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RESUMO:
O brincar na prática clínica vai muito além da diversão conceituado pelo dicionário, na visão
de psicanalistas é o modo pela qual a criança se expressa, um ato rico em verdades. O brincar
é carregado de sentidos e de sentimentos como medo, angústia, tristeza, raiva, felicidade e
esperança, é uma das vias pela qual a criança expressa suas fantasias e desejos de maneira
simbólica. A pesquisa a seguir foi elaborada a partir de uma revisão narrativa de literatura
psicanalítica. Melanie Klein, Anna Freud, Aberastury e Winnicott foram alguns dos grandes
psicanalistas contribuintes para a construção e estruturação da clínica psicanalítica com
crianças. No atendimento com crianças o brincar se torna técnica e por meio dela o sujeito vive
e revive suas experiências, há a criação de um espaço imaginário, um ato livre e sem obrigações.
Com o brincar da criança dentro da clínica psicanalítica é possível estabelecer o rapport, o sigilo
e outros aspectos importantes na análise. Para além do analista, o setting também faz parte do
brincar. Há uma gama de brinquedos que podem ser utilizados na clínica podendo ser eles
estruturados ou não estruturados. Por meio desta revisão teórica foi possível discorrer sobre a
importância do ato de brincar na clínica com crianças, por ser uma técnica rica em conteúdo
inconsciente, experiências e sentimentos além de ser uma via pela qual o paciente elabora seus
traumas e conflitos. A eficácia do brincar se confirma nos casos apresentados por autores que
estudaram o tema e dentro da prática clínica. O brincar vai além de uma mera aplicação de
técnicas, é uma permissão da criança interior do analista, um trabalho dual que se dá pela
transferência, um ato livre, complexo e sigiloso que permite a expressão, um espaço-tempo para
exercer liberdade de ser.
Palavras-chave: criança, brinquedos, psicanálise.
INTRODUÇÃO
A psicoterapia infantil se dá, entre outras técnicas, pela via do brincar entre o paciente
e o terapeuta. Para FULGENCIO (2006) “o objetivo do brincar, em essência, não é o riso ou o
prazer. Isso é secundário em relação à necessidade de ser e continuar sendo, que se realiza pelo
gesto espontâneo próprio ao brincar”. O brincar na prática clínica vai muito além do divertir
conceituado pelo dicionário. Na perspectiva de psicanalistas o brincar é um ato rico em
verdades.
A criança que brinca na análise exerce segundo SCHMIDT (2014) “sua imaginação e
seu mundo “faz de conta”, e nesse processo elabora aspectos frustrantes da realidade,
transforma algo passivo em ativo, aprende a compartilhar e a experimentar um contato social”.
O brincar é carregado de sentidos, de sentimentos como medo, angústia, tristeza, raiva,
felicidade e esperança, é uma das vias pela qual a criança expressa suas fantasias e desejos de
maneira simbólica.
METODOLOGIA
Esta pesquisa foi elaborada a partir de uma revisão narrativa de literatura psicanalítica
com base em livros clássicos pertinentes a psicanálise, psicoterapia e psicologia.
DISCUSSÃO
Partindo da ideia de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, de que
linguagem estamos falando sendo o sujeito aquele que não senta no divã para falar abertamente
sobre os seus traumas? Para SOMMERHALDER (2004) “o homem não cessa de falar do que
lhe escapa”. Qual é a linguagem das crianças?
Os primeiros brinquedos surgiram por volta do séc. XIX, e eram produzidos por fábricas
de estanho e de madeira, sendo assim inicialmente de mão de obra caseira. Sua função logo
após a criação era para a decoração de casas e para auxiliar o deleite de crianças. Com a
industrialização e comercialização do brinquedo, passou então a ser elaborado por profissionais
especialistas.
De acordo com MRECH (2002), “o uso da atividade lúdica como uma das formas de
revelar os conflitos interiores das crianças foi, sem dúvida, uma das maiores descobertas da
Psicanálise”. Na clínica o brincar é uma técnica valiosa que depende da presença na
transferência do paciente e do analista sendo assim considerada uma relação entre o paciente e
o seu inconsciente.
Sobre os escritos de Anna Freud frente a psicanálise com crianças afirma SCHMIDT
(2014), “a autora entendia o brincar como atividade expressiva, não representativa, e, portanto,
não simbólica, uma vez que o simbolismo se ligava ao reprimido, segundo concepção da
época.” Ressalta ainda que os objetos de amor do sujeito estão presentes no real e não no
imaginário, uma informação importante no que diz respeito à condução e conhecimento do
analista referente a análise com crianças.
Melanie Klein realiza assim como Anna Freud importantes contribuições sobre o
brincar e a psicanálise com crianças. Segundo FULGENCIO (2008) “sua teoria do brincar
ocupa um lugar fundamental, como meio pelo qual o método psicanalítico ampliou seu poder
de resolução de problemas clínicos.” Rita era paciente de Klein, tinha dois anos e nove meses.
Conforme SCHMIDT (2014), “Klein sentiu muita dificuldade em seguir o modelo clássico da
psicanálise com adultos, pois Rita falava muito pouco e no início da análise limitava-se a brincar
com sua boneca”. A análise de Rita só foi possível através da brincadeira.
O rapport entre o analista e paciente pode ser estabelecido por meio do brincar,
Winnicott acreditava que por meio do lúdico é possível estabelecer um ambiente de confiança.
Ainda na ótica de Winnicott sobre o brincar segundo FELICE (2003), “é uma forma básica de
viver, universal e própria da saúde, que facilita o crescimento e conduz aos relacionamentos
grupais.
Para REGHELIN (2008), “não cabe a nós impedir que eles expressem tais atitudes e
sim, entendermos o motivo que os leva a agir dessa maneira para interpretar no momento
devido.” Para fins de descrição o ideal é que o analista tenha móveis resistentes, um piso
lavável, mesa e cadeiras, um lavatório e se o profissional julgar pertinente um espelho onde a
criança possa se ver de corpo inteiro. Um setting não é um espaço ideal para que o sujeito exerça
sua criatividade e liberdade.
Conforme FRANCO (2003), “se não for possível experimentar este estado de
relaxamento, esta condição de aprendizado ativamente passiva, ativamente expectante, de fato
não há aprendizado algum: o analista não aprende, o paciente tampouco.” Na visão de
Aberastury o mesmo brinquedo ou brincadeira pode possuir diferentes significados. Os
brinquedos disponibilizados podem ser estruturados ou não estruturados, guardados em um
armário ou em caixas individuais. O uso da caixa de brinquedos individual é uma proposta da
autora Aberastury.
Já LEITE (2016) menciona “os jogos eletrônicos, vídeo games e tablets, principalmente,
vêm ganhando destaque ao longo dos anos e se tornando os favoritos das crianças. Alguns
profissionais da área psi iniciaram estudos relativos ao uso”. Estudos sobre o tema estão mais
voltados para a área comportamental, as consequências do uso demasiado e poucos nos
malefícios ou benefícios do uso na clinica. De acordo com a autora, “é preciso que fique claro
que, embora não se enquadre na proposta tradicional, o uso de novas tecnologias pode auxiliar
o terapeuta, o psicólogo ou o psicanalista a entender e manejar alguns comportamentos dos
pacientes”.
Diante disto, faz-se necessário a produção de mais pesquisas sobre o tema. Alguns
autores afirmam que os brinquedos devem ficar a mostra sem que o analista apresente ou
escolha os materiais. No que se refere a escolha do brinquedo significa segundo REGHELIN
(2008), “através da escolha de um brinquedo da caixa individual (do mundo interno), o paciente
apresenta ao analista o seu inconsciente, onde ele tem que ser empático, compreendê-lo e
interpretar através do jogo espontâneo.” A escolha dos brinquedos e brincadeiras deve ser livre
e sem a interferência do analista.
Cabe ressaltar ainda, que a escolha pode refletir na fase do desenvolvimento
psicossexual em que o paciente se encontra. Na fase oral exemplifica REGHLIN (2008) “as
crianças costumam brincar com mamadeiras, cuidam de bonecos, utilizam histórias de
dependência”. Na fase anal há brincadeiras com conteúdos sádicos, brinquedos de guerra,
soldados e os que sujam. A rivalidade, as armas e os conflitos se apresentam nas brincadeiras
na fase fálica.
A liberdade para brincar e ser da criança deve ser resgatada como afirma MRECH
(2002)” para que ela deixe de ser objeto dos desejos e necessidades dos adultos, para se
investigar como ela pensa, sente, percebe o mundo à sua volta”. O sigilo também pode ser
tratado no ato de brincar ao final da sessão, onde os brinquedos são guardados na caixa em
conjunto com o paciente.
CONSIDERAÇÕES
O brincar e o brinquedo apresentado neste artigo assume uma forma de recurso para o
conhecimento do inconsciente na prática da clínica psicanalítica. A visão construída da
sociedade de um sujeito que virá a ser e não a miniatura de um outro contribuiu para que hoje
pudéssemos usufruir dos mais diversos brinquedos e brincadeiras.
A eficácia do brincar se confirma nos casos apresentados por autores que estudaram o
tema e dentro da prática clínica. Pela via do brincar segundo FULGENCIO (2008), “a
interpretação, reveladora da fantasia inconsciente, tinha o poder de fazer com que a criança
diminuísse, por assim dizer, seu grau de fixação a essa fantasia inconsciente e aos objetos
(pessoas) a ela associada”.
O ato de brincar é uma ponte de comunicação, o objeto transicional para a palavra, pode
assumir a posição de objeto de alteridade, auxilia a criança a subjetivar-se, a ser e comunicar.
O brincar vai além de uma mera aplicação de técnicas, é uma permissão da criança interior do
analista, um trabalho dual que se dá pela transferência, um ato livre, complexo e sigiloso que
permite a expressão.
REFERÊNCIAS
FELICE, Eliana Marcello de. O lugar do brincar na psicanálise de crianças. Psicol. teor. prat.,
São Paulo , v. 5, n. 1, p. 71-79, jun. 2003 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
36872003000100006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 28 out. 2020.
FRANCO, Sérgio de Gouvêa. O brincar e a experiência analítica. Ágora (Rio J.) , Rio de
Janeiro, v. 6, n. 1, pág. 45-59, junho de 2003. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
14982003000100003&lng=en&nrm=iso>. acesso em 28 de outubro de 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-14982003000100003.
FULGENCIO, Leopoldo. O brincar como modelo do método de tratamento psicanalítico. Rev.
bras. psicanál, São Paulo , v. 42, n. 1, p. 123-136, mar. 2008 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-
641X2008000100013&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 28 out. 2020.
LEITE, Renata Franco. Caixa lúdica e novas tecnologias. Estud. psicanal., Belo Horizonte , n.
45, p. 145-148, jul. 2016 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
34372016000100015&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 29 out. 2020.
SCHMIDT, Marília Bordin; NUNES, Maria Lúcia Tiellet. O brincar como método terapêutico
na prática psicanalítica: Uma revisão teórica. Revista de Psicologia da IMED, v. 6, n. 1, p. 18-
24, 2014. Disponível em
https://seer.imed.edu.br/index.php/revistapsico/article/download/404/401 acesso em 27 de
outubro de 2020.