OPortugues Arcaico Sintaxe Fonologia
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Volumes publicados:
RAZÕES E EMOÇÃO
MISCELÂNEA DE ESTUDOS EM HOMENAGEM A MARIA HELENA MIRA MATEUS
Organização de Ivo Castro e Inês Duarte
2 vols.
AMOR DE PERDIÇÃO
Camilo Castelo Branco
Ed. Ivo Castro
Definir hoje sintaxe não é uma tarefa fácil, uma vez que, a depender da
teoria, mudará a definição. Manterei aqui a forma como descrevi sintaxe em
1994 (p. 71):
Mas por que enunciado? Uma vez que trabalharei com documentação do
passado, as sentenças e / ou sequências de sentenças são enunciados cristaliza-
dos nos documentos em que ocorrem. O processo da enunciação, a subjectivi-
dade que ele carrega pode ser depreendida por refinadas análises teóricas ou o
que ao enunciado está subjacente também só pode ser depreendido por outros
recursos teóricos. Como saber, exactamente, o que quer dizer o dito / escrito
em um manuscrito dos séculos XIII ao XV ou em um livro impresso na primei-
ra metade do século XVI? Não existe vivo o «falante nativo» para dirimir dúvi-
das de interpretação ou a quem poderíamos aplicar testes para verificar o cará-
ter «gramatical» / «agramatical» de certas frases, sentenças, enunciados. Acredito
que o acima explicitado justifica a minha cautela ao dar o subtítulo deste
livro, Uma Aproximação.
Assim, nos aproximaremos da sintaxe do português arcaico, ouvindo nos-
sos dois primeiros gramáticos, que também já carregam uma tradição gramatical
que remonta à escola de Alexandria, lugar em que, do século II para o I a. C.,
nasceu, não só a filologia, como inicia o seu longo percurso a normativização
gramatical, ou seja, a gramática hoje chamada de «normativa» ou «prescritiva».
Fernão de Oliveira, no capítulo XLIX, o penúltimo de sua Gramática, diz,
sempre contrapondo a sua língua, a nossa, às deles, latinos e gregos (1536
[2000]: 152-153):
Termino este item «Preliminar» — por não ter certeza de ser essa a me-
lhor organização para este capítulo — como Fernão de Oliveira termina a sua
Gramática, no capítulo L (1536 [2000]: 153):
O predicado
Predicados existenciais
• Podemos creer que ora no mundo aja taes hom¬¬s como ele.
• Non avia padres santos.
No início desta cantiga de Joam Peres d’Avoim, observe-se o foi (= «hou-
ve») e ouv’ e ei (= «tive» e «tenho»), isto é, ser existencial e haver com seu
valor etimológico de posse, de que tratarei adiante (cf. Gonçalves e Ramos,
1983: 163):
Mig’ ouv’ eu a que queria bem
tal sazom foi, mas ja’migo non ei.
(«Houve tempo em que eu tive amigo a que queria bem, mas já não
tenho amigo.»)
Frequentemente haver existencial vem seguido do pronominal locativo
hi ~ i ~ y («ai»): á hi águas, á hi fogo. Dias (1959: 17) apresenta exemplo
dessa estrutura, no século XV, Leal Conselheiro:
• Quem hi ha tam acabado que todo perfeitamente diga e faça?
O verbo existir, que é corrente hoje como predicado existencial, não está
documentado nos DSG; observei também que não está no glossário da Crónica
de D. Pedro de Fernão Lopes (Macchi, 1966), nem na versão galega da Cró-
nica Geral de Espanha e da Crónica de Castela (Lorenzo, 1977). Esse conjunto
de textos representa bem o português do século XIV para o XV e seus dados são
um indicador significativo sobre o verbo existir nesse período.
Tal como ser deixou de ser comum nessas estruturas no período arcaico,
em favor de haver, que, de acordo com sua etimologia, é também nesse perío-
do verbo próprio às estruturas possessivas, existir e mais recentemente ter vêm
afastando haver das estruturas existenciais (cf. há muita gente pobre / existe
muita gente pobre / tem muita gente pobre).
O PORTUGUÊS ARCAICO 15
Predicados atributivos
1. Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portugal, seendo sano
e salvo (e não estando) — século XIII, Testamento de Afonso II.
2. As sas duas irmããs, que eran mui coitadas pola sa morte, veeron muit’agµha
ao bispo (e não estavam) — século XIV, DSG.
3. Sempre me temi d’ele mas ja agora som seguro que nunca me dará (e não
estou) — século XV, Crónica de D. Pedro, de Fernão Lopes.
4. Estando håå dia seu padre e os físicos mui coitados com eles (DSG).
5. As iffantas suas filhas era certo que estariam seguras (CDP).
6. E porende andava ele mui coitado en sa alma porque non podia aver
aquelo.
7. Que ti tolha Deus esta tempestade de que jazes coitado.
O PORTUGUÊS ARCAICO 17
Os exemplos seguintes são de seer como atributo permanente, tal como hoje:
• Sa mulher Rabeca que era manµha.
• Seu padre avia håa enfermidade a que chaman alefante e era tan perigosa.
• O monte era mui alto.
Parte I ............................................................................................................ 13
IV
FONÉTICA E FONOLOGIA
Preliminar ...................................................................................................... 485
Sobre o sistema vocálico e as variantes fonéticas ................................. 486
Sequências vocálicas orais: ditongos e hiatos........................................ 504
Nasalizações: vogais, hiatos, ditongos .................................................... 514
O sistema consonântico e variantes fonéticas ...................................... 535
As variações e o sistema no português arcaico ..................................... 542
Definindo o sistema e caracterizando variantes no português arcaico 546
A propósito da sílaba no português arcaico .......................................... 563
Breve nota sobre a prosódia no período arcaico .................................. 567
Epílogo ........................................................................................................... 577
APÊNDICES
Apêndice I ..................................................................................................... 581
A primeira proposta ortográfica para a língua portuguesa ........................... 581
Apêndice II .................................................................................................... 595
A pontuação em manuscritos medievais portugueses e em livros impressos
na primeira metade do século XVI em Portugal ....................................... 595
Referências bibliográficas ............................................................................... 615
Índice de autores citados ............................................................................... 635
Índice geral .................................................................................................... 639
Vol. I
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 15
I
O LÉXICO
Parte I ............................................................................................................ 83
II
MORFOLOGIA FLEXIONAL