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Urologia

Fundamental

CAPÍTULO Hipertensão
10 Renovascular

Antonio Marmo Lucon


Marcos Lucon
UROLOGIA FUNDAMENTAL

INTRODUÇÃO mões. Angiotensina II eleva a pressão arterial por dois


Doença renovascular pode ser definida como mecanismos: é um potente vasoconstritor e estimula as
aquelas situações clínicas consequentes a obstruções camadas corticais das suprarrenais a produzirem aldos-
totais ou parciais de uma ou das duas artérias renais. terona. Aldosterona aumenta excreção de K+, retenção
Hipertensão arterial sistêmica, aqui chamada de hi- de Na+, aumento de volemia e, como consequência, da
pertensão renovascular, e insuficiência renal crônica pressão arterial. Esse mecanismo regulatório funciona
por nefropatia isquêmica são as manifestações mais ininterruptamente: quando há queda da pressão de
importantes. Proteinúria, hiper-reninismo e risco perfusão do rim (posição ortostática, desidratação e
aumentado da doença cardiovascular são associações hemorragias), aumenta a produção de renina, e quando
frequentes. No Hospital das Clínicas da Faculdade de há aumento da pressão de perfusão do rim (decúbito
Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), horizontal, hipervolemia e excesso de ingestão da Na+),
67% das obstruções das artérias renais foram de origem diminui a produção de renina.
arterosclerótica, 19% de displasias fibromusculares e Células do aparelho justaglomerular, que são locais
14% de arterite primária da aorta. Causas raras foram onde a renina é produzida, são sensíveis às tendências de
lesões traumáticas, luéticas e malformações congênitas. variação da pressão arterial. Barorreceptores espalhados
Outras séries mostram números um pouco diferentes, pelo corpo e concentrados no seio carotídeo contribuem
com aterosclerose entre 80 e 90%, displasias fibromus- de maneira primordial para essa tarefa. Havendo esteno-
culares entre 10 e 20% e arterites mais raras. Arterites se da artéria renal, há queda do fluxo plasmático renal e
têm sido relatadas com maior incidência no Brasil aumento da produção de renina, mas agora não de modo
e em países do sudeste asiático do que na Europa e fisiológico, mas patológico. Não basta simplesmente
na América do Norte. Aterosclerose acomete mais haver estenose da artéria renal para que haja hiperten-
indivíduos a partir dos 50 anos de idade, especial- são renovascular. Estudos experimentais mostram que
mente fumantes e dislipidêmicos. Embora possa ser estenoses menores que 50% da luz não comprometem
encontrada em crianças, adultos jovens entre 20 e 50 o fluxo sanguíneo ao rim, nem a pressão de perfusão, e
anos de idade estão na faixa etária em que displasias não há elevação de pressão arterial. Estenoses entre 50
fibromusculares das artérias renais são mais diagnosti- e 70% da luz ainda mantém o fluxo sanguíneo no rim
cadas. Arterite primária da aorta é doença de crianças em níveis normais e diminuem a pressão de perfusão,
e de jovens, mais raramente de adultos abaixo dos 45 mas não causam aumento da pressão arterial. É provável
anos de idade. Todas as lesões progridem com o tempo que o mecanismo fisiológico da regulação ainda consiga
e as oclusões totais são frequentes na aterosclerose e na funcionar até esses níveis. A partir de 70% da oclusão de
arterite primária da aorta. Há três tipos de displasias luz arterial, existe queda do fluxo sanguíneo e de pressão
fibromusculares: da camada íntima (10%), que evolui de perfusão e aumento da pressão arterial, que são mais
com trombos frequentes; da média (80%), em que evidentes quanto maior for o grau da estenose.
tromboses são raras; e da advertícia ou periarterial A fisiopatologia é diferente se houver comprometi-
(10%), em que tromboses também são frequentes. mento de apenas um dos rins, e com o outro normal;
daquele em que há comprometimento dos dois rins ou
de rim único, isto é, não há rim normal. Quando apenas
um rim é isquêmico, a hipertensão gerada pelo sistema
FISIOPATOLOGIA renina-angiotensina-aldosterona chega ao rim normal,
O sistema renina-angiotensina-aldosterona é um que normalmente reage diminuindo a produção da sua
mecanismo fisiológico bem conhecido de controle da renina e excretando sódio e o sistema se equilibra da
pressão arterial. O rim produz uma enzima chamada maneira descrita. Se não houver rim normal (rim único
renina, que atua sobre um substrato produzido no fígado ou estenose bilateral) há retenção de sódio e aumento
chamado angiotensinogênio, produzindo angiotensina I, que da volemia, que por si diminui a produção de renina, e
tem leve efeito hipertensor. Angiotensina I é convertida o sistema equilibra-se de maneira diferente.
em angiotensina II por ação das enzimas de conversão Além da hipertensão arterial grave, de difícil trata-
produzidas em vários órgãos, principalmente rins e pul- mento e todas as suas conhecidas consequências, este-

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noses induzem atrofia isquêmica do rim e insuficiência DIAGNÓSTICO


renal. Em pacientes com insuficiência renal crônica Diagnóstico das lesões das artérias renais é feito com
terminal, nefropatia isquêmica é encontrada em 16% angiotomografia ou angiorressonância. Arteriografia é
dos que tem mais de 50 anos, e; até 43% dos pacientes até mais precisa, mas tem o inconveniente de ser mais
com mais de 60 anos de idade. É possível que muitos invasiva, sendo raramente necessária. Há uma série de
deles, se tivessem suas doenças diagnosticadas e trata- outros exames usados no passado que não tem mais lugar
das, não evoluíssem à fase terminal ou provavelmente atualmente, a não ser que estejam atrelados a protocolos
aconteceria de maneira mais lenta. de pesquisa. A sensibilidade e a especificidade deles é
Sendo a aterosclerose uma doença sistêmica, é de se bem menor que das angiotomografias ou das angior-
esperar comprometimento de outras artérias. Em doen- ressonâncias. Além disso, não fornecem a anatomia das
tes com estenose das artérias coronárias são encontrados lesões, portanto, não permitem definição de opções
9 a 14% de estenoses importantes das artérias renais; terapêuticas. São eles: urografia excretora minutada,
sabe-se que esses pacientes sobrevivem menos do que os renograma radioisotópico, renina periférica, renina das
que têm apenas estenoses das artérias coronárias, tratados veias renais, renina periférica após uso de captopril, re-
ou não com angioplastia coronariana. nograma com captopril e ultrassonografia com Doppler.
Resumindo, suspeita-se de hipertensão renovascular
nos casos de hipertensão refratária, assimetria renal pela
ultrassonografia, hipertensão mais insuficiência renal e
SINTOMAS necessidade de mais de três medicamentos para controlar
Não existe sintoma ou sinal patognomônico de a pressão. O diagnóstico é realizado por angiotomografia
hipertensão renovascular. O que há são indicadores ou angiorressonância.
clínicos de probabilidade: 0,2% nos pacientes com
hipertensão limítrofe, leve ou moderada não compli-
cada e 5 a 15% nos pacientes com hipertensão grave
ou refratária, início da hipertensão abaixo dos 30 ou TRATAMENTO
acima dos 50 anos de idade, assimetria de pulsos, Diagnosticada hipertensão renovascular, isto é,
sopros abdominais ou lombares, insuficiência renal, hipertensão arterial mais lesões das artérias renais,
disfunção cardíaca inexplicada, hipocalemia, fatores de qual o melhor tratamento, clínico ou intervencionista?
risco para aterosclerose e resposta exacerbada ao uso de Tratamento clínico com medicamentos cada vez mais
inibidores das enzimas da conversão. Além disso, 25% eficientes pode controlar a hipertensão por algum tempo,
em pacientes com hipertensão maligna com uso de três mas não corrige a isquemia, que fatalmente provoca in-
ou mais medicamentos, insuficiência renal, assimetria suficiência renal, sendo progressiva na maioria dos casos.
renal ou elevação de creatinina após administração de Obstruções coronarianas, das artérias do sistema nervoso
inibidores das enzimas de conversão. central e mesmo das artérias periféricas acompanham-se
Essa ocorrência tem explicação. Filtração glome- de maior gravidade quando há também obstrução das
rular depende da pressão de perfusão dos capilares artérias renais não corrigidas. O tratamento clínico fica
glomerulares, dada pela diferença entre as pressões reservado a pacientes que não tenham condições cirúr-
das arteríolas aferente e eferente. Na hipertensão gicas, que não queiram ser operados ou quando não
renovascular, ambas as arteríolas ficam contraídas e a houver técnica capaz de corrigir as obstruções.
diferença se mantém. Entretanto, nesses pacientes a Tratamento intervencionista por meio de angioplas-
administração de inibidores de enzima de conversão é tia é mais atraente por ser mais fácil, menos invasivo e
seguida da diminuição de produção de angiotensina II, di- não requerer anestesia geral. Desde sua introdução por
latação e aumento do fluxo da arteríola eferente. Como Grüntzig, em 1972, tem evoluído com novos cateteres,
a arteríola aferente não responde da mesma maneira stents, novos stents e dois stents de tal forma que os últi-
porque existe obstrução anatômica a montante, cai a mos resultados sempre são considerados melhores que
pressão de perfusão glomerular, o rim filtra menos e a os anteriores, muitas vezes pelos mesmos autores que
creatinina sobe, às vezes a níveis de diálise. já os consideravam bons. O grande óbice é que todos

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esses resultados têm sido reportados a curto prazo, em


Figura 1 – Enxerto de PTFE entre o rim e a aorta.
geral menos de três anos, e esse tempo é muito pequeno
para controle de hipertensão arterial. Nossa experiência
pessoal mostra que a longo prazo os doentes submetidos
a angioplastia das artérias renais com ou sem stents, novos
stents, dois stents ou stents com antibióticos apresentam
recidivas significativas de estenoses e dos níveis iniciais
de hipertensão.
Recuperação da função renal é raramente vista pe-
los métodos precários que dispomos. O que foi dito é
válido para casos de aterosclerose e de arterite primária
da aorta de maneira quase absoluta. Casos de displasias
fibromusculares evoluem melhor a curto prazo (menos
de três anos), mas a partir daí recidivam com frequência.
Figura 2 – Enxerto aortorrenal com veia safena.
Angioplastias funcionam melhor em outros órgãos que
suportam bem algum grau de isquemia e nos quais a
circulação colateral permite manter função adequada.
Mesmo assim, pela facilidade são muito utilizadas. Dessa
forma, as revascularizações têm sido reservadas à casos de
angioplastia impossível, falha, complicações ou de recidi-
vas, aneurismas, tromboses e a preferência do paciente.
Possivelmente, isso será revisto quando se conhecerem os
resultados a longo prazo. As técnicas a serem utilizadas
dependem do caso, mas serão resumidas a seguir.
Enxerto aortorrenal com PTFE de 5 a 7 mm quando
as lesões forem junto da aorta e houver coto único de
Figura 3 – Lesão da artéria renal junto a sua bifurcação.
artéria renal distal à lesão (Figura 1). A parede da aorta in-
frarrenal deve ter local favorável à implantação do enxerto.
Enxertos de veia safena interna devem ser abandonados
porque dão bons resultados iniciais (Figura 2), mas fatal-
mente evoluem para grandes dilatações aneurismáticas.
Autotransplante renal quando as lesões forem justa
hilares ou de ramos das artérias renais (Figuras 3 e 4).
Essas pequenas artérias podem ser anastomosadas entre
si em cirurgia extracorpórea e o coto remanescente anas-
tomosado preferencialmente à artéria ilíaca interna ou
à ilíaca externa, se necessário (Figura 5). Reconstrução
de lesões intra-hilares com o rim in situ é muito difícil, Figura 4 – Anastomose posterior da artéria renal na artéria
ilíaca interna.
por isso é quase sempre acompanhada de maus resul-
tados. Artéria epigástrica profunda pode ser usada para
revascularização de artérias polares no autotransplante.
Anastomose esplenorrenal é uma opção do lado es-
querdo quando as condições da aorta infrarrenal forem
ruins para enxerto (Figuras 6 e 7). É fundamental que o
tronco celíaco seja estudado e que não haja estenose dele
ou da artéria esplênica. A desvantagem é que a artéria
esplênica tem paredes finas e quebradiças e fluxo arterial

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Figura 5 – Anastomose anterior da artéria renal na artéria ilíaca menor que o proporcionado pelo enxerto aortorrenal ou
interna e angiografia pós-operatória mostram perfusão do rim pelo autotransplante. A vantagem é que pode ser feita
transplantado.
por lombotomia e, portanto, por via extraperitoneal,
que pode ser vantajosa em indivíduos obesos. Não há
necessidade de esplenectomia.
Enxerto com PTFE de 5 mm entre a artéria hepática
e a artéria renal direita para casos de obstrução total da
aorta abaixo do tronco celíaco (Figuras 8 e 9). Esses casos
são consequência de arterite primária da aorta de grande
gravidade e, mais raramente, de doença aterosclerótica.
Enxerto com PTFE de 5 a 7 mm entre a aorta torácica
distal e a artéria renal esquerda nos casos de obstrução
Figura 6 – Aneurisma comprometendo ramos da artéria renal. total da aorta abaixo do tronco celíaco (Figuras 10 e 11).
A aorta logo acima do diafragma é menos comprometida
por aterosclerose do que as outras artérias.

Figura 9 – Enxerto hepatorrenal direito com PTFE.

Figura 7 – Anastomose esplenorrenal: aspectos cirúrgico e


tomográfico.
Figura 10 – Obstrução total da aorta.

Figura 8 – Rim direito perfundido por vasos colaterais em função


de obstrução total da aorta.
Figura 11 – Enxerto tóraco-renal esquerdo com PTFE.

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Nefrectomia de rins atróficos e praticamente sem normalizam a produção de renina, de angiotensina II e


função. Não vale a pena ser revascularizados porque da pressão arterial.
mesmo que esses procedimentos sejam bem-sucedidos, Na fase II, as próprias lesões de microcirculação
não há recuperação de função (Figuras 12 e 13). Há ocasionadas pela hipertensão impedem a natriurese com-
melhora ou cura da hipertensão em 70% dos casos, sem pensatória à hipertensão e há retenção de sal. A produção
piora de função renal global. de renina diminui, mas a sensibilidade à angiotensina
II aumenta. Correção da estenose ou administração de
Figura 12 – Obstrução da artéria renal esquerda em rim inibidores de enzima de conversão podem melhorar ou
diminuído. não a pressão arterial, dependendo do comprometimen-
to já instalado.
Na fase III, cai a produção de renina e de angioten-
sina, e aumenta a sensibilidade dos receptores de angio-
tensina localizados no endotélio vascular, de modo que
nessa fase existe um componente endotelial responsável
pela hipertensão. Mesmo removendo a obstrução arterial
não há melhora de hipertensão, apenas de perfusão renal.

LEITURA RECOMENDADA
Figura 13 – Autotransplante do rim diminuído: aspectos cirúrgico 1. Conlon PJ, O’Riordan E, Kalra PA. New insights into the
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comportamento após revascularização renal, enfatizamos Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira
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