Dissertação - Alex Silva
Dissertação - Alex Silva
Dissertação - Alex Silva
Lisboa
2023
A operacionalização do poder estrutural
americano através do FMI: análise dos
eixos orientadores da economia política
brasileira entre 1995 e 2016
Júri:
Presidente:
Vogais:
Lisboa
2023
Aos meus filhos e a toda a minha família que,
mesmo distante, me apoiaram nesta jornada.
Em especial ao meu pai e à minha mãe que,
quando estiveram comigo nessa dimensão,
cercaram-me de muito amor, carinho e bons
exemplos.
iii
AGRADECIMENTOS
A realização de um sonho não é algo trivial em nossa existência, é necessário sempre uma
dose de ousadia e de coragem.
As dificuldades enfrentadas por um imigrante a viver e a trabalhar em uma nova terra é algo
desafiador, sobretudo em um mundo contemporâneo traumatizado por uma pandemia e por
guerras muitas vezes evitáveis.
À sociedade portuguesa fica um imenso sentimento de gratidão por ter aberto
as portas para o início de uma nova etapa em minha vida.
Ao Instituto de Ciências Sociais e Políticas ficará para sempre o sentimento de
agradecimento a todos os seus Colaboradores, Professores e Professoras por tornar
essa Universidade uma referência internacional da qual tenho muito orgulho.
Agradeço imensamente à minha querida Professora Dra. Carla Costa pelos
inestimáveis conselhos, orientações e sobretudo pela paciência durante esse período.
À minha querida companheira, Cinthya, que esteve ao meu lado, apoiando-me
com muito amor e carinho.
A todas as pessoas com quem tive o prazer de compartilhar a minha luta e que,
de alguma forma, contribuíram para a subida de mais um degrau nessa vida.
Aos colegas, amigos e amigas que tive a oportunidade de conhecer e de
partilhar momentos importantes durante a realização das cadeiras e em especial às
minhas amigas Júlia, Larissa e Fernanda com quem tive a alegria de conviver durante
os primeiros anos do mestrado.
“Amar a virtude, estimar as belas ações, ser gratos pelos benefícios recebidos
e, muitas vezes, reduzir o nosso próprio bem-estar para aumentar a honra e o progresso
daqueles que amamos, e que merecem ser amados, é uma correspondência justa à
razão.” (Boétie, 1576/2009, p.33).
iv
“Participação no (Brasil, Rússia, India, China e Africa do Sul [BRICS]) e pré-sal trouxeram a
guerra híbrida para o Brasil” - Celso Amorim. (Amorim, 2021)
“É incrível ver como o povo, quado é submetido, cai de repente num esquecimento tão profundo
de sua liberdade, que não consegue despertar para reconquistá-la. Serve tão bem e de tão bom
grado que se diria, ao vê-lo, que não só perdeu a liberdade, mas ganhou a servidão.” - Étienne
de La Boétie. (Boetie, 2009, p. 44).
“If the myopia of international relations theorists is derived from their obsession with the
problematic of war and peace and conflict between states, the equal myopia of western political
theorists is derived from a similar obsession with values of political liberalism” - Susan Strange.
(Strange, 1998, p. 6)
v
RESUMO
vi
ABSTRACT
This master's dissertation analyzes the influence of American structural power on the conduct
of the Brazilian political economy from 1995 to 2016 using the IMF as the operating arm of
this system. The thesis of structural power advocated by Susan Strange was used to provide us
with theoretical support. Consequently, structural power and relational power are key to
understanding U.S. power at the end of World War II. In this context, we developed the specific
objectives: a) to investigate how American structural power is operationalized within the IMF;
b) to verify how some public and private U.S. institutions act to influence the structural
adjustment programs proposed; c) to analyze how the ideological orientation of the staff is
organized in the conduct of the IMF d) to study how Brazilian governments from 1995 to 2016
have received the guidelines of the Washington Consensus and the execution of structural
adjustment programs. After our investigations we found that structural power is operationalized
through relational or instrumental power through the Fund. We have verified that private banks,
the G7, the treasury, and the U.S. Congress exert influence on the destiny of the international
organization that is the object of our investigation. This multilateral institution has on its staff
people with academic background predominantly from Euro-American universities. The
Brazilian governments received the guidelines of the Washington Consensus, the structural
adjustments directly through the Fund, by pressure from the American government and the
introduction of laws support the reduction of the role of the State with austerity policies.
Although there was an inflection between 2003 and 2014, austerity continued even under leftist
governments in Brazil. We also verified that the U.S. is in the center of the IMS with the
predominance of the dollar, but shares its hegemony with G7.
vii
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS ................................................................................................. IV
RESUMO....................................................................................................................... VI
LISTA DE FIGURAS.....................................................................................................X
LISTA DE ABREVIATURAS..................................................................................... XI
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 1
1.1. A economia política do poder estrutural americano e sua relação com o Fundo .. 6
CONCLUSÃO............................................................................................................... 65
ANEXOS ....................................................................................................................... 80
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 5 - Países onde ocorreu a formação académica do staff do FMI – 2019 ....... 35
Figura 10 - Ajuste estrutural: ações a serem implementas pelos países membros ..... 43
Figura 15 - Evolução das Reservas Internacionais do Brasil (US$ - Mil Milhões) ... 63
x
LISTA DE ABREVIATURAS
xii
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNB Universidade de Brasília
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
URV Unidade Real de Valor
USD United States Dollar
WB World Bank
xiii
INTRODUÇÃO
1
hegemonia direta que foi consubstanciada pela acumulação de reservas internacionais e uma
maior intervenção do Estado na economia, fazendo o país sair da condição de devedor a credor
do Fundo. Assim, pela primeira vez na sua história, obteve a avaliação das agências de rating,
como país confiável para investimento direto estrangeiro. Todavia, a ligação entre a economia
política brasileira e o poder estrutural americano é de longa data; porém, a partir da implosão
do império soviético, em 1991, a consequente unipolaridade americana tornou-se quase
absoluta. Para o Brasil, esse fenómeno foi fundamental nas escolhas internas de políticas
públicas, sobretudo na década de 1990 e, em menor grau, entre 2003 e 2016.
2
Esta investigação terá ainda como objetivos específicos:
Proposta metodológica
Assim sendo, a abordagem dos nossos estudos será através de livros, artigos,
dissertações, teses, bem como publicações a respeito do tema e do método qualitativo
(Mazucato, 2018) com estudo de caso (Schoch, 2020) em situações empíricas. Neste sentido,
realizamos um estudo histórico da relação do Fundo e a sua utilização como ferramenta de
imposição de uma economia política neoliberal no Brasil cuja ação foi possibilitada pela
hegemonia do poder estrutural americano (Strange, 2015).
3
em conta que “A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicos no
processo de pesquisa qualitativa.” (E. L. Silva & Menezes, 2005, p. 20).
Organização da dissertação
A dissertação está organizada em 4 capítulos, estruturados de forma a termos uma visão global
e, ao mesmo tempo, específica do tema que propusemos. Na introdução, realizamos um breve
resumo da dissertação, colocamos em perspetiva o tema, a pergunta de partida, os nossos
objetivos gerais e específicos e a opção metodológica. No capítulo I, desenvolvemos a nossa
revisão de literatura, que contempla uma investigação a respeito das principais publicações
acerca dos objetivos a serem atingidos, bem como a resposta à nossa questão de partida. No
capítulo II, evidenciamos a base teórica utilizada, que é a tese do poder estrutural de (Strange,
2015) e, em menor medida, os pressupostos teóricos de (Cox, 2013, 2016) no quadro da teoria
crítica e sua relação com EPI. Os conceitos sobre hegemonia, desenvolvidos por Cox, serão
uma ferramenta auxiliar na compreensão do poder estrutural americano na engenharia
institucional do Fundo e nas suas repercussões internacionais.
1
As publicações que foram utilizados neste trabalho de investigação: Artigos: 74, Dissertações e Tese: 6,
Livros: 25, Capítulo de Livro: 1, Textos WP: 2, Leis: 9, Seminário: 1, Documento: 2, Sítios internet: 31.
4
No capítulo III, fazemos um apanhado histórico do sistema monetário internacional, o
funcionamento do Fundo, as condicionalidades, as quotas e o Consenso de Washington. Para
tal, apresentamos uma breve descrição da evolução deste sistema que, na idade moderna, se
estruturou, tendo como principal moeda a Libra Esterlina, a partir de meados do século XIX até
à I Guerra Mundial (1914 a 1918). No entre guerras, houve um momento de transição
relativamente caótico, impulsionado pelo Tratado de Versalhes (1919) e pela Grande Depressão
de 1929. Em 1939, com a eclosão da II Guerra Mundial, os Americanos, com sua moeda, o
dólar, assumem a liderança (Metri, 2015).
No capítulo IV, o assunto tratado prende-se com a economia política brasileira e com os
efeitos diretos observados pela influência do poder estrutural estadunidense no
desenvolvimento do Brasil, de 1995 até 2016. O período de nossa análise comporá dois
momentos. O primeiro, de maneira resumida, comporta o início da década de 1990, nos
governos de Fernando Collor de Melo (de 1990 a 1992) e de Itamar Franco (de 1993 a 1995),
porém, o foco será o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 e 2002), cujo governo
ficou marcado pela “aceitação passiva” do Consenso de Washington. O período seguinte inicia-
se com o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003 a 2010), que se caracterizou por uma
maior intervenção estatal na promoção do desenvolvimento económico e social, assim como o
“fim” da ingerência do Fundo nos destinos do país. Contudo, no governo de Dilma Rousseff
(de 2011 a 2016), o país sentiu os efeitos da crise do subprime (2008), iniciada nos E.U.A., e
as decisões da Presidente foram de aumentar a dose de intervencionismo estatal e de realizar
reformas para o fortalecimento da indústria em detrimento dos interesses do setor financeiro
nacional e internacional. A partir de 2016 até o ano de 2023 realizemos uma breve análise das
repecussões das ações dos governos desse período. E, por último, trabalhamos a conclusão de
nossa dissertação, retomando alguns pontos importantes e identificando limites à investigação
desenvolvida.
Nota geral e explicativa: todas as traduções contidas no texto foram realizadas a partir do
original pelo autor.
5
Capítulo I – REVISÃO DA LITERATURA
1.1. A economia política do poder estrutural americano e sua relação com o Fundo
No presente capítulo, realizou-se uma revisão da literatura sobre o objeto de estudos de nossa
tese para compreendermos a atualidade das questões relacionadas à temática. As publicações
citam a influência do pensamento neoliberal, na ação externa e na adoção de uma economia
política brasileira, mas não se correlacionam com um estudo sobre o poder estrutural e do Fundo
como agente executor do Consenso de Washington. Por consequência, os fenómenos
económicos e políticos devem ser estudados, na arena internacional, de maneira integrada
(Strange, 1970).
6
Devemos também ter em conta que a influência formal e informal dos países
desenvolvidos sobre as organizações internacionais, sobretudo no setor das altas finanças, é
parte substancial do poder estrutural comandado pelos E.U.A, em conjunto com os outros países
do G-7 (Stone, 2013). De modo semelhante, (Copelovitch, 2010), é a heterogeneidade dos
interesses do G-5 (E.U.A., Reino Unido, Alemanha, França e Japão) que influencia diretamente,
na concessão de empréstimos por parte do Fundo, para países de interesse direto para essas
potências. Isso foi possível graças às assimetrias do sistema financeiro internacional, criada em
Bretton Woods, em benefício do hegemon (Carneiro, 2018).
Há que ver que o comportamento dos principais quotistas do Fundo foi observado nos
estudos (Broz & Hawes, 2006), na estrutura de poder dessa organização. Segundo esse autor, a
constatação é de que os montantes dos empréstimos para países membros são decididos de
acordo com o grau de relacionamento financeiro entre tomadores e emprestadores. Sendo que
o que mais pesa no momento da concessão da ajuda é o risco ao sistema bancário das principais
7
economias ocidentais. Esse comportamento, conforme refere Kentikelenis et al. (2016) “(...), à
medida que a organização investia na manutenção de um mito sobre suas práticas reais, também
se tornava mais hábil e inventiva em obscurecer a realidade” (p. 546) no que tange ao SMI.
Neste sentido, o estudo do SMI dentro de um quadro analítico mais amplo, o poder do
mercado financeiro internacional de impor a sua hegemonia no sistema capitalista internacional
foi estudado com base na tese do poder relacional e do poder estrutural, desenvolvido por
Strange (2015) nos seus trabalhos académicos no decorrer de várias décadas. Para a autora, o
poder estrutural “ (...) é o poder de moldar e determinar as estruturas da economia política global
dentro da qual outros Estados, suas instituições políticas, suas empresas e os cientistas (não
menos importante o mundo académico) têm de operar” (Strange, 2015, p. 27). O poder
estrutural é dividido em quatro grandes áreas: estrutura de segurança, estrutura financeira,
estrutura produtiva e estrutura do conhecimento (Strange, 2015). O país central na análise desse
poder é os E.U.A., que, tendo em conta as palavras de Strange (2015), possui a capacidade de
combinar os diferentes aspetos dessas estruturas ao nível internacional. Dentro dessas quatro
estruturas, a financeira é parte fundamental da arquitetura hegemónica, comandada também por
Londres (Fichtner, 2017).
Neste sentido, nas investigações acerca das estruturas do poder global destaca-se um
ponto chave no entendimento do poder estrutural, do poder relacional ou instrumental, que é a
centralidade dos E.U.A. e de seu poder dentro do sistema financeiro e económico mundial (Dian,
8
2016; Eichengreen, 2008; Emmenegger, 2015; Fairfield, 2015; Strange, 2015). Um exemplo
prático desse poder é a extraterritorialidade e o alcance da justiça americana. Neste contexto,
esse país utiliza como arma de coação e de pressão sobre outras nações, o Society for Worldwide
Interbank Financial Telecommunication (SWIFT). Esse sistema funciona como uma poderosa
arma geoeconómica de pressão sobre governos não alinhados aos países desenvolvidos (Caytas,
2016; Nölke, 2022). Ao ameaçar com exclusão do sistema de pagamentos internacional que tem
no dólar um de seus pilares, por exemplo, o Department of Justice (DOJ) consegue enquadrar
empresas de outros países, mesmo não estando em território americano (Emmenegger, 2015).
Desse mesmo modo, o poder estrutural americano é exercido de maneira direta e indireta
pelo extensivo uso do dólar, através do mercado internacional e pelo simples controlo de acesso,
pelos estadunidenses, à sua moeda aos demais países, sobretudo no mundo em desenvolvimento
(Helleiner, 2005; Norrlof, 2014; Pulcherio, 2015). Em termos de poder estrutural, é importante
realçar o peso das dependências do caminho histórico, instituições, normas, leis e mecanismos
de interação, pois essa correlação é o que promove o desenvolvimento desse poder
internamente, propiciando o seu transbordamento além das fronteiras nacionais (Cox, 2013;
Kitchen & Cox, 2019; Sinclair, 2016), o que ocorre quando há a aceitação de padrões nacionais,
que se convertem em mecanismo internacionalmente aceite. A engenharia de funcionamento do
Exchange Stabilization Fund (ESF) estadunidense, na década de 1930, utilizava a moeda
nacional de outros países como garantia de recompra, para os seus empréstimos em dólares.
Essa modalidade de garantia foi copiada pelos idealizadores do Fundo, aquando de sua criação
(Almeida, 2014).
9
extraterritorial de poder “(...) é uma característica dos estados que ocupam uma posição
estrutural poderosa no sistema internacional” (Culpepper, 2015, p. 398).
Neste contexto, o poder americano é objeto de estudo de Kitchen & Cox (2019), que
salientam que “(...) as condições estruturais dentro das quais os Estados operam criam um
conjunto de oportunidades e constrangimentos que acabam por determinar o contexto no qual
as relações de poder acontecem” (p. 742). Essa característica única do poder americano, ao
nível internacional, configura-se, claramente, com aspetos de hegemonia (Fichtner, 2017). Para
Winecoff (2020), que avança nos estudos do poder estrutural ao analisar as suas características
sistémicas, as estruturas globais de poder estrutural são melhor entendidas como sendo um
fenómeno de rede complexa dentro de um quadro hegemónico.
Entretanto, para Babb & Kentikelenis (2018), o receituário neoliberal não foi puramente
emanado do governo americano, através do tesouro. Para Harvey (2005), há uma tríade de poder
capitaneada pelo Tesouro americano, Wall Street e o Fundo, cujo objetivo é organizar a
acumulação de capital global e a pilhagem dos países pobres. Dessa forma, as organizações
internacionais multilaterais, cujas recomendações foram “aceites” pelos governos de países, em
10
vias de desenvolvimento, possuem influência concreta nos destinos dessas nações. Essa
ingerência, segundo Carvalho (2003), é exercida direta e indiretamente seja por intermédio de
visitas de monitorização das contas nacionais, cujo resultado influencia o comportamento do
mercado financeiro, ou os códigos de conduta (políticas fiscal e monetária), pelos quais os
países são avaliados através da supervisão do Fundo, a exemplo do ocorre com o Brasil.
Neste contexto, e de acordo com Hirst (2011), a localização do país numa área de
influência da superpotência estadunidense levou, no decorrer do tempo, a conflitos, períodos
de convergência e, em alguns momentos, a uma busca por autonomia por parte do Brasil, no
que tange à sua política externa e ao seu desenvolvimento económico. Do ponto de vista da
perspetiva histórica, para Carvalho (2003), na década de 1990, o Fundo começa a influenciar
diretamente na vida económica do país com condicionalidades. Posto isto, Almeida (2014)
relata que a história da relação entre o Fundo, leia-se E.U.A., e o Brasil sofreu ao longo dos
anos momentos de proximidade e distanciamento, conforme a orientação política do governo
brasileiro. No entanto, o estudo histórico da relação do Brasil com os E.U.A. não contemplou
uma observação sobre a natureza estrutural da hegemonia americana relativamente ao modelo
11
de desenvolvimento brasileiro com forte presença do Estado, até ao final da década de 1980.
Esses autores identificaram, nas relações com o Fundo, o prosseguimento da aceitação dos
ideais neoliberais.
Um outro fator importante para o entendimento da relação entre o Fundo e o Brasil era
a dívida pública externa e as correlações de forças ao redor desse tema. De acordo com Lara, F.
M. (2012), essa correlação de forças, na década de 1990, propiciou a imposição de
condicionalidades por parte da organização financeira internacional. Já para Serrano & Summa
(2011), o Brasil, entretanto, desde o governo de Cardoso (1995-2002) que mantém como ponto
central da sua política económica, com o apoio do mercado financeiro e do Fundo, a austeridade
nos gastos públicos com base em superavit primário, câmbio flutuante e metas de inflação.
2
Fernando Henrique Cardoso (FHC)
12
Esse condicionamento teve como premissa a relação entre o capital financeiro e o poder
estrutural americano por intermédio do Fundo. A imposição de condicionalidades para a
concessão de empréstimos e a imposição de uma economia política que agrade à plutocracia
financeira internacional orientam as ações governamentais. Essa orientação ocorre também
através de lobbies e contactos diretos entre as instituições internacionais e brasileiras. Neste
sentido, “No que diz respeito ao interesse financeiro internacional, observa como, através do
FMI, foram implementados os programas de relações com investidores no (Banco Central do
Brasil [BCB]) (...)” (Ianoni, 2017, p. 327).
13
análise que tem como foco o poder estrutural americano e a sua operacionalidade no
desenvolvimento da economia política brasileira, por intermédio da organização financeira
internacional. Tendo em conta esta perspetiva, desde já apresentamos o estudo realizado sobre
o quadro teórico a ser utilizado no desenvolvimento do nosso texto dissertativo, de forma a
melhor situar a nossa investigação.
O estudo das Relações Internacionais (RI) tem como premissa a utilização de teorias que
buscam explicar os fenómenos mundiais. As duas principais teorias desse campo de estudo
foram o realismo e o idealismo que nasceram e evoluíram por influência da pax britânica e
americana em contextos de crises, de guerras mundiais, da bipolaridade da Guerra fria em um
ambiente internacional anárquico (Angell, 2002; Aron, 2002; Bull, 2002; Carr, 2022;
Morgenthau, 2003) e que inspiraram outras vertentes teóricas.
Porém, os autores clássicos das RI, acima citados, entre outros, não contemplaram
estudos em EPI. Neste quadro analítico, a contribuição teórica de Cox (2007, 2013, 2016) sobre
hegemonia, cuja fundamentação está na teoria crítica de matriz gramisciniana, comtempla algo
que será de grande valia para ampliarmos o nosso entendimento nessa área de estudos. Tendo
em conta este contexto, Strange (1970) chamou a atenção para a necessidade de unir os estudos
da EPI com as RI, juntamennte com as contribuições de Kindleberger (1973), a exemplo da
teoria da dependência que uniu estudos da política e da economia e avançou para os estudos
sobre a tese do poder estrutural (Mariutti, 2013; Strange, 2015) que será objeto de análise
detalhada abaixo.
Esta autora considera que “o poder estrutural confere o poder de decidir como as coisas
serão feitas, o poder de moldar o quadro dentro do qual os Estados irão se relacionar entre si,
com relação às pessoas ou com relação às empresas” (Strange, 2015, p. 27). Segundo Lara, A.
S. (2021), e seguindo a linha de pensamento de Strange, destaca que “(...) é possível determinar
um conjunto de meios capazes de coagir os outros Estados a um determinado comportamento”
(p. 339).
15
Na interpretação apresentada por Culpepper (2015), “(...) poder estrutural é para eles,
portanto, um produto do poder instrumental, não independente dele” (p. 396). De acordo com
este último autor, a possibilidade de uso do poder instrumental está ligada também à capacidade
de mobilização de recursos disponíveis pelos países, pois na prática esse poder é derivado do
poder estrutural. Neste sentido, Strange (2015) realiza a sua construção teórica a partir da
análise de diferentes áreas da realidade internacional, que se interrelacionam. A estrutura da
EPI está diretamente relacionada com quatro grandes áreas, tal como definido por pela autora.
O poder militar continua a ser a base da manutenção e ampliação do poder estatal, ao ponto de
determinar as escolhas de inimigos e aliados. Para Strange (2015), “Os protetores - aqueles que
fornecem a segurança - adquirem um certo tipo de poder que lhes permite determinar, e talvez
limitar, o leque de escolhas, ou opções disponíveis para outros” (p. 49).
3
As empresas dos E.U.A. são: Lockheed Martin Corp., Boeing, Northrop Grumman Corp., Raytheon, General
Dynamics Corp. (SIPRI, 2021).
16
desde 1949 com mais de 31 países membros e possuem cerca de 800 bases militares em mais
de 80 países. Na Alemanha, verificam-se 194 instalações militares americanas, no Japão 120,
na Itália 44, em Portugal 22 e no Brasil 1 (Vine et al., 2021) .
Dentro desse quadro, considera Strange (2015) que existem quatro questões gerais e
sistémicas a serem consideradas no que diz respeito às questões de segurança nas relações
internacionais:
Portanto, sendo assim, a estrutura de segurança continua a ter um papel importante nas
relações internacionais, com repercussões em diferentes áreas da sociedade. A estrutura
militar conduz, muitas vezes, ao desenvolvimento tecnológico da estrutura de produção.
Existe uma ligação estreita entre a produção industrial e a constituição de poder dos
Estados, pois “A produção tem sido a base de quase todas as economias políticas (...) existe
uma conexão estreita entre o locus do poder na sociedade e a estrutura de produção (...)
“ (Strange, 2015, p. 70). Como ponto central nas estruturas de poder internacional, a produção
necessita de uma forte estrutura financeira como base da expansão material capitalista.
17
2.4- A Estrutura Financeira
O sistema criado em Bretton Woods, no pós Segunda Guerra Mundial, lançou as bases do
domínio do dólar, do poder estrutural e instrumental dos Americanos a nível global (Strange,
1987). Dian (2016) concorda com Strange, ao salientar que “(...) o papel do dólar é ainda uma
parte essencial da primazia americana e uma parte fundamental do poder estrutural americano
(. . .)” (p. 137). O dólar é peça central na estrutura financeira, pois estabelece as bases
fundamentais do poder estrutural americano.
(...) a estrutura financeira realmente tem dois aspetos inseparáveis. Ela compreende não
apenas as estruturas da economia política através das quais o crédito é criado, mas também o
sistema monetário ou sistemas que determinam os valores relativos das diferentes moedas
nos quais o crédito é denominado (Strange, 2015, p. 99).
Dentro desse quadro de análise teórica, de acordo com Pulcherio (2015), o poder
estrutural americano tornou-se interessante para outros países, que seguiram essa liderança,
sobretudo em função do papel central do sistema financeiro norte-americano e do dólar no
mercado de capitais. Essa centralidade, conferida à América, foi estabelecida com um quase
monopólio, durante a construção do arranjo institucional de Bretton Woods, graças, em boa
medida, ao dólar como reserva internacional (Alencar & Nunes, 2018). De acordo com Pinto
& Gonçalves (2015), “(...) no atual padrão monetário internacional, o país emissor da moeda-
chave não enfrenta qualquer tipo de restrição externa, já que seu passivo “externo” é composto
por obrigações denominadas na sua própria moeda” (p. 465).
18
meio de diferentes formas de poder” (p. 1057). O poder do dólar, como principal moeda nas
transações internacionais, ficou demonstrado quando os E.U.A. decidiram que os dólares
deixariam de ser convertidos em ouro, criando assim uma “progressão do privilégio exorbitante
para o super exorbitante” (Strange, 1987, p. 569), com o fim dos acordos de Bretton Woods, no
início da década de 70. Os americanos estavam literalmente comprando o mundo com papel
moeda, pois “(...) o governo dos E.U.A. estava exercendo o direito irrestrito de imprimir
dinheiro que outros não poderiam (...) se recusar a aceitar como pagamento” (Strange, 1987, p.
569). Assim transparece que “O poder e os interesses dos Estados estão presentes na governança
monetária internacional” (Alves, 2012, p. 40). Neste sentido, para continuar na liderança do
mercado financeiro, o desenvolvimento do conhecimento científico em todas as áreas, é
fundamental.
20
Capítulo III – O SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL
O SMI surge da necessidade de realizar transações comerciais e financeiras entre países com
segurança. Neste sentido, “O Sistema Monetário Internacional é constituído de normas que
visam regular dois aspetos: a conversão de uma moeda em outra e o padrão monetário adotado.”
(P. R. Silva, 2010, p. 18). Diz-nos Eichengreen (2008) que
O sistema monetário internacional é a cola que une as economias nacionais juntas. Seu papel
é dar ordem e estabilidade aos mercados de câmbio, incentivar a eliminação de problemas de
balanço de pagamentos e fornecer acesso a créditos internacionais em caso de choques
disruptivos (p.1).
Segundo Torres (2019), desde a revolução financeira inglesa, no século XVIII, a criação
de um banco central e o desenvolvimento de mercados para transações de ativos financeiros
constituiu-se na ampliação do poder do sistema financeiro. Essa revolução das finanças na Grã-
Bretanha do século XVIII teve como ponto de inflexão inicial o estabelecimento do valor do
ouro subvalorizado e abaixo do preço das transações comerciais e financeiras que utilizavam a
prata, que era amplamente utilizada desde a idade média. O artífice desta “ação acidental” foi
Sir Isaac Newton que, em 1717, acabou por iniciar a era do padrão ouro (Eichengreen, 2008).
Neste contexto histórico, “Com a revolução industrial da Grã-Bretanha e seu surgimento no
século XIX como o líder do poder financeiro e comercial (...)” (Eichengreen, 2008, p. 6), o
Reino Unido pôde expandir o seu poderio para várias partes do mundo.
21
tentativas dos governos de diferentes países de restaurar o Padrão-Ouro com mais flexibilidade,
não tendo o ouro como base única do valor do câmbio. Porém, a Grande Depressão de 1929 e
o fim da convertibilidade da moeda da Grã-Bretanha, em 1931, aceleraram o abandono
definitivo do Padrão-Ouro (Costa, 2010).
Para Torres (2019), “O sistema de Bretton Woods (BW) não foi uma simples atualização
dos mecanismos existentes durante o padrão ouro (1871-1914), tendo agora o dólar na posição
central. Diferentemente, a moeda americana teria um status único e garantido por legislação
internacional “ (p. 632). A substituição da Libra pelo Dólar efetivou-se somente após a Segunda
Guerra Mundial e tornou-se fundamental para a comercialização, os investimentos e as finanças
internacionais (Costa, 2010; Torres, 2019). Neste contexto, a arquitetura do sistema monetário
internacional passa das mãos privadas para a gestão dos Estados “(...) em princípio, o FMI e o
Banco Mundial, na prática, o Sistema da Reserva Federal dos Estados Unidos5 (...).” (Arrighi,
1996, p. 287). Pelo exposto, podemos concluir que a pax britânica, e um dos seus símbolos mais
proeminentes da Belle Époque, a Libra Esterlina, não foi uma moeda que conferiria poder
O Sistema da Reserva Federal dos Estados Unidos da América é o Banco Central deste país cuja
principal função é o efetivo funcionamento de sua economia de acordo com o FED (2023).
22
estrutural para Inglaterra, como o dólar foi para os E.U.A, depois da II Guerra Mundial (Torres,
2019).
Recorrendo de novo a Strange (2015), “Em 1971, o sistema foi colocado em total
desordem pelo Presidente Nixon e foi finalmente abandonado, quando o dólar começou a
flutuar e as taxas de câmbio foram deixadas para as forças do mercado em 1973” (p. 115). Nas
palavras de Batista (1994), “Ao derrubar, sem maior cerimônia, uma das colunas básicas do
sistema monetário construído em Bretton Woods, os Estados Unidos afirmavam, sem rebuços,
a prevalência dos interesses nacionais sobre as responsabilidades mundiais do país” (p. 13).
A crise advinda do fim dos acordos de Bretton Woods6, para Strange (1987), não se
configurou no declínio americano nas finanças globais, pelo contrário, veio a fortalecer a sua
posição no âmbito do SFI. De acordo com Tavares (1985), “(…) a retomada da hegemonia
terminou convertendo finalmente a economia americana numa economia cêntrica e não apenas
“No sistema de Bretton Woods, o ajustamento baseava-se num regime de taxas de câmbio fixas,
complementado por controlos cambiais e de capitais e harmonização das políticas monetárias nacionais”
(Costa, 2010, p. 257).
23
dominante” (p. 12). Assim, a centralidade estadunidense configurada através do domínio do
dólar sedimentou a sua hegemonia a nível mundial.
A dupla vitória americana, sobre os inimigos do Eixo e sobre as pretensões do império inglês,
conferiu aos E.U.A. uma posição singular e sustentável que lhes permitiu configurar, em seu
benefício, os vários contornos que o sistema monetário internacional viria a ter nas décadas
seguintes (Torres, 2019, pp. 622–623).
Dentro desse quadro analítico, nas últimas duas décadas, houve entretanto um
decréscimo no uso do dólar americano na composição das reservas internacionais. Em 1999, os
bancos centrais possuíam cerca de 71% das suas reservas internacionais em dólar, mas em 2021,
essa participação caiu para 59,15%, o menor nível dos últimos 25 anos, segundo o IMF (2022a),
conforme o observado na Figura 01.
24
Figura 1 - Participação das principais moedas na composição das reservas internacionais dos
países em 2021
25
Figura 2 - Composição das reservas internacionais no ano de 2021
26
227). Neste sentido, a natureza sistémica do dólar propicia aos E.U.A. uma capacidade única
de originar crédito internacionalmente aceite na própria moeda (Torres, 2019; Winecoff, 2020).
Neste sentido, esse crédito e os ativos são dominados por grandes conglomerados
financeiros internacionais. De entre esses estão a americana Black Rock, que gerencia ativos
entre US$ 10 e US$ 14 biliões e outras instituições financeiras como: JPMorgan Chase, Bank
of America, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, Santander, Goldman Sachs, o Credit Suisse e
outras (Dowbor, 2016; Fraser, 2022). Segundo Dowbor (2016), “(...) os 147 grupos que
controlam 40% do sistema corporativo mundial, sendo 75% deles bancos” (p.25). Segundo este
autor, os maiores grupos financeiros movimentaram, em 2013, cerca de US$ 700 biliões em
derivativos (Dowbor, 2016). Para movimentar toda essa quantidade de recursos, derivativos,
créditos e os ativos monetários, é necessário mecanismos internacionais de transferências e
comunicação.
Neste contexto, o poder hegemónico liderado pelos E.U.A. e a sua dimensão estrutural
tem, nas organizações internacionais, a sua ponta de lança, pois o “(...) mecanismo pelo qual se
expressam as normas universais de hegemonia mundial é a organização internacional. De facto,
a organização internacional funciona como o processo pelo qual se desenvolvem as instituições
da hegemonia e sua ideologia.” (Cox, 2016, p. 149). Um dos aspetos relevantes do fenómeno
de uma complexa rede de poder global é o controlo sobre os mecanismos que conferem um
poder instrumental, para além do estrutural no SMI. Segundo Winecoff (2020), “Se a
hegemonia é uma função do poder estrutural, e o poder estrutural é ganho através da
centralidade dentro das estruturas globais, então o poder estrutural hegemónico pode ser
pensado como um fenómeno de rede complexa” (p.218).
27
Dentro desse mecanismo, é importante destacar, também, a liderança do dólar dos
E.U.A. entre as principais moedas conversíveis, nesta rede mundial de mensagens para
transferências de ativos. Segundo o (Center for Strategic & International Studies [CSIS], (2022)
, a posição do dólar, em abril de 2022, é de 41,8% das mensagens com instruções de transações
financeiras, seguido de 34,7% do euro, a libra com 6,3%, o yen com 3,1% e o renminbi com
2,1% do total das principais moedas em uso no Sistema SWIFT.
O SWIFT tem sido, nos últimos anos, um instrumento de poder, sobretudo contra os
principais inimigos das principais potências europeias e E.U.A. Os países alvo são: a Venezuela,
a Coreia do Norte, o Irão, a Rússia e a RPC, que estão a provocar reações disruptivas dentro do
SMI (Nölke, 2022). Por este motivo, países que não aceitam se submeter ao domínio do G7
estão a criar alternativas ao SWIFT. A Federação Russa criou o System for Transfer of Financial
Messages (SPFS), a RPC colocou em operação, desde 2015, o Cross-border Interbank Payment
28
System (CIPS) (Nölke, 2022). O sistema de mensagens chinês está em franco crescimento: nos
últimos anos chegou a crescer 80%, impulsionado pelo financiamento de projetos de
infraestruturas Belt and Road Initiative (BRI) e pela sua posição de liderança no comércio
internacional (Kodaki, 2022). O CIPS possui 76 participantes diretos e 1265 participantes
indiretos, em mais de 3000 instituições bancárias, em 167 países, e uma movimentação
financeira de US$ 45,6 mil milhões de dólares, até março de 2022 de acordo com o CIPS
(2022) . Tanto a China como a Rússia estavam a ser alvos de ameaças de exclusão do sistema
por parte dos europeus e dos americanos. Do mesmo modo, os BRICS estão a discutir a
implementação do seu próprio sistema de pagamentos internacionais e a Índia também já admite
desenvolver o seu sistema de pagamentos e mensagens de transações interbancárias
internacionais (Nölke, 2022). Para Caytas (2016), “A desconexão do acesso ao SWIFT é, por
qualquer meio, o equivalente do mercado financeiro a atravessar o limiar nuclear, devido à
importância vital dos serviços embargados e à quase total falta de alternativas com eficiência
comparável” (pp. 14-15).
O Fundo é uma organização internacional que foi criada durante a conferência de Bretton
Woods, em New Hampshire – E.U.A., no ano de 1944. Um dos principais vetores dessa
coordenação monetária internacional foi o voluntarismo para a institucionalização, desse
organismo que contou com a participação ativa de 44 Estados-nacionais. Uma característica
marcante da sua criação foi a supranacionalidade e formalização no quadro do direito
internacional, fenómeno diferente do que ocorreu durante a vigência do Padrão-ouro, cujo
mecanismo de funcionamento era baseado no laissez-faire (Costa, 2010).
29
participação em comissões, ou outros direitos de controlo que são legalmente atribuídos aos
membros de uma organização” (pp.124-125). Segundo Chwieroth (2012), “O processo de
delegação formal cria os parâmetros dentro dos quais a influência informal do pessoal é
exercida da mesma forma que os direitos de voto formais moldam a forma como a influência
informal do Estado funciona” (pp.266-267).
30
interlocutores simpáticos são importantes: empréstimos maiores são alargados a países onde os
funcionários governamentais e o pessoal do Fundo partilham formação profissional
semelhante” (Chwieroth, 2012, p. 268).
31
3.4.1- Conselho dos Governadores
Este Conselho, o Executive Board (EB), é o principal executor das deliberações do Conselho
dos Governadores. A sua composição consiste em 24 membros, além de executar os poderes
definidos pelo Estatuto do IMF (2022c). O EB orienta toda a engenharia administrativa do
Fundo, a monitorização das economias dos países que são membros e questões de EPI. O EB,
conforme Copelovitch (2010), é dominado pelo G-5 (E.U.A., Reino Unido, Alemanha, Japão e
França), sendo que os demais 16 integrantes são eleitos com diretores que não representam
somente os respetivos países, mas um grupo de países de economias menores.
32
gap de financiamento na balança de pagamentos” (p.270). Segundo esse mesmo autor, a
tecnocracia interna do Fundo é baseada em modelos económicos e organizacionais com o
objetivo de organizar e propor os programas de ajuste estrutural. Continuando a ter em conta as
palavras de Chwieroth (2012), a negociação e os termos negociados com os países que solicitam
o aporte financeiro do Fundo não estão diretamente suscetíveis à influência direta de diretores
e dos Estados-membros na aprovação de programas. No entanto, a ascensão profissional e a
reputação do Fundo estão ligadas ao sucesso dos programas de ajuste, pelo que o fracasso na
condução das políticas é objeto de preocupação do staff. Entretanto, para Copelovitch (2010),
“(...) como opera "na sombra" de uma votação da Diretoria Executiva, o pessoal não goza de
total autonomia; ao contrário, deve levar em conta as preferências dos Diretores Executivos
para projetar e propor um programa que garanta a aprovação da Diretoria” (p. 57).
Dentro desse quadro, o staff procura explorar lacunas deixadas pela EB como margem
para ação burocrática e técnica. Contudo, as diferenças dos interesses dos países do G-5 (E.U.A.,
Reino Unido, Alemanha, França e Japão) têm poder de reduzir essa margem de manobra dos
empregados do Fundo (Copelovitch, 2010). Os E.U.A., em especial, exercem um poder
adicional por sua posição cêntrica no sistema monetário internacional, pois “(...) o Secretário
do Tesouro dos Estados Unidos tem poder de veto na escolha e quase todos os primeiros
executivos foram estadunidenses” (F. S. Guimarães, 2013, p. 115).
Na Figura 04, é interessante perceber que há uma evidente preferência por profissionais,
cuja formação académica tem como locus instituições euro-americanas.
33
Figura 4 - Diversidade Educacional dos Funcionários do FMI no ano de 2021ES EARNED
No. Percent
MESTRES DOUTORES
REGIÃO/PAÍS* Quantidade Percentagem Quantidade Percentagem
China 16 1.2% 7 0.9%
Oriente Médio e Norte de
28 2.2% 1 0.1%
África + (MENA+)
África Subsaariana 33 2.5% 5 0.6%
Reino Unido 132 10.2% 89 11.6%
Estados Unidos da América 645 49.7% 435 56.5%
Outros 445 34.3% 233 30.3%
TOTAL 1299 100.0% 770 100.0%
Fonte: elaboração própria com dados do IMF (2022b)7
A análise da figura acima mostra-nos que o perfil profissional dos empregados do Fundo
tem uma forte presença de pessoas oriundas de Universidades dos E.U.A. e do Reino Unido,
países cuja matriz ideológica neoliberal é predominante. Ao somarmos os profissionais que
tiveram formação académica nesses dois pólos, constatamos que 59,90% vieram desses dois
países. Há sem dúvida um domínio quase absoluto euroamericano no Fundo com previsíveis
consequências na dinâmica, na orientação ideológica e na cultura organizacional. A Figura 05
apresenta uma análise mais detalhada.
7
FMI - Relatório de Diversidade e Inclusão – (2020-2021).
- Os dados excluem o Conselho do FMI, escritórios independentes e excluem funcionários contratados.
- Apenas o nível mais alto de educação completo ou atribuído estão incluídos.
- *País onde a universidade está localizada esses dados foram copilados no sítio do IMF (2022b).
34
Figura 5 - Países onde ocorreu a formação académica do staff do FMI – 2019
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Demais países ocidentais
Canadá
Estados Unidos da América
Graduação
Oriente Médio e Norte de África + (MENA +)
Europa (demais países) Mestrado
Reino Unido Doutorado
Itália
Alemanha
França
Transit ion Countries
Outros Asiát icos
Índia
Leste Asiát ico (ASEAN + 3)
China
África Subsaariana
35
seus Ph.D´s. em universidades americanas e europeias” (p. 115). A Figura 06 demonstra essa
tendência com variação anual.
69% 69%
63% 64%
42%
38%
Ora, para Guimarães, F. S. (2013), os países que fazem parte do G-7 comandam a
organização através da escolha de profissionais com formação educacional, oriundos sobretudo
da Europa e dos E.U.A., mesmo nos países recetores de empréstimos. Além disso, “(...) favorece
a construção de empréstimos de acordo com seus interesses e dificulta os debates sobre
reformas do FMI” (F. S. Guimarães, 2013, p. 111). No entanto, após a crise do subprime 2008,
houve uma ampliação de pessoas com formação fora do eixo dominante no comando das
instituições financeiras internacionais devido ao maior protagonismo do G-20. Assim sendo,
segundo Batista, J. (2021), atualmente a realidade é “(...) bem diferente daquela em que o G7
8
Nota: *excluindo países do antigo bloco soviético e Reino Unido. **Região sub-representada (Ásia Oriental, Oriente Médio e Norte
África+ (MENA+) e África Subsaariana (IMF, 2022)
36
dava as cartas, fixava a agenda internacional e definia os parâmetros para a atuação de
organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Esse papel passou a ser
exercido pelo G20” (p. 43).
37
não modificam o poder e a influência dos países desenvolvidos nas instituições financeiras
internacionais, em favor dos países periféricos (Alves, 2012).
Neste sentido, os E.U.A. possuem poder de veto (17,43% das quotas) sobre qualquer
decisão do Fundo e, juntamente com os demais componentes do G-7, somam 43,42% das quotas
de acordo com o IMF (2023c). As quatro principais economias da Europa Ocidental (Reino
Unido, Alemanha, França e Itália) podem vetar pois possuem 17,21% das quotas (IMF, 2023).
Daí a afirmação de Guimarães, F. S. (2013): “(...) os Estados Unidos são os únicos que podem
vetar isoladamente mudanças” (p.114).
Contudo, em 2016, houve a última revisão das quotas dos Estados-membros conforme
a Emenda de Reforma do Conselho, acordada em 2010 (IMF, 2023). Assim, tem havido um
crescente peso das economias emergentes, sobretudo em relação à China, na distribuição das
quotas. Na Figura 07, é patente que a distribuição atual das quotas de alguns membros do Fundo
ainda apresenta uma enorme assimetria entre os diferentes países participantes.
38
Figura 7 - Percentagem de participação nas quotas do FMI
E.U.A. Japão China Alemanha Reino Unido
França Itália Índia Rússia Brasil
Canadá Espanha África do Sul Portugal
2,00% 0,64% 0,43%
2,31%
2,32%
2,71%
2,75% 17,43%
3,16%
4,23%
6,47%
4,23%
5,59% 6,40%
O intuito dos países emergentes em ver aumentadas as suas vozes no FMI é um componente
das reformas da instituição e reflete um traço da cooperação monetária internacional. Porém,
diante da natureza dos temas sobre a cooperação monetária entre os países, as reformas
destacadas e anunciadas não são suficientes para mudar os alicerces da governança monetária
internacional contemporânea (Alves, 2012, p. 45).
Uma interessante análise corresponde à soma das quotas dos principais países
emergentes, dos quais podemos destacar os BRICS9. Todavia, é importante lembrarmos que o
valor do DES é determinado diariamente, conforme o câmbio e cujo valor é expresso em dólar
americano conforme o IMF (2023c). Por causa das distorções provocadas pela mudança
cambial, optámos por realizar a nossa análise em Paridade de Poder de Compra (PPC). As
somas das quotas desses países representam 14,82%, sendo menor que a dos E.U.A. de 17,43%.
Outro fator é a distorção entre o Produto Interno Bruto em PPC, em dólares, e as respetivas
quotas dos países membros da organização. A China tem o maior Produto Interno Bruto (PIB)
do mundo em PPC, no entanto figura como terceiro maior quotista. De acordo com o Fundo, a
quota refletiria, essencialmente, a posição relativa do país na economia mundial de acordo com
o IMF (2023d), conforme podemos observar na Figura 08.
9
Argentina, Egito, Etiopia, Irão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos foram convidados para fazerem parte
do grupo a partir de primeiro de janeiro de 2024 (BRICS Summit, 2023). Com excessão da Argentina que declinou
do convite do BRICS+, a soma dos futuros 10 membros será 18,65% da quotas (IMF, 2023).
39
Figura 8 - Participação Mundial no Produto Interno Bruto (US$): BRICS x G7
(0.50 * PIB + 0.30 * Abertura + 0.15 * Variabilidade + 0.05 * Reservas) Fator de compreensão
Fonte: IMF (2023c)
40
Sintetizando, segundo Alves (2012), o quesito PIB é calculado “(...) pela relação de
60% do câmbio em valor de mercado e 40% sobre a Paridade do Poder de Compra (mix do
PIB)” (p. 43). A Figura 9 demonstra que os BRICS têm uma produção de riqueza que soma
31,59%, ligeiramente maior que o G7 com 30,39% do PIB mundial.
G7 Biliões Percentual
Chama-se a atenção para os BRICS que possuem apenas 14,82% das quotas, enquanto
os países do G7 somam 43,42% do total das quotas do Fundo. Essa assimetria de poder, dentro
do Fundo, provocou reações no grupo dos BRICS que decidiu constituir o seu próprio
mecanismo de financiamento mútuo. De acordo com Batista, J. (2021), “De 2012 a 2014, esses
países negociaram cuidadosamente, passo a passo, o estabelecimento de mecanismos
41
independentes de estabilização e financiamento de longo prazo - o Arranjo Contingente de
Reservas (ACR) e o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD)” (p. 247). O ACR visa sobretudo
evitar a exposição às políticas de austeridade através das condicionalidades em caso de crise
cambial.
42
Figura 10 - Ajuste estrutural: ações a serem implementas pelos países membros
43
Na Figura 11, podemos verificar a dimensão do poder estrutural americano e o alcance
das condicionalidades impostas pelo Fundo.
44
uma nova hegemonia instituir-se, com efeitos sobre a gestão da política macroeconómica”
(Bastos, 2017, p. 9).
Por outro lado, uma maior carga de condicionalidade em cima do país solicitador do
empréstimo pode sinalizar ao mercado financeiro internacional que o país aceita se submeter
às condições impostas pelo Fundo (Copelovitch, 2010), sobretudo com o Consenso de
Washington .
Em 1989, John Williamson cunhou o termo Consenso de Washington, cujo objetivo principal
foi a liberalização dos mercados de capitais, nos países em desenvolvimento (Babb &
Kentikelenis, 2018). Em suma, conforme Guimarães (2017), “O Consenso de Washington é
uma lista de dez políticas elaboradas por técnicos do FMI, do BM, do Departamento do Tesouro
dos Estados Unidos e por académicos norte-americanos” (p. 167).
A lista de dez políticas, elaborada por essas instituições, contemplou diversas áreas,
sendo uma ampla gama de políticas públicas, principalmente ligadas a orientação geral da
economia política, da macroeconomia, política fiscal, política tributária, liberalização
financeira-comercial e a supressão da presença do Estado na economia dos países que se
submeteram. As áreas de atuação do Consenso de Washington foram: 1. disciplina fiscal; 2.
priorização dos gastos públicos; 3. reforma tributária; 4. liberalização financeira; 5. regime
cambial; 6. liberalização comercial; 7. investimento direto estrangeiro; 8. privatização; 9.
desregulação; 10. propriedade intelectual (Batista, 1994; S. P. Guimarães, 2017).
45
Nas décadas de 1980 e 1990, a sucessão de crises no pagamento das dívidas externas e
as sucessivas pressões para liberalização levaram os países periféricos ao aumento expressivo
da dependência externa ao Fundo. De acordo com Batista (1994), “Transfeririam para o exterior,
entre 1982 e 1991, US$ 195 bilhões [mil milhões] de dólares, quase o dobro, em valores
atualizados, do que os Estados Unidos concederam, como doação, à Europa ocidental entre
1948 e 1952, sob o Plano Marshall.” (p. 16).
46
Continuando a ter em conta a opinião de Bastos (2017), o capital financeiro
internacional aumentava o seu poder em momentos de crise, em regiões mais sensíveis, à
mobilidade do capital. A globalização e as várias crises, sobretudo de países periféricos, são na
verdade uma ferramenta de poder disponibilizada ao SFI. O objetivo do exercício deste poder
é a imposição de disciplina na política económica das nações endividadas. Já para Almeida
(2014), esse fenómeno é tributário da “(...) tensão reincidente entre as forças incontroláveis
dos mercados e a vontade dos governos de preservar soberania sobre certos aspectos de suas
políticas económicas” (p. 479).
47
Capítulo IV - A ECONOMIA POLÍTICA BRASILEIRA
O Brasil sempre relutou em mudar suas políticas domésticas por demanda do FMI, porque
pretendia lidar com programas de estabilização monetária sem se ater às recomendações mais
ortodoxas do Fundo – mesmo ao ter de enfrentar surtos inflacionários que redundaram na
troca de pelo menos seis padrões monetários, nenhum deles com aprovação prévia ou em
coordenação com o FMI (p. 470).
Neste sentido, em 1989, o país, mais uma vez, deixou de pagar os juros da dívida aos
credores externos, aumentando a desconfiança dos financistas (Hirst, 2011). Neste mesmo ano,
o “establishment” conseguiu eleger como Presidente da República, Fernando Collor de Melo
(1990-1992), o primeiro presidente eleito, após o fim da ditadura militar brasileira.
48
Neste sentido, segundo Bastos (2016), “No Brasil, o sonho vendido por Collor (...) era
que a abertura comercial, a privatização e a “flexibilização” de contratos de trabalho tornariam
as empresas nacionais e filiais de empresas multinacionais eficientes e fortemente exportadoras”
(p. 6). Essas políticas foram implementadas também com o objetivo de, pelo menos do ponto
de vista dos liberais brasileiros, propiciar crescimento económico e “(...) gerariam as reservas
cambiais necessárias para bancar mais um ciclo de endividamento externo e as remessas de
juros, lucros e dividendos associados às privatizações, fusões e aquisições de patrimônio local
pelo capital financeiro global” (Bastos, 2016, p. 6). Apesar disso, após dois anos de governo,
Collor sofreu um impeachment, em 1992, no entanto, sem que abalasse por completo o projeto
hegemónico dos E.U.A., via Fundo, com base no Consenso de Washington, que foi levado
adiante pelos governos seguintes. O Governo de Itamar Franco (1992-1994), ex-vice-presidente
de Collor, foi basicamente um governo de transição, mas que, na verdade, teve o mérito de
reorganizar a economia do país:
(...) a partir de maio de 1993, e uma brilhante equipe de assessores económicos em postos
estratégicos do governo Itamar Franco, foi possível conduzir, pela primeira vez em muitos
anos, um processo realista e consistente de ajuste estrutural que, via desindexação planejada
da economia, acabaria levando ao plano Real12 (Almeida, 2014, p. 483).
12
A atual moeda brasileira, o Real, foi precedida de um processo de estabilização da economia do Brasil
que estava a passar por quase duas décadas por processos hiperinflacionários. O plano de estabilização, lançado
em 1993, ficou conhecido como Plano Real. Antes de sua entrada em circulação, em primeiro de julho de 1994,
na véspera das eleições presidenciais, os economistas do governo federal decidiram criar uma Unidade Real de
Valor (URV) (moeda escritural) cujo objetivo foi a transição do antigo padrão monetário, o Cruzeiro Real para a
nova moeda, o Real (Banco Central do Brasil, 2020).
49
Dentro desse cenário de crise cambial e sistémica, no ano de 1999,
(...) o governo brasileiro articulou juntamente com o FMI uma política macroeconômica
ancorada em três pilares: taxa de câmbio flutuante com livre mobilidade de capitais, para
ajustar as contas externas; taxa de juro real elevada, para garantir o cumprimento das metas
de inflação; superavit primário crescente, para conter o endividamento do setor público
(Cintra, 2005, p. 39).
Segundo Carvalho (2003), o governo Cardoso estava sempre pronto a lançar mão de
instrumentos desejados pelo Fundo, por exemplo o aumento das taxas de juros para conter a
fuga de capitais como o realizado nas crises mexicana (1995), asiática (1997), russa (1998) e
argentina (2001). Durante a crise cambial de 1998, de acordo com Carvalho (2003), o Fundo
teria pressionado fortemente o governo Cardoso para adotar a dolarização da economia, o que
teria sofrido resistência por parte dos negociadores brasileiros. Essa preocupação relativamente
à dívida externa e a volatilidade cambial fez o governo apostar ainda mais no aprofundamento
das políticas neoliberais, com especial destaque para as privatizações.
50
os serviços financeiros, a bolsa de valores, os bancos e as grandes empresas públicas, no
momento da privatização” (p. 509). Nessa altura, o governo Cardoso decretou a instituição da
Lei n. 9.472 (Lei Geral das Telecomunicações, 1997), que dispõe sobre os serviços de
telecomunicações do país e a completa desnacionalização de 29 empresas federais do setor.
Para Cervo & Bueno (2002), essa privatização ocorreu com o beneplácito da União
Internacional de Telecomunicações (UIT), agência especializada da ONU, controlada pelos
E.U.A., e que foi contratada pelo Congresso Nacional do Brasil para dar consultoria. Nessa
transação, entra em cena uma empresa privada americana, a McKinsey &c Company,
subcontratada pela UIT. Neste sentido, a “(...) Lei Geral de Telecomunicações de 1997 veio a
público como queriam o governo dos Estados Unidos e os global players estrangeiros” (Cervo
& Bueno, 2002, p. 509), interessados nos ativos públicos brasileiros.
Uma outra medida com repercussões estruturais importantes foi a criação de leis para
consolidar a austeridade. A mais importante foi a Lei Complementar nº 101 (Lei de
Responsabilidade Fiscal, 2000) que ficou conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
e que obriga entes federados ( a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios) a
cumprirem metas de equilíbrio fiscal, ou seja, a observar o equilíbrio entre receitas e despesas.
Essa lei foi uma exigência direta do Fundo, que, inclusive, impôs uma condição semelhante à
Argentina (Carvalho, 2003). Essa ingerência externa do Fundo estava sempre descrita nas cartas
de intenções com o Brasil, como requisito para liberação dos empréstimos obtidos por crises
dos anos anteriores (Carvalho, 2003).
É interessante notar que não chegou a ser suficiente para conter as crises que se seguiram
o aporte de quase US$ 42 mil milhões de dólares, em 1999, e mais dois empréstimos: em 2001,
US$ 15,7 mil milhões de dólares e, em 2002, US$ 37 mil milhões de dólares, totalizando US$
94,7 mil milhões de dólares (Almeida, 2014) . Entre 1995 e 2002, a dívida brasileira com o
Fundo aumentou quase US$ 100 mil milhões (Bastos, 2016). De acordo com Cervo & Bueno
(2002), “(. . .) entre 1995 e 2000, a dívida pública interna passou de 33% para 53% do PIB.
Entre 1994 e 1999, a dívida externa elevou-se de 148 para 237 bilhões (mil milhões) de dólares”
(p. 510). O último empréstimo ao Brasil, em 2002, evidenciou a ingerência do Fundo na política
interna do país. A organização internacional financeira deixou clara a sua posição, pois
(. . .) o FMI hesitava em realizar esse novo acordo frente à grande possibilidade de Lula ser
eleito presidente da República. O Partido dos Trabalhadores (PT) sustentava historicamente
51
uma série de críticas ao FMI, considerado pelo partido um símbolo de dominação política e
submissão internacional (Tude & Milani, 2013, p. 86).
O PT, partido político do então candidato Lula, fez uma inflexão ao aceitar publicar a
“Carta ao Povo Brasileiro 13 ” (Fundação Perseu Abramo, 2022). Esse documento foi
indispensável para a renovação do acordo e para a liberação do terceiro empréstimo (Tude &
Milani, 2013). O Fundo sintetiza, de maneira bastante interessante e eufemisticamente, o papel
desse instrumento de ingerência interna nos Estados, ao colocar que
Quando um país pede emprestado ao FMI, o seu governo concorda em ajustar as suas
políticas econômicas para ultrapassar os problemas que o levaram a procurar ajuda financeira.
Estes ajustamentos de política são condições para empréstimos do FMI e servem para
assegurar que o país será capaz de reembolsar o FMI. Este sistema de condicionalidade foi
concebido para promover a apropriação nacional de políticas fortes e eficazes (International
Monetary Fund, 2023b) (IMF, 2023).
No entanto, em que pese a adoção, pelo governo Cardoso, das propostas do Consenso
de Washington e da aceitação da ingerência “técnica” do Fundo, o governo brasileiro tentou
demonstrar algum alívio de soberania económica. Segundo Almeida (2014), o governo de
Cardoso buscou articular uma proposta junto ao G7, cujo objetivo era a contenção dos fluxos
de capitais, sobretudo, a especulação financeira. Entretanto, o grupo dos países mais ricos do
mundo naquele período recusou a proposta. O G7 propunha o contrário, a ampliação do
movimento internacional de capitais. Naquela altura, a evidência empírica foi de que “(...) as
autoridades monetárias brasileiras, a despeito de uma adesão conceitual ao princípio da
liberalização progressiva e cautelosa desses fluxos, não concordavam com a ideia de abandonar
de vez o monitoramento nacional desses capitais (...)” (Almeida, 2014, p. 484). Entretanto, de
acordo com Ianoni (2017), nesse momento histórico, o Brasil adotava uma linha direta de
comunicação entre o BCB e o Tesouro Nacional, com o setor financeiro internacional, apoiado
integralmente pelo Fundo, sedimentando a influência nos destinos do país.
13
A “Carta ao Povo Brasileiro” é um documento histórico, datado de 22 de junho de 2002, onde o então
candidato à Presidência da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, sinaliza aos mercados nacional e
internacional que não faria qualquer movimento de rompimento com o establishment financeiro. A Carta teve
como base o destaque ao desenvolvimento económico e social, contudo apontando como premissa a manutenção
da política económica que vigora até os dias atuais co (Fundação Perseu Abramo, 2022).
52
4.2- A economia política brasileira de 2003 a 2016
Com a vitória eleitoral de Lula, em 2002, a relação do país com o Fundo começa a mudar
gradativamente apesar do novo governo continuar a seguir os fundamentos da política
neoliberal de Cardoso. Para tanto, a Carta ao Povo Brasileiro representou uma importante
sinalização aos mercados financeiros nacional e internacional de que o novo governante não
teria uma atitude disruptiva e teria políticas market-friendly. Assim que assumiu o governo,
Lula procurou demonstrar aos mercados que não teriam o que temer, pois “(...) reforçou o
compromisso com o cumprimento das metas estabelecidas e aumentou voluntariamente o
objetivo para o superavit primário, então fixado em 4,25% do PIB” (Almeida, 2014, p. 488).
No seu início, o governo pretendia demonstrar a sua disposição aos intentos dos
mercados, tendo gradualmente implantado políticas com maior intervenção estatal. O governo
parou as privatizações e a alienação do património público, e promoveu a retomada do poder
de investimento de bancos públicos, sobretudo o Banco Nacional de Desenvolvimento
Económico e Social (BNDES) 14 que
14
Fundado em 1952, o BNDES é um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo e, hoje, o principal
instrumento do Governo Federal para o financiamento de longo prazo e investimento em todos os segmentos da
economia brasileira conforme o sítio do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social [BNDES],
(2023) .
53
isso, segundo Tokarski (2021), a Lei 12.351 (2010) instituiu o sistema de partilha que, de acordo
com o autor, tinha como objetivo criar também um Fundo Social que visaria cumprir com os
preceitos constitucionais de superação, da pobreza e de apoio à re-industrialização.
Todavia, o governo Lula, entre os anos de 2003 a 2010, conseguiu resultados notáveis
em relação ao crescimento económico, ao alcançar uma taxa média de 4,1% do PIB (Teixeira
& Pinto, 2012). Nos anexos B e C estão presentes os dados relativos às séries históricas das
taxas de juros e do PIB do Brasil. Em 2010, após 8 anos de um governo bem avaliado, o
Presidente Lula conseguiu eleger, como Presidente da República, a sua sucessora, a sua ex-
ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que desenvolveu um governo com mais intervenção
estatal. Num dos seus primeiros pronunciamentos em direto para todo o país, revelou a sua
decisão de enfrentar o sistema financeiro, ao dizer claramente que
É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos,
continue com um dos juros mais altos do mundo”, asseverou em rede nacional de rádio e TV.
Do alto dos 64% de aprovação de que então dispunha, concluiu confiante: “Não vamos abrir
mão de cobrar com firmeza de quem quer que seja que cumpra o seu dever (Singer, 2015, p.
39).
54
públicas que visavam o desenvolvimento económico, social e a re-industrialização do Brasil a
partir de políticas neokeynesianas. Dentro desse quadro,
A exemplo do que havia feito em 2008, o governo brasileiro procurou sustentar o ritmo de
crescimento local. Foi aí que se abriu a oportunidade de colocar em prática a nova matriz que
vinha sendo preparada desde a substituição de Henrique Meirelles por Alexandre Tombini à
frente do BC (novembro de 2010) (Singer, 2015, p. 43).
Fonte: elaboração própria com informações do BNDES (2020), BCB (2020) e Singer (2015).
Dentro desse panorama, sobretudo o item 8 (Controlo de Capitais), defendido por Guido
Mantega, Ministro da Fazenda, em 2010, foi um recado direto ao sistema financeiro. O Ministro
brasileiro cometeu a “heresia” de controlar o fluxo de capitais. Para Gallagher (2014), “(...)
Mantega anunciou mais uma ronda de controlos de capital - cortes nos fluxos financeiros de
curto prazo para o Brasil para mitigar a valorização do real e para conter as crescentes bolhas
55
de activos” (p. 1). Para Singer (2015), o item 8 e o item 9 (Protecionismo e conteúdo local)
tensionaram fortemente a correlação das forças interna e externa.
Posto isto, Rousseff mexeu com uns dos pilares do pensamento dominante das altas
finanças, pois “Enquanto Lula foi não confrontacionista, Dilma decide entrar em combates
duros. Ao também reduzir os juros e forçar os spreads para baixo, tensionou o pacto
estabelecido com o setor financeiro” (Singer, 2015, p. 47). Esse confronto foi estabelecido, com
a diminuição dos lucros do sistema financeiro, a partir de políticas induzidas pelo governo
federal com intervenções diretas na economia do país e o uso de bancos estatais para forçar a
queda dos juros (Singer, 2015).
Portanto, ao declarar guerra ao setor financeiro e manejar a política fiscal com vista a
incentivar a reorganização produtiva do país, Rousseff criou enormes resistências em vários
setores da sociedade (Singer, 2015). Esse ambiente, combinado com dificuldades do governo
em continuar a sua expansão do gasto público, levou o governo a usar a chamada “contabilidade
criativa e as pedaladas fiscais15” (Singer, 2015).
15
São termos que no Brasil significava que o governo estava a fazer manipulações contabilísticas para
conseguir pagar as obrigações financeiras do país e o atendimento aos programas sociais do governo (Singer,
2015).
56
recessão económica em 2015 e 2016 (Teixeira et al., 2018). Umas das primeiras ações, após a
queda de Rousseff, foi a instituição da lei 13.365/2016, que aumentou o poder das
multinacionais do petróleo na exploração do pré-sal e diminuiu o poder de intervenção do
Estado, em linha com o Consenso de Washington (Tokarski, 2021).
Parte das propostas do Fundo que visam o “equilíbrio” das contas públicas têm como foco o
ajuste estrutural ou políticas de austeridade. Historicamente, as imposições dessas políticas são
anteriores à institucionalização do poder estrutural americano, no final da II Guerra Mundial.
Para Mattei (2017), a austeridade no século XX foi colocada em prática a partir das conferências
de Bruxelas (1920) e de Génova (1922), onde tecnocratas estudavam formas de combater a
crise causada pela I Guerra Mundial. Curiosamente, o primeiro caso de austeridade foi no início
da década de 1920, na Itália do Duce Benito Mussolini. Segundo a autora, “(...) a austeridade é
geralmente uma resposta à crise económica real ou prevista. As medidas de austeridade incluem
aumento de impostos (sobretudo impostos regressivos), privatizações, e cortes nos salários do
sector público” (Mattei, 2017, p. 11).
Neste sentido, a austeridade é parte fundamental das políticas preconizadas pelo Fundo
que mantém, como uma de suas premissas, o ajuste estrutural das economias submetidas à sua
supervisão. A influência do Fundo na construção de políticas favoráveis aos interesses de
Washington fica evidenciada, porque nos “(...) dias atuais, não existe, na América Latina,
qualquer ministro de Estado que possa tomar uma decisão macroeconómica importante, sem o
consentimento da tecnoburocracia mundial do FMI; e, aparentemente, a situação não muda
muito em relação aos países do Leste europeu” (Braga, 2000, p. 56).
Dentro deste quadro analítico, segundo Braga (2000), o ajuste estrutural visa recriar
capacidade para o pagamento das obrigações do Estado, que foi amplamente difundida, já que
na prática a “(...) ‘austeridade’ orçamentária (ou seja, corte dos chamados gastos sociais com
saúde e educação, por exemplo), liberalização do comércio e privatizações é aplicada
simultaneamente em mais de 80 países endividados do Terceiro Mundo, Leste Europeu e da ex-
União Soviética” (p. 64). A dívida junto ao Fundo gera novas crises que, por sua vez, leva a
57
mais empréstimos e assim cria um círculo de endividamento e ajustes estruturais contínuos.
Soma-se a isso a manipulação da taxa de juros americana pelo FED, administrada por Paul
Volcker, na década de 1980, e nos anos 1990 por Alan Greenspan, que provocaram a
transferência de US$ 4.6 mil biliões da periferia para o centro (Harvey, 2005).
De acordo com Braga (2000), “Os países endividados perdem a sua soberania
económica e o controlo das políticas económicas e monetárias, os bancos centrais e ministérios
das finanças são reorganizados, as instituições estatais são dissolvidas e a “tutela económica”
do FMI é instalada” (Braga, 2000, p. 64).
O Brasil conseguiu diminuir a força das mudanças neoliberais através dos ajustes
macroeconómicos nos governos Lula e Rousseff. No entanto, como vimos acima, a revanche
do sistema financeiro desestabilizou o governo brasileiro, a partir de 2014, e reenquadrou o
Brasil na lógica dos ajustes estruturais e da austeridade. Para Dweckp et al. (2018),
(...) diante da desaceleração económica, o governo Dilma optou por medidas de austeridade
que representaram um choque recessivo na economia brasileira. No que se refere ao choque
fiscal, o gasto primário do governo central caiu 2,9% em 2015 depois de anos consecutivos
de crescimento positivo (p. 7).
58
vice-presidente, Michel Temer (2016 a 2018) institucionalizou a austeridade, ao colocar o ajuste
estrutural de forma permanente na Constituição Federal.
Isso foi conseguido em duas ações: a (Emenda Constitucional (EC) 95, 2016) que
estaria em vigor por 20 anos, popularmente conhecida como teto de gastos, porém foi
substituída pelo “arcabouço fiscal” do Governo Lula em 2023 (Lei Complementar no 200, 2023).
Uma outra ação, já no governo de Jair Messias Bolsonaro (2019 a 2022) foi a (Lei
Complementar n.179, 2021) , que dispõe sobre a autonomia do BCB.
A autonomia do BCB, por sua vez, pode significar uma ação decisiva no processo de dominação
americana sobre a economia brasileira, pois coloca na prática, o controle do coração do sistema
financeiro brasileiro nas mãos dos financistas internacionais. Atualmente, o novo governo
brasileiro, que começou em janeiro de 2023, no terceiro mandato presidencial de Lula, está a
sentir os efeitos dos condicionamentos políticos e económicos. Um desses condicionamentos
foi ter herdado do governo neoliberal de Bolsonaro, o atual Presidente do BCB (2023a) ,
Roberto Campos Neto, que trabalhou em vários bancos privados e é graduado em economia
pela Universidade da Califónia nos E.U.A.. Contudo, o Ministério da Fazenda apresentou, no
dia 30 de março de 2023, o denominado “arcabouço fiscal”, uma medida para conter o
endividamento público conforme visto acima. Assim, o objetivo é garantir “(...) a retomada de
investimentos e recompor a base económica com responsabilidade fiscal e social. A Medida é
essencial para a estabilidade, redução da inflação e estímulo ao investimento privado e
internacional” (Lei Complementar no 200, 2023). Na prática, é apenas uma flexibilização da
EC 95 a seguir, a mesma lógica de austeridade dos governos anteriores. Na Figura 13, podemos
analisar os efeitos concretos das políticas de austeridade, combinadas com ajustes estruturais
ao longo de quase duas décadas.
59
Figura 13 - Análise da economia política do Brasil
GOVERNO PRINCIPAIS AJUSTE ESTRUTURAL/ RESULTADOS DA RESULTADOS
ANO DO BRASIL ACONTECIMENTOS CONDICIONALIDADES AUSTERIDADE NO MACROECONÓ-
INTERNACIONAIS NEGOCIADOS COM O FMI BRASIL MICOS NO BRASIL
Diminuição da dívida PIB: -0,4%
Crise mexicana Ajuste fiscal, privatizações e pública, disciplina (4ºtrimestre/1998)
Fernando (1994), Crise Asiática monitoramento das contas monetária, bandas Taxa Juros/ano: 19%
1998 Henrique (1997), Crise Russa públicas cambiais (1995 a Desempego: 9%
Cardoso (1998) 1998) e câmbio
flutuante (1999)
PIB:1,42%
Fernando Crise argentina, Ajuste fiscal e monitoramento Câmbio flutuante, (4ºtrimestre/2001)
2001 Henrique Ataques Terroristas das contas públicas. disciplina monetária e Taxa Juros/ano: 19,5%
Cardoso (11/09), entrada da fiscal. Desempego: 6,2%
China na Organização Superávit primario:
Mundial do Comércio 2,3%
(OMC)
PIB:1,52%
Fernando Crise argentina, crise Ajuste fiscal e monitoramento Câmbio flutuante, (4ºtrimestre/2002)
2002 Henrique uruguaia, entrada em das contas públicas. disciplina monetária e Taxa Juros/ano:
Cardoso circulação do Euro fiscal. 24,90%
Desempego: 11,7%
PIB:1,14%
(4ºtrimestre/2003)
Luís Inácio Primeiro ano do Ajuste fiscal e monitoramento Câmbio flutuante, Taxa Juros/ano:
2003 Lula da governo, invasão do das contas públicas. disciplina monetária e 16,32%
Silva Iraque pelos E.U.A. fiscal. Desemprego: 10,90%
Superavit primário
3,75%
Superavit primário:
4,25%16
Vitória de Dilma Câmbio flutuante, PIB: 7,5%
Rousseff para Expansão fiscal e dívida pública Taxa de Juros: 10,66 %
Presidência do Brasil, monitoramento das contas descendente, políticas Desemprego: 6,7 %
2010 Luís Inácio Terramoto no Haiti, públicas. pro - cíclicas, Superávit Primario:
Lula da Wikileaks divulga disciplina monetária, 2,78%
Silva informações sobre intervenção do
atuação dos E.U.A. Estado.
Golpe de Estado na Câmbio flutuante, PIB: 0.5%
Ucrânia, Rússia Ajuste Fiscal e monitoramento dívida pública Taxa de Juros: 11,65%
Dilma realiza a anexação da das contas públicas. crescente, políticas Desemprego: 4,8%
2014 Rousseff Crimeia na Ucrânia, anti-cíclicas, Superávit Primario:
Copa do Mundo no contração fiscal. 1,2%
Brasil
Impeachment de Câmbio flutuante, PIB: -3,3 %
Dilma Rousseff, Ajuste fiscal e monitoramento política anti cíclica, (4ºtrimestre/2016)
Dilma Jogos Olímpicos no das contas públicas. ampliação da Taxa Juros/ano:
2016 Rousseff Brasil, intervenção do 13,65 %
China supera os Estado e fiscal. Desempego: 6,9%
E.U.A. em Déficit primario: -
Purchasing Power 1,85%
Parity (PPP) e dá
início à guerra
comercial entre as
duas superpotências.
Fonte: elaboração própria com dados extraídos das publicações: Almeida (2014); Teixeira & Pinto, (2012); IBGE,
(2022); BCB, (2022).
16
Superavit primário ampliado voluntariamente pelo governo brasileiro de 2003 até 2006, o primeiro ano
do governo Lula da Silva (Almeida, 2014).
60
4.4 - Brasil: de devedor a credor
Dessa forma, “(...) a dívida e a vulnerabilidade externas diminuíram muito desde 2002.
Naquele ano, 67,4% da dívida referiam-se à dívida interna e 32,6% à dívida externa. Em 2014,
a dívida interna passou a 95,1% e a dívida externa a 4,9% “ (Bastos, 2016, p. 5). Na figura 14,
analisamos os empréstimos concedidos pelo Fundo ao Brasil, entre 1998 e 2016.
61
Figura 14 - Análise dos empréstimos concedidos ao Brasil
GOVERNO EMPRÉSTIMO
BRASILEIRO ECONOMIA MODALIDADE DO
– (USD) DO
ANO DO PERÍODO POLÍTICA EMPRÉSTIMO DO FMI AO
FMI AO
DOMINANTE BRASIL
BRASIL
Fernando
U$ 52 mil Supplemental Reserve Facility
1998 Henrique Neoliberal
milhões & Stand-by
Cardoso
Fernando
U$ 17 mil Supplemental Reserve Facility
Henrique
2001 Neoliberal milhões & Stand-by
Cardoso
Fernando
U$ 10 mil Supplemental Reserve Facility
2002 Henrique
Neoliberal milhões & Stand-by
Cardoso
Luís Inácio Lula Penúltima parcela de 30 mil
U$ 4,16 mil
da Silva milhões negociados no ano
2003 Neoliberal milhões
anterior
Luís Inácio Lula Não renovação do acordo com
2006 Neokeynesiana
da Silva - o Fundo
Não renovação do acordo com
2016 Dilma Rousseff Neoliberal -
o Fundo
Fonte: elaboração própria com dados extraídos das publicações: Almeida, (2014); Teixeira & Pinto, (2012); IBGE,
(2022); BCB, (2020).
O Brasil estava numa situação de soberania limitada por não conseguir a sua autonomia
financeira internacional, ao ponto de, em 2004, o governo brasileiro ter de pedir autorização do
Fundo para realizar investimentos em infraestruturas, e que tais investimentos não entrariam
nos ajustes realizados em negociação com o Fundo (Tude & Milani, 2013).
Uma decisão tomada pelo governo brasileiro, com vista à recuperação da autonomia
estratégica e económica, foi o pagamento antecipado das dívidas. Em 2005, o governo decidiu
pagar as dívidas junto ao Fundo, pois
(...) foram pagos de maneira antecipada aproximadamente 10,8 mil milhões de Direitos
Especiais de Saque (DES) – cerca de US$ 15 mil milhões – referentes aos empréstimos
tomados junto ao Fundo. Tal ato também provocou divergências entre economistas. O
Ministério da Fazenda justificou que o pagamento ao FMI ampliou a autonomia do Brasil na
gestão de suas políticas macroeconómicas e maximizou sua confiança internacional,
fortalecendo o mercado de capitais pátrio e diminuindo o risco-país (Tude & Milani, 2013,
p. 95).
Um outro fator que contribuiu para uma maior autonomia nas relações económicas
internacionais do país foi a acumulação de reservas internacionais. Essa estratégia conseguiu
diminuir a vulnerabilidade externa na medida em que “(...) o país acumulou superavits nas suas
62
contas com o exterior (balança de pagamentos) no período e, entre 2003 e 2007, chegou a ter
superavits de transações correntes, ou seja, excluindo variações no passivo externo” (Bastos,
2016, p. 5). De acordo com Serrano & Summa (2011), “(...) houve uma diminuição drástica da
relação entre dívida externa de curto prazo e as reservas internacionais, que havia alcançado a
marca de mais de 90% na crise cambial de 1999, e que caiu para cerca de 20% em 2008” (p.
12). Na Figura 15, podemos observar a evolução das reservas internacionais acumuladas pelo
país.
400 000
350 000
300 000
250 000
200 000
150 000
100 000
50 000
-
2000 2003 2006 2009 2012 2015 2019
64
CONCLUSÃO
Esta dissertação procurou responder à pergunta de partida e aos seus objetivos não só acerca da
influência do poder estrutural dos E.UA. como também sobre a condução das ações de
economia política do Brasil. Para executarmos esta tarefa, foi necessário realizar um estudo
histórico sobre o SMI, da economia política aplicada pelos governos brasileiros, e sobre o amplo
uso do Fundo, como parte fundamental da operacionalização deste poder, cuja base está também
no uso do dólar.
Quanto ao objetivo de estudar como a economia política brasileira, de 1995 até 2016,
rececionaram as diretrizes do Consenso de Washington e executaram os programas de ajuste
estrutural do FMI, a nossa investigação também demonstrou que essas diretrizes e respetiva
execução tomaram diferentes formas. A economia política brasileira, durante esse período, teve
ajustes, políticas de diminuição do papel do Estado e de sujeição aos interesses do E.U.A.,
sobretudo na década de 90. Constata-se, no entanto, um breve recuo, entre 2003 até 2014, nas
políticas públicas, segundo as diretrizes neoliberais. Após o impeachment em 2016, retomou-
se com força a agenda neoliberal, ao ponto de se ter institucionalizado a austeridade. Porém, a
vitória de Lula, em 2022, não significa a reversão da lógica de austeridade e de retorno de
autonomia estratégica. Por outro lado, Lula repete Rousseff, que se tornou Presidente do NBD,
em 2023, ao desafiar o establishment americano e financeiro internacional, ao criticar em
Beijing os modelos de financiamento, a conduta do Fundo e a hegemonia do dólar (Agência
Brasil, 2023). Apesar de tudo, votou, na ONU, pela condenação da Federação Russa, pelo início
da “operação militar especial” na Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022.
O outro objetivo deste estudo foi verificar como algumas instituições públicas e privadas
dos E.U.A. atuam para influenciar os programas de ajustamento estrutural, proposto pelo
Fundo. Nós identificámos ações em linha com o Consenso de Washington e com o governo
estadunidense, conforme os interesses de grupos privados internacionais. Tomemos como
exemplo o caso dos bancos americanos ou europeus em risco, que levam a burocracia dos
governos do G7 a atuar pela liberação de mais recursos. Neste sentido, a intensa
desnacionalização de empresas públicas e o poder do sistema financeiro, de impor os seus
interesses, ficou evidente através dos lobbies e do Congresso americano. As privatizações,
iniciadas na década de 1990, institucionalizaram formas de dominação estrangeira sobre a
economia nacional, com introdução de leis favoráveis aos interesses externos, como no caso da
venda das empresas de telecomunicações a empresas multinacionais. Esse objetivo foi
parcialmente atingido devido à identificação de apenas algumas instituições e o nexo direto de
causalidade entre o lobby e a tomada de decisão pelo Fundo.
66
No entanto, em que pese a ação do poder estrutural e relacional/instrumental
euroamericano, a ascensão da China e de um mundo multipolar mostra novas oportunidades. A
crescente internacionalização do renminbi, a nova rota da seda, o fortalecimento dos BRICS+,
da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), de instituições de investimentos como
NBD, o AIIB e de ajuda em caso de crise, como o ACR, sob a liderança chinesa, são importantes
acontecimentos de uma possível criação de um novo poder estrutural. Estas são as iniciativas
criadas na periferia do capitalismo mundial, o que poderá representar uma oportunidade para o
Brasil se desenvolver sem os condicionamentos estruturais das instituições criadas em Bretton
Woods e dos E.U.A.
Uma primeira limitação prendeu-se com a dificuldade de se agendar uma entrevista com
pessoas que já trabalharam em instituições internacionais, como o Fundo. Demo-nos conta
também de outra limitação: o extenso espaço temporal selecionado para a nossa investigação,
facto que dificultou um maior aprofundamento de alguns aspetos a serem estudados.
67
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Ensino a Distância da UFSC.
92
Anexo B – Histórico da Taxa de Juros no Brasil
93
Reunião Copom Período META TBAN Taxa Selic
de Selic
vigência
# data viés % % a.m % % a.a
a.a Taxa de juros Taxa
acumulada média
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em 252
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Reunião Copom Período META TBAN Taxa Selic
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# data viés % % a.m % % a.a
a.a Taxa de juros Taxa
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no período diária
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a.a Taxa de juros Taxa
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Reunião Copom Período META TBAN Taxa Selic
de Selic
vigência
# data viés % % a.m % % a.a
a.a Taxa de juros Taxa
acumulada média
no período diária
de
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base
em 252
dias
úteis.
Legenda:
110
Anexo C - Série histórica do PIB do Brasil
Produto Interno
PIB valores
Bruto (PIB) - PIB per capita em
Série Ano correntes em
variação em valores correntes
1.000.000
volume
1947 - 179 3.725
1948 9,7 207 4.217
1949 7,7 242 4.788
1950 6,8 282 5.420
1951 4,9 349 6.529
1952 7,3 410 7.461
1953 4,7 490 8.648
1954 7,8 671 11.515
1955 8,8 815 13.568
1956 2,9 1.029 16.632
1957 7,7 1.249 19.596
1958 10,8 1.555 23.677
1959 9,8 2.320 34.279
1960 9,4 3.183 45.650
1961 8,6 4.653 64.786
1962 6,6 7.452 100.747
Série
antiga 1963 0,6 13.376 175.607
1964 3,4 26.214 334.297
1965 2,4 42.662 528.630
1966 6,7 62.789 756.194
1967 4,2 82.783 969
1968 9,8 115.171 1.312
1969 9,5 151.400 1.678
1970 10,4 194.315 2.096
1971 11,3 258.296 2.713
1972 11,9 346.581 3.546
1973 14,0 511.834 5.104
1974 8,2 745.136 7.244
1975 5,2 1.049.518 9.953
1976 10,3 1.633.963 15.122
1977 4,9 2.492.978 22.526
1978 5,0 3.617.246 31.927
1979 6,8 5.961.236 51.422
111
1980 9,2 12.508 105.495
1981 -4,3 24.016 198.225
1982 0,8 48.681 393.303
1983 -2,9 109.386 865.378
1984 5,4 347.886 2.696.247
1985 7,8 1.307.719 9.934.128
1986 7,5 3.502.631 26.095
1987 3,5 11.103.966 81.181
1988 -0,1 80.782.983 580.004
1989 3,2 1.170.387 8.259
1990 -4,3 31.759.185 216.649
1991 1,0 165.786.498 1.111.958
1992 -0,5 1.762.636.611 11.630.969
1993 4,9 38.767.062 251.758
1994 5,8 349.205 2.232
1995 4,2 705.992 4.410
1996 2,2 854.764 5.251
1997 3,4 952.089 5.761
1998 0,3 1.002.351 5.975
1999 0,5 1.087.710 6.392
2000 4,4 1.199.092 6.913
2001 1,4 1.315.755 7.481
2002 3,1 1.488.787 8.351
2003 1,1 1.717.950 9.511
2004 5,8 1.957.751 10.703
2005 3,2 2.170.585 11.723
2006 4,0 2.409.450 12.862
2007 6,1 2.720.263 14.358
Série atual 2008 5,1 3.109.803 16.236
2009 -0,1 3.333.039 17.221
2010 7,5 3.885.847 19.877
2011 4,0 4.376.382 22.170
2012 1,9 4.814.760 24.165
2013 3,0 5.331.619 26.521
2014 0,5 5.778.953 28.500
2015 -3,8 6.000.570 29.117
2016 -3,6 6.266.895 30.407
Fonte:
Elaboração própria a partir de dados - Fundação Getúlio Vargas - Centro de Contas
Nacionais - diversas publicações, período 1947 a 1989 (2022); IBGE. Diretoria de
Pesquisas. Coordenação de Contas Nacionais (2022), Agencia de Notícias – IBGE (2022)
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Nota:
Os valores de PIB per capita de 2000 a 2014 foram atualizados a partir das Contas
Nacionais - Brasil 2010-2014, divulgadas em 17/11/2016
Os demais resultados de 1996 a 2016 foram atualizados a partir das Contas Nacionais
Trimestrais de 07/03/2017
Unidade
monetária:
de 1947 a
1966:
Cr$;
de 1967 a
1969:
NCr$;
de 1970 a
1979:
Cr$;
de 1980 a
1985:
Cr$;
de 1986 a
1988:
Cz$;
de 1989 a
1990:
NCz$;
de 1990 a
1992:
Cr$;
em 1993:
CR$;
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