TCC - Dannah Fernandez
TCC - Dannah Fernandez
TCC - Dannah Fernandez
CENTRO SOCIOECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
FLORIANÓPOLIS
2023
DANNAH MARCELA FERNANDEZ ARIAS
FLORIANÓPOLIS-SC
2023
DANNAH MARCELA FERNANDEZ ARIAS
Este trabalho de conclusão de curso foi julgado adequado para a obtenção do título
de Bacharel em Relações Internacionais e aprovado em sua forma final pelo Curso
de Relações Internacionais.
________________________________________
Coordenação do Curso
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profa. Graciela De Conti Pagliari
Orientadora
________________________________________
Profa. Jéssica Maria Grassi
Universidade Federal de Santa Catarina
________________________________________
Profa. Lisa Belmiro Camara
Universidade Federal de Santa Catarina
Esse trabalho é dedicado a todos os meus
ancestrais, que me guiaram e lutaram para
hoje, poder continuar construindo a trilha
que eles iniciaram.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus avós Daisy e Rafael, por todos os valores
ensinados e pela motivação diária para continuar estudando e construindo o futuro
que eles sonharam para mim desde que nasci. Agradeço também à minha mãe
Maileth pelo apoio incondicional e pela inspiração em me formar, sendo ela a primeira
mulher das últimas gerações a receber um título universitário na nossa família. De
igual maneira, agradeço às minhas irmãs Karol, Kihara, Angélica e Pamela por serem
meu ponto de paz sempre e alegrarem meus dias, mesmo de longe. Quero agradecer
também à minha companheira Gabrielly por trilhar essa caminhada comigo e me
inspirar a ser corajosa, forte e a nunca desistir. Agradeço a toda minha família que
colocou um grão de areia para me tornar a mulher que sou hoje e às minhas amigas
que fizeram com que cada semestre fosse mais leve.
Também agradeço à minha orientadora Graciela, por todos os ensinamentos e
a inspiração em pesquisar temas de segurança advinda desde a sala de aula, muito
obrigada pela paciência e hospitalidade de sempre.
De igual maneira, agradeço ao Brasil por abrir tantas portas para mim. Ser
imigrante é um desafio enorme, mas o Brasil sempre me recebeu com amabilidade e
oportunidades. Me formar em uma universidade pública, gratuita e de qualidade, além
de poder contribuir com a pesquisa deste país, é uma realização para mim.
“No hay mejor felicidad que la que se consigue con lucha”
(Ernesto Emilio Fernandez Fester).
RESUMO
Esta pesquisa, tem como ponto de partida a análise das extremas injustiças políticas
e sociais na Colômbia, que deram origem às guerrilhas insurgentes, com destaque
para as FARC-EP. O crescimento desses grupos de extrema esquerda gerou reações
de dois lados: os grupos paramilitares de extrema direita e o próprio Estado
colombiano, ao longo de todo o conflito. Em função desse cenário, o marco temporal
da pesquisa abrange o período de 1948 a 2019, destacando os governos mais
securitizadores, com ênfase no governo de Alvaro Uribe (2002-2010),
especificamente na sua agenda de segurança consolidada na Política de Defesa e
Segurança Democrática em 2003, que encorajou a participação militar e civil na
segurança do Estado, com influência dos Estados Unidos, levando assim à criação de
"falsos positivos", como uma resposta distorcida para atingir metas e recompensas.
Da mesma forma, é analisado o governo de Juan Manuel Santos (2010-2018),
destacando as ações dessecuritizadoras, após a securitização de Uribe, e analisando
as ferramentas de restauração, advindas a partir do Acordo de Paz assinado em 2016,
entre as FARC-EP e Santos. Para a consolidação da pesquisa, parte-se da hipótese
inicial de que securitização do governo Uribe, consolidada na Política de Defesa e
Segurança Democrática, foi realizada com ações inadequadas. Por isso, resultaria em
uma onda de insegurança social, principalmente nos falsos positivos. A análise
central, realiza-se sob a lente da teoria da securitização da Escola de Copenhague,
voltada para a segurança pública. Para isso, foram utilizados relatos e dados de
vítimas que viveram as consequências das atuações dos Esquadrões da Morte, para
comprovar as implicações sociais e de segurança causadas a partir dessa agenda de
segurança. Da mesma maneira, foram apuradas as declarações em audiências
mediadas pela JEP, realizadas por ex-soldados do Exército Nacional colombiano e
ex-paramilitares, para corroborar com a ligação da Política de Defesa e Segurança
Democrática e os falsos positivos. Em complementação, foram realizadas pela autora,
entrevistas a vítimas do conflito armado na Colômbia, com o intuito de corroborar com
o impacto das consequências do conflito no país.
Esta investigación tiene como punto de partida el análisis de las extremas injusticias
políticas y sociales en Colombia, que dieron origen a las guerrillas insurgentes, con
énfasis en las FARC-EP. El crecimiento de estos grupos de extrema izquierda generó
reacciones de dos partes: los grupos paramilitares de extrema derecha y el propio
Estado colombiano, durante todo el conflicto. Debido a este escenario, el marco
temporal de la investigación abarca el período de 1948 a 2019, destacando los
gobiernos más securitizadores, con énfasis en el gobierno de Álvaro Uribe (2002-
2010), específicamente en su agenda de seguridad consolidada en la Política de
Defensa y Seguridad Democrática de 2003, que alentó la participación militar y civil
para la seguridad del Estado, con influencia de los Estados Unidos, lo que llevó a la
creación de los conocidos "falsos positivos" como respuesta distorsionada al logro de
objetivos y recompensas. Asimismo, se analiza el gobierno de Juan Manuel Santos
(2010-2018), resaltando las acciones desecuritizantes, luego de la securitización de
Uribe, y analizando las herramientas de restauración, derivadas del Acuerdo de Paz
firmado en 2016, entre las FARC-EP y Santos. Para consolidar la investigación,
partimos de la hipótesis inicial de que la securitización por parte del gobierno de Uribe,
consolidada en la Política de Defensa y Seguridad Democrática, se llevó a cabo con
acciones inadecuadas. Por lo tanto, se traduciría en una ola de inseguridad social,
especialmente de falsos positivos. El análisis central se realiza bajo el lente de la
teoría de la securitización de la Escuela de Copenhague, centrada en la seguridad
pública. Para ello, se utilizaron informes y datos de víctimas que vivieron las
consecuencias de las acciones de los Escuadrones de la Muerte, para comprobar las
implicaciones sociales y de seguridad que genera esta agenda de seguridad. Del
mismo modo, se investigaron declaraciones en audiencias mediadas por la JEP,
realizadas por exmilitares del Ejército Nacional de Colombia y exparamilitares, para
corroborar el vínculo entre la Política de Defensa y Seguridad Democrática y los falsos
positivos. Además, la autora realizó entrevistas a víctimas del conflicto armado en
Colombia, con el objetivo de demonstrar el impacto de las consecuencias del conflicto
en el país.
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 14
2 HISTÓRIA DO CONFLITO ARMADO NA COLÔMBIA ............................... 18
2.1 INSEGURANÇA SOCIAL NA COLÔMBIA A PARTIR DO CONFLITO
ARMADO ...................................................................................................... 30
2.2 A MILITARIZAÇÃO COMO MECANISMO DE SECURITIZAÇÃO E A
INFLUÊNCIA DO PLANO COLÔMBIA ......................................................... 36
2.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS..................................................................... 42
3 ANÁLISE DA AGENDA DE SEGURANÇA DO GOVERNO URIBE SOB A
TEORIA DA SECURITIZAÇÃO DA ESCOLA DE COPENHAGUE ............. 44
3.1 A DIRETIVA MINISTERIAL PERMANENTE NO 29/2005, OS ESQUADRÕES
DA MORTE E OS FALSOS POSITIVOS ...................................................... 73
3.2 OS FALSOS POSITIVOS E AS FALHAS NA POLÍTICA DE SEGURANÇA
DEMOCRÁTICA ........................................................................................... 81
3.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS..................................................................... 89
4 O ACORDO DE PAZ DE SANTOS COMO MECANISMO DE JUSTIÇA E DE
REPARAÇÃO .............................................................................................. 91
4.1 A JURISDIÇÃO ESPECIAL PARA A PAZ E A COMISSÃO DA VERDADE
103
4.2 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS................................................................... 109
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 111
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 113
APÊNDICE A – ENTREVISTA COM SUJEITO 1 ................................................... 124
APÊNDICE B – ENTREVISTA COM SUJEITO 2 ................................................... 126
14
1 INTRODUÇÃO
1 A extrema-direita é, nesse aspecto, antissistêmica e hostil à democracia liberal, e pode ser dividida
em dois grupos: 1) os radicais, com uma agenda mais reformista, que aceitam a essência da
democracia (soberania popular e governo da maioria) mas se opondo aos pilares da democracia liberal,
como direitos de minorias, Estado de Direito e separação dos poderes; e 2) os fascistas, que são mais
revolucionários no escopo de seus projetos, rejeitando a essência da democracia e favorecendo – ou
até glorificando – a violência direta como necessária para imposição de seu projeto político (SEVERO
E CAMPOS, 2020, p. 6). No caso da Colômbia, os grupos de extrema-direita, aproximam-se do
espectro fascista, devido ao uso das armas como ferramenta de exercer medo e poder.
15
2Chama-se “Escuadrones de la Muerte” aqueles grupos militares que assassinaram falsos positivos
na Colômbia, durante o período da agenda de segurança do presidente Álvaro Uribe Vélez.
16
Com o início das FARC-EP e das demais guerrilhas que se criaram ao longo
da história colombiana, iniciaram também uma série de mecanismos para serem
combatidas, já que o surgimento delas acarretou uma grande preocupação em todos
os governos que assistiram de perto o crescimento desses grupos.
Sendo assim, neste primeiro capítulo será plasmado de que forma se deu o
início das guerrilhas colombianas, e serão pontuados os cenários que possibilitaram
o início do conflito armado. Da mesma forma, serão colocadas as consequências e
impactos sociais causados pelo crescimento das guerrilhas, e como vêm sendo
combatidas desde o surgimento dos primeiros movimentos armados liberais e
comunistas. Ademais, serão destacadas quais foram as primeiras ações
securitizadoras para combater as guerrilhas desde o início delas, e como a agenda de
segurança de cada governo exerceu sua força para exterminá-las.
Faz mais de 50 anos que o cenário político e social colombiano é palco de
guerras entre liberais e conservadores. Esta conjuntura resultou no crescimento de
grupos armados de autodefesa dentro do país.
Dessa forma, o conflito armado inicia a partir da Guerra dos Mil Dias, que
aconteceu entre 1899 e 1902 e que foi determinante para a história econômica,
política e social da Colômbia. Esta guerra tratou-se de um confronto entre o exército
do governo conservador de José Manuel Marroquín (1900 a 1904) e movimentos
liberais comandados pelo político e militar Rafael Uribe. O grupo Liberal, liderado por
Rafael Uribe defendia pautas sociais, reformas na economia e na política colombiana.
Por outro lado, o grupo conservador comandado por José Marroquín defendia uma
ordem social, sob pautas tradicionais e religiosas.
Embora a guerra não tenha durado exatamente 1000 dias, foi chamada assim
devido à sua longa duração. O conflito, teve suas raízes em questões políticas,
econômicas e sociais que refletiam as problemáticas existentes na época. No que diz
respeito ao cenário político, Colômbia passava por disputas entre as duas principais
19
5 Liberalismo é antes de tudo liberdade. Liberdade entendida como ausência de coerção de indivíduos
sobre indivíduos. É a adesão ao princípio de que a ninguém é permitido recorrer à força ou à fraude
para obrigar ou induzir alguém a fazer o que não deseja.
A escolha da liberdade como valor supremo não decorre de razões de natureza metafísica ou religiosa;
decorre do fato de que um sistema baseado na liberdade assegura uma maior produtividade de trabalho
humano, sendo, portanto, do interesse de todos os habitantes do mundo (STEWART, 1995). Na
Colômbia, a onda do liberalismo consolidou-se com a imagem das lutas sociais e revolucionárias, além
de uma economia mais livre.
6 Entende-se conservadorismo, como: [...] um grupo de ideologias políticas e sociais que promovem
Após o término da Guerra dos Mil Dias, passaram-se 45 anos para que a
Colômbia saísse da hegemonia conservadora e os liberais tivessem voz no governo.
O marco desse acontecimento ocorreu a partir da eleição do ex-presidente Enrique
Olaya Herrera (liberal), no ano de 1930. Com isso, o movimento liberal colombiano foi
crescendo cada vez mais, dando espaço para mais 3 governos liberais 7, até as
eleições de 1946, onde o ex-presidente Mariano Ospina Pérez, do Partido
Conservador, elegeu-se.
Entretanto, as guerras na Colômbia por motivos políticos e sociais, não
pararam. Em 9 de abril de 1948, o candidato liberal à presidência Jorge Eliecer
Gaitán8, que foi um dos principais líderes do liberalismo na Colômbia, foi assassinado
a tiros enquanto saía do prédio onde tinha seu escritório, iniciando assim o dia mais
terrível de morte que jamais existiu na história de Bogotá9, ação conhecida como
"Bogotazo”10. Com o Bogotazo agudizou-se a crescente onda de violência que, com
pouco fôlego, viveria o país nas décadas seguintes, o período chamado “La Violencia”
(FERNÁNDEZ e TAMARO, 2004, tradução nossa).
O período de La Violencia foi um período de intensa violência na Colômbia que
ocorreu entre 1948 e 1958. La Violencia, foi alimentada pelas tensões políticas entre
os partidos liberal e conservador, que foram historicamente rivais no país. A morte de
Gaitán intensificou essas rivalidades, levando a confrontos armados. Em razão disso,
o conflito iniciou com a mobilização de milícias de ambos os partidos, e grupos
paramilitares foram formados por membros dos partidos liberal e conservador. Os
confrontos entre os grupos causaram massacres, perseguições e assassinatos
políticos e violações de direitos humanos, tornando esta uma das décadas cruciais
para o crescimento do conflito armado colombiano, afetando comunidades inteiras e
se espalhando por todo o país.
7 Alfonso López Pumarejo (1934-1938), Eduardo Santos Montejo (1938-1942) e mais uma vez, Alfonso
López Pumarejo (1942-1946).
8 Gaitán foi um líder social que participou como candidato à presidência. Na década de 1940, liderou
um movimento social e político que mobilizou muitas pessoas e que criticava a distribuição econômica
da época.
9 Capital da Colômbia.
10 “Uma revolta do povo com o assassinato de seu “defensor” gerou enormes protestos na capital do
país, e a forte repressão do Exército, comandado pelo partido conservador, culminou em um massacre
na capital, conhecida como Bogotazo, espalhando-se por todo o país, provocando confrontos na zona
rural entre simpatizantes de dois partidos.” (LOPES, 2005).
21
11 Ideais comunistas como: luta pela igualdade social, contra o classicismo e a favor dos direitos dos
camponeses e de outras minorias.
12 O Frente Nacional foi um acordo bipartidário entre liberais e conservadores, que concordaram em
alterar a presidência a cada quatro anos entre os dois partidos. Isso significava que,
independentemente do resultado das eleições, um presidente do Partido Liberal seria seguido por um
presidente do Partido Conservador e vice-versa.
22
13No original: “En los primeros días de abril de 1964 tuvimos conocimiento de una grave decisión del
gobierno colombiano: la guerra de exterminio contra la región de Marquetalia comenzaría en la tercera
semana de mayo de ese año” (ARENAS, 1965, tradução nossa).
23
No livro, Arenas relata que esse discurso foi realizado para levar até às últimas
consequências o Plano LASO14 (ARENAS, 1965). Entretanto, o Plano não teve um
término definido, todavia, fazia parte de uma série de estratégias do governo, para
14 Plano militar elaborado pelo Pentágono com o objetivo de destruir as zonas de autodefesa
colombianas.
24
acabar com as guerrilhas no país. Por isso, o contexto em que o plano foi
implementado, desencadeou uma ampla militarização no país, que se estendeu
durante décadas na Colômbia. Essa série de estratégias foram determinantes para o
conflito armado, já que assim como o governo armou-se, os grupos insurgentes
também viram a necessidade de aumentar o uso da força, devido aos confrontos por
parte da força pública.
Entre a década de 1960 e a década de 1970, os grupos comunistas
guerrilheiros começaram a aumentar, surgindo grupos mais organizados e
estabelecidos em diferentes terras ao redor da Colômbia, grupos como FARC-EP,
ELN, EPL e M-19 deram início às suas atividades ao longo dessas décadas, e
consequentemente, as agendas de segurança dos governos investiram suas forças,
amplificando seus interesses no extermínio deles, em congruência com o crescimento
contínuo deles. Um exemplo disso, foi a ação tomada pelo governo de Guillermo León
Valencia, que emitiu um decreto que permitia que civis se armassem para a defesa
nacional e preservação da ordem pública, diante do risco de uma suposta ameaça
externa (COMISIÓN, 2023, tradução nossa). Essa decisão foi tomada no ano de 1965,
permitindo assim, o livre uso das autodefesas na Colômbia, dentro da sociedade.
entrevista completa.
26
Registos - Rede de
Ano Solidariedade Social Estimado pelo CODHES18
Nesse discurso, Pastrana menciona que “O grupo guerrilheiro, com suas ações
e sua atitude, encarregou-se de fechar a porta à solução política”. Em outras palavras,
a solução política deixaria de ser uma opção, dando espaço assim para a solução
militarizada. Comportamento, que se mostra no governo posterior ao mandato de
Pastrana.
A criação desses grupos de autodefesa deu continuação à militarização para a
segurança colombiana no governo Uribe, a facilidade para surgirem diversos grupos
paramilitares, se deu a partir dos discursos securitizadores e que direcionavam a
resoluções não-políticas, utilizados pelos governos da década, motivados pela
insistência em fazer justiça. Discursos securitizadores como: “Temos que amar este
país, temos que nos fazer moer por este país” (URIBE, 2002, tradução nossa),
passam a mensagem de que se a pessoa ama a pátria, deve se sacrificar pelo bem
da mesma.
Analisando esses três governos, fica explícito o processo de tentativa de
resolução do conflito, que iniciou a priori de uma forma não-violenta, buscando o
diálogo para o início do processo de paz, mas que foi cada vez mais, ficando no outro
extremo que nesta escala, exemplifica a militarização.
Sendo assim, atuação dos paramilitares foi nada mais e nada menos que uma
extensão das vontades do Estado, colocadas como responsabilidade social da
população, com o pretexto de ser um dever de todos manter a paz do país, entretanto,
esse objetivo acabou resultando em um aumento de ameaças para a segurança
nacional, aumento na violência e aumento da insegurança social.
28
O governo de Álvaro Uribe Vélez, por sua vez, iniciou no ano de 2002, por
meio de um discurso de esperança em relação à segurança nacional.
N° Acordo
Estabelecer como objetivo desse processo a conquista da paz nacional, por meio do
fortalecimento da governabilidade democrática e da restauração do monopólio da força nas mãos
do Estado. As AUC reiteram que sua maior contribuição à nação neste momento histórico é
1
avançar em direção à sua reintegração à vida civil e contribuir para o fortalecimento do Estado de
Direito. As partes se comprometem nesse processo, cientes de dar um passo que efetivamente
contribui para a construção da verdadeira paz que a nação colombiana espera e merece.
Para cumprir esse propósito, as Autodefesas Unidas de Colômbia se comprometem a
desmobilizar a totalidade de seus membros, em um processo gradual que começa com as
2 primeiras desmobilizações antes do final do ano em curso e que deverá ser concluído até 31 de
dezembro de 2005. O governo se compromete a tomar as medidas necessárias para reintegrá-los
à vida civil.
As Autodefesas Unidas de Colômbia consideram muito positivas as recomendações finais
3 da Comissão Exploratória e concordam que elas constituem uma orientação adequada para o
processo de paz entre o governo nacional e as AUC.
Concordam que, a partir das recomendações do relatório final da Comissão Exploratória, a
4 fase de exploração do processo de paz está encerrada para dar início a uma etapa de
negociação.
Criar as condições para que, em um prazo razoável, os membros das Autodefesas Unidas
de Colômbia se concentrem - com as devidas garantias de segurança - em locais previamente
5 acordados. A concentração de seus integrantes incluirá todos os níveis de comando, com as
garantias acordadas entre as partes. Essas áreas contarão com a presença permanente da força
pública.
As Autodefesas Unidas de Colômbia ratificam seu compromisso com o cumprimento do
6 cessar-fogo, como expressão de boa vontade, e continuarão seus esforços para garantir que ele
seja totalmente eficaz.
As Autodefesas Unidas da Colômbia compartilham o objetivo do governo de uma
7 Colômbia sem narcotráfico e apoiam as ações do Estado colombiano contra esse fenômeno que
destrói a democracia, a convivência, a economia e o meio ambiente.
Agradecer a presença contínua da Igreja Católica nesse processo de paz e convidá-la a
8 continuar acompanhando-o, como garantia de transparência e comprometimento das partes com
a paz na Colômbia.
Convocar a solidariedade e o compromisso nacional para fortalecer o Estado e criar as
condições que tornem possível a desmobilização e reintegração à vida civil dos membros das
9
AUC. Pedir aos diferentes setores nacionais e às comunidades locais que apoiem os esforços
institucionais para consolidar a segurança, a convivência e o desenvolvimento.
econômico para cada pessoa que optasse pela desmobilização. Até 2006, as AUC
continuavam os trabalhos e um mês depois da reeleição do ex-presidente Uribe, o
último grupo entregou as armas, “Ao final, foram dissolvidas 36 estruturas armadas
entre blocos e frentes, num total de 30.944 homens e mulheres em todo o território
nacional” (COMISIÓN, 2019, tradução nossa).
Todavia, o processo de desmobilização, que durou por volta de 2 anos, não
garantiu a eliminação total do paramilitarismo na Colômbia, já que nem todos os
integrantes das AUC de fato se desmobilizaram e nem todas as armas foram
entregues, como indica o quadro abaixo:
Além das capturas para forçar as crianças a se juntarem à luta armada, esta
estratégia era utilizada como forma de intimidação, para pressionar as comunidades
locais a colaborarem com as guerrilhas e silenciar as mesmas. Era comum a utilização
das crianças para transportar mensagens e espionar nas áreas de conflito, dessa
forma, os grupos guerrilheiros teriam acesso a informações e até mesmo planos de
ação da parte contrária.
É notável a tamanha violação de direitos humanos vivida pelas crianças
sequestradas, até mesmo porque quando as crianças não eram utilizadas para
colaborar com a guerrilha, passavam por uma série de torturas desumanas. Casos de
violência sexual e baseadas no género, desaparecimento forçado e homicídios,
tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes eram comuns
(JURISDICCIÓN, 2021). Segundo dados tratados pela JEP, no período de 1996 a
2016 as FARC-EP sequestraram 18.677 crianças maiores e menores de 15 anos.
Décadas com mais vítimas Entre 1995 e 2004, foram registradas 45% das vítimas (202.293
vítimas).
Sexo das vítimas 91% das vítimas são do sexo masculino e 9% do sexo feminino.
Idade das vítimas 86% das vítimas eram adultos e 14% eram menores.
Fonte: Comisión de la Verdad, 2022
Sexo das vítimas 83% das vítimas são do sexo masculino e 17% do
sexo feminino.
Idade das vítimas 77% das vítimas eram adultos e 23% eram menores.
exercida pelo financiamento dos Estados Unidos nos governos da época na Colômbia,
causou uma série de operações e planos militares, adotando medidas severas para
controlar as guerrilhas na Colômbia, já que a atuação delas, causava uma
desestabilização regional.
O fato dos Estados Unidos ser o maior preocupado com os grupos comunistas
insurgentes na época, criou uma ligação econômica e de segurança com a Colômbia
que se manteve inclusive no governo Uribe, especificamente com o Plano Colômbia,
que teve início no ano de 2000, durante o governo Pastrana e o governo Bill Clinton
dos Estados Unidos, com previsão de término em 2005, durante o posterior governo
Uribe.
Oficialmente denominado “Plano para a paz, a prosperidade e o
fortalecimento do Estado”, o Plano busca apoio político e financiamento e foi aprovado
sob a designação de Lei S-1758 – Alliance with Colombia and the Andean Region
(ALIANZA) Act of 1999 e assinado em acordo bilateral, conseguindo apoio financeiro
não apenas dos Estados Unidos, mas também da Europa e da Comunidade
Internacional (CECEÑA e AGUIAR, 2015).
A iniciativa bilateral teve por objetivo enfrentar os desafios do narcotráfico, o
conflito armado interno e questões relacionadas à segurança, oferecendo assistência
financeira e treinamento militar para apoiar as forças de segurança na Colômbia. “É
um programa de US$ 7,5 bilhões, sendo que o Presidente Pastrana comprometeu
US$ 4 bilhões de recursos colombianos e solicitou à comunidade internacional os US$
3,5 bilhões restantes para apoiar esse esforço” (USA GOVERMENT, 2001, tradução
nossa), dentre os quais, Estados Unidos realizou um aporte de US$ 1,3 bilhão. No
quadro abaixo, encontram-se os cinco componentes assistenciais fornecidos pelos
Estados Unidos no acordo do Plano Colômbia.
38
anos Ingrid Betancourt22 e outros 11 soldados teriam sido sequestrados pelas FARC-
EP.
Todos os operativos foram comandados pelo Exército Nacional colombiano e
como é comum na história colombiana, o financiamento estadunidense esteve
presente mais uma vez para que as operações militares fossem feitas. Além das
operações, o governo também estabeleceu:
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
$3.389,8 $3.247,3 $3.027,9 $3.264,4 $3.347,5 $3.278,4 $4.056,9 $4.914,2 $5.326,7 $6.775,8 $9.051,1 $9.033,2 $10.422,1
nacional, não é apenas dos grupos insurgentes, mas também dos governos que na
ânsia de ter novamente o total controle do território, tomaram decisões apressadas,
ou melhor, pouco estudadas no que concerne a como afetaria a população.
Um Estado não pode defender-se de qualquer tipo de ameaça, sem antes
pensar na sua população, porque facilmente está cavando uma cova muito maior,
além de muito mais cara. A não priorização do bem-estar populacional, criou uma
desconfiança do povo colombiano em relação ao Estado, assim como um sentimento
de abandono por ele. As ações securitizadoras, mesmo que tenham usado o disfarce
de estarem sendo realizadas para, dentre outras razões, obter uma segurança social
e proteção populacional, não mostravam resultados congruentes com os motivos
mencionados. A desconfiança pelo Estado implantada desde o início do conflito
armado, tornou-se algo cultural na Colômbia e o reflexo disso foi uma série de
consequências. Por exemplo, nos governos posteriores foi muito comum a solicitação
dos governos pela colaboração dos cidadãos no combate contra as guerrilhas, onde
era comum também oferecerem certos benefícios em troca da ajuda. Esse mecanismo
resultou parcialmente falho devido a essa desconfiança, e a não credibilidade nas
promessas do governo. Acreditava-se que o cumprimento delas seria impossível.
Da mesma forma, as tentativas de securitização militarizadas certamente
foram influenciadas por países como os Estados Unidos, esta relação criou nada mais
e nada menos que uma brecha para exercer pressão sobre as ações securitizadoras,
que estariam sendo realizadas para combater rapidamente o surgimento das
guerrilhas e consequentemente, acabar com o conflito armado no país. Quando ocorre
um financiamento por parte de outro país, a parte que está fornecendo o
financiamento espera resultados, e a parte financiada coloca-se em um lugar de
submissão. A relação entre os Estados Unidos e a Colômbia é definida exatamente
dessa forma, não apenas pela imagem soberana que os Estados Unidos representam,
mas também pela dependência econômica, criada a partir dos acordos
securitizadores.
A lógica seguida pelos governos apresentados, claramente determinou o
processo do conflito, assim como o pós-conflito, essas ações realizadas refletiram
também nos governos posteriores aos governos apresentados neste capítulo,
principalmente nas tentativas de securitização deles.
44
23 Entende-se por insegurança social um cenário com baixos níveis de coesão social e a não
legitimidade tanto do Estado quanto do seu regime (RUDZIT E NOGAMI, 2010). Na Colômbia, a
insegurança social foi formada pela violência gerada pelo conflito armado, assim como, pela não
atenção do Estado no que concerne à segurança pública.
45
oferecimento de subornos por parte dos traficantes, assim como, dentro das
alfândegas e aeroportos, onde funcionários eram subornados para facilitar o
transporte de drogas para fora do país. Os subornos também chegaram ao âmbito
político, em troca de apoio político nas campanhas. Essa postura, atrasaria e
enfraqueceria os esforços de combate ao tráfico de drogas na Colômbia. Devido a
esse cenário, o povo colombiano precisava de respostas e esperança, quanto aos
desafios que estavam sendo enfrentados. Claramente, essa necessidade de
segurança, viria influenciar nas decisões populares, quanto às votações presidenciais.
O cenário era propício e as necessidades intuitivamente preenchíveis,
Colômbia precisava de um líder que conseguisse passar credibilidade, em relação aos
bloqueios desses grupos narcoterroristas. As promessas dos candidatos à
presidência, precisavam ser congruentes com as demandas dos colombianos. Em
função do cenário de terror que a Colômbia estava vivenciando, uma luz no fim do
túnel seria suficiente, para que a esperança voltasse na vida dos colombianos. Sendo
assim, em 2002, a eleição de Álvaro Uribe conseguiu construir uma campanha política
que parecia preencher cada uma das lacunas que o país precisava, demonstrando
que a única opção para o povo colombiano, era o caminho da securitização
militarizada.
Dentre os principais candidatos que concorreram à presidência nas eleições de
2002, estavam: Horacio Serpa do Partido Liberal Colombiano, Luis Eduardo Garzón:
Representando a Aliança Democrática M-19 (um partido político formado por ex-
membros do grupo guerrilheiro M-19 que desarmou-se na década de 1990), Ingrid
Betancourt que concorreu pelo partido OxiGénese e que dentre as pautas trazidas
pela sua campanha, enfatizava a luta contra a corrupção e a promoção dos direitos
humanos e finalmente, o candidato Álvaro Uribe que representou o Partido Primeiro
Colômbia, o partido foi formado unicamente para apoiar sua candidatura. “Desde sua
origem, a Associação serviu como plataforma para a concepção, organização e
manejo das campanhas presidenciais do médico Álvaro Uribe Vélez, em 2002 e 2006”
(PRIMERO COLOMBIA, 2019, tradução nossa).
A campanha presidencial de Álvaro Uribe, desde seu início, enfatizou
fortemente as questões de segurança e de ordem pública, prometendo uma
abordagem firme contra as guerrilhas e uma luta contra o narcoterrorismo, assumindo
uma postura conservadora, em relação aos desafios que o país estava enfrentando
na época. Em um dos comerciais da campanha eleitoral, ficam nitidamente plasmadas
46
24A palavra “Politiquería” em espanhol, refere-se às práticas políticas desonestas. A palavra, é utilizada
para criticar atores e ações políticas corruptas que visam ter vantagens pessoais.
47
Na sua sexta premissa, Uribe fala sobre “A Busca Pela Paz” relatando ser
“amigo do diálogo com os violentos, mas não para que cresçam, mas para fazer a
paz” (URIBE, 2002, tradução nossa) e mais uma vez, promete pedir mediação
internacional para estabelecer um diálogo com os grupos terroristas25.
A sétima, oitava e nona premissa, focam no âmbito social, que concerne à
Confiança, Erradicação Da Miséria e Justiça Social, Revolução Educacional e Saúde
Para os Pobres, com uma série de propostas voltadas para o aumento de benefícios
sociais, apoio econômico para mães e seus filhos, aumento no investimento em
educação e aumento em benefícios para os trabalhadores.
Da décima a décima sexta premissa, Uribe traz mais pautas sociais voltadas
ao uso de recursos públicos, falando sobre O Cooperativismo, O Campo E A
Segurança Alimentar, Os Serviços Públicos, A Vocação Empresarial, O Emprego E
Habitação, Transportes e Infraestruturas e Reforma De Impostos e Pensões.
Já no que tange às Relações Internacionais, na décima sétima premissa, Uribe
explica de que forma comportar-se-ia a política internacional, caso fosse eleito,
enfatizando mais uma vez o uso da lente da democracia e o respeito à
autodeterminação dos povos. No mesmo texto, Uribe abre a comunicação para
qualquer ajuda, de qualquer nação, que queira ajudar o Governo Colombiano a
conseguir a paz:
Qualquer nação que queira ajudar-nos a alcançar a paz deve fazê-lo através
do Governo da Colômbia. Que ninguém seja protegido de nossos criminosos.
A Comunidade Andina não precisa de salvar a sua aparência, mas sim de
uma forte decisão política para recuperar. Nas novas negociações comerciais
nos uniremos a empresários e trabalhadores. Apoiamos processos de
integração, mas com cláusulas de equidade social, para que o mundo deixe
de estar dividido entre países beneficiários e vítimas do comércio livre
(URIBE, 2002, tradução nossa).
Por fim, a décima oitava parte do documento, traz a promessa de que o governo
Uribe será um governo sério, eficaz e honrado, não milagroso. Nesta oportunidade,
Uribe descreve como sua vocação rural alimentou um amor infinito por todas as
regiões da Colômbia, e chama a população para construir uma nação tolerante à
diversidade, sem violência e sem corrupção. “Uma Nação com consciência ética, para
que todos nos preocupemos em não prejudicar os outros com o nosso
25Utiliza-se terroristas, como forma de usar a conotação dada pelos governos colombianos, às
guerrilhas, paramilitares e cartéis de drogas.
49
Em teoria, qualquer questão pública pode ser localizada no espectro que vai
desde a não politizada (o que significa que o estado não lida com ela e não é
de nenhuma outra forma transformada em questão de debate e decisão
pública) até a politizada (o que significa que a questão é parte de política
pública, exigindo decisões do governo e alocações de recursos ou, mais
raramente, alguma outra forma de governança comunal) para securitizado
(significando que a questão é apresentada como uma ameaça existencial,
exigindo medidas de emergência e justificando ações fora dos limites normais
do procedimento político) (BUZAN, WAEVER, WILDE, 1998, p. 23-24,
tradução nossa).
Cooperação e Solidariedade
Eficiência e Austeridade
Transparência e Legalidade
Defesa Nacional
Multilateralidade e Corresponsabilidade
Segurança e Desenvolvimento
A Opção da Negociação
O terrorismo
finanças ilícitas
II. Ameaças
Tráfico de armas, munições e explosivos
Sequestro e extorsão
O homicídio
Proteção da população
Fortalecendo a inteligência
segurança urbana
A segurança da solidariedade
Redes de cooperadores
52
Programa de recompensas
Cooperação internacional
Terrorismo e comunicação
Diplomacia pública
Fonte: Política de Defensa y Seguridad Democrática, 2002, tradução nossa.
apoiada por unidades de reforço, caso assim fosse julgado pelos órgãos de
inteligência do Estado. Após conseguirem o controle territorial, o Plano coloca que:
Outro ponto focal importante desta linha de ação foi a segurança urbana. O
ponto seria levado a cabo por meio da implementação de políticas e planos de
segurança, para assegurar a convivência cidadã, reduzir a criminalidade e evitar que
os desafios do controle territorial em áreas rurais, se reproduzissem nas cidades.
Coordenando a resposta do Estado com os prefeitos, formulando políticas públicas de
segurança que integrassem os esforços da Força Pública, com os de outras entidades
27O Grupo de Ação Unificada pela Liberdade Pessoal é uma unidade especializada da polícia nacional
da Colômbia que trabalha na luta contra sequestros e extorsões.
65
direito de lidar com a questão por meios extraordinários, para quebrar as regras
políticas normais do jogo (por exemplo, na forma de sigilo, cobrança de impostos ou
recrutamento, impondo limitações a direitos invioláveis ou concentrando a energia da
sociedade e recursos em uma tarefa específica) (Buzan, Waever e Wilde, 1998, p.24,
tradução nossa).
Da mesma forma, o fato de o governo ter decretado o Estado de Comoção
Interior29 em 2002, permitiu não apenas implementar esses impostos, mas também
“autorizar prisões sem ordens judiciais e instituir a possibilidade de detenção de
pessoas com base em suspeitas de intenções de cometer delitos” (SANTOS 2006),
quebrando assim, as regras políticas normais do jogo, como explicado anteriormente
por Buzan, Waever e Wilde. Por exemplo, no mesmo ano de 2002, foi implementado
um novo imposto cobrado dos colombianos, o “Impuesto ao Patrimônio” por meio do
decreto nº 1.838, de 11 de agosto de 2002, expondo assim uma das razões pelas
quais o ex-presidente Uribe ao longo dos seus discursos securitizadores, chamava à
população para lutar a favor do estado e contra os grupos terroristas. O imposto foi
implantado com o fim de financiar as despesas necessárias para a Política de Defesa
e Segurança Democrática e posteriormente, este imposto que foi inicialmente
especial, foi modificado no ano de 2003 com a criação do imposto transitório sobre a
riqueza através da Lei 863, e aplicável a pessoas físicas e jurídicas com patrimônio
superior a 3 milhões de pesos colombianos (ao redor de USD $726,56 na cotação de
outubro de 2023) (RAMÍREZ, 2017, tradução nossa).
É nítido também, durante as ideias de Uribe, plasmadas no documento, o
anseio em acabar com os terroristas. Entretanto, ele também comunica que todas as
forças necessárias serão utilizadas para a eliminação deles:
29O estado de comoção interna está previsto no artigo 213 da Constituição Política de 1991. É uma
medida excepcional que o Governo pode declarar e que lhe conferirá poderes especiais para expedir
decretos com força de lei e suspender leis incompatíveis com o estado de choque (BURGOS, 2023).
71
É por meio do Speech Act, que o ator securitizador esclarece qual é o objeto
referente, os atores securitizadores e os atores funcionais do assunto apresentado.
que se refere a atores funcionais há uma grande influência e pressão dos Estados
Unidos, além das Forças Públicas. Por outro lado, existem também as ameaças
representadas pelos grupos terroristas e narcoterroristas que acabam direcionando o
tamanho das forças que foram utilizadas para o bloqueio dos mesmos (SCHNEIDER
E CASTELLANO, 2020).
Graficamente, o caso colombiano pode ser entendido da seguinte forma,
segundo a teoria do processo de securitização proposta pela Escola de Copenhague:
Desde o início dos anos 80, existem decretos e diretivas que estabelecem o
pagamento de recompensas econômicas, em troca de informação às autoridades.
Estas recompensas eram principalmente fornecidas à população, com o fim de
estimular a colaboração com as autoridades e, certamente, o bloqueio do crescimento
de grupos insurgentes e o narcotráfico na Colômbia.
Durante os anos 1980, por exemplo, o governo colombiano ofereceu
recompensas significativas por informações que levassem à captura do líder do Cartel
de Medellín, Pablo Escobar. Assim, os jornais eram o principal meio de divulgação
dessas recompensas, um exemplo das divulgações foi o comunicado publicado em
15 de agosto de 1992 no jornal El Tiempo com a seguinte descrição:
74
Descrição Valor
Além dos critérios para captura dos chefes e dos materiais de guerra, a diretiva
também estabeleceu critérios para a valoração de material de intendência, material
de guerra especializado, material de comunicações, armas não convencionais e
explosivos, sistemas diversos como computadores, CDs e CPUs, veículos como
carros, motos e aeronaves, brancos aeronáuticos, narcotráfico e insumos químicos,
maquinaria industrial, instrumental para cirurgias e fármacos, mulas e cavalos. Todos
os itens entregues deveriam estar em ótimas condições para o recebimento integral
da recompensa.
Para o monitoramento dos resultados advindos a partir da Diretiva, o
documento estabeleceu a formação de um comitê de acompanhamento, que
gerenciaria os resultados e a efetividade do plano em termos de segurança nacional.
O comitê “Comitê Técnico de Acompanhamento” estaria dividido da seguinte forma:
CCEEU32 assegurou que entre 2007 e 2008 uma pessoa foi assassinada diariamente
por agentes do Estado (RAMÍREZ, 2016, tradução nossa).
A catástrofe de desaparecimentos em massa, é conhecida como a Onda de
Falsos Positivos. Sendo o falso positivo, aquela pessoa civil assassinada e entregue
como terrorista morto em combate, utilizando-o em benefício próprio, em troca de
recompensas.
Os falsos positivos foram o maior efeito colateral da agenda de segurança do
governo Uribe, juntamente com as premissas colocadas na diretiva ministerial
permanente. O discurso do governo Uribe, desde o processo eleitoral, sustentava-se
nas necessidades de segurança que a população demandava na época de 2002, foi
um discurso político que prometeria a segurança nacional e social, além de colocar
como principal ameaça existencial os grupos terroristas, que de alguma forma,
implantaram o terror na nação e afetaram a soberania estatal. Da mesma forma,
durante os discursos do ex-presidente, era fácil deparar-se com dialetos que
desumanizavam esse inimigo interno e colocavam o fortalecimento das Forças
Militares, como a única forma de resolução do problema, fato que, manifestou-se
posteriormente nas políticas públicas durante os seus dois governos e nas ações
corruptas realizadas pelas Forças Militares, nos anos posteriores à Diretiva Ministerial
(CASTILLEJO, 2016). Por exemplo, no segundo discurso de posse, em 2006, Uribe
expôs que: “A conotação democrática da segurança, é um passo irreversível para
obter a paz. Reitero o nosso desejo de alcançar a paz, para a qual apenas pedimos
fatos” (Discurso de inauguração, 2006, tradução nossa). As falas que remetem a
“pedir fatos” ou em outras palavras, solicitar resultados, não começaram no segundo
discurso de posse, entretanto, com a Política de Defesa e Segurança Democrática e
o plano de ação, planteado pela diretiva ministerial, o ex-presidente já tinha construído
um caminho de resolução que estaria em plena atuação no ano de reeleição. O
discurso dado por Uribe, serviu como uma motivação maior para as Forças Armadas
e um símbolo de esperança para a população colombiana. A cobrança por resultados,
era constante.
Durante o mesmo discurso, Uribe,
Assim, a onda de falsos positivos foi à luz em 2008, 3 anos depois do início da
implementação da diretiva ministerial permanente N°29/2005. A revolta dos falsos
positivos, teve como pontapé inicial o caso de 16 jovens apresentados ao Exército
Nacional como milicianos das FARC, depois de terem sido mortos em combate e
enterrados como S.N33, em uma vala comum em Ocaña, Norte de Santander. Teve-
se entendimento do que estava acontecendo, a partir da reação dos familiares dos
jovens quando perceberam como se deram os fatos (CASTILLEJO, 2016, tradução
nossa). O caso, gerou indícios para o desenvolvimento das primeiras investigações
relacionadas ao assassinato de civis, por parte do exército.
As áreas rurais da Colômbia foram as mais afetadas pelos assassinatos de
inocentes, o modus operandi dos militares na maior parte das vezes era prometendo
uma vaga de emprego chamativa, para grupos de pessoas com maior chance de
aceitar. A promessa da vaga de emprego chamaria a atenção de jovens e adultos em
busca de dinheiro, sendo prometido transporte e um salário atraente. Após recolherem
os interessados, o motorista levá-los-ia até um campo ou um lugar distante, e os
militares apareceriam para matá-los. Os corpos eram recolhidos e vestidos de
guerrilheiros, colocavam armas por cima e encenavam um combate. Posteriormente,
os corpos eram enterrados em valas comuns, sem nome e nenhum tipo de
identificação. Após esses acontecimentos, várias famílias iriam investigar o paradeiro
de cada um dos assassinados, inclusive, existem casos de famílias que tiveram de
esperar durante anos, para saber o paradeiro dos seus entes queridos.
Um exemplo, é o caso de Doris Tejada,
Doris perdeu de vista seu filho Óscar Alexander, 26 anos, no final do ano de
2007, quando ele viajava de sua casa em Fusagasugá, a duas horas de
Bogotá, até a cidade fronteiriça de Cúcuta para trabalhar vendendo roupas.
O jovem tinha acabado de perder o emprego como ajudante de agrimensor e
investiu as economias em mercadorias para ajudar a família. A última vez que
Doris o ouviu foi no dia 31 de dezembro.
Mais de uma década depois, Doris e seu marido sabem que Óscar entra na
lista dos falsos positivos, como são conhecidas na Colômbia as vítimas de
execuções extrajudiciais por membros do exército que os fizeram passar por
33 Sem nome.
84
Em uma entrevista feita a Sujeito Um, relata casos ouvidos por colegas de
trabalho, enquanto trabalhava no departamento de Cesar, região caribenha ao norte
da Colômbia:
Parece logicamente impossível, o Governo Uribe não ter ciência do que estava
acontecendo, em razão do processo burocrático envolvido para que as ações fossem
realizadas. Cabe ressaltar também que, não apenas os soldados teriam interesses
individuais ao matar falsos positivos e entregá-los como resultado do trabalho árduo
do Exército Nacional, porém, o Governo Uribe também teria seus próprios interesses,
especialmente devido à cobrança diplomática por parte dos países que estivessem
financiando essa Política, como os Estados Unidos. Além de tudo, a imagem
internacional que o país gerava nesse novo governo, também deveria ser impecável,
em relação à luta contra o terrorismo.
Não obstante, embora na última atualização de 2022 do site do ex-presidente,
mencione que o Governo Uribe não teve algum envolvimento com a onda de falsos
positivos,
Mais importante ainda, NÃO existe um único testemunho contra Álvaro Uribe
ou qualquer funcionário do seu governo que indique que foram dadas ordens
à Força Pública para assassinar civis para os fazer passar por vítimas de
combate em troca de recompensas.
Não há dúvida de que a narrativa que se tece sobre o presidente Uribe e os
falsos positivos é mais uma fábula daquelas que seus furiosos inimigos
teceram impunemente para denegri-lo, caluniá-lo e difamá-lo, buscando
vingança contra o homem que finalmente o encurralou. no caminho da
legalidade para todas as forças do narcotráfico e do terrorismo na Colômbia.
(LEGADO URIBE, 2022).
Em 2023, o ex-integrante das AUC, Salvatore Mancuso, relata que Uribe tinha
plena ciência do que estava acontecendo, além de apoiar a participação do
paramilitarismo no processo. Os relatos de Mancuso foram ouvidos durante
88
[...] anistia para crimes políticos cometidos antes de 1º de janeiro deste ano
(1954) 34.
Para os efeitos deste Decreto, entende-se por crimes políticos todos aqueles
cometidos por cidadãos colombianos cujo motivo foi o ataque ao Governo, ou
que possa ser explicado por excesso de apoio ou adesão ao mesmo, ou por
aversão política ou sectarismo (JEP, 2022, tradução nossa).
34 Anotação nossa.
92
ARTIGO 1º: Concede-se anistia geral aos autores, cúmplices ou encobridores de fatos constitutivos
de crimes políticos cometidos antes da vigência da presente Lei.
ARTIGO 2º: Para os efeitos desta Lei, entende-se por crimes políticos aqueles tipificados no Código
Penal como rebelião, sedição ou motim, e os conexos a eles por terem sido cometidos para facilitá-
los, promovê-los, consumá-los ou ocultá-los.
ARTIGO 3º: Os homicídios fora de combate não serão abrangidos pela anistia, se foram cometidos
com crueldade ou colocando a vítima em situação de indefesa ou inferioridade, ou aproveitando-se
dessa situação.
ARTIGO 4º: As autoridades que, por qualquer motivo, estiverem conhecendo de processos por
crimes definidos no artigo 2º desta Lei, os enviarão imediatamente ao respectivo Tribunal Superior,
que decretará a cessação do procedimento por meio de auto interlocutório. Para a extinção da pena
dos condenados em sentença transitada em julgado, as autoridades em cujo poder se encontram os
expedientes procederão a enviá-los ao respectivo Tribunal Superior, que a decretará mediante auto
interlocutório e ordenará a libertação imediata do beneficiado. A decisão que conceda a anistia será
comunicada às autoridades a que se refere o artigo 705 do Código de Processo Penal. Os
processos por crimes excluídos da anistia continuarão seu curso normal.
ARTIGO 5º: Os beneficiados por esta Lei, a quem não tiver sido iniciado processo ou que estejam
em liberdade por qualquer motivo, não poderão ser chamados, requeridos ou investigados por
nenhuma autoridade.
ARTIGO 6º: Ficam resguardadas as indenizações por danos causados a particulares em razão dos
fatos objeto da presente anistia. O Estado não assume nenhuma responsabilidade a esse respeito.
ARTIGO 7º: O artigo 202 do Código Penal ficará assim redigido: "Fabricação e tráfico de armas e
munições de uso privativo das Forças Armadas. Aquele que, sem permissão de autoridade
competente, importar, fabricar, reparar, armazenar, conservar, adquirir, fornecer de qualquer título
ou portar armas ou munições de uso privativo das Forças Militares ou da Polícia, incorrerá em prisão
de dois (2) a cinco (5) anos".
93
ARTIGO 10: Esta Lei entrará em vigor a partir da data de sua promulgação.
Fonte: SUIN, 1982, tradução nossa.
Com isso, por meio dos processos de securitização iniciados por Betancur, os
líderes das guerrilhas colombianas viram-se motivados a deixar as armas, um dos
principais interesses, foi justamente a possibilidade de anistia. Assim, uma das
primeiras tentativas de pacificação foi proposta pelo líder do grupo guerrilheiro M-19,
Jaime Bateman Cayón. Nesta tentativa, o líder estaria indo rumo ao Panamá em um
avião privado para elaborar uma proposta de paz junto ao governo colombiano,
entretanto, ela não foi possível devido a que o avião desapareceu do radar e foi
encontrado apenas um ano depois junto aos tripulantes, inclusive o corpo de Cayón.
Infelizmente, a proposta de paz com M-19 não teve sucesso devido a esse incidente,
causando assim a continuação do grupo insurgente no país (COMISIÓN, 2022,
tradução nossa).
Todavia, embora o cenário fosse de desesperança, não demorou muito para
iniciar os diálogos de paz com outros grupos guerrilheiros. Em 1985 foi assinado, por
meio da Comissão de Paz, o “Acordo de La Uribe”, que teve como objetivo a formação
política das FARC-EP, como mecanismo para minimizar as atuações terroristas
causadas pelo grupo. O acordo dividiu-se em 10 partes conforme o quadro abaixo:
O acordo de paz, assim, foi uma negociação exitosa entre o governo Betancur
e as FARC-EP que trouxe benefícios para o país, motivando mais guerrilhas a se
desarmarem e implementando iniciativas políticas de paz que aproximaram os grupos
EPL, M-19 e ADO aos diálogos pacíficos.
Todavia, o acordo de La Uribe, teve fim no ano de 1986 após a desintegração
da Comissão de Paz, Diálogo e Verificação, marcando assim a continuação das ações
guerrilheiras por parte das FARC-EP (VERDAD ABIERTA, 2012). Um ponto digno de
nota, é que as FARC-EP, é a maior guerrilha existente na história colombiana, dessa
forma, carrega o peso da influência entre todas as guerrilhas do país. O caminho da
pacificação, assim como o caminho do terror seguido por esse grupo, determinaria os
seguintes passos dos outros. Por esse motivo, um acordo de paz entre o governo e
as FARC-EP, seria tão importante para o país, não só pela influência e motivação que
poderia gerar nas outras, mas pela capacidade e alcance do grupo, assim como pela
extensão do território ocupado por eles e pelo crescimento do narcotráfico ligado à
guerrilha, dentre outros aspectos voltados para a insegurança social.
Os processos de pacificação implementados por Betancur, certamente abriram
uma porta com múltiplas possibilidades e esperanças para o país, devido à linha de
diálogo conectada a partir do acordo de La Uribe. Após o fim do acordo, os próximos
processos de paz aconteceram entre 1990 e 1991, durante os governos de Virgilio
Barco Vargas e César Gaviria do Partido Liberal. Os governos, conseguiram iniciar o
processo de paz com os grupos M-19, EPL, PRT35 e MAQL36, tendo como marco
jurídico a Lei 77 de 1989. Com a Lei, o Presidente da República, fica habilitado a
conceder indultos e os casos de cessação de processos penais e de emissão de
medidas cautelares, seriam regulados no desenvolvimento da política de
reconciliação (CAMARA, 1989, tradução nossa). Na Lei, o Congresso decretou:
ARTIGO 1º: Autoriza-se o Presidente da República a conceder indultos aos nacionais colombianos de
acordo com as regras estabelecidas na presente Lei.
ARTIGO 2º: O indulto a que se refere esta Lei beneficiará os nacionais colombianos autores ou
cúmplices de fatos constitutivos de crimes políticos cometidos antes da vigência da presente Lei.
ARTIGO 3º: Para os efeitos desta Lei, entendem-se por crimes políticos aqueles tipificados no Código
Penal como rebelião, sedição e motim, e os delitos conexos a estes.
ARTIGO 4º: O indulto será concedido em cada caso particular uma vez cumpridas as condições
estabelecidas nesta Lei, quando, a critério do Governo Nacional, a organização rebelde da qual fazem
parte aqueles que o solicitam tenha demonstrado inequivocamente sua vontade de reintegrar-se à
vida civil. Igualmente, o indulto poderá ser concedido à pessoa ou pessoas que, fora da organização
rebelde da qual faz ou fez parte, o solicitem e, a critério do Governo Nacional, tenham demonstrado
sua vontade de reintegrar-se à vida civil.
ARTIGO 5º: A demonstração definitiva da vontade de reintegração à vida civil implica, por parte da
respectiva organização rebelde e de seus membros, a renúncia às armas nos termos da política de
reconciliação. O Governo avaliará tal conduta para efeitos da concessão dos benefícios estabelecidos
nesta Lei.
ARTIGO 6º: O indulto não se aplicará a homicídios cometidos fora de combate, com crueldade, ou
colocando a vítima em estado de indefesa, nem a atos de ferocidade ou barbaridade. Também não
se aplicará àqueles que façam parte de organizações terroristas.
ARTIGO 7º: O benefício de indulto deve ser solicitado pelo interessado, diretamente ou por meio de
procurador, por escrito dirigido ao Ministério da Justiça dentro dos seis (6) meses seguintes à data de
promulgação da presente Lei. A solicitação deverá ser resolvida dentro dos dois (2) meses seguintes.
ARTIGO 8º: O indulto será concedido por resolução executiva assinada pelo Presidente da República
e pelos Ministros do Governo e da Justiça. Uma cópia desta resolução será enviada ao Juiz ou
Tribunal que detém o respectivo processo.
ARTIGO 9º: O interessado poderá solicitar o estabelecimento da conexão referida no artigo 3º desta
Lei, se ela não tiver sido declarada na sentença ou considerada no processo em curso, levando em
consideração: a) as provas que constam no respectivo processo; b) as certificações emitidas para o
efeito pelas autoridades competentes; c) qualquer outra informação considerada pertinente e anexada
à solicitação.
ARTIGO 10: Será concedido o benefício de cessação de procedimento àqueles que estiverem sendo
processados por fatos que possam constituir os delitos referidos no artigo 3º desta Lei, com as
exceções previstas no artigo 6º e em relação aos quais não tenha sido proferida sentença
condenatória. Para tanto, é necessário que o solicitante faça parte ou tenha feito parte de uma
organização rebelde que tenha cumprido as condições estabelecidas nos artigos 4º e 5º. O Governo
estabelecerá as condições que permitam verificar que aqueles que solicitam o benefício de cessação
de procedimento fazem parte da respectiva organização rebelde.
ARTIGO 11: As autoridades que, por qualquer motivo, estejam conhecendo de processos por delitos
definidos no artigo 3º desta Lei, os enviarão imediatamente ao respectivo Tribunal Superior do Distrito
Judicial ou ao Tribunal Superior de Ordem Pública, conforme o caso, para que, no prazo de sete (7)
dias úteis, decidam de ofício sobre a cessação de procedimento. O auto que negar a cessação de
procedimento será passível de recurso perante a Sala de Cassação Penal da Corte Suprema de
Justiça, de acordo com o disposto no Código de Processo Penal.
ARTIGO 12: Quando houver conhecimento por parte de qualquer Juiz de fatos que possam constituir
os delitos a que se refere o artigo 3º desta Lei, com as exceções previstas no artigo 6º, ele se abstendo
de iniciar o processo e deverá proferir a correspondente decisão de arquivamento se aqueles que se
beneficiam com essa providência cumprirem as condições estabelecidas no artigo 10º da presente Lei
para a concessão da cessação de procedimento. A abstenção de aplicar o auto de arquivamento nas
circunstâncias anteriores será passível de recurso perante a Sala Penal do correspondente Tribunal
Superior ou perante o Tribunal Superior de Ordem Pública, conforme o caso, de acordo com o disposto
no Código de Processo Penal.
97
ARTIGO 13: O indulto, a cessação de procedimento e o auto de arquivamento previstos nesta Lei só
poderão ser concedidos ou proferidos em relação a fatos ocorridos antes da vigência da presente Lei.
Os processos por delitos excluídos dos benefícios referidos continuarão seu curso normal.
ARTIGO 14: As pessoas beneficiadas com o indulto, a cessação de procedimento ou o auto de
arquivamento, decretados em decorrência desta Lei, não poderão ser processadas ou julgadas pelos
mesmos fatos que originaram sua concessão.
ARTIGO 15: As pessoas que estiverem privadas de liberdade pelos delitos a que se refere o artigo 3º
da presente Lei e que sejam beneficiárias dela, deverão ser postas em liberdade, cumpridos os
trâmites de rigor, de forma imediata.
ARTIGO 16: Cabe ao Procurador Geral da Nação, por si ou por meio de seus agentes, verificar em
cada caso a aplicação das disposições estabelecidas na presente Lei.
Fonte: Camara, 1989, tradução nossa.
Além da Lei 77 de 1989, foi determinado o Decreto 213 de 1991 assinado pelo
então presidente Gaviria, como mais um mecanismo para estabelecer condições para
o indulto e a cessação de processos, dos integrantes dos grupos guerrilheiros
(PERAFÁN, 2012).
Após esses processos de pacificação, durante o seguinte governo de Ernesto
Samper, as tentativas de negociação com as guerrilhas foram quase nulas. Esse não-
posicionamento teria deixado os colombianos à espera de um próximo governo com
uma posição diferente quanto às guerrilhas na Colômbia, assim como em relação aos
problemas sociais, incluindo a insegurança social vivida. Sendo assim, no governo
seguinte, assumido por Andrés Pastrana Arango, foram reiniciados os diálogos de paz
com as FARC-EP. O Processo de Paz de Caguán iniciou em 1999 e teve fim em 2002,
entretanto, ele resultou falho pois durante as negociações, o conflito se intensificou,
gerando assim um desgaste no processo e tornando-se insustentável no início de
2002. O processo, teve as seguintes características:
Apesar dos esforços pela paz, a dimensão militar do conflito saiu de controle.
Inicialmente, as condições políticas eram favoráveis ao longo dos diálogos, entretanto,
ao mesmo tempo que o governo buscava encerrar exitosamente o acordo de paz, o
paramilitarismo expandia-se, as Forças Militares tornavam-se mais complexas, e as
98
A Lei decreta todas as medidas de proteção para as vítimas, assim como todos
os direitos que cobriam elas durante o processo de reconhecimento. De igual maneira,
37VÍTIMAS. São consideradas vítimas, para os efeitos desta lei, aquelas pessoas que, individual ou
coletivamente, tenham sofrido danos devido a acontecimentos ocorridos após 1º de janeiro de 1985,
em consequência de violações do Direito Internacional Humanitário ou de violações graves e
manifestas das normas. Direitos Humanos internacionais, ocorridos durante o conflito armado interno
(Lei nº 1448/2011).
99
Até ter outra atualização em relação aos pontos de negociação, foram formadas
mais delegações para atuar nas mesas de negociação, além disso, Santos seria
reeleito em 15 de junho de 2014, desta vez com uma campanha completamente
focada em finalizar as negociações e firmar o acordo final.
Em 16 de novembro de 2014, as FARC-EP acabaram realizando uma série de
ações terroristas como sequestrar o General do Exército Nacional Rubén Darío Alzate,
acarretando assim na suspensão dos diálogos de paz, durante catorze dias. Ademais,
atentaram também contra uma base militar, causando a morte de 11 soldados, em
abril de 2015. Após essas ações, as negociações passaram pelo seu momento mais
conturbado, causando a possibilidade de pausar os diálogos com o grupo guerrilheiro
(IDEAS, 2023, tradução nossa).
Embora o cenário fosse difícil, o governo Santos não desistiu dos diálogos,
dessa forma, em 11 de setembro de 2015, às delegações de paz conseguiram
alcançar um acordo parcial em relação ao ponto de justiça transicional da premissa
“Vítimas”, da agenda de negociações. O anúncio desse passo foi realizado desde La
Habana, onde participou o então presidente Juan Manuel Santos e o líder das FARC-
EP, Timoleón Jiménez. Em 15 de dezembro de 2015, foram finalizadas as
negociações da premissa “Vítimas”.
Aproximando-se do fim das negociações, em 23 de junho de 2016, o então
presidente e o líder do grupo guerrilheiro, anunciaram o cesse ao fogo e de
hostilidades bilateral de forma definitiva, além das características da entrega de armas
e de garantias de segurança. Já em 24 de agosto do mesmo ano, o acordo final estaria
pronto para a assinatura de Santos e do líder das FARC-EP, Timoleón Jiménez,
completando assim em 26 de setembro de 2016, a assinatura por ambas as partes,
do Acordo Final para a finalização do conflito e a construção de uma paz estável e
duradoura (IDEAS, 2023).
Embora a assinatura do Acordo Final tenha sido feita, a população ainda
precisaria votar pela implementação do Acordo, por meio de um plebiscito para
endossar os acordos de paz com as FARC. O plebiscito teve uma campanha intensa
de informação para que a população pudesse ter plena ciência do que estaria sendo
acordado, essa campanha levantou múltiplas preocupações nos colombianos em
relação à justiça transicional, a participação política das FARC-EP no país e a
possibilidade de impunidade para os ex-guerrilheiros. Certamente, a posição de
escolha fora complicada, principalmente para as famílias e indivíduos que sofreram
103
devido ao conflito armado e, desta forma, contribuir para satisfazer os direitos das
vítimas à verdade e à reparação integral” (COLOMBIA, 2016, tradução nossa).
Mais um mecanismo do Sistema, criado a partir do Acordo, seria o foco desta
terceira parte do capítulo, A Jurisdição Especial para a Paz. Com isso, em 2019 foi
criada a Lei 1957, a Lei Estatutária JEP que traria um esquema normativo completo,
onde destacam-se as funções de cada membro da JEP, e de cada órgão que
integraria a Jurisdição. Também ficaram estabelecidas as diferentes áreas
administrativa, de apoio e legal. A lei também determina a logística de ação da JEP,
organizada entre salas, sessões de audiência e uma unidade de investigação e
acusação.
As salas seriam divididas entre a sala de reconhecimento da verdade,
responsabilidade e determinação dos feitos e condutas, a sala de definição de
situações jurídicas e a sala de anistias ou indulto.
A JEP, sendo mais um dos componentes de justiça do Sistema Integral, foi
criada basicamente com o intuito de ser uma jurisdição que procura, acima de tudo, o
direito à justiça em relação aos crimes realizados durante o conflito armado.
A JEP, seria composta por magistrados colombianos que após receber os
culpados e analisar cada caso, concederiam anistias e indultos para crimes políticos
e relacionados ao conflito armado colombiano. Com exceção de crimes enquadrados
no documento como “Crimes contra a humanidade”:
Com o Acordo de Paz, Colômbia inaugurou um feito que teve como produto um
prêmio Nobel dado ao ex-presidente Juan Manuel Santos, pois foi o primeiro país no
mundo que conseguiu estabelecer um acordo bilateral entre um governo e um grupo
armado ilegal. Além disso, também foi o primeiro a criar “um sistema de
responsabilização perante um tribunal nacional para investigar, julgar e punir condutas
cometidas no contexto e devido ao conflito armado, especialmente os crimes mais
graves e representativos” (COLOMBIA, 2016, tradução nossa).
Embora a catástrofe de falsos positivos tenha saído à luz em 2008, foi apenas
em 2019 que o Estado consolidou uma estrutura de punição forte que se encarregara
não apenas do caso dos falsos positivos, mas também de todos os casos que
deixaram vítimas em razão do conflito armado, ao longo da história colombiana. A
Jurisdição Especial para a Paz (JEP), chegaria com o intuito de fazer cumprir os
seguintes objetivos:
O fim das FARC como movimento armado: entregarão todas suas armas e
retornarão à vida civil; O fim dos sequestros, extorsões e hostilidades contra
a população e as forças públicas por parte deste grupo; Satisfação dos
direitos das vítimas à verdade, justiça e reparo; Uma área rural pacífica com
oportunidades de desenvolvimento legais e reais econômico, sem tráfico de
drogas; O fortalecimento da democracia e das instituições do Estado no
território nacional; Uma luta mais eficaz contra organizações criminosas
(COLOMBIA, 2016, tradução nossa).
Fonte: JEP.
O caso “05 Prioriza a situação territorial na região norte do Cauca e sul do Valle
del Cauca”, é mais um dos casos territoriais de extrema violação de direitos humanos
regionais. Já foram reconhecidas 365.967 vítimas.
O sexto caso “06 Vitimização de membros da União Patriótica”, reconhece
5.733 pessoas que foram assassinadas ou desapareceram em ataques dirigidos
contra o partido político União Patriótica, entre 1984 e 2016, 4.616 foram vítimas de
homicídio, 1.117 foram desaparecidos à força e 2.217 vítimas relatadas de
deslocamento forçado (JEP, 2023).
O sétimo caso “07 Recrutamento e utilização de meninas e meninos em
conflitos armados”, faz uma investigação referente às crianças utilizadas pelas FARC-
EP durante o conflito armado, até setembro de 2023 foram identificadas 3.765 vítimas,
entretanto, foram 18.677 as crianças utilizadas pelas FARC-EP.
Já o oitavo caso, “08 crimes cometidos por forças públicas, agentes estatais
em associação com grupos paramilitares ou terceiros civis no conflito armado”, iniciou
a partir dos ataques contra a população civil sob a justificativa de políticas ou discursos
de contra insurgência; crimes praticados com o objetivo de favorecer interesses
económicos, nomeadamente, relacionados com o território e crimes cometidos com o
objetivo de estabelecer, manter ou recuperar o controlo da força pública entre 1997 y
1999. Já foram identificados 2.840 responsáveis submetidos à JEP (JEP, 2023,
tradução nossa).
O caso “09 Crimes não anistiados cometidos contra povos e territórios étnicos
no âmbito do conflito armado colombiano”, busca investigar crimes cometidos contra
povos e territórios étnicos durante o conflito armado, onde já foram reconhecidas
365.967 vítimas identificadas em quatro regiões do país.
Por último, o caso “10 Crimes não anistiados cometidos pelas extintas FARC-
EP no âmbito do conflito armado colombiano”, procura determinar os crimes não
anistiados e violações graves do Direito Internacional Humanitário, como homicídios
de pessoas protegidas, desaparecimentos forçados, deslocamentos forçados,
violência sexual e utilização de meios e métodos de guerra ilícitos, cometidos pelas
FARC-EP durante o conflito armado. Das quais, 54.000 vítimas foram deslocadas à
força pelas FARC-EP; 50.100 pessoas foram vítimas de meios e métodos de guerra
ilícitos utilizados pelas FARC-EP; 2.300 vítimas de violência sexual atribuível às
FARC-EP; 5.720 vítimas sofreram ataques das Farc-EP como pessoas protegidas;
29.700 vítimas de atos de terrorismo das FARC-EP (JEP, 2023, tradução nossa).
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
dessecuritizou o conflito armado. Essa transformação, deu espaço para observar cada
um dos problemas gerados a partir do conflito como um todo, assim como enxergar
as necessidades e demandas dos colombianos quanto ao conflito.
Quanto à metodologia, foi utilizado o método de abordagem dedutivo-
hipotético, usando a Teoria de Securitização criada pela Escola de Copenhague, com
o fim de identificar de que modo se deu a influência da agenda de segurança do
Governo Uribe, no surgimento de falsos positivos. Em primeira instância, identificou-
se como se formou o processo de securitização caracterizando as três categorias
operacionais, propostas pela EDC: “1) objetos referentes; (2) agente securitizador; (3)
atores funcionais.” (CORDEIRO E PEREIRA, 2019).
Quanto ao método de procedimento, a pesquisa foi embasada em dados
empíricos utilizando documentos oficiais do governo colombiano, como a Diretiva
Ministerial Permanente assinada pelo Ministro de Defesa no ano de 2005, e a Política
de Defesa e Segurança Democrática ratificada pelo Governo Uribe. Da mesma forma,
por meio de documentos oficiais das leis e decretos advindos dos processos de paz,
foi possível demonstrar as diferenças das securitizações do Governo Uribe e Santos
e os resultados de ambas as agendas de segurança. Como forma de corroborar com
a hipótese central da pesquisa, foram colocadas algumas declarações e entrevistas
que confessam os crimes realizados a partir da Diretiva Ministerial Permanente, dadas
por ex-soldados e ex-paramilitares, para a JEP, em audiência pública. Além das
entrevistas feitas a vítimas do conflito armado, realizadas pela autora e relatos já
existentes obtidos pela JEP.
Por fim, é importante ressaltar que algumas áreas do país continuaram
enfrentando desafios de segurança, mesmo após o fim do governo Santos.
Destacando assim, as complexidades e desafios na aplicação da teoria de
securitização na prática.
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REFERÊNCIAS
Amnistía para la paz Leonardo González Perafán Indepaz. 2012. Disponível em:
<https://www.indepaz.org.co/wp-content/uploads/2012/09/Amnist%C3%ADa-para-la-
paz.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2023.
“Yo asesiné a familiares inocentes de los que están acá”: confesión de militares
ante la JEP. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QIuc7VJbUYI>.
Acesso em: 21 set. 2023.
Amnistía para la paz Leonardo González Perafán Indepaz. [s.l.: s.n., s.d.].
Disponível em: <https://www.indepaz.org.co/wp-
content/uploads/2012/09/Amnist%C3%ADa-para-la-paz.pdf>.
CM. Acuerdos del cese al fuego entre 1984 y 1986 con las FARC, el M-19, el
EPL y la ADO. Disponível em: <https://verdadabierta.com/acuerdos-del-cese-al-
fuego-entre-1984-y-1986-con-las-farc-el-m-19-el-epl-y-la-ado/>. Acesso em: 02 nov.
2023.
JAIR DÍAZ. “Colombia, el segundo país del mundo con mayor cifra de
desplazados”, ACNUR. Voz de América. Disponível em:
<https://www.vozdeamerica.com/a/colombia-el-segundo-pais-del-mundo-con-mayor-
cifra-de-desplazados-acnur-
/7149915.html#:~:text=Colombia%20es%20el%20tercer%20pa%C3%ADs>. Acesso
em: 22 out. 2023.
118
La JEP establece que al menos 18.677 niños y niñas fueron reclutados por las
Farc-EP. Disponível em: <https://www.jep.gov.co/Sala-de-Prensa/Paginas/La-JEP-
establece-que-al-menos-18.667-ni%C3%B1os-y-ni%C3%B1as-fueron-reclutados-
por-las-Farc-EP.aspx>. Acesso em: 22 out. 2023.
Las cifras que presenta el Informe Global sobre Desplazamiento 2023. 2023.
Disponível em: https://reliefweb.int/report/colombia/las-cifras-que-presenta-el-
informe-global-sobre-desplazamiento-202. Acesso em: 24 jul. 2023.
119
SEÑAL MEMORIA. Andrés Pastrana finaliza los diálogos con las Farc (2002).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SwiDXi2nndg>. Acesso em:
20 out. 2023.
ejército del batallón La Popa. De ahí se llevaron como 7 jóvenes y los desaparecieron
y luego dijeron que eran un poco de guerrilleros que habían abatido y los presentaron
como guerrilleros, pero pues yo nunca estuve cerca si no que mi compañera nos contó
que era lo que le había ocurrido y cuando llamaron la gente a declarar que era lo que
había pasado algunas personas iban a Barranquilla, cerca de Valledupar y en el
camino los paramilitares bajaron y mataron también a otro poco de gente, familiares
de los que estaban ahí.
Entrevistadora: ¿Eso fue en Valledupar, cierto?
Sujeito 1: Si.
126
ejército iba y se los llevaba y si los papás no dejaban amenazaban a los papás
entonces mis papás al ver esa situación de una vez nos fuimos entonces el motivo del
desplazamiento fue más para protegernos a nosotros porque en ese yo tenía 11 años
y mi hermano 10, creo. Entonces estábamos como en una edad que era donde
agarraban a los chicos para eso, y teníamos mi hermana de 8 y la chiquita recién
nacida, tenía 2 o 3 meses, ¿no? Éramos los 4, mi papá y mi mamá.
Sujeito 2: Bueno y como mi familia se vio afectada pues en todos los sentidos,
porque primero esta tierra pequeña que teníamos se perdió, el caballo, todo lo que
teníamos se perdió. Y es muy curioso porque hoy si volvemos a esa región es tierra
de una hidroeléctrica, ¿no? O sea, ni siquiera hay posibilidad de restitución de las
tierras, entonces uno piensa también bueno, por que ocurrió todo eso y qué mano
hubo del gobierno ahí, ¿no? Y pues nos vimos re afectados porque nosotros llegamos
a mitad de año a Bogotá, sin conocer a nadie entonces pues nos instalamos en la
periferia de Bogotá, en los morros entonces es como empezar a tener todo lo que, los
problemas que tiene el morro, a vivir como las periferias de Bogotá. Llegamos a mitad
de año y no encontramos cupo en la escuela entonces fue un año en que no
estudiamos, y pues la informalidad y todo lo demás. Y pues llegar a la ciudad ahí,
Bogotá no es como muy acogedor así con la gente del campo entonces si fue como
tenso, fue… y pues te afecta porque empiezas de cero sin papás que no… Solo mi
mamá terminó la primaria, mi papá no, entonces cómo trabajar en lo que hay, ¿pagar
cuenta de 4 chinos no? todos pequeños. Entonces pues ya te imaginas de ahí pal
frente, ¿no? Con un gobierno que, pues nos daba unos mercados y que después de
llegamos aquí, después de 7 o 8 años de mucho insistir ganamos unos subsidios para
comprar la vivienda, pero pues como no teníamos más dinero además de los subsidios
el único lugar que nos alcanzó para comprar fue en la loma y bien precaria, pero pues
uff, eso sí fue como wow. Pero fue una burocracia enorme y fueron 8 años después
de llegar y ese es el momento en que todavía pertenecemos a la población desplazada
porque para poder dejar de, de salir hay que pasar por todo un proceso de
indemnización y además eso fue una conquista reciente de la lucha de los
desplazados, y pues el gobierno nos anunció hace como 2 años que estamos en la
lista pero de ahí a que eso se concretice hay familias que llevan 15 años esperando a
que eso se concretice, o sea, después de la lista, 15 años a que le den la
indemnización entonces es como que… sí, todavía pertenecemos a la población de
desplazados en Colombia oficialmente.
128
comer entonces pues ahí nos ponían a mis hermanitos y a mí a correr detrás de las
gallinas porque las criabamos libres, eh…Y pues todo bien uno les daba la gallina, el
miedo es que pasaba un grupo que era enemigo como que otro grupo entonces eso
era horrible porque era una tensión porque uno decía: “si el otro grupo que pasó ayer
se da cuenta, ellos interpretan que uno les está ayudando a un grupo” Pero uno como
que no tiene opción, o pues me acuerdo mucho que a mi mamá le tocaba cocinarles
cuando pasaban.
Y la otra es que era muy común que ellos convocaban reuniones en la escuela
y uno ya sabía que ese día eh, lo mandaban a la cancha a jugar y los adultos se
quedaban en la reunión escuchando lo que dijeran, pues no sé, porque insisto yo era
pequeño y no entendía, pero pues talvez era eso, reforzando el cobro de las Vacunas,
amenazando, no sé.
Y la otra que era horrible era cuando uno iba en la chiva para el pueblo y ellos
hacían reten y paraban, y era horrible porque ellos pedían la cédula de la gente y a
uno también le pedían la tarjeta de identidad y uno le veía el miedo a todo mundo,
todo el mundo estaba con miedo y ellos dejaban gente o sea, había gente que no las
dejaban seguir en la chiva y pues ahí empezaba el “buguru” de qué sería, para qué
sería, entonces era como una manera de que tal vez ellos perseguían no sé, gente
que no pagó o alguna mierda, pero ese momento era horrible también.
Y Bueno sería eso.