2024 JoseLucasRodriguesAzevedo TCC
2024 JoseLucasRodriguesAzevedo TCC
2024 JoseLucasRodriguesAzevedo TCC
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Brasília
2024
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Brasília
2024
1
JOSÉ LUCAS RODRIGUES AZEVEDO
BANCA EXAMINADORA
___________________________
Orientadora
___________________________
Examinadora
___________________________
Examinador
___________________________
Suplente
2
Narrativas para incidência legislativa:
práticas da assessoria de comunicação da Terra de Direitos
para o advocacy do Terceiro Setor1
Resumo
A partir do estudo de caso das ações publicizadas de incidência legislativa da organização de
direitos humanos, Terra de Direitos, contra a Medida Provisória 910/2019, conhecida como a
"MP da Grilagem", este estudo busca entender como as práticas historicamente utilizadas pela
assessoria de imprensa e de comunicação estão presentes nas estratégias de advocacy do
Terceiro Setor. Diante do atual contexto de revolução de mídias digitais e o impulsionamento
da disputa de narrativas, perante a opinião pública, analisamos como as ações de comunicação
são um fator central para o engajamento público e uma possível mudança social dentro de uma
estratégia de advocacy.
Abstract
Based on the case study of the publicized actions of legislative influence by the human rights
organization, Terra de Direito, against Provisional Measure 910/2019, known as the "MP of
Land Grabbing", this study seeks to understand how the practices historically used by the
consultancy press and communication are present in Third Sector advocacy strategies. Given
the current context of digital media revolution and the promotion of the dispute over narratives,
in the face of public opinion, we analyze how communication actions are a central factor for
public engagement and possible social change within an advocacy strategy.
1
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Comunicação Organizacional, da Faculdade de
Comunicação, Universidade de Brasília (UnB), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Organizacional, sob orientação da Profa. Dra. Maíra Moraes.
2
Bacharel em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB) e graduando em Comunicação Organizacional
pela mesma instituição. Atuou junto à equipe de comunicação da Terra de Direitos entre 2017 e 2023.
3
Introdução
3
Sobre Terra de Direitos. Disponível em: <https://terradedireitos.org.br/quem-somos/sobre>
4
O intuito é identificar, a partir do estudo de caso, como as práticas de comunicação
utilizadas foram capazes de ajudar na disputa de narrativas no debate público sobre a MPV 910
e também impactar na narrativa sobre o seu objeto – regularização fundiária de terras da União.
Abordaremos como a comunicação de causas ou comunicação do Terceiro Setor tem
utilizado a comunicação – como ciência – e as narrativas digitais de informação como chave
do sucesso para o impedimento de medidas legislativas que violam direitos.
A escolha do tema também passa pelo interesse do autor em entender como são
definidas as estratégias de comunicação para uma ação de advocacy junto ao Legislativo
brasieliro e como profissionais de comunicação tem atuado dentro da área. Para isso, uma
entrevista foi realizada com a coordenadora de incidência política da Terra de Direitos, que
atuou na campanha contra a MPV 910/19, a jornalista Gisele Barbieri.
Para iniciarmos as discussões sobre ações de assessoria de comunicação presentes no
advocacy da Terra de Direitos, é importante apresentar a definição dos termos e conceitos
utilizados neste estudo, já que estes são importantes para entender se a estratégia utilizada pela
Terra de Direitos foi efetiva diante dos seus objetivos.
Para entender como a prática do advocacy se faz presente no dia a dia das organizações
do Terceiro Setor e sua diferenciação das práticas do lobby, Rennan Mafra atualiza e amplia o
conceito de advocacy e ao mesmo tempo centraliza o termo dentro das práticas de
comunicação.
Em contextos democráticos contemporâneos, a noção de advocacy tem ganhado
saliência considerável, seja para caracterizar determinadas práticas empreendidas
pelos inúmeros grupos que lutam por causas sociais, as mais diversas, seja para os
próprios grupos se auto designarem “grupos de advocacy”, como aqueles cuja
principal atribuição se voltaria à atividade de “advogar” em favor de inúmeros
sujeitos, sem voz e vez nas arenas políticas formais, em condições de violação de
direitos, de sofrimento moral e/ou de invisibilidade na cena pública. (Mafra, 2014. p
182)
5
Diferentemente do lobby, não é totalmente consenso a definição do que seria o
advocacy. Segundo estudos de Mafra (2014) o termo advocacy advém de:
Buzzoni classifica e sintetiza essas quatro ações de Mafra como algo mais pragmático:
a) campanhas: falar publicamente sobre uma questão; b) agir como defensor de direitos:
representar uma pessoa ou um grupo, a fim de assegurar que seu ponto de vista seja ouvido
(interceder em seu nome); c) fazer lobby: tentar influenciar a formulação de políticas por
meio de reuniões particulares e outras formas de comunicação direta com formuladores
de políticas; e d) mediação: representar duas ou mais partes, para se chegar a um acordo.
Apesar compreendida para algumas pessoas como o simples ato de advogar por uma
causa social, ambiental ou cultural, a aplicabilidade do advocacy, é difícil de ser percebida. Em
contextos contemporâneos, por mais que ainda seja utilizado para indicar ações de defesa de
causas de interesse comum, tal prática também pode assinalar ações voltadas à defesa de
interesses particulares (Buzzoni, 2022).
A partir dos estudos de Buzzoni é possível definir de forma mais prática para este estudo
o advocacy como:
Exposto isso, é importante ressaltar que essas estratégias de advocacy podem apresentar
ganhos ao exercício da deliberação, no sentido de expandir questões controversas, referidas a
inúmeros atores às margens do sistema político (BUZZONI, 2022, p. 40). A partir dessa
realidade é que se constrói a relação entre política e comunicação, considerando que o público
é aquilo que é de todos e que a política é tida como a arte de construir consensos (Buzzoni,
2022).
6
Com a revolução tecnológica e dentro do jogo democrático, a informação – que já tinha
sua relevância – tem cada vez mais um papel central para definição dos rumos do interesse
público. Como aponta Buzzoni na sua pesquisa sobre a prática do advocacy como estratégia da
comunicação política:
Elaborar uma narrativa pública completa é uma forma de conectar três elementos
centrais da prática de liderança: história (por que devemos agir agora, coração),
estratégia (como podemos agir agora, cabeça) e ação (o que devemos fazer para agir
agora, mãos). Como sugerem as palavras poderosas do Rabino Hillel, defender-se é
um primeiro passo, mas insuficiente. Você também deve construir a comunidade com
a qual você está e fazer com que essa comunidade aja em conjunto agora. (Ganz,
2006, p. 4, tradução nossa)
7
Comunicar é mostrar, transmitir, propagar. É ouvir, trocar e chegar ao outro. Quando
se deseja comunicar uma causa, no entanto, é preciso ir além. Uma causa é uma demanda da
sociedade e requer uma mudança de comportamento. Ainda não há consenso em torno de um
único termo: comunicação de causas, comunicação transformadora, comunicação de impacto,
comunicação para transformação social, entre outras denominações, porém todas buscam
comunicar à sociedade um clamor social e convocá-la a agir.
Envolve, portanto, “colocar um tema na agenda da sociedade, mobilizar os convertidos,
conquistar os indiferentes e influenciar os tomadores de decisão com o objetivo de mudar a
realidade social, cultural, econômica e ambiental por meio da sensibilização do público e de
mudanças nas políticas públicas” (Cause, Instituto Arapyaú, Shoot The Shit, 2016, p. 7, apud
Moraes, 2021 p. 1).
Se para estratégias de mobilização é necessário impactar a sociedade por meio da
narrativa pública, no caso de ações de advocacy se faz necessário atingir a opinião pública para
dialogar com os formuladores das leis. Assim como o histórico do lobby e das assessorias de
comunicação mostram, a tentativa de impactar a opinião pública é necessária para a mudança
social.
No artigo O que significa 'Opinião Pública? Um estudo sobre os diferentes sentidos do
termo nos editoriais do jornal O Estado de S. Paulo, Marques (2017) destaca que o termo
“opinião pública” pode ser utilizado e aplicado em diferentes contextos e disputas. Tais
variações de atributos conferidas a essa expressão, conforme explica Gomes (2001, p. 61),
surgem de batalhas ideológicas preocupadas, por exemplo, em tornar hegemônica uma
compreensão específica acerca da natureza do que significa a própria noção de democracia.
Marques também defende que o conceito de opinião pública está relacionado com a
atuação da mídia como indústria de produção de informação.
Os media ocupam um papel especial nesse contexto, uma vez que é graças à
comunicação de massa (seja na condição de instrumento, seja na condição de
instituição) que a sociedade pode aceder aos acontecimentos do jogo político
(Campos, 2015; Maia, 2008; Gomes, 2004; Manin,1995; Schudson, 2008). Assim, o
Jornalismo, mais exatamente, além de reivindicar legitimidade na condição de
mediador do relato dos fatos, toma para si a tarefa de orientar o público, inclusive por
8
meio da oferta de opiniões que lhes são peculiares. (Marques, Mont'alverne, Kniess,
Pupo, 2017, p. 55)
Com o exposto é possível verificar que dentro do jogo político comunicadores e suas
habilidades técnicas científicas – que muitas são pensadas para atingir a opinião pública –
também passam a compor o rol de peças fundamentais para a democracia e a disputa de
narrativas.
O surgimento da função de assessor de imprensa está intimamente relacionado à a do
Relações Públicas. Os estudiosos franceses Chaumely e Huisman (1964), no livro As Relações
Públicas, associam o início da atividade dos Relações Públicas à Guerra das Gálias, “graças à
qual o Sr. César teve êxito da eleição” . Eles também extraem vestígios das atividades dos
Relações Públicas em Virgílio, de quem as Geórgias constituem notável programa do tipo
checklist para retorno à terra, realizando, desse modo, as relações públicas da agricultura no
século I antes de Cristo. (Chaumley; Huisman, 1964, p. 9-10, apud Jacob, 2004. pg 9)
O americano Ivy Lee é considerado o criador da atividade de Relações Públicas. Em
1906, ele abandonou o jornalismo para fundar o primeiro escritório de Relações Públicas do
Mundo, em Nova Iorque. O contexto histórico daquela época indica que havia uma tremenda
hostilidade aos executivos americanos, acusados de monopólio e de arrasarem as micro e
pequenas empresas. A “conversão” de Lee às relações públicas foi feita para atender ninguém
menos que John D. Rockfeller, na época um dos mais impopulares homens de negócios dos
Estados Unidos perante a opinião pública. (Jacob, 2004. pg 13)
Ivy Lee não se limitou a cuidar bem do relacionamento com a imprensa. Homem de
comunicação, ele sabia que a imagem das pessoas, como a das instituições, não se
muda apenas com notas em jornais. Por isso, desenvolveu habilidades e técnicas de
criar fatos noticiáveis, de preferência retumbantes. Com eles alterou os valores de
referência associados à imagem pública de John Rockfeller. E fundou a escola das
relações públicas”. (Chaparro, p. 38, apud Jacob, 2004. pg 10).
De acordo com Chaumely e Huisman (1964, p. 9-10, apud Jacob, 2004. pg 10) o Canadá
foi o primeiro país a adotar a nova atividade criada pelos americanos. Seis anos depois, foi a
vez da Europa. A porta de entrada foi a França, por iniciativa das empresas Esso Standard e
Shell. Na década seguinte, já existiam agências e/ou departamentos de relações públicas na
Holanda, Inglaterra, Noruega, Itália, Bélgica, Suécia, e Finlândia.
Segundo o pesquisador Manuel Chaparro, no Brasil o surgimento do Assessor de
Imprensa se confunde com a do Relações Públicas. A figura do Relações Públicas, no que se
refere ao contato específico com o "público" da imprensa, dá lugar à figura do Assessor de
Imprensa, mediador entre a instituição e a mídia.
9
A partir desses breve histórico é possível verificar que a ação do Assessor de Imprensa
tem como objetivo então suprir a linguagem da propaganda e atingir de outras formas os
públicos formadores de opinião.
O jornalista e relações públicas Jorge Duarte, no texto Assessoria de Imprensa no Brasil
(Duarte, 2002, p.81) afirma que “a migração de jornalistas para áreas diversificadas ocorreu
pela ação competente em assessorias no campo de trabalho surgido particularmente na década
de 80, quando o uso da informação e o estabelecimento de relacionamentos adequados – não
apenas com a imprensa – passaram a ser estratégicos para as organizações brasileiras.
As assessorias de imprensa tornaram-se então o embrião de estruturas de comunicação
que fornecem grande diversidade de produtos e serviços. E estão, ainda na forma original ou
ampliada, no Legislativo, Executivo e Judiciário (no âmbito federal, estadual e municipal), em
empresas públicas, privadas (inclusive alguns veículos de comunicação), terceiro setor – o qual
analisaremos posteriormente neste artigo –, universidades, nas Forças Armadas, sindicatos,
entidades de classe, apoiando pessoas físicas (artistas, esportistas, políticos).
Dado o exposto, analisaremos as estratégias utilizadas pela organização Terra de
Direitos contra a aprovação da Medida Provisória (MPV) 910/2019 - conhecida como a MP da
grilagem - junto ao Legislativo brasileiro e também à opinião pública.
Desenvolvimento
4
Altera a Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações
incidentes em terras situadas em áreas da União, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para
licitações e contratos da administração pública, e a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os
registros públicos. Disponível em:<https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-
/mpv/140116>
10
lotes de até quatro módulos e apenas na Amazônia Legal. Dependendo da região, um módulo
fiscal varia de 5 a 110 hectares. Em reportagem 5 publicada pela Agência Senado em dezembro
de 2019 foi destacada a fala da, na época, ministra da Agricultura Teresa Cristina, classificando
a medida como "uma dívida que o Brasil tem com a sociedade".
Assim como estabelece a Emenda Constitucional nº 32, de 20016, a Medida Provisória
entra em vigor de forma imediata, mas precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional em até
120 dias para não perder a validade. E como define o art. 62 da Constituição Federal 7, as
Medidas Provisórias precisam de apreciação pelas duas Casas do Congresso Nacional (Câmara
e Senado) para se converter definitivamente em lei ordinária.
Em sete dias o Congresso Nacional instalou a Comissão Mista responsável pela análise
da MPV 910/19 - dado a agilidade na instalação da Comissão é possível observar a prioridade
que a medida possui dentro da agenda de trabalho do Governo. Com isso, o prazo de apreciação
foi delimitado até 19 de maio para que a MPV 910/19 não perdesse a validade.
Em janeiro de 2020, a imprensa brasileira já se debruçava a esmiuçar os entraves por
trás da MPV 910/19 e as principais críticas da oposição. Em reportagem 8 publicada pela BBC
Brasil em 13 de janeiro de 2020, o texto já abordava a MPV 910/19 com o nome amplamente
utilizado pela sociedade civil brasileira de "MP da Grilagem". A reportagem destacou como
maior impacto da MPV 910/19 a possibilidade de que terras públicas desmatadas com até 2.500
hectares (o equivalente a 2.500 campos de futebol) se tornassem propriedade de quem as
ocupou irregularmente dentro do espaço temporal delimitado pela MPV 910/19 de até 2014.
Ao longo do tempo de tramitação na Comissão Mista a MPV 910/19 recebeu diversas
críticas, principalmente sobre as brechas para a grilagem de terras públicas com a
autodeclaração da dimensão territorial da área, e pelo estímulo à destruição de novas áreas de
floresta em um momento em que a Amazônia apresentava os maiores índices de desmatamento
da última década.
5
Governo edita MP que institui um novo programa de regularização fundiária. Publicada em 11 de dezembro de
2019. Disponível em:<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/11/governo-edita-mp-que-
institui-um-novo-programa-de-regularizacao-fundiaria>
6
Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001. Disponível
em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc32.htm#art1>
7
Constituição Federal, Art. 62. Disponível
em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art62 >
8
Como a 'MP da grilagem' pode mudar o mapa de regiões da Amazônia. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
51071810?fbclid=IwAR1OISGxUk5tpJ3oXbTpmYJ2jL92fCQCsp12jfE00R15ReHXmRRxMb0vzvE>
11
Ao todo, conforme demonstra o relatório do painel de monitoramento 9 da atividade
legislativa do Senado Federal, a Comissão Mista da MPV 910/19 realizou 4 reuniões, conforme
o quadro:
9
Comissão Mista da Medida Provisória n° 910, de 2019. Disponível
em:<https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?codcol=2324 >
12
04/03/2020 Coordenação Nacional de Oriel Rodrigues de Moraes Contra a MPV
Articulação das Comunidades
Negras Rurais Quilombolas
(CONAQ)
É possível observar que a Comissão Mista da MPV 910/19 recebeu dezenove (19)
representantes para as quatro (4) audiências públicas realizadas. Dos representantes ouvidos,
onze (11) foram contra a MPV 910/19 nos moldes apresentados pelo Governo Federal da
época. Este também pode ser considerado um dos fatores que demonstram a dificuldade que o
tema enfrentaria diante da opinião pública.
Ao todo a Comissão Mista recebeu 542 emendas dos(as) parlamentares ao texto da
MPV 910/19. Após a realização das audiências, o relator, Senador Irajá (PSD-TO) partiu para
a apresentação do relatório, que por sua vez, foi favorável ao texto proposto pelo Governo
Federal mas que conforme apontado por reportagem 10 da Rádio Senado, excluiu emendas que
tratavam de desmatamento, anistia e grilagem.
Após a apresentação do relatório, a Comissão Mista tentou votar a MPV 910/19, mas
não conseguiu quórum entre os (as) parlamentares integrantes. Vale ressaltar que, na época, o
mundo enfrentava a pandemia de coronavírus. Com isso, a MPV 910/19 não chegou a ser
votada pela comissão mista e foi direto para o plenário da Câmara dos Deputados, que por sua
vez também não conseguiu a aprovação da MPV 910/19 antes do fim do prazo regimental.
Diante da dificuldade de aprovação do texto da MPV 910/19, no dia 15 de maio de
2020 - 4 dias para o fim do prazo de apreciação da MPV - o deputado da base do governo Zé
Silva (Solidariedade-MG) apresentou o Projeto de Lei 2.633/2020, com o mesmo texto da MPV
910/19.
10
Irajá apresenta relatório à MP do novo Programa de Regularização Fundiária. disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2020/03/12/iraja-apresenta-relatorio-favoravel-a-mp-que-institui-
novo-programa-de-regularizacao-fundiaria>
13
Segundo os registros da atividade legislativa 11 do PL 2.633/20, apesar da proposta ter
sido aprovada em caráter de urgência, em outubro de 2021, por 296 votos a 136 pela Câmara
dos Deputados, o PL ainda segue em análise pelo Senado Federal até a data deste artigo, em
dezembro de 2023. Caso sejam feitas mudanças na proposta, a matéria ainda precisa ser
aprovada novamente pela Câmara dos Deputados. É importante destacar que o longo espaço
temporal e principalmente a troca de Governo, em 2023, são fatores importantes para a
dificuldade de aprovar a proposta.
11
PL 2633/2020. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2252589>
14
Técnica sobre a MPV 910/19. Na ementa do documento a Terra de Direitos destacou o escopo
da sua atuação no tema:
Uma das questões fundamentais quando a gente pensa nas ações de incidência para
desenvolver na Terra de Direitos é de onde a gente fala e o que a gente tem para
contribuir em determinados temas. E a gente sabe que a definição da agenda ela vai
a partir dos públicos e dos territórios com os quais a Terra de Direitos trabalha. Mas
não é em todos os temas que a gente vai ter uma atuação de destaque nas estratégias
de advocacy. Então, a gente sempre pensa no tema, e a gente fala de onde e como a
gente pode contribuir. E sempre pensando nisso: a gente tem uma contribuição
diferenciada para dar com relação ao tema? ou é mais vantajoso e mais estratégico, a
gente se juntar com outras organizações que já têm acúmulo em determinados temas
e que a gente possa somente reforçar essas incidências? E a partir daí, pensamos numa
série de ações que elas podem ser, como a gente diz popularmente de baixo perfil,
que muitas vezes vão ser só para reforçar ações já em curso e outras vezes vão ser pra
ter um diferencial, como a própria elaboração de uma nota técnica, como a própria
elaboração de um artigo, como a própria incidência direta com parlamentares e
assessorias. (Barbieri, 2023. Informação Verbal)
Das ações internas observamos que em quase todas as ações houve tentativas diretas de
contraposição de narrativas divergentes a organização em relação ao debate da MPV 919/2020,
conforme o quadro abaixo:
Quadro 2 - Relação de ações com contraposição direta de narrativas externas a Terra de Direitos
Nº DE AÇÕES COM
CONTRAPOSIÇÃO
TIPO DA AÇÃO Nº DE AÇÕES DE NARRATIVA
Notícia 6 3
Evento 4 3
15
Reunião 1 1
Denúncia 1 1
Nota Técnica 1 -
Fonte: o autor, 2023
Notícia 6 -
Evento 4 1
Reunião 1 1
Denúncia 1 1
Nota Técnica 1 1
Fonte: o autor, 2023
12
Os riscos da Medida Provisória da Grilagem (MP 910). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Nb87xAK_MV0&list=PLd9ochstbzAz0qkQz9IZaxzbRhFJw2VHK&ab_c
hannel=TerradeDireitos>
16
canal no YouTube obteve cerca de 1100 pessoas acompanhando o debate ao vivo; o segundo
evento com 387 pessoas ao vivo; o terceiro evento com 681 pessoas ao vivo; e o quarto com
364 pessoas ao vivo.
Aplicando o conceito desenvolvido por Ganz (2006) de impacto de narrativa pública,
os eventos realizados com ações de advocacy pela Terra de Direitos compõe bem as três
estruturas: a história do eu (Story of Self), quando trazem para o debate a problemática
instaurada pela MPV 910/19 e delimitada pelos aspectos da Nota Técnica; a história de nós
(Story of Us), as participações de outro atores que compartilham do entendimento sobre os
impactos da MPV 910/19; e a história agora (Story of Now) quando apresentam proposições e
saídas para o dilema instaurado.
As notícias internas não tiveram impacto na mídia, mas a Organização foi fonte em
diversos momentos para a mídia que serão listadas nas ações externas a seguir.
Para as ações externas foram consideradas as ações não produzidas pela equipe da
organização, mas que teve participação da Terra de Direitos em relação ao tema de advocacy.
Foram identificadas ao todo 23 ações contrárias à MPV 910/19 que citam a organização, com
destaque as entrevistas (12) e notas públicas (8).
Em relação ao impacto das entrevistas é um dos momentos que podemos identificar a
maior interlocução direta entre o trabalho e práticas de assessoria de imprensa nas ações de
advocacy. Assim como destaca Rosangela Malachias (2017) que os meios midiáticos são
17
espaços que promovem credibilidade às organizações e suas causas e com isso podem
impulsionar o alcance dos resultados esperados pelo Terceiro Setor.
Ao observarmos quem são os stakeholders13 da estratégia de advocacy da Terra de
Direitos é possível afirmar que a maior parte das ações externas publicizadas, no caso da
mobilização contra a MPV 910/19, foram direcionadas para o Congresso Nacional
(parlamentares) e a Opinião Pública (imprensa), conforme demonstra o gráfico a seguir.
13
Conceito criado na década de 1980, pelo filósofo norte-americano Robert Edward Freeman, o stakeholder é
qualquer indivíduo ou organização que, de alguma forma, é impactado pelas ações de uma determinada empresa.
Disponível em: <https://rockcontent.com/br/blog/stakeholder/>
18
o caso da MP 910/19. Neste caso, são muitos atores envolvidos e impactados e eles
precisam estar unidos para a disputa de narrativa, inclusive se necessário, atores
internacionais que possuem um peso diferente na estratégia. E assim, sempre tentar
dialogar melhor com a sociedade como um todo. (BARBIERI, 2023. Informação
Verbal)
Vale destacar que a Terra de Direitos realizou em umas das ações internas, também de
forma coletiva, uma denúncia internacional 14 junto ao Conselho de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU) sobre uma série de medidas que impactavam a
proteção ambiental, como era o caso da MPV 910/19.
Já as ações direcionadas para a opinião pública, na grande maioria foram entrevistas
fornecidas para a mídia brasileira e internacional, sempre críticas à MPV 910/19 e com reforço
de pontos já abordados em outras ações. Barbieri destaca a importância de fazer a frequente
manutenção da contranarrativa nos espaços de maior credibilidade possível.
Então, eu acho que essa questão da visibilidade midiática ela sempre vai trazer,
primeiramente, o pensamento para nós, da contranarrativa. Tem que ter sempre essa
condicionante. A gente às vezes não consegue emplacar nem nos veículos midiáticos
progressistas, mas é uma estratégia de advocacy que vem da comunicação e da
assessoria de imprensa que é muito importante pra isso, pra dizer a nossa versão sobre
os fatos. Por isso, é uma estratégia que cresce à medida que fortalecemos os
argumentos que utilizamos. E também acho que tem uma questão de qualificar o
debate, porque muitas, dependendo de quem está do outro lado, e o argumento é
meramente preconceituoso. E além disso, é também um espaço de visibilidade para a
organização, onde se pode apresentar dados e um trabalho qualificado que geralmente
por estarmos no terceiro setor ou no campo da sociedade civil não chegam para o
debate público. (BARBIERI, 2023. Informação Verbal)
Nas ações para redes sociais contra a MPV 910/19 a Terra de Direitos realizou um
contingente maior de produções. Diferente das demais ações de advocacy internas e
publicizadas, que se iniciaram no dia 08 de maio de 2020, as publicações para as redes sociais
iniciaram antes das demais ações internas. Tendo como a primeira publicação registrada no
dia 13 de janeiro de 2020.
14
"Boiada" de Salles entrará na agenda de reunião da ONU. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/07/08/boiada-de-salles-entrara-na-agenda-de-reuniao-da-
onu.htm?cmpid=copiaecola>
19
As ações para redes sociais estiveram divididas entre X - antigo Twitter -, com 73,3%
das publicações, em seguida o Facebook com 24,4% das publicações e por último o Instagram
com 2,3% das ações, conforme aponta o Gráfico 5 a seguir:
15
Avanço do Twitter perde força no Brasil e base de usuários deve crescer só 0,5% em 2024. Disponível em:
<https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/12/14/avanco-do-twitter-perde-forca-no-brasil-e-base-de-
usuarios-deve-crescer-so-05percent-em-2024.ghtml >
20
Fonte: o autor, 2023
21
Ela [X - Twitter] continua sendo uma rede que é estratégica, porque tem muita gente
que ainda a utiliza. É uma rede muito potente, e que garante ação para estratégias
rápidas, inclusive para ações coletivas, e por isso participamos de vários tuitaços 16. É
um espaço onde os interlocutores se ajudam nas ações de diferentes temáticas. E por
isso, pode ser visto como um espaço que funciona para a pressão política,
principalmente para o constrangimento público. Já vi, inclusive, vários parlamentares
incomodados de terem seus perfis marcados e, às vezes, até mesmo fazerem respostas
a partir de marcações na rede, porque realmente acabam sendo constrangidos. E tudo
isso, acaba acontecendo numa velocidade muito rápida e quando percebemos já tem
um monte de gente questionando também. (Barbieri, 2023. Informação Verbal)
Fonte: Reprodução de publicações na rede social X (antigo Twitter) no perfil Terra de Direitos, 2020
16
Um tuitaço é uma chuva de mensagens, também conhecidas como tweets, sobre um assunto no Twitter - agora
chamado X. Disponível em:
<https://www.greenpeace.org.br/hubfs/Campanhas/Desmatamento_Zero/toolkit/pdf/Como_fazer_um_twitaco.p
df>
22
Fonte: Reprodução de publicações na rede social Facebook no perfil da Terra de Direitos, 2020
23
Fonte: o autor, 2023
Barbieri argumenta que a marcação de perfis faz parte de uma estratégia de atingir a
opinião pública em relação ao perfil mencionado, mas que para isso existe um processo
cuidadoso para que a publicização não atrapalhe outras articulações e estratégias.
Dada a diversificação dos conteúdos é possível observar que as ações em redes sociais
neste caso fazem parte, conforme Barbieri menciona de uma estratégia estruturada previamente
e com avaliação dos riscos sobre a publicização das ações. Além disso é notável a atuação
cuidadosa sobre as menções e os ganhos e prejuízos que podem trazer para uma ação de
advocacy.
Considerações Finais
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Na ação de adovocacy da Terra de Direitos contra a MPV 910/19, boa parte das ações
publicizadas internas e externas podem ser consideradas como práticas também utilizadas
pelas assessorias de imprensa e de comunicação no seu dia a dia. Seja por uma construção
histórica do termo advocacy e sua relação com o lobby, seja pela modelagem da necessidade
da defesa de um ponto de vista perante a opinião pública, mas as ações de mobilização
utilizadas resultaram quase sempre em impacto de narrativa ou para a opinião pública (mídia e
legisladores).
No que tange a essencialidade do uso das práticas de assessoria de
imprensa/comunicação nas estratégias de advocacy do Terceiro Setor, ao observarmos o estudo
de caso da Terra de Direitos contra a MPV 910/19, podemos aferir que a comunicação é uma
ferramenta que é utilizada e faz parte de um processo político de escolha sobre quando e como
melhor utilizá-la, principalmente no aspecto da publicização diante do debate público.
Neste aspecto sobre a publicização é importante ainda observar que nas estratégias de
advocacy de pautas sociais é extremamente importante que os interlocutores atuem de forma
unificada a partir do seu posicionamento para ganhar setores da sociedade e futuramente a
disputa de narrativas. Vide que a grande maior parte das ações que obtiveram êxito no caso da
Terra de Direitos, foram ações somadas a outras organizações e movimentos da sociedade.
Também é importante observarmos que as redes sociais agem como amplificadores do
ponto de vista das organizações. É como se fosse um espaço aberto de disputa de narrativas,
que aos poucos geram volume e credibilidade da opinião pública formada nestes espaços para
futuramente serem barganhadas nas ações de advocacy junto ao poder público. Esta busca por
aumento de credibilidade nos espaços digitais também pode contar com atores consolidados da
mídia, como foi o caso da Terra de Direitos no uso da visibilidade de personalidade da mídia
para ecoar seu ponto de vista.
Vale ressaltar que a comunicação pode ser utilizada como estratégia de ação para as
organizações que atuam junto ao poder público por intermédio do advocacy para obter
melhores resultados. Por fim, este estudo ressalta a importância da atuação cada vez maior de
comunicadores nos espaços de advocacy e incidência política, pois contribuem massivamente
com a definição de melhores estratégias para atingir seus stakeholders, seja sem ou com
publicização.
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Referências
BARBIERI. Gisele. Depoimento [Nov. 2023]. Entrevistador: José Lucas Rodrigues Azevedo.
Brasília: Universidade de Brasília (UnB), 2023. 1 arquivo. mp4 (52 min). Entrevista concedida
para pesquisa sobre estratégias de advocacy da Terra de Direitos contra a Medida Provisória
910/2019.
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<https://tryingtothrivenotjustsurvive.files.wordpress.com/2014/07/x-organizing-people-
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Hohlfeldt(ed.), Práticas mediáticas e espaço público (pp. 61-82). Porto Alegre: Editora da
PUC/RS
JACOB, Cristiane. Manual do Porta-Voz: dicas de como se portar numa entrevista. Rio de
Janeiro, 2004. Disponível em <https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/817/1/CJacob.pdf>
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do termo nos editoriais do jornal O Estado de S. Paulo. Revista Estudos em Comunicação. 25.
53-78. 10.20287/ec.n25.v1.a04.
MOREIRA, Júlio César Tavares. Dicionário de Termos de Marketing. São Paulo: Atlas, 1999.
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