ERG018
ERG018
ERG018
APOSTILA
FUNDAÇÃO COPPETEC
GRUPO DE ERGONOMIA E NOVAS TECNOLOGIAS
ERGONOMIA COGNITIVA
Prof. Mario Vidal, D.Ing.
APOIOS
PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO - COPPE/UFRJ
PROGRAMA DE ENGENHARIA MECÂNICA - COPPE
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA INDUSTRIAL - EE/UFRJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA - FAU/UFRJ
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ERGONOMIA - ABERGO
PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRAS
Página 2
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
E por que e em que este conteúdo - a cognição - é necessário para uma formação de
Ergonomistas ?
No plano social o estudo cognitivo se insere numa superação da concepção clássica que
propõe uma divisão entre trabalho manual e trabalho mental. Na verdade é possível demonstrar
que os trabalhadores realizam no seu escopo de atividade muitas das funções “cientificas” da
gerência a que se referenciava Taylor: planejamento, análise, controle, gestão, diagnóstico e
coordenação Os exemplos são muitos: uma operadora de linha de montagem eletrônica modifica
a disposição de escaninhos de peças para tornar-se mais ágil (ela replaneja seu trabalho), um
pedreiro para um minuto antes de começar a quebrar uma parede ( ele analisa o objeto de
trabalho), uma comerciária ajuda a cliente a escolher um vestido (ela passa em revista mental o
que existe no estoque, ou seja realiza o controle de estoques), a empregada doméstica “inventa”
uma refeição com a disponibilidade da despensa do dia (ela faz a gestão da penúria), o mecânico
observa sinais do veículo e examina algumas partes do motor (ele faz um diagnóstico do
problema), uma equipe portuária se distribui entre o convés e o cais para ajudar ao manobrista do
guindaste na movimentação de cargas (existe uma coordenação para o sucesso da empreitada) e
assim por diante
Errar é humano ! Mas...de quem é o erro ? Que erro é esse ? Como é que se produziu e
como evitá-lo? E mais, como conviver com erros sem prejudicar as pessoas, as instalações e o
negócio ? São questões para as quais a Ergonomia Cognitiva tenta produzir elementos de
respostas tecnológicas e gerenciais.
Esses elementos de resposta projetual partem de três premissas básicas e sine qua non:
(a) como fundamento técnico a rejeição do absurdo que é projetar um sistema de produção
a custos vultosos onde as decisões operacionais chaves estejam na dependência de
operadores colocados diante de um quadro complexo, do qual não têm os elementos
necessários e que se encontram num contexto de elevada solicitação e carga de trabalho.
Tão mais complexo e perigoso seja o sistema, tanto mais os operadores devem estar
aptos para tomar a boa decisão nos bons momentos. Esta aptidão deve estar nas pessoas
(formação) nos sistemas (tecnologia) mas sobretudo nas interfaces entre uns e outros
(Ergonomia) ;
(b) como fundamento ético a premissa de que os trabalhadores nem se caracterizem como
insanos suicidas capazes de realizarem atos absurdos que lhes custe a própria integridade
física, mental e espiritual e tampouco como sórdidos sabotadores dos engenhos físicos e
sociais que constituem uma dada tecnologia de produção. Nesse sentido a Ergonomia
pode desapaixonar a questão do êrro humano contribuindo com elementos decisivos para
uma perícia eficaz;
(c) Com fundamento moral, a crença de que as pessoas tentam cumprir seu contrato de
trabalho nas situações de trabalho onde se encontram e , exatamente por isso, cabe aos
projetistas assegurar uma situação de trabalho correta. A Ergonomia nesse sentido é
indispensável para um bom projeto destas situações, começando por ser capaz de
apontar algumas falhas.
Página 5
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
Leiamos o que nos escreve Maurice de Montmollin, um dos grandes autores da Ergonomia
Cognitiva:
Vamos imaginar um trabalhador diante de um terminal numa refinaria. Seu trabalho
consiste em monitorar, através do sistema de instrumentação, o andamento do processo de
refino e, se necessário, fazer as regulações necessárias, ou seja acionar os dispositivos
adequados, através do sistema de controle. Como uma refinaria não pode parar, ela funciona
em turnos de trabalho e não esqueçamos, ali são processados materiais combustíveis de alto
risco. O terminal em foco, permite monitorar pela tela de vídeo o processo e agir através de
comandos do teclado do terminal.
O nosso trabalhador tem dor nas costas. Um Ergonomista sabe muitas coisas sobre
costas. Ele pode ajudar a conceber cadeiras melhor adaptadas à atividade. O mesmo
trabalhador tem dores de cabeça. O Ergonomista sabe muitas coisas sobre os olhos e a visão.
Ele pode ajudar a projetar monitores menos ofuscantes. O trabalhador está cansado, pois já
está diante do computador há mais de seis horas e ele já tem uma certa idade. O Ergonomista
sabe bastante coisas sobre os efeitos da duração do trabalho sobre o organismo humano. Ele
pode ajudar a organizar melhor os turnos e as pausas.
Mas isso não é tudo. Este trabalhador não está sentado ali, sem fazer nada: ele exerce
uma atividade. Ele percebe e interpreta as informações que aparecem no monitor e tenta
resolver os problemas que aparecem. Por vezes ele comete erros, freqüentemente se comunica
com outros colegas da sala e de campo. O ergonomista pode aprender, através da análise de
sua atividade, muitas coisas sobre os raciocínios empregados por este trabalhador. Ele pode,
então, ajudar a melhor apresentar as informações no monitor, a melhor formular os problemas
de diagnóstico e de regulação da planta, a conceber uma organização mais condizente com as
necessidades de períodos calmos e períodos perturbados, a estruturar uma formação e um
treinamento mais adequados, a estabelecer meios e métodos de comunicação entre as pessoas.
Página 6
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
1.2. Praticidade
O grande perigo do campo cognitivo é seu aspecto fortemente abstrato, na medida que
não vemos o pensamento em si, mas apenas indícios de sua existência nos atos das pessoas. E Por
essa mesma razão é um campo fértil para mistificações e deturpações, como um recente comercial
onde uma empresa apresenta um computador que pensa, numa propaganda enganosa.1
1.3. Utilidade
1
Esta questão merece uma explicação especialista. O aludido programa se baseia numa técnica matemática
chamada de rede neural que consiste numa lógica que transforma uma matriz em outra mediante certas condições.
Assim pode-se deflagrar um mecanismo que, uma vez reconhecido um quadro de valores, ordene sua
transformação em um outro. Do ponto de vista do processo cognitivo existe aqui tão somente o reconhecimento de
um sinal complexo e sua transformação numa resposta desejada. Isto não caracteriza um pensamento, mas uma
reação comportamental estímulo resposta, bem ao gosto das teorias do reflexo condicionado de Pavlov. Mesmo
sendo um belo avanço tecnológico falar em um computador que pensa é exagerado e extremamente perigoso, se
aplicado em sistemas de controle como refinarias, usinas nucleares e outros processos complexos e perigosos.
Página 7
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
Para finalizar esta introdução, gostaria de tecer alguns comentários sobre a noção de carga
mental de trabalho. Os esforços de constituição de uma ergonomia cognitiva, quer dizer, de uma
ergonomia que permita compreender a atividade intelectual dos trabalhadores, se chocam com o
esforço de corajosos pesquisadores experimentais para tentar medir a carga mental de trabalho.
Estes estudos laboratoriais acabaram por demonstrar o óbvio: a atividade intelectual é uma
atividade, no sentido de que ela mobiliza o organismo. Mas em termos de carga, o que representa
esta mobilização do organismo? Qual a "quantidade" de atividade intelectual que corresponde a
uma determinada pessoa ?
São perguntas que não tem resposta, ou ainda que admitem qualquer resposta. Esta é a
razão pela qual a ergonomia cognitiva se preocupa menos em medir a carga mental e mais em
melhorar as competências do operador e as condições reais de seu exercício. Em termos técnicos,
procura-se agir sobre os fatores que se relacionam com a carga mental, supondo que a adequação
à pessoa dos fatores causais implique numa adequação da carga.
O tipo de incidente que ali ocorre é o chamado transitório, o que significa uma perda
significativa do fluido de refrigeração no primário. O incidente começa de forma absolutamente
Página 8
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
banal, com um defeito na bomba que alimenta o gerador de vapor com água (1).
Automáticamente o turbo-alternador é bloqueado e as bombas de segurança são ativadas (2). No
tempo requerido pelo circuito de alimentação de segurança para entrar em ação, ocorre uma
breve interrupção do resfriamento e consequente subida da temperatura e pressão do fluido
primário. Ao final de três segundos, é aberta a vávula eletromagnética de desafogamento - uma
vávula de descarga chamada de PORV, Pressure Operate Relief Valve (3) - para evacuar esta
pressão. A descarga de pressão aduzida não tendo sido suficiente, em t = 8 seg, ocorre uma
parada devido a que a pressão no primário do reator ultrapassa os limites de tolerância. O
coração do reator se encontrava devido a isto em forte aquecimento e, como procedimento
consequente, provoca-se a queda das barreiras de segurança que interrompem o processo de
fissão nuclear. Em t = 13 seg., a pressão baixa um pouco e o automatismo ordena o fechamento
da válvula PORV. Até aqui, trata-se de uma sequência de operações banais. Para contornar o
incidente, teóricamente bastaria evacuar a potência residual e preparar a nova partida do reator. E
foi isso que fizeram os operadores, já que nada assinalava o contrário.
O problema é que, neste dia, a tal válvula de descarga, na verdade, não se fecha. Na sala
de controle está afixada uma ordem de fechamento e a válvula está indicada como fechada. Na
realidade ela estava deixando escapar 60 ton/h de fluido primário de refrigeração, o qual se
acumula num reservatório no núcleo. Ocorria um incidente catalogado, previsto , o LOCA - Loss
of Collant Accident. A pressão no circuito primário vai, portanto, cair, a tal ponto que em t = 2
mn, o sistema de injeção de segurança HPI - High Pressure Injection Pump (4) - é disparado e
injeta agua sob alta pressão neste circuito.
A partir deste momento, a água primária perdida pela brecha em que constituia a PORV
não fechada (3) não mais é compensada. O coração fica progressivamente a descoberto, ou seja
cria-se um efeito de radiador, e a sua temperatura interna sobe a um ponto que o calor residual se
iguala ao calor específico. Apenas em t = 2 h 22 mn que a brecha no circuito é dedectada e uma
vávula de guarda é, então, fechada no circuito de descarga ( para além de (3). O incidente criado,
o primeiro diagnóstico preciso do problema somente foi obtido em t = 13 h, portanto mais de dez
horas depois da dedecção da falha. No entanto, muita água primária havia sido perdida, e foram
necessárias dezesseis longas horas para restabelecer a normalidade do processo.
dizer, um erro que pode ser reconstituído tal qual, obedecendo à estrita cronologia dos fatos. Este
erro foi considerado capital pela maioria dos comentadores do episódio:
Durante as duas primeiras horas do acidente, os operadores não sabiam - e nem tinham
como saber - que existia uma brecha no circuito primário:
ð a válvula de descarga é indicada como fechada;
ð não existe indicador do nível geral de fluído no circuito primário; os operadores
pensavam - tinham todas as razões para pensar - que o circuito primário estivesse
cheio de refrigerante, quando na verdade estava com uma mistura de água e vapor
plena de bolhas. Eles não compreenderam que estavam em LOCA. UM diretor da
usina comentou que um tal indicador seria caro e dificil de fabricar.
ð o nível do reservatório que recebe o fluido primário está localizado no outro
lado do quadro de comando (sinótico), atrás da área onde a operação é feita na
mior parte do tempo. Sem suspeita de escape, não existe nenhuma razão para que
os operadores consultem aquela informação.
ð A temperatura da linha de descarga estava mais alta do que habitualmente,
porém os operadores sabem que esta informação não é confiável, já que os
operadores sabem que existe uma ligeira perda depois de muito tempo; Esta
temperatura foi interpretada como sendo devida ao calor residual e portanto nada
mais que um pico passageiro;
ð O nível indicado pelo pressurizador se estabiliza em t = 10 mn. Os operadores
pensam ter recuperado o incidente, mas este parâmetro havia perdido o sentido, já
que o fluido no pressurizador era, na verdade, uma mistura bifásica água-vapor;
Página 10
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
O mais importante desta análise é que as diversas indicações produzidas pela instrumentação
da usina, não invalidavam o diagnóstico inicial (descarga e fechamento do primário para estabilizar o
secundário). Todas estas informações, examinadas à luz deste diagnóstico, autorizavam os operadores
a executar todas as ações de controle, ações válidas e aparentemente eficazes, mas que agravaram o
incidente e produziram o acidente.
31 de outubro de 1996, pela manhã. Ao chegar de Curitiba no vôo 402, o piloto Armando
Luiza Barbosa, da Transporte Aéreos de Marília, a TAM, passou o comando ao seu colega Jose
Antonio Moreno e mencionou que haveria uma pane no ATS, um dispositivo automático de
aceleração das turbinas, considerada uma coisa pequena. Nestes casos, bastaria comandar
manualmente a aceleração das turbinas para que o defeito no ATS fosse compensado. Isso é algo
que os pilotos sabem fazer, sem problemas.
Moreno e seu co-piloto Ricardo Martins efetivamente ouviram tres alarmes acerca do que
supunham ser o ATS e, nesse quadro, ignoraram o sinal, como é comum na operação de sistemas
complexos. Eles chegaram a brincar (veja quadro). Mas um segundo fato aconteceu: Um dos
Página 11
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
manetes, ( controles que permitem controlar manualmente as turbinas ) recuou num forte tranco,
o que indicaria que a trubina estva trabalhando de forma reversa, freiando, ao invés de acelerar.
Mas não foi isso que os pilotos pensaram. Para eles o defeito era no ATS e não no
reversor da turbina, que, incidentalmente acionado, havia produzido o tranco. Porém como este
reversor estava com uma pane séria, rapidamente retoornou à sua posição normal, o que liberou o
manete. Para os pilotos era a confirmação do problema da pane no ATS. O piloto seguiu na
tentativa de decolagem e o co-piloto tentou corrigir o defeito. O Fokker F-100 tem tres botões
pelos quais se desativa o ATS, passando para manual. Como não era esse o defeito, o ATS não se
desativava. Ë possivel que o manete tenha sido acionado “na marra” já que o problema não se
resolvia. So que o problema não era no ATS.
O problema estava no reversor da turbina, que abriu-se e fechou por três vezes,
terminando por ficar em posição aberta, o que produz uma contra-aceleração. O avião perdeu o
controle a vários outros indicadores apareceram: o manche – espécie de volante que controla as
manobras da aeronave - começou a vibrar intensamente. O cabo pelo qual o manete aciona o
motor rompeu-se. O avião, sem potência de decolagem adernou para 40 graus à direita, depois
para 90 graus e bateu.
Erros? Culpas? Bem, há uma regra internacional de pilotagem que estabelece que não se
resolvem panes em baixa altitude – quer dizer em início de decolagem e em final de aterrissagem.
Porque teriam os tripulantes agido desta forma, supondo ser acitavel a idéia que também não
desejassem morrer ?
Uma série de hipóteses podem ser levantadas, mas podemos fazê-las convergir para os
problemas de uma insuficiencia da engenharia no plano cognitivo do sistema projetado. O projeto
original do Fokker-100 previa um alarme triplo – que assinala falha grave – acrescido de uma luz
amarela na cabine para indicar problemas no reversor. Porem os calculos de confibilidade
indicaram ser impossível a pane na decolagem, e os larmes somente são ativados a partir de 360
Página 12
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
km/h – e os calculos indicam que o vôo 402 mal chegou a 262 km/h. Não havia nenhuma
indicação disponível na cabine acerca da pane em curso. Assim sendo os pilotos se mantiveram
no registro de falha no ATS, e não cogitaram de uma falha no reversor.
Mas porque os piltotos não conseguiram sequer pensar em uma falha no reversor? Será
que o treinamento deles foi insuficiente? Segundo a VEJA de 5 de março de 1997, o treinamento
incial dos pilotos da companhia se deu sobre um Boeing 737 e sabiam enfrentar o defeito naquela
aeronave. A confiança dos engenheiros da Fokker nos seus cálculos era tanta que o tratamento
deste problema sequer constava do treinamento para o Fokker 100. Fontes ligadas à TAM
afirmam que isto foi oficialmente confirmado pela própria Fokker à TAM em 28 de agosto de
1995.
Claro que muitas outras coisas poderão ainda vir ainda à tona neste caso. Mas o pouco
que vimos já nos indica o nosso assunto: as necessidades congnitivas da tripulação não estavam
sendo atendidas nem com o material disponível e nem com o treinamento acerca do mesmo.
Processo perceptivo
Memória de Mensagens
curto prazo
Regras e registros Processo Cognitivo
Memória de
Gestos e mvimentos
longo Prazo Processo Motor
Figura 1 : Processo perceptivo, cognitivo e motor (Gagné, 1966, modificado por Vidal, 2000)
A ergonomia tem uma interdisciplinaridade com as ciências cognitivas, mas não é a mesma
coisa. As ciências cognitivas tem como foco e objetivo estudar a capacidade e os processos de
formação e produção de conhecimento em sistemas em geral, sejam eles naturais ou artificiais
(humanos, formigas…) ou artificiais. Já a ergonomia se alimenta de estudos de inteligência natural
e busca trazê-los para a tecnologia de interfaces homem-máquina .
Card, Moran e Newell (1983) propuseram um modelo de processador humano a partir de
Gagné segundo o qual a pessoa dispõe de processadores perceptivos, cognitivos e motores, em
interação com as memórias a longo prazo e as memórias operativas (figura 18).
Página 13
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
1.8. Representações
O estudo do aspecto mental das atividades de trabalho um pouco mais complexo do que
nos mostra o modelo genérico apresentado. No entanto podemos enunciar um princípio elementar
da cognição : As pessoas criam modelos (representações) para compreender o seu ambiente -
aqui tomado no sentido geral de situação, contexto, circunstância) e então funcionam de acordo
com estes modelos.
Tomemos como exemplo uma experiência com estudantes que nunca chegaram a
programar um computador e a quem pedimos que faça uma mala direta com convite padrão, lista
de convidados, e visualização do resultado de cada convite. Por precaução experimental,
retiramos o gerenciador de mala direta do aplicativo de texto instalado no computador
experimental. Esse estudantes :
- dada a representação social do computador como uma máquina inteligente, plena
de recursos, comportaram-se de acordo com este modelo (representação)
- nenhum deles teve o cuidado de ler o manual que lhes foi disponibilizado
- não distinguiram os papeis de programador, usuário e dos recursos disponíveis na
máquina. Todos ligaram o computador e passaram a procurar um programa
supostamente instalado no micro ;
Página 14
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
Representação como
Construção
1.9. Competência
Existe hoje, com a introdução das chamadas novas tecnologias, uma contradição a que
estão confrontados os gerentes industriais. A automação crescente dos processos e mesmo de
certos equipamentos exige operadores que resolvam problemas de natureza "intelectual", mesmo
os que poderiam ser considerados como de menor qualificação. Isto significa que muitas tarefas
dependem mais do raciocínio do que da disposição e engajamento físico. Estes últimos, em certos
casos, podendo vir a ser até irrelevantes, a princípio.
A contradição, pois, reside no fato de que este processo leva a exigir do operador que seja
capaz de resolver problemas para os quais não existe solução prevista, sem lhe forncer as
informações necessárias, a formação e a responsabilidade que lhe permitiriam tratar do problema
(e frequentemente nenhuma contrapartida salarial significativa para essa nova qualificação
requerida...). Parece que não se consegue imaginar nenhuma situação entre a ignorância do
funcionário e a ciência do engenheiro. Sonha-se em continuar a dispor das vantagens de
operadores experientes e safos, experiências e sagacidades obtidas com a vivência do trato de
situações rotineiras, mas não se sublinha o fato de que não existem mais situações rotineiras.
Como, então, esperar que estes operadores possam, com este currículo de habilidades rotineiras,
fazer frente a classes de incidentes para os quais não existem respostas rotineiras. Eis o paradoxo!
Neste contexto a ergonomia não mais se limita à concepção de uma interface otimizada,
válida para quaisquer tipos de interação entre pessoas e o dispositivo, mas, basicamente, à
atividade do operador em si mesma, à sua competência sendo aplicada num processo temporal.
Dentre outras, esta é a razão pela qual os fenômenos relativos à aprendizagem são particularmente
abordáveis por essa corrente contemporânea e situada da Ergonomia: se soubermos o que poder
vir a acontecer para organizar um experimento ou simulação, estes se tornariam dispensáveis...
É necessário que sejam distinguidos dois tipos de situação de trabalho, dentro do vasto
cesto que são as chamadas novas tecnologias, e que vão solicitar operadores inteligentes: a
automação e a informatização.
1.10. Raciocínios
não exatamente o que estaria previsto - erro de programação - ou que esperava - erro de representação do usuário.
Uma boa engenharia de produção tem como metas evitar a disfunção e, ao mesmo tempo evitar a propagação de
suas repercussões consideradas negativas.
3
Na verdade esta situação chamada por Vermesch (1987) de situação de evocação muitas vezes constitui um fato
novo na vida de trabalhadores e por isso mesmo o ergonomista deve se cercar de algumas precauções, a principal
delas é a boa negociação, com honestidade e clareza. Ver VIDAL (1987), Homens trabalhando, Anais do VII
ENEGEP, Niterói, RJ.
4
Bugs, em informatiquês, significa um erro na estrutura do programa, felizmente raro, mas que não se identifica
nem se dá a conhecer a meros usuários. Essa circunstancia angustiante faz com que pessoas tentem corrigir o
problema por métodos digamos heterodoxos que, via de regra, complicam ainda mais o incidente, Em termos
profissionais pode-se tentar quantificar o número de horas perdidas ou tentar avaliar, o que representa para uma
pessoa que escreve um original no computador, perder os últimos dez minutos de criação...
5
A inferência é o tipo de raciocínio onde o conhecimento de uma parte de um objeto lhe “autoriza” a concebê-lo
por inteiro. No nosso cotidiano, usamos a inferência a todo instante, por exemplo na conversa com os outros,
inferimos que nossos ouvintes tenham a capacidade de imaginar o que lhes descrevemos, apesar de isto ser
Página 18
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
conclusões. A semelhança entre uma situação atual e uma situação anterior substitui o
procedimento analítico clássico, que consistiria no exame da interação entre variáveis
(correlações, relações de causa e efeito, covariâncias, etc.). A influência da freqüência de
incidentes sobre o raciocínio dos operadores já foi assinalada por muitos autores. Nesse caso uma
situação que pareça familiar engendra rapidamente uma resposta habitual, que pode não ser a
opção mais adequada. Estas lógicas fracas, porém indispensáveis, tomam a forma de raciocínios
por aglomeração: se A ocorre, então B e C se produzem igualmente, sem que exista referência a
ligações explicativas do tipo causal.
Pode-se observar "atalhos" nos raciocínios o que se explica pela experiência do operador.
Esta espécie de curtos-circuitos de pensamento permitem explicar as consideráveis diferenças de
performance que puderam ser observadas entre operadores oficialmente de baixa qualificação e
técnicos especialistas mas com menor experiência (numa situação de diagnóstico de defeitos numa
linha robotizada de montagem, os primeiros levaram alguns minutos para descobrir e os segundos
quase uma hora). O caso particular da planificação e dos raciocínios antecipativos foi estudado
tanto para as situações de operação de processos como na programação informática. A previsão
do que irá acontecer, ou do que poderia acontecer, obedece às mesmas regras de construção e de
formulação do que a explicação do que foi constatado? Não parece ser o caso, pois trata-se, a
princípio, de suposições e não do resultado de um raciocínio formal, de tipo hipotético-dedutivo.
Em todos os casos evocados até aqui, encontramos as chamadas lógicas naturais, que
desconcertam os engenheiros e, muitas vezes, os surpreendem, e muito. O papel da ergonomia
cognitiva não é, no entanto, transformar operadores em engenheiros ou vice-versa, mas ajudar a
instalar certas modalidades de raciocínio adequadas - até ótimas - para cada situação definida.
Para tanto deve-se levar em conta as exigências da tarefa, em particular a urgência da tomada de
decisão, os riscos existentes - que não são os mesmos numa refinaria e numa fábrica de cimento -
o nível de competência da equipe de operação e as possibilidades práticas de aperfeiçoamento do
sistema de trabalho (das pessoas e dos dispositivos técnicos).
1.11. Conhecimentos
impossível sem uma cooperação do ouvinte. A possibilidade de imaginar e a possibilidade de cooperar são
inferências que fazemos, neste caso: Elas podem existir ou não. Se continuamos a falar é que acreditamos que
existam. Como isso se passa de forma inconsciente, fazemos uma inferência.
Página 19
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
Este tipo específico de conhecimentos permite responder a uma multiplicidade de questões como:
o que é necessário fazer para obter um certo resultado?
6
Aqui, DE MONTMOLLIN, dá uma excelente pista para os problemas ergonômicos de equipamentos
informatizados. Se nas situações automatizadas temos algo como uma interface informatizada de instrumentação
e controle, o funcionamento do processo se fundamenta em conhecimentos de funcionamento antigos e que
guardam analogias substantivas com seus ancestrais (por exemplo, a destilaria e o engenho bangüê). estrutura
informática (nesse sentido bastante distinta da informatizada) já foi inteiramente concebida dentro de um
paradigma de divisão técnica e social do trabalho, gerando nesse bojo, relações de dependências agudas, seja das
assistências técnicas, seja dos chamados "suportes". Social e tecnicamente, eis aí um ponto a trabalhar e um dos
entraves maiores para uma maior disseminação desta cultura técnica.
7
Convém relembrar que analogias significam coisas diferentes que possuem parâmetros de comportamento
correlativos.
8
Os grifos são do autor. A questão do status social do engenheiro na França é um assunto bastante mais complexo
do que no Brasil. País onde impera uma forte tradição humanista, porém igualmente berço do Cartesianismo,
Página 20
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
Na prática é impossível que um operador consiga trabalhar de forma eficiente apenas com
os conhecimentos de utilização, uma vez que este conteúdo, separado das noções de
funcionamento implicam na construção de um saber explodido, um mosaico de regras empíricas
gerou-se um fosso imenso entre a formação técnica, de características pragmáticas, e a formação humanista de
características críticas. Este fato marca a geração formada a partir da reconstrução européia do pós-guerra. Este
processo está em profunda mutação na França Contemporânea. Enquanto isso, no Brasil...
Página 21
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
construído a partir de um certo número de incidentes típicos. Com isto dificilmente este operador
poderia tratar um incidente inédito. Isto significa que os operadores que não tenham recebido a
formação adequada buscarão construí-la a partir de seus conhecimentos de utilização. O problema
é que este processo autodidata comporta o risco de construir conhecimentos insuficientes e
mesmo recheado de conteúdos falsos e/ou equivocados.
Oposições tão agudas tornariam a vida prática impossível, mas a organização formal se
fundamenta neste confronto. Aqui é uma função do ergonomista analisar os contrastes entre
organização formal e organização real, entre os conhecimentos oficiais e os efetivos. A partir daí
é possível contribuir para a melhoria de competências, particularmente propondo objetos e
objetivos de formação.
1.12. Estratégias
Os objetivos gerais que o operador (ou o coletivo de trabalho) se estabelece frente à tarefa
- aqui encarada como uma proposta de atividade - tem um importante papel na estruturação deste
planejamento. Objetivos de quantidade ou de qualidade, economia de energia ou produção,
proteção do sistema ou "retorno" a qualquer custo, terminar uma etapa ou passar o trabalho "no
meio" para a equipe seguinte, são exemplos do que se chama de guias ou balizas da atividade e do
auto-planejamento. Nesse sentido, eles são a chave dos procedimentos de auto-organização e é aí
que se manifestam os elementos da cultura local.
Esta cultura local é um freqüente objeto de uma certa confrontação de desejos. Um bom
exemplo é a chamada cultura de segurança, bastante desejada nas instalações de alto risco. Por
exemplo, os trabalhos já antigos de pesquisadores franceses acerca das atividades de controle de
tráfego aéreo evidenciam que a estratégia destes operadores consiste em mudar de procedimentos
em função do número de aviões a considerar simultaneamente, o que não corresponde à rotina
preestabelecida. Outros pesquisadores mostraram a existência de registros de funcionamento
cognitivo que se alternam desde o tateamento através de tentativas tipo ensaio e erro até
complexos e abstratos raciocínios antecipatórios de acordo com o grau de dificuldade da tarefa
combinado com o nível de aprendizado.
9
O orçamento-tempo é um interessante parâmetro para análise da atividade de pessoas. Tenta-se contabilizar o
emprego do tempo da pessoa. Em alguns casos, essa contabilidade abrange as 24 horas do dia, e nessas
circunstâncias pode-se avaliar o tempo de transporte, de deslocamentos diversos
10
As hipóteses de trabalho se constituem a partir dos pressupostos cognitivos que o operador assume face a uma
disfunção, um incidente ou uma incoerência numa situação de trabalho. Assim, no caso do acidente de Tree
Miles Island, o aumento conjunto da temperatura no circuito secundário e da pressão primária (uma incoerência)
foi assumido como irrelevante a partir da hipótese de trabalho de que o captor pudesse estar defeituoso. Nesse
sentido, hipóteses de trabalho são uma manifestação abstrata porém real da atividade cognitiva. Nesse sentido,
economizar hipóteses de trabalho pode ser considerado como uma redução dos aspectos mentais da carga de
trabalho.
Página 23
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
outro lado, em situações bastante análogas, a escolha destas hipóteses de trabalho e as lógicas que
definem os sequenciamentos a partir delas, são diversas. Alguns operadores particulares se
obstinam sobre uma dada hipótese, até refutando a informação que traz um conjunto de sinais
contraditórios, isto se constituindo numa fonte de acidentes, como no caso do acidente nuclear de
Tree Miles Island.
Na verdade uma apresentação tão simplificada do problema do "erro humano" não é mais
aceita em ergonomia contemporânea. A prática da análise do trabalho, particularmente a de
acidentes do trabalho, proíbe formalmente de isolar o erro de seu contexto específico e de sua
"história".
Bem mais difícil para analisar e remediar são os casos dos equívocos ou erros profundos
(mistakes). Aqui, trata-se de conhecimentos, objetivos, raciocínios do operador que estão em
questão. De acordo com o que sabemos, o operador executará uma ação equivocada que dá
sequencia a uma avaliação, a um diagnóstico equivocado. Em ergonomia prefere-se falar em
fracasso do que em erro, nestes casos, já que são as mesmas estratégias, conhecimentos que
permitem ao operador o sucesso em outras situações. Como já vimos, nem sempre os operadores
dispõem de uma formacão e de um acúmulo de experiências e conhecimentos de lhes garantam o
sucesso constante. Por outro lado, na realidade do trabalho, sob contrantes de tempo e da
complexidade dos incidentes, é impossivel não recorrer a um saber fazer que vem "dando certo",
mas que é incapaz de resolver todas as aberrações que podem se manifestar em um sistema
complexo. Nestas circunstâncias, podemos considerar que o "erro" é o preço do sucesso
11
Um desenvolvimento mais completo do tema está em WISNER (1994) - O homem face aos sistemas complexos e
perigosos em WISNER A.(1994) A inteligencia no trabalho, Fundacentro, São Paulo.
Página 24
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
quotidiano na operação. Um preço muitas vezes elevado em termos de integridade física das
pessoas, das instalações e da produção, e é esse o grande problema.
Vale reforçar que a solução para isto passa pelo abandono do modelo clássico de
competência binária - a "ciência" com a engenharia e a "rotina" com o operação. O equilíbrio
entre ambas é uma solução sempre local e deve ser estabelecido mediante uma análise da
atividade, não se limitando à questão das interfaces porém considerando os raciocínios e as
competências, estabelecendo novas rotinas, assistência à operação por meios informáticos e
automáticos, reformulando a formação e o treinamento.
Contexto da atividade
Ação Involuntária
Não
Sim
Escopo do Erro Humano
Sucesso não computavel
como erro
Página 25
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
Teoria de sistemas
A teoria de sistemas (TS) se constitui num importante campo teórico para a fundamentação
da Ergonomia em Geral e da Ergonomia Cognitiva em particular, dada sua grande utilidade,
praticidade e aplicação em vários domínios que interessam à Ergonomia: a descrição, a análise e a
concepção. Isto porque a TS tem como uma de suas principais virtudes a grande capacidade de
síntese, o que a torna muito atraente à Ergonomia. Entretanto é nossa obrigação chamar à atenção
que para a Ergonomia há um interesse particular em um conceito da teoria de sistemas - o
conceito de interfaces - e que este conceito é aplicado em uma categoria particular de sistemas -
os sistemas homem-máquina, que se constituem na entrada, via Ergonomia Clássica, para a
Ergonomia cognitiva
Assim, nosso objetivo aqui não é o de realizar um tratado de Teoria de sistemas mas
apenas focar alguns de seus elementos que nos permitam entender as bases desta teoria que
fundamenta o conceito de interfaces, de extrema importância para a compreensão de todo o
campo clássico da Ergonomia (Human Factors and Ergonomics) e da sistemática de análise de
sistemas, fundamento para a Análise do Trabalho e para os assuntos relacionados à simulação e
concepção de softwares e outros produtos tecnológicos fundamentados na Ergonomia cognitiva.
Isto feito, e para efeito de aplicação da Teoria de sistemas à Ergonomia, e prosseguindo na
ordenação já realizada, vamos, sucessivamente examinar as propriedades essenciais de três
categorias de sistemas de trabalho: os sistemas de trabalho físico, os sistemas cognitivos e os
sistemas organizacionais
avaliar o desempenho do sistema se ele dá conta do que dele se espera – diz-se: está em função –
ou se fica aquém das expectativas – diz-se: está em disfunção.
Interface de Interface de
entrada saída
A
a
Entrada I b B O Saída
c
C
Interface
Onde um fluxo cruza a
fronteira do sistema Fronteira do sistema
12
Existe um campo da matemática contemporânea dedicado ao estudo desta questão: a teoria de conjuntos
nebulosos. Um conjunto nebuloso é aquele cuja pertinência é definida por uma função complexa.
Página 27
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
componentes. Em resumo, um sistema existe no mundo real como um objetos com relações
específicas, mas é uma escolha humana considerar essa parte do mundo como um sistema.
1.16.3. Fronteiras
Se, como vimos até aqui, um sistema está em relação com o contexto que caracteriza seu
supersistema, aparece um último problema para descrever as coisas nesta linguagem de
engenharia. Como definir com exatidão os limites de um dado sistema? O conceito que responde
a isso é o de fronteiras de um sistema. O conceito significa rigorosamente o mesmo que o da
geografia. A fronteira é o limite que demarca o final de um território e o início de outro. As
fronteiras de um sistema são, deste modo, as “cercas” que separa seu campo de atuação dos
outros sistemas com que se relaciona.
Página 28
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
1.16.4. Interfaces
Relacionar. As pessoas se relacionam de várias formas. Uma delas é a fala: uma pessoa
fala uma coisa determinada (ou deveria conseguir fazer isso) e a outra escuta para entender (ou
deveria escutar e entender). Os sistemas se “falam” através de trocas, chamadas de fluxos. E
existem elementos ou subsistemas especializados na comunicação, nesta troca de fluxos: são as
interfaces.
1.16.5. Disfunções
Como vimos os sistemas operam à base de processos. Devemos porém distinguir ao
menos dois tipos de processos que têm lugar nos sistemas vivos e sociais, que são os sistemas que
nos interessam em Ergonomia: os processos de produção e os processos de manutenção. Os
processos de produção são aqueles que realizam as finalidades do sistema e muitas vezes são
confundidos como os únicas finalidades, compondo o que no jargão organizacional se chamam de
atividades-fim. Os processos de manutenção são aqueles que viabilizam que os processos de
produção possam garantir a qualidade dos resultados de produção. Não por acaso uma das
grandes formas da gestão da qualidade total toma a denominação de Total Productive
Maintenace (algo como manutenção produtiva total, o que traz uma combinação deliberada dos
dois processos, nisto consistindo a originalidade desta abordagem)
Podemos ler esta conceituação de uma outra forma: os sistemas admitem dois estados
básicos : em ativação ou função - quando em produção ou manutenção programada - ou em
desativação - quando em parada de produção ou manutenção não programada. Entre esses
estados pode ocorrer um terceiro, quando o sistema esta em ativação mas seus resultados não
logram alcançar os objetivos. Por exemplo, um automóvel pode estar andando mas sem a devida
potência, com consumo de combustível excessivo, etc. Dizemos que, neste caso, o sistema está
em disfunção.
Página 29
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
1.17. Regulação
Recepção Inspeção
Redundância
Coordenação
Feedback
REGULAÇÃO
ρb Atividades Realocação de
vicariantes recursos
Registros Pessoais e
Mecanismos de Distribuição de coletivos
cooperação informação
Regulação estrutural
Plano da análise Espaço da informalidadee
da atividade das atividades colaterais
Figura 5 : Formas de regulação em sistemas
As regulações formais são correções em tempo real dos efeitos de perturbação externa
ao sistema; antecipações tentadas por meio de calculo de tendências. Elas correspondem ao
funcionamento nominal do sistema não são “dadas” e requerem um primeiro nível de análise, a
análise da tarefa, de natureza etnometodológica. Já os componentes da regulação estrutural
aparecem na análise da atividade e em decorrência e distinção dos elementos da análise da tarefa.
As regulações formais se dão mediante ao menos cinco formas distintas, a saber: por
coordenação, por controle de recepção, por inspeção sistemática, por retroação negativa e por
redundâncias.
As regulações por controle de recepção são muito comuns no domínio das comunicações.
Nestes casos um agente buscará certificar-se de que sua mensagem foi bem recebida por seu
interlocutor. Na aviação esse procedimento é formal: O piloto devera repetir a instrução
transmitida pela torre de controle e comunicando a ação correspondente.
entrada para redefinir os parâmetros do sistema de admissão. Esta regulação formal somente é
admissível em casos onde um processamento desconforme possa ser assimilado ou rejeitado; Por
outro lado a regulação formal tem como pressuposto estados binários e lineares dos componentes
do sistema: qualquer situação nebulosa ou não linear falseia as hipóteses de controle paramétrico
e o controle acusa desconformidade.
Xn Sistema Xn+1
forma, em que pesem os avanços da simulação como metodologia de estudo dos aspectos
cognitivos do trabalho.
Recup1
Recup1 Recup2
Figura 9 ; Regulações por atividades vicariantes. Vicaris é um termo do latim que significa aproximadamente
itinerário alternativo. Legenda: OP i = Operação em modo normal, Inc i = Incidente ocorrendo em modo
normal, Recup i = Atos ou tentativas de recuperação do incidente imediatamente anterior. À esquerda um caso
simples : Incidente, recuperação e resgate de normalidade. À direita um caso complicado : Encadeamento de
incidentes sucessivos.
120
100
80
Tempo
60
40
20
0
I II III IV V VI
Fases do Processo
Figura 10 : Distribuição do Tempo total por fase do processo de concretagem em função da natureza da
atividade (Vidal, 1985)
Página 33
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
Os indícios podem remeter a uma situação mais ou menos conhecida e nesse caso o
operador tem repertório para contornar o problema. Mas em outros casos isso não acontece. Na
prova deste texto a impressora começou a imprimir o texto sublinhado sem que isso houvesse
sido ordenado. Para dar conta da publicação em tempo hábil e sob a pressão do tempo reeditei o
texto inteiramente sublinhado e assim consegui imprimi-lo satisfatoriamente. Posteriormente e
com mais folga buscamos entender e corrigir o problema (sem que tenhamos entendido
inteiramente a origem desse esoterismo informático...)
velocidade, busca compensar a aceleração nas subidas com o alívio nas descidas e controla a
distância do veículo à sua frente, evitando freadas e reduzidas de marcha.
A partir destas conceituações estabelecemos (Pavard e Vidal, 1997), uma tipologia mínima das
regulações estruturais quanto ao seu conteúdo, sua forma e seus modos de manifestação :
(a) a usabilidade que estabelece a qualidade de uma boa leiturabilidade das interfaces
pessoas-sistemas. Inclui-se nesse quesito o aspecto da amigabilidade, que é A geração
de advertências para erros já repertoriados. A usabilidade é muito importante no
processo de compreensão diagnóstica
(b) a cooperatividade, que estabelece uma qualidade de operacionalidade dos sistemas de
operar conjuntamente, informando estágios de processamento, eliminando a opacidade
das maquinas e dispositivos ( o operador não sabe o que o dispositivo esta
processando, podendo se encontrar em situação de miséria cognitiva (de Montmollin,
comunicação pessoal)
(c) a assistência que permite ao operador ampliar suas possibilidades operatórias
estabelecendo campos de consulta ou mesmo trazendo à interface sugestões e
encaminhamentos diversos. Diferentemente da amigabilidade, as assistências são muito
importante quando se trata da emergência de problemas desconhecidos.
(d) a customização que é a possibilidade da pessoa redesenhar as interfaces a seu jeito
pessoal. Bastante comum nos sistemas informatizados atuais, sobretudo em micro-
informática, ela coloca alguns problemas em situações multi-usuário.
Página 36
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
Rastreamento
Monitoramento, Inspeção, Acompnhamento
Atividades
cognitivas
Localização de Precursores correntes
Regulação cognitiva
Agravamento
A Teoria da Atividade
Atividade Motivos
Ação Objetivos
Operação Condições
(2) as ações são componentes fundamentais das atividades. Elas são subordinadas a metas
específicas. Por meta de uma ação entenderemos uma representação mental consciente do
resultado a alcançar, sendo sua função a orientação da ação. Podem ser empreendidas diferentes
ações para alcançar uma mesma meta. As ações, ou melhor as seqüências de ações, que irão
compor as atividades possuem uma dimensão cognitiva importante pois se realizam antes de
materializarem-se numa fase que se chama de orientação. Esta orientação não define exatamente
um procedimento rígido, mas antes, são recursos adaptativos que irão se confirmando e se
Página 38
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
A Teoria de atividade estatui, ainda, que os componentes de atividade não são fixos mas
mudam de forma dinâmica coma mudança de condições. Assim sendo numa atividade todos os
níveis podem mover de cima abaixo e vice-versa. As operações se tornam ações e vice-versa em
função da complexidade momentânea. A fronteira entre atividade e ação segue o mesmo
movimento, transformando em ação quando perde sua motivação ou sentido maior, ou se
tornando atividade quando o objetivo é motivante ou nele se percebe um sentido. Podemos, neste
ponto definir um aspecto da competência que á a capacidade de mudar de registro, ou seja, fazer
a mobilidade entre a configuração de uma tarefa como atividade, ação ou operação. E esta
capacidade está diretamente ligada ao conhecimento, uso e atualização dos mediadores físicos,
metais e sociais da atividade de trabalho.
O esquema acima pode ser explorado de diversas formas e com diferentes objetivos de
modelagem de uma organização. A Teoria da Atividade forçosamente usa a categoria atividade
como a unidade básica de análise. Consequentemente, um contexto significante mínimo para
ações individuais deve ser incluído na unidade básica de análise: atividades não são entidades
estáticas ou rígidas; elas são sujeitas a mudanças contínuas e desenvolvimento. Este
13
Dizemos licença poética posto que automatizar é um termo de engenharia empregado para caracterizar um
funcionamento recorrente e iterativo de um dispositivo. A atividade humana esta longe de poder ser caracterizada
desta forma.
Página 39
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
desenvolvimento não é linear ou direto mas desigual e descontínuo. Isto significa que cada
atividade também tem uma história própria. O resgate, em termos históricos, deste
desenvolvimento é freqüentemente necessário para entender uma atividade corrente, numa
situação real.
Tecnologia
Artefatos Sociofatos
Instrumentos Horários
Equipamentos Cultura
Software Contratos
Pessoas Organização
Mentefatos
Competência - Regras - Procedimentos
Instrumento
Mais adiante, Galperine (1996) propôs um modelo para a análise do sub-nível ação. Ele
distingue três conteúdos da ação: a orientação, a execução, e o controle.
(1) a orientação concerne o planejamento da ação. Nesta inst6ancia o sujeito analisa as
condições para realizar a ação. Na verdade estas condições determinarão um
procedimento, um modelo de execução. Assim, os sujeitos fariam uma
esquematização metal da tarefa para guiar seu desempenho.
(2) O procedimento da ação será concretizado na execução. Esta execução envolve a
transformação dos objetos materiais ou simbólicos aos quais a ação é dirigida.
(3) a terceira parte, o controle, permite ao sujeito verificar se a meta foi efetivamente
atingida e que as condições de execução foram respeitadas.
Página 40
Programa de Ergonomia na Empresa
Prof.Mario Vidal
Exercício Individual
Descrever uma atividade cognitiva simples do cotidiano, aplicando os conceitos e métodos aqui
apresentados.
Por exemplo:
(1) Escolher um horário de vôo;
(2) Compor uma fita para escutar no carro;
(3) Programar o vídeo para gravar um programa de televisão;
(4) Enviar um e-mail
(5) Etc.
Cada trabalho deverá descrever a atividade, assinalar seus conteúdos cognitivos e caracterizar um
incidente, os possíveis erros e as regulações envolvidas.
Bibliografia básica
OLIVEIRA, M.K. de Oliveira, Vygotsky - Aprendizado e Desenvolvimento, Um Processo
Sócio-Histórico, Ed. Scipione, São Paulo, 1993.
REASON J. Human Error , Cambridge University Press, UK, 1990.
STRANG R. – Conditions conducing to language development. Em: Strang R (org.) Helping
your gifted child, New York, Ed.Dutton, 1960, 12-46
VIDAL M C.R.(ed.) - Revista ação ergonômica volume 1 número zero, Antropotecnologia,
coletânea de textos do prof.. Alain Wisner
VIDAL, M.C.R. Ergonomia na empresa, Útil, pratica e aplicada. Rio de Janeiro, Ed. Virtual
Cientifica, 2001.
WISNER A. Aspectos psicológicos da antropotecnologia. Le travail Humain, Numero especial,
1997;.
GRANDJEAN E. (1977) Fittng the task to the man, Taylor and Francis, Londres. Tradução
Brasileira. Bookmans, Porto Alegre.
IEA (2000) – Definição Internacional de Ergonomia. Açâo Ergonômica 1(1), p. 6
PARADELLA T. (1998) - Além do contrato. Analise macroergonômica de um processos de
terceirização interna. Tese de Mestrado, COPPE/UFRJ. Programa de Engenharia de
Produção, Rio de Janeiro (Orientador: Mario Cesar Vidal)
PAVARD B., NIAL A. & DESCORTIS, F. (1999) – Analyse Ergonomique em vue de la
reorganisation des Centres 15 et 18. Rapport de travail, Conséil general de l´Essonne,
Corbéil,
WISNER A. (1994) - L’organisation de l’entreprise et du travail lors des transferts de
technologie. Texto original dedicado, LENET/CNAM, Paris.
STERNBERG R.J. (2000 [1996])- Psicologia cognitiva – ArtMed, Porto Alegre.