Galoa Proceedings Compos 2019 133257
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XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019
Resumo: Este estudo busca analisar campanhas de desinformação em mídias sociais. O objetivo
geral é explorar estratégias de circulação e legitimação da desinformação na esfera
pública em mídias sociais. Dois conjuntos de dados de conversações políticas
durante as eleições brasileiras de 2018 são analisados. Utiliza-se Análise de Redes
Sociais como método. Os principais resultados são: mídias partidárias e líderes de
opinião são cruciais para legitimar a desinformação; ambos também são
importantes para sua circulação, já que possuem grande visibilidade nas mídias
sociais; outros usuários, quando em câmaras de eco, também auxiliam na circulação
de desinformação ao compartilhar o conteúdo de mídias partidárias e líderes de
opinião; por fim, hashtags também são utilizadas com o objetivo de aumentar a
circulação de desinformação.
Abstract: This study aims to analyze disinformation campaigns on social media. It seeks to explore
the strategies to spread and legitimate disinformation on social media public sphere.
Two datasets of political conversations during the 2018 Brazilian presidential
elections are analyzed. Social Network Analysis is used as a method. The main
findings are: partisan media and opinion leaders are crucial in disinformation
legitimation; they both are also important to spread disinformation because of their
visibility on social media; other users within echo chambers also helps to spread it
by sharing content from partisan media and opinion leaders; hashtags are also used
in order to increase disinformation circulation.
1. Introdução
A eleição presidencial brasileira em 2018, em que Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal
– PSL) saiu vencedor, foi dotada de controvérsias. Luís Inácio Lula da Silva (Partido dos
Trabalhadores - PT), ex-presidente do país (2003-2010) e uma das figuras mais fortes da
esquerda no âmbito político, liderava as pesquisas3 quando foi impedido de concorrer em
1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Cibercultura do XXVIII Encontro Anual da
Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2018.
2
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), felipebsoares@hotmail.com.
3
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/lula-lidera-intencoes-de-voto-seguido-por-bolsonaro-aponta-
pesquisa-cnt.shtml.
1
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função de sua condenação por corrupção4. Fernando Haddad (PT) assumiu em seu lugar e
acabou derrotado no segundo turno para Bolsonaro, que é conhecido por suas posições e
declarações polêmicas5. Além disso, a campanha de Bolsonaro também foi acusada de
disseminar informações falsas6 em uma eleição que chamou a atenção pelo alto número de
conteúdo falso ou manipulado que circulou em mídias sociais7.
Contextos de desinformação se proliferam por todo o mundo, muitas vezes
impulsionados por mídias partidárias, que dizem contrapor a imprensa tradicional com versões
alternativas dos fatos (BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018; SOON & GOH, 2018;
LARSSON, 2019). Neste sentido, pretende-se explorar as estratégias utilizadas para disseminar
e legitimar desinformação na esfera pública em mídias sociais. Em específico, adota-se o
Twitter8 como plataforma observada e são analisadas conversações em duas datas importantes
durante as campanhas eleitorais de 2018: a) 28 de setembro, quando a Veja publicou acusações
da ex-mulher de Bolsonaro contra o então candidato; e b) 18 de outubro, quando a Folha de S.
Paulo divulgou esquema de Caixa 2 na campanha de Bolsonaro utilizado para disseminar
informações contra o PT. A escolha destes eventos se dá em função da presença de mídias
partidárias que diziam apresentar uma verdade alternativa ao que era divulgado pela imprensa
tradicional. Assim, é possível observar de maneira mais ampla as estratégias utilizadas na
campanha de desinformação e como isto afeta a esfera pública em mídias sociais.
4
https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/31/maioria-dos-ministros-do-tse-vota-pela-
rejeicao-da-candidatura-de-lula.ghtml.
5
https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/as-frases-polemicas-de-jair-bolsonaro/.
6
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-
whatsapp.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha e
https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/das-123-fake-news-encontradas-por-agencias-de-checagem-104-
beneficiaram-bolsonaro/.
7
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45666742 e https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/medir-
impacto-de-fake-news-nas-eleicoes-e-dificil-diz-chefe-de-missao-da-oea.shtml.
8
www.twitter.com.
2
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conteúdo que reforça o posicionamento da câmara de eco da qual fazem parte, fortalecendo a
posição única dentro do grupo (SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018).
Câmaras de eco e grupos políticos isolados são espaços que favorecem a circulação de
desinformação e facilmente formam uma percepção de falso consenso (SOON & GOH, 2018).
Por desinformação, entende-se a produção e o compartilhamento de conteúdo falso ou
manipulado com a intenção de afetar a esfera pública (BENKLER, FARIS & ROBERTS,
2018). A intencionalidade da desinformação a diferencia, por exemplo, de erros em coberturas
jornalísticas, que também podem afetar a esfera pública. Em inglês, utiliza-se o termo
disinformation para a primeira (intencional) e misinformation para a segunda (não intencional)
(BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018).
Entre os atores que propagam desinformação, há destaque para mídias partidárias, isto é,
veículos jornalísticos ou que aparentam produzir jornalismo, mas que compartilham
intencionalmente informações falsas ou manipuladas. Estes veículos são normalmente nativos
digitais e costumam apresentar seu conteúdo como uma “verdade” alternativa, que não é
abordada pelo jornalismo tradicional (LARSSON, 2019).
Em contextos de conversações políticas com formação de câmara de eco e grande
circulação de desinformação, há o risco de formação de polarização assimétrica (BENKLER,
FARIS & ROBERTS, 2018). Esta ocorre quando um dos grupos que faz parte da conversação
se isola do resto da rede (como as câmaras de eco) e tem um consumo midiático enviesado,
especialmente baseado em mídias partidárias. Assim, enquanto há maior diversidade no resto
da rede, o grupo isolado possui uma narrativa própria e é hostil a posições adversas.
Naturalmente, este tipo de formação estrutural também é prejudicial para a esfera pública, já
que limita a visibilidade e enfraquece a discussão, especialmente no grupo “assimétrico”.
4. Metodologia
Os dados utilizados neste estudo foram extraídos do Twitter por meio do Social Feed
Manager9. Foram coletados tweets com a palavra-chave “Bolsonaro” durante todo o período
de campanha eleitoral no Brasil (agosto-outubro de 2018). A coleta dos dados foi realizada
diariamente, uma vez por hora. Destes dados, foram filtrados os conjuntos de dados de duas
datas para análise. Em função do objetivo de analisar a propagação e a legitimação da
desinformação, as datas escolhidas para a análise foram: 28 de setembro de 2018, quando a
9
https://library.gwu.edu/scholarly-technology-group/social-feed-manager.
5
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10
https://veja.abril.com.br/politica/ex-mulher-acusou-bolsonaro-de-ocultar-patrimonio-da-justica-eleitoral/.
11
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-
whatsapp.shtml.
6
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TABELA 1
Dados das redes analisadas
Assumindo que as mídias partidárias podem ser fontes de desinformação, após identificar
os grupos formados na conversação, serão identificados os 20 veículos jornalísticos (incluindo
mídias partidárias) com maior grau de entrada em toda a rede. Em seguida, serão identificados
os grupos aos quais estes veículos pertencem e as mensagens que produzem (por meio do tweet
com maior RT nos dados analisados). Por fim, identificando-se a tendência de produção de
desinformação no(s) grupo(s), os 20 nós com maior indegree deste(s) grupo(s) também serão
identificados, assim como suas mensagens mais compartilhadas e o conteúdo destas será
analisado.
5. Resultados
Abaixo são apontados os resultados da análise dos dois conjuntos de dados de acordo
com os aspectos elencados na metodologia.
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A maioria dos veículos com alto indegree faz parte do grupo verde (TAB. 2). Dentre eles,
está a Veja, que é o nó de maior grau de entrada da rede (incluindo outros tipos de usuários),
veículo responsável pela denúncia contra Bolsonaro. Ainda aparecem entre os nós do módulo
verde outros veículos tradicionais, como Folha de S. Paulo, Estadão, G1 e O Globo. No grupo
fúcsia, por outro lado, estão apenas quatro (dos 20) veículos identificados – todos eles nativos
digitais.
TABELA 2
Distribuição de veículos de mídia em 28 de setembro
De modo geral, os tweets dos veículos de mídia que fazem parte do grupo verde
reverberam a notícia da Veja. Mesmo veículos com linhas editoriais associadas à esquerda,
como a Carta Capital e o Diário do Centro do Mundo, dão destaque ao escândalo envolvendo
Bolsonaro de forma semelhante aos outros jornais. Alguns exemplos:
@VEJA: EXCLUSIVO: Em um processo de mais de 500 páginas, às quais VEJA
teve acesso, ex-mulher acusa Bolsonaro de furtar cofre, ocultar patrimônio, receber
pagamentos não declarados e agir com 'desmedida agressividade'12
@folha: Ex-mulher acusou Bolsonaro de furto de cofre e agressividade 13
12
https://twitter.com/veja/status/1045501217995149312.
13
https://twitter.com/folha/status/1045516958249222154.
8
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14
https://twitter.com/DCM_online/status/1045512878692929538.
15
https://twitter.com/cartacapital/status/1045610325486292992.
16
https://twitter.com/RenovaMidia/status/1045638474316107776.
17
https://twitter.com/PolitzOficial/status/1045636741539999745.
18
https://twitter.com/conexaopolitica/status/1045599242964873217.
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TABELA 3
Usuários com maior grau de entrada, módulo fúcsia, 28 de setembro
Em suas mensagens, alguns dos usuários diminuem a importância das acusações. Roger
Moreira e Janaína Paschoal inclusive acusam o PT e seus membros de ações mais graves do
que o escândalo envolvendo Bolsonaro. Os usuários também buscam, por meio do menosprezo
pelas acusações, questionar a qualidade dos veículos e sugerir parcialidade. Alguns exemplos:
@roxmo: A menos que descubram que Bolsonaro roubou o país em bilhões, meteu
os brasileiros no comunismo, financiou ditadores pelo mundo e deixou os filhos
milionários, meu voto ainda é dele. Não tem como votar num laranja banana de um
presidiário. Tenho vergonha na cara.21
@roxmo22: Ex-mulher acusou Bolsonaro de furto de cofre e agressividade // Estavam
brigando pela guarda do filho. Alguém viu o que ele alega sobre ela? Está ficando
feio, @folha. Lembra que o molusco acusou a mulher dele de ter feito negócios sem
que ele soubesse?23
@JanainaDoBrasil: Infernizam a vida de Bolsonaro por tudo e qualquer coisa, mas
ninguém vai perguntar para Haddad o que José Dirceu quis dizer ao diminuir a
19
Leandro Ruschel é tratado como pessoa pública por sua atuação no período de campanha, já que foi uma das
principais vozes na disseminação de conteúdo contrário ao uso das urnas eletrônicas.
20
Foram classificados como comentadores políticos aqueles usuários que não são jornalistas, mas escrevem para
veículos de mídia, especialmente colunas de opinião.
21
https://twitter.com/roxmo/status/1045513552189108225.
22
Como Roger Moreira foi o usuário com maior indegree no grupo e teve duas mensagens com bastante
circulação, optou-se por incluir as duas na análise.
23
https://twitter.com/roxmo/status/1045706030917853184.
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importância das eleições, dado que tomarão o poder de qualquer jeito. Haddad precisa
explicar o que significa "Tomar o Poder"!24
@usuário2: É impressão minha ou as únicas coisas que acharam contra Jair
Bolsonaro até agora foi umas tretas conjugais? Nossa que malvadão este capitão!!!!
Será que ninguém na Veja foi casado ou casada? #Veja600Milhões
Ainda que menções aos veículos jornalísticos que divulgaram o escândalo já apareçam
nas mensagens acima, como destaque para o @usuário2 que utiliza #Veja600Milhões, o
discurso produzido por outros usuários centrais do módulo fúcsia tem foco ainda maior em
questionar a confiança nos veículos tradicionais – especialmente na Veja. A hashtag que acusa
a revista de receber propina para difamar Bolsonaro aparece também nestas mensagens.
@BolsonaroSP: O sistema contra-ataca contra Bolsonaro criando factóides para jogar
as mulheres contra ele. Isso é um bom sinal, representa a realidade de eleição no 1º
turno. O que não é um problema não deve ser tratado como problema.25
@leandroruschel: A matéria da Folha contra Bolsonaro foi assinada pela filha do
secretário de comunicação do PT. A matéria da Veja contra Bolsonaro é assinada por
um notório esquerdista radical, conforme pode ser visto nas suas declarações públicas
nas redes sociais.26
@Smith_Hays: A Veja pegou, usando propina e de forma 100% ilegal, um processo
sigiloso em que Bolsonaro é o AUTOR, para acusá-lo de coisas GRAVÍSSIMAS em
que não há nenhum outro processo sobre. A Veja praticou um CRIME DE LESA-
PÁTRIA! Não resta dúvida de quem recebeu: #VEJA600MILHOES27
Percebe-se que os usuários com maior centralidade no módulo fúcsia reproduzem
discurso bastante semelhante do produzido pelos veículos partidários – com foco principal em
mostrar uma verdade alternativa ao jornalismo tradicional e classificar este como tendencioso
(BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018; LARSSON, 2019). Da mesma forma, identifica-se
que os usuários com maior centralidade, que podem ser considerados líderes de opinião
(SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018), são aqueles que reforçam o posicionamento
predominante no grupo, mantendo uma narrativa pró-Bolsonaro e fortalecendo a estrutura de
câmara de eco (SUNSTEIN, 2001). Para isso, líderes de opinião e mídias partidárias
minimizam a importância das acusações, questionam a qualidade do jornalismo realizado pela
revista Veja e outros veículos tradicionais e atuam no espalhamento de hashtags de ataque à
Veja. Todas estas estratégias são dependentes do uso de desinformação, manipulando
informações e alterando o foco da discussão (para minimizar a relevância do escândalo) e
24
https://twitter.com/janainadobrasil/status/1045635809062400000.
25
https://twitter.com/bolsonarosp/status/1045647664304541696.
26
https://twitter.com/leandroruschel/status/1045675172156633088.
27
https://twitter.com/Smith_Hays/status/1045602131594678272.
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utilizando acusações falsas para indicar que a Veja não é confiável, como o suposto
recebimento de 600 milhões de reais em propina.
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TABELA 4
Distribuição de veículos de mídia em 18 de outubro
Apesar de ter sido o veículo responsável por acusar Bolsonaro de uso de Caixa 2 para
disparar mensagens contra o PT, a Folha de S. Paulo aparece apenas como segundo maior
indegree. Isto ocorre porque a principal mensagem do veículo no Twitter, que dá destaque ao
escândalo, não utiliza o nome do político, de forma que não entra no dataset analisado (visto
que a palavra-chave utilizada na pesquisa foi “Bolsonaro”):
@folha: Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp28
Ainda assim, a Folha de S. Paulo tem alto grau de entrada em função de outras
mensagens que também mencionam Bolsonaro (exemplo abaixo). Já os outros veículos, em
sua maioria, repercutem a acusação realizada pela Folha de S. Paulo e seus desdobramentos no
cenário eleitoral, como se pode observar nos exemplos:
@folha: Câmara pagou voos para filho de Bolsonaro treinar tiro em Santa Catarina29
@MidiaNINJA: Você, não gosta do Bolsonaro mas de repente recebeu uma
mensagem no seu whatsapp de um nº que você nem conhece com informações sobre
o candidato? Se você não deu seu nº para ninguém e não autorizou esse tipo de
mensagens, o que estão fazendo é crime eleitoral! #Caixa2doBolsonaro30
28
https://twitter.com/folha/status/1052800706065944577.
29
https://twitter.com/folha/status/1052811776625061888.
30
https://twitter.com/MidiaNINJA/status/1052910717316272130.
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@UOLNoticias: Haddad diz que Bolsonaro deixa rastro e cogita pedir prisão por ação
ilegal #UOLnasUrnas #InformacaocontraoAchismo31
@exame: PDT prepara ação para anular eleições após denúncia contra Bolsonaro32
@VEJA: Haddad e partido de Ciro irão à Justiça para cassar chapa de Bolsonaro33
Os veículos do módulo fúcsia, por sua vez, acabam relativizando as acusações, como
na mensagem da Jovem Pan, que em coluna de opinião acusa a imprensa de imparcialidade, e
no tweet da Renova Mídia, que compara os gastos com campanha (Caixa 2 não é contabilizado
nos gastos oficiais), adotando a manipulação de informações como estratégia de
desinformação. O Antagonista, veículo com maior indegree no grupo, dá visibilidade
principalmente para declarações em que Bolsonaro critica o PT, como forma de desqualificar
a acusação que recebe.
@o_antagonista: Bolsonaro: “Apoio voluntário é algo que o PT desconhece”.34
@o_antagonista35: Bolsonaro: “O PT não está sendo prejudicado por fake news, mas
pela verdade”.36
@RenovaMidia: PT pediu ao TSE que declare a inelegibilidade do seu adversário
Jair Bolsonaro (PSL) por abuso de poder econômico. Até o momento, Haddad já
gastou mais de 30 milhões na campanha, enquanto Bolsonaro menos de 400 mil.37
@conexaopolitica: ÚLTIMAS: Haddad espalha fake news: “Folha comprova que
Bolsonaro criou organização criminosa”; a informação é falsa.38
@JovemPanNews: OPINIÃO - Felipe Moura Brasil: Parcialidade da imprensa contra
Bolsonaro só fortaleceu sua candidatura | @BlogDoPim 39
Novamente, o que se vê é que veículos do módulo verde repercutem a denúncia
realizada pela Folha de S. Paulo, enquanto aqueles que fazem parte do grupo fúcsia buscam
diminuir a relevância da notícia, inclusive questionando a qualidade do trabalho da imprensa
tradicional. Entende-se, portanto, que o grupo fúcsia é aquele que tem tendência a se engajar
em campanha de desinformação. Além disso, mais uma vez, a estrutura encontrada sugere a
formação de polarização assimétrica (BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018). Sendo assim,
os 20 usuários com maior grau de entrada no módulo fúcsia (TAB. 5) e suas mensagens são
analisados em busca de estratégias para espalhamento de desinformação.
31
https://twitter.com/UOLNoticias/status/1052965172472631296.
32
https://twitter.com/exame/status/1052960509727842305.
33
https://twitter.com/VEJA/status/1052978813590736896.
34
https://twitter.com/o_antagonista/status/1052977928278081536.
35
Uma vez mais, optou-se por reproduzir duas mensagens de um usuário em função de sua centralidade no grupo
e da circulação dividida em mais de um tweet.
36
https://twitter.com/o_antagonista/status/1052987194045059072.
37
https://twitter.com/RenovaMidia/status/1052722190460903426.
38
https://twitter.com/conexaopolitica/status/1052982296859607042.
39
https://twitter.com/JovemPanNews/status/1052910929342545920.
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TABELA 5
Usuários com maior grau de entrada, módulo fúcsia, 18 de outubro
As mensagens de Felipe Moura Brasil, usuário com maior indegree no grupo fúcsia,
são basicamente reproduções dos tweets dos veículos de mídia citados acima, acusando a
imprensa de parcialidade, afirmando que o PT só é prejudicado pela verdade e que Haddad
espalhou “fake news” ao acusar Bolsonaro a partir da reportagem da Folha de S. Paulo. Dentre
os outros usuários, alguns associam as acusações da Folha de S. Paulo ao PT, indicado o partido
e Fernando Haddad como responsáveis por acusar Bolsonaro. Isto faz com que a credibilidade
do escândalo divulgado pela imprensa perca força, já que os supostos responsáveis seriam os
adversários na corrida eleitoral.
@leandroruschel: Haddad acusa Bolsonaro de Caixa 2!!! O PT usou mais de R$ 3
bilhões de reais em Caixa 2 de campanha nos últimos anos! Só psicopata pode ter
tamanha cara de pau.41
@CarlosBolsonaro: Jamais vi um candidato se vitimizar tanto como Andrade.
Bolsonaro respira e o pau mandado do corrupto preso diz que o CO2 produzido pode
mata-lo. Meu pai está se lixando pra você! Vá trabalhar e produzir algo. Esse papo
só cola com seus marketeiros e alinhados! O Brasil agradece!42
40
Luciano Hang teve participação efetiva na campanha de Bolsonaro durante as eleições, inclusive sendo acusado
de intimidar funcionários de sua empresa a votarem no político.
41
https://twitter.com/leandroruschel/status/1052937090638462976.
42
https://twitter.com/CarlosBolsonaro/status/1052893859817185280.
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Há também usuários que buscam diminuir a relevância da notícia, assim como foi visto
nos dados de 28 de setembro. O Movimento Brasil Livra fala em desonestidade da Folha de S.
Paulo, enquanto Filipe Martins (que após as eleições foi chamado para ser assessor de
Bolsonaro) minimiza a capacidade de mobilização do PT como forma de desprezar a
necessidade de uso de dinheiro para impulsionar campanha contrária ao partido. Já o jornalista
Rica Perrone menciona a prisão de Lula para minimizar a acusação contra Bolsonaro.
@MBLivre: A Folha não provou até agora qualquer relação entre Bolsonaro e os
supostos empresários bancando a campanha anti-PT. Portanto falar em caixa 2 é
desonestidade do próprio jornal e dos petistas que estão explorando isso. É uma tese
totalmente furada.43
@filgmartin: Por que diabos alguém gastaria dinheiro para impulsionar mensagens
contra o PT ou a favor de Bolsonaro? Qualquer moleque conservador tem mais
engajamento nas redes sociais do que o Marmita, que não coloca mil pessoas numa
live. Quem precisa de dinheiro pra combater isso?44
@RicaPerrone: Lula preso com 2 mil paginas de processo. "Não tem provas!"
Matéria da Folha sem uma prova, uma aspa, apenas "teria", e ZERO documentos:
"Bolsonaro bandido!!! Ta provado! Prendam!!!" Petista é tudo debil mental mesmo.
kkkk45
A mensagem do Partido Social Liberal, do qual Bolsonaro faz parte, chama os usuários
a compartilhar vídeos demonstrando seu apoio ao então candidato. A estratégia, que conta com
o uso da hashtag #MarketeirosDoJair, serve para justificar que a campanha de Bolsonaro não
necessitaria de uso de dinheiro de empresários para divulgar informações contra o PT. Apesar
de não acusar diretamente a Folha de S. Paulo de manipular informações, como no uso de
#Veja600Milhões, a hashtag também busca desqualificar a informação do veículo, já que gera
uma campanha de apoiadores que dizem ser responsáveis pela circulação de mensagens sem o
recebimento de dinheiro – o que nada tem a ver com disparos de mensagens no formato
denunciado pela reportagem.
@PSL_Nacional: Você também é um marqueteiro do Jair. Grave um vídeo contando
como você colabora para a eleição de Jair Bolsonaro e publique com a hashtag
#MarketeirosDoJair em seu Twitter ou Instagram. Vamos fortalecer ainda mais essa
campanha!46
Outros usuários com centralidade no módulo fúcsia não se remetem diretamente ao
conteúdo da reportagem da Folha de S. Paulo, mas também estão engajados na propagação de
desinformação. Luciano Hang acusa a Globo News de tentar “vender” Haddad. Já Carla
Zambelli afirma ser falsa a informação de que Bolsonaro foi proibido de falar sobre o “kit
43
https://twitter.com/MBLivre/status/1052945781357981696.
44
https://twitter.com/filgmartin/status/1052953217632485376.
45
Mensagem deletada pelo usuário.
46
https://twitter.com/PSL_Nacional/status/1052939410747117568.
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gay”47 pelo TSE – o que não é verdade: o TSE inclusive mandou retirar do ar vídeos sobre o
tema48.
@luciano_hang: A globo news esta liquidada. Fala com um público que hoje é
90/95% bolsonaro e tenta vender o Haddad. É assim que fecha uma empresa. Vende
um produto que ninguém quer comprar. @jairbolsonaro49
@CarlaZambelli17: É MENTIRA que o TSE proibiu o Bolsonaro de falar do Kit
Gay. O Min. Horbach concluiu que o PT buscava "impedir que o candidato
representado chame o material de ‘kit gay’", o que "materializaria verdadeira censura
contra o candidato [Bolsonaro]". PT, PARE DE MENTIR! ALÔ, TSE!50
Quem também não menciona a reportagem da Folha de S. Paulo, mas participa de
campanha de desinformação é o próprio Jair Bolsonaro. O político compartilha em sua página
um trecho editado de um vídeo de Fernando Haddad, que daria a entender que o petista elogia
Bolsonaro – o que não ocorre na sequência do vídeo 51. Ao manipular o vídeo, Bolsonaro
contribui para a propagação de desinformação.
@jairbolsonaro: Depois de Cid Gomes, agora, é a vez do próprio Andrade tentar
ajudar Bolsonaro! Kkkk...52
Ainda que a variedade de tópicos presentes nas mensagens de 18 de outubro seja maior
do que o que foi encontrado nos tweets de 28 de setembro, também se vê aqui um objetivo
central de classificar a reportagem de Folha de S. Paulo como um conteúdo não confiável,
apresentando em conjunto com mídias partidárias uma verdade alternativa (BENKLER,
FARIS & ROBERTS, 2018; LARSSON, 2019). Novamente, os líderes de opinião do grupo
(SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018) participam de ação conjunta com foco em preservar
a narrativa pró-Bolsonaro entre os usuários do grupo, o que favorece a formação da estrutura
de câmara de eco (SUNTEIN, 2001). A manipulação de informações está novamente presente
em conjunto com a campanha de desqualificação da mídia tradicional. Por fim, utiliza-se
também uma hashtag que visa, ainda que com menos ênfase do que #Veja600Milhões,
menosprezar a qualidade da reportagem da Folha de S. Paulo, destacando o apoio voluntário
entre os apoiadores de Bolsonaro (#MarketeirosDoJair).
47
O próprio “kit gay” é fruto de desinformação, já Bolsonaro afirma que Haddad, enquanto ministro da educação,
teria distribuído em escolas com informações inapropriadas para crianças – o que nunca ocorreu.
48
https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/tse-diz-que-kit-gay-nao-existiu-e-proibe-bolsonaro-de-
disseminar-noticia-falsa/.
49
https://twitter.com/luciano_hang/status/1052617164119842816.
50
https://twitter.com/CarlaZambelli17/status/1052171197356617728.
51
O vídeo original pode ser visto aqui: https://www.facebook.com/watch/?v=325316861354260.
52
https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1052585112314028032.
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6. Discussão
Os resultados apresentados acima representam algumas ameaças para a formação de uma
esfera pública capaz de gerar ganhos democráticos por meio das conversações no Twitter. As
duas redes analisadas possuem a estrutura de “multidões polarizadas” (SMITH et al., 2014;
HIMELBOIM et al., 2017), com dois grupos com poucas conexões entre si. Esta estrutura
tende a fragmentar a discussão na esfera pública (FUCHS, 2015), já que são poucos os nós
capazes de possibilitar a circulação de conteúdo nos dois módulos (BRUNS & HIGHFIELD,
2016).
O consumo de mídia nos grupos também indica a formação de polarização assimétrica
(BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018), já que no módulo fúcsia as mídias partidárias
assumem centralidade entre veículos de mídia, enquanto veículos tradicionais fazem parte do
grupo verde. Como as duas redes comportam discussões de reportagens negativas para
Bolsonaro, os resultados são inconclusivos para sugerir a formação de polarização assimétrica
ao longo da campanha, já que que o isolamento do grupo e o consumo de mídia partidária pode
ser derivado das notícias negativas para o então candidato. De qualquer forma, a assimetria
encontrada nas duas redes analisadas também favorece a formação de câmara de eco
(SUNSTEIN, 2001) e isto se sustenta pelas mensagens dos líderes de opinião (SOARES,
RECUERO & ZAGO, 2018) presentes no módulo fúcsia, que produzem conteúdo de reforço
a narrativa pró-Bolsonaro – posição aparentemente geral do grupo. Estas são algumas das
possíveis razões para o fortalecimento de campanhas de desinformação entre os usuários que
formam o grupo fúcsia – o que não ocorre no módulo verde nos conjuntos de dados analisados.
Visto que o objetivo deste estudo é identificar estratégias de circulação e legitimação de
desinformação, o foco desta discussão se dá no olhar dos resultados a partir desta base. A
questão da circulação está mais fortemente associada a esfera da visibilidade pública (GOMES,
2008), já que a maior propagação de desinformação afeta a amplitude do debate e o acesso a
conteúdo de qualidade. A legitimação da desinformação, por sua vez, se aproxima da esfera da
discussão pública (GOMES, 2008), porque informações manipuladas ou falsas são tomadas
como verdade e utilizadas como premissas em uma discussão, impossibilitando que esta se
desenvolva adequadamente.
A ação de mídias partidárias é fundamental para dar visibilidade e, principalmente,
legitimidade para a desinformação. A aparência de jornalismo na produção de uma “verdade
alternativa” aos meios tradicionais (LARSSON, 2019) favorece para legitimar a informação na
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Por fim, outra estratégia presente nos dados foi a tentativa de alterar o assunto debatido.
Esta se fez mais presente em 18 de outubro, quando o próprio Jair Bolsonaro publica vídeo
manipulado em que Haddad parece o elogiar e outros usuários também deram destaque para
temáticas mais amplas. Ainda que esta estratégia tenha menor influência na esfera pública, ela
acaba afetando principalmente a esfera da visibilidade pública ao aumentar o fluxo temático
relevante no momento – disputando visibilidade, portanto, com as reportagens negativas.
Em específico sobre o conteúdo da desinformação (ainda que este não seja o foco central
deste artigo), identifica-se que as mensagens para frear notícias negativas costumam focar em:
a) diminuir a relevância das acusações, ao assumir que não afetam o caráter do político e ao
mencionar possíveis acusações contra adversários em campanha; e b) questionar a
credibilidade dos veículos e das acusações, sugerindo parcialidade, ação de políticos da
oposição e até mesmo uso de dinheiro ilegal. Ao questionar a relevância das acusações e a
qualidade dos veículos jornalísticos, aqueles que propagam desinformação buscam manter
intacta a sua narrativa política – que parece ser o principal objetivo nas campanhas de
desinformação analisadas e nas estratégias adotadas para aumentar visibilidade e legitimidade
do conteúdo compartilhado.
7. Considerações finais
Este artigo buscou analisar estratégias de circulação e legitimação de desinformação na
esfera pública em mídias sociais. Foram analisadas duas conversações políticas no Twitter
durante as eleições presidenciais brasileiras, ambas repercutindo reportagens que acusavam
Jair Bolsonaro, então candidato, de crimes. Utilizou-se a análise de redes sociais como método.
Identificou-se que mídias partidárias e líderes de opinião foram cruciais no processo de
legitimação da esfera pública. As mídias partidárias utilizaram a linguagem jornalística para
apresentar uma verdade alternativa aos meios tradicionais (LARSSON, 2019), se apropriando
da credibilidade da atividade para buscar legitimar seu discurso. Já os líderes de opinião
utilizam sua reputação e autoridade entre outros usuários dos grupos políticos isolados dos
quais fazem parte (SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018) para legitimar o conteúdo que
publicam. Assim, ambos afetam a esfera da discussão pública (GOMES, 2008), ao dar
relevância para conteúdo falso ou manipulado e, consequentemente, diminuir a qualidade do
debate.
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Pela credibilidade de mídias partidárias e líderes de opinião entre outros usuários dos
grupos políticos identificados como câmaras de eco (SUNSTEIN, 2001) em um contexto de
polarização assimétrica (BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018), também foi possível sugerir
que estes atores afetam a esfera da visibilidade pública (GOMES, 2008). Como líderes de
opinião possuem muitos seguidores e as mensagens de mídias partidárias aparentam o formato
jornalístico, estes atores alcançam mais facilmente grande visibilidade entre usuários que
formam as câmaras de eco – aumentando a visibilidade de conteúdo falso ou manipulado
utilizado para influenciar a esfera pública.
Desta forma, também é possível afirmar que outros usuários das câmaras de eco também
aumentam a circulação de desinformação. Ao compartilhar mensagens dos veículos partidários
e líderes de opinião (que alcançaram alto indegree na rede), os outros usuários afetam a esfera
da visibilidade pública ao difundir conteúdo de baixa qualidade. Por fim, esta também é afetada
no uso de hashtags, visto que isto aumenta a visibilidade de tweets quando utilizada, além de
gerar mobilização em seu uso – ampliando a sua circulação. Enquanto em 18 de outubro o uso
de #MarketeirosDoJair tinha principal objetivo desqualificar as acusações, em 28 de setembro
o uso de #Veja600Milhões também buscava diretamente difamar o veículo por meio de
desinformação.
Este estudo possui algumas limitações, como a análise de apenas dois conjuntos de dados.
A análise de outros datasets pode revelar outras estratégias, além de comprovar as já
identificadas aqui. Da mesma forma, forma utilizados contextos em que a mídia tradicional deu
destaque a uma notícia negativa sobre um candidato. Outros contextos também podem ser
explorados para resultados mais amplos. Além disso, estudos futuros podem observar questões
como a formação de polarização assimétrica durante as campanhas, analisando também datas
mais “neutras”. Outras plataformas também podem ser observadas para um estudo mais amplo
sobre desinformação e esfera pública, observando também a convergência de espaços digitais
na propagação de desinformação.
Referências
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