Mary e Hania

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Autoridade: relação professor aluno e as rupturas contemporâneas.

AUTORAS:
Hania Cecília Pilan: Doutora pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em Educação,
Arte e Historia da Cultura e Mestre pela mesma. Especialista em Arte, Educação e
Comunicação pela FPA e em Administração: Gestão de Inst. Educacionais pela
FINTEC. Graduada em Educação Artística pela Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras de Itú e com Licenciatura em Pedagogia pelas Faculdades Integradas de Amparo.
Professor EBTT do Instituto Federal de São Paulo, IFSP. Possui experiência em Gestão
Educacional, desenvolvendo trabalhos na área de Formação de Professores,
Administração Escolar, Direção Teatral e nesta área trabalha principalmente a
Criatividade colaborativa. Pesquisa junto ao grupo do CNPq a proposta de Criatividade
e Inovação.

Mariana Freitas Alonso: Graduada em Artes Visuais e Filosofia pelo centro


Universitário Ítalo Brasileiro. Professora titular do Município e do Estado de São Paulo.
Possui experiência na Área de Educativos de Museus e montagens de exposições de
Arte. Junto a artistas atua como assistente em pesquisas e no desenvolvimento de obras
contemporâneos.

Resumo ????? fazer resumo e abstract.


Introdução

A intencionalidade deste artigo é trazer para a discussão um dos problemas mais


amplamente discutido na educação atualmente...: a autoridade do professor. Mais
especificamente, nos propusemos a estudar o problema oriundo desta autoridade ou da
falta dela e por conseqüência a ruptura com a tradição, sob o olhar critico e investigativo
de ANA ARENDT.

Este tema foi escolhido por entendermos que a ruptura com a autoridade na
relação professor/aluno destrói a perspectiva do jovem, considerando-se que ele já não
enxerga mais no educador, alguém que seja capaz de ajudá-lo a entender sua imensa
confusão e angústia em relação ao mundo contemporâneo.

Escrever sobre educação não é uma tarefa fácil, posto que existam múltiplos
conceitos intrinsecamente envolvidos nela: a sociedade, a família, o adulto, a criança, a
tradição, a cultura, a escola e assim por diante. Mas o que é educação? E, mais
importante para nosso estudo: quais os pressupostos que levaram a educação a uma
crise aguda na contemporaneidade?

A atual crise na educação brasileira é um tema com muitas perguntas, métodos e


respostas que foram elaborados ao longo da história da educação moderna e
contemporânea. Assim, como conceber que um tema tão recorrente no senso comum,
em noticiários quase diários na televisão, na internet; estudado ao longo da história com
publicações de livros, teses e demais pesquisas ainda não tenha sido resolvido?

Seguramente seria muito pretensioso determinar o que é educação ou o qual sua


essência, visto que ela ocorre desde que o homem percebeu a cultura , é algo
inseparável ao ser humano, independentemente de sua nacionalidade ou costumes, esse
processo se origina muito antes que o homem o denominasse educação.

A educação está presente em quase todos os gestos do homem, sem ela não há
humanidade, já que é o que nos diferencia dos outros animais na terra. É o continuar de
uma tradição , seja de uma família, de um estado, de uma nação, é a apropriação de uma
cultura para a inserção de uma criança ou jovem no grupo. É a premissa das
potencialidades, do desenvolvimento intelectual socialmente construído e herdado
dentro de dada realidade e voltada para tal.
Carlos Brandão (2007) afirma que a educação está presente no nosso dia-dia e
que lidamos com ela todo tempo sem percebemos, ela encontra-se nos gestos diários e
acontece em casa, na rua, na igreja, na escola ou em qualquer local, e completa dizendo:
"de um modo ou de outro, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para
aprender, para ensinar, para aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para
conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação" ( p.7).

Deste modo, a educação é basicamente uma prática social que se dá por meio de
gestos e fazeres diários que são transmitidos de uma geração para outra, afim de
preservar as tradições de sua cultura. Ela se dá de forma diferente, não tendo um método
único a ser seguido ao contrario se houvesse um método único a ser seguido não seria
educação. Mas se a educação se manifesta de maneiras e formas diferentes, o que a
torna única e essencial para todos?

Nas palavras da pensadora Hannah Arendt "a essência da educação é a


natalidade, o fato de que seres nascem, para o mundo" (2001, p.223). Para entender um
pouco melhor está idéia a citamos ainda:

A educação está entre as atividades mais elementares e


necessárias da sociedade humana, que jamais permanece tal
qual é, porém se renova continuamente através do
nascimento, da vida de novos seres humanos. Esse recém-
chegado, além disso, não se acha acabado, mas em um
estado de vir a ser. (ARENDT, 2001, p. 235).

A educação então é a passagem para tornar um ser “em devir” em um ser


humano completo para si e para a comunidade em que esta inserido, pois nascemos
totalmente desprovidos de conhecimentos, nascemos novos em um mundo antigo e esse
é o único motivo para existir a educação: o nascer, ou seja, a natalidade, algo que é
próprio dos seres humanos, pois só os humanos nascem para a cultura.

Essa chegada traz consigo “um ser novo para um mundo antigo”, mundo este que já
existia há milhares de anos, repleto de signos, códigos, regras, normas, leis que
intitulamos de cultura, e esse ser precisa ser inserido nele. Entendida aqui cultura em um
sentido mais amplo, como tudo aquilo que o homem fez ao decorrer na história humana,
como aponta o professor Vitor H. Paro.

Podemos dizer que a educação em um sentido mais amplo e a


apropriação da cultura, esta também entendida de uma forma mais
ampla, envolve conhecimento, informações, valores, crenças, artes,
tecnologia, ciência, filosofia, direitos, costumes, tudo enfim tudo que
o homem produz em sua transcendência da natureza. A natureza (aqui
vista como tudo aquilo que existe independente da vontade e da ação
do homem), contrapondo a cultura (tudo que o homem produz ao fazer
história). (PARO, 2010, p. 23)

Para Arendt, crianças e jovens têm um tempo para se desenvolverem, pois precisamos
de tempo para assimilar a cultura e seus símbolos, precisamos de tempo para entender o
legado deixado pelas outras gerações que passaram por esse mundo e ajudaram a
construí-lo. A autora completa dizendo como essa nova chegada traz um aspecto duplo
para o educador, que aqui pode aparecer na figura do adulto ou do professor.

Assim, a criança, objeto da educação, possui para o educador um


duplo aspecto: ela é nova num mundo que lhe é estranho, e se
encontra em processo formação; é um novo ser humano e é um ser
humano em formação. Este duplo aspecto não é de maneira alguma
evidente por si mesmo, e não se aplica às formas da vida animal;
corresponde a um duplo relacionamento, o relacionamento com o
mundo, de um lado, e com a vida de outro. A criança partilha o estado
de vir a ser com todas as coisas vivas. (ARENDT 2000, p. 235).

Se desde que nascemos somos seres sociais e com isso precisamos uns dos
outros para nos desenvolver, a figura do adulto é importantíssima para que ocorra com
êxito o ato de educar. Arendt diz que é no gesto de educar que escolhemos se amamos
nossas crianças para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios
recursos. Para ela "o educador [...] serve como mediador entre o velho e o novo, de tal
modo que sua própria profissão lhe exige um respeito extraordinário pelo passado"
(ARENDT, 2001, p.244) e completa afirmando:

A educação é também o lugar em que se decide se se amam


suficientemente as nossas crianças para não as expulsar do nosso
mundo deixando-as entregues a si próprias, para não lhes retirar a
possibilidade de realizar qualquer coisa de novo, qualquer coisa que
não tínhamos previsto, para, ao invés, antecipadamente as preparar
para a tarefa de renovação de um mundo comum. (ARENDT, 2001,
p.247).

A educação para autora também é o lugar onde o adulto escolhe se ama o mundo o
bastante, pois para ela somos nós os responsáveis pela transição de uma geração para
outra com o intuito de renovar o mundo a cada novo nascimento. "A educação é assim o
ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir
responsabilidade por ele e, mais ainda, para salvá-lo da ruína que seria inevitável sem a
renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens" (ARENDT, 2001, p.2). Arendt
destaca a responsabilidade dos adultos, perante o mundo e às crianças.

A crise na educação e suas rupturas contemporânea.

Ao analisar a crise na educação dos Estados Unidos dos anos cinqüenta, Arendt monta
um cenário riquíssimo, para entendemos uma crise mais ampla na sociedade moderna
(que se arrasta até os dias de hoje). A crise na educação não é um caso isolado, mas
envolve outros fatores como rupturas, com a da autoridade, com a da tradição e a
responsabilidade perante o mundo.

Um dos questionamentos de Arendt no texto é sobre os Estados Unidos, um país


que se propõe a criar uma nova ordem mundial e eliminar a pobreza e opressão do velho
mundo e, todavia, apresenta padrões de níveis elementares educacionais mais baixos
que países que passaram por guerras e holocausto.

É contraditório para Arendt que um país, que tem como lema na própria nota de
dólar a expressão uma “nova ordem no mundo” não consiga alcançar padrões do velho
mundo. E continua suas indagações dizendo que não é porque esse pais é novo, que não
consegue alcançar os padrões do velho mundo, mas que, ao contrário, por serem novos
deveriam ter superado os problemas educacionais de uma forma mais simples, a
problemática levantada pela autora aqui, não é fato de a América 1 levantar a bandeira de
um novo mundo, mas sim de utilizar de padrões e pedagogias do velho mundo (Europa)
sem o devido senso crítico em sua educação.

(...) possibilitou àquele complexo de modernas teorias educacionais


originárias da Europa Central e que consiste de uma impressionante
miscelâneas de bom senso e absurdo levar a cabo, sob a divisa
educação progressista, uma radical revolução em todo o sistema
educacional. Aquilo que na Europa permanecia sendo experimento,
testado aqui e ali em determinadas escolas e em instituições
educacionais isoladas e estendendo depois gradualmente sua
influência a alguns bairros, na América, há cerca de vinte e cinco
anos atrás, derrubou completamente, como que de um dia para o

América é a maneira como Arendt se refere aos Estados Unidos ao longo do texto "A crise na
educação".
outro, todas as tradições e métodos estabelecidos de ensino e de
aprendizagem. (ARENDT, 2001, p. 226-7).

Para a autora, as importações de métodos educacionais sem nenhum critério, só


alargou a crise na educação americana, criando assim como ela mesma diz uma
transformação nos modelos tradicionais de educação, culminando em um conflito de
gerações. E é neste sentido que podemos entender a atual crise no Brasil, pois assim
como os Estados Unidos, o Brasil também importou métodos para o sistema
educacional brasileiro. Outro ponto que podemos perceber em comum é que assim
como os Estados Unidos, o Brasil também é uma nação formada por imigrantes e que
tem sua imagem associada ao progresso, ou como diz Stefan Zweig "Brasil, país do
futuro”. 2

A problemática aqui é que houve uma inversão ao transferir para a criança a


responsabilidade de iniciar um novo mundo, cometeu-se um grande erro. Para Arendt,
"a educação não pode desempenhar nenhum papel na política, pois na política lidamos
com aqueles que já estão educados." (2001, p. 225), e ao dar a responsabilidade para a
criança de criar um novo mundo, os velhos são banidos do estado, com isso os novos
estão fadados a tornarem-se mais velhos, tirando como diz Arendt, a possibilidade dos
novos de criar algo novo.

Para entendermos esse conflito geracional, Arendt aponta três aspectos que
levaram à ruína o sistema educativo daquele país (mas que cabe muito bem na crise
educacional brasileira como vamos ver a seguir). Antes é necessário deixar claro que
Arendt não é contra nenhum autor que sistematiza e pensa a educação, ou contra os
métodos utilizados para fazer a passagem de uma geração para outra, pois como visto na
Europa, essas pedagogias foram testadas e introduzidas aos poucos. O que ela critica
nestas pedagogias progressistas é a inserção dela no sistema escolar americano sem
nenhum critério, sem análise anterior da sociedade em que ela está inserida.
Relembrando as palavras do representante dos povos nativos americanos, que em sua
carta disse que não adiantava utilizar padrões e sistemas educacionais de outras culturas

21
. A obra publicada pela primeira vez em 1941 tornou-se rapidamente um clássico. Brasil, um país do
futuro é um grande retrato do país sob a ótica de um estrangeiro que passou seus últimos anos de vida no
Rio de Janeiro. Stefan Zweig e sua segunda mulher, Lotte, escolheram o Brasil como refúgio às
atrocidades que eram cometidas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial.
(<http://www.lpm.combr/site/default.asp?Template=./livros/layoutproduto.asp&CategoriaID=617051&I
D=548061>)
se eles se tornassem inúteis à sua própria cultura, entenderemos a crítica que a autora
faz à implantação de métodos sem nenhum critério, que arruína qualquer tentativa de
ensino nos Estados Unidos.

A importação de métodos não testados tiram toda a autoridade do adulto que


também fica refém, sem autoridade para completar sua função, pois a essência da
educação e o olhar para trás, que foi tirado com o advento da modernidade e sua
bandeira para o progresso "O fato importante é que, por causa de determinadas teorias,
boas ou más, todas as regras do juízo humano normal foram postas à parte." (ARENDT,
2001, p 227).

A autora diz que algumas das teorias nos levaram a mudar nossa forma de lidar
com o mundo. Para entender melhor, temos que montar um arranjo conceitual com os
pressupostos que nos levaram a um conflito geracional.

O primeiro pressuposto é a ilusão da criação de um mundo e uma sociedade


infantil e autônoma, governada pelas crianças. A figura do adulto nessa sociedade só
serve para auxiliar no governo (das crianças). Junto com a separação de mundo, criam-
se dois problemas: o primeiro é que o adulto se vê como um ser inútil perante a criança
individual, “ele apenas pode dizer-lhe que faça aquilo que lhe agrada e depois evitar
que o pior aconteça" (ARENDT, 2001, p. 230). O segundo problema apontado é a
responsabilidade dada às crianças que irão decidir por si só o que o grupo terá que fazer
ou não, para autora a situação que a criança encontra-se agora é bem pior que antes, pois
a autoridade de um grupo, mesmo sendo um grupo de crianças, é mais tirânica que
qualquer individuo isolado. A autora completa essa ideia dizendo: "Se olharmos do
ponto de vista da criança individual, as chances desta de se rebelar ou fazer qualquer
coisa por conta própria são praticamente nulas" (ARENDT, 2001, p.230). Para Arendt a
criação destes dois mundos não libertou a criança e sim a aprisionou em uma autoridade
mais tirânica, a tirania da maioria. Por isso, para Arendt, a criação de dois mundos
nunca daria certo, porque crianças e adultos convivem simultaneamente no mesmo
mundo.

O segundo pressuposto, é a influência das psicologias modernas que seguem


princípios do pragmatismo. Elas buscam tornar a pedagogia uma ciência do ensino em
geral, separando-a da matéria a ser ensinada. A figura do professor passa a ser a daquele
capaz de ensinar qualquer coisa, pois sua formação é em ensino e não no conhecimento
de uma matéria, e completa dizendo que essas pedagogias resultaram em que:

(...) nas últimas décadas há um negligenciamento extremamente grave


da formação dos professores em suas próprias matérias,
particularmente nos colégios públicos. Como o professor não precisa
conhecer sua matéria, não raros acontece encontrar-se apenas um
passo à frente de sua classe em conhecimento. Isso quer dizer, por sua
vez, que não apenas os estudantes são efetivamente abandonados a
seus próprios recurso, mas também que a fonte mais legitima da
autoridade do professor , como pessoa que, seja dada a isso a forma
que se queira, sabe mais e pode fazer mais que nos mesmos não é
mais eficaz. (ARENDT, 2001, p.231).

Com isso, os alunos encontram-se abandonados a seus próprios recursos e para


agravar essa crise entre gerações, o professor perde toda sua autoridade perante o grupo
de alunos. O segundo pressuposto está extremamente ligado ao terceiro este por sua vez
está ligado à aprendizagem.

A negligência na formação dos docentes só foi possível, de acordo com a


perspectiva de Arendt, "devido a uma teoria moderna acerca da aprendizagem [...] o
mundo moderno defendeu durante séculos e encontrou expressão conceitual sistemática
no pragmatismo" (2001, p.232). A ideia é a de que só conhecemos e compreendemos
aquilo que fazemos. Para Arendt, "sua aplicação à educação é tão primária quanto
óbvia: consiste em substituir, na medida do possível o aprendizado pelo fazer".
Substituir o trabalho pelo brincar causa uma problemática maior, pois essas formas de
pensar o aprendizado podem ser úteis para aprender a dirigir um carro ou ser popular
em um grupo, mas como diz Arendt "foram incapazes de fazer com que a criança
adquirisse os pré-requisitos normais de um currículo padrão". (2001, p.232)

A queda da qualidade no ensino, para Arendt, é uma reação em cadeia, já que as


crianças não adquirem os pré-requisitos de um currículo e assim, a preparação para a
universidade tem que ser dada pelas próprias universidades, o que faz com que os
currículos destas passem, por essa razão, por uma sobrecarga crônica, afetando a
qualidade do trabalho que aí se faz. (Essas consequências aparecem claramente no
sistema educacional brasileiro, pois mesmo com o acesso quase universal para o
cidadão brasileiro ao ensino básico, o universitário está muito aquém dos padrões
mundiais).
Os métodos progressistas criam para Arendt, demandas de aprendizado
constante para o professore, que o impossibilita de aprender o conteúdo de sua própria
disciplina. Ele agora tem que olhar para o futuro, aprende dinâmicas e novas
tecnologias. Mas nunca para de aprender, pois as tecnologias vão se modificando de
forma tão rápida, que o educador tem que se renovar a toda hora, não sobrando tempo
para olhar para o passado e aprender o que foi deixado pelas outras gerações.

O motivo porque não foi atribuída nenhuma importância ao domínio


que tenha o professor de sua matéria foi o desejo de levá-lo ao
exercício continuo da atividade de aprendizagem, de tal modo que ele
não transmitisse como se dizia, "conhecimento petrificado", mas, ao
invés disso, demonstrasse constantemente como saber é produzir. A
intenção consiente não era a de ensinar conhecimento, mas sim
inculcar uma habilidade. (ARENDT, 2001, p 232)

Esses três pressupostos, o da criação de um mundo autônomo (da criança); a


criação de métodos que negligenciam a formação dos docentes (que perdem sua
autoridade); e as substituições da forma de se aprender geram, para Arendt, um conflito
de geracional.

Em todo caso, o resultado foi serem as crianças, por assim dizer,


banidas do mundo dos adultos. São elas ou jogadas a si mesmas, ou
entregues à tirania do seu próprio grupo, contra o qual, por sua
superioridade numérica, elas não podem se rebelar, contra o qual, por
serem crianças, não podem argumentar, e do qual não podem escapar
para nenhum outro mundo por lhes ter sido barrad0 0 mundo dos
adultos (ARENDT, 2001, p.230-31).

A autora ainda completa dizendo que "a reação das crianças a esta pressão tende
a ser ou o conformismo ou a delinqüência juvenil e, na maior parte das vezes, uma
mistura das duas coisas" (2001, p. 231). Então o que podemos entender é que a perda da
autoridade abre uma lacuna entre o passado e o futuro.

A autoridade para Arendt sempre demanda obediência, mas ela é habitualmente


confundida com determinada forma de poder ou violência. Entretanto, a autoridade
exime o uso de qualquer tipo de repressão, para autora quando qualquer tipo de força é
utilizado à autoridade não existiu e completa dizendo:

A autoridade, por outro lado, é incompatível com a persuasão, a qual pressupõe


igualdade e opera mediante um processo de argumentação. Onde se utilizam
argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. Contra a ordem igualitária da
persuasão ergue-se a ordem autoritária, que é sempre hierárquica. Se a autoridade deve
ser definida de alguma forma, deve sê-lo então, tanto em contraposição à coerção pela
força como à persuasão através de argumentos. (ARENDT, 2001, p.129).

Para Arendt não podemos confundir autoridade com autoritarismo, pois


autoritarismo exige meios externos de coerção, por meio do poder ou da violência física
ou psicológica seja ela qual for. Já autoridade é orgânica, se dá entre os pais e os filhos,
entre o professor e o aluno, entre o mais velho e os mais novos, e quando não acontece
de forma natural, cria-se um problema na educação, pois os mais novos perdem as
referências. Em outras palavras a autoridade se dá pelo conhecimento do mundo.

A tradição é a verdade transformada em sabedoria, pois a tradição coloca em


ordem o passado, não somente cronologicamente: (...) mas antes de tudo
sistematicamente, ao separar o positivo do negativo, o ortodoxo do herético, o que é
obrigatório e relevante dentre a massa de opiniões e dados irrelevantes ou simplesmente
interessantes. (ARENDT, 2008, p.144).

Para a autora, a perda da autoridade está ligada à crise na tradição e sua ruptura
com o passado, sua visão de tradição e autoridade aparece também em outro livro
intitulado: Homens em tempos sombrios , onde apresenta a relação de
autoridade/tradição e passado ao afirmar: "Na medida em que o passado foi transmitido
como tradição, possui autoridade; na medida em que a autoridade se apresenta
historicamente, converte-se em tradição." (ARENDT, 2008 p.140). Para ela não se pode
separar a autoridade da tradição, uma ruptura com qualquer uma delas, cria uma lacuna
entre o passado e o futuro. Pois sem autoridade (o conhecimento sobre o mundo) não há
como transmitir a tradição, que é o legado deixado de uma geração para outra. E sem a
tradição, a autoridade não tem mais função.

Neste mesmo livro, Arendt destaca a visão do filosofo Walter Benjamim , sobre
os conceitos tradição/autoridade. Para ela, Benjamin já tinha percebido em sua época, as
conseqüências da ruptura com a tradição e a perda da autoridade.

Walter Benjamin sabia que a ruptura da tradição e a perda de autoridade que ocorriam
durante sua vida eram irreparáveis e concluiu que teria de descobrir novas formas de
tratar o passado. Nisso tornou-se mestre ao descobrir que a transmissibilidade do
passado fora substituída pela sua citabilidade e que, no lugar de sua autoridade, surgira
um estranho poder de se assentar aos poucos no presente e de privá-lo da “paz mental”,
a paz descuidada da complacência. (ARENDT, 2008, p. 140)

No capítulo “Pescador de pérolas” dedicado a Benjamin, sugere outra forma de


lidar com o passado a partir dos aspectos do filósofo: "Benjamin só descobriu muito
tarde, quando já perdera sua fé na tradição e na indestrutibilidade do mundo, que havia
certa força destrutiva ativa mesmo nessa paixão pelo passado." (ARENDT, 2008,
p.141). O passado para Benjamin não é uma coisa intacta, que não sofre nenhuma
transformação, ao contrário, com passar do tempo as coisas se transformam e ao serem
citadas, cada nova geração a enxerga de sua forma, isso não quer dizer que ao olhar para
algo do passado, cada um o interpretará de uma forma, mas que a própria coisa em si
não é mais como antes, o próprio tempo fez o papel de transformar o passado ou o que
foi citado em algo diferente.

Vanessa Almeida em sua tese de doutorado "Amor mundi e a educação",


apresenta essa ideia de uma forma compreensível ao afirmar.

A tradição não oferece mais figuras reconhecíveis, mas seus


componentes, olhos e osso ainda existem, longe, la no fundo do
mar. Descobrir o que o tempo transformou em perolas e corais,
entre muitas outras coisa que não se cristalizam, mas perderam
seus contornos, é uma forma nova de se com o passado.
(ALMEIDA, 2009, p 96)
Desta forma, para Almeida o que nos impede de mergulhar, são nossos próprios
questionamento. "desse modo e o olhar provocado pelo presente que se dirigi ao
passado, possibilitando novas descobertas". (2009, p 86).

Em vários escritos de Benjamin podemos notar a preocupação com o


esfacelamento da tradição, mas queremos destacar um fragmento que se repete em dois
textos: O narrador (1936) e Experiência e pobreza (1933), que nos mostram a
preocupação com o progresso e as consequências destes a uma geração que ainda não
estava preparada para vivê-lo. Nestes escritos que datam de meados dos anos 30,
Benjamin nos indica de uma forma metafórica a angústia que a modernidade traz para
os jovens ao afirmar que:

Uma geração que ainda fora á escola num bonde puxado por
cavalos viu-se abandonada, sem teto, numa paisagem diferente
em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo de
força de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e
minúsculo corpo humano. (BENJAMIN, 1996, p.115 e198).

Neste fragmento percebe-se que com o advento da modernidade e dos avanços


tecnológicos, o cenário mudou drasticamente a ponto de uma geração para outra não
reconhecer mais o mundo onde vivia, pois se perderam todas as referências, a não serem
as nuvens do céu, que aqui aparecem com certa ironia, pois as nuvens do céu nunca são
as mesmas, pois estão em constante movimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação nada mais é do que a transmissão de um legado cultural que passa


de uma geração para outra com o intuito de preservar o mundo e consequentemente a
vida humana. Ela só ocorre porque os seres nascem o tempo todo. Como foi visto.
Hannah Arendt acredita que o êxito da educação só se dá pela via da autoridade e
tradição, mas a contemporaneidade nos mostra que tanto uma como a outra já não
existem mais.

Então o legado deixado por Arendt pode nos dar sugestão e não soluções para
resolver este problema à crise na educação. O importante é sempre buscarmos
alternativas para resolver. No caso de Arendt uma alternativa é exilar a criança, mas não
em um mundo supostamente infantil e sim em um mundo onde crianças e jovens vivam
em harmonia com os adultos e que esse seja responsável pela sua educação antes de
inseri-la no mundo.

A escola aqui terá a função de auxiliar nesta transição da família (privado) para a
sociedade (publico). A escola, os educadores e pais não podem ignorar as mudanças que
acontece com a juventude, porque está associada a mudanças maiores que estão
acontecendo, na medida em que se transforma a sociedade, como nas varias crises que
acorrem simultaneamente no mundo.

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