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Suplicio Do Papai Noel

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ANTROPOLOGIA III

DISCENTE - LÍVIA RIBEIRO MOÇO ARAÚJO

O SUPLÍCIO DO PAPAI NOEL - LÉVI STRAUSS

O Suplício do Papai é um ensaio curto em que Lévi - Strauss analisa um acontecimento em 24 de


dezembro de 1951 na França, nas grades da Catedral da cidade de Dijon. Na véspera de Natal, o
Papai Noel foi queimado publicamente, contando com a presença de centenas de crianças dos
orfanatos locais. A execução simbólica foi incentivada pelo clero que classificava o Papai Noel como
usurpador e herege, acusando - o de paganizar a festa de Natal e de se instalar como um intruso.
Tal acontecimento gerou polêmica entre aqueles que defendiam ou não a figura do Papai Noel.

PARADOXO NOTADO POR LÉVI STRAUSS: A polêmica dividiu a opinião pública e Lévi Strauss
notou que os anticlericalistas, geralmente cientificistas, defendiam o Papai Noel, logo, o
irracionalismo e a superstição, enquanto, por outro lado, a Igreja se posicionou ao lado da
racionalidade e do espírito crítico.

QUESTÃO DO ENSAIO ANTROPOLÓGICO: O ensaio não busca entender as razões pelas quais as
crianças acreditam no Papai Noel, mas sim entender pelas quais os adultos o inventaram - E para
respondê - lo, Lévi Strauss explica a esclosão do festivo natalino na França, a gênese histórica do
Natal moderno e a função sócio-estrutural a qual esse rito se presta.

Após a II Guerra Mundial, com a melhora econômica da França, houve uma mudança na
comemoração de Natal que se explica, parcialmente, pela influência e prestígio dos EUA. Essa
questão pode ser observada devido aos inúmeros pinheiros, adornos em papéis de presente, cartões
e pessoas trajadas de Papai Noel nas lojas. Porém é muito raso explicar a ascensão do Natal apenas
pela influência americana. Outras razões são apontadas, como os muitos estadunidenses que
moravam na França e comemoravam e também o Plano Marshall que favoreceu diretamente e
indiretamente a importação de algumas mercadorias ligadas ao rito natalino.
O antropólogo notou, no entanto, que não se tratava de uma difusão simples, mas como notou
Kroeber: uma “difusão por estímulo”. Invés de o costume ser assimilado por importação, ele
provoca o “surgimento de um uso semelhante ao que já estava potencialmente presente”.

EXEMPLO DADO PARA ILUSTRAR O CASO: Um fabricante de papel viaja a negócios aos EUA e
lá descobre um papel de presente muito mais elaborado do que o que ele vendia. A dona de casa o
compra por lhe satisfazer uma exigência estética, isto é, uma disposição afetiva, já existente, se
materializa com o adereço encontrado.

O verbete noel designa, em um dicionário da época, um ramo de pinheiro com enfeites, guarnecido
de balas e brinquedos, que se oferece a crianças. A variedade de nomes que se dá àquele que
distribui os presentes (Papai Noel, São Nicolau, Santa Claus) mostra que a figura é resultado de
convergência e não de protótipo conservado.
Lévi Strauss analisa que, ao vestir vermelho, o Papai Noel é um rei. Botas, roupas pesadas, peles,
barbas brancas e trenó evocam o inverno. Sua idade revela a forma benevolente da autoridade dos
antigos. Não é um ser mítico. Mas sem dúvidas pertence à família das divindades. As crianças
prestam-no culto em certas épocas do ano sob a forma de pedidos e de cartas. Ele recompensa os
bons e priva os maus. É, portanto, a divindade de uma categoria etária. Só não é uma divindade
verdadeira porque os adultos não acreditam nele, embora incentivem as crianças a acreditarem. Tal
divindade liga-se aos ritos de iniciação de uma sociedade, pois divide as crianças dos adultos e
adolescentes. Estas divisões são comuns em todas as sociedades. É raro encontrar uma sociedade em
que as crianças (e também muitas vezes as mulheres) não são “excluídas” da sociedade dos homens
devido à ignorância de certas crenças e mistérios alimentada pelos últimos, e que estes revelam num
momento oportuno, sacramentando assim a passagem entre dois mundos. Os ritos de iniciação
têm a função de ajudar os mais velhos a manter a ordem e a obediência entre os mais novos. O
Papai Noel, por exemplo, é evocado para que as crianças se comportem e para disciplinar suas
reivindicações de presentes, uma espécie de figura de negociação entre as gerações.

ANALOGIA ENTRE O PAPAI NOEL E AS KATCHINAS: A partir dessas considerações, o


antropólogo vai associar o Papai Noel com as Katchinas, personagens de uma determinada
sociedade indígena, situada no sudoeste dos EUA, que encarnam deuses e ancestrais. São índios
adultos usando vestes e máscaras que aparecem na aldeia para dançar e punir ou recompensar as
crianças sem que elas saibam quem está por baixo da roupa. Segundo o mito indígena, as katchinas
são crianças que morreram afogadas, mas que voltavam da além-vida para assombrar a aldeia,
raptando algumas crianças. Os povos teriam então feito o acordo de representarem estas entidades
numa época do ano para ficarem livres dos assombros. Para Lévi-Strauss, a questão da ordem é
secundária, pois em primeiro lugar a função das katchinas é provar a morte e dar o testemunho da
vida após a morte. Daí explica-se a repartição da sociedade em duas, entre iniciados (adultos) e
não-iniciados (crianças). As crianças são excluídas porque elas são as próprias katchinas. Seu lugar é
outro: não com as máscaras e os vivos, mas com os deuses e os mortos. Isto é, com as divindades
que são os mortos. E os mortos são as crianças. O mesmo se aplica a sociologia iniciática que
envolve Papai Noel. Para além da oposição entre adultos (que sabem) e crianças (que ignoram), há
uma oposição simbólica mais profunda, entre vivos e mortos.

Outro ponto de vista histórico é que o Papai Noel resulta do deslocamento da festa de São Nicolau
(6 de dezembro), assimilada a comemoração de Natal, três semanas depois. “Um personagem real
se tornou um personagem mítico; uma emanação da juventude, simbolizando seu antagonismo em
relação aos adultos, fez-se símbolo da idade madura, tradução da disposição benévola em relação à
mocidade; o apóstolo das más condutas é incumbido de sancionar as boas condutas”.
Na Idade Média, as crianças não esperavam seus presentes, mas iam de casa em casa, disfarçadas,
cantando e recebendo doces e frutas. Seus disfarces as transformavam em espíritos e fantasmas, suas
músicas evocavam a morte para fazer valer seus pedidos. As coletas começavam em geral três
semanas antes do Natal. Estes rituais também ocorriam em outras épocas do ano, mas
especialmente no outono. Assim, o primeiro período peditório, o Hallow-Even, é na véspera do dia
de todos os santos. Crianças vestidas de fantasmas e esqueletos perseguem os vivos (adultos). O
avanço do outono até o solstício marca o resgate da luz e da vida: “retorno dos mortos, suas
ameaças e perseguições, o estabelecimento de um modus vivendi com os vivos na festa do
intercâmbio de serviços e presentes, e, por fim, o triunfo da vida, quando no dia de Natal os
mortos, cobertos de presentes, deixam os vivos em paz até o próximo outono.

QUESTIONAMENTO DE LÉVI - STRAUSS: O antropólogo vai questionar quem pode personificar


os mortos numa sociedade de vivos senão todos os que não estão completamente integrados ao
grupo, que participam da alteridade dual entre vivos e mortos? Não à toa, estrangeiros, escravos,
crianças e mendigos são os principais beneficiários da festa.

“Não surpreende, pois, que o Natal e o Ano Novo (seu duplo) sejam festas de presentes: a
festa dos mortos é, na essência, a festa dos outros, visto que o fato de ser outro é a primeira
imagem aproximada que podemos construir a respeito da morte”
A partir desse contexto, o autor consegue responder às indagações acerca do porquê a figura do
Papai Noel ganha cada dia mais espaço e o porquê disso incomodar a Igreja.
Papai Noel é herdeiro e ao mesmo tempo antítese do Senhor da Desrazão. Essa transformação
indica uma melhora em nossa relação com a morte, porque agora podemos ficar quites com ela sem
precisar permitir temporariamente a subversão da ordem e das leis. Essa relação é regida atualmente
por uma entidade benevolente, podemos ser generosos, oferecer presentes e brinquedos, símbolos.
A Igreja cristã está certa em se preocupar com o paganismo de Papai Noel. O fortalecimento deste é
o enfraquecimento da relação entre mortos e vivos. Diametralmente, esse enfraquecimento mostra
o medo da morte, como representação em termos de empobrecimento, rigidez e privação. O que os
adultos demonstram ao prestigiarem Papai Noel é o desejo de acreditar numa generosidade
irrestrita, gentileza desinteressada, suspensão do receio, da amargura e da inveja. Claro, eles não
podem compartilhar plenamente desta ilusão, mas alimentada nos outros (nas crianças), ela fornece
aquecimento a alma.
Dizer às crianças que o presente vem do além é uma saída para ofertá-los ao além, aos mortos. Mas,
como mostra James Frazer, há uma diferença significativa entre cristãos e pagãos em relação aos
mortos. Os últimos rogam aos mortos, enquanto os primeiros rogam pelos mortos. Todavia, cabe
perguntar se o homem moderno não pode exigir o direito de ser pagão – como ficou entrevisto na
reação dos anticlericalistas ao “racionalismo” da Igreja. Frazer mostra também que algo se perdeu
entre as Saturnais e o Natal da Idade Média. É que o rei das Saturnais remonta a um protótipo
antigo que depois dos excessos da “desrazão” era sacrificado no altar de Deus. Ironicamente, graças
ao clero da cidade de Dijon e a fogueira moderna de Papai Noel, o herói foi totalmente
reconstruído depois de um hiato de milênios.

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