Resp Civil Do Estado 1

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Responsabilidade civil do Estado 439

Responsabilidade civil do Estado

Luís Felipe Ferrari Bedendi1


Juiz de Direito no Estado de São Paulo

I - Introdução

O Estado, em vista dos fins precípuos que são razão de sua exis-
tência, situa-se em posição diferenciada em relação aos particulares,
o que é justificado pela necessidade de se atingir o bem coletivo2, tor-
nando imprescindível a outorga a ele de prerrogativas e privilégios das
quais nenhum outro integrante do corpo social goza.
Por outro lado, a evolução histórica do Estado fez exigir que este
atue exclusivamente dentro dos limites impostos pela lei, como salva-
guarda aos direitos individuais dos particulares.
Essa dicotomia – maiores restrições de atuação ante as balizas
legais e a outorga, por outro lado, de privilégios e prerrogativas ten-
dentes à conquista do bem comum – é o traço característico do regi-
me jurídico ao qual se submete o Estado, sendo denominado regime
jurídico administrativo, o qual vem bem conceituado por Maria Sylvia
Zanella di Pietro como “o conjunto das prerrogativas e restrições a que
está sujeita a Administração e que não se encontram nas relações entre
particulares [...]”3.

1
Ex-Procurador Federal da Advocacia Geral da União.
2
Não se adentrará aqui, dada a finalidade deste trabalho de se traçar o panorama geral da respon-
sabilidade civil extracontratual do Estado, em um dos tópicos mais tormentosos do direito adminis-
trativo: a definição e extensão do que seria o bem coletivo ou, como mais comumente denominado,
interesse público. Todavia, para que não se falte referência, há de se adotar o conceito de Celso An-
tônio Bandeira de Mello, que é, a nosso ver, o qual contempla o maior número de elementos capazes
de delimitá-lo: “interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm
quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem.”
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 62.).
3
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 62.

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É certo que, em áreas determinadas, o Estado age quase que ex-


clusivamente submetido ao direito privado, como se um particular fos-
se. Tal acontece tão somente nas hipóteses assim previstas em Lei, a
exemplo do regime jurídico dos entes da Administração Indireta, so-
ciedades de economia mista e empresas públicas, quando atuem na
qualidade de agentes econômicos de mercado, por força do artigo 173,
§ 1º, da Constituição Federal4, 5.
Não se insere neste último padrão o ponto da responsabilidade
civil extracontratual do Estado, que se encontra totalmente inserida
no regime jurídico administrativo, por força do contido no artigo 37, §
6º, da Constituição Federal6.
Vê-se, pela leitura do dispositivo, que a responsabilidade por da-
nos causados aos administrados em decorrência da conduta estatal é
bastante singular, com contornos específicos e bem diversos da regra
geral do Código Civil.

4
Diz-se quase que exclusivamente porque, mesmo nas situações em que a Lei submeta a Administra-
ção ao regime jurídico privado, ainda assim continua a ostentar certas restrições e prerrogativas,
mitigadas, porém presentes. Novamente invoca-se como fundamento Maria Sylvia Z. di Pietro: “[...]
quando a Administração emprega modelos privatísticos, nunca é integral a sua submissão ao direito
privado; às vezes, ela se nivela ao particular, no sentido de que não exerce sobre ele qualquer prer-
rogativa de Poder Público; mas nunca se despe de determinados privilégios, [...]” (DI PIETRO, M. S.
Z. Obra citada, p. 62).
5
Artigo 173 da Constituição Federal: Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração
direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de
suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de
prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19,
de 1998)
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da
administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação
de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
6
Art. 37. [...]
[...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o
direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

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Todavia, ainda que o tema esteja totalmente inserido no regime


jurídico administrativo, não há como dissociá-lo de suas raízes que se
deitam no direito civil, pois a responsabilidade aquiliana do Estado sur-
giu do direito privado e dele retira conceitos e regras.
Outrossim, inexiste um regramento específico da responsabilidade
estatal, o que torna imprescindível a utilização de normas correlatas
do direito civil.
Luís Francisco Aguilar Cortez, em artigo de obra coletiva, anali-
sando a similitude e diferenças de ambos os sistemas, público e priva-
do, de responsabilidade civil, afirmou em certo trecho:

A aproximação da responsabilidade extracontratu-


al, seja pela origem dos conceitos, seja por meio
das fontes normativas, com pontos de contato no
que se refere a responsabilidade subjetiva, decor-
rente da culpa, e na responsabilidade objetiva, ba-
seada no risco da atividade, é inegável7.

Assim, a proposta deste trabalho foi demonstrar que, não obstante
as profundas diferenças entre os sistemas privado e público de respon-
sabilidade civil, o segundo baseia-se essencialmente no primeiro, dele
dependendo para a solução de um sem-número de situações concretas.

II - A evolução da responsabilidade civil do Estado – gênese no


Direito Privado

A responsabilidade civil do Estado é de origem recente, se compa-


rada à gênese da mesma na esfera dos particulares.
Ela partiu da ausência total e absoluta do dever de reparar os da-
nos causados pelos agentes estatais e chegou até a atual configuração
ampliada daquele dever, na qual sequer exigível o caráter ilícito da
conduta ou ainda o elemento subjetivo da culpa.

7
CORTEZ, Luís Francisco Aguilar. Responsabilidade civil extracontratual no direito privado e no di-
reito público: persistem as diferenças? In: BENACCHIO, Marcelo; GUERRA, Alexandre Dartanhan de
Mello; PIRES, Luís Manuel Fonseca (Coord.). Responsabilidade civil do Estado. p. 202.

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Em razão da metamorfose sofrida pelo instituto, várias teorias a


respeito sucederam-se ao longo do tempo, parte delas inserida no cam-
po do direito civil até acomodarem-se mais recentemente no direito
público.
O clássico autor francês Paul Duez, um dos principais articuladores
da teoria da faute du service, citado por Yussef Cahali, sintetiza com
precisão a passagem do tempo:

a) numa primeira fase, a questão inexistia; a irres-


ponsabilidade aparece como axioma, e a existên-
cia de uma responsabilidade pecuniária da Admi-
nistração é considerada como entrave perigoso à
execução dos seus serviços; na ordem patrimonial,
os administrados têm à sua disposição apenas uma
ação de responsabilidade civil contra o funcioná-
rio; b) numa segunda fase, a questão se põe par-
cialmente no plano civilístico: para a dedução da
responsabilidade pecuniária do Poder Público, fa-
z-se apelo às teorias do Código Civil, relativas aos
atos dos prepostos e mandatários; c) numa tercei-
ra fase, a questão se desabrocha e se desenvolve
no plano próprio do direito público; uma concep-
ção original, desapegada do direito civil, forma-se
progressivamente no quadro jurídico da faute e do
risco administrativo.8

Nesse passo, quando do surgimento do Estado Moderno, impensá-


vel atribuir-se a ele qualquer dever de reparação por danos provocados
aos particulares, em face da elevada noção de soberania que o per-
meava, confirmando, ademais, o que já dito por Duez, de que o dever
pecuniário reparatório importaria em prejuízo ao atingimento de suas
finalidades.
Tal concepção ainda sofreu essencial influência da máxima abso-
lutista, em vigor durante toda a Idade Moderna, de que o rei não podia
errar (the king can do no wrong), dado o caráter quase divino do mo-
narca, o qual se encontrava em patamar muito distinto ao dos súditos.

8
DUEZ, Paul. La responsabilité de la puissance publique, v. 1 e 2, apud CAHALI, Yussef Said, Respon-
sabilidade civil do Estado, p. 17.

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O período da irresponsabilidade estatal, contudo, não se confunde


exatamente com o Absolutismo, porquanto se estendeu até meados do
século XIX, quando já ultrapassada a Revolução Francesa. Em verdade,
a teoria protraiu-se no tempo porque também se conectou à noção de
Estado Liberal, que “tinha limitada atuação, raramente intervindo nas
relações entre particulares, de modo que a doutrina de sua irresponsa-
bilidade constituía mero corolário da figuração política de afastamento
e da equivocada isenção que o Poder Público assumia àquela época.”9, 10
As mudanças no instituto vieram com o fortalecimento da concep-
ção de Estado de Direito, onde todos, essencialmente, submetem-se ao
primado da lei, inclusive aquele próprio que a edita.
Nesse ponto, essencial foi o direito civil, muito mais sistematizado
e evoluído que o então incipiente direito público, utilizado para abar-
car o dever reparatório do Poder Público sob seus primados.
Passou-se a admitir a responsabilidade do Estado quando caracte-
rizada a culpa ou dolo de seus agentes, assim como se exigia em qual-
quer relação danosa de causa e efeito entre particulares.
Como exemplo, cite-se o artigo 82 da Constituição Imperial de
1824 (repetido na Constituição Republicana de 1891), o qual dispunha:
“Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e
omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como
pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamen-
te os seus subalternos.”
No entanto, a adoção da teoria civilista da responsabilidade es-
tatal11 não foi pura e integral, já que fazia distinção entre atos poten-
cialmente não geradores de responsabilidade (atos de império) e outros
geradores (atos de gestão):

Os primeiros seriam os praticados pela Adminis-


tração com todas as prerrogativas e privilégios de
autoridade e impostos unilateral e coercitivamen-
te ao particular independentemente de autoriza-
ção judicial [...]; os segundos seriam praticados
pela Administração em situação de igualdade com

9
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. p. 488.
10
Nesse mesmo sentido, MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo, Problemas de responsabilidade civil
do Estado, in: FREITAS, Juarez (Org.), Responsabilidade civil do Estado, p. 39-40.
11
Assim denominada porque adotados os princípios do Direito Civil, consoante DI PIETRO, M.S.Z. Obra
citada, p. 640.

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os particulares, para a conservação e desenvolvi-


mento do patrimônio público e para a gestão de
seus serviços.12

Disso se extrai que o Estado permanecia irresponsável numa gama
bastante ampla de situações, nas quais exercesse sua supremacia para
consecução das finalidades públicas, e, naquelas em que se equiparas-
se aos particulares, a responsabilidade decorria da culpa de terceiros,
dos mandatários estatais, tal qual as pessoas jurídicas em relação aos
atos de seus prepostos/empregados/representantes.
O direito civil brasileiro albergou a teoria da culpa (ainda que sem
distinção entre atos de gestão e império), ao estabelecer o seguinte no
artigo 15 do Código Civil de 1916:

Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são


civilmente responsáveis por atos dos seus repre-
sentantes que nessa qualidade causem danos a ter-
ceiros, procedendo de modo contrário ao direito
ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direi-
to regressivo contra os causadores do dano.

Contudo, em face da evolução do direito administrativo, tanto o


resquício da irresponsabilidade quanto a atribuição de responsabilida-
de ao Poder Público por atos de terceiros tornaram-se obsoletos.
A ideia de culpa de terceiro fazia sentido em momento no qual
se sustentava que o Estado, assim como qualquer outra pessoa jurídi-
ca, realizava seus atos através de mandatários ou representantes. Por
conseguinte, seus agentes necessitavam conduzir-se com culpa, provo-
cando danos alheios, para que a Administração se tornasse responsável.
Porém, quando do surgimento da concepção de que a vontade da
pessoa jurídica decorre de seus próprios órgãos [teoria do órgão], não
mais fazia sentido vincular-se a responsabilidade aos atos de terceiros.13

12
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Controle da administração
pública e responsabilidade do Estado. p. 278.
13
CARVALHO FILHO bem sintetiza a evolução do sujeito emissor da vontade estatal e que influenciou
sobremaneira a responsabilidade civil, dizendo que: “Primitivamente se entendeu que os agentes
eram mandatários do Estado (teoria do mandato). Não podia prosperar a teoria porque, despido de
vontade, não poderia o Estado outorgar mandato.

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Surgiu, então, a terceira fase, ainda inserida no direito civil, de-


nominada culpa anônima.
Segundo a teoria, tornou-se prescindível a demonstração da culpa
do agente estatal, passando esta a se presumir ser da “generalidade
da Administração, da generalidade do serviço – bastando, portanto,
comprovar o mau funcionamento do serviço, ainda que possível indicar
o agente causador do dano.”14
A teoria da culpa anônima, outrossim, foi impulsionada e fortifica-
da pela então emergente teoria da falta do serviço [faute du service],
que ocorreria nas situações em que o Estado não prestasse o serviço
público, ou o prestasse de forma inadequada ou extemporânea.
Ela, inclusive, norteou a interpretação do mencionado artigo 15
do Código Civil de 1916, como bem se verifica da ementa de acórdão
prolatado pelo Supremo Tribunal Federal, ainda em 1951, voto da lavra
do Ministro Barros Barreto:

Quando provada a culpa, por omissão ou falta de di-


ligência das autoridades policiais, o Estado respon-
de civilmente pelos danos decorrentes de depreda-
ções praticadas pela multidão enfurecida. Matéria
de fato. Não se conhece do apelo. [RE 17803, 1ª
Turma, Rel. Ministro Barros Barreto, j. 11/10/1951,
ADJ Data 14-09-1953 PP-02680, ADJ Data 01-01-
1952 PP-00004, Ement Vol-00065 PP-00297].

É nítido, pois, que a responsabilidade estatal não ficava vincula-


da, em qualquer situação e estritamente, à culpa do agente estatal,
bastando que, em dadas situações, ficasse demonstrada a má prestação
do serviço.
De tamanha relevância é a teoria da culpa anônima (e da faute
du service, à qual está intimamente ligada) que até o presente ela é

Passou-se a considerar os agentes como representantes do Estado (teoria da representação). Acer-


bas foram também as críticas a essa teoria. Primeiro, porque o Estado estaria sendo considerado
como uma pessoa incapaz, que precisa da representação. Depois, porque se o dito representante
exorbitasse de seus poderes, não se poderia atribuir responsabilidade ao Estado, este como repre-
sentado. A solução seria, à evidência, iníqua e inconveniente.
Por inspiração do jurista alemão OTTO GIERKE, foi instituída a teoria do órgão, e segundo ela a
vontade da pessoa jurídica deve ser atribuída aos órgãos que a compõem, sendo eles mesmos, os
órgãos, compostos de agentes.” (CARVALHO FILHO, J. S. Obra citada, p. 11).
14
MONTEIRO FILHO, C. E. R. Obra citada, p. 45.

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empregada nas hipóteses de danos causados pela omissão do Estado (a


respeito, discorrer-se-á na sequência, quando se tratar dos elementos
constitucionais da responsabilidade).
Finalmente, o tema foi inteiramente inserido no direito publicísti-
co, assumindo sua atual configuração objetiva.
Por ela, há dever reparatório do Estado simplesmente quando de
sua atividade resultem danos aos particulares. Suficientes, pois, a con-
duta administrativa, os danos e o nexo de causalidade entre ambos,
não se fazendo necessária qualquer perquirição de culpa ou mesmo da
ilegalidade do ato administrativo.
A teoria publicista ou da responsabilidade objetiva tomou corpo
quando do desenvolvimento do Estado Social e, posteriormente, do Es-
tado Democrático, já que tem como “fundamento o princípio da igual-
dade dos ônus e encargos sociais. Significa que se dividem, por todos,
os prejuízos causados pelo Estado, porque, da mesma forma, por toda
a população é repartido o benefício que o Estado proporciona.”15
Tamanha foi a força da teoria da responsabilidade objetiva que,
em doutrina, houve quem defendesse uma forma extremada dela, ao
dizer que inadmissível a exclusão do nexo de causalidade entre a con-
duta administrativa e os danos experimentados pelo particular. É o que
se chamou de teoria do risco integral, em contraposição à teoria do
risco administrativo, a qual prega, justamente, a quebra do nexo de
causalidade pelas causas tradicionais – culpa exclusiva da vítima ou
terceiro, caso fortuito e força maior – e é a mais ampla e comumente
aceita no direito brasileiro16.

15
MONTEIRO FILHO, C. E. R. Obra citada, p. 46.
16
Hely Lopes Meirelles pontua com exatidão ambas as teorias: “A teoria do risco administrativo faz
surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administra-
ção. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem
o concurso do lesado. [...]
Aqui não se cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre
o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome
está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibi-
lidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado
pelos demais.[...]
[...]
A teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandona-
da na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Por essa fórmula radical, a Administração
ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante
de culpa ou dolo da vítima. Daí por que foi acoimada de ‘brutal’, pelas graves consequências que
haveria de produzir se aplicada na sua inteireza.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo
brasileiro. p. 649-650).

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O direito pátrio, a partir da Constituição de 1946, adotou em de-


finitivo a fórmula da responsabilidade objetiva do Estado, ao estabele-
cer, no artigo 194, que “As pessoas jurídicas de direito público interno
são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa
qualidade, causem a terceiros.”
Na sequência, as de 1967 e de 1969 trouxeram disposições seme-
lhantes, respectivamente nos artigos 105 e 107, de idêntica redação:
“As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que
seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.”
Por fim, a Constituição de 1988, no artigo 37, § 6º:

As pessoas jurídicas de direito público e as de di-


reito privado prestadoras de serviços públicos res-
ponderão pelos danos que seus agentes, nessa qua-
lidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa.

Vê-se, pois, que não mais se exigiu a demonstração do elemento


subjetivo do agente público ou a falha na prestação do serviço, tornan-
do-se suficiente a mera causação de danos a terceiros, decorrentes da
atividade estatal.
Ficou nítido, igualmente, que a responsabilidade aquiliana do
Poder Público nasceu do direito privado, por ele se desenvolveu, até
destacar-se como modalidade especial e vincular-se ao direito público.
Contudo, mesmo no atual panorama, impossível desatrelá-la do
direito civil, porque o atual dispositivo constitucional encerra tão so-
mente as linhas gerais da responsabilidade estatal (dentro do regime
público), deixando vácuos que necessitam ser preenchidos na solução
dos casos concretos, e o que vem a socorrer o direito administrativo,
nesses momentos, é justamente o direito privado.

III - As características constitucionais da responsabilidade


aquiliana do Estado e sua conexão com o Direito Privado

O objetivo da colocação de uma regra na Constituição Federal


relativa à responsabilidade do Poder Público foi solidificar a noção de

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que a reparação dos danos causados a terceiros pela atividade estatal


há de ser repartida entre todos, porquanto essa mesma totalidade (ou
ao menos sua maioria) beneficia-se da conduta administrativa de atin-
gimento do bem público17.
A norma constitucional, ademais, insere o tema no regime jurídi-
co-administrativo, ao traçar características próprias à responsabilidade
e impor à Administração sujeição mais ampla ao dever reparatório que
aquela verificada aos particulares (decorrência da adoção da teoria do
risco administrativo).
Nessa trilha, o artigo 37, § 6º, estabelece os seguintes elementos
da responsabilidade extracontratual do Estado:
1) a ocorrência de danos a terceiros;
2) que tais danos sejam praticados por agentes de pessoa jurídica
de direito público ou pessoa jurídica de direito privado prestadora de
serviço público;
3) a existência de nexo causal entre a conduta estatal e os danos18.
Não se exigiu, pois, a perquirição do elemento subjetivo do agen-
te ou mesmo a demonstração de que seu ato viola o ordenamento.

17
Quando da edição da Constituição Federal de 1988, a doutrina e a jurisprudência já estavam razo-
avelmente pacificadas quanto à natureza objetiva da responsabilidade estatal, decorrente do risco
de sua atividade, como forma de se distribuir o encargo reparatório entre todos. Como exemplo,
cite-se parecer de Arnoldo Wald, de 1978, onde resta expressa tal ideia: “[...] a responsabilidade
do Estado tem amparo no princípio da igualdade de encargos de todos os cidadãos, ao qual já se re-
feria Amara Cavalcanti e que foi consagrado pelo Excelso Pretória. Para o mestre do Direito pátrio,
‘assim como a igualdade dos direitos, assim também a igualdade dos encargos é, hoje, fundamental
no Direito Constitucional dos países civilizados.’” (WALD, Arnoldo. Responsabilidade civil do Estado
– danos causados por atos de terrorismo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; SUNDFELD, Carlos Ari
(Org.). Doutrinas essenciais – direito administrativo. v. III, p. 1147).
18
O Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal define com precisão tais elementos, como
bem se vê de trecho de ementa de um de seus acórdãos: “[...] Os elementos que compõem a es-
trutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a
alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo
(ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva
imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta
comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d)
a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. - O dever de indenizar,
mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros ele-
mentos (RTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre
o comportamento do agente e o eventus damni, sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o
reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido. [...].” (RE 481110 AgR,
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 06/02/2007, DJ 09-03-2007 PP-00050
EMENT VOL-02267-04 PP-00625 RCJ v. 21, n. 134, 2007, p. 91-92)

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Contudo, como é de fácil percepção, a regra constitucional traça


apenas os elementos essenciais da responsabilidade, sem os pormenori-
zar, nem podendo ser diferente, visto não ser este o papel da Constitui-
ção. Mas não existe, no ordenamento nacional, norma infraconstitucio-
nal a regulamentar a responsabilidade do Poder Público19; isto faz com
que o operador do direito busque no direito privado conceitos, regras
e princípios da responsabilidade privada, sendo este o único caminho
para solução de boa parcela dos casos concretos.
Na análise de cada um dos elementos constitucionais da responsa-
bilidade da Administração, ficará claro o quão intimamente ligada está
ao direito civil.

III.a – Os agentes estatais e a conduta

A começar pelo elemento subjetivo, tem-se que a Constituição


exige que a conduta parta de agentes de pessoa jurídica de direito pú-
blico ou de direito privado prestadora de serviço público.
As pessoas jurídicas de direito público são aquelas mencionadas
pelo artigo 41 do Código Civil: União, Estados, Municípios, respectivas
autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei (a
exemplo das fundações públicas); já o conjunto de seus agentes men-
cionados pela norma constitucional abrange a todos, independente-
mente do vínculo que ostentem perante o ente (estatutário, celetista,
temporário, ocupantes de cargo em comissão ou função demissíveis ad
nutum, eleitos pelo voto popular etc.)20, 21.

19
Existe apenas um projeto de lei do Senado, de nº 718/2012, a pretender normatizar a responsabili-
dade civil do Estado.
20
Nesse exato sentido, JOSÉ DE AGUIAR DIAS: “[...] O que se deve ter em vista, porém, quando enfren-
tamos o tema da responsabilidade, é que a definição de funcionário deve ser a mais ampla possível,
a fim de abranger todos aqueles, qualquer que seja a forma de sua escolha e quaisquer que sejam
as suas funções, que colaborem na gestão da coisa pública. Assim, pouco importa a sua categoria. E
é sem influência, para o efeito que nos interessa, que seja ou não remunerado. O funcionário é um
órgão da administração. (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v. II, p. 562).
21
É imperioso, ademais, que o agente pratique a conduta danosa no exercício de suas funções, como
resta claro na ementa do seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, acerca de prejuízos
cometidos por policial fora de serviço: “Apelação Cível - Ação de indenização - Danos morais e mate-
riais - Responsabilidade civil - Militar que comete crime durante período de folga - Para que subsista
a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados a terceiros por seus agentes públicos,
faz-se imperioso que o ato danoso seja praticado por estes no exercício das atribuições inerentes
ao cargo público que ocupam, quando abarcado pela teoria do risco administrativo (inteligência do
artigo 37, § 6º, da Constituição Federal) - O policial militar que comete homicídio em período de
folga pratica o crime na qualidade de cidadão simples, e não de agente público, não tendo o condão

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Mas não só os agentes públicos são aptos a ensejar a responsabi-


lidade civil do Poder Público: também aqueles integrantes de pessoas
jurídicas de direito privado na prestação de serviço público.
Nos dizeres de Cristiano Chaves de Farias, Felipe Peixoto Braga
Netto e Nelson Rosenvald, “há, aí, duas chaves hermenêuticas rele-
vantes: (a) definir quem são as pessoas jurídicas de direito privado que
atraem a responsabilidade objetiva do art. 37, §6º, da CF; e (b) enten-
der o que são serviços públicos.”22
Invocando novamente os supra citados autores:

[...] a ampla dicção constitucional abrange quais-


quer pessoas jurídicas, seja qual for o vínculo que
as ligue ao Estado. Não importa, nessa trilha, que
se trate de concessão, permissão, delegação, ou
de outras figuras forjadas no direito administrati-
vo. Havendo a prestação de serviços públicos, in-
cide a cláusula constitucional da responsabilidade
objetiva, com lastro no risco administrativo. En-
tram nessa categoria, inclusive, as entidades de
cooperação governamental, os serviços sociais au-
tônomos (Sesi, Sesc, Senai).23

Serviços públicos, por seu turno, são “as atividades de prestação de


utilidades econômicas a indivíduos determinados, colocadas pela Consti-
de modificar esse “status” o fato da arma particular utilizada ter sido autorizada pela Corporação
Militar para uso em serviço - Não tendo sido o ato ilícito praticado pelo servidor no efetivo exercício
da função pública, resta ausente o nexo de causalidade que enseja a condenação do Estado a indeni-
zar o dano decorrente. Reexame necessário provido. (Relator(a): Marrey Uint; Comarca: São Paulo;
Órgão julgador: 2ª Câmara Extraordinária de Direito Público; Data do julgamento: 27/11/2014; Data
de registro: 01/12/2014).
A posição, entretanto, não é pacífica, consoante se verifica de outro julgado do mesmo tribunal, em
análise de caso semelhante, em que se invoca a teoria do risco administrativo como fundamento:
“[...]. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Indenização por danos materiais e morais - Falecimen-
to da vítima provocada por disparos de arma de fogo pertencente à policial militar fora do exercício
de sua função - Crime praticado com arma da corporação – Preliminar – Ilegitimidade passiva rejei-
tada – Mérito - Nexo de causalidade entre o evento danoso e a omissão do Poder Público configurado
- Teoria do risco administrativo - Responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, § 6º, da Constituição
Federal) - Dever de guarda e vigilância em relação à arma de fogo - Precedentes – Indenização fixada
de forma prudente – Inaplicabilidade da Lei n. 11.960/09 - Ação, na origem julgada parcialmente
procedente – Sentença mantida – Recursos voluntários e oficial desprovidos, não se conhecendo do
agravo retido.” (Relator(a): Ana Liarte; Comarca: Pompéia; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito
Público; Data do julgamento: 15/06/2015; Data de registro: 17/06/2015)
22
BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de
responsabilidade civil. p.1023.
23
BRAGA NETTO, F. P.; FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N. Obra citada, p. 1023.

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Responsabilidade civil do Estado 451

tuição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade,


e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita
ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade.”24
Em síntese, todas as pessoas jurídicas de natureza privada que
prestem serviços, definidos pela Constituição ou pela Lei como de uti-
lidade pública, para promover o bem-estar coletivo, por força de dele-
gação do verdadeiro titular dessa utilidade – o Estado – enquadra-se
no artigo 37, § 6º, da CF e responde objetivamente pelos danos causa-
dos por seus agentes.
Não interessa, ademais, que o prejuízo seja suportado pelo desti-
natário do serviço ou por terceiro estranho à relação26. A responsabili-
dade decorre naturalmente do risco da atividade desenvolvida pelo de-
legatário, como bem pontua, outrossim, o artigo 927 do Código Civil27.
Nem sempre é possível distinguir-se com segurança se determinada
atividade configura-se como prestação de um serviço público, a atrair a
responsabilidade objetiva do art. 37, § 6º, ou de atividade econômica, a
ela se aplicando a responsabilidade subjetiva regra geral do Código Civil
(quando não incidente qualquer outra modalidade especial de respon-
sabilidade objetiva). Para tanto:

Alguns indicadores podem auxiliar na tarefa: dis-


positivos constitucionais e de lei que atribuem a
certas atividades a condição de serviço público
(por exemplo, CF, art. 30, V, e Lei nº 9.074/95,
art. 1º); o serviço público caracterizado como ati-
vidade prestacional de responsabilidade do poder
público (CF, art. 175), tais como: fornecimento de
água, coleta de lixo, limpeza e iluminação de ruas,
correio, telefone, manutenção de áreas verdes,
jardins e praças.27

24
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. p. 157.
25
Nesse sentido, Clóvis Beznos: “[...] irrelevante se afigura o díscrimen entre usuários e não usuários
dos serviços, porque todos aqueles submetidos ao risco administrativo da prestação de serviços pú-
blicos recebem a proteção constitucional, consistente na garantia da responsabilidade objetiva do
prestador dos serviços, na busca da reparação dos danos sofridos em decorrência dessa atividade.”
(BEZNOS, Clóvis. Responsabilidade extracontratual das pessoas privadas prestadoras de serviços
públicos. In: BENACCHIO, M.; GUERRA, A. D. M.; PIRES, L. M. F. (Coord.). Obra citada, p. 622)
26
Art. 927: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especifica-
dos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.
27
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. p. 391.

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452 Luís Felipe Ferrari Bedendi

O elemento definidor, portanto, da responsabilidade objetiva é a


prestação de um serviço público, independentemente de quem o faça.
No tocante ao requisito da conduta, existe, ainda, um ponto de
essencial relevância e que desperta profundas discussões doutrinárias
e jurisprudenciais: a abrangência da responsabilidade objetiva aos atos
omissivos da Administração.
De fato, pela leitura do art. 37, § 6º, é possível interpretar-se a
exigência de uma conduta ativa, comissiva do agente estatal a ense-
jar a responsabilidade objetiva, fugindo de seu raio de abrangência a
omissão.
Tal concepção tem ampla aceitação na melhor doutrina28 e é, atual-
mente, capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello, que sustenta:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma


omissão do Estado (o serviço não funcionou, fun-
cionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se
a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efei-
to, se o Estado não agiu, não pode, logicamente,
ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só
cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a im-
pedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-
-lo se descumprir o dever legal que lhe impunha
obstar ao evento lesivo.29

Portanto, conforme tal posicionamento, a responsabilidade do Es-


tado em caso de omissão seria de natureza subjetiva, na modalidade da
culpa administrativa, tornando-se imprescindível a demonstração de
que o serviço não foi prestado ou o foi de forma deficitária30.

28
Consoante DI PIETRO, a teoria é adotada por ela própria, além de José Cretella Júnior, Yussef Sahid
Cahali, Álvaro Lazzarini e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (vide DI PIETRO, M. S. Z. Obra citada,
p. 650).
29
MELLO, C. A. Bandeira de. Obra citada, p. 1031.
30
Relevante citar RUI STOCO, em razão de sua clareza e objetividade na defesa de tal posicionamen-
to: “Ora, a omissão do Estado é anônima, eis que se traduz em algo que a própria Administração não
fez, quando devia fazer. Não tomou providências quando estas eram exigidas. Omitiu-se, danosa-
mente, quando se exigia um comportamento ativo. O serviço falhou sem que houvesse a participa-
ção direta de qualquer agente público.
Se assim é, o comportamento omissivo do próprio Poder Público não se encaixa nem no art. 37,
§ 6º, da CF, nem no art. 43 do CC e, portanto, empenha responsabilidade subjetiva.” (STOCO, Rui.
Tratado de responsabilidade civil. p. 1342).

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Responsabilidade civil do Estado 453

Além da interpretação constitucional, fundamenta-se a ideia da


responsabilização subjetiva (porque necessária a negligência estatal)
também no “argumento de que o Estado não pode ser responsável por
tudo o que aconteça, o grande segurador de todas as desgraças e in-
fortúnios, argumento este que, na prática, sensibiliza sobremaneira os
aplicadores do Direito.”31
A jurisprudência, por seu turno, ainda hoje é bastante forte quan-
to à teoria da culpa administrativa para os atos omissivos do Poder
Público, como se verifica das seguintes ementas do Supremo Tribunal
Federal (esta pouco mais antiga) e do Tribunal de Justiça de São Paulo,
respectivamente:

Ementa: Constitucional. Administrativo. Civil.


Responsabilidade civil do Estado. Ato omissivo do
Poder Público: detento ferido por outro detento.
Responsabilidade subjetiva: culpa publicizada: fal-
ta do serviço. C.f., art. 37, § 6º. I. - Tratando-se de
ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade
civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo
ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas
três vertentes - a negligência, a imperícia ou a
imprudência - não sendo, entretanto, necessá-
rio individualizá-la, dado que pode ser atribuída
ao serviço público, de forma genérica, a falta do
serviço. II. - A falta do serviço - faute du service
dos franceses -- não dispensa o requisito da cau-
salidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre
ação omissiva atribuída ao poder público e o dano
causado a terceiro. III. - Detento ferido por outro
detento: responsabilidade civil do Estado: ocor-
rência da falta do serviço, com a culpa genérica do
serviço público, por isso que o Estado deve zelar
pela integridade física do preso. IV. - RE conheci-
do e provido. (RE 382054, Relator(a): Min. CARLOS
VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 03/08/2004,
DJ 01-10-2004 PP-00037 Ement Vol-02166-02 PP-
00330 RT v. 94, n. 832, 2005, p. 157-164 Rjadcoas
v. 62, 2005, p. 38-44 RTJ VOL 00192-01 PP-00356).

31
MONTEIRO FILHO, C. E. R. Obra citada, p. 48.

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454 Luís Felipe Ferrari Bedendi

Constitucional e administrativo. Responsabilidade


civil do Estado. Concessionária de serviço público.
Animais eletrocutados por cabo de alta tensão sol-
to. Danos materiais. Existência de nexo de causali-
dade entre a omissão culposa e o dano.
1. A responsabilidade civil do Estado é objetiva
baseada na teoria do risco administrativo no caso
de comportamento danoso comissivo (art. 37, § 6º,
CF) e subjetiva por culpa do serviço ou ‘falta de
serviço’ quando este não funciona, devendo fun-
cionar, funciona mal ou funciona atrasado.
2. Concessionária de serviço público que permitiu
que cabo de alta tensão permanecesse solto sobre
pasto por mais de uma semana apesar de comuni-
cada da ocorrência. Omissão culposa que resultou
na morte de oito bovinos. Ônus da prova de fato
extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do
autor que cabia a ré. Inércia da interessada em
fazer prova de suas alegações. Pedido procedente,
em parte. Sentença mantida. Recurso desprovido.
(Relator(a): Décio Notarangeli; Comarca: Descal-
vado; Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Pú-
blico; Data do julgamento: 25/03/2015. Data de
registro: 26/03/2015).

Todavia, a posição subjetivista da omissão administrativa vem


perdendo espaço àquela que enquadra esta espécie de conduta tam-
bém no art. 37, § 6º. Segundo Daniel Ferreira:

[...] para a omissão estatal ensejar o dever de res-


sarcir o dano (causado por terceiros ou por fato da
natureza) será preciso constatar, simultaneamente
e em concreto, o seguinte: (i) a evitação do resul-
tado como juridicamente exigida do Poder Público;
(ii) a antijuridicidade da inação; (iii) a concreta
não evitação (do resultado de dano) como conditio
sine qua non (como imputação objetiva do resul-
tado, em suma); e (iv) seja o dano indenizável.
Nesse contexto, a situação em muito se assemelha
à da conduta estatal (comissiva) direta e material-
mente causadora de dano, porque do mesmo modo
a análise da culpa (lato ou stricto sensu) não en-

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Responsabilidade civil do Estado 455

tra em discussão, salvo para fins de propositura de


ação de regresso.32, 33

O mesmo ocorre no campo da jurisprudência, ante a adoção, pelo


Supremo Tribunal Federal, da responsabilização objetiva aos casos de
omissão administrativa:

Os elementos que compõem a estrutura e deli-


neiam o perfil da responsabilidade civil objetiva
do Poder Público compreendem (a) a alteridade do
dano, (b) a causalidade material entre o ‘eventus
damni’ e o comportamento positivo (ação) ou ne-
gativo (omissão) do agente público, (c) a oficia-
lidade da atividade causal e lesiva imputável a
agente do Poder Público que tenha, nessa espe-
cífica condição, incidido em conduta comissiva
ou omissiva, independentemente da licitude, ou
não, do comportamento funcional e (d) a ausência
de causa excludente da responsabilidade estatal.
Precedentes. A omissão do Poder Público, quan-
do lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz
à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde
que presentes os pressupostos primários que lhe
determinam a obrigação de indenizar os prejuízos
que os seus agentes, nessa condição, hajam cau-
sado a terceiros. Doutrina. Precedentes. - A juris-
prudência dos Tribunais em geral tem reconhecido
a responsabilidade civil objetiva do Poder Público
nas hipóteses em que o ‘eventus damni’ ocorra em
hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou
derive de tratamento médico inadequado, minis-
trado por funcionário público, ou, então, resulte
de conduta positiva (ação) ou negativa (omissão)
imputável a servidor público com atuação na área
médica. - Configuração de todos os pressupostos

32
FERREIRA, Daniel. Responsabilidade civil do Estado por omissão: contornos gerais e controvérsias.
In: BENACCHIO, M.; GUERRA, A. D. M.; PIRES, L. M. F. (Coord.). Obra citada, p. 67-68.
33
Marçal Justen Filho também é essencialmente adepto da unicidade da responsabilidade objetiva aos
atos comissivos e omissivos, desenvolvendo fartas considerações acerca dos últimos, como bem se
observa de seu Curso de Direito Administrativo (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administra-
tivo. p. 955-959.)

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456 Luís Felipe Ferrari Bedendi

primários determinadores do reconhecimento da


responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o
que faz emergir o dever de indenização pelo dano
pessoal e/ou patrimonial sofrido. (AI 734689 AgR-ED,
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma,
julgado em 26/06/2012, Acórdão eletrônico DJe-
167 Divulg. 23-08-2012 Public. 24-08-2012).

III.b – Os Danos

O segundo elemento constante do art. 37, § 6º, são os danos expe-


rimentados por terceiros.
Nesse ponto, o direito público socorre-se substancialmente do di-
reito privado, já que, da redação do aludido dispositivo ou de outros
constantes da Constituição, não se extraem o conteúdo do dano, suas
espécies, parâmetros de fixação, critérios de redução etc. Todo esse
conjunto de questões é solucionado, essencialmente, pelo Código Civil.
É certo que o conceito de dano é um dos temas mais lacunosos e
abertos do sistema de responsabilidade, já que o Código Civil, em sua
atual versão (e também na anterior), no art. 186, e todos os demais
dispositivos do ordenamento pátrio, a exemplo do próprio art. 37, § 6º,
da CF, deixam o conceito “vago, de confins imprecisos, que será preen-
chido pela doutrina e jurisprudência e construído conforme a juridici-
dade dos interesses postos em conflito na concretude de cada litígio.”34
Mesmo assim, a doutrina civilista buscou delimitá-lo, asseverando,
de forma mais tradicional, que dano “é toda desvantagem que expe-
rimentamos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde,
honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição), do que resulta o
direito a uma reparação em pecúnia sempre que decorrente da conduta
(comissiva ou omissiva) de outrem.”35
A doutrina administrativista, por seu turno, não diverge da civilis-
ta, ao adotar a ideia de que dano tem conteúdo fluido e variável, como
bem sintetiza Marcelo Benacchio:

34
BRAGA NETTO, F. P.; FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N. Obra citada, p. 231.
35
STOCO, R. Obra citada, p. 201.

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Responsabilidade civil do Estado 457

[...] o dano não é uma figura pré-jurídica, nem de


mera teoria geral, mas normativa, que somente
pode ser completamente descrita por meio da aná-
lise da legislação, pois apenas o sistema legal pode
indicar quando um fato pode ser qualificado como
dano, determinando, por conseguinte, a ativação
do remédio juridicamente previsto.36

O que há de se destacar – no que igualmente há carência de


divergências entre os regimes público e privado – é a necessidade de
consumação do prejuízo, a ensejar reparação na esfera patrimonial e
compensação na moral.
No mais, como já dito alhures, no tocante às questões atinentes
ao dano, inexiste diferenciação substancial entre os sistemas público e
privado, como bem anotado, aliás, por Marçal Justen Filho:

As regras pertinentes à indenização não apresen-


tam maior peculiaridade em face do direito admi-
nistrativo. Aplicam-se os princípios e as regras do
direito comum, seja no tocante ao dano material
ou ao dano moral. Normalmente, as dificuldades
envolverão a questão da prova.37

Imperioso se faz elucidar, apenas – e esse é um detalhe peculiar


da responsabilidade no campo administrativo – que, dado seu caráter
objetivo decorrente do risco da atividade, donde irrelevante a licitu-
de da conduta, caso inexista violação à norma jurídica, mister se faz
que ao menos o dano seja anormal, invulgar, ou seja, antijurídico.
Celso Antônio Bandeira de Mello torna muito clara a distinção, ao
expor os requisitos do dano reparável:

O fato ou ato lesivo para que seja indenizável ne-


cessita ser:

36
BENACHIO, Marcelo. Pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado contidos no
art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. In: BENACCHIO, M.; GUERRA, A. D. M.; PIRES, L. M.
F. (Coord.). Obra citada, p.103.
37
JUSTEN FILHO, Marçal. A responsabilidade do Estado. In: FREITAS, J. (Org.). Obra citada, p. 243.

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458 Luís Felipe Ferrari Bedendi

certo, isto é, não apenas eventual, possível. Tanto


pode ser atual como futuro. Esta última circuns-
tância, como é claro, não afeta a certeza do dano,
sempre que este seja inevitável;
especial, no caso de atos lícitos, isto é, particu-
lar à ou às vítimas e não um prejuízo generalizado
incidente sobre toda a sociedade. Se alcançasse a
todos os cidadãos configuraria ônus comum à vida
em sociedade, repartindo-se, então, generalizada-
mente entre seus membros;
anormal, vale dizer, excedente dos incômodos e
inconvenientes comuns, ordinários e que são ine-
rentes à vida social como fruto iniludível do conví-
vio societário;
relativo a uma situação juridicamente protegida,
quer-se dizer, cumpre que o dano seja gravoso a
uma situação jurídica legítima, suscetível de con-
figurar um direito ou quando menos um interesse
legítimo.38

III.c – O nexo causal

Por fim, o último dos elementos constitucionais da responsabilida-


de extracontratual: o nexo causal entre a conduta do agente e o dano
experimentado.
Tal qual ocorre para o dano, o regime jurídico administrativo não
minudencia as características do nexo de causalidade, tampouco as
situações que promovem sua quebra, tema de essencial relevância à
responsabilidade objetiva do Estado, porque são as únicas capazes de
afastarem o risco da atividade administrativa e, por conseguinte, o
dever reparatório do Poder Público.
Essencialmente, o nexo causal pode ser tido como “a relação ob-
jetiva de causa e efeito entre o ato lícito ou ilícito (conduta), praticado
pelo agente, e o dano moral ou material (resultado), experimentado
pela vítima.”39

38
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Responsabilidade patrimonial do Estado por atos administrati-
vos. In: DI PIETRO, M. S. Z.; SUNDFELD, C. A. (Org.). Obra citada, v. III, p. 1164-1165.
39
AHUALLI, Tânia Mara. Ensaio sobre o nexo de causalidade na responsabilidade civil do Estado. In:
BENACCHIO, M.; GUERRA, A. D. M.; PIRES, L. M. F. (Coord.). Obra citada, p. 346.

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Responsabilidade civil do Estado 459

Das situações que o eliminam, quatro são as mais aceitas: culpa ex-
clusiva da vítima, culpa exclusiva de terceiro, caso fortuito e força maior.
Na hipótese de culpa da vítima, é possível que não seja ela exclu-
siva, mas, sim, concorrente (a conduta da vítima, associada à atividade
estatal, acabou por agravar a situação e originar o dano), de maneira
a incidir o disposto no art. 945 do Código Civil, segundo o qual “Se a
vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua in-
denização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em
confronto com a do autor do dano.”
Tanto essa quanto a culpa exclusiva de terceiro provocam inten-
sas discussões, em especial na jurisprudência, ante a dificuldade de
se estabelecer até que ponto se dá o risco da atividade diante de uma
conduta dolosa ou culposa do terceiro a provocar danos alheios. Em
geral, é imprescindível a análise dos elementos do caso concreto para
se definir o nexo.
Como exemplo, cite-se o caso de lesões em presos ocorridas no
interior de estabelecimento prisional ou de qualquer outra espécie de
detenção; pelas ementas abaixo, verifica-se que soluções diametral-
mente opostas foram dadas a casos de elevada similitude, pelas provas
constantes dos autos processuais:

Apelação. Responsabilidade civil do Estado. Inde-


nização por danos morais e materiais. Autora mãe
de detento assassinado dentro de presídio por co-
lega de cela - Responsabilidade objetiva (art. 37,
§ 6º, da CF/88) elidida Segundo se depreende dos
elementos de informação contidos nos autos, não
restou configurada a responsabilidade objetiva da
Administração, pois não há qualquer indício de
que a requerida tenha descumprido seu dever de
vigilância e proteção e, por omissão, tenha cria-
do situação propícia para a ocorrência do even-
to. Rompimento do nexo de causalidade, ante a
ocorrência de culpa exclusiva de terceiro no que
tange aos danos gerados. Sentença de procedên-
cia reformada para julgar o feito improcedente
Recursos da Fazenda e oficial providos. (Rela-
tor(a): Paulo Barcellos Gatti; Comarca: Tupã; Ór-
gão julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Data
do julgamento: 15/12/2014; Data de registro:
18/12/2014).

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460 Luís Felipe Ferrari Bedendi

Constitucional e Civil - Responsabilidade civil do


Estado. Morte de preso em delegacia policial. Ale-
gação de culpa exclusiva da vítima não comprova-
ção - Indenização devida.
1. As pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços públicos
respondem pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o di-
reito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa (art. 37, § 6º, CF).
2. Dever do Estado de preservar a integridade físi-
ca daqueles que se encontram sob a sua custódia.
Ausência de comprovação de culpa exclusiva da
vítima. Indenização devida.
3. Indenização por dano material e moral bem fi-
xadas. Reexame necessário, considerado interpos-
to, acolhido, em parte. Recurso da ré desprovido.
(Relator(a): Décio Notarangeli; Comarca: Bauru;
Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Data
do julgamento: 31/07/2013; Data de registro:
01/08/2013; Outros números: 8766265900).

Outrossim, em relação à culpa exclusiva de terceiro, nem sempre


o Código Civil a toma como excludente da responsabilidade, ao dispor
que o lesado poderá acionar o agente causador direto do dano e esse, na
sequência, cobrará do terceiro que efetivamente provocou o resultado.
É o caso do estado de necessidade (art. 188, II, c/c arts. 929 e 93040)
e do transportador com acidente de passageiro (art. 73541), por
exemplo.

40
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo imi-
nente.
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados
do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá
o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
41
Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidi-
da por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

17-RC.indd 460 23/11/2015 09:26:57


Responsabilidade civil do Estado 461

Finalmente, o caso fortuito e a força maior parecem ter sido iden-


tificados pelo Código Civil, ao dispor, no art. 393, parágrafo único, que
“o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos
efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Sem ingressar na extensa discussão doutrinária acerca de seus
conceitos, adota-se o mesmo posicionamento de José dos Santos Car-
valho Filho, segundo o qual:

O melhor é agrupar a força maior e o caso fortui-


to como fatos imprevisíveis, também chamados de
acaso, porque são idênticos os seus efeitos. [...] na
hipótese de caso fortuito ou força maior nem ocor-
reu fato imputável ao Estado, nem fato cometido
por agente estatal. E, se é assim, não existe nexo de
causalidade entre qualquer ação do Estado e o dano
sofrido pelo lesado. A consequência, pois, não pode
ser outra que não a de que tais fatos imprevisíveis
não ensejam a responsabilidade do Estado.42

IV – Considerações finais

Ante o posicionamento da responsabilidade civil do Estado na


Constituição Federal, existe forte tendência no sentido de que essa foi
definitivamente inserida no direito público e, por conseguinte, sob sua
exclusiva ótica há de ser interpretada e aplicada.
É inegável que a responsabilidade estatal haja ingressado no re-
gime jurídico administrativo, como bem dito ao longo deste trabalho,
visto que se criou uma sujeição especial ao Poder Público de reparação
pelos danos causados a terceiros pela conduta de seus agentes, decor-
rente do risco da atividade administrativa.
Tal sujeição, como é de amplo conhecimento, não se estende aos
particulares, que continuam a submeter-se à regra clássica do dever
ressarcitório tão somente nas hipóteses de culpa ou dolo (obviamente
destacadas as situações em que outras leis imponham ao particular a res-
ponsabilização objetiva, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor).

42
CARVALHO FILHO, J. S. Obra citada, p. 500.

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Entretanto, não há como se desvincular o regime jurídico adminis-


trativo, no ponto da responsabilidade, do regime jurídico privado, seja
porque suas raízes são comuns, ou porque o primeiro retira do segundo
conceitos, princípios, regras e interpretações para a adequada análise
e solução do caso concreto.
Tal assertiva restou demonstrada pela enorme quantidade de
menções e citações a que se fez do Código Civil, para todos os elemen-
tos constitucionais da responsabilidade.
E nem haveria de ser diferente (aliás, não há necessidade de ser
diferente), porquanto, valendo-se do ensinamento de Yussef Cahali:

Em realidade, o conceito de responsabilidade civil


é unitário, sendo hoje contemplado nos ordena-
mentos jurídicos mais tendo em conta a posição da
pessoa que sofreu o dano, do que a do sujeito que o
provocou; as concepções individualistas da respon-
sabilidade subjetiva foram sendo paulatinamente
descartadas a partir do final do século passado,
dando lugar às concepções solidaristas, inspirando
as teorias do risco criado, do risco-proveito, da ati-
vidade perigosa, do dano injusto, da socialização
do dano, e abrindo caminho definitivamente para a
responsabilidade objetiva em todos os níveis. [...]
a responsabilidade civil é instituto que, embora
historicamente tenha tido sua origem e desen-
volvimento nos ordenamentos privados, pertence
hoje à teoria geral do direito, pela simples razão
de que seu fundamento e finalidade, e os princí-
pios que a informam, são igualmente aplicáveis a
todos os setores do direito.43

43
CAHALI, Y. S. Obra citada, p. 26.

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