2024 JoseLucasRodriguesAzevedo TCC

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

JOSÉ LUCAS RODRIGUES AZEVEDO

NARRATIVAS PARA INCIDÊNCIA LEGISLATIVA:

práticas da assessoria de comunicação da Terra de Direitos

para o advocacy do Terceiro Setor

Brasília
2024
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

JOSÉ LUCAS RODRIGUES AZEVEDO

NARRATIVAS PARA INCIDÊNCIA LEGISLATIVA:

práticas da assessoria de comunicação da Terra de Direitos

para o advocacy do Terceiro Setor

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


curso de Comunicação Organizacional, da
Faculdade de Comunicação, Universidade de
Brasília (UnB), como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Comunicação
Organizacional, sob orientação da Profa. Dra.
Maíra Moraes.

Brasília
2024

1
JOSÉ LUCAS RODRIGUES AZEVEDO

NARRATIVAS PARA INCIDÊNCIA LEGISLATIVA:

práticas da assessoria de comunicação da Terra de Direitos

para o advocacy do Terceiro Setor

Artigo apresentado ao Curso de Comunicação Organizacional da


Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, como
requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Social.

Aprovado pela Banca Examinadora em dezembro de 2023.

BANCA EXAMINADORA

___________________________

Prof.ª Drª. Maíra Moraes

Orientadora

___________________________

Prof.ª Drª. Gisele Pimenta

Examinadora

___________________________

Prof. Dr. Wladimir Gramacho

Examinador

___________________________

Prof.ª Drª. Elen Cristina Geraldes

Suplente

2
Narrativas para incidência legislativa:
práticas da assessoria de comunicação da Terra de Direitos
para o advocacy do Terceiro Setor1

José Lucas Rodrigues Azevedo2

Resumo
A partir do estudo de caso das ações publicizadas de incidência legislativa da organização de
direitos humanos, Terra de Direitos, contra a Medida Provisória 910/2019, conhecida como a
"MP da Grilagem", este estudo busca entender como as práticas historicamente utilizadas pela
assessoria de imprensa e de comunicação estão presentes nas estratégias de advocacy do
Terceiro Setor. Diante do atual contexto de revolução de mídias digitais e o impulsionamento
da disputa de narrativas, perante a opinião pública, analisamos como as ações de comunicação
são um fator central para o engajamento público e uma possível mudança social dentro de uma
estratégia de advocacy.

Palavras-chave: Assessoria de Comunicação. Advocacy. Narrativas Digitais. Lobby. Terceiro


Setor.

Abstract
Based on the case study of the publicized actions of legislative influence by the human rights
organization, Terra de Direito, against Provisional Measure 910/2019, known as the "MP of
Land Grabbing", this study seeks to understand how the practices historically used by the
consultancy press and communication are present in Third Sector advocacy strategies. Given
the current context of digital media revolution and the promotion of the dispute over narratives,
in the face of public opinion, we analyze how communication actions are a central factor for
public engagement and possible social change within an advocacy strategy.

Keywords: Communication consultancy. Advocacy. Digital Narratives. Lobby. Third sector.

1
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Comunicação Organizacional, da Faculdade de
Comunicação, Universidade de Brasília (UnB), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Organizacional, sob orientação da Profa. Dra. Maíra Moraes.
2
Bacharel em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB) e graduando em Comunicação Organizacional
pela mesma instituição. Atuou junto à equipe de comunicação da Terra de Direitos entre 2017 e 2023.

3
Introdução

De acordo com a história do advocacy no mundo é perceptível como a prática de


influenciar ou advogar em favor de algo está está estritamente relacionada ao lobby, que por
sua vez é um dos propulsores da estruturação das assessorias de imprensa no mundo das
organizações. Diante desse cenário de cruzamentos entre conhecimentos e práticas, temos a
comunicação também como marcador central para a influência da opinião pública e privada. O
presente estudo tem por objetivo verificar como e quais práticas historicamente utilizadas pela
assessoria de imprensa e de comunicação têm adentrado e fazem parte do dia a dia das ações
de advocacy das organizações do Terceiro Setor.
A relação do autor com a temática nasce a partir da sua atuação ao longo de seis anos
junto a equipe de comunicação da Terra de Direitos (2017 - 2023) - a qual iremos analisar as
ações de comunicação que foram publicizadas na estratégia de advocacy contra a Medida
Provisória (MPV) 910/2019. Segundo informações do site3 da Terra de Direitos, a organização
da sociedade civil e de direitos humanos atua na defesa, na promoção e na efetivação de
direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais (Dhesca). A organização
surgiu em Curitiba (PR), em 2002, para atuar em situações de conflitos coletivos relacionados
ao acesso à terra e aos territórios rural e urbano. Atualmente, a Terra de Direitos incide nacional
e internacionalmente nas temáticas de direitos humanos e conta com escritórios em Santarém
(PA), em Curitiba (PR) e em Brasília (DF).
A escolha desta MPV se deu pela afinidade do tema para a organização, que atua desde
2002, junto a movimentos sociais do campo na luta por acesso à terra no Brasil.
Para analisarmos as ações de advocacy da Terra de Direitos contra a MPV 910/19
seguimos a seguinte metodologia de trabalho. Primeiro foram levantadas todas as ações
internas de advocacy, o que inclui as produções e estratégias formuladas a partir da organização
para o ambiente externo e para o debate público. Dentro das ações internas separamos as ações
voltadas para as Redes Sociais na busca de entendermos como a organização atua na temática
de narrativas digitais. Além disso, também foram identificadas ações externas à organização,
como ações coletivas e entrevistas para imprensa. Em ambos os casos das ações, estamos
considerando as que foram publicizadas e teriam, por tanto, potencial de atingir o debate
público sobre a MPV 910/19.

3
Sobre Terra de Direitos. Disponível em: <https://terradedireitos.org.br/quem-somos/sobre>

4
O intuito é identificar, a partir do estudo de caso, como as práticas de comunicação
utilizadas foram capazes de ajudar na disputa de narrativas no debate público sobre a MPV 910
e também impactar na narrativa sobre o seu objeto – regularização fundiária de terras da União.
Abordaremos como a comunicação de causas ou comunicação do Terceiro Setor tem
utilizado a comunicação – como ciência – e as narrativas digitais de informação como chave
do sucesso para o impedimento de medidas legislativas que violam direitos.
A escolha do tema também passa pelo interesse do autor em entender como são
definidas as estratégias de comunicação para uma ação de advocacy junto ao Legislativo
brasieliro e como profissionais de comunicação tem atuado dentro da área. Para isso, uma
entrevista foi realizada com a coordenadora de incidência política da Terra de Direitos, que
atuou na campanha contra a MPV 910/19, a jornalista Gisele Barbieri.
Para iniciarmos as discussões sobre ações de assessoria de comunicação presentes no
advocacy da Terra de Direitos, é importante apresentar a definição dos termos e conceitos
utilizados neste estudo, já que estes são importantes para entender se a estratégia utilizada pela
Terra de Direitos foi efetiva diante dos seus objetivos.
Para entender como a prática do advocacy se faz presente no dia a dia das organizações
do Terceiro Setor e sua diferenciação das práticas do lobby, Rennan Mafra atualiza e amplia o
conceito de advocacy e ao mesmo tempo centraliza o termo dentro das práticas de
comunicação.
Em contextos democráticos contemporâneos, a noção de advocacy tem ganhado
saliência considerável, seja para caracterizar determinadas práticas empreendidas
pelos inúmeros grupos que lutam por causas sociais, as mais diversas, seja para os
próprios grupos se auto designarem “grupos de advocacy”, como aqueles cuja
principal atribuição se voltaria à atividade de “advogar” em favor de inúmeros
sujeitos, sem voz e vez nas arenas políticas formais, em condições de violação de
direitos, de sofrimento moral e/ou de invisibilidade na cena pública. (Mafra, 2014. p
182)

Ao retomarmos a busca histórica, também é possível traçar um paralelo entre assessoria


de imprensa e o advocacy do Terceiro Setor. Para isso é importante contextualizarmos de onde
parte a ideia de apresentar pontos de vistas para os legisladores (as) a partir do nascimento do
conceito de lobby:

Indivíduos ou grupo que sugere quando um segmento da sociedade, representando


um consenso da maioria de seus componentes, leva ao legislador as informações,
aspirações e reivindicações dessa classe, tentando ocasionalmente influenciar a
aprovação, modificação ou veto de uma lei; com base nessas manifestações, o
legislativo toma as decisões. (Moreira, Pasquale e Dubner. 1999. p.225)

5
Diferentemente do lobby, não é totalmente consenso a definição do que seria o
advocacy. Segundo estudos de Mafra (2014) o termo advocacy advém de:

“Advocacia” é a correspondência do termo advocacy, em tradução literal do inglês


para o português. Mesmo que descritos, para tal verbete, os significados “ação de
advogar” e “profissão ou exercício da profissão de advogado”, a palavra em
português, no Brasil, parece ainda carregar, de modo mais proeminente, seu segundo
significado – fato que talvez explique o aparecimento do termo em inglês advocacy
em cenários controversos de mobilização democrática e cívica, realçando sua
primeira designação. Em exercício semelhante, “advogar”, do latim “advocare”, é
descrito como: a) interceder a favor de; apadrinhar; b) defender com razões e
argumentos; e c) defender ou atacar uma causa em juízo – além, é claro, de d) exercer
a profissão de advogado. (Mafra, 2014, p.184)

Buzzoni classifica e sintetiza essas quatro ações de Mafra como algo mais pragmático:
a) campanhas: falar publicamente sobre uma questão; b) agir como defensor de direitos:
representar uma pessoa ou um grupo, a fim de assegurar que seu ponto de vista seja ouvido
(interceder em seu nome); c) fazer lobby: tentar influenciar a formulação de políticas por
meio de reuniões particulares e outras formas de comunicação direta com formuladores
de políticas; e d) mediação: representar duas ou mais partes, para se chegar a um acordo.
Apesar compreendida para algumas pessoas como o simples ato de advogar por uma
causa social, ambiental ou cultural, a aplicabilidade do advocacy, é difícil de ser percebida. Em
contextos contemporâneos, por mais que ainda seja utilizado para indicar ações de defesa de
causas de interesse comum, tal prática também pode assinalar ações voltadas à defesa de
interesses particulares (Buzzoni, 2022).
A partir dos estudos de Buzzoni é possível definir de forma mais prática para este estudo
o advocacy como:

uma prática de convocação e de construção de propósitos comuns em busca de


formação de sentidos compartilhados relativos a assuntos de interesse coletivo.
Diferencia-se, portanto, do “lobby” que se volta a objetivos particulares ou a
benefícios estritos a uma única pessoa. (Koçouski, 2012, p. 81, apud Buzzoni, 2022,
p. 41)

Exposto isso, é importante ressaltar que essas estratégias de advocacy podem apresentar
ganhos ao exercício da deliberação, no sentido de expandir questões controversas, referidas a
inúmeros atores às margens do sistema político (BUZZONI, 2022, p. 40). A partir dessa
realidade é que se constrói a relação entre política e comunicação, considerando que o público
é aquilo que é de todos e que a política é tida como a arte de construir consensos (Buzzoni,
2022).

6
Com a revolução tecnológica e dentro do jogo democrático, a informação – que já tinha
sua relevância – tem cada vez mais um papel central para definição dos rumos do interesse
público. Como aponta Buzzoni na sua pesquisa sobre a prática do advocacy como estratégia da
comunicação política:

Os debates na comunicação pública (o que saber) alimentam os debates na


comunicação política (o que fazer). É a partir da teoria deliberativa habermasiana que
se constroem pontes de comunicação a fim de legitimar essa real participação de
cidadãos nas ações políticas voltadas a resgatar a democracia, que, atualmente
encontra-se frágil entre diversas nações e governos. (Buzzoni, 2022, p. 26)

Para a autora, é a partir da participação dos cidadãos na microesfera que se constrói


uma consciência política para ampliar a participação em esferas sociais maiores. (Buzzoni,
2022)
Estudos sobre o conceito de advocacy na interface educação/comunicação demonstra
que as organizações não governamentais dos Estados Unidos têm investido na formação
sobre mídia e uso das redes e plataformas sociais de comunicação na tentativa de ampliar
o apoio público nas suas áreas de interesse. A pesquisa evidencia a distância e dissonância
entre o fazer reflexivo e prático demonstrando um fato interessante. Nem sempre
os especialistas conseguem a credibilidade por sua opinião. Todavia, aqueles cuja
incidência midiática é previamente planejada pela formação em advocacy conseguem
altos índices de credibilidade, mesmo não tendo experiência comprovada e solidificada na
área que comentam (Malin & Lubiensky, 2015, apud Malachias, 2017).
Em uma linha semelhante de pensamento sobre o apoio público, o professor e
pesquisador Marshall Ganz (2023) destaca a importância das histórias na comunicação eficaz
e na formação de identidades coletivas. Ele argumenta que as narrativas públicas são
ferramentas poderosas para inspirar e mobilizar pessoas. A narrativa pública de Ganz
geralmente é dividida em três partes: a história do eu (Story of Self), a história de nós (Story of
Us) e a história agora (Story of Now). Cada parte desempenha um papel específico na
construção de conexões emocionais e no apelo à ação.

Elaborar uma narrativa pública completa é uma forma de conectar três elementos
centrais da prática de liderança: história (por que devemos agir agora, coração),
estratégia (como podemos agir agora, cabeça) e ação (o que devemos fazer para agir
agora, mãos). Como sugerem as palavras poderosas do Rabino Hillel, defender-se é
um primeiro passo, mas insuficiente. Você também deve construir a comunidade com
a qual você está e fazer com que essa comunidade aja em conjunto agora. (Ganz,
2006, p. 4, tradução nossa)

7
Comunicar é mostrar, transmitir, propagar. É ouvir, trocar e chegar ao outro. Quando
se deseja comunicar uma causa, no entanto, é preciso ir além. Uma causa é uma demanda da
sociedade e requer uma mudança de comportamento. Ainda não há consenso em torno de um
único termo: comunicação de causas, comunicação transformadora, comunicação de impacto,
comunicação para transformação social, entre outras denominações, porém todas buscam
comunicar à sociedade um clamor social e convocá-la a agir.
Envolve, portanto, “colocar um tema na agenda da sociedade, mobilizar os convertidos,
conquistar os indiferentes e influenciar os tomadores de decisão com o objetivo de mudar a
realidade social, cultural, econômica e ambiental por meio da sensibilização do público e de
mudanças nas políticas públicas” (Cause, Instituto Arapyaú, Shoot The Shit, 2016, p. 7, apud
Moraes, 2021 p. 1).
Se para estratégias de mobilização é necessário impactar a sociedade por meio da
narrativa pública, no caso de ações de advocacy se faz necessário atingir a opinião pública para
dialogar com os formuladores das leis. Assim como o histórico do lobby e das assessorias de
comunicação mostram, a tentativa de impactar a opinião pública é necessária para a mudança
social.
No artigo O que significa 'Opinião Pública? Um estudo sobre os diferentes sentidos do
termo nos editoriais do jornal O Estado de S. Paulo, Marques (2017) destaca que o termo
“opinião pública” pode ser utilizado e aplicado em diferentes contextos e disputas. Tais
variações de atributos conferidas a essa expressão, conforme explica Gomes (2001, p. 61),
surgem de batalhas ideológicas preocupadas, por exemplo, em tornar hegemônica uma
compreensão específica acerca da natureza do que significa a própria noção de democracia.

O “público” – muitas vezes também interpretado como sinônimo de esfera da


cidadania (Marques, 2010; Miola, 2012) – ocupa uma função essencial nas
democracias representativas, uma vez que uma parte dele se mostra responsável por
atuar no processo de escolha dos representantes políticos. Conforme indicam
Richards Jr. e Gastil (2015), as tentativas de influenciar a formação das preferências
dos cidadãos têm sido objeto de preocupação em Teoria Política já há um par de
séculos. (Marques, Mont'alverne, Kniess, Pupo, 2017, p. 55)

Marques também defende que o conceito de opinião pública está relacionado com a
atuação da mídia como indústria de produção de informação.
Os media ocupam um papel especial nesse contexto, uma vez que é graças à
comunicação de massa (seja na condição de instrumento, seja na condição de
instituição) que a sociedade pode aceder aos acontecimentos do jogo político
(Campos, 2015; Maia, 2008; Gomes, 2004; Manin,1995; Schudson, 2008). Assim, o
Jornalismo, mais exatamente, além de reivindicar legitimidade na condição de
mediador do relato dos fatos, toma para si a tarefa de orientar o público, inclusive por

8
meio da oferta de opiniões que lhes são peculiares. (Marques, Mont'alverne, Kniess,
Pupo, 2017, p. 55)

Com o exposto é possível verificar que dentro do jogo político comunicadores e suas
habilidades técnicas científicas – que muitas são pensadas para atingir a opinião pública –
também passam a compor o rol de peças fundamentais para a democracia e a disputa de
narrativas.
O surgimento da função de assessor de imprensa está intimamente relacionado à a do
Relações Públicas. Os estudiosos franceses Chaumely e Huisman (1964), no livro As Relações
Públicas, associam o início da atividade dos Relações Públicas à Guerra das Gálias, “graças à
qual o Sr. César teve êxito da eleição” . Eles também extraem vestígios das atividades dos
Relações Públicas em Virgílio, de quem as Geórgias constituem notável programa do tipo
checklist para retorno à terra, realizando, desse modo, as relações públicas da agricultura no
século I antes de Cristo. (Chaumley; Huisman, 1964, p. 9-10, apud Jacob, 2004. pg 9)
O americano Ivy Lee é considerado o criador da atividade de Relações Públicas. Em
1906, ele abandonou o jornalismo para fundar o primeiro escritório de Relações Públicas do
Mundo, em Nova Iorque. O contexto histórico daquela época indica que havia uma tremenda
hostilidade aos executivos americanos, acusados de monopólio e de arrasarem as micro e
pequenas empresas. A “conversão” de Lee às relações públicas foi feita para atender ninguém
menos que John D. Rockfeller, na época um dos mais impopulares homens de negócios dos
Estados Unidos perante a opinião pública. (Jacob, 2004. pg 13)

Ivy Lee não se limitou a cuidar bem do relacionamento com a imprensa. Homem de
comunicação, ele sabia que a imagem das pessoas, como a das instituições, não se
muda apenas com notas em jornais. Por isso, desenvolveu habilidades e técnicas de
criar fatos noticiáveis, de preferência retumbantes. Com eles alterou os valores de
referência associados à imagem pública de John Rockfeller. E fundou a escola das
relações públicas”. (Chaparro, p. 38, apud Jacob, 2004. pg 10).

De acordo com Chaumely e Huisman (1964, p. 9-10, apud Jacob, 2004. pg 10) o Canadá
foi o primeiro país a adotar a nova atividade criada pelos americanos. Seis anos depois, foi a
vez da Europa. A porta de entrada foi a França, por iniciativa das empresas Esso Standard e
Shell. Na década seguinte, já existiam agências e/ou departamentos de relações públicas na
Holanda, Inglaterra, Noruega, Itália, Bélgica, Suécia, e Finlândia.
Segundo o pesquisador Manuel Chaparro, no Brasil o surgimento do Assessor de
Imprensa se confunde com a do Relações Públicas. A figura do Relações Públicas, no que se
refere ao contato específico com o "público" da imprensa, dá lugar à figura do Assessor de
Imprensa, mediador entre a instituição e a mídia.

9
A partir desses breve histórico é possível verificar que a ação do Assessor de Imprensa
tem como objetivo então suprir a linguagem da propaganda e atingir de outras formas os
públicos formadores de opinião.
O jornalista e relações públicas Jorge Duarte, no texto Assessoria de Imprensa no Brasil
(Duarte, 2002, p.81) afirma que “a migração de jornalistas para áreas diversificadas ocorreu
pela ação competente em assessorias no campo de trabalho surgido particularmente na década
de 80, quando o uso da informação e o estabelecimento de relacionamentos adequados – não
apenas com a imprensa – passaram a ser estratégicos para as organizações brasileiras.
As assessorias de imprensa tornaram-se então o embrião de estruturas de comunicação
que fornecem grande diversidade de produtos e serviços. E estão, ainda na forma original ou
ampliada, no Legislativo, Executivo e Judiciário (no âmbito federal, estadual e municipal), em
empresas públicas, privadas (inclusive alguns veículos de comunicação), terceiro setor – o qual
analisaremos posteriormente neste artigo –, universidades, nas Forças Armadas, sindicatos,
entidades de classe, apoiando pessoas físicas (artistas, esportistas, políticos).
Dado o exposto, analisaremos as estratégias utilizadas pela organização Terra de
Direitos contra a aprovação da Medida Provisória (MPV) 910/2019 - conhecida como a MP da
grilagem - junto ao Legislativo brasileiro e também à opinião pública.

Desenvolvimento

Para analisarmos as estratégias de advocacy da Terra de Direitos é importante


entendermos o contexto da tramitação da MPV 910/2019. A proposta foi editada pelo Poder
Executivo em 10 de dezembro de 2019, com o objetivo de estabelecer normas para a
regularização fundiária de imóveis rurais da União, conforme menciona a ementa4 da Comissão
Mista que analisou a MPV 910/19.
A MPV 910/19 estabelecia novos critérios para a regularização fundiária de imóveis da
União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ocupados. O texto
original passou de julho de 2008 para até maio de 2014 a data máxima de posse de propriedades
que poderiam ser regularizadas. Além disso, permitiu que a regularização fosse feita por
autodeclaração para terras com até 15 módulos fiscais. Antes, isso valia apenas para pequenos

4
Altera a Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações
incidentes em terras situadas em áreas da União, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para
licitações e contratos da administração pública, e a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os
registros públicos. Disponível em:<https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-
/mpv/140116>

10
lotes de até quatro módulos e apenas na Amazônia Legal. Dependendo da região, um módulo
fiscal varia de 5 a 110 hectares. Em reportagem 5 publicada pela Agência Senado em dezembro
de 2019 foi destacada a fala da, na época, ministra da Agricultura Teresa Cristina, classificando
a medida como "uma dívida que o Brasil tem com a sociedade".
Assim como estabelece a Emenda Constitucional nº 32, de 20016, a Medida Provisória
entra em vigor de forma imediata, mas precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional em até
120 dias para não perder a validade. E como define o art. 62 da Constituição Federal 7, as
Medidas Provisórias precisam de apreciação pelas duas Casas do Congresso Nacional (Câmara
e Senado) para se converter definitivamente em lei ordinária.
Em sete dias o Congresso Nacional instalou a Comissão Mista responsável pela análise
da MPV 910/19 - dado a agilidade na instalação da Comissão é possível observar a prioridade
que a medida possui dentro da agenda de trabalho do Governo. Com isso, o prazo de apreciação
foi delimitado até 19 de maio para que a MPV 910/19 não perdesse a validade.
Em janeiro de 2020, a imprensa brasileira já se debruçava a esmiuçar os entraves por
trás da MPV 910/19 e as principais críticas da oposição. Em reportagem 8 publicada pela BBC
Brasil em 13 de janeiro de 2020, o texto já abordava a MPV 910/19 com o nome amplamente
utilizado pela sociedade civil brasileira de "MP da Grilagem". A reportagem destacou como
maior impacto da MPV 910/19 a possibilidade de que terras públicas desmatadas com até 2.500
hectares (o equivalente a 2.500 campos de futebol) se tornassem propriedade de quem as
ocupou irregularmente dentro do espaço temporal delimitado pela MPV 910/19 de até 2014.
Ao longo do tempo de tramitação na Comissão Mista a MPV 910/19 recebeu diversas
críticas, principalmente sobre as brechas para a grilagem de terras públicas com a
autodeclaração da dimensão territorial da área, e pelo estímulo à destruição de novas áreas de
floresta em um momento em que a Amazônia apresentava os maiores índices de desmatamento
da última década.

5
Governo edita MP que institui um novo programa de regularização fundiária. Publicada em 11 de dezembro de
2019. Disponível em:<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/11/governo-edita-mp-que-
institui-um-novo-programa-de-regularizacao-fundiaria>
6
Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001. Disponível
em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc32.htm#art1>
7
Constituição Federal, Art. 62. Disponível
em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art62 >
8
Como a 'MP da grilagem' pode mudar o mapa de regiões da Amazônia. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
51071810?fbclid=IwAR1OISGxUk5tpJ3oXbTpmYJ2jL92fCQCsp12jfE00R15ReHXmRRxMb0vzvE>

11
Ao todo, conforme demonstra o relatório do painel de monitoramento 9 da atividade
legislativa do Senado Federal, a Comissão Mista da MPV 910/19 realizou 4 reuniões, conforme
o quadro:

Quadro 1 - Relação e termômetro de reuniões realizadas pela Comissão Mista da


Medida Provisória n° 910, de 2019

DATA INSTITUIÇÃO REPRESENTANTE POSIÇÃO A MPV 910/19

11/02/2020 Procuradoria Federal dos Deborah Macedo Duprat Contra a MPV


Direitos do Cidadão (MPF)

Companhia Imobiliária de Leonardo Mundim A favor da MPV


Brasília - Terracap

Confederação da Agricultura Rodrigo de Oliveira A favor da MPV


e Pecuária do Brasil (CNA) Kaufmann

Defensoria Pública da União Atanásio Darcy Lucero Júnior Contra a MPV


(DPU)

Instituto Brasileiro de Geraldo Ferreira de Melo A favor da MPV


Reforma Agrária (INCRA) Filho

12/02/2020 Frente Parlamentar da Alceu Moreira A favor da MPV


Agropecuária

Observatório do Código Roberta del Giudice Contra a MPV


Florestal

Secretaria Especial de Nabhan Garcia A favor da MPV


Assuntos Fundiários do
Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento

Instituto de Terras do Pará Bruno Kono A favor da MPV

Instituto do Homem e Meio Brenda Brito Contra a MPV


Ambiente da Amazônia
(Imazon)

Advogada do Instituto Juliana da Paula Batista Contra a MPV


Socioambiental (ISA)

18/02/2020 Ministério de Agricultura Tereza Cristina Correa da A favor da MPV


Pecuária e Abastecimento Costa Dias

Universidade Federal do Pará Girolamo Domenico Treccani Contra a MPV

Universidade de Brasília Sérgio Sauer Contra a MPV

9
Comissão Mista da Medida Provisória n° 910, de 2019. Disponível
em:<https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?codcol=2324 >

12
04/03/2020 Coordenação Nacional de Oriel Rodrigues de Moraes Contra a MPV
Articulação das Comunidades
Negras Rurais Quilombolas
(CONAQ)

Universidade de São Paulo Gerd Sparovek Contra a MPV

Especialista em Direito Hercules Jackson Moreira A favor da MPV


Ambiental Santos

Confederação Nacional dos Elias D'Ângelo Borges Contra a MPV


Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG)

Comissão Pastoral da Terra Saulo Ferreira Reis Contra a MPV


Nacional (CPT)
Fonte: o autor, 2023

É possível observar que a Comissão Mista da MPV 910/19 recebeu dezenove (19)
representantes para as quatro (4) audiências públicas realizadas. Dos representantes ouvidos,
onze (11) foram contra a MPV 910/19 nos moldes apresentados pelo Governo Federal da
época. Este também pode ser considerado um dos fatores que demonstram a dificuldade que o
tema enfrentaria diante da opinião pública.
Ao todo a Comissão Mista recebeu 542 emendas dos(as) parlamentares ao texto da
MPV 910/19. Após a realização das audiências, o relator, Senador Irajá (PSD-TO) partiu para
a apresentação do relatório, que por sua vez, foi favorável ao texto proposto pelo Governo
Federal mas que conforme apontado por reportagem 10 da Rádio Senado, excluiu emendas que
tratavam de desmatamento, anistia e grilagem.
Após a apresentação do relatório, a Comissão Mista tentou votar a MPV 910/19, mas
não conseguiu quórum entre os (as) parlamentares integrantes. Vale ressaltar que, na época, o
mundo enfrentava a pandemia de coronavírus. Com isso, a MPV 910/19 não chegou a ser
votada pela comissão mista e foi direto para o plenário da Câmara dos Deputados, que por sua
vez também não conseguiu a aprovação da MPV 910/19 antes do fim do prazo regimental.
Diante da dificuldade de aprovação do texto da MPV 910/19, no dia 15 de maio de
2020 - 4 dias para o fim do prazo de apreciação da MPV - o deputado da base do governo Zé
Silva (Solidariedade-MG) apresentou o Projeto de Lei 2.633/2020, com o mesmo texto da MPV
910/19.

10
Irajá apresenta relatório à MP do novo Programa de Regularização Fundiária. disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2020/03/12/iraja-apresenta-relatorio-favoravel-a-mp-que-institui-
novo-programa-de-regularizacao-fundiaria>

13
Segundo os registros da atividade legislativa 11 do PL 2.633/20, apesar da proposta ter
sido aprovada em caráter de urgência, em outubro de 2021, por 296 votos a 136 pela Câmara
dos Deputados, o PL ainda segue em análise pelo Senado Federal até a data deste artigo, em
dezembro de 2023. Caso sejam feitas mudanças na proposta, a matéria ainda precisa ser
aprovada novamente pela Câmara dos Deputados. É importante destacar que o longo espaço
temporal e principalmente a troca de Governo, em 2023, são fatores importantes para a
dificuldade de aprovar a proposta.

As ações de advocacy da Terra de Direitos

Em relação às ações internas da organização, excluindo a análise de redes sociais, foram


produzidas uma (1) nota técnica, seis (6) notícias, quatro (4) eventos, uma (1) denúncia e uma
(1) reunião com parlamentares. Conforme demonstra o gráfico a seguir:

Gráfico 1 - Ações internas de advocacy por tipo

Fonte: o autor, 2023

Nas ações internas de advocacy já é possível observar questões relevantes da atuação


da organização. Primeiramente, é salutar que a maior parte das ações internas publicizadas
estão no campo da produção de conteúdo sobre a MPV 910/19. Notícias estão à frente com o
maior número de ações e em seguida os eventos. Nestas ações internas, muitas foram
subsidiadas, a partir, do conhecimento técnico da organização que estava centrado na Nota

11
PL 2633/2020. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2252589>

14
Técnica sobre a MPV 910/19. Na ementa do documento a Terra de Direitos destacou o escopo
da sua atuação no tema:

A nota analisa o texto da Medida Provisória 910, alterações propostas e principais


debates postos com a proposição da medida. Apresenta-se que o destacamento
proposto fragiliza comunidades quilombolas em virtude da possibilidade de
sobreposição de áreas e ampliação de conflitos fundiários tanto na região amazônica
quanto em todo o território nacional. (Terra de Direitos, 2020).

Ao analisarmos a nota técnica, foi possível delimitar a atuação política da organização


contra a MPV 910/19. O documento explica em tópicos as inconsistências da medida e os
impactos da reformulação das regras para a regularização fundiária de terras rurais da União.
E por isso, observamos como este documento técnico desenhou as ações e o posicionamento
da organização frente ao debate público posto.
Segundo entrevista com a Coordenadora de Incidência Política da Terra de Direitos,
Gisele Barbieri (2023) as ações de advocacy da organização passam pela avaliação política
sobre o nível de incidência a ser realizado em cada objetivo e nível de publicização.

Uma das questões fundamentais quando a gente pensa nas ações de incidência para
desenvolver na Terra de Direitos é de onde a gente fala e o que a gente tem para
contribuir em determinados temas. E a gente sabe que a definição da agenda ela vai
a partir dos públicos e dos territórios com os quais a Terra de Direitos trabalha. Mas
não é em todos os temas que a gente vai ter uma atuação de destaque nas estratégias
de advocacy. Então, a gente sempre pensa no tema, e a gente fala de onde e como a
gente pode contribuir. E sempre pensando nisso: a gente tem uma contribuição
diferenciada para dar com relação ao tema? ou é mais vantajoso e mais estratégico, a
gente se juntar com outras organizações que já têm acúmulo em determinados temas
e que a gente possa somente reforçar essas incidências? E a partir daí, pensamos numa
série de ações que elas podem ser, como a gente diz popularmente de baixo perfil,
que muitas vezes vão ser só para reforçar ações já em curso e outras vezes vão ser pra
ter um diferencial, como a própria elaboração de uma nota técnica, como a própria
elaboração de um artigo, como a própria incidência direta com parlamentares e
assessorias. (Barbieri, 2023. Informação Verbal)

Das ações internas observamos que em quase todas as ações houve tentativas diretas de
contraposição de narrativas divergentes a organização em relação ao debate da MPV 919/2020,
conforme o quadro abaixo:

Quadro 2 - Relação de ações com contraposição direta de narrativas externas a Terra de Direitos

Nº DE AÇÕES COM
CONTRAPOSIÇÃO
TIPO DA AÇÃO Nº DE AÇÕES DE NARRATIVA

Notícia 6 3

Evento 4 3

15
Reunião 1 1

Denúncia 1 1

Nota Técnica 1 -
Fonte: o autor, 2023

O marcador de "contraposição de narrativa", do Quadro 2, mostra como as ações


internas fazem menções a discursos e pessoas externas à organização. Em todos os tipos de
ações foram identificadas tentativas de contrapor o discurso a favor da MPV 910/19. Isso
mostra que as ações estavam em sua grande maioria bem posicionadas e com foco na disputa
do debate público.
No entanto, observamos que, das ações internas, a grande maioria resultaram em baixa
repercussão midiática, conforme o quadro abaixo:

Quadro 3 - Relação de ações internas com impacto na mídia

TIPO DA AÇÃO Nº DE AÇÕES Nº DE AÇÕES COM IMPACTO NA MÍDIA

Notícia 6 -

Evento 4 1

Reunião 1 1

Denúncia 1 1

Nota Técnica 1 1
Fonte: o autor, 2023

Apesar do baixo impacto na mídia com as ações internas, a organização teve um


excelente alcance, e consequentemente, impacto no debate público com a realização de
eventos. Neste item das ações, a organização promoveu quatro debates virtuais que
relacionaram os impactos da MPV 910/19 a outros pontos também já abordados na nota técnica
de forma ainda mais incisiva.
Os eventos aconteceram em um espaço temporal curto, mas com foco em públicos
diferentes. Dentre esses eventos, a organização realizou todos com outras organizações e
movimentos sociais participantes e debatedores, sendo um dos eventos de impacto
internacional, com contribuições de movimentos sociais de outros países para comparar
soluções no campo da regularização fundiária na região amazônica. Os registros mostram que
o primeiro debate intitulado Os riscos da Medida Provisória da Grilagem (MP 910) 12 pelo seu

12
Os riscos da Medida Provisória da Grilagem (MP 910). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Nb87xAK_MV0&list=PLd9ochstbzAz0qkQz9IZaxzbRhFJw2VHK&ab_c
hannel=TerradeDireitos>

16
canal no YouTube obteve cerca de 1100 pessoas acompanhando o debate ao vivo; o segundo
evento com 387 pessoas ao vivo; o terceiro evento com 681 pessoas ao vivo; e o quarto com
364 pessoas ao vivo.
Aplicando o conceito desenvolvido por Ganz (2006) de impacto de narrativa pública,
os eventos realizados com ações de advocacy pela Terra de Direitos compõe bem as três
estruturas: a história do eu (Story of Self), quando trazem para o debate a problemática
instaurada pela MPV 910/19 e delimitada pelos aspectos da Nota Técnica; a história de nós
(Story of Us), as participações de outro atores que compartilham do entendimento sobre os
impactos da MPV 910/19; e a história agora (Story of Now) quando apresentam proposições e
saídas para o dilema instaurado.
As notícias internas não tiveram impacto na mídia, mas a Organização foi fonte em
diversos momentos para a mídia que serão listadas nas ações externas a seguir.

Gráfico 2 - Ações externas de advocacy por tipo

Fonte: o autor, 2023

Para as ações externas foram consideradas as ações não produzidas pela equipe da
organização, mas que teve participação da Terra de Direitos em relação ao tema de advocacy.
Foram identificadas ao todo 23 ações contrárias à MPV 910/19 que citam a organização, com
destaque as entrevistas (12) e notas públicas (8).
Em relação ao impacto das entrevistas é um dos momentos que podemos identificar a
maior interlocução direta entre o trabalho e práticas de assessoria de imprensa nas ações de
advocacy. Assim como destaca Rosangela Malachias (2017) que os meios midiáticos são

17
espaços que promovem credibilidade às organizações e suas causas e com isso podem
impulsionar o alcance dos resultados esperados pelo Terceiro Setor.
Ao observarmos quem são os stakeholders13 da estratégia de advocacy da Terra de
Direitos é possível afirmar que a maior parte das ações externas publicizadas, no caso da
mobilização contra a MPV 910/19, foram direcionadas para o Congresso Nacional
(parlamentares) e a Opinião Pública (imprensa), conforme demonstra o gráfico a seguir.

Gráfico 3 - Destinatários das ações externas

Fonte: o autor, 2023

As ações direcionadas para o Congresso Nacional (12), na grande maioria, foram de


mobilização coletiva com outras organizações de direitos humanos e da sociedade civil. As
ações externas coletivas representaram 69,6% (16) do total da estratégia de advocacy externo.
Esta realidade também ocorre de forma semelhante nas ações internas, em que o contingente
de ações com parceiros é bem maior que para as ações individualizadas da organização.
Barbieri destaca que existe a necessidade de se provar, principalmente em ações de advocacy
no Legislativo brasileiro, que o problema reivindicado não é exclusivo apenas a um grupo da
sociedade e que o impacto da medida é amplo.

Para a reivindicação de mudanças e processos legislativos é extremamente importante


você se somar a outras organizações e não trabalhar solitariamente. Isso é necessário
pois, são embates que setores vão ser favorecidos e outros desfavorecidos, como era

13
Conceito criado na década de 1980, pelo filósofo norte-americano Robert Edward Freeman, o stakeholder é
qualquer indivíduo ou organização que, de alguma forma, é impactado pelas ações de uma determinada empresa.
Disponível em: <https://rockcontent.com/br/blog/stakeholder/>

18
o caso da MP 910/19. Neste caso, são muitos atores envolvidos e impactados e eles
precisam estar unidos para a disputa de narrativa, inclusive se necessário, atores
internacionais que possuem um peso diferente na estratégia. E assim, sempre tentar
dialogar melhor com a sociedade como um todo. (BARBIERI, 2023. Informação
Verbal)

Vale destacar que a Terra de Direitos realizou em umas das ações internas, também de
forma coletiva, uma denúncia internacional 14 junto ao Conselho de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU) sobre uma série de medidas que impactavam a
proteção ambiental, como era o caso da MPV 910/19.
Já as ações direcionadas para a opinião pública, na grande maioria foram entrevistas
fornecidas para a mídia brasileira e internacional, sempre críticas à MPV 910/19 e com reforço
de pontos já abordados em outras ações. Barbieri destaca a importância de fazer a frequente
manutenção da contranarrativa nos espaços de maior credibilidade possível.

Então, eu acho que essa questão da visibilidade midiática ela sempre vai trazer,
primeiramente, o pensamento para nós, da contranarrativa. Tem que ter sempre essa
condicionante. A gente às vezes não consegue emplacar nem nos veículos midiáticos
progressistas, mas é uma estratégia de advocacy que vem da comunicação e da
assessoria de imprensa que é muito importante pra isso, pra dizer a nossa versão sobre
os fatos. Por isso, é uma estratégia que cresce à medida que fortalecemos os
argumentos que utilizamos. E também acho que tem uma questão de qualificar o
debate, porque muitas, dependendo de quem está do outro lado, e o argumento é
meramente preconceituoso. E além disso, é também um espaço de visibilidade para a
organização, onde se pode apresentar dados e um trabalho qualificado que geralmente
por estarmos no terceiro setor ou no campo da sociedade civil não chegam para o
debate público. (BARBIERI, 2023. Informação Verbal)

Esta estratégia de busca de espaços midiáticos para visibilidade do ponto de vista


abordado na campanha de advocacy também pode ser considerada como o aproveitamento do
potencial alavancador da credibilidade que a mídia garante para as organizações (Malachias,
2017).

Redes sociais e narrativas digitais

Nas ações para redes sociais contra a MPV 910/19 a Terra de Direitos realizou um
contingente maior de produções. Diferente das demais ações de advocacy internas e
publicizadas, que se iniciaram no dia 08 de maio de 2020, as publicações para as redes sociais
iniciaram antes das demais ações internas. Tendo como a primeira publicação registrada no
dia 13 de janeiro de 2020.

14
"Boiada" de Salles entrará na agenda de reunião da ONU. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/07/08/boiada-de-salles-entrara-na-agenda-de-reuniao-da-
onu.htm?cmpid=copiaecola>

19
As ações para redes sociais estiveram divididas entre X - antigo Twitter -, com 73,3%
das publicações, em seguida o Facebook com 24,4% das publicações e por último o Instagram
com 2,3% das ações, conforme aponta o Gráfico 5 a seguir:

Gráfico 4 - Ações de redes sociais por plataforma

Fonte: o autor, 2023

Dados do ano de 2020 mostram o crescimento do uso da rede social X – na época


chamada de Twitter – no Brasil. Segundo reportagem15 do Portal Valor Econômico a rede
social, no início da pandemia da covid-19, alcançou 38,6 milhões de usuários mensais no país,
um avanço de 15,7% em relação a 2019. Esse grande fluxo de usuários na plataforma pode ser
uma justificativa para maior uso do twitter no período mencionado.
Ao analisarmos a temática dos conteúdos para redes sociais, foi possível verificar a
predominância de conteúdos didáticos sobre o impacto da medida para diferentes públicos
(54,7%) e também conteúdos informativos sobre a tramitação legislativa da MPV 910/19 e do
PL 2633/20, conforme demonstra o gráfico a seguir.

Gráfico 5 - Publicações em redes sociais por temática do conteúdo

15
Avanço do Twitter perde força no Brasil e base de usuários deve crescer só 0,5% em 2024. Disponível em:
<https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/12/14/avanco-do-twitter-perde-forca-no-brasil-e-base-de-
usuarios-deve-crescer-so-05percent-em-2024.ghtml >

20
Fonte: o autor, 2023

Em relação ao tipo de conteúdo, é possível observar uma predominância de conteúdos


em texto (49) – justificando o maior uso do X – , seguido pelo uso de cards (14) e links (10),
conforme o gráfico a seguir.

Gráfico 6 - Ações de redes sociais por tipo de conteúdo

Fonte: o autor, 2023

Segundo Barbieri, o uso com maior intensidade do X se dá pela facilidade de viralização


dos conteúdos de forma rápida e pelo impacto de pressão pública.

21
Ela [X - Twitter] continua sendo uma rede que é estratégica, porque tem muita gente
que ainda a utiliza. É uma rede muito potente, e que garante ação para estratégias
rápidas, inclusive para ações coletivas, e por isso participamos de vários tuitaços 16. É
um espaço onde os interlocutores se ajudam nas ações de diferentes temáticas. E por
isso, pode ser visto como um espaço que funciona para a pressão política,
principalmente para o constrangimento público. Já vi, inclusive, vários parlamentares
incomodados de terem seus perfis marcados e, às vezes, até mesmo fazerem respostas
a partir de marcações na rede, porque realmente acabam sendo constrangidos. E tudo
isso, acaba acontecendo numa velocidade muito rápida e quando percebemos já tem
um monte de gente questionando também. (Barbieri, 2023. Informação Verbal)

Um tipo de conteúdo interessante para maximizar o alcance das publicações em redes


sociais foram os vídeos. A maior parte dos vídeos publicados em redes sociais contavam com
a imagem de terceiros, com destaque especial para artistas e personalidades da mídia brasileira
e de populações e grupos atingidos pela MPV 910/19.

Imagem 1 - Publicações com uso de imagens de personalidades da mídia

Fonte: Reprodução de publicações na rede social X (antigo Twitter) no perfil Terra de Direitos, 2020

Imagem 2 - Publicações com uso de imagens de impactados com a MPV 910/19

16
Um tuitaço é uma chuva de mensagens, também conhecidas como tweets, sobre um assunto no Twitter - agora
chamado X. Disponível em:
<https://www.greenpeace.org.br/hubfs/Campanhas/Desmatamento_Zero/toolkit/pdf/Como_fazer_um_twitaco.p
df>

22
Fonte: Reprodução de publicações na rede social Facebook no perfil da Terra de Direitos, 2020

O uso de imagens de personalidades da mídia e pessoas já reconhecidas pelos públicos


em campanhas de mobilização social desempenha um papel crucial na maximização do
impacto e alcance. Essas figuras têm o poder de influenciar e inspirar massas, pois sua
notoriedade é capaz de cativar a atenção do público. Ao associar essas personalidades a causas
sociais, as campanhas podem ganhar legitimidade, credibilidade e, consequentemente,
aumentar a conscientização e a participação da comunidade. A presença de rostos
reconhecíveis não apenas amplifica a visibilidade da mensagem, mas também estimula uma
conexão emocional, motivando as pessoas a se envolverem ativamente em iniciativas sociais e
contribuírem para a construção de um impacto positivo na sociedade.
Sobre a facilidade de viralização é importante observar a direção do objetivo de cada
publicação. Dos posts feitos no período da campanha contra a MPV 910/19, cerca de 57/%
deles contam com marcações feitas na publicação de públicos a serem atingidos com o
conteúdo, conforme o gráfico a seguir:

Gráfico 7 - Ações de redes sociais com marcação de perfis

23
Fonte: o autor, 2023

Barbieri argumenta que a marcação de perfis faz parte de uma estratégia de atingir a
opinião pública em relação ao perfil mencionado, mas que para isso existe um processo
cuidadoso para que a publicização não atrapalhe outras articulações e estratégias.

A comunicação é fundamental dentro de uma estratégia de advocacy, pois são


processos que se complementam. Muitas vezes, se essas duas estratégias, elas não são
pensadas de forma casada, uma estratégia pode atrapalhar a outra. Nesse processo de
advocacy existem momentos que a comunicação precisa ficar somente entre as
assessorias, entre as organizações e entre os parlamentares, mas não em um processo
de publicização. Se a gente garante publicidade em um processo que é de costura
política, a gente já pode interferir nesse processo do advocacy, como por exemplo,
em casos que os (as) parlamentares ou a assessoria podem se sentir intimidados. Só
que quando a gente chega nesse momento em que os projetos, por exemplo, já são
votados ou que a gente já tem uma pesquisa que a gente já conseguiu levantar todos
os dados, já tem análises mais consolidadas, aí a comunicação com publicização vai
ser estratégica. Mas necessariamente esses processos [de publicização ou não]
precisam ser pensados juntos, porque, por exemplo, se a gente pensa a comunicação
quando o processo já está em andamento, não é possível avaliar o que foi positivo e
o que foi negativo e decidir qual forma é a melhor de comunicar o nosso ponto de
vista. Além disso, a gente começa o processo pensando que é para se comunicar de
determinada forma e de repente, no andamento da estratégia da incidência, a gente
pode perceber que não. (Barbieri, 2023. Informação verbal)

Dada a diversificação dos conteúdos é possível observar que as ações em redes sociais
neste caso fazem parte, conforme Barbieri menciona de uma estratégia estruturada previamente
e com avaliação dos riscos sobre a publicização das ações. Além disso é notável a atuação
cuidadosa sobre as menções e os ganhos e prejuízos que podem trazer para uma ação de
advocacy.

Considerações Finais

24
Na ação de adovocacy da Terra de Direitos contra a MPV 910/19, boa parte das ações
publicizadas internas e externas podem ser consideradas como práticas também utilizadas
pelas assessorias de imprensa e de comunicação no seu dia a dia. Seja por uma construção
histórica do termo advocacy e sua relação com o lobby, seja pela modelagem da necessidade
da defesa de um ponto de vista perante a opinião pública, mas as ações de mobilização
utilizadas resultaram quase sempre em impacto de narrativa ou para a opinião pública (mídia e
legisladores).
No que tange a essencialidade do uso das práticas de assessoria de
imprensa/comunicação nas estratégias de advocacy do Terceiro Setor, ao observarmos o estudo
de caso da Terra de Direitos contra a MPV 910/19, podemos aferir que a comunicação é uma
ferramenta que é utilizada e faz parte de um processo político de escolha sobre quando e como
melhor utilizá-la, principalmente no aspecto da publicização diante do debate público.
Neste aspecto sobre a publicização é importante ainda observar que nas estratégias de
advocacy de pautas sociais é extremamente importante que os interlocutores atuem de forma
unificada a partir do seu posicionamento para ganhar setores da sociedade e futuramente a
disputa de narrativas. Vide que a grande maior parte das ações que obtiveram êxito no caso da
Terra de Direitos, foram ações somadas a outras organizações e movimentos da sociedade.
Também é importante observarmos que as redes sociais agem como amplificadores do
ponto de vista das organizações. É como se fosse um espaço aberto de disputa de narrativas,
que aos poucos geram volume e credibilidade da opinião pública formada nestes espaços para
futuramente serem barganhadas nas ações de advocacy junto ao poder público. Esta busca por
aumento de credibilidade nos espaços digitais também pode contar com atores consolidados da
mídia, como foi o caso da Terra de Direitos no uso da visibilidade de personalidade da mídia
para ecoar seu ponto de vista.
Vale ressaltar que a comunicação pode ser utilizada como estratégia de ação para as
organizações que atuam junto ao poder público por intermédio do advocacy para obter
melhores resultados. Por fim, este estudo ressalta a importância da atuação cada vez maior de
comunicadores nos espaços de advocacy e incidência política, pois contribuem massivamente
com a definição de melhores estratégias para atingir seus stakeholders, seja sem ou com
publicização.

25
Referências

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