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DOI: 10.

21902/
Organização Comitê Científico
Double Blind Review pelo SEER/OJS
Recebido em: 28.06.2015
Revista de Direito Administrativo e Gestão Pública Aprovado em: 01.09.2015

FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO


FOUNDATIONS OF THE CIVIL LIABILITY OF THE STATE

1
Helena Elias Pinto

RESUMO

Os fundamentos da responsabilidade civil do Estado constituem um tema que merece um


estudo mais aprofundado na doutrina brasileira. Em geral, a doutrina limita-se a invocar a
igualdade e a justa repartição dos encargos sociais para as hipóteses de responsabilidade civil
por atos lícitos. Nos casos de atos ilícitos, o fundamento apontado é o princípio da legalidade.
Entretanto, existem situações mais complexas (como as hipóteses de responsabilidade por
omissão) em que a mera invocação desses tradicionais fundamentos não se mostra suficiente
ou útil. Com base nos resultados de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial realizada, busca-
se: a) explicitar quais são as deficiências da formulação tradicional e b) verificar se é possível
atualizar as bases teóricas dos fundamentos da responsabilidade civil do Estado, para melhor
enquadrar o tema à luz da proeminente dimensão constitucional atribuída aos direitos
fundamentais.

Palavras-chave: Responsabilidade civil do estado, Responsabilidade civil por omissão,


Fundamentos da responsabilidade

ABSTRACT

Foundations of State liability has become a topic that deserves further study in Brazilian
doctrine. In general, doctrine is limited to invoking equality and fair distribution of social
security contributions for cases of liability for lawful acts. In cases of unlawful acts, the
appointed foundation is the principle of legality. However, there are more complex situations
(like the cases of liability for omissions) where mere invocation of these traditional
foundations have not shown to be sufficient or useful. Based on the results of bibliographic
and jurisprudential surveys, we seek to: a) explain what the shortcomings of the traditional
formulation are and b) verify if it is possible to update and\or upgrade the theoretical
foundations of State liability in order to better frame such subject regarding the prominent
constitutional dimension attributed to fundamental rights.

Keywords: Civil liability of the state, Civil liability by omission, Foundations of civil
liability

1
Doutora em Direito pela Universidade Gama Filho - UGF, Rio de Janeiro (Brasil). Professora Adjunto da
Universidade Federal Fluminense - UFF, Rio de Janeiro (Brasil). E-mail: helenaelias@gmail.com

Revista de Direito Administrativo e Gestão Pública | e-ISSN: 2526-0073 | Minas Gerais | v. 1 | n. 2 | p. 87 - 102 | Jul/Dez. 2015.
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INTRODUÇÃO

A compreensão dos fundamentos de um determinado instituto jurídico é


essencial para que a interpretação das normas aplicáveis à solução dos casos concretos
tenha uma inspiração adequada, sobretudo nos denominados casos difíceis, em que não
é possível encontrar uma solução para o problema por mero processo interpretação por
subsunção.
Não é diferente quando se trata da responsabilidade civil do Estado.
Na responsabilidade civil em geral, diz -se que o seu fundamento é “a razão
por que alguém deve ser obrigado a reparar o dano causado a outrem” (Francisco
Amaral, 2006, p. 547).
O fundamento da responsabilidade civil do Estado tem suas particularidades,
não obstante o fato de que a evolução histórica de suas bases teóric as recebeu o influxo
da evolução da teoria geral da responsabilidade civil. Conforme leciona María Del Pilar
Amenábar (2008, p. 93), ao tratar da responsabilidade civil do Estado, o fundamento
da responsabilidade civil suscita a questão dos princípios e ra zões que determinam
o nascimento da obrigação de reparar um dano. Buscar, então, o fundamento da
responsabilidade civil do Estado implica em pesquisar os princípios e as razões que
levam o ordenamento jurídico e a jurisprudência a reconhecer o dever de o Estado
ressarcir o lesado em algumas hipóteses. Há que se esclarecer, inclusive, à luz desses
fundamentos, quais as hipóteses que não serão contempladas pelo reconhecimento do
dever indenizatório.
Desde os tempos remotos, em que não se aceitava a responsabilidade civil do
Estado por atos de seus agentes, até a contemporaneidade, ocorreram importantes
mudanças de paradigma no que diz respeito aos fundamentos da responsabilidade
estatal. Três importantes marcos que podem ser citados para exemplificar a ocorrência
de mudanças substanciais: na etapa final do século XIX, com a Revolução Industrial
e o desenvolvimento de máquinas em substituição ao trabalho manual, e no século
XX, com a ampliação das denominadas gerações de direitos fundamentais, que
passaram a incluir os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos (Paulo
Bonavides, 2012, p. 582) e o desenvolvimento da hermenêutica da Constituição e dos
direitos fundamentais, já na segunda metade do século XX.
Com a Revolução Industrial verificou-se um extraordinário aumento de riscos
e acidentes, o que ensejou um deslocamento da preocupação com a culpabilidade do

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causador do dano para a proteção das vítimas (María Del Pilar Amenábar, 2008, p.
85). Entre outras consequências, as novas concepções produzem a denominada teoria
do risco, inspirada na vontade de ressarcir quem sofre um dano, dispensando -se a
existência ou não de culpa no comportamento do autor do fato.
Na segunda metade do século XX, com o fim da II Guerra Mundial, verificou-
se que o rastro de atrocidades por violação de direitos humanos no período da guerra
ensejou um movimento mundial pela ampliação da proteção dos direitos
fundamentais, sobretudo no plano de buscar eficácia para as normas constitucionais
que os estabelecem.
Com base em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial realizada, pretende -se,
ao longo do texto, expor as linhas mestras dessa evolução e realizar uma avaliação
crítica da atual visão da doutrina brasileira, com vistas a trazer subsídios par a uma
atualização dos fundamentos que têm sido adotados de forma praticamente uníssona na
doutrina pátria contemporânea.

1. EVOLUÇÃO DOS FUNDAMENTOS NO DIREITO BRASILEIRO

A evolução do tratamento doutrinário dos fundamentos da responsabilidade


civil do Estado reflete o desenvolvimento do próprio direito administrativo.
É possível identificar, ao longo do tempo, um desenvolvimento que se constrói
a partir da ideia de irresponsabilidade do Estado (modelo adotado nas Constituições de
1824 e 1891 no Brasil), passando pelo acolhimento, por empréstimo, de teorias
privatistas (baseadas no Código Civil e tendo a culpa do agente público como
fundamento), até chegar ao modelo atual, inaugurado, no Brasil, com a Constituição de
1946 - marco a partir do qual o dever do Estado de indenizar deixou de se basear em
uma atuação culposa do agente público para se embasar na ideia de risco administrativo
assumido pelo Estado ao exercer suas diversas atividades administrativas.
No Brasil, o tema da responsabilidade civil do Estado só ganhou estatura
constitucional na primeira Constituição do século XX (a de 1934). A Constituição de
1824 não previa a responsabilidade civil do Estado, apenas consagrando a
responsabilidade dos agentes públicos (item 29 do art. 179). A Constituição do Império
ressalvava o Imperador, que não se submetia a tal regra, por ser considerado pessoa
“inviolável e sagrada”, não estando sujeito “a responsabilidade alguma” (art. 99).

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A situação não se altera com a Constituição de 1891 que, como a de 1824, não
continha norma prevendo a responsabilidade do Estado, mas apenas a responsabilidade
do funcionário em decorrência de prática de abuso ou omissão no exercício de suas
funções (art. 82).
Na vigência da Constituição de 1891 foi editado o antigo Código Civil,
promulgado em 1916, o qual acolheu a teoria civilista da responsabilidade subjetiva em
seu art. 15, que previa a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público por atos
de seus representantes que causem danos a terceiros, mas condicionava a incidência dessa
responsabilidade a uma atuação contrária ao direito ou ao descumprimento de dever
legal1.
Diante da dicção do texto legal de 1916 (que fala em atuação contrária ao direito
ou descumprimento de dever legal), verifica-se que a responsabilidade civil do Estado
tinha por fundamento a antijuridicidade da conduta do agente público (que se configurava
mediante sua atuação culposa), erigindo-se a culpa como um elemento essencial para a
configuração do dever do Estado de ressarcimento.
A Constituição de 1934 em nada alterou substancialmente este quadro normativo,
porque estabeleceu a responsabilidade solidária entre o Estado e o funcionário, de acordo
com o seu art. 171 – norma que se repetiu no art. 158 da Constituição de 1937.
Note-se que o art. 15 do Código Civil de 1916 foi recepcionado integralmente pelas duas
ordens constitucionais que se sucederam deste a edição do
Código.
Foi a Constituição de 1946 que, rompendo com a tradição que encontrava o
fundamento do dever de indenizar na culpa do agente, acolhe a responsabilidade objetiva
do Estado (art. 194), inspirado na teoria do risco administrativo. Passa-se, a partir de então,
a dispensar a prova da culpa do agente público ou mesmo da falta do serviço (culpa do
serviço).
A Constituição de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969, praticamente repetem a norma,
não estabelecendo qualquer alteração substancial. Do mesmo modo, a Constituição de
1988 seguiu a tradição inaugurada em 1946. Trouxe a atual Constituição
apenas uma novidade: a inclusão, de forma expressa, das pessoas jurídicas de direito

1 A redação do art. 15 era a seguinte: “As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis
por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo do modo contrário ao
direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano.”

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privado prestadoras de serviço público na norma matriz da responsabilidade civil do


Estado (art. 37, § 6º).

2. A MOLDURA ATUAL DO TRATAMENTO DOUTRINÁRIO NO BRASIL

A doutrina brasileira, após a sedimentação do modelo objetivista, adotado por


todas as Constituições brasileiras desde 1946, tem invocado, de forma bastante
uniforme, em resumo, os seguintes fundamentos da responsabilidade civil do Estado:
o princípio da legalidade, quando se trata de atos ilícitos e o princípio da igualdade
(do qual se extrai a necessidade de justa, solidária e igualitária repartição dos encargos
sociais) quando se trata de atos lícitos. Há apenas pequena variação na formulação
doutrinária, conforme será exposto adiante.
O fundamento da responsabilidade patrimonial do Estado, segundo lição de
Diogenes Gasparini (2006, p. 966), é bipartido, conforme se trate de consequência de
atos lícitos ou ilícitos. Nos casos de ato lícito, o fundamento é o princípio da
distribuição igualitária dos ônus e encargos a que estão sujeitos os administrados.
Prossegue o Autor (2006, p. 966-967):
Destarte, se o serviço ou a obra é de interesse público, mas,
mesmo assim, causa dano a alguém, toda a comunidade deve responder por
ele, e isso se consegue através da indenização. Para tanto todos concorrem,
inclusive o prejudicado, já que este, como os demais administrados, também
paga tributos.

Em se tratando de ato ilícito, o fundamento é a própria violação da legalidade.


Exemplifica Diogenes Gasparini (2006, p. 967) com a hipótese de interdição de uma
indústria poluente. Caso posteriormente se verifique que, em absoluto, era a empresa
poluente, “o Estado cometeu uma ilegalidade e, por ter praticado ato ilícito do qual
decorreu o dano, vê-se na contingência de ressarcir a vítima, no caso, a sociedade
industrial”.
Entretanto, no exemplo acima citado, de exercício do poder de polícia que
impõe a interdição de uma indústria poluente, o autor comete um equívoco ao afirmar
que o Estado cometeu uma ilegalidade se ficar demonstrado, ao final, que a empresa
não era poluente. A interdição de uma indústria que, aparentemente, está poluindo o
meio ambiente em desconformidade com as normas ambientais é ato lícito, no exercício
regular do poder de polícia pelo Estado e não se transmuda em ato ilícito apenas porque,
a posteriori, se aferiu a falta de nocividade ao meio ambiente da atividade empresarial.

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O que temos, nesse exemplo, é uma atuação estatal lícita que, entretanto, por uma
avaliação que somente é possível a posteriori, gerou um dano injusto, causando uma
situação contrária ao direito à luz do resultado e não à luz da conduta praticada, que foi
lícita, autorizada pelo ordenamen to jurídico. Esse tema será retomado adiante. Por ora,
contraste-se o entendimento do autor citado com outras referências doutrinárias.
O entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 961) não é
discrepante na essência, lecionando o autor que o fundamento se biparte, conforme se
trate de comportamentos ilícitos omissivos (princípio da legalidade) e comissivos
(princípios da legalidade e da igualdade) ou lícitos, assim como na hipótese de danos
ligados a situação criada pelo Poder Público (equâni me repartição dos ônus, princípio
da igualdade):
a) No caso de comportamentos ilícitos comissivos ou omissivos,
jurídicos ou materiais, o dever de reparar o dano é a contrapartida do
princípio da legalidade. Porém, no caso de comportamentos ilícitos,
comissivos, o dever de reparar já é, além disso, imposto também pelo
princípio da igualdade.
b) No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese
de danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não
seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o
fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição
dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns
suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades
desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o
princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito. (grifo do autor) ,

Por outro lado, a pesquisa realizada evidenciou que a jurisprudência do


Supremo Tribunal Federal em raríssimas oportunidade s abordou o tema dos
fundamentos da responsabilidade civil estatal e, quando o fez, seguiu as lições que a
doutrina clássica ministra, na esteira da construção teórica formulada por Duguit.
O ministro Joaquim Barbosa, em voto-vista proferido no julgamento do RE
262651/SP, na esteira das lições ministradas por Duguit, abordou didaticamente o tema,
apontando dois fundamentos jurídicos da responsabilidade objetiva do Estado . O
primeiro fundamento corresponde à teoria do risco administrativo :

Primeiro, ao atuar e intervir nos mais diversos setores da vida


social, a Administração submete os seus agentes e também o particular a
inúmeros riscos (maneja objetos perigosos, cria situações perigosas etc.).
Esses riscos são da essência da atividade administrativa e res ultam da
multiplicidade das suas intervenções, que são indispensáveis ao
atendimento das diversas necessidades da coletividade. O risco
administrativo, portanto, não raro decorre de uma atividade lícita e
absolutamente regular da Administração, daí o carát er objetivo desse tipo
de responsabilidade, que faz abstração de qualquer consideração a respeito
de eventual culpa do agente causador do dano.

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Segundo o voto-vista, o segundo fundamento, sem discrepância com as lições


da doutrina administrativista brasileira, identifica-se com o princípio da igualdade de
todos em face dos encargos públicos:

O segundo fundamento jurídico da responsabilidade objetiva


repousa no princípio da igualdade de todos os cidadãos perante os encargos
públicos. Para alguns autores, em especial os franceses, esse segundo
fundamento englobaria o primeiro, de sorte que a obrigação imposta ao
Estado de indenizar o particular em caso de dano a ele causado resultaria,
em essência, do fato de que não seria justo que alguém suportasse s ozinho
os ônus decorrentes de uma atividade exercida em benefício de toda a
sociedade. Aqui, o dever de indenizar a vítima advém não de um risco criado
pela atividade estatal, mas de um princípio que poderíamos chamar de
solidariedade social, solidariedade essa engendrada pelo fato de que toda
ação administrativa do Estado é levada a efeito em prol do interesse
coletivo. Vale dizer, para cumprir a contento a sua missão de zelar pelo
bem comum, a Administração necessita intervir em múltiplas esferas da vida
econômica e social. Ao fazê-lo, cria situações que se traduzem em danos
para algumas pessoas. O princípio da igualdade de todos perante os encargos
públicos vem em socorro dessas pessoas que sofrem os prejuízos
decorrentes da ação estatal, fazendo com que os danos por elas sofridos
sejam compartilhados por toda a coletividade. Esta, em apertada síntese, é a
“rationale” da responsabilidade civil do Estado, recepcionada em toda a sua
amplitude pela Constituição brasileira de 1988, que diz expressamente, no
art. 37, § 6º, ser ela aplicável ao concessionário de serviço público. (grifo
do autor)

Mas será que os fundamentos clássicos da responsabilidade civil do Estado


ainda são suficientes para servir de embasamento para a solução da ampla
complexidade de casos que a atualidade apresenta, sobretudo diante dos casos de
responsabilidade civil do Estado por omissão?
A resposta parece ser negativa, sobretudo quando se procura encontrar resposta
para determinadas questões de maior complexidade, como a verificação d a existência
ou não do dever de indenizar o dano causando decorrente de conduta praticada pelo
agente público em legítima defesa em comparação com a situação de dano causado
(também por agente público) em estado de necessidade. Afinal, os fundamentos
clássicos da responsabilidade civil do Estado apresentam solução para tais casos? O
suporte oferecido pelos fundamentos clássicos é suficiente para traçar uma diferença
de tratamento, se houver necessidade, entre as duas hipóteses? A resposta parece ser
negativa. Consulte-se, para exemplificar, a lição de Marçal Justen Filho (2005, pp.
796-797), ao afirmar que não há dever de indenizar na legítima defesa porque a atuação
do agente foi jurídica:

Aliás, mesmo os defensores de concepções objetivistas acabam


concordando com a insuficiência da mera relação de causalidade objetiva
entre uma ação ou omissão estatal e a consumação do dano. Assim, por

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exemplo, suponha-se que um agente policial, no exercício de legítima


defesa, produza a morte de um delinquente. Houve ação estatal e houve
dano, mas não há responsabilidade civil. A legítima defesa é causa
excludente da responsabilidade civil porque a ação praticada pelo agente
estatal é jurídica e os danos eventualmente gerados para o autor da agressão
são lícitos. (grifo do autor)

Ora, se a licitude da conduta do causador do dano fosse decisiva para afastar


o dever do Estado de indenizar, não caberia também indenização no caso de danos
causados por agente público em estado de necessidade (que igualmente constitui
comportamento autorizado pelo direito), o que não pode ser aceito, tendo em vista que
a vítima de uma atuação do agente público em estado de necessidade (caso do bombeiro
que quebra uma vidraça para se salvar do fogo ou para prestar socorro a terceiro) tem o
inafastável direito à indenização, pois não tem o dever de suportar um dano causado
pelo agente público em sua defesa ou de terceiro. A propósito, note-se que o próprio
Código Civil (art. 929 combinado com o art. 188, inciso II) 2, nas relações entre
particulares, prevê o direito à indenização à vítima de atuação de terceiro em estado de
necessidade. Nota-se, portanto, que os fundamentos clássicos são insuficientes para
lançar luzes que permitam decisões constitucionalmente adequadas para casos mais
complexos.

3. A INSUFICIÊNCIA DA ABORDAGEM CLÁSSICA DOS FUNDAMENTOS


DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Ressalte-se que é preciso fazer a distinção entre fundamentos e condições da


responsabilidade. Nesse sentido, Delcros e Delcros (1972, p. 4) afirmam que a culpa
ou o risco não constituem fundamentos, mas somente condição para que, conforme o
caso, seja reconhecido o dever de indenizar:

Não é raro que a culpa (ou o risco) sejam qualificados de


fundamentos da responsabilidade da administração. Esta concepção é
criticável. A culpa (ou o risco) constituem somente a condição exigida
segundo o caso para que a administração seja obrigada a indenizar, mas
não o fundamento, isto é, a justificativa da responsabilidade. Com efeito,
em direito administrativo, a culpa não pode ser jamais imputada à própria
administração, que não é nada mais do que uma entidade (ou pessoa
jurídica) razão pela qual seria absurdo pensar que ela pudesse cometer
essas faltas; a culpa é sempre o feito de um ou de vári os funcionários,
conhecidos ou anônimos; assim a responsabilidade sendo suportada por um

2 Art. 188. Não constituem atos ilícitos: [...]


II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Art. 929. Se a
pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á
direito à indenização do prejuízo que sofreram.

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outro patrimônio distinto daquele do autor da falta, não pode ser considerada
como o fundamento mas somente a condição da responsabilidade. Quanto
à idéia de risco, el a implica somente uma correlação, uma relação de
causa e efeito e, por consequência, só pode ser uma condição, e não um
fundamento. 3 (tradução livre)

De fato, o fundamento da responsabilidade civil no modelo subjetivista é a


antijuridicidade da conduta, sendo a identificação da culpa no caso concreto a condição
para que esse modelo possa ser aplicado. Com a evolução do tema, passou- se a aceitar
a culpa anônima ou falta do serviço. Tal teoria, baseada em inspirações publicistas,
tornou desnecessária a individualização do agente causador do dano, bastando ao
lesado provar que o dano foi causado pel a falta do serviço (não funcionamento,
mal funcionamento ou funcionamento tardio do serviço ). De qualquer modo, tal teoria
baseada na culpa do serviço foi posteriorm ente substituída pela teoria do risco,
ensejando a adoção do modelo objetivista.
A rigor, os fundamentos da responsabilidade civil do Estado, do po nto de
vista do direito positivo, residem na Constituição da República. A esse propósito é
importante ressaltar que, no ordenamento constitucional atual, o fundamento não se
encontra apenas na norma matriz do art. 37, § 6º, que prevê a responsabilidade das
pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços
públicos pelos danos causados a terceiros por seus agentes. É importante ressaltar que
os fundamentos da responsabilidade civil do Estado decorrem d o conjunto de todo o
sistema de direitos fundamentais previsto no ordenamento constitucional. Tanto é
assim que é possível reconhecer que, ainda se não existisse a norma matriz (art. 37,
§6º), a só previsão dos direitos fundamentais já seria suficiente para se atribu ir ao
Estado o dever de indenizar nos casos em que seus agentes causem danos a terceiros.
Para melhor compreensão dessa afirmação é interessante avaliar o tratamento
do tema na Argentina, diante da peculiaridade da ausência de norma constitucional
expressa que atribua ao Estado o dever de indenizar por danos causados pelos agentes

3 No original : “Il n´est pás rare que la faute (ou le risque) soient qualifiés de fondements de la responsabilité
de l´administration. Cette conception est critiquable. La faute (ou le risque) constituent seulement la condition
exigée selon les cas pour que l´administration soit tenue de réparer, mais non le fondement, c´est-à-dire la
justification de la responsabilité. En effet, en droit administratif, la faute ne peut jamais être imputée à
l´administration elle -même qui n´est qu´une entité (ou personne morale) dont il serait absurde de penser qu´elle
pût commettre des faut es; la faute est toujours le fait d´un ou plusieurs fonctionnaires, connus ou anonymes ;
ainsi la responsabilité étant supportée par un autre patrimoine que celui de l´auteur de la faute, celle -ci ne peut être
considéree comme le fondement mais seulement la condition de la responsabilité. Quant à l´idée de risque, elle
implique seulement une corrélation, une relation de cause à effet et, por suite, ne peut être, elle aussi qu´une
condition, non un fondement.”

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públicos. E, apesar de não existir norma constitucional expressa na Argentina que seja
similar à prevista na Constituição da República do Brasil, a doutrina nem por isso deixa
de reconhecer os fundamentos constitucionais da responsabilidade civil do Estado,
diretamente na previsão dos direitos fundamentais.4
A comparação com o ordenamento constitucional argentino é suficiente para
tornar mais clara a evidência de que o fundamento da responsabilidade civil do Estado
na atualidade não pode mais ser fundada exclusivamente no risco administrativo e na
igual repartição dos encargos sociais, pois tais referenciais já não são suficientes para
fazer frente à complexidade das relações estabelecidas na s sociedades
contemporâneas.
Tal mudança de paradigma é imperativa, diante da dignidade constitucional
atribuída aos direitos fundamentais e do papel do Estado como garantidor desses
direitos. Na doutrina estrangeira5, a antijuridicidade objetiva (revelada no dano injusto)
tem sido reconhecida como principal fundamento 6 da responsabilidade civil estatal a
partir da sua conjugação com o dever de proteção dos direitos fundamentais. A
identificação desse fator representa um significativo avanço para a elaboração
doutrinária de uma base sólida para a teoria geral da responsabilidade civil estatal. É
com a noção de dano injusto que o sistema de garantias da responsabilidade civil do
Estado adquire coerência e harmonia.
Essa perspectiva contemporânea, a partir da noção de antijuridicidade
objetiva, relaciona-se à virada do princípio da legalidade para o da juridicidad e. Nesse

4
Nesse sentido, consulte-se a lição de Roberto Dromi (1997, p. 766): “Si bien es verdad que en la
Constitución no hay un artículo que atribuya responsabilidad reparatoria por el daño ocasionado, hay
presupuestos fundamentales que consagran la reparación de los derechos ofendidos. Toda
responsabilidad reparatoria se funda sobre la ofensa de los derechos reconocidos y adquiridos: respeto a
los derechos adquiridos y de propiedad (art. 17), indemnización previa en la expropriación por utilidad
pública (art. 17); igualdad ante las cargas públicas (art. 16); seguridad y garantías individuales (arts. 18
y 43); garantía a la libertad (arts. 15 y 19); demandabilidad judicial del Estado (art. 116)
(CNFedCivCom, Sala III, 6/9/84, “Rey Serantes, Armando c/Banco Hipotecario Nacional, JA, 1985 -
II-491). Todo lo indicado sin perjuicio de los “derechos y garantías no enumerados, pero que nacen
del principio de la soberanía del pueblo y de la forma republicana de gobierno” (art. 33).”
5
Na doutrina estrangeira, Roberto Dromi (1997, p. 784 -785) e Jesús González Pérez (2006, p. 434)
são representativos dessa linha de entendimento. Na doutrina nacional, Cármen Lúcia Antunes Rocha
(1994) não indica expressamente esse requisito da antijuridicidade objetiva, mas se alinha à doutrina
estrangeira na abordagem do dano injusto, noção que remete à idéia de dano antijurídico (base da idéia
de antijuridicidade objetiva). Juarez Freitas (2005, p. 28) faz uso da expressão “lesão antijurídica”.
6
André Fontes (2001, p. 8), inspirado na doutrina produzida na Argentina, aponta os seguintes “fatores
objetivos de atribuição” (os “fatores subjetivos” apontados são a culpa e o dolo):
“No estado atual do conhecimento acerca dos fatores objetivos de atribuição, enumeram -se os
seguintes fenômenos: a) a solidariedade; b) a seguridade social; c) o risco criado; d) a eqüidade; e) a
garantia e tutela especial do crédito; f) igualdade dos ônu s públicos; g) seguro; h) critérios
econômicos.”

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sentido é que deve ser compreendida a afirmativa de Cármen Lúcia Antunes Rocha
(1994, p. 69) de que a essência do Estado de Direito “se expõe e se cumpre no princípio
da juridicidade administrativa combinado com o da responsabilidade do Estado”. Nessa
linha de raciocínio, afirma (1994, p. 97) que a antijuridicidade não reside “apenas no
exercício da competência regulamentar à margem, contra ou além da lei, mas também
na ausência de exercício desta competência, quando deva ela ser desempenhada e deixe
de sê-lo”.
J. J. Gomes Canotilho (1974, p. 13) destaca que o instituto da responsabilidade
civil “não se limita, no âmbito do direito público, a satisfazer as necessidades de
reparação e prevenção, à semelhança do que acontece no direito
civil”. E continua:
Como conquista lenta mas decisiva do Estado de direito,
responsabilidade estadual é, ela mesma, instrumento de legalidade. E
instrumento de legalidade, não apenas no sentido de assegurar a
conformidade ao direito dos actos estaduais: a indemnização por sacrifícios
autoritativamente impostos cumpre uma outra função ineliminável no
Estado de Direito Material – a realização da justiça material.

A par disso, convém observar que a própria teoria geral da responsabilidade


civil vem sendo questionada no sentido de uma possível reestruturação, conforme
adverte Regis Fichtner (2001, p. 18-19):

É facilmente perceptível [...] um processo de alargamento do


conceito de dano indenizável. No mundo contemporâneo, pede -se
indenização por situações que há pouco tempo pareceriam ao homem
médio risíveis. Vem-se restringindo o reconhecimento de casos fortuitos e
de força maior e ampliando o de responsabilidade. Para todo o dano, a
sociedade sente necessidade de encontrar um causador e obter dele uma
compensação para a vítima.
A causa dessa transformação é facilmente explicável. O
desenvolvimento tecnológico tem multiplicado a capacidade humana de
causar danos. A sociedade moderna e globalizada tem aumentado a sua
capacidade de produzir o efeito dominó, ou seja, a multiplicação de danos
em virtude de um mesmo fato.
Todas essas questões levam o investigador a questionar a
possibilidade de o Direito oferecer soluções para os cada vez mais
complexos problemas relacionados à responsabilidade civil
extracontratual, ainda com a utilização do modelo jurídico construído no
início do século XIX, ou se será necessário reformular o sistema, mediante
regras que ofereçam respostas mais adequadas ao atual estágio do
desenvolvimento social.

A adoção da antijuridicidade objetiva como fundamento essencial enseja um


aprimoramento da teoria geral da responsabilidade civil do Estado – o que é
fundamental para a solução dos casos mais difíceis, inclusive quando se trata de danos
que são imputados ao Poder Judiciário. Nessa nova perspectiva, a antijuridicidade

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objetiva é, simultaneamente, fundamento e pressuposto para a configuração da


responsabilidade estatal.
Diante da passagem do modelo subjetivista para o modelo da responsabilidade
objetiva, esse fundamento (a antijuri dicidade) se desloca: afasta-se da conduta e migra
para o resultado (o dano injusto). É por isso que, no modelo objetivista, não importa se
a conduta foi contrária ao direito, se foi neutra ou até se foi uma conduta avaliada de
forma positiva pelo ordename nto jurídico (seria o caso de um bombeiro que, atuando
de forma heroica, arrisca sua vida para salvar uma criança, porém causando danos ao
apartamento do vizinho, por ter sido necessário quebrar uma janela de vidro para se
deslocar durante sua missão): em todos os casos, se houver dano injusto, haverá o dever
de indenizar.
Note-se que o entendimento segundo o qual a responsabilidade objetiva
comporta uma análise da antijuridicidade objetiva encontra respaldo já em Hans
Kelsen (1998, p. 140), que comenta a dicotomia entre a “responsabilidade pela culpa
e pelo resultado”:
Quando a sanção não é dirigida contra o delinquente, mas – como
no caso da responsabilidade coletiva – contra um outro indivíduo que está,
com o delinquente, numa relação pela ordem jurídica determinada, a
responsabilidade tem sempre o caráter de uma responsabilidade pelo
resultado. Com efeito, não existe qualquer relação íntima entre o indivíduo
que responde pelo ilícito e o evento, segundo a ordem jurídica indesejável,
produzido ou não impedido pela conduta de outrem. O sujeito da
responsabilidade não precisa ter previsto ou intencionalmente visado esse
evento. Mas é perfeitamente possível que a ordem jurídica apenas estatua a
responsabilidade por um ilícito praticado por outrem quando o ilíc ito
tenha sido cometido culposamente pelo delinquente. Então, a
responsabilidade tem o caráter de responsabilidade pela culpa, em relação
ao delinquente, e o caráter de responsabilidade pelo resultado, em relação
ao objeto da responsabilidade.

A sistematização em torno da antijuridicidade objetiva permite que se possa


identificar o fato ilícito como pressuposto para a existência do dever de indenizar.
Deve-se observar, porém, que, na responsabilidade objetiva, basta o fato objetivamente
ilícito; por outro lado, na responsabilidade subjetiva, não basta o fato objetivamente
ilícito, mas faz-se necessária a presença ainda do ato subjetivamente ilícito (praticado
em desconformidade com o direito).

Essa mudança de paradigma para se compreender a respo nsabilidade civil do


Estado permite que o jurista possa enfrentar, com segurança e melhor instrumental
teórico, questões como a que foi proposta anteriormente: como diferenciar os casos

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Fundamentos da Responsabilidade Civil do Estado

de danos causados em legítima defesa dos casos em que o dano decorre d e atuação do
agente público em estado de necessidade?

A percepção da responsabilidade civil do Estado como um mecanismo que


integra o sistema constitucional de defesa dos direitos fundamentais, nos leva a
identificar na antijuridicidade objetiva (identificada com o dano injusto) o fundamento
central do dever estatal de indenizar as vítimas dos atos praticados por seus agentes,
por ação ou omissão. Sob essa ótica é possível constatar que, na legítima defesa
praticada pelo agente público, não há que se falar em dever de indenização pelo
Estado, porque, a rigor, quem deu causa ao evento deletério foi o autor da agressão
injusta, que terá o dever de suportar o dano causado pelo agente público que, de forma
proporcional, agiu em sua própria e legítima defesa. Dif erente será a situação daquele
que for vítima de danos perpetrados pelo agente público em estado de necessidade. É
que, neste último caso, a vítima não terá o dever de suportar os danos causados pelo
agente público, tendo em vista que o lesado não teve qua lquer contribuição causal
para o resultado deletério. É o caso, por exemplo, de algum transeunte que venha a
ser atingido por disparos de armas de policiais que, durante uma perseguição de
assaltantes, venham a ser disparados em uma troca de tiros. O trans eunte não é injusto
agressor do policial e, portanto, falta o requisito da injusta agressão para a situação se
caracterizar como legítima defesa, caracterizando -se tal hipótese como estado de
necessidade, diante do perigo criado por terceiros (os assaltant es).

É possível também se constar que, quando se trata de responsabilidade civil do


Estado por omissão, os fundamentos clássicos deixam a desejar quanto à
fundamentação adequada do dever do Estado de indenizar o lesado. Afinal, como se
assentar sobre a justa repartição dos encargos sociais, sobre a igualdade ou sobre a
teoria do risco administrativo o dever estatal de reparar o dano que foi causa do
diretamente por terceiro ou por fato da natureza e, apenas não foi evitado pelo Estado,
em razão da omissão?

Nos casos de responsabilidade omissão, somente se afigura legítima a


imputação do dever de indenização ao Estado quando este se apresenta como garantidor
do direito fundamental violado por terceiro ou por fato da natureza. A posição do
Estado de garantidor estará configurada em três hipóteses: a) quando o ordenamento
jurídico assim estabelece (é o caso, por exemplo, da garantia da integridade física e
mental dos presos, conforme previsto expressamente no art. 5º,

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inciso XLIX, da CRFB/88); b) quando o Estado assumiu, por declaração unilateral de


vontade ou por contrato, o dever de zelar pela proteção do direito violado; c) quando
criar situação que coloque em risco o direito fundamental violado.

Nesses casos de omissão, o fundamento da responsabilidade civil estatal está


na posição de garantidor dos direitos fundamentais que o Estado assume por dever
constitucional. Mas qual o limite desse dever de proteção? É um dever de proteção total,
ilimitado? É um dever mínimo de proteção? A melhor resposta apresentada até o
momento pela doutrina está em encontrar o ponto de equilíbrio na proporcionalidade:
o dever de proteção deverá ser proporcional. Nesse sentido, deve - se entender a
proporcionalidade não apenas como proibição de excessos, mas sobretudo como
vedação de proteção insuficiente.

CONCLUSÃO

Conforme foi explicitado ao longo do texto, o conhecimento dos fundamentos


da responsabilidade civil terá maior relevância para a decisão dos casos difíceis,
quando a solução não é óbvia. Os fundamentos são importantes nesses casos porque
a fundamentação da decisão judicial deverá invocá -los na aferição da legitimidade da
condenação do Estado a reparar danos por conduta comissiva ou omissiva de seus
agentes.
A doutrina pátria, em linhas gerais, limita-se a invocar a igualdade, a justa
repartição dos encargos sociais e a teoria do risco administrativo para as hipóteses de
responsabilidade civil por atos lícitos; nos casos de atos ilícitos, é apontado o princípio
da legalidade. Ocorre que, na atualidade, diante da diversidade de situações em que o
Estado pode ser demandado por danos causados a terceiros, inclusive por omissão de
seus agentes, é possível constatar que as teorias e os princípios tradicionalmente
invocados mostram-se insuficientes para esclarecer e dar subsídios para a solução de
casos com maior complexidade jurídica.
Na revisão e na atualização dos fundamentos da responsabilidade civil do
Estado na atualidade não se pode olvidar do fato de que a própria responsabilidade civil
estatal constitui um mecanismo que integra o sistema de defesa dos direitos
fundamentais, encontrando seu fundamento de validade não apenas na regra matriz
constitucional (art. 37, § 6º, da CRFB/88), mas principalmente nas próprias normas que

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Fundamentos da Responsabilidade Civil do Estado

disciplinam os direitos fundamentais – que o Estado tem o dever de respeitar e também


o dever de proteger de forma suficiente. Nessa linha de raciocínio, conclui-se que o
fundamento jurídico central para se reconhecer a responsabilidade civil do Estado na
atualidade está na antijuridicidade objetiva, no dano injusto - que pode ser
caracterizado como uma situação deletéria que o lesado não tem o dever de suportar.
Nos casos de responsabilidade civil por omissão, é preciso identificar a
posição do Estado de garantidor do direito fundamental violado para que se justifique
o reconhecimento de seu dever de indenizar. A posição de garantidor, para o Estado,
existirá sempre que houver previsão legal expressa, declaração unilateral ou contrato
ou criação de risco que coloque o direito fundamental exposto à lesão. A análise da
posição de garantidor do Estado deverá levar em conta a proporcionalidade – não
apenas enquanto proibição de excesso, mas sobretudo como proibição de proteção
insuficiente.

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