Um Amigo para Sempre

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 17

Marina Colasanti

QUINTETO
EDITORIAL
Marina Colasanti, 1998

Todos os direitos de edigâo reservados a


QUINTETO EDITORIAL LTDA.
Rua Rui Barbosa, 56 - sala 1
(Bela Vista) Sâo Paulo SP
CEP 01326-010
Telefone (0-M-11) 3253-504 1
Fax t0-Xx-1 J) 3284-8500 r. 254
E-mail: quinteto fto.com.br

Dados lnternacionais de Catalogagâo na Publicagâo (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Colasanti, Marina.
C65aUm amigo para sempre / Marina Colasanti; [capa e
ilustrasoes da autora].— Sao Paulo: Quinteto Edito- rial,
1988.

ISBN 85-305-0019-9

1. Literatura infanto-juvenit. I. Titulo.

88-0687 CDD-028.5

Indices para catalogo sistematico:


1. Literatura infantil 028.5
2. Literatura infanto-juvenil 028.5
Porque pensava diferente dos que chefiavam seu pats,
aquele homem estava preso.
Ficava sozinho numa cela. Mas uma vez por dia
vinham buscâ-lo e o levavam para apanhar so1. Era
importante que apanhasse so1, para nño morrer. Os que o
mantinham preso nao queriarn que morre5se.
La fora era uma espécie de grande jardim rodeado de
muros altos, e vigiado. Na verdade, nem um jardim,
porque nño tinha asseio de conteiros. Mas jardim, sirn, no
pensamento do homem, porque tinha flores, as arvores
desenhavam rnanchas de sombra no chao, e havia passaros.
todos os dras, entño, o homcrn juntava a alcgria de
que dispunha, para receber a hora de sair. E era sempre
sorrindo na alma c{ue passava pela porta maior, entrando
na luz. No rosto nao, nao sorria, porque nao queria que
seus carcereiros soubesscm.
No inicio, quando saga, levava um livro, para ficar
lendo deitado na grama, naquele que era o seu recreio.
Depois percebeu que o livro era desnecessârio porque,
embora tendo-o aberto diante ale si, nao o lia, o olhar
preferindo pousar sobre as folhas, os talos de yama, as
nuvens, verde e azul que ltte faziam tanta falta no
monstono cinza da cela.
A partir dat come9ou a levar um peda9o de pao. O
pro, sim, era importante para aproveitar melhor aquela
hora. Botava um peda9o na boca e ficava mastigando,
mastigando. Primeiro era qosto de pao mesmo. Depois,
com a saliva, ia virando gosto de trigo e, deitado ao sol, de
olhos fechados, o homem podia imaginar-se num trigal,
com alguma Aqua por perto, de fonte on rio, que corria
clara e na qual banharia o rosto quando tivesse vontade.
Foi por causa do pfio que o passarinho chegou mais
perto. Nao muito, é claro. Mas um pouco mais que os
outros. O suficiente para que o homem reparasse nele e
passasse a observâ-lo com aten9ao.
@ueria as migalhas. Tinha uma cabecinha delicada e
redonda que inclinava para o lado, como se pensasse coisas
irnportantes. E talvez pensasse... Os olhos também erarn
redondos, brilhantes como se duros. E duro era certamente
o bico com que ciscava o chao sem se descuidar da perigosa
proximidade do homem.
“Eis”, pensou o homem, “um passarinho corajoso!” E
espalhou migalhas sobre a grarna, recuando alguns passos
para que ele pudesse vir buscâ-las.
No dia seguinte, mal se lembrava do passarinho.
Porém novamente, enquanto partia peda9os de pao para
levâ-losâ boca, ele se destacou dos demais e se aproximou
saltitando, pronto a voar ao menor perigo, mas arriscando-
se um pouco mais. E novamente o homem premiou com
migalhas a sua coragem.
Assim come am a se extender. E a partir de entao o
homem percebeu que a alegria de sair juntava-se outra, a
alegria de urn encontro.
Agora, cada vez que cruzava a porta maior
mergulhando no sol, perguntava-se se o passarinho estaria
la, esperando-o. E sempre estava.

8
fissa era a forma que tinliam d‹- convert r•ra o
hotiicm, que nano falava coIn nin crti, era uIIlH OH 2
converse.
Um dia, rccuou urn passti a inenos. €) passarinhca
1«sitou, mas veio.
Percebtindo que tinha feito uina t onquista, ta homem
clcu tempo para que o semi pequenr› ainigo se acosturnasse.
Mas dat a muitos dias, novoinente encurt‹ u a distancia.
E o passarinho veiti.
Uma aleqria maior sorriu no peito do moment. Salaia
que agora era questati d‹ tempo e paciencia.
k ele tinha muito de ambos.
Pouco a pouco, scin nada fazer que pudesse assusta-lo,
foi trazendo o passarinho para junto de si. Recuava inenos.
Deixava cair as migalhas em dnas reprises, fazendo com
que, comidas as primeiras c vendo outras two ao seu
alcance, o passarinho se aproximasse mais.
Nesse jogo, passaram-se mescs. E é prcivâvel que o
cora9ño do passarinho mo batesse mais acelerado no dia
em que veio buscar suas migalhas entre aqueles dois
sapatos escuros. Mas o do homem bateu.
Faltava ainda muito, porém. Porque a distância entre
os sapatos e a mao era talwz mais diffcil de superar do que
os metros de gramado que ja haviarn sido vencidos. Mas o
tempo nao parecia ter nenhum limite. E a paciencia se
fazia maior a medida que aumentava o arnor.
Foram-se os meses. Alans. Muitos, talvez.
E, de rnurmurio em murmurio, espalhou-se na prisño
que aquele homem havia domesticado um passarinho.
E que todos os dias, quando cruzava a porta maior, vinha o
amigo entre cantos e bater de asas, comer na sua reao.
Breve, us homens dax outras celas quiseram ver.
Alguns ficaram olhando pelas janelinhas, entre as grades.
Outros, que saiam com ele, passaram a acomparihar os
seus passos no jardim. E todos viram e comprovaram:
havia um passarinho que confiava em um homem, e ltte
fazia festa, e pousava nos seus dedos para comer migalhas
na palma aberta.
Outros tentararn fazcr a mesrria coisa, desejosos de
tambem ter os seus amigos. Nlas, apesar do desejo e das
migalhas, nerthum conseguiu. Entao aquele unico
passarinho, que so atendia âquele homem, tornou-se urn
pouco o passarinho de todos.
E foi talvez por isso que, embora uma luz dc vitoria sc
acendesse nos olhos de todos eles, nenhum fez um gesto on
soltou uma exclama9ao no dia em que o homem prendeu
uma migalha entre os dentes e o passarinho veio colher a
comida no seu sorriso.
Passou o veifio. Chegou o inverno. Mas o inverno nao
era rigoroso naquele pats, havia fiores, os passaros nao
Dat o espanto do homem no dia em que o amigo nao
veio buscâ-lo a entrada do jardim. Nao veio buscâ-lo, nem
apareceu adiante. Pela primeira vez. E a hora que era para
ser feliz esticou-se comprida e inutil por entre as ârvores.
No dia seguinte, uma ponta de an@stia feria o
homem na sua cela, a espera de sair. E, caminhando para a
porta maior, tentou ouvir ao longe o canto do seu pâssaro,
algo ltte dizendo porém que, além do so1, nada o esperaria
para la dos pesados batentes.
O passarinho nao veio naquele dia. Nem no outro.
Nem em outro qualquer.
A principio, o homem quis inventor justificativas.
Pensou que havia sido caydo, ou que havia partido para
nidificar. Pensou que havia encontrado migalhas mais
fartas ou faceis. Pensou coisas assim, que diminufssem sua
Marina Colasanti nasceu em Asmara, Eti6-
pia.
Andou pela Africa, passou a guerra ria Itâlia
e veio em 1948 pm o Brasil.
Estudou arte naFaculdade de Belas Artes e Ie
dedicou por algum tempo a bravura, fez exposi-
s es, participou de saloes de arte, ganhou pré-
mios.
Trabalhou no Caderno B do%rnn/ do Brasil, on-
de fez de tudo: desde edi9ao, ilustrasao,
crñnica, até coluna social, o que ela fez so um
pouquinho, por necessidade de trabalho, nao
por gosto.
Sen primeiro livro - Au Sozinha - foi
publicado em 1968.
Depois de ter escrito, com muito sucesso, li-
vros para adultos, publicou com sucesso maior
ainda Uma Idém Jâda Amul, com o qual
ganhou o Prémio da Associa ao Paulista de
Griticos de Arte e o “Melhor Livro
paraJovens” da Funda-
‹biro Nacional do Livro Infantil e)uvenil, que
sao os maiores prémios doBrasil para livros
parajo-

De la pra ca tern publicado, tanto para adul-


toe como para criansas, muitos livros, cada um
melhor que o outro, algunsdos quais eIa mesma
i1us,tra.
E casada, tern dnas filhas, e mora no Rio,
com vista para o mar e para a montanha, com
beiJa- fiores no terraso e lareira na sala.
E na minha opiniao ela merece tudo isso...

Você também pode gostar