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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ERGONOMIA

(Pós-Graduação Lato Sensu - 540 hs)

APOSTILA
FUNDAÇÃO COPPETEC
GRUPO DE ERGONOMIA E NOVAS TECNOLOGIAS

ERGONOMIA COGNITIVA
Prof. Mario Vidal, D.Ing.

APOIOS
PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO - COPPE/UFRJ
PROGRAMA DE ENGENHARIA MECÂNICA - COPPE
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA INDUSTRIAL - EE/UFRJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA - FAU/UFRJ
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ERGONOMIA - ABERGO
PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRAS
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Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal

Porque ergonomia cognitiva........................................................................................................ 3


1.1. Necessidade da Ergonomia cognitiva................................................................................ 3
1.2. Praticidade ....................................................................................................................... 6
1.3. Utilidade .......................................................................................................................... 6
1.4. A carga mental de trabalho............................................................................................... 7
Dois exemplos Concretos : TMI e TAM ..................................................................................... 7
1.5. O acidente da Usina Nuclear de Three Miles Island (USA) ............................................... 7
1.6. O vôo 402 da TAM........................................................................................................ 10
Fundamentos de Psicologia Cognitiva ....................................................................................... 12
1.7. Processo Cognitivo ........................................................................................................ 12
1.8. Representações .............................................................................................................. 13
1.9. Competência .................................................................................................................. 15
1.10. Raciocínios................................................................................................................... 17
1.11. Conhecimentos............................................................................................................. 18
1.11.1. Os conhecimentos de manuseio.............................................................................. 19
1.11.2. Experiência dos operadores ................................................................................... 19
1.11.3. Partilha de conhecimentos...................................................................................... 20
1.12. Estratégias ................................................................................................................... 21
Confiabilidade e Erro Humano .................................................................................................. 23
1.13. Conceituação de Erro humano..................................................................................... 23
1.14. O modelo de Rasmussen............................................................................................... 24
1.15. O modelo de Reason .................................................................................................... 24
Teoria de sistemas..................................................................................................................... 25
1.16. Conceitos de Base da TS.............................................................................................. 25
1.16.1. O conceito de sistemas........................................................................................... 25
1.16.2. Sistemas, subsistemas e supersistemas.................................................................... 27
1.16.3. Fronteiras .............................................................................................................. 27
1.16.4. Interfaces............................................................................................................... 28
1.16.5. Disfunções............................................................................................................. 28
1.17. Regulação .................................................................................................................... 29
1.17.1. Regulações formais................................................................................................ 30
1.17.2. Regulações estruturais ........................................................................................... 31
Categorias......................................................................................................................... 34
Conceito e Exemplo .......................................................................................................... 34
1.17.3. A análise cognitiva de sistemas de trabalho ............................................................ 35
1.18. Aplicação: Perícia cognitiva.......................................................................................... 36
A Teoria da Atividade............................................................................................................... 37
1.19. Os componentes da atividade ....................................................................................... 37
1.20. Artefatos, sociofatos e mentefatos ................................................................................ 38
1.21. Dos mediadores imediatos aos componentes da atividade ............................................. 39
Exercício Individual .................................................................................................................. 40
Bibliografia básica..................................................................................................................... 40
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Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal

Porque ergonomia cognitiva

Esta apostila se destina à introdução de um importante aspecto da Ergonomia


Contemporânea que é o capítulo da cognição, ou seja, dos aspectos mentais da atividade de
trabalho de pessoas e indivíduos, homens e mulheres, jovens e idosos, operadores e gerentes, sob
o olhar da Ergonomia, consequentemente do ergonomista.

E por que e em que este conteúdo - a cognição - é necessário para uma formação de
Ergonomistas ?

1.1. Necessidade da Ergonomia cognitiva


Responder a pergunta acima formulada requer considerações em ao menos três planos :
filosófico, social e tecnológico.

No plano filosófico é importante conhecer a dimensão cognitiva em uma situação


profissional, uma vez que o olhar do ergonomista não pode se contentar a entender os processos
de trabalho apenas em seus aspectos físicos. Por exemplo, um operador em sala de controle, em
certas circunstâncias, realiza poucos movimentos físicos, o que não nos permite dizer que seu
trabalho esteja sendo pouco ou irrelevante.

No plano social o estudo cognitivo se insere numa superação da concepção clássica que
propõe uma divisão entre trabalho manual e trabalho mental. Na verdade é possível demonstrar
que os trabalhadores realizam no seu escopo de atividade muitas das funções “cientificas” da
gerência a que se referenciava Taylor: planejamento, análise, controle, gestão, diagnóstico e
coordenação Os exemplos são muitos: uma operadora de linha de montagem eletrônica modifica
a disposição de escaninhos de peças para tornar-se mais ágil (ela replaneja seu trabalho), um
pedreiro para um minuto antes de começar a quebrar uma parede ( ele analisa o objeto de
trabalho), uma comerciária ajuda a cliente a escolher um vestido (ela passa em revista mental o
que existe no estoque, ou seja realiza o controle de estoques), a empregada doméstica “inventa”
uma refeição com a disponibilidade da despensa do dia (ela faz a gestão da penúria), o mecânico
observa sinais do veículo e examina algumas partes do motor (ele faz um diagnóstico do
problema), uma equipe portuária se distribui entre o convés e o cais para ajudar ao manobrista do
guindaste na movimentação de cargas (existe uma coordenação para o sucesso da empreitada) e
assim por diante

No plano tecnológico os estudos de cognição se explicam pela evolução das tarefas


profissionais. Com o advento da automação industrial e comercial, com a incorporação da
programação nos objetos de uso quotidiano, arriscaria-me a dizer que nos tornamos todos
programadores de alguma coisa para muitos atos básicos da vida, como esquentar um prato de
comida, falar com a pessoa amada e distante ou produzir esta apostila. A tecnologia incorporada à
vida moderna faz muitas suposições acerca da forma como pensamos e isso precisa ser bem
entendido para que possamos alcançar bons resultados e ai está a contribuição da Ergonomia.

A maioria dos antigos manuais norte-americanos de ergonomia clássica, destinados aos


construtores de máquinas e equipamentos, aborda as informações que o operador deve perceber
para realizar sua tarefa, do ponto de vista da forma de apresentação (visual, auditiva, pictórica,
etc.) Esta abundante literatura se originou nos estudos de aviação militar onde os ergonomistas
estavam preocupados em evitar os erros dos pilotos, cada vez mais submersos em milhares de
códigos e informações codificadas. Da aviação, o bastão foi passado aos ergonomistas envolvidos
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na concepção dos grandes quadros sinóticos destinados às salas de controle de processos


químicos (instalações químicas, refinarias, produção energética, particularmente nuclear). Mais
recentemente estes estudiosos se voltam para os problemas imputados pela centralização de
informações nos terminais como o que citamos no início do texto.

Assim nestes casos clássicos de correção ergonômica de postos de trabalho nos


contentávamos com uma adequação higiênica do posto de trabalho - ambiente bem ajustado, boa
forma de apresentação de informações através de displays, e disposição correta dos controles,
manivelas, teclados, e manoplas de forma a que os operadores pudessem acioná-los sem
constrangimentos posturais. Estas situações foram as mais estudadas em Ergonomia em seus
primórdios, e continuam sendo essenciais, tanto que esses se constituíram nos primeiros
conteúdos do CESERG. Isto porém não basta, e é porque entramos agora no campo da cognição,
do estudo do pensamento humano, operacional, que esta presente em toda a atividade humana,
seja ela quebrar uma parede, fritar um ovo ou controlar um refino de petróleo.

Entendamo-nos melhor. O Ergonomista é um agente de mudanças na empresa e isso


requer um movimento de propostas de transformação. Nesse movimento apreende-se a
importância dos atos de pensamento do trabalhador na consecução de suas tarefas, o que os
filósofos gregos já discutiam no início do tempos. Com isso, apreendemos que os trabalhadores
não são apenas simples executantes de tarefas, são pessoas capazes de detectar sinais e indícios
importantes, são operadores competentes e são organizados entre si para trabalhar. E que, nesse
contexto, podem até cometem erros

Errar é humano ! Mas...de quem é o erro ? Que erro é esse ? Como é que se produziu e
como evitá-lo? E mais, como conviver com erros sem prejudicar as pessoas, as instalações e o
negócio ? São questões para as quais a Ergonomia Cognitiva tenta produzir elementos de
respostas tecnológicas e gerenciais.

Esses elementos de resposta projetual partem de três premissas básicas e sine qua non:

(a) como fundamento técnico a rejeição do absurdo que é projetar um sistema de produção
a custos vultosos onde as decisões operacionais chaves estejam na dependência de
operadores colocados diante de um quadro complexo, do qual não têm os elementos
necessários e que se encontram num contexto de elevada solicitação e carga de trabalho.
Tão mais complexo e perigoso seja o sistema, tanto mais os operadores devem estar
aptos para tomar a boa decisão nos bons momentos. Esta aptidão deve estar nas pessoas
(formação) nos sistemas (tecnologia) mas sobretudo nas interfaces entre uns e outros
(Ergonomia) ;
(b) como fundamento ético a premissa de que os trabalhadores nem se caracterizem como
insanos suicidas capazes de realizarem atos absurdos que lhes custe a própria integridade
física, mental e espiritual e tampouco como sórdidos sabotadores dos engenhos físicos e
sociais que constituem uma dada tecnologia de produção. Nesse sentido a Ergonomia
pode desapaixonar a questão do êrro humano contribuindo com elementos decisivos para
uma perícia eficaz;
(c) Com fundamento moral, a crença de que as pessoas tentam cumprir seu contrato de
trabalho nas situações de trabalho onde se encontram e , exatamente por isso, cabe aos
projetistas assegurar uma situação de trabalho correta. A Ergonomia nesse sentido é
indispensável para um bom projeto destas situações, começando por ser capaz de
apontar algumas falhas.
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O desejo da Ergonomia é que se a atividade de trabalho se exerce em situações


inadequadas, devemos cuidar desta inadequação tornando o trabalho adequado ao operador.
Tudo isso pode ser viabilizado mediante o estudo ergonômico do ponto de vista cognitivo que
será posteriormente complementado pelos estudos do campo físico da atividade. Assim sendo,
falar da atividade do ponto de vista cognitivo não significa dissociar o ser humano de sua holística
pessoal, nem ignorar outras dimensões da atividade como o engajamento do corpo, ou desprezar
as contingências organizacionais e sociais, que serão estudadas mais adiante. Estamos aqui
promovendo um foco numa determinada categorias de fatos que assim enunciamos: para realizar
suas tarefas, num dado contexto, os operadores de forma individual ou coletiva, engendram
raciocínios para tomar as boas decisões. Se considerarmos que estes operadores estão bem
treinados, conhecem as rotinas básicas e dispõem da experiência mínima para contornar
imprevistos, então nada de maior gravidade deverá acontecer, as boas decisões serão tomadas e,
nem caberá falar de ergonomia, a não ser para exportar o sucesso para situações análogas

Entretanto se as coisas não acontecem assim, se existem decisões operacionais tomadas


que não foram boas, se erros aconteceram e tiveram uma repercussão negativa, se a carga de
trabalho for tal que ocasione stress, afastamentos e doenças, se a segurança se apresentar com
possibilidades indesejáveis de risco, se a eficiência requerer ser melhorada, então a Ergonomia
Cognitiva pode ajudar muito – diríamos até que se torna uma disciplina essencial para o projeto
de engenharia.

Leiamos o que nos escreve Maurice de Montmollin, um dos grandes autores da Ergonomia
Cognitiva:
Vamos imaginar um trabalhador diante de um terminal numa refinaria. Seu trabalho
consiste em monitorar, através do sistema de instrumentação, o andamento do processo de
refino e, se necessário, fazer as regulações necessárias, ou seja acionar os dispositivos
adequados, através do sistema de controle. Como uma refinaria não pode parar, ela funciona
em turnos de trabalho e não esqueçamos, ali são processados materiais combustíveis de alto
risco. O terminal em foco, permite monitorar pela tela de vídeo o processo e agir através de
comandos do teclado do terminal.

O nosso trabalhador tem dor nas costas. Um Ergonomista sabe muitas coisas sobre
costas. Ele pode ajudar a conceber cadeiras melhor adaptadas à atividade. O mesmo
trabalhador tem dores de cabeça. O Ergonomista sabe muitas coisas sobre os olhos e a visão.
Ele pode ajudar a projetar monitores menos ofuscantes. O trabalhador está cansado, pois já
está diante do computador há mais de seis horas e ele já tem uma certa idade. O Ergonomista
sabe bastante coisas sobre os efeitos da duração do trabalho sobre o organismo humano. Ele
pode ajudar a organizar melhor os turnos e as pausas.

Mas isso não é tudo. Este trabalhador não está sentado ali, sem fazer nada: ele exerce
uma atividade. Ele percebe e interpreta as informações que aparecem no monitor e tenta
resolver os problemas que aparecem. Por vezes ele comete erros, freqüentemente se comunica
com outros colegas da sala e de campo. O ergonomista pode aprender, através da análise de
sua atividade, muitas coisas sobre os raciocínios empregados por este trabalhador. Ele pode,
então, ajudar a melhor apresentar as informações no monitor, a melhor formular os problemas
de diagnóstico e de regulação da planta, a conceber uma organização mais condizente com as
necessidades de períodos calmos e períodos perturbados, a estruturar uma formação e um
treinamento mais adequados, a estabelecer meios e métodos de comunicação entre as pessoas.
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1.2. Praticidade

O grande perigo do campo cognitivo é seu aspecto fortemente abstrato, na medida que
não vemos o pensamento em si, mas apenas indícios de sua existência nos atos das pessoas. E Por
essa mesma razão é um campo fértil para mistificações e deturpações, como um recente comercial
onde uma empresa apresenta um computador que pensa, numa propaganda enganosa.1

Muitos cientistas e engenheiros buscaram o desenvolvimento de mecanismos e


dispositivos lógicos capazes de reproduzir esta estrutura em sistemas mais ou menos complexos
através de mecanismos de captação de sinais do ambiente (sensores) e dispositivos capazes de
produzir as respostas adequadas. Os relativos insucessos dessa corrente chamada de Inteligência
Artificial e alguns de seus espetaculares fracassos (explosão da Chalenger, queda do vôo 402 da
TAM, etc.) vem criando uma alternativa que são o desenvolvimento de assistentes, onde os
operadores tem a possibilidade de um sistema que os auxilie nas tarefas cognitivas e com isso
possam tomar as boas decisões nos momentos certos.
Os assistentes mais freqüentes tem sido os bancos de dados iterativos, como por exemplo
os que auxiliam uma busca por palavra chave, ou alguma outra variável de entrada. Na
computação gráfica é cada vez mais freqüente o desenvolvimento de programas de assistência à
configuração de layouts gráficos. Poderíamos fazer uma longa lista, mas preferimos sublinhar o
que esses programas tem tido de positivo no campo da Ergonomia cognitiva: eles aceitaram o
fato de que as pessoas tem um pensamento, capacidade de raciocinar e tomar decisões, como por
exemplo fazer uma escolha entre possibilidades que lhes são ofertadas

1.3. Utilidade

A Ergonomia Cognitiva tem como assunto a mobilização operatória das capacidades


mentais do ser humano em situação de trabalho. A mente humana, a inteligência, a competência, a
formação, são assuntos de que se sabe pouco, tanto que é tema de pesquisa nas principais
universidades e centros de pesquisa em todo o mundo e se erige em problemas tecnológicos que
ocupam os principais centros de desenvolvimento das grandes empresas tecnológicas do planeta.
Assim o que veremos é o que sabemos até o presente e até onde nos foi dado saber. Trata-se de
um capitulo que devera ser objeto de uma constante renovação e atualização, com toda a certeza.
Mas é igualmente um capitulo indispensável para qualquer tratado, livro ou formação em
Ergonomia em seu sentido pleno. E que deve observar, num programa mínimo:

• Inovações nos equipamentos, sobretudo que no que tange à usabilidade das


interfaces entre o operador e os equipamentos

1
Esta questão merece uma explicação especialista. O aludido programa se baseia numa técnica matemática
chamada de rede neural que consiste numa lógica que transforma uma matriz em outra mediante certas condições.
Assim pode-se deflagrar um mecanismo que, uma vez reconhecido um quadro de valores, ordene sua
transformação em um outro. Do ponto de vista do processo cognitivo existe aqui tão somente o reconhecimento de
um sinal complexo e sua transformação numa resposta desejada. Isto não caracteriza um pensamento, mas uma
reação comportamental estímulo resposta, bem ao gosto das teorias do reflexo condicionado de Pavlov. Mesmo
sendo um belo avanço tecnológico falar em um computador que pensa é exagerado e extremamente perigoso, se
aplicado em sistemas de controle como refinarias, usinas nucleares e outros processos complexos e perigosos.
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• Confiabilidade humana na condução de processos, prevenindo as conseqüências dos


erros humanos, através da concepção de alarmes (warnings) e de assistentes de ajuda
(wizards)
• Otimização na operação de equipamentos informatizados e seus softwares,
prevenindo seu funcionamento inadequado ou bloqueios (freeze);
• a construção da Formação de novos empregados na implantação de novas
tecnologias e/ou novos sistemas organizacionais;

1.4. A carga mental de trabalho

Para finalizar esta introdução, gostaria de tecer alguns comentários sobre a noção de carga
mental de trabalho. Os esforços de constituição de uma ergonomia cognitiva, quer dizer, de uma
ergonomia que permita compreender a atividade intelectual dos trabalhadores, se chocam com o
esforço de corajosos pesquisadores experimentais para tentar medir a carga mental de trabalho.
Estes estudos laboratoriais acabaram por demonstrar o óbvio: a atividade intelectual é uma
atividade, no sentido de que ela mobiliza o organismo. Mas em termos de carga, o que representa
esta mobilização do organismo? Qual a "quantidade" de atividade intelectual que corresponde a
uma determinada pessoa ?

São perguntas que não tem resposta, ou ainda que admitem qualquer resposta. Esta é a
razão pela qual a ergonomia cognitiva se preocupa menos em medir a carga mental e mais em
melhorar as competências do operador e as condições reais de seu exercício. Em termos técnicos,
procura-se agir sobre os fatores que se relacionam com a carga mental, supondo que a adequação
à pessoa dos fatores causais implique numa adequação da carga.

A questão básica está na discussão entre fenômenos quantitativos e qualitativos. A carga


de trabalho é um fenômeno qualitativo, em que pesem as ilusões quanto às possibilidades de
mensurarmos suas manifestações: Para uma mesma pessoa, esses valores mudam, o que significa
que existem, mas não são equacionáveis. O que não traz problema algum para a análise
ergonômica, cuja finalidade não é obter o numero, mas um resultado em termos de transformação
do trabalho e das condições de trabalho.

Dois exemplos Concretos : TMI e TAM


1.5. O acidente da Usina Nuclear de Three Miles Island (USA)

No dia 28 de março de 1979, às 4 da manhã, se produziu um incidente conhecido nas


central nuclear de Three Miles Island 2, na Pensylvania. Desta vez o incidente evoluiu en acidente
grave. O coração do reator fica a descoberto durante duas horas e meia, perdas materiais
importantes foram registradas e cerca de 144.000 pessoas foram evacuadas da região.

O que aconteceu? Comecemos por um resumo do acidente, observando um esquema do


núcleo da Usina nuclear, representado na figura 1. O reator se compões de tres sistemas: um
sistema primário que se destina à refrigeração, um sistema secundário destinado à circulação de
calor e um circuito terciário de vapor que acina as turbinas para geraçào elétrica.

O tipo de incidente que ali ocorre é o chamado transitório, o que significa uma perda
significativa do fluido de refrigeração no primário. O incidente começa de forma absolutamente
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banal, com um defeito na bomba que alimenta o gerador de vapor com água (1).
Automáticamente o turbo-alternador é bloqueado e as bombas de segurança são ativadas (2). No
tempo requerido pelo circuito de alimentação de segurança para entrar em ação, ocorre uma
breve interrupção do resfriamento e consequente subida da temperatura e pressão do fluido
primário. Ao final de três segundos, é aberta a vávula eletromagnética de desafogamento - uma
vávula de descarga chamada de PORV, Pressure Operate Relief Valve (3) - para evacuar esta
pressão. A descarga de pressão aduzida não tendo sido suficiente, em t = 8 seg, ocorre uma
parada devido a que a pressão no primário do reator ultrapassa os limites de tolerância. O
coração do reator se encontrava devido a isto em forte aquecimento e, como procedimento
consequente, provoca-se a queda das barreiras de segurança que interrompem o processo de
fissão nuclear. Em t = 13 seg., a pressão baixa um pouco e o automatismo ordena o fechamento
da válvula PORV. Até aqui, trata-se de uma sequência de operações banais. Para contornar o
incidente, teóricamente bastaria evacuar a potência residual e preparar a nova partida do reator. E
foi isso que fizeram os operadores, já que nada assinalava o contrário.

O problema é que, neste dia, a tal válvula de descarga, na verdade, não se fecha. Na sala
de controle está afixada uma ordem de fechamento e a válvula está indicada como fechada. Na
realidade ela estava deixando escapar 60 ton/h de fluido primário de refrigeração, o qual se
acumula num reservatório no núcleo. Ocorria um incidente catalogado, previsto , o LOCA - Loss
of Collant Accident. A pressão no circuito primário vai, portanto, cair, a tal ponto que em t = 2
mn, o sistema de injeção de segurança HPI - High Pressure Injection Pump (4) - é disparado e
injeta agua sob alta pressão neste circuito.

Neste momento o essencial da atividade dos operadores se voltava para o circuito


secundário. E porquê ? Com efeito, a pane nas bombas do secundário (1) havia provocado a
ativação das bombas de seguranca do circuito secundário (2). Porém ocorria que neste último
circuito (2), as válvulas de guarda haviam ficado fechadas, na sequência de uma simulação
periódica para fins de manutenção e alerta. Significa dizer que o gerador de vapor secou ao cabo
de três minutos e o fluido primário entra em ebulição o que faz a pressão subir. Os operadores se
dão conta em t = 8 s do fechamento das válvulas de guarda e passam a pilotar sua abertura. A
situação se estabiliza em t = 25 mn.

Quando o sistema de injeção de segurança é ativado, os operadores obedecem a uma


norma regulamentar, que é "não perder o colchão de vapor no pressurizador". Ignorando que a
vávula de descarga (3) permanecia aberta, eles cortam a injeção de segurança . HPI, (4) em t = 4
mn 38 s para não transbordar o circuito primário com água liquida e, desta forma, atender à
norma de manter a pressão.

A partir deste momento, a água primária perdida pela brecha em que constituia a PORV
não fechada (3) não mais é compensada. O coração fica progressivamente a descoberto, ou seja
cria-se um efeito de radiador, e a sua temperatura interna sobe a um ponto que o calor residual se
iguala ao calor específico. Apenas em t = 2 h 22 mn que a brecha no circuito é dedectada e uma
vávula de guarda é, então, fechada no circuito de descarga ( para além de (3). O incidente criado,
o primeiro diagnóstico preciso do problema somente foi obtido em t = 13 h, portanto mais de dez
horas depois da dedecção da falha. No entanto, muita água primária havia sido perdida, e foram
necessárias dezesseis longas horas para restabelecer a normalidade do processo.

O relatório pericial concluiu que os operadores cometeram um erro ao cortarem a injeção


de seguranca em t = 4 mn 38 s. De fato, trata-se de um caso típico de erro retropsectivo, quer
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dizer, um erro que pode ser reconstituído tal qual, obedecendo à estrita cronologia dos fatos. Este
erro foi considerado capital pela maioria dos comentadores do episódio:

Figura 1 - Esquema de um reator nuclear

Mas... foi mesmo um erro ?

Durante as duas primeiras horas do acidente, os operadores não sabiam - e nem tinham
como saber - que existia uma brecha no circuito primário:
ð a válvula de descarga é indicada como fechada;
ð não existe indicador do nível geral de fluído no circuito primário; os operadores
pensavam - tinham todas as razões para pensar - que o circuito primário estivesse
cheio de refrigerante, quando na verdade estava com uma mistura de água e vapor
plena de bolhas. Eles não compreenderam que estavam em LOCA. UM diretor da
usina comentou que um tal indicador seria caro e dificil de fabricar.
ð o nível do reservatório que recebe o fluido primário está localizado no outro
lado do quadro de comando (sinótico), atrás da área onde a operação é feita na
mior parte do tempo. Sem suspeita de escape, não existe nenhuma razão para que
os operadores consultem aquela informação.
ð A temperatura da linha de descarga estava mais alta do que habitualmente,
porém os operadores sabem que esta informação não é confiável, já que os
operadores sabem que existe uma ligeira perda depois de muito tempo; Esta
temperatura foi interpretada como sendo devida ao calor residual e portanto nada
mais que um pico passageiro;
ð O nível indicado pelo pressurizador se estabiliza em t = 10 mn. Os operadores
pensam ter recuperado o incidente, mas este parâmetro havia perdido o sentido, já
que o fluido no pressurizador era, na verdade, uma mistura bifásica água-vapor;
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ð A indicação da pressão do núcleo do reator é de baixa, conquanto a indicação da


pressão do pressurizador acusa alta. Os operadores que sempre viram as duas
pressões se correlacionarem, concluem que a indicação do núcleo deve estar
quebrada; acreditando na indicação do pressurizador - em alta - fecham-no;
ð Os alarmes não são utilizáveis: as impressoras ejetam mais de 100 por minuto (
a impressão não se faz em tempo real) antes de quebrar;
ð A sala de controle se enche de engenheiros. Nenhum deles observa o circuito
primário;
ð Isto tudo se passa à 4 horas da manhã, num momento onde o organismo
apresenta um certo estado de desativação relativa.

O mais importante desta análise é que as diversas indicações produzidas pela instrumentação
da usina, não invalidavam o diagnóstico inicial (descarga e fechamento do primário para estabilizar o
secundário). Todas estas informações, examinadas à luz deste diagnóstico, autorizavam os operadores
a executar todas as ações de controle, ações válidas e aparentemente eficazes, mas que agravaram o
incidente e produziram o acidente.

Um importante analista, Charles Perrow, assim sintetizou, numa magistral avaliação do


acidente:
(...) A Comissão Presidencial [para fazer uma auditoria acerca deste
acidente](...)concluiu, quanto aos operadores que havia uma falha severa de
formação , já que eles não tinham feito o diagnóstico de LOCA, tinham
esquecido o perigo de privar um núcleo de fluido refrigerante, e os monitores
dos indicadores deveriam ter davertido que os operadores de TMI 2 estavam
em LOCA.
Consideremos a situação: 110 alarmes tocando, indicadores essenciais
inacessíveis e funcionando mal, etiquetas indicando os próximos consertos
cobriam os vistosos luminosos dos indicadores próximos, a impressão dos
relatórios estava com defasagem de 90 minutos, a sala se enchendo de peritos
e superiores, diversas partes do equipamento estavam desativadas ou
repentinamente fora de uso. Diante desses fatos a conclusão de uma grande
deficiência de treinamento parece ser produto de um grande preconceito e
desvia nosso olhar do caráter altamente provável deste incidente, mesmo que o
treinamento fosse tivesse sido conveniente.
(...) podemos concluir que o erro dos operadores foi não terem sido capazes de
superar completamente o caráter complexo e inadequado do equipamento que
deveriam operar.

1.6. O vôo 402 da TAM

31 de outubro de 1996, pela manhã. Ao chegar de Curitiba no vôo 402, o piloto Armando
Luiza Barbosa, da Transporte Aéreos de Marília, a TAM, passou o comando ao seu colega Jose
Antonio Moreno e mencionou que haveria uma pane no ATS, um dispositivo automático de
aceleração das turbinas, considerada uma coisa pequena. Nestes casos, bastaria comandar
manualmente a aceleração das turbinas para que o defeito no ATS fosse compensado. Isso é algo
que os pilotos sabem fazer, sem problemas.

Moreno e seu co-piloto Ricardo Martins efetivamente ouviram tres alarmes acerca do que
supunham ser o ATS e, nesse quadro, ignoraram o sinal, como é comum na operação de sistemas
complexos. Eles chegaram a brincar (veja quadro). Mas um segundo fato aconteceu: Um dos
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manetes, ( controles que permitem controlar manualmente as turbinas ) recuou num forte tranco,
o que indicaria que a trubina estva trabalhando de forma reversa, freiando, ao invés de acelerar.

Mas não foi isso que os pilotos pensaram. Para eles o defeito era no ATS e não no
reversor da turbina, que, incidentalmente acionado, havia produzido o tranco. Porém como este
reversor estava com uma pane séria, rapidamente retoornou à sua posição normal, o que liberou o
manete. Para os pilotos era a confirmação do problema da pane no ATS. O piloto seguiu na
tentativa de decolagem e o co-piloto tentou corrigir o defeito. O Fokker F-100 tem tres botões
pelos quais se desativa o ATS, passando para manual. Como não era esse o defeito, o ATS não se
desativava. Ë possivel que o manete tenha sido acionado “na marra” já que o problema não se
resolvia. So que o problema não era no ATS.

O problema estava no reversor da turbina, que abriu-se e fechou por três vezes,
terminando por ficar em posição aberta, o que produz uma contra-aceleração. O avião perdeu o
controle a vários outros indicadores apareceram: o manche – espécie de volante que controla as
manobras da aeronave - começou a vibrar intensamente. O cabo pelo qual o manete aciona o
motor rompeu-se. O avião, sem potência de decolagem adernou para 40 graus à direita, depois
para 90 graus e bateu.

Erros? Culpas? Bem, há uma regra internacional de pilotagem que estabelece que não se
resolvem panes em baixa altitude – quer dizer em início de decolagem e em final de aterrissagem.
Porque teriam os tripulantes agido desta forma, supondo ser acitavel a idéia que também não
desejassem morrer ?

Interlocutor Frase ou sinal Situação


Alarme Bléém Avião se dirigindo para a
pista
Piloto Scacaneando logo no começo ?
Co-Piloto Nem saímos do chão !!
Alarme Bléém Avião iniciando a impulsão
Piloto Ei! É isso que está for a ?
Alarme Bléém, Bléem Avião a 64 km/h
Co-Piloto V1
Manete direito Clanc! Avião em início de
decolagem
Co-piloto Travou !
Piloto Desliga lá em cima. Puxa aqui ! Avião perdendo altitude
Piloto Desliga lá em cima. Aqui também!
Co-piloto Tá off. Tá off! Avião for a de controle
Piloto Ai meu Deus !
Alarme Don’t sink Avião em queda.
Quadro 1. Diálogo recuperado a partir da caixa preta do FOKKER-100, voo 402 da TAM.
Fonte: Revista VEJA de 02/03/97

Uma série de hipóteses podem ser levantadas, mas podemos fazê-las convergir para os
problemas de uma insuficiencia da engenharia no plano cognitivo do sistema projetado. O projeto
original do Fokker-100 previa um alarme triplo – que assinala falha grave – acrescido de uma luz
amarela na cabine para indicar problemas no reversor. Porem os calculos de confibilidade
indicaram ser impossível a pane na decolagem, e os larmes somente são ativados a partir de 360
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km/h – e os calculos indicam que o vôo 402 mal chegou a 262 km/h. Não havia nenhuma
indicação disponível na cabine acerca da pane em curso. Assim sendo os pilotos se mantiveram
no registro de falha no ATS, e não cogitaram de uma falha no reversor.

Mas porque os piltotos não conseguiram sequer pensar em uma falha no reversor? Será
que o treinamento deles foi insuficiente? Segundo a VEJA de 5 de março de 1997, o treinamento
incial dos pilotos da companhia se deu sobre um Boeing 737 e sabiam enfrentar o defeito naquela
aeronave. A confiança dos engenheiros da Fokker nos seus cálculos era tanta que o tratamento
deste problema sequer constava do treinamento para o Fokker 100. Fontes ligadas à TAM
afirmam que isto foi oficialmente confirmado pela própria Fokker à TAM em 28 de agosto de
1995.

Claro que muitas outras coisas poderão ainda vir ainda à tona neste caso. Mas o pouco
que vimos já nos indica o nosso assunto: as necessidades congnitivas da tripulação não estavam
sendo atendidas nem com o material disponível e nem com o treinamento acerca do mesmo.

Fundamentos de Psicologia Cognitiva


1.7. Processo Cognitivo

A figura abaixo esquematiza o processo cognitivo. Em termos cognitivos o ser humano


transforma as informações de natureza física em informações de natureza simbólica e a partir
desta em ações sobre as interfaces. Sua concepção nos é trazida pelo campo das ciências
cognitivas, que visa ao estudo do conhecimento virtual, ou seja , foca o conjunto das condições
estruturais e funcionais mínimas que permitem perceber, se representar, recuperar e usar a
informação. (Tiberghien).

Processo perceptivo

Sinal Detecção Identificação Interpretação Decisão Ação

Memória de Mensagens
curto prazo
Regras e registros Processo Cognitivo
Memória de
Gestos e mvimentos
longo Prazo Processo Motor

Figura 1 : Processo perceptivo, cognitivo e motor (Gagné, 1966, modificado por Vidal, 2000)

A ergonomia tem uma interdisciplinaridade com as ciências cognitivas, mas não é a mesma
coisa. As ciências cognitivas tem como foco e objetivo estudar a capacidade e os processos de
formação e produção de conhecimento em sistemas em geral, sejam eles naturais ou artificiais
(humanos, formigas…) ou artificiais. Já a ergonomia se alimenta de estudos de inteligência natural
e busca trazê-los para a tecnologia de interfaces homem-máquina .
Card, Moran e Newell (1983) propuseram um modelo de processador humano a partir de
Gagné segundo o qual a pessoa dispõe de processadores perceptivos, cognitivos e motores, em
interação com as memórias a longo prazo e as memórias operativas (figura 18).
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Figura 2 : O modelo de processador Humano ( Card, Moran e Newell , 1983)

Os processadores têm capacidade de resposta numa faixa de 50 a 100 mseg, o tempo de


deslocamento de um cursor na tela do micro, de uma lembrança ou de um gesto reflexo. As
memórias a curto e longo prazo são hierarquizadas e são feitas distinções nas memórias
operativas em memórias sensoriais (visuais, acústicas, táteis, olfativas, gustativas) e as demais
memorizações a curto prazo (um movimento do braço ou da perna, um passo de dança...). Já as
memórias a longo prazo se subdividem em:
• memória semânticas (de significados),
• episódicas (de momentos e passagens da vida),
• declarativas (capazes de repetir uma definição de Ergonomia) e
• procedurais (capazes de reproduzir um procedimento).

1.8. Representações
O estudo do aspecto mental das atividades de trabalho um pouco mais complexo do que
nos mostra o modelo genérico apresentado. No entanto podemos enunciar um princípio elementar
da cognição : As pessoas criam modelos (representações) para compreender o seu ambiente -
aqui tomado no sentido geral de situação, contexto, circunstância) e então funcionam de acordo
com estes modelos.

Tomemos como exemplo uma experiência com estudantes que nunca chegaram a
programar um computador e a quem pedimos que faça uma mala direta com convite padrão, lista
de convidados, e visualização do resultado de cada convite. Por precaução experimental,
retiramos o gerenciador de mala direta do aplicativo de texto instalado no computador
experimental. Esse estudantes :
- dada a representação social do computador como uma máquina inteligente, plena
de recursos, comportaram-se de acordo com este modelo (representação)
- nenhum deles teve o cuidado de ler o manual que lhes foi disponibilizado
- não distinguiram os papeis de programador, usuário e dos recursos disponíveis na
máquina. Todos ligaram o computador e passaram a procurar um programa
supostamente instalado no micro ;
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- poucos perceberam a diferença entre o sistema operacional (no caso o Windows)


o editor (no caso o Office) e o aplicativo (gerenciador de mala direta )
- Nenhum conseguiu realizar a tarefa (seria necessário pedir a instalação do
aplicativo e ninguém o fez)

As representações servem para estabelecer conceitos (idéias sobre as quais a realização da


tarefa se baseia) a resolver problemas e a mobilizar os conhecimentos (encontrá-los na memória a
longo prazo e aplicá-los no caso em questão ). Assim sendo o processador cognitivo funciona em
três estágios combinados : a exploração cognitiva do campo de trabalho (busca de sinais, exame
do ambiente etc.) e sua associação perceptiva dos sinais na memória operacional, o
reconhecimento ( busca e recuperação das ações decididas na memória a longo termo e ativação
( ignição em paralelo das ações selecionadas). Tudo isso se passa num ciclo de cerca de 70 mseg.
A combinação entre estágios se dá sob a forma de interação (como se as partes estivessem
conversando) e integração (as partes agem tanto em seu campo, como de forma combinada
produzindo eventualmente efeitos de sinergia).
Os processos cognitivos podem ser classificados em três categorias : algorítmicos,
heurísticos e mistos. Os processos algorítmicos são caracterizados por uma estrutura bem definida
do problema e por um equacionamento passo-a-passo e com possibilidade de conhece-los todos
antes mesmo de começar. A maior parte dos procedimentos organizacionais se baseia neste tipo
de conduta. Um exemplo algorítmico notável é o check-list de partida de aviões. Os processos
heurísticos ( do grego heureka = encontrar) acontece explicitamente nas tentativas de solucionar
uma classe de problemas para os quais não se tem um método geral de solução. Ai reside a maior
diferença entre ambos : um algoritmo devera sempre chegar ao seu termo com sucesso,
conquanto um processo heurístico pode fracassar. Os processos mistos se aproximam muito da
realidade da maioria dos casos, quando existem alguns elementos sob controle, cabendo uma
conduta algoritmizada (dentro das normas, dos regulamentos, dos procedimentos padrão e assim
por diante) e outros fora desta faixa, cabendo procedimentos heurísticos.

Representação como Representação como


Interação
Ocorrência Matriz Pessoal

Elementos selecionados do Estrutura de interpretação


Contexto da ação própria ao indivíduo
Integração

Representação como
Construção

Base de orientação cognitiva


para as ações

Figura 3 : Classes de Representação (Le Ny, 1990, apud Daniellou, 1991)

A existência destas situações mistas é devida à variabilidade dos processos de trabalho e é


o que levou J. Leplat a estabelecer a diferença entre tarefa e atividade ( a tarefa sendo passível de
algoritmo, a atividade possuindo componentes heurísticos). Esta noção foi complementada por
Alain Wisner, que propôs os termos de trabalho prescrito e trabalho real, onde se assinala a
origem organizacional da diferença entre tarefa e atividade.
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1.9. Competência

Existe hoje, com a introdução das chamadas novas tecnologias, uma contradição a que
estão confrontados os gerentes industriais. A automação crescente dos processos e mesmo de
certos equipamentos exige operadores que resolvam problemas de natureza "intelectual", mesmo
os que poderiam ser considerados como de menor qualificação. Isto significa que muitas tarefas
dependem mais do raciocínio do que da disposição e engajamento físico. Estes últimos, em certos
casos, podendo vir a ser até irrelevantes, a princípio.

A microeletronica suprimiu, na prática, a divisão oficial entre engenheiros e técnicos -


detentores de conhecimentos que permitem diagnósticos e intervenções em casos de incidentes
técnicos excepcionais - e os operadores de máquinas - a princípio simples executantes aos quais
são atribuídas apenas tarefas rotineiras. O problema é que as rotinas também estão automatizadas
e o que não foi possível ser incluído nos programas é algo inesperado, excepcional e, por aí
mesmo, algo novo e que não foi objeto da reflexão que acompanha o ato de projetar. Nesse
sentido não se exige do operador que siga cegamente as regras de manuseio, mas que ele "use a
cabeça", ou seja que ele seja inteligente, tão inteligente a ponto de resolver os atuais problemas
rotineiros ...

A contradição, pois, reside no fato de que este processo leva a exigir do operador que seja
capaz de resolver problemas para os quais não existe solução prevista, sem lhe forncer as
informações necessárias, a formação e a responsabilidade que lhe permitiriam tratar do problema
(e frequentemente nenhuma contrapartida salarial significativa para essa nova qualificação
requerida...). Parece que não se consegue imaginar nenhuma situação entre a ignorância do
funcionário e a ciência do engenheiro. Sonha-se em continuar a dispor das vantagens de
operadores experientes e safos, experiências e sagacidades obtidas com a vivência do trato de
situações rotineiras, mas não se sublinha o fato de que não existem mais situações rotineiras.
Como, então, esperar que estes operadores possam, com este currículo de habilidades rotineiras,
fazer frente a classes de incidentes para os quais não existem respostas rotineiras. Eis o paradoxo!

Esta contradição é observável em indústrias de processamento contínuo (energia nuclear,


refinarias, fabricas de cimento, determinados segmentos da siderurgia, etc.) e em alguns processos
sequenciais (linhas de embalagem, linhas de montagem robotizadas, etc.). A tarefa dos operadores
(de todos e não apenas do pessoal de manutenção) tem como elemento básico a prevenção de
incidentes que perturbem o andamento normal do processo ou da etapa de produção onde
trabalham - antecipação - ou, quando isto não é mais possível, de tentar fazer o processo retornar
ao normal - recuperação. Estes incidentes consistem em paradas ou panes de instrumentação e
controle, em perturbações cuja evolução pode se tornar rápidamente perigosa ( elevação de
temperatura em gradiente elevado) ou altamente custosa ( brecha de circuito em geração de
energia nuclear).

Estes tipos de intervenção são tarefas que se compõem da realização de um diagnóstico (


o que pode estar acontecendo com o sistema?) e da resolução de um problema (o que devo fazer
para corrigir o rumo que o sistema está tomando?). Os operadores têm de realizá-la mobilizando
conhecimentos e raciocínios para os quais eles receberam uma formação quase sempre limitada e
que a hierarquia desconhece ou não reconhece. Esta experiência operária se constitue, muitas
vezes, no complemento indispensável para uma cultura técnica oficial bastante aquém das
necessidades da operação confiável, segura e produtiva dos sistemas. Ela tem como implicações
frequentes a multiplicação de incidentes, de fadiga e de frustrações diversas.
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A ergonomia cognitiva pode ajudar a superar esta contradição, gerando instrumentos de


análise do que é e do que pode vir a ser a competência dos operadores, pessoas ou indivíduos
reais, o que permite definir um pouco melhor as tarefas, a organização do trabalho e o conteúdo
das formações.

Entenda-se esta competência como sendo a articulação:


ð de conhecimentos, representações operativas de leis e de estruturas que dizem respeito
aos aparelhos e aos fenômenos que neles ocorrem, assim como as regras que permitem
usá-los e manuseá-los;
ð de saber-fazer, advindos da experiência, algo menos formalizado que os conhecimentos,
porém mais imediatamente mobilizáveis;
ð de modos de raciocínio, operações de tratamento de informações que surgem no curso
das ações de trabalho, por exemplo na etapa de diagnóstico;
ð de estratégias cognitivas, organização num patamar superior de condutas inteligentes.

Os raciocínios representam a dimensão "viva" da atividade mental do operador. Os


conhecimentos, que incluem os raciocínios estabilizados em métodos e algoritmos de pensamento,
estão estocados na memória do operador e são mobilizados quando é preciso (sem trocadilho !), e
sempre com alguns ajustes à situação onde se verifica a necessidade de seu emprego.

Neste contexto a ergonomia não mais se limita à concepção de uma interface otimizada,
válida para quaisquer tipos de interação entre pessoas e o dispositivo, mas, basicamente, à
atividade do operador em si mesma, à sua competência sendo aplicada num processo temporal.
Dentre outras, esta é a razão pela qual os fenômenos relativos à aprendizagem são particularmente
abordáveis por essa corrente contemporânea e situada da Ergonomia: se soubermos o que poder
vir a acontecer para organizar um experimento ou simulação, estes se tornariam dispensáveis...

A ergonomia cognitiva - a ergonomia da atividade do operador competente - está sendo


bastante solicitada nos setores que cuja produção é de caráter contínuo e/ou de estrutura
complexa. É que a quase-catástrofe de Three Miles Islands (USA) e as mais recentes catástrofes
de Bhopal (India) e Tchernobyl (CEI) mostraram a que ponto a atividade dos operadores estava
ponteada de incertezas e de vazios projetuais. No entanto, nos USA tenta-se melhorar a
confiabilidade técnica das interfaces do processo (reveja a parte II deste condensado), conquanto
na Europa a investigação se dá em torno de processos mentais em situação. A combinação de
ambas as perspectivas parece ser promissora.

É necessário que sejam distinguidos dois tipos de situação de trabalho, dentro do vasto
cesto que são as chamadas novas tecnologias, e que vão solicitar operadores inteligentes: a
automação e a informatização.

A automação evoca um processo físico ou químico que funciona de maneira parcialmente


autônoma (uma refinaria de petróleo, ou uma embaladora de sabonetes). O operador, para quem
esse processamento constitue a referência das informações a interpretar, intervem no
funcionamento (parcialmente autonomo) para prevenir problemas (antecipar-se a uma pane) ou
para recuperar um desvio, uma parada ou uma tendência indesejável ( este conjunto de situações
onde as coisas “desandam” chama-se de disfunções2).
2
O conceito de disfunção advém da teoria de sistemas e dá conta de uma realidade não binária, diferente da
situação liga/desliga, sim/não. Um programa está em disfunção, desfunciona, quando ele faz alguma coisa mas
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Na informatização (por exemplo, Mala direta, Cadastro de clientes, Concepção assistida


por computador, etc.), toda a iniciativa está no campo do operador, para quem o computador é
uma ferramenta potente para o tratamento de informações, regido por regras complexas, mas que
não é capaz de fornecer os problemas a resolver, nem é capaz de apreciar uma solução,
comentando-a e tampouco inscreve a atividade em processos temporais, como no caso de
automação, onde o processamento parcialmente autônomo tem uma lógica temporal própria (tal
como uma reação química, o tempo de arrefecimento de uma caldeira, etc.).

Nesta parte do texto serão privilegiados os exemplos de automação, mais características


de uma situação industrial e onde os processos de pensamento podem ser melhor ilustrados. A
ergonomia da informática, às vezes chamada de ergonomia de softwares, será apresentadas na
parte seguinte, embora de maneira mais superficial, uma vez que se reveste de muitas
características técnicas que podem interessar ao profissional que usa este instrumento de trabalho,
sem se esquecer que estas pessoas normalmente continuam com a informática porque já
conseguiram resolver os primeiros problemas e dificuldades deste manuseio, por exemplo ligar o
computador, carregar um programa e gravar os resultados... Uma discussão interessante, e que
pode vir a se tornar uma linha de reflexões é a de pensar o que a informatização pode contribuir
na otimização de sistemas de produção - sobretudo em atividades terciárias - ao invés da
restruturação que acaba sendo imperativa com a chegada de micros, terminais e workstations.

1.10. Raciocínios

Os raciocínios empregados pelos operadores para resolver os problemas de trabalho,


particularmente aqueles relativos ao diagnóstico de panes e de incidentes de produção, tem sido
estudados principalmente a partir de verbalizações provocadas em situação de simulação e, de
forma bem mais rara, fazendo com que o operador narre sua atividade ( "fale" seu trabalho para
que possamos compreendê-lo )3. Pode-se sofisticar ainda mais a metodologia, através da análise
do conteúdo das verbalizações de um operador comentando um vídeo de seu trabalho real. Estas
técnicas permitem que nos conscientizemos que as lógicas da inteligência natural dos operadores
estão bastante distanciadas dos esquemas clássicos da lógica formal matemática em que se
baseiam os programas, aplicativos e, sobretudo seus bugs4.

Os trabalhadores empregam com bastante freqüência diversas variedades de inferências5,


baseadas em analogias e suposições, ao invés das chamadas lógicas fortes, do tipo deduções e

não exatamente o que estaria previsto - erro de programação - ou que esperava - erro de representação do usuário.
Uma boa engenharia de produção tem como metas evitar a disfunção e, ao mesmo tempo evitar a propagação de
suas repercussões consideradas negativas.
3
Na verdade esta situação chamada por Vermesch (1987) de situação de evocação muitas vezes constitui um fato
novo na vida de trabalhadores e por isso mesmo o ergonomista deve se cercar de algumas precauções, a principal
delas é a boa negociação, com honestidade e clareza. Ver VIDAL (1987), Homens trabalhando, Anais do VII
ENEGEP, Niterói, RJ.
4
Bugs, em informatiquês, significa um erro na estrutura do programa, felizmente raro, mas que não se identifica
nem se dá a conhecer a meros usuários. Essa circunstancia angustiante faz com que pessoas tentem corrigir o
problema por métodos digamos heterodoxos que, via de regra, complicam ainda mais o incidente, Em termos
profissionais pode-se tentar quantificar o número de horas perdidas ou tentar avaliar, o que representa para uma
pessoa que escreve um original no computador, perder os últimos dez minutos de criação...
5
A inferência é o tipo de raciocínio onde o conhecimento de uma parte de um objeto lhe “autoriza” a concebê-lo
por inteiro. No nosso cotidiano, usamos a inferência a todo instante, por exemplo na conversa com os outros,
inferimos que nossos ouvintes tenham a capacidade de imaginar o que lhes descrevemos, apesar de isto ser
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conclusões. A semelhança entre uma situação atual e uma situação anterior substitui o
procedimento analítico clássico, que consistiria no exame da interação entre variáveis
(correlações, relações de causa e efeito, covariâncias, etc.). A influência da freqüência de
incidentes sobre o raciocínio dos operadores já foi assinalada por muitos autores. Nesse caso uma
situação que pareça familiar engendra rapidamente uma resposta habitual, que pode não ser a
opção mais adequada. Estas lógicas fracas, porém indispensáveis, tomam a forma de raciocínios
por aglomeração: se A ocorre, então B e C se produzem igualmente, sem que exista referência a
ligações explicativas do tipo causal.

Pode-se observar "atalhos" nos raciocínios o que se explica pela experiência do operador.
Esta espécie de curtos-circuitos de pensamento permitem explicar as consideráveis diferenças de
performance que puderam ser observadas entre operadores oficialmente de baixa qualificação e
técnicos especialistas mas com menor experiência (numa situação de diagnóstico de defeitos numa
linha robotizada de montagem, os primeiros levaram alguns minutos para descobrir e os segundos
quase uma hora). O caso particular da planificação e dos raciocínios antecipativos foi estudado
tanto para as situações de operação de processos como na programação informática. A previsão
do que irá acontecer, ou do que poderia acontecer, obedece às mesmas regras de construção e de
formulação do que a explicação do que foi constatado? Não parece ser o caso, pois trata-se, a
princípio, de suposições e não do resultado de um raciocínio formal, de tipo hipotético-dedutivo.

Em todos os casos evocados até aqui, encontramos as chamadas lógicas naturais, que
desconcertam os engenheiros e, muitas vezes, os surpreendem, e muito. O papel da ergonomia
cognitiva não é, no entanto, transformar operadores em engenheiros ou vice-versa, mas ajudar a
instalar certas modalidades de raciocínio adequadas - até ótimas - para cada situação definida.
Para tanto deve-se levar em conta as exigências da tarefa, em particular a urgência da tomada de
decisão, os riscos existentes - que não são os mesmos numa refinaria e numa fábrica de cimento -
o nível de competência da equipe de operação e as possibilidades práticas de aperfeiçoamento do
sistema de trabalho (das pessoas e dos dispositivos técnicos).

1.11. Conhecimentos

Os psicólogos nos ensinam que é interessante distinguir dois tipos de conhecimentos: os


conhecimentos declarativos, que permitem descrever um sistema ou dispositivo, por exemplo os
circuitos eletrônicos de um computador, e os conhecimentos procedurais, que permitem agir
sobre o sistema ou dispositivo, por exemplo, o procedimento de ajuste de sintonia fina de um
vídeo. Em ergonomia cognitiva uma tal distinção revelou-se bastante cômoda e, hoje, é bastante
comum confrontarmos os conhecimentos que tratam do funcionamento de máquinas com o
conhecimento dos que tratam de sua utilização.

Os conhecimentos declarativos ou de funcionamento permitem estabelecer relações


estáveis, de tipo causal, entre os diferentes componentes do sistema. Eles permitirão, se forem
completos, a explicação de todos os fenômenos que se manifestam naquela máquina ou
dispositivo. Apresentam um grau de generalidade elevado, porém hierarquizado. A lei de OHM,
por exemplo, constitui um conhecimento bastante geral, em contraposição ao conhecimento
particular do funcionamento de um forno elétrico.

impossível sem uma cooperação do ouvinte. A possibilidade de imaginar e a possibilidade de cooperar são
inferências que fazemos, neste caso: Elas podem existir ou não. Se continuamos a falar é que acreditamos que
existam. Como isso se passa de forma inconsciente, fazemos uma inferência.
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É igualmente cômodo distinguir duas categorias de conhecimentos declarativos ou de


funcionamento: aqueles que dizem respeito à máquina e aqueles que se reportam ao sistema
homem-máquina.

Os conhecimentos funcionais de máquinas em si mesmas permitem responder à questão


básica: como é que funciona isto aqui? São conhecimentos essenciais para uma pilotagem
inteligente de uma instalação automatizada, já que as regras de funcionamento do processo devem
ser conhecidas tão exatamente quanto possível no caso em que, como acontece com muita
freqüência, os operadores devem intervir para corrigir disfunções quase sempre inéditas.

Os conhecimentos funcionais relativos à interação homem-máquina tentam responder à


questão subsequente à primeira: Como é que se coloca isto aqui em funcionamento? Eles
introduzem, portanto, as relações entre os diversos comandos e seus efeitos. No caso de um
programa de computador ou software, estes conhecimentos são os únicos acessíveis aos
operadores (que aqui são chamados de usuários), já que os conhecimentos de funcionamento
tanto da máquina como do programa se encontram em outro nível e em outros espaços de
intervenção6. No caso de pilotagem de instalações automatizadas estes conhecimentos se
confundem com as regras de funcionamento do sistema de máquinas.

1.11.1. Os conhecimentos de manuseio

Este tipo específico de conhecimentos permite responder a uma multiplicidade de questões como:
o que é necessário fazer para obter um certo resultado?

Tais conhecimentos podem se reduzir a "macetes" ou "receitas-de-bôlo" ou se


constituírem em listas de instruções altamente elaboradas (Help’s). O que importa é que elas
visam um objetivo prático, uma meta bem definida : conseguir isto ou aquilo. Tais conhecimentos
não possuem nenhum poder explicativo propriamente dito e, nesse sentido, somente permitem
alguma generalização, na base de analogias, constituindo um saber que comporta o risco de
induzir a falsas manobras7.

1.11.2. Experiência dos operadores

A mobilização dos conhecimentos depende bastante da experiência adquirida pelos


operadores em suas vivências profissionais. Esta experiência não se opõe à inexperiência do
novato ( que se tornará um veterano, caso não seja demitido), mas pode colidir de frente com a
"ciência" do "especialista", em geral um engenheiro8.

6
Aqui, DE MONTMOLLIN, dá uma excelente pista para os problemas ergonômicos de equipamentos
informatizados. Se nas situações automatizadas temos algo como uma interface informatizada de instrumentação
e controle, o funcionamento do processo se fundamenta em conhecimentos de funcionamento antigos e que
guardam analogias substantivas com seus ancestrais (por exemplo, a destilaria e o engenho bangüê). estrutura
informática (nesse sentido bastante distinta da informatizada) já foi inteiramente concebida dentro de um
paradigma de divisão técnica e social do trabalho, gerando nesse bojo, relações de dependências agudas, seja das
assistências técnicas, seja dos chamados "suportes". Social e tecnicamente, eis aí um ponto a trabalhar e um dos
entraves maiores para uma maior disseminação desta cultura técnica.
7
Convém relembrar que analogias significam coisas diferentes que possuem parâmetros de comportamento
correlativos.
8
Os grifos são do autor. A questão do status social do engenheiro na França é um assunto bastante mais complexo
do que no Brasil. País onde impera uma forte tradição humanista, porém igualmente berço do Cartesianismo,
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O lugar desta experiência no trabalho é condicionado pelas características do processo


produtivo e das rotinas prescritas. Se o processamento é instável e caprichoso - como nos
processamentos de substâncias orgânicas como na indústria química em geral ou em instalações
com um certo nível de degradação e desgaste técnico - ocorre que as rotinas prescritas apenas
traduzam regras bastante gerais - vale dizer inutilizáveis e inutilizadas - e, nestas circunstâncias, a
informação sobre o andamento de hoje é tratada com referência ao ocorrido de ontem. A
experiência do operador, seu conhecimento da história da unidade produtiva, se torna
indispensável. Se, ao contrário, o processamento é bastante estável e os incidentes raros ou
repetitivos é preferível que as regras prescritas sejam detalhadas e até constrangedoras -
sobretudo se as conseqüências de incidentes mal resolvidos sejam bastante graves, como no caso
de usinas nucleares, de plantas químicas e de refinarias. Nesta última categoria a observância
estrita das regras será preferível à experiência dos operadores. Entretanto, vamos reencontrar a
contradição já assinalada mais acima: no caso de um incidente raro, para o qual não existe
nenhuma regra precisa pôde ser prescrita, o operador que não possuir os conhecimentos
necessários para raciocinar, diagnosticar, corre o risco de não apresentar nenhuma reação
adaptada à circunstância, de não saber o que fazer para enfrentar um problema que não sabe
sequer avaliar a gravidade. Neste caso poderá não dar a devida importância - e depois ser acusado
de negligente - ou exagerar na sua preocupação - e depois ser tachado de paranóico. Seja como
for, este contexto ilustra um problema específico e particular de processos contínuos fortemente
automatizados.

O projetista destes processamentos e o ergonomista se deparam com um dilema que não


admite uma solução trivial: no caso de uma situação de disfunção ( situação engendrada num
processamento em decorrência de incidente(s) na produção) qual o meio-termo entre a
rotinização através de regulamentos e prescrições e a mobilização da experiência dos operadores,
baseada na história vivida da instalação? Não existe uma resposta padrão para isso. Somente uma
análise detalhada do trabalho e do processamento permite estabelecer uma otimização razoável,
considerando tanto os riscos tecnológicos, por um lado, e a formação dos operadores, por outro.

1.11.3. Partilha de conhecimentos

Os conhecimentos, tanto de funcionamento como de utilização, se situam no espaço de


disputa do poder e da apropriação do trabalho pelos diversos atores presentes no chão de fabrica,
na sala de controle, ou no escritório: operadores de diversos níveis hierárquicos, ferramenteiros,
ajustadores, engenheiros, especialistas diversos. As principais confrontações parecem ser as
seguintes:

Conhecimentos aprofundados acerca do funcionamento técnico são privilégio dos


engenheiros, os operadores devendo se contentar com os conhecimentos de utilização.
Em contrapartida, dada esta experiência adquirida, os operadores podem se tornar
insubstituíveis para pilotar as instalações e , de uma maneira geral, para resolver
rapidamente vários dos problemas quotidianos do processamento.

Na prática é impossível que um operador consiga trabalhar de forma eficiente apenas com
os conhecimentos de utilização, uma vez que este conteúdo, separado das noções de
funcionamento implicam na construção de um saber explodido, um mosaico de regras empíricas

gerou-se um fosso imenso entre a formação técnica, de características pragmáticas, e a formação humanista de
características críticas. Este fato marca a geração formada a partir da reconstrução européia do pós-guerra. Este
processo está em profunda mutação na França Contemporânea. Enquanto isso, no Brasil...
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construído a partir de um certo número de incidentes típicos. Com isto dificilmente este operador
poderia tratar um incidente inédito. Isto significa que os operadores que não tenham recebido a
formação adequada buscarão construí-la a partir de seus conhecimentos de utilização. O problema
é que este processo autodidata comporta o risco de construir conhecimentos insuficientes e
mesmo recheado de conteúdos falsos e/ou equivocados.

Os operadores são quase sempre submetidos a pressões de tempo que os obriga a


encontrar soluções rápidas, conquanto os engenheiros e especialistas têm, em geral, o
privilégio do tempo para a reflexão, do direito à ignorância temporária e à dúvida. Em
outros termos, o operador tem a responsabilidade da eficácia e o especialista , da
verdade.

Oposições tão agudas tornariam a vida prática impossível, mas a organização formal se
fundamenta neste confronto. Aqui é uma função do ergonomista analisar os contrastes entre
organização formal e organização real, entre os conhecimentos oficiais e os efetivos. A partir daí
é possível contribuir para a melhoria de competências, particularmente propondo objetos e
objetivos de formação.

Neste ponto existe um grande potencial para o ergonomista, que é a contribuição do


ergonomista para a concepção de sistemas especialistas, ou seja, através da análise do
conhecimento adquirido pelos operadores, é possível gerar dispositivos baseados na inteligência
dos operadores que possibilitem dar assistência aos operadores inteligentes. Esse ponto é
interessante, já que permite unir a ergonomia do componente humano (Human Factors, ou
Ergonomia Clássica) com a Ergonomia da atividade humana (Ergonomics ou Ergonomia
contemporânea).

1.12. Estratégias

Conseguir explicitar os conhecimentos e os modos de raciocínio mobilizados pelos


operadores na atividade de trabalho pode não ser suficiente para explicar seu comportamento, não
inteiramente, em todo caso. Ao longo das horas, dos dias e dos meses, o operador se organiza,
planeja sua atividade, modifica objetivos, interrompe ou persiste na atividade, acelera o ritmo ou
toca seu trabalho de forma mais "mansa", em função das circunstâncias e possibilidades. O termo
estratégias operatórias agrupa estas características da atividade, quase sempre mal conhecidas,
uma vez que é necessária uma observação prolongada e minuciosa da atividade de trabalho. Não
se trata, aqui, de resolução de problemas, mas antes de colocação e gerência de problemas, de
diagnóstico num nível mais amplo, não apenas de uma disfunção isolada ou a partir de um
incidente singular, mas de um contexto, de uma situação de trabalho.

Isto supõe algo como um metaconhecimento, um saber-compreender (para além de um


saber-fazer), a prática de uma cultura técnica específica e local. Um exemplo é o trabalho de
enfermeiras num hospital. Cada uma das tarefas que deve assegurar a boa realização não é
complicada em si mesma, e as enfermeiras com alguma experiência não experimentam a mesma
sensação que um digitador novato diante de um novo programa. Administração de medicamentos,
exames rotineiros, anotações nos boletins médicos, etc. não chegar a causar um enorme pânico no
pessoal hospitalar... Elas devem, contudo, ser capazes de articular o conjunto de tarefas,
administrando, sim, as prioridades e interrupções, a eventualidade de crises em dois, três pacientes
simultâneos, as reações comportamentais diversas dos vários pacientes e parentes, etc. Na mesma
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direção, a análise do orçamento-tempo9 em outras atividades como a atividade agrícola, ou de


professores e executivos, mostra a importância desta organização das atividades, deste
planejamento do tempo.

As estratégias têm à ver com a duração da atividade. Esta auto-organização é


freqüentemente derivada de um planejamento que ordena as ações, e onde o operador tentar
reduzir as perturbações engendradas pela imprevisibilidade dos vários eventos. Este planejamento,
para infelicidade dos chefes e administradores (que ojerizam a imprevisibilidade...) não pode ser
prescrito ao operador, pois os elementos para as decisões de planejamento somente estão ao
alcance do operador e podem mudar até mesmo durante a transmissão destes dados à chefia...

Este conceito de estratégia permitiu evidenciar as regras implícitas de alternância entre


atividades de produção e de controle, o estabelecimento de hierarquias de intervenções, a
articulação entre ações de produção, de prevenção e de recuperação ( é a idéia de regulação
proposta por FAVERGE). Um exemplo clássico é a atividade em minas, onde se pode claramente
distinguir a produção (avanço da escavação), a prevenção (escoramento da galeria) e recuperação
(correção de escoras atingidas por um pequeno desabamento).

Os objetivos gerais que o operador (ou o coletivo de trabalho) se estabelece frente à tarefa
- aqui encarada como uma proposta de atividade - tem um importante papel na estruturação deste
planejamento. Objetivos de quantidade ou de qualidade, economia de energia ou produção,
proteção do sistema ou "retorno" a qualquer custo, terminar uma etapa ou passar o trabalho "no
meio" para a equipe seguinte, são exemplos do que se chama de guias ou balizas da atividade e do
auto-planejamento. Nesse sentido, eles são a chave dos procedimentos de auto-organização e é aí
que se manifestam os elementos da cultura local.

Esta cultura local é um freqüente objeto de uma certa confrontação de desejos. Um bom
exemplo é a chamada cultura de segurança, bastante desejada nas instalações de alto risco. Por
exemplo, os trabalhos já antigos de pesquisadores franceses acerca das atividades de controle de
tráfego aéreo evidenciam que a estratégia destes operadores consiste em mudar de procedimentos
em função do número de aviões a considerar simultaneamente, o que não corresponde à rotina
preestabelecida. Outros pesquisadores mostraram a existência de registros de funcionamento
cognitivo que se alternam desde o tateamento através de tentativas tipo ensaio e erro até
complexos e abstratos raciocínios antecipatórios de acordo com o grau de dificuldade da tarefa
combinado com o nível de aprendizado.

Um tema ainda pouco explorado é o caso da economia de hipóteses de trabalho10. Quando


uma perturbação é assinalada, apresentando vários aspectos como paradas, parâmetros com
valores fora de faixa, alarmes conjuntos, etc., o operador não começa por uma hipótese de
trabalho qualquer, tampouco abandonará suas hipóteses de partida sem um bom motivo. Por

9
O orçamento-tempo é um interessante parâmetro para análise da atividade de pessoas. Tenta-se contabilizar o
emprego do tempo da pessoa. Em alguns casos, essa contabilidade abrange as 24 horas do dia, e nessas
circunstâncias pode-se avaliar o tempo de transporte, de deslocamentos diversos
10
As hipóteses de trabalho se constituem a partir dos pressupostos cognitivos que o operador assume face a uma
disfunção, um incidente ou uma incoerência numa situação de trabalho. Assim, no caso do acidente de Tree
Miles Island, o aumento conjunto da temperatura no circuito secundário e da pressão primária (uma incoerência)
foi assumido como irrelevante a partir da hipótese de trabalho de que o captor pudesse estar defeituoso. Nesse
sentido, hipóteses de trabalho são uma manifestação abstrata porém real da atividade cognitiva. Nesse sentido,
economizar hipóteses de trabalho pode ser considerado como uma redução dos aspectos mentais da carga de
trabalho.
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outro lado, em situações bastante análogas, a escolha destas hipóteses de trabalho e as lógicas que
definem os sequenciamentos a partir delas, são diversas. Alguns operadores particulares se
obstinam sobre uma dada hipótese, até refutando a informação que traz um conjunto de sinais
contraditórios, isto se constituindo numa fonte de acidentes, como no caso do acidente nuclear de
Tree Miles Island.

Confiabilidade e Erro Humano


1.13. Conceituação de Erro humano11

Os trabalhadores cometem erros e o ergonomista deve analisá-los para que sejam


eliminados, na medida do possível, e isso numa demarche sociotécnica, ou seja, agindo em
paralelo sobre o dispositivo técnico - através de programas, recorrências e redundâncias de
controle, alarmes e blocagens etc. - e sobre as pessoas, através da construção de rotinas e de
conteúdos de formação melhor adaptados à atividade.

Na verdade uma apresentação tão simplificada do problema do "erro humano" não é mais
aceita em ergonomia contemporânea. A prática da análise do trabalho, particularmente a de
acidentes do trabalho, proíbe formalmente de isolar o erro de seu contexto específico e de sua
"história".

A conotação quase penal da expressão "erro humano" é algo inadequado e mesmo


perigosa. Convém, efetivamente, distinguir ao menos duas categorias de erros: os enganos , ou
erros superficiais (slips) e os equívocos , ou erros profundos (mistakes).

Os primeiros (enganos ou slips) correspondem à acepção habitual de erro. Trata-se, por


exemplo, de uma manobra que não corresponde aos objetivos daquele que a realizou como
acionar um comando de um dispositivo parecido com o que deveria ser acionado, ou ainda o
famoso erro de digitação ( r no lugar do e...) ou de leitura ( 4 lido como 9). Nestes casos, a
análise é realtivamente simples e a ergonomia clássica permite prevení-los facilmente, através do
redesenho do posto de trabalho, da melhoria da apresentação de informação, mas igualmente
verificando se tais enganos não ocorrem em situações particulares ( monotonia, trabalho noturno,
períodos de fadiga, etc.), para o que seja suficiente uma modificação simples na organização do
trabalho.

Bem mais difícil para analisar e remediar são os casos dos equívocos ou erros profundos
(mistakes). Aqui, trata-se de conhecimentos, objetivos, raciocínios do operador que estão em
questão. De acordo com o que sabemos, o operador executará uma ação equivocada que dá
sequencia a uma avaliação, a um diagnóstico equivocado. Em ergonomia prefere-se falar em
fracasso do que em erro, nestes casos, já que são as mesmas estratégias, conhecimentos que
permitem ao operador o sucesso em outras situações. Como já vimos, nem sempre os operadores
dispõem de uma formacão e de um acúmulo de experiências e conhecimentos de lhes garantam o
sucesso constante. Por outro lado, na realidade do trabalho, sob contrantes de tempo e da
complexidade dos incidentes, é impossivel não recorrer a um saber fazer que vem "dando certo",
mas que é incapaz de resolver todas as aberrações que podem se manifestar em um sistema
complexo. Nestas circunstâncias, podemos considerar que o "erro" é o preço do sucesso

11
Um desenvolvimento mais completo do tema está em WISNER (1994) - O homem face aos sistemas complexos e
perigosos em WISNER A.(1994) A inteligencia no trabalho, Fundacentro, São Paulo.
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quotidiano na operação. Um preço muitas vezes elevado em termos de integridade física das
pessoas, das instalações e da produção, e é esse o grande problema.

Vale reforçar que a solução para isto passa pelo abandono do modelo clássico de
competência binária - a "ciência" com a engenharia e a "rotina" com o operação. O equilíbrio
entre ambas é uma solução sempre local e deve ser estabelecido mediante uma análise da
atividade, não se limitando à questão das interfaces porém considerando os raciocínios e as
competências, estabelecendo novas rotinas, assistência à operação por meios informáticos e
automáticos, reformulando a formação e o treinamento.

1.14. O modelo de Rasmussen

Contexto da atividade

Atividade Motivos Conhecimentos

Ação Objetivos Regras

Operação Condições Habilidades

1.15. O modelo de Reason

Ação Involuntária
Não

Existia Intenção Não Existia Intenção


prévia ao fato ? no ato ? Erro induzido
Sim Sim

As ações ocorreram Não


como o planejado ? Lapso ou Deslize
Sim

Os resultados foram Não


alcançados ? Equívoco

Sim
Escopo do Erro Humano
Sucesso não computavel
como erro
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Teoria de sistemas

A teoria de sistemas (TS) se constitui num importante campo teórico para a fundamentação
da Ergonomia em Geral e da Ergonomia Cognitiva em particular, dada sua grande utilidade,
praticidade e aplicação em vários domínios que interessam à Ergonomia: a descrição, a análise e a
concepção. Isto porque a TS tem como uma de suas principais virtudes a grande capacidade de
síntese, o que a torna muito atraente à Ergonomia. Entretanto é nossa obrigação chamar à atenção
que para a Ergonomia há um interesse particular em um conceito da teoria de sistemas - o
conceito de interfaces - e que este conceito é aplicado em uma categoria particular de sistemas -
os sistemas homem-máquina, que se constituem na entrada, via Ergonomia Clássica, para a
Ergonomia cognitiva
Assim, nosso objetivo aqui não é o de realizar um tratado de Teoria de sistemas mas
apenas focar alguns de seus elementos que nos permitam entender as bases desta teoria que
fundamenta o conceito de interfaces, de extrema importância para a compreensão de todo o
campo clássico da Ergonomia (Human Factors and Ergonomics) e da sistemática de análise de
sistemas, fundamento para a Análise do Trabalho e para os assuntos relacionados à simulação e
concepção de softwares e outros produtos tecnológicos fundamentados na Ergonomia cognitiva.
Isto feito, e para efeito de aplicação da Teoria de sistemas à Ergonomia, e prosseguindo na
ordenação já realizada, vamos, sucessivamente examinar as propriedades essenciais de três
categorias de sistemas de trabalho: os sistemas de trabalho físico, os sistemas cognitivos e os
sistemas organizacionais

1.16. Conceitos de Base da TS


Cinco conceitos básicos são necessários para o manuseio minímo da Teoria de sistemas
em Ergonomia. São eles: o conceito de sistemas, de supersistemas, de subsistemas, acrescidos das
definições de Fronteiras, Interfaces e Disfunções.

1.16.1. O conceito de sistemas


Esquematicamente Sistemas são conjuntos que se caracterizam por ao menos três
características, quais sejam : por um objetivo ou finalidade, por uma organização de
componentes em função deste objetivo ou finalidade, formando uma estrutura, por uma
articulação de funções - ações sobre os fluxos advindos ( entradas, estímulos ou inputs) e/ou
destinados ao exterior ( saídas, respostas ou outputs. A articulação (interação interna entre os
componentes) destas funções produz um desempenho que permite que a finalidade seja atingida.
Assim um sistema é assimilável a um dispositivo, uma máquina, um conjunto de regras que
age num contexto para produzir um efeito, um resultado. Tomemos como exemplo nosso sistema
circulatório. Ele está inserido no contexto de nosso organismo e tem como finalidade fazer o
sangue circular para alimentar de oxigênio e nutrientes todas as células de nosso corpo. Podemos
fazer dele uma descrição anatômica, listando todos seus componentes: coração, veias, artérias e
vasos capilares. E mostraríamos por fotos, esquemas, ou modelos matemáticas como são cada um
destes elementos. A anatomia de um sistema é a caracterização e descrição de cada elemento de
um sistema. Mas isso não permitiria a um cirurgião fazer um transplante, ou implantar uma ponte
de safena, ou a um clínica receitar uma dieta para baixar o colesterol. Temos pois de passar a uma
descrição da fisiologia deste sistema: qual a função de cada elemento (anatomia funcional) e como
se integram as diferentes funções para assegurar a circulação cardíaca. De posse disto pode-se
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avaliar o desempenho do sistema se ele dá conta do que dele se espera – diz-se: está em função –
ou se fica aquém das expectativas – diz-se: está em disfunção.

Interface de Interface de
entrada saída
A
a

Entrada I b B O Saída
c
C

Interface
Onde um fluxo cruza a
fronteira do sistema Fronteira do sistema

A, B. C = Componentes ou subsistemas a, b, c = ligações internas ou articulações funcionais

Figura 4 : Modelo esquemático de um sistema genérico


Mas, se sua finalidade é a de circular o sangue para levar nutrientes e oxigênio para as
células, onde ele consegue isto? Os sistemas podem ser abertos ou fechados. Se o sistema
circulatório fosse fechado, ele não poderia cumprir sua missão a menos que existisse um
reservatório infinito de oxigênio e nutrientes ou que nosso organismo não consumisse tais
elementos vitais, ou ainda que pudéssemos reciclar integralmente os resultados. Os sistemas
abertos têm ligações com o exterior que permitem a entrada e a saída de elementos de seu
processo. Estas portas têm um nome, interfaces e, no nosso caso importaria saber quais as
interfaces entre o sistema circulatório e os sistemas respiratórios (aprovisionamento de oxigênio e
expedição de gás carbônico) e digestivo (aprovisionamento de nutrientes).
Curiosamente, o “problema” na concepção de um sistema é definir o que lhe é pertinente,
ou seja, que se tenha alguma maneira de pode saber se um elemento qualquer pertence ao
conjunto de seus elementos. Sendo um conjunto, isto não deveria ser um problema, mas sendo um
conjunto com finalidade, que visa atingir um objetivo num intervalo de tempo definido, não há
porque existirem elementos sem relação com a finalidade: existe pois uma inter-relação entre a
função pertinência e a função objetivo do sistema12.
Por outro lado, a realização de um objetivo, em termos temporais, pode significar tanto a
realização de atividades simultâneas como de seqüências de atividades - que logicamente não se
realizam simultaneamente. Existem, desse modo, elementos cuja pertinência é vital, que devem
estar contidos e funcionando durante toda a vida do sistema; por outro lado existe um outro
grupo de elementos cuja participação é ocasional, efêmera, pontual. Estes tem uma pertinência - e
importância - de caráter nebuloso: dependendo do contexto estarão ali, agindo para os objetivos -
pertinência máxima - ou nem ali se encontrem sem que isso represente o menor problema para o
funcionamento do sistema - pertinência nula.
Finalizando este intróito devemos ter em mente que a teoria de sistemas se configura
como uma inteligibilidade simplificadora, pelo menos nos seus fundamentos. Segundo Nygaard
(1975), um sistema é uma parte do mundo que nós decidimos olhar como um todo, separado do
resto do mundo durante um determinado período, um todo que decidimos considerar como
contendo uma coleção de componentes, cada um deles caracterizado por um conjunto
selecionado de itens e padrões associados entre si e por ações que podem envolve-los e a outros

12
Existe um campo da matemática contemporânea dedicado ao estudo desta questão: a teoria de conjuntos
nebulosos. Um conjunto nebuloso é aquele cuja pertinência é definida por uma função complexa.
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componentes. Em resumo, um sistema existe no mundo real como um objetos com relações
específicas, mas é uma escolha humana considerar essa parte do mundo como um sistema.

1.16.2. Sistemas, subsistemas e supersistemas


A simplicidade, complicação ou complexidade de sistemas é definida a partir da forma
como agem e como interagem os elementos deste sistema. Isto porém deixa uma dúvida para uma
boa compreensão desta linguagem: afinal um sistema pode ser composto de elementos bastante
diferentes. Num carro consigo entender o que o tanque de combustível : é uma espécie de garrafa
onde fica armazenado o combustível. Esse combustível vai para dentro do motor e entender a
bomba de combustível já é mais complicado; se falarmos na vela do motor temos que saber um
pouco de eletricidade; e se quisermos entender como o motor pega o combustível e a vela para
fazer o carro andar… é melhor chamar o mecânico!
Para resolver esse problema descritivo a teoria de sistemas criou os conceitos derivados de
sistemas: subsistemas e supersistemas. Um subsistema é um sistema dentro de um sistema. Assim,
no caso do motor de carro, a bomba de combustível é em si um sistema cuja finalidade é, no
contexto do motor funcionando, trazer combustível para dentro do motor, a vela é um sistema
que traz corrente elétrica da bateria do carro para um outro sistema – o bloco, para onde vai o
combustível bombeado. O funcionamento articulado e integrado do subsistema bomba, mais o
subsistema vela, mais o subsistema de admissão do ar produz um fenômeno mecânico que
transforma a energia química do combustível em energia mecânica que faz o carro andar. Assim
todo elemento de um sistema pode ser um considerado um subsistema que será simples,
complicado ou complexo, de acordo com o julgamento da pessoa que o analisa.
O motor, isoladamente, não faz o carro andar. Precisa-se de roda, bateria, transmissão,
etc. Isso quer dizer que o motor que faz o carro andar poderia fazer subir um elevador, mover um
cortador de grama etc. Ele será um motor de carro se estiver inserido num carro. Se estamos
analisando o motor de um carro, então o carro é o supersistema a que o sistema motor de um
carro se refere. Pois o carro é um motor - sistema central - mais uma serie de outros sistemas
articulados e funcionando de forma integrada - sistemas periféricos.

Um outro exemplo mais próximo ainda cotidiano é o computador. O sistema central se


limita a uma placa com componentes que, a princípio faz tudo. Porem para facilitar o uso e obter
os resultados concretos, temos uma lista enorme de periféricos: mouse e teclado para acionar,
monitor para ver o que esta acontecendo, drive para gravar disquettes, HD para gravar “dentro”
da máquina, impressora para imprimir o resultado, etc. O que se compra não é o sistema
computador, mas um supersistema integrado pelo computador com uma enorme gama de
periféricos.

1.16.3. Fronteiras
Se, como vimos até aqui, um sistema está em relação com o contexto que caracteriza seu
supersistema, aparece um último problema para descrever as coisas nesta linguagem de
engenharia. Como definir com exatidão os limites de um dado sistema? O conceito que responde
a isso é o de fronteiras de um sistema. O conceito significa rigorosamente o mesmo que o da
geografia. A fronteira é o limite que demarca o final de um território e o início de outro. As
fronteiras de um sistema são, deste modo, as “cercas” que separa seu campo de atuação dos
outros sistemas com que se relaciona.
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1.16.4. Interfaces
Relacionar. As pessoas se relacionam de várias formas. Uma delas é a fala: uma pessoa
fala uma coisa determinada (ou deveria conseguir fazer isso) e a outra escuta para entender (ou
deveria escutar e entender). Os sistemas se “falam” através de trocas, chamadas de fluxos. E
existem elementos ou subsistemas especializados na comunicação, nesta troca de fluxos: são as
interfaces.

Nascida no bojo desta concepção da ergonomia como tecnologia de comunicação homem-


máquina, o conceito de interfaces entre pessoas e sistemas não apenas se manteve como ampliou
sua abrangência para os domínios cognitivos e organizacionais. Uma interface é um ponto de
contato entre dois sistemas e no caso da Ergonomia se constituem nos espaços de interação entre
a pessoa e o sistema de trabalho onde realiza sua atividade .
As interfaces físicas são e continuarão a ser um problema corrente para o ergonomista, até
porque esse tipo de problema entrou no cotidiano das pessoas, nos lares com a massificação de
parelhos que requerem ser ‘operados” como já assinalamos mais acima. Várias das
recomendações existentes nos manuais já indicados podem ser aqui, diretamente aproveitadas. As
interfaces cognitivas antes restritas às salas de controle em centros de tecnologia avançada
atingiram o grande público com a multiplicação dos guichês de atendimento, da informática
massivamente instalada no setor de serviços e nos lares através da Internet. Mesmo alguns dos
aparelhos de vídeo e TV tem optado por essa forma de interfaciamento para ajuste e sintonia.
Finalmente as interfaces organizacionais que nunca deixaram de existir, passaram ganhar maior
relevância com as novas formas organizacionais advindas da restruturação produtiva como as
terceirizações e centrais de atendimento como sistemática de suporte e mesmo de
comercialização.
Assim é que as interfaces e seu projeto correto formam hoje o campo da ergonomia
contemporânea, na medida em que esse conceito deve dar conta das relações entre a pessoa em
atividade de trabalho e o ambiente (físico, cognitivo, organizacional) de trabalho.

1.16.5. Disfunções
Como vimos os sistemas operam à base de processos. Devemos porém distinguir ao
menos dois tipos de processos que têm lugar nos sistemas vivos e sociais, que são os sistemas que
nos interessam em Ergonomia: os processos de produção e os processos de manutenção. Os
processos de produção são aqueles que realizam as finalidades do sistema e muitas vezes são
confundidos como os únicas finalidades, compondo o que no jargão organizacional se chamam de
atividades-fim. Os processos de manutenção são aqueles que viabilizam que os processos de
produção possam garantir a qualidade dos resultados de produção. Não por acaso uma das
grandes formas da gestão da qualidade total toma a denominação de Total Productive
Maintenace (algo como manutenção produtiva total, o que traz uma combinação deliberada dos
dois processos, nisto consistindo a originalidade desta abordagem)
Podemos ler esta conceituação de uma outra forma: os sistemas admitem dois estados
básicos : em ativação ou função - quando em produção ou manutenção programada - ou em
desativação - quando em parada de produção ou manutenção não programada. Entre esses
estados pode ocorrer um terceiro, quando o sistema esta em ativação mas seus resultados não
logram alcançar os objetivos. Por exemplo, um automóvel pode estar andando mas sem a devida
potência, com consumo de combustível excessivo, etc. Dizemos que, neste caso, o sistema está
em disfunção.
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1.17. Regulação

A regulação é a propriedade de um sistema em se manter operacional num intervalo de


tempo (0, t ). Assim sendo, seja por características intrínsecas - a atuação organizada de seus
componentes - ou extrínsecas - ação de agentes externos sobre o sistema - o sistema mantém seus
objetivos, finalidades e demais razões de ser. Regular, portanto significa se adaptar o
funcionamento de um sistema ao seu ambiente interno e externo. As regulações são propriedades
tanto de sistemas naturais – homeostase humana, migrações de pássaros, equilíbrio ecológico,
como de sistemas artificiais : ajustes de preços, termostase de equipamentos, pilotagem
automática, etc.
As regulações ocorrem como resposta dos sistemas às modificações do ambiente que
entram em conflito com sua objetivos. Estas modificações configuram incidentes de varias ordens
de grandeza, fazendo com que o sistema passe a funcionar de forma inadequada, ou seja,
desfuncionar. Assim sendo as regulações tem por finalidade corrigir os desfuncionamentos; uma
perspectiva de concepção é dai advinda : dotar os sistemas de propriedades de antecipação e de
correção de disfunções.
As regulações podem ser de duas naturezas : Formais e Estruturais. A figura 4 ilustra as
formas de regulação. A regulação se constitui tal como um iceberg compósito, no sentido de que
a regulação efetiva se compõe de elementos distintos – portanto diferenciáveis - e que engendram
processos autônomos, não necessariamente em oposição ou conflito, mas uma composição em
fases, cujas “pressões parciais ρa e ρb » dependerão de cada caso e em cada um deles do contexto
de emergência. Assim em certos casos teremos de trabalhar bastante o lado regulamentar e os
encargos de cada tarefa ou procedimento e em outros pesquisar acuradamente para colocar em
evidencia elementos da regulação estrutural.

Plano da análise Controles e


da tarefa
Regulação formal
Espaço das regras e dos
procedimentos

Recepção Inspeção
Redundância
Coordenação
Feedback

REGULAÇÃO

ρb Atividades Realocação de
vicariantes recursos

Registros Pessoais e
Mecanismos de Distribuição de coletivos
cooperação informação

Regulação estrutural
Plano da análise Espaço da informalidadee
da atividade das atividades colaterais
Figura 5 : Formas de regulação em sistemas

Figura 6 : Regulações formais e estruturais


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1.17.1. Regulações formais

As regulações formais são correções em tempo real dos efeitos de perturbação externa
ao sistema; antecipações tentadas por meio de calculo de tendências. Elas correspondem ao
funcionamento nominal do sistema não são “dadas” e requerem um primeiro nível de análise, a
análise da tarefa, de natureza etnometodológica. Já os componentes da regulação estrutural
aparecem na análise da atividade e em decorrência e distinção dos elementos da análise da tarefa.
As regulações formais se dão mediante ao menos cinco formas distintas, a saber: por
coordenação, por controle de recepção, por inspeção sistemática, por retroação negativa e por
redundâncias.

As regulações por coordenação, ou modo coordenado podem acontecer de modo


esporádico e limitada a algumas injunções, já que sua constância a transformaria em controle por
acompanhamento amiúde. Uma regulação por coordenação geralmente ocorre por uma sucessão
de comunicações formais até que estas atinjam o responsável de uma operação que agilizará
alguns comandos precisos para retorno à normalidade. Este tipo tem sua ocorrência mais
freqüente em sistemas fortemente hierarquizados e são perfeitamente característicos de situações
normais.

As regulações por inspeção sistemática se estabelecem como rotinas que visam à


identificação de disfunções ativas. Elas podem ser inspeções de campo - passear pelo sistema
informático, pelas áreas de trabalho e pelos arquivos de memoria - para checar o bom andamento
dos processos. Assim:
• alguns computadores possuem programas de verificação automatizados que verificam
o sistema e corrigem problemas; certos usuários realizam periodicamente uma “limpeza”
de arquivos, apagando as duplicatas; um gerente devera sempre fazer um
acompanhamento do fluxo de trabalho sob sua responsabilidade:
• o Gerente do CESERG checa o prazo com os docentes, acompanha a revisão da
apostila e telefona para a gráfica para ter uma previsão da entrega das cópias da apostila;
• A secretária faz a monitoração da agenda para lembrar a seu chefe de reuniões e
compromissos

As regulações por controle de recepção são muito comuns no domínio das comunicações.
Nestes casos um agente buscará certificar-se de que sua mensagem foi bem recebida por seu
interlocutor. Na aviação esse procedimento é formal: O piloto devera repetir a instrução
transmitida pela torre de controle e comunicando a ação correspondente.

Contrôle è Piloto : XPT 709 turn right 320


Piloto è Contrôle : OK, XPT 709 heading 320

As regulações por retroação negativa (feedback) acontecem quando o resultado de uma


ação, conversa, acordo retorna a um dos agentes. O exemplo mais simples é o recibo de uma
compra, entendido como o feedback do pagamento. A figura abaixo mostra um esquema simples
de regulação por feedback. O sistema tem como finalidade transformar uma entrada conhecida Xn
em uma saída prevista Xn+1. O comparador verifica as conformidades de entrada, corrigindo ou
rejeitando o sinal de entrada e verificando a conformidade de saída retroagindo ao sistema de
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entrada para redefinir os parâmetros do sistema de admissão. Esta regulação formal somente é
admissível em casos onde um processamento desconforme possa ser assimilado ou rejeitado; Por
outro lado a regulação formal tem como pressuposto estados binários e lineares dos componentes
do sistema: qualquer situação nebulosa ou não linear falseia as hipóteses de controle paramétrico
e o controle acusa desconformidade.

Correção por retroação negativa ( - )

Xn Sistema Xn+1

Corretor de entrada Comparador de saída

Sentido do processamento = positivo ( + )


Figura 7 : Retroação negativa

As redundâncias são um recurso amplamente empregado para a confiabilidade de sistemas


sobretudo com a construções de estruturas em paralelo. No domínio das comunicações operativas
as redundâncias são largamente empregadas. Em certas configurações como no mergulho
profundo uma verdadeira rede de comunicações entre barco (supervisor), sino (Bell-Man) e
operação (mergulhador) engendra uma malha de regulação formal, constando de uma rede de
diálogos compostos por comunicações redundantes, como preceito de segurança (figura 7).

Supervisor de Mergulho è Mergulhador : Emissão


Mergulhador na água
Mergulhador è SM: OK, posso ir para água? 1ª redundância
SM è Mergulhador : Afirmativo
2ª redundância
Mergulhador è Supervisor de mergulho Passagem de malha
OK, Pegunta ao Bell-man se esta liberado
SM è Bell-Man : Ta liberado aí, ****** Emissão
Bell-man è SM : Liberado Redundância
Supervisor de mergulho è Mergulhador Volta à malha
Ta liberado, OK inicial
Mergulhador è SM : Mergulhador na água Fim e Ação

Figura 8 : Comunicações redundantes como forma de regulação

1.17.2. Regulações estruturais


As regulações estruturais tem como principal propriedade a de manter o funcionamento do
sistema mesmo que a estrutura interna do sistema tenha sido modificada ou que se modifique no
curso dos processos em que o sistema esta implicado ( e nesse sentido que se chamam de
estruturais). Tais formas de regulação têm um caráter oportunista face aos contextos em que
surgem (emergência) e por isso mesmo decorrem de uma antecipação do desdobramento de
disfunções nem sempre inscritas nos cálculos de tendências, as vezes tornando-os inócuos.
As regulações estruturais se constituem no principal resultado da analise ergonômica da
atividade no plano cognitivo. A rigor, podemos dizer que é impossível evidencia-las por outra
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forma, em que pesem os avanços da simulação como metodologia de estudo dos aspectos
cognitivos do trabalho.

1.17.2.1. Conteúdo das regulações Estruturais

As regulações estruturais se diferenciam quanto ao conteúdo em processos vicariantes e


de registro compensatório, de cooperação e repartição dinâmica e compartilhados (sharing). As
regulações vicariantes ocorrem quando existe o emprego de algum circuito alternativo para
recuperar, corrigir ou compensar imprevistos. Uma aplicação deste conceito em analise do
trabalho é a variação de modo operatório na atividade de um operador, que pode significar uma
regulação estrutural em ocorrência naquele momento. Esta regulação será vicariante se implicar
na realização de “atividades colaterais”.

OP1 Inc1 OP2 OP1 Inc1 OP2

Recup1
Recup1 Recup2

Tarefa vicariante Inc3 Inc2

Figura 9 ; Regulações por atividades vicariantes. Vicaris é um termo do latim que significa aproximadamente
itinerário alternativo. Legenda: OP i = Operação em modo normal, Inc i = Incidente ocorrendo em modo
normal, Recup i = Atos ou tentativas de recuperação do incidente imediatamente anterior. À esquerda um caso
simples : Incidente, recuperação e resgate de normalidade. À direita um caso complicado : Encadeamento de
incidentes sucessivos.

As regulações cooperantes ocorrem quando um componente do sistema vem acrescentar


seus recursos a um outro em pane ou dificuldade. As aplicações em Ergonomia são tantas que
desenvolveremos mais adiante uma série de estudos e modelagem a esse mister, Mas vale
acrescentar que um dos mecanismos mais comuns no nosso próprio corpo é a cooperação
muscular, também chamada de recrutamento, quando grupos musculares assumem a função de
músculos extenuados. Um exemplo concreto de regulação cooperante nos é dado pelo modelo de
atividade coletiva em construção que desenvolvemos em 1985

Concretagem com Formas Metálicas


Atividade Própria Atividade em ajuda

120
100
80
Tempo

60
40
20
0
I II III IV V VI
Fases do Processo
Figura 10 : Distribuição do Tempo total por fase do processo de concretagem em função da natureza da
atividade (Vidal, 1985)
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Os compartilhamentos são recursos largamente empregados por sistemas informatizados.


Em termos cognitivos significam a distribuição de recursos entre vários agentes do sistema e sua
recuperação/integração em situações de disfunção, geralmente com as informações necessárias para
realizar uma tarefa são armazenadas sob diferentes formas para que sempre possam ser consultadas Um
exemplo corrente em um escritório é a ligação para um colega para solicitar um telefone, ou uma
posição de caixa, que é conferida com os registros e os dados disponíveis na rede da empresa.
Uma recomendação decorrente da constatação da existência de regulações por
compartilhamentos é a recomendação formal de gravar dados em mais de um lugar e sob mais de
uma forma, para evitar perdas (back-up).

1.17.2.2. Formas de regulações estruturais


As regulações estruturais ocorrem mediante duas formas básicas: mediante processos de
modificação (no sentido de alterações na forma de realizar as atividades) ou de emergências (no
sentido de aparecem à tona).

Os ajustes cognitivos a variações do contexto são casos específicos de modificações: por


exemplo, a perda de imagem numa transmissão televisiva obriga os locutores a modificarem sua
forma de se dirigir aos telespectadores, tanto como a chegada de mais um conviva para almoço
deslancha a estratégia da “água no feijão”....Em termos menos prosaicos são inúmeras as vezes
em que um dado novo obriga o operador a corrigir sua forma de agir. O processo cognitivo
aprece em sua totalidade: percebe-se um novo indício, trazendo informação significativa que
obriga o operador a fazer outras coisas. E isso pode acontecer de forma particamente
imperceptível do ponto de vista físico: os gestos serão os mesmos se for o caso de um operador
diante do terminal, já o operador continuara a olhar para o terminal e agir sobre o teclado.

Os indícios podem remeter a uma situação mais ou menos conhecida e nesse caso o
operador tem repertório para contornar o problema. Mas em outros casos isso não acontece. Na
prova deste texto a impressora começou a imprimir o texto sublinhado sem que isso houvesse
sido ordenado. Para dar conta da publicação em tempo hábil e sob a pressão do tempo reeditei o
texto inteiramente sublinhado e assim consegui imprimi-lo satisfatoriamente. Posteriormente e
com mais folga buscamos entender e corrigir o problema (sem que tenhamos entendido
inteiramente a origem desse esoterismo informático...)

1.17.2.3. Características das regulações estruturais

Finalmente as regulações estruturais se caracterizam por retroações positivas, não-


lineares, e paradoxais.

As retroações positivas (MILSON) são realimentações que se acrescentam não


linearmente ao processamento. Em outros termos não basta repetir a operação corrigindo alguma
parâmetro ou opção, o ajuste é feito passando uma correção a ser feita mais à frente. É o caso do
responsável pela betoneira que verifica que o concreto está muito “mole” e comunica o fato ao
pedreiro para que este ajuste seus procedimentos. Numa perspectiva individual ocorre retroação
positiva quando um operador “ganha tempo” para poder efetuar um ajuste num outro momento,
com melhores condições de sucesso.
A característica de não linearidade aparece quando os ajuste não se orientam para uma
intervenção possível, mas para um conjunto de ações mutuamente recorrente e cujo resultado
combinado permitira o ajuste. Assim um motorista na iminência de uma pane seca, diminui a
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velocidade, busca compensar a aceleração nas subidas com o alívio nas descidas e controla a
distância do veículo à sua frente, evitando freadas e reduzidas de marcha.

Finalmente a característica paradoxal

A partir destas conceituações estabelecemos (Pavard e Vidal, 1997), uma tipologia mínima das
regulações estruturais quanto ao seu conteúdo, sua forma e seus modos de manifestação :

Categorias Processos Conceito e Exemplo


Vicariantes ou Uma ação é ajustada mediante tarefas adicionais e que
Conteúdo compensatórios “desviam-se” do plano inicial: ao emitir o cartão de embarque
de um passageiro a operadora de check-in despacha as
bagagens para a escala para evitar extravios possíveis já
ocorridos, tarefa não prevista.
Cooperação e repartição A divisão das tarefas numa equipe é modificada em função
dinâmica das circunstâncias : para reduzir o tempo da atividade final de
concretagem os pedreiros se redistribuem nas frentes de
trabalho.
Compartilhamento e As informações necessárias para realizar uma tarefa são
distribuição armazenadas sob diferentes formas para que sempre possam
ser consultadas. Para evitar problemas de acesso a dados o
operador anota informações numa folha ao lado do
computador.
Modificações Face a alterações nas propriedades funcionais dos
Forma . componentes ou dos subsistemas de um sistema o operador
modifica a atividade para que os resultados pretendidos
possam ser alcançados. Devido a limitações na rede, um
aluno envia seu trabalho repartido em três e-mails diferentes.
Emergência Surgimento de situações inusitadas nas interações entre os
componentes e/ou subsistemas e que são corrigidos por
condutas e procedimentos não menos inusitados e criativos. A
correção de uma impressão defeituosa - a impressora imprime
o texto sublinhado - em contexto de pressão de tempo e de
miséria cognitiva se faz mediante uma re-edição do texto
sublinhando-o para “enganá-la”.
Modo Retroações positivas Uma saída defeituosa é comunicada a um estágio mais à
frente em um processo: o operador da betoneira avisa o
pedreiro que o cimento esta “mole” .
Não-lineares A correção necessária se estabelece em vários fatores
interdependentes e não apenas onde a falha se verificou: o
motorista com pouco combustível age sobre o motor, o modo
de dirigir e aumenta sua vigilância sobre o ambiente
Paradoxais Um efeito regulador é conseguido por uma ação paradoxal,
aparentemente oposta ao resultado desejado. Para imprimir
esta apostila em tempo hábil, e face ao risco de aquecimento
verificado por informação tátil e que poderia bloquear o
sistema (fazendo perder mais tempo ainda), o operador de
copiadora passa a imprimí-la mais lentamente.
Quadro 1 : Taxonomia das regulações estruturais e alguns exemplos
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1.17.3. A análise cognitiva de sistemas de trabalho


A Análise de Sistemas consiste em identificar o sistema - seus objetivos , fronteiras e
interfaces, estabelecer a sua anatomia - especificando seus componentes e susbsistemas; e
descrever sua fisiologia - mostrando suas funções em termos de processos elementares e as
articulações destes em processos mais elaborados , especificando, em particular, seus
mecanismos de produção e de regulação.

Nesse formalismo uma análise de sistemas de trabalho vai consistir na delimitação e


descrição dos componentes de um sistema de trabalho e na caracterização dos processos
elementares e superiores que ali se dão. A análise de sistemas, como já dissemos é fundamento
para as práticas de análise ergonômica do trabalho e para os procedimentos de simulação. Assim
sendo vários de seus elementos e conceitos encontrar-se-ão diluídos ao longo do restante desta
obra. No entanto faremos aqui uma caracterização sucinta dos três tipos de sistemas que a
ergonomia analisa no âmago de um sistema de produção: subsistema de trabalho físico, cognitivo
e subsistema organizacional.
A análise de sistemas cognitivos numa perspectiva ergonômica, examina como a finalidade
do raciocínio em situação pode ser atingida mediante uma estrutura complexa que articula as
funções mentais cognitivas (por diferenciação das funções mentais perceptivas ou motoras). Os
três processos típicos que se busca analisar são:

• compreensão diagnóstica - o que está acontecendo numa situação;


• decisão operatória - que intervenções estabelecer para manter essa situação em
limites de governabilidade
• decisão procedural - por meio de quais procedimentos a decisão operatória será
implementada.
Os critérios de avaliação de um sistema cognitivo são:

(a) a usabilidade que estabelece a qualidade de uma boa leiturabilidade das interfaces
pessoas-sistemas. Inclui-se nesse quesito o aspecto da amigabilidade, que é A geração
de advertências para erros já repertoriados. A usabilidade é muito importante no
processo de compreensão diagnóstica
(b) a cooperatividade, que estabelece uma qualidade de operacionalidade dos sistemas de
operar conjuntamente, informando estágios de processamento, eliminando a opacidade
das maquinas e dispositivos ( o operador não sabe o que o dispositivo esta
processando, podendo se encontrar em situação de miséria cognitiva (de Montmollin,
comunicação pessoal)
(c) a assistência que permite ao operador ampliar suas possibilidades operatórias
estabelecendo campos de consulta ou mesmo trazendo à interface sugestões e
encaminhamentos diversos. Diferentemente da amigabilidade, as assistências são muito
importante quando se trata da emergência de problemas desconhecidos.
(d) a customização que é a possibilidade da pessoa redesenhar as interfaces a seu jeito
pessoal. Bastante comum nos sistemas informatizados atuais, sobretudo em micro-
informática, ela coloca alguns problemas em situações multi-usuário.
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As aplicações da análise de sistemas cognitivos se orientam para o redesenho dos softwares


no sentido estrito (aplicativos, programas e telas) e no sentido amplo (procedimentos,
assistências, simuladores e técnicas de formação/treinamento ). Alguns elementos práticos são
disponíveis tais como manuais de configuração de telas, checklists para avaliação de usabilidade, e
técnicas de identificação de erros. O campo cognitivo, entretanto ainda tem muitas possibilidades
sobretudo na construção de assistentes de busca e tratamento de informação (eg. Patterson, 1999)
e no desenvolvimento de sistemas cooperativos (Pavard e col., 1997).
As regulações nos sistemas em cognitivas visam manter o raciocínio em situação em
condições operativas. Dada a complexidade da maioria dos sistemas contemporâneos,
caracterizados por mudanças mais ou menos abruptas de configuração ou por emergência de
situações inusitadas, o critério básico é a manutenção da capacidade de pilotagem do mesmo. As
regulações cognitivas se dividem em rastreamento sistemático (formal) ou oportunista
(estrutural), em antecipações e em correções individuais (recuperações) ou compartilhadas
(cooperações). Assim uma planta química é rastreada de forma rotineira (ronda) até que um sinal
visual, auditivo ou mesmo olfativo configure uma situação anormal e se passa a um rastreamento
sistemático em função desta oportunidade. No mesmo sentido vão meus cuidados de salvar este
texto, antes mesmo do intervalo programado para salvamento automático, antecipando-me a
algum problema de memória de serviço do computador. Finalmente uma emergência de um
problema não antecipado pode ser resolvida por procedimentos específicos, como apertar os
cintos dada a entrada do avião em uma zona de turbulência não assinalada, ou pode requerer uma
operação coletiva como o resgate de um acidente de transito, que envolve um complexo de ação
e negociação desde a central dos bombeiros, até os hospitais de referência (Barros, 1999).

1.18. Aplicação: Perícia cognitiva


Um modelo de regulação cognitiva é o que empregamos a para a perícia cognitiva de
acidentes (Leplat e Cuny, 1977. Vidal, 1984, Pavrad e Descortis, 1995, figura 27). Este modelo
combina as atividades cognitivas de rastreamento e localização de precursores com a regulação
cognitiva. Uma boa condição cognitiva de trabalho aparece como uma boa prevenção.

Rastreamento
Monitoramento, Inspeção, Acompnhamento
Atividades
cognitivas
Localização de Precursores correntes

Regulação cognitiva

Ampliação Resultado Restabelecimento

Agravamento

Figura 11 : Modelo de perícia cognitiva de causas de acidentes


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A Teoria da Atividade

Com o desenvolvimento do campo organizacional e numa perspectiva integradora dos três


campos da ergonomia, a teoria de sistema encontra alguns limites para o aprofundamento
conceitual dos determinantes da atividade de trabalho. Duas novas teorias reivindicam este lugar
como fundamento da Ergonomia contemporânea: a Teoria da Atividade, que examinaremos neste
tópico e a Teoria de Sistemas Complexos , que comporá o corpo da disciplina seguinte.
A teoria de atividade originada dentro de psicologia soviética, se coloca, hoje, numa
emergente multidisciplinaridade e existe toda uma comunidade cientifica internacional unidas pela
categoria central de atividade, que se projeta para bem distante deste fundo original

1.19. Os componentes da atividade

Trabalhemos alguns conceitos da Teoria da Atividade. Em primeiro lugar examinemos as


noções de estrutura e de níveis de atividade do ponto de vista de atividades individuais, para em
segundo lugar tratarmos de atividades coletivas.
Segundo esta teoria, o que é uma atividade? Leontiev vê três níveis em uma atividade: o
nível de atividade propriamente dito, e dois sub-niveis : o nível de ação e o nível de operação.
(1) as atividades propriamente ditas consistem em ações ou cadeias de ações que por seu
turno são compostas por operações. A primeira condição para qualquer atividade é a presença de
uma necessidade. Uma necessidade pode ser suficiente para despertar e estimular atividades mas
não permite estabelecer orientação concreta que a pessoa deve tomar para executá-la . De fato, a
atividade é orientada pelo objetivação da necessidade através um objeto, no plano físico, ou
motivo no plano mental, ao que acrescentaríamos uma missão, no plano organizacional. As
atividades se realizam como ações individuais ou cooperativas, e o encadeamento e a conecção de
tais ações são relacionadas umas às outras por mesmo objeto global ou motivo mútuo. Podemos
distinguir atividades de acordo com o motivo de seus agentes. Numa atividade coletiva, essa
diferenciação é a chave de compreensão de mal-entendidos e disfunções de várias ordens.

Atividade Motivos

Ação Objetivos

Operação Condições

Figura 12 : Significantes dos elementos de uma atividade

(2) as ações são componentes fundamentais das atividades. Elas são subordinadas a metas
específicas. Por meta de uma ação entenderemos uma representação mental consciente do
resultado a alcançar, sendo sua função a orientação da ação. Podem ser empreendidas diferentes
ações para alcançar uma mesma meta. As ações, ou melhor as seqüências de ações, que irão
compor as atividades possuem uma dimensão cognitiva importante pois se realizam antes de
materializarem-se numa fase que se chama de orientação. Esta orientação não define exatamente
um procedimento rígido, mas antes, são recursos adaptativos que irão se confirmando e se
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validando no avançar da atividade (Schuman, 1987). Desta forma as atividades se realizam


através de ações orientadas para metas
(3) as operações representam os modos de execução de ações. Elas correspondem à
maneira como as metas se realizam e são diretamente determinadas por condições objetivas nas
quais as meta são determinadas e devem ser alcançadas. Na medida em que esta programação
iterativa que caracteriza as ações se torne um recurso largamente disponível para o operador
podemos chamar a ação de operação, estrutura para a qual basta uma condição mínima - escutar
a injunção, por exemplo - e o processamento pode ser feito. Um exemplo retirado da informática
disto é a gravação de dados, que pode se tornar uma ação complexa em função de questões
surpreendentes para o neófito e tornar-se-á uma operação rotineira para um usuário costumaz de
um editor de textos. a distinção é a orientação (a priori) ou o problema (ad-hoc) que existe no
primeiro caso e inexiste no segundo. Operações podem, assim, se tornar rotinizadas e
inconscientes com a prática. Alguns autores empregam o termo automatizadas, ao invés de
rotinizadas, numa espécie de “licença poética13.

A Teoria de atividade estatui, ainda, que os componentes de atividade não são fixos mas
mudam de forma dinâmica coma mudança de condições. Assim sendo numa atividade todos os
níveis podem mover de cima abaixo e vice-versa. As operações se tornam ações e vice-versa em
função da complexidade momentânea. A fronteira entre atividade e ação segue o mesmo
movimento, transformando em ação quando perde sua motivação ou sentido maior, ou se
tornando atividade quando o objetivo é motivante ou nele se percebe um sentido. Podemos, neste
ponto definir um aspecto da competência que á a capacidade de mudar de registro, ou seja, fazer
a mobilidade entre a configuração de uma tarefa como atividade, ação ou operação. E esta
capacidade está diretamente ligada ao conhecimento, uso e atualização dos mediadores físicos,
metais e sociais da atividade de trabalho.

1.20. Artefatos, sociofatos e mentefatos

A Teoria da Atividade se constrói a partir de três componentes básicos do sistema de


trabalho, a saber pessoas, tecnologia e organização, constituindo três grupos de relações
sobrejacentes, os artefatos, mentefatos e sociofatos. Em outro termos ela busca modelar os fatos
que derivam deste triplo encontro de pessoas, tecnologia e organização, que podem, segundo o
modelo, ser agrupados segundo sua natureza físico-instrumental (artefatos), cognitivo-mediática
(mentefatos) ou socio-contextual (sociofatos). Uma atividade se exerce ao meio de diversos
artefatos como instrumentos, dispositivos, sinais; ela comportam igualmente procedimentos,
rotinas, métodos e técnicas que constituem os mentefatos associados; finalmente elas se dão de
acordo com leis, normas, formas de organização do trabalho que são os sociofatos relacionados a
ela [atividade].

O esquema acima pode ser explorado de diversas formas e com diferentes objetivos de
modelagem de uma organização. A Teoria da Atividade forçosamente usa a categoria atividade
como a unidade básica de análise. Consequentemente, um contexto significante mínimo para
ações individuais deve ser incluído na unidade básica de análise: atividades não são entidades
estáticas ou rígidas; elas são sujeitas a mudanças contínuas e desenvolvimento. Este

13
Dizemos licença poética posto que automatizar é um termo de engenharia empregado para caracterizar um
funcionamento recorrente e iterativo de um dispositivo. A atividade humana esta longe de poder ser caracterizada
desta forma.
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desenvolvimento não é linear ou direto mas desigual e descontínuo. Isto significa que cada
atividade também tem uma história própria. O resgate, em termos históricos, deste
desenvolvimento é freqüentemente necessário para entender uma atividade corrente, numa
situação real.

Tecnologia
Artefatos Sociofatos
Instrumentos Horários
Equipamentos Cultura
Software Contratos

Pessoas Organização
Mentefatos
Competência - Regras - Procedimentos

Figura 5 reprint: Mediadores sociotécnicos da atividade de trabalho

1.21. Dos mediadores imediatos aos componentes da atividade

Esse modelo se constrói a partir de um exame mais detalhado do nível da atividade. De


acordo com esta modelagem adicional uma atividade é orientada por um objeto, também chamada
de motivo. Este conceito referes-se à matéria prima ou espaço a que a atividade é orientada e
sobre o que uma conformação ou transformação se transforma em saída (produto). A atividade
tem um agente, ela é realizada por um sujeito - indivíduo ou grupo escolhido em função da analise
em curso. Como já vimos a relação entre o sujeito e o objeto é mediada por um instrumento,
tomando em seu sentido amplo. Neste sentido um instrumento tanto tem uma dimensão física - a
artefato, como um instrumento de pensamento - mentefato.

Instrumento

Sujeito Objeto Transformação Produto

Figura 13 : Modelagem básica da Atividade Kuuti (1996; 1999)

Mais adiante, Galperine (1996) propôs um modelo para a análise do sub-nível ação. Ele
distingue três conteúdos da ação: a orientação, a execução, e o controle.
(1) a orientação concerne o planejamento da ação. Nesta inst6ancia o sujeito analisa as
condições para realizar a ação. Na verdade estas condições determinarão um
procedimento, um modelo de execução. Assim, os sujeitos fariam uma
esquematização metal da tarefa para guiar seu desempenho.
(2) O procedimento da ação será concretizado na execução. Esta execução envolve a
transformação dos objetos materiais ou simbólicos aos quais a ação é dirigida.
(3) a terceira parte, o controle, permite ao sujeito verificar se a meta foi efetivamente
atingida e que as condições de execução foram respeitadas.
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Exercício Individual

Descrever uma atividade cognitiva simples do cotidiano, aplicando os conceitos e métodos aqui
apresentados.

Por exemplo:
(1) Escolher um horário de vôo;
(2) Compor uma fita para escutar no carro;
(3) Programar o vídeo para gravar um programa de televisão;
(4) Enviar um e-mail
(5) Etc.

Cada trabalho deverá descrever a atividade, assinalar seus conteúdos cognitivos e caracterizar um
incidente, os possíveis erros e as regulações envolvidas.

Bibliografia básica
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Sócio-Histórico, Ed. Scipione, São Paulo, 1993.
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VIDAL, M.C.R. Ergonomia na empresa, Útil, pratica e aplicada. Rio de Janeiro, Ed. Virtual
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PAVARD B., NIAL A. & DESCORTIS, F. (1999) – Analyse Ergonomique em vue de la
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Corbéil,
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STERNBERG R.J. (2000 [1996])- Psicologia cognitiva – ArtMed, Porto Alegre.

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