Africanidades e Ensino Livro Didático e Formação Acadêmica

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 28

CAPÍTULO 4

AFRICANIDADES E ENSINO: LIVRO DIDÁTICO E


FORMAÇÃO ACADÊMICA
Rafaela Pacheco Dalbem
Mestre em Geografia - Universidade Federal do Paraná
http://lattes.cnpq.br/8174315126691095

Adilar Antonio Cigolini


Doutor em Geografia - Universidade Federal de Santa Catarina
Professor da Universidade Federal do Paraná
http://lattes.cnpq.br/4056342224960669

RESUMO: O ensino da História da África, a cultura negra e o negro na


formação da sociedade nacional, conforme exige a lei nº. 10.639/2003 é
um avanço. Entretanto, questiona-se se os livros didáticos, a formação
docente e as Instituições estão atendendo essa obrigação. A pesquisa ora
apresentada se debruçou sobre essa temática buscando verificar as
exigências do PNLD – Programa Nacional do Livro Didático em relação
as questões étnico-raciais no âmbito da geografia, a qualidade da
abordagem sobre a geografia da África e questões étnico-raciais nas onze
coleções aprovadas no PNLD (2017) para o Ensino Fundamental e, se os
cursos universitários têm conteúdo/disciplinas sobre Geografia Africana
ou Afro-Brasileira nos seus currículos. Os procedimentos metodológicos
se pautaram na análise quali-quantitava de documentos oficiais e dos
próprios livros didáticos. O resultado aponta para uma realidade ainda
muito distante da ideal, com uma deficiência generalizada na
abordagem dessa temática.
PALAVRAS-CHAVE: ensino étnico-racial. livro didático. geografia
escolar. geografia africana. formação acadêmica.

75
Ensino de Geografia – Capítulo 4

AFRICANITIES AND TEACHING: TEXTBOOKS AND


ACADEMIC TRAINING

ABSTRACT: The obligation of teaching African History, black culture,


and the black population in the formation of national society, as required
by law No. 10.639/2003, constitutes a significant breakthrough. However,
it is questionable whether textbooks, teacher education and institutions
are satisfactorily meeting such requirement. The present study focused
on this theme seeking to verify the requirements of the National
Textbook Program (PNLD) in relation to ethnic-racial issues in
geography, the quality of the approach regarding African geography and
ethnic-racial issues in the eleven collections approved in the PNLD
(2017) for Elementary Education, and if university courses present
African or African-Brazilian Geography content/subjects in their
curricula. The employed methodological procedures were based on the
qualitative and quantitative analyses of official documents and the
textbooks themselves. The results indicate a reality that is still far from
ideal, with a general deficiency in approaching this issue.
KEYWORDS: ethnic-racial education. textbook, school geography.
African geography. academic background.

INTRODUÇÃO
Acreditamos que o ensino formal, seja ele no nível Fundamental,
Médio ou Superior carrega marcas do passado colonizado. O histórico de
colonização está nos fundamentos das relações ainda hoje. Para se ter
uma ideia da forma de discurso dirigida aos africanos, Meneses (2010),
menciona um trecho do General José Justino Teixeira Botelho, do ano de
1921, que diz “[...] o intelecto do negro é muito inferior e incapaz de
compreender os horrores da servidão; além disso a raça é propensa ao
vício, à incúria e à inércia, e, abandonada de si própria, em breve cairia
na mais selvagem brutalidade.” (MENESES, 2010, p. 59).

76
Ensino de Geografia – Capítulo 4

Essa fala versava especificamente sobre as obras militares


portuguesas em Moçambique, mas ela soa tão diferente das cartas do
tempo dos descobrimentos com relação aos nossos índios? Soa diferente
das acusações que, por vezes, ainda hoje se dirigem aos negros e que
marca o discurso de servidão?
Essas falas também têm reflexos na escola e uma resposta a esses
desafios foi a aprovação da Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Essa
leia altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial
da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-
Brasileira. Inclui como conteúdo programático do ensino fundamental e
médio o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros
no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional. Como se nota, o conteúdo de geografia está diretamente
vinculado a obrigação imposta por essa lei. Mas, estariam as
Universidades formando seus professores para isso?
A escola e o processo de escolarização, de acordo com o Ministério
da Educação e das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s), possuem
grandes desafios ao pensar a educação de um vasto território como o
Brasil. A educação escolar deve fornecer meios pelos quais os estudantes
possam fazer suas leituras de mundo de forma a respeitar o coletivo,
reconhecer as diferenças e criticá-las baseados nos conceitos
historicamente construídos nos mais diversos campos do conhecimento.
Nesse sentido, a realização desse trabalho possuía como objetivos a
seguinte sequência: verificar as exigências do PNLD – Programa
Nacional do Livro Didático em relação as questões étnico-raciais no
âmbito da geografia. Após, identificar a qualidade da abordagem sobre a
Geografia da África e questões étnico-raciais nas onze coleções
aprovadas no PNLD (2017) para o Ensino Fundamental – Anos Finais. E,
finalmente, analisar se os cursos de geografia têm conteúdo/disciplinas
sobre Geografia Africana ou Afro-Brasileira nos seus currículos. Ao

77
Ensino de Geografia – Capítulo 4

atingir os objetivos, espera-se ter um panorama de como a Geografia da


África e a questões étnico-raciais estão sendo enxergados pela Geografia.

METODOLOGIA
Tendo em mente os objetivos listados acima, a seguinte
metodologia foi seguida:
Para o primeiro objetivo, o procedimento metodológico foi fazer
uma análise detalhada do Edital do PNLD do ano de 2017, procurando
tudo o que se exigia que os livros contivessem, em termos de ensino da
África e educação étnico-racial, de maneira geral e, da geografia, em
particular.
Para o segundo foi: 01) selecionadas as obras que haviam sido
aprovadas no Edital 2017 e, com base na leitura do conteúdo,
identificando onde, dentro da obra se achavam os conteúdos de
interesse e, 02) foram estabelecidos parâmetros (Tabela 01) de análise do
conteúdo para todas as obras, para fins de estabelecer critérios seguros
e passíveis de comparação daquilo que foi sendo considerado como
problema/inadequação na forma de exposição.
Para o terceiro objetivo foram levantadas e analisadas todas as
grades curriculares dos cursos de geografia licenciaturas das
Universidades Públicas brasileiras, na forma como explicitamos no texto
da parte correspondente ao resultado desse objetivo. Por fim, ainda do
ponto de vista de procedimentos, apresentamos um texto articulando os
resultados dos três passos acima, evidenciando a problemática como
uma totalidade que envolve o conjunto de atores envolvidos.
A justificativa para uso do livro didático como parâmetro é que eles
se constituem na fonte literária mais utilizada pela maioria das
instituições públicas de ensino, dado que são financiados pelo Programa
Nacional de Livros Didáticos (PNLD). Com relação à decisão de
delimitação no período dos anos finais do Ensino Fundamental, é porque
entre o 8º e o 9º ano, pela primeira vez, o conteúdo “Geografia da África”

78
Ensino de Geografia – Capítulo 4

é tido como unidade curricular específica dentro do plano escolar. A


análise dessa literatura, portanto, procura problematizar esses
documentos, de ampla divulgação nacional. Igualmente, a pesquisa se
justifica por mostrar se os professores de geografia estão saindo de seus
cursos preparados para levar essa reflexão à sala de aula, de modo
satisfatório.

PNLD: O QUE SE COBRA DAQUELES QUE ESCREVEM?


Gomes (2010, p. 108) apontou que alguns dos desafios, para uma
educação antirracista, é a superação da lógica conteudista do processo
de formação dos professores e professoras, bem como a inclusão das
orientações da LDB nos editais do PNLD. Arroyo (2010, p. 114) defendeu
que é preciso avançar mais na criação de normas compulsórias sobre a
eliminação de todo preconceito racial no material escolar e nas condutas
dos alunos e profissionais da escola. Dado ao alcance que o livro didático
tem na educação brasileira, por representar a fonte literária mais
consultada por alunos de escolas públicas do país, considera-se essa
ferramenta estratégica para superar esses desafios.
O programa dos livros didáticos teve início em 1929 com a criação
do Instituto Nacional do Livro (INL) que visava dar maior legitimidade
ao livro didático nacional e auxiliava no aumento de sua distribuição.
Hoje, os livros são avaliados a cada 03 anos e, se aprovados, são
considerados aptos para a escolha. No período da nossa pesquisa, o
último edital para seleção era o do ano de 2017 e, em relação a temática
ora em análise, o conteúdo do livro deveria

“[…] promover positivamente a imagem de


afrodescendentes e dos povos do campo,
considerando sua participação e protagonismo em
diferentes trabalhos, profissões e espaços de poder;
7. promover positivamente a cultura e história afro-
brasileira e dos povos indígenas brasileiros, dando

79
Ensino de Geografia – Capítulo 4

visibilidade aos seus valores, tradições,


organizações, conhecimentos, formas de
participação social e saberes sociocientíficos,
considerando seus direitos e sua participação em
diferentes processos históricos que marcaram a
construção do Brasil, valorizando as diferenças
culturais em nossa sociedade multicultural; 8.
abordar a temática das relações étnico-raciais, do
preconceito, da discriminação racial e da violência
correlata, visando à construção de uma sociedade
antirracista, solidária, justa e igualitária”. (BRASIL,
2017, p. 39-40).

No que diz respeito aos critérios eliminatórios, o edital previa


algumas normativas comuns para todas as áreas, como por exemplo: o
respeito à faixa etária dos estudantes, observar se está de acordo com os
princípios éticos necessários ao convívio em sociedade, coerência com o
plano de obra e atualização de dados.
No item 2.1.1 do edital, que aborda o respeito à legislação, às
diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino fundamental, fica
explícito a necessidade de atender às demandas da LDB e da lei, já citada,
que obriga a incorporação do conteúdo relativo à África e da sua
contribuição para formação histórica e contemporâneo do Brasil. Do
ponto de vista da geografia, o que poderia eliminar uma obra, seria o não
respeito a dezoito critérios estabelecidos, associados a mais sete
estabelecidos para o manual do professor. Todos esses critérios podem
ser observados nas páginas 55 a 57 do documento oficial 1, mas
destacaremos, a seguir, os que julgamos dialogar de maneira mais
específica com esse trabalho:

“[…] 3. articulação dos processos históricos, sociais,


econômicos, políticos e culturais para a explicação
do estágio de desenvolvimento dos povos e países,
mantendo-se o direito à diversidade dentro de

80
Ensino de Geografia – Capítulo 4

padrões éticos e de respeito à liberdade de


indivíduos e grupos, com isenção de preconceitos,
tanto de origem, etnia […]
5. discussão de diferenças políticas, econômicas,
sociais e culturais de povos e países, [...] evitando
visões distorcidas da realidade e a veiculação de
ideologias antropocêntricas e políticas, ou ambas;
13. linguagem adequada, [...] evitando
reducionismos e estereótipos no tratamento das
questões sociais e naturais;
14. ilustrações que dialogam com o texto e com
exemplos da diversidade étnica da população
brasileira e da pluralidade social e cultural do país,
não devendo reforçar preconceitos e estereótipos
em relação a gênero e a povos de outras nações do
mundo” (BRASIL, 2015, p. 55-57).

Os itens citados acima são importantes para pensar o conteúdo dos


livros. O terceiro tópico versa sobre os processos históricos, sociais,
políticos e culturais para o entendimento do grau de desenvolvimento
dos espaços. Nesse quesito, a Geografia vai auxiliar – junto com a
História – a entender, por exemplo, a expansão europeia para outros
espaços e como isso reflete, ainda hoje, no grau de desenvolvimento
dependendo da forma como essa ocupação foi imposta. O quinto item,
por sua vez, faz-se importante, pois retoma a discussão sobre aquilo que
é visto nos currículos escolares como norma ou exótico, respeitando que
há formas de estar no mundo que não são, necessariamente, aquelas
defendidas pelas grandes potências mundiais. Nesse sentido,
corroboramos com a fala de Santomé (2013, p. 241) quando coloca que
as vozes menos presentes dentro da cultura escolar são aquelas do
mundo feminino, da infância/juventude/terceira idade, com algum tipo
de doença ou deficiência, gays, lésbicas, transexuais, intersexuais, as
classes trabalhadoras e a pobreza, o mundo suburbano, rural e
marítimo, as nações sem Estado, as etnias minoritárias ou sem poder, os

81
Ensino de Geografia – Capítulo 4

orientais e do terceiro mundo e de outras religiões ou ateus, configuram


as vozes ausentes da cultura escolar.
O décimo terceiro tópico alerta para o cuidado em não reforçar
estereótipos e reducionismos no tratamento das questões de um
determinado lugar. Por fim, o décimo quarto parágrafo, uma vez
cumprido nas obras, visa falar da diversidade, da importância da
pluralidade social e cultural no âmbito do território brasileiro, levando
em conta todo o processo histórico de sua formação. O mesmo edital
trazia uma série de exigências para a forma de abordagem que deveria
conter no manual do professor, que auxilia na sua formação continuada
e incentiva a construção de relações interdisciplinares.
Podemos perceber, portanto, que a norma compulsória existe, mas
as obras aprovadas no PNLD conseguem, de forma satisfatória, trazer o
conteúdo relacionado à geografia da África questões Afro-Brasileiras?

ANÁLISE DAS COLEÇÕES DOS ANOS FINAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL APROVADAS NO PNLD 2017
No PNLD 2017, para os anos finais do Ensino Fundamental, foram
aprovadas onze coleções de livros didáticos. Nesse trabalho foram
avaliadas todas, tendo como parâmetro os critérios colocados pelo
programa e a quantidade de páginas dedicadas ao continente Africano,
em comparação aos outros. As coleções, seus autores, editoras, estão
listadas a seguir e estão dispostas em ordem decrescente, de acordo com
o número de exemplares vendidos. Essa classificação foi feita com base
nos dados de venda dos livros, conforme Brasil (2020).
Coleção Expedições Geográficas, de Melhem Adas e Sérgio Adas,
editora Moderna, com 3.381.582 de livros adquiridos (31,3% do total);
Coleção Vontade de Saber Geografia, de Neiva Torrezani, editora
FTD, com 1.719.260 de livros adquiridos (16% do total);

82
Ensino de Geografia – Capítulo 4

Coleção Geografia Espaço e Vivência, de Andressa Alves, Levon


Boligian, Rogério Martinez, Wanessa Garcia, editora Saraiva, com
1.106.252 de livros adquiridos (10,2 % do total);
Coleção Geografia Homem & Espaço, de Anselmo Lazaro Branco e
Elian Alabi Lucci, editora Sariava, com 1.081.468 de livros adquiridos
(10 % do total);
Coleção Para Viver Juntos, de Fábio B. Moreirão e Fernando dos S.
Sampaio, editora Scipione, com 938.487 de livros adquiridos (8,7 % do
total);
Coleção Projeto Mosaico – Geografia, de Beluce & Valquíria,
editora Scipione, com 712.293 de livros adquiridos (6,6 % do total);
Coleção Por dentro da Geografia, de Wagner Costa Ribeiro, editora
Saraiva, com 566.610 de livros adquiridos (5,2 % do total);
Coleção Geografia nos dias de hoje, de Claudio Giardino, Ligia
Ortega, Rosaly B. Chianca e Virna Carvalho, editora Leya, com 474.813
de livros adquiridos (4,4 % do total);
Coleção Projeto Apoema – Geografia, de Claudia Magalhães, Lilian
Sourient, Marcos Gonçalves e Roseni Rudek, editora do Brasil, com
378.416 de livros adquiridos (3,5 % do total);
Coleção Integralis – Geografia, Helio Garcia & Paulo Roberto
Moraes, editora IBEP, com 307.332 de livros adquiridos (2,8 % do total);
Coleção Geografia Cidadã, Laercio Furquim Jr., editora AJS, com
117.133 de livros adquiridos (1,3 % do total).
Para analisar as obras, elaboramos um modelo de tabela, a ser
preenchido para todas as coleções. O modelo utilizado para a essa
análise tinha como foco principal os volumes e capítulos que tratam
especificamente sobre a geografia do continente africano e sobre a
Geografia do Brasil (pela particularidade da formação do povo
brasileiro), sendo que observações sobre outros capítulos e volumes das
coleções seriam feitas como informações complementares. Os capítulos

83
Ensino de Geografia – Capítulo 4

e/ou conteúdos estavam sempre nos volumes dedicados ao 7º ano, cujo


foco territorial é o Brasil, e nos livros dedicados ao Continente
Americano, que variaram entre 8º ou 9º ano, de acordo com a divisão
territorial adotada na coleção.
A forma de análise, bem como o que se pretendia observar em cada
um dos campos (e os motivos) está na Tabela 01. Cada uma das coleções
e volumes foram analisadas usando essa tabela como padrão,
permitindo um parâmetro de comparação entre elas.

Tabela 01. Modelo de tabela utilizado na análise das coleções


aprovadas no PNLD 2017.
Nome da coleção

Autores

Ano a que se destina:

Distribuição dos conteúdos e páginas

Aqui a intenção foi verificar o tamanho do volume no qual se encontram


os capítulos sobre Geografia da África, mostrando a organização da divisão de
capítulos e a quantidade de páginas do livro do aluno e do manual do professor.

Número de páginas

Essa unidade descritiva visou confirmar ou não as afirmações de Anjos


(2005, p. 175), que explicitava suas preocupações com a colocação do assunto
“Geografia da África” por último nos materiais didáticos, bem como afirmava
que o assunto sempre apresentou um número menor de páginas.

Geografia da África

Visava descrever o que é apresentado em cada um dos capítulos


destinados à Geografia da África. Aqui, procurou-se observar se os capítulos
mantêm um discurso de ênfase nos problemas e, em caso positivo, se ao menos
esses problemas estão contextualizados. Verificamos também se o continente
e seus habitantes (e descendentes) aparecem em outros capítulos do volume.

Imagens: reforçam as diversidades ou os estereótipos do continente?

84
Ensino de Geografia – Capítulo 4

Essa parte analisamos o que predomina nas imagens do continente e das


pessoas desse continente. Uma vez que imagem é uma forma de texto,
procuramos observar se os livros trazem imagens outras que aquelas
representando problemas.

Outros volumes da coleção – descrição geral

Descreveu-se aqui se a África ou a população afro-brasileira aparece em


outros livros da coleção e, se sim, em que contexto. Isso porque os capítulos
sobre Geografia do Brasil e alguns autores, também, nos capítulos sobre
Geografia da América, deram um grande destaque à formação demográfica
desses territórios e, uma vez que esses territórios se configuram como os
maiores receptores de africanos que foram escravizados, descrevemos aqui
onde e como encontramos essas menções nos outros volumes.

Avaliação geral: Tendo por base a LDB no seu artigo 26-A, como essa obra
se enquadra?

Aqui foi apontado aspectos positivos e negativos da coleção em relação


às exigências do PNLD.
Organização Dalbem e Cigolini (2019).

Como pode-se perceber nas explicações de cada campo, mais do


que uma questão quantitativa, buscamos um levantamento qualitativo
do conteúdo, a fim de verificar a permanência ou não dos estereótipos
que tradicionalmente são reforçados nesses materiais. A análise
quantitativa (no quadro, o item número de páginas) foi verificar,
conforme que a África continua, sistematicamente, nas partes finais das
publicações, perdendo (ou ganhando) o lugar apenas quando a Oceania
e/ou Regiões Polares estão no mesmo volume. Não colocamos essa
informação com a finalidade de afirmar que a quantidade de páginas é
indicativa da qualidade da abordagem sobre o continente, trata-se
apenas da verificação de continuidade daquilo que foi colocado pelo
professor Anjos (2005), da falta de isonomia.
Cada coleção/volume resultou numa ficha detalhada, que não está
disponível nesse artigo por questão de espaço, mas apresentamos o
resumo delas, para cada coleção, a seguir.

85
Ensino de Geografia – Capítulo 4

COLEÇÃO EXPEDIÇÕES GEOGRÁFICAS


Essa é a coleção mais distribuída no país. Nela, a distribuição de
páginas não está discrepante com relação às outras unidades, sendo o
número de páginas destinadas ao continente o segundo maior do volume
em que se encontra. No entanto, o último capítulo sobre o continente
africano a fragiliza, pois traz narrativas apenas sobre guerras civis,
corrupção, epidemias, desnutrição e as falhas no sistema de
comunicação e infraestrutura sem mostrar contrapontos em países
como a Nigéria, por exemplo, que está crescendo economicamente de
maneira considerável nos últimos anos.
Sendo a coleção mais distribuída no Brasil, é preocupante o fato de
que os alunos estão recebendo um discurso tradicional que reforça a
ideia de que a África é um continente que precisa ser salvo. Ao acabar o
capítulo, os autores apresentam um fotógrafo brasileiro que esteve no
continente, segundo eles, “captando a condição humana” (ADAS; ADAS,
2015, p. 244), e que, na série África, apresenta “[...] além das belíssimas
paisagens naturais e práticas culturais, Sebastião Salgado registrou
guerras, fome e epidemias lamentavelmente presentes nesse
continente” (ADAS; ADAS, 2015, p. 244). Após essa fala, os autores
apresentam duas imagens: uma sobre refugiados ruandeses na atual
República Democrática do Congo e outra sobre uma imagem de alunas
somalis de um território controlado por radicais islâmicos, que não são
autorizadas a estudar junto com os meninos. A belíssima paisagem, no
entanto, não é apresentada, nem mesmo uma prática cultural que
poderia contrapor as imagens e textos apresentados pelos autores e
fotógrafo, o que auxilia a reforçar estereótipos sobre o continente.

COLEÇÃO VONTADE DE SABER GEOGRAFIA


A autora inicia os capítulos que retratarão o continente africano
com uma escrita bastante crítica àquilo que os europeus utilizavam
como justificativa para invadir os espaços que colonizaram, “[...] visto

86
Ensino de Geografia – Capítulo 4

que, do ponto de vista europeu, esses povos eram considerados


selvagens ou “atrasados” e, por isso, era preciso civilizá-los”
(TORREZANI, 2015, p. 206). No entanto, os capítulos que seguem, em
especial o capítulo 28, onde a autora trata da economia, determinam o
que será transmitido já de início: “África: a economia de um continente
subdesenvolvido” (TORREZANI, 2015, p. 230). Embora haja uma ressalva
nas páginas 248 e 249, esse capítulo reforça a ideia de que é um
continente atrasado e com problemas que datam do período colonial,
baseando a atividade econômica nos processos agrícolas. Ainda que seja
uma coleção que apresenta dados interessantes sobre as minorias
sociais, não aborda tão criticamente como indicado no início e reforça
aquilo que se lê há décadas sobre o continente. Há momentos – como
nesse da economia – em que a escrita crítica ou mesmo a disposição de
dados recentes sobre as crescentes economias de alguns países (Nigéria
e Angola, por exemplo) poderia contrapor-se ao discurso estabelecido.

COLEÇÃO GEOGRAFIA ESPAÇO E VIVÊNCIA


Essa coleção configura-se como uma das coleções que possui
menos páginas dedicadas ao continente africano. Consideramos que ela
mantém a linha editorial das obras anteriores, mas se destaca
positivamente ao apresentar os movimentos de resistência ao
colonialismo, coisa que as outras duas coleções mais distribuídas não
trazem na abordagem do processo de colonização, dando a impressão de
que não houve entraves entre colonizadores e colonizados.
É importante apontar aqui o fato de que todas as obras analisadas
para essa pesquisa, deixam o assunto da resistência de lado e o repetem
ao abordarem o processo de ocupação da América, citando, quando
muito, e de maneira superficial esses processos de resistência,
informações que seriam importantes ao se pensar os processos de
formação territorial. A obra em questão dá valorização excessiva dos

87
Ensino de Geografia – Capítulo 4

imigrantes europeus no processo de formação do povo brasileiro, em


detrimentos dos outros.
As obras apresentadas até esse momento – e as destacamos pelo
número de estudantes que atingem – em nossa visão, não estão
totalmente de acordo com os critérios de deleção do PNLD,
especialmente ao critério (já citado) de número 13. Parafraseando o
edital, sabemos que algumas coisas não podem ser “evitadas”, mas, se
hoje possuímos uma grande rede de notícias e de dados que possibilitam
o conhecimento de outros aspectos sobre o continente em questão,
continuar a mostrar aquilo que se mostra do mesmo jeito há décadas, é
um descompromisso e uma questão de opção política.
Dentre essas três coleções, que representam 57,5% dos volumes
distribuídos – o que implica em um número bruto de 6.207.094 de livros
e manuais de professor distribuídos – percebemos, ao longo da leitura e
análise, que ainda há muito de estereótipos. Em alguns momentos mais
ou menos contextualizados, mas, ainda assim, estereótipos. E aqui não
estamos afirmando que aquilo que os autores apresentam não é correto,
mas, sem dúvida, são informações parciais que reforçam o lugar comum
e os reducionismos culturais.
Abaixo, a análise das outras coleções, que representam – juntas –
42,5% dos livros e manuais distribuídos no país.

COLEÇÃO GEOGRAFIA – HOMEM & ESPAÇO


A coleção em questão traz alguns elementos bem interessantes,
como a atividade da página 234, “Mapa cultural da África:
personalidades”, pois incentiva os estudantes e docentes a buscarem
personalidades africanas que tenham ajudado no desenvolvimento de
seus países (econômica, cultural e politicamente, no campo das ciências
ou dos esportes). Apresentam aos discentes e docentes o escritor
Ishmael Beah, criança soldado em Serra Leoa, aliciado pelo governo, que

88
Ensino de Geografia – Capítulo 4

foi resgatado por forças da ONU e escreveu a narrativa biográfica: Muito


longe de casa, história de um menino soldado.
Essa forma de apresentar questões históricas e culturais é
interessante, na medida em que personifica eventos na vida de atores e
estimula o aluno a buscar mais informações. No entanto, os autores
apresentam dados sem convidar à interpretação crítica da formação
territorial, tanto do continente africano quanto no americano.

COLEÇÃO PARA VIVER JUNTOS – GEOGRAFIA


O livro Para Viver Juntos é crítico e diverso em suas abordagens,
mostrando contrapontos interessantes como, por exemplo, ao tratar do
território e população brasileira, abordar as comunidades quilombolas
na região amazônica do Brasil, uma vez que, em geral, somente os
indígenas são abordados ao falar dessa região e hoje, especialmente no
Pará, sabemos da existência de muitas comunidades tradicionais
quilombolas. Aborda também questões de gênero na África e outros
espaços marcados por desigualdades e passados colonizados, além de
apresentar um trabalho progressivo de cartografia ao longo de todos os
volumes da coleção.

COLEÇÃO PROJETO MOSAICO – GEOGRAFIA


Essa coleção tem um formato informativo. Lembra apanhados
estatísticos com um pouco de informação introdutória aos dados, mas
não provoca a reflexão dos leitores e leitoras. Não identificamos um
cuidado ao tratar das questões raciais, embora proporcione algum
contato com questões de gênero.
Quando pensamos nas indicações do edital do PNLD, não
avaliamos que tenha havido atendimento ao critério 3 para as obras de
geografia e, ainda menos, o critério 3 para os manuais dos professores o
que, somado à realidade que levantamos com os dados de formação dos

89
Ensino de Geografia – Capítulo 4

professores (e que será apresentado ainda nesse artigo), dá um quadro


ainda mais preocupante para as escolas que adotam essa coleção.

COLEÇÃO POR DENTRO DA GEOGRAFIA


Por dentro da Geografia é a coleção que mais estimula o olhar
interdisciplinar em todos os capítulos, mostrando possibilidades de
ligação, por exemplo, com História, Ciências, Língua Portuguesa e
Matemática.
Naquilo que diz respeito ao continente africano ressalta-se a
qualidade cartográfica dos capítulos, tanto para apresentação de dados
atuais como aqueles para contextualização histórica dos processos
geográficos instalados no continente. Especificamente, chama-se
atenção para dois mapas que não foram abordados em nenhuma outra
coleção: o primeiro, presente na página 188, mostra as bases de apoio à
navegação portuguesa no século XV e o segundo, na página 189, mostra
os eixos de penetração europeia no fim do século XIX. Esses dois mapas
auxiliam os leitores a entender os contextos de divisão do território que
ocorreu no Congresso de Berlim, que tem sua materialização
cartográfica na página 190. Essa, também, foi a coleção em que as
discussões de minorias apareciam de maneira orgânica em vários
momentos, sendo retomadas em volumes posteriores, o que favorece ao
aluno a construção de uma postura crítica e não estanque frente aos
processos geográficos, históricos e culturais presentes no livro. Embora
seja uma das coleções que menos tem páginas dedicadas ao continente
africano, a leitura remete ao continente em vários momentos.

COLEÇÃO GEOGRAFIA NOS DIAS DE HOJE


Apesar de destinar um número de páginas inferior ao continente
africano, classificamos essa coleção como uma das melhores nas
questões aqui investigada. Um dos seus diferenciais é sua abordagem
com maior profundidade à questão do negro nos Estados Unidos da

90
Ensino de Geografia – Capítulo 4

América, sendo uma exceção no contexto das coleções aprovadas.


Ainda, apresenta dados interessantes sobre os reinos africanos e aborda
o continente africano e seus habitantes (e descendentes) em vários
contextos. Em alguns momentos, os capítulos são críticos e instigantes.
No conteúdo de geografia do Brasil, os autores trazem a cultura
africana e de seus descendentes em vários momentos da escrita,
apresentando imagens com negros em posição considerada de destaque
dentro da sociedade brasileira, como no livro do 7º ano, p. 63, quando
uma médica ortopedista pediatra é apresentada.

COLEÇÃO PROJETO APOEMA – GEOGRAFIA


Também é uma das coleções que dedica menos páginas ao
Continente Africano. Dentro dela, gostaríamos de indicar a sessão
“Geografia e Cidadania”, que tem como intuito evidenciar questões
legislativas sobre os fatos e dados apresentados. É uma colaboração
interessante para os alunos, uma vez que podem fazer ligações entre os
assuntos dos livros e como eles aparecem fora do ambiente escolar.
Outro destaque é a sessão “Com a palavra, o especialista”, que apresenta
um estudioso do assunto dando uma entrevista com o intuito de
corroborar com o texto, relacionando-o ao mundo do trabalho.
Sobre aquilo que diz respeito exclusivamente ao continente
africano, a obra apresenta uma diversidade interessante de povos
tradicionais, mostrando suas vestimentas e sua localização dentro do
continente. Trabalha também a importância da tradição oral em Angola,
coisa que é comum às comunidades tradicionais.

COLEÇÃO INTEGRALIS – GEOGRAFIA


O Volume 9 dessa coleção inicia com um discurso crítico sobre as
realidades enfrentadas pelo território africano nos últimos séculos e
culmina nos dias de hoje, o que é um ponto positivo. No decorrer dos
capítulos, no entanto, esse discurso, mesmo que crítico, não apresenta

91
Ensino de Geografia – Capítulo 4

saídas e realidades mais recentes de locais outros que não seja o Egito e
África do Sul, indicados, em praticamente todos os materiais didáticos,
como os casos de exceção à pobreza e problemas das mais diversas
ordens.
Quantitativamente, essa coleção dedica um espaço muito menor ao
continente africano do que aqueles espaços destinados aos continentes
europeu e asiático. Dentro dessa coleção, o volume destinado ao 7º ano
é interessante para pensar as relações étnico-raciais, pois apresenta
exercícios críticos acompanhados por dados estatísticos, em formato de
série histórica. Os autores também fazem apontamentos interessantes
ao ressaltar que os africanos não podem, de fato, ser considerados
imigrantes uma vez que foi uma migração forçada.

COLEÇÃO GEOGRAFIA CIDADÃ


Nessa obra, os capítulos dedicados ao continente africano somam
um número de páginas reduzido frente a outros espaços, basta fazer uma
comparação com a quantidade destinada à América Anglo-Saxã, que
possui 79 páginas, sendo o continente americano todo abordado em 209
páginas, contra 67 dedicadas ao continente africano.
No entanto, o autor buscou apresentar outras questões sobre o
continente africano que não estão presentes em outras coleções. A
presença da contribuição africana para as mais diversas sociedades fica
explícita em, pelo menos, um momento de cada livro da coleção e,
embora tenha deixado de lado as questões raciais nos Estados Unidos,
por exemplo, o material como um todo é crítico e reflexivo,
especialmente nos exercícios. Merece destaque positivo, ainda, a sessão
intitulada “Ética” que sugere abordar, em sala de aula, vários assuntos
considerados polêmicos.
Fazendo uma análise global dessas 44 obras, podemos afirmar que
as abordagens sobre os afro-brasileiros melhoraram, ao passo que as
abordagens sobre os africanos e o Continente Africano continuam

92
Ensino de Geografia – Capítulo 4

problemáticas. É provável, e aqui estamos fazendo apenas uma


consideração, que a aprovação da lei, vinculada a alguns cursos de
formação continuada e até mesmo à veiculação, na mídia jornalística,
sobre a demarcação de terras quilombolas tenha dado vazão e material
para que isso fosse refletido no livro didático.
Dentre nossas observações, percebe-se que as coleções mais
vendidas obedecem a uma configuração de demonstração de conteúdos
e dados parecida entre si. As obras dos autores, que representam mais
de 50% dos volumes distribuídos no país e que possuem obras aprovadas
há alguns editais encontraram, talvez, um procedimento. Todavia, todos
e todas os responsáveis pela produção do livro didático deveriam ter em
mente, sempre, o papel social desses materiais. Embora tenhamos
identificado coleções muito interessantes e que optaríamos por usar em
sala de aula, nenhuma pode ser considerada pronta em relação a
abordagem sobre o continente africano.

O avanço constante do conhecimento científico


sobre a África, em especial nos campos da
paleontologia e da antropobiologia, não cessam de
confirmar esse continente no palco privilegiado de
lugar de origem da consciência humana e das
experimentações que conduziram à vida em
sociedade. Contudo, a lentidão da
assimilação/integração desses dados
revolucionários, pelo meio acadêmico, continua
sendo um problema, razão pela qual a reatualização
dos conhecimentos e a reciclagem deverão
constituir peças importantes no processo didático. À
primeira vista, uma das formas eficientes de
alcançar esses objetivos seria a organização de
oficinas de formação para agentes multiplicadores
selecionados, preferencialmente, entre os docentes
das disciplinas humanas, e não somente na
disciplina histórica." (WEDDENBURN, 2007, p. 32-
33).

93
Ensino de Geografia – Capítulo 4

As questões evidenciadas nessa citação, bem como a preocupação


dos autores de livros didáticos, que em algumas obras fica mais evidente
do que outras, não pode, sozinha, sanar os problemas da Educação. As
instituições de Ensino Superior um papel determinante no cuidado e na
formação dos professores que estarão em sala de aula e, por isso,
apresentamos a seguir alguns dados sobre a formação universitária nos
cursos de licenciatura – públicos – no Brasil.

O QUE SABEM AQUELES QUE ENSINAM GEOGRAFIA DA ÁFRICA?

Gomes (2010, P. 103-103) aponta que

“[...] a implementação da lei 10.639/03 também


encontra os cursos de formação de professores em
ensino superior com pouco ou nenhum acúmulo
sobre a temática racial e, muitas vezes, é permeada
pela resistência a sua própria inserção nos
currículos dos cursos de Pedagogia e Licenciatura”.

Com a intenção de afirmar com propriedade a veracidade dessa


afirmação, decidiu-se pesquisar e sistematizar dados quantitativos
relativos à graduação em licenciatura em Geografia. Esses dados
consistem na verificação da existência ou não de disciplinas sobre a
Geografia da África. O primeiro passo foi a pesquisa no website do
Ministério da Educação (MEC). Nele é possível fazer uma busca de todos
os cursos de geografia que existem no Brasil, com a possibilidade de
inserir alguns filtros. Para essa pesquisa preenchemos o mecanismo de
busca da seguinte forma: consulta avançada → curso: geografia →
gratuidade do curso: sim → grau: licenciatura → situação: em atividade → e,
então, digitamos o código que a plataforma gerou no momento da consulta.
Esses filtros geraram uma tabela que foi baixada em formato de
planilha do Excel. A partir daí, buscamos o site de todas as
universidades/faculdades que ali se encontravam, com intuito de

94
Ensino de Geografia – Capítulo 4

procurar, nos currículos e Projetos Político-Pedagógicos dos cursos, a


existência de disciplinas que trouxessem como conteúdo a Geografia da
África e/ou nas relações étnico-raciais. As informações foram
sistematizadas, por região, na Tabela 02, a seguir.

Tabela 02. Disciplinas sobre “Geografia da África” ou similares nos


cursos de licenciatura do Brasil
Com Com Sem
Sem
disciplinas disciplinas disciplinas
Número informação
Região obrigatórias optativas (Geografia
de sobre
(IBGE) (Geografia (Geografia da África
cursos disciplinas
da África ou da África ou ou
do curso
similares) similares) similares)
Centro-oeste 8 3 0 2 3
Nordeste 30 7 6 9 8
Norte 11 2 0 1 8
Sudeste 23 7 1 1 14
Sul 16 7 2 0 7
EaD 13 4 4 0 5
Total 101 30 13 13 45
Fonte: http://emec.mec.gov.br/. Organização: Dalbem e Cigolini (2019)

A tabela nos coloca em contato com uma realidade, dos 101 cursos
de licenciatura gratuitos no país hoje, 71 deles (70,3%) não possuem
disciplinas obrigatórias que tratam da temática africana durante o
processo de formação. Lembrando: a lei é de 2003.
Sobre essa realidade, cabe alguns exemplos que elucidam o
conjunto. A UNICENTRO, no Paraná, traz na ementa da disciplina de
Geografia Agrária do Campus de Guarapuava o seguinte item: “os
afrodescendentes e relação de trabalho no campo”, e no campus de Irati
na disciplina de Geografia Social e Cultural o item “a educação das
relações étnico-raciais e tratamento de questões e temáticas que dizem
respeito aos afrodescendentes” que a partir deste ano (2017) foi
substituído por “a educação das relações étnico-raciais. Dignidade
humana, reconhecimento, e valorização das diferenças e das

95
Ensino de Geografia – Capítulo 4

diversidades, transversalidade e interseccionalidades, sustentabilidade


socioambiental”.
Na Universidade de São Paulo (USP), há a disponibilidade, dentro
do curso de Geografia, de uma disciplina optativa, mas não encontramos
nenhuma pista de que a mesma já tenha sido ofertada. Já as
Universidades Federais do Acre (UAC), Amazonas (UFAM), Viçosa
(UFV), Minas Gerais (UFMG), Piauí (UFPI) e as Universidades Estaduais
de Londrina (UEL) e Maringá (UEM), para complementar os exemplos,
não possuem nenhuma disciplina ou indicação de disciplina que tratem
da temática e, quando muito, citam em seus PPP’s a importância de
pensar na educação voltada para a diversidade cultural do Brasil, mas
sem ofertar espaços específicos para essa discussão em seus currículos.
Se relacionarmos os dados do total de cursos por regiões com a
quantidade que possuem disciplinas dentro dessas temáticas de maneira
obrigatória, os dados ficam ainda mais alarmantes. Nenhuma das
regiões atinge ou ultrapassa sozinha o índice de aproximadamente
44,5% de presença de disciplinas preocupadas em discutir o continente
africano, sendo que a região norte se caracteriza como a que menos
disponibiliza a formação. Somente 18% das instituições disponibilizam
a formação na área e a região sul a que mais disponibiliza, com um índice
de 43,8%.
Evidenciamos na primeira parte desse trabalho a deficiência dos
livros didáticos em relação ao tema ora em reflexão. Evidenciamos, pela
análise dos currículos e PPPs dos cursos de geografia que há um
problema de origem, na formação dos professores, em relação a esse
mesmo tema. E na pós-graduação, há produção de conhecimento que
possa futuramente mudar esse quadro, considerando que esse é o lócus
de preparação de profissionais que serão autores, professores
universitários, pesquisadores?
Cirqueira e Correa (2012) fizeram um levantamento sobre a
produção científica da Pós-graduação em geografia, que tinha questões

96
Ensino de Geografia – Capítulo 4

étnico-raciais como tema. Na pesquisa, a ideia era analisar como os


debates sobre racismo repercutiram nessa produção. De acordo com os
autores esse debate deveria refletir na academia, uma vez que as
questões que são pauta dos movimentos sociais, geralmente culminam
em agenda de pesquisas das ciências, seja para confirmar ou refutar os
argumentos do debate. Entre suas conclusões os autores constatam
questões importantes.

“[…] ao compararmos a produção entre o período


anterior e posterior ao ano 2000, fica nítido - mesmo
que timidamente - que a temática racial começa se
mostrar presente nas abordagens geográficas.
Porém, devemos enfatizar que o número ainda é
irrisório frente à dimensão ampla que o debate
insurge atualmente na sociedade brasileira. Com
certeza a Geografia tem muito a contribuir para esse
debate. (CIRQUEIRA; CORREA, 2012, p. 12)

O quadro preocupante trazido por esses autores se torna mais


grave, quando se analisa a distribuição geográfica das pesquisas
referentes ao tema.

Verificamos na região Norte e Sul, praticamente a


inexistência de produção voltada para essa temática.
A ausência de qualquer produção na primeira
decorre principalmente do fato de que só
recentemente se constituíram programas de pós-
graduação em geografia nessa região. Já na região
Sul, é um fato que deve ser problematizado um
pouco mais a fundo. Apesar de existirem programas
que surgiram recentemente, ela representa o
segundo maior polo de pós-graduações em
Geografia do Brasil (CIRQUEIRA; CORREA, 2012, p.
7).

97
Ensino de Geografia – Capítulo 4

Os autores ainda chamam a atenção mais uma das suas


conclusões, que dialoga diretamente com o escopo da presente pesquisa.

Uma das mais graves lacunas que encontramos no


levantamento é a falta de uma produção sobre a
questão étnico-racial e educação. Nos últimos anos
têm havido um debate intenso em torno da lei
10.639, promulgada em 2003, que obriga a
implementação no ensino básico de conteúdos
sobre a história da África e dos afro-descentes no
Brasil, suas lutas e importância na formação
cultural, econômica e política do território
brasileiro. [...]. Contudo, pelo que notamos a pós-
graduação tem passado ao largo desse importante
debate, apesar da Geografia ser uma disciplina
presente no ensino básico. Nenhum trabalho
problematizou essa temática, ou ao menos dedicou
um espaço para a discussão do ensino de geografia,
ou para a lei 10.639 (CIRQUEIRA; CORREA, 2012, p.
13).

As informações apresentadas na segunda parte do presente


trabalho, da inexistência de conteúdo sobre a questão da étnico-racial
nos currículos dos cursos de geografia, conversam tanto com as
afirmações de Cirqueira e Correa (2012) como com as observações feitas
por Gomes (2010). Se temos um reconhecimento legal e social, da
necessidade de discussão em âmbito acadêmico e escolar, seja da
importante contribuição para a sociedade brasileira (técnica e cultural)
dos africanos que foram trazidos em situação de escravidão, seja das
barreiras e correntes que seus descendentes enfrentam frente uma
sociedade que ainda possui um pensamento escravocrata, qual é a
justificativa das Instituições de Ensino Superior para que esses assuntos
ainda não estejam em seus currículos? Poderíamos falar de um
preconceito acadêmico e epistemológico, que mantém uma linha de
pensamento que é a mesma da história da fundação das universidades
brasileiras?

98
Ensino de Geografia – Capítulo 4

Se durante a pesquisa na pós-graduação, os autores procuraram a


discussão sobre o continente africano materializado em dissertações e
teses, aqui pensamos na formação de base do acadêmico de geografia.
Se há a disponibilidade de disciplinas nos cursos de Geografia na região
Sul, qual o elo perdido no reflexo dessas produções da Pós-graduação?
Diante do quadro, coloca-se que cabe às Instituições de Ensino Superior,
de maneira urgente, estabelecer e oferecer, com frequência, disciplinas
que discutam o tema, pois é na formação docente que as lacunas da sala
de aula podem ser minimizadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na primeira parte desse trabalho trouxemos uma análise, ainda
que sucinta, sobre o PNLD, bastante pautada no que esse programa exige
para aprovação dos livros didáticos que são a principal ferramenta
literária das escolas públicas brasileiras. A análise do texto do PNLD foi
feita tendo foco as exigências sobre questões étnico-raciais. Entender
tais exigências permitiu seguir para a segunda parte: a leitura crítica dos
livros didáticos.
Essa leitura, do ponto de vista metodológico, foi feita com base nos
parâmetros estabelecidos num quadro que permitiu concluir as coleções
foram analisadas individualmente verificando da qualidade na
abordagem sobre a África, como foco principal e, como foco secundário
como questões étnico-raciais estavam presentes no conteúdo referente
a formação territorial do continente americano. O resultado apontou que
ainda não se pode dizer que o continente Africano esteja sendo abordado
de maneira satisfatória, pois embora se reconheça que existem boas
obras, com reflexões críticas, a questão de estereótipos ainda está
bastante presente.
Em seguida foi apresentado um levantamento das disciplinas, em
Instituições de Ensino Superior, que trabalham com Geografia da África
ou temas correlatos. O resultado demostrou um quadro bastante

99
Ensino de Geografia – Capítulo 4

preocupante, pois a temática não aparece, ou aparece de modo bastante


secundário na grande maioria dos currículos e PPPs dos cursos de
graduação em Geografia no Brasil. Considerando que existe uma lei que
estabelece como obrigatório o ensino dessa temática, evidencia-se que
os cursos não estão preparando os professores para isso. Nessa mesma
parte do trabalho, verificou-se que os dados levantados em 2012 por
Cirqueira e Correa, sobre ausência de produção científica sobre relações
étnico-raciais nos Programas de Pós-graduação pode ter sua origem
explicada pela falta de disciplinas já na graduação.
No conjunto o resultado da pesquisa é um alerta, pois mostra um
círculo que tem sido vicioso:
1. Os livros didáticos não são satisfatórios, logo existe um desafio
ainda não superado pelos autores.
2. Os professores que irão usar esses mesmos livros, saem dos
cursos despreparados para uma melhor reflexão e debate junto às
escolas e à sociedade. Nesse caso, usando-se os livros, há uma grande
chance de reprodução contínua dos estereótipos.
3. A quantidade de pesquisas nas Pós-graduação é ínfima diante da
sua importância, o que, talvez, explique a ausência do tema na
graduação, quanto na dificuldade de construir obras didáticas mais
adequadas.
Encerra-se chamando a atenção, portanto, sobre a necessidade de
construção de uma agenda de pesquisas na área da geografia, que
consiga refletir sobre os caminhos possíveis para superar/quebrar esse
círculo vicioso

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADAS, Melhem; ADAS, Sérgio. Expedições Geográficas. 2. ed. São


Paulo: Moderna, 2015. 4 v.

100
Ensino de Geografia – Capítulo 4

ALVES, Andressa; et al. Geografia espaço e vivência. 5. ed. São Paulo:


Saraiva Educação, 2015. 4 v.

ANJOS, Rafael Sanzio A. dos. A África, a educação brasileira e a


geografia. In: SECAD/MEC (org.). Educação antirracista: caminhos
abertos pela Lei Federal nº 10.639/2003. Brasília-DF:
MEC/BID/UNESCO, 2005, v. 1, p. 167-178.

ARROYO, Miguel González. A pedagogia multirracial popular e o


sistema escolar. In: GOMES, Nilma Lino. Um olhar além das
fronteiras: educação e relações raciais. 1. ed.- Belo Horizonte:
Autêntica, 2010, p. 111-130

BELLUCCI, Beluce; GARCIA, Valquiria Pires. Projeto mosaico –


Geografia. 1. ed. São Paulo: Editora Scipione, 2015. 4 v.

BRANCO, Anselmo Lazaro; LUCCI, Elian Alabi. Geografia – homem &


espaço. 7º ano. 24 e 27 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2015. 4 v.

BRASIL. MEC - Secretaria da Educação Básica. Edital de convocação


para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o
Programa Nacional do Livro Didático. Brasília, DISTRITO FEDERAL,
2015. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/centrais-de-
conteudos/publicacoes/category/165-editais?download=9518:pnld-2017-
edital-consolidado-10-06-2015>. Acesso em: 20 julho 2017.

BRASIL. MEC - Secretaria da Educação Básica. Programa Nacional do


Livro Didático. Dados Estatísticos.
Disponível: http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-
do-livro/pnld/dados-estatisticos, acesso em 17.02.2020.

CIRQUEIRA, D. M.; CORREA, G. S. Abordagens sobre a questão étnico-


racial nas pós-graduações de geografia no Brasil. In: XVII Encontro
Nacional de Geógrafos - XVII ENG, 2012, Belo Horizonte - MG. XVII
Encontro Nacional de Geógrafos - XVII ENG. Belo Horizonte - MG:
UFMG, 2012. v. 1. p. 1-16 Disponível em:
<http://www.ub.edu/geocrit/coloquio2012/actas/08-D-Marcal.pdf>.
Acesso em: 31 janeiro 2018.

101
Ensino de Geografia – Capítulo 4

FURQUIM JR, Laercio. Geografia cidadã. 1. ed. São Paulo: AJS, 2015. 4
v.

GARCIA, Helio; MORAES, Paulo Roberto. Integralis – Geografia. 1. ed.


São Paulo: IBEP, 2015. 4 volumes.

GIORDANO, Claudio et all. Geografia nos dias de hoje.


Lisboa/Portugal:editora Leya, 2015. 4 volumes.

GOMES, Nilma Lino. Diversidade étnico-racial e Educação no contexto


brasileiro: algumas reflexões. In: GOMES, Nilma Lino. Um olhar além
das fronteiras: educação e relações raciais. 1. ed. - Belo Horizonte:
Autêntica, 2010, p. 97-109.

MAGALHÃES, Claudia; et al. Projeto Apoema – Geografia. 2. ed. São


Paulo: Editora do Brasil, 2015. 4 volumes.

MENESES, Maria Paula G. Os espaços criados pelas palavras: racismos,


etnicidades e o encontro colonial. In: GOMES, Nilma Lino. Um olhar
além das fronteiras: educação e relações raciais. 1. ed. - Belo
Horizonte: Autêntica, 2010, p. 55-76

MOREIRÃO, Fábio Bonna; SAMPAIO, Fernando dos Santos. Para viver


juntos – Geografia. 4. ed. São Paulo: Edições SM, 2015. 4 volumes.

RIBEIRO, Wagner Costa. Por dentro da Geografia. 3. ed. São Paulo:


Saraiva Educação, 2015. 4 volumes

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Currículo escolar e justiça social: o cavalo de


Troia da educação. Porto Alegre: Penso, 2013, 335p.

WEDDERBURN, Carlos Moore. Novas bases para o ensino da História


da África No Brasil. Disponível em:
https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/849149/mod_resource/content/1/
WEDDERBURN,%20Carlos.%20Artigo%20cient%C3%ADfico.pdf .
Acessado em 31.10.2019.

102

Você também pode gostar