3 Das Pessoas I

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DAS PESSOAS

Considerações Iniciais

O Direito qualquer que seja sua vertente tem como destinatário final o
ser humano. A pessoa é a preocupação permanente desta ciência. O
Código Civil, não é diferente.
Pessoa, na acepção jurídica do termo, é o titular de direitos e
obrigações na ordem jurídica. Em regra, é o ser humano,
individualmente tomado. Mas poderá ser também um conjunto deles
reunidos formalmente para um determinado fim, ou mesmo uma
pessoa moral, constituída de bens sob forma de fundação, casos em que
a lei concede o nome de pessoa jurídica. Mesmo nesta última acepção,
e o ser humano que se busca tutelar. É ele que da origem, e razão do
direito existir.
Há ainda os chamados entes despersonalizados, que são patrimônios
especiais que titularizam alguns direitos, embora não tenham
personalidade jurídica. Não são pessoas nem coisas. Encontram-se na linha
fronteiriça entre o titular de direitos por excelência e os bens. Alguns
exemplos destes patrimônios são: a herança jacente, a massa falida, o
espólio e a pessoa jurídica sem registro. Tais entes podem inclusive ser
autor e réu em ações patrimoniais, mas nem por isso possuem
personalidade.
Capacidade e Personalidade
O primeiro artigo do Código Civil já estabelece a capacidade de direito,
a aptidão genérica do ser humano de adquirir direitos e contrair
obrigações, prevendo que: “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na
ordem civil”.
Às pessoas jurídicas, também se outorga tal capacidade de direito. E se,
por um lado, capacidade de direito é o atributo que todo ser humano
tem de adquirir direitos e contrair obrigações, por outro lado, nem
todos podem exercer tais direitos. (como veremos adiante).
O conjunto dessas capacidades forma o que se denomina
personalidade, ou seja, a qualidade das pessoas, desse ente, como nome,
dignidade, intimidade, etc.
Capacidade de Direito

É o mais democrático dos direitos que o ordenamento conhece. Não há ser


humano que careça dessa prerrogativa. A mera condição de existir, de ser
uma pessoa com vida, já confere a titularidade que o art. 1º expressa.
A capacidade de direito confere ao cidadão a possibilidade de ser titular de
direitos e obrigações na ordem civil, qualquer que seja a sua idade, condição
social, aptidão mental e grau de consciência. É uma aptidão genérica
concedida a todo indivíduo que nasce com vida.
Início da Capacidade
O ordenamento disciplina o início e o fim de tal capacidade. E o faz nos arts. 2º e 6º
prevendo respectivamente que “ a personalidade civil da pessoa começa do nascimento
com vida...”, e “a existência da pessoa natural termina com a morte...”.
Quanto ao nascimento, o legislador exigiu o nascimento com vida, para proclamar alguns
direitos inerentes.
Exemplificando: imagine uma situação de herança, um empresário rico que vem a falecer
poucos dias após saber que sua namorada (não companheira) estava grávida. Na
hipótese da criança nascer com vida e logo depois morrer, a criança mesmo que viva
por alguns segundos adquiriu plena capacidade de direito, plena personalidade, portanto,
nesse intervalo de vida, adquiriu todo patrimônio do pai, e assim que faleceu, transmitiu
para a mãe. Na hipótese da criança ser natimorta (não nascer com vida), ela não
adquiriu personalidade, não teve direitos, portanto, nada recebeu do pai para transmitir.
A herança nesse caso, seria transmitida aos pais do empresário, pela força do art. 1829,
CC.
Nascituro
O Código Civil prevê a figura do nascituro que é a criança concebida,
mas não nascida, ou seja, que se encontra no ventre materno. A lei não
lhe confere personalidade, mas também não a olvida e tutela sua frágil
situação. O nascituro é o ser com a maior das expectativas, a da vida.
A doutrina aponta diversos conceitos para caracterizar a situação do
nascituro. Para uma primeira corrente, ele é um ser com expectativa de
direito, enquanto outros afirmam que o nascituro tem direito
condicional suspensivo. Qualquer que seja a posição, ele é tutelado pelo
art. 2º, do CC, in litteris:
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos
do nascituro.
Esta proteção se exterioriza de diversas pelo Código afora. O art. 542
permite a doação ao nascituro, desde que aceita pelo seu
representante; o art. 1779 prevê sua curatela quando sua mãe não tiver
poder familiar e seu pai falecer durante a gravidez; o art. 1798, outorga-
lhe a capacidade sucessória.
A jurisprudência tem outorgado ao nascituro a capacidade de estar em
juízo, representado pela mãe, a fim de investigar a paternidade do
indigitado pai.
Capacidade de Fato
Se todo ser humano possui capacidade de direito, desde que com vida; nem
todo ser humano possui capacidade de fato, ou seja, capacidade de exercer,
fruir pessoalmente de seus direitos e de cumprir pessoalmente com seus
deveres.
A capacidade de fato tem a ver com a aptidão para lidar com o exercício dos
seus direitos, com a fruição dos direitos e deveres civis. Um exemplo que
ilustre bem a situação: o absolutamente incapaz tem capacidade de direito
por poder receber a herança de seu pai. Têm aptidão para tornar-se
proprietário dos bens deixados pelo seu ascendente, porém, sendo menor,
não possui capacidade civil para negociar, transferir, alienar, permutar, alugar
pessoalmente os bens. Ou seja, não possui capacidade de fato, que é essa
capacidade de exercer seus direitos pessoalmente. Se o menor o faz, o
negócio é declarado nulo de pleno direito.
Absolutamente Incapazes de Fato
O art. 3º do Código Civil traz um rol de pessoas privadas da
capacidade de fato, in verbis, sua redação:
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida
civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
O art. 3º, CC deve ser compreendido com cautela. Apesar do menor
de 16 anos ainda não ser considerado totalmente capaz para exercer
vários dos atos de sua vida civil, isso não impede que seja devidamente
ouvido em suas vontades. É o caso, por exemplo, de litigância de guarda
do menor de 16 anos por seus pais. É extremamente razoável que o
menor manifeste sua decisão e sua vontade seja considerada para o juiz
proferir decisão final.
Cabe aqui ressaltar que o analfabeto é plenamente capaz de
exercer seus direitos e obrigações, portanto, o art. 3º, CC
deve ser interpretado restritivamente. O analfabetismo por si
só não é causa de incapacidade, caso essa pessoa consiga se
manifestar por palavras, assinatura a rogo, etc, não se
considera incapaz para fins de exercício de direitos e deveres.
O absolutamente incapaz deverá ser REPRESENTADO pelos
pais, tutor ou curador. A desobediência a este pronunciamento
gera nulidade absoluta.
Relativamente Incapazes de Fato
Entre os plenamente capazes e os absolutamente incapazes, há um terceiro grupo
de pessoas, que, por ainda não possuírem pleno discernimento exigido pela lei,
também não podem ser equiparadas às que não possuem qualquer lucidez. É o
caso dos ébrios habituais, viciados em tóxicos, excepcionais sem desenvolvimento
mental completo, ou aqueles que por deficiência mental tenham discernimento
reduzido, pródigos e os que estão com idade entre 16 anos e 18 anos. Ou seja,
pessoas que por vício, idade ou saúde, precisam de ASSISTÊNCIA de outras
pessoas para desempenhar atos na sua vida civil.A redação do artigo de lei:

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:


I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
Assim, o inciso I presume que aquele que atingiu os 16 anos, apesar de
possuir discernimento para alguns atos, o Código não o considera de modo
completo para adquirir sua capacidade plena.
Os incisos II e verificam aquelas situações em que enquanto não cessada a
redução da capacidade seja por vício por álcool ou drogas, ou a deficiência
mental de nascimento ou adquirida por doença ou idade, impossível se
verifica a possibilidade de total exercício sem acompanhamento.
O inciso III expressa incapacidade para aqueles que não podem exprimir sua
vontade. É o caso, por exemplo, de pessoas que sofrem acidentes graves e se
tornam incapazes. No estado de “coma”, por exemplo, a família deve
interditar legalmente a pessoa, para a partir dali, poder exercer os atos com
direitos e deveres do paciente enfermo.
O inciso IV prevê a figura do pródigo, que é aquele que
desordenadamente gasta e destrói suas economias, de forma a ficar
incapacitado de gerir seu próprio patrimônio. Ressalte-se que a
restrição se dá apenas aos atos relativos ao patrimônio, finanças e afins,
não afetando os demais atos da vida civil. É lícito, por exemplo, ao
pródigo se casar, adotar e reconhecer filhos sem qualquer assistência.
O estado de prodigalidade também deve ser definido por sentença
judicial em processo de interdição.
O parágrafo único reserva aos índios a regulação pela Lei nº 6001/73,
que os compreende como relativamente incapazes quando não
integrados totalmente à sociedade civil, carecendo com isso, de
proteção especial.
Maioridade Civil
Atingir a capacidade de fato, significa ganhar autonomia própria para a prática em
geral de todos os atos da vida civil. A pessoa assume vantagens e ônus de
livremente circular direitos, bens e obrigações. Há várias formas de adquirir tal
capacidade plena, a mais comum é a maioridade civil.
Ao completar 18 anos a lei estabelece a presunção de que o ser humano já possui
formação e experiência suficiente para a prática desassistida dos atos da vida civil.
Configura-se de modo automático, tão logo o menor atinja os 18 anos, sem
necessidade de averbação, registro ou solicitação.
A maioridade civil é um dos fatores que gera a extinção do poder familiar (art.
1635, III, CC) e de todos os deveres dele decorrentes, como por exemplo, o de
sustentar os filhos. Nesse aspecto, se há dependência alimentar e recursos para a
educação dos filhos maiores, sustenta o art. 1694, CC que persiste a
responsabilidade dos pais.
Emancipação
Acontecimentos importantes na vida de menores, podem ensejar o ganho da plena
capacidade de fato.A redação é dada pelo art. 5º, como abaixo se verifica:
Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à
prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único.Cessará, para os menores,a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público,
independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o
menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego,
desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia
própria.
Daí conclui-se que a emancipação nada mais é que a concessão antecipada
da capacidade de fato em decorrência da permissão dos pais, sentença
judicial ou da motivação do art. 5º parágrafo único, do CC.
A emancipação não antecipa a maioridade civil, os institutos não se
confundem. São espécies distintas do gênero: aquisição de capacidade de fato.
O emancipado permanece menor de idade, mas agora com capacidade de
fato.Vale dizer que não há revogação da emancipação.
A emancipação pode ser voluntária. Ordinariamente a lei concede
capacidade de fato ao cidadão com 18 anos, contudo, deixa ao arbítrio do
particular antecipar tal concessão ao seu filho, desde que ele tenha 16 anos.
Se os pais (ambos) concordam com a emancipação do filho, ela será feita
mediante instrumento público, sem intervenção do poder judiciário. Se há
discordância entre um dos pais, poderá ser requerido ao juiz a anuência para
o ato.
Todavia, ainda que sem decisão judicial e sem requerimento dos pais, alguns
fatos relevantes têm o condão de automaticamente gerar a emancipação,
antecipando a capacidade de fato do menor. São hipóteses sérias, em que a lei
dispensa escritura pública ou sentença judicial e nas quais o comportamento
do menor, suas conquistas ou seus compromissos são de tal modo maduros
que não há razão para impedi-lo de adquirir a plena capacidade de fato. As
hipóteses estão descritas nos incisos II e V do parágrafo único do art. 5º do
CC.
A primeira hipótese é o casamento. Tem como requisito a idade mínima de 16
anos, salvo hipóteses do art. 1520, CC. Essa é a chamada idade núbil prevista
no art. 1517, CC que exige a autorização dos pais até a maioridade civil.
Considerando que o casamento e a constituição da família seria um dos fatos
mais relevantes para o ordenamento, a lei entendeu que o casamento por si
só- seria motivo justo para se antecipar a capacidade de fato.
A segunda hipótese é o exercício de emprego público. Note que
persiste aqui o requisito mínimo de 16 anos, salvo a condição de
aprendiz.
A terceira hipótese é a colação de grau em curso superior. Tal situação
já era tida como extraordinária na vigência do CC anterior com 18
anos, agora, praticamente atinge pouquíssimos cidadãos, mesmo assim, a
lei confere esse direito.
A última situação que gera a emancipação é a do menor que possui
economia própria. Tal situação de independência financeira não pode
decorrer de doações ou herança. A lei exige como causa desta
independência o “estabelecimento civil ou comercial ou pela existência
de relação de emprego”.
Interdição
A interdição ou curatela é uma medida de amparo criada pela legislação
civil; um processo judicial por meio do qual a pessoa é declarada civilmente
incapaz parcialmente, para a prática dos atos da vida civil, tais como: vender,
comprar, testar, casar, votar, assinar contratos, etc. Para tanto, essa pessoa
declarada civilmente incapaz, deve ser representada ou assistida por uma
outra pessoa civilmente capaz, denominada curador.
A curatela é dada a todos aqueles considerados incapazes devido a
problemas como aos ébrios habituais, aos viciados em drogas e aos
pródigos.
A Interdição para os com deficiência mental acabo por não mais existe por
força do art. 6º da lei 13.146/2015, segundo o qual a deficiência não afeta a
plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: a) casar-se e constituir união
estável; b) exercer direitos sexuais e reprodutivos; c) exercer o direito de
decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas
sobre reprodução e planejamento familiar; d)conservar sua fertilidade,
sendo vedada a esterilização compulsória; e) exercer o direito à família e à
convivência familiar e comunitária; e f) exercer o direito à guarda, à tutela, à
curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas. Em suma, no plano familiar há uma
expressa inclusão plena das pessoas com deficiência.
Curador é a pessoa nomeada pelo juiz para assistir o indivíduo
considerado civilmente incapaz (curatelado) nas manifestações de sua
vontade, ou seja, o curador vai agir junto do curatelado. Nos casos de
interdição, o curador é responsável pela prática de todos os atos do
curatelado, dentro dos limites em que for decretada sua incapacidade. Isto
quer dizer que o curatelado poderá praticar alguns atos de sua vida civil.
A limitação parcial é decretada em função das possibilidades de cada
pessoa; isto é, se o juiz assim entender, o curatelado poderá, por exemplo,
receber, pessoalmente, sua aposentadoria no banco.
Conforme o Código p. Civil (art. 756) é possível que o interditado peça
uma revisão dessa interdição.
Levantamento da Interdição

Nos raros casos em que desaparece a causa justificadora da interdição


judicial e o próprio interditado solicita ao juiz levantamento, é o caso
de se readquirir a capacidade de fato. (art. 756, CPC). O pródigo se
torna sovina e o toxicômano naturalista.
Nesses casos, a lei convida o outrora interditado a retornar à sua
condição de plena capacidade de fato. O pedido é apensado aos autos
de interdição e a perícia médica é obrigatória. Concedida a sentença, a
publicação deverá atender as mesmas exigências e prazos da sentença
que a decretou, seguido então da averbação no registro civil.
Capacidade de Fato e Legitimação
A capacidade de fato é a aptidão para- pessoalmente- exercer
genericamente os atos da vida civil. Uma vez atingida a capacidade de fato, a
pessoa torna-se perfeitamente apta a exercer genericamente seus deveres e
adquirir seus direitos, para o bom andamento de sua vida.
Todavia, há pessoas plenamente capazes de fato, que por uma característica
especial e em situações especiais, estão impedidas de praticar determinado
negocio jurídico. O que lhes falta não é capacidade e sim legitimação.
Legitimação é a autorização legal para a prática de um ato ou negócio
jurídico.
É o caso, por exemplo, de um pai com três filhos maiores impedido de
vender uma casa à um deles. Pais e filhos todos têm plena capacidade de
direito, todos possuem capacidade de fato, são maiores, lúcidos, etc, mas
para específica situação de venda de ascendente para descendente, é
necessária a legitimação do pai para o ato de venda à um dos filhos, que
sozinho ele- pai, não possui.
O pai não possui capacidade de legitimação, o art. 496, CC só permite que a
venda de ascendente para descendente seja legal, se houver consentimento
de todos descendentes e cônjuge. Ou seja, sozinho, o pai, não possui
capacidade de legitimação para alienação de bens aos filhos
DA EXTINÇÃO DA PESSOA
Noções.
O art. 6º trata do término da existência da pessoa natural. Não é apenas a
morte física, ou seja, perda dos sinais vitais de uma pessoa que leva à
extinção da personalidade. Outros motivos podem gerar esses efeitos legais.
A redação do artigo, mais especificamente:
Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte;
presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei
autoriza a abertura de sucessão definitiva.
Há situações em que a lei não possui prova física (não existe corpo), não
tem certeza absoluta do óbito, ou ainda a pessoa é tratada como morta para
fins sucessórios, portanto, para fins legais, é a extinção da personalidade.
Os dois primeiros casos tratam da ausência e morte presumida, o
terceiro da indignidade. O indigno é pessoa viva, portanto, possui
capacidade de direito e muitas vezes capacidade de fato, mas para
fins sucessórios, é considerado morto. Todos esses casos vão ser
melhor detalhados à frente.
Vale ressaltar que a Lei nº 9434/97 que dispõe sobre remoção de
órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de
transplantes, se contenta apenas com a morte encefálica para fins
de transplante. Se diferencia, nesse caso do estado de coma, por
ser irreversível. Nesse caso, a lei exige inclusive, para confirmação
da morte encefálica, duas avaliações clínicas com intervalo de seis
horas.
Comoriência
Se, por um lado, a lei já se preocupou com o ser que ainda nem nasceu (o
nascituro), por outro lado, também previu a hipótese de ser impossível identificar
a pessoa que faleceu primeiro, ocorrido na hipótese de “na mesma ocasião”.
Comoriência, nos termos da lei, é quando duas pessoas falecem ao mesmo tempo
(simultaneamente), o que para fins sucessórios, possui bastante relevância. Na
realidade, quando não presentes testemunhas, fica impossível saber em
determinados acontecimentos, quem faleceu primeiro. Diante disso, o legislador
brasileiro, muito astutamente, decidiu presumir em certos casos, que quando não
se sabe quem faleceu primeiro e dado o mesmo evento, entende-se que faleceram
ao mesmo tempo.
Art. 8o Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se
podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros,
presumir-se-ão simultaneamente mortos.
Imaginemos um casal, sem filhos, que falecem em acidente de trânsito.
Aplicando a presunção da comoriência, cada um deles transmitirá seus bens
aos seus herdeiros respectivos (ascendentes em primeiro lugar) sem
comunicação nenhuma. Todo patrimônio do varão se transmitiria aos seus
pais.
Se a mulher sobrevive, ainda que pouco tempo, a situação muda. Ela torna-se
herdeira do ‘de cujus’ e 1/3 do patrimônio dele se deslocaria para a mulher e
desta para seus pais, após seu falecimento. O restante iria para os pais do ‘de
cujus’. (art. 18 37, CC).
Vale lembrar que a comoriência só se estabelece quando não é possível se
verificar quem faleceu primeiro, e uma vez feita a presunção de comoriência,
há necessidade de prova científica para derrubá-la, não bastando a
testemunhal.
Ausência
É o art. 22 do CC que define de modo sucinto o significado de ausência:
Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela
haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador
a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de
qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a
ausência, e nomear-lhe-á curador.
O instituto da ausência, antes de tudo, serve para conter a inconformidade
gerada pelo incômodo de não poder levar a vida adiante, de não ter corpo
de falecido nem notícias do mesmo, de realização de atos comuns à vida dos
familiares que restam.
O legislador andou por um caminho estreito, tentando evitar injustiças. De
um lado não poderia desde logo atribuir todos os bens do ausente a seus
herdeiros, pois a qualquer momento aquele poderia retornar. Por outro lado,
a função social da propriedade não permite que os bens do ausente fiquem
sem utilização por décadas, no aguardo de um eventual retorno que pode
não ocorrer.
Compreendendo este ponto, fica fácil perceber o porque do procedimento
da ausência demorar tanto para ser concluído. Analisaremos a 3 fases a
seguir, deste procedimento.
Da Curadoria dos Bens do Ausente
Nessa primeira fase, o ausente acabou de “ir embora”, ou seja, está desaparecido. A
ausência ainda é muito recente e por isso mesmo o juiz arrecadará os bens, nomeará
curador na ordem estabelecida pelo art. 25 e publicará editais de 2 em 2 meses,
anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens (art.
1161, CC).
Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente,
ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu
legítimo curador.
§ 1o Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais
ou aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de
exercer o cargo.
§ 2o Entre os descendentes,os mais próximos precedem os mais remotos.
§ 3o Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador.
Passado 1 ano da arrecadação dos bens (ou no caso 3 anos, na probabilidade
de o ausente ter deixado procurador que não queira ou não possa exercer
ou continuar o mandato, ou os seus poderes forem insuficientes), os
interessados (art. 27, CC) e na falta do Ministério Público, poderão solicitar
que seja declarada a ausência e aberta a sucessão provisória.
Não havendo interessados, os bens serão declarados como herança jacente.
De qualquer forma, tal sentença produzirá efeitos em 180 dias após ser
publicada pela imprensa. Concedida a sentença, entra-se na segunda fase do
procedimento, que é a sucessão provisória.
Art. 28. A sentença que determinar a abertura da sucessão
provisória só produzirá efeito cento e oitenta dias depois de
publicada pela imprensa; mas, logo que passe em julgado,
proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário
e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido.
Da Sucessão Provisória
Mais de 1 ano se passou desde que o indivíduo sumiu. Não houve mais notícias ele não retornou e não há
comprovação de seu falecimento.
A redação da lei sobre o tema é a seguinte:
Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou
procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se
abra provisoriamente a sucessão.
Aberta a sucessão provisória, a alienação de bens só é permitida com ordem judicial, conforme preceitua o art. 31, CC.
Frutos e possíveis rendimentos são todos do herdeiro possuidor.
Art. 30. Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente, darão garantias da restituição
deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos.
§ 1o Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia exigida neste artigo,
será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a administração do curador, ou de outro
herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia.
§ 2o Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provada a sua qualidade de herdeiros,
poderão, independentemente de garantia, entrar na posse dos bens do ausente.
Art. 31. Os imóveis do ausente só se poderão alienar, não sendo por desapropriação, ou
hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a ruína.
Art. 32. Empossados nos bens, os sucessores provisórios ficarão representando ativa e
passivamente o ausente, de modo que contra eles correrão as ações pendentes e as que de
futuro àquele forem movidas.
Art. 33. O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do ausente, fará
seus todos os frutos e rendimentos dos bens que a este couberem; os outros sucessores,
porém, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos, segundo o disposto no art.
29, de acordo com o representante do Ministério Público, e prestar anualmente contas ao juiz
competente.
Parágrafo único. Se o ausente aparecer, e ficar provado que a ausência foi voluntária e
injustificada, perderá ele, em favor do sucessor,sua parte nos frutos e rendimentos.
Art. 34. O excluído, segundo o art. 30, da posse provisória poderá, justificando
falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos rendimentos do
quinhão que lhe tocaria.
Art. 35. Se durante a posse provisória se provar a época exata do falecimento
do ausente, considerar-se-á, nessa data, aberta a sucessão em favor dos
herdeiros, que o eram àquele tempo.
Art. 36. Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de
estabelecida a posse provisória, cessarão para logo as vantagens dos
sucessores nela imitidos, ficando, todavia, obrigados a tomar as medidas
assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono.
Fica notório, pela leitura dos artigos, que há uma responsabilidade enorme por parte dos
herdeiros ou possuidor dos bens do ausente, que deverá prestar contas de seus atos
durante a sucessão.
Da Sucessão Definitiva
A sucessão definitiva acontece após 10 anos, desde o trânsito em julgado da sentença de
sucessão provisória; ou se provando que o ausente conta com 80 anos de idade e que de
5 anos datam suas últimas notícias.
Na sucessão definitiva todos os herdeiros terão seus direitos sucessórios exercitados,
adquirindo assim a propriedade resolúvel dos bens. As garantias oferecidas na fase de
sucessão provisória devem ser levantadas. É apenas com a decretação da sucessão
definitiva que o ausente passa a ser considerado PRESUMIVELMENTE MORTO. (art. 6º,
CC).
Após a sucessão definitiva, mesmo sendo presumidamente morto, o ausente tem o lapso
temporal de mais 10 anos para regressar, caso em que terá direito aos bens existentes no
estado em que os achar, os sub-rogados em seu lugar ou o preço que os herdeiros
tiverem recebido pelas alienações. Depois desse prazo, nenhum direito mais assiste ao
ausente.
Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de
seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se
acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem
recebido pelos bens alienados depois daquele tempo.
Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não regressar, e nenhum
interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou
do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União,
quando situados em território federal.
A Lei nº 6683/79 concedendo anistia aos presos e desaparecidos políticos, regulou a situação de ausência destes, mas
tornou o rito mais célere,reduzindo o prazo para apenas 1 ano, conforme se depreende o art. 6º, § 4º:
Art. 6º O cônjuge, qualquer parente, ou afim, na linha reta, ou na colateral, ou o Ministro Público, poderá
requerer a declaração de ausência de pessoa que, envolvida em atividades políticas, esteja, até a data de
vigência desta Lei, desaparecida do seu domicílio, sem que dela haja notícias por mais de 1 (um) ano.
(...)
§ 4º - Depois de averbada no registro civil, a sentença que declarar a ausência gera a presunção de
morte do desaparecido, para os fins de dissolução do casamento e de abertura de sucessão definitiva.
Morte presumida sem prévia decretação de ausência

Se na hipótese de ausência a lei caminha por trilhos estreitos, temerosa de que um dia o
cidadão possa retornar e reclamar todos os seus bens; se nesta situação a dúvida sobre o
paradeiro e a incolumidade do ausente remanesce na mente do legislador, haverá
hipóteses em que a probabilidade da morte é muito maior.
Nestes casos, não seria razoável exigir que a família aguardasse mais de uma década por
alguém que viveu situação catastrófica ou bélica, onde as chances de sobrevivência são
mínimas.
Pensando nisso, a lei prevê o instituto da morte presumida sem decretação de ausência.
O art. 7º, CC deve ser lido em consonância com o art. 89 da Lei de Registros Públicos
(lei nº 6015/73). São as hipóteses gravíssimas (desaparecimento em campanha, ou feito
prisioneiro, não encontrado até 2 anos pós término de guerra, naufrágio, inundação,
incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, além da própria previsão genérica do
Código para quando for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de
vida).
Assim, a família da vítima pode se socorrer dos arts. 861 a 866 do CPC para obter
sentença em procedimento de justificação de óbito e então dar início à sucessão
normalmente.
Sobre o tema, têm-se a leitura do artigo:

Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:


I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente
poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a
sentença fixar a data provável do falecimento.

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