Atividade Semana 9 A 11 Outubro 8 - 9p 2024

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INTERVENÇÕES EM ANÁLISE EXISTENCIAL

7º -8 PERÍODO
CURSO PSICOLOGIA FUMEC
ALUNO Geraldo Majela Guimarães Neto

A ilusão das redes sociais

Por Dulce Critelli

O narcisismo, a superficialidade e o distanciamento, entre outras


características das relações virtuais, formam pessoas cada vez mais
individualistas e egoístas
É indiscutível o importante papel que as redes sociais desempenham hoje nos
rumos de nossa vida política e privada. São indiscutíveis também os avanços
que introduziram nas comunicações, favorecendo o reencontro e a
aproximação entre as pessoas e, se forem redes profissionais, facilitando a
visibilidade e a circulação de pessoas e produtos no mercado de trabalho. A
velocidade com que elas veiculam notícias, a extensão territorial alcançada e a
imensa quantidade de pessoas que atingem simultaneamente não eram
presumíveis cerca de uma década atrás, nem mesmo pelos seus criadores.
Temos sido testemunhas, e também alvo, do seu poder de convocação e
mobilização, assim como da sua eficiência em estabelecer interesses comuns
rapidamente, a ponto de atuarem como disparadoras das várias manifestações
e movimentos populares em todo o mundo atual.

Portanto, não podemos sequer supor que elas tragam somente meras
mudanças de costumes, porque seu peso, associado ao desenvolvimento da
informática, é semelhante à introdução da imprensa, da máquina a vapor ou da
industrialização na dinâmica do nosso mundo. As redes sociais provocam
mudanças de fundo no modo como as nossas relações ocorrem, intervindo
significativamente no nosso comportamento social e político. Isso merece a
nossa atenção, pois acredito que uma característica das redes sociais é, por
mais contraditório que pareça, a implantação do isolamento como padrão para
as relações humanas.
Ao participar das redes sociais acreditamos ter muitos amigos à nossa volta,
sermos populares, estarmos ligados a todos os acontecimentos e participando
efetivamente de tudo. Isso é uma verdade, mas também uma ilusão, porque
essas conexões são superficiais e instáveis. Os contatos se formam e se
desfazem com imensa rapidez; os vínculos estabelecidos são voláteis e
atrelados a interesses momentâneos.

Além disso, as relações cultivadas nas redes sociais se baseiam na


virtualidade, portanto, no distanciamento físico entre as pessoas. Isso nos
permite, com facilidade, entrar em contato com as pessoas e afastá-las quando
bem quisermos. Tal virtualidade garante comunicação sem intimidade. Em
1995, quando as redes sociais nem sequer eram cogitadas, o filme americano
Denise Calls Up (Denise Está Chamando) já apresentava uma crítica às
relações estabelecidas entre as pessoas através dos recursos da época:
computador, telefone e aqueles enormes celulares. Os personagens eram
alguns amigos que se comunicavam continuamente, mas tinham muitas
dificuldades e até mesmo aversão de se encontrar pessoalmente.
Também namoro e sexo aconteciam virtualmente.

Nunca me esqueci desse filme, impressionada que fiquei com a possibilidade,


hoje tão iminente, de mutações essenciais nas condições de nossa existência.
O que aconteceria conosco se não precisássemos mais da proximidade física
de uns com os outros? O que morreria em nós, se essa proximidade deixasse
de acontecer?
Quando Hannah Arendt, pensadora contemporânea da política, analisou os
totalitarismos do século passado, apontou para o projeto desses sistemas de
tornarem os homens supérfluos. Para tanto, entre outros expedientes,
mantinham as pessoas isoladas umas das outras.

Separavam-nas de seus familiares, de suas comunidades, inclusive das


pessoas com quem coabitavam nos galpões dos campos de concentração,
instaurando entre elas a suspeita e o medo de delações. Isolavam classes
sociais promovendo contendas e animosidades entre elas. Isolavam as
pessoas do seu próprio eu, exaurindo-as com trabalho e mantendo-as doentes
e famintas. O isolamento torna os indivíduos manipuláveis e controláveis, como
coisas. Os sistemas totalitários sabem muito bem que, isolados, os homens
perdem a capacidade de se expor e de agir.

Na nossa atualidade o isolamento tem um perfil diferente, porque é mais


voltado para a intensificação do individualismo, cujos interesses afastam-se a
cada vez mais das questões sociais. As recentes manifestações populares
embora devam sua ocorrência às redes sociais, mantêm o caráter do
individualismo e do isolamento, pois os participantes não criam vínculos entre
si. Expressam suas opiniões, caminham juntos, mas é só isso.

Arendt tem por pressuposto de suas análises a condição humana da


pluralidade, ou seja, o fato de vivermos entre homens e jamais chegarmos a
ser nem um ser humano nem mesmo os indivíduos que somos longe da
companhia dos outros. Os outros, tanto quanto o ambiente em que vivemos,
nos constituem, daí que, se o distanciamento interpessoal for se estabelecendo
como nova condição de existência, nossa própria humanidade poderá sofrer o
impacto de uma mutação.

Os próprios equipamentos para acesso às redes, que estão conosco o tempo


todo e exercem intenso fascínio sobre nós, corroboram com esse isolamento.
Tenho ficado irritada com muitos de meus alunos que ficam consultando seus
celulares e notebooks durante as aulas, como se estivessem fazendo
anotações, mas acho que estão ligados às redes sociais. Talvez as aulas,
sobretudo as de Filosofia, sejam muito chatas. Nelas não se pode pular de um
assunto para outro, nem entrar em contato com múltiplas informações ao
mesmo tempo, como se faz nas telas do computador, nem ficar livre de
esforços do pensamento com análises e reflexões. Nas aulas não se pode
passar por alto dos assuntos e situações.

Já em 1927, em seu livro Ser e Tempo, Martin Heidegger percebia esse


comportamento cotidiano dos indivíduos de tomar tudo pelo aspecto e o
nomeou de “avidez de novidades”. O que interessa é sempre a próxima
novidade, o próximo assunto, a próxima notícia... Também identificava como
“falação” um comportamento complementar: todos falam sobre tudo, sabem de
tudo, mas não compreendem nada em profundidade.

Parece que “falação” e “avidez de novidades” estruturam a participação nas


redes sociais. As pessoas já estão acostumadas a comentários rápidos e
superficiais sobre tudo e todos. É fácil ver nesses comentários a preocupação
de cada qual em simplesmente dar sua opinião, mais do que ouvir a alheia. A
opinião do outro é apenas a oportunidade para se expressar a sua própria.

O outro parece importar, mas de fato não importa. Importam apenas a própria
posição e a auto exposição. Daí a constante informação sobre as viagens, os
pensamentos, as emoções, as atividades de alguém. É preciso estar em cena
e sempre. Há nisso um evidente desenvolvimento do narcisismo e,
consequentemente, do reforço do distanciamento entre as pessoas.
Faz parte desse narcisismo o fato de as pessoas terem de tratar a si mesmas
como se fossem mercadorias. Em alguns de seus escritos, Zygmunt Bauman
tem apontado para a necessidade das pessoas, sobretudo dos jovens, de se
ocuparem sobremaneira com sua imagem nas redes sociais. Elas precisam
escolher as fotos que melhor as apresentem, que as tornem atraentes e
desejáveis. Aquelas que não souberem se vender correm o risco da
invisibilidade e da exclusão.

Meu propósito, aqui, foi apenas o de levantar dados para uma reflexão. Mas
quero acentuar que essas tendências das redes sociais – a virtualidade, o
distanciamento, a superficialidade, a superfluidade do ser humano, a exposição
narcísica, a ilusão de intimidade e popularidade, a “falação” e a “avidez de
novidades” ... – constituem o padrão de isolamento das relações pessoais. E
quanto mais isolados, mais ficamos à mercê de controles e manipulações.
Cada vez mais ameaçados na autoria do nosso destino pessoal e político.

Questões:

A autora Dulce Critelli nos traz diversas reflexões sobre uma nova concepção
de homem e de mundo, bem como de suas consequências na construção de
nossa humanidade. A partir da leitura responda:

1. Qual a concepção de homem prevalece no mundo contemporâneo da


virtualidade?
Prevalece uma concepção de um ser humano virtualizada, muito
influenciado pelas dinâmicas e estruturas da Internet, das redes sociais
e suas novas formas de comunicação que estas trouxeram. Um ser
humano não mais concreto e pertencente a uma dinâmica física e
relacional, mas de um distanciamento desta e ao mesmo tempo em
aproximação do virtual, daquilo que se apresenta através da tela dos
celulares e computadores, de forma distorcida ou não completamente
genuína.

2. Diante tal concepção quais os modos de relações têm se estabelecido


entre as pessoas?
Tem se estabelecido modos de relação em que não necessariamente
mantém os aspectos de relacionamentos físicos e presenciais. Onde
nessa nova relação podemos simplesmente apagar as pessoas da
nossa vida caso quisermos, de forma que as relações se tornam rasas,
sem muito diálogo e conciliação quando acontecem conflitos. Um modo
relacional pautado naquilo que construímos na nossa imagem virtual e
não aquilo que verdadeiramente somos na nossa completude física,
englobando toda a nossa dinâmica no mundo real.
3. Quais as consequências destas relações para a construção de nossa
humanidade?
Devido às relações serem pautadas no imediatismo e no distanciamento
físico, e serem construídas através de identidades virtuais, onde
buscamos sempre parecer sermos perfeitos, com as melhores fotos,
melhores momentos e melhores situações postadas. Esse tipo de
relação estabelecida pelas redes sociais e pela Internet deixa de lado
um componente indissociável do ser humano, que são nossas falhas,
nosso momentos neutros e ruins do nosso dia a dia, o que nos faz
esquecer por um momento que também temos nossas questões e
desafios existências, desta forma se constrói uma humanidade pautada
na necessidade de sempre estar feliz, adequado, bonito e atualizado de
acordo com o que os algoritmos e tendências construídas artificialmente
demandam.

4. Diante tais concepções de homem e mundo, como podemos identificar o


fundo antropológico da relação terapêutica? Destaque as principais
crenças que no mundo contemporâneo permeiam a construção deste
fundo antropológico.
A relação terapêutica pode ser desafiadora na medida em que a
identidade virtual do paciente pode tentar se construir em uma
identidade física semelhante, como a necessidade de relações que
gerem recompensas rápidas, desejo de sempre estar feliz, de sempre
estar atualizado de acordo com as tendências das redes sociais e da
Internet. A forma de identificar esse fundo antropológico na relação
terapêutica deve ser feita de forma a entender como o paciente enxerga
a si mesmo, as pessoas e o mundo, e como essa percepção foi
construída juntamente com os aspectos culturais, familiares e
situacionais, mas também as influências da Internet. As principais
crenças do mundo contemporâneo são como “relações que precisam ser
construídas em longo prazo não valem a pena” “você precisa sempre
estar mostrando o melhor de você” “você precisa sempre estar sendo
produtivo” e “se você não gostar de uma pessoa, basta bloquear “

5. Nos atendimentos online, quais são os principais riscos para a relação


terapêutica, considerando o fundo antropológico de nossa
contemporaneidade?

Os principais riscos podem ser uma falta de noção de sinais não verbais
que durante a chamada podem não ser vistos, devido o recorte do corpo
pela câmera. A falta de um partilhar de um espaço físico que talvez
possa gerar um ambiente acolhedor. A própria dinâmica da chamada de
vídeo que pode inconscientemente ser vista pelo paciente como uma
relação rápida que se assemelha a como se estabelece as relações na
Internet. Diante dessas novas dinâmicas os riscos da relação durante
atendimentos online podem ser uma dificuldade de estabelecimento de
uma relação terapêutica duradoura, dificuldade de aprofundar nos temas
e estabelecimento de uma visão virtualizada da própria relação

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