07 CadernoTematico Final
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A obra faz parte de uma trilogia (“Rio Doce I, II e III”; “Figueira I, II e III” e “Ibituruna
I, II e III”) concebida por ocasião do desmoronamento da barragem da Samarco,
na cidade de Mariana, Minas Gerais, Brasil, em novembro de 2015. Dei à série o
título “Rasgos na Alma: ode ao Vale do Rio Doce” fazendo referência aos sentimen-
tos pelos quais nós, os atingidos/moradores do Vale do Rio Doce, passamos diante
dessa tragédia, numa denúncia poética, expressão permitida pela Arte. Objetiva,
também, fazer uma homenagem ao Vale, focando os sentimentos que os moradores
de Governador Valadares - cidade onde moro atualmente - possuem, representados
metaforicamente nos símbolos presentes na obra e que são carregados de sentidos:
o Rio Doce, a Figueira e a Ibituruna.
Como professora, pesquisadora e artista visual busco com a obra, portanto, ho-
menagear o Vale, sensibilizar os moradores e, ao mesmo tempo, compartilhar os
sentimentos vivenciados a partir do ocorrido, principalmente pelos Borum do Watu,
sociedade nativa que vive num território situado às margens do rio Doce, próximo a
cidade de Resplendor, MG e que vivencia de forma material e simbólica o rio Doce,
o Watu para os Borum. Expresso no “Rio Doce I” um rio que ainda exala vida, re-
presentada nas cores fortes e na presença dos peixes, que também carregam esta
simbologia. Imagem vívida, ainda, na memória dos Borum, segundo relato colhido
durante uma pesquisa etnográfica que fiz no território Krenak. No “Rio Doce II”,
concebida na noite do desmoronamento, trago a minha angústia diante da notícia
que se espalhou de forma contundente: a lama tóxica chega aos borbotões como
“chamas de um dragão”, enquanto os peixes tentam “correr para o mar, em vão”.
No “Rio Doce III”, o rio muda de cor. Torna-se rubro como a lama que chega: é
a hora da sua partida e da morte dos peixes, que emergem agonizantes. Ao fundo
das três obras, sob o olhar impotente da Ibituruna, a Vida se esvai. Aqui, justifico o
título “Rasgos na Alma” uma vez que essa tragédia não rasgou o Vale só no sentido
material, mas a Alma dos entes e seres que nele habitam. O tríptico “Rio Doce I, II
e III” ilustra, juntamente com os outros dois trabalhos já referidos, um livro que leva
o mesmo título: “Rasgos na Alma: ode ao Vale do Rio Doce”. Trata-se de um poema
* Possui graduação em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, Especialização em Folclore e Cultura Popular e Mestrado em Gestão
Integrada do Território. É Membro Efetivo (Pesquisador) da Comissão Mineira de Folclore (2005) e do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri
(2019). Atuou como professora assistente da Universidade Vale do Rio Doce de 2002 a 2017. Gere o espaço cultural Ateliê Edileila Portes desde
2014, prestando assessoria e consultoria em Arte e Cultura. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Artes Visuais, atuando principal-
mente nas seguintes áreas: desenho, composição e plástica, percepção visual, história da arte, arquitetura e urbanismo, teoria do urbanismo,
cultura, folclore, identidade, território e territorialidades.
CADERNO TEMÁTICO 7
MATAS CILIARES DA BACIA DO RIO DOCE:
IMPACTOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO / 2
ilustrado, editado pela Editora Atafona, de Belo Horizonte, com a coedição do Ate-
liê Edileila Portes, do qual sou gestora e tem o apoio cultural da Comissão Mineira
de Folclore, onde sou membra efetiva pesquisadora. O conjunto da obra objetiva
propor reflexões sobre o tema, que acreditamos pertinente diante da crise ambiental
vivenciada no Brasil e no mundo. Desde a sua edição, em novembro de 2017, até
o momento, o livro e as obras que o ilustram participaram de um vasto circuito de
exposições e lançamentos - da Universidade de Framingham, nos Estados Unidos
até livrarias em Belo Horizonte, Governador Valadares e São Paulo. Ongs, Institutos,
Escolas, Universidades, Fórum Social Mundial, em Salvador, Feiras internacionais
do livro - São Paulo e Buenos Aires - também fizeram parte do circuito. Em abril de
2018, o livro ilustrado foi contemplado com o selo de “Altamente Recomendável”
pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ.
O projeto gráfico elaborado pela Tuia Comunicação para a coleção Conversas com
o rio Doce considerou seu uso como ferramenta de aprendizado, ensino e também
de pesquisa.
Pensando na unidade visual, as obras da artista Edileila Portes da capa, foram o
ponto de partida para criar esse ambiente. As cores foram extraídas das telas. Os
elementos gráficos em destaque no rodapé, e também em alguns tópicos, remetem
às ondas ou movimentos das águas do rio Doce.
A proporção das páginas, o tamanho das fontes utilizadas no texto, bem como a cor,
tanto facilita a leitura em meios eletrônicos como a impressão, visto que o formato
da página (folha A4) é comum em impressoras e fotocopiadoras pequenas, presen-
tes na maioria das escolas. E, sendo nesse formato, sua encadernação torna-se mais
prática para ser utilizada em rodas de conversas e distribuídos entre alunos.
A disposição do texto foi pensada de uma forma fluida, remetendo às curvas do
percurso do rio Doce. Com os recuos de texto e imagens, criam-se também espaços
para anotações complementares de professores e alunos.
Esse projeto aproxima a forma da diagramação do conteúdo dos Cadernos Temáticos
com a intenção de trazer uma experiência de leitura e aprendizado mais agradáveis.
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Todos os direitos reservados. Copyright © 2021 dos autores
Esta coleção foi editorada com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (CNPq) - Chamada Universal MCTI/CNPq, edital nº 01/2016, e com auxílio financeiro da Fundação
Percival Farquhar, entidade mantenedora da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). Venda proibida.
Projeto: Relação com o saber e Educação Ambiental: uma pesquisa com estu-
dantes em tempo integral
ISBN 978-65-87227-21-4 (on-line).
CDD 981.51
Projeto Gráfico
Tuia Comunicação
tuiacomunicacao@gmail.com
Ficha Catalográfica
Biblioteca Dr. Geraldo Vianna Cruz (UNIVALE)
Revisão
Natália Luisa Fernandes de Souza
Contato
Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Gestão Integrada do Território (PPG-GIT)
territorio@univale.br
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Rios sem discurso
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apresentação
Apresentação ........................................................................................................ 7
Um Dedo de Prosa.............................................................................................. 11
Abrindo a Prosa................................................................................................... 12
No Fio da Prosa................................................................................................... 13
Outras Prosas....................................................................................................... 19
Amarrando a Prosa............................................................................................... 20
Referências.......................................................................................................... 22
Sobre os autores................................................................................................... 23
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apresentação
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MATAS CILIARES DA BACIA DO RIO DOCE:
IMPACTOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO / 7
versidade de olhares que, nos diferentes cadernos desta coleção, os (as) autores (as)
usam termos distintos para se referirem ao rompimento da barragem e suas conse-
quências, quais sejam desastre, crime, tragédia, desastre-crime, desastre sociotécni-
co, desastre socioambiental. Esse grupo plural se une em defesa do rio Doce, do seu
ecossistema e das populações atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.
Cadernos Temáticos
1. Histórias do rio Doce
Haruf Salmen Espíndola.
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9. Conversas sobre reparação de direitos no rompimento da barragem da Samarco
Lissandra Lopes Coelho Rocha
Diego Jeangregório Martins Guimarães
Iesmy Elisa Gomes Mifarreg
Reconhecemos que as conversas com o rio Doce que estabelecemos neste material
são a continuidade de tantas outras conversas tecidas no cotidiano por diferentes
pessoas, grupos e nas pesquisas. Desejamos que você viva a experiência da leitura
e que seja provocado a relembrar suas conversas com o rio Doce e iniciar outras.
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APOIO
ANA – Agência Nacional de Águas
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
UNIVALE – Universidade Vale do Rio Doce
OBIT – Observatório Interdisciplinar do Território – UNIVALE
LAD – Laboratório de Didática – Pedagogia /UNIVALE
NIESD – Núcleo Interdisciplinar de Educação, Saúde e Direitos – UNIVALE
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Secretaria Municipal de Educação de Governador Valadares a auto-
rização para realizar a pesquisa e a abertura para o desenvolvimento de atividades
formativas em Educação Ambiental.
Gratidão e reconhecimento pelo trabalho aos bolsistas de Iniciação Científica da
UNIVALE que contribuíram com a primeira pesquisa citada: Giovanni Tavares Neves
(Engenharia Civil e Ambiental); Isabela Neto da Silva Paes (Engenharia Civil e Am-
biental); Keren Christine Marques Cupertino (Pedagogia); e Rodrigo Felix Ferreira
Rezende (Psicologia).
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um dedo de prosa
O idoso, o adulto,
O jovem e a criança,
Todos somos responsáveis
Para que a esperança
Na construção do futuro
Possa nos dá a confiança
E de fato entender
Que só a conscientização
É um sinal de que houve
A plena educação,
Mas isso é um processo
Que começa com a ação.
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O rio sempre nasce limpo
Numa fonte embevecida,
Sobe monte, desce encosta,
Fornece a acolhida
Às plantas, aos animais
E corre pra nos dá vida.
A importância e o valor das matas ciliares para manter a saúde dos ambien-
tes terrestres e aquáticos e de todos os seres também já foi escrita em forma
de rimas. A literatura de cordel – nome dado ao texto rimado, popular no
Nordeste do Brasil – é frequentemente usada como um espaço para críticas
sociais, culturais e ambientais. Essas críticas são baseadas em conhecimentos
importantes sobre o tema tratado, como apresentado no cordel acima, escri-
to por Francisco Diniz, em 2006. Esse cordel ilustra claramente o cenário que
trataremos neste caderno temático.
abrindo a prosa
Você já reparou as matas existentes nas margens dos rios? Você sabia que essas
matas, além de fornecerem sombra para os animais que buscam o rio para sobre-
viver e tornarem o clima mais agradável para nós, também são muito importantes
para garantir a saúde dos rios, dos organismos (incluindo nós, seres humanos) e de
todo o ambiente?
Um dos processos que levam poluentes para os rios é conhecido como lixivia-
ção. Nesse processo, o excesso de substâncias, nutrientes e poluentes que estão
no solo, pode chegar ao rio e contaminá-lo. Assim, as matas próximas aos rios,
também conhecidas como matas ou florestas ciliares, protegem e impedem que
os rios se contaminem e adoeçam, assim como fazem os cílios ao redor dos nos-
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sos olhos. Ao evitar a lixiviação, as matas ciliares conseguem garantir a melhor
qualidade da água do rio.
Uma outra maneira pela qual as matas ciliares protegem os rios é evitando o assore-
amento e a erosão das suas margens, dois processos que podem causar acúmulo de
solo, pedras e cascalho nas beiras e no fundo do rio. Assim, podemos comparar as
matas ciliares com um filtro que segura os poluentes e grandes partículas e, com isso,
mantém a água do rio em boas condições de uso para os animais e seres humanos.
Quanto mais preservada a mata ciliar, melhor a eficiência dessa filtragem.
A importância e os benefícios oferecidos pelas matas ciliares estão atualmente pre-
vistos em lei. No Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012), as matas ciliares
são classificadas como Área de Preservação Permanente (APP), ambientes protegi-
dos por serem fundamentais para a preservação dos rios e para o funcionamento
equilibrado dos ambientes aquáticos e terrestres.
O problema é que essas matas, que são responsáveis pela saúde dos rios, têm
sido destruídas pelo modelo de desenvolvimento econômico do Brasil. A maioria
das cidades foi fundada às margens de algum rio, justamente por eles serem fon-
te primária de água, alimento, e importantes para o deslocamento. As pastagens
usadas na criação do gado bovino, por exemplo, muitas vezes são ampliadas pela
remoção das matas ciliares. As áreas utilizadas para agricultura e indústria também
seguem essa direção, reduzindo as matas ciliares e lançando uma enorme quanti-
dade de poluentes no ambiente, como fertilizantes, defensivos agrícolas (agrotó-
xicos), esgoto e outras substâncias tóxicas. E, se as matas ciliares são removidas ou
tornam-se muito pequenas e isoladas, o filtro fica sobrecarregado e não funciona
de modo eficiente.
Infelizmente, essa é a realidade do Rio Doce! Um rio que lentamente adoeceu devi-
do à grande quantidade de poluentes que recebeu ao longo dos anos. Para piorar a
situação da saúde do Rio Doce, o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco,
ocorrido em 2015, despejou uma onda de substâncias tóxicas que atingiu o rio e as
matas ciliares ao seu redor. Muitas delas poderiam contribuir para a proteção e re-
cuperação do rio e foram destruídas, e aquelas que sobraram adoeceram ainda mais
com a contaminação. O rejeito de mineração chamou a atenção de todos para um
rio que já pedia ajuda. A seguir, trazemos um pouco da situação das áreas ciliares
associadas ao Rio Doce após o desastre de 2015.
no fio da prosa
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nho, onde 270 pessoas morreram após o rompimento da barragem do córrego do
Feijão. Porém, nenhum registro se compara ao que aconteceu com o ambiente
devido à onda de rejeito que avançou sobre o Rio Doce e seus afluentes.
A barragem de Fundão estava carregada com toneladas de rejeitos de minério de
ferro, e boa parte desse volume, cerca de 50 milhões de m3, foi despejada nos rios,
provocando uma forte onda que destruiu o que havia no caminho. Esse rompimento
contaminou não só a faixa de aproximadamente 670 km do Rio Doce até o mar,
mas também os rios que desembocam no Doce e o abastecem com água (chamados
rios secundários ou afluentes). Nesses afluentes, o rejeito entrou num movimento
contra a correnteza e subiu parte do canal dos rios, contaminando adentro os tre-
chos mais próximos e que se conectam ao Doce (FERNANDES et al., 2016).
Porém, o Rio Doce e seus afluentes não foram os únicos atingidos. O volume era
tão grande que extravasou a calha do rio e destruiu, modificou e contaminou os
ambientes naturais e os alterados pelos seres humanos que estavam ao redor desses
rios, bem como as matas ciliares e propriedades rurais (IBAMA, 2015). Nos primeiros
quilômetros abaixo da barragem, o rejeito destruiu toda a vegetação e os animais
que vivem no ambiente terrestre que segue o rio. Uma grande camada de rejeito
cobriu suas margens até a extensão de 1 km de largura de distância. À medida que
foi se distanciando da barragem, a onda de rejeito foi perdendo força, mas cobriu o
solo das matas ciliares, e em alguns lugares até árvores de grande porte foram arran-
cadas. A força do rejeito mudou o curso do rio, o solo e a paisagem dos ambientes
ribeirinhos e aumentou a chance de erosões, o que pode levar grande quantidade
de solo para o rio, facilitando o assoreamento.
Figura 1: Localização do Parque Estadual do Rio Doce (PERD) dentro da Bacia do Rio Doce
Fonte: Eduardo Barcelos e colaboradores (2014).
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Alguns pesquisadores estimam que 374,81 ha de matas ciliares foram atingidas
e contaminadas. Esse valor equivale à área de aproximadamente 500 campos de
futebol. Na parte do meio da Bacia do Rio Doce, o rejeito atingiu cerca de 42
km de matas ciliares que estão dentro da área do Parque Estadual do Rio Doce
(PERD). Este parque está localizado nos municípios de Marliéria/MG, Dionísio/
MG e Timóteo/MG, e é considerado uma das principais unidades de conserva-
ção do Estado, por ser a terceira maior reserva de Mata Atlântica do Brasil, e por
abrigar 60% da diversidade conhecida da Mata Atlântica (BARBOSA et al., 2015;
ESPINDOLA et al., 2016).
Figura 2: Rejeito depositado no solo de uma mata ciliar no Parque Estadual do Rio Doce - PERD
Fonte: As autoras (dezembro/2017).
A floresta no Parque permaneceu em pé, mas o rejeito soterrou tanto o solo quanto
muitos animais aquáticos e terrestres que vivem ou estavam nas matas ciliares, que,
surpreendidos, não conseguiram escapar. Aqueles que sobreviveram ficaram sem
água para consumo e, devido às características do rejeito, com dificuldade para
chegar até ela. Alguns animais grandes, como antas, capivaras e lontras, que se ar-
riscaram, ficaram atolados e, sem resgate, acabaram morrendo. Além disso, os ani-
mais perderam lugares para construção de ninhos ou tocas e ficaram sem alimentos,
como apontado no relatório da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional,
Política Urbana e Gestão Metropolitana em 2016 (SEDRU, 2016), um dos respon-
sáveis pela fiscalização. Este cenário foi comum ao longo de toda a bacia e é efeito
direto da chegada do rejeito.
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Figura 3: Marca da pegada de uma anta no rejeito
Fonte: As autoras (dezembro 2015).
Além disso, todas as substâncias que compõem o rejeito são uma ameaça silenciosa.
Desde o desastre, pesquisadores estão empenhados em decifrar quais substâncias
estavam misturadas ao rejeito e quais as consequências imediatas e a longo prazo
da presença delas para o ambiente e para os organismos (incluindo o ser humano).
Relatórios disponibilizados pelo governo do Estado de Minas Gerais, que analisaram
a qualidade dos solos após o desastre, concluíram que o rejeito deixou o solo infértil
e que, após seco, ele se torna muito compacto, impedindo a infiltração adequada
de água e de nutrientes para as plantas e animais (SEDRU, 2016).
Uma das substâncias químicas registrada em grande concentração no solo é o sódio,
que é liberado durante o processamento do minério de ferro. O excesso de sódio
no solo e na água obriga as plantas a soltarem a água que está dentro delas para ten-
tarem equilibrar as concentrações do ambiente ao redor. Porém, a quantidade desta
substância química é tão grande que a planta perde mais água do que poderia para
o ambiente e, dessa forma, acaba morrendo por desidratação. Assim, na presença
do sódio, elas podem morrer desidratadas, mesmo se estiverem na beira do rio e
com água em abundância disponível. Portanto, muitas plantas nativas que resistiram
à força da onda de rejeito morreram porque o ambiente tornou-se ruim para elas,
dando espaço para outras espécies mais tolerantes, que antes não existiam ali.
Outros elementos químicos presentes no rejeito são os metais – ferro, manganês,
cromo, boro, alumínio –, importantes para a sobrevivência e desenvolvimento de
todos os seres vivos. Outros metais como o mercúrio e o arsênio são prejudiciais,
mesmo em quantidades mínimas. Todos esses metais são originados das rochas que
formam o solo e sua concentração é diferente nas diversas regiões que formam a
CADERNO TEMÁTICO 7
MATAS CILIARES DA BACIA DO RIO DOCE:
IMPACTOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO / 16
bacia do Rio Doce, já que cada região é formada por rochas com metais em quan-
tidades diferentes. Por exemplo, na região da bacia conhecida como Quadrilátero
Ferrífero, próximo aos municípios de Ouro Preto/MG e Mariana/MG, as rochas, as-
sim como o solo, são ricos principalmente em dois metais, o manganês e o ferro, este
último responsável pela cor vermelha dos solos da região. Por outro lado, as rochas
que formam a região do meio da Bacia do Rio Doce também possuem manganês e
ferro, porém em menor concentração, e são ricas em outros metais como cobalto,
cobre, níquel, zinco.
Estudos têm relatado que as concentrações de diversos metais aumentaram nos so-
los atingidos, porém, segundo eles, os valores estão abaixo do valor máximo permi-
tido (Valor de Referência) pelos órgãos ambientais. O manganês e o ferro, mesmo
abaixo do valor máximo permitido, foram encontrados em quantidade quatro vezes
maior que o esperado quando comparados a solos semelhantes não contaminados.
Essa comparação da quantidade de metais em solos atingidos pelo rejeito no Parque
Estadual do Rio Doce com solos imediatamente ao lado, porém não atingidos, reve-
lou que o rejeito contribuiu para a o aumento desses dois metais. Um dos maiores
problemas dessa maior presença deles no ambiente é que eles não se degradam
facilmente e são cumulativos, permanecendo no ambiente durante muitos anos,
mesmo depois que a fonte poluidora é interrompida.
As plantas e os animais conseguem quantidades suficientes desses metais, principal-
mente, através da alimentação. O problema é quando os organismos não conseguem
eliminar o excesso de metais e os acumulam no corpo, podendo sofrer com into-
xicação, câncer ou mudanças no DNA, num processo chamado de bioacumulação
(SEGURA et al., 2016). Dessa forma, após o desastre, aves aquáticas, ou seja, que se
alimentam de organismos do rio, como peixes, foram obrigadas a se alimentar dos
poucos que sobraram e que, possivelmente, estavam contaminados, transmitindo
essas substâncias tóxicas para outros seres num processo chamado de biomagnifica-
ção. O acúmulo de metais no corpo dessas aves pode atrapalhar a reprodução delas
por causar malformação dos ovos e outros problemas nos órgãos de reprodução.
Os efeitos do rejeito sobre as espécies de invertebrados, principalmente formigas,
também já têm sido investigados. As formigas são um grupo sensível a mudanças
ambientais e são bastante tolerantes aos metais no ambiente. A presença do rejeito
também mudou a fauna desse grupo de insetos, sendo que espécies que são encon-
tradas em ambientes bastante destruídos substituíram as outras que não conseguem
viver ali. As formigas nos mostram, assim, que o rejeito realçou a degradação histó-
rica que ocorre na bacia. Esses insetos desempenham diversas funções importantes
para o ambiente, como o transporte de sementes, e, com isso, podem ajudar na
recuperação das matas ciliares atingidas. Porém, essa função ficou prejudicada, e as
formigas começaram a transportar uma quantidade menor de sementes.
CADERNO TEMÁTICO 7
MATAS CILIARES DA BACIA DO RIO DOCE:
IMPACTOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO / 17
Figura 4. Esquerda: Espécie Atta sexdens, também conhecida como saúva ou formiga cabeçuda. Fonte: As autoras (dezembro/2020).
Direita: Formigas do gênero Crematogaster buscando alimentos em uma isca de sardinha e mel. Fonte: As autoras (julho/2017).
Para a saúde humana, a contaminação das matas ciliares por metais também é pre-
ocupante. Acredita-se que o contanto dos seres humanos com os poluentes do re-
jeito, através da água do rio, do solo contaminado, e do alimento encontrado no rio
e em suas margens, pode ter impactos negativos em médio e longo prazo, princi-
palmente em pessoas que são consideradas grupo de risco, como crianças, idosos e
gestantes. Algumas pesquisas, como a realizada por Rocha e colaboradores em 2016
no município de Colatina/ES, e a de Vormittag e colaboradores no município de Bar-
ra Longa/MG em 2018, revelaram que as maiores queixas de saúde das pessoas que
estiveram em contato com o rejeito de alguma maneira foram alergias respiratórias
e de pele, tosse, rinite, falta de ar, dor de cabeça, coceira, dentre outros sintomas.
Esses sintomas podem estar relacionados a intoxicação por ingestão, inalação ou
contato com o rejeito e a poeira seca do rejeito.
Outro agravante para a saúde humana é a possibilidade da emergência ou ree-
mergência de doenças transmitidas por insetos, caramujos e roedores como ratos,
animais chamados de vetores ou transmissores. Esses animais conseguem carregar
e repassar para outros animais e o ser humano diversos tipos de vírus, bactérias e
vermes. As florestas e matas ciliares, principalmente quando preservadas, conse-
guem manter as populações de animais que vivem ali, incluindo os transmissores
de doenças, dentro de um delicado equilíbrio. Elas conseguem garantir e manter
hospedeiros e evitam que os vetores tenham que buscar outras fontes de alimentos,
diminuindo a chance de contato com humanos.
As mudanças na paisagem provocadas pelo rejeito, somadas ao acúmulo de lixo,
criaram ótimos ambientes para a proliferação desses vetores. A preocupação com
o aumento e o surgimento de doenças começou logo após o rompimento. Muitos
animais resgatados estavam doentes e precisaram ser abrigados em contato com ou-
tros animais, aumentando a chance de transmissão. Uma dessas doenças, a leishma-
niose, é uma zoonose que adoece animais (principalmente domésticos) e pode ser
CADERNO TEMÁTICO 7
MATAS CILIARES DA BACIA DO RIO DOCE:
IMPACTOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO / 18
transmitida para os seres humanos com a participação de um mosquito, conhecido
como mosquito palha.
Outra doença importante que é motivo de preocupação é a dengue, cujo transmis-
sor é o mosquito Aedes aegypti. Isso porque, além dos poluentes, muitos tipos de
materiais arrastados junto com o rejeito foram depositados nas áreas ciliares, criando
locais que podem ser criatórios de larvas desse mosquito. O “mosquito da dengue”
encontra em ambientes que foram modificados o local ideal para sobreviver e se re-
produzir. Diante disso, fica evidente a importância da preservação e da manutenção
de matas ciliares. A presença da mata em boas condições é a garantia da saúde dos
rios, das plantas e dos animais que dependem dela para sobreviver, assim como dos
seres humanos. Cuidar das matas ciliares é, mais que nunca, necessário para ajudar
na recuperação da bacia e manutenção de um ambiente de boa qualidade.
outras prosas
As alterações nas matas ciliares, e em todos os ambientes, que são provocadas pe-
los seres humanos têm aumentado a cada ano. Como vimos no texto, as transfor-
mações no ambiente provocadas pelos seres humanos prejudicam a qualidade das
florestas. É muito comum pessoas que convivem próximas a ambientes naturais
conseguirem identificar problemas no solo e na água do rio, por exemplo, sim-
plesmente através de uma observação atenta ao que está acontecendo. Existem,
entretanto, outras formas que podem indicar a qualidade dos ambientes, como as
análises laboratoriais de elementos da natureza, como solo, água, plantas. Outra
maneira de tentar entender a qualidade do ambiente é através da presença de
alguns seres vivos que são sensíveis às mudanças que ocorrem nos locais onde
vivem, sendo os insetos um grupo frequentemente usado para isso. Eles desem-
penham diversas funções importantes que ajudam na reprodução das plantas (po-
linização), ajudam a transportar sementes de um lugar para outro, melhoram a
oxigenação do solo e controlam uns aos outros. Cumprindo todas essas funções,
os insetos ajudam a manter o ambiente conservado e na recuperação dos ambien-
tes que sofreram algum impacto. Um grupo de insetos que muitos cientistas usam
para decifrar o ambiente são as formigas.
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Figura 5: Esquerda: Cientistas trabalhando para entender as formigas e o ambiente. Direita: Espécie Camponotus sericeiventris, tam-
bém conhecida como formiga apaga fogo. Fonte: As autoras (março/2018).
amarrando a prosa
Agora que já entendemos a importância das matas ciliares para a saúde do rio, e
para a saúde de todos os seres vivos, é preciso estarmos atentos ao que o Rio Doce
nos diz! O rio manifesta, através da qualidade das suas águas, o resultado das con-
dições do ambiente ao seu redor. E, como um ciclo, o ambiente terrestre contami-
nado e sem matas (especialmente as ciliares) contamina a água, que, por sua vez,
contamina o solo através das inundações, ou seja, o rejeito que está no fundo do
rio é trazido para as matas ciliares ano após ano, no período das cheias anuais que
ocorre na época das chuvas.
Por outro lado, após encerrada a fonte de contaminação, muitos ambientes come-
çam a demostrar sinais de que podem se recuperar. Sim, há chances de a situação
melhorar! Porém, essa recuperação é geralmente lenta e depende das características
de cada ambiente, e do tipo e duração da contaminação à qual foi exposto. Além
disso, é importante considerar que os rios e as matas ciliares não estão isolados dos
ecossistemas do entorno, incluindo as nascentes e os topos de morros, por exemplo.
Tudo está interligado.
CADERNO TEMÁTICO 7
MATAS CILIARES DA BACIA DO RIO DOCE:
IMPACTOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO / 20
Entender como o rio e as matas se relacionam nos capacita a contribuir por meio de
ações concretas para a recuperação, assim como para a mobilização da ação coleti-
va da população e do Estado em prol da qualidade dos ambientes, dos quais as áreas
ciliares são uma parte importante.
A falta de planejamento e investimento em saneamento, centros de saúde e edu-
cação, permitiu que, ao longo do tempo, ocorresse a contaminação dos ambientes
naturais da Bacia do Rio Doce com esgoto, resíduos industriais, de mineração e
outros contaminantes. O acúmulo de lixo e a falta de saneamento básico são algu-
mas das principais causas do surgimento e ressurgimento de doenças transmitidas
por insetos (dengue, febre amarela, leishmaniose, parasitoses) e por ratos (leptos-
pirose e outras parasitoses).
Hoje, além da proteção legal das áreas ciliares, há uma legislação específica para o
saneamento a fim de garantir a qualidade dos ambientes e a saúde humana. Entre-
tanto, somente cerca de 64% da bacia possui algum tipo de tratamento da água e do
esgoto. A coleta de lixo também está crescendo e hoje cerca de 89% das residências
da Bacia do Rio Doce são atendidas por esse serviço.
Isso melhora bastante o cenário, porém não o resolve e muito ainda precisa ser
feito. A destruição provocada pelo rejeito que veio da barragem de Fundão é
resultado da falta de atenção cumulativa, e agravou ainda mais a situação. Por
outro lado, o desastre chamou a atenção para a importância de um novo olhar
para o rio e os ambientes que o rodeiam, como essenciais para a garantia da
nossa sobrevivência.
Como podemos mudar práticas no nosso dia a dia para ajudar a preservar o que
realmente importa? Além da ação individual, é possível acionar os órgãos ambientais
caso notar acúmulo de lixo e sujeira ou perceber mudanças na água do rio. É preciso
também considerar a possibilidade de mobilização coletiva. É possível mobilizar os
moradores do seu bairro ou a comunidade da sua escola para ações mais efetivas? É
provável que você encontre na internet algumas experiências interessantes de gru-
pos que se organizaram para a recuperação de mata ciliares!
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referências
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SEDRU - SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO REGIAONAL, POLÍ-
TICA URBANA E GESTÃO METROPOLITANA. Relatório: Avaliação dos efeitos e
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4422asoc0122r2vu18l1ao.
Sobre as Autoras:
Maria Fernanda Brito
Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (PUC-Minas), doutora em Ecologia com tese sobre formigas como
bioindicadoras de distúrbios em matas ciliares no médio Rio Doce. Atua na docência,
pesquisa e consultorias ambientais com foco principalmente em ecologia e conser-
vação de ecossistemas e comunidades, distúrbios ambientais e educação ambiental.
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