puras, simpáticas, comportadas, recatadas e
de bem. Entretanto, quando elas saem desse padrão, a sociedade as julga e atribui a elas a
culpabilidade por atos que, independente de sua importância social, não deveriam ser brechas
ou motivos para a prática do delito. Mas quando se trata do homem, mesmo ele tendo praticado
um ato tão repugnante como a violência sexual, o mesmo é sempre defendido pela sociedade,
que o coloca como superior à mulher que busca justificativas que sustentem seu ato.
Ainda, mesmo que a sociedade julgue as mulheres por atos que retiram seu ‘valor’, ela
ao mesmo tempo a coloca como um objeto, usando se sua sexualidade para agradar ao público
masculino, como, por exemplo, em propagandas de cerveja. Com isso, ao mesmo tempo em
que a sociedade as julga por alguns atos, ela as coloca para praticá-los, sendo uma forma
irônica de defender o estuprador e criminalizar a vítima.

3 Danos causados pelo estupro

É sabido que o estupro é uma das piores formas de violência contra a mulher, que
produzem consequências danosas tanto físicas quanto mental nas vítimas, muitas vezes
irreversíveis e que vão refletir no seu comportamento para o resto de sua vida. São traumas
136
imediatos e/ou tardios como a síndrome do pânico, por exemplo, gerado pelo medo excessivo
de passar por aquela situação novamente, o que acaba por restringir a vítima de práticas
comum, como andar na rua sozinha ou à noite. Mas como o estupro pode ocorrer dentro de
casa por homens da família ou próximos à ela, esses danos podem ser ainda maiores pela
convivência diária com o agente ou a prática continuada do delito. A relatos de vítimas que
dizem se parecer mentirosa ou culpada pelo ato ocorrido ou relatado, consequentemente as
deixando em dúvida se é coisa de sua consciência ou de suas atitudes. Sobre o tema
OLIVEIRA, Paula Men de; CARVALHO, Marta Lúcia de Oliveira afirma que:

A ausência de lesões físicas concomitantes aos diversos tipos de violência sexual


sofridos por estas mulheres pode ser explicada pelo uso de armas para coação,
impedindo ocorrência de luta com sinais físicos de resistência. A falta de registro,
entretanto, impede a mensuração da frequência desse fato. (OLIVEIRA,
CARVALHO, 2006, p. 7)

Observando-se pelo lado biológico, no corpo humano, quando ocorre o ato sexual
consentido e natural ocorre a liberação de hormônios que causam a sensação de prazer, tendo-
se uma lista de hormônios que são liberados, além da adrenalina que é produzida normalmente,
são produzidos ainda a endorfina, serotonina, e tem-se também em produção, dois hormônios
importantíssimos, que é a Oxitocina e a Ocitocina.
Esses dois últimos hormônios merecem destaque devido a função deles. A Ocitocina,
que é produzida, é responsável pelo prazer mesmo na hora do sexo, ajuda na dilatação vaginal
da mulher, alerta a região da vagina para ter a produção de secreção, o que faz que a penetração
do pênis seja mais tranquila e não tenha tanta dor assim para a mulher.
Já a oxitocina, outro hormônio produzido pela mulher durante o ato sexual, faz com
que as defesas psicológicas da pessoa fiquem mais baixas, a confiança no parceiro aumenta, a
mulher fica mais apta a ouvir a pessoa. Em um ato de estupro, a mulher pode liberar primeiro
tanto a Oxitocina, ou a Adrenalina, o que pode incutir em maior medo psicológico por parte
da vítima, e isso pode variar de pessoa para pessoa.
O excesso de adrenalina no corpo acaba por literalmente fazer nosso corpo ter prejuízo
em algumas funções, porém se tem liberação imediata de Oxitocina, a mulher acaba por sofrer
problemas na liberação do mesmo posteriormente, o que acarreta diretamente na sensação de
sempre estar com medo de homens, sair ou ficar sozinha e outras ocasiões.
Devido à presença desse hormônio, após a abordagem policial, no exame nas
instituições responsáveis, o profissional tem que ser mulher, porque quando há toques nas
137
regiões íntimas, a associação com a figura masculina, e também a memoria corporal (o toque),
pode ocasionar a liberação novamente de excesso de adrenalina e automaticamente a
Oxitocina, também há casos comprovados de que a mulher também consegue liberar as
mesmas substancias que ela libera no sexo, mas não são todas que acontecem isso, e devido
ao acontecimento do estupro, as mulheres chegam a se sentir envergonhadas por terem essa
liberação igualitária. A questão da dor vaginal que as mulheres sentem na hora do estupro é
porque além de produzir ou não oxitocina, está também relacionado à produção ou não de
Ocitocina. Esse hormônio tem como uma das funções na mulher, de ajudar a relaxar a região
da vagina. E como no estupro tem uma maior porcentagem de adrenalina, acaba por não ter a
quantidade o suficiente de hormônio para dilatar, o que causa a dor na hora, e também reduz
a lubrificação na hora da penetração.

4 Atendimento prestado às vítimas de estupro e preconceitos sofridos ao denunciar

O estupro a partir da última atualização da lei de 2009, foi considerado como crime
hediondo que viola os direitos humanos, e o atentado violento ao pudor caracteriza-se por um
contato sexual não consentido, uma forma humilhante para toda mulher. Nos dias atuais, ainda
é considerado como um tabu falar sobre ou de quem foi vítima de estupro, sendo que a maior
parte das vítimas que sofreram esse ato se sente inseguras e constrangidas ao se apresentar em
delegacias, pois grande parte dos policiais são do sexo masculino. Mesmo após toda a luta
pela aquisição de direitos do sexo feminino para ocuparem cargos ocupados por homens,
prevalece uma desigualdade de vagas e salários, o que confirma o machismo enraizado ainda
na sociedade atual. Por esse motivo, as estupradas se sentem ainda inseguras de denunciar o
ato ocorrido, visto que alguns policiais ainda tem pensamentos machistas e acabam fazendo a
inversão de papeis, as colocando como culpadas, e não acreditando em suas histórias vividas.
Para Nunes, Patrícia Migliato Tonissi que fez um estudo de crenças e características sobre
essas violências e o atendimento a essas mulheres, o estudo incluiu 20 policiais de uma cidade
de tamanho médio no interior do Brasil, sendo que foram feitos dois questionários, um deles
sobre as concepções de policial sobre violência contra a mulher e atendimento a vítimas de
violência onde tinha crenças inadequadas sobre a violência contra a mulher, incluindo culpar
a vitima, o outro questionário mostra que os policiais tem uma boa concepção por mostrar
baixas respostas inadequadas. Em contrapartida, verificou-se que essa percepção equivocada
por parte dos policiais é consequência de situações cujos fatos ocorridos foram distorcidos
com a intenção de gozar do direito que é assegurado á mulher na Lei nº 12.015, de 7 de agosto
138
de 2009, no Art. 213 que prevê “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Muitas vezes, a mulher usa isso para ganho próprio por não ter gostado, ter se arrependido ou
ate mesmo para extorquir seu parceiro como se pode ver no caso do Neymar e a Najila
Trindade que o acusou de estupro, porém de todas as provas que ela disse ter, nenhuma foi
encontrada, e o único fundamento de suas alegações se basearam em tapas nas nádegas. Por
esse motivo foi criada a Delegacia Especializada em Atendimento a Mulher (DEAMs),
que é especializada em crimes contra o sexo feminino, e nas duas décadas aumentou o número
de delegacias e sua distribuição no país, fruto das mobilizações femininas. A primeira unidade
DEAMs foi inaugurada no estado de São Paulo em 6 de agosto de 1985 durante o governo
Franco Montoro, com o intuito de promover um melhor atendimento, articulação e
aprimoramento das policiais com o objetivo de tornar a denuncia tranquila, segura,
confortável, de acordo com o Senado Federal “(...) atendimento psicológico e social,
orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência, que devem
proporcionar o atendimento e o acolhimento necessários à superação de situação de violência”.

5 Metodologia

Foi utilizado o método de pesquisa descritiva com a finalidade de analisar e entender o


fenômeno da cultura do estupro, recorrente em nossa sociedade. A utilização de artigos e sites
na internet para a composição do conhecimento foi imprescindível.
Além de que, com objetivo empírico, os autores aplicaram um questionário através do
Google Forms, com perguntas objetivas, para buscar em fatos e construir dados. Por
conseguinte, as respostas obtidas, compactuaram com a tese apresentada na introdução desse
artigo, e reforça a ideia de impotência em relação à proteção individual, uma vez que, o poder
de polícia não é efetivo em todos os casos.

Conclusão

De tudo que foi analisado, verifica-se que ainda hoje a nossa sociedade é patriarcal e
que, apesar de todas as lutas e conquistas das mulheres por igualdade ao longo da história,
existem discriminações marcantes que distanciam o tratamento entre homens e mulheres. A
cultura do estupro, criada na década de 70 e que ainda se mantém bem atual, trata a mulher
como um objeto, uma coisa, consequência da utilização de termos que denigrem a sua imagem,
permite a objetificação dos corpos delas e valorizam a violência sexual. Apesar da existência
139
de leis que protegem as mulheres, da criação de delegacias especializadas para atendê-las,
ainda prevalece a sensação de insegurança que as impedem de fazer algumas coisas que são
habituais, como transitar sozinha em qualquer lugar ou usar a roupa que quiser. Para que as
leis sejam eficientes é necessário, antes de tudo, eu se veja a mulher como um ser humano,
criado a imagem e semelhança de Deus, que necessita ser respeitada, ser tratada com dignidade
e igualdade. Para isso, antes de tudo, é preciso que se quebre esses paradigmas criados pela
cultura do estupro que colocam a mulher como sujeitos de segunda categoria que podem ser
utilizadas ou destruídas.

REFERÊNCIAS

ADRENAIS. Só Biologia, 2008-2020. Disponível em: <


https://www.sobiologia.com.br/conteudos/ FisiologiaAnimal/hormonio5.php>. Acesso em:
19, abr, 2020.

ALVES, Andréa; PESCA, Lúcia. À flor da pele: saiba quais são os hormônios liberados na
hora da relação que aumentam a excitação. Diário Gaúcho, 2015. Disponível em: <
http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2015/12/a-flor-da-pele-saiba-
quais-sao- os-hormonios-liberados-na-hora-da-relacao-que-aumentam-a-excitacao-
4921090.html>. Acesso em: 19, abr, 2020.

BRASIL. Decreto- Lei N° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 20 abr. 2020.

BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm.
Acesso em 20 abr. 2020.

BRASIL. Lei Nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do


Decreto- Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072,
de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do
art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de
corrupção de menores. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/lei/l12015.htm. Acesso em: 20 abr. 2020.

CIENTISTAS REVELAM COMO SE COMPORTA O CÉREBRO FEMININO DURANTE


O
ORGASMO. O Globo, 2011. Disponível em: < https://tecnoblog.net/247956/referencia-
site-abnt- artigos/>. Acesso em: 20, abr, 2020.

MACHADO, Naiara. Uma Breve História Sobre o Crime do Estupro. Jus.com.br. Disponível
em:
<https://jus.com.br/artigos/51014/uma-breve-historia-sobre-o-crime-de-estupro>. Acesso
140
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MOREIRA, Isabela. 6 Coisas que Você Precisa Entender Sobre a Cultura do Estupro.
Galileu. São Paulo, ed. 299. Disponível em:
<https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2016/06/6- coisas-que-voce-precisa-
entender-sobre-cultura-do-estupro.html>. Acesso em: 22 abr. 2020.
NUNES, Patrícia Tonissi Migliato,A Violência Contra a Mulher e o Atendimento
Prestados as Vitimas: A Perspectiva do Policial Civil.São Carlos: 2012.

OXITOCINA, O HORMÔNIO DA FELICIDADE E DA FIDELIDADE. A Mente é


Maravilhosa,
2016. Disponível em: < https://amenteemaravilhosa.com.br/oxitocina-o-hormonio-da-
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OLIVEIRA,Paula Men de; CARVALHO, Marta Lúcia de Oliveira. Semina: Ciências


Biológicas e Saúde, Londrina, v. 27, n. 1, p. 03-11. Disponível em: <
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SOMMACAL, Clariana Leal; TAGLIARI, Priscila de Azambuja. REVISTA DA


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STRUZANI, Roberta. Traumas sexuais ficam registrado no útero e canal vaginal. Personare,
2018. Disponível em: < https://www.personare.com.br/traumas-sexuais-ficam-registrados-
no-utero-e- canal-vaginal-2-m7295>. Acesso em: 20, abr, 2020.

VILLAMIL, Quésia. Ocitocina: o hormônio do amor. Sentidos do Nascer, 2015. Disponível


em: < http://www.sentidosdonascer.org/blog/2015/06/ocitocina-o-hormonio-do-amor/>.
Acesso em: 19, abr, 2020.

141
13

A CRISE DO CUIDADO: AS IMPLICAÇÕES NA VIDA DA MULHER E


A REAFIRMAÇÃO DO PATRIARCADO

Ana Clara dos Reis Trindade Ferrer Monteiro17

Introdução

A segregação da independência da mulher se deu, basicamente, por três fatores, estes


que partem do mesmo ponto em comum: a desigualdade. O primeiro se trata das áreas de
desenvolvimento do Brasil, como por exemplo, no norte e nordeste do país, em que os índices
de desenvolvimento são bem inferiores quando comparados com as regiões sul e sudeste.
Buscando melhores condições de vida, muitos movimentos migratórios ocorreram das regiões
mais afastadas do centro do país, para a região sudeste. Sendo, essas pessoas, forçadas a
aceitarem trabalhos totalmente insalubres, exaustivos e ilegais, para conseguir estabilizar no
novo local. Como os empregadores não contratavam mulheres de maneira regularizada, ela era
obrigada a aceitar esse trabalho irregular quando seu cônjuge permitia, caso contrário, ela ficava
por conta dos cuidados do lar.
O segundo fator se trata da construção histórica social. Esta visão está localizada na
própria cultura, isto pode ser visto em contos culturais, em que a mulher é representada como
indefesa, como a personagem que não consegue realizar seus próprios atos, a pessoa que sempre
precisa de ajuda. Bem como na própria bíblia, explicitamente presente na parte "Não permito
que a mulher ensine, nem que tenha autoridade sobre o homem. Esteja, porém, em silêncio.
Porque primeiro foi formado Adão, e depois Eva”. (1 Tm 2:12-13), o que oferece uma
interpretação de que, a mulher nunca estará em pé de igualdade com um homem, não poderá
assumir cargos com posições superiores, não poderá ter o conhecimento para poder ensinar,
dentre outras possíveis interpretações. Por fim, podemos perceber no comportamento das
pessoas, que varia de intensidade, desde as mais fortes, localizadas nas pessoas com falta de

17
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.

142
acesso à educação e com piores condições de vida, até as mais fracas, localizadas em pessoas
que possuem determinado grau de educação e com melhores condições de vida.
Esta visão prejudicou o acesso à informação das mulheres, que em sua grande maioria,
foram impedidas de se qualificarem e poderem exercer funções com melhor remuneração, logo,
os anos foram passando, os homens, principalmente os brancos, ocuparam os lugares mais altos,
em questão de trabalho, de respeito e aceitação da sociedade. Esta questão fez com que, além
da mulher ter que conseguir ser vista como um ser independente, ela teve que lutar fortemente
para ocupar um desses cargos.
A mulher sempre se deparou com grandes barreiras, uma delas, senão a maior de todas,
que, atualmente, ainda atinge uma grande parcela da população feminina brasileira, é conseguir
ter o acesso à informação e a educação. Pela falta de qualificação profissional e o isolamento
do mundo legislativo, muitas mulheres ainda não conseguem ter conhecimento das proteções
que lhes são oferecidas, logo, elas se tornam ineficazes para atingir o objetivo que é a proteção
à mulher.
O terceiro fator se trata do acesso à educação, este que está diretamente relacionado com
a condição de vida, que somente determinadas mulheres conseguiram atingir, principalmente a
mulher branca, que, mesmo sofrendo segregação e preconceitos pelo fato de ser mulher, era
mais aceita e respeitada em alguns aspectos que, por exemplo, uma mulher negra, esta que
possuía muito mais dificuldades, devido a um processo de formação histórico social em que a
população negra se caracterizada como periférica, por motivos de escravidão. Nesse cenário,
ao longo da história, a mulher branca conseguiu se especializar, de forma que a possibilitou
atingir cargos que anteriormente eram ocupados apenas por homens, porém, deixou pra trás a
mulher negra, que começou a fazer o papel que a mulher branca realizava em sua casa, no caso,
o cuidado.

1 O Cuidado Como Parte da Vida Feminina

O debate sobre o cuidado gira em torno de duas premissas: A primeira é uma visão
dualista entre a esfera do público e do privado, já que nela a vida doméstica foi considerada
como natural do sexo feminino e pré-política, posicionada de uma maneira em que não se fazia
necessário o debate político sobre o trabalho doméstico e suas repercussões; A segunda,
relacionada com a primeira, faz menção ao modo como o trabalho doméstico é ignorado pela

143
política, esta que não leva em consideração as experiências concretas dos indivíduos para
elaborarem medidas/alternativas efetivas para os problemas sociais.
Desta forma, desde os tempos mais remotos, mais especificamente quando o homem
passou a adotar o sistema de sedentarismo, a mulher foi posta em posição de fornecedora do
cuidado, sendo ignorada a sua vontade e seu direito à liberdade de optar por realizar
determinados funções. Com o passar dos anos, a natureza do feminino continuou sendo visto
desta maneira, apesar de que existem diversos relatos na história que evidenciam movimentos
em que as mulheres reivindicavam seus direitos, desde os mais básicos, como poder estudar,
trabalhar fora de casa, sendo um trabalho remunerado, até hoje em dia, que o objetivo visa a
inserção total da mulher na política, mercado de trabalho, e não só uma classe de mulheres,
mas sim todas elas.
Mesmo com todos os movimentos realizando, as mulheres ainda não são vistas, por
grande parte da população, como livres do trabalho doméstico, como independentes de oferecer
cuidado. É possível visualizar essa questão principalmente entre a população com baixa renda
ou em regiões do país que não são muito desenvolvidas no aspecto social, seja por falta de
educação ou por uma cultura machista muito forte, em que a mulher é obrigada a ser colocada
em determinada posição sendo esta considerar como inferior.
A existência de diferentes grupos de mulheres, estes que se localizam em diversas
camadas da sociedade, possibilitou que o cuidado passasse a ser mercantilizado, principalmente
entre a mulher branca para a mulher negra, que, por uma questão histórica, não teve
possibilidade de se desenvolver no mesmo ritmo que a mulher branca. Mesmo que esta questão
trouxe para a mulher negra um trabalho remunerado, é importante a reflexão de como o cuidado,
ao recair sobre o feminino, de forma exploradora, impossibilita a inserção da mulher em
diferentes setores da vida pública, pois além dela ter que fornecer o cuidado em seu próprio lar,
ela fornece como meio de trabalho, ocupando assim a totalidade de seu tempo, impossibilitando
o acesso, por exemplo, à educação.

2 A Necessidade do Estado Fornecer o Cuidado

A necessidade de cuidado pode ser pensada como parte da vida das pessoas, a forma
como esse cuidado se dá varia de acordo com a carência de cada indivíduo, uma vez que existem
fases da vida em que se faz necessário maior atenção e dedicação, como por exemplo na
infância, na velhice e em situações de enfermidades.

144
Partindo desse pressuposto, é possível inferir que, a partir da divisão sexual do trabalho,
em que, por ser considerado natural, a mulher se posicionou, forçadamente, a cuidar dos
afazeres domésticos, realizando não só as tarefas matérias, mas também ficou encarregada das
tarefas emocionais, ou seja, a mulher ficou como provedora de cuidado, seja para os filhos, para
o cônjuge, para pessoas idosas na família ou para enfermos, e isso se concretiza até nos dias
atuais.
Além de ser uma tarefa desvalorizada tanto financeiramente como moralmente, o ato de
cuidar exige tempo e energia, retirados do exercício de outros tipos de trabalho, deixando a
mulher, que está na posição de cuidadora, impossibilitada de procurar outro ofício que seja
remunerado, o que gera dependência financeira, fortalecendo ainda mais a subordinação perante
ao parceiro.
O Estado possui o dever de fornecer o cuidado por meio de creches, com horários
integrais, asilos e locais em que, no tempo em que o responsável pelo indivíduo estiver
realizando serviços em prol do sustento familiar, a pessoa dependente possa receber todos os
recursos para se manter em segurança e em bom estado de saúde. Porém, na realidade brasileira,
o que se pode testemunhar é uma negligencia por parte de Estado tanto no debate político,
quanto no fornecimento das necessidades do cuidado, fato que acarreta no acúmulo de tarefas
para a mulher, esta que se quiserem realizar serviços remunerados, na maioria das vezes,
precisam passar o cuidado para alguém da família, estas que também são mulheres, como por
exemplo tias ou irmãs.
A partir do momento em que o Estado não cumpre com sua função e o cuidado passa a
ser uma responsabilidade do feminino, as maneiras como esse trabalho recai sobre a mulher se
diferencia, e os fatores responsáveis por isso são, dentre outros, classe, raça e gênero.
Atualmente no Brasil, a parte da população com maior renda e que se encontra, em sua maioria,
na posição de receber os cuidados, se caracteriza pelo homem branco, seguido pela mulher
branca, o homem negro e somente depois, a mulher negra, estas que são o segmento da
população com menor acesso ao trabalho formal.
Quase metade da população negra exercia trabalho informal em 2013, contra 34,7% da
população branca, são também a faixa da população com menor renda média, os domicílios
chefiados por mulheres brancas têm renda familiar per capita 47,3% maior que os chefiados por
mulheres negras, esse fato que pode ser entendi a partir do momento em que o Estado, não
proporcionando instituições capazes de oferecer o cuidado, as mulheres são obrigadas a se

145
encarregarem de tal função, porém a mulher branca, por possuir mais recursos financeiros,
consegue pagar uma pessoa, que normalmente é uma mulher negra, para fornecer o cuidado
A mulher negra que é contratada para ser fornecedora do cuidado, normalmente não
possui tempo e energia para trabalhar em serviços formais, já que ela também é responsável
pelo serviço doméstico da própria casa, o que faz com que esta aceite trabalhar por menos
tempo, mas por uma menor renda, gerando ainda mais desigualdade financeira entre as classes,
e, quando recai sobre ela a responsabilidade de chefia do lar, as condições financeiras são
extremamente baixas.
A mulher imigrante, se encontra perto da situação da mulher negra, por estar localizada
em um país onde o patriarcado e o preconceito são muito dominantes, as dificuldades para se
adaptar e conseguir um emprego formal são extremamente difíceis, além de que muitas
imigrantes chegam no país com seus filhos e são forçadas a aceitarem trabalhos precários, até
mesmo serviços análogos a escravidão, para conseguirem sustentar a família.
A mercantilização do cuidado se tornou uma alternativa ruim tanto para as mulheres que
possuem melhor condição financeira e contratam outra mulher, por um preço muito abaixo do
mercado, tanto para a mulher que não possui condições de se inserir em um trabalho formal e
aceitam a desvalorização do serviço para conseguirem uma pequena renda. Essa medida apenas
reafirma que a mulher é a única responsável pelo cuidado e que se a mulher quiser ter acesso a
outros trabalhos, é necessário a contratação de outra mulher para supostamente cumprir o seu
papel natural dentro da casa.
A partir dessa reflexão, é possível constatar que as mulheres negras, juntamente como a
mulher imigrante, estão localizadas nas classes mais baixas da sociedade, impedindo-as de ter
acesso a serviços de qualidade, como educação, saúde, lazer, e a ouras esferas da vida pública
que incidem diretamente nas oportunidades para a participação política. A mulher branca, como
já constatado, possui melhor condições de vida e é financeiramente mais estável, porém essa
realidade não é compatível com a maior parte dessas mulheres, e as que conseguem inserir na
política, não representam a realidade de inúmeros grupos femininos que precisam ser ouvidos.

3 Como o Cuidado Reafirma o Patriarcado na Sociedade

Pelo fato do cuidado ser considerado como natureza do feminino, acontece o


fortalecimento das ideias masculinas em relação a dominação e o controle sobre a mulher. Uma
das principais consequências dessa ideia de dominação é a violência doméstica, tanto agressões

146
físicas como psicológicas. Essa violência, que está presente na realidade de 1 a cada 4 mulheres,
sendo que 42% dessa violência é doméstica, reafirma tanto para a vítima quanto para o agressor,
a existência de uma superioridade entre os dois, sendo que o homem deteria essee poder.
É impactante o fato de que apenas 54% da totalidade das mulheres que sofrem agressões
domésticas denunciam seu agressor, isso acontece pelo fato do homem possuir o domínio
econômico, sendo o provedor de alimentos para o lar, fazendo com que a mulher fique refém
de suas atitudes, visto que também são impedidas de realizarem trabalhos remunerados ou se
dedicarem à sua profissionalização.
Outra questão que faz com que as mulheres não busquem levar sua demanda para vias
judiciais, é o fato de existir diversos relatos de que os próprios homens que trabalham em
serviços como a delegacia da mulher e o disque denúncia, também as ratam com desprezo, seja
por concordar com a atitude se seu cônjuge em para/com ela, ou seja pelo próprio servidor se
enxergar como superior em relação à esta, isto quando os dois fatos não ocorrem
concomitantemente.
Pelo fato de a grande maioria das mulheres não procurarem ajuda e, quando procuram,
seja até pior para mesma, elas continuam sendo forçadas a fornecer o cuidado, reafirmando
como o patriarcado está presente em todas as esferas da vida. Muitas mulheres não conseguem
identificar a presença de um comportamento machista e dominador por simplesmente acharem
que se trata de um comportamento normal.
A partir disso é possível inferir, como afirma SOLNIT (2017), o patriarcado está tão
intrínseco à realidade das mulheres, que muitas vezes se torna difícil visualizá-lo. O
comportamento de controle sobre o feminino é algo cultural, algo quem vem sendo construído
e aprimorado por anos e anos, sendo que essa dominação conseguiu se adequar aos diversos
paradigmas da sociedade.
O questionamento a se fazer é qual o momento em que as mulheres irão se ver livres de
algo construído dia a dia que é o patriarcado, este que começou a ser descontruído em pouco
tempo, com velocidade muito menor do que sua reafirmação cotidiana e ,com certeza, com
muito menos ferramentas de apoio. É uma luta feminina contínua para que as mulheres possam
atingir direitos que os homens já gozam desde toda a humanidade

Conclusão

147
A partir do que foi exposto no texto em questão, é possível inferir que a luta das
mulheres é algo que se perpetuou durante toda a história, sendo que atualmente o reflexo de
tantos movimentos pró igualdade, ainda não se consta como satisfatório, já que se verifica em
todas as camadas da sociedade algum comportamento machista, dominador, mesmo que este
esteja implícito para alguns olhares da sociedade desprovidos de educação e a acesso a outra
espécie de realidade.
O cuidado de manifesta como uma forma de dominação do feminino na medida em que
sempre recai sobre a mulher esse serviço, não podendo ser repartido com os outros moradores
do lar. A mulher se viu forçada a prover esses cuidados durante longos anos, atualmente, coma
terceirização do cuidado, é possível que algumas delas de veem livre de tal encargo, mas ainda
deixam por conta de outras mulheres, resultando em uma não libertação.
Por fim, é possível inferir que o patriarcado está presente em diversos comportamentos
masculinos, mas também está presente na mente, nas ideias do ser humano, visto que ao falar
em vivencia em sociedade, muitas pessoas, inclusive as próprias mulheres, pensam ser normal
o comportamento a elas auferido, bem como ser natural o seu lugar de provedora do cuidado,
mas na realidade, é uma maneira de dominação e prisão das ideias e dos atos das mulheres em
diversas esferas de sua vida.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA SAGRADA. A.T. Gênesis. 34. ed. São Paulo: Editora Paulinas, 1993. cap. 20, p. 69.

HOOKS, Bell; LIBÂNIO Ana Luiza. O feminismo é para todo mundo: Políticas
arrebatadoras. São Paulo: Rosas dos Tempos, 2018.

INSTITUTO MARIA DA PENHA. O que é violência doméstica. Dados estatísticos da


violência doméstica. Disponível em: <http://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-
domestica/o-que-e-violencia-domestica.html> Acesso em: 20, de mar. de 2020.

LERNER Gerda A Criação do Patriarcado: História da Opressão das Mulheres pelos


Homens. São Pulo: Pensamento-Cultrix Ltda, 2019.

SOLNIT Rebecca. Os homens explicam tudo para mim. São Paulo: Cultrix, 2017.

148
14
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: VIOLÊNCIA SILENCIOSA QUE
PROVOCA A DOR NA ALMA

Kátia Helena Gonçalves Siqueira18

Introdução

O tema deste texto é a violência contra a mulher, mais especificamente, a violência


psicológica. Para compreendermos o tema, é necessário compreender o contexto histórico e os
fundamentos de Direitos Humanos, dos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa
humana e da Cidadania.
Antes da época moderna, isto é, até a chamada Idade Média, o status das pessoas era
determinado pelo contexto social do seu nascimento, desde o início até o fim da sua vida, com
raras chances de mudança. Diferentes grupos sociais (nobres, servos, escravos, etc.) possuíam
diferentes direitos, por serem considerados naturalmente desiguais.
A partir da Modernidade, vários fatores contribuíram para uma mudança de paradigma,
onde os seres humanos se tornaram iguais por natureza e as desigualdades passaram a ser fruto
das relações sociais existentes entre eles, sobretudo por meio da distribuição injusta de poder e
riqueza. O surgimento da economia baseada na troca comercial, o Renascimento, o
Cristianismo, a Reforma Protestante e o Iluminismo fortaleceram os principais acontecimentos
no final do século XVIII e início do século XIX, principalmente a Revolução Americana, e a
Revolução Francesa, dois marcos históricos da Modernidade.
Como desdobramento desses movimentos surge a ideia de igualdade e de dignidade da
pessoa humana, onde todo ser humano, independentemente de cor, raça, classe, crença religiosa,
nacionalidade, orientação sexual, ou de qualquer contexto social, possui o mesmo valor.
O momento mais importante dessa afirmação foi a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, proclamada na França em 26 de agosto de 1789. Em seu artigo primeiro, pode- se ler:
“Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.

18
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.
149
1 Legislação Internacional de Proteção dos Direitos Humanos

Na ordem internacional, dois dos principais tratados internacionais referentes a Direitos


Humanos também transparecem esses mesmos princípios: a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, elaborada em 1948, pela Organização das Nações Unidas (ONU), logo após a
Segunda Guerra Mundial; e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também
conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, promulgada em 1969. Portanto, os Direitos
Humanos são um verdadeiro marco positivo na história das conquistas dos Direitos individuais.
As mulheres são especialmente protegidas pela Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e pela Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, também conhecida como Convenção
de Belém do Pará, cujo o tema é assunto da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra
a Mulher.
Todas essas convenções são pautadas pelo respeito à dignidade inerente a todas as
pessoas, à não discriminação e à plena e efetiva participação e inclusão na sociedade. A
cidadania, como o conjunto de direitos e deveres que permitem ao indivíduo participar da vida
política da sociedade, assegura essa participação ativa das cidadãs e dos cidadãos. O exercício
da cidadania, nas suas diversas formas de participação, desempenhou ao
longo da história e continua desempenhando até hoje, o papel fundamental nas lutas sociais em
prol dos Direitos Humanos, garantindo conquistas importantíssimas para o ser humano.

2 Legislação brasileira e Direitos Humanos

O principal instrumento jurídico do Brasil é a Constituição da República Federativa do


Brasil, também conhecida como a “Constituição Cidadã”. Ela foi elaborada incorporando vários
conceitos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, tendo em seu artigo 1º, incisos II e
III, fundamentos como a cidadania e a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 1988).
A Carta Magna estabelece ainda, em seu artigo 3º, incisos I, III e IV, como objetivos,
“construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. (BRASIL, 1988).
Em seu Artigo 4º, inciso II, a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos. (BRASIL, 1988).

150
A Constituição Federal (Brasil, 1988), em seu artigo 5º, estabelece direitos e garantias
fundamentais prevendo a proteção destes, no ordenamento jurídico brasileiro. “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade [...]”. E é justamente o seu inciso I que fundamenta o tema deste
trabalho, como veremos a seguir: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição”.

3 Violência contra a Mulher

A Constituição Federal é complementada por diversas leis específicas, sendo que várias
delas versam sobre os Direitos Humanos e se prestam a amparar grupos especialmente
protegidos. No Brasil existe uma lei que, em se artigo primeiro, “cria mecanismos para coibir
a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição
Federal, [...]”. (BRASIL, 1988): Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Trata-se da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, que ficou conhecida como Lei Maria
da Penha (Brasil, 2006), em homenagem a uma vítima real dessa violência, a biofarmacêutica
cearense Maria da Penha Maia Fernandes. Esta Lei traz em seu artigo primeiro, “[...] estabelece
medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
As construções sociais de gênero e a desigualdade entre homens e mulheres em nossa sociedade
têm sido, ao longo da história, fortemente influenciadas pelo machismo e pela autoridade
patriarcal, que difundiu a supremacia e o domínio masculino, passando este a ter mais vantagens
e prerrogativas. Durante séculos, as mulheres foram educadas para submeterem-se aos homens.
A "domesticação" da mulher foi consequência da necessidade dos homens assegurarem a posse
de sua descendência.
No entanto, as mulheres foram se estabelecendo ao longo da história e tiveram como
resposta um importante percurso de resistência e luta por igualdade, com importantes
conquistas, porém insuficientes, para estabelecer a igualdade entre homens e mulheres. Esta
luta foi fortemente influenciada pelas pressões estabelecidas, ao longo de anos, pelo Movimento
Feminista junto ao governo brasileiro e também por processos e mobilizações internacionais no
campo dos Direitos Humanos.

151
Neste contexto, a Lei Maria da Penha é um importante marco para a garantia dos direitos
das mulheres, pois, “(...) transforma o ordenamento jurídico brasileiro e expressa o necessário
respeito aos direitos humanos das mulheres e tipifica as condutas delitivas. Além disso, essa lei
modifica, significativamente, a processualística civil e penal em termos de investigação,
procedimentos, apuração e solução para os casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher” (OBSERVATÓRIO LEI MARIA DA PENHA)
Dessa forma, a Lei Maria da Penha, reafirma em seu artigo 2º, que, “toda mulher,
independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional,
idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe
asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física
e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”. (BRASIL, 2006)
A violência contra a mulher se caracteriza por qualquer conduta – ação ou omissão – de
discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher, o que
evidencia a violência de gênero, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino,
e que lhe cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral,
psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer
tanto em espaços públicos como privados.
Vive-se hoje numa sociedade que ainda apresenta uma cultura pautada em um modelo
autoritário, de dominação e de sistema patriarcal. Isso faz com que a violência seja tomada
como um fato social natural.
A mulher continua, nos dias atuais, sofrendo inúmeras formas de violência e a maior
parte das mulheres em nossa sociedade ainda vive uma realidade marcada por desigualdades,
violações e violências diversas que comprometem a garantia plena dos seus direitos.
E ainda hoje, a ideologia machista compromete a distribuição das oportunidades e o
acesso a direitos nas sociedades. Mantém, assim, as desigualdades entre homens e mulheres
tanto em termos de prestígio, reconhecimento social e vivência da cidadania quanto no que se
refere ao acesso a bens e recursos.
Desse modo, é preciso que o poder público e a sociedade civil se comprometam a tomar
medidas concretas para a promoção e efetivação de direitos dos grupos vulneráveis, entre eles,
as mulheres, e é por isso, que a Lei Maria da Penha representa um instrumento de fundamental
importância, quando estabelece em seu artigo 3º, “serão asseguradas às mulheres as condições
para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à

152
cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade,
à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. (BRASIL, 2006)
Ainda, o § 1º do artigo 3º da Lei Maria da Penha (Brasil, 2006) estabelece que, “o poder
público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito
das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Dessa forma, casos de violência doméstica, são violações de Direitos Humanos na
medida em que o poder público se comprometeu a prevenir, combater, reprimir e dar assistência
às vítimas, conforme o artigo 6º da Lei Maria da Penha: “A violência doméstica e familiar
contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”. (BRASIL, 2006)
A promoção e o respeito aos Direitos Humanos depende, em primeiro lugar, do
conhecimento sobre as normas que consagram esses direitos e orientam políticas públicas para
sua efetivação. Nos últimos 15 anos, a violência contra a mulher passou a fazer parte do debate
público como prática que não deve ser tolerada ou legitimada. Neste período, o arcabouço legal
com foco no enfrentamento aos diferentes tipos de violência contra a mulher foi se
consolidando, a exemplo da Lei Maria da Penha em 2006, da mudança na lei de estupro em
2009, da lei do feminicídio em 2015, e da mais recentemente lei de importunação sexual de
2018.
Aliás, o tema ainda é pouco abordado nos cinemas. Ainda há poucas produções que
tratam dessa temática, mas estas, são importantes contribuições, porque ajudam a publicizar, a
examinar e a enfrentar o problema. É o caso do filme Preciosa, do ano de 2009 e direção de Lee
Daniels: “Grávida de seu próprio pai pela segunda vez, Claireece "Preciosa" Jones de 16 anos,
não sabe ler nem escrever e sofre abuso psicológico constante nas mãos de sua mãe.
Instintivamente, Preciosa vê uma chance de mudar de vida quando ela tem a oportunidade de
ser transferida para uma escola alternativa. Preciosa, então, começa a viagem da opressão para
autodeterminação”.

4 Violência Doméstica e familiar

A violência contra as mulheres, especialmente a violência doméstica, envolve questões


afetivas e emocionais importantes, uma vez que, em geral, o agressor é o companheiro atual ou
pregresso da vítima, e pode ser o pai de seus filhos.
A Lei Maria da Penha traz, em seu artigo 5º, o conceito de violência doméstica e
familiar: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher
153
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, podendo ocorrer no âmbito da unidade
doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto. (BRASIL, 2006)
A violência doméstica pode ocorrer em casa, no ambiente doméstico, compreendido
como o espaço de convívio permanente de pessoas; ou em uma relação de familiaridade,
afetividade, com ou sem vínculo familiar; ou coabitação, inclusive as esporadicamente
agregadas.
A violência familiar é a violência que acontece dentro da família, compreendida como
a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, ou seja, nas
relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural
(pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o
primo ou tio do marido) ou afetividade por vontade expressa (amigo ou amiga que more na
mesma casa).
São vários os tipos de violência contra a mulher como estabelecidos no artigo 7º, incisos
I a V, da Lei Maria da Penha, “são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,
entre outras”, Brasil (2006):

Violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal; Violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o
pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

Violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a


manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação
ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade,
que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez,
ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que
limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
Violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção,
subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades; violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,

154
difamação ou injúria. O inciso II do artigo 7º, violência psicológica, é o que nos interessa, pois
é o ponto central deste trabalho. Tal violência é a forma mais subjetiva de agressão contra a
mulher e, por isso, mais difícil de identificar.

5 Violência Psicológica

A violência psicológica é toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à
autoestima ou à identidade da mulher, através de cobranças de comportamento, rejeição,
depreciação, desrespeito, punições exageradas, discriminação, crítica pelo desempenho sexual,
isolamento de amigos e familiares, desvalorização, rechaço, manipulação afetiva, negligência
ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à sua saúde psicológica. As ameaças de
agressão física ou de morte, bem como as crises de quebra de utensílios, mobílias e documentos
pessoais também são considerados violência emocional, pois não houve agressão física direta.
De acordo com Cunha e Sousa (2009, p. 239), “[...] entretanto, apesar de ser constituída de
aspectos invisíveis, essa violência altera substancialmente a rotina das vítimas”.
Diferente do que se imagina, não é preciso ser agredida fisicamente para estar em uma
relação violenta. Certas palavras e atitudes podem ferir a autoestima e a dignidade de uma
mulher tanto quanto a violência física e se tornar tão ou mais prejudicial do que ela. Algumas
dessas formas de agressões são veladas, disfarçadas como cuidado excessivo ou simplesmente
são formas de violências aceitas culturalmente. Por ser subjetiva e, por isso, de difícil
identificação, a violência psicológica, na maioria dos casos, é negligenciada até por quem sofre
a agressão, por não conseguir perceber que ela vem mascarada pelo ciúme, controle,
humilhações, ironias e ofensas. Apesar de ser uma agressão que não deixa marcas corporais
visíveis, emocionalmente, causa cicatrizes permanentes para toda a vida.
Os efeitos deste tipo de violência são imensuráveis e podem ser irreversíveis, causando
marcas para o resto da vida. Para Padilha e Silva (2012, p. 113), “a experiência do abuso
destrói a moral e a autoestima da mulher, expondo-a a um risco mais elevado de sofrer de
problemas mentais, como depressão, fobia, estresse pós traumático, tendência ao suicídio e
consumo abusivo de álcool e drogas”.
Outros sintomas possíveis são a ansiedade, angústia, baixa autoestima, sentimento de
incapacidade, sentimento de culpa, perda da memória, diagnóstico de pânico, isolamento
social, insônia, distúrbios alimentares , distúrbios cognitivos e de memória, sensação de vazio,

155
perda de sentido da vida, falta de esperança, dificuldade em confiar e criar laços relacionais
saudáveis, que podem vir a prejudicar o seu futuro profissional e a sua vida em sociedade.
Mas como pudemos ver, a lei protege as mulheres não apenas daquelas agressões que
deixam marcas explícitas na pele, mas também daquelas que ferem a autoestima, intimidam
suas ações, as ridicularizam e limitam seus direitos como cidadã e que provocam a “dor na
alma”.

6 Poucas Mulheres Buscam Ajuda do Estado

Em geral, os casos de violência no Brasil são registrados em situações policiais,


tratando-se, portanto, de casos de violência explícita, facilmente constatada. Porém, existem
casos de violência psicológica, difíceis de serem percebidos e diagnosticados, uma vez que,
dificilmente a vítima procura ajuda externa.
A violência psicológica é um tipo de agressão mais difícil de ser provado e poucas
mulheres buscam ajuda e intervenção do Estado, o que faz com que, muitos casos, não entrem
sequer, nas estatísticas, pois muitas vítimas não procuram a delegacia, seja ela comum ou
especializada, para o registro de sua ocorrência, o que representa a principal porta de entrada
dessa mulher em situação de violência.
Em muitos casos, há uma tendência da mulher em não tomar qualquer atitude contra
o agressor, às vezes, por se culpar pela violência sofrida, ou por esperar que o comportamento
violento cesse, ou ainda, por temer pela sua integridade física e a dos seus filhos. Dessa forma,
a mulher tende a aceitar e justificar as atitudes do agressor, protelando a exposição de suas
angústias até que uma situação de violência física, muitas vezes grave, ocorra. A violência
psicológica se inicia de uma forma lenta e silenciosa e progride em intensidade e
consequências.
A violência psicológica normalmente precede a agressão física que, uma vez praticada
e tolerada pelas mulheres, pode se tornar constante. Segundo Caponi, Coelho e Silva (2007,
p. 93-103), “razões como medo, insegurança, pressão familiar, dependência financeira e
dependência emocional contribuem para que elas permaneçam nesse tipo de relação”, o que
suscita reflexões que nos permitem compreender as razões que dificultam as mulheres,
romper os laços com os seus agressores.

156
Em razão disso, tratar da violência psicológica é um grande desafio, pois a mesma
está inscrita no campo da subjetividade, no qual se alojam os aspectos sentimentais,
emocionais, elementos que têm o caráter da invisibilidade. (CUNHA e SOUSA, 2009,
p. 239).

Conforme a pesquisa realizada em 2017 sobre a Violência doméstica e familiar contra


a mulher, o Instituto DataSenado, do Senado Federal, constatou o aumento significativo do
percentual de mulheres que declararam ter sido vítimas de algum tipo de violência provocada
por um homem: esse percentual passou de 18%, em 2015, para 29%, em 2017. A violência
física foi a mais mencionada: 67% das respondentes disseram já ter sofrido esse tipo de
agressão. A violência psicológica veio em seguida, com 47% das menções.
A pesquisa aponta ainda que, um terço das mulheres afirmou ter buscado a intervenção
do Estado após a última agressão sofrida. Quase uma em cada três mulheres (27%) afirmou não
ter tomado qualquer atitude após a última agressão.
Com base nesses dados, pode-se afirmar que a violência das relações de casal é tão
significativa que assume caráter endêmico, a prevalência significativa da violência intrafamiliar
constitui sério problema de saúde pública, grave obstáculo para o desenvolvimento social e
econômico e uma flagrante violação aos direitos humanos.

7 Discussão

Atualmente a Lei Maria da Penha, contribui para impedir que os atos e


agentes da violência continuem a tratar a mulher de maneira indigna. Mas não basta apenas
regulamentar e declarar direitos. É preciso que o poder público e a
sociedade civil se comprometam a tomar medidas concretas para a sua promoção, e é por isso,
que são adotadas políticas públicas, programas, projetos, ações e planos de Direitos Humanos.
É necessário também conhecer e identificar as redes de proteção e de serviços especializados
nas áreas da saúde, assistência social, segurança e justiça, bem como as redes de apoio da
comunidade, como as associações de moradores, grupos de mulheres, grupos religiosos e
outros, para encaminhar os casos de violência doméstica contra a mulher.
Os profissionais de saúde estão em uma posição estratégica para detectar riscos e
identificar as possíveis vítimas de violência intrafamiliar, por ser o primeiro local que elas
procuram para um primeiro atendimento. A equipe de saúde deve oferecer orientações e suporte
para que a vítima possa compreender melhor o processo que está vivendo, bem como, elaborar
políticas de prevenção, voltadas para dar visibilidade ao problema, desconstruindo o conceito

157
de que a violência é algo que faz parte da natureza, e reforçando o conceito de que a violência
é cultural e, por isso, pode ser eliminada da convivência social.
É necessário criar e fortalecer espaços de atenção às vítimas de violência. Grupos de
autoajuda, espaços de escuta individual e coletiva nas unidades de saúde, oficinas terapêuticas
e palestras informativas são formas de demonstrar para a comunidade, a necessidade de
mudanças e promover o empoderamento feminino, introduzindo, assim, uma cultura de
autocuidado.
Outra ação importante é o encaminhamento correto das vítimas aos seguintes órgãos:
Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, é um canal de atendimento telefônico,
com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços
da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil;
Delegacia da Mulher, a fim de denunciar o ocorrido;
Departamento Médico-Legal, para realizar exame de corpo de delito, se for o caso;
Conselho Tutelar, para denunciar a violência contra as crianças e verificar as
providências necessárias.

Conclusão

A violência psicológica promove a tortura mental e a convivência com o medo e o terror,


o que traz sérias consequências na vida das mulheres. Por isso, este tipo de agressão merece
espaço de discussão, ampliação da prevenção, criação de políticas públicas específicas para o
seu enfrentamento e tratamento especializado.
Além das políticas públicas necessárias ao combate dessa violência, novos
entendimentos jurídicos devem surgir para que se amplie o campo de proteção da Lei Maria
da Penha.
Atualmente, as mulheres, vítimas de violência doméstica, podem contar com programas
de apoio na resolução de seus problemas familiares. Mas, mesmo com este atendimento
especializado, observa-se um aumento significativo no número de casos e no tipo de agressões
cada vez mais severas, que muitas vezes, ocasionam a morte ou graves sequelas nas vítimas.
Descrever essa realidade é dizer a importância de se construir políticas públicas
inovadoras no combate à violência doméstica, pois somente compreendendo a gravidade do
problema é que será possível discutir soluções alternativas e eficazes.

158
Um dos grandes desafios para o enfrentamento à violência contra as mulheres é a
denúncia. Há diversos motivos que podem levar uma mulher a não relatar que se encontra ou
que passou por situação de violência, como vimos anteriormente.
Portanto, as políticas públicas implementadas para garantir o cumprimento da Lei ainda
se mostram frágeis e as políticas desenvolvidas pelos Poderes Executivos seguem dando pouca
ou nenhuma prioridade às ações de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Considerando que uma das funções essenciais do Direito é garantir os princípios fundamentais
de liberdade, igualdade e dignidade humana, novos estudos devem discutir as formas de
proteção à mulher, sua efetividade e relevância jurídica.

159
15
A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E AS MEDIDAS JURÍDICAS
PARA COMBATÊ-LA

Vitor Augusto Abreu Fagundes Carvalho19

Introdução

Homens e mulheres são historicamente diferenciados pelas sociedades às quais


pertenceram e pertencem. O último registro histórico que apresenta igualdade entre ambos os
gêneros, como bem cita Peter Stearns (2007) em seu livro - Histórias das relações de gênero –
foi no Período Neolítico, que durou dos anos 8.000 A.C a 5.000 A.C, no qual a sociedade passou
por uma transformação em seu modo de vida, deixando de ser nômades caçadores e coletores
passando à era do desenvolvimento da agricultura.
Por ser tão longeva tal diferenciação podemos afirmar que nunca vivenciamos períodos
de igualdade plena entre ambos os gêneros e, por isso é cada vez mais latente a necessidade de
se propor medidas para que as mulheres desfrutem da igualdade perante aos homens, conferida
pela Constituição Federal do Brasil que dispõe em seu artigo Art. 5°, inciso I, que: I - homens
e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
O Direito e seus operadores ajudarão as mulheres a alcançarem a isonomia em todos os
contextos da vida em sociedade, sejam na diminuição dos índices de violência, na equiparação
salarial ou até mesmo a conseguirem mais “discriminações positivas” ou “ações afirmativas”,
estas reconhecidas pelo direito como: “políticas públicas ou programas privados que visam
corrigir, ou diminuir, eventuais desigualdades”. Exemplos dessas discriminações positivas são,
por exemplo, a diferença de idade entre homens e mulheres no tempo de contribuição necessário
para a aposentadoria, licença maternidade e isenção do serviço militar, entre outras disposições
legais que visam garantir equidade e isonomia às relações sociais. Equidade esta definida por
Aristóteles em Ética a Nicômaco (2018), como virtude que não se identifica com o “justo”,
sendo equidade superior ao ato justo por ser “uma correção da lei quando ela é deficiente em
razão da sua universalidade”. Corroborando assim, com as citadas “discriminações positivas”,

19
Graduando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Democracia e Processo”,
coordenado pelos professores Vinicius Thibau e Thiago Monteiro.

160
pois ainda segundo Aristóteles, e seguindo o conceito de igualdade, “promover a isonomia é
tratar os desiguais na justa medida de suas desigualdades”.

1 Os tipos de violência

Em nível internacional, a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da


Violência contra as Mulheres fornece a seguinte definição:

O termo violência contra a mulher significa qualquer ato de violência de gênero que
resulte ou possa resultar em dano físico, sexual ou psicológico ou sofrimento para as
mulheres, incluindo ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade,
seja ela ocorrendo na vida pública ou privada.

A violência contra a mulher decorre principalmente da sensação de poder que os homens


têm sobre as mulheres. É um fenômeno profundamente enraizado na desigualdade de gênero e
continua a ser uma das violações mais notáveis dos direitos humanos em todas as
sociedades. Violência de gênero é a violência dirigida contra uma pessoa por causa de seu
gênero.
A Lei n° 11.340, de 7 de Agosto de 2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da
Penha”, versa em seu artigo de número 7 sobre os tipos de violência sofridos pelas mulheres.

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação
de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação; .
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,

161
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria.

E temos como exemplo mais abrangente a Convenção do Belém do Pará que trata todo
e qualquer tipo de discriminação como violência. Dispositivo positivado no artigo 6°:

O direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros:


a. o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação;
b. o direito da mulher a ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de
comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade
ou subordinação.

É importante ressaltar acerca do inciso “b”, que no ano de 1827 foi estatuído o primeiro
Código Escolar Brasileiro e neste o ensino às meninas era restito a o que chamavam de “prendas
domésticas”. Enquanto meninos aprendiam as meterias “convencionais” como Matemática e
Geometria as meninas aprendiam a cuidar da casa e dos futuros filhos. À época a diferenciação
foi justificada pelos senadores do Império sob o argumento de “que as mulheres não tinham a
capacidade intelectual necessária para o estudo da matemática.”¹

2 Violência doméstica

Embora não exista uma definição única, os elementos centrais da violência


doméstica incluem: atos de violência que ocorrem entre pessoas que têm ou tiveram um
relacionamento íntimo; um padrão contínuo de comportamento destinado a controlar um
parceiro através do medo, por exemplo, usando comportamentos violentos e ameaçadores. Na
maioria dos casos, o comportamento violento faz parte de uma série de táticas para exercer
poder e controle sobre as mulheres e seus filhos e pode ser criminal ou não criminal - práticas
sem tipificação penal -; e também é verificável comportamento ameaçador ou violento podendo
incluir abuso físico, sexual, emocional, psicológico e financeiro.

3 Violência física

162
A violência física pode incluir tapas, empurrões, chutes, golpes, socos, torcer os braços,
engasgar, ser jogada escada abaixo ou do outro lado da sala além de queimaduras e
esfaqueamento. A violência física é entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal.
Segundo dados do DATAFOLHA em pesquisa encomendada pela ONG Fórum
Brasileiro de Segurança Pública no ano de 2018 1,6 milhão de mulheres foram espancadas no
Brasil. A violência doméstica e física, que muitas das vezes são dadas como uma só coisa pelo
senso comum são os tipos de violência mais frequentemente sofridos pelas mulheres,
representam 42% do número total dos casos entrevistados. 52% desses casos não foram
denunciados aos órgãos policiais. Ainda segundo a mesma pesquisa 22 milhões de mulheres
sofreram algum tipo de assédio. Ou seja, 37,1% da população feminina do país sofreu pelo
menos um tipo de violência num lapso temporal de 12 meses e a maioria dos casos não foram
denunciados. Infelizmente estima-se que esse número seja bem maior devido ao medo das
mulheres em denunciar seus agressores e a óbvia incapacidade da pesquisa de abranger,
literalmente, todo o território nacional.

4 Violência psicológica

O abuso psicológico e emocional pode incluir uma variedade de comportamentos


controladores, como controle financeiro, isolamento de familiares e amigos, humilhação
contínua, ameaças contra crianças ou ameaça de ferimentos ou morte.

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação
de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação. (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

5 Violência sexual

Agressão sexual ou violência sexual podem incluir estupro, agressão sexual com
implementos, ser forçado a assistir ou se envolver em pornografia, prostituição forçada e ser
forçado a fazer sexo com amigos do agressor. Inclui ainda assédio sexual; mutilação genital
163
feminina prática comum em países da África; casamento forçado; e estupros em tempos de
guerra e de dominação entre nações ou povos.

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a


presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar,
de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

6 Violência patrimonial

O abuso financeiro ou econômico inclui controlar a força o dinheiro ou outros ativos de


outra pessoa. Também pode envolver roubar dinheiro, não permitindo que a vítima participe de
nenhuma decisão financeira ou impedindo a vítima de ter um emprego.

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure


retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

7 Violência Obstétrica

A violência obstétrica ocorre na interseção entre a violência institucional e a violência


contra a mulher durante a gravidez, o parto e o período pós-parto e ocorre na prática médica
pública e privada. A violência obstétrica pode se manifestar desde a negação ao tratamento pré-
natal até a verificação do status de HIV da parturiente. Passando por práticas como
desconsideração das necessidades e dores da mulher, humilhações verbais, práticas invasivas,
violência física, uso desnecessário de medicamentos, detenção forçada de intervenção médica
em instalações por falta de pagamento, tratamento desumanizador. Não há lei de abrangência
nacional referente ao tema, no entanto a lei estadual de Minas Gerais n° 23175, de 21 de
Dezembro de 2018 trata do tema e tem seguinte redação no seu artigo 2° que especifica os tipos
de violência obstétrica.

Art. 2º Para os fins desta lei, considera-se violência na assistência obstétrica a prática
de ações, no atendimento pré-natal, no parto, no puerpério e nas situações de
abortamento, que restrinjam direitos garantidos por lei às gestantes, às parturientes e

164
às mulheres em situação de abortamento e que violem a sua privacidade e a sua
autonomia, tais como:
I - utilizar termos depreciativos para se referir aos processos naturais do ciclo
gravídicopuerperal;
II - ignorar as demandas da mulher relacionadas ao cuidado e à manutenção de
suas necessidades básicas, desde que tais demandas não coloquem em risco a saúde da
mulher e da criança;
III - recusar atendimento à mulher;
IV - transferir a mulher para outra unidade de saúde sem que haja garantia de
vaga e tempo hábil para chegar ao local;
V - impedir a presença de acompanhante durante o pré-parto, o parto, o
puerpério e as situações de abortamento;
VI - impedir que a mulher se comunique com pessoas externas ao serviço de
saúde, impossibilitando-
a de conversar e receber visitas quando suas condições clínicas permitirem;
VII - deixar de aplicar, quando requerido pela parturiente e as condições
clínicas permitirem, anestesia e medicamentos ou métodos não farmacológicos
disponíveis na unidade para o alívio da dor;
VIII - impedir o contato da criança com a mãe logo após o parto, ou impedir o
alojamento conjunto, impossibilitando a amamentação em livre demanda na primeira
hora de vida, salvo se a mulher ou a criança necessitar de cuidados especiais;
IX - submeter a mulher a exames e procedimentos cujos propósitos sejam
pesquisa científica, salvo quando autorizados por comitê de ética em pesquisa com seres
humanos e pela própria mulher mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
X - manter algemada, durante o trabalho de parto e o parto, a mulher que
cumpre pena privativa de liberdade, exceto em casos de resistência por parte da mulher
ou de perigo a sua integridade física ou de terceiros e em caso de fundado receio de
fuga.
Parágrafo único. A exceção prevista no inciso X será justificada por escrito,
sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, sem
prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

8 Violência contra mulheres negras e trans

A despeito de não ter tipificação penal exclusiva faz-se necessário tratar ainda acerca da
violência contra mulheres negras e mulheres trans. Estas são vítimas não apenas dos crimes de
gênero, mas, também dos crimes de racismo e LGBTfobia, tendo em vista que os índices de
violência contra mulheres negras e trans são significativamente maiores do que se
considerarmos apenas os índices de violência contra mulheres brancas cis heterossexuais.
Segundo pesquisa feita pelo Instituto Data Senado, mulheres negras sofrem até três
vezes mais homicídios do que mulheres brancas. O Paraná é o único estado do país no qual os
índices de violência contra mulheres brancas são maiores do que contra as mulheres negras. No
entanto, tal registro justifica-se pela característica populacional do estado do Paraná que, no
ano de 2016, segundo o IBGE, 67,6% da população se autodeclarou branca, enquanto o
percentual de pardos era de 27,8% e apenas 3,3% se autodeclararam negros. Em números totais,

165
o Paraná possuía população de 11,2 milhões de habitantes, sendo estes 7,56 milhões de brancos,
3,1 milhões de pardos e apenas 353 mil negros.
O Brasil lidera os índices de assassinatos de pessoas trans e, também, de pesquisas por
pornografia envolvendo transexuais no mundo, um grande paradoxo.
Segundo a ONG europeia TransgenderEurope (TGEu), o Brasil registrou entre
os anos de 2008 e 2016, 856 assassinatos de travestis e transexuais, o triplo de registros do
México, segundo país do ranking. No entanto, estima-se que esse número seja bem maior
devido à dificuldade de contabilizar essas mortes. Muitas das vezes identificam as vítimas como
“homens com roupa de mulher”, ignorando, assim, a opção pelo gênero feminino por parte das
vítimas e, com isso, mascaram também os reais motivos do assassínio.
Em decorrência dos dados expostos é possível cravar que o número de 2.190 mortes de
mulheres trans no mundo no período é “apenas a ponta do iceberg”. Sendo a população trans a
mais suscetível à violência e, também, a mais vulnerável devido à falta de medidas estatais para
que, no mínimo, os índices de violência contra essa faixa populacional diminuam.
A Organização Mundial da Saúde listou em seu site o que considera como os principais
fatores de risco quanto à violência contra as mulheres e alguns são eles:
• Níveis mais baixos de educação
• Histórico de maus-tratos infantis
• Crenças na honra da família e pureza sexual
• Ideologias do direito sexual masculina
• Fracas sanções legais por violência sexual
Para a OMS a causa raiz do problema é a desigualdade de gênero e as normas sociais e
jurídicas sobre a aceitabilidade da violência.
Já a organização norte-americana Woman’s Health² lista ainda diversos danos à saúde
das mulheres vítimas de violência. Danos estes que podem ser físicos no curto prazo, mas
principalmente psicológicos no longo prazo, podendo estes durar por toda a vida da vítima.
• Problemas cardíacos
• Pesadelos e problema para dormir
• Disfunções imunológicas
• Dificuldade de manter práticas sexuais com outros parceiros é comumente
verificável em vítimas de crimes sexuais
• Transtorno de estresse pós-traumático
• Depressão
166
• Ansiedade

9 O direito como mecanismo de reparação social

Para Miguel Reale (1995) "aos olhos do homem comum o Direito é a lei e ordem, isto
é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao
estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros”. Mas, tecnicamente, o Direito
é mais do que isso. O Direito engloba as ações afirmativas por parte do Poder Executivo e
Legislativo além das iniciativas e movimentos populares. O Direito garante legitimidade
jurídica às demandas sociais ao reconhecer que determinado fato não interessa apenas ao meio
social como também ao jurídico.
As principais fontes jurídicas quanto ao tema vêm de fora do Brasil, mais precisamente
da Europa e do Canadá. É da Islândia, país reconhecido por ter a menor desigualdade de gênero
no mundo por nove anos seguidos, segundo o relatório anual do Fórum Econômico Mundial,
além de outros títulos simpáticos como ser o mais amigável do mundo para com os imigrantes,
segundo o Índice de Aceitação da Gallup, de onde temos os melhores exemplos jurídicos de
medidas estatais para sanar a diferenciação salarial entre homens e mulheres. No início de 2018
o país criou um novo tipo penal para punir os empregadores que não pagam os mesmos salários
para seus funcionários que exercem a mesma função, fato inédito no mundo. Além da sanção,
no país, é o patrão quem tem que provar que não existe tal desigualdade na sua empresa e, para
facilitar esse processo, tanto na Islândia como nos países que compõe o Reino Unido, as
empresas têm que entregar relatórios anuais quanto aos salários pagos a seus funcionários.
No Canadá existe legislação que até certo ponto é mais avançada e eficaz do que as
determinações e leis islandesas, mas não mais radical. No país, mais precisamente em Ontário,
a Lei 148 de Locais de Trabalho Justo (Fair Workplaces, Ontário, Bill 148) que versa sobre a
proibição quanto à possibilidade de obrigar-se uma funcionária a trabalhar de salto alto
(Schedule 3, 25.1) dentre outras medidas como, por exemplo, direito a férias após sofrer
violência doméstica e/ ou violência sexual (Schedule 1, 7).
Em países onde a desigualdade social é maior tal violência é mais facilmente verificável.
Segundo dados dos Empregados e Desempregados Cadastro Geral (CAGED) e do (IBGE), no
Brasil, país aonde cerca de 13,5 milhões de pessoas vivem com até R$145,00 por mês, a
diferença salarial entre homens e mulheres chega a 47% em âmbitos nacionais. Homens

167
recebem em média R$3.946,00 enquanto as mulheres recebem em média R$ 2.680,00. Dados
coletados em 2020.
No Brasil, medidas jurídicas que visam à diminuição da violência de gênero demoram
mais para serem aprovadas do que em outros países do Ocidente. A já citada Lei Maria da
Penha, primeira lei brasileira a punir a violência contra as mulheres, é recente. Foi aprovada em
7 de agosto de 2006. Ou seja, há apenas 14 anos. Nos demais países da América Latina e Caribe,
região onde as mulheres mais sofrem violência no mundo, leis semelhantes foram aprovadas
nos anos 90. No Peru, inclusive, há tipificação penal por crime de assédio sexual em espaços
públicos. Lei aprovada em 2013.
Antes da aprovação da Lei Maria da Penha os crimes praticados contra as mulheres eram
tidos como atenuante penal, situação revertida pela lei que transformou tal prática em agravante.
Ainda referente ao ordenamento jurídico brasileiro, temos a também recente Lei do
Feminicídio, aprovada em 9 de março de 2015, tendo esta acrescentada em comparação com a
Lei Maria da Penha aumento de pena para crimes praticados contra mulheres em razão do seu
gênero. A lei do feminicídio torna os assassinatos cometidos contra as mulheres em homicídio,
com pena de 12 a 30 anos. Antes de a lei entrar em vigor a pena era de 6 a 12 anos, referente
ao crime de assassinato.

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:


§ 2º -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime
envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Ainda se tratando do Direito brasileiro, temos como exemplo a ADPF 54, Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela Confederação Nacional de
Trabalhadores da Saúde no ano de 2004, ação tal que pedia a descriminalização do aborto de
fetos anencéfalos. O julgamento ocorreu somente em 2012, tendo sido aprovada a
constitucionalidade de tal ato, ou seja, votaram pela não tipificação desta prática, antes prevista
no artigo 124 do Código Penal.
Tal julgado foi tratado à época pelos Ministros Celso de Mello e Cezar Peluso, como o
mais importante julgamento da corte constitucional brasileira. Julgamento este marcado por
célebre discurso do Min. Celso de Mello, no qual arguiu que:

Este é um julgamento que se mostra fiel “ao espírito de nossa era e à realidade de
nossos tempos”, pois reflete a esperança de um número indeterminado de mulheres
que, embora confrontadas com a triste e dramática situação de serem portadoras de
feto anencefálico, estão a receber, hoje, aqui e agora, o amparo jurisdicional do
168
Supremo Tribunal Federal que lhes garante o exercício, em plenitude, do direito de
escolha entre prosseguir no curso natural da gestação ou interrompê-la, sem receio,
neste caso, de sofrer punição criminal ou indevida interferência do Estado em sua
esfera de autonomia privada. (Mello, 2012).

Temos ainda opinião do Dr. Dráuzio Varella que à época do julgamento da ADPF 54,
disse que: “Se os homens parissem, o aborto seria legalizado há muito tempo, e no mundo todo”.
A então proibição do aborto nos exemplifica, dentre outras práticas, como o corpo e a vida das
mulheres é controlada. A ADPF 54 demorou oito anos para ser julgada e nesse período não foi
criada lei que suprisse tal demanda ou tirasse do STF a obrigação de decidir sobre a
criminalização ou não de abortos de fetos anencéfalos. Decisão esta que deveria caber às mães,
amparadas por acolhimento médico e psicológico, tendo em vista os sérios riscos à vida da
parturiente ao continuar gestando fetos anencélafos, devido à malformação desses fetos.
Ademais, como frisado nos julgados, obrigar uma mãe a gestar uma vida que está fadada à
morte em curtíssimo prazo fere os preceitos da Dignidade da Pessoa Humana. Fazendo-nos
questionar em até que ponto as mulheres têm plena dignidade reconhecida, tendo em vista a sua
constante luta por direitos.

10 Possíveis soluções

No Brasil, segundo dados do MEC, as mulheres são a maioria nos cursos de Direito,
Medicina, Odontologia e Enfermagem. É de suma importância que cada vez mais mulheres
ocupem esses espaços a fim de que promovam a conscientização social sobre a disparidade no
tratamento dispensado às mulheres frente aos homens.
A Política é, talvez, o principal meio para obtenção desses direitos, pois ninguém melhor
do que as próprias mulheres para reivindicá-los. No Brasil há lei que obriga os partidos políticos
a terem uma cota de no mínimo 30% de mulheres concorrendo às eleições (Lei 9.504, 30 de
setembro de 1997). No entanto essa cota é burlada com certa facilidade através da eleição de
“candidatas fantasma” (candidatas que não fizeram campanha a fim de se eleger). Há, inclusive,
Projeto de Lei que objetiva maior rigor na investigação dos casos (PL 1.541/2019) de autoria
da senadora Mailza Gomes (PP-AC). Segundo dados do TSE, em 2019 o Brasil contava com
apenas 290 mulheres eleitas, número que representa 16,2% do total e exprime a ineficácia da
lei de cotas no país.
Na Islândia a representação feminina no parlamento foi de 48% no ano de 2016. No país
a cota de candidaturas femininas por partido é de 40%. O país conta também com cotas para

169
maior participação feminina em empresas privadas, contando em 2016, com mulheres presentes
na diretoria de 43% das empresas de capital aberto islandesas.
Como já citado, a Islândia é o melhor país do mundo para as mulheres e, só conseguiu
tal status, após lutas feministas em 1975 que resultaram na instituição de “ações afirmativas”
por parte do governo islandês. No ano, cerca de 90% da população feminina do país foi às ruas
a fim de reivindicar maior participação na política. Já em 1976 foi aprovada a lei que é
conhecida como Lei de Igualdade de Gênero. Tendo as mulheres, conseguido a primeira cadeira
no Parlamento no ano de 1983.
É necessário que os demais países do globo adotem medidas de conscientização e para
uma maior participação feminina nas esferas públicas. Somadas às iniciativas populares e às
propostas de candidatas já eleitas, o mundo pode vir a ser tornar um lugar mais seguro para as
mulheres.

Conclusão

A criação sanções penais não é medida suficiente nem eficaz no combate aos variados
tipos de violência praticados contra as mulheres. Dados mostram que a criação das leis Maria
da Penha e Lei do Feminicídio não surtiram efeito esperado na diminuição dos índices de
violência contra as mulheres. Devido à natureza do problema faz-se necessário que sejam
tomadas, em conjunto, outras medidas para que a sociedade se conscientize acerca da cultura
machista que transcende eras não só no Brasil, mas, no mundo. Medidas estas no campo da
educação, saúde, psicologia, economia e direitos humanos. Não serão os profissionais do
direito, nem os profissionais da área da saúde ou da educação e dos demais ramos da sociedade,
quem tomarão, de forma uníssona, medidas que resolverão o problema. Como exposto, a
dominação de gênero decorre de milhares de anos e, infelizmente, ainda é muito presente em
nossa sociedade. No entanto, cada vez mais pessoas estão se conscientizando sobre o problema
e cada vez mais mulheres tendo voz e visibilidade em nossa sociedade.
Cabe a nós homens, ouvir e aprender com as mulheres para nos conscientizemos acerca
dos mais arraigados tipos de violência de gênero para que não cometamos o mesmo erro duas
vezes. Esta é uma luta que deve ser de toda a sociedade, partindo das instituições que devem se
comprometer com a garantia e promoção de tratamento digno e igualitário a todos.

170
REFERÊNCIAS

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inglesa de W. D. Ross In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1973, v.4

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
1960a.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 22ª ed. São Paulo. Saraiva. 1995

REIS, Maria Carolina Ferreira. et al. Direito, Linguagem e Poder: entre a liberdade e os
discursos de dominação. 1 ª edição. Belo Horizonte. 3i Editora. 2018

STEARNS, P. N. História das relações de gênero. Trad. De Mirna Pinsky. Sao Paulo: Contexto,
2007.

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violência contra a mulher no Brasil: indicadores nacionais e estaduais. Disponível em
<http://www.senado.gov.br/institucional/datasenado/omv/indicadores/relatorios/BR.pdf>.
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<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF54votoCM.pdf>. Acesso
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Disponível em <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/m.Belem.do.Para.htm> Acesso em
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FRANCO, Luiza. Violência contra a mulher: novos dados mostram que 'não há lugar seguro no
Brasil'. BBC NEWS, 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
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MINAS GERAIS. Lei n° 23.175, de 21 de Dezembro de 2018. Acesso em: 15 de abril de 2020.

ONTÁRIO. Fair Workplaces, Better Jobs Act, 2017, S.O. 2017, c. 22 - Bill
148<https://www.ontario.ca/laws/statute/s17022> Acesso em: 02 de Abril de 2020

171
População branca encolhe no Paraná; negros e pardos aumentam, diz o IBGE. Bem Paraná,
2017. Disponível em <https://www.bemparana.com.br/noticia/populacao-branca-encolhe-no-
parana-negros-e-pardos-aumentam-diz-o-ibge-?fbclid=IwAR08
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Acesso em 18 de abril de 2020.

WESTIN, Ricardo. O machismo na primeira lei escolar do Brasil. Senado, 2020. Disponível
em: <https://www12.senado.leg.br/radio/1/reportagem-especial/o-machismo-na-primeira-lei-
escolar-do-brasil>. Acesso em: 15 de abril de 2020.

172
16
O impacto de atletas trans no esporte: Uma perspectiva humanitária e legal

João Filipe Dias Persilva20

Com a modernização da sociedade ocidental pós-moderna, questões morais e éticas


começaram a tomar conta de nossa sociedade, tais como: O que é sexo, o que é gênero, como
isso influencia na sociedade, e quais seus impactos. A comunidade acadêmica no ramo das
ciências sociais (aplicadas ou não) tentam justificar o que seria o gênero. Conceitos como: Trans
(nasce num corpo mas se identifica com o outro gênero), cis (nasceu e se identifica com seu
gênero de nascimento), fluido (nasceu em algum corpo, mas, hora se identifica com um gênero,
hora com o outro, não havendo uma constância linear, como o nome sugere), entre tantos
outros, que não serão abordados neste trabalho, surgiram e têm tomado conta do debate de
alguns anos até o presente momento. O objetivo do trabalho em questão será o de abordar o
impacto de atletas trans nos esportes femininos, o que o advento de tais atletas tem causado nos
esportes. Serão abordadas questões como: Lesões de atletas cis, quebra de recordes por atletas
trans, disparidade de condicionamento entre atletas e como que tal inclusão pode prejudicar o
esporte, dando espaço para um grupo de pessoas e tirando o de outras. As bases teóricas serão:
Filosóficas, jurídicas, sociológicas e também científicas. Tal quais, casos reais, opiniões de
atletas, da comunidade cientifica, assim como o posicionamento de comissões atléticas pelo
mundo.

1 Definição de pessoa trans e gênero fluido

O conceito de trans, apesar de ser simples (a explicação) ainda não é uma certeza nas
ciências biológicas, sendo adotado mais seu conceito sociológico e também os direitos que o
Estado garante para tais pessoas. Ainda não há uma resposta definitiva para o que causa, sendo
que alguns sociólogos com relevância na academia dizem que não são os fatores biológicos que
determinam quem é homem ou mulher, Simone de Beauvoir diz:

20
Graduando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Integrante do GIC “Teoria da Justiça como
Reconhecimento”, coordenado pelos professores Enio Biaggi e Marcelo Rocha.
173
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico,
econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o
conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o
castrado que qualificam de feminino. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, [1949] 1980, p.9

Apesar de ser uma frase bem conhecida, e a autora ter bastante renome, isso não interfere
na natureza, na biologia, onde há sim, não uma, mas diversas diferenças entre homens e
mulheres, e esses fatores fazem toda diferença para o tema que será abordado neste artigo.
O que seria então transsexual? O transsexual seria aquela pessoa que nasce com um sexo
biológico (homem ou mulher) porém se identifica com o oposto.
Outra autora que define essa questão de gênero, é Judith Buttler, onde esta se apoia em
alguns momentos na frase acima de Simone Beauvoir porem tenta ampliá-la.

Nos limites desses termos, “o corpo” aparece como um meio passivo sobre o qual se
inscrevem significados culturais, ou então com o o instrumento pelo qual uma vontade
de apropriação ou interpre-tação determina o significado cultural por si mesma. Etn
ambos os casos, o corpo é representado como um mero instrumento ou meio com o
qual um conjunto de significados culturais é apenas externamente relaciona-do. Mas
o “corpo” é em si mesmo uma construção, assim como o é a miríade de “corpos” que
constitui o domínio dos sujeitos com marcas de gênero. BUTLER, Judith. Problemas
de gênero, Pagina 27

Se o corpo é uma construção, e a pessoa se torna mulher, qualquer um pode ser o que
quiser, ou o que se identificar.
Outro conceito seria o de gênero fluido. A citação acima já ajuda a construir este
conceito. Em suma, gênero fluido seria aquela pessoa que hora se identifica com um sexo e
hora com outro, pois como não está preso a natureza de seu sexo ou dos padrões que dizem
serem impostos pela sociedade, essa pessoa pode se sentir homem e mulher ao mesmo tempo,
e mais ou menos um ou outro.
E a última definição, apenas para facilitar a compreensão do que virá pelo artigo, e é a
mais simples, é cisgênero. Cisgênero é aquela pessoa que se identifica com o sexo que nasceu,
homem se identifica como homem, mulher como mulher. Há quem diga que existe uma pressão
social para isso, que ninguém nasce nada.
Uma pesquisa interessante divulgada no jornal The Sun, cujo o titulo é “TOYING WITH
GENDER : Boys and girls ‘are biologically programmed to play with toys aimed at their own
gender’” Traz em sua matéria uma pesquisa feita por um time de psicologos da City University
London, mostra que há sim diferenças comportamentais entre meninos e meninas,

174
principalmente quando se trata de brincadeiras e modo de ver o mundo. Na pesquisa, foi
constatado que garotos preferem brinquedos projetados para garotos, e que se ganhassem
brinquedos projetados para garotas, usavam de forma agressiva
But boys stick to boys’ toys, especially as they get older. And if given traditionally
female toys, they will use them for "aggressive" play - for instance turning them into
guns.” The Sun, “TOYING WITH GENDER : Boys and girls ‘are biologically
programmed to play with toys aimed at their own gender., 22 Nov 2017

2 Recordes nos esportes e diferenças biológicas


Após a definição dos termos abordados, agora iremos falar sobre a questão dos recordes
nos esportes de uma maneira mais geral para entender as diferenças biológicas entre homens e
mulheres.
A estrutura física do homem é muito diferente da mulher. O homem tende a acumular
menos gordura, tem mais testosterona, menos estrógeno, mais glóbulos vermelhos, pulmões e
coração maiores, densidade óssea diferente, tendões diferentes, entre outros diversos fatores,
sendo esses fatores definitivos para o melhor desempenho de homens em alguns esportes se
comparado a mulheres, que são melhores em outros.
Podemos observar por exemplo, o caso de Tiffany no vôlei feminino nacional (caso este, que
iremos abordar com mais detalhes mais para frente deste artigo), onde João Graneijo, o
coordenador do Conamev (Comissão Nacional de Médicos do Voleibol) disse que acredita que
ela não deveria participar dos jogos, pois

Ela nasceu homem e construiu seu corpo, músculos, ossos, articulações com
testosterona alta. Nenhuma mulher, a não ser que tenha usado testosterona de origem
externa ao organismo, conseguiria formar o mesmo corpo. É só olhar para a atleta,
alta e muito forte. (Entrevista ao O Globo)

Os pulmões dos homens também são maiores, na revista “super interessante” do dia 31
de outubro de 2016, diz que o pulmão do homem chega a ser de 25 a 33 por cento maior que o
da mulher, sendo assim, em atividades onde se exige o folego, o homem leva vantagem, e por
isso podemos ver que os recordes de esportes como corrida, há um distanciamento
relativamente grande entre homens e mulheres.
Em entrevista ao globo esporte, Dr. Turibio Barros, doutor em fisiologia, ele diz:

175
O homem possui um número maior de glóbulos vermelhos no sangue, o que
proporciona uma maior capacidade de transporte de oxigênio e consequentemente um
desempenho aeróbico sempre superior ao da mulher. Além disso, o desempenho
cardíaco do homem é também superior, atingindo débitos cardíacos máximos (maior
volume de sangue que o coração consegue bombear por minuto) maiores que da
mulher. Estas diferenças proporcionam ao homem uma vantagem fisiológica em
qualquer solicitação de esportes de resistência.

Além dos fatos narrados, também podemos ver uma diferença de rendimento em
esportes de alta performance ao compararmos os recordes de esportes como olimpíadas, por
exemplo.
As olimpíadas são consideradas como os eventos onde estão os maiores atletas de todos
os países e de todas as categorias, dado o tempo entre uma e outra (quatro em quatro anos) e
também a importância e tem para os países (como já vimos em casos na história, como
Alemanha, URSS e hoje em dia, a China). Sendo assim, como todos os recordistas estão entre
os melhores atletas do mundo, será interessante fazer um quadro comparativo entre estes atletas
(de sexos diferentes porem na mesma categoria) para verificar onde há disparidade.
Na modalidade de halterofilismo (também conhecido como Levantamento de Peso
Olímpico, ou simplesmente LPO) na categoria masculina de até 56 quilos, o recorde de arranque
é de 137 kg, de arremesso é de170 kg, e totais é de 307 kg. Já na categoria feminina, de até
58kg, consequentemente 2 kg mais pesada que o limite masculino anteriormente dito, o recorde
de arranque é de 110 kg, de arremesso é de 138 kg e totais é de 246 kg.
Apesar de ser uma diferença de 2 kg a menos para o homem, há uma diferença de 61kg
totais a mais se comparado com o recorde feminino, apesar dos quilos a menos como já dito.
A categoria mais pesada feminina de LPO é +75 kg, e seus recordes são de: 187 kg no
arremesso, 151kg no arranque e 333kg totais. Já na categoria masculina de 69 kg, os recordes
são respectivamente: 165 kg no arranque, 196 kg no arremesso e 357 kg totais. Ou seja, o
homem pesando no mínimo 6 kg a menos, consegue levantar em termos totais, 24 kg a mais. E
se formos ver a categoria mais pesada masculina de halterofilismo, que seria +105 kg, o recorde
de peso total é de 473, muito acima da categoria feminina, claro, que há muito mais peso ao
comparar a categoria feminina.
Na categoria de atletismo também é notável a diferença. Nos 100 metros rasos, o recorde
masculino é de 9.63 segundos e o recorde feminino é de 10.62 segundos. Na categoria de 200
metros rasos, o recorde masculino é de 19.30 e no feminino é de 21.34. O interessante da
categoria de atletismo é que o peso em si é irrelevante, diferente do LPO, sendo assim, não há

176
uma regulamentação do peso, e os atletas se regulam, veem o peso que julgam mais apropriado
para sua performance, e mesmo assim, os homens recebem vantagem.
Várias outras modalidades olímpicas poderiam ser narradas aqui e exemplos
comparativos entre os recordes masculinos e femininos, porém não há necessidade, uma vez
que na subdivisão a seguir, serão expostos fatos de atletas trans em esportes na categoria
feminina, e também não precisam ser exemplificado mais, uma vez que poderiam ser
discorridos aqui vários e vários recordes com diferenças entre as categorias, sendo os exemplos
acima, apenas para mera elucidação.

3 O impacto de atletas trans no esporte e opiniões de especialistas

Cada um tem o direito de fazer o esporte que deseja, se identificar com o sexo que lhe
agrade, ter amores (na medida da moralidade) com quem queira, viver da forma como quer nas
medidas da lei. Porém fechar os olhos para os fatos e dizer que o esporte é democrático, é uma
mentira. O esporte de alto rendimento não é democrático. Quem tem mais oportunidades, seja
por patrocino ou dinheiro, quem possui os melhores técnicos, equipamento, recursos
ergogênicos e até mesmo a vantagem de uma genética propícia para esse ou aquele esporte, irá
levar vantagem. A forma pela qual tentaram diminuir tais diferenças foram diversas: Idade,
peso e sexo. Se tais divisões não fossem importantes, não existiriam, existem esportes em que
as três classificações são utilizadas para separar os atletas.
Sendo assim, seria no mínimo infantil achar que, com os dados previamente descritos
(com relação a diferenças biológicas e recordes), não há motivos concretos para que atletas
trans não sejam atletas de alto rendimento.

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. RJ: Nova Fronteira, 1980.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero. RJ: Record, 2018.

177
17
A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA PRÁTICA OBSTÉTRICA
BRASILEIRA

Sofia Vilhena Teixeira21

Introdução

A violência obstétrica é definida, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)


como “Abuso de medicalização e patologização dos processos naturais do trabalho de parto,
que causem a perda de autonomia e da capacidade das mulheres de decidir livremente sobre
seus corpos e sua sexualidade” (OMS, 2018, tradução nossa). Nesse viés, percebe-se a partir
dessa conceituação que esse tipo de violência hospitalar de gênero se cerceia em dois pontos
principais para sua manutenção contínua: O primeiro leva em consideração a restrição de
informação dada a paciente que obstrui seu consentimento verbal e psicológico gerando o
descaso com a autonomia corporal e de consciência da gestante. E, por último, o segundo, é
permeado pela dor, o dano e o sofrimento que dificulta o exercício pleno a expansão da sua
personalidade sem a interferência de terceiros.
Ao fim, esses são os dois principais aspectos que ferem os direitos individuais
fundamentais assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no qual
muito de suas concepções foram positivadas na Constituição Federal brasileira de 1988. Por
isso, a partir desse alicerce, essa prática violenta se configura como uma experiência contra-
hegemônica dos direitos civis e políticos da pessoa humana.
A presente pesquisa se presta a discutir e expor a violação dos direitos civis e políticos
assegurados na Declaração Universal dos Direitos Humanos na realidade brasileira ao
aprofundar-se no exercício prático de uma violência intrínseca de gênero, a violência obstétrica.
E, a partir desse ideal central, apresentar a construção histórico cultural que levou a banalização
dessas agressões diversas a autonomia corporal da gestante, além de justificar a obrigação
internacional e nacional que o Brasil possui em combate-las e em quais pontos principais o
mesmo insiste em perdurar suas falhas quanto a essa função.

21
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Hélder Câmara.
178
A pesquisa que se propõe, pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico-projetivo. Em frente a amplitude e complexidade do tema, o trabalho se
propõe a refletir a extrema necessidade de respeito aos direitos humanos e sua possibilidade de
atuação em toda a sua área de abrangência, em especial nas situações que se enquadrem ao
proposto.

1 Uma abordagem histórico cultural

Preliminarmente, como cerne de entendimento dessa violência, denota-se fundamental


a atenção aos fatores histórico-culturais sociologicamente construídos através dos séculos que
se tornaram os principais algozes para a popularização do parto intervencionista. Visto que, em
disposições contrárias, tradicionalmente pelo perpassar de milênios, as mulheres obtinham
partos naturais sem a necessidade de um intervencionismo médico exacerbado, num momento
íntimo, natural e familiar em que a parturiente se encontrava como o centro primordial de todo
esse processo fisiológico, isto é, ela era autônoma de seu próprio corpo, sendo a responsável
central em regulá-lo. (DE REZENDE, 2014)
Entretanto, de forma tímida, porém arrebatadora esta perspectiva não intervencionista
conquistara sua primeira mudança em via da vontade caprichosa de um Rei Absolutista. Em
1663, há relatos na França que o Rei Luiz XIV ordenara que sua mulher, a Rainha, parisse
deitada para que pudesse ser o primeiro a visualizar o seu primogênito nascer. Embora, tal caso
representasse uma particularidade, infelizmente, não permanecera dessa forma, visto que em
1668, anos depois, mais um do gênero masculino fora o percussor em limitar a autonomia do
feminino sobre o próprio corpo. A recomendação fora publicada num Tratado pelo médico
francês Fracoise Mauriceau, a qual aludia de forma veemente a importância das mulheres
parissem deitadas para facilitar o trabalho da assistência médica ao parto. (DE ÁVILA;
MORENO, 2014)
E com essa pequena intervenção que, num primeiro momento se impõe como simples e
sem importância, houve o começo de atos violentos por parte de vários setores da sociedade da
época que acreditavam que as mulheres, sem poder de fala e muito menos de escolha, deveriam
dar à luz na posição de supino com a torpe justificativa de que a mesma era mais segura,
renegando a liberdade de locomoção das mesma durante o parto para decidir em que
posicionamento se sente mais confortável. Nesse panorama, após respectivas perseguições de

179
parteiras pela Igreja Católica, caracterizadas e denominadas como “bruxas”, fez com que ao
fim do século XIX todas as mulheres fossem obrigadas a parir deitadas com o auxílio
padronizado de intervenções médicas. (DE ÁVILA; MORENO, 2014)
Anos mais tarde, tal perspectiva intervencionista ganhou força no cenário brasileiro da
década de 1970, no qual houve um contínuo fenômeno de hospitalização em massa que acabou
por ser o responsável pela multiplicação de maternidades no país. O advento dessa mudança foi
a transformação do ato da mulher parir tal como ocorrera em meados do século XIX, em que a
migração do parto do ambiente domiciliar para o hospitalar, gerou a perda da autonomia das
parturientes cerceada na competência de serem protagonistas desse momento. Desse modo, essa
função passou novamente aos profissionais da saúde, principalmente aos médicos, tirando o
ideal de mulher autônoma pelos seus próprios processos fisiológicos ao se tornar paciente
coadjuvante a mercê da medicalização e intervencionismos da medicina, sendo assim, o
protagonista, agora, se tornara o obstetra. (DE REZENDE, 2014)
Desse modo, através dos séculos, gerou-se uma normalização do parto hospitalar
intervencionista, no qual se retirou a autonomia sobre o corpo da parturiente a partir do ideal
cultural da hegemonia do saber médico, sendo ele supremo e inquestionável por advir de um
conhecimento científico. Nesse viés, há um mecanismo facilitador da subordinação da mulher
ao saber do profissional, isto é, o médico é considerado superior em questão de fala e decisões.
Esse fator, consequentemente, leva ao silenciamento da parturiente e omissão de informações
práticas e teóricas a ela, a qual perde seu lugar de fala, a autonomia de seu corpo durante o
nascimento e o desrespeito aos processos fisiológicos únicos próprios.
A principal problemática advinda desse processo está do fato de que quando há uma
dominação simbólica de indivíduo superior sobre outro considerado subordinado, seja em vista
de qualquer aspecto cultural, no caso específico o conhecimento científico e o patriarcalismo
estrutural, há o desencadeamento de violências, visto que se não há a capacidade de ver o outro
como igual, há o desrespeito sobre suas escolhas. Nesse cenário, não se tolera a luta pelas
escolhas do subordinado, porque há a necessidade de apropriação do corpo desse pelo superior,
gerando, dessa forma, o desrespeito a integridade física, psicológica e moral da mulher que de
forma mais agressiva se converte em violência. (DE REZENDE, 2014 apud MUNIZ, 2012)
A partir dessa contextualização da medicalização do parto pode-se perceber que como
todo esse fenômeno advém de um ideal cultural cerceada em uma forte estruturação científica
arcaica e aceita pela sociedade, não se admira que um dos principais inimigos de combate a
essas violações é a normalização categórica do meio social de diversas práticas não

180
recomendadas por órgãos internacionais de saúde e de defesa a dignidade da mulher. Assim,
apesar do rechaço da OMS e do Ministério da Saúde no Brasil, esses procedimentos continuam
a serem realizados, gerando estatísticas preocupantes sobre os casos.

2 Violência obstétrica no brasil


2.1 Estatísticas e Procedimentos desaconselháveis

Segundo a fundação Perseu Abramo, 1 a cada 4 mulheres sofre violência obstétrica


advinda de diversos procedimentos de rotina desaconselháveis. Entre ele há o jejum forçado, o
isolamento sem a permissão de acompanhante (contrariando lei federal 11.108/2005, lei do
acompanhante), restrição da gestante ao leito, episiotomia (incisão efetuada na região do
períneo para ampliar o canal de parto), manobra de Kristeller (aplicação de pressão manual na
parte superior do útero), obrigatoriedade da posição de supino, perfuração da placenta, uso
indiscriminado do fórceps, aceleração do parto pela indução de ocitocina sintética, tricotomia
inadequada (raspagem de pelos pubianos), exames de toque recorrentes e dolorosos,
impedimento da mulher gritar ou conversar, humilhações (xingamentos ou insultos), agressão
física, separação prematura de mãe-bebê e, principalmente, intervenção cesariana sem
necessidade. (NAZÁRIO, 2015, p. 7)
A maior parte desses procedimentos é ensinada de forma indiscriminada nos principais
cursos de obstetrícia médica no país, entretanto, eles não mais são recomendados de serem
efetuados, porém ainda há a sua prática visto que, atualmente, se vê o parto como um evento
lucrativo e cirúrgico. Tal visão é facilitada pelos recentes planos de saúde que implementaram
o costume do pré-natal ser realizado pelo próprio médico que coordenará o parto, hábito esse
que possibilita um desencorajamento, consulta a consulta, da parturiente ao parto normal já que
este é caracterizado por seu baixo rendimento monetário e alto nível de aborrecimento, afinal o
parto é capaz de perdurar por até 18 horas e ocorrer durante a madrugada. Fora isso, os hospitais
também se beneficiam pelo excesso de cesárias, pois esta diminui gastos com materiais e
pessoal, já que durante o parto vaginal espontâneo não se prevê o total de insumos utilizados,
podendo esse tipo de parto apresentar distorcias. (DE REZENDE, 2014)
O Brasil, entretanto, realiza cirurgias cesarianas a uma taxa de 51,8% num cenário geral
que se divide em 46% na rede pública e 88% na rede privada, segundo a Pesquisa Nascer no
Brasil (2014). Fator gerador de contraste em relação as recomendações da OMS, a qual indica
a necessidade desse procedimento em casos restritos, mantendo uma taxa máxima
recomendável de parto cesarianos de apenas 15% (OMS, 2018). Em via desses fatos, essa alta
181
dos níveis de cesárias é caracterizada como violência obstétrica por não respeitar a autonomia
fisiológica do corpo da mulher, apenas concedendo facilidades clínicas ao médico e a instituição
hospitalar, além de expor o neonato e a gestante a diversos desnecessários riscos a sua saúde,
tais como aleitamento tardio, predisposição dos recém-nascidos a problemas respiratórios e
outros tipos de doenças crônicas não transmissíveis, além de infecções, complicações e morte
materna.
Outro exemplo desses dispositivos médicos utilizados que vão em sentido contrário as
recomendações da OMS, do Ministério da Saúde e que fere os Direitos Humanos,
constitucionais e de vários tratados internacionais assinados pelo Brasil, é a manobra de
Kristeller realizada durante o parto vaginal espontâneo que pode desencadear, durante sua
execução, traumas ao neonato, laceração perineal, deslocamento e rompimento de órgãos da
parturiente (FERNANDEZ; SOUZA; LIMA, 2016). Outro aspecto é o uso de rotina da
episiotomia, a qual não é recomendada em hipótese alguma pela cartilha de recomendações da
OMS lançada em 20 de fevereiro de 2018. No Brasil, segundo dados de 2013 da UNICEF,
53,5% dos partos há a realização desse procedimento, o qual é passível de consequências a
saúde da gestante, tal como dor perineal, edema, maior risco de infecção, hematoma e
dispareunia (dor durante relação sexual). (NAZÁRIO, 2015 apud UNICEF, 2013)
Análogo a esses, ainda há procedimentos que, embora caracterizados com menor
potencial de agressão ao corpo feminino, ainda, quando realizados sem o consentimento da
parturiente e de maneira indiscriminada, qualificam-se como violência obstétrica. Um desses
seria o uso do fórceps que, a princípio, é utilizado de maneira justificada na presença de
sofrimento fetal ou na suspensão de progressão do parto. Entretanto, muitas vezes, contrário as
indicações, os profissionais da saúde o utilizam apenas para apressar a extração da criança, não
tencionando o momento que os processos fisiológicos de ambos os corpos naturalmente
expeliriam o neonato do útero, denotando sério desrespeito, mais uma vez, a autonomia corporal
da mulher e a sua liberdade de escolha. (NAZÁRIO, 2015)
Em diferente âmbito de aspectos mais graves, está o uso da ocitocina sintética medicada
via intravenosa, a qual não possui previsão de recomendação em nenhum caso concreto pela
OMS, tal como qualquer tipo de procedimento que encurte o trabalho de parto renegando o
tempo corporal próprio da paciente. Além disso, esse tipo de assistência médica, se mal
calculado a dose de medicação, é capaz de encadear morte fetal por sufocamento, pelo excesso
de contrações uterinas, e ainda gerar o despedaço das paredes uterinas da parturiente pelas

182
contrações violentas responsáveis por esticar ao máximo as mesmas, abusando de sua
elasticidade limitada. (OMS, 2018) (DE REZENDE, 2014)
Por fim, num viés de ausência de periculosidade, mas comprovado como um dos
mecanismos responsáveis pelo aumento de incidência da violência obstétrica se encontra o
isolamento materno, isto é, o impedimento do acompanhamento da gestante por um indivíduo
de confiança da mesma escolhida pela respectiva. Disposição tal contida na lei federal
11.108/2005, a lei do acompanhante, a qual determina em seu caput que “Os serviços de saúde
do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir
a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de
parto, parto e pós-parto imediato.” (LEI Nº 11.108, 2005). Assim, havendo o desrespeito dessa
norma, gera uma dificuldade legal para que a gestante, se vítima de alguma violência explícita,
física ou verbal, obtenha comprovação da mesma, por meio de uma testemunha, ou a
confirmação de que os procedimentos registrados no prontuário médico pelo profissional foram
verossímeis a realidade do ocorrido e se respeitaram, se o tiver apresentado, o plano de parto
da parturiente. (DE REZENDE, 2014)
Ao final, todo esse cenário de desrespeito e uso injustificado de procedimentos
cirúrgicos arcaicos e que desrespeitam o corpo da mulher e a as condições de saúde físicas e
psicológicas da mesma e do neonato são os principais responsáveis pela manutenção dos altos
índices de morbidade materna e neonatal no Brasil. Segundo a Pesquisa Nascer no Brasil, a
morbidade materna é de 10,2 mulheres por mil dos nascidos vivos, taxa três vezes maior que
os coeficientes de países europeus. A taxa de morbidade neonatal é de 39,2 por mil nascidos
vivos, enquanto a de mortalidade neonatal é de 11,1 por mil nascidos vivos. Entre as principais
causas evitáveis desse quadro são doenças como hipertensão, hemorragia, complicações de
aborto, atendimento inadequado a gestante e ao recém-nascido, baixo peso e risco gestacional.
(NASCER NO BRASIL, 2014).
Entretanto, a violência obstétrica não traz apenas como severa consequência de sua
prática a morte ou sequelas físicas graves, mas também problemas de caráter psicológico a
parturiente. Segundo o artigo “Direitos Humanos da Gestante X Violência Obstétrica e a
Responsabilidade pelo Erro Médico”, as vítimas dessa agressão apresentam comportamentos
similares as mulheres que sofreram violência sexual, entre eles dificuldades em aceitar o próprio
corpo, baixa autoestima, vida sexual comprometida e ainda depressão pós-parto e até o estresse
pós-traumático. (FERNANDEZ; SOUZA; LIMA, 2016)

183
2.2 Da Questão do Parto Humanizado

Como forma de proteção e prevenção contra aos diversos desses procedimentos


invasivos utilizados de forma errônea que reproduziram e reproduzem violências múltiplas ao
corpo e ao psicológico das gestantes, criou-se um movimento contemporâneo, com cerne, no
Brasil, intrínseco ao século XXI, denominado como processo da humanização do parto, seja ele
cesariano ou natural. O parto humanizado, como apregoado, consiste, segundo a reportagem
governamental: “Entenda Quais São os Benefícios do Parto Humanizado”, na “busca por um
atendimento menos intervencionista, mais acolhedor e respeitoso, um conjunto de práticas
adotadas em diversos hospitais e locais especializados”. (Entenda Quais São os Benefícios do
Parto Humanizado, 2018)
Isto é, em acordo com a definição, retornar as raízes milenares que originaram o modo
de proceder o parto em tempos primitivos. Dessa forma, a mulher voltaria a ter autonomia sobre
o próprio corpo e de sua fisiologia natural mesclada a possibilidade da liberdade de escolha e
de locomoção nesse momento, discorrendo sobre a posição mais confortável da qual pretende
parir, sobre os métodos de alívio de dor que utilizará, os procedimentos intervencionistas que
planeja implementar em sua experiência e até mesmo o local que ambiciona dar à luz.
No entanto, mesmo com os objetivos desse movimento, algumas vertentes deste e da
sociedade acreditem piamente que, em vez de uma solução protetora quanto os desvarios da
intervenção médica exacerbada e como uma alternativa de prevenção ao uso indiscriminado do
procedimento cesariano, a utopia do parto humanizado possui tendências, acopladas ao
modismo contemporâneo da busca por métodos naturais em tratamentos medicinais, a distopia
por, futuramente, possibilitar uma nova onda de imposição ao tipo de parto que a mulher deve
realizar em substituição as cesárias. Ou seja, há o temor que o ideal do parto humanizado, aquele
que autonomiza a escolha feminina, se transforme num instituidor que as retire,
impossibilitando a decisão única e racional da paciente quanto a vontade de obter um parto
vaginal espontâneo ou cirúrgico.
Apesar de aspectos verdadeiramente polêmicos quanto a esta visão, a enfermeira
obstétrica, Simone Silva, tenta resolver esses díspares contraditório quanto ao movimento,
afirmando que o modelo humanizado não necessariamente será um parto vaginal espontâneo:
“Parto humanizado também é respeitar os níveis de segurança. Se a mulher está em uma
condição na qual precisa de cirurgia, ela deve fazê-la. A cesariana, quando bem indicada,
também é humanização.” (Entenda Quais São os Benefícios do Parto Humanizado, 2018).

184
Contudo, embora haja um aliviamento das partes contrárias quanto a esta assertiva da
profissional, alguns grupos considerados mais radicais insistem em preconizar que essa não
seria o tipo de resposta esperada ao questionamento feito, em via do fato da mesma se
demonstrar óbvia, havendo risco de vida a parturiente deve-se priorizar a cesárea.
Desse modo, a solução racional esperada por esses grupos seria, de acordo com os
pesquisadores Gisele Machado Alecrim, Eduardo Pordeus Silva e Jailton Macena de Araújo em
seu artigo “A Autonomia da Mulher sobre o seu Corpo e a Intervenção Estatal”, que “A
autonomia é o fundamento da dignidade humana de todo o ser racional, é por meio dela que o
ser humano se dignifica, não devendo ser restringido a pretexto de substituir a livre vontade,
nem mesmo por aquilo que se acredita ser o melhor ou mais apropriado” (ALECRIM;
ARAÚJO; SILVA, 2014, p. 161). Por conseguinte, se preconiza a importância real de escolha
do feminino sobre que procedimento deseja trazer a si no momento do parto, desde que não
haja desencorajamento ou falta de informação da mulher quanto a ambas as vias. Nesse ideal,
tendo em mãos todas as consequências positivas e negativas do parto vaginal espontâneo e do
cesariano, cabe unicamente a parturiente escolher, sem haver o questionamento de seus motivos
e alheios as consequências ao neonato, salvo em casos de risco efetivo a vida de ambos, qual
partejo almeja para si ao dar à luz.
São inúmeras as discussões infindáveis quanto a esse assunto, obtendo diversos
argumentos a favor das assertivas, o majoritário glorificando os sub direto civil da dignidade
humana contemplado pela garantia da personalidade do âmbito feminino e sua liberdade de
escolha destituindo-a de aspectos morais, e outro grupo defensor que, mesmo havendo a
liberdade real de escolha da mulher, a mesma não deve ser excitada caso envolva um terceiro
ser que se encontre fragilizado pelas escolhas “errôneas” da mãe quanto a procedimentos de
saúde. Entretanto, tal perspectiva denota-se minoritária, visto que, com o advento dos
movimentos feministas e suas distintas manifestações pela causa, utiliza-se o ideário preservado
por Heloisa Helena Gomes Barboza e Vitor de Azevedo Almeida Junior, os quais dissertam em
seu artigo “(Des) Igualdade de Gênero: Restrições a Autonomia da Mulher”:

Uma interdependência entre os direitos das mulheres e os da criança ou da família


que, na forma ou na prática, desconsidera aspectos fundamentais da posição das
mulheres como titulares de direitos próprios e o fato de que os riscos e custos da
procriação se dão em seus corpos. (BARBOZA; JUNIOR, 2017, p. 258 apud
VENTURA, 2005, p. 117-118)

A partir desse ponto de vista, se compreende que, apesar da mulher carregar um filho
em seu ventre há uma interdependência entre os direitos do neonato e da parturiente, porque,

185
tal como dito, a criança é um neonato, possuinte de direitos apenas no âmbito existencial, os
quais são infinitamente inferiores em número se comparados com os da mãe, sujeito humano
de personalidade jurídica, o qual apenas a terá no momento do nascimento com vida, como
disposto no artigo 2º do Código Civil de 2002 “A personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (LEI
Nº 10.406, 2002).
Além disso, a mulher seria a única capaz de escolhas ao arcar de forma direta com todos
os tipos de consequências e traumas da procriação que incidirão em seu corpo, seja em âmbito
psicológico ou físico, sendo assim, cabe apenas a ela a autonomia para deliberar sobre o que
deseja a si mesma e ao neonato durante o partejo. Tal posicionamento se impõe pelo fato de,
socialmente, o recém-nascido ser cuidado majoritariamente do tempo pela progenitora, sendo
ela, indiretamente, responsabilizada pelos diferentes cuidados que serão administrados a ele, os
quais serão proporcionais as distintas condições existenciais e de saúde que o filho apresentar.
Assim, percebe-se que o parto humanizado e todo o movimento acerca deste é válido e
não deve ser desvalorizado por opiniões e pontos de vista divergentes já que representa,
simbolicamente, a resistência feminina da parturiente a favor de seus direitos reprodutivos,
sexuais, civis e políticos, além de uma luta silenciosa contra as instituições de saúde que
preconizam a violência contra seus corpos e mentes num momento de fragilidade, permitindo
uma dominação patriarcal quanto as suas escolhas, autonomia, liberdade e fisiologia. São
mulheres, típicas contemporâneas, que não aceitam a discrepância entre seus direitos escritos
assegurados abstratamente pela constituição e por tratados internacionais dos Direitos
Humanos, da saúde e da mulher e a realidade da qual são vítimas nos hospitais e maternidade
que continuam a entoar os velhos cânticos do intervencionismo médico do século XIX, o qual
silencia sua voz, seu querer e sua informação.

3 Perpetuação das desigualdades de gênero


3.1 Estado como Limitador dos Direitos Autônomos Femininos

Apesar das vastas discussões confeccionadas no tópico anterior acerca da maturidade


dos direitos da gestante em face do nascituro e as respectivas conclusões, defendidas no
presente artigo, discorrendo sobre as pretensões futuras utópicas que não condizem ainda com
a realidade brasileira, tanto em momentos pretéritos quanto em tempos hodiernos. Visto que

186
ainda não se conquistou plenamente a autodeterminação feminina aos seus direitos civis e
políticos incididos sobre os contemporâneos direitos reprodutivos e sexuais.
Primeiramente, torna-se de substancial importância de conceituar autonomia.
Etimologicamente, essa palavra é de origem grega, na qual “auto” significa próprio e “nomos”
significa lei, regra, norma. Isto é, autonomia é fazer suas próprias regras sozinho e para tal é
necessário que haja a liberdade de pensamento sem coações de âmbito interno e principalmente
do externo. Afinal, isso se mostra como um efeito em cadeia, se não há liberdade de
pensamento, não há liberdade de escolha e sem a mesma não há possibilidade de autonomia, a
qual também é determinada pelo nível de recursos coativos de caráter exterior. (BARBOZA,
JUNIOR, 2014)
Em suma, todos os seres humanos pertencem a um meio social e são determinados por
ele, tal como estão sobre efeito de um ordenamento jurídico que absorve fatores continuamente
presentes na sociedade, além de também deter o poder de determiná-la. Dessa forma, sendo as
leis fruto desse sistema normativo que impregna concepções da realidade social, mesmo que
possua como parâmetro a força hierárquica da Constituição e das normas Supralegais as quais
apontam expressamente para a igualdade de gênero e para a autonomia libertária de participação
da personalidade individual feminina, indiretamente revelará restrições infraconstitucionais e
sociais que desafiam os princípios constitucionais e os tratados internacionais. (BARBOZA;
JUNIOR, 2014)
Um desses exemplos que elucidam a problemática da violência obstétrica alicerçada as
restrições dos direitos civis e políticos relacionados aos reprodutivos e sexuais das mulheres,
constam no Código Civil de 2002 em contraposição aos dispostos no Código de Ética Médica
de 2009, a Constituição e a grande maioria dos tratados internacionais assinados pelo Brasil. O
primeiro diz respeito ao seu artigo 13º que revela: “Salvo por exigência médica, é proibido ato
de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física,
ou contrárias aos bons costumes” (LEI 10.406, 2002). Desse modo, o legado deixado no
disposto é as infinidades de perspectivas a cerca “dos bons costumes” fazendo com que haja
um controle e interferência da sociedade sobre as escolhas e liberdade da figura feminina, ou
seja, não há liberdade decisória real neste caso, fator explicitado com clareza por Heloísa
Helena e Vitor de Azevedo: “Os ritos e regras do poder e os ritmos da vida cotidiana acabam
determinando os modos de uso do corpo, sua liberdade e os modos de sua coerção.”
(BARBOZA; JÚNIOR, 2014)

187
Ou o explicitado no artigo 15º “Ninguém poderá ser constrangido a submeter-se, com
risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica.” (LEI 10.406, 2002). Nesse incerto
não há reconhecimento da plena autonomia da pessoa, no que respeita a atuação médica, na
medida em que vincula a existência de constrangimento e risco de vida, ou seja, se privilegia o
poder do médico ante ao paciente, inclusive no âmbito obstétrico relacionado a parturiente, a
qual perpassa por mais opressões que os paciente masculinos tomando em vista todo seu caráter
histórico cultural patriarcal que a mulher fora silenciada de sua voz e autonomia em relação as
suas questões reprodutivas e sexuais, as quais são prenunciadas pelo retrato do parto.
(BARBOZA; JUNIOR, 2014)
Desse modo, extraditado do viés constitucional e supralegal, é importante que o
legislador esteja atento a essas limitações legais e sociais que impõem díspares contrários em
relação a igualdade de gênero e sobre a autonomia feminina quanto a suas escolhas políticas,
sexuais e reprodutivas. Assim, deve-se atentar a mulher como sujeito concreto de direitos e de
efetividade como pessoa humana, em toda sua dimensão de sua dignidade sociocultural real,
desviando do foco abstrato pouco concreto em relação a uma igualdade formal de gênero que
inexiste na sociedade brasileira.

3.2 Através da Violação dos Direitos de 1º Dimensão

Nesse âmbito, em razão das inúmeras consequências negativas advindas da prática da


violência obstétrica, a qual atingem a gestante e o neonato, vários tratados internacionais
cerceados pelos direitos humanos e a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos são
violados todo os dias durante procedimentos médicos obstetrícios de caráter geral realizados no
país. Os principais direitos violados são o de caráter civil, já que interferem nas liberdades e
autonomias que caracterizam a personalidade moral e física do indivíduo, tais como o direito a
integridade e a liberdade pessoal, proteção a honra e a dignidade, direito à liberdade de
consciência. Além disso, o artigo 5º, declara: “Ninguém será submetido à tortura nem a
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS, 1948) é violado com as práticas obstétricas atuais do país.
Outra violação é o do direito político, o qual concerne a negação da informação
adequada dada a gestante sobre os procedimentos a serem efetuados e, em casos de violência,
o repertório necessário que a possibilite se auto reconhecer como vítima. Em via da banalização
social dessa violência no Brasil, essa realidade gera a não plenitude do exercício completo da

188
cidadania da mulher, visto que se desencadeia o impedimento de uso de todas seus garantias
fundamentais de forma a assegurar que atuem com responsabilidade no espaço público em
defesa de seus direitos, influenciando as ações dos governos na distribuição dos serviços e
recursos. Tal questão é, ainda, assegurada no viés da Declaração Universal sobre Bioética e
Direitos Humanos, no qual em seu artigo 5º dispõe sobre o direito a autonomia e a
responsabilidade individual, ou seja, o direito do indivíduo envolvido de tomar decisões livres
e esclarecidas, baseado nas informações adequadas que lhe forem explicitadas.
Concernente a esse panorama, atesta-se como indubitável que o Brasil possui obrigação
prática de implementar medidas legislativas e políticas públicas objetivando o combate à
violência obstétrica, que também se considera como violência intrínseca contra a mulher. Afinal
o país, além de firmado um compromisso de cunho internacional ao assinar a Declaração
Universal dos Direitos Humanos em meados de 1948, também está engajado em alcançar os 4º
e 5º Objetivos do Milênio, sendo estes reduzir a mortalidade na infância e melhorar a saúde
materna, o qual é impedido pela prática obstétrica atual. (PAES, 2015)
Além disso, segundo o artigo 5 º constado na Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência conta a Mulher (Convenção de Belém no Pará), a qual fora
assinada pelo Brasil em 9 de junho de 1994 e possui status constitucional no entendimento de
parte da doutrina:

Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos
consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os
Estados Partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício
desses direitos. (CONVENÇÃO..., 1994, p.3)

Dessa forma, a violência obstétrica por levar a consequências físicas, sexuais e


psicológicas ao gênero feminino e caracterizar-se como violência contra a mulher, se interpõe
como uma das responsáveis pela não plenitude de exercício de seus direitos econômicos,
sociais, culturais e, principalmente, os políticos e civis, segundo o disposto no artigo 5º da
Convenção de Belém no Pará. Assim, tendo o Estado brasileiro de direito assinado essa
Convenção e disposto em sua Constituição Federal atual o artigo 226º, §8º que concerne ao
compromisso ao combate da violência de gênero, é pertinente ao mesmo que se utilize de todos
seus recursos públicos estatais para reagir contra essa realidade, a qual se encontra em déficit
pela ausência de políticas públicas informacionais eficientes, fiscalização precária quanto aos
casos, o que pode ser exemplificado pelo não cumprimento da lei federal 11.108/2005, e pela
ausência de legislação de âmbito federal específica (apenas em âmbito estadual de 3 estados:
189
Goiás, Santa Catarina e Paraná) que se comprometa a proteger as gestantes e a parturientes
contra essa violência.

CONCLUSÃO

Destarte, o advento da migração do parto familiar em domicilio com o auxílio de


parteiras para o ambiente hospitalar trouxe uma perspectiva pública a esse evento, o qual passou
a ser visto como um procedimento cirúrgico e lucrativo, tanto ao médico quanto a instituição,
que ocorre apenas graças ao protagonismo sábio do obstetra. Ao fim, advindas essa
supervalorização do conhecimento científico do médico fora a responsável por menosprezar as
escolhas, desejos e consciência autônoma corporal da parturiente que se tornou coadjuvante no
processo de nascimento da própria cria. Dessa forma, todos esses fatores foram os
transgressores para a geração da prática obstétrica danosa, no âmbito tanto físico quanto
psicológico, configurada como violência intrínseca de gênero em todas as suas faces de
procedimentos não recomendados e dispensáveis por diversas organizações nacionais e
internacionais reguladoras da saúde.
Nesse panorama, há a demonstração que esses dispositivos práticos realizados
continuamente pelos agentes de saúde os quais configuram como uma gravíssima experiência
contra-hegemônica dos direitos civis e políticos assegurados na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e outros tratados internacionais relacionados que foram assinados pelo
Brasil, portanto possuem caráter constitucional e supranacional, devendo ser observados. Daí
surgindo a obrigação nacional de combater a violência obstétrica em todos os seus âmbitos para
atingir finalidades diversas, como cumprir um dos dois Objetivos do Milênio, permitir a
igualdade real de direitos fundamentais a homens e mulheres como assegurado na Constituição
e exprimido na Convenção de Belém do Pará.
Desse modo, o que o falta ao país é utilizar de suas políticas públicas de forma
competente para promover a informatização em massa de parturientes sobre procedimentos
médicos desaconselháveis, o que é e como se dá essa violência, além dos mecanismos para
denúncia. Concomitante a isso, o Brasil deve deixar de falhar em sua fiscalização legislativa
para que possa, ao fim, implementar a especificação de uma lei federal eficiente que proteja a
gestante em todos os casos contra essas agressões e para que se permita, efetivamente, o ato
decisório feminino único e último, promovendo a autonomia de seus corpos durante esse

190
momento do jeito que bem entender, quebrando-se, assim, o paradigma patriarcal de tolerância
a dominação masculina sobre as escolhas e liberdades do feminino.

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191
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192
18
A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA MULHER

Ingrid Teixeira Rodrigues da Silva22


Juliana Pereira da Costa23

1 A mulher na História

Na era do Direito Romano as mulheres já nasciam cheias de deveres, obrigações e


rótulos. Em uma era machista e patriarcal sendo validada como um bem, instituído a sempre
a servir. Se fosse negra a situação era ainda mais complexa pois você além de ter direitos tão
somente a servir não detinha o poder de se dar em casamento de maneira formal; por não ser
livre. O que denomino de aprisionamento duplo; pois presa pela ausência de liberdade física
e comportamental.
As mulheres até os 14 anos tinham o dever de servir o pai fazendo aquilo que melhor
o aprovasse ser para sua filha. A partir daí adquiria-se a maioridade, onde já se nota caros
leitores a divergência nos direitos das mulheres pois; a mulher já era maior de idade e capaz
de adquirir a responsabilidade de um lar, servindo, portanto, para obrigações domésticas.
Mas não era dotada de autonomia nem sequer para escolher com quem casar-se tendo em
vista que o casamento era o ápice do momento por ser o único direito que as mulheres livres
e ricas tinham. Vale ressaltar que estas obrigações domésticas eram atribuídas a concubinas,
escravas e damas de companhia, àquelas que se casavam com homens tido como bons
maridos não pelo desempenho como tal, mas sim pela linhagem familiar, posses, poder,
dinheiro e influências. Estas esposas apesar de poder terceirizar as tarefas domésticas e
criação dos filhos às mulheres que eram duplamente escravizadas viam-se também
aprisionadas e em igual teor que suas funcionárias por terem que atender as necessidade
sexuais de seus maridos sem recusa que por sinal poderia ter mais de uma esposa apesar de
seu amadurecimento tardio que se dava ao homem por volta dos 16 anos e para possuir
mulheres e ou casar-se com estas poderia ser quão precoce desejasse depois dos 16 anos só

22
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
23
Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
193
assim estando este; pronto para assumir as obrigações da vida civil a época como tornar-se
apto a ser chefe de família. (GILISSEN, 2003) refere-se ao pai de família (paterfamilias)
como “detentor do direito à vida e morte de todos os descendentes”. E também da liberdade
de suas esposas e filhos, inclusive. Mesmo ainda estando sujeito ao seu pai desde que este
vivesse, não existindo emancipação pela idade.
Mas a esposa não poderia ter outro marido e se tentasse ter um relacionamento
extraconjugal o marido ainda tinha autonomia e autoridade de lesioná-la e até matá-la se
julgasse necessário.Com ou sem ajuda de outros desde que não fossem estes inimigos da
esposa ou do homem que a acompanhasse. Sem que lhe coubesse sanções de qualquer
natureza por ser um direito adquirido, uma vez que, a mulher em questão era sua esposa,
logo sua propriedade; onde vemos um migrar de dono. Antes propriedade do pai
posteriormente propriedade do marido. Tendo a mulher dois únicos direitos adquiridos à
época; o de se dar em casamento por quem o pai escolhesse não cabendo recusa, e o de
permanecer calada, aconteça o que acontecesse.
Posteriormente houve uma alteração na lei positivada. Caso a mulher fosse pega
em adultério o marido poderia dividi-la ao meio de cima abaixo e colocar os pés de molho
em seu sangue sem lhe caber responder pelo crime, desde que conseguisse cosê-la
trazendo-a a vida novamente.
Hoje por sua vez conseguimos vislumbrar e usufruir do Direito a vida assegurado
em nossa Constituição e no Código Penal sendo este um direito inviolável e
intransponível, tal qual assegurado pelo Princípio da Fragmentariedade adotado no
Direito Penal que tutela a vida como o bem jurídico mais importante do ser humano além
de podermos destacar também o avanço mediante as leis punitivas estatais que
especificam crimes contra as mulheres como o Feminicídio que constitui o crime contra
a mulher pelo fato desta ser mulher e a Lei Maria da Penha que se dá pela violência de
qualquer tipo dentro do âmbito doméstico. Dito isso estes são importantes avanços do
Ordenamento Jurídico Brasileiro atual contrapondo ao Direito Romano e ao que foi o
nosso Ordenamento Jurídico no passado onde as mulheres sofriam todo tipo de violência
como vimos acima até serem ceifadas ou condenadas à morte por aquele que ás vezes
jurou amá-la e respeitá-la.
A mulher estava sempre sujeita a alguém não tendo sequer autonomia de se caso
fosse escritora publicar seus escritos sem a respectiva autorização do cônjuge. Não podia:
trabalhar, votar e nem se elegia. Seu direito não se abrangia nem sequer ao enterro de um

194
ente querido ou um irmão sendo está solteira ou casada. Pois se solteira o direito era
constituído do pai ou rei em vigência caso esta não o tivesse. Se casada quem tinha este
direito era seu cônjuge. Como vemos na Obra: Antígona, em uma tragédia grega de Sófocles;
lutar para enterrar seu irmão Polinice morto em uma batalha contra Etéocles que era irmão
de Polinice e de Antígona; que reivindicou o direito de enterra em igual teor seu irmão
Polinice contrariando o decreto do rei Creonte que determinou pena de morte caso alguém
desobedecesse o que a época era decreto ou lei. Vez que, Édipo seu pai assim como todos
estavam sujeitos ás leis do rei Creonte. Ele foi obrigado a ir para o exílio e deixar seus filhos
sentenciados a desgraça, principalmente às filhas que estavam sem pai e sem marido. E ter
uma referência masculina era o único legado de uma mulher por volta de 442, A.C. Legado
este então que assim como os demais estavam sujeitos ao rei Creonte o que não determinava
nenhum tipo de autonomia pois seu dever era de sujeição ao rei que era também seu tio. Pela
não aceitação de sua decisão e por resolver se expressar com a manifestação de seus direitos
contrariando a lei vigente que era o Decreto do rei Creonte, já se observa que as mulheres já
lutavam pelos seus ideais mesmo que lhe custasse por via das vezes a abstenção de um único
direito e que, era um sonho inerente à maioria das mulheres por ter a ilusão de liberdade;
advinda com o casamento.
Antígona foi condenada a uma espécie de prisão perpétua trazendo aos dias atuais
Séc. XXI. Prisão perpétua esta que se deu a condenação de uma morte lenta em uma caverna
sem poder se casar sendo ainda solteira, mas prometida a noivado com o filho de Creonte,
Hemon. Enquanto coagida pela circunstância a se abster deste direito primitivo e primário
que as mulheres a época tinham; por desobediência ao decreto de Creonte seu tio; enterrando
seu irmão com o mínimo de honras que um fúnebre merecia. Com a recusa em aceitar que
seu irmão fosse deixado de alimento as aves como um indigente. Muitas mulheres casam-se
com o objetivo de serem respeitadas pela sociedade ainda hoje. Pois o casamento antes mais
que hoje era uma forma de se atribuir respeito e honestidade a uma mulher o que se rotulava
também ao termo utilizado, de maneira equivocada à: mulher honesta. Termo este que ainda
no Código Civil de 1916 era utilizado para atribuir-se a virgindade de uma mulher e não ao
fato de dar-se em casamento como popularmente ainda se diz, mesmo nos dias atuais onde
vivemos o período da Modernidade que atribuía a mulher igualdade de direitos sem qualquer
tipo de distinção por sexo, cor, raça. Contudo o dar-se em casamento para se fazer uso deste
pejorativo ou tão somente para ser respeitada não vem sendo cumprido à risca pela
sociedade; principalmente no que tange a inviolabilidade de um lar, ou domicílio doméstico.

195
Pesquisas recentes apontam que a maior falta de respeito e igualdade que as mulheres
sofrem se dá dentro de seus próprios lares; por aqueles que mais lhe devem este respeito e
deveriam ter essa igualdade e equidade; além de um mínimo de empatia, claro. Tornando a
ausência destes Princípios e características verdadeiras atrocidades. Atrocidade estas que
ocorrem por ninguém mais, ninguém menos que seus CONJUGES e que hoje são escolhidos
por nós mesmas a partir de nosso próprio critério. A inexistência destes Princípios e
características se dá mediante uma imposição, ou por um abuso, ou agressão verbal
inicialmente; que em um futuro muito próximo quase imediatista se torna uma agressão
física. Resultado da omissão, levando por vezes esta mulher a óbito. Por ser um sexo frágil
e sensível como Creonte queria demonstrar ao humilhar Hermon? Ou por ser o elo mais fraco
da relação, que não aguenta um tapa? NÃO!
Por vezes se dá pela vergonha de um julgamento imposto pela sociedade que apesar
de moderna ainda vive de modo arcaico e patriarcal. Mesmo diante de diversas leis
específicas de proteção a mulher como a Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio; têm-se
um abuso social que é cruel e silencioso, quase imperceptível para quem está fora. Mas
danoso para quem sofre na pele a repreensão como culpada pelo ocorrido e o triste desfecho
de um belo casamento, ou mesmo é obrigada a ouvir que aquele que não proporcionou
direitos e Princípios básicos inerentes a qualquer cidadão era um ótimo marido; e que esta
não valorizou, ou não conseguiu segurar.
Mas, o que o torna ótimo? Se o mínimo que se esperava era o respeito e a seguridade
de premissas inerentes a qualquer relacionamento. E isso este não conseguia propor nem
sequer àquela que ele jurou diante da lei proteção? Tendo em vista que o casamento no civil
é uma forma de lei, além de claro por ser um Contrato que celebra o acordo de vontades em
comum. Ou mesmo que este não tenho sido feito de forma tradicional, atualmente o estar
com o outro em um mesmo domicílio constitui um acordo de vontades estando ambos
sujeitos as mesmas diretrizes que as de um casamento lavrado civilmente.
O simples fato de, ele ser um homem trabalhador e que coloca comida dentro de casa
aos olhos sociais o torna hábil a ser rotulado como bom e ótimo, apenas e tão simplesmente
por ele cumprir uma de suas obrigações de sustento e encenar o papel de um tipo de homem
na vida em sociedade, e dentro do domicílio se transformar no seio familiar juntamente com
sua cônjuge que por vezes é aquela que lava, passa, cozinha, arruma e a noite ainda tem que
se remeter ao seu marido como no Direito Romano estando pronta e apta a sanar suas
necessidades sem recusa, de maneira a proporcionar o prazer a ele e tão somente ele é

196
importante neste acordo de vontades. Contudo isso; a sociedade que acusa, fazendo o papel
do juiz. Isso ela não vê. E será esta a liberdade alcançada pelas mulheres anteriores a nós?
Será por isso o porquê de tantas lutas e sofrimento em busca de igualdade de direitos? Em
busca de equidade e sororidade? Tenho plena convicção que esta resposta se dá em uma
negativa a todas as indagações anteriores, e não é o que a história nos leva a crer.
Vale ressaltar ainda que quando se desejava humilhar e depreciar um homem este era
comparado a uma mulher e foi o que o fez Creonte quando Hermom fez a defesa de Antígona
junto a seu pai que o disse que ele falava como mulher e pensava como mulher. O que nos
leva a crer que sentimentos eram inerentes tão somente a mulheres e isso fazia destas fracas.
Quando na verdade Antígona demostra exatamente o contrário. Sendo os sentimentos os
precursores na busca de direitos, de equidade, igualdade e sororidade. O que anedota que ao
se buscar esses direitos e princípios mesmo sem saber o nome que se dava a suas ações à
época ela buscava adquirir um direito não somente a ela, mas a todos os quais pudessem um
dia estar diante desta lacuna. Sendo estes princípios e direitos completos somente se
estendessem a todos.
Ainda na Tragédia de Antígona podemos observar a desigualdade entre os sexos,
tendo em vista que apesar de Édipo ter quatro filhos; o trono na linhagem familiar era
passível somente aos homens. Disputa deste evidenciado entre os irmãos Etéocles e Polinice.
Não sendo nem sequer objeto de discussão a posse de uma rainha. Só assumiam o trono os
homens.
Mais tarde as mulheres podiam representar seus filhos em falta de seus respectivos
cônjuges assumindo a coroa de forma representativa no lugar de seus filhos até que eles
conquistasse a maioridade para a função. Voltando assim a ser apenas mãe do rei e sujeitar-
se a ele e seus convenientes decretos conforme lhe aprouvessem mesmo que suas mães
também fossem prejudicadas.
Tanto é válido o sentimentalismo feminino visto de forma negativa por Creonte que
este mesmo sentimentalismo levam estas a enxergar abusos de autoritarismo e desigualdades
de todas as formas, a partir de um olhar crítico e empático inerente ás mulheres. O que levou
o Brasil a abolição da escravatura sendo um marco de igualdade em nosso país advindo de
muitas lutas, e uma vitória conquistada por diversos fatores e a assinatura de uma mulher; a
Princesa Isabel deu-se a Lei Áurea, apesar de frutos de forte pressão popular e política que
perdurava por décadas esta foi a única a finalmente ceder. Onde torna-se indiferente se por
benevolência ou pressão muitos outros antes dela foram pressionados tanto quanto mas

197
cruelmente se mostraram indiferentes ao grito de liberdade não somente das mulheres negras
que ao dar à luz vislumbravam a liberdade de seus filhos mas ainda eram escravas por não
ser livres e mediante a Lei Áurea a liberdade tornou-se algo mútuo entre mães, pais e filhos
sem nenhuma restrição passou a reconhecer a liberdade de todas as pessoas negras como
cidadão o que nem mesmo a Constituição Federal do Brasil de 1824 conseguiu. Mas a
Constituição Federal de 1988 consagrou como mediante os Princípios Fundamentais
dispostos entre o Art.1° e Art.4°; e entre os Direitos e Garantias Fundamentais
especificamente o Art. 5°, XV que assegura a liberdade de todos em território nacional em
tempo de paz, podendo com seus bens ir ou deixar de ir onde melhor lhe aprouver, sem
nenhum tipo de restrição.

2 Mulheres Brasileiras no Controle De Suas Vidas

As mulheres brasileiras constituem 53% de todo eleitorado brasileiro, contudo são a


minoria nos cargos eletivos o que demonstra uma desigualdade exorbitante, pois se somos a
maioria porque nos elegemos em minoria. O índice de eleição feminina ainda muito triste
demonstra que o Brasil ainda é um país machista, patriarcal e arcaico pois em todo o Estado
Federativo só se teve uma mulher eleita como Governadora nas eleições de 2018, onde
Fatima Bezerra venceu a candidatura no Rio Grande do Norte (RN). Demonstra também a
necessidade de movimentação feminina e a luta pela igualdade dos nosso direitos
assegurados na Constituição e necessidade de se fazer vale-los e sermos ouvidas diante de
tamanha conquista que obtivemos e que muitas as quais lutaram por estas talvez não puderam
sequer vê-las em plena vigência principalmente usufruir delas ou se fazer vales destes e de
tanta luta e renúncia. O voto feminino, todavia, o valor inenarrável de um pensamento e um
direito feminino foi exaltado até mesmo no ato da promulgação da Constituição Federal de
1988 pelo Presidente da Constituinte e deputado Ulisses Guimarães, que fez questão de
exaltar a participação feminina na vida política e nos interesses da sociedade enfatizando a
participação destas nos mais diversos segmentos.

3 Feminismo e Ditadura em Belo Horizonte

Em conversa para um artigo da faculdade de jornalismo em Maio de 2013 com a


jornalista e aluna da Dom Hélder Câmara, Juliana Costa, a pesquisadora Elizabeth Maria Fleury

198
Teixeira ou como prefere ser chamada Beth Fleury, ex-jornalista e atual mestre em Sociologia
pela UFMG, especialista em Políticas Públicas com pós-graduação em Ciência Política também
pela UFMG e graduação em Comunicação pela mesma universidade esteve envolvida em um
momento histórico da capital de Minas Gerais, ela gosta de dizer do ponto de vista formal que
foi a responsável pelo primeiro grupo de feministas da cidade junto com suas amigas. Fleury
relatou como o movimento feminista era visto no brasil como algo que pregava somente para
as mulheres terem liberdade sexual,
Falavam que nós estávamos desviando a força de esquerda para fazer o movimento
das burguesinhas que queriam fazer revolução sexual, eles achavam que o movimento
de mulheres não tinha esse peso e essa importância que a gente achava que tinha.
(FLEURY, 2013, informação verbal).

No extenso currículo de Beth também consta sua atuação na criação de apoio e


desenvolvimento a ideia do jornalista Durval Guimarães para o atual finado jornal De Fato
durante a ditadura militar em 1975. Jornais como o De Fato se demonstravam necessários para
dar espaço a causas feministas, o que era frequentemente deixado de lado pelas mídias maiores.
Segundo o jornal De Fato, o Feminismo era mal visto. Em um exemplar de abril de 1976, há
uma nota com os seguintes dizeres:

Mais uma vez a grande imprensa demonstrou não ser o melhor local para se conseguir
informações exatas, pelo menos em relação ao feminismo. (...) tem um tratamento
pelos jornais brasileiros no mínimo ridículo. (DE FATO, n. 3, edição on line, 2012).

O Feminismo e as feministas, como eram apresentadas, “ofendiam” a sociedade,


informada pelos valores do catolicismo. O trabalho de Beth continua há 33 anos na fundação
Fiocruz e com seu livro Dicionário Feminino da Infâmia: acolhimento e diagnóstico de
mulheres em situação de violência em parceria com a pesquisadora da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Stela Meneghel.
Por sua vez o jornal De Fato passou por algumas mudanças de chefia tendo como Guy
Almeida, criador da Rede Minas seu responsável e o professor Eustáquio Cidade Neto como
editor chefe, aos poucos o jornal começou a ficar com sérios problemas financeiros acabou
tendo que se tornar um encarte do Diário do Comércio e foi assim que conseguiu sobreviver
por mais um tempo.

4 O Movimento das Donas de Casa (MDC)

199
A partir de um querer e de uma necessidade se nasce uma luta, um direito e um
empoderamento. Advindo mediante um dinamismo eclodido em meio ao final da ditadura
militar deu-se o surgimento do grupo denominado Movimento das Donas de Casa (MDC) e
logo começou a se mobilizar e ir para as ruas influenciando diretamente na economia do país
desde 1986, reivindicando desde então os direitos do Consumidor que estavam sendo usurpados
com a criação do Plano Cruzado criado para melhorar a economia e inflação do país; mas que
gerou foi frustação aos consumidores; levando-os a abrir mão do exercício de cidadania e do
direito de fiscalizar; por desacreditarem da economia, consequentemente se abstendo de seus
direitos. Diante desta emergente necessidade o MDC foi e ainda é um nítido exemplo de que as
mulheres unidas jamais serão vencidas em Minas Gerais, Belo Horizonte para ser mais precisa
é o Movimento das Donas de Casa (MDC) que foi o precursor da vigência do que temos hoje
em benefício de todos como Código de Defesa do Consumidor. Sendo o MDC uma entidade
pioneira deste no Brasil; que visava seus direitos e mais respeito às pessoas. Mas para tal foi
necessário muita luta e “cara na rua”, como elas mesmo definem o ato de literalmente ir para
as ruas lutar (SANTOS, 2010) “...reivindicando proteção e defesa aos direitos do consumidor e
melhoria na qualidade de vida para todos.” pelos seus direitos e ideais, visando a promoção de
um preço justo com mercadoria de qualidade, pagando pela quantidade de produto que se leva.
Visto que antes o comerciante dos pequenos comércios locais vendiam uma determinada
quantidade de produto por um preço x, mas essa quantidade na verdade era sempre adulterada
em seu benefício lesando os consumidores, mais precisamente as donas de casa pois antes a
função das compras domésticas, de ir ao mercado, assim como as demais tarefas domésticas
cabiam tão somente às mulheres. Contudo hoje em meio a modernidade podemos ver
nitidamente a mudança deste cenário como um todo onde tanto homens quanto mulheres se
beneficiarem do Código de Defesa do Consumidor que nasceu a partir de um olhar crítico e
apurado de ninguém mais, ninguém menos que as mulheres.
E o MDC não se deteve. As mulheres começaram a querer sempre mais. Estas
queriam além da igualdade, equidade, sororidade e isonomia; buscavam também melhores
condições de vida e liberdade financeira tendo em vista que a função dona de casa era
procrastinada e desvalorizada não cabendo nenhuma fonte remunerada e nenhum direito,
como os homens tinham diante de seus ofícios diários. Queriam poder sair para trabalhar e
deixar seus filhos em creches de qualidade onde seus filhos fossem bem assistidos e
cuidados; contudo esta não era uma possibilidade pois estas não existiam. Ou mesmo àquelas
que trabalhavam no cuidado árduo de um lar queriam estar asseguradas e ser passível de

200
algum direito, por exercer em igual teor aos homens um ofício não menos importante; que
se dava no cuidado com a família. E esta foi a força motriz que motivou a conquista da
contribuição como autônoma às donas de casa promulgada por uma Emenda de cunho
popular enviada aos Constituintes em agosto de 1987 antes mesmo da Promulgação da
Constituição Federal de 1988. Almejando para tanto a inserção de uma justiça social e a
garantia dos Direitos Humanos possibilitando a estas os mesmos direitos que os homens com
ofício; dona de casa, afinal quem trabalha em casa trabalha dobrado por desempenhar
múltiplas funções às vezes em tempo recorde e integral. Mas estas funções não tinham
seguridade social caso esta sofresse um acidente doméstico e não se possibilitasse
desempenhar suas funções rotineiras; o que passou a ser uma possibilidade mediante a
contribuição mensal, além de ser passível uma aposentaria pela Lei de Seguridade Social
que se aplica ao Direito Previdenciário e trabalhista proporcionando autonomia à mulher
mesmo que na velhice caso precise de ajuda de terceiros para dar continuidade as tarefas do
lar uma vez que os filhos àquelas que têm; eles crescem e vão constituir suas próprias
famílias, fazendo-se necessário uma remuneração para terceirizar as tarefas do lar que
cotidianamente estão e estarão lá, sem prejuízo do tempo ou idade.
Gerando a confiança que, não foi para obter direito de permanecermos caladas;
quando estivermos diante de qualquer abuso ou infração dos nossos direitos e seguridades;
fingindo assim sermos respeitadas. Mesmo que seja na oferta de um produto que não condiz
com o demonstrado, o que é relativamente simples em comparação com uma agressão física.
Apesar de ramificações e legislações diferentes do direito. Todos são direitos que se baseiam
em muitas lutas para ficarmos inertes diante da usurpação destes. Chegamos até aqui para
continuar avançando com lutas se preciso for e conquistando nosso lugar na busca pelos
nossos objetivos que são a igualdade de nossos direitos em toda e qualquer área, e
ramificação do Direito. Todas as esferas e setores onde estiver uma mulher que desempenhe
a mesma função que um homem, inclusive de maneira mais admirável que este, possa ser no
mínimo remunerada de forma equitativa. Sendo este o mínimo que se espera. Continuaremos
lutando com a cara na rua se necessário for; como o MDC, ocorrido inicialmente em Belo
Horizonte-Minas Gerais mas chegando até Brasília para que as lacunas fossem de fato
preenchidas. Como por exemplo no que tange a direitos específicos das mulheres, que hoje
se aplica também aos pais do sexo masculino; o salário maternidade seja contemplado de
maneira equitativa ao contribuinte.

201
Apesar de termos a igualdade assegurada pela C.F/88 e a distância temporal do
início da busca desta igualdade ainda se faz uma discussão necessária no que tange a sua
aplicação na igualdade de gêneros. Ainda estamos na classe das minorias e precisamos que
esta igualdade atenda às necessidades demandadas das mulheres modernas do Séc. XXI.
onde por exemplo o fato de uma mulher ter contribuído em 02 atribuições diferentes ao
INSS como autônoma e como professora por exemplo; torna-se um problema ao precisar
se ausentar de suas funções desfrutando da licença maternidade. Quando se esperava ter no
mínimo o valor da licença dobrada o que se tem é o tempo e valor subtraído sendo está uma
forma injusta e aleatória. E ao acionar os dispositivos Normativos observa -se que, ainda
não há regulamentação para uma contribuinte que exerce duas funções profissionais ao
mesmo tempo. Art.71. Lei n. 8.213, de 24-7-1991_ Previdência Social especifica todos os
possíveis cargos que se estendem o salário maternidade ou auxílio maternidade, contudo
de forma distinta; não em tempo integral. Deixando, portanto, uma lacuna àquela mulher
que precisa fazer jus a ambas as contribuições. Deixando margem a interpretação dúbia,
havendo, portanto, a necessidade de quebra de inércia do judiciário; deduzindo que este
pode definir a sentença condenatória a partir de um dos Princípios desta mesma. Disposto
no Art.1° Contestando, portanto, o próprio inciso “V-irredutibilidade do valor dos
benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo”. da lei em questão, tendo em vista
que, o que ocorre mediante este litígio é o fato de se contribuir duplamente e fazer jus de
um único benefício que por sinal é o menor, que se enquadra no benefício preconizado pela
Consolidação das leis do trabalho (CLT). Alterando, portanto, o valor do salário
maternidade diminuindo com isso o poder aquisitivo da beneficiária. Uma vez que, a esta
não é ofertado o direito de escolha se não o de procurar os Princípios da equidade e
igualdade assegurados em lei a todo cidadão brasileiro mediante o Judiciário.
Demonstrando que as mulheres do MDC lutaram muito e alcançaram muitos direitos
principalmente na Legislação da Previdência Social, mas ainda faz-se necessário a luta pelo
alcance destes tantos outros que nós encontramos em nosso cotidiano com perguntas, sem
respostas. Que se aplicam àquelas que são profissionais. Além é claro de ser mãe, esposa,
filha e diversas outras atribuições dentro de um lar que requerem atenção e
concentração. Precisam buscar a resolução de um conflito que lesa um direito adquirido
em um dos mais belos momentos que se dá na vida de uma mulher. Quando esta dá o direito
à vida de uma outra pessoa natural e logo se tornará uma pessoa capaz. Mesmo esta
capacidade de trazer uma vida ser uma característica única da mulher nota-se preconceito

202
e desvalorização neste momento. Momento de estado puerperal que dar à luz pode ser um
problema ou desencadear um advindo deste, fazendo com que está se sinta lesada, pelo
órgão que outrora achava que lhe traria um certo conforto por ter o dever de promover
Seguridade Social, mas que a mulher neste dado momento só conseguiu promover
transtorno Social diante desta lacuna; desprezando o dever de amparo a contribuinte de
forma dupla, pela contribuição distinta. E que ainda hoje desde a criação da Legislação de
1991 não localizou a lacuna e o conflito do Salário Maternidade em dupla Contribuição
Feminina; cabendo talvez a resolução mediante um Princípio. Algo por vezes intrigante,
pois na Jurisprudência não há nenhum caso de requerimento duplo a Salário Maternidade
o que me leva a crer que não é cabível que até o momento, visto a data de sua criação que
nenhuma mulher tenha se visto diante desta lacuna. Ou mesmo não é possível que nenhuma
tenha quisto acionar o Judiciário de maneira a que venha solicitar um parecer e uma
resolução deste conflito.
E, se na Tragédia Grega de Antígona ao ser comparada a uma mulher era um
xingamento, nos parece que ainda hoje ser mulher não consiste em algo tão valorativo,
mesmo se levando em conta que a ausência de suas atividades de ofício ou requer direitos
pelos quais contribuiu para o momento em que escolhesse para dar à luz a uma vida. Não
requerendo favores, mas direitos consagrados e devidamente regulamentados torna-se um
problema, um litígio.

REFERÊNCIAS

COELHO, Daniela. “Antígone- de Sófocles”. Jusbrasil, 30 março de 2018. Disponível em:


https://danicoelho1987.jusbrasil.com.br/artigos/561367714/antigone-de-sofocles
Acesso em: 21 abr. 2020.

DE FATO. Disponível em: <http://jornaldefato.plusinfo.com.br/edicoes/De-Fato-n3-Abril-


1976.pdf> Acesso em: 10 de jun. 2013-06-12

GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,


2003.

NORTON, Rafael. Fátima Bezerra é a governadora mais votada da história no RN. G1 RN, 28
outubro 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-
norte/eleicoes/2018/noticia/2018/10/28/fatima-bezerra-e-a-governadora-eleita-mais-votada-
da-historia-do-rn.ghtml
Acesso em: 21 abr. 2020

203
STOCKLER, Sérgio. ...mas sem perder a ternura: a história do Movimento das Donas de
Casa e Consumidores de Minas Gerais. Belo Horizonte: Ministério da Cultura, 2010.

204
19
GRITOS ENSURDECIDOS DE MULHERES RELIGIOSAS: VIOLÊNCIA E
VULNERABILIDADES

Jorge Luiz Gray Gomes24

1. Introdução

Esta comunicação partiu das experiências de sofrimentos de violências e de


vulnerabilidades de freiras e/ou irmãs em suas vidas cotidianas. São relatos sobre a exclusão e
imposições sofridas pelas irmãs religiosas frente às suas superioras, padres e bispos, com a
perspectiva de um melhor diálogo e superação de injustiças sofridas, e a construção de
parâmetros comportamentais justos e racionais para o governo dos IVC (Institutos de Vida
Consagrada) e SVA (Sociedade de Vida Apostólica), tendo em vista a deliberação ética.
O objetivo principal é: A narrativa de mulheres na vida religiosa e suas superações
diante de situações vulneráveis, com responsabilidade e lutas. Os objetivos secundários são: 1.
Narrar fatos de mulheres religiosas a partir de suas experiências de luta e superação das
situações de violência e imposições; 2. Mostrar a relação da vocação que vem de Deus e como
isto mantém as mulheres nas suas responsabilidades, apesar das injustiças sofridas, tendo por
base o Direito Canônico; 3. Proporcionar motivos de esperanças e vontade de lutar pela vocação
religiosa, em situações de vulnerabilidades com perspectivas de diálogo inter-relacional e de
deliberação ética.
A metodologia aplicada será a partir das experiências das irmãs, suas angústias e
tristezas, superações e esperança para concretizarem o que elas têm de maior em suas vidas: A
Vocação e a Dignidade. Tem por base as realidades contextuais com relações dos pareceres de
mulheres, para compreender e apontar possibilidades de escolhas frente aos desafios a serem
enfrentados.
A justificativa está na relação da contextualização da ética da vida e do direito canônico,
com as realidades vividas de mulheres religiosas e proporcionar possibilidades de escolhas

24
Doutor em Teologia (Bioética) pela FAJE (Bolsista FAPEMIG). Mestrado em Teologia (Bioética, PUC- Rio –
Bolsista CAPES) e Direito Canônico (Pontifício Instituto Canônico do Rio de Janeiro, filiado à Gregoriana de
Roma). Bacharel em Filosofia e Letras (UFRJ). Formação em Direito (Faculdades Santo Agostinho-Bacharelado).
Filiação Institucional: Tribunal Interdiocesano de Montes Claros. Email: jorgegomesmpf@gmail.com

205
diante dos desafios, com base nas perspectivas de mulheres, tendo em vista a questão do diálogo
nas inter-relações e a deliberação ética.
A comunicação estará dividida em cinco partes: 1. Introdução; 2. Realidade das irmãs:
suas lutas, sofrimentos e esperança; 3. Pensamentos de mulheres diante de situações
vulneráveis; 4. Diálogo inter-relacional e deliberação ética diante dos conflitos; 5. Conclusão

2. REALIDADE DAS IRMÃS: SUAS LUTAS, SOFRIMENTOS E ESPERANÇA

Muitas freiras ou/e irmãs vivem suas vidas e vocação em forma de doação, seriedade,
fidelidade, responsabilidade. Porém, mesmo sendo mulheres com vidas doadas a Deus e às
congregações, acabam por passarem por momentos muito deprimentes e tristes, sofrendo
violências e exclusões.
Citaria apenas algumas experiências vivenciadas dentre outras defendidas, como dados
estatísticos: 1. Quarenta anos de vida religiosa e vinte de vida na área da saúde, sofrendo
violência física e ameaças de um padre (neste caso, o bispo ficou do lado do padre e a irmã
tomando remédios de depressão); 2. Setenta anos de idade, cinquenta anos de vida religiosa,
vinte anos como priora, convidada a pedir transferência do seu local e país, para outro local e
país, por defender os bens avaliados em um milhão e meio de dólares, pertencentes à
congregação, sem defesa ou motivo e adquirindo doenças respiratórias; 3. Mais de trinta anos
de vida religiosa, mestre em Teologia, obrigada a pedir exclaustração por um canonista e uma
superiora; 4. Vinte e oito anos de freira, demitida da vida religiosa, e com um diácono e
promotor falando que se não saísse do convento, iria chamar a polícia; 5. Duas irmãs, de
formação superior e qualificadas, ameaçadas pela Superiora Geral de chamar a polícia e as
expulsarem da vida religiosa, com isso, pediram a demissão, pois não aguentavam mais aquela
vida de imposições; 6. Muitos anos de vida religiosa, excluída e obrigada a sair do Convento,
por questionar algumas atitudes indevidas de superioras; 7. Trinta anos de vida religiosa,
obrigada a aceitar a exclaustração por um ano e ainda continua sua história de exclusões; 8.
Cinquenta anos de vida religiosa, confiscaram os bens do convento, e duas irmãs, amigas desta
citada, morrem por depressão e debilidade na saúde por motivo de terem que fechar o convento.
Aqui a irmã recorreu à Instância Suprema contra uma instância intermediária e ganhou, mas
preferiu viver em outra congregação e outro tipo de vida, tamanho o sofrimento e lembranças
indesejáveis.

206
São apenas algumas de muitas situações que mostram a violência e as vulnerabilidades
sofridas por estas e outras irmãs, pois muitas desistem de lutar com medo de represálias ou
simplesmente sem vontade de permanecerem nestes lugares, devido a tantos atos não cristãos
e contra a caridade. Vale ressaltar, que nestes casos, mesmo lutando contra as superioras e
bispos locais, outros ouviram seus recursos extraordinários, o que elas agradecem muito às
Instâncias Superioras e Supremas.
Porém, as marcas ficam: sofrimentos, violência, perseguições, exclusões, violação do
direito do idoso, confisco de bens, falta de ajuda financeira e amparo social, imposições de
bispos e padres, calúnia e difamação. São situações que mesmo ganhando na justiça da Igreja
Católica, apesar que algumas ainda estão esperando a caridade e a justiça se realizarem, estas
irmãs, com anos de dedicação à Igreja, ao povo brasileiro e latino-americano e à congregação
de cada uma, ainda vivem estas atitudes injustas e anti-cristãs de superiores e superioras.
O Concílio Vaticano II (de 1962-1965) na sua Constituição Pastoral Gaudium et Spes,
logo no início, afirma a solidariedade da Igreja com as realidades da humanidade, exprimindo
confiança em Deus na esperança de mudanças:

As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje,


sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de
Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não
encontre eco no seu coração (GS, n. 1).

Estas palavras confirmam a posição do pensamento do Concílio sobre a real participação


dos discípulos e discípulas de Cristo na transformação do mundo em que vivemos e a partir dos
vulneráveis, aqui, especificamente, a partir das mulheres. As angústias e os medos se tornam
mais intensos quando as sombras das injustiças se fazem presentes, mas a complexidade nas
relações cresce a cada dia e a rapidez do tempo emerge a cada momento, sendo a justiça em
muitas ocasiões esquecida e não praticada, porém sempre querida e aguardada.

3. PENSAMENTOS DE MULHERES DIANTE DE SITUAÇÕES VULNERÁVEIS

Comecemos com o relatório da auditoria realizado por uma canonista, pesquisadora e


estudiosa no Direito Canônico. Esta afirma que as “Congregações Religiosas, como tantas
outras, vêm sofrendo uma lenta e gradual secularização de toda a sua estrutura organizacional
e administrativa” (DELAMÉA, 2019, p. 1), não só em decorrência da corrupção intelectual que,
sorrateiramente, está esvaziando o sentido profundo da vida consagrada e do que lhes cabe,

207
como entidade canônica, no seio da Igreja e do Povo de Deus, como também com a ascensão
dos leigos no governo interno das Províncias e Obras, principalmente com a contratação de
assessores leigos ou ex padres, que são indicados ou se dizem recomendados por outras
congregações.
A tática de desmantelar as comunidades bem constituídas das escolas e dos hospitais, e
a prática gerencial de espalhar as irmãs em grupos de duas ou três e de reduzi-las à
insignificância, não se limita a ideologia de “dividir para dominar”. Trata-se de uma prática que
vem ocorrendo também em outras congregações que têm a educação e a saúde como o seu fim
institucional eclesiástico e a sua missão qualificada no ramo da educação e/ou da saúde.
O esvaziamento dos fundamentos do Instituto de Vida Consagrada (IVC) em
comunidades escolares está diretamente ligado a destruição da rede de ensino católica, pois são
as escolas dos IVC e das SVA (Sociedade de Vida Apostólica) as que pavimentam o caminho
dos missionários, da evangelização e da catequese; mas tal esvaziamento também está ligado
ao governo de muitas congregações, não só por estarem transformando as escolas em empresas
laicas com fins lucrativos, e por estarem laicizando as pequenas comunidades e levando as
Irmãs a se desviarem da missão e dos fins institucionais eclesiásticos da congregação, e a
realizarem o assistencialismo inútil. Mas, também está levando essas Irmãs à destruição da
auto-estima e à perda da fé, inclusive a não acreditarem mais nas instituições da Igreja, na
hierarquia eclesiástica e no governo da própria congregação que se revela desumano,
ineficiente, irracional e insensato.
Este é um fato real que vem ocorrendo, pois o esvaziamento das instituições de base da
Igreja é notório, principalmente daquelas que têm a educação e a saúde como seu fim
institucional eclesiástico, e vem causando graves danos não só à Igreja e ao Povo de Deus, mas
também à sociedade como um todo. Com o avanço da corrupção intelectual nas escolas e
universidades, os IVC e as SVA que têm a educação como o seu fim institucional canônico e a
missão de colocar o conhecimento a serviço da Evangelização, estão sendo o alvo preferencial
da intelectualidade corrupta porque: 1º) A evangelização passa pelo mundo das letras, pela
educação completa, também naquilo que permite o entendimento correto da mensagem do
Evangelho e dos valores morais e éticos; 2º) A escola católica, principalmente a do pré-escolar
e do ensino fundamental e médio, é a que prepara o terreno para os catequistas e os missionários
lançarem as sementes do evangelho, dos fundamentos da fé e dos valores morais e da ética
comportamental; 3º) Minar as cabeças das lideranças e do governo dos IVC.

208
Com conceitos gerenciais manipulados, e substituir a terminologia eclesiástica pela
laica na estrutura organizacional e administrativa da congregação, províncias e obras, é
transformar o IVC numa empresa com fins lucrativos, pois fecham escolas ou cedem sua
administração aos leigos simplesmente. Este tipo de imoralidade gerencial já se tornou rotina
no governo de certos IVC, só que tais leigos sabem que há consagradas que são analfabetas
funcionais, outras que são mercenárias, e muitas que perderam a fé e não confiam mais na
hierarquia da Igreja e no governo da própria congregação.
O patrimônio da congregação foi construído pelo trabalho das Irmãs, e está sendo
destruído por quem não participou da sua construção, o que vem levando a destruição da saúde
e da auto-estima dessas Irmãs e levando-as a se sentirem reduzidas a insignificância e a serem
jogadas na lama da imoralidade gerencial.
Os IVC, além de terem autonomia canônica no Governo Interno, também tem o dever
moral de assegurar a seus membros a exclusividade das decisões do governo e das assembleias,
e o destino de suas obras, o que significa que as assessorias leigas e os organismos de leigos
não podem participar ou interferir no que diz respeito a condução da congregação e de suas
obras. O IVC que tem a educação como seu fim institucional eclesiástico, tem o seu campo de
ação missionária e pastoral ligado a educação completa, principalmente no que tange a
formação do Ser e a capacitação dos batizados para entender o significado dos conteúdos do
Evangelho e dos valores religiosos, morais e éticos, inclusive para entender o que é dito nas
homilias e nas pregações dos missionários. A Evangelização depende da capacidade do Povo
de Deus de entender os ensinamentos bíblicos e os fundamentos da fé cristã, para discernir
sobre o que é verdadeiro do que é falso no ensino religioso e na pregação missionária; para
distinguir o que é verdadeiro do que é falso nos cursos e encontros, e distinguir o que é falação
gratuita ou tendenciosa no discurso teológico.
O artigo sobre “A Vida Religiosa Samaritana - uma leitura à luz de Lc 10,25-37” da
Revista Convergência de autoria do Jesuíta Pe. Jaldemir Vitório, (VITORIO, J. 2007, p. 588-
603) tem fundamentos reais e sua preocupação sobre os efeitos de certas afirmações neste texto
para as congregações femininas, pois assenta-se em bases sólidas tanto na esfera da
administração aplicada e do direito como na arte de lidar com pessoas. Trata-se de um texto
que mistura as coisas do mundo religioso com as do mundo da organização operacional da
Igreja.
Os desvios da finalidade institucional dos IVC e SVA e os desvios comportamentais
dos membros dessas corporações são efeitos da má gestão dessas organizações qualificadas da

209
Igreja. Também as críticas apresentadas no texto sobre a postura das religiosas são efeitos dos
modos e métodos medievais de governar os IVC. O efeito deste texto aparecerá a médio e longo
prazo como o surgimento de novas aberrações gerenciais no seio dos IVC e SVA, a exemplo
do que já aconteceu em várias congregações femininas que foram levadas a destruir suas
comunidades bem constituídas e com um ambiente administrativo saudável, a espalhar seus
membros em grupelhos e sem as bases institucionais para a vida fraterna em comunidade, e a
destruir as bases econômicas da congregação e a fecharem suas escolas e hospitais usando o
critério do lucro ou por não darem lucro.
Quem vem marginalizando a vida religiosa é o governo dos IVC e SVA que marginaliza
seus súditos, é a incompetência gerencial e a falta de ética dos superiores. Quem está impedindo
a vida fraterna em comunidade é o ambiente administrativo doentio produzido pela
incompetência dos superiores, pelo abuso de autoridade e pelo uso indevido do voto de
obediência. Quanto a obediência, cabe destacar que o voto de obediência é um Conselho
Evangélico (can. 601) cujos fundamentos, e aplicação, são eminentemente da esfera espiritual,
e que a obediência na esfera temporal tem outros fundamentos como os da ordem da
organização formal e da administração aplicada, os da ordem institucional e da personalidade
jurídica, e os da ordem dos sujeitos de direitos e obrigações e do sistema de relacionamentos,
entre outros aspectos.
A palavra obediência vem do latim “oboedire”; e a palavra oboedire, que vem da raiz
“ouvir”, significa “escutar com atenção e com atitude de escuta”. O que significa que a
obediência na esfera temporal está ligada a ouvir e escutar com atenção o outro e agir com
atitude de escuta nas relações entre superiores e subordinados e entre seus pares, porque tais
relações envolvem tanto a esfera do sujeito de direitos e obrigações como a da responsabilidade
pessoal e a corresponsabilidade funcional e institucional.
O autor do texto, na página 601, diz: “a VR samaritana caracteriza-se pela radicalidade”.
Ora toda radicalização na VR revela a estupidez dos insensatos e estimula os fundamentalistas
a impor a sua ditadura. E na página 602, insinua que “a institucionalização da VR criou posturas
burocráticas e funcionários sagrados”, o que revela algo de muito preocupante, pois a Igreja
teve seus fundamentos institucionais na ordem temporal quando Jesus Cristo investiu Pedro
como titular da Igreja e no mesmo ato lançou a pedra fundamental da organização formal da
Igreja. Também na composição dos membros do patrimônio humano operacional qualificado
da Igreja, há duas categorias institucionais: a dos Clérigos e a dos Consagrados(as), que são
membros, respectivamente, das organizações operacionais de base da Igreja. Essas duas

210
categorias abrigam as pessoas que, por vocação qualificada, voluntariamente ingressam nas
instituições eclesiásticas qualificadas e, através dessas, se doam por inteiro ao serviço da
consecução dos fins e da missão institucional da Igreja, as quais mantêm um vínculo
institucional qualificado e de pertença qualificada a uma Pessoa Jurídica Eclesiástica.
Na ordem da personalidade jurídica, tanto os clérigos e consagrados(as) como os
respectivos IVC e SVA, são sujeitos de direitos e obrigações na ordem temporal, o que exige
dos clérigos e consagrados(as) uma postura institucional, tanto na esfera individual como na
esfera corporativa, uma disciplina institucional e uma burocracia gerencial bem delimitada e
bem articulada. Também exige que essas corporações tenham um governo de boa qualidade,
tanto no que diz respeito a assegurar um ambiente administrativo saudável para todos os
membros da corporação como no que tange a pôr em prática um modo contemporâneo, racional,
ético e justo na gestão dos membros das corporações com personalidade jurídica eclesiásticas,
principalmente aquelas que abrigam os clérigos e os consagrados (as) com vínculos de pertença
e de missão institucional específica no seio do sistema operacional da Igreja. Também exige do
governo das Dioceses e dos IVC e SVA, uma postura que revele coerência e competência
gerencial e que seja ao mesmo tempo racional e ética, dentro dos parâmetros da boa ciência da
administração aplicada e da ordem moral e jurídica.
Para que a Vida Consagrada (VC) volte a ser bem-sucedida, é preciso passar por grandes
transformações no governo dos IVC e SVA, principalmente na gestão do seu patrimônio
humano, começando pela extinção da ditadura do “sempre foi assim”, do amadorismo gerencial
e o uso dos votos religiosos para dominar, no governo da corporação, e pela extinção da ditadura
dos teologismos, psicologismos e sociologismos que, com suas ilações, corroem o fio condutor
da família religiosa e do testemunho institucional dos consagrados. A missão e o apostolado
individual e comunitário do IVC e de seus membros, não só é do âmbito operacional da Igreja,
como é o instrumento jurídico de base que aprova a constituição e confere a personalidade
jurídica canônica e define os fins institucionais e o campo de ação de cada IVC e SVA no
sistema operacional da Igreja. A vocação e a identidade de cada IVC, além de ter uma ligação
direta com os seus fins institucionais eclesiásticos e a sua missão específica no contexto da
organização operacional da Igreja, têm um vínculo com o apostolado de todos os religiosos
naquilo que diz respeito ao testemunho assumido por um título novo e especial (cân.573), que
é um testemunho institucional, individual e comunitário.
Enfim, no Patrimônio Humano Operacional Qualificado da Igreja há um imenso
potencial humano, intelectual, religioso e cultural, mas que tem um monumental desperdiçado

211
pela incompetência gerencial, pelo amadorismo administrativo e pela inoperância das instâncias
do Governo da Igreja, das Dioceses e dos IVC e SVA. A cegueira dos superiores sobre o que
significa uma gestão de pessoas e um ambiente administrativo de boa qualidade para os clérigos
e consagrados (as), tem levado não só a uma visão assistencialista da pastoral e missão dos
religiosos (as), como também a acreditar que não existe um propósito maior para a vida
consagrada, e a não perceberem que a radicalidade apregoada, leva aos radicalismos
comportamentais, gerenciais e religiosos, ou que não existem efeitos benéficos em nenhum tipo
de radicalidade. Pois há certas abordagens que distorcem a finalidade institucional dos IVC e
SVA e levam seus membros a não considerarem que cada Congregação Religiosa tem missão
e função eclesiástica bem definida, e que também há as que afrontam a dignidade do estado de
vida consagrada por não considerarem a dura realidade dos súditos que se vêem entregues à
própria sorte.
Para Susan Wolf, bioeticista americana, nos conflitos, corre-se o risco de não valorizar
a realidade e ficar no abstrato. Assim, as discussões se distanciam dos assuntos fundamentais
como: sócio-econômico, antropológico, administrativo, raça, gênero, cultura entre outros. Com
isso, não se atinge as relações de poder, entre a oprimida e a opressora e opressor.
As bioeticistas Rosemary Tong, Susan Wolf, Débora Diniz e Dirce Guilhem apontam
questionamentos sobre determinadas discussões, contemplando assuntos de contextualização.
Este feminismo é como uma voz profética que clama por direções abertas, numa hermenêutica
que liberta do poder impositivo, realçando o cuidado e visualizando os interlocutores para a
atenção do caminho percorrido para uma ética da vida que não favoreça os interesses do
opressor e da opressora, e sim dos grupos excluídos e sofridos. Resta saber se as irmãs que se
sentem injustiçadas querem lutar por seus direitos, como fazem determinadas irmãs, com
passeatas na Europa e outros países que perderem a hegemonia católica.
Nestas autoras, o direito à liberdade de expressão aliado ao direito de pensar, de falar e
de refletir fazem dos assuntos em pauta, narrativas cheias de interpretações novas que
direcionam as discussões para situações reais que muitas vezes não estavam sendo atingidas e
pouco refletidas.

No fundamental, perspectiva de gênero é, forçosamente, a inclusão das mulheres no


mundo como cidadãs em plenitude. Perspectiva de gênero no pós-Beijing é “garantir
o desfrute em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades
fundamentais a todas as mulheres e meninas que enfrentam múltiplas barreiras à
expansão de seu papel e seu avanço devido a fatores tais como raça, idade, idioma,
origem étnica, cultura, religião, ou incapacidade, ou por pertencerem à população
indígena [...] (OLIVEIRA, in GARRAFA; PESSINI, 2003, p. 351).

212
No texto da Irmã Simona Paolini25, FMGB, religiosa professora de História das Fontes
e de Instituições de Direito Canônico, na Universidade Antonianum de Roma, intitulado
RESPONSABILIDADE DA LIDERANÇA ENTRE AUTONOMIA E OBEDIÊNCIA ÀS
CONSTITUIÇÕES (O texto foi apresentado no Workshop de Direito Canônico sobre a
Reconfiguração, UISG, Roma 19/11/2016).

A autonomia sancionada no CIC ’83 é reveladora da natureza divina da vida


consagrada, concedida à Igreja, como a forma de vida que o Filho de Deus escolheu
para si, uma forma entregada para as pessoas consagradas, fundamentadas nas
palavras e ensinamentos de Cristo, plasmadas no corpo de Cristo que é a Igreja. Essa
autonomia claramente, não é uma independência nem auto-referência, não é uma
forma especial de liberdade, nem fora nem dentro, mas sim um vínculo peculiar que
liga a vida consagrada à Igreja e ao Seu mistério.

Assim, é importante realçar que após o cân. 586, o Legislador pôs o cân. 587, para dar
ênfase ao direito próprio, sendo vivenciado como, primeiramente, uma forma de autonomia,
mas também para que ocorra uma justa autonomia, no âmbito da vida religiosa e não imposições
e desmandos, acrescidos de falácias de humilhação e exclusão para com as irmãs subalternas.
Do cân. 587 emerge claramente a finalidade do direito: a fidelius tuendam vocationem et
identitatem; o direito é para custodiar a vocação de todas as pessoas consagradas e sua
identidade carismática; “também é instrumento para tender à perfeição do seu próprio estado,
que é a plenitude ao qual somos chamadas. A vida consagrada está chamada a obedecer à esta
forma particular de direito”.
Contudo, há de se questionar o por que este Conselho ao invés de atender as Superioras
Gerais, não atende as subalternas que tanto precisam destas orientações, visto que na vida
consagrada uma “autonomia circunscrita pela obediência” e ao mesmo tempo “uma obediência
tutelada pela autonomia”, diante destas duas realidades, experimenta-se o serviço da autoridade,
como concretude do carisma do Instituto e cuidar protegendo a vida e a saúde de seus súditos,
só que na realidade, está sendo uma falta de proteção e falta de cuidado com as subalternas.

4. DIÁLOGO INTER-RELACIONAL E DELIBERAÇÃO ÉTICA DIANTE DOS


CONFLITOS

25
Em 2015, foi criado um Conselho Internacional de Canonistas (CLC), composto por religiosas expertas em
Direito Canônico de diferentes áreas geográficas.
213
Ao falar sobre as irmãs de vida religiosa, dentre várias exclusões, inclusive muitas
irmãs, mesmo fazendo um trabalho bem estruturado e com fundamentação nas orientações do
Concílio Vaticano II, acabam também, expulsas das paróquias por padres com a permissão de
bispos, de maneira bárbara, sem nenhuma defesa ou reconhecimento de toda sua história nestes
lugares e atividades. Isto nos leva a questionar a falta de diálogo e a dificuldade do clero de ter
uma inter-relação justa, ética e harmoniosa com as irmãs, deliberando atos contra a vida
religiosa.
Para Masiá, teólogo e bioeticista, as práticas do mundo necessitam de abertura para
saírem da intolerância e tenham ações em prol da vida. A interatividade entre poder e realidades,
gerência dos IVC e SVA e membros dos mesmos, irmãs e clero, superioras e subalternas, é
emergente frente às “barbáries” que ocorrem, para que a humanização e a libertação sejam
realidades e haja diálogo entre os diferentes e a justiça se faça presente.

As éticas expostas – às vezes, infelizmente, mais impostas que propostas – com


excesso de segurança estimulam as conseqüentes atitudes de fanatismo, exclusivismo,
dogmatismo e intolerância. No extremo oposto, a classe de tolerância que flutua à
deriva num mar de total insegurança conduz ao relativismo e à falta de ética. Em busca
precisamente de um meio-termo, foi proposta uma “ética na incerteza”, feita com
disposição e metodologia questionadora (MASIÁ, 2007, p. 43).26

Assim, o diálogo nas inter-relações, se torna fundamental para minimizar, diminuir e


chegar à inexistência de ações de barbárie, para que as irmãs sejam valorizadas, reconhecidas e
tenham suas histórias respeitadas com responsabilidade, de quem deveria observar as ações
destas mulheres que cuidam da vida do povo que tem fé.
Diante de fatos, ocorrem os valores até chegar a decisões como um dever de sair das
situações reais conflituosas ou um imperativo ético frente às possibilidades de decisões. No
contraste de decisões, chama o procedimento de deliberação, palavra usada também por
Aristóteles (GRACIA, 2010, p. 375).27

26
Juan Masiá nasceu em 1941, em Murcia, Espanha. Em 1958, ingressou na Companhia de Jesus, Teólogo, em
1966, foi enviado para o Japão, ordenado presbítero em 1973 em Tóquio. De 1970-1988 foi Professor de
Antropologia Filosófica, Moral Fundamental e Bioética da Faculdade de Artes e de Teologia da Universidade
Sophia (Tóquio). Em 1975, se torna Doutor em Filosofia pela Universidade de Comillas com uma tese sobre
Unamuno. Foi Diretor do Departamento de Bioética no Instituto de Ciências da Vida da Universidade Sophia,
1983-1988. Foi Conselheiro teológico da Associação dos Médicos Católicos no Japão, 1983-1988. Após 35 anos
no Japão, ensinando teologia moral, o teólogo e jesuíta espanhol foi pressionado, no início de 2006, pelo cardeal
de Madrid, Rouco Varela, a deixar a cátedra que ocupava na Espanha, por causa das teses defendidas em Tertúlias
de Bioética (ed. Trotta).
27
. Diego Gracia, nascido em 1941 em Madri, estudou filosofia na década de 1960 e formou-se em medicina em
1970 com especialização em psiquiatria pela Universidade de Salamanca. Doutora-se em 1973 pela Universidade
214
Os conflitos morais de valores e de deveres na vida religiosa podem ser ajustados como
problemas éticos. Estes problemas são apontados como uma aproximação deliberativa prudente
e não única. As éticas se tornaram intersubjetivas e precisam da participação de todos os
afetados por normas ou decisões, avaliando os contextos e as situações, e isto inclui as irmãs
subalternas, visto que ouvir só o lado das superioras, padres e bispos, distancia-se da
deliberação ética e justa (ZOBOLLI, 2010, p. 48).
Entre problema ético e dilema ético há diferença. O dilema exige confronto, escolha
entre uma e outra opção, não há uma solução satisfatória e a saída é sempre difícil. O problema
não nos diz que as possibilidades são duas e nem que a solução seja única para todos, e sim,
uma necessidade de ter escolhas possíveis e distintas para cada caso. Diante de um problema,
se pensa no que se deve escolher no concreto entre as possibilidades, são questões abertas para
o futuro, e não fechamento ao outro, no caso das irmãs excluídas, ou expulsão da irmãs, sem
considerar escolhas possíveis e justas (ZOBOLLI, 2010, p. 66-67).
No conflito moral, um valor pode obscurecer o outro, ou um dever pode irradiar mais
que o outro, exemplos: transfusão de sangue das Testemunhas de Jeová; falar ou não a verdade
para o paciente; ter humildade de readmitir erros de superioras, bispos e padres diante das
vulnerabilidades de irmãs que não foram ouvidas. A perplexidade surge diante das situações
que questiona valores e deveres (ZOBOLLI, 2010, p. 68).

CONCLUSÃO

Os índices da violência geral no Brasil e da violência contra as mulheres têm aumentado


significativamente. A situação dos dados requer preocupação, pois a vida está vulnerável. A
gravidade dos quadros demonstra que os brasileiros (as) estão usando de extremos para resolver
conflitos interpessoais banais e circunstanciais que poderiam ser solucionados sem violência,
através do diálogo, inclusive na vida religiosa, envolvendo as freiras e/ou irmãs.
Exemplos de ações contra a vida: feminicídio, exclusões, outras realidades como
corrupção e violência contra as mulheres, deixando pessoas vulneráveis por falta de proteção e
justiça demonstram situações de imposições ético-morais que necessitam de reflexões. Aliada,
as denúncias de abuso sexual sofridas pelas irmãs da vida consagrada por determinados padres.

Complutense, em Madri com a tese sobre a história da psiquiatria espanhola (Persona y enfermedad: una
introducción a la historia y teoría de la antropologia médica).
215
O conceito de imposição reacende experiências de “barbáries” que desumanizam e que
sugerem práticas impositivas ético-morais, frente às lutas das autonomias e da contextualização
de mulheres de vidas religiosas que teriam a contribuir muito.
As imposições ético-morais tornam-se realidades em determinados contextos que
violam os direitos pessoais, apesar das organizações da sociedade mundial em criar Códigos,
Decretos, Direitos Humanos, Direito Canônico e Declarações em prol do respeito ao ser
humano em qualquer circunstância.
A contextualização da vida das freiras e irmãs da VC se organizou como uma opção
frente aos desafios de priorizar grupos vulneráveis no mundo como: doentes, crianças sem
possibilidade de estudos, pobres, populações indígenas, fugitivos das guerras, mulheres etc. As
realidades humanas necessitadas de cuidado são vistas como perspectivas de diálogos e
prioridades sociais.
A bioética feminista valoriza o papel da mulher diante das manipulações dos poderes
constituídos e de suas vulnerabilidades. A mulher busca nas realidades que estão inseridas,
condições dignas que possam usufruir e que tenham liberdade de fazer escolhas frente aos
desafios dos problemas diários surgidos.
Muitas freiras e irmãs sofrem violências e exclusões, deixando a Igreja Católica de ter
em seus institutos, mulheres com competência e dons para o crescimento das ações religiosas
em favor da vida. Algumas lutam por seus direitos, outras desistem, pois não suportam viver
mais imposições e exclusões.
Os organismos de Direito na Igreja são lentos e muitas vezes, como no Supremo
Tribunal, fogem das realidades latino-americanas de falta de dinheiro para conseguirem pagar
a Terceira Instância e mesmo porque têm que escolher defensores e procuradores que não
conhecem suas realidades, distanciando a justiça, que poderia ser gratuita, do direito de poder
se defender.
Muitos que estão à frente dos Institutos de religiosas para defendê-las e determinados
canonistas, não querem se comprometer por causa de futuros cargos e ascensão hierárquica,
deixando-as a mercê de injustiças e solidão, na vontade das irmãs de viverem as suas vocações
religiosas. Ainda contam com as desconfianças do famoso, perigoso e criminoso jargão: “Elas
não são santinhas. Tem coisas a mais”, como acontece normalmente, quando a pessoa é mulher.
E isto não seria diferente de ser freira ou irmã, infelizmente.
Muitos padres, bispos ou freiras superioras com ideais masculinos e coniventes com os
mesmos, se esquecem: que o tempo passa; os fiéis desaparecem ou se revoltam com situações

216
de injustiças; a desconfiança aumenta por causa destas ações; as pessoas ficam cada dia,
indignadas com tantos gritos que não são ouvidos; familiares e amigos destas irmãs ficam
sabendo e verificam as injustiças sofridas; e nada fica mais sob sigilo, pois, para uma melhor
ação da justiça, a publicidade destes atos bárbaros há de ser discutido e falado.
Assim, para que os gritos ensurdecidos de mulheres religiosas, sendo irmãs e/ou freiras,
sejam ouvidos e atendidos, dentro dos direitos fundamentais e canônicos, na justiça comum e
canônica, e o diálogo entre poderes e inter-relacionais se façam presentes, sendo a deliberação
ética vivida no dia-a-dia das irmãs e/ou freiras consagradas, fazendo justiça às consagradas
subalternas da vida religiosa e vigorando relações humanas não impositivas e valorizando a
vida consagrada.

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218
20
O LUGAR DA MULHER É ONDE ELA QUER ESTAR: O CRESCIMENTO DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO AMBIENTE URBANO

Gianno Nepomuceno28

INTRODUÇÃO

Percebe-se que os conflitos socioculturais, políticos no ambiente urbano artificial na


contemporaneidade, vêm crescendo haja vista as atrocidades e formas de violências praticadas
na sociedade, tendo por um dos grupos mais vulneráveis, as mulheres.
De fato, a sociedade e o sistema, de maneira geral instigam violências contra as
mulheres. As mulheres são exemplos de lutas por direitos iguais e a sociedade necessita de
representatividade feminina em vários ambientes, ainda que carregue resquícios de uma
sociedade machista e patriarcal, entrelaçada pela violência.
Respectivamente, o artigo busca desmistificar algumas questões sobre a violência
doméstica no ambiente urbano artificial: As leis no Brasil que tutelam a vida e outros direitos
das mulheres são eficazes para sanar o crescimento da violência doméstica?
Na mesma sequência, tendo por objetivo geral, visa-se analisar a ineficiência do aparato
estatal para a proteção da mulher no Brasil. Ademais, o objetivo específico é compreender se
as políticas públicas de gestão no Brasil são eficientes para proteger ou reduzir os crimes contra
a vida das mulheres, contudo observa-se as leis sendo ineficaz no que tange a proteção do direito
à vida e outros direitos fundamentais da mulher. Nesta elaboração do artigo, utiliza-se a
metodologia dedutiva do problema fático-jurídico, sobre os conflitos socioambientais do lugar
da mulher na sociedade e o crescimento de violência doméstica. Também será utilizado os
métodos jurídico-dogmáticos, interligado com consultas às legislações específicas e doutrinas
pertinentes ao tema.
Ademais o artigo está fundamentado, sob o marco teórico estrutural da Lei 11.340/06 e
a Lei 13.104/15 que altera o artigo 121 do Código Penal, incluído o inciso VI bem como o
artigo primeiro da Lei 8.072/90, visto que criou a modalidade qualificada do homicídio
feminicídio, o chamado feminicídio, o qual comina pena mínima de 12 anos e máxima de 30

28
Bacharel e Mestrando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
219
anos de reclusão. No mesmo viés, utiliza-se também os fundamentos de Hannah Arendt a partir
da sua obra “Sobre a violência”.

Por conseguinte, são apresentadas algumas possíveis hipóteses de esclarecimento sobre


o tema-problema, como analisar os avanços e desafios para melhor proteção das mulheres e
seus direitos. Por fim, busca-se demonstrar a necessidade de maior eficácia prática de todos os
instrumentos jurídicos brasileiros.

Na estruturação do trabalho se divide na introdução e no primeiro tópico aborda: a


constituição de direitos contra à violência doméstica, a violência doméstica antes da
constituição federal brasileira de 1988 e pós constituição de 1988 sendo posterior a Lei
9.099/95. No tópico segundo: a violência doméstica pós constituição de 1988 posterior a Lei
11.340/06 e a Lei 13.104/15, bem como as considerações finais.

1. A CONSTITUIÇÃO DE DIREITOS CONTRA À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Convêm perceber que durante muito tempo acreditou-se que não se podia interferir nas
relações pessoais, nos conflitos ocorridos na intimidade, privacidade de cada família. Notava-
se que a vida familiar era particular e cada ente tinha o poder de manter a ordem sobre a sua
entidade familiar, mesmo se fosse preciso praticar a violência no seu dia a dia.
Analisa-se mesmo ocorrendo violação de direitos das mulheres de forma velada no ceio
familiar, teve um período que o poder judiciário se absteve destes conflitos familiares. Até
então, na maioria dos casos de violência doméstica a vítima não deixava transparecer ao mundo
externo as agressões, físicas, sexuais dentre outras violências sofridas. Isto posto, a maioria dos
casos não eram denunciados e os poucos não passavam da esfera policial. “A violência, para
ser considerada como doméstica, não exige a diferença de sexo entre os envolvidos”. (DIAS,
2015, p. 64).

Constata-se que depois da promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988, este


dispositivo jurídico estabeleceu melhor garantia a efetividade dos Direitos Humanos, sobretudo
na salvaguarda das mulheres. Na sequência vem ocorrendo o empoderamento, a
representatividade feminina e a garantia da sua dignidade humana da mulher. Mas mesmo com
a positivação de direitos da mulher, ainda está crescente as agressões e violências contra os
direitos das mulheres. “Como tem ocorrido ao longo da história, essas agressões afetam mais

220
gravemente as mulheres de minorias étnicas e suas irmãs brancas da classe trabalhadora”.
(DAVIS, 2017, p. 42).

Mesmo com as tentativas de acabar ou amenizar com os crimes de violências contra a


mulher, o Estado deixa de priorizar a proteção da mulher. No entanto, a violência doméstica
acontece e se desenvolve muitas vezes de forma silenciosa no Brasil.
A Constituição Federal brasileira de 1988, a Lei 11.340/06 e a Lei 13.104/15 são
instrumentos jurídicos que buscam promover e alcançar perspectivas sociais como instrumentos
que possibilitem a concretização da justiça social. Desta forma a Lei 11.340/06 determina:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros
tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e
familiar. (BRASIL, 2006. p.1).

Nessas abordagens, mesmo com a positivação de leis, percebe-se que para reduzir ou
mesmo sanar as violências contra as mulheres tem se tornado um dos grandes desafios na
contemporaneidade. Compreende que os Estados e munícipios tem que atuar com ações de
coerção, prevenção e cumprimento das leis de maneira mais célere com atuação rígida.
Devido as lutas para erradicar a violência contra a mulher, as medidas de assistência e
proteção às mulheres têm que ser implementadas na prática. Percebe-se que o sistema patriarcal
e político desenvolve opressão contra as mulheres, pois criam cerceamento de direitos para elas
não terem igualdades, liberdades e não ter seus direitos ampliados na contemporaneidade.
Dentro deste contexto sociocultural no ambiente urbano, pontuar o crescimento da
violência contra a mulher, representa que o poder Judiciário apresenta ineficiências nos seus
ritos para controlar, sanar a violência doméstica. Portanto, existe a evolução da legislação na
busca da construção de modelos coercitivos que garantam a efetiva da proteção da mulher.
Paralelamente, necessita que seja ampliado com fácil acesso e existindo diversas
oportunidades de inclusão da mulher nos inúmeros setores empresariais na sociedade,
acolhendo de forma igualitária sem preconceito devido seu gênero ou orientação sexual.
Nessa linha, as relações da mulher inclusa no ciclo da sociedade machista com foco na
relação familiar/conjugal, percebe-se que os conflitos de violência doméstica pós Constituição
Federal brasileira de 1988, anterior a Lei de 9.099/95, tiveram maior destaque e possíveis
desenvolvimentos para amenizar, danos e as sequelas contra a mulher, ou sanar os conflitos. “Além das
221
sequelas físicas e psíquicas que se preconizam tanto na pessoa da vítima como em todo o núcleo familiar,
há danos econômicos que não podem ser desprezados”. (DIAS, 2015, p. 37).
Nota-se que o aparato jurídico brasileiro teve expressa abertura dos direitos individuais
e sociais, sobretudo a evidenciação dos direitos humanos e igualdade de gêneros. No entanto,
o Estado não dispunha de aparatos adequados de prevenção contra a violência doméstica. Mas
já enumerando vários casos que chegavam até as delegacias e ao judiciário. Período que há a
iniciação de intervenção do Judiciário contra a violência doméstica, pois o judiciário deve ser
provocado.
Cumpre nesse caso que todos os crimes ficavam a cargo da justiça comum, a maioria
não recebia resoluções devido aos diminuídos prazos de prescrição de grande parte dos crimes
que se enquadravam como de menor potencial ofensivo.
Reconhece-se a existência de progresso legislativo contra a violência doméstica pós
Constituição brasileira de 1988 posterior a Lei 9.99/95, pois foi o primeiro grande passo dado
pela Constituição Federal em seu artigo 98 inciso I. Contudo foi a criação de Juizados Especiais,
Lei 9.099/1995 que determina o julgamento de crimes de menores potenciais ofensivos. Com
esta criação, o trâmite processual para estes crimes passou a ser sumaríssimo, tornando mais
célere e diminuindo assim o grande número de prescrição que ocorria.
No mesmo teor para ter proteção da mulher, Barin (2016) relata sobre exercer ações de
conscientização contra a violência doméstica:

De todo o exposto, o que nos parece certo é a necessidade da conscientização


generalizada de que a violência doméstica contra as mulheres fere os mais básicos
direitos individuais fundamentais, além de atentar à dignidade da pessoa humana e
afetar a qualidade de vida não só das partes envolvidas, como da comunidade em geral,
a ponto de exigir a intervenção do Estado no enfrentamento do problema, tendo em
conta dito adrede, sua posição de guardião e promotor dos direitos fundamentais.
(BARIN, 2016, p. 39).

Paralelamente a conscientização da população de forma ampla atingindo a coletividade,


possivelmente pode ter melhorias contra a violência doméstica, pois a violação dos direitos das
mulheres não pode ser mais sustentada pela ineficiência ou omissão do Estado.
De fato, mesmo com expansão de direitos positivados no aparato jurídico, precisa existir
melhor celeridade dos processos e medidas mais coercitivas para a proteção das mulheres.
Nota-se que os direitos e conquistas das mulheres requer mais prioridade de ações
protetivas dos Estados e municípios, pois a positivação de direitos das mulheres precisam ser
eficazes. Certamente os direitos devem eficientes para promover na prática a reafirmação da

222
identidade e cidadania da mulher de maneira coletiva. “ Está mais do que em tempo de resgatar
a cidadania feminina. É preciso colocar a mulher a salvo do agressor, para que ela tenha
coragem de denunciar sem temer que sua palavra não seja levada a sério”. (DIAS, 2015, p. 35).

2. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PÓS CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE


1988, POSTERIOR A LEI 11.340/06 E A LEI 13.104/15

Para além dos progressos das legislações brasileiras referente a violência doméstica, a
Lei 11.340/06 determina a instituição de juizados especiais de proteção da mulher, e referindo
nas comarcas onde ainda não ocorrera a implementação, os feitos ganham tramitação especial
sobre os demais, tanto na esfera cível quanto na criminal. Convém ressaltar que mesmo com
os progressos legislativos as relações de gênero e desigualdade, sempre foram fatores principais
de questionamentos na sociedade, mas as mulheres necessitam ter mais direitos consolidados e
ampliados constantemente.
O fundamento genético-biológico da mulher sempre executando as tarefas de cuidado
com a prole, e o homem cuidando do provento da família com suas interações produtivas,
sociais e políticas ocorrendo nos espaços públicos em geral, constata-se que na
contemporaneidade estas relações passadas estão sendo alteradas, invertidas.
De forma similar o forte argumento era sustentado e relatado em virtude de dependência
da mulher em relação ao homem, pois a mulher dependia do homem para o seu sustento e de
sua prole. Nestas relações criou espaço de submissão, onde o controle social se dá
principalmente pela regulação moral da sexualidade feminina. Identifica-se que referente a
sexualidade feminina, os preconceitos, rótulos contra a mulher são até hoje na
contemporaneidade evidentes. Contextualizando-se sobre a sexualidade da mulher, criou-se
uma vigilância social sobre a vida sexual das mulheres, progressivamente mitigada a partir da
segunda metade do século XX. Formas de controle sobre a sexualidade da mulher foram
estigmatizadas através de discursos depreciativos, agressivos que fazem até hoje na atualidade
diminuir a imagem da mulher, porém o feminismo vem combater as violações de direitos. “O
feminismo, como movimento político é extremamente influente no Direito, principalmente com
o aumento de sua adesão e à facilidade de discussão e intercâmbio de conteúdo entre os grupos
sociais”. (SALLES, 2017. p. 10).

223
Ressalta-se que ações depreciativas, preconceituosas, violentas contra a mulher, não são
aceitáveis, mesmo com condutas sexuais da mulher em desacordo com o moralismo patriarcal
vigente. “No entanto, sua enorme repercussão vai construído uma nova cultura: de que a mulher
não pode ser considerada propriedade do homem; que ele não tem o direito de dispor de seu
corpo, da sua saúde e até da sua vida”. (DIAS, 2015, p. 34).
Neste viés de proteção da mulher e contra a violência doméstica pós Constituição
Federal de 1988 posterior a Lei 11.340/06 e a Lei 13.104/15, nota-se que a Lei 11.340/06 alterou
o artigo 121 do Código Penal, incluído o inciso VI bem como o artigo primeiro da Lei 8.072/90.
Esta Lei 11.340/06 criou a modalidade qualificada do homicídio, (feminicídio) cominando com
a pena mínima de 12 anos e máxima de 30 anos de reclusão. “ Feminicídio era uma palavra
inexistente nos dicionários e ninguém sabia do que se tratava. Agora, todo mundo sabe: é o
homicídio de uma mulher pela simples razão de ela ser do gênero feminino”. (DIAS, 2015. p.
83).
Na mesma sequência e progresso das legislações brasileiras, a Lei 13.104/15 veio alterar
o dispositivo jurídico exposto no artigo 121 do Código Penal:

No artigo 121 do CP, inclui o inciso IV (qualificadora feminicidio), contudo altera o


artigo 1º da lei 8.072/90 incluindo feminicídio no rol dos crimes hediondos. Artigo 121.
Homicídio simples [...] Homicídio qualificado [...] Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015). VI - contra a mulher por razões da
condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015) [...] Pena - reclusão,
de doze a trinta anos. § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino
quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015) I - violência doméstica
e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015). II – menosprezo ou discriminação à
condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015). (BRASIL, 2015, p.1).

Vale reconhecer que esta legislação proporcionou melhor positivação e enrijeceu


medidas punitivas para os transgressores dos direitos das mulheres, foi um avanço primordial
da legislação que ampliou punições para coibir os crimes.
Devido à existência de desigualdades, do poder que se perpetua da cultura machista
depredatória contra a mulher, o feminismo se desenvolve para combater diversas ações
degradantes que recaem sobre as mulheres. “Desse modo, o feminismo busca a igualdade e o
fim de uma cultura machista, que trata o gênero feminista inferior ao masculino”. (SOUZA,
ANDRADE, 2017, p.8).
Desse modo constata-se que o procedimento aplicável neste contexto caracteriza ser o
ordinário, observando os termos do Código de Processo Penal e do Código de Processo Civil
para a proteção da mulher. Mesmo existindo diversas violências e crimes contra as mulheres, a

224
lei estabelece as formas de violência contra a mulher, que podem ser praticadas juntas ou
individualmente: violência física, psicológica, patrimonial, sexual (crimes sexuais Lei nº
12.015/09) e moral etc. “A violência psicológica está relacionada a todo as demais modalidades
de violências doméstica. Sua justificativa encontra-se alicerçada na negatividade ou
impedimento à mulher de exercer sua liberdade e condição de alteridade em relação ao agressor.
(DIAS, 2015, p.73).
Nesse viés de disseminação de atos e formas de violências, Gracco e Nepomuceno
(2013) afirmam sobre o comportamento, a violência e sua construção social:

No entanto, por trazer consigo a possibilidade da ausência de poder que regule


legitimamente as expectativas de comportamento, a violência não mais pode ser
justificada como um arquétipo daquilo que a civilização possuiria no seu registro
biológico. E por isso, paradoxalmente, busca-se continuamente não perpetuá-la, visto
que essa violência é uma construção social enraizada pelo processo histórico como se
fosse naturalizada pela condição humana em seu estado irracional. (GRACCO,
NEPOMUCENO, 2013 p.14).

Em consequência, devido as opressões violentas construídas socialmente contra as


mulheres e herdadas por meio do processo histórico, fez com que as ações humanas violentas
venham infringir as leis e a ordem das relações das mulheres e toda a coletividade ao seu redor.
Na retomada referente às medidas protetivas, acompanharão os ritos das tutelas de
urgência (antigas cautelares) persistindo até o julgamento final do processo principal. Por
consequência da demanda de processos e julgamentos dos crimes contra a mulher, a União,
Estados e Municípios tem deveres a cumprir para amenizar ou sanar os crimes. Destaca-se
neste viés de proteção dos direitos da mulher dois órgãos fundamentais para a tutela de direitos,
sendo o TJMG Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (COMSIV – TJ/MG), que foi criada em 29 de setembro de
2011 a partir de determinação constante na Resolução 128/2011 do CNJ.
Em adição o segundo órgão sendo Defensoria Pública de Minas Gerais, Defesa da
Mulher em Situação de Violência (Nudem), denota ser especializada no atendimento
qualificado das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Nesta perspectiva realiza
orientações jurídicas relativas às demandas judiciais e extrajudiciais, postulação e
acompanhamento de medidas protetivas de urgência, nos termos da Lei nº 11.340/2006 (Lei
Maria da Penha) e elaboração de ações iniciais de família (divórcio, guarda, alimentos,
reconhecimento e dissolução de união estável e outras).

225
Na decorrência de diversos conflitos abarcando a violência doméstica, o crime de
feminicídio é crescente, como demonstrado no relatório solicitado pelo do Banco Mundial e
realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP):

Na primeira atualização de um relatório produzido a pedido do Banco Mundial, o Fórum


Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destaca que os casos de feminicídio cresceram
22,2%, entre março e abril deste ano de 2020, em 12 estados do país, comparativamente
ao ano passado. Intitulado Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19, o
documento foi divulgado hoje (1º) e tem como referência dados coletados nos órgãos
de segurança dos estados brasileiros. (BOND, 2020, p. 1).

Diante do crescimento de feminicídio como aponta os dados, percebe-se que o convívio


social dentro do ciclo familiar foi intensificado devido o isolamento social provocado pela
pandemia. Neste período de pandemia as relações sociais dentro dos lares ficaram mais intensas
entre os membros das famílias, pois devido o convívio por mais tempo dentro do lar, acredita-
se que provocou o crescimento de crimes contra a mulher.
Esta análise e divulgação de dados coletados, são primordiais para dar visibilidades ao
crescimento de crimes praticados contra a mulher. As instituições protetoras dos das mulheres
não devem ficar inertes com o crescimento das atrocidades que acontecem contra as mulheres,
pois as instituições, Estados, municípios e toda sociedade devem ser informados e saber a
realidade sobre os crimes que são cometidos.
Observa-se que mesmo com o crescimento de violências e práticas de feminicídio, o
aparato jurídico deve ser ampliando para a proteção das mulheres, como expõem Gonçalves
(2020):

No mês em que são celebrados os 16 anos da aprovação da lei que tipifica o crime de
violência doméstica (Lei 10.886, de 2004), o Congresso Nacional avançou na aprovação
de projetos que reforçam a proteção às vítimas e ampliam punições aos agressores.
Senado aprovou, no dia 3, projeto de lei (PL 1.291/2020) que torna essenciais os
serviços relacionados ao combate e prevenção desse tipo de crime praticado contra
mulheres, idosos, crianças, adolescentes e pessoas com deficiência durante a pandemia
de covid-19. (GONÇALVES, 2020, p.1).

Além dos avanços e apontados necessários abordados na recente legislação, a aprovação


destes projetos reforçam para a proteção às vítimas de agressões, percebe-se que estes
dispositivos jurídicos atuais ampliam para abarcam a tutela de outros direitos de indivíduos que
são vulneráveis.
226
Devido à ampliação de punições aos agressores de forma rígida, possivelmente pode
ocorrer inibição da prática de outros crimes neste contexto. Portanto em meio as lutas para a
tutela de direitos da mulher e sua dignidade humana, o protagonismo feminino precisa estar em
ascensão nas principais agendas políticas, para ser desenvolvido ações de inclusão, participação
e bem-estar de forma coletiva. “O protagonismo feminino será indiscutível daqui a algumas
décadas, e que seja um protagonismo consciente, representativo e zeloso”. (SALLES, 2017. p.
10).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reconhecer que embora as mulheres tenham conseguido importantes conquistas com


relação ao voto, trabalho (ocupação de cargos), remuneração, divórcio, procriação, sustentação
da família e proteção no caso de violência doméstica, outras antigas demandas permanecem em
aberto.

O protagonismo feminino proporciona alargamento da representatividade, diversidade


com inclusão das mulheres, que eram historicamente excluídas da política e da sociedade
patriarcal. O regime pautado na democracia não pode restringir ou violar direitos das mulheres.
Ao lado dessas concepções abordadas às leis no Brasil que tutelam a vida e outros
direitos das mulheres não são eficazes para sanar o crescimento da violência doméstica no
cenário atual na contemporaneidade. Existe o cenário de ineficiência do aparato estatal para a
proteção da mulher no Brasil. Compreende que as políticas públicas de gestão no Brasil ainda
não são eficientes para proteger ou reduzir os crimes contra a vida das mulheres, contudo
observa-se um déficit nas leis não sendo eficazes na prática no que tange a proteção do direito
à vida e outros direitos fundamentais da mulher.
Percebe-se que os danos produzidos por os atos de violência doméstica e outras formas
de violências, afetam abruptamente mesmo que indiretamente toda coletividade social. As leis
e proteções dos direitos fundamentais das mulheres precisam ter muitos progressos, os
dispositivos jurídicos necessitam ter eficácia prática, sendo executados com eficiências na
contemporaneidade para combater os crimes. No mesmo teor é preciso aperfeiçoar a execução
das leis na prática, consequentemente minimizando a burocratização da aplicação das leis,
contudo realizando ações efetivas para a proteção da mulher.
A cada morte de uma mulher no Brasil por a violência doméstica, ou mesmo com outras

227
formas de violências inaceitáveis, significa perdas irreparáveis para as famílias, grupos que
lutam em prol da resistência do empoderamento feminino com inclusão e sem discriminação.
Compreende que ciclo instrumental da violência não tem limites, mas não pode deixar
de ser combatido, pois os conflitos de violências precisam ser amenizados e sanados, utilizando
diversas medidas de coerção, orientação e conscientização de toda sociedade.
Consequentemente o aparato jurídico brasileiro deve ser reformulado constantemente,
abarcando as necessidades da população, sendo que o aparato jurídico não deve existir lacunas
para beneficiar criminosos e agressores.
O ciclo violento precisa ser sanado e não ser transmitido para as futuras gerações
humanas, pois necessita que o ser humano pratique a alteridade, solidariedade e benevolência
na busca constante da tutela da mulher e sua coletividade, sem discriminações e preconceitos
em qualquer meio ambiente.
Percebe-se que os debates que envolvem as mulheres, estão distantes de chegar ao
esgotamento. Com base nos fundamentos expostos, o lugar da mulher é onde ela quer estar, a
mulher deve ter sua autonomia sempre tutelada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

REFERÊNCIAS

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Janeiro; Civilização Brasileira, 2010. p. 166.

ARENDT, Hanna. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. 13°ed. – Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2017. p. 403.

BARIN, Catiuce Ribas. Violência doméstica contra a mulher: programas de intervenção


com agressores e sua eficácia como resposta penal. Curitiba: Juruá, 2016. p. 262.

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BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm. Acesso em:
10 mar. 2020.

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DAVIS, Ângela. Mulheres, cultura e política. Tradução Heci Regina Candiani. 1. Ed. – São
Paulo: Boitempo, 2017. 196 p.

DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006
de combate á violência doméstica e familiar contra a mulher. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012. 349 p.

GONÇALVES, Bárbara. Nos 16 anos da lei contra violência doméstica, Congresso reforça
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https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/06/15/nos-16-anos-da-lei-contra-
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