Novel 6

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Kusuriya no Hitorigoto- Novel 6

Perfis de Personagens

Maomao
Uma farmacêutica no distrito de prazeres. Completamente obcecada por remédios e
venenos. Dezenove anos. Filha de uma cortesã e do estrategista militar Lakan.

Jinshi
Fingiu ser um eunuco no palácio traseiro, mas sua verdadeira identidade é a de irmão
mais novo do Imperador. De beleza sobre-humana. Nome verdadeiro: Ka Zuigetsu. Vinte
anos.

Basen
Filho de Gaoshun; atendente de Jinshi. Pode ser quase desesperadamente sincero, mas
em batalha não há ninguém que você prefira ter ao seu lado.

Lakan
Pai de Maomao. O estrategista excêntrico; o esquisitão de monóculo; o velho desgraçado.
(Todos os apelidos que Maomao usa para ele.)

Lahan
Primo de Maomao e filho adotivo de Lakan. Adora números.

Luomen

Pai adotivo de Maomao; tio de Lakan. Um médico extremamente habilidoso, mas parece
ter mais do que sua cota de má sorte e infelicidade.

Consorte Lishu
Uma das quatro consortes mais favorecidas do Imperador. Muito jovem e ainda tímida.
Dezesseis anos.
Ah-Duo

Antigamente uma das quatro consortes favorecidas do Imperador. Uma mulher bonita
que se veste com roupas masculinas.

Imperatriz Gyokuyou
A esposa legal do Imperador. Vem do oeste. Filha de Gyokuen. Uma beleza exótica com
cabelos ruivos e olhos verdes.

A Madame
A velha senhora que administra a Casa Verdigris, o bordel onde Maomao trabalha. Uma
verdadeira miserável.

As Três Princesas
Pairin, Meimei e Joka. As três cortesãs mais populares da Casa Verdigris.

Chou-u
Uma criança sobrevivente do clã Shi. Está parcialmente paralisado e perdeu suas
memórias. Um artista talentoso.

Ukyou
Chefe dos criados da Casa Verdigris. Tem porte médio e não se destaca imediatamente,
mas sua natureza atenciosa o torna popular entre as cortesãs.

Sazen
Um ex-agricultor que fugiu para a capital após a rebelião Shi. Atualmente em treinamento
como farmacêutico.

Zulin
Um aprendiz na Casa Verdigris. Incapaz de falar. Capanga de Chou-u.
Gyokuen
Pai da Imperatriz Gyokuyou. Um oficial de alta patente que governa a capital ocidental,
mas ainda não recebeu um nome de família do Imperador.

Uryuu

Pai da Consorte Lishu. Criou Lishu, mas nunca a amou.

Prólogo

Jinshi olhava fixamente para o braseiro crepitante. Ia ser outra noite fria. Basen
colocou mais carvão no fogo.
Ficava amargamente frio na capital ocidental depois que o sol se punha. A
mudança brusca do calor do dia poderia ser suficiente para fazer algumas
pessoas adoecerem. Não Jinshi — ele não estava exatamente acostumado com as
noites nessa região arenosa, mas no momento ele preferia o frio.
Jinshi estava descansando em um sofá, com uma expressão melancólica no rosto.
Na mesa à sua frente, uma xícara de mel e cítricos misturados com água quente
estava intocada. Ele estava com sede, mas não conseguia se obrigar a beber. Não
queria abandonar a sensação que ainda persistia em seus lábios.
Ele deixou os dedos passarem pela boca, como se quisesse confirmar para si
mesmo o que a tinha tocado apenas uma hora antes. Seu corpo estava tomado
por uma combinação de calor e tristeza que parecia não querer ir embora.

Ele ainda podia ver quando fechava os olhos: o rosto dela olhando para ele, as
estrelas acima sendo a única luz. Ele não pôde vê-la bem, e ainda assim parecia
lembrar-se dela com tanta clareza. Seus olhos, geralmente lânguidos, estavam
opacos, mas sua boca brilhava quente e úmida. Um fio pendia da umidade e
depois caía. Tudo tinha acabado, Jinshi viu com uma combinação de decepção e
alívio.

E então o arrependimento.
Sua parceira estava completamente à vontade. Ela nunca corava, nem desviava o
olhar em embaraço. Apenas olhava calmamente, friamente, para o homem sob
ela, depois lambia os lábios, sugando o fio de saliva. Ela não estava saboreando o
pós-êxtase, mas simplesmente eliminando todos os traços, como se nunca
tivesse acontecido. Seu pequeno corpo montava sobre o de Jinshi, facilmente
duas vezes maior que o dela, com a mão colocada sobre o coração dele. Ela podia
sentir as batidas do seu coração, mas ele não podia sentir as dela.

O que ela pensava, sentindo como ele batia rápido e forte?

Era óbvio à primeira vista. O vento balançou o cabelo dela, criando ondulações.
Seus olhos se estreitaram, e ela olhou para ele. Seus lábios sedutores arquearam-
se. "Ora, ora. Já acabou?" ela parecia perguntar, embora não dissesse nada. Seu
sorriso deixava claro o quanto ainda tinha a oferecer.
Isso significava que ele tinha perdido.

Os ombros de Jinshi caíram com a lembrança. Ele tinha tentado fazer uma réplica,
mas a garota farmacêutica simplesmente disse "Com licença" e saiu como se
nada tivesse acontecido. Ela alegou que ouviu seu primo chamando; era como se
não tivesse mais nada para fazer ali. Ela teria ficado mais emotiva com a mordida
de um cachorro. Ou uma picada de mosquito.

Jinshi suspirou enquanto voltava à realidade.

"Eu sabia, senhor. Você não está se sentindo bem, está?" disse seu atendente,
Basen. Se Jinshi dissesse que estava bem, Basen apenas o pressionaria para
saber se algo tinha acontecido. E se ele dissesse que realmente não estava se
sentindo bem, Basen provavelmente tomaria para si a responsabilidade de cuidar
de Jinshi até que ele melhorasse e não sairia do quarto.

Havia momentos em que Jinshi desejava ficar sozinho — ele sempre se


perguntava por que Basen não tinha herdado a intuição de seu pai, Gaoshun, para
isso. O jovem podia ser um pouco denso.
Jinshi não era o único que se sentia estranho naquele dia. Basen também parecia
diferente do habitual. Suas bochechas estavam mais vermelhas do que o normal
— não como se ele tivesse subitamente melhorado a circulação, mas mais como
se estivesse excitado com algo. Talvez fosse a luta com aquele leão. Uma
bandagem estava enrolada em sua mão direita, a mão que segurava a barra de
ferro. Estava inchada; quando a garota farmacêutica viu o feio apêndice, declarou:
"Está quebrada" e prontamente começou a examiná-lo, mas por dentro
provavelmente tinha dúvidas sobre o jovem obtuso.

"Você parece mais cansado do que eu hoje, Basen. Você deveria descansar um
pouco."

"De jeito nenhum, senhor; não depois do que acabou de acontecer. Quem sabe se
eles podem tentar algo mais?" ele disse sinceramente. Jinshi realmente,
realmente desejava que ele pegasse a dica.

Jinshi pegou a água com mel, mas não a bebeu, apenas deixou que aquecesse
suas mãos. Mesmo se tivesse trocado de roupa e ido para a cama, Basen
provavelmente ainda não teria saído. Havia outro sofá na sala com uma almofada
que poderia servir como travesseiro, se necessário.
Jinshi não conseguia dormir, e parecia que Basen também não. Seria a
adrenalina de lutar contra um grande animal ou algo completamente diferente?
Era mais do que apenas o costumeiro franzir de testa; os lábios de Basen estavam
torcidos em uma carranca. Alguma lembrança parecia surgir em sua mente, e
cada vez que isso acontecia, ele piscava e então sacudia a cabeça
repentinamente, como se quisesse se livrar dela. Era muito suspeito.

Uma das coisas estranhas sobre os humanos é como eles se acalmam quando
alguém está lutando mais do que eles. Jinshi soltou outro suspiro profundo. Não
podia continuar assim. O banquete da noite pode ter terminado, mas ainda havia
mais reuniões amanhã. Ele decidiu encontrar algum equilíbrio. Ele reconheceu, no
entanto, que ficar sozinho não seria a melhor maneira de organizar seus
pensamentos. Em vez disso, disse: “Basen.”

“Sim, Mestre Jinshi?” Basen respondeu, usando o nome assumido de Jinshi. Isso
era mais fácil para Jinshi. Se Basen não fosse chamá-lo pelo seu verdadeiro nome,
como fazia quando eram crianças, então essa era a próxima melhor opção.
“Você já conseguiu convencer alguém?”

Francamente, Basen não era a melhor escolha para conversar sobre tais assuntos,
mas Jinshi não estava procurando uma resposta séria. Ele podia responder suas
próprias perguntas; só queria falar em voz alta para não ficar com a mente dando
voltas. Basen não precisava entender exatamente o que Jinshi queria dizer; ele só
precisava oferecer um sim ou não ou um grunhido aqui e ali.

“Er, como assim, senhor? Você falou com tantas pessoas desde que chegamos
aqui que não sei a quem você pode estar se referindo...”

Era verdade: muitas mulheres tinham falado com Jinshi desde sua chegada à
capital ocidental. Quantas? Não se gostaria de dizer.

“Você não precisa terminar esse pensamento”, disse Jinshi.

A testa de Basen se enrugou. “Eu não estou na sua posição, senhor, e não tenho
muita experiência nesses assuntos. Embora no futuro eu possa descobrir que
ganho alguma, quer eu queira ou não.”

Ele provavelmente nunca tinha passado por tais situações, ainda não. Mesmo que
eles só se vissem algumas vezes por ano desde que Jinshi entrou no palácio
traseiro, ainda eram irmãos de leite e amigos de confiança. Jinshi sabia que Basen
não se sentia muito confiante perto de mulheres — quanto mais femininas, menos
ele gostava de ter algo a ver com elas. O fato de que ele conseguia ter uma
conversa mais ou menos normal com a garota farmacêutica sugeria que ele não a
via nesses termos, embora Jinshi estivesse dividido sobre se isso era uma coisa
boa ou ruim. Não era misoginia — era um sinal de como as primeiras experiências
de Basen o tinham influenciado profundamente. Uma infelicidade que havia
ocorrido por causa de suas características particulares.
Basen respondeu à pergunta de Jinshi acariciando o queixo. “Só posso dizer que
depende da pessoa. Há muitas pessoas com quem não me sinto totalmente
confortável. Mas a situação também tem algo a ver com isso. O quão confiante e
competente a outra pessoa é pode afetar o fluxo, e vice-versa. E você tem que
lidar com tantas pessoas de uma vez, Mestre Jinshi—isso não é um esforço?”
“Tantas de uma vez? Acho que você está me superestimando.” Jinshi não esperava
uma resposta tão direta. Ele sorriu ironicamente ao ouvir-se descrito como se
estivesse louco de desejo. Pensando bem, Basen tem ido muito ao distrito de
prazeres no lugar de Gaoshun ultimamente. Será que ele conseguiu ganhar
alguma experiência? Jinshi sabia quão astuta a dona daquele bordel podia ser. Ela
poderia muito bem ter tentado convencer Basen com uma venda difícil.

Jinshi olhou para Basen, dividido. A Casa Verdigris era um bordel de alta classe
com excelentes cortesãs. E Basen idealizava as mulheres, mesmo que não fosse
muito bom em conversar com elas. As educadas — e muito firmes — damas da
Casa Verdigris poderiam ser surpreendentemente agradáveis para ele.

Jinshi engoliu em seco. “Basen... Aconteceu algo? Na Casa Verdigris?”

“O-Q-Que é isso de repente?!” Basen perguntou, assustado. O homem era um


péssimo mentiroso — francamente, ele era um adjunto menos que ideal quando
se tratava de política. Mas esse aspecto de sua personalidade era exatamente o
que permitia a Jinshi relaxar ao seu redor. “Nada aconteceu,” insistiu Basen. “E, de
qualquer forma, posso me superar quando preciso!”

Superar-se? Uma escolha de palavras um tanto inquietante—mas sim, Basen


realmente podia fazer o que precisava, quando precisava. Jinshi estava disposto a
reconhecer isso. Ele engoliu novamente, percebendo que teria que repensar como
via seu irmão de leite mais uma vez.

“O que traz isso à tona, Mestre Jinshi? Aconteceu algo com você?”

“Não. É simplesmente que há alguém que eu gostaria muito de superar,” disse


Jinshi, embora tivesse que lutar para conseguir dizer as palavras. Ele estava longe
de ser suficientemente hábil para lidar com “tantas” mulheres de uma vez, e
queria evitar inflar ainda mais a opinião de Basen sobre suas habilidades.
Ele continuou: "Eu tinha a impressão de que sabia como jogar esse jogo. Essa
pessoa pode ser bastante elegante, mas na prática eu deveria ser o superior — e
talvez tenha confiado demais nisso. Essa ilusão foi completamente destruída esta
noite, e isso me deixou me sentindo bastante patético."
Ele pode não ter sempre muita confiança, mas ao menos tinha um pouco. Não
conseguia contar quantas mulheres tinham se insinuado para ele em seus seis
anos no palácio traseiro, e isso lhe deu a (mais do que um pouco vaidosa) crença
de que poderia fazê-las dançar na palma de sua mão.

Basen olhava para ele com um toque de espanto. "Essa pessoa deve ser bastante
habilidosa, senhor, para fazê-lo dizer isso."

"Sim..." Pelo menos Basen não parecia perceber de quem Jinshi estava falando.
Graças a Deus. "Discutimos por algo trivial," disse ele. "Eu comecei a discussão...
e perdi."

Basen parecia confuso por um segundo, mas então disse: "Ah!" como se tudo
fizesse sentido para ele. "Você perdeu, senhor? Ah, então é isso que você quer
dizer... Um parceiro de sparring, senhor? Que grosseiro ele deve ser!"

Ele podia ser perceptivo nos momentos mais surpreendentes. Talvez parecesse
insultante sugerir que Jinshi estava surpreso ao perceber que Basen sabia
realmente o que significava ser rivais no amor. Mas aquele Rikuson — era esse o
nome dele, certo? — ele podia parecer apenas mais um rosto bonito, mas não
devia ser subestimado. Ele era um subordinado direto do estrategista, Lakan —
mas não era dele que Jinshi estava preocupado.

"Então havia alguém naquele banquete que conseguiu fazer até você admitir a
derrota, Mestre Jinshi," disse Basen calmamente, parecendo profundamente
pensativo.

"Não me elogie, por favor. Estou ciente de que ainda sou jovem. Meu oponente é
como um salgueiro, ou... ou como tentar empurrar uma cortina. Não importa o
quanto eu empurre ou golpeie, eles simplesmente cedem."

A questão era o que seu eu inexperiente deveria fazer. A única coisa que ajudaria
seria ganhar um pouco dessa experiência, ele supunha — mas como? Ele não
podia sair cortejando outra mulher, mas também não parecia sensato ir para um
bordel simplesmente porque supostamente não haveria consequências.
Foi então que Basen disse algo bastante inesperado. “Posso ajudar de alguma
forma?”

“Desculpe?” Jinshi disse, quase derrubando sua água. Ele sabia com certeza que
Basen era heterossexual — então como ele poderia dizer isso?

E, no entanto, Basen continuou: “Devo confessar que não sou muito capaz. Estou
bem ciente de que você é muito mais habilidoso do que eu, Mestre Jinshi. Mas
faço essa sugestão na crença de que deve ser melhor do que simplesmente ficar
deprimido sem fazer nada.”

“Basen...”

Sim, ele estava certo. E se Jinshi fizesse isso com Basen, bem, em algum nível,
isso não contava, contava? Deve ser isso que o jovem estava pensando. Bem, mas
— não, espere. Algo estava errado aqui.

“Habilidade pode me faltar, mas estou confiante em minha resistência, enquanto


posso suportar,” disse Basen.

“R-Resistência? Eu realmente não acho...”

Não, essa não era uma conversa que Jinshi podia continuar. Ele hesitou. Talvez
Basen tivesse aprendido algum jogo distorcido na Casa Verdigris, ele se
preocupou. Deveria relatar isso a Gaoshun?

Basen, no entanto, estava olhando para Jinshi, completamente sério. Parecia


animado, mas não da maneira exagerada de antes. “Apenas pense nisso como
prática, senhor. Nada mais. Posso não ser a pessoa que você tem em mente, mas
apenas... finja.”

Jinshi caiu em pensamentos — e então entrou em ação. Colocou a água na mesa,


levantou-se do sofá e veio lentamente ficar na frente de Basen.
“Devemos nos mover para algum lugar, senhor? Está um pouco apertado aqui.”

“Não, este espaço é suficiente.”

Não era como se precisassem usar a cama. E ele absolutamente não queria que
ninguém os visse, então tinha que terminar isso enquanto ainda estavam neste
quarto.

Basen era cerca de dois sun mais baixo que Jinshi — ele desejava que Basen
encolhesse mais sete.

Jinshi se inclinou, e Basen recuou. O que era isso? Ele agia tanto como a própria
pessoa que Jinshi estava imaginando!

“Mestre Jinshi?”

“Está tudo bem. Isso é perfeito.”

“Eu estou, er, de mãos vazias...”

“Eu também.”

Sim... Agora que pensava nisso, ele ouvira falar de usar todos os tipos de
ferramentas e engenhocas, mas certamente nunca esperava que Basen trouxesse
esse assunto à tona. Eles tinham ensinado coisas perversas a ele no distrito de
prazeres, Jinshi tinha certeza disso agora. Mas talvez ele não devesse mencionar
isso a Gaoshun.

Tudo bem. Não havia mais razão para Jinshi hesitar, então. Nenhuma razão para
ser excessivamente contido.

Cada vez que Jinshi se aproximava, Basen abria espaço novamente, não com o
ligeiro recuo da garota apotecária, mas com a agilidade de um soldado treinado.
“Mestre Jinshi?”

“Essa pessoa nunca inicia, mas apenas responde ao que é feito.”

“Então, Mestre Jinshi, eu devo...?”

Basen olhou para Jinshi, profundamente preocupado; suas costas já estavam


contra a parede. Jinshi já havia conseguido isso antes; poderia quase ser chamado
de sua especialidade. Com Basen praticamente encurralado, Jinshi plantou sua
mão firmemente contra a parede. Bam!

“M-Mestre Jinshi...”

“Não. Fique quieto.”

Jinshi focou sua imaginação: ele não estava imaginando seu irmão de leite, mas a
pessoa que desejava superar. Ele precisava agir antes que a boca falasse, a boca
que geralmente era tão inarticulada, mas se tornava eloquente e esperta nos
momentos mais inesperados. Ele pegou o queixo de Basen com a mão livre e
pressionou o polegar contra seus lábios.

“M-M-M...” Basen tinha ficado completamente branco, e dessa distância, Jinshi


podia ver que ele estava coberto de suor. Por que ele parecia tão preocupado?
Essa era sua sugestão! De alguma forma, ele quase parecia como se não
esperasse que nada disso acontecesse.

Poderia haver algum erro aqui? Algum equívoco crucial e momentoso?

Talvez fosse a tensão que ambos estavam sentindo — nenhum dos dois notou o
som de vozes bem do lado de fora. E justo quando Jinshi estava prestes a juntar as
peças, a porta do quarto se abriu com um estrondo tremendo.
“Faz muito tempo desde que compartilhamos uma bebida! E eu peguei uma presa
mais fascinante na minha rede!” anunciou uma voz animada, mas de gênero
indefinido.

“L-Lady Ah-Duo!” gritou um guarda do lado de fora, mas a pessoa encantadora


vestida com roupas masculinas já estava empurrando-o para entrar no quarto. O
cheiro de álcool veio com ela; parecia que ela já estava se embebedando sozinha
antes de pensar em convidar Jinshi. Ela era assim desde o palácio traseiro, sempre
tentando fazer com que ele bebesse com ela. Talvez estivesse um pouco
embriagada, porque a maneira como entrou no quarto foi, bem, no mínimo,
forçosa.
E o momento que ela escolheu foi bastante inoportuno.

Jinshi estava quase em cima de Basen, que estava preso contra a parede com os
dedos de Jinshi roçando seus lábios em uma carícia inconfundivelmente amorosa.
Basen estava suando e seu rosto estava completamente pálido.

Os dois guardas que tinham entrado tentando conter Ah-Duo cobriram os olhos
com as mãos e espiaram entre os dedos. Quanto a Ah-Duo, seus olhos se
arregalaram e sua boca caiu aberta.

“Ah!” disse ela. “Isso mesmo. Você não precisa escolher uma flor. Acho que me
enganei.”

Com isso, ela saiu do quarto e fechou a porta educadamente.

Nem Jinshi nem Basen disseram nada, mas após um momento de silêncio, a
escura mansão You foi preenchida com o som de dois homens gritando um com o
outro.
Capítulo 1: A Capital Ocidental — Dia Quatro

A luz do sol que passava pelas cortinas forçou os pesados pálpebras de Maomao
se abrirem. A cama (completa com um dossel chique), o ar claro e brilhante, e os
móveis elaborados a lembraram mais uma vez que ela não estava em sua casa na
capital.

Quero... mais... dormir...

Ela se sentou, esfregando os olhos. As noites eram tão frias que ela dormia sob
várias cobertas pesadas e algum tipo de pele, mas assim que o sol nascia, ficava
terrivelmente quente. Já uma das camadas estava no chão, e os pés de Maomao
estavam para fora das cobertas.

Ela achou que tinha ouvido gritos no meio da noite; isso a havia acordado e ela só
conseguiu dormir levemente depois disso. Quem faria esse tipo de coisa? Que
vizinhos desagradáveis.

O café da manhã deveria estar chegando em breve. Maomao ficou feliz por não
terem que se reunir todos para comer — provavelmente um pouco de cortesia
para os hóspedes de ressaca. Decidindo trocar de roupa antes que a criada
chegasse, Maomao saiu de sua roupa de dormir, colocando uma roupa que
escolheu aleatoriamente de um suporte de roupas.

Hoje ela estava usando uma saia comum e uma blusa de manga curta sobre uma
capa com um visual legal. A melhor coisa era a maneira como ela respirava.
Toques de bordado na gola e na barra davam um ar ocidental. O palito de cabelo
de prata estava sobre a mesa.

Hm...

Maomao não o colocou na cabeça, mas usou um simples amarrador para prender
o cabelo. No entanto, ela colocou o palito de cabelo nas dobras de suas roupas
para ter certeza de que não o perderia. Ela sempre carregava um pequeno pacote
contendo remédios, bandagens e coisas do tipo, então simplesmente o adicionou
a isso.

A batida na porta veio assim que ela terminou de trocar de roupa. "Entre", ela
disse, e uma criada entrou com um carrinho carregando o café da manhã. O
cardápio estava um pouco mais escasso do que o normal, talvez levando em
conta o extenso banquete da noite anterior.
Maomao deu algumas colheradas de mingau simples e estava pensando que um
pouco de vinagre preto poderia melhorar o sabor quando uma batida muito alta
veio à porta. Maomao despejou um pouco de vinagre preto em seu mingau, deu
uma mordida e então, sem esconder sua irritação, disse: "Entre".

"Poderia jurar que você demorou um momento extra para responder", disse Basen
ao entrar. Havia um homem com ele, mas não era Jinshi. Sem saber como se
sentir sobre isso, Maomao engoliu sua comida e fingiu não saber do que Basen
estava falando.

"Foi sua imaginação, tenho certeza", ela disse.

"Você está tomando café da manhã?" Basen perguntou. Não que parecesse
motivá-lo a sair. Algo, Maomao deduziu, devia ter acontecido.

Ela colocou seus hashis e o encarou. "O que está acontecendo?" Sua mão direita
estava envolta em uma bandagem, aquela que Maomao havia colocado na noite
anterior. Ele estava tão cheio de adrenalina que nem o inchaço nem o fato de o
osso estar quebrado pareciam incomodá-lo. Havia densidade e depois havia
densidade.

Basen respirou fundo e depois tirou um pacote de pano das dobras de sua túnica.
Ele o colocou na mesa e o abriu para revelar outro pacote, este de papel de óleo.
Assim que ele o desembrulhou, o nariz de Maomao formigou e ela recuou.

O odor ofensivo vinha de um jarro de cerâmica no pacote. "Isso é perfume, por


acaso?" ela perguntou. Ela já havia cheirado isso antes - era o líquido que havia
sido derramado sobre a Consorte Lishu no banquete. "Onde você conseguiu
isso?"
"Engraçado você perguntar", disse Basen. Sua expressão era conflituosa; ele
estava obviamente suprimindo um lampejo de raiva. "Lady AhDuo trouxe para
nós."

"E onde ela conseguiu?"

"Ela disse que um de seus guarda-costas encontrou. Na noite passada - uma


criada da meia-irmã da Consorte Lishu o tinha. Ela estava passeando quando, por
alguma razão, um cachorro vadio a atacou, e o guarda aconteceu de ajudá-la."

Aconteceu de, eh?

Qual era a chance do guarda estar lá realmente ter sido coincidência? Mesmo tão
longe da capital, por que uma criada estaria andando sozinha por aí? A inferência
lógica seria que, na verdade, o guarda havia sido enviado para segui-la porque Ah-
Duo estava desconfiada dela. Mas não havia motivo específico para dizer isso em
voz alta.
"O vira-lata parecia extraordinariamente animado e, apesar da presença de outras
pessoas, simplesmente as ignorou. Ele foi direto para essa criada."

"Você está dizendo que esse perfume foi a razão para isso?" Maomao pressionou
um pano sobre o nariz e pegou o jarro. Louça de cerâmica não era tão incomum.
Ninguém fazia jarros de perfume de cerâmica puramente por motivos estilísticos,
então seria difícil rastrear a origem da peça. "Isso implicaria que o perfume com o
qual a Consorte Lishu foi banhada na noite passada pertencia à sua meia-irmã,
certo? E esse cheiro evidentemente tem o efeito colateral de agitar animais
selvagens."

"Acho que isso é quase certamente correto", disse Basen.

A meia-irmã teria comprado o perfume apenas como uma brincadeira? Maomao


não duvidaria disso. Mas ela odiava Lishu o suficiente para querer se livrar dela? E
mesmo que ela tivesse o motivo, Maomao duvidava que ela e a criada juntas
tivessem habilidades para armar as barras da jaula do leão.
Ela considerou a possibilidade de que o pai de Lishu, Uryuu, os tivesse ajudado,
mas essa teoria também deixava perguntas. Para começar, se eles estivessem
tentando se livrar de Lishu, era um caminho muito indireto para fazê-lo. Haveria
soluções muito mais simples. Acima de tudo, o risco era simplesmente muito
grande. No entanto, havia uma coisa que Maomao queria ter certeza.

"Então você está considerando a meia-irmã da consorte como a culpada?"

Basen fez uma pausa. "Não podemos afirmar com certeza. Mas se nada mudar,
acho que é onde nos encontraríamos." Uma maneira habilmente vaga de colocar.
Isso era incomum para Basen. Ele normalmente era muito mais direto. Maomao
poderia esperar que ele exclamasse: "Sim! Ela deve ser punida!"

Em vez disso, ele continuou: "A meia-irmã afirma que era apenas para ser uma
brincadeira. Ela diz que alguém que conheceu na cidade alguns dias atrás deu-lhe
o perfume. Disseram-lhe que atrairia insetos desagradáveis, e isso não seria
engraçado? A meia-irmã jura que não esperava que um leão estivesse envolvido..."

Então ela admitiu sua malícia para com Lishu. Ela apenas não havia planejado o
leão. Se tudo isso fosse verdade, como isso mudaria as coisas?

"Se ela também estivesse envolvida em armar uma armadilha na jaula do leão,
isso iria além de uma brincadeira", disse Maomao. Havia muitos dignitários no
banquete além de Lishu, e ela também os teria colocado em perigo. Se ela
realmente estivesse indo apenas atrás da consorte, talvez ainda conseguisse
escapar impune. Lishu era uma parente, por um lado, e, o mais importante, ela
teria alguma discrição em quão duro pressionar por punição. A meia-irmã talvez
não saísse totalmente ilesa, mas talvez apenas com uma advertência.
"Você está certo. E não apenas a meia-irmã, mas também o Sir Uryuu, assim
como a própria Consorte Lishu, pode sentir o calor disso", disse Basen.

"Você acha que um pouco de calor é tudo o que eles vão sentir?" Maomao
perguntou. Ela esperava que eles fossem queimados. Muitas pessoas poderosas
de outro país estavam naquele banquete — isso poderia ser um incidente
internacional. Ela achava ingênuo imaginar que apenas o culpado seria punido.
Basen lhe lançou um olhar azedo. "Por que essas coisas sempre acontecem com
a Consorte Lishu?" ele disse. Era difícil dizer se ele estava se perguntando a si
mesmo ou a Maomao, e ela não tinha certeza do que dizer, então ficou em
silêncio. Mas ela pensou, talvez ela tenha nascido para isso.

Maomao odiava simplesmente afastar tudo com palavras como "destino", mas lhe
parecia que algumas pessoas tinham mais sorte do que outras. Isso
especialmente a atingia quando considerava seu pai adotivo, Luomen. Ele era
mais inteligente e capaz do que qualquer pessoa, mas parecia totalmente
desprovido de boa sorte. Ele agora estava de volta trabalhando no palácio, mas
parecia que isso só incitava o estrategista da raposa a visitá-lo com regularidade,
interrompendo seu trabalho. A situação devia estar tão ruim para ele a ponto de
ele comentar em suas cartas. Ele escreveu que recentemente um de seus
armários de remédios havia sido revirado. Maomao não conseguia imaginar por
quê.

"Não é tudo simplesmente lamentável demais para suportar?" disse Basen.

Ele está realmente preocupado com ela, pensou Maomao, mas decidiu não dizer
nada em voz alta. Comentar sobre o que seria melhor passar despercebido era um
caminho certo para mais dores de cabeça.

Ainda assim, era verdade que a consorte, à sua maneira de consorte, tinha seus
problemas. Fundamentalmente, ela sempre simplesmente se deixava levar.
Maomao sabia que isso era um tanto inevitável — era assim que Lishu tinha sido
criada e era assim que ela sempre viveu. No entanto, Maomao não conseguia
deixar de pensar na jovem que tinha ido ao distrito de prazeres para se vender
como cortesã. Ela havia feito isso para cortar os laços com seu pai, ajudar sua
irmã a comer e se livrar do lodo. Maomao não conseguia odiar uma personalidade
como essa.
Se a consorte tivesse metade da determinação... Bem, talvez ela tivesse sofrido
muito menos bullying de sua meia-irmã, e talvez não fosse tão ridicularizada no
palácio posterior.

De qualquer forma, isso foi o suficiente de preliminares. Era hora de Maomao


descobrir exatamente por que Basen tinha vindo até ela. "Há algo que você
gostaria que eu fizesse, senhor?" ela perguntou.
"Sim... Há," disse Basen, e tirou um pedaço de papel. Parecia um cartaz de
procurado, mas algo intrigava Maomao.

"O que isso significa?"

"Isso é o que eu gostaria de saber. Esta é a mulher que ela disse ter lhe dado o
perfume."

O esboço no papel realmente parecia retratar uma mulher, mas seu rosto estava
coberto por um véu, de modo que apenas seus olhos eram visíveis. Para
compensar, o esboço incluía todo o seu corpo, mas embora os detalhes de suas
roupas estivessem desenhados com cuidado, ela obviamente poderia apenas
mudar de roupa.

"Ela é uma comerciante?"

"Não, aparentemente ela começou a conversar com a meia-irmã enquanto ela


fazia algumas compras na cidade."

Na cidade, huh? Maomao ouviu a história de Basen com dúvida.

"A mulher afirmou lidar com perfumes e recomendou vários aromas diferentes
para a meia-irmã. Este aqui estava entre eles." Supostamente, a "comerciante"
havia dito a ela que o perfume poderia atrair homens, mas para ter cuidado com o
modo como ela o usava. O cheiro seria muito forte a menos que fosse
devidamente diluído, foi dito à meia-irmã - na verdade, algumas pessoas até
usaram em brincadeiras. Isso, parecia, era de onde a meia-irmã havia tirado a
ideia para sua pequena brincadeira.

"Essa história está um pouco vaga", disse Maomao.

"Muito verdadeiro. Não é muito para trabalhar. E encontrar essa vendedora de


perfumes seria difícil no melhor dos casos."
Maomao franzia os olhos, estudando a imagem. A roupa, característica da capital
ocidental, era projetada para proteger contra areia e poeira, então deixava muito
pouco exposto — o que é dizer, ela escondia quaisquer características corporais
distintivas. Mas os olhos afiados de Maomao notaram uma coisa em particular.
"Para tão simples quanto este desenho é, os acessórios nos sapatos têm muitos
detalhes."

Basen deu mais uma olhada na imagem. "Agora que você mencionou, é verdade.
Na verdade, o tamanho dos pés parece estranho em comparação com o resto do
corpo." O corpo da pessoa havia sido desenhado em uma escala mais ou menos
normal, mas seus pés pareciam torcidos, quase estilizados.

“Você acha que há alguma chance de ela ter os pés amarrados?” Maomao
perguntou.

"Pés amarrados?"

O amarrar dos pés era uma maneira de torná-los menores do que seriam
naturalmente. Algumas das mulheres no palácio posterior tinham passado por
isso — era um costume bastante comum no Norte, mas e aqui no oeste? Se a
meia-irmã não tivesse pensado muito sobre isso, sugeriria que o amarrar dos pés
não era incomum.

"Você poderia verificar este desenho para mim?"

"Vou fazer isso", disse Basen, recolhendo o desenho. Ele estava prestes a sair
quando voltou como se tivesse acabado de lembrar de algo. "A propósito..."

"Sim, senhor?"

"O Mestre Jinshi tem parecido... estranho desde ontem à noite. Você sabe de algo
sobre isso? Acho que normalmente ele teria vindo em uma missão como esta
pessoalmente, mas em vez disso, optou por me enviar."
Maomao não disse nada.

"Você ouviu alguma coisa sobre ele... não sei, estando sob pressão de alguém?
Algo assim?"

Maomao desviou o olhar. Basen estava certo — ela sabia que ele nunca
normalmente viria até ela a menos que Jinshi tivesse especificamente pedido a
ele.

Ela decidiu se fazer de desentendida. "Quem sabe?", ela disse. "Talvez ele esteja
cansado. Foi uma viagem muito longa."

O relatório de Basen voltou em menos de trinta minutos. A meia-irmã


evidentemente estava insistindo para sua dama de companhia que ela "não tinha
nada a ver com isso" e "nunca quis que isso acontecesse", mas Maomao,
francamente, não se importava. Basen voltou irritado, muito zangado com tudo
isso.

"É exatamente como você disse", ele disse a ela. A mulher de fato tinha os pés
amarrados e estava usando sapatos especiais por causa disso — um detalhe
distintivo que ficou na mente, e que a meia-irmã enfatizou subconscientemente
ao descrever a mulher para o artista, mesmo que ela nunca tenha
especificamente dito que a mulher tinha os pés amarrados. "Isso estreita o
campo."

"Para apenas algumas pessoas, eu diria, senhor", respondeu Maomao.

"Você acha?"

Em Li, o costume de amarrar os pés era encontrado principalmente no norte; aqui


no oeste, na verdade, mal existia. Portanto, se alguém com os pés amarrados
fosse encontrado na capital ocidental, parecia seguro assumir que eles vinham de
pontos ao norte. Ou pelo menos, que sua família tinha se estabelecido aqui em
algum momento nas últimas gerações.
"O ponto é que a família deles deve ter tido o costume."

Basen parecia duvidoso. "Você não acha que ela poderia ter sido uma viajante?"

Maomao balançou a cabeça com essa ideia. "Se fosse, ela teria que ser filha de
uma família que pudesse pagar para enviá-la com estilo, como a Consorte Lishu."

Era um longo caminho até a capital ocidental, e amarrar torcia os pés em formas
que, deixe-me dizer, não eram propícias para andar na areia. O processo de
amarrar os pés envolvia prevenir à força o crescimento dos pés desde jovem e
deixá-los amarrados por toda a vida para que não crescessem mais. Os pés
tinham que ser desinfetados a cada poucos dias, de modo que Maomao vendia
álcool para as cortesãs com os pés amarrados.

Tudo isso significava que se alguém nascido na capital ocidental tivesse os pés
amarrados, ela devia pertencer a uma família grande ou rica o suficiente para
continuar com a tradição.

"E você tem certeza disso?"

"Não me responsabilizo por nada. Apenas ofereci o que acho ser a possibilidade
mais provável à luz das informações que recebi."

Ela não podia deixá-los esperar perfeição dela. Se eles só fossem permitir
respostas corretas, então Maomao não teria escolha senão fechar a boca e jurar
que não sabia de nada.

"Está bem", disse Basen depois de um momento, resignado às

"O ponto é que a família deles deve ter tido o costume."

Basen pareceu duvidoso. "Você não acha que ela poderia ter sido uma viajante?"
Maomao balançou a cabeça com essa ideia. "Se fosse, ela teria que ser filha de
uma família que pudesse pagar para enviá-la com estilo, como a Consorte Lishu."

Era um longo caminho até a capital ocidental, e amarrar torcia os pés em formas
que, deixe-me dizer, não eram propícias para andar na areia. O processo de
amarrar os pés envolvia prevenir à força o crescimento dos pés desde jovem e
deixá-los amarrados por toda a vida para que não crescessem mais. Os pés
tinham que ser desinfetados a cada poucos dias, de modo que Maomao vendia
álcool para as cortesãs com os pés amarrados.

Tudo isso significava que se alguém nascido na capital ocidental tivesse os pés
amarrados, ela devia pertencer a uma família grande ou rica o suficiente para
continuar com a tradição.

"E você tem certeza disso?"

"Não me responsabilizo por nada. Apenas ofereci o que acho ser a possibilidade
mais provável à luz das informações que recebi."

Ela não podia deixá-los esperar perfeição dela. Se eles só fossem permitir
respostas corretas, então Maomao não teria escolha senão fechar a boca e jurar
que não sabia de nada.

"Está bem", disse Basen depois de um momento, resignado às condições dela. Ele
finalmente saiu do quarto.

Maomao bocejou e sentou-se na cama, pensando em se acomodar novamente.

Perfeição... Sim, pouco provável. Maomao ainda tinha várias perguntas. A


arrogante meia-irmã de Lishu se dignaria a falar com alguém que acabara de
conhecer — muito menos comprar algo delas? E como essa vendedora misteriosa
soubera da meia-irmã? Era um pouco arrumado demais para ser mera
coincidência.

Hmm...
Seja como for. Maomao decidiu ir em frente e dormir. Ela estava tão cansada que
mal conseguia fazer seu cérebro funcionar. Ela se deitou, mas o grampo de cabelo
em seu peito roçou contra ela. Ela pensou em tirá-lo, mas não queria tê-lo em
algum lugar onde pudesse vê-lo.

Sem dizer uma palavra, Maomao virou-se e deitou-se de lado, e imediatamente


fechou os olhos.

Capítulo 2: A Noiva Flutuante (Parte Um)

Já era noite quando Maomao abriu os olhos novamente. Ela tinha planejado ir às
compras na cidade hoje - disseram que era aceitável sair do composto desde que
fosse com um guarda-costas - mas depois de tudo que aconteceu na noite
anterior, era difícil sentir vontade de ir ao mercado. Ela dormiu o máximo que pôde
e, ao acordar, sentiu uma letargia persistente.

Ah! Ela olhou para suas roupas amassadas com leve desânimo, pensando se
deveria ter trocado para seu pijama. Primeiro as coisas mais importantes, porém:
ela bebeu um pouco de água para revigorar seu corpo ressecado. A água na jarra
estava morna, mas um toque de citrus a tornou refrescante.

Me pergunto o que vamos fazer para o jantar hoje à noite, pensou. Pensando que
talvez devesse sair e ver o que estava acontecendo, ela tentou desamassar a saia.
Ela a deixou em um estado quase apresentável e saiu do quarto, apenas para
encontrar Jinshi e Basen descendo o corredor em direção a ela.
Alguns consideravam Maomao capaz de ser bastante ousada, mas naquele
momento ela se sentia nitidamente desconfortável. Na noite anterior, depois de
ter feito o que fez com Jinshi, ela então se desculpou dizendo que ouviu Lahan
chamando-a. Mas isso não significava que ela pudesse tentar se esconder de
volta em seu quarto agora.

O rosto de Jinshi quando se aproximou estava excepcionalmente cansado; ele


tinha uma ruga na testa digna de Gaoshun, e seu olhar estava fixo - em Maomao,
parecia. O olhar durou apenas por um instante antes de sua expressão calma
habitual retornar. Basen, porém, estava olhando para Jinshi com aflição - então
algo estava acontecendo.

Jinshi se aproximou dela com passos que pareciam extraordinariamente altos.

O que faço aqui? Maomao se perguntou, mas não havia tempo para pensar sobre
isso. O máximo que podia fazer era tratá-lo normalmente.
Ela inclinou a cabeça em um aceno polido e disse: "Há algo errado, senhor?"

Tipicamente, o apropriado para uma criada seria falar somente depois que Jinshi
tivesse falado com ela - mas Maomao julgou que talvez fosse melhor para ela falar
primeiro neste momento. A boca de Jinshi se contorceu, uma expressão
conflituosa passando por seu rosto, mas era difícil dizer se mais alguém percebeu.

"Eu sei que é repentino, mas quero que você se troque e venha comigo," foi tudo o
que ele disse, e então passou por ela. Atrás dele vieram várias criadas, segurando
uma caixa com uma troca de roupas e curvando profundamente a cabeça.

"Sim, senhor," respondeu Maomao. Sob as circunstâncias, era a única coisa que
ela podia dizer.

Depois de se trocar, ela foi empurrada para uma carruagem. Jinshi e Basen,
também em trajes novos, já estavam dentro.
Maomao olhou ao redor. Ela havia passado a maior parte do tempo aqui na
companhia de Lahan - estava tudo bem para ela agir por conta própria com Jinshi
e Basen?

"Fui eu quem te chamou aqui, sabe," disse Jinshi. "Considerando que nossas
agendas estavam alinhadas para este propósito, dificilmente poderíamos deixar
de ir." No entanto, por mais que ele estivesse sentindo sobre ela, ele pelo menos
tinha a capacidade de falar normalmente com ela. Ela estava feliz que ele fosse
adulto o suficiente para isso, mas não pôde deixar de sentir que havia algo
escondido por trás do "Fui eu".

"E para onde estamos indo, senhor?"

"Para um banquete de casamento de uma certa família." Outro banquete. Bem,


aparentemente isso fazia parte do trabalho. "Eu tinha a intenção de recusar, mas o
anfitrião insistiu, sendo esta uma ocasião tão alegre. Além disso..."

"Sim, senhor?"

Jinshi deu a Basen um olhar significativo, e ele tirou o cartaz de procurado que
tinha mostrado a Maomao anteriormente.

"Eu entendo que a família da jovem a ser casada originalmente veio do norte. Eles
eram uma das casas encarregadas de governar esta área após a destruição do clã
Yi."

O clã Yi já governara estas terras, até serem exterminados na época da imperatriz


regente. Isso significaria que esta família havia sido transplantada para cá várias
décadas antes.

"Os pés da jovem estão enfaixados," Jinshi informou-a. Como ela suspeitava.

"Não havia ninguém além dessa...jovem senhora?" Isso era algo que Maomao
queria ter certeza - ela não podia sair acusando pessoas de serem criminosas
apenas por uma suposição.
"Vários," disse Jinshi. "Uma das damas de companhia da jovem, por exemplo. A
questão real é com quem a mulher está se casando - dizem que ele é de Shaoh."

"Entendo."

Era uma delegação de Shaoh que havia trazido o leão - e talvez quem tivesse
armado a gaiola para quebrar.

"O mais importante de tudo, a jovem senhora partirá em uma jornada amanhã."
Hoje, eles realizariam o banquete de casamento - e então no dia seguinte, ela
partiria para o país de seu marido.

"Isso parece bastante apressado."

"Ou melhor, deliberado."

Parece que eles queriam que Maomao encontrasse algum tipo de prova de má
conduta. "E se eu não conseguir encontrar nada?"

"Temos que pensar em outra maneira. Minha estadia aqui pode ser prolongada." O
desejo de evitar isso estava escrito no rosto de Jinshi. Ele já estava longe da capital
há quase um mês, e o trabalho que o irmão mais novo do imperador tinha que
fazer teria se acumulado todo esse tempo. No entanto, eles tinham que encontrar
esse culpado. "Isso também poderia afetar adversamente o clã U, e gostaria de
evitar isso."

"Não estou confiante de que vou encontrar algo," Maomao disse. Ela queria deixar
isso claro.

"Entendo." Jinshi virou-se para olhar pela janela e não a olhou novamente pelo
resto do trajeto.
Eles chegaram a outra mansão construída perto de um oásis. O estilo era bastante
diferente da casa da família da imperatriz Gyokuyou; este prédio parecia mais com
algo que poderia ser encontrado no leste. O próprio edifício, e o jardim que
ostentava, não pareceriam fora de lugar na capital.

Ao passarem pelo portão e seguirem por um caminho de pedra, encontraram água


fluindo dos dois lados. Salgueiros balançavam suavemente, dando ao local um ar
refrescante, enquanto pavilhões ao ar livre com postes vermelho-escuros e
telhados amarelos pontilhavam a propriedade. Havia um grande lago onde folhas
de lótus flutuavam. A superfície da água ondulava ocasionalmente, e cada vez que
uma pedra caía em um canal, havia um splash de peixes.
Carpa?

Carpa era uma espécie resistente, mas Maomao ficou impressionada que a
família fosse capaz de mantê-las em um ambiente tão árido.

"Esta casa foi deixada pelo clã Yi?" Jinshi ponderou em voz alta. Se essas pessoas
tivessem sido enviadas para substituir um clã aniquilado que vivia no luxo, elas
poderiam compreensivelmente ter simplesmente se mudado para a mansão
existente. Certamente era um lugar opulento, mas também havia algo triste nele. A
casa da imperatriz Gyokuyou - a mansão de Gyokuen - era animada e
movimentada; esta residência parecia contida.

Ao atravessarem a ponte sobre o lago, viram alguém vindo na direção oposta,


curvando-se obsequiosamente. "Peço desculpas por cumprimentá-lo tão tarde,"
disse a pessoa. Ele devia ser o dono da casa. Ele estava gordo, sua linha do cabelo
começava a recuar. Atrás dele estava uma mulher que eles tomaram como sendo
sua esposa. Seus pés eram pequenos, e seus sapatos tinham formatos estranhos.

"Tenho certeza de que minha filha ficará encantada em receber os parabéns do


Príncipe da Noite."

O Príncipe da Noite? Maomao se perguntou. Ela supôs que o termo se referia a


Jinshi. Não muitas pessoas nesta terra poderiam se referir a ele pelo seu nome
verdadeiro, mas parecia envolver o caractere para "lua" - daí, talvez, esse apelido.
"Se me permitir, então, que os receba," continuou o homem, conduzindo-os em
direção ao edifício. Um tapete havia sido colocado no pavilhão, e um pequeno
barco e lanternas flutuavam no lago. Agora era apenas o crepúsculo, mas quando
a escuridão caísse, pareceria assustador.

"Ei. Por aqui," chamou Basen Maomao.

Jinshi estava sentado ao lado do mestre, enquanto na próxima fileira estava


Gyokuen, aparentemente também um convidado do casamento.

"Nós nos esforçamos um pouco para trazer você aqui," explicou Basen, a
propósito do assento. "Foi realmente onde a Consorte Lishu deveria estar. Por isso
você está um pouco afastada. Vou designar uma dama de companhia para você -
use-a se precisar de alguma coisa."

Então foi por isso que o assento de Maomao parecia ter sido preparado às
pressas. Uma mulher que certamente parecia uma dama de companhia apareceu
de trás de Basen como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Havia várias outras mulheres lá além de Maomao, mas todas tinham pés grandes
e saudáveis. Um dos lugares de honra era ocupado por um homem de meia-idade
com cabelos que quase brilhavam e traços faciais afiados e angulares. Um
estrangeiro. No outro lugar estava uma jovem usando um véu sobre a cabeça.
Vestida toda de branco, ela estava tão quieta e imóvel quanto uma boneca.

É ela? Maomao pensou. Ela parecia obediente o suficiente - mas poderia ser um
ato.

Resistindo à vontade de pegar a bebida alcoólica, Maomao tomou um pouco de


suco. Era um pouco incomum realizar um banquete como este ao ar livre, à noite,
mas a comida e a música pareciam basicamente familiares. Maomao estava
francamente cansada de banquetes e não sentia a necessidade de avaliar este
muito detalhadamente. Ela apenas ia aproveitar um pouco de boa comida e
manter um olho na noiva.

Ah, o que está acontecendo aqui?


Desde que trouxeram Maomao junto, ela sentiu que deveria encontrar algo para
eles - mas até agora não teve uma única chance de agir. Primeiro uma pessoa
tinha falado com ela um pouco antes, e então foi como se a represa tivesse se
rompido; as pessoas não paravam de falar com ela. Por quê? Porque ela era a
companheira de Jinshi, ela supôs. Todos estavam sorrindo e bebendo vinho, mas
no fundo de seus olhos as emoções ardiam - ambição nos olhos dos homens,
ciúme nos das mulheres.

Não escapou a Maomao que isso poderia ser o motivo pelo qual Jinshi a tinha
trazido junto: para mostrar a ela como era participar de uma função com o irmão
mais novo do Imperador, e não como sua criada, como ela tinha feito antes.

Ah. Não, não!

Era egoísta dela desejar que ele apenas agisse normalmente, não deixasse os
eventos da noite anterior mudarem como ele a tratava? Ela queria que seu
relacionamento com ele fosse profissional, como sempre foi, cada um deles
usando e sendo usado pelo outro. Isso seria o melhor para Maomao neste
momento.

"Você é uma jovem muito modesta," alguém disse.

Maomao não respondeu especificamente. Um véu cobria a maior parte do seu


rosto - e ela fazia muita de sua fala através da criada que tinha sido designada
para ela para garantir que ela não dissesse nada inapropriado. A ponta
desagradável do discurso do distrito de prazer tinha voltado à sua fala
ultimamente, afinal de contas.

Se é assim que parece para você, tudo bem, ela pensou. Ela deixou o olhar vagar
pelos assentos no centro do banquete para descobrir que em algum momento, a
noiva tinha desaparecido. Parecia que a dama de companhia de Maomao sentia
para onde sua atenção tinha ido, pois sussurrou em seu ouvido: "Parece que ela
foi retocar a maquiagem."
Maomao se levantou, pensando que poderia usar o banheiro ela mesma, mas
estava presa, cercada por pessoas que pareciam não pegar uma dica. Ela olhou
para Jinshi e Basen, que pareciam estar na mesma situação. Basen recebia
tristemente doses de álcool de várias mulheres - talvez fosse mesquinho
perguntar a ele se seu rosto estava vermelho por causa das bebidas ou por algum
outro motivo.

Enquanto Maomao estava ocupada tentando pensar em uma desculpa adequada


para sair dali, houve um grande estrondo. Ela se virou para encontrar todos ao seu
redor olhando na direção da fonte do barulho.

O barco iluminado por lanternas no lago brilhava mais do que nunca. Fogos de
artifício estavam voando sobre a água, obviamente a fonte do barulho. Então a
noite tinha sido programada para incluir fogos de artifício.

"Ah! Lindo! Eu adoro!" proclamou um homem bêbado, saindo do pavilhão de


maneira instável. Ele entrou no lago (o que ele estava pensando?) e pegou uma
das carpas com as duas mãos. "Lindo! Eu adoro! Eu queria que isso fosse um
snapper, mas não vou reclamar!"

Era uma piada terrível, mas de qualquer forma ele deu o peixe a um amigo e disse:
"Você pode cozinhar isso para mim?"

O servo obviamente não estava certo de como responder a esse pedido


específico, mas foi resgatado pelo chefe da casa, o pai da noiva. "Ei, você!" ele
disse. "Eu sei que esta é uma ocasião alegre para sua sobrinha, mas isso não é
desculpa para fazer papel de bobo. Todo mundo está olhando."

"Ha ha ha! Olá, irmão mais velho! Não, está tudo bem."

"O Príncipe da Noite deve estar horrorizado."

Jinshi, aquele que havia sido invocado de repente, estava sorrindo. Apenas um
sorriso educado, sem dúvida,, mas foi o suficiente para encantar todos ao seu
redor, que, apesar de seu ferimento, ainda sentiam que ele os lembrava de uma
ninfa celestial.
"Eu sinto pena desse pobre peixe. Por que não o devolvem?" ele disse. A festa
havia se transformado em uma bagunça, não obstante a presença do irmão mais
novo do Imperador. Uma cena assim teria sido impensável na capital.

Todos estavam sorrindo e rindo da troca. A carpa foi devolvida ao lago e de alguma
forma escapou sem ser cozida naquela noite. Ainda assim, não deve ter sido fácil
para o peixe, primeiro com os fogos de artifício explodindo bem sobre suas
cabeças, depois sendo agarrado por festeiros embriagados. Maomao olhou para a
água escura. Ela tentou jogar migalhas de pão, mas não houve sinal de os peixes
virem pegá-las. Toda a comoção deve tê-los assustado.

Com a adição de mais álcool, a festa ficou ainda mais livre, mas ainda assim a
noiva não tinha retornado. Jinshi já tinha notado esse fato agora, e ele e o noivo
estavam ambos observando o assento vazio.

"Talvez a estrela desta noite tenha ido se fazer brilhar ainda mais?" Jinshi arriscou.
O tio da garota não havia dito que a noiva ia retocar a maquiagem? A maioria das
mulheres na multidão não parecia acreditar nisso; as damas de companhia em
grande parte tinham deixado a área do banquete.

Não muito tempo depois, uma delas voltou em pânico. Seu rosto estava pálido e
ela mal conseguia falar; só conseguia apontar na direção oposta do lago.

Bem, agora...

Maomao percebeu um cheiro de queimado e então ouviu gritos. Ela virou-se para
os gritos e viu um dos convidados, que também estava olhando na direção que a
dama de companhia estava apontando. Sua boca estava abrindo e fechando
como uma das carpas, e ele estava apontando para o céu com um dedo trêmulo.
Não - não para o céu, mas para um prédio em um canto da propriedade, uma
pagoda de quatro níveis. Algo estava vagamente visível no andar mais alto.

"A-a-a j-jovem senhora está...pendurada..." a dama de companhia finalmente


conseguiu dizer. Todos os convidados que estavam se divertindo no banquete
ficaram coletivamente pálidos.
A silhueta fraca podia ser vista balançando do telhado da pagoda, os pés
oscilando suavemente para frente e para trás. O vestido de noiva branco ondulava
como uma nuvem.

"Para a torre!" disse Jinshi; ele e Basen foram os primeiros a agir. O noivo, o pai da
noiva e o tio dela o seguiram tardiamente, e Maomao se juntou a eles correndo em
direção à pagoda. Eles atravessaram o jardim verdejante, a fumaça dos fogos de
artifício obscurecendo e difundindo a luz das lanternas flutuantes no canal. Eles
podiam ouvir as carpas batendo na água.

A pagoda estava claramente visível, mas não havia um caminho direto entre eles e
ela. Árvores e outros prédios estavam em seu caminho, obstáculos pelos quais
tinham que contornar para chegar ao seu destino. Com seu caminho bem
iluminado pelas lanternas, pelo menos eles não cairiam.
Maomao entrou na pagoda alguns passos atrás dos outros e subiu as escadas
correndo. Ela chegou ao último andar ofegante, para encontrar os homens
olhando incrédulos para a corda pendurada: ela havia se rompido.

"Encontrem-na! Verifiquem o chão ao redor da pagoda!" Basen rugiu e partiu de


volta pelas escadas. Ele podia ser uma personalidade um tanto simples, mas pelo
menos era decisivo em momentos como este.

Os outros, seguindo o exemplo dele, desceram, mas Jinshi ainda estava olhando
para fora. Eles estavam talvez a quatro jo (doze metros) do chão. Se a garota
tivesse sido estrangulada pela corda mas esta então se rompeu, quais eram as
chances de ela ter sobrevivido?

Acho que praticamente zero, pensou Maomao. Seja se o pescoço dela tivesse
quebrado ou se ela tivesse sufocado, ninguém poderia sobreviver pendurado ali
por tanto tempo. No chão, ao lado da corda oscilante, havia um par de sapatos
pequenos bordados - eles pertenciam à noiva.

"O que você faz disso?" Jinshi perguntou, olhando da corda para o chão e de volta.
A corda estava amarrada sob a beirada do telhado, e a outra ponta havia se
rompido. Olhando para baixo, podiam ver os telhados se sobrepondo. Talvez a
garota tivesse rolado sobre eles em sua queda.
"Não sei," Maomao disse honestamente, e Jinshi sorriu.

"Eu a obriguei a contar a verdade," Jinshi murmurou. "É isso que eu causei?" Ele
tinha estado sentado no lugar central no banquete e poderia ter dito algo para a
noiva. Ele olhou para baixo, e por apenas um segundo, parecia que ele estava
mastigando areia. Ele virou as costas para os pequenos sapatos, mas não olhou
para cima. "Você me acha uma pessoa terrível?"

Depois de um segundo, Maomao disse: "Eu não sei, senhor." Jinshi apenas tinha
feito seu trabalho. Alguém teria que fazer mais cedo ou mais tarde, ou o culpado
teria fugido para o oeste. E eles tinham que evitar isso.

Incapaz de pensar em mais alguma coisa para dizer, Maomao permaneceu em


silêncio.

Finalmente Jinshi disse: "Vamos embora," e sua voz estava fria.

"Sim, senhor." Maomao desceu os degraus lentamente, nutrindo uma pergunta


enquanto descia a íngreme escadaria.

Não demorou muito para encontrarem a noiva, mas ela não estava em condições
de ser vista. Seu robe branco estava chamuscado; seus braços e pernas,
dobrados em ângulos perturbadores, também estavam enegrecidos; e sua cabeça
estava aberta. Mas encontraram a corda em volta de seu pescoço, e
reconheceram seus pequenos pés deformados. Ela tinha sido ensopada em óleo
de lanterna que então foi incendiado. Foi mais do que suficiente para fazer os
convidados embriagados se sentirem muito sóbrios mesmo.
Capítulo 3: A Noiva Flutuante (Parte Dois)

"Se não é um problema é outro, não é mesmo?" Ah-Duo disse sombriamente.


Originalmente, ela e Maomao tinham planejado ir às compras hoje, mas após os
eventos da noite anterior, este seria mais um dia sem passeios turísticos. Maomao
estava ansiosa para descobrir quais coisas incomuns estavam em oferta na
capital ocidental, mas não seria assim; em vez disso, ela estava vestida com
roupas sombrias. De todas as coisas que ela pensou que poderiam acontecer
nesta viagem, ela nunca imaginou que estaria participando de um funeral.

"Tenho que admitir que não lamento que isso signifique sem banquete esta noite,
mas gostaria que fosse sob outras circunstâncias", disse Ah-Duo, tomando seu
chá. Então, não era apenas Maomao que estava sentindo a pressão das festas
noturnas. Apenas ela, Ah-Duo e Suirei estavam no quarto no momento, o que
permitia a Ah-Duo fazer um comentário um tanto indiscreto como aquele. Suirei
tinha permissão para ficar sem sua acompanhante na companhia de Ah-Duo, mas
Maomao duvidava que a jovem reservada achasse exatamente relaxante. Ah-Duo,
por outro lado, amava divertimentos, entretenimentos e coisas interessantes,
então ela provavelmente estava sempre provocando a eternamente séria Suirei.

"Encurralada até sentir que a única saída era se matar... É uma tragédia", disse Ah-
Duo.

Suicídio: essa fora a conclusão oficial. Um bilhete fora encontrado no quarto


pessoal da jovem, afirmando que o motivo de sua morte era o desconforto com a
ideia de se mudar para uma terra estrangeira distante. O clima festivo no banquete
se dissipou imediatamente, e o noivo ficou arrasado ao ver o bilhete. Ele começou
a se exaltar com o pai da noiva; a maior parte do que ele dizia estava em uma
língua estrangeira e incompreensível para Maomao, embora ficasse claro o
suficiente que não seria bom repetir se ela pudesse entender. Os residentes da
capital ocidental pareciam saber o que o homem estava dizendo, mas apenas
olhavam tristemente para o chão.
Jinshi havia mostrado o bilhete para ela, e Maomao estava convencida de que
realmente fora escrito pela noiva.

Ela não disse nada sobre estar encurralada, porém...


Ah-Duo parecia muito com a Imperatriz Gyokuyou; Maomao percebeu que essa
antiga consorte não devia ser subestimada — era um de seus subordinados que
também havia encontrado o perfume. Mas Maomao não sabia exatamente o
quanto Ah-Duo sabia, então ela tinha que ter cuidado com o que dizia.

Era assim que parecia: abalada pelo casamento, a noiva se suicidara, garantindo
que todos a vissem pendurada na pagoda antes que a corda se partisse e ela
caísse no chão. Não apenas isso, mas ela acabou por derrubar uma lanterna ao
cair, fazendo com que suas roupas pegassem fogo.

Mas seria essa a verdade da questão? Jinshi parecia pensar que era algo que ele
tinha feito que havia causado o suicídio da jovem mulher, mas não havia como
Maomao saber. Havia uma possibilidade distinta de que essa fosse a mulher que
tinha dado o perfume à meia-irmã da Consorte Lishu — mas isso era algo sobre o
qual não havia certeza. Assim, Maomao iria ao funeral com as coisas ainda
envoltas em ambiguidade. É verdade, ela poderia ter recusado se tivesse insistido,
mas havia algo que a incomodava.

Jinshi também iria. Normalmente, ele não teria motivo para comparecer ao funeral
da filha de um oficial local, mas o pai da noiva implorara para que ele viesse. Foi
Jinshi e Gyokuen cuja presença acalmou o noivo enfurecido. Eles souberam mais
tarde que o que o noivo havia gritado foi: "Isso é a segunda vez agora! Você pode
me conseguir uma terceira noiva?!"

Duas vezes, huh? Maomao pensou. Era bastante simples deduzir que por trás
desse casamento aparentemente comum, algo estava acontecendo.

"Está quase na hora, senhora," disse Maomao, levantando-se da cadeira.

"Ah, claro." Ah-Duo colocou seu chá de lado e lançou um olhar para Maomao.
"Aliás, se me permitir..."

"Sim, senhora?" Maomao olhou de volta com curiosidade. Era uma forma
incomumente reservada para Ah-Duo falar.
"Se o Príncipe da Noite vai, suponho que o seu acompanhante estará com ele, não
é?"

"Eu acredito que sim."

Estavam se referindo ao assistente e guarda-costas de Jinshi, Basen. Ele tinha


quebrado os dedos de sua mão direita quando bateu no leão, mas na época
estava tão transtornado que nem mesmo o fato de seus dedos estarem apontando
em direções incomuns conseguiu superar sua fúria.
"Estamos certos sobre ele? Ouvi dizer que ele é filho de Gaoshun. Qual é a sua
opinião sobre ele?"

Depois de um momento, Maomao disse: "Acredito que isso é para o Mestre Jinshi
decidir, e não é meu lugar comentar."

A destreza física de Basen certamente não deixava nada a desejar, mas


pessoalmente ele ainda tinha muito a crescer. Embora admitidamente, a opinião
de Maomao sobre ele nesse aspecto pudesse ter sido influenciada por ter visto
Gaoshun em ação. De qualquer forma, ela tentou ser otimista: não era como se
Basen fosse o único guarda-costas ou assistente pessoal de Jinshi. Então estaria
tudo bem, certo?

"Você realmente não sente que está em posição de dizer nada?" Ah-Duo parecia
sombria. Suirei despejou água quente fresca na xícara vazia de Ah-Duo.

"Não, senhora. Não é algo sobre o qual eu tenha influência."

"Entendi."

Maomao saiu do quarto, lançando um olhar perplexo para Ah-Duo enquanto saía.

Esse era o tipo de coisa que uma família geralmente gostaria de resolver
discretamente, mas com a morte da jovem senhora tendo sido um assunto tão
público, o funeral dificilmente poderia ser um evento privado.
Ao avistarem a propriedade da família, puderam ver um rio de mulheres vestidas
de branco fluindo em direção a ela. Mulheres lamentando, a julgar pelos véus.
Bastante delas, observou Maomao. Havia coroas de flores por toda parte, além de
servos saindo com a cabeça baixa para receber os convidados.

Maomao não estava certa se o costume das mulheres lamentadoras existia aqui
nos confins ocidentais, mas a família havia amarrado os pés da jovem mulher,
então eles bem poderiam observar os costumes funerários à maneira da capital
também.

Na recepção, o número de mulheres lamentadoras foi confirmado, e elas


receberam etiquetas de madeira que serviam como identificação.

"Vamos, por aqui. Vamos lá," disse um servo, e as mulheres o seguiram.

Desta vez, Lahan havia se juntado a Maomao e aos outros. Suas bagagens
incluíam dinheiro e utensílios domésticos feitos de papel.
"Não usam o verdadeiro?" perguntou Maomao.

"Talvez se você for novo rico," Lahan resmungou. Bem então. Ele não havia
preparado itens de papel simplesmente porque era avarento. Era costume que os
participantes de um funeral dessem dinheiro e itens diários feitos de papel, que
seriam queimados para garantir que o falecido pudesse levar uma existência
confortável mesmo na próxima vida. Até mesmo a estadia no inferno, diziam
frequentemente, poderia ser encurtada com uma infusão de dinheiro.

Lahan tinha resmungado por ter sido deixado de fora do banquete e apenas
arrastado para o funeral, mas era o que era. Com ele ali, Maomao não precisava
ficar na órbita de Jinshi. Rikuson não estava presente; ele tinha ficado para trás.
Provavelmente tinha seu próprio trabalho a fazer.

"De qualquer forma, é um papel muito bom. Nada de sucata de baixa qualidade."
Verdade, o material para o dinheiro de papel era excelente. Poderia ter competido
orgulhosamente com qualquer coisa da vila do médico charlatão, embora
Maomao não soubesse se vinha de lá ou não. Quando ela viu a nota de suicídio da
jovem mulher, porém, teve a impressão de que a capital ocidental parecia ter
muito papel de qualidade.

"Isso porque este lugar é um ponto de encontro do comércio," disse-lhe Lahan.


"Ninguém envia seus piores produtos para o mundo."

Li de fato já exportou papel, em uma época em que seus produtos diziam alcançar
um bom preço até mesmo no ocidente. Quando os produtos de baixa qualidade
começaram a proliferar, o negócio de exportação praticamente morreu, mas
aparentemente ainda havia coisas boas para serem obtidas.

No dia anterior, eles estavam na mansão no meio da penumbra da noite, e agora, à


luz do dia, Maomao pôde ver alguns lugares onde a propriedade estava se
deteriorando. Isso já havia sido uma mansão luxuosa, mas seus novos
proprietários não tinham habilidade para mantê-la.

Um casamento com alguém de Shaoh, refletiu. Isso parecia estranho também.


Importante para a diplomacia, talvez, mas o equilíbrio de poder parecia distorcido.
Por exemplo, o banquete havia sido realizado aqui, mas todo o resto do
casamento seria tratado na terra do noivo. E a maneira como o homem se
comportou após a morte da noiva só poderia ser chamada de desprezível.

Lahan, ao que parecia, já estava a par da história, que compartilhou com Maomao
no caminho.

"Esta família foi trazida aqui para substituir o clã Yi, mas também, pelo que
entendi, para tirá-los do caminho."
A mãe do ex-imperador — ou seja, a imperatriz reinante — tinha sido uma
pragmática. Ela considerava os funcionários incapazes de fazer seu trabalho
como um incômodo, mesmo que ostentassem boas linhagens sanguíneas da
região central da nação. Ela atraiu várias famílias para os confins ocidentais com
promessas de um sobrenome se fossem supervisionar a área. A família da noiva
tinha sido uma delas.
Mas pessoas incompetentes não se tornam de repente competentes apenas por
uma simples mudança de cenário. Algumas das famílias foram dizimadas por
doenças no clima desconhecido; outras foram reduzidas a ruínas e
desapareceram.

Por que a imperatriz reinante teria feito algo que parecia tão imprudente quando
as terras ocidentais eram amplamente reconhecidas como cruciais para a defesa
nacional? Talvez porque naquela época, ela estivesse no auge de seu poder, e se
algumas famílias caíssem, bom, outras estavam surgindo para ocupar seu lugar. A
família da Imperatriz Gyokuyou, por exemplo.

A jovem mulher no banquete de casamento de ontem deveria fortalecer sua


família indo para outro país como noiva. Esta família preferia fazer negócios onde
tinham laços de sangue; criar essas relações ao casar suas filhas era como o lar
escolhera sobreviver ao longo dos anos.

"O noivo na verdade deveria se casar com a prima da garota que morreu. A filha do
irmão mais novo do chefe da família, acredito," disse Lahan. Seria então o irmão
mais novo em questão o homem excessivamente regado do lago de carpas? Talvez
ele estivesse comemorando como se fosse o casamento de sua própria filha. "Ela
se matou dez dias antes da cerimônia."

"Ele não parecia um homem que tinha sofrido esse tipo de tragédia..."

"Há muitas coisas neste mundo que nos obrigam a colocar nossa melhor face,
quer desejemos ou não," disse Lahan.

Então foi isso que estava por trás do comentário do noivo sobre "duas vezes
agora". E pensar que ele havia perdido ambas as potenciais esposas da mesma
maneira exata. Devem ter achado que aquela terra estrangeira era
verdadeiramente terrível.

Os passos de Lahan e Maomao ecoavam enquanto caminhavam pelas lajes, seus


pés úmidos pelo borrifo das carpas nadando no canal. Os peixes (que tinham uma
dieta terrível, para peixes) vinham e se reuniam quando ouviam os visitantes se
aproximarem; o som refrescante da água respingando aumentava.
Já havia uma multidão na frente da mansão, o grupo de mulheres lamentadoras
gemendo alto. Maomao reconheceu muitos dos presentes do dia anterior.

Olhe todos eles, ela pensou. Em parte, ela se referia aos presentes, mas o que
realmente se destacava eram as mulheres de branco. Deve ter havido mais de
cinquenta delas fazendo um alvoroço de luto e dor. Talvez alguns dos convidados
tenham trazido as lamentadoras como cortesia, mas ainda assim parecia muito.
Era trabalho dessas mulheres lamentar pelos mortos, mas Maomao teve a
sensação de que elas estavam se contendo um pouco desta vez, talvez porque se
todas elas tivessem gemido no topo de seus pulmões, você não seria capaz de
ouvir seus próprios pensamentos. Era um lembrete indesejado de que elas
estavam, de fato, lamentando como um trabalho.

Com tantas mulheres presentes, algumas delas inevitavelmente seriam melhores


no trabalho do que outras. Algumas delas pareciam um pouco constrangidas —
deviam ser novas nisso. Outra tropeçou na longa bainha de sua roupa.

Deve ser um desafio manter o choro durante toda a longa cerimônia fúnebre, e de
tempos em tempos as fileiras da frente e de trás das mulheres trocavam de lugar.
Parecia que elas estavam se revezando nas tarefas de chorar, conservando sua
resistência. Era difícil dizer se tais lamentadoras eficientes realmente trariam paz
aos mortos, mas pessoalmente Maomao não acreditava que houvesse algo após o
ponto da morte, de qualquer forma. E essas mulheres tinham que comer.

Maomao olhou para cima. Lá fora, além do jardim, ela podia ver a pagoda de
quatro andares. Ela se perguntou se seria possível obter uma perspectiva diferente
dela durante o dia do que à noite. Ela começou a andar para frente e quase caiu
em um canal que não tinha percebido. Ela segurou em Lahan, que estava ao seu
lado.

"O que você está fazendo?" ele resmungou.

"Desculpe." Mesmo que ela tivesse caído, o canal não era tão fundo, mas as
carpas já haviam chegado, atraídas pelo barulho. Na noite anterior, as lanternas
flutuantes tinham evitado que alguém caísse, mas era uma característica de
terreno moderadamente perigosa, ela refletiu.
Era uma distância considerável até a pagoda, e ontem eles não apenas correram
até lá, mas também subiram todos os degraus. Foi difícil.
Degraus? A distância até a pagoda? Maomao lembrou que algo havia parecido
estranho na noite anterior. O que era? Ela quase tinha...

"Hey, você! Ela não é comida!" Lahan brincou. As carpas, ignorando-o,


continuaram a boiar perto dela, esperando por migalhas. Nesse momento, houve
uma rajada de vento, e parte do dinheiro para os mortos caiu no canal. As carpas
se lançaram sobre ele num instante, e desapareceu rapidamente sem deixar
vestígios.

Maomao não disse nada, apenas ficou olhando para os peixes.

"O que você está fazendo? Eles também não são comida. Você não pode pescar
aqui."

Ele parecia estar brincando novamente, mas ela estendeu a mão em sua direção.
"Papel."

"Papel?"

"Eu sei que você mantém algum papel rascunho com você. Me dê uma folha."

"O que deu em você?" Lahan resmungou, mesmo assim ele tirou o papel das
dobras de sua túnica. Maomao o rasgou e deixou cair no canal, onde as carpas o
consumiram avidamente novamente.

A boca de Maomao ficou aberta por um segundo, e então ela disse: "É isso!" Ela
saiu em um trote rápido em direção à pagoda.

"E-Ei!" Lahan exclamou.


O lugar onde a noiva tinha sido encontrada pendurada na pagoda podia ser visto
do pavilhão onde o banquete de casamento tinha sido realizado, mas conforme
você se aproximava, ele desaparecia da vista.

Maomao aumentou o ritmo, correndo até que pudesse ver o lago diretamente sob
a torre.

"O- O que você está procurando? O que está acontecendo?" Lahan ofegou
enquanto alcançava Maomao. Ela levantou a barra do vestido e entrou na lagoa.
Havia uma curta distância entre a pagoda e a água; foi ali onde o corpo da noiva foi
encontrado.

"Quando uma pessoa cai de uma janela, Lahan, para onde ela cai?" ela perguntou.

"Para baixo, geralmente," ele disse.

Sim, e foi lá onde encontraram o cadáver carbonizado. No entanto...

"E se fosse algo mais leve que uma pessoa? Digamos que a velocidade e direção
do vento fossem mais ou menos como estão agora."

"Dependeria do peso."

"Menos de dois kin, mas do tamanho de um humano."

"Nesse caso..." Lahan ajustou seus óculos, estimando a distância. Ele lambeu o
dedo e o ergueu para o vento. "Um pouco mais afastado do prédio do que onde
você está, eu suponho. E se considerarmos a posição do telhado..."

Certo, o telhado. Se você levar isso em consideração, há algo que não faz sentido.
Agora que ela podia ver à luz do dia, ela estava certa disso.
Lahan olhou para o pedaço de chão chamuscado onde o corpo foi encontrado, e
então para o telhado. Depois ele inclinou a cabeça. Claro, se Maomao
conseguisse entender, esse ábaco humano não falharia em perceber. Se ele
estivesse lá na noite anterior, teria detectado a inconsistência muito antes dela.

Maomao se dirigiu para o lugar que Lahan tinha indicado, então arregaçou as
mangas e mergulhou as mãos na água, remexendo no fundo do lago. Enquanto
isso, Lahan sentou-se, aparentemente focado em observar a situação. Ele tinha
um pequeno galho na mão para se manter ocupado, com o qual ele escrevia no
chão. Calculando algo, talvez.

"O que você está fazendo, senhora?!" gritou um servo que tinha notado o hóspede
mexendo no lago. Comportamento repreensível em uma casa que estava
observando um funeral, com certeza. "Por favor, saia daí agora mesmo!"

"Não se preocupe comigo," Maomao disse, ignorando o homem e mergulhando


novamente na água. O fundo estava lamacento; excelente fertilizante. Muita
sujeira de peixe que tinha infundido nutrientes.

"Você ouviu a dama," Lahan disse de forma hesitante, mas o servo continuou
tentando impedir Maomao. Maomao continuou a ignorá-lo, continuando com sua
escavação. Se e quando ela encontrasse o que esperava encontrar, tudo se
resolveria.

Lahan não estava atrapalhando, mas também não estava exatamente ajudando,
apenas olhando ao redor de vez em quando. Maomao podia ouvir o servo
espirrando na água atrás dela. Ela sentiu ele puxar sua mão. Ela tentou correr, mas
seus pés ficaram presos na lama e ela caiu de cabeça na água. Ela acabou
coberta de sujeira, com o servo tentando segurá-la.

Justo naquele momento, porém, uma voz linda e alta disse: "Você encontrou
alguma coisa?"

Você pensaria que ele estava esperando pelo momento perfeito para fazer sua
entrada, Maomao pensou. Jinshi tinha aparecido. Basen estava atrás dele,
olhando chocado.
Maomao limpou a lama do rosto e levantou um pedaço de corda, cujo final estava
partido. O que significaria que a noiva...

Na cabeça dela, Maomao repassou o que sabia. Havia outra coisa misteriosa
sobre esta mansão — e se ela pudesse revelar a verdade disso, o mistério seria
resolvido.

"A noiva ainda está viva," ela anunciou, e sorriu.

Maomao pediu um quarto para se limpar e trocar de roupa. Ela adoraria um banho
adequado, mas não tinham tempo. Ela odiava a sensação de lama grudada em
seu couro cabeludo, mas teria que suportar.

Depois de trocar de roupa, ela foi conduzida para a sala principal da mansão. O
mestre da propriedade e sua família lançaram-lhe olhares sujos quando ela
entrou, claramente insatisfeitos com um hóspede se comportando tão
escandalosamente em um funeral. Jinshi e Basen estavam lá, junto com Lahan e
os guarda-costas, mas ela não viu o noivo de ontem. Na verdade, ela não achava
que o tinha visto participando do funeral de forma alguma.

Deitado na mesa estava o pedaço de corda que Maomao descobriu. Ela olhou
pela janela e viu as mulheres de branco, ainda ocupadas chorando. Os ritos
fúnebres continuariam até amanhã, então talvez as senhoras ficassem aqui
durante a noite. Os outros convidados tinham ido para casa; apenas essas
mulheres, as pessoas que viviam nesta casa e a equipe de Maomao
permaneceram.

"Posso perguntar o que diabos você acha que está fazendo?" disse o mestre da
casa, desanimado. Ele parecia menos irritado do que simplesmente
sobrecarregado de tristeza.

"Essa jovem explicará tudo," disse Jinshi, conduzindo Maomao para o centro da
sala. A corda na mesa estava suja, mas mesmo assim claramente nova.
"Sei que ela deveria ser uma dama da família La, mas estamos lamentando a
morte de nossa filha," disse o mestre. "Você não poderia nos deixar em paz?
Certamente nem mesmo o Príncipe da Noite..." Ele estava sendo circunspecto,
mas estava claramente criticando Jinshi. A maneira como ele tremia enquanto o
fazia indicava o quanto de coragem deve ter sido necessário.

"Sim, e devo pedir desculpas por incomodar sua tristeza. No entanto, se


pudermos pedir apenas um momento do seu tempo," disse Jinshi; ele era gentil,
mas firme.

"Os convidados já foram embora e precisamos limpar. Poderia pelo menos


dispensar as mulheres plangentes?"

Jinshi lançou um olhar para Maomao, mas ela balançou a cabeça. Jinshi deu um
passo para trás como se estivesse dizendo que estava confiando nela para lidar
com as coisas dali em diante.

Maomao disse: "Eu me sentiria da mesma maneira que você - se a noiva


realmente tivesse morrido." Então ela pegou a corda e saiu. "Venha comigo."

"O que é tudo isso?" o anfitrião bufou, mas Maomao o ignorou e foi ficar na frente
das mulheres de branco. Os outros a observavam, perplexos, enquanto ela se
agachava.

Com um "Hiyah!" ela agarrou as túnicas de duas das mulheres plangentes,


virando-as para cima.

As mandíbulas dos espectadores quase caíram no chão.

O sol era forte nesta região, e as pessoas mantinham suas pernas escondidas,
protegidas da luz, então os membros que Maomao revelou eram adequadamente
pálidos. Cada vez mais faminta por daikon, ela continuou levantando as saias das
senhoras, que gritavam e gritavam.
Isso traz de volta memórias, pensou Maomao. Uma vez houve um comerciante de
gostos duvidosos que havia reunido cerca de dez cortesãs e passado uma noite
inteira levantando suas saias. A madame tinha resmungado e reclamado que era
um comportamento especialmente vulgar - mas o homem pagou três vezes mais
do que o preço normal, então ela não ia impedi-lo.

Resumindo, Maomao estava essencialmente se comportando como um velho


tarado.

As mulheres cujas saias foram levantadas rapidamente se agacharam, tentando


se esconder, enquanto aquelas que Maomao ainda não tinha alcançado entraram
em pânico e tentaram fugir.

Caramba. Isso está sendo mais divertido do que eu esperava!

Ela não tinha entendido o que era tão bom nisso até fazer por si mesma,
perseguindo as mulheres chorando e puxando as bainhas de seus vestidos.
Finalmente começou a entender o que aquele velho lascivo estava sentindo. Bem,
isso não era bom.

Uma das mulheres plangentes se destacou por não ser muito atlética. Ela tentou
escapar, mas não conseguiu correr, tropeçando e cambaleando. Maomao não
teve piedade, ficando na frente dela e flexionando os dedos. Os gritos da mulher
ecoaram pelo quintal, mas Maomao agarrou sua saia.

"Você! Aprenda alguma maldita educação!", exclamou Jinshi; ele acompanhou


sua injunção com um tapa na parte de trás de sua cabeça. Ela se virou e viu que
ele parecia completamente exasperado.

"Me desculpe muito", disse Maomao, soltando o punhado de saia que ela tinha
conseguido. "Mas encontrei o que estava procurando."

Olhando de baixo da barra da saia da garota, havia um par de sapatos. Ela quase
tinha caído deles tentando fugir, porque o tamanho estava completamente errado.
Seus pés estavam envoltos em bandagens e, na verdade, mal pareciam pés.
Essa mulher plangente tinha os pés enfaixados.

Em seguida, Maomao pegou o véu da enlutada e o puxou lentamente, revelando


uma jovem bonita com o rosto manchado de lágrimas.

"Me desculpe!", disse a jovem, chorando. Para quem ela estava se desculpando,
certamente não era para Maomao.

"H—" Maomao começou, mas antes que pudesse dizer Aqui está sua noiva
desaparecida, outra mulher com os pés enfaixados se jogou entre elas. Uma das
damas de companhia da noiva, talvez?

"Qual é o significado disso?! Você não consegue nem ter a decência mais
básica?!", gritou a segunda mulher para Maomao. Seus olhos estavam bem
abertos em um esforço para impedir as lágrimas que ameaçavam escorrer deles.
Ela estava mordendo o lábio e seus ombros tremiam. Então ela endireitou a saia
da outra mulher e colocou o véu de volta em sua cabeça. "Vá embora, rápido.
Temos trabalho novamente amanhã."

Com os pés enfaixados revelados, porém, a mulher não conseguiria escapar -


Maomao, e agora Jinshi, não a deixariam. Eles não poderiam deixá-la fugir. Foi
esse pensamento que inspirou as palavras cruéis que Maomao disse em seguida.

“O corpo que você queimou. Era o de sua irmã mais velha? Depois que ela se
matou?”

A mulher plangente estremeceu.

“O corpo já tinha marcas no pescoço. Por isso você fez todo esse show de 'se
enforcar'. E então queimou o corpo para que ninguém pudesse ter certeza do que
tinha acontecido.”
A jovem podia ser ouvida fungando - não em uma pobre imitação de luto; era um
excelente trabalho de choro, um que certamente teria passado no teste durante
seu trabalho.

O pai da noiva, que assistira em silêncio até aquele momento, finalmente


explodiu: “Mais uma vez, não faço ideia do que diabos você está falando! Peço
que não profane ainda mais o funeral de minha filha. Não há como essa plangente
ser minha filha!” Ele se juntou à dama de companhia em ficar na frente de
Maomao. “É verdade, falei com você sobre minha garotinha, mas francamente, eu
não estava pedindo para você meter o nariz em cada canto!” A raiva do homem era
evidente.

Então o tio da noiva interveio com muitos gestos, “Se a garota está viva, como
você explica o que aconteceu ontem à noite? Todos nós vimos a noiva se enforcar.
E encontramos o corpo no chão. Esses são fatos!”

Maomao, no entanto, balançou a cabeça. “É verdade, a noiva se enforcou do nível


mais alto da pagoda e depois caiu. Mas há algo interessante sobre aquela torre.
São quatro andares, certo? E a princípio, todos parecem ter o mesmo tamanho -
mas o nível mais baixo se alarga mais do que os outros. O que aconteceria se algo
caísse lá?”

Lahan era melhor em explicar esse tipo de coisa do que Maomao, então ela lhe
entregou um galho do chão. Ele começou a esboçar um diagrama da torre na
poeira. Era a mesma imagem que ele estava desenhando enquanto Maomao
estava ocupada brincando na lama.

“O telhado está em um ângulo, então algo que caísse nele rolaria para fora. A força
continuaria a carregá-lo quando saísse do telhado”, disse Lahan, adicionando
uma seta ao seu diagrama como explicação. “Em outras palavras, se esse objeto
descesse com impulso inalterado, ele pousaria a alguma distância da pagoda.”

No entanto, o corpo queimado estava diretamente sob a beirada, em um lugar


que estava escondido se você estivesse parado na entrada da torre. Pois se tivesse
caído no lago, não teria sido mais possível queimá-lo para despistar as pessoas.
"Com base nos princípios básicos de movimento e na velocidade do corpo, o
cadáver não deveria ter caído onde o encontramos", disse Lahan. Pelo menos ele
podia ser contado em momentos como esse. E o diagrama tornava sua explicação
mais fácil de entender.

"O corpo queimado esteve lá o tempo todo", concluiu Maomao. "Fomos distraídos
pela noiva 'flutuante' e perdemos isso."

O caminho até a pagoda estava iluminado com pequenas lanternas. Os


convidados não familiarizados com a propriedade, tentando encontrar o caminho
em uma noite escura, naturalmente a seguiriam. E a fumaça dos fogos de artifício
combinada com o cheiro do óleo das lanternas era perfeita para esconder o corpo
já queimado.

Finalmente, Maomao acrescentou: "Suspeito que esta tenha sido a verdadeira


identidade da noiva pendurada". Ela pegou alguns papéis velhos e caminhou em
direção ao lago, pisando deliberadamente forte enquanto ia. Ela rasgou o papel e o
jogou na água, que logo ficou agitada com carpas vindo comê-lo. "Há muito papel
excelente por aqui. Coisas que poderiam ser transformadas em algo que muito
bem poderia passar por um vestido de noiva quando visto de longe."

Qual seria o sinal? Os fogos de artifício, eles seriam perfeitos. Talvez uma cor
especial de fumaça ou um som específico. Quando alguém avistasse a noiva
pendurada, o sinal seria dado. Trabalhando retroativamente a partir da distância
até a torre e quanto tempo levaria para chegar ao último andar, a corda seria
cortada para parecer que tinha arrebentado. Todos estariam ocupados correndo
para a pagoda para notar a queda.

"Você entrou e pegou uma das carpas ontem", Maomao disse ao tio. "Foi para
afugentar os peixes?" Talvez ele estivesse tentando direcionar os peixes que
comiam papel para o local desejado. Eles provavelmente tinham sido assustados
pelos fogos de artifício, mas por que arriscar?

A boneca de papel cairia no lago e seria comida pelas carpas, deixando apenas a
corda que Maomao havia encontrado na água. Quanto à pessoa que havia cortado
a corda, ela só precisava esperar que todos os outros chegassem à pagoda. Não
havia necessidade de tentar sair correndo e arriscar encontrar alguém que tivesse
vindo investigar. Em vez disso, ela poderia simplesmente se esconder em algum
lugar dentro, e uma vez que houvesse uma multidão adequada, ela poderia se
juntar aos outros, se misturando entre eles e parecendo tão confusa quanto todos
os outros. Eles agora não precisavam mais perguntar quem havia desempenhado
esse papel.
"Se houver alguma objeção à minha interpretação dos eventos, talvez
devêssemos verificar a corda que encontrei com o pedaço restante da torre.
Alguém?"

Ao ouvir a palavra "alguém", o pai da noiva caiu de joelhos, enquanto os outros se


olharam resignados. A dama de companhia que se interpusera entre Maomao e a
mulher que chorava descontroladamente exibia uma expressão de dor. Sim, é
claro: a noiva não poderia ter feito isso sozinha. Ela deve ter tido cúmplices —
talvez toda a sua casa.

Os rostos dos membros da família diante deles não estavam marcados pela
traição, mas pela dor.

"Vocês esperavam esconder a noiva entre as fileiras das mulheres chorando, e


ajudá-la a escapar assim", disse Maomao. Parecia que ela tinha tido uma
impressão errada duradoura. Ou seja, ela estava errada que o incidente com o
leão tinha como alvo a Consorte Lishu.

Às vezes, o que outra pessoa estava pensando nem sempre coincidia com o que
você imaginava.

"Tudo isso para ajudá-la a escapar daquele noivo estrangeiro."

Ela ouvira dizer que seria o suposto noivo quem trouxera o leão — e se a gaiola se
quebrasse e o leão escapasse, a culpa cairia sobre ele. A família simplesmente
precisava mexer nas barras da gaiola e espalhar o perfume que agitava o leão
entre os convidados do banquete. Deve ter sido uma coincidência que uma das
pessoas que eles escolheram acabasse sendo meia-irmã de Lishu.

Normalmente, a culpa pelo incidente com o leão seria rapidamente atribuída e


cairia mais pesadamente sobre o noivo. Mas Jinshi e Gyokuen foram mais
minuciosos do que a família esperava; em vez de escalarem imediatamente as
coisas, eles se concentraram em reunir evidências.

O noivo, compreensivelmente preocupado, decidiu deixar o país o mais rápido


possível, planejando partir após o banquete que estava previsto para o dia
seguinte. Foi por isso que ele não estava aqui agora: ele já estava a caminho de
casa. Se as coisas tivessem sido permitidas a prosseguir sem impedimentos, a
jovem estaria agora a caminho de viver como esposa do homem em um país
estrangeiro. A família, desesperada, decidiu encenar a morte da jovem. Eles
estavam tão determinados a proteger a jovem que estavam até dispostos a usar o
corpo de sua irmã mais velha, que já tinha morrido.
"Por que você sentiu que era necessário ir tão longe?" perguntou Jinshi.

"Ah! Você não tem ideia do abominável tratamento que minha filha recebeu",
respondeu o tio da noiva — o pai da mulher morta. "Essas pessoas veem as
mulheres de nossa família como nada além de escravas. Você sabe o que eles
fazem na primeira noite juntos? Eles marcam a noiva. Como um animal!"

Os casamentos nem sempre eram iguais; na verdade, mais frequentemente do


que não, o equilíbrio de poder pendia para um lado ou para o outro. Se você não
tinha o poder, então a única coisa que podia fazer era se curvar e se humilhar. Essa
família já tinha oferecido uma filha como sacrifício desse tipo.

"Foi a mesma coisa com estes pés meus", disse a noiva vestida como uma mulher
chorando, passando a mão por seus próprios pés pequenos. "Isso é o que aquele
homem queria. Ele disse que queria que eu parecesse uma garota do leste. Duvido
que ele me visse como algo mais do que uma mercadoria." A dama de companhia
a observava com agonia no rosto. Talvez a noiva e até mesmo sua dama de
companhia tivessem tido seus pés enfaixados como backups em caso de a irmã
mais velha não dar certo.

A expressão desapareceu do rosto de Jinshi, mas ele parecia perturbado em


particular.

"Sou incompetente. Este foi o único caminho aberto para mim. Você acha que
talvez, se eu tivesse mais talento ou habilidade, poderia ter visto minha filha se
tornar uma das rosas no jardim?" perguntou o pai da garota. Talvez ele estivesse
pensando em outra família, também da capital ocidental, que viu sua própria filha
ascender para se tornar Imperatriz.

"Se a imperatriz regente tivesse ficado satisfeita conosco", continuou o pai, "você
acha que poderíamos ter escapado de sermos enviados para esses rincões?"

Jinshi virou-se da família trágica. Eles cometeram um crime grave. Sua tentativa de
proteger a própria filha poderia ter sacrificado muitas mais vidas.

"Você acha que poderíamos ter salvado nossa família?"

Não seria possível deixá-los sair impunes.

A única coisa que Maomao não sabia era se Jinshi havia crescido o suficiente para
aceitar isso.
Dito isso, ela não pôde deixar de pensar que via as coisas de forma diferente
deles. "Uma família é algo que precisa ser salvo?" ela disse baixinho, se
aproximando das duas mulheres de pés enfaixados enquanto se agarravam uma à
outra. Apesar de todas as alegações de incompetência, algo a incomodava.
"Posso perguntar uma coisa?" ela disse às mulheres.

Elas não disseram nada, e ela interpretou o silêncio como consentimento.

"Acredito que entre aquelas para quem você deu o perfume, havia uma mulher
com uma atitude arrogante e uma boca cheia de dentes ruins. Como você a
conheceu?"

A dama de companhia olhou para o chão. Ela deve ter sido a pessoa que entrou
em contato com a meia-irmã de Lishu. Era estranho: ela não parecia o tipo de
pessoa que seria tão amigável com alguém que acabara de conhecer.

"Não me lembro exatamente, mas ela tinha dezoito ou dezenove anos com uma
bunda um pouco gorda."
"O traseiro dela mede três shaku e um sol ao redor", interveio Lahan. (Por quê?!)
Maomao assumiu que o número era um palpite educado, que ele estava apenas
estimando — mas ela esmagou silenciosamente seus dedos dos pés mesmo
assim.

"Peço que nos conte", disse Maomao. "Seria melhor para todos."

Depois de um momento, a dama de companhia disse: "A vidente me contou."

"Vidente?"

A outra mulher assentiu, ainda olhando para o chão. "Ela tem sido o assunto em
toda a capital ocidental. Todos têm ido vê-la."

Inicialmente, disse a dama de companhia, ela pensou que era só conversa. Mas
as palavras da vidente mostraram uma percepção extraordinária sobre a jovem
mulher e suas amigas, e ela foi ficando mais e mais envolvida.

"A falecida jovem senhora costumava procurá-la por conselhos."

"Estou impressionada que ela tenha conseguido", disse Maomao. Ela não estava
tentando atacar a jovem mulher — era apenas uma simples dúvida que surgiu em
sua mente. O assunto dos "conselhos" não era algo sobre o qual você poderia falar
com qualquer pessoa.

A dama de companhia apontou em direção à cidade. "Elas conversavam na


capela."

Era um lugar muito parecido com o prédio nos terrenos de Gyokuen dedicado a
uma religião estrangeira. Havia lugares dentro onde se podia ter uma conversa
privada, e a vidente usava esses espaços para exercer seu ofício. Parecia que
essas reentrâncias e cantos eram originalmente destinados a monges da fé
estrangeira para ouvir as pessoas, mas com a doação apropriada, eles também
poderiam estar disponíveis para conversas pessoais privadas.
A dama de companhia tentara não ser muito específica sobre seu nome e
identidade, mas um fofoqueiro diligente poderia descobrir com quem estavam
conversando. Parecia que essa vidente havia se aproveitado disso.

“Eu fui quem aceitou o perfume! E aceitei o conselho para mexer na gaiola! Fui
eu!” A dama de companhia baixou a cabeça. Ela sentira que não poderia permitir
que houvesse mais jovens mortas simplesmente porque elas não ouviam a
vidente. Ela olhou para Maomao suplicante, mas Maomao não era quem ditaria o
julgamento.

A vidente também lhe disse quem deveria ser o alvo. Ela foi vaga quando se tratava
dos nomes ou características de algumas das vítimas, mas havia outras, como a
meia-irmã de Lishu, sobre as quais a dama de companhia foi informada em
detalhes. No final, ela vendeu perfume para cerca de três pessoas.

“A culpa não recai apenas sobre esta jovem. Fui eu que mexi na gaiola,” disse o tio
da noiva, avançando. Ele encontrara a dama de companhia em um clima sombrio
e a interrogara. Na verdade, parecia que mais de uma jovem poderia ter feito isso
sozinha.

“Não foram apenas elas. O suicídio forjado foi minha ideia. Mesmo que isso
significasse perturbar o túmulo de minha sobrinha,” disse o pai da noiva.

“Não! Irmão, implorei para que fizesse o que fez!”

Testemunhando essa troca, as mulheres da família começaram a soltar um choro


terrível.

“Então tudo isso não veio da vidente, mas foi ideia de vocês?” perguntou Jinshi.

“Isso mesmo. Depois do que aconteceu ontem, não tivemos tempo de nos
encontrar com a vidente.”
“E essa vidente teria conseguido se encontrar com vocês?” Jinshi observava a
família lamentável atentamente. Ele não parecia estar pensando em como puni-
los, mas sim em como conectar isso com o que viria a seguir.

Enquanto observava a família, Maomao o observava silenciosamente.

Eles nunca encontraram a vidente ou quem quer que fosse. Um monge na capela,
no entanto, testemunhou onde o adivinho estava morando. O provérbio diz que o
dinheiro fala até mesmo no inferno - uma boa doação fez com que o homem fosse
bastante comunicativo.

A residência que ele indicou estava totalmente vazia. A única conclusão que
puderam tirar do que encontraram lá foi que a vidente não parecia viver como
alguém do ocidente.
Capítulo 4: Rumo a Casa

Maomao não sabia como Jinshi lidaria com a noiva e sua família. Depois que tudo
acabou, ele passou um tempo conversando com Gyokuen, mas era dificilmente
uma discussão na qual Maomao pudesse se intrometer. A única coisa que ela
podia fazer era esperar que o pior não acontecesse. A Consorte Lishu não estava
mais confinada, mas o que fazer com sua meia-irmã era uma questão separada.

E assim, em seu sexto dia na capital ocidental, com a partida iminente no dia
seguinte, tudo o que Maomao conseguia pensar era: Eu nunca consegui fazer
nenhum passeio turístico.

Era isso. Pode parecer frio, mas não fazia parte da natureza de Maomao ficar
remoendo pensamentos negativos. Em vez disso, ela estava esperando sair e fazer
algo para se refrescar - apenas para ser informada de que era hora de se preparar
para ir para casa. Assim, ela se encontrou no jardim de cactos, a fadiga
estampada em seu rosto. Ela não tinha ideia se as plantas sobreviveriam no clima
da capital, mas queria pelo menos pedir algumas sementes ou uma pequena
muda para levar consigo. Gyokuen foi um passo além, sendo gentil o suficiente
para chamar o mercador para eles, então ela estava grata por isso.

Com isso, sua estadia na capital ocidental chegou ao fim.

"O que é isso?" Lahan perguntou. Eles estavam na carruagem a caminho de casa,
e ele estava indicando uma pena de pássaro, afiada e enegrecida em uma
extremidade. Supostamente, eles não usavam pincéis no oeste; em vez disso,
usavam "canetas" de metal ou penas como essa.

Maomao inclinou a cabeça. "Acho que encontraram na casa da vidente." Não


havia muitas posses, mas isso estava entre as poucas evidências que eles
descobriram. "O irmão mais novo honrado do Imperador parecia bastante
interessado em que tipo de pena era. Você saberia?"

"Hmm... É bem pequeno. Acho que não pertence a uma ave aquática", disse
Lahan.
A pena era cinza e não parecia muito adequada para ser um instrumento de
escrita. Provavelmente era uma pena aleatória que alguém pegou como reserva,
caso fosse necessário.

Finalmente, Lahan disse: "Você não acha que poderia pertencer a uma pomba?"

"Que prosaico."

Muitas pessoas comiam carne de pomba, e havia o costume de soltar os pássaros


em ocasiões festivas. Lahan pareceu um pouco desanimado; talvez estivesse
esperando algo um pouco mais exótico.

Maomao olhou pela janela. "Eles disseram que voltaríamos de barco, certo?"

"Isso mesmo", respondeu Lahan. Ao lado dele, Rikuson estava sorrindo


largamente. Não obrigado a comparecer ao casamento ou ao funeral, ele pelo
menos conseguiu passear um pouco e deu a Maomao um pedaço de tecido de
seda que havia conseguido. Ela ficou feliz em receber o que quer que lhe dessem,
mas algo sobre tudo aquilo parecia um pouco injusto para ela, e ela não pôde
deixar de olhá-lo com um olhar modestamente sujo.

"Por que você não poderia ter comparecido em vez disso?", ela murmurou.

"Oh, eu nunca teria me encaixado naquela casa", ele disse. Parecia humilde, pelo
menos, e ele estava sorrindo, mas ela não tinha ideia se ele estava contando toda
a verdade.

Ah-Duo e Consorte Lishu estavam em uma carruagem separada e fariam a viagem


para casa juntos. Certamente, não fazia sentido para eles ficarem na capital
ocidental por mais tempo. O pai de Lishu, Uryuu, aparentemente havia dito que
traria Lishu para casa, mas Ah-Duo o recusou. Desenvolver subitamente um afeto
pela filha que ele ignorara nos últimos quinze anos era, bem, conveniente, para
dizer o mínimo.
"Teremos que trocar de embarcação algumas vezes, mas deveríamos conseguir
voltar em metade do tempo que levamos para chegar aqui. E o vento deve estar a
nosso favor nesta época do ano", disse Lahan.

Os navios tinham a vantagem sobre as carruagens de que não precisavam parar


com frequência para descansar. Indo para o oeste, no entanto, eles teriam estado
viajando rio acima e contra o vento, uma proposta demorada. Mas agora eles
estariam viajando por um dos afluentes do Grande Rio, e um barco facilmente os
levaria à capital.

Jinshi e Basen, enquanto isso, ainda estavam na capital ocidental; eles tinham
sido retidos inevitavelmente para concluir o negócio que haviam adiado.
Por direito, Maomao deveria ter ficado com eles, mas Lahan aparentemente havia
perguntado a Jinshi: "Posso pegar emprestada minha irmãzinha por um tempo?"

Se ela estivesse presente, poderia ter objetado: "Eu não sou sua irmã" ou "Não me
envolva em seus planos distorcidos", mas ela não estava lá, e o assunto foi
decidido sem a opinião dela. Pelo que ouviu, Jinshi estava prestes a recusar, mas
depois mudou de ideia e concordou.

Ela não teve uma oportunidade adequada para conversar com ele desde a noite
do banquete. Maomao admitidamente sentia-se desconfortável perto dele e, de
certa forma, estava feliz por ser resgatada da situação.

Tão feliz quanto estava por estar indo para casa mais cedo... Ela também estava
ansiosa. Ela ponderou se deveria ir dormir com Ah-Duo em vez de perto de Lahan
enquanto arrumava suas roupas em um embrulho para fazer um travesseiro.
Depois de todo o trabalho que ela fez para criar um lugar de dormir aconchegante
na carruagem, agora ela tinha que recomeçar tudo de novo.

"Que tal um pouco de modéstia, irmãzinha?" Lahan disse.

"Não sei do que você está falando."


Lahan e Rikuson trocaram olhares, mas Maomao não se importou. Ela fechou os
olhos e adormeceu.

Depois de dois dias na carruagem, eles chegaram ao porto, onde o leve mau
pressentimento de Maomao se transformou em um pressentimento muito ruim. O
rio era estreito subindo, e a embarcação os aguardava era menos um navio e mais
uma canoa. Eles nem conseguiram colocar tudo em um barco; havia um segundo
flutuando lá para segurar sua bagagem.

"Estamos certos sobre isso?" ela perguntou.

"Confio no negócio", respondeu Lahan. "Não espero problemas com roubo."

"Não era isso que eu estava perguntando."

"Eu sei. Não diga isso." Ele não a olhava totalmente. Evidentemente, ele também
tinha imaginado um barco maior.

"Ah ha ha ha ha! Isso é divertido!" A exclamação veio de Ah-Duo, o único membro


animado de sua festa; o resto deles estava ocupado demais se agarrando à canoa
para gritar ou exclamar. O capitão os assegurou que as corredeiras só cobriam a
primeira li ou algo assim, mas parecia que havia toda chance de virarem antes de
chegarem tão longe.
Lishu estava descansando a cabeça nos joelhos de Ah-Duo. O constante rolar e
balançar do barco nos primeiros momentos da viagem foram o bastante para fazer
a jovem tímida desmaiar completamente. Ela estava segura com uma corda para
evitar cair no mar. Mas realmente, talvez ela fosse a sortuda.

"Eu n-não pensei... que iria chacoalhar tanto..." disse o homem de cabelos
bagunçados com óculos, seu rosto pálido enquanto depositava bile na água
agitada. E aqui ele estava se gabando de como essa seria a maneira mais rápida
de voltar para casa. Aparentemente, ele havia esquecido completamente das
diferenças entre viajar por terra e viajar de navio.

"Não vire para cá. Você vai cuspir essa coisa em mim."
"Maomao, me dê algo para acalmar meu estômago..." Ele estendeu a mão
tremendo em direção a ela, mas ela não sabia o que fazer. Ela já lhe tinha dado um
antiemético - e ele tinha vomitado imediatamente. Ela poderia lhe dar outro, mas
ele só iria vomitar também.

Rikuson não era tão efusivo quanto Ah-Duo, mas parecia igualmente relaxado. Ele
estava observando a fauna local com um grande sorriso no rosto. "Olhe ali, Sir
Lahan; você pode ver um passarinho. Ah, eu nunca me canso da paisagem aqui.
Sempre tão adorável."

Isso é apenas outra forma de dizer que a paisagem nunca muda, pensou Maomao.

Suirei parecia um pouco doente, mas não estava fazendo o alvoroço que Lahan
estava. Nem todos os guarda-costas pareciam totalmente confortáveis também,
mas não permitiriam parecerem patéticos enquanto estivessem no trabalho.

Maomao era Maomao: uma garrafa de vinho não a deixaria tonta, e nem mesmo
um veículo em movimento. Ainda assim, ela não era uma nadadora confiante,
então ficou quieta no interesse de não cair no mar.

"Olhem todos vocês..." resmungou Lahan. Vê-lo tão descontente era, de certa
forma, uma rara diversão, e Maomao se encontrou bastante divertida.

Uma vez que o afluente se juntou ao rio principal, o rio ficou mais largo, e eles
mudaram para o próximo barco.

"Você tem certeza de que não tem nada para parar de me fazer sentir tão doente?"
Lahan perguntou. Ele estava se agarrando a um balde, seu rosto sem cor.

Parecia que ele não estava se sentindo muito melhor apesar do navio maior,
embora estivesse vomitando menos ativamente. Então havia isso.
Eles estavam em uma pequena cabine, das duas que o navio tinha; este quarto
era para as mulheres da festa. Afinal, não podiam ter Ah-Duo ou Consorte Lishu
dormindo lado a lado com todo mundo. Se Lahan tivesse aparecido lá,
especialmente parecendo tão desgrenhado, tinha que ser um sinal de que ele não
aguentava mais o enjoo marítimo.

Lishu eventualmente havia acordado, mas ainda estava descansando no colo de


Ah-Duo. Era óbvio que ela estava fingindo estar enjooada em nome de um pouco
de mimo.

"O que você vomitou antes foi tudo o que me restou", disse Maomao. Ela
finalmente lhe deu o remédio, mas ele tinha acabado de vomitá-lo. Nem mesmo
teve tempo de fazer efeito. Ela trouxe os antieméticos porque sabia como uma
carruagem podia ser instável; ela nunca esperava precisar deles para isso.

Os navios de fato tinham a vantagem de não precisar parar, o que significava que
você chegava ao seu destino mais rápido - mas também significava que o balanço
nunca cessava. Maomao ficou um pouco surpresa ao perceber que Lahan era tão
sensível ao barco quando ele não tinha tido problema com a carruagem.

Quero dizer, não é como se eu não entendesse. Maomao inclinou-se junto com
um rolar do navio, mas Lahan exclamou "Eita!" e segurou em um poste, sua outra
mão ainda segurando o balde.

Em seguida, Maomao se inclinou na direção oposta.

"Por que você não fica enjoado?", perguntou Lahan ressentido.

"Talvez seja pelo mesmo motivo que eu não fico bêbida facilmente."

Por sinal, Lahan não era um homem que aguentava bem a bebida. Ele continuou a
encarar Maomao, que nem mesmo ficou verde.

"Eu não vou mais andar em nenhum barco!" ele anunciou, parecendo exausto -
mas o meio de uma jornada pelo rio dificilmente era o lugar ideal para encontrar
uma boa carruagem, e ele acabou entrando no próximo navio também. Além
disso, ele tinha que acompanhar Ah-Duo e a consorte de volta para casa. Ah-Duo
parecia bastante encantado em viajar de navio, enquanto Lishu estava bastante
encantada em ser mimada por Ah-Duo. Nenhum deles conseguia pensar em uma
razão convincente para mudar para uma carruagem agora.

Por fim, eles chegaram ao terceiro desembarque de barcos. Enquanto Maomao


estava desembarcando para trocar para o próximo navio, ela ouviu um forte
baque. O que poderia ser?

Aconteceu que era alguém desabando ali mesmo no cais. Um marinheiro estava
tentando trazê-lo de volta à consciência, embora parecesse cauteloso ao fazê-lo.
A figura inerte era de um homem em um manto bastante desgastado.

Ele está doente? Maomao se perguntou, observando de uma distância segura. Ela
não queria se envolver em nada, mas não era tão fria a ponto de deixar uma
pessoa doente ou ferida sem ajuda.

"Ei, senhor, você está bem?" disse o marinheiro, sacudindo o homem.

"Es...tou bem," disse o homem, embora parecesse bastante fora de si.

O marinheiro o colocou de bruços, mas então gemeu. "Ugh..."

O homem deve ter sido bastante bonito uma vez; a ponte alta e firme de seu nariz
e suas sobrancelhas finas provavam isso. Mas metade de seu rosto estava coberta
de marcas de varíola; se o rosto dele fosse um círculo, a pele marcada e a pele
clara formariam aproximadamente uma forma de yin-yang.

O marinheiro empurrou o homem para longe. O recém-chegado se levantou com


dificuldade. "Com licença, senhor. Posso pegar uma carona em seu barco?" Havia
um sorriso em seu rosto repugnante, e Maomao pôde ver um saco de moedas
pequenas em sua mão estendida. Ele ainda era jovem - talvez na casa dos vinte
anos.
"Es-espere aí! Você não tem alguma doença estranha, tem?" gritou o marinheiro
que o ajudou a se levantar, escovando furiosamente tudo o que havia entrado em
contato com o homem.

Ainda sorrindo, o homem tocou seu rosto desfigurado. "Oops!" Ele assentiu para si
mesmo como se tudo fizesse sentido. Um lenço estava no chão aos seus pés;
deve ter caído quando ele desmaiou. Ele o pegou e dobrou ao meio, formando um
triângulo; então usou para cobrir metade do rosto. À primeira vista, quase parecia
uma bandagem.

"Eu sei! É varíola! Isso é o que é, não é?!"

A varíola era uma doença terrível que cobria todo o corpo de pústulas. Era uma
doença extremamente contagiosa que, diziam, poderia devastar uma nação
inteira. Até mesmo a tosse ou espirro de uma pessoa doente poderia ser suficiente
para transmiti-la para outra pessoa.

O homem deu um sorriso bobo e coçou a bochecha. "Hah, está tudo bem! Essas
são apenas cicatrizes. Eu tive varíola uma vez, mas agora estou saudável como um
cavalo! Veja só!"

"De jeito nenhum! Você desmaiou há menos de cinco minutos! Fique longe - para
trás, eu digo!"

Ele notou a expressão dela, porque ele sorriu. "Eu gostaria que o navio se
apressasse e fosse embora, você não?"

Ela não disse nada. O que, ele estava tentando dizer a ela para fazer algo a
respeito?

Sentindo-se completamente incomodada, Maomao saiu do barco e foi até o


marinheiro (que agora parecia profundamente preocupado) e o jovem (que agora
tinha muco saindo do nariz).

"Com licença", ela disse.


"Sim?" respondeu o jovem. Não era exatamente um consentimento, mas ela
pegou o lenço do rosto do Homem do Muco de qualquer maneira. Um olhar para
as marcas feias foi o suficiente para ela confirmar que ele as tinha há anos. Ela
olhou para o olho do lado marcado de sua face; parecia turvo e desfocado. Suas
pupilas também estavam de tamanhos diferentes; era provável que ele fosse cego
em um deles.

"Essa pessoa não está doente", ela anunciou. "Ele tem cicatrizes, mas não há
chance de ele espalhar a doença para mais ninguém." Não varíola, de qualquer
forma. Quanto a outras doenças que ele poderia ter, ela não sabia e se isentou de
toda responsabilidade.

Com uma expressão de total repugnância, o marinheiro pegou cuidadosamente a


bolsa de moedas que o homem havia deixado cair. Ele a virou de cabeça para
baixo, e pequenas moedas caíram musicalmente dela. "E para onde você está
indo, senhor?"

"Para a capital! Eu quero ir para a capital! A capital!" Ele fechou os punhos e os


sacudiu com entusiasmo; ele não poderia parecer mais como um caipira indo
para a cidade grande se tentasse. "E quando eu estiver lá, vou fazer tantos
remédios!"

"Remédios?" Os ouvidos de Maomao se aguçaram.

"Sim! Posso não parecer muito, mas sou meio importante!" O homem tirou uma
grande bolsa de algum lugar debaixo de sua capa, e quando ele a abriu, um odor
distinto escapou. Maomao pegou o pote de barro da bolsa e abriu a tampa para
descobrir que estava cheio de pomada. Ela não tinha ideia se era eficaz, mas tinha
sido feita muito meticulosamente, com ervas medicinais moídas cuidadosamente
misturadas até a consistência perfeita. Tal cuidado na preparação era ainda mais
vital para a qualidade do produto do que exatamente quais ervas eram usadas.

Maomao olhou para o homem de outra forma. Ele estava sorrindo largamente e
disse ao marinheiro: "Quer um pouco? Funciona contra o enjoo!" Mas é claro,
nenhum marinheiro ia comprar um remédio assim.
"Pff, sovina. Por que não simplesmente comprar alguns? Ah! Na verdade,
esqueça sobre comprar qualquer coisa. Posso entrar no barco? Sim? No barco?"

"Não. Este navio está alugado. Você terá que esperar pelo próximo."

"O quê? Sério? Tenho que esperar?!" O homem parecia menos do que empolgado,
mas parecia aceitar. Então ele olhou para Maomao e sorriu novamente. "Obrigado,
você foi de grande ajuda. Para mostrar minha gratidão, deixe-me te dar um pouco
deste remédio para enjoo!"

A maneira como ele falava o fazia parecer muito, bem, jovem, mas ele parecia ser
mais maduro do que agia. Ele pelo menos parecia ser mais velho do que Maomao.

"Não, obrigada. Eu não fico enjoada no mar", disse Maomao.

"Não? Que pena."

O homem estava prestes a guardar o remédio quando de trás de Maomao alguém


gritou: "Espere!" Lahan veio literalmente voando do navio. "O remédio... M-me
dê..." ele disse, ofegante.

Estou impressionada que ele conseguiu nos ouvir, pensou Maomao. Ele estava
bastante longe, e não parecia bem. Maomao se entreteve com tais pensamentos
enquanto entrava no barco.

"Ufa, você realmente me salvou! Não só explicou sobre minha doença, você até
me colocou neste barco!"

O homem com a bandagem acabou se chamar Kokuyou. Ele era um viajante,


como Maomao poderia ter imaginado pelas suas roupas sujas. Ele também era
médico, ou pelo menos era o que ele afirmava.

Quando Lahan ouviu que Kokuyou tinha todos os tipos de remédios com ele, ele
ficou bastante insistente que o viajante deveria se juntar a eles em seu navio. E
como foi Lahan quem fez os arranjos de viagem para começar, isso era seu
privilégio, contanto que o recém-chegado não parecesse ser provável de fazer
algum mal à Consorte Lishu ou a qualquer outra pessoa. No entanto, Kokuyou não
estava garantido para chegar à capital, mas sim apenas para o próximo
desembarque, onde Lahan estaria descendo.

Kokuyou era um personagem um tanto estranho, e também bastante falador; ele


tagarelava sobre si mesmo enquanto misturava algum remédio.

"Hrm. Resumindo, eles me expulsaram. 'Você está amaldiçoado! Saia daqui! Grr!'
Que cruel, não é mesmo?" Kokuyou disse, embora certamente não soasse como
se pensasse isso. Não havia nenhuma ponta sombria em seu tom; ele conversava
como uma velha tagarela na beira do poço da aldeia.

Maomao o observava atentamente, compreensivelmente duvidosa sobre se um


remédio elaborado por um homem atormentado pela varíola de origem incerta
realmente funcionaria. Seu antiemético também não parecia ter nada de especial.
Lahan, em muito melhor estado de espírito, havia chamado Kokuyou para sua
cabine pessoal, e Maomao havia ido junto, pensando que, como ele afirmava ser
médico, poderia valer a pena ouvir o que Kokuyou tinha a dizer.

"Na verdade, tenho estado no mesmo lugar nos últimos anos. No ano passado, a
aldeia sofreu com uma praga de insetos. Então, do nada, o xamã da aldeia
começou a dizer que era uma maldição!"

E foi isso, Kokuyou afirmou, que o fez ser expulso. Médicos e xamãs geralmente
não se dão muito bem. Na opinião de Maomao, era estúpido e ridículo acreditar
em ideias infundadas como maldições, mas ela estava na minoria nisso.
Francamente, isso a deixava irritada.

Apesar do tom frívolo de Kokuyou, seu remédio se mostrou bastante eficaz. Lahan,
que até então não tinha se separado de seu balde por um momento, conseguiu
participar da conversa. Pode ter ajudado que o navio não estivesse mais rolando
tão violentamente como antes, mas de qualquer forma Lahan parecia muito
satisfeito.
"Hmm. Então você diz que está indo para a capital em busca de trabalho?" ele
perguntou.

"Sim, bem... Sim. Acho que é isso."

Lahan fez um som de concordância novamente e acariciou o queixo. Ele parecia


estar calculando algo - mas Maomao cutucou-o com o cotovelo.

Não nos envolva em nada... estranho.

O homem pode parecer um pouco estranho, mas se suas habilidades médicas


fossem reais, então ele seria capaz de ganhar a vida na capital. Se, é claro, ele
escondesse suas cicatrizes de varíola.

Já que ainda estavam viajando com Ah-Duo e Consort Lishu, não era ideal ter um
homem estranho com eles. Lahan sabia disso: ele olhou para Maomao e tirou um
pedaço de papel das dobras de suas vestes. Ele escreveu rapidamente um bilhete
e disse: "Se precisar de alguma coisa, vá para este endereço. Talvez eu possa te
dar alguma ajuda." Lahan havia escrito o endereço de sua casa na capital.

Kokuyou pegou o papel e lhes deu um sorriso ingênuo. "Ha ha! Uau, esbarrei em
pessoas legais!"

Ele não está fazendo isso por bondade, advertiu Maomao em particular. Lahan era
do tipo maquiavélico. Ele só havia dado seu endereço a Kokuyou porque achava
que havia alguma maneira de usar o homem.

“Aliás, se me permite perguntar, o que aconteceu com a praga de insetos no ano


passado?” Maomao disse. Ela adoraria interrogar Kokuyou e descobrir até onde ia
seu conhecimento médico, mas essa pergunta tinha prioridade.

“Hmm! Não foi grave o suficiente para eles comerem as raízes das árvores ou
fazerem o dinheiro ficar tão escasso que as pessoas não pudessem alimentar
seus filhos. As crianças pequenas ficaram fracas por causa da desnutrição, mas
não piorou mais do que isso.” Kokuyou parecia adequadamente triste ao fazer seu
relato. A desnutrição tornava as pessoas mais suscetíveis a doenças—e quem
tratava as doenças? Os médicos. Maomao se perguntava sobre o estado atual da
aldeia que o havia expulsado.

“Se tiveram uma colheita bastante abundante este ano, acho que eles devem
estar bem,” Kokuyou disse. Maomao não achava isso muito provável, e o homem
evidentemente concordava com ela, pois disse: “Espero que os aldeões possam
continuar se ajudando até conseguirem uma...”

Era um pensamento tão agradável, “ajudar uns aos outros”. Mas sempre havia “se”
envolvidos. Você poderia ajudar seu vizinho se tivesse recursos de sobra. Se você
tivesse o suficiente para comer, então poderia dar um pouco do extra para alguém.
Isso era o que geralmente significava “ajudar”; apoiar alguém enquanto você
próprio passava fome era inútil. Sim, havia alguns idiotas por aí que
compartilhariam tudo o que tinham à sua própria custa—mas a maioria deles
eram homens e mulheres santos em histórias.

Se as pessoas iam tratar médicos e boticários como se fossem sábios como


esses, deveriam fazer a vida de seus médicos ser agradável o suficiente para
colocá-los no clima. As necessidades básicas tinham que ser atendidas antes de
alguém poder praticar medicina. Qual seria o ponto se, levando uma vida carente,
o médico adoecesse?

A aldeia que havia expulsado esse homem poderia estar sentindo falta de um
médico agora, mas seria um pouco tarde. Água derramada não volta ao copo.

“Tudo bem, até mais!” Kokuyou dobrou delicadamente o pedaço de papel com o
endereço e o colocou em suas próprias vestes. Eles haviam pago sua passagem
apenas enquanto ele navegasse com eles. Ele teria um lugar na cabine dos
guarda-costas—o que também servia como uma maneira de mantê-lo sob
vigilância.

Agora que penso nisso...

A menção de Kokuyou sobre a praga de insetos lembrou-a: um dos problemas


acumulados era aquele que Lahan havia assumido.
“O que você está planejando fazer sobre a praga de insetos? Quero dizer, a
questão que a senhora de cabelos dourados estava falando com você?” Maomao
perguntou, referindo-se a algo que o emissário havia dito durante o banquete na
capital ocidental. Ela queria exportações de grãos para Shaoh e, se isso não fosse
possível, então ela havia solicitado asilo político. “Qual é o benefício disso para
nós?”

A ideia de exportação era muito arriscada, e a ideia de asilo era francamente


perigosa.

Maomao e Lahan eram os únicos na sala; por isso podiam ter essa conversa. Nem
mesmo Rikuson sabia sobre isso.

“O que você acha? Que ela me tinha na palma da mão? Que eu faria qualquer
coisa que ela pedisse, sem pensar, só porque ela era bonita?”

“Não faria?” Ela estava brincando, mais ou menos; afinal, esse era o cara que não
parava de falar sobre a aparência de Jinshi. (Lahan obviamente não sabia que
Jinshi tinha uma certa complexidade sobre sua própria aparência.)

“Tenho algumas ideias minhas.”

“Como o quê?”

“Nossa pequena aventura de navegação vai acabar quando chegarmos ao


próximo desembarque. Presumo que você não se importe que eu me separe da
Lady Ah-Duo e dos outros?”

Talvez Lahan estivesse finalmente cansado de enjoar no mar—ou talvez fosse por
isso que ele trouxe Maomao o tempo todo.

“Continuarei a acompanhá-los, então.”


“Agora, calma,” Lahan disse, acenando com a mão para impedi-la de ir mais longe.
“Garanto que você ficará muito interessada em onde estou indo.”

“Como assim?”

Lahan pegou um ábaco e começou a mover as contas. “Bem, podemos acabar


contando nossos frangos antes de chocarem.” Mas, parecia estar dizendo, valia a
pena tentar.

Então, no entanto, ele disse: “Vamos ver meu pai.”

Então era assim que Lahan o chamava. Não algo respeitoso como “Pai”. Apenas
“Papai”.

Capítulo 5: Encerrando na Capital Ocidental

“Devo entender isso como um convite para eu ir à capital algum dia?” Gyokuen
perguntou.

“Sim, isso mesmo,” respondeu Jinshi.

Eles estavam no anexo de Gyokuen, um lugar agradável e fresco de frente para um


lago. Estavam apenas os dois; Basen e os vários guarda-costas estavam do lado
de fora. Nenhum dos homens tinha algo que se assemelhasse a uma arma—essa
era a chance deles de conversar em total e completa confiança.

Jinshi refletiu sobre como isso era difícil enquanto escolhia suas palavras. Ele era
o irmão mais novo do Imperador, e embora Gyokuen pudesse ser o pai da
Imperatriz, Jinshi ainda o superava em hierarquia. O problema era que ele
constantemente sentia que estava prestes a escorregar de volta para o tom mais
deferente de um eunuco.

Todos os outros haviam ido embora, deixando Jinshi e Basen na capital ocidental,
onde Jinshi prosseguia cuidando de uma coisa e outra; diligente, metódico.

“Sim, é exatamente como você imagina. Especialmente considerando a ascensão


da Imperatriz Gyokuyou, a sensação é de que seria melhor se você tivesse um
nome o mais rápido possível.”

A consorte havia se tornado Imperatriz, mas sua apresentação oficial havia sido
adiada por dois motivos: primeiro, que a Imperatriz Gyokuyou tinha sangue
ocidental forte; e segundo, que Gyokuen ainda não tinha um nome de família. Não
havia muito o que fazer quanto ao primeiro, mas quanto ao segundo, a solução
óbvia era simplesmente apressar e lhe dar um nome. O assunto deveria ter sido
tratado antes, mas com tantos convidados, acabou sendo adiado até que todos
tivessem ido embora.

Gyokuen provavelmente sabia que isso estava por vir. A ideia estava no ar, e os
mais perceptivos poderiam ter adivinhado que Jinshi faria algo assim. Jinshi se
perguntava se Uryuu poderia tentar se opor, mas o incidente com sua própria filha
o deixou sem base para isso. Lishu poderia ser um membro da família, mas
também era a consorte do Imperador, e agir maliciosamente em relação a ela não
seria permitido nem perdoado. Pior ainda foi sua tentativa transparente de destruir
as evidências. E isso quando as damas de companhia da Consorte Lishu no
palácio traseiro ainda pregavam peças nela regularmente. E para completar, o
próprio Uryuu parecia muito mais parcial à irmã mais velha de Lishu.

Normalmente, isso teria trazido uma punição sobre suas cabeças, mas a
Consorte Lishu não queria isso. Então, em vez disso, o assunto foi deixado de
lado—e o clã U ficou devendo um favor.
Gyokuen pareceu brevemente empolgado ao saber que receberia um nome, mas
então suas sobrancelhas caíram. Jinshi não conseguia ter certeza se era uma
atuação ou uma reação genuína, mas de qualquer forma, isso significava que ele
não iria simplesmente aceitar a oferta de bom grado.

Jinshi entendia perfeitamente o porquê disso, mas fingiu não entender. “Há algo
de errado?” ele perguntou.

“Não, é apenas... Novamente, isso significa que eu teria que ir para a capital, não
é?”

“Sim, significa.”

Mesmo a viagem mais urgente das regiões ocidentais até a capital e de volta
levaria pelo menos um mês, uma perspectiva difícil para Gyokuen, que deveria
estar governando essa área. No entanto, ele também entendia que não tinha a
opção de recusar essa oferta.

Gyokuen tinha um filho, um homem substancialmente mais velho que a Imperatriz


Gyokuyou, de outra mulher. Embora, ao contrário das crianças do clã U, Gyokuyou
e seu irmão parecessem se dar bem.

“Eu tenho um filho, e se tudo parecer tranquilo, ele não deverá ter nenhum
problema aqui em meu lugar...”

Sim, se tudo parecer tranquilo. Esse era o problema.

Estava muito claro porque Gyokuyou havia sido feita Imperatriz: o Imperador
queria focar no que estava acontecendo no oeste. Além da capital ocidental
estava a terra de Shaoh.

Shaoh não era um problema em si; o verdadeiro problema era o país que se
estendia acima dele: Hokuaren. O Imperador se ligaria ao clã de Gyokuen para
fortalecer a fronteira ocidental, mas se algo acontecesse enquanto o líder do clã
estivesse fora—bem, a perspectiva era assustadora. O filho de Gyokuen também
não poderia viajar para a capital no lugar de seu pai; era esperado que o chefe do
clã aparecesse para receber o nome.

Alguns argumentaram que deveriam ignorar tais costumes antiquados, mas era a
Imperatriz Gyokuyou quem provavelmente sofreria se seu pai decidisse romper
com o precedente.

Gyokuen era, e sempre fora, um funcionário da capital ocidental. Ele detinha uma
quantidade considerável de território, sem dúvida, mas aos olhos de muitos
oficiais na capital real, ele ainda ocupava um posto provincial nas margens do
país, não importando o quanto de terra pudesse ter. Sua rápida ascensão à
proeminência após a destruição do clã Yi não podia ser negada, mas também era
a fonte de muito ressentimento e resistência contra ele.

“Sinto muito, mas devo pedir que você venha de qualquer maneira,” disse Jinshi.
Ele sentia pelo homem, mas era a única maneira. Jinshi, assim como o Imperador,
sabiam que estavam pedindo algo quase impossível de Gyokuen, mas a demanda
não vinha deles. Ela vinha dos altos oficiais na capital. Talvez incluindo vários com
parentes no palácio traseiro.

“Esta é apenas a primeira parte do plano deles para punir um caipira atrevido, eu
suponho,” disse Gyokuen, no entanto, ele parecia mais ou menos tranquilo. Talvez
se você não conseguisse lidar com provocações desse tipo, simplesmente não
tivesse a disposição para a política. A palavra “atrevido” poderia ser tomada como
uma posição fraca, mas isso não parecia ser verdade no caso de Gyokuen. “De
qualquer forma, eu entendo,” ele disse.

Ele sabia que eventualmente obteria essa resposta, mas ouvir as palavras
realmente deu a Jinshi uma sensação de alívio. No entanto, Gyokuen não havia
terminado.

“Se me permite, gostaria de estipular uma condição.”

“Uma condição?”
“Sim. Gostaria que meu filho tivesse alguém para ajudá-lo. Ele conheceu apenas
as terras ocidentais durante toda a sua vida e tem pouca experiência do mundo.
Se possível, gostaria que ele fosse acompanhado por alguém com conhecimento
da região central.”

Em outras palavras: vou fazer essa coisa impossível que você pede, então me dê
um pessoal decente em troca.

“Hmm. Sim, isso parece razoável. Você tinha alguém em mente?”

Na verdade, era um pedido compreensível. O filho de Gyokuen um dia o sucederia,


e precisaria conhecer a vida na região ao redor da capital, mesmo que seu
conhecimento fosse apenas mínimo

“Sim. Durante o banquete, o jovem Basen parecia uma pessoa completamente


diferente quando se jogou na frente daquele leão.”

“Ah, ele? Ele é...”

Se Gyokuen estava de olho em Basen, isso poderia ser um problema. Ele talvez
não parecesse muito, mas era muito importante para Jinshi, alguém com quem ele
podia falar francamente e ao redor de quem ele podia relaxar.

“Por favor, não me entenda mal; não é isso que estou pedindo. Eu nunca buscaria
algo tão além da minha posição a ponto de ter um membro do clã Ma atendendo
meu filho,” disse Gyokuen rapidamente, entendendo a importância da reação de
Jinshi.

Os Ma eram um dos clãs nomeados, e ainda assim nunca se tornaram ministros


ou ocuparam outros altos cargos. Em vez disso, existiam para servir à família
imperial. A questão poderia estar aberta se Basen viesse de uma família sem
nome, mas como membro do clã Ma, ele estava garantido de que, de alguma
forma, estaria envolvido com a família imperial—e não com mais ninguém.
Gyokuen negou rapidamente que estava pedindo a ajuda de um membro do clã de
Basen, porque fazer isso seria afirmar que sua família era igual à do Imperador—
uma afirmação que beiraria a traição.

“Eu estava apenas impressionado,” continuou Gyokuen. “Não sei quantos homens
poderiam agir tão decisivamente quando confrontados com um animal selvagem
em vez de tremerem de terror.”

O comentário de Gyokuen era simples, um elogio sincero, ao que parecia. Era


um pouco estranho ouvir alguém elogiar Basen tão irrestritamente, mas Jinshi
concordava com ele: por mais facilmente que ele se desestabilizasse na maioria
das circunstâncias, quando a situação apertava, Basen mostrava uma
compostura notável. Ele também havia agido rapidamente. Quanto mais perigosa
a situação, mais alguém agia não pelo pensamento, mas pelo instinto, e os
instintos de Basen não o haviam enganado. Ele merecia um elogio.
Na verdade, no treinamento marcial, Jinshi e Basen estavam mais ou menos no
mesmo nível. Jinshi tinha uma técnica mais refinada, então em competições
formais ele era frequentemente o vencedor. No entanto, se estivessem em uma
luta real, ele não tinha confiança de que poderia vencer Basen. Isso também
explicava por que Gaoshun havia designado Basen para Jinshi, apesar de sua
inexperiência.
“Certamente tranquilizaria a mente de uma pessoa ter alguém tão capaz
protegendo-a.” Gyokuen, que não estava a par da verdadeira capacidade de
Basen, continuou elogiando o jovem.

“Sim. Durante o banquete, o jovem Basen parecia uma pessoa completamente


diferente quando se jogou na frente daquele leão.”

“Ah, ele? Ele é...”

Se Gyokuen estava de olho em Basen, isso poderia ser um problema. Ele talvez
não parecesse muito, mas era muito importante para Jinshi, alguém com quem ele
podia falar francamente e ao redor de quem ele podia relaxar.

“Por favor, não me entenda mal; não é isso que estou pedindo. Eu nunca buscaria
algo tão além da minha posição a ponto de ter um membro do clã Ma atendendo
meu filho,” disse Gyokuen rapidamente, entendendo a importância da reação de
Jinshi.
Os Ma eram um dos clãs nomeados, e ainda assim nunca se tornaram ministros
ou ocuparam outros altos cargos. Em vez disso, existiam para servir à família
imperial. A questão poderia estar aberta se Basen viesse de uma família sem
nome, mas como membro do clã Ma, ele estava garantido de que, de alguma
forma, estaria envolvido com a família imperial—e não com mais ninguém.
Gyokuen negou rapidamente que estava pedindo a ajuda de um membro do clã de
Basen, porque fazer isso seria afirmar que sua família era igual à do Imperador—
uma afirmação que beiraria a traição.

“Eu estava apenas impressionado,” continuou Gyokuen. “Não sei quantos homens
poderiam agir tão decisivamente quando confrontados com um animal selvagem
em vez de tremerem de terror.”

O comentário de Gyokuen era simples, um elogio sincero, ao que parecia. Era um


pouco estranho ouvir alguém elogiar Basen tão irrestritamente, mas Jinshi
concordava com ele: por mais facilmente que ele se desestabilizasse na maioria
das circunstâncias, quando a situação apertava, Basen mostrava uma
compostura notável. Ele também havia agido rapidamente. Quanto mais perigosa
a situação, mais alguém agia não pelo pensamento, mas pelo instinto, e os
instintos de Basen não o haviam enganado. Ele merecia um elogio.

Na verdade, no treinamento marcial, Jinshi e Basen estavam mais ou menos no


mesmo nível. Jinshi tinha uma técnica mais refinada, então em competições
formais ele era frequentemente o vencedor. No entanto, se estivessem em uma
luta real, ele não tinha confiança de que poderia vencer Basen. Isso também
explicava por que Gaoshun havia designado Basen para Jinshi, apesar de sua
inexperiência.

“Certamente tranquilizaria a mente de uma pessoa ter alguém tão capaz


protegendo-a.” Gyokuen, que não estava a par das peculiaridades de Basen,
estava cheio de elogios.

“Oh? Vou ter que garantir que Basen saiba disso,” foi tudo o que Jinshi disse, e
então começou a pensar em possíveis candidatos. Se Gyokuen havia vindo até ele
pessoalmente, ele devia pelo menos ter alguém em mente. “Então, que tipo de
pessoa você esperava ter para atender seu filho?”
De maneira aberta e direta, era assim que se devia lidar com essa situação.
Gyokuen acenou lentamente com a cabeça. “Eu esperava poder pedir alguém da
capital.”

“Hoh. E quem poderia ser?”

Gyokuen tinha algum conhecido na cidade capital, ou a Imperatriz Gyokuyou tinha


dado uma boa recomendação para alguém? A Imperatriz era uma mulher
perspicaz, e não surpreenderia Jinshi se ela tivesse encontrado alguma boa ajuda
e estivesse tentando enviá-los de volta para sua casa.

Gyokuen sorriu—e então disse algo inacreditável. “Talvez você pudesse solicitar a
ajuda do Sir Lakan nessa questão?”

Foi tudo que Jinshi conseguiu fazer para não demonstrar sua consternação.

Depois de se despedir de Gyokuen, Jinshi voltou para seu quarto de hóspede e se


jogou no sofá. “Isso deve ser o fim disso,” ele disse.

“Sim, senhor.”

Se Gaoshun estivesse lá, Jinshi poderia ter aproveitado a oportunidade para


desabafar uma variedade de reclamações, mas não; apenas Basen estava
presente. Ele também parecia nervoso, suspirando audivelmente.
A capital poderia ser sufocante à sua maneira, mas era melhor do que ficar
preso ali. Jinshi pelo menos se sentia um pouco mais aliviado por ter enviado a
Consorte Lishu e os outros à frente. Seu único erro havia sido permitir que a garota
da farmácia fosse levada apenas porque alguém havia usado o "cartão de irmão
mais velho".
Admitidamente, a ausência dela era um alívio de certa forma, mas ao mesmo
tempo, isso o deixava inquieto. No entanto, ele podia praticamente ver o que a
garota, quase um shaku mais baixa do que ele, faria com ele se ele se apressasse
agora. Ele teria que aproveitar ao máximo essa situação.

“Gostaria de um pouco de suco de frutas, senhor?” Basen perguntou.


“Sim, obrigado.”

Basen, com alguma hesitação, preparou o suco. Enquanto Jinshi estava fora, os
criados entraram para arrumar a cama e cuidar de outras tarefas diversas, mas
quando ele estava no quarto, Jinshi preferia que os criados não ficassem por
perto.

“Oh? Vou ter que garantir que Basen saiba disso,” foi tudo o que Jinshi disse, e
então começou a pensar em possíveis candidatos. Se Gyokuen havia vindo até ele
pessoalmente, ele devia pelo menos ter alguém em mente. “Então, que tipo de
pessoa você esperava ter para atender seu filho?”

De maneira aberta e direta, era assim que se devia lidar com essa situação.
Gyokuen acenou lentamente com a cabeça. “Eu esperava poder pedir alguém da
capital.”

“Hoh. E quem poderia ser?”

Gyokuen tinha algum conhecido na cidade capital, ou a Imperatriz Gyokuyou tinha


dado uma boa recomendação para alguém? A Imperatriz era uma mulher
perspicaz, e não surpreenderia Jinshi se ela tivesse encontrado alguma boa ajuda
e estivesse tentando enviá-los de volta para sua casa.

Gyokuen sorriu—e então disse algo inacreditável. “Talvez você pudesse solicitar a
ajuda do Sir Lakan nessa questão?”

Foi tudo que Jinshi conseguiu fazer para não demonstrar sua consternação.

Depois de se despedir de Gyokuen, Jinshi voltou para seu quarto de hóspede e se


jogou no sofá. “Isso deve ser o fim disso,” ele disse.

“Sim, senhor.”
Se Gaoshun estivesse lá, Jinshi poderia ter aproveitado a oportunidade para
desabafar uma variedade de reclamações, mas não; apenas Basen estava
presente. Ele também parecia nervoso, suspirando audivelmente.

A capital poderia ser sufocante à sua maneira, mas era melhor do que ficar preso
ali. Jinshi pelo menos se sentia um pouco mais aliviado por ter enviado a Consorte
Lishu e os outros à frente. Seu único erro havia sido permitir que a garota da
farmácia fosse levada apenas porque alguém havia usado o "cartão de irmão mais
velho".

Admitidamente, a ausência dela era um alívio de certa forma, mas ao mesmo


tempo, isso o deixava inquieto. No entanto, ele podia praticamente ver o que a
garota, quase um shaku mais baixa do que ele, faria com ele se ele se apressasse
agora. Ele teria que aproveitar ao máximo essa situação.

“Gostaria de um pouco de suco de frutas, senhor?” Basen perguntou.

“Sim, obrigado.”

Basen, com alguma hesitação, preparou o suco. Enquanto Jinshi estava fora, os
criados entraram para arrumar a cama e cuidar de outras tarefas diversas, mas
quando ele estava no quarto, Jinshi preferia que os criados não entrassem, a
menos que fosse absolutamente necessário. Não era que ele não confiasse na
equipe da casa de Gyokuen; ele simplesmente havia tido experiências
desagradáveis no passado que o faziam preferir evitar a presença de criados.
Talvez Gyokuen tivesse descoberto isso via Imperatriz Gyokuyou, pois nenhum
membro do pessoal da casa aparecia na porta de Jinshi, a menos que ele os
convocasse.

Quanto à questão de testar sua comida para veneno, o guarda-costas do lado de


fora provava um bocado, e Basen provava outro. Era em grande parte por
formalidade; contra um veneno de ação lenta, o exercício seria inútil. Quanto a
isso, ele teria que confiar em Gyokuen.

Jinshi deixou o suco azedo descansar em sua língua enquanto contemplava


vagamente o dia seguinte. Ele finalmente poderia retornar à capital, e voltar
deveria ser uma viagem muito mais rápida do que sair tinha sido. Jinshi
pessoalmente preferia viajar por terra a ir de navio, mas se isso economizasse
tanto tempo, então seria de navio.

Ele queria se apressar e voltar para casa, mas as pessoas aqui continuavam
prolongando as coisas com ele, na esperança de chamar sua atenção. A data de
seu retorno havia sido adiada em parte por causa da confusão no banquete e,
posteriormente, pela questão do funeral, mas também havia pura e simples
politicagem envolvida. Talvez essa fosse parte da razão pela qual Gyokuen havia
deixado seus próprios assuntos para agora: na capital ocidental, seu nome
tornava fácil escapar. Bastava dizer: “Receio que tenho uma reunião com Gyokuen
depois disso.”

No entanto, não faltavam pessoas que traziam suas filhas ou irmãs mais novas
para servir bebidas a ele, ou que vinham acompanhadas de mulheres de
aparência estrangeira exalando beleza exótica. Alguns dos perfumes delas deviam
conter ingredientes afrodisíacos, porque Basen, que era particularmente sensível
a essas coisas, não tocava sua bebida; ele simplesmente ficava sentado, todo
vermelho. Ele era conveniente, de certa forma, como uma espécie de teste de
litmus.

Embora Basen fosse irmão de leite de Jinshi e um velho amigo, ainda havia
algumas críticas que Jinshi poderia fazer a ele. Outro dia—durante o incidente que
havia convidado um terrível mal-entendido por parte de Ah-Duo—Jinshi havia
pensado que talvez Basen finalmente tivesse crescido um pouco, mas parecia que
ele estava enganado. O jovem ainda era um tardio quando se tratava de mulheres
da sua idade. Só com Maomao ele parecia completamente à vontade, e de certa
forma, isso talvez fosse apenas um sinal de que ele não conseguia se imaginar
magoando-a.
---

Jinshi sentia que, apesar de sua resistência a venenos, ela ainda era uma garota
pequena e delicada que parecia tão frágil quanto qualquer outra jovem—mas,
estranhamente, ele não conseguia imaginá-la se quebrando assim. Talvez porque
ele a tinha visto rir descontroladamente enquanto tomava veneno, ou voltar de um
sequestro parecendo tão calma como se tivesse saído para fazer recados, e assim
por diante.
Simples o suficiente: Basen não via a garota da farmácia como uma mulher. Mas
Jinshi estava confuso. Na idade de Basen, seu pai Gaoshun já tinha três filhos.
Pensar que um homem tão claramente, hum, ativo entre as mulheres deveria ter
um filho assim... E a irmã mais velha e o irmão mais velho de Basen já eram
casados.

Jinshi esvaziou seu copo e olhou para Basen. “Você não está sendo pressionado
para se casar?”

Basen franziu a testa, pego de surpresa pela pergunta de Jinshi. Era evidente. A
mãe de Basen tinha sido a ama de leite de Jinshi, então ele conhecia bem o tipo de
pessoa que ela era—uma mulher tão enérgica que Gaoshun às vezes descrevia a
própria esposa como uma mulher assustadora.

Basen empalideceu e começou a suar profusamente, até tremendo. Jinshi parecia


ter provocado algumas lembranças ruins.

“Eu tenho sido, b-bem, incentivado a ir a alguns encontros arranjados.”

“Com jovens respeitáveis, tenho certeza,” disse Jinshi. Sua expressão não mudou,
mas internamente ele sorria. As perguntas tinham vindo todas para o seu lado
ultimamente; era divertido estar do outro lado pela primeira vez. “Pelo menos lhe
mostraram retratos delas?”

“Sim... Eu estava disposto a olhar, se nada mais,” disse Basen.

Talvez isso fosse sábio. Uma imagem poderia facilmente "melhorar" a realidade.
Muito bem se poderia ser convencido a ir a um encontro sob falsos pretextos,
após o qual o outro lado poderia tentar afirmar que Basen estava comprometido. E
Basen, sendo quem era, era tão teimoso que, uma vez que um "relacionamento"
assim fosse estabelecido, provavelmente se sentiria responsável pela mulher pelo
resto de sua vida.

A testa de Basen se franziu e ele parecia conflituoso. Ele abaixou os olhos e olhou
para sua mão direita enfaixada. Depois de um longo momento, ele disse: “Ainda
sou tão inexperiente. Acho que pode ser um pouco... cedo para eu estar pensando
em mulheres.”

Foi uma declaração realmente patética, mas enquanto Jinshi observava Basen,
ele se arrependeu de ter provocado seu amigo. “Isso ainda está te incomodando?”
perguntou.

---

---

Basen não disse nada.

Jinshi sabia: o desconforto de Basen com mulheres tinha algo a ver com sua mãe e
sua irmã mais velha. E, de certa forma, também com Jinshi.

Como a mãe de Basen passava todo o seu tempo cuidando de Jinshi, Basen era
cuidado por sua irmã, dois anos mais velha que ele, e por uma empregada.
Praticamente é um trabalho de criança implorar e satisfazer seus próprios
desejos, mas as coisas eram um pouco diferentes com Basen.
Às vezes, um guerreiro em batalha transcendia o mero treinamento: em um
momento de crise, os movimentos do inimigo poderiam parecer lentos ou ele
poderia parecer imune à dor. Normalmente, esses poderes eram ganhos com
intermináveis aperfeiçoamentos como guerreiro, mas Basen parecia ter nascido
com eles. Era apenas coincidência, ou isso resultava de ser filho de uma família
com uma tradição militar que remontava a séculos? Qualquer que fosse o caso,
as habilidades de Basen só podiam ser chamadas de instintivas.
Uma vez, quando Basen estava decidido a ver sua mãe, essas habilidades foram
usadas contra sua irmã e a empregada. Geralmente, elas conseguiam acalmá-lo
de seus acessos de raiva, mas não daquela vez. Com sua mão de criança,
pequena e vermelha como uma folha de bordo, Basen agarrou o braço da irmã—e
o quebrou.
Ele tinha apenas seis anos na época, e quebrou um dos próprios dedos no ato.
Ele era tão forte que o impacto de sua própria ação foi poderoso o suficiente para
causar isso.
Por causa desse incidente, Basen começou a viver separado de sua irmã e irmão
mais velhos. Jinshi o conheceu pouco depois disso e, inicialmente, o considerava
uma pessoa bastante fria e distante—mas, é claro que ele era; Jinshi praticamente
roubara sua mãe dele. Que eles fossem instruídos juntos em esgrima era
parcialmente para fomentar a proximidade entre eles e parcialmente um ato de
misericórdia para com Basen.
Jinshi ouviu essa história pela primeira vez quando tinha mais de dez anos,
depois que Gaoshun o viu provocando Basen por tentar manter distância das
damas de companhia.

“As mulheres são criaturas tão frágeis,” disse Basen. “Acho que é cedo demais
para mim.”

O que Jinshi poderia dizer a isso? Não havia nada. Em vez disso, ele estendeu seu
copo, pedindo mais suco em silêncio.

---

Capítulo 6: O Clã La (Parte Um)

Temos certeza sobre isso? Maomao pensou enquanto tomava um gole de chá. A
familiaridade podia ser uma coisa perigosa—ela embotava o seu senso de perigo.

"Suponho que isso conta como uma recepção calorosa," disse Lahan, também
tomando um gole de chá.

Um homem de rosto impassível estava sentado do outro lado da mesa, com os


braços cruzados.

"Agora, meu caro irmão..." disse Lahan. Se ele estivesse falando a verdade, o
homem à sua frente era seu irmão mais velho. Ele tinha uma estatura mediana,
não muito alto, suas feições eram mais ou menos indistintas, e parecia que isso
era tudo sobre ele. Pensando bem, Lahan havia dito que o excêntrico estrategista
o havia adotado, mas nunca disse que não tinha outros irmãos. Maomao
simplesmente havia presumido isso.

Lahan os tinha levado a uma propriedade não muito longe do desembarque do


barco—perto o suficiente para ir a pé. Rikuson havia desembarcado com eles,
mas Lahan lhe disse algo como "Não tenho tanta certeza sobre trazer estranhos,"
e ele agora estava em uma hospedaria perto do desembarque. Maomao pensou
que ele poderia muito bem ter continuado para casa com Ah-Duo e a Consorte
Lishu, mas aparentemente isso não estava nos planos.

Quanto ao sempre alegre Kokuyou, ele disse que iria encontrar uma carruagem
para levá-lo até a capital. Se o destino assim decretasse, eles se encontrariam
novamente.

A casa para onde estavam indo não ficava em uma cidade; estava localizada em
um lugar isolado. Era uma casa razoavelmente suntuosa, mas estava
simplesmente lá no campo. Talvez algum alto funcionário da capital tivesse sido
exilado para cá; isso seria humilhante para alguém assim.

Será que realmente está certo simplesmente aparecer em um lugar como este?

Maomao podia ver o que pareciam ser campos de cultivo ao redor. Pequenas
casas pontilhavam a paisagem à distância, mas estavam muito afastadas umas
das outras para constituir uma vila. A cultura que crescia nos campos era algo que
Maomao não via com frequência. Parecia semelhante ao corriola, mas o corriola
era considerado, bem, uma erva daninha, porque raramente produzia frutos. Mas
isso, seja lá o que fosse, havia sido plantado em uma grande área.
Semelhante ao corriola, mas o corriola era considerado, bem, uma erva
daninha, porque raramente produzia frutos. Mas isso, seja lá o que fosse, havia
sido plantado em uma grande área.

Queria saber o que poderia ser.

Enquanto estavam a caminho da casa, eles passaram por esse homem na


estrada. Ele lhes deu um olhar aflito e os arrastou para um galpão próximo, onde
estavam agora. Quanto ao chá, a chaleira estava ali mesmo, e eles simplesmente
a pegaram emprestada. Não tinha cheiro estranho, então provavelmente era
seguro. O chá tinha um sabor incomum, porém, provavelmente algo torrado. O
lugar parecia ser uma pequena oficina para o trabalho de campo; os implementos
agrícolas cuidadosamente arrumados mostravam a meticulosidade do
proprietário.

"Por que vocês estão aqui?!" exigiu o homem.

"Por quê? O que, seu irmãozinho não pode fazer uma visita?" (A suspeita de
Maomao era de que eles estavam realmente ali porque Lahan tinha cheirado
dinheiro.) "O pai está por perto? Eu gostaria de falar com ele."

"Pai! Você quer dizer o 'pai' de olhos de raposa?"

"Não, quero dizer pai. Meu honrado pai adotivo está na capital, para sua
informação."

O irmão de Lahan ficou em silêncio — até que ele bateu na porta com força. "Saia
daqui e vá para casa! Agora, antes que te encontrem!"

"Você é terrível. Já faz séculos desde que você viu seu irmãozinho."

"Você não é mais filho do meu pai."

A conversa parecia vagamente absurda. Maomao abriu a tampa da chaleira e


olhou lá dentro para encontrar não folhas de chá, mas cevada torrada. Sim, ela
pensou, impressionada; essa era uma maneira de usar.

Então, Lahan tomava sua bebida despreocupadamente enquanto seu irmão se


enfurecia e ordenava que ele fosse para casa. Enquanto isso, Maomao
inspecionava uma videira que estava num canto do pequeno prédio. Parecia ser a
mesma coisa que estava plantada nos campos do lado de fora. A videira havia
sido cortada e colocada em um balde. Um olhar atento revelava o que pareciam
ser raízes — então eles estavam planejando replantá-la?
As folhas realmente se pareciam com corriola, mas aparentemente era algo
diferente. Maomao começou a examinar as prateleiras. Algo nos campos chamava
sua atenção e não a deixava em paz. Nas prateleiras, ela encontrou apenas baldes
e panos, então olhou para fora pela janela. Embora o pequeno galpão projetasse
uma sombra naquela direção, ela viu vasos com cipós de ipoméia jovens.

Mas não é uma ipoméia também.

Havia muitas ipoméias atrás do galpão. Seriam puramente ornamentais? Ou talvez


a família fizesse remédios com elas? As sementes de ipoméia eram conhecidas
como qianniuzi e eram usadas como laxante e diurético. Podiam ser bastante
tóxicas, no entanto, e tinham que ser manipuladas com cuidado.

Quando o irmão de Lahan viu Maomao olhando pela janela, ele a fechou com
força. "O que você está fazendo?!"

"Nada. Apenas curiosa sobre as ipoméias."

"Quem diabos é você, afinal?"

Um pouco tarde para essa pergunta.

"Ela é minha irmã mais nova, querido irmão."

"Sou uma completa estranha, senhor."

"Como assim?!" O irmão de Lahan cerrou os punhos.

Maomao e Lahan se olharam e então Maomao disse: "Ele certamente é fácil de


irritar."
"Verdade? Não fazem muitos como ele — ele realmente responde quando você
quer."

"Pare com isso! Eu também não entendo uma palavra do que vocês estão
dizendo!" O irmão de Lahan bateu os pés. Era realmente divertido provocá-lo.

Lahan serviu mais chá da chaleira e ofereceu ao outro homem, que o tomou num
único gole, então jogou a xícara longe — a bebida deve ter estado realmente
quente. Maomao foi e recuperou o copo de madeira.

"Reação excelente. Inspiradoramente no livro," ela disse.

"Verdade? Você pensaria que os gostos dele estariam por toda parte, mas eles são
surpreendentemente raros, esse tipo."

"Maldição, eu não entendo uma palavra!" exclamou o irmão, com a língua para
fora.

Ok, chega de diversão à custa do Irmão. Hora de voltar ao assunto.

"Parece que você está determinado a nos expulsar. Posso perguntar por quê?"
Maomao disse. "Quero dizer, eu entendo como você pode desprezar esse homem
por trair sua verdadeira família e se juntar a esse terrível estrategista raposo."

"Você está totalmente enganada, Irmãzinha."

"Ela está praticamente certa, mas esse não é o ponto."

"Praticamente certa, irmão?!" Lahan disse, genuinamente angustiado.

Ele realmente não havia percebido?


Seu irmão o ignorou, olhando para Maomao em vez disso. "Ele te chama de
irmãzinha. Você é a garota de Lakan, então?"

Maomao respondeu com um olhar verdadeiramente severo. O irmão estremeceu e


recuou.

"Maomao, não olhe para o meu querido irmão desse jeito; você vai dar um ataque
cardíaco nele. Eu disse, não olhe!" Lahan soava como se estivesse falando com
uma criança, o que só a irritava mais. Ela desviou o olhar de ambos e tomou outro
gole de chá.

O irmão de Lahan se sentou, o rosto abatido, e deu algumas respiradas profundas


para se acalmar. Ele abriu a boca, mas Maomao o encarou. Ele levou uma mão à
testa e escolheu cuidadosamente suas palavras. "Olha, não importa realmente
quem vocês são — vocês deveriam sair daqui, o mais rápido possível. E se você for
quem Lahan diz que é, mais ainda."

"Pelo tom, entendo que isso não é pouca coisa," disse Lahan.

"Se você entende isso, então pare de discutir e vá embora."

Ser tratada assim, no entanto, só poderia aguçar a curiosidade de uma pessoa. Os


óculos de Lahan brilharam. "Irmão, o que aconteceu?"

"É mais seguro se você não perguntar."

"Só queremos saber o que está acontecendo. Depois disso, seremos bonzinhos e
iremos para casa."

"Se eu te contar, não haverá escapatória."

"Irmão," pensou Maomao, "falar desse jeito vai ter exatamente o oposto do efeito
que você quer."
Conforme a conversa continuava, Lahan continuava tentando arrancar a
informação que queria. Eventualmente, Maomao suspeitava, ele conseguiria a
verdade. Exceto que o enredo torceu primeiro.

A porta se abriu com um estrondo, revelando um homem idoso com uma bengala,
uma mulher de meia-idade e vários o que pareciam ser serviçais.

"Achei que ouvi uma confusão aqui fora," disse a mulher, estreitando os olhos para
Maomao e Lahan. O irmão de Lahan ficou pálido. "Já faz um bom tempo, Lahan.
Três anos, se a minha memória não me falha?"

"De fato, faz muito tempo." Lahan deu um passo à frente e fez uma reverência
profunda. "Mãe. Avô."

Mãe... Avô... pensou Maomao. Em outras palavras, essa era a família que havia
sido expulsa da capital. O velho era a imagem da teimosia da idade, enrugado ao
redor dos olhos, seu rosto sério, sua barba muito longa.
Quanto à mulher, ela tinha um rosto adorável, mas seus olhos estreitos faziam
Maomao pensar em um predador. Ela parecia com a mulher do clã Shi—mãe de
Loulan. Em resumo, era intimidante. Sua roupa era um pouco, digamos,
chamativa, e ela usava uma pulseira branca no pulso—talvez ainda não estivesse
totalmente atualizada com as tendências da moda.

"Vejo que trouxe uma pequena maltrapilha com você. Quem é essa, sua
empregada?", disse a mulher. Parecia ser praticamente obrigatório para novos
conhecidos ridicularizarem Maomao, e ela já estava acostumada com isso. Ela
ficou quieta e manteve os olhos no chão.

"Oh, céus, Mãe. Esta é minha irmãzinha."

"Laha—?!" Irmão Mais Velho começou a gritar, mas tapou a boca com as mãos.

"Irmãzinha... filha de Lakan, não é?", interveio o velho. Maomao continuou


olhando para o chão, mas seu rosto se contorceu em um franzir de sobrancelhas.
Havia uma pessoa ali que parecia pelo menos tão ofendida com o nome quanto
Maomao, e era a mãe de Lahan. Maomao até podia ouvi-la ranger os dentes.

"Sim... Sim, é isso mesmo", voluntariou Lahan. Até mesmo seu irmão o encarava
com um olhar fulminante. Então era por isso que ele estava tão determinado a tirar
Lahan e Maomao de lá sem serem descobertos. Ele não queria que sua mãe ou
avô os encontrassem. Nisso, Maomao concordava com ele: parecia que a vida
teria sido mais fácil se nunca tivessem conhecido essas pessoas.

O velho fez um som abafado; isso confundiu Maomao por um segundo antes que
ela percebesse que parecia ser risada.

"Ha ha ha ha. Como vocês ficaram sabendo disso?"

Lahan parecia perplexo. "Como nós...?"

Sobre o que ele está falando? Maomao se perguntou, usando uma expressão de
confusão semelhante à de Lahan. Os outros não pareciam notar, talvez porque ela
e Lahan tivessem expressões faciais relativamente mínimas.

Despreocupado, o velho continuou: "Se vocês estão aqui por causa de Lakan,
esqueçam. Ele é um vazio de homem. Nem resistiu quando o colocamos em
confinamento. Ele só fica murmurando consigo mesmo. Francamente, é
perturbador."

"Espera... Confinamento?" Maomao e Lahan se olharam.

O irmão de Lahan levou uma mão à testa e soltou um longo suspiro.

"Avô, o que diabos o senhor está falando?" Lahan perguntou.


"Oh, não finja que não sabe. Seu pai adotivo pode ser um excêntrico, mas até você
começaria a suspeitar de algo quando ele não voltasse por dez dias inteiros. É por
isso que vocês estão aqui, não é?"

Maomao não entendia exatamente o que estava acontecendo, mas entendia que
parecia uma dor de cabeça. E se esse velho, avô de Lahan, fosse acreditado,
aquele estranho estava em confinamento em algum lugar. Não que ela pudesse
acreditar.

"Erm, dez dias inteiros não significam muito para nós, Avô. Maomao e eu estamos
afastados da capital há mais de um mês agora," disse Lahan, coçando a nuca.

O velho virou lentamente para olhar Maomao. "Você está brincando."

Maomao tirou uma caixa pequena da bagagem, que ela abriu para revelar um vaso
com uma planta muito incomum dentro. Era o pequeno cacto que ela tinha
recebido. "Você não vai encontrar esses por aqui, pelo menos ainda não", ela
disse. Eles também tinham geleia de groselha e algumas outras coisas, mas ela
imaginou que um pedaço informe de comida não seria tão comunicativo.
"Também temos peles e sedas", ela acrescentou.

A mãe e o avô de Lahan olharam para a planta, algo que nunca tinham visto antes.
Sim, era algo que convincentemente dizia "lembrança do oeste".

"Você está brincando", repetiu o Avô.

"Por que mentiríamos para você?", disse Lahan. "Trouxemos charutos também.
Querem alguns?" Ele também abriu algumas das bagagens. As folhas de tabaco
eram geralmente importadas e eram um item de luxo na capital, mas no oeste,
elas podiam ser obtidas baratas.

Mãe e Avô se olharam em silêncio. Por fim, o Avô ergueu uma das mãos.

"Traga-os."
Os serviçais que estavam atrás dele avançaram para Maomao e Lahan. Eles foram
capturados em breve, ainda um pouco atordoados.

"Como isso pôde ter acontecido? Como eles puderam me trancar? Eu! Eu pensei
que eu era família." "Acho que você quer dizer traidor."

"Que rude!" disse Lahan e sentou-se em uma cadeira. Eles estavam realmente
trancados, mas em um quarto bastante comum. Os móveis eram antigos, mas
robustos, e o lugar estava respeitavelmente limpo. Maomao sabia, porque passou
um dedo pelas prateleiras e parapeitos das janelas procurando poeira como uma
sogra cruel, mas não encontrou nada.

"Ainda assim..." Maomao disse. Havia muitos mistérios aqui. Se o avô de Lahan
fosse acreditado, aquele estranho estava em algum lugar desta mansão, também
sob chave. Ele poderia ser negligente até demais, mas Maomao não estava certa
se ele teria se deixado ser capturado tão facilmente.

"Você acha que aquele velho está dizendo a verdade?" Maomao perguntou.

Lahan coçou os cabelos bagunçados. "Não podemos ter certeza de que não está."

"E o velho?"

"Maomao... Há algo que não te contei", Lahan disse abruptamente. "A cortesã que
ele comprou da Casa Verde no ano passado—ela não estava em boa saúde."

"Imagino."

A mulher já parecia prestes a morrer a qualquer momento. E quem deveria


comprar essa cortesã quase expirando senão o estrategista excêntrico?

"Foi por isso que meu honrado pai adotivo não veio nesta viagem."
Será que foi por isso que Rikuson tinha sido tão insistente para que Maomao fosse
até a casa do estrategista? Maomao apoiou-se no parapeito da janela. A janela
tinha barras de madeira e não parecia oferecer muita chance de fuga. Atrás das
barras, ela podia ver os agricultores trabalhando nos campos. O que diabos eles
estavam cultivando lá fora?

"O pai raramente considerava as pessoas como, bem, pessoas. Mas depois que
ele acolheu aquela cortesã em sua casa, ele mudou dramaticamente. Era
constrangedor de ver, francamente."

"Ah, sim?"

"Eles jogavam Go e Shogi todos os dias. Go com mais frequência, suponho. O que
era ruim quando ele tinha que sair para trabalhar. Ele levava um diagrama do
tabuleiro com ele, e depois de fazer uma jogada, um mensageiro era enviado de
volta para a casa para colocar a pedra no tabuleiro, depois registrar a jogada de
resposta e voltar à corte. Repetidas vezes."

Sim, Maomao viu, isso seria realmente irritante. Ela sentiu pena do mensageiro.

"O mensageiro estava sempre muito ocupado—até o início do ano novo. Depois
disso, ele se viu com mais e mais tempo livre."

"Não importa o que você esteja insinuando, isso não tem nada a ver comigo." Ela
não acreditava que o estrategista excêntrico simplesmente se deixaria ser
capturado, levado embora de uma cortesã por quem ele sentia tão fortemente. Em
outras palavras, simplesmente tinha chegado a hora dela. Ela provavelmente
durou mais do que teria durado se tivesse sido deixada para viver seus dias no
distrito de prazer. Talvez fosse esse pensamento que permitia a Maomao parecer
tão calma. Para os outros, ela poderia até parecer fria — mas quando você está
envolvido em medicina, acaba se confrontando com pessoas morrendo
regularmente. Se você passasse todo o seu tempo chorando por isso, nunca
chegaria ao próximo paciente.
Embora haja alguns que derramam lágrimas toda vez, ela pensou. Alguns que,
embora talvez fizessem melhor apenas se acostumando com isso, nunca fizeram.
Alguns que nunca aprenderam simplesmente a aceitar. Alguns como seu pai
adotivo. Ela achava inepto, estúpido; mas era exatamente por isso que ela o
respeitava tanto.

"Não tem nada a ver com você? Não seja tão pessimista. Se aquela cortesã
realmente morreu, não acredito que nem mesmo meu honrado pai adotivo
poderia suportar o choque."

"E você acha que eles aproveitaram essa oportunidade para trazê-lo para cá?"

Era uma ideia ridícula. Apesar de tudo, o velho excêntrico era um alto funcionário.
Se ele desaparecesse por dez dias inteiros, poderia-se esperar consternação de
muito mais pessoas do que apenas seu filho adotivo.

Quando Maomao expressou essa objeção, no entanto, Lahan respondeu: "Quando


ele comprou sua cortesã, acabou ficando duas semanas sem trabalhar. E quando
voltou, ainda havia pouco trabalho esperando por ele."

Ele precisa ganhar a vida!

Ou todos os outros precisavam admitir que na verdade não precisavam dele


afinal.

"O ponto é o seguinte: contanto que todos os outros estejam fazendo seus
trabalhos, então, salvo uma crise total, eles provavelmente poderiam continuar
funcionando por bons seis meses antes que alguém percebesse que ele havia ido
embora."

Sinceramente. Por que o Imperador simplesmente não o demite?

Maomao começou a se preocupar que talvez o estrategista tivesse alguma


alavanca sobre o governante. Ou talvez fosse simplesmente porque o excêntrico
era tão bom em escolher subordinados talentosos.
"Parece um pouco meia-boca para mim. Será que os cortesãos são apenas um
bando mais preguiçoso e desleixado do que eu pensava?"

"Tudo o que posso dizer sobre isso é... bem, ele é meu pai."

Maomao suspirou.

"Se eu tivesse que adivinhar, eu diria que o Vovô e os outros trancaram o Pai com a
esperança de causar a aparência de vacância da liderança da família e assim
conseguir que ela fosse dada a eles," disse Lahan.

"Política familiar realmente não é minha praia. Como eles decidem quem será o
chefe do clã?"

Ela ouvira dizer que o velho maluco havia roubado a liderança da família do avô de
Lahan, mas ela não entendia os detalhes. Talvez houvesse algum tipo de papelada
envolvida, algo que mostrasse quem possuía o quê.

"Tipicamente, entre os clãs nomeados, há um objeto que é passado junto com o


nome. Quem o possui é o chefe do clã, e eles o levam consigo quando se
apresentam no palácio. Obviamente, é claro, eles não estão no palácio todos os
dias, apenas em ocasiões especiais. Geralmente, a relíquia seria mantida em
algum lugar seguro. Quando o chefe da família muda, o antigo chefe acompanha o
novo quando eles cumprimentam formalmente o Imperador. Sei que dizem que o
Pai 'roubou' a liderança da família, mas na realidade esse procedimento ainda foi
observado."

"Como ele conseguiu isso?"

Julgando pelo que ela tinha visto do avô de Lahan, ele não parecia ser o tipo que
abandonaria seu cargo silenciosamente. Será que ele realmente teria apenas
educadamente ido com... bem, você-sabe-quem para ver o Imperador?
"Foi bem simples: o Vovô foi forçado a sair. Ele nunca foi bom com números
bonitos, entende?"

"Deixe-me adivinhar - você encontrou a prova." Ela se perguntou se seria


inapropriado perguntar em voz alta quantos anos ele tinha na época.

"O que o Vovô estava fazendo era... bem, nada mais do que mesquinho, então ele
mesmo seria o único punido. O Vovô disse que a revelação mancharia o nome da
família, mas o Pai mal se importava com essas coisas."

Então "Vovô" seria arrastado de sua altura, e ele poderia escolher entre fazê-lo
como criminoso, ou entregar a liderança - e era ninguém menos que seu neto
quem o ajudara a colocá-lo nessa posição. Números bonitos, de fato. Lahan
provavelmente tinha aproveitado ajudando o velho maluco, fazendo toda essa
pesquisa.

"De repente entendo por que não te tratam como família por aqui."

"Desculpe? Que mudança de assunto estranha..."

E o próprio homem nem percebeu! Sim, ele era mesmo o sobrinho daquele
maluco.

"Ok, mas eles passaram todo esse tempo vivendo tranquilamente aqui no interior,
certo? Por que decidiriam agir agora?"

"Consigo pensar em algumas razões." Lahan começou a contar nos dedos. "Um:
documentos públicos neste país são descartados após dez anos. Ou eu diria que
eles se desgastam; qualquer coisa que não seja extremamente importante
simplesmente não é preservada com cuidado. A prova que encontrei do troco que
meu avô roubou só teria algum significado se pudessem compará-la a esses
papéis." Ele levantou outro dedo. "Dois: eles podem ter encontrado algum tipo de
alavanca sobre ele, algo com que pudessem ameaçá-lo e se proteger, se
necessário. Embora estivessem arriscando a ira dele, é claro."
Ele se virou para Maomao, e ela recuou dele inquieta. Claro, no momento, a ira
não viria por causa de Maomao, mas da cortesã. "Você acha que eles poderiam
obter informações assim aqui fora?" ela perguntou.

"Bem, espere. Deixe-me terminar," disse Lahan, e levantou um terceiro dedo.


"Três: alguém lhes deu essa informação."

Ah! A situação de repente começou a soar familiar. "Você acha que é isso que está
acontecendo aqui também?"

Aqui também: tanto os bandidos que haviam atacado a Consorte Lishu quanto a
história sobre a vidente na capital ocidental a fizeram pensar na imortal "branca".
O modus operandi era semelhante em ambos os casos.

"Estou apenas levantando uma possibilidade. Mas uma que não pode ser
descartada."

Sim, ele estava certo. Eles não poderiam ter certeza de nada, mas deveriam
trabalhar com a suposição de que era possível. Isso, no entanto, deixou Maomao
com uma pergunta. "Se todos esses incidentes estiverem relacionados, então
uma coisa me incomoda."

"O quê?"

Ela não conseguia se livrar da sensação de que a sombra da Senhora Branca


pairava sobre a sucessão de eventos misteriosos ultimamente, e várias coisas
sobre este cheiravam ao mesmo perpetrador. Mas ela se perguntava: "Tivemos
casos tanto no leste quanto no oeste que poderiam parecer envolver a imortal.
Você acha que ela está realmente conectada a todos eles de alguma forma?" Ela
teria que ser extremamente ágil. "Mesmo que suponhamos que não seja a própria
Senhora, mas seus agentes, realizando o trabalho, a informação pareceria viajar
rápido demais."

"Verdade..."
A vidente na capital ocidental poderia ter agido muito parecida com a Senhora
Branca, mas como ela teria ouvido falar da meia-irmã da Consorte Lishu, que
estava longe no leste? Se estivessem compartilhando informações, como
estariam fazendo isso? A pergunta permanecia sem resposta.

"E se a Senhora Branca tivesse um cúmplice na capital?" perguntou Lahan. Então


ela seria capaz de descobrir quem estaria viajando para o oeste.

"Como explicamos a própria existência da vidente, então? Ela já estava lá há pelo


menos dez dias."

"É exatamente isso. Parece impossível," gemeu Lahan.

"Ainda..." murmurou Maomao, olhando pela janela.

"Ainda o quê?" perguntou Lahan.

"Não consigo deixar de me perguntar se vão nos alimentar," ela disse, olhando
para os campos. Os agricultores ainda estavam trabalhando diligentemente.

Os temores de Maomao se mostraram infundados. Eles foram servidos uma


refeição, e não estava ruim. Ingredientes decentes - carne e peixe. O peixe estava
um pouco salgado. Quanto mais para o interior se ia, mais frequentemente se
encontrava frutos do mar salgados. O peixe na capital era retirado fresco do mar e
levado rapidamente aos restaurantes por cavalos ágeis, então nunca se via frutos
do mar em conserva lá.

O que se mostrou surpreendentemente saboroso foram os pãezinhos de gergelim.


Eles estavam recheados, não com pasta de gergelim, mas com castanhas ou
feijões vermelhos triturados ou algo assim. O recheio era espesso e doce; talvez
tivessem usado mel ou xarope para dar essa consistência.

Não, espera. Isso é... batata-doce? ela se perguntou, mastigando a comida


pensativamente. Isso faria sentido.
Mesmo Maomao, que não era fã de doces, comeu dois dos pãezinhos; Lahan
devorou nada menos que cinco deles.

"Olha só você. Estou quase impressionada," disse Maomao.

"Para sua informação, usar o cérebro faz com que se deseje comida doce,"
respondeu Lahan, então enfiou outro pãozinho na boca.

"Me pergunto se a família aqui tem um dente doce," disse Maomao.

Batatas-doces eram um item alimentar incomum. Tendo vivido tanto na Casa


Verdigris quanto no palácio traseiro, Maomao já as tinha encontrado antes, mas
não estavam prontamente disponíveis no mercado. Os demais ingredientes
envolvidos na refeição eram comuns - talvez as pessoas aqui tivessem suas
preferências quanto ao recheio.

"Não exatamente. Pelo menos, não me lembro deles serem assim. Quero dizer,
também não é como se eles odiassem doces."

"Hmm." Maomao deu um gole no chá pós-refeição. Dessa vez, não tinha gosto de
cevada torrada, mas de folhas de chá reais. Então, agarrando um pensamento
passageiro, ela disse: "Acho que ainda não vimos seu pai. O que está acontecendo
com ele?"

"Sim, o que ele está fazendo? Também queria vê-lo," disse Lahan, lambendo a
gordura dos dedos enquanto falava. Isso lembrou Maomao do estrategista de
olhos de raposa e lhe rendeu um olhar de reprovação. "Você acha que seu pai está
envolvido nisso tudo?" ela perguntou.

"Hmm. Duvido. Meu pai adotivo apenas pediu que o assento do chefe do clã fosse
deixado vago. Rumores têm um jeito de se espalhar, porém, e meu avô era um
homem orgulhoso. Ele descobriu que não conseguia mais ficar na capital. Meu
pai, ele poderia ter ficado lá se quisesse. Ele apenas escolheu não ficar."
"Um fato que sua mãe parece claramente descontente."

Lahan sorriu sarcasticamente. "Sim, foi o avô quem escolheu a mãe. Ela e meu pai
adotivo se dão como água e óleo."

Seria mais surpreendente se tivessem sido amigos, realmente; Maomao imaginou


a mulher austera e sentiu uma pontada de simpatia.

"Eu me pergunto sobre a sabedoria de nos colocarem na mesma sala. Espero que
pelo menos nos deem lugares separados para dormir," disse Maomao.

"Se nos fizerem dormir na mesma sala, quem se importa? Não é como se algo
fosse acontecer."

"Você está certo."

Isso era tudo o que havia para dizer sobre isso; ambos se olharam como se não
pudessem acreditar que estavam tendo essa conversa.

"Falando nisso, você e o irmão mais novo do Imperador—"

"Acho que vou dormir um pouco," disse Maomao, se jogando na cama ao lado.

"Ei! Onde vou dormir?"

"Tem um sofá bem ali."

"Você deveria ter mais respeito pelos seus mais velhos!"

“Eu pensei que os mais velhos deveriam mimar as crianças.”


Lahan evidentemente tinha algum problema com essa situação, mas Maomao
não deixou que isso a incomodasse. Em vez disso, deitou-se na cama, tentando
organizar os fatos na cabeça.

Lahan e o estrategista excêntrico pareciam estar dando ao antigo chefe do clã e


sua família dinheiro suficiente para viver — afinal, eles tinham recursos para
contratar criados, embora talvez não para atualizar os móveis com o que havia de
mais luxuoso ou comer comidas requintadas em todas as refeições. Parecia um
arranjo bastante razoável para Maomao, mas alguém que já tinha vivido em meio
ao luxo na capital poderia achar isso profundamente degradante. A humilhação
tinha se agravado ao longo de muitos anos e agora estava prestes a explodir —
mas quem tinha acendido o pavio?

Maomao lembrou-se da pulseira branca que a mãe de Lahan estava usando. Ela
não tinha conseguido olhar muito bem para ela, mas a pulseira lhe lembrava uma
corda branca, como uma cobra torcida. Esperava que não fosse apenas um mal-
entendido — mas isso trouxe de volta algumas más lembranças.

Essa "imortal" é realmente tenaz, pensou Maomao. Ela era como um fantasma;
seus rastros pareciam estar em todos os lugares. Era quase o suficiente para
convencer Maomao de que ela realmente tinha a habilidade sobrenatural de estar
em muitos lugares ao mesmo tempo.

Maomao adormeceu desejando que alguém pegasse aquela mulher logo.

A próxima coisa que ela sabia era que já era de noite. Ela saiu do quarto bocejando
e descobriu que não apenas Lahan estava lá, mas também seu avô desagradável.
Se fosse apenas o velhote, ela poderia ter dado uma trombada nele e tentado
escapar, mas podia ver um criado atrás dele.

O rosto do velho se contorceu ao ver Maomao. Talvez ela ainda estivesse com o
cabelo bagunçado? Ou remelas nos olhos? Talvez o travesseiro tivesse deixado
uma marca em sua bochecha e ele não gostasse disso.

“Estamos indo,” disse o avô, e saiu da sala antes que Maomao pudesse objetar.
Ela e Lahan trocaram olhares, mas como a alternativa a ir provavelmente seria
apenas ser trancada de novo, eles foram.
“Parece que você é mesmo filha de Lakan,” comentou o avô, mas Maomao não
disse nada; não havia razão para responder a isso. Isso revelava, no entanto, que a
família tinha investigado o assunto enquanto ela dormia. Ela se perguntou como
eles tinham conseguido isso, já que ela calculava que não tinha dormido mais de
quatro horas.
“O homem é um completo idiota”, continuou o avô. “Não importa o que façamos
ou digamos, ele só resmunga para si mesmo. Nem tenta falar conosco. Mas o seu
nome... O seu nome, pelo menos, ele lembra.”

Maomao parou no meio do caminho. Essa conversa sugeria algo sobre quem
estaria no destino deles, e ela não gostou disso.

“Eu sei que você não é fã dele, mas é melhor irmos. Discutir não vai nos levar a
lugar nenhum agora”, disse Lahan, e infelizmente, ele estava certo. Maomao
começou a andar de novo.

Eles estavam indo em direção a um prédio na extremidade da propriedade, com


grandes janelas redondas com grades. Era possível ver o interior — o que
significava que se podia ver o homem sujo e de meia-idade no chão.

O homem estava deitado de costas, o queixo coberto de barba desgrenhada. O


cabelo na cabeça estava solto atrás dele, como se ele o tivesse afastado com
irritação. Uma tigela suja estava no chão ao lado dele. Grãos de arroz estavam
grudados em suas roupas e dedos, como se ele tivesse comido com as mãos em
vez de usar hashis.

“Pai!” Lahan gritou, correndo até as grades. A visão do homem, obviamente fora
de si, deve ter despertado algo nele.

Havia realmente algo errado com ele. Sua boca continuava se movendo, formando
palavras silenciosas — ele parecia um viciado passando por abstinência de algum
tipo. Lahan aparentemente teve o mesmo pensamento, pois se virou para o idoso.
“Vovô, eu sei que você disse que o pai não te ouviria, mas você não deu ópio ou
algo assim para ele, deu?!”
“Hmph, não posso falar sobre isso. Mas eu quero que ele revele a localização da
relíquia.” O velho olhou para Lahan com superioridade. Depois ele abriu os braços
e disse: “De qualquer forma, eu não o convoquei. Ele me chamou, e eu fui à
capital por ele. Ele estava assim quando eu o encontrei.”

Maomao realmente concordava com ele — isso definitivamente não parecia ser
envenenamento por ópio.

“Não havia criados ou qualquer outra pessoa na casa. Apenas ele, o velho,
inclinado sobre um tabuleiro de Go e resmungando para si mesmo.”

O avô alegou que havia trazido o estrategista para cá porque não havia mais
ninguém por perto.

Ninguém? Maomao se perguntou. Ela olhou para Lahan: isso não parecia possível.
“Será que ele teve que demitir todos os seus criados ou algo assim porque estava
muito endividado para pagá-los?”

“Não, ele manteve uma ajuda doméstica mínima. Precisava de alguém para
cozinhar, limpar e cuidar do paciente.” Então, no entanto, Lahan acrescentou:
“Ainda assim... Eu imaginei que isso poderia acontecer.”

A que ele estava se referindo? Na verdade, a quem: ele tinha que estar falando da
cortesã que o estrategista acolheu no ano passado. Os criados poderiam ter ido
embora, mas ela ainda estaria lá — e o estrategista de olhos de raposa não teria
simplesmente saído e a deixado em casa. O fato de ele estar aqui, com aquela
expressão de choque, devia significar que a cortesã havia morrido.

Ele parecia como se sua própria alma tivesse fugido do corpo — e ainda assim, o
corpo se movia. Parecia estar enfrentando algo que não podia ser visto. Ele estava
sentado diante de alguém que não estava mais lá.

“Você não pode fazer algo por ele, Maomao?” Lahan perguntou. Por um instante, o
estrategista excêntrico se contorceu, mas então retomou sua incansável ladainha
murmurada. Ele estava em péssimo estado.
“Vocês supostamente são o que ele considera filhos. Não têm ideia de onde as
joias da família podem estar?!” o avô exigiu.

“Receio que o senhor possa gritar o quanto quiser, mas...” Lahan disse,
balançando a cabeça.

Maomao foi mais direta: “Eu não tenho ideia.” Ela também balançou a cabeça.

“Então talvez você se lembre disso!” O velho tirou um maço de papéis das dobras
de suas vestes. Eles estavam cobertos com números de algum tipo. “Lakan tinha
isso com ele. Esse tipo de coisa é sua especialidade, Lahan. Esses números
devem revelar uma localização secreta ou algo assim!”

O velho evidentemente achava que os números eram algum tipo de código. Lahan
pegou o papel e estreitou os olhos para ele. Maomao espiou por cima do ombro
dele.

Eles entenderam o que era imediatamente. O papel tinha dois números lado a
lado, e havia dezenas de páginas.

Eles também sabiam que o maço não continha a resposta que o velho estava
procurando — mas, dadas as circunstâncias, não havia razão para lhe dizer isso
de imediato. Em vez disso, sentiram que precisavam fazer algo a respeito do
homem arrasado. Francamente, Maomao ficaria tão feliz em não ter nada a ver
com ele, mas quanto mais cedo começassem, mais cedo terminariam.
“Você tem um tabuleiro de Go nesta casa?” ela perguntou.

“O que isso tem a ver com alguma coisa?!”

“Você tem um?” ela repetiu, sem mudar o tom. O velho resmungou e chamou um
criado, que trouxe um tabuleiro de Go e as pedras.
Eles entraram no quarto do estrategista. Quando o tabuleiro foi colocado na frente
dele, seus ombros estremeceram. Maomao sentou-se do outro lado do tabuleiro.
Ela pegou as pedras pretas, enquanto Lahan colocou as pedras brancas onde o
estrategista pudesse alcançá-las.

Maomao pegou uma pedra preta e a colocou no tabuleiro, seguindo os números


escritos no papel. Em resposta, o excêntrico pegou uma pedra branca e a colocou
no tabuleiro com um clique.

Ela acreditava que os papéis eram anotações feitas pelo mensageiro enquanto o
estrategista e sua cortesã jogavam Go. Além dos dois números, havia números
sequenciais cuidadosamente inscritos no canto superior direito. Maomao
simplesmente jogava de acordo com os números, e o estrategista respondia.

Maomao não era uma jogadora particularmente boa de Go. Ela sabia que a
abertura do jogo envolvia algo chamado joseki, sequências de movimentos que
eram amplamente definidas. Assim, ela poderia esperar que o estrategista fizesse
os mesmos movimentos que fez no jogo original. Ela continuava virando as
páginas, jogando, e virando as páginas novamente, até ficar com as últimas três
folhas.

Lahan, observando, inclinou a cabeça. “Esse foi um movimento ruim.” Ele se


referia à pedra que Maomao acabara de colocar — mas ela a jogou exatamente de
acordo com o papel.

O estrategista estreitou os olhos por um momento e então, clique, fez outro


movimento.

“Colocar a pedra ali... Teria que ser uma jogada de sacrifício. Mas por quê? Por que
ela faria isso desse jeito?” Lahan murmurou. Maomao não sabia muito sobre Go,
mas Lahan tinha algum conhecimento do jogo. De qualquer forma, ela continuava
jogando conforme o papel indicava.

Quando chegaram ao final do papel, ainda estavam no meio do jogo.


“Não... Você nunca cometeria um erro desses,” o excêntrico de monóculo
murmurou. Havia grãos de arroz presos na sua barba, e Maomao teve que lutar
contra a vontade de dizer para ele lavar o maldito rosto. “Você sabe que eu nunca
deixaria passar... Então, por quê?”

O estrategista não moveu a pedra branca que tinha na mão; ele apenas ficou
olhando para o tabuleiro.

Depois de um momento de silêncio, Maomao resmungou, “Talvez ela estivesse


apenas cansada de jogadas normais?” Ela não sabia muito sobre Go, mas ao
longo dos muitos, muitos anos de sua existência, a sabedoria comum havia se
estabelecido: Com tal e tal situação no tabuleiro, é assim que você deve jogar.
Então o outro jogador responderia de uma maneira específica.

“É verdade, normalmente você faria isso nessa situação. Então a resposta é aqui,
e então a pedra preta se move para cá...” O estrategista continuava murmurando
para si mesmo, inquieto com a pedra branca entre os dedos — mas então pareceu
chegar a algum tipo de conclusão. Clique. A pedra foi para o tabuleiro.

“Mas isso...” Lahan disse, sua expressão escurecendo. Aparentemente, também


não era uma jogada muito boa. Sem o papel para guiá-la, Maomao não sabia mais
onde jogar, então deslizou a tigela de pedras pretas para o estrategista. Ele pegou
uma e a colocou no tabuleiro com um clique.

Lahan, que obviamente sabia mais sobre Go do que Maomao, cruzou os braços e
observou. No início, ele parecia cético, mas um dos movimentos seguintes
pareceu acender algo em sua mente, e seus olhos se arregalaram.

“Ei! Não é hora de ficar jogando!” o avô explodiu. “Apresse-se e—”

“Silêncio,” Lahan disse. “Está ficando interessante.”

Ele observava o tabuleiro com uma expressão estudiosa. Ficando interessante? O


excêntrico estava jogando contra ele mesmo! Por outro lado, em sua própria
mente, parecia que era outra pessoa segurando as pedras pretas. A cor
gradualmente retornava à sua palidez fantasmagórica.
O único som era o clique, clique das pedras no tabuleiro, movimento após
movimento.

Finalmente o excêntrico parou. “Estamos no final do jogo.” Ele abaixou a mão


como se indicasse que tinha terminado de jogar. Então ele estreitou os olhos para
o tabuleiro. “O resultado é bastante óbvio. Incluindo cinco pontos e meio de komi,
o preto vence por um ponto e meio.”

Lahan olhou para o tabuleiro também. “Bem, ele está certo,” ele disse.
Evidentemente, ele era tão rápido em ler o território no Go quanto em qualquer
outro tipo de cálculo.

O estrategista puxou os joelhos para o peito e descansou o queixo neles. Ele rolava
uma pedra de Go entre os dedos, ainda olhando para o tabuleiro. “Eu ficava me
perguntando. Eu continuava me perguntando — como você poderia ir embora
antes de nosso último jogo terminar? Você sempre odiou perder. Eu tinha certeza
de que você não sairia antes do fim.” As palavras pareciam sair de sua boca. “E eu
me perguntava, por que você faria uma jogada como aquela? Tinha que ser um
erro, eu tinha certeza — mesmo sabendo que você nunca cometeria um erro.”
Ele estava falando consigo mesmo; o que ele dizia não era dirigido a nenhum
deles. Ele foi interrompido pelo velho.

“Ei! Lakan! Onde estão as joias da família? Eu quero aquele tesouro, agora!” Ele
empurrou Lahan para o lado e se postou na frente do estrategista excêntrico.

O estrategista olhou para ele com um olhar fulminante por um segundo e


murmurou, “Você é uma pedra de Go bastante barulhenta.” Mas então ele bateu
palmas e disse, “Ah! Pai, é você?”

“Pai, é você? Pfah! Você não se lembra do rosto do seu próprio pai?!”

Não era uma questão de lembrar, porém; o homem simplesmente não conseguia
distinguir um rosto de outro.
“Pai? Ah, sim... Sim, isso me lembra...” Ele parecia completamente fora de si, mas
tirou um pacote embrulhado em pano de dentro de sua roupa. “Receio que esteja
te contando isso de forma, hã, tardia, mas eu me casei.”

Dentro do pacote havia cabelo. Aproximadamente cinco sun de comprimento,


amarrado com um laço de cabelo. Maomao sabia a quem pertencia.

O avô ficou vermelho como um pimentão e desferiu um golpe com a bengala na


têmpora do estrategista.

“Pai!” Lahan gritou, correndo até ele. Maomao pegou um lenço das dobras de sua
própria roupa. A bengala deslizou pela têmpora do estrategista, roçou sua
bochecha e acabou atingindo seu nariz. Ele não levou um golpe direto no rosto,
mas seu nariz ainda estava sangrando.

“Você é sempre assim! Nunca ouve o que eu digo, apenas balbucia sobre coisas
que não fazem sentido! E quando eu acho que você está completamente absorto
em si mesmo... Isso! O que é isso?!” O avô estava apontando para o maço de
papéis. “Você está me zombando de novo?!”

“Eu não estou zombando de você. É por isso que eu te chamei.”

Maomao suspeitava que pelo menos isso fosse verdade. O homem poderia se
fazer de idiota na corte, mas ela tinha a sensação de que ele não fazia o mesmo
com esse velho. O avô de Lahan tinha falado sobre o estrategista tê-lo convocado
— e pensar que essa era a razão.
No entanto, isso era falar do ponto de vista do estrategista. Às vezes, as pessoas
simplesmente não conseguiam se entender, fossem pai e filho ou não. O homem
idoso e o estrategista excêntrico eram simplesmente muito diferentes.

“Tanto faz. As joias, homem. Cadê as joias!” O avô estava muito irritado agora. Ele
agarrou sua bengala novamente — e uma lâmina emergiu de dentro dela. Era uma
bengala-espada. “Você sabe o que vai acontecer com você se continuar me
enrolando, certo?”
O estrategista olhou para cima, mas não para a lâmina. Seus olhos estavam fixos
em outra coisa. “Maomao? O que você está fazendo aqui?”

Finalmente ele a notou. Talvez ele nunca tivesse sido tão complacente se não a
tivesse visto. Isso mostrava o quanto ele estava focado no jogo. “Então você veio
ver seu papai!”

“Não.” Maomao desejava que ele se concentrasse na situação em que estavam.


Sentindo o perigo, ela se moveu para a parede.

“Ah, Maomao está aqui! Hoje, devemos ter um banquete!” disse o estrategista,
segurando o pedaço de cabelo. Então ele estendeu a mão em direção a Maomao.
“Você não vai dizer nada? Apenas uma palavra, para sua mãe...” Ele olhou para ela
com a expressão mais estranha. Com seu rosto abatido e barba suja, ele de
repente parecia muitos anos mais velho.

Normalmente, Maomao poderia simplesmente tê-lo ignorado — mas agora,


surpreendentemente, ela inclinou a cabeça respeitosamente na direção do
cabelo. Não, ela não tinha nada a dizer, mas poderia fazer isso.

“Não me ignore, maldita!” o velho furioso berrou, brandindo sua bengala-espada.


A idade tinha cobrado seu preço, mas ele já fora um soldado, e ainda era mais
forte do que poderiam esperar. Enfrentando-o estavam um estrategista que
deixava todo o trabalho real para seus subordinados; um oficial civil de carteirinha
cujo principal instrumento era o ábaco; e Maomao, que não tinha confiança de
que seria de alguma ajuda em uma luta.

Os três covardes se espalharam — e foi tudo o que puderam fazer para escapar do
velho e sua bengala voadora. Criados estavam atrás do avô, mas obviamente não
ajudariam ninguém. Maomao, procurando qualquer tipo de segurança, escondeu-
se atrás de um poste.

Então, porém, eles ouviram uma voz lenta e calma. “Guarde isso; é perigoso. E se
você acertar alguém com isso?”
Maomao olhou para ver o velho flutuando no ar, suas pernas chutando. Ele pendia
de mãos calejadas que seguravam seus braços; quem o segurava era um homem
de pele escura pelo sol e um lenço ao redor do pescoço. Suas roupas o marcavam
como um fazendeiro — talvez o que Maomao tinha visto da janela de seu quarto.
Ele era alto, de ombros largos e muito bem constituído, mas seus olhos eram
gentis e serenos.
“Ei, o que você está fazendo?! Me solta!”

“Sim, sim. Assim que você me der essa espada”, disse o robusto fazendeiro,
tirando a arma do velho e colocando-a de volta na bengala. “Quando você
arranjou tempo para fazer isso?” ele murmurou. Os criados, em vez de tentar
ajudar o avô, pareciam bastante aliviados ao ver o fazendeiro.

Quem é esse? Maomao pensou, mas sua pergunta foi prontamente respondida.

“Faz tempo demais, pai”, disse Lahan, inclinando a cabeça.

“Ah, você está com boa aparência. Apesar das circunstâncias um tanto quanto
difíceis em que o encontrei. Aquela garota ali—é minha sobrinha?” O fazendeiro
jogou a bengala-espada para um dos criados, e seu rosto já gentil suavizou-se
ainda mais. O homem parecia um urso, mas sua presença era calorosa e
reconfortante.

“Posso entender que é meu irmãozinho que acabou de entrar?” disse o


estrategista excêntrico, sorrindo.

“Pode, embora eu gostaria que um dia você aprendesse a reconhecer quem eu


sou”, disse o pai de Lahan, sorrindo sarcasticamente.

Ele ainda não havia soltado o velho, que continuava chutando. “Estou fazendo isso
por você, desgraçado! Você não quer seu direito de nascimento de volta?!”

“Eu? Não particularmente.”


“E você consegue viver com isso?! Seu fraco!”

“É isso mesmo! Você sempre foi assim!” De repente, a mãe de Lahan estava lá. Ela
não parecia se dar muito bem com o estrategista; devia ter ouvido a confusão e
veio investigar. O pai de Lahan parecia perturbado por se ver confrontado com
mais um crítico.

“De que adiantaria eu herdar a chefia da família? Um palhaço dirigindo a casa só


poderia envergonhar a todos.”

Seu tom resignado só agravou o velho e a mãe de Lahan.

“Você ainda seria melhor do que aquele idiota!” gritou o avô.

O idiota em questão estava sorrindo estupidamente para Maomao. Era


extremamente nojento.

“Você não ama nosso filho? Não quer vê-lo herdando a chefia?” pressionou a mãe
de Lahan.

“Mas Lahan também é nosso filho”, protestou o fazendeiro. Aparentemente, o filho


ao qual a mulher se referia era o irmão mais velho de Lahan, que eles tinham
encontrado anteriormente. Parecia que Lahan era considerado um traidor e já não
era mais seu filho.

A casa parecia dividida: alguns que estavam seguindo as ordens do velho até
momentos atrás agora olhavam para o pai de Lahan, visivelmente indecisos.

“De que adiantaria eu herdar a chefia da família neste momento, afinal?” disse o
pai de Lahan. “Não há ninguém para me substituir, não é?” Então ele acrescentou:
“Além disso, talvez ninguém se importe se meu querido irmão Lakan não voltar,
mas acho que Lahan faria falta.” Seu tom era plácido, gentil.
Nesse momento, um servo veio correndo. “Mestre! Há um homem chamado
Rikuson aqui...”

O avô e a mãe de Lahan franziram a testa com isso. “E-E daí?! Jogue-o para fora!”

“M-Mas, senhor, ele está com vários outros homens que parecem ser, uh,
soldados com ele...”

“Você sabe, eu realmente lembro de haver uma guarnição por aqui”, disse Lahan
como se isso estivesse apenas lhe ocorrendo. Mas parecia uma fala ensaiada, se
Maomao já tivesse ouvido uma.

“Droga! V-Você contou com isso quando decidiu vir aqui?!”

“Oh, não, nada disso. Embora, ao que parece, certamente não atrapalhou.”

Seu tom insolente alimentou a raiva do avô; o velho bateu na parede com uma
mão enrugada. “Estou cercado por idiotas! Incompetentes! Minha família inteira é
uma vergonha!” Agora ele estava batendo no chão com tanta força que parecia
que poderia enfiar o pé pelo chão. “Tenho um filho que nunca sabe com quem
está falando, e outro que acha que é fazendeiro! Maldita seja a barriga que os
carregou! Eu deveria ter tido outro filho—talvez esse teria saído certo!”

A fúria do velho não mostrava sinais de diminuir. Seus ouvintes se recusavam a


olhar para ele; com o que estava dizendo, até a mãe de Lahan estava com a boca
retorcida.

“E então tem o Luomen—nunca conseguiu usar uma espada, e depois se mutilou!


Há alguém que valha meu tempo por aqui?!”

Maomao se moveu repentinamente. Ela saiu de trás do poste, pegou a tigela no


chão—o resto de sopa do estrategista. No momento seguinte, ela estava na frente
do avô, e então despejou a coisa podre toda sobre o velho.
“O que diabos você está fazendo?!” O avô rugiu. Ele deu um tapa em Maomao
com a mão aberta, deixando sua bochecha ardendo.

Maomao recuou cambaleando. “Maomao!” o estrategista gritou. Ele tentou


segurá-la, mas ela o esquivou habilmente. A mão do velho ela não conseguiu
evitar, mas o estrategista ela poderia escapar facilmente.

“Eu simplesmente não gostei do seu tom”, Maomao disse com voz calma. Era a
coisa errada a fazer, então se ela levasse um tapa por isso, teria que aguentar. Mas
ela queria impedir o velho de ridicularizar seu velho. “Eu não vou ouvir você falar
mais uma palavra contra meu pai adotivo. O que estou dizendo é, por favor, cale a
boca!”

“Sua insolente! Quem você pensa que eu sou?”

Quem? Maomao pensou. Na opinião dela, era o velho que não entendia quem ele
era.

“Sem aquela relíquia, você é apenas um velho frágil que não sabe como ter
confiança em si mesmo”, Maomao disse com um sorriso. Seu lábio estava
cortado, mas isso era um detalhe menor.

O rosto do velho ficou tenso, e a mãe de Lahan também empalideceu.

“Esqueça o nome da família. Esqueça a chefia. O que você fez com suas próprias
mãos para se orgulhar?” Maomao perguntou.

“Escute essa fedelha atrevida...”

O fato de ele não responder com uma resposta real, mas com crueldade
inarticulada, já era resposta suficiente. Ele tinha navegado pela chefia da família,
cometendo uma série de delitos menores. Ela não sabia se sua falha em se
envolver em corrupção séria se devia a um verdadeiro bom senso ou simples
covardia.
Maomao ainda tinha mais algumas coisas que gostaria de dizer ao velho, mas
então alguém estava parado entre os dois.

“Desculpe-me, jovem senhorita, mas por favor. Isso é o suficiente.” O dono da voz
gentil era o pai de Lahan, com as sobrancelhas franzidas de preocupação. “Eu sei
que você preza seu tio, mas por favor, lembre-se de que este homem é meu pai.”
Seu rosto, com seu leve tom de tristeza, lembrou-lhe seu próprio velho, Luomen.
Com um esforço, ela engoliu o que estava prestes a dizer.

Capítulo 7: O Clã La (Parte Dois)

" T se perguntava o que estava acontecendo..." Rikuson suspirou. Ele


eventualmente conseguiu entrar na mansão, e o Vovô e a mãe de Lahan estavam
agora isolados em um quarto separado. Rikuson fez a ligação dentro de momentos
ao ver o estado atribulado do estrategista. Verdadeiramente, ele era mais um dos
subordinados habilidosos que o excêntrico havia encontrado para si.

"Me desculpe muito. Se meu irmão Lakan tivesse recuperado sua sanidade mais
cedo, tudo isso poderia ter acabado muito mais rápido," disse o pai de Lahan,
parecendo cansado. Maomao sentiu uma estranha afinidade por ele, talvez
porque ele se assemelhasse tanto a Luomen — não em sua aparência, mas em
algo menos tangível.

Percebendo que o quarto "prisão" não era exatamente acolhedor, eles se


mudaram para outra parte da casa. No momento, Lahan, seu pai, Maomao,
Rikuson e o estrategista estavam todos juntos, juntamente com vários homens
que Rikuson havia trazido consigo. Maomao se sentiu um pouco mal por eles
terem vindo até ali quando, no final das contas, não foram necessários. Rikuson
daria apenas sua versão oficial, ou seja, que vieram para trazer seu oficial superior
de volta para casa, mas não havia dúvida de que os homens tinham a intenção de
intimidar.

Maomao, enquanto isso, não queria estar na mesma sala que o estrategista
excêntrico, mas sabia que não podia ser insistente naquele momento. Num piscar
de olhos, porém, ele estava ao lado dela e tagarelando sobre algo. Ela queria que
ele ficasse quieto. Ela sabia que deveria ter piedade dele em seu estado
enfraquecido, mas descobriu que simplesmente não conseguia.

"Maomao, deveríamos ir fazer um vestido para você em algum momento. Vamos


pegar muitos dos melhores tecidos, e também podemos fazer um enfeite de
cabelo!" disse o estrategista.

Maomao não disse nada.

"E então deveríamos nos arrumar e podemos ir ver um espetáculo! Sim, vamos
fazer isso!"

Maomao não disse nada.

"Você gosta de livros, não é, Maomao? Tenho uma ideia — por que parar apenas
na leitura? E se você fosse fazer um livro você mesma?"

Mesmo quando ela o ignorava, ele não desistia. Ela quase estremeceu com a
ideia de fazer seu próprio livro, mas conseguiu reprimir a reação.
"Irmão mais velho, estamos tentando conversar aqui. Talvez você pudesse ficar
quieto por um momento?" O pai de Lahan, o irmão mais novo do estrategista,
tentou acalmá-lo, mas sem muita convicção. Nem Lahan — o filho adotivo do
estrategista — nem Rikuson — seu subordinado — poderiam ser muito enérgicos
com ele também. Então, eventualmente, todos os olhares na sala se voltaram
para Maomao. Ela franzia o cenho com força, mas estava encurralada.

Ela deu um fungado e fez uma careta de nojo exagerada. "Você fede. Cheira como
um cachorro selvagem que esteve na chuva", ela disse.

O estrategista levou sua própria manga ao nariz e cheirou. Então ele olhou para o
pai de Lahan. "Onde é o banheiro?"

"Pegue à direita saindo desta sala e fica no final do corredor. Vou pedir aos servos
para prepará-lo para você imediatamente."

"Sim, por favor. Imediatamente", disse o estrategista, e saiu da sala.

"E não se esqueça de escovar os dentes", Maomao chamou depois dele. (Uma
para a estrada.) Se tivessem sorte, não o veriam por pelo menos uma hora.

"Imagino que seja difícil ter uma filha", comentou tristemente o pai de Lahan. "Não
que eu tenha sido capaz de fazê-lo entender sozinho."

"Só de ver isso parte o coração", concordou Rikuson, tomando seu chá.

"Seja como for, você chegou aqui muito rapidamente", disse Lahan para ele.
"Pensei que você pudesse demorar mais."

Lahan havia ficado em uma pousada perto do desembarque do navio, e Lahan


deve ter sabido que quando ele e Maomao não retornaram, Rikuson ficaria
desconfiado e viria para a mansão. Mas nem tinha se passado um dia inteiro
desde que partiram — um prazo bastante curto.
"Recebi uma dica", respondeu Rikuson, fazendo um gesto para o pai de Lahan.

"Não exatamente de mim pessoalmente", disse o homem. "Alguém mais foi e os


informou. Alguém que nem sempre admite seus verdadeiros sentimentos." O pai
de Lahan olhou para fora da janela, onde o irmão mais velho de Lahan podia ser
visto arrastando sem vontade uma videira verde. "Ele reclama de estar preso ao
trabalho do fazendeiro, mas você vê o quão dedicado ele é a isso. Não, ele nem
sempre é sincero sobre seus sentimentos, mas ele é um bom rapaz."

“Ele está só bem. Acho que ele não é uma pessoa ruim,” disse Maomao.

"Meu irmão mais velho não é exatamente um modelo de virtude, mas ele não é
capaz de verdadeira maldade," acrescentou Lahan.

"Er, vocês dois não estão exatamente transbordando de elogios," disse Rikuson,
observando o jovem nos campos com um toque de pena. "Dizem que o pai existe
para seu filho e seu neto, mas não parece ser assim para mim. Esse rapaz é ainda
menos adequado para a política do que eu," disse o pai de Lahan. Com sua pele
bronzeada e corpo robusto, ele parecia que poderia ter sido um soldado muito
capaz, mas, no final das contas, era preciso lidar com a personalidade. Às vezes,
uma pessoa era mais adequada à enxada do que à espada ou à lança. Esse
homem parecia um fazendeiro em cada centímetro.

"Eu realmente tenho que me perguntar," disse Lahan, inclinando a cabeça. "Por
que eles trazem tudo isso à tona agora? Se eles estavam esperando que a
evidência da corrupção do Vovô fosse expurgada, eu teria esperado que se
movessem mais cedo." Maomao não estava tão certa de que era uma coisa
inteligente a se dizer com Rikuson ali, mas aparentemente estava tudo bem.

"Uma pergunta justa. Lakan convocou seu avô por causa de sua nova noiva. E isso
estava tudo bem, até onde chegou. Normalmente, eu acho que meu pai
simplesmente o teria ignorado e não teria ido para a capital. Exceto..." O pai de
Lahan tirou um pedaço de corda trançada das dobras de suas vestes. Embora
seus dedos manchados de terra a tivessem escurecido, era claro que
originalmente era branca. Era muito parecida com aquela que a mãe de Lahan
usava em volta do pulso.
"Estou tão cansada dessas coisas," disse Maomao, olhando significativamente
para longe dela.

"Uh... Eu ainda não disse nada sobre isso," disse o pai de Lahan, parecendo
confuso.

"Você não precisa. Deixe-me adivinhar — sua esposa caiu sob a influência de
algum vidente ou algo assim."

"Exatamente."

"E ela perguntou como estava aquele excêntrico."

"Eu não sei com certeza. Mas descobrimos que não havia ninguém ao redor
dele..."

O filho adotivo do excêntrico, Lahan, e seu fiel acompanhante, Rikuson, estavam


ambos na capital ocidental. Mesmo que o estrategista desaparecesse, as duas
pessoas mais propensas a perceber não estavam por perto.

Frustrada, Maomao pegou algo da mesa. O servo evidentemente havia trazido


para acompanhar o chá. Parecia algo como um nabo seco e achatado com pó
branco em cima. O fato de estar em um prato significava que provavelmente era
comida. Era doce, porém, mastigável; era fibroso, mas não desagradável.

Isso é batata-doce?

Maomao já havia comido batata-doce processada antes, mas quase sempre


coisas que haviam sido cozidas no vapor e transformadas em pasta. Essa parecia
ter sido cozida e desidratada.

"Isto é bem bom. Estou certa de que é batata-doce?" ela perguntou.


"Oh!" exclamou Lahan, inclinando-se para frente como se tivesse subitamente
lembrado de algo. "É verdade! Pai — você disse algo sobre uma batata
interessante?"

"Hm? Batata? Ah! Sim. Sim, acho que sim."

Lahan pegou um pouco do lanche do prato de Maomao. "Você disse que pensou
que poderia ter uma ideia — você quis dizer isso?"

"Hm. É batata cozida e desidratada. Sem açúcar, sem mel, mas é mais doce do
que castanhas ou abóbora, não é?" Ele fez um gesto para fora da janela como se
dissesse, Lá está. Maomao havia se perguntado o que estava nos campos — eram
essas batatas.

Lahan franziu os olhos e ajustou os óculos. "Quantas vocês estão cultivando?"

"Estamos tentando expandir o máximo que podemos. Não queremos que nenhum
dos campos seja desperdiçado."

"Parece que vocês não têm ajuda suficiente."

"Alguns dos fazendeiros da região vêm nos ajudar. Temos mais batatas do que
sabemos o que fazer." Eles pareciam felizes em ajudar em troca de todas as
batatas que pudessem obter. "Ah! Mas não se preocupe. Não as vendemos no
mercado aberto, como você disse, Lahan. Quando as vendemos, garantimos que
seja apenas produto, não batatas cruas."

"Isso está bem, então."

Maomao se viu perplexa com a conversa. Lahan e seu pai estavam tentando
dominar o mercado de batatas-doces? Era culpa de Lahan que Maomao só tivesse
visto batatas-doces como ingrediente, não cruas? Ela teria prazer em cultivar
algumas batatas-doces para si mesma se conseguisse colocar as mãos em uma
crua.
"É um desperdício, no entanto," disse o pai de Lahan. "Temos mais batatas-doce
do que poderíamos precisar. O celeiro está cheio. Bem, os porcos estão bastante
felizes por tê-las para a lavagem, admito. Acho que melhorou até a carne deles."

Se eles tinham tantas batatas-doces, por que não paravam de cultivá-las?

"No ano passado, uma tan rendeu duzentos shin (750 quilogramas) de batatas-
doces," disse o pai de Lahan.

"Duzentos shin?!" exclamou Maomao.

"Quatro vezes mais do que uma colheita de arroz comum," disse Lahan. "Em parte
graças às experiências do pai, tenho certeza, mas mesmo assim — incrível, não
é?"

"É essa colheita única nesta região?" Maomao exigiu, inclinando-se para o pai de
Lahan.

"De jeito nenhum. Há muito tempo, comprei um broto que pensei ser uma
trepadeira cara e interessante — mas era do sul. Acabou sendo uma planta
diferente, embora parecida. Algo que se cultiva com estacas, não sementes. Não
tive sorte em fazê-la florescer, e fiquei determinado a tentar obter uma flor dela."
Ele olhou pela janela. "Depois que viemos para cá, tínhamos muito espaço nos
campos. Eu sabia que algumas flores só florescem sob condições específicas,
mas às vezes também produzem subprodutos incomuns. Como este." Ele
arrancou um pedaço da batata seca.

Intrigado, ele começou a experimentar o processamento de suas estacas de


várias maneiras. "Quando pesquisei, descobri que isso era um tubérculo chamado
batata-doce — mais doce do que castanhas e capaz de crescer até mesmo em
solos pobres. Acho que posso ser a única pessoa no país inteiro cultivando essas
coisas. Lahan me disse para não deixar nenhuma semente de batata sair da
aldeia, e é isso que tenho feito."

A essa altura, Maomao estava começando a ter uma boa ideia do que Lahan
queria de seu pai. Tinha a ver com o que o emissário de Shaoh havia dito:
provisões ou asilo. Escolha um. Além disso, serviria como uma medida contra a
praga de insetos que em breve os atingiria. Lahan, ela suspeitava, esperava usar
as batatas de seu pai para resolver ambos os problemas — mas não importava o
quão grande fosse o rendimento desses campos, não havia como produzir o
suficiente para alimentar um país inteiro. Mesmo que houvesse sementes de
batata restantes, não parecia ser uma solução viável.

O pai de Lahan, no entanto, forneceu a resposta. "Você não precisa usar apenas
estacas. Você também pode usar hastes. Provavelmente poderia fazer funcionar
contanto que tivesse sido plantado recentemente."

"Hastes, senhor?" perguntou Maomao.

Havia maneiras de cultivar plantas além de apenas sementes ou batatas — um


recorte de haste poderia funcionar, contanto que criasse raízes. Se pudessem
fazer isso, talvez pudessem esperar, digamos, dez vezes mais rendimento. (Sim,
sim, contando galinhas algo algo.) Mas ainda não seria suficiente. Ao contrário do
arroz, porém, os insetos não atacariam as batatas. Isso era uma grande vantagem.

"Pai, eu tenho um favor para te pedir," disse Lahan — e então ele continuou a
descrever mais ou menos o que Maomao tinha imaginado. Ele queria comprar as
batatas-doces, e ele queria sementes de batata e brotos também. E ele queria que
seu pai lhe dissesse como cultivá-las melhor, se possível. Acabou que ele queria
bastante coisa.

Maomao achou que Lahan estava sendo bastante presumido — não obstante
estarem falando com seu pai — mas "Pai" continuava sorrindo. Mal parando para
pensar, ele disse: "Claro, ficarei feliz em ajudar." Ele recuou na cadeira, moeu um
pouco de tinta e começou a escrever as instruções.

Maomao, franzindo a testa, disse: "Você tem certeza sobre isso? Se você não
estabelecer algumas regras agora, você pode acabar sendo passado para trás
aqui."

"Cuide da sua boca!" Lahan protestou.


"Ha ha ha! Eu te disse que tínhamos mais do que sabíamos o que fazer. Se você
nos deixar o suficiente para dar aos outros fazendeiros, estará tudo bem. E, er, se
nossos impostos não fossem tão pesados, eu ficaria feliz com isso também."

Isso só fez Maomao franzir ainda mais a testa. Ela olhou para Lahan, mas ele
estava sorrindo, obviamente fazendo cálculos mentais.

Maomao pegou a escova do pai de Lahan.

"O que você está fazendo?" ele perguntou.

Ela começou a escrever um contrato, a escova movendo-se em golpes rápidos e


decisivos. "Primeiro, temos que estabelecer o preço das batatas, bem como dos
brotos. Se você vai ensiná-lo os métodos de cultivo, isso é extra."

"É claro que vou pagar por isso," disse Lahan, como se isso, pelo menos, fosse
óbvio até para ele. Ainda assim, Maomao não conseguia deixar a situação em paz.
Lahan parecia muito com seu pai adotivo.

Lahan leu infelizmente o contrato que Maomao havia produzido; ele parecia
estar reconsiderando como lidar com as quantias.

Então houve um baque e um homem coberto de lama entrou. "Consegui, Pai," ele
disse.

"Excelente. Apenas deixe lá."

Era o irmão mais velho de Lahan, carregando um balde com uma videira verde
dentro. Pelo menos um deles deve ter percebido que Lahan poderia estar atrás
disso — suas preparações eram muito minuciosas.

O pai de Lahan pegou a videira. "Elas têm um gosto melhor se você não deixar as
vinhas crescerem demais. Você tem que podar as raízes periodicamente." Ele
mostrou para Maomao. "Você pode ferver as vinhas em excesso. Eu acho que são
muito boas, mas meu pai não concorda."

Saboroso ou não — uma colheita que cresceria até mesmo em solo pobre,
poderia ser cultivada por videira, e onde até mesmo as vinhas eram comestíveis?
Era como se tivesse sido feito sob medida para evitar a fome. Claro, mesmo que
começassem agora, não dava para dizer quanto poderiam realmente esperar
colher, mas dado tudo que havia sido dito, parecia que certamente conseguiriam
mais desse negócio do que jamais conseguiriam de arroz, mesmo que não fosse o
suficiente.

Então foi por isso que Lahan tinha sido tão receptivo aos avanços do emissário.

"Deveríamos ter começado a vender mais cedo," disse Maomao, arrancando


sorrisos irônicos de Lahan e seu pai. Sem dúvida, Lahan os havia proibido de
liberar a colheita no mercado porque sabia que seria um negócio lucrativo.

"Meu pai não gostou muito da ideia. Reclamou de ter que agir como um
fazendeiro," disse o pai de Lahan. Parecia um pouco tarde para se preocupar com
isso com todos esses campos ao redor. "Além disso, se você vende um monte de
uma nova colheita, você está pedindo por algumas dores de cabeça reais com
impostos."

Era verdade que vender sempre convidava à tributação. Alimentos básicos como
arroz e trigo eram taxados como uma porcentagem do rendimento, a quantidade
variando de região para região.

"Vegetais, porém — para esses, eles só pegam uma porcentagem do que


realmente é levado ao mercado."

"Porque coisas que apodrecem — bem, se você tentar armazená-las em algum


lugar, elas vão simplesmente estragar."

Melhor recolher depois que os bens tivessem sido convertidos em dinheiro vivo. A
qual categoria essas batatas pertenceriam? Batatas como tais provavelmente se
conservavam, pelo menos por um tempo. Se eles inundassem descuidadamente
o mercado com batatas cruas, poderiam estar sujeitos a impostos substanciais.
"Para ser justo, se temos um monte delas apenas deitadas por aí, não importa
muito se eles as levarem para os impostos," observou o pai de Lahan.

"Agora, Pai, é importante economizar nos seus impostos."

Maomao lançou um olhar para Lahan: que coisa a se dizer, quando ele estava do
lado que estava coletando. O pai de Lahan, porém, parecia estar gostando de sua
vida rural. Dada sua estrutura, Maomao suspeitava que ele poderia se dar muito
bem como soldado, mas ali estava ele.

"Parece que você gosta da sua vida aqui," ela comentou casualmente.

O pai de Lahan sorriu, os olhos brilhando. "Eu gosto. Tanto que quase me sinto mal
por isso." Ele mexeu com a videira da batata enquanto falava. "Com desculpas
para minha mãe e meu pai, sou grato ao meu irmão mais velho, Lakan. Se não
fosse por ele, nunca teria tido a oportunidade de experimentar o prazer de uma
vida calma de trabalho no campo."

"Pense nos problemas que ele causou às pessoas que ele pegou em seu rastro,"
disse Lahan. O estrategista excêntrico havia expulsado seu pai — o chefe do clã —
e seu meio-irmão mais novo, que teria sido o próximo na linha, da capital para
reivindicar a chefia da família. Depois ele adotou seu sobrinho Lahan. Isso era
tudo o que Maomao sabia sobre a situação, mas ela confiava que fosse verdade.

No entanto, descobriu-se que para o pai de Lahan, essa expulsão da capital tinha
sido uma bênção disfarçada.

"Gosto daqui," ele disse. "Quanto mais você cultiva, mais você pode crescer. De
volta à capital, a coisa mais que você poderia esperar cultivar era plantas em
vasos." Seu sorriso o fez parecer muito mais jovem do que seus anos. "Se o que
estamos fazendo aqui pode salvar as pessoas da fome, então eu digo, peguem o
que precisarem! Deixem o país inteiro cultivar batatas!" Ele estava realmente se
empolgando com isso.
"Não acho que o Vovô vá compartilhar da sua positividade," disse Lahan.

"Bem, não há muito que possamos fazer sobre isso. Dez anos no exílio não
amoleceram nem um pouco o orgulho dele. Sua vida vai continuar do jeito que
sempre foi — dolorosamente entediante, pelo que ele está preocupado." Houve
um brilho de frieza nos olhos do homem.

"Ele sempre gostou de acumular números feios," disse Lahan. Ele estava
calculando o tamanho do campo e quantos brotos de batata ele poderia plantar. O
corte da videira duraria vários dias se mantido na água.

A realidade era que mesmo que começassem um campo agora, não havia
garantias de que conseguiriam colher este ano. Assim como não havia uma cura
milagrosa, não havia respostas perfeitas na política. Você simplesmente tinha que
ponderar os prós e os contras e decidir o que seria mais vantajoso.

Assim que estavam pensando no que fariam, a porta se abriu com força.

"Maomaaaaao! Tomei meu banho!"

Entrou o estrategista, nu como veio ao mundo, exceto por uma camada mínima de
roupa íntima. Esqueça a excentricidade — isso era simplesmente doentio. Ele
nem parecia ter se dado ao trabalho de se secar completamente; sua pele e
cabelo ainda estavam pingando.

Sem se incomodar em esconder sua irritação, Maomao despejou um pouco do


chá agora frio em uma xícara, depois pegou uma pequena garrafa de suas vestes e
adicionou várias gotas de seu conteúdo à bebida. Ela estendeu para o
estrategista.

"M... M... Maomao! Você está me servindo chá?!"

"Por favor, tome um pouco."


Os olhos do estrategista transbordavam de lágrimas de emoção enquanto ele
pegava a xícara e a bebia de um só gole.

Houve um breve momento de silêncio. Assim que ele tomou o chá, um arrepio
percorreu seu corpo — e então ele desabou no chão.

"Você o envenenou!" exclamou Lahan.

"É apenas álcool," respondeu Maomao. O estrategista era tão vulnerável ao álcool
quanto sempre foi. Se algo, ela achou que ele parecia ainda menos capaz de
segurar a bebida do que antes.

Completamente desinteressada em ver mais do corpo nu do homem, ela pegou


uma manta do quarto e a colocou sobre ele. Lahan e Rikuson carregaram o
estranho até o sofá com expressões de exasperação.

"Talvez eu tenha tido sorte de ter apenas filhos," disse o pai de Lahan com um
sorriso irônico.

O estranho estava sorrindo de uma maneira muito perturbadora. "...a fazer um...,"
ele murmurou, balbuciando em seu sono.

"O que você disse, senhor?" perguntou Rikuson, aproximando-se.

"Vou fazer um... um Go—"

Rikuson pareceu chocado. "Ele quer fazer um livro de Go por algum motivo," disse,
parecendo que não entendia muito bem. Maomao, porém, olhou para a mesa.
Lahan havia preservado a partida anterior como um registro de jogo.
Supostamente, havia muitos mais registros de muitos mais jogos entre o estranho
e sua cortesã — o suficiente para encher um livro.

Hmm...
O estrategista adormecido parecia muito tranquilo. Maomao esperava que ele
estivesse mais deprimido com as coisas, mas parecia que não. Ele não dava
nenhuma indicação de estar sobrecarregado pelo pesar, mas era o mesmo
estranho de sempre, seguindo em frente.

"Normalmente, quando alguém compra uma cortesã, a torna uma amante. Então,
não é necessário nenhum aval dos pais — o que teria sido conveniente,
considerando a relação entre meu honrado pai adotivo e meu avô", disse Lahan
para Maomao.

"Sim, e daí?"

"Mesmo assim, ele parece ter querido fazer apresentações formais, ao ponto de
chamar meu avô, que ele havia deixado aqui por tanto tempo."

"Esta mulher é minha esposa", ele queria dizer. Claramente, sem ambiguidade.

"Lakan sempre foi um romântico", disse o pai de Lahan.

"Sim, ótimo." Maomao sentou-se em uma cadeira como se quisesse deixar claro
que nada disso tinha a ver com ela. Ela pegou a videira da batata do balde e deu
uma mordida nela experimentalmente. "É terrível crua", ela disse, e a jogou de
volta no balde com uma careta.
Capítulo 8: A Conclusão da Jornada de Lishu

"Foi uma viagem longa, mas está quase acabando", Ah-Duo disse enquanto estava
em pé no convés do navio, saboreando a brisa.

"Sim." A Consorte Lishu segurava firme na grade. Seu enjoo marítimo estava bem
melhor agora, mas ela sempre temia que um balanço repentino do barco pudesse
fazê-la cair, então não soltava. Ah-Duo sorriu com as suas brincadeiras; Lishu
respondeu com um bico, subitamente envergonhada.

Com elas no convés naquele momento estavam uma dama de companhia, a


jovem que Ah-Duo chamava de Rei, e dois guardas-costas.

Rei estava vestida com roupas masculinas, mas parecia ser uma mulher. Lishu
tinha ficado confusa em torno de Rei no começo, mas depois de um tempo ela
entendeu o que estava acontecendo. Já que Ah-Duo também usava roupas
masculinas, as duas juntas formavam uma bela imagem. Ambas eram altas e
esbeltas, simultaneamente bonitas e descoladas. Lishu mal conseguia conter um
suspiro quando olhava para elas — de admiração por uma, e decepção por não ter
a beleza natural da outra.

Lishu tinha dezesseis anos, e gostaria de dizer que ainda estava crescendo, mas
parou de crescer em altura no ano passado, e seu corpo parecia improvável de se
tornar mais feminino dali para frente. Ela ouviu dizer que leite de vaca poderia
ajudar com isso, e por um tempo tentou beber, mas isso sempre a deixava
enjoada, e eventualmente ela desistiu.

Para sua consternação, suas damas de companhia descobriram suas idas e


vindas ao banheiro. Ela sabia que elas a chamavam de coisas como "a consorte
desesperada" e "consorte troféu" às suas costas. Isso a deixava chateada e
irritada — é claro que deixava — mas o que ela poderia dizer? Ela sabia que era
verdade. Pelo menos ela estava ciente dos apelidos agora. Isso era melhor, muito
melhor, do que não ter ideia do que suas mulheres estavam dizendo, dançando
para elas como uma bufona.
Os pensamentos de Lishu devem ter aparecido em seu rosto, pois Ah-Duo
perguntou: "Você vai ficar bem voltando para o palácio posterior?"

Oops! pensou a consorte, e forçou os lábios a se curvarem para cima em um


sorriso. "Vou ficar bem."

Ela tinha aliados agora, mesmo que apenas alguns. Junto com sua principal dama
de companhia, várias das outras damas de Lishu haviam começado recentemente
a ser mais consideradas com ela. A criada que vinha pegar a roupa
ocasionalmente também conversava com ela. Lishu conseguia imaginar o que sua
antiga principal dama de companhia devia pensar sobre ela conversando com
alguém de origem tão humilde, mas desde a reprimenda que ela recebeu depois
de tentar tirar o espelho de Lishu dela, a mulher ficara muito mais quieta.

A criada da lavanderia tinha contado a Lishu que havia um livro que ela amava,
mas não sabia ler, então Lishu estava fazendo uma cópia para ela sem contar para
as outras damas de companhia. Era um segredo pequeno, na medida em que
segredos iam, mas com tão pouca empolgação quanto havia no palácio posterior,
era o suficiente para fazer o coração bater mais rápido.

Enquanto isso, Ah-Duo olhava para Lishu com preocupação. "E você consegue
fazer seu trabalho?"

"Vou... ficar bem", Lishu disse novamente.

Seu trabalho: em outras palavras, seu dever como consorte. Às vezes isso
significava oficiar cerimônias, mas Lishu sabia que não era isso que Ah-Duo
estava se referindo.

Ela estava falando das visitas do Imperador.

Até este ponto, Sua Majestade nunca tinha ordenado que Lishu fosse sua
companheira na cama por causa de sua idade. Mas ela tinha dezesseis anos agora
— não mais "muito jovem". Quando esta jornada terminasse, uma dessas visitas
estaria esperando por ela.
"Você é filha de Sir Uryuu. O que aconteceu nesta viagem não precisa afetá-la.
Tenho certeza de que você ainda pode conversar com o Príncipe da Noite."

O Príncipe da Noite — o homem que anteriormente usava a identidade do eunuco


Jinshi no palácio posterior. Descobriu-se que essa identidade era uma fachada; na
realidade, ele era alguém cujo nome mal podia ser pronunciado. As pessoas se
referiam a ele como "o irmão mais novo do Imperador" ou "o Príncipe da Noite" em
vez disso.

Mas sobre esse assunto, Lishu só pôde balançar a cabeça. Sim, ela tinha ficado
completamente apaixonada por ele quando ele estava no palácio posterior. Um
jovem que parecia ter saído de um pergaminho, que sempre tinha um sorriso
gracioso mesmo para ela? Ela sabia muito bem que era lisonjeiro, porque ela era
uma consorte superior, mas ainda assim a fazia feliz ter alguém chamá-la pelo seu
nome e dizer coisas gentis sobre ela.

Antes — há muito tempo, quando era ingênua e ignorante —, Lishu poderia ter
respondido com alegria. A ideia de que alguém tão bonito, por quem ela tinha se
apaixonado, poderia eventualmente se tornar seu marido era como um sonho.

Mas Lishu compreendia: o sorriso cativante do jovem era algo que ele poderia e
mostraria para qualquer um. Ela havia percebido isso quase um ano atrás.

Foi o momento em que ela viu o sorriso desprotegido do irmão mais novo imperial
— não aquele como o de uma ninfa celestial, mas um pertencente a um jovem
comum. Lishu nunca o tinha visto antes, e isso a atingiu com a realização de que
ela não era especial para ele.

"Eu não poderia. Ele seria desperdiçado comigo", ela disse.

Ah-Duo sorriu com isso. "Ho ho. Feliz por ser a consorte superior do Imperador,
então?"
"Ah! Não é isso que eu —!" Lishu agitou as mãos como se pudesse afastar a ideia.
Ela sentia que nem mesmo era digna de ser consorte de Sua Majestade. A
Imperatriz Gyokuyou e a Consorte Lihua pareciam a Lishu como se vivessem
acima das nuvens, tão distantes dela que quando estava sentada ao lado delas
em banquetes, sempre se perguntava se era realmente aceitável para ela estar ali.
Às vezes ela percebia a si mesma sendo mais autoritária do que precisava com
suas damas de companhia na tentativa de fortalecer sua própria confiança. Ela
ardia de vergonha ao pensar nisso.

"Não? Então o que, se posso perguntar, você quis dizer?" Ah-Duo deu-lhe um
sorriso provocador.

Lishu encheu as bochechas — mas não muito. Estranhamente, ela nunca


realmente achou desagradável quando Ah-Duo a provocava.

Lishu achava que havia alguém mais adequado ao Príncipe da Noite — assim
como ao Imperador. Ela ficou quieta por um longo momento.

"O que foi? O gato comeu sua língua?" Ah-Duo disse, seus olhos dançando, mas
Lishu continuou a observá-la em silêncio. Ah-Duo parecia um belo jovem, mas era
uma mulher. Uma vez, ela até fora a única consorte de Sua Majestade.

Tanto a Imperatriz Gyokuyou, com o fascínio exótico de seus cabelos vermelhos e


olhos verdes, quanto a Consorte Lihua, que era como uma rosa em flor, e
inteligente também, eram adequadas para serem o destaque no jardim de Sua
Majestade. Mas quando Lishu se perguntava quem era mais adequada de todas
para estar ao lado do Imperador, sua mente voltava ao tempo em que Sua
Majestade ainda era o herdeiro aparente. Como ele ocasionalmente aparecia para
roubar um lanche quando Ah-Duo e Lishu estavam tomando chá juntos, e a
balançava em seu joelho. Ela era uma criança ignorante na época, e o chamava de
Tio Barba. Isso traria um sorriso irônico ao rosto de Sua Majestade, enquanto Ah-
Duo segurava as laterais rindo.

Agora, parecia inimaginável.


Lishu mastigava algum doce e os observava, pensando, Então é assim que um
marido e uma esposa parecem. Ela achava que eles combinavam melhor do que
qualquer casal no mundo.

Talvez fosse por isso que ela não conseguia se convencer disso, mesmo sabendo
que era inevitável. Sabia que tinha sido inevitável desde o momento em que se
tornou consorte.

Lishu era, e seria, mais um obstáculo entre Ah-Duo e o Imperador. Ela sabia que o
amor na vida real nunca era tão bonito quanto nos pergaminhos, que isso era para
o que ela tinha nascido. Ainda assim, ela se preocupava que Ah-Duo, a quem ela
adorava, pudesse vir a desprezá-la por causa disso. Ela pensava, na verdade, que
Ah-Duo ainda poderia ser uma consorte se Lishu não tivesse vindo para o palácio
posterior.

Em sua mente, no entanto, isso não significava que ela deveria se tornar a esposa
do Príncipe da Noite. No final das contas, ela se viu simplesmente sendo levada
pela vida, sem saber o que realmente queria. Ela conhecia o amor, ou talvez
"amor", por seus pergaminhos e romances — mas não entendia o que realmente
era.

"Você consegue ver a capital", disse Ah-Duo. Embora ainda estivesse embaçada à
distância, era possível distinguir a vasta muralha externa que cercava o palácio.
"Vou voltar para nossos aposentos. Quero organizar minhas coisas." Ah-Duo
mantinha apenas um mínimo de servas; ela cuidava principalmente de si mesma.
Isso a tornava extremamente impressionante aos olhos de Lishu.

"Eu também!" Lishu soltou a grade e se preparou para seguir Ah-Duo. "Ai!" ela
exclamou.

A madeira da grade estava um pouco áspera, parecia, pois um espinho tinha


perfurado sua palma. Ela tentou pressionar a palma com o dedo para retirá-lo,
mas tudo o que conseguiu foi fazer-se sangrar. Frustrada pelo choque da dor, ela
encontrou outra memória borbulhando em sua mente.

Um servo do Príncipe da Noite havia salvado Lishu em duas ocasiões separadas —


a primeira dos bandidos, a segunda de uma fera selvagem de uma terra
estrangeira. Na primeira ocasião, ele havia facilmente afastado os bandidos, mas
Lishu, encolhida atrás, não tinha conseguido ver sua face.

Agora, parecia inimaginável.

Lishu mastigava algum doce e os observava, pensando, Então é assim que um


marido e uma esposa parecem. Ela achava que eles combinavam melhor do que
qualquer casal no mundo.

Talvez fosse por isso que ela não conseguia se convencer disso, mesmo sabendo
que era inevitável. Sabia que tinha sido inevitável desde o momento em que se
tornou consorte.

Lishu era, e seria, mais um obstáculo entre Ah-Duo e o Imperador. Ela sabia que o
amor na vida real nunca era tão bonito quanto nos pergaminhos, que isso era para
o que ela tinha nascido. Ainda assim, ela se preocupava que Ah-Duo, a quem ela
adorava, pudesse vir a desprezá-la por causa disso. Ela pensava, na verdade, que
Ah-Duo ainda poderia ser uma consorte se Lishu não tivesse vindo para o palácio
posterior.

Em sua mente, no entanto, isso não significava que ela deveria se tornar a esposa
do Príncipe da Noite. No final das contas, ela se viu simplesmente sendo levada
pela vida, sem saber o que realmente queria. Ela conhecia o amor, ou talvez
"amor", por seus pergaminhos e romances — mas ela não entendia o que
realmente era.

"Você consegue ver a capital", disse Ah-Duo. Embora ainda estivesse embaçada à
distância, era possível distinguir a vasta muralha externa que cercava o palácio.
"Vou voltar para nossos aposentos. Quero organizar minhas coisas." Ah-Duo
mantinha apenas um mínimo de servas; ela cuidava principalmente de si mesma.
Isso a tornava extremamente impressionante aos olhos de Lishu.

"Eu também!" Lishu soltou a grade e se preparou para seguir Ah-Duo. "Ai!" ela
exclamou.
A madeira da grade estava um pouco áspera, parecia, pois um espinho tinha
perfurado sua palma. Ela tentou pressionar a palma com o dedo para retirá-lo,
mas tudo o que conseguiu foi fazer-se sangrar. Frustrada pelo choque da dor, ela
encontrou outra memória borbulhando em sua mente.

Um servo do Príncipe da Noite havia salvado Lishu em duas ocasiões separadas —


a primeira dos bandidos, a segunda de uma fera selvagem de uma terra
estrangeira. Na primeira ocasião, ele havia facilmente afastado os bandidos, mas
Lishu, encolhida atrás, não tinha conseguido ver seu rosto. Foi apenas quando o
leão atacou que ela o viu de frente pela primeira vez. Ela imaginava que ele seria
mais velho, mas percebeu que não podiam ter mais do que cinco anos de
diferença. Ela ouviu depois que ele era membro do clã Ma.
O jovem havia machucado a mão — seria por causa do golpe que ele desferira no
leão? — e estava sendo cuidado; Rei havia tentado tratá-lo, mas o jovem havia
recusado. A garota do boticário havia notado, no entanto, e o havia tratado mesmo
contra suas objeções. O boticário era tão distante, e o jovem, apesar de suas
reclamações, havia permitido ser tratado. Lishu viu que eles deviam ser bons
amigos, e o pensamento a entristeceu.

Mais de uma vez durante sua estadia, ela havia se preocupado se deveria
agradecê-lo, mas no final estava tão envergonhada por ele tê-la visto reduzida a
um choro que não conseguia se preparar para falar com ele. O jovem poderia ser o
servo de outra pessoa, mas ele próprio vinha de uma casa respeitável. Talvez ele
considerasse Lishu uma menininha que não conhecia seus modos. Ela gostaria de
pelo menos enviar-lhe uma carta, mas sua posição também não permitia isso.
Mesmo que pudesse enviar uma, porém, ela sabia que nunca faria isso. Ela
simplesmente não tinha coragem.

Lishu sentiu uma onda de depressão. Ela voltou para sua cabine, olhando para o
espinho em sua mão.

"Acho que isso é um adeus por um tempo," Ah-Duo disse levemente enquanto
entrava em outra carruagem. Originalmente, elas deveriam se separar no
desembarque do navio, mas Lishu havia implorado, e convencido Ah-Duo a deixá-
la compartilhar uma carruagem de volta para a capital. Lishu realmente desejava
que pudessem estar juntas até o palácio, mas ela desistiu dessa ideia. Ah-Duo
poderia tê-la indulgido, mas Lishu podia ver sua própria acompanhante cada vez
mais desconfortável. Ela decidiu não incomodar mais Ah-Duo.
Lishu observou Ah-Duo pela janela de sua carruagem enquanto ela partia, e então
seu próprio transporte começou a voltar para o palácio posterior. As seis semanas
de viagem, às quais ela não estava acostumada, haviam sido difíceis para ela. Ela
passara dia após dia em uma carruagem ou em um navio, sentindo sua pele assar
sob o sol quente. Havia insetos, e para completar, ela fora atacada primeiro por
bandidos e depois por um leão. Falar sobre chutar alguém quando ela já estava
caída.

No entanto, a verdade era que havia sido divertido. A vida no palácio posterior
oferecia todas as conveniências, mas era entediante. Lishu ficou feliz por
finalmente estar vendo suas damas de companhia depois de tanto tempo, mas
sabia que incluía algumas que não gostavam muito dela. Sem elas, no entanto,
Lishu nunca teria conseguido manter sua dignidade como consorte.
Ela olhou para a dama de companhia ao seu lado — desde o ataque do leão, ela
havia servido Lishu com um olhar de medo no rosto. Ela fora designada para servir
à consorte pelo pai de Lishu, mas praticamente havia ignorado Lishu — talvez ela
tivesse sido instruída a fazer isso pela meia-irmã de Lishu, ou talvez acreditasse
nos rumores sobre a consorte ser uma criança ilegítima. Talvez ambos. Lishu
secretamente ficou aliviada por a mulher não estar retornando ao palácio
posterior com ela.

A carruagem passou pelo portão do palácio, o cocheiro apresentando um selo que


servia como permissão escrita para entrar. Lishu havia assumido que seguiriam
diretamente para o palácio posterior, então ficou surpresa quando a carruagem
parou com o portão do palácio posterior ainda um pouco distante. "O que está
acontecendo?" ela perguntou à dama de companhia ao seu lado.

Inquietamente, a mulher tentou dar uma espiada no cocheiro, depois olhou de


volta para Lishu tão desconfortavelmente. "Parece que desejam falar com você,
senhora."

Nesse momento, várias mulheres de meia-idade entraram na carruagem. Lishu


não as havia visto no palácio posterior — pelas roupas delas, ela assumiu que
eram damas da corte que serviam no próprio palácio.

"Senhora Lishu", disse a que estava no centro, ajoelhando-se diante dela. "Por
favor, aceite nossas mais humildes desculpas, mas pelo próximo mês, será
solicitado que você viva fora do palácio posterior." Ela levantou a cabeça e olhou
nos olhos de Lishu.

Capítulo 9: Retorno ao Lar

O cavalo relinchou ao parar diante da Casa Verdigris.

Que viagem longa, pensou Maomao, descendo da carruagem e acenando


educadamente para o cocheiro. Ele descarregou suas bagagens com um baque.
Incluía os trajes que haviam sido considerados necessários para a jornada, que
agora eram dela para manter, junto com alguns produtos exclusivos e
medicamentos incomuns da capital ocidental — e uma carga gigantesca de
batatas.

"Maomao, meu Deus... Você está planejando abrir um novo negócio?" A velha
senhora se aproximou, segurando um cachimbo em sua mão enrugada. "Estou
feliz o suficiente por você ter conseguido que nos enviassem arroz, mas gostaria
que pensasse na quantidade. O celeiro não aguentará mais!"

Ela pegou uma das batatas secas de uma cesta. Ainda estava crua, mas
começando a brotar olhos, então teria que servir como semente.
Depois do confronto na vila do médico charlatão, Maomao acabou conseguindo
pelo menos tanto arroz quanto eles venderiam para ela. Ela avisou a senhora por
carta — o primeiro lote deve ter chegado já.

"E o que é isso?" a senhora perguntou, olhando para a batata coberta de pó


branco.

Maomao pegou, arrancou um pedaço e colocou na boca. Para uma batata, era
incrivelmente doce — quase tão doce quanto uma castanha seca.

A senhora pegou um pedaço também e mastigou. Seus olhos se estreitaram.


"Seria melhor grelhar um pouco primeiro. Está um pouco difícil para mim." Ela
gritou por um dos criados, instruindo-o a levar a cesta embora.

"Ninguém disse que você poderia ter todas elas", disse Maomao.

"Ninguém precisou. Eu sei muito bem que você e Chou-u não conseguem comer
todas essas sozinhas. Estou te ajudando aqui, e olha só você. Nem uma palavra
de agradecimento."

O último mês e meio claramente não tinham diminuído em nada o apego da


senhora à mesquinharia.
Mas Maomao não ia aceitar isso de braços cruzados. "Mesmo um ano de aluguel
grátis para a loja de medicamentos foi barato por todo esse arroz, não acha?" ela
disse. Troco miúdo. Ela escreveu em sua carta que, em vez de pagar pelo arroz
diretamente, a senhora poderia lhe conceder aluguel grátis. O fato de a velha não
ter dito nada sobre isso, Maomao considerou como um acordo.

"Sim, sim. Isso é separado. Você ganhou essas coisas de graça, não é? Bem,
compartilhe com seus vizinhos", disse a senhora. "Ei, pessoal, a Maomao está de
volta! E trouxe lembrancinhas!"

A velha nunca dava trégua! Seu grito atraiu uma multidão de cortesãs. O trabalho
havia acabado e elas deveriam estar descansando, mas o impulso mercenário era
forte.
"Sardas!" Chou-u saiu correndo da multidão, Zulin obedientemente seguindo sua
"patroa". Mas havia algo mais com elas... "Caramba, você demorou mesmo!
Simplesmente some, e aí some de casa por quase dois meses?! Isso não estava
no acordo!"

Pois é, Maomao também não tinha negociado isso. O que a incomodava mais,
porém, era a criatura atrás delas.

"Ei, o que é aquilo atrás de você?" ela exigiu de Chou-u.

"Não me diga que esqueceu da Zulin! Que desagradável!"

"Não é disso que estou falando. Atrás dela." Maomao apontou para uma gata
malhada sentada e se limpando.

"O quê, você não lembra da Maomao? Nossa, que frieza," disse Chou-u.

"Oh, acredite, eu me lembro dela", disse Maomao. Mas o bolinho de pelo deveria
estar na vila do charlatão. O que ela estava fazendo aqui no distrito de prazeres?
"O que eu quero saber é por que ela está aqui?"

Foi a senhora quem respondeu. "Ela veio junto com o arroz! Não dava para enviar a
gata de volta sozinha, não é? De qualquer forma", ela acrescentou, "acabei de ver
alguns ratos no celeiro, então acho que ela pode ficar por um tempo. E ela é
amigável — o que a torna popular com os clientes. Precisamos fazer algo sobre o
hábito dela de roubar acompanhamentos durante o jantar, porém."

A senhora era uma mulher prática. Ela nunca teria um animal de estimação — mas
um animal que pudesse se tornar útil, isso estava tudo bem.

Maomao (a garota) lançou um olhar sombrio para Maomao (a gata). O bolinho de


pelo estreitou os olhos, bocejou um pouco e disse: "Miau!"
Naquele momento, alguém saiu cambaleando da loja de medicamentos.

"V-Você está em casa?" perguntou o homem, Sazen. Maomao o encarregara de


cuidar da loja enquanto estava fora. Ele nunca foi a pessoa mais robusta, mas
agora parecia abatido e tinha uma barba desgrenhada no rosto. Ele se aproximou
cambaleando de Maomao e logo desabou no chão. "A loja... É toda sua..." ele
conseguiu dizer, e então desmaiou.

Chou-u cutucou-o com um pedaço de pau que tinha arranjado em algum lugar.
"Para com isso", disse a senhora, ordenando a um criado que tirasse Sazen do
caminho.

"As pessoas estavam pegando resfriados para todo lado enquanto você estava
fora, Sardas. Usamos toda a medicina que você fez antes de partir, mas as
pessoas continuavam nos implorando por mais", disse Chou-u a Maomao.

Ela assentiu: fazia sentido. As pessoas frequentemente adoeciam com a mudança


das estações, então não havia sido suficiente mesmo que ela tivesse feito mais do
que esperava precisar. Muito poucas pessoas no distrito de prazeres podiam pagar
para ir ao médico para um tratamento adequado — tomar alguma medicina era o
máximo que podiam fazer. E muitos nem mesmo faziam isso.

"Alguns eram realmente insistentes", acrescentou Chou-u. "Um até roubou


alguma medicina, porque disse que a havia conseguido de graça no ano passado!"

O velho de Maomao provavelmente a tinha dado para o cara — um mau hábito


dele. Ele distribuía tratamentos de graça para quem aparecesse chorando e se
lamentando, e depois de ter dado remédio uma vez, todo mundo queria de graça.
Sem dúvida, ele havia distribuído generosamente os estoques da loja até que a
senhora tivesse percebido.

Maomao entrou na loja de medicamentos. Viu um pilão e um almofariz contendo


algum medicamento pela metade, junto com um livro médico no chão. Ela pegou
o livro e folheou as páginas, que estavam sujas, como se Sazen as tivesse
manuseado com os dedos sujos. Normalmente, ela poderia ter dado uma bronca
nele por não tratar o livro com o devido respeito, mas quando o viu ali, não
conseguiu dizer nada.
Acho que dei sorte com ele, pensou. Ele não era muito habilidoso, mas também
não desistia facilmente. Isso era o que realmente importava.

Maomao foi até as gavetas do armário de remédios, contabilizando quais drogas


precisavam ser repostas. Depois, começou a limpar o chão bagunçado.

Estava úmido na loja. O tempo passou enquanto ela estava ocupada limpando
desde sua ausência, e agora era início do verão. A chuva caía continuamente sem
sinal de parar. Um jovem — o herdeiro de uma importante casa comercial —
passou com uma prostituta que Maomao conhecia, trotando sob um guarda-
chuva como se para ilustrar que esta estação tinha seus encantos. A mulher
provavelmente odiava molhar suas roupas, mas não ia perder essa chance de sair.
As atividades das cortesãs podiam ser bastante limitadas: o bordel era como uma
gaiola, e as cortesãs eram os passarinhos dentro dela.

"Dá para ouvir os grilos daqui", disse Meimei com um olhar ressentido para a
mulher do lado de fora. Ela mastigava uma batata seca com seus lábios
voluptuosos. As batatas eram bem saborosas se você as colocasse sobre o calor
por alguns minutos para amolecê-las. Elas eram doces à sua maneira, não como
aqueles lanches que usavam açúcar ou mel.

"Foi tão difícil para o pobre do Sazen também", ela acrescentou. Epidemias à
parte, Sazen talvez não tivesse desmaiado se a viagem de Maomao tivesse sido
em uma época um pouco diferente do ano. Sazen, que tinha uma propensão a se
sentir responsável nos momentos mais estranhos, evidentemente se privou até
mesmo do tempo para dormir para misturar ervas medicinais suficientes.

"Você não precisa dormir um pouco, Irmã?" Maomao perguntou. Ela tinha certeza
de que Meimei tinha estado no trabalho na noite anterior. A mulher mais velha
acabara de sair do banho, e seu cabelo ainda estava pingando. Dormir quando era
hora de dormir: isso também fazia parte do trabalho de uma cortesã. Enquanto
isso, uma cortesã de alta classe como Meimei tinha prática durante as tardes para
manter suas habilidades afiadas.

Meimei, no entanto, apenas mastigava preguiçosamente a batata e olhava


atentamente para Maomao. "Escute — ontem, meu patrocinador..."
"Sim?"

Meimei tinha três homens que eram seus patrocinadores, pelo que Maomao se
lembrava. Um era um oficial civil, e os outros dois eram comerciantes; todos eles
adoravam jogos de tabuleiro.

"Ele disse que eu deveria ir até a casa dele", disse Meimei. Ir até a casa dele: em
outras palavras, ele queria levar Meimei para casa com ele. Se ele estava falando
assim, não estava apenas pedindo para dar uma volta com ela.

"Ele quer te comprar?"

É isso que se resume."

Para uma cortesã, ser comprada era como se casar. Era uma oportunidade de ser
libertada da gaiola do bordel. Meimei, no entanto, não parecia feliz com isso.
Maomao conseguia entender: seu gosto por homens era extraordinariamente
ruim.

"Ele é problema, esse cliente?" Maomao perguntou.

"Não, eu não diria isso."

"A madame é contra?"

"Oh, ela adora a ideia."

Isso poderia parecer tornar tudo simples, mas essa decisão influenciaria o resto
da vida de Meimei. Maomao podia bem imaginar que ela não gostaria de tomar
essa decisão de ânimo leve. Não era uma escolha que pudesse ser facilmente
desfeita depois de tomada.
Meimei ainda era uma cortesã popular, mas quem sabia por quanto tempo isso
duraria? A idade era uma barreira inevitável para algumas em sua linha de
trabalho, e a maioria das mulheres teria se aposentado da profissão há muito
tempo.

"Esse cara, a esposa dele faleceu, mas ele tem filhos", explicou Meimei.

"Hmm." Maomao não parecia particularmente interessada. Ela não tinha a


intenção de responder de forma tão apática, mas de repente se viu imaginando o
estrategista excêntrico. No fim das contas, ela tinha dado a ele uma bebida
alcoólica para deixá-lo inconsciente e depois feito sua fuga antes que ele
acordasse. Lahan tinha ido com ela, ansioso para voltar para a capital para
coordenar sobre as batatas. Rikuson tinha efetivamente tirado a sorte curta e teve
que ficar para trás. O estrategista estava murmurando em seu sono novamente
sobre fazer um livro, e no momento ele provavelmente estava ignorando todo o
seu trabalho para se concentrar nessa tarefa.

Maomao se perguntou se Meimei ainda tinha sentimentos por esse tipo de


homem. Ela sabia que não havia mais uma cortesã comprada em sua casa?
Maomao brevemente se perguntou se deveria contar para sua irmã mais velha
sobre isso — mas a informação parecia tão provável de tornar a vida de Meimei
mais difícil quanto mais fácil, então ela ficou quieta.

"As crianças geralmente não gostam muito de mim", disse Meimei.

"Você não pode simplesmente ignorá-las?" Maomao respondeu.

"Ideia interessante..." Por alguma razão, ela parecia estar estudando Maomao. Ela
tinha terminado a batata e estava limpando a gordura dos dedos com um lenço.
"Falando em crianças, onde está aquele moleque travesso seu?" ela perguntou,
tentando mudar de assunto.

“Chou-u? Sem ideia. Provavelmente com Ukyou ou Sazen.”

"Hm. Tem algo que eu gostaria que ele desenhasse para mim."
"Pornô?"

Meimei sorriu e beliscou carinhosamente a bochecha de Maomao. Maomao se


arrependeu da pergunta; ela percebeu que esse tipo de piada era mais a praia de
Pairin.

"Pensei que todo mundo já estaria cansado dele a essa altura, mas sua
popularidade parece surpreendentemente duradoura", disse Maomao, esfregando
sua bochecha vermelha. Chou-u tinha feito um grande sucesso desenhando
retratos das cortesãs e dos criados, mas Maomao tinha assumido que o interesse
era principalmente impulsionado pela novidade.

"Com certeza. Esse garoto, ele é talentoso." Meimei saiu da loja de medicamentos
e foi para o balcão do atendente, onde pegou um leque dobrável. A armação de
bambu estava coberta com papel de qualidade e decorada com uma imagem de
um gato brincando com uma bola. O animal era um malhado — talvez Chou-u
tivesse usado Maomao como modelo — e apesar da escassez de linhas usadas
para representá-lo, a criatura parecia surpreendentemente viva.

Justo naquele momento — quase como se soubesse do que estavam falando —


Maomao, a gata, passou por ali; seu rabo ficou para cima e ela soltou um "Miau!"

"Quando o negócio de retratos dele começou a perder o fôlego, o garoto começou


a inventar coisas como essa", disse Meimei. "Ele sabia que muitas cortesãs
gostavam de gatos. Eu me perguntava por que ele estava passando todo o seu
tempo seguindo Maomao por aí — e então ele veio com isso!"

Maomao (a garota desta vez) não disse nada. Chou-u certamente era meticuloso.
E embora a armação do leque fosse antiga, o papel era novo. Ele o havia renovado
com coisas presumivelmente enviadas da vila do charlatão. Então o papel tinha
sido dado a ele, e ele tinha reformado a armação — em outras palavras, os
materiais tinham sido gratuitos.

Maomao teve que admitir que a habilidade de desenho de Chou-u parecia ter
melhorado substancialmente — talvez tivesse a ver com o quão rapidamente as
crianças cresciam e amadureciam. Ela tinha certeza de que antes, seus desenhos
eram mais superficiais.

"Oh, é verdade — o garoto está aprendendo com um pintor, acho", disse Meimei.

"Isso é novidade para mim." Maomao franziu o cenho.

"Você estava fora no oeste por tanto tempo. Um cliente de uma grande casa
comercial trouxe esse cara junto — um pintor de ponta, pelo menos foi o que ele
disse."

"Ah," respondeu Maomao. Era uma história familiar: pessoas ricas compravam
pinturas ou cerâmicas o tempo todo; era meio que um esporte para elas. Quando
isso não bastava, elas se cercavam dos artistas que criavam obras que
particularmente gostavam. Era um hobby caro, que só os ricos podiam se dar ao
luxo de ter.

"Acredite se quiser, ele disse que iria apresentar o cara para Joka", acrescentou
Meimei.

"Caramba!"

Joka era uma das "três princesas" da Casa Verdigris, mas ela detestava homens.
Oficiais civis ou estudantes talvez pudessem pelo menos conversar com ela sobre
poesia ou os exames civis, mas pintura não era exatamente sua praia.

"Isso não é tudo", disse Meimei. "Esse pintor? Descobriu que ele se especializa em
retratos de mulheres bonitas." Sua melancolia de momentos antes havia
desaparecido, substituída por um sorriso e ondas animadas e fofoqueiras da mão.

"Estou imaginando que nossa querida irmã não levou isso muito bem", disse
Maomao.
"Oh, ela não levou mesmo! Ela estava tão brava. E você sabe o que ela faz quando
fica brava — ela escreve poesia. Aí uma novata ignorante copiou exatamente um
dos poemas de Joka e enviou para um cliente! Houve um rebuliço!"

Joka era uma especialista em poemas e letras — mas era preciso ter cuidado com
qualquer coisa que ela escrevesse com raiva. Os versos poderiam parecer bonitos
à primeira vista, mas estavam impregnados de veneno. Ela não podia ser
permitida escrever para os clientes quando estava de mau humor — a madame se
certificaria de verificar a correspondência de saída de Joka em momentos assim.

Enquanto o apetite de Pairin por homens podia torná-la difícil de lidar, Joka estava
no outro extremo da escala e era igualmente problemática.

Maomao, a gata, se esgueirou entre as pernas de Meimei e miou por um petisco.


Meimei a pegou e a colocou em seus joelhos, fazendo carinho embaixo do queixo
dela.

"Então esse é o pintor que Chou-u tem aprendido?", perguntou Maomao (não a
gata).

"Uh-huh. Joka estava determinada a enviar aquela carta desagradável, e ela usou
Chou-u como seu mensageiro."

Parecia que o Sr. Comerciante estava desesperado para que o Sr. Pintor criasse
uma imagem de Joka. A intenção era para que o homem fizesse um esboço rápido
quando conhecesse a cortesã, e então completasse seu rascunho final mais
tarde. Simples assim. Mas Joka não ia ficar ali sentada deixando ele estudá-la. Em
vez disso, ela conduziu toda a reunião de trás de uma tela dobrável — rude, mas
eficaz.
Indiferentes, o Sr. Comerciante e o Sr. Pintor deixaram seu endereço e
imploraram para Joka entrar em contato com eles. Normalmente, uma carta seria
entregue por uma aprendiz de cortesã acompanhada por um criado, mas não se
podia pedir a uma jovem para entregar uma mensagem de tal veneno, então Joka
chamou Chou-u em vez disso. Uma maneira inteligente de contornar o processo
de triagem da madame.
Chou-u entregou a carta — tudo bem — mas ele também se interessou pelas
pinturas do Sr. Pintor e começou a passar tempo com ele.

"Ele pode até estar lá hoje", disse Meimei.

"E depois de eu ter avisado para ele não sair", resmungou Maomao. Ela desejava
que todos os outros pensassem no que significava ficar de olho em Chou-u. Ele
ainda arrastava uma perna — se algo acontecesse com ele, ele teria dificuldade
para reagir.

"Ei! Maomao!" ela ouviu Ukyou chamar.

Maomao se levantou, ignorando a gata, que havia se virado de costas e estava


implorando por comida. "O que foi?" ela respondeu. Ukyou parecia angustiada.

"É o Chou-u!"

"O que ele fez desta vez?" Maomao franziu a testa, parecendo não estar nada
surpresa com esse desenvolvimento.

"Por favor, apenas venha comigo", disse Ukyou, segurando sua mão. "Um amigo
dele está morrendo!"

Capítulo 10: Os Bolinhos Ruins


Ukyou levou Maomao para uma mansão no meio da cidade. Na capital, quanto
mais ao norte você ia, melhor era a segurança pública, e era lá que a maioria das
casas da classe média estava localizada.

Uma das casas parecia mais desgastada do que as outras. Deve ter sido magnífica
à sua própria maneira, mas agora algumas telhas do telhado estavam faltando, e a
parede de argila havia cedido em alguns lugares, revelando a estrutura de bambu
por baixo. Parecia menos uma questão de idade e mais que o proprietário não
mantinha a manutenção.

"Aqui, é isso." Ukyou bateu na porta da casa em ruínas. "Desculpe, mas é até aqui
que posso ir. Vou levar uma bronca da patroa se não voltar logo", ele disse.

"Sim, entendo", disse Maomao, mas quando ela entrou na casa decadente, foi
com um olhar de certa curiosidade. Ukyou certamente parecia ser um homem
ocupado. "O que é isso?" ela se perguntou em voz alta ao entrar. Apesar do estado
deteriorado do exterior da casa, por dentro estava notavelmente arrumado e
limpo.

Mas não foi isso que a surpreendeu. Em vez disso, foram as paredes. Estavam
pintadas de branco e cobertas de estuque, sobre as quais imagens haviam sido
pintadas. Um jardim de pêssegos se espalhava por uma parede inteira - mas não
eram três bravos guerreiros dando mordidas nos pêssegos, e sim uma bela
mulher. Ela tinha um formato um pouco parecido com o de um pêssego, seu
cabelo era negro como azeviche, e dentes brancos espiavam por entre lábios que
pareciam tão luxuriantes quanto a fruta que ela estava comendo.

Ela era a própria essência da imortal da vila dos pêssegos.

Isso é algo que você só tem tempo para fazer se tiver um patrono, pensou
Maomao. Meimei tinha dito que o homem fazia pinturas de mulheres bonitas, mas
Maomao nunca tinha imaginado algo tão espetacular. Ela estudou a parede
atentamente - as superfícies pintadas tinham um brilho único, diferente das
pinturas com as quais estava acostumada. Ela estava prestes a passar um dedo
ao longo da parede na esperança de descobrir do que era feita o material quando
ouviu passos apressados.
"Sardenta! Ei, Sardenta! Por que está parada aí? Venha ver, rápido!" Era Chou-u,
com o rosto pálido.

Maldição, é verdade. Maomao tinha o péssimo hábito de se envolver


completamente com qualquer coisa que chamasse sua atenção. Ela permitiu que
Chou-u a arrastasse pela casa, até chegarem ao que parecia ser uma sala de
estar. Estava repleta de objetos diversos: pós coloridos (provavelmente
pigmentos), cascas de ovos (por algum motivo), um pó branco que ela imaginou
ser estuque e outra substância para espessá-lo.

No meio da sala, um homem estava deitado em um sofá. Outro homem, com uma
expressão preocupada, estava ao seu lado. O homem no sofá estava abatido e
sem barba, e sua palidez ultrapassava o pálido; ele estava praticamente branco. A
única cor em sua pele parecia estar em suas pontas dos dedos, que estavam
cobertas de tinta. O homem ao lado dele parecia meticuloso, exceto que suas
mãos também estavam sujas.

"Você precisa ver o mestre!" disse Chou-u.

O "mestre" devia ser o famoso artista progressista. Havia um balde cheio de


vômito ao lado do sofá.

Maomao começou a examinar o homem. Seus braços e pernas tremiam


ocasionalmente. Ela abriu os olhos dele e olhou suas pupilas; ela tomou seu
pulso. Até onde podia dizer, ele mostrava todos os sinais de estar com intoxicação
alimentar.

"Quais são os sintomas dele?" ela perguntou.

"Eu acho que ele estava vomitando e tendo diarreia por um longo tempo", disse
Chou-u.

"Quando finalmente parou, ele parecia estar sofrendo com o frio, então eu o
deitei", acrescentou o homem que estava próximo.
"E quem é esse?" perguntou Maomao.

"Ele é o amigo de trabalho do mestre! Vamos, depressa!"

Chou-u podia intimidá-la o quanto quisesse, mas havia apenas tanto que Maomao
podia fazer. Se você não soubesse qual toxina estava em ação, não poderia tratá-
la. Se fosse verdade que o homem tinha vomitado e tido diarreia, porém, havia
uma coisa que certamente estaria faltando.

"Chou-u, me traga sal e açúcar. Se não houver na casa, arrume de algum lugar",
disse Maomao. Ela tirou uma bolsa de moedas das dobras de sua túnica e jogou
para ele.

"Entendi", ele disse e saiu apressado da sala. Ele talvez não conseguisse correr
bem por causa de seu corpo meio paralisado, mas pelo menos podia ser confiado
com essa tarefa.

"Vou usar a cozinha", disse Maomao ao amigo de trabalho, que assentiu.

Ela foi para a cozinha e olhou na jarra de água para garantir que a água ainda
estava boa. Ela teria preferido ferver, mas não havia tempo. "Esta água é fresca?"
ela perguntou.

"Foi comprada do vendedor de água potável ontem, então deve estar tudo bem",
disse o homem. Sim, se eles tivessem comprado a água, então deveria ser segura.
O mesmo pode não valer para as partes mais ásperas da cidade, mas por aqui, era
improvável que alguém vendesse algo adulterado. Maomao pensou que poderiam
praticamente descartar com segurança a possibilidade de o artista ter bebido
água contaminada. Ela pegou uma concha cheia, cheirou e deu um gole, mas até
onde podia dizer, cheirava e sabia normal. A casa pode não parecer muito, mas
pelo menos eles podiam pagar uma água decente.

"Você tem alguma ideia do que poderia ter acontecido?" Maomao perguntou ao
homem meticuloso.
"Acho que sim", ele disse. Apesar de seu desconforto, ele tinha presença de
espírito o suficiente - e cortesia suficiente - para oferecer a ela uma cadeira. Ele
sentou-se em um barril em vez disso. "Ele adora comer comida estragada - é um
mau hábito dele. Suspeito que esse seja o problema aqui."

Então era intoxicação alimentar, como Maomao havia pensado.

"Ele encontrou alguns bolinhos recheados que ele comeu. Eles estavam com
gosto estragado, então nós cuspi..amos imediatamente, mas ele jurou de pé junto
que ficariam bem se cozinhássemos, e ele os comeu."

"Quem é 'nós'?"

"Ah, o moleque estava conosco."

O moleque? Devia ser como chamavam Chou-u.

Comida ruim não se tornava magicamente boa só porque você a cozinhava um


pouco mais. O elemento venenoso da estragada muitas vezes permanecia. Um
bolinho mofado, por exemplo, ainda podia ser tóxico mesmo se você raspasse o
mofo. Mas poucas pessoas se preocupavam com isso. Às vezes, elas não tinham o
luxo de se preocupar com um toque de veneno, quando enfrentavam a escolha
entre comer comida ruim e não comer nada.

"Ah! O que eu vou fazer? Mesmo que ele volte a trabalhar na pintura, ela não estará
pronta a tempo." O homem passou os dedos por uma grande placa apoiada em
uma parede. Estava pintada de branco e trazia um esboço, um contorno fraco de
uma mulher. Sem dúvida, o próximo passo seria colori-la, a imagem se tornando
cada vez mais vívida à medida que as cores ficavam mais vivas. "Ele prometeu que
estaria pronto em dez dias a partir de agora!"

Dez dias? Então havia algum tipo de prazo envolvido.


"Estou de volta!" disse Chou-u, entrando com açúcar e sal, que entregou a
Maomao. Ela os colocou na água que tinha preparado, misturando-os, depois
pegou um pouco de algodão que tinha consigo e mergulhou na água. Deixou a
água escorrer do pano na boca do homem, administrando o líquido várias vezes.

Ela estava em dúvida se deveria mantê-lo aquecido ou induzir uma febre. Se nada
mais, as roupas sujas que ele estava usando agora não seriam capazes de
absorver seu suor. Ela fez com que o trocassem por um sobretudo de algodão que
pudesse absorver a transpiração. Deitá-lo em um sofá também não devia estar
fazendo muito bem; ela preparou uma cama adequada e então começou a
preparar remédio para o estômago.

O homem vomitou mais duas vezes enquanto ela fazia tudo isso, mas não havia
muito a trazer; apenas o cheiro acre do ácido estomacal impregnava o quarto.

Talvez mantê-lo livre de suor e dar-lhe líquidos estivesse tendo efeito, porque à
noite ele parecia mais calmo e seus espasmos tinham parado. Maomao, Chou-u e
o parceiro do homem estavam todos exaustos. Não havia nada nesta casa além
de materiais de pintura, e até mesmo preparar o quarto para uso havia exigido
pedir ajuda aos vizinhos. O colchão estava tão duro quanto um biscoito de arroz
velho e tão mofado quanto. Que tipo de vida esse homem tinha vivido?

Maomao e Chou-u estavam cada um em uma cadeira. O sofá em que o dono da


casa havia estado deitado agora estava livre, mas honestamente, ninguém estava
interessado em usá-lo até que tivesse sido completamente limpo.

"Você acha que ele vai sobreviver, Sardenta?" perguntou Chou-u, com
preocupação na voz.

"Provavelmente", disse ela. Era impossível ter certeza, mas supondo que nada
inesperado acontecesse, ela achava que o homem recuperaria a consciência.
Eles teriam que tentar mantê-lo quieto por um tempo e dar-lhe comida que
ajudasse sua digestão. A casa nem sequer tinha arroz suficiente para fazer um
mingau fino; eles teriam que ir buscar. Aliás, também não havia panelas decentes
para cozinhar.
Lendo habilmente a situação, o outro homem disse: "Vou buscar arroz e uma
panela de barro na minha casa." Não devia ter sido fácil; ele também estava
cansado. Será que ele era tão próximo do homem que era dono desta casa?

"O que nosso paciente costuma comer, afinal?" murmurou Maomao.

Ela estava meio que falando consigo mesma, mas Chou-u respondeu: "O mestre
sempre compra coisas em barracas de rua, ou às vezes os vizinhos lhe dão
comida. Hoje foram aqueles bolinhos."

"Isso explica o estado em que ele está", disse Maomao, provocando uma
expressão de nojo de Chou-u. "O que foi?"

"Nada. Só estou pensando naquelas coisas que comemos hoje. Eu e o outro cara
dividimos os bolinhos com o mestre, mas eles estavam tão nojentos que cuspi. Já
achei eles estranhos antes de provar, porém."

Uma coisa estranha sobre eles, por exemplo, foi a maneira como o mestre disse
"Não me lembro de ter visto esses por aqui" quando viu os bolinhos na mesa. Isso
poderia parecer um sinal de alerta, mas o artista, mesmo assim, os ofereceu aos
seus convidados.

"Acho que aprecio que ele estava tentando ser hospitaleiro e tudo mais, mas sinto
que há muitas coisas por aqui que talvez ele não devesse comer." Chou-u soou
desinteressado. Sempre se ouvia dizer que havia muitos esquisitos entre os
artistas, e parecia ser verdade.

Maomao apoiou os cotovelos no braço da poltrona e colocou o queixo nas mãos.


"Estou surpresa que você tenha sido capaz de colocar algo assim na sua boca."

"Quero dizer, o outro cara disse que ia comer também, e eles pareciam bons."

O outro cara; em outras palavras, o amigo de trabalho de antes. Chou-u sempre


estava com fome, então ele era capaz de comer qualquer coisa que parecesse
remotamente comestível. Isso fazia alguém se perguntar se ele realmente tinha
sido filho de uma casa de família.

"Mas estava tão amargo! Acho que talvez o recheio de feijão tinha azedado ou algo
assim", ele disse.

"Amargo?" Maomao perguntou.

"Sim, terrível! Eu fiquei tipo, ugh! e cuspi. E o outro cara também."

Então parecia bem, mas tinha gosto amargo? Maomao cruzou os braços e inclinou
a cabeça. "Era realmente amargo? Não mais como azedo?"

"Sim, era amargo. 'Azedo' não é a palavra que eu usaria."

"E o recheio não cheirava estranho?"

"Se tivesse cheirado, provavelmente eu não teria comido." Chou-u havia tirado os
sapatos e estava chutando os pés. Eles tinham aberto a janela para trocar o ar no
quarto, e ficou úmido lá dentro. A noite tinha caído; Maomao encontrou uma
lâmpada jogada por aí e a acendeu. Era uma luz de aparência incomum - desde
suas tintas até suas fontes de iluminação, esse artista parecia gostar de coisas
importadas -, mas queimava óleo de peixe, então Maomao estava acostumada
com o cheiro. (Na verdade, a gata Maomao tinha começado a lamber o óleo
recentemente; estava se tornando um problema.)

"O recheio tinha algum fio ou coisa parecida? Alguma coisa grudada nele?"

"Grudada nele? Bem, agora que você mencionou..." Chou-u pareceu ter pensado
em algo. "Acho que pode ter parecido um pouco viscoso. Eu cuspi tão rápido que
não tenho certeza. O outro cara disse que estava podre e mandou cuspir.
Limpamos nossas bocas com água e não engolimos nada."

Maomao estava perplexa.


"Mas eu não acho que esses bolinhos teriam ficado melhores só porque foram
cozidos. Eu me pergunto se há algo errado com a língua do mestre." Chou-u olhou
para o homem dormindo com verdadeira exasperação.

Algo errado com a língua dele, pensou Maomao. Ela estava começando a enxergar
uma luz no fim deste túnel. "O que vocês fizeram com os que sobraram, então?"
ela perguntou.

"Jogamos fora! Estão na lata de lixo lá fora. O mestre ficou todo chateado por
desperdiçarmos comida, mas pelo menos ele não foi tentar tirá-los da lixeira."

Assim que Maomao ouviu isso, ela pegou a lâmpada e saiu, onde localizou a caixa
de madeira para o lixo. Um cheiro repugnante emanava dela - o lixo ainda estava
dentro. Bem em cima estavam dois bolinhos meio comidos. Maomao ficou feliz
por ter chegado antes dos homens virem levar o lixo para ser ração para os porcos.

"Caramba! O que você está fazendo? Isso é nojento!" disse Chou-u quando a viu
revirando o lixo. Mas Maomao não tinha escrúpulos em pegar um bolinho
amassado com as mãos nuas. Ela olhou para o recheio e descobriu carne de
porco moída e vários tipos de legumes. Ela abriu o bolinho, tentando descobrir
exatamente o que havia dentro.

Chou-u observou. "Sardenta... Por favor, pare de sorrir enquanto mexe no lixo cru.
É super assustador."

Um sorriso deve ter surgido em seu rosto sem ela nem perceber. Se ela estava
sorrindo, era de excitação - ela não conseguia ignorar a empolgação.

"Isso foi o que seu mestre ou quem quer que tenha cozinhado e comido?"

"Sim. Garanto que ele não tem paladar ou algo assim. Tinha um gosto horrível,
mas ele continuava dizendo como era delicioso."
Uma hipótese começava a se solidificar na mente de Maomao. "E quanto ao outro
cara? O que ele veio fazer aqui hoje?"

"Provavelmente para impedir o mestre, eu acho. O mestre jurou que quando


terminasse o trabalho que estava fazendo, partiria imediatamente para uma
viagem." Chou-u olhou para baixo, desanimado.

"Que tipo de viagem?"

"Bem, ele disse que estudou pintura no oeste uma vez, lá atrás. Ele viu uma
mulher linda lá e nunca a esqueceu. É por isso que ele só pinta quadros de
mulheres, ele diz."

O oeste? Isso a lembrou da lâmpada, das tintas - tudo tinha um forte cheiro de
exotismo.

"O outro cara continua tentando dizer a ele que não há como uma mulher que ele
viu décadas atrás ainda estar por aí, mas ele está desesperado para encontrá-la
novamente."

O fluxo do tempo não era misericordioso; não importa quão bela, nenhuma
mulher poderia resistir aos efeitos da idade. Mesmo uma dama que uma vez
chorou lágrimas de pérola poderia acabar como uma velha gananciosa e murchar.
Se houvesse tal coisa como uma mulher que não envelhecesse, ela teria que ser
uma imortal ou uma fada ou algo assim.

"O q-Que diabos você está fazendo?"

Ah, falando do diabo: o "outro cara" havia retornado com arroz e uma panela. Ele
estava tão chocado que deixou a panela cair e correu até ela.

Na escuridão, coberta de lixo, Maomao deve ter parecido uma visão assustadora.
Ela ainda não tinha apagado o sorriso perturbador do rosto. Até mesmo ela achava
estranho sorrir tão intensamente - mas não conseguia parar. Em vez disso, sorriu
para o homem, segurando punhados de lixo em ambas as mãos. Então olhou para
Chou-u.

"Chou-u, você pode ir para casa. Um dos criados deve estar vindo buscá-lo em
breve." Ela presumiu que Ukyou, pensativo como era, apareceria para ver o que
estava acontecendo agora que o sol havia se posto. Ele poderia pedir a alguém
para cobrir seu trabalho.

"O quê? De jeito nenhum que estou indo embora já!"

"Você deve estar cansado. Pelo menos durma um pouco até alguém vir buscá-lo."

"É, bem... Lave suas mãos, Sardenta." Ele não tinha uma resposta real, o que
significava que estava cansado. Ele bocejou e entrou.

"Sinceramente... O que você está fazendo?" o parceiro do pintor perguntou


novamente, observando Maomao a uma distância segura. Ele estava olhando para
o lixo em suas mãos.

"Posso falar com você por alguns minutos? Vou lavar minhas mãos primeiro."
Maomao colocou o lixo no chão e seguiu para o poço.

Maomao e o homem estavam sentados na cozinha novamente, Chou-u e o mestre


dormindo no próximo cômodo. Eles falavam baixo para não acordá-los.

"O que você queria conversar?" perguntou o homem.

"Você sabe muito sobre cogumelos venenosos?" disse Maomao.

"Não diria que pensei que essa fosse a direção dessa conversa", disse o homem,
mas ele não a olhava diretamente.
Algumas coisas sobre esse caso haviam chamado a atenção de Maomao como
incomuns. Por exemplo, você esperaria que algo podre tivesse um gosto azedo.
Claro, algumas coisas podem ficar amargas quando estragam, mas um sabor
amargo não era suficiente para ter certeza de que estava lidando com comida
estragada. E se o sabor fosse tão ruim a ponto de fazer os outros dois cuspirem,
por que não tinha incomodado o velho mestre?

Então havia a questão de onde os bolinhos sequer tinham vindo.

"Você sabia que existem certos cogumelos que são amargos quando crus, mas
que o sabor desagradável desaparece quando são cozidos? Além disso, esses
cogumelos são venenosos - muitas vezes estão por trás de casos de intoxicação
alimentar nesta época do ano."

Este cogumelo em particular frequentemente era confundido com uma variedade


comestível usada na culinária. A superfície era ligeiramente viscosa, o que
condizia com a descrição de Chou-u, bem como os cogumelos que Maomao
observara no recheio dos bolinhos no lixo.

Se eles tivessem obtido a comida de uma barraca de rua ou algo assim, poderia
ter havido uma comoção pública sobre isso - mas, de qualquer forma, ninguém
continuaria comendo algo que tivesse um gosto verdadeiramente terrível.

Eles tinham conseguido a comida de alguém no bairro? Mas não houve conversa
sobre pessoas com dor de estômago - alguém teria dito a eles se houvesse.

Nem as explicações da barraca de rua nem do bairro pareciam muito prováveis.

"Posso perguntar quem trouxe os bolinhos?" disse Maomao. Ela olhou para as
pinturas de mulheres bonitas que pareciam adornar todas as paredes. Cada uma
parecia uma linda imortal feminina, e cada uma tinha características distintas e
individuais, sugerindo que o artista havia usado um modelo diferente para cada
uma.

O prazo para o trabalho que o artista estava fazendo agora estava se aproximando,
e quando terminasse, o mestre havia afirmado que partiria para o oeste. Este
homem aqui estava tentando impedi-lo. Ele afirmava ser um colega, mas não
havia nada nele que realmente dissesse artista.

"O que você está tentando dizer? Foi apenas intoxicação alimentar", disse o
homem.

"Sim, certamente foi isso. Intoxicação alimentar causada por alguns cogumelos."

Os bolinhos na verdade não estavam podres - mas estavam envenenados, e foram


desde o início.

"Por que você fez isso?" perguntou Maomao. "Por que você colocou veneno nos
bolinhos? Por que você estava tão desesperado para fazer parecer um acidente
que até envolveu Chou-u?"

"Eu n-não sei do que você está falando."

"Não tenho a impressão de que você pretendia matá-lo", disse Maomao, e o


homem não respondeu. "Se algo, acho que sinceramente você não quer que ele
morra. Estou errada?"

O homem ficou em silêncio por um momento, depois fechou os olhos e soltou um


longo suspiro. "O veneno se mostrou mais potente do que eu esperava." Este
homem era do tipo direto - isso parecia tão bom quanto uma confissão. "Foi
errado envolver o garoto nisso, mas se isso o salvou, então estou feliz por tê-lo
feito."

Maomao não sabia o que teria feito se o homem tivesse se revelado do tipo
violento. Mas ele permaneceu calmo; mais do que tudo, ele parecia preocupado
com o velho pintor. Em seu rosto, havia uma combinação de alívio e
arrependimento.

"Eu vejo o quanto você está feliz por ele estar bem. Por que envenená-lo em
primeiro lugar, então?" perguntou Maomao.
"Porque ele estava indo embora! Ele não parava de falar sobre sua viagem para o
oeste, mas não pretende voltar!"

"Ele estava se mudando permanentemente?"

"Sim. Ele está obcecado com a ideia... de novo."

O homem levantou-se de sua cadeira e foi para o próximo cômodo. Ele olhou
amorosamente para as pinturas reunidas e depois foi para outro cômodo mais
fundo na casa. Este quarto, também, tinha paredes cobertas de imagens de
mulheres bonitas.

"Essas pinturas são deslumbrantes", disse Maomao, piscando para elas. Ocorreu-
lhe que se uma certa beleza elegante estivesse lá, ele praticamente poderia se
misturar. (Um pensamento irrelevante se já houve um!) Ele provavelmente estava
preso sob uma avalanche de trabalho no palácio agora. "Ouvi dizer que até
mesmo comerciantes querem colecionar seu trabalho. Se ele aceitasse
encomendas, provavelmente poderia ganhar a vida confortavelmente."

"Sim, mas ele não pode enviar a pintura até que esteja terminada."

"E essa jornada para o oeste dele, ele conversou com você sobre isso?"

"Sim, mas ele insistiu que era apenas uma viagem. Acho que ele sentiu que
precisava mentir até para mim. Deve ser uma mentira - caso contrário, por que ele
teria levado os últimos seis meses se preparando?"

Este homem só queria dar ao artista uma crise de intoxicação alimentar - uma
razão para adiar seu prazo. Maomao, praticamente arrastada para a capital
ocidental, entendia que qualquer empreendimento ainda mais a oeste exigiria
preparativos substanciais. Prova de identificação para atravessar a fronteira, uma
caravana para levá-lo. Se você perdesse sua oportunidade, praticamente teria que
começar do zero. Era isso que esse homem esperava que acontecesse.
"Argh... Isso é terrível. Eu realmente pensei que ele pudesse morrer." O homem
colocou a cabeça entre as mãos e murmurou: "Por favor, não morra..." Ele estava
genuinamente, profundamente preocupado.

"Você não poderia ter usado um veneno mais leve?" Maomao perguntou, embora
percebesse que poderia parecer estranho falar de qualquer veneno como sendo
leve.

"Não - ele tem um estômago de ferro e uma constituição para combinar", disse o
homem. Era esse estômago incansável que convencera o artista de que qualquer
coisa poderia ser comida se fosse cozida corretamente - e que convencera este
homem de que apenas um veneno forte faria o trabalho.

Foi por isso que ele precisava de Chou-u, para fazer parecer que realmente era
intoxicação alimentar. Com uma terceira parte para testemunhar que os bolinhos
estavam estragados, ninguém suspeitaria de mais nada quando o pintor ficasse
doente do estômago.

Maomao mal podia acreditar nisso. "Por que você não conversou com ele,
então?"

"Eu conversei! Mais de uma vez. No começo, ele nem me contou sobre seu plano."

Eventualmente, no entanto, o artista teve problemas ao tentar arranjar tudo o que


precisava para sua viagem e recorreu a este homem em busca de ajuda. Mesmo
assim, ele ficou quieto sobre sua intenção de se mudar.

Este homem havia afirmado ser um pintor, mas na verdade ele era apenas um
assistente no trabalho do mestre. Ele misturava tintas, comprava pigmentos e
encontrava comerciantes interessados em adquirir as pinturas do mestre.

"Eu sou pouco mais do que um mensageiro. Sem o mestre, eu não sou capaz de
fazer nada!"

"Você realmente acredita nisso?" perguntou Maomao.


O mestre certamente era um pintor talentoso, mas como ser humano, ele parecia
estar faltando em algo - e pessoas assim tendiam a acabar mortas em algum
campo antes de muito tempo. Eles precisavam de assistentes como este.

"Eu aprendi coisas conversando com tantos comerciantes, no entanto, e tentei lhe
contar sobre elas", disse o homem. Ele ouvira dizer que coisas estranhas estavam
acontecendo no oeste - que eram apenas prenúncios, mas se os rumores fossem
verdadeiros, seria melhor manter a cabeça baixa por enquanto. "Mas ele insistiu
que, se fosse esse o caso, ele tinha que ir - que era agora ou nunca."

Em vez de ser dissuadido de ir para o oeste, o mestre redobrou seus preparativos.


Ele já havia se encontrado com o líder de uma caravana, então não havia como
este homem intervir por aquele lado.

Na sala escura havia uma grande tela coberta por um lençol branco.

"Ele desistiu da ideia de ir antes - mas então ele viu essa linda dama e isso
inspirou suas paixões novamente." O homem puxou o pano para trás.

Os olhos de Maomao se arregalaram. "Mas isso é..."

"Uma mulher muito parecida com a imortal que ele encontrou no oeste, ele diz.
Esta não é ela, mas ela se parecia tanto com a outra mulher que as lembranças
voltaram para ele. Eu acho que não posso culpá-lo. Como você poderia esquecer
alguém assim?"

É para isso que tudo isso está acontecendo? Maomao pensou, suando frio pelo
pescoço.
"O mestre disse que ela era uma sacerdotisa que ele viu em Shaoh", explicou o homem. A
pintura retratava uma mulher com cabelos brancos e olhos vermelhos.
Capítulo 11: A Ninfa Dançante das Águas

Para que estou fazendo isso mesmo? Maomao se perguntou, fazendo beicinho enquanto
preparava o pacote envolto em tecido. Era o tipo de coisa que ela usava ao comprar ervas
medicinais. Afinal, ela não cultivava e colhia tudo sozinha. Às vezes, recorria a um
especialista, da mesma forma que alguém buscaria seus mochis em um lugar que fazia
apenas bolos de arroz batido.

Maomao procurou por Sazen e o encontrou varrendo sem ânimo o saguão da Casa
Verderame. Ele tinha dormido por vários dias seguidos depois que Maomao tinha chegado
em casa, mas à medida que começou a parecer mais saudável, a senhora começou a
fazê-lo trabalhar mais novamente, enquanto Maomao o fazia estudar o trabalho de
boticário em seu tempo livre.

"Você pode cuidar da loja para mim? Vou só até a próxima vila; estarei de volta esta noite,"
ela disse, inclinando-se pela janela. Sazen estremeceu e apoiou o queixo na ponta da
vassoura.

"Você está falando sério? E só cuidar da loja é tudo que tenho que fazer?" Sob a tutela
implacável de Maomao, Sazen se tornara um trabalhador bastante competente, mas
parecia que ele ainda relutava em assumir por muito tempo.

"Tire qualquer erva pendurada no teto que tenha secado e moa. Preserve-as como
sempre fazemos."
"Sim, claro." Sazen encostou a vassoura na parede, depois colocou a mão por baixo da
camisa e coçou a barriga, o que Maomao recompensou com um olhar fulminante. Ela
conseguia ver a sujeira acumulando sob suas unhas.

"E certifique-se de lavar as mãos," ela acrescentou.

"Não precisa me dizer duas vezes."

"E debaixo das unhas também!"

Sim, Sazen era um aluno rápido, mas poderia se interessar um pouco mais pela higiene.
Muitos de seus clientes reclamariam se ele não se preocupasse com isso. Maomao teria
que continuar lembrando-o.

Será que ainda estou a tempo da carruagem compartilhada?, ela pensou. Alugar uma
carruagem só para si era caro. As carruagens chegavam à capital várias vezes por dia para
entregar provisões, e como descarregavam sua carga aqui, tinham espaço para servir
como viagens compartilhadas na volta. Levava tempo e era uma das formas mais
desconfortáveis de viajar, mas tinha uma vantagem inquestionável: era barato.

"Você está indo a algum lugar, Sardenta?" Chou-u perguntou, mostrando dentes da frente
que estavam começando a crescer de novo. Seu leal capanga Zulin estava ao lado dele.
Maomao lhes lançou um olhar azedo e então passou pelas crianças e saiu da loja de
boticário. "Ei, você está indo a algum lugar, não está?" Chou-u chamou atrás dela. "É para
o mercado? Se for fazer compras, eu também quero ir!"

Ele pegou Maomao, a gata, que estava dormindo no saguão, e usou a pata dela para
cutucar Maomao, a humana, num gesto de Leve-me, leve-me. "Nrah!" protestou a gata.

"Vou para a floresta," Maomao finalmente disse. "É um lugar chato no meio do nada."

"A floresta! Eu quero ir para a floresta! Me leva! Me leva! Me leva!" As cutucadas da gata se
tornaram verdadeiras tapas. A gata Maomao não estava mais feliz com isso do que a
humana, chutando as pernas até se livrar do agarre de Chou-u.

Em vez disso, Chou-u se jogou no chão. Maomao teria pensado que uma criança já teria
superado birras como aquela aos dez anos de idade, mas talvez sua criação mimada o
tivesse deixado para trás em maturidade. Ele parecia à frente de sua idade em alguns
aspectos; Maomao só lamentava que este não fosse um deles. Zulin estava se
preparando para imitar seu "chefe", mas Maomao a agarrou pela gola e a colocou de pé
antes que ela chegasse ao chão.

"Vou reportar você para a senhora," Maomao a advertiu, momento em que Zulin congelou
e balançou a cabeça vigorosamente. Evidentemente, seu coração não estava na birra; ela
só estava seguindo Chou-u.

"Qual é todo esse barulho aqui fora?" A senhora apareceu, parecendo cansada. Zulin
estremeceu.

"Vou pegar algumas ervas. Ele só iria atrapalhar, e você sabe disso." Ela apontou para
Chou-u, que ainda estava rolando no chão.

A senhora franziu o cenho para Chou-u, então soltou um suspiro exasperado e disse: "Ah,
leve ele logo."

"O quê?" Maomao perguntou, sua infelicidade estampada no rosto. Ela tinha certeza de
que a senhora, uma mulher eminentemente prática, veria que não havia motivo para levar
um moleque problemático em uma viagem de trabalho.

“O quê? De jeito nenhum! Sério, vovó?” Chou-u se levantou triunfantemente.

Zulin começou a pular para cima e para baixo imitando-o, mas a senhora a segurou com a
mão em sua cabeça. “Não você.” A cabeça de Zulin caiu em decepção. Ao contrário de
Chou-u, que parecia receber tratamento especial a cada momento, ela era uma aprendiz.
Se ela fosse autorizada a ir com Maomao e Chou-u, isso daria um mau exemplo para os
outros aprendizes. Zulin era essencialmente um bônus que veio com sua irmã mais velha,
mas se ela não provasse eventualmente que poderia fazer algo para ganhar dinheiro,
certamente seria direcionada diretamente para o trabalho de cortesã.

Chou-u deu tapinhas nas costas de sua lacuna desanimada. “Não se preocupe, vou ter
certeza de trazer uma lembrancinha para você!”

“E quem vai pagar por essa lembrancinha?” Maomao interveio imediatamente.


Chou-u a ignorou, continuando a conversar com Zulin: “Você vai poder sair um dia.
Aguenta firme — eu vou te comprar eventualmente!”

Maomao quase se engasgou. De onde ele tinha aprendido a falar assim? E ele sabia que a
maioria dos clientes que diziam esse tipo de coisa eram uns vagabundos preguiçosos?

A senhora, ignorando o garoto tagarela, cutucou Maomao.

“E por que estou levando ele, exatamente?” Maomao rosnou para ela. A senhora enfiou a
mão na gola e coçou a clavícula. “Você ficou fora por uma eternidade. Você sabe como o
Chou-u estava agindo enquanto você estava fora?”

Bem, é claro que ela não sabia. Provavelmente gritando e brincando, como sempre fazia.
Ele era bastante próximo de Ukyou, o criado; ele poderia se virar bem sem Maomao.

“Acredite ou não, ele estava deprimido,” disse a senhora. “Pense nisso. O menino vem
para cá sem pais, e então até mesmo você o deixa. Qualquer um ficaria chateado.”

“Não é o que eu esperava ouvir de uma velha monstro que compraria alegremente uma
menina de um intermediário,” respondeu Maomao, o sarcasmo evidente em sua voz. Até
Luomen a ter adotado, ela tinha sido deixada sozinha em um quarto, ignorada não
importava o quanto chorasse. E quando a bebê Maomao percebeu que chorar nunca a
levava a lugar nenhum, ela parou de fazê-lo. Pode ter sido uma das razões pelas quais sua
expressão emocional parecia tão contida.

Ela não ressentia especificamente ninguém por isso; aliás, ela pessoalmente não se
lembrava. A mulher que a havia dado à luz tinha trabalho a fazer, assim como Pairin, que
fora quem lhe dera leite. Na época, a Casa Verderame estava à beira do colapso, e
Maomao tinha sido alvo de alguma raiva. Ela se considerava sortuda por ninguém
simplesmente tê-la estrangulado.

“Se estão sendo vendidos por um intermediário, então o destino deles já está decidido. É
o karma de seus pais, e não meu problema. Mas eu os crio e educo para que possam fazer
um trabalho útil — você não acha isso extremamente gentil da minha parte? Lembre-se,
se eles crescerem e se tornarem idiotas que não podem fazer nada, eles não vão ficar
aqui.”

“E quanto ao Chou-u?”
“Decidir o que fazer com ele é com você. Eu só estou de olho nele para garantir que não
morra. Afinal, eu sou paga pelo meu trabalho.”

Hmm. Maomao se perguntou solenemente exatamente quanto a madame estava


lucrando com isso.

“Quanto ao seu transporte, você pode dispensar a carruagem compartilhada. Eu vou


providenciar uma para você. Você deveria ser grata,” disse a madame.

“Nossa, muito generoso da sua parte. Eu não estou pagando passagem, sabe.”

“Isso vai ajudar a cobrir as batatas,” respondeu a madame, e então seguiu para o quarto
dos criados. Maomao a viu partir, inclinando a cabeça em perplexidade.

Eu realmente não quero levá-lo, ela pensou. Ela estava indo para um lugar que o homem
da noite passada tinha descrito para ela. Maomao o havia convencido a contar o que
sabia sobre a mulher na foto — onde o "mestre" de Chou-u tinha visto essa mulher de
cabelos brancos e olhos vermelhos. Ela também estava curiosa sobre a história do
encontro do pintor com outra mulher assim em Shaoh todos aqueles anos atrás, mas por
enquanto ela tinha outras coisas em mente.

Fazia mais de seis meses que o pintor tinha visto a mulher em uma vila onde ele ia buscar
pigmentos. Ele afirmou que ela realmente parecia uma imortal.

“Ele disse que ela dançava sobre a água,” o homem tinha contado para Maomao. A cena
era tão estranha que o pintor pensou que devia ter sonhado, em parte porque ele acabou
no lago completamente bêbado. Ele coletou seus pigmentos, mas até então já estava
tarde, então ele passou a noite na vila. Antes que percebesse, já era de manhã, e ele
estava dormindo em um galpão próximo.

Naquele momento, o mestre tinha certeza de que aquilo não era um sonho. Isso o fez
lembrar da mulher que ele tinha visto há muito tempo, e ele parecia considerar aquilo
algum tipo de sinal. Foi quando ele começou com essa conversa ridícula de se mudar
para o oeste.

Maomao conhecia a vila para onde o pintor tinha ido; ela já tinha estado lá várias vezes
para comprar remédios. A desculpa perfeita para ela ir lá novamente. Ela lançou mais um
olhar furioso para Chou-u, que estava todo animado, e suspirou.
Depois de uma hora sacolejando e batendo na carruagem, eles chegaram a uma vila perto
de uma floresta. Ela ficava ao longo de um rio e lembrava o espírito da cidade natal do
charlatão. Produzia principalmente arroz e vegetais, e os arrozais recém-plantados
refletiam o céu como gigantescos espelhos.

“Uau!” exclamou Chou-u, inclinando-se para fora da carruagem e observando a paisagem


passar. Aquela não era uma daquelas carruagens luxuosas como as que a nobreza usava;
era mais como uma carroça — não havia cortinas nem coberturas; havia até capas de
chuva guardadas a bordo, caso começasse a chover.

“Cuidado, Chou-u, não se incline demais. Não venha chorar comigo se você cair,”
chamou Ukyou, que estava sentado no banco do motorista. A madame tinha cumprido
sua palavra — ela alugara uma carruagem, mas havia colocado Ukyou para dirigi-la.

Qual é a história aqui?, Maomao se perguntou, olhando para Ukyou com alguma irritação.
Não é que ela tivesse algum problema específico com o atencioso chefe de criados, mas
algo continuava a incomodá-la enquanto observava os campos passarem. Os arrozais
realmente eram impressionantes nesta época do ano. O céu estava azul, sem indícios de
chuva. A terra parecia tão azul quanto o céu, e havia algo misterioso e intrigante sobre o
mundo vestido de azul.

Chou-u puxou a manga de Maomao. “Ei, Sardenta. O que é aquilo?”

Ele apontou para um par de pequenas colinas de areia; em cada uma delas havia um pau
conectado ao outro por uma trança de corda torcida. Pareciam ficar ao lado do caminho
do rio que corria ao lado dos arrozais.

“Acho que é para marcar um espaço sagrado,” disse Maomao. Ela mesma não sabia muito
sobre isso, mas sabia que tinha algo a ver com alguma forma de religião popular.
Supostamente, criava uma barreira para manter coisas ruins afastadas. A forma da corda
era um pouco incomum, porém — talvez uma variação local na superstição.

Então, Maomao se inclinou para fora também para dar uma olhada melhor. Hã? A corda
realmente não se parecia em nada com as outras vezes que ela as tinha visto. Ela achava
que costumavam ser mais simples — mas este ano a corda estava mais torcida do que o
habitual, e pedaços de papel branco tinham sido tecidos nela. Parecia um pouco mais
sofisticado do que antes, mas ela também sabia que não se mudava o formato de objetos
cultuais sem motivo.
“Chegamos,” disse Ukyou. Maomao desceu da carruagem e olhou para a floresta. “Vou
ficar por perto da vila,” informou-lhes Ukyou, apontando para o que parecia ser o único
lugar na cidade para algum refresco. Eles provavelmente tinham pelo menos alguma
aguardente à mão. “O que vocês querem fazer, Chou-u?”

“Hmm...” Chou-u olhou de um lado para o outro entre Maomao e Ukyou, depois correu até
Maomao.

Ukyou riu. “Acho que vou tomar uma rodada, então.” Ele se dirigiu para o estabelecimento
de bebidas.

Chou-u estava segurando a roupa de Maomao por algum motivo. Ela tinha medo de que
ele a puxasse com tanta força que arrancasse seu cinto, então pegou sua mão e o puxou
em direção à casa do chefe da vila.

“Este lugar está realmente vazio,” disse Chou-u após um momento de silêncio. Era
verdade — realmente não havia nada lá —, mas também não havia necessidade de dizer
isso em voz alta, e Maomao deu um tapa na cabeça dele.

Eles se dirigiram para a última casa da vila, um lugar em ruínas com vegetais pendurados
nos beirais. Provavelmente os estavam secando para preservá-los — uma boa ideia, mas
nesta época do ano, você tinha que ter cuidado, senão o mofo começaria a crescer nos
vegetais antes que você percebesse. Ao lado dos vegetais havia uma corda trançada,
como uma versão menor da que tinham visto antes.

Maomao calculava que tinham se passado três anos desde que ela estivera ali pela última
vez. Seu serviço no palácio traseiro a tinha mantido longe por muito tempo, e ela esperava
que o chefe da vila ainda a lembrasse.

“Alô?” ela chamou, batendo na porta. Chou-u a imitou com um baque sólido, e Maomao
empurrou sua cabeça irritada, assim que uma jovem mulher emergiu de dentro.

“Sim? Quem é?” disse a mulher. Ela era bastante bonita para alguém tão distante no
campo, e estava vestida com uma roupa que parecia simples mas durável.
“Gostaria de ver o chefe, se possível. Diga a ele que a discípula de Luomen, o boticário,
está aqui,” disse Maomao, se identificando não pelo seu próprio nome, mas pelo de seu
pai. A maioria das pessoas dificilmente acreditaria se ela afirmasse ser uma boticária.
Envelhecer alguns anos poderia ajudar nisso, mas Maomao sentia que não tinha motivo
para se gabar de ser uma boticária, então preferiu usar um nome que o chefe
provavelmente reconheceria.

A jovem mulher chamou de dentro de casa e um homem de meia-idade apareceu — o


filho do chefe, conforme Maomao se lembrava. Ele também deve ter se lembrado dela,
pois disse: “Ah, sim,” e assentiu. “Receio que meu pai tenha pegado um resfriado grave no
ano passado...”

E tinha morrido disso, infelizmente.

“Entendo,” disse Maomao. Longe de ela querer ridicularizá-lo, dizer que era apenas um
resfriado. Deixado sem tratamento, um resfriado poderia rapidamente piorar e se tornar
uma pneumonia. Segundo suas lembranças, o antigo chefe da vila nunca tomava
remédios — ele era uma personalidade extrovertida que gostava de dizer que qualquer
coisa poderia ser curada com uma boa bebida e uma boa noite de sono. Sua filosofia o
tornava um cliente difícil, mas Maomao nunca tinha deixado de gostar dele.

“Insisti para que ele visse um médico, mas — bem, agora isso não importa mais,” disse o
filho. E então: “Desculpe. Isso é o suficiente de sentimentos. Você está aqui para ir para a
floresta?”

“Sim, senhor.” Maomao lhe deu a quantia que sempre pagava, mas ele negou com a
cabeça.

“Guarde isso. É melhor você entrar antes que o sol se ponha.”

“Estou realmente grata, senhor...” Maomao não pôde deixar de se perguntar, no entanto, o
que tinha inspirado essa mudança de atitude.

Ela estava prestes a guardar as moedas nas dobras de sua roupa, mas Chou-u estendeu a
mão. “Sardenta! Você deveria usar isso para comprar doces para mim em vez disso!
Vamos lá, faça isso!”
“Você tem sua própria renda,” disse ela, guardando as moedas com segurança onde elas
pertenciam e virando-se em direção à floresta.

“Muitas cobras nesta época do ano. Tenha cuidado,” disse o novo chefe.

“Claro, eu sei disso. E elas fazem excelentes ingredientes.” “Não essas cobras,”
respondeu o chefe, beliscando a corda que pendia dos beirais entre seus dedos. Quando
Maomao olhou mais de perto, viu que cada extremidade da corda tinha uma forma um
pouco diferente. Ela se estreitava em uma ponta, enquanto na outra se tornava mais
grossa e o final estava dividido. Isso quase a lembrou de uma cobra. Na verdade, parecia
muito familiar. “Se você matar uma cobra, os moradores podem te atacar,” disse o chefe.

“Atacar a mim? Por que diabos?” A ideia era praticamente incompreensível para Maomao,
cujo primeiro pensamento ao ver uma cobra geralmente era como ela ficaria saborosa
grelhada com um bom molho de soja. Aliás, uma vez, quando ela capturou várias cobras
aqui, elas realmente a agradeceram por cuidar das pragas.

O novo chefe lhe deu um sorriso cansado. “Foi o último desejo de meu pai, sabe. Pouco
antes de morrer, quando estava muito fraco, ele convocou um xamã.”

Ele deveria ter chamado um médico!

Esse xamã tinha dado ao ex-chefe um incenso que aliviaria sua dor, mas em troca foi
instruído a disseminar um ensinamento na vila. Isso, Maomao percebeu, era de onde as
cordas "sagradas" incomuns deviam ter vindo.

“Veja, há muito tempo, um deus-cobra costumava ser adorado por aqui. Foi esse o
raciocínio,” disse o chefe atual, ainda sorrindo timidamente. Sua expressão sugeria que
você não podia discutir com uma antiga fé, mas seu sorriso estava tenso.

“E o que você faz com as cobras venenosas, então?” perguntou Maomao. As víboras eram
inimigas naturais dos fazendeiros. Se uma delas mordesse uma pessoa, ela estaria
praticamente condenada.

Ainda sorrindo com aquele sorriso tenso, o chefe sussurrou: “Eu tenho matado elas,
secretamente. Eu sei que alguns dos fiéis não aprovariam, mas o que eu posso fazer?” O
chefe tinha aparências a manter. A jovem mulher, provavelmente sua esposa, estava
observando os visitantes. Não devia ser bom assistir ao seu marido ter uma conversa
privada bem na frente dela.

Maomao já tinha a permissão que queria, então não tinha mais nada a fazer ali. Ela
decidiu que era hora de desaparecer.

“Vamos lá, vamos embora,” ela disse.

“Sim!” concordou Chou-u.

“Ah, tem mais uma coisa que você deve saber,” disse o chefe. “Não são apenas as cobras
— aparentemente, os pássaros também estão proibidos. Não que você provavelmente
pudesse pegar um sem um arco e flecha.”

“Esse xamã parece bem exigente. Você nem poderia abater uma galinha com uma regra
dessas.”

“A proibição é apenas para pássaros voadores.”

Maomao deu de ombros — não fazia sentido para ela. Em vez disso, ela seguiu em direção
à floresta, com Chou-u logo atrás dela.

"Já terminou, Sardenta?" perguntou Chou-u, sentado em um toco com as pernas


balançando.

É por isso que eu não queria ele aqui.

Moleques como ele se entediam tão rápido. A viagem até aqui estava tudo bem, mas tinha
sido óbvio que Chou-u seria um peso morto mais cedo ou mais tarde. Maomao tinha
certeza de que a velha tinha a obrigado a levá-lo consigo para que o ratinho não
atrapalhasse os menservos fazendo seu trabalho. Solitário, o escambau!

Maomao ignorou as tagarelices de Chou-u, em vez disso, cortando um pouco de grama


que crescia junto às raízes de uma árvore — aquelas eram incomuns, e ela não resistiu
em pegá-las. Ela só precisava dos brotos frescos, mas se preocuparia com os detalhes
depois.
"Eiii! Sardenta!"

"Cala a boca. Você foi quem quis vir junto," disse Maomao enquanto enfiava algumas
ervas em sua bolsa.

Chou-u se apoiou nas mãos e se inclinou para frente, olhando para Maomao com
irritação. "Mas estou cansado!"

Eles não tinham andado muito, mas com a grama crescida e as folhas caídas, o terreno
estava difícil. Seria fatigante para Chou-u, que ainda estava parcialmente paralisado.
Justo o suficiente — mas Maomao não ia aliviar para ele. Se ela fosse fácil com ele agora,
ele esperaria que ela fosse sempre assim.

"Então espera aí," ela disse. "Eu vou mais adiante."

"O que? De jeito nenhum!" Chou-u deixou a boca aberta para mostrar sua irritação. "Você
vai me deixar aqui?"

"Você disse que estava cansado."

"Ukyou me daria um cavalinho!"

"Desculpe, mas você é muito pesado para mim. Até mais." Maomao prontamente partiu.
Chou-u fez uma careta, então desceu do toco. Ele preferia estar com pessoas, como a
madame descreveu. Quando estava no distrito de prazer, ele podia ser encontrado
frequentemente com os menservos ou as meninas.

A floresta estava sombria por causa do crescimento denso, e ele ouviu um som de asas
batendo. Estava acompanhado de um hu, hu — talvez fosse um pombo?

"Já estou indo! Já estou indo, só não me deixe aqui!" Chou-u chamou, e começou a seguir
Maomao, arrastando a perna. Maomao, mantendo um olho frio nele, continuou
adentrando na floresta.
O lugar estava cheio de árvores diferentes. Muitas eram de folhas largas; o lugar devia
estar cheio de nozes e frutas silvestres no outono. Florestas de coníferas eram melhores
para fazer papel, mas em Li, a maioria desses lugares estava localizada no norte.

Enquanto caminhava, Maomao avistou uma amora e a colocou na boca. Chou-u


encontrou outra e copiou ela, o que estava tudo bem, exceto que deixou sua boca
pegajosa e vermelha. Maomao engoliu sua irritação e limpou os lábios dele, sabendo que
se ele os limpasse na manga, a cor nunca sairia.

A cada amora que ele comia, Chou-u sorria com pesar. “Essas são azedas,” ele anunciou.

“Isso é porque elas ainda não estão maduras,” Maomao disse.

Evidentemente, isso não o impediria de comê-las. “Ei, Sardenta! Você consegue comer
esses cogumelos?” ele perguntou, apontando para alguns pequenos fungos crescendo
em um tronco de árvore ressecado. “Eles são, tipo, comestíveis?”

“Eles não são muito bons, eu tenho medo. E nem mesmo são venenosos.” Em outras
palavras, eles não interessavam a Maomao. Os ombros de Chou-u caíram desapontados.

Eles pareciam estar se divertindo, mas Maomao não tinha esquecido por que estava ali.
Eventualmente, ela encontrou um brejo (no caminho para o qual ela descobriu alguns
fungos, o que a deixou muito feliz). Juncos cresciam ao longo das margens. O pólen
dessas plantas, conhecido como puhuang, tinha propriedades medicinais e poderia ser
usado para ajudar na coagulação e como diurético.

Havia uma ilha no meio do brejo, e enquanto isso uma série de postes sagrados e cordas
estavam montados na fronteira entre as árvores e o brejo, pois lugares com água há muito
tempo eram considerados portais para o outro mundo. Isso também poderia explicar por
que havia um pequeno santuário na ilha no lago. O senhor do lago morava ali; Maomao
tinha ouvido dizer que assumia a forma de uma grande cobra.

Havia uma cabana na borda do brejo para a pessoa encarregada de cuidar do santuário, e
foi para lá que Maomao e Chou-u se dirigiram. A cabana foi construída em palafitas, para
mantê-la longe da água quando chovia muito — mas nos últimos anos, o brejo começou a
recuar; marcas podiam ser vistas nas palafitas onde a água havia estado. Maomao tinha
ouvido dizer que até mesmo o local onde esta pequena casa ficava tinha sido parte do
brejo, o que poderia explicar por que o solo estava macio, lamacento e difícil de
atravessar. Eles aproveitaram uma sucessão de pedras de passagem para tornar a jornada
mais fácil.

Ao lado da cabana havia uma estrutura ainda menor de onde se ouvia arrulhos —
pombos, Maomao suspeitava. A princípio, ela pensou que talvez estivessem sendo
mantidos para comida, mas então ela se lembrou do que o chefe tinha dito — se suas
palavras fossem verdadeiras, era proibido comê-los. Nesse caso, talvez fossem animais
de estimação.

Chou-u estava inspecionando as marcas da água alta com interesse. Maomao subiu as
escadas que levavam à cabana e espiou dentro. A pessoa lá dentro também a notou, pois
em breve um velho peludo saiu da casa. Maomao já havia lidado com ele antes, e ele
também parecia se lembrar dela.

“Não te vejo há séculos. Pensei que talvez você tivesse ido para algum lugar e se casado,”
disse o velho.

“Desculpe, ainda não.”

“E mesmo assim você trouxe um rapazinho aí!”

O velho não havia ficado mais delicado ou civilizado enquanto ela estava fora, Maomao
viu. Ele era um antigo conhecido do pai adotivo de Maomao, Luomen; eles haviam sido
médicos juntos uma vez na capital, há muito tempo. Este homem era supostamente
bastante habilidoso, mas sua personalidade um tanto unorthodox, combinada com uma
tendência misantrópica, agora o via vivendo uma vida de eremita aqui no fim do mundo.
Ele afirmava passar o tempo colhendo ervas e cuidando do santuário, mas seus deveres
não pareciam se estender muito longe. Não havia barco na água, sugerindo que ele não ia
muito à ilha.

Eles entraram, onde o velho pegou algumas ervas secas da parede e as colocou em sua
mesa rudimentar. “Aqui. Pegue o que você precisar — mas o que você vê é tudo o que
tenho.”

Quando Maomao precisava de uma erva que estava fora de temporada, ou alguma planta
incomum, era mais rápido comprar com esse velho. Ele até tinha puhuang, disposto em
um tapete feito de folhas de junco.

O homem se acomodou em uma cadeira com um “Hup!” e se inclinou para frente.


Maomao ouvira dizer que ele tinha mais de dez anos a mais que Luomen — e ele não tinha
ficado mais jovem nos três anos desde que ela o vira pela última vez. Ele ainda sabia
como secar ervas, no entanto, e com boa qualidade. Em boas quantidades também,
apesar de sua velhice.

“Estou impressionada que você conseguiu reunir tanto,” Maomao disse. “Aqui eu estava
apenas contente de ver que você não tinha ficado senil.”

“Ah, as solteironas sempre têm a língua mais afiada.”

“Não pior do que a sua,” Maomao respondeu, ganhando uma risada de Chou-u. Ela o
encarou enquanto embrulhava as ervas de que precisava em um pano.

“Não é lá muito surpreendente. Tenho tido ajuda ultimamente,” disse o velho.

“O que, um dos moleques da vila? Bom trabalho para uma criança.” Maomao olhou
deliberadamente para Chou-u enquanto falava; ele fez beicinho para ela em um gesto de
“O quê?”

“Nah, nah. Alguém que eu encontrei na capital um tempo atrás. Muito capaz. Olha,
falando no diabo...”

Eles ouviram passos subindo as escadas. “Ei, Vô! Eu trouxe as coisas que você pediu! Hã?
Visitantes?”

A voz do recém-chegado era alegre — e familiar. Entrou um jovem com um saco


balançando em uma mão e um lenço enrolado como uma bandagem em um olho.

Por isso reconheci aquela voz!

Era Kokuyou, o homem marcado por varíola que, até onde Maomao sabia, estava
procurando trabalho na capital.

“Mas quem diria, todo mundo disse que não queria um médico com uma cara tão
sinistra!” Kokuyou disse, parecendo, como sempre, como se o emaranhado de suas
desventuras simplesmente escorregasse de suas costas. Assim que viu Maomao, o
homem loquaz começou a falar.
“Eles se conhecem?” Gramps perguntou, ao que Chouu respondeu: “Ela praticamente
coleciona caras esquisitos como ele.”

Em resumo, após chegar à capital, Kokuyou passou de clínica em clínica, procurando


algum lugar para começar sua prática como médico. Cada vez, eles lhe perguntavam
sobre o tapa-olho e, como um idiota, ele dava uma resposta direta e mostrava suas
cicatrizes. Os médicos ignorantes o expulsavam, advertindo-o para nunca mais voltar,
para não lhes transmitir a doença. Os médicos menos ignorantes entendiam que a
doença não era mais contagiosa, mas até um médico, afinal, estava administrando um
negócio. Eles não tinham motivo convincente para contratar um homem de aparência
suspeita com um tapa-olho.

Gramps estava levando seus velhos ossos para a cidade para entregar algumas ervas que
um médico havia pedido dele, e coincidentemente, naquele exato momento, Kokuyou
estava sendo expulso da mesma clínica. A mesma clínica. Gramps podia ser um
misantropo, mas tinha um olho para o talento médico. Conforme a idade gradualmente o
desacelerava, ele estava pensando em encontrar um ajudante. Ele questionou Kokuyou
sobre seu conhecimento médico e ficou surpreso ao descobrir que o homem sabia mais
do que Gramps teria esperado — e assim ele estava aqui. Um homem com um tapa-olho
seria menos chamativo aqui do que na capital, e de qualquer maneira, o médico idoso
explicou as coisas ao chefe da vila.

“Ha ha ha! A vida pode ser dura, né? Mas de qualquer forma, pelo menos eu como!”

Gramps conseguiu um bom ajudante, e Kokuyou — bem, ele era Kokuyou. Ambos
pareciam felizes o suficiente.

Se eu tivesse percebido, talvez tivesse pedido para ele se juntar a mim, Maomao pensou
com um aperto de arrependimento, mas ela não podia voltar no tempo. Mesmo que ela o
tivesse levado para a loja com ela, a madame só o teria feito trabalhar como um cão, do
jeito que ela fez com Luomen. Talvez Kokuyou estivesse melhor aqui. Além disso, Sazen
finalmente estava começando a se firmar, e Maomao não queria abalar sua confiança.

Kokuyou colocou suas ervas na mesa. “Diretamente da floresta!” Ele sorriu.

Chou-u olhou para cima para ele, então fez uma cara como um esquilo particularmente
burro e estendeu a mão. “O que tem embaixo do tapa-olho, senhor?”
“Você quer ver?” Kokuyou disse, e então com um aviso (“É meio nojento!”), ele levantou o
tapa-olho.

“Ah, que nojo!” Chou-u exclamou (polidez não era o seu forte) e bateu no ombro de
Kokuyou. “Pena para você, senhor. Você poderia ter sido bem popular com os clientes, se
não fosse por... isso.”

“Você disse! E aqui eu gosto de pensar que sou bom com as pessoas,” Kokuyou
respondeu.

“As nossas garotas também poderiam ter gostado do seu rosto! Que pena.”

Nossas garotas. Legal, pensou Maomao, mas caso contrário, ela ignorou a conversa
deles, em vez disso, deu uma olhada avaliativa nas ervas. Ela franziu o cenho para uma
delas, uma folha grande que não reconhecia. “O que é isso?” ela perguntou.

Kokuyou parou de brincar com Chou-u tempo o suficiente para dizer: “Isso é uma folha de
‘incenso’.”

Uma folha de incenso — em outras palavras, tabaco. A madame e as prostitutas


adoravam fumar, mas, surpreendentemente, a prática não pegou entre as pessoas
comuns na maior parte. Uma vez, Maomao havia consertado um cachimbo danificado e
tentou devolvê-lo ao dono, pois simplesmente assumiu que devia ser importante para ele.

O tabaco era um item de luxo; era o vício que mantinha a madame, normalmente
avarenta, fumando. Luomen informou Maomao que fumar em excesso fazia mal à saúde.
De qualquer forma, até onde Maomao sabia, as folhas eram geralmente importadas, e ela
só as havia visto em estado pulverizado, então ela não reconheceu a planta quando a viu.

“Na verdade, não é tão difícil cultivá-las,” interveio o velho.

“Oh?” Maomao perguntou, estudando a folha com grande interesse. Ela estava pensando
que se conseguisse fazer isso crescer em seu jardim, poderia ser um negócio lucrativo
adicional. No entanto, duvidava que esses dois simplesmente entregariam algumas
sementes para ela. Ela pelo menos poderia conseguir que eles compartilhassem algumas
das folhas, mas questionava a sabedoria de aprofundar ainda mais o hábito de fumar
entre as cortesãs, fornecendo-lhes uma fonte barata de tabaco.
Não custaria nada apenas flutuar a ideia, ela pensou. Ela perguntou: “Quanto você
venderia essas folhas?”

“Elas não estão à venda”, disse o velho, pegando as folhas e juntando várias delas antes
de pendurá-las sob o beiral.

Para uso próprio dele? Maomao se perguntou. Mas ela não tinha visto nenhum acessório
para fumar na casa, e nunca viu o velho fumando.

Como se em resposta à pergunta não formulada de Maomao, o velho pegou um pote do


chão e o colocou na mesa. Ele abriu a tampa e um odor característico se espalhou.

“Nossa, Gramps, isso fede!” Chou-u disse, segurando dramaticamente o nariz. Isso não o
impediu de espiar dentro, no qual descobriu um líquido marrom. “Você não vai nos... fazer
beber isso, vai?”

“Não, e é melhor não. Isso te mataria na hora. É feito com folhas de incenso em infusão.”

“Ugh! Por que você tem algo assim por perto?” Chou-u perguntou, sentando-se
novamente em uma caixa de madeira no chão.

"Use isso para afastar as cobras", disse o velho.

Maomao aplaudiu: as folhas de tabaco eram venenosas se ingeridas, e ela sabia que a
toxina afetava os insetos. Pela primeira vez, ocorreu-lhe que também poderia funcionar
com as cobras. Os insetos eram uma coisa, mas cobras ela sempre tentava pegar - nunca
teria pensado em tentar afastá-las.

"É o melhor que podemos fazer com toda essa bobagem sobre não matar cobras. Temos
que ser cuidadosos - não queremos causar problemas. Mas também não queremos ser
mordidos enquanto estamos colhendo vegetais, e eu ainda crio pombos."

O velho estava praticamente espumando; Kokuyou mantinha um sorriso enquanto fazia


chá. Os olhos de Chou-u brilhavam ao ver os pãezinhos a vapor saírem do armário.
"Ninguém se importava com este santuário há décadas! Agora não param de falar sobre
algum mensageiro do deus da cobra aparecendo. É um pouco tarde para eles - a ponte
para a ilha está completamente destruída", disse o velho.

"Ha ha ha! Os xamãs são os piores, não são?" concordou Kokuyou alegremente. Será que,
talvez, havia apenas um leve rancor pessoal em sua alegria?

Enquanto isso, Maomao se pegou pensando em algo. Testamento do antigo chefe da


aldeia ou não, ela questionava se alguém em uma pequena vila como essa realmente
seria tão hesitante em matar uma cobra. Será que era realmente porque uma divindade
da cobra era uma vez adorada aqui?

"Será que esse xamã era realmente tão persuasivo?" ela perguntou friamente.

O vovô resmungou. "Hah! Engraçado você perguntar isso. Os verdadeiramente fiéis dizem
que ela mudou de forma."

"Mudou de forma?" Maomao já tinha ouvido falar de raposas se transformando, mas uma
cobra?

Não é o bastante que as raposas possam fazer isso?

Ela os olhou confusa. Kokuyou abriu a janela da cabana, e Maomao viu que conseguia ver
o pântano e o santuário. O vovô olhou pela janela e esfregou sua barba desgrenhada. "Eu
mesmo não vi. Mas eles afirmam que a xamã..."

Eles afirmaram que a xamã dançou sobre a superfície da água para alcançar o santuário.

Isso só pode ser...

"Diziam que isso provava que a xamã era a mensageira do deus."

E era isso.

...a coisa mais sombria que já ouvi!


Sombria talvez fosse, mas se fosse verdade, então a "mulher pálida" que o pintor
testemunhou também poderia ter sido real.

"Este xamã não aconteceu de ser uma jovem com cabelos brancos e olhos vermelhos,
aconteceu?"

"Não, não. Ela era uma jovem, com certeza, mas ninguém disse uma palavra sobre ela
parecer com isso."

Chou-u ficou boquiaberto. "Isso é incrível! Como ela andava sobre a água?"

"É fácil," Kokuyou disse. "Você só precisa dar o próximo passo antes que seu pé comece a
afundar. Então você faz de novo, e de novo. Um passo de cada vez." A mentira parecia sair
muito facilmente dele.

"Incrível!"

Maomao deu um tapa na cabeça de Chou-u como um aviso para não ser tão ingênuo, ao
mesmo tempo que olhava com desaprovação para Kokuyou. Ela tinha acabado de
começar a pensar nele como amigável e inofensivo quando descobriu que ele era capaz
de algo assim.

"Não me diga que você realmente acredita que ela poderia fazer isso," Maomao disse.

"Claro que não, droga. Mas... ahem." O velho continuou coçando o queixo e olhando para
fora. Ele parecia conflituoso. "Uma vez, quando eu era jovem, eu vi exatamente isso."

"Você viu alguém dançando sobre a superfície da água?" Maomao inclinou a cabeça.
Chou-u a imitou, assim como Kokuyou, por alguma razão.

"Sim. Antes de eu deixar a vila. Você sabe, costumava ser o dever da sacerdotisa servir ao
deus da cobra." A família do vovô era na verdade parente distante do chefe da aldeia, e as
jovens que serviam no santuário eram da mesma linhagem. O vovô acabara de dizer que o
santuário havia sido praticamente abandonado por décadas - mas havia uma explicação
para isso. "Eles vieram caçar meninas para o palácio traseiro, e então não havia mais
jovens por aqui."

O que se poderia dizer? Era tão simples assim. Com isso, os rituais que haviam sido
transmitidos oralmente por gerações desapareceram, e o santuário caiu em desuso. Foi
mais ou menos nessa época que o chefe da aldeia anterior assumiu. Desde que o chefe
anterior era um homem de fé escassa, ele permitiu que o santuário ficasse sem uso, até
que se tornasse decadente, e até mesmo a ponte para a ilha do santuário apodreceu e
desabou. Então o vovô voltou para a vila e se tornou o guardião do santuário, mesmo que
apenas nominalmente, vivendo aqui nesta cabana.

"Não voltou a sacerdotisa ao vilarejo depois de terminar seu tempo no palácio traseiro?"
perguntou Maomao.

"Heh. Ela sempre foi uma garota de bom coração. Por que ela voltaria a um lugar como
este?"

Justo o suficiente, Maomao pensou, imaginando Xiaolan, que tinha sido sua amiga no
palácio traseiro. Os pais de Xiaolan a venderam para o serviço para terem uma boca a
menos para alimentar. Ela entendia a realidade - e sabia que mesmo se voltasse para
casa, não haveria lugar para ela. Em vez disso, depois de sair do palácio traseiro, ela
arrumou trabalho para se sustentar. Uma jovem com um pouco de juízo poderia
provavelmente encontrar várias maneiras de ganhar a vida melhor do que a que tinha em
uma vila como essa. Havia mais de uma maneira pela qual o palácio traseiro poderia ser
dito dar às suas mulheres uma vantagem na vida.

"O antigo chefe estava sempre lamentando antes de morrer, mas minha sensação era de
que se ele fosse reclamar tanto, deveria ter pedido ajuda a um médico", disse o vovô.

"Ha ha ha! Isso é engraçado. Sim, algumas pessoas são assim, né?" Kokuyou riu, mas o
velho deu-lhe um leve tapa na cabeça. Não era tão engraçado.

Maomao olhou para fora. "Não vejo nenhum barco. Como vocês atravessam? Suponho
que tenham que verificar periodicamente a condição do santuário."

O vovô desenhou um círculo na mesa. "Barcos irritam a divindade, evidentemente. Há até


mesmo uma área específica reservada para a pesca - embora tudo que você pegue sejam
enguias, então não vale exatamente o esforço. Então o santuário fica sem atenção. Você é
bem-vinda para ir ver se estiver interessada - apenas não de barco."
"O que é isso, algum tipo de enigma?" perguntou Maomao. Como ela deveria chegar à ilha
sem usar um barco? Ele achava que ela podia andar sobre a água?

"O que, você achou que seria fácil chegar a um lugar sagrado?" Velho tagarela. "Kokuyou,
leve-os. Deve haver uma visão melhor da ilha na margem oposta do que aqui. E capine os
campos enquanto estiver nisso."

"Ah, que tarefa chata," disse Kokuyou, mas ele pegou uma foice de qualquer maneira.

"O tabaco cresce lá. Você não pode pegar folhas, mas se houver algumas sementes, você
pode pegar algumas. Sua recompensa por capinar."

Maomao fez uma careta para o velho, que parecia determinado a apertar o parafuso em
todas as oportunidades - mas ela também pegou uma foice.

O pequeno grupo de Maomao seguiu para o lado oposto do pântano. Algo que parecia
folhas de lótus flutuava na superfície da água. Chou-u havia ficado assustado com as
cicatrizes de Kokuyou no início, mas demonstrando que tinha considerável
adaptabilidade, se nada mais, ele e Kokuyou já eram amigos rápidos. Chou-u até estava
conseguindo passeios nas costas do jovem médico, embora, ao contrário dos servos,
Kokuyou balançasse um pouco sob o peso de Chou-u e parecesse perigoso. Talvez só
conseguir ver com um olho tenha desequilibrado seu senso de equilíbrio.

“Ali está, lá”, disse Kokuyou, quando uma ponte conectando a margem ao lado de trás da
pequena ilha veio à vista. A ponte estava podre, porém, e não restava muito dela.
Maomao olhou para ela incrédula: até mesmo a base estava se desfazendo; mal parecia
que poderia suportar uma tábua de madeira.

Kokuyou, evidentemente, em sintonia com Maomao, produziu uma tábua de madeira de


algum lugar. "Aqui vamos nós", disse ele, colocando-a sobre a base precária.

“Isso é seguro?” Maomao perguntou, sentindo um crescente sentimento de desconforto


ao vê-lo.
"Ha ha ha, claro que é. Você ficaria surpresa com o quanto esta coisa é resistente." Para
demonstrar, ele pulou para cima da tábua - que imediatamente cedeu, fazendo com que
ele caísse no pântano com um "Oops!"

“O que você está fazendo, cara?” Chou-u disse, estendendo a mão para ajudar a puxar
Kokuyou para cima. No entanto, com um som de sucção, Kokuyou afundou mais fundo.
Um arrepio de medo percorreu o grupo.

"Eu n-não suponho que isso seja um desses pântanos sem f-fundo, suponho?” Kokuyou
perguntou, ainda sorrindo.

Por um segundo, nem Maomao nem Chou-u disseram nada, mas após o instante de
silêncio, todos se lançaram em atividade. Quanto mais Kokuyou lutava, no entanto, mais
fundo ele afundava. Justo quando ele estava com água do pântano até o pescoço,
Maomao conseguiu encontrar uma videira robusta na mata e arrastá-la para fora, para
que o homem pudesse usá-la para se libertar.

“Você vai me dar um ataque cardíaco, senhor,” disse Chou-u.

“Ha ha ha! Desculpe por isso,” respondeu Kokuyou, coçando a parte de trás da cabeça
com uma mão enlameada. (Assim, a única parte limpa que ele tinha ficou tão suja quanto
o resto.)

Maomao pegou um balde de água de irrigação do campo próximo e o trouxe até Kokuyou
- depois, ela seguiu pelo caminho de menor resistência, ou seja, despejando-o sobre sua
cabeça. Kokuyou se sacudiu como um cachorro molhado.

"Ah, é... O velho me disse que é por aqui que dizem que as crianças desaparecem," disse
Kokuyou.

"Ui," disse Chou-u, parecendo descontente. Não dava para dizer quantas pessoas
estavam enterradas na lama.

Maomao olhou para a ponte em decomposição. "Eles realmente não cuidaram disso."

"A manutenção custa dinheiro. Acho que há algo na composição da lama aqui que causa
mais danos do que água comum."
O pântano pode não ser sem fundo, estritamente falando, mas certamente era mais
profundo do que a altura de Kokuyou. Substituir a base regularmente teria sido nada
menos que um problema. Elementos da base podiam ser vistos se estendendo bem além
do pântano, implicando que o pântano ocupava originalmente toda aquela área.

Uma variedade de plantas selvagens cresciam ao redor do santuário na pequena ilha.


Eram brilhantes e coloridas, sugerindo que poderiam ser flores, mas era difícil dizer a essa
distância - a única coisa certa era que era uma cor raramente vista nesta área. Pássaros
voavam frequentemente por cima; talvez as sementes tenham chegado até aqui em
algum cocô.

"Ok, vamos ao trabalho," disse Kokuyou, parecendo enérgico apesar de ainda estar
salpicado de lama em alguns lugares. Ele estava de repente usando um chapéu de junco.
(De onde ele tirou isso?)

O campo estava cheio de ervas daninhas; Maomao estava prestes a dizer exatamente o
que pensava sobre isso, mas Chou-u se antecipou: "Argh!" ele exclamou, os ombros
caindo. Depois disso, ela sentiu que não podia dizer nada. Em vez disso, ela
diligentemente começou a capinar, mantendo os olhos abertos para quaisquer sementes
de tabaco. Mas não havia nenhuma.

Velho esperto, ela pensou, resolvendo garantir que tiraria algumas sementes dele antes
de ir para casa.

Kokuyou cantarolava alegremente enquanto trabalhava, e Maomao sentiu-se compelida a


ajudar. Chou-u, que parecia não ter tido a intenção de ajudar desde o início, foi colecionar
pedrinhas e desenhar na terra.

Por um tempo, eles se concentraram em seu trabalho. A umidade estava alta no pântano.
O solo lamacento parecia rico em nutrientes, mas, pelo mesmo motivo, causaria a
deterioração rápida das raízes. Isso poderia explicar a pitada de areia misturada ao solo
do campo. Felizmente, isso facilitava a remoção das ervas daninhas.

"Hey, você sabia?" Kokuyou disse. Ele parou de cantarolar, mas quase parecia estar
falando consigo mesmo.

"O quê?" disse Maomao.


"Você sabia das sacerdotisas que costumavam ter neste vilarejo."

Maomao o olhou perplexa. Como ela saberia de alguma coisa sobre isso?

"O velho me disse que o trabalho delas era aplacar o grande espírito da serpente. Mas as
sacerdotisas eram originalmente escravas."

Maomao não disse nada. Chou-u ainda estava desenhando, alheio à conversa deles.
Kokuyou continuou, sussurrando para que só Maomao pudesse ouvir: "Acho que o rio
costumava inundar muito por aqui. Até desenvolverem o controle de inundação, os
campos costumavam ser inundados todos os anos. Até mesmo as casas ficavam debaixo
d'água às vezes."

O que as pessoas faziam naquelas épocas antigas quando eram impotentes diante de
desastres naturais catastróficos? Elas se engajavam em comportamentos sem sentido.

"Dizem que compravam escravos para usá-los como sacrifícios. Isso quando havia
dinheiro sobrando, é claro - quando não havia, eles provavelmente escolhiam alguma
pobre garota da vila."

Então "sacerdotisa" era apenas um epíteto agradável para um sacrifício humano.

"Mas então..."

Um dia, uma sacerdotisa possuída por poderes espirituais apareceu. Ela até mesmo,
dizia-se, dançou sobre a água diante de todos os aldeões.

"O Vovô realmente abriu o jogo com esse cara," pensou Maomao. Todas essas histórias
eram novas para ela. O velho deve ter sido informado sobre essa tradição por causa da
conexão de sua família com as sacerdotisas. Parecia estranho que ao mesmo tempo, ele
também fosse parente distante do chefe da vila.

"Acho que isso significava que se você não possuísse esses poderes, poderia esperar ser
sacrificado mais cedo ou mais tarde," disse Kokuyou. Se você fosse sacrificado ao deus
disso ou ao senhor daquilo, provavelmente não importava muito para a pessoa que sofria
o ritual. "Mas então, justo quando ela pensava que tinha escapado, ela foi enviada para o
palácio traseiro!"
Assim, dado não ao mestre do lago, mas ao mestre da terra.

Não é de se admirar que ela não quisesse voltar. Maomao agora entendia por que a jovem
nunca retornou, como o velho lhe tinha dito. Quem poderia culpá-la se, de fato, sentisse
algum rancor por sua cidade natal?

Maomao olhou distraidamente para a água. A superfície ondulava, mas a julgar pelo
estado de Kokuyou depois de cair, era principalmente lama lá embaixo. Ela pegou um
pedaço de pau que estava por perto e o enfiou na água. Depois que ele afundou na lama,
foi difícil puxá-lo de volta.

"Menos um pântano e mais um brejo. As medidas de inundação podem ter dispersado a


água que fluía para ele, mas talvez o encolhimento do pântano tenha o deixado mais
lamacento," disse Maomao. Ela se levantou de onde estava agachada. "Você sabe quando
o pântano começou a encolher?"

"Acho que não. Você poderia tentar perguntar ao vovô," disse Kokuyou.

Maomao coçou o queixo e mexeu na lama da melhor forma que pôde. De repente,
descobriu que Chou-u estava ao lado dela, também mexendo. "Você deixou algo cair?"
ele perguntou.

"Não", disse Maomao.

Chovia muito nessa época do ano - o nível da água provavelmente ainda não estava no
seu pico. Isso significava que o pântano só ficaria ainda mais lamacento durante a
estação seca.

De repente, Maomao se levantou.

"O que foi, Sardenta?" Chou-u perguntou, olhando para ela, mas ela o ignorou e saiu
correndo. "Ei, Sardenta!"
"Hã? O que está acontecendo?" perguntou Kokuyou. Maomao não o respondeu; ela foi
direto para a cabana onde o velho vivia. Ela não queria ficar parada e conversando com os
dois - ela estava desesperada para testar a ideia que teve o mais rápido possível.

Mesmo enquanto corria, um sorriso se formou no rosto de Maomao.

"De onde isso veio? O que ela pensa que está fazendo?" resmungou Chou-u, mas ele e
Kokuyou seguiram do mesmo jeito. Chou-u deve ter se cansado de correr no meio do
caminho, porque quando chegaram à cabana, Kokuyou estava carregando-o nas costas.

Maomao subiu as escadas e bateu na porta. Assim que o velho abriu, ela explodiu: "Me dê
algumas sementes de tabaco!"

O Vovô estava sorvendo alguns noodles, parecendo quase como se estivesse comendo
sua própria barba. "É para isso que você veio? Se não havia sementes no campo, azar o
seu." Ele começou a mastigar seus noodles ruidosamente.

Maomao estava esperando por algo assim, mas ela tinha uma ideia. "E se eu lhe dissesse
que consigo identificar a famosa xamã?" sussurrou ela.

A desagradável mastigação do homem parou e ele pousou os hashis. "Kokuyou, vem cá.
Pegue isso e vá entreter a criança." Ele pegou uma bola na prateleira e a lançou para
Kokuyou, que falhou em pegá-la e teve que correr para fora atrás dela, Chou-u trotando
atrás dele.

Com os intrusos afastados, o velho indicou para Maomao sentar. Ela se acomodou em
uma cadeira e olhou pela janela para o pântano. "Deixe-me arriscar um palpite: quando
essa xamã apareceu, foi na época em que o nível da água estava baixando."

O pintor tinha visto a mulher de cabelos brancos e olhos vermelhos cerca de seis meses
atrás, mais ou menos - isso seria na época de pouca chuva. Menos água no pântano
significaria mais lama.

"Isso mesmo", disse o Vovô.

"E a sacerdotisa do santuário fez sua dança mais ou menos na mesma época do ano,
estou certa?"
"Não vejo o que isso tem a ver com alguma coisa."

Maomao umedeceu o dedo no jarro de água, então começou a desenhar um mapa na


mesa: um círculo representando o lago, depois acrescentou a pequena ilha e a ponte. O
Vovô deve ter achado difícil ver o mapa de água, porque ofereceu a ela um pincel e papel.
Materiais rudimentares, mas ainda mais fáceis de ver. Maomao começou a escrever.

Ela apontou para a margem mais próxima da ilha, o ponto mais distante do rio que
alimentava o pântano. "Foi mais ou menos aqui que a dança da chuva foi realizada?"

"Sim, exatamente", disse o médico. O lugar podia ser visto da janela da cabana em que
estavam agora.

"Essa sacerdotisa ou xamã ou seja lá o que ela fosse invocou a bênção do grande deus
serpente e andou sobre a água. E se eu dissesse que posso fazer a mesma coisa?"
perguntou Maomao.

O velho franziu o cenho para ela, claramente cético. "Chega de bobagem. Se me permite
dizer, não acho que você tenha a figura para atrair o deus serpente."

"Puxa, velho, eu não sabia que você era um crente tão devoto." Seus olhos se
encontraram. Maomao sorriu, tentando provocá-lo. Se ela estivesse certa, esse velho
sabia de algo, algo que ele não estava contando para ela.

Foi quase como se ele pudesse ler sua mente. "Luomen nunca operaria com uma
suposição assim," ele disse.

"É exatamente por isso que quero investigar o pântano: para substantivar essa suposição."

O Vovô a olhou com desaprovação, mas levantou-se como se estivesse convidando-a a


segui-lo. "Você não é do tipo que gosta de um pouco de mistério na vida, não é? Não que
eu seja alguém para falar. O que se faz num momento como este é apenas acreditar que
imortais e sacerdotisas realmente existem." O velho quase cuspiu as palavras, mas então
chamou o par que brincava com a bola do lado de fora, "Vão comprar alguma coisa que
passe por jantar!"
Ele deu algum trocado para Kokuyou. Evidentemente, ele não achava que a bola os
distrairia por tempo suficiente. "Agora, escute, garota; esse sujeito sempre está sendo
enganado. Desculpe, mas você acha que poderia ir junto e ficar de olho nele?"

"Claro! Deixe comigo," disse Chou-u, e foi atrás de Kokuyou novamente. Maomao e o velho
médico ficaram onde estavam até que os outros dois sumissem de vista. Então o médico
disse, "Vamos."

Ele a levou para uma área do pântano que havia sido cercada. Plantas flutuantes
cresciam na superfície da água. Maomao franzia o cenho para o solo encharcado, tirando
os sapatos e segurando a saia enquanto avançavam. O Vovô, por sua vez, enrolou as
pernas da calça.

A água estava escura e turva.

"A sacerdotisa do santuário andou daqui até a ilha. Se você conseguir fazer o mesmo, direi
o que quiser saber." Então ele baixou a voz para um sussurro ameaçador e disse, "Antes da
sacerdotisa, as jovens que eram trazidas aqui eram chamadas de sacrifícios, e elas eram
afogadas neste pântano. Amarradas a pesos e afundadas nas profundezas insondáveis
vivas. Minha bisavó me contou como ela tentou tapar os ouvidos enquanto as garotas
choravam e soluçavam até o último suspiro, cada tentativa de luta as arrastando mais
perto de seu destino. Sem garantias de que você não acabará da mesma maneira."

Pode ter sido um costume reverenciado, mas também deve ter sido uma visão
aterrorizante para os aldeões que testemunharam isso. E então eles sentiram remorso
pelo que tinham feito e imploraram perdão, embora isso não significasse nada naquele
ponto.

Pilares de pedra estavam ao redor do pântano, construídos com pedras de tamanho


semelhante empilhadas uma sobre a outra, com a maior de todas ficando no topo. Cairns
de algum tipo, talvez.

"Então, como exatamente a donzela atravessou o pântano?" perguntou o velho.

Maomao tirou uma corda que trouxera de casa junto com um par de tábuas finas de
madeira. "Tudo bem se eu pegar emprestado essas?"

"Faça como quiser."


"Obrigada."

Ela perfurou três furos em cada tábua e passou a corda por eles para criar o que pareciam
ser sandálias rudimentares. Elas não eram muito impressionantes, mas ela as calçou,
pensando, Sandálias de arroz seriam perfeitas agora. Sandálias de arroz eram calçados
usados por pessoas que plantavam campos de arroz - mas desejar não a levaria a lugar
algum.

O velho a observava curiosamente agora, mas por enquanto ela ficou quieta. Ela enrolou
sua roupa para mantê-la longe do chão, então enrolou uma corda ao redor do corpo,
amarrando a outra ponta em um dos pilares de pedra. Então ela começou.

"Ei, o que você está fazendo?" o Vovô perguntou.

"Substantiando."

Maomao colocou um pé no pântano - ou mais corretamente, ela quase chutou contra ele,
o impacto fazendo seu pé quicar de volta. O velho ficou surpreso, mas Maomao já estava
dando seu próximo passo, chutando com força. Ela fez isso repetidas vezes, trabalhando
seu caminho pelo brejo.

Ela estava, de fato, andando sobre a água. Não era exatamente como Kokuyou havia
sugerido, mas ela dava cada passo antes que seu pé afundasse, então repetia o processo.
Era o suficiente para mantê-la na superfície.

"Como está isso? Posso andar sobre a água." Maomao sorriu, cheia de confiança.

O velho tocou sua barba, espantado. "Isso é algo especial, tenho que admitir." Ele pegou
um longo graveto que estava por perto, deu um passo para dentro do pântano e o
mergulhou na água. Houve um som duro e agudo. "Mas você não precisa fazer todo esse
esforço. Há mais daqueles cairns no pântano." Ele bateu novamente no grande pilar de
pedra.

"O quê?" Maomao disse, perplexa. Em sua admiração, ela parou de mover os pés - que
afundaram imediatamente no brejo. O Vovô acabou tendo que puxá-la para fora.
"Como você fez isso, afinal?" perguntou Gramps para Maomao, coberta de lama, depois
de tê-la tirado do pântano.

Maomao tirou suas "sandálias" e olhou para o pântano, cansada. "Quando você tem algo
que não é completamente líquido e não é completamente sólido, tem algumas
propriedades especiais," ela disse. Teria sido mais fácil demonstrar se ela tivesse um
pouco de amido de batata à mão. Misture isso na água em uma proporção específica e
você pode pegá-lo com a mão - mas logo ele fluiria entre os dedos.

Este pântano era muito semelhante. Foi por isso que Maomao perguntou a Gramps em
que época do ano estava quando a donzela dançou sobre a água. E Maomao calçou seus
calçados improvisados porque julgou que havia um pouco de água demais na mistura
para fazer de outra forma.

Ela havia pensado que alguns dos "sacrifícios" haviam percebido que quando o pântano
encolhia e a proporção de lama para água mudava, era possível caminhar sobre ele. Mas
ela não estava completamente certa.

"Um truque desses? Isso não é muito justo," ela disse.

"Os pilares de pedra afundados no pântano são marcadores de túmulos para os


sacrifícios mortos," respondeu o velho firmemente. Eles foram enterrados de forma que
mesmo na estação seca, não fossem visíveis. Dez deles, ou talvez um pouco mais -
insinuando o número de mulheres que foram afogadas.

"Há muito tempo, quando o momento para o próximo sacrifício foi decidido, o filho do
chefe da aldeia contou para a infeliz garota sobre os marcadores de túmulos." Então era a
jovem que tinha o "senhor do lago" ao seu lado, e ela se tornou a donzela do santuário.
"Isso foi há mais de cinquenta anos atrás."

O ex-chefe da aldeia evidentemente não sabia sobre as pedras. Parecia para Maomao que
o único que estava ciente delas era este homem aqui. Ela o encarou com raiva: ele sabia o
tempo todo, e ficou calado sobre isso. Por que ele faria isso, exceto talvez se houvesse
algo que ele sentisse culpa?

"A xamã era uma mulher de cabelos brancos?" Maomao perguntou novamente.
Mas novamente, o médico balançou a cabeça. “Não tivemos ninguém assim por aqui.”
No entanto, ele tinha algo mais para acrescentar. Ele começou a falar, contando a
Maomao como por mero acaso, na capital, ele havia encontrado a ex-donzela do
santuário que havia sido enviada para o palácio traseiro. Naquela época, ela já tinha uma
neta.

A ex-donzela do santuário lhe perguntou como estava o estado do grande deus da


serpente hoje? O médico explicou que mesmo sem uma donzela do santuário, melhorias
na tecnologia de controle de enchentes significavam que o rio e o pântano não
transbordavam mais. O deus da serpente se tornou uma simples superstição, seu
santuário caiu em ruínas e ninguém o visitava agora.

“Talvez tenha sido melhor se eu tivesse dito a ela que o santuário estava indo bem, que
graças à grande serpente, estávamos a salvo de enchentes. Mesmo que não fosse
verdade,” ele disse.

A ex-donzela do santuário tinha ficado incrédula com o que o velho lhe disse. Era como se
todas as donzelas do santuário que haviam descido às profundezas tivessem morrido em
vão. O pensamento enfureceu a mulher.

“Pouco tempo depois, ela e sua neta vieram para a vila. A ex-donzela do santuário disse
que servia a uma nova serpente deus, e foi quando ela fez sua neta atravessar o pântano.”

Um novo deus da serpente? Maomao pensou nas cordas sagradas brancas, na divindade
da serpente e na mulher de cabelos brancos que o pintor havia visto. Ela pegou o poste e
o mergulhou no pântano, procurando os cairns enquanto avançava em direção à pequena
ilha. O velho estava certo; este era um método mais confiável do que o que Maomao havia
tentado. Desde que seus pés estivessem firmes, você poderia conseguir.

Ela pulou até a ilha. Era lar do santuário em ruínas, com gramíneas selvagens
descontroladas - e flores com pequenos pétalas vermelhas soprando ao vento. Essas
flores não viviam muito; alguns dos pétalas já estavam caindo, deixando plantas carecas
para trás. Elas foram plantadas aqui, ou algumas sementes simplesmente caíram na
área? Tudo o que Maomao sabia era que as plantas não deveriam estar ali.

“Papoulas?” ela ouviu o velho dizer, e pelo tom de sua voz, ela pôde perceber que ele as
estava descobrindo pela primeira vez. Talvez ele não tivesse ido até a ilha antes, mesmo
sabendo como chegar lá.
“Posso fazer mais uma pergunta?” Maomao disse.

“Claro. Vou te contar tudo agora.”

“Como você sabe sobre os marcadores de sepultura?”

Gramps sorriu. “Você sabe que sou parente das donzelas do santuário— o que significa
que sou filho de uma escrava. Não é incomum para os poderosos de uma vila se
envolverem com os escravos.”

Ele disse que foi o filho do chefe da vila quem contou à ex-donzela do santuário sobre a
existência dos pilares de sepultura. Isso implicaria que o chefe teve um filho com uma
escrava— e esse filho era Gramps.

“Quando o chefe se cansou dessa escrava, ela foi passada para o próximo morador da
vila, até que, finalmente, quando a fome ameaçava, ela foi usada como sacrifício.”

Para haver marcadores de sepultura, tinha que haver alguém para erguê-los— para cortar
a rocha e empilhar pedra sobre pedra ao longo dos anos. Sem mencionar, carregar as
pedras até o local delas, entre os outros marcadores já existentes.

“Este marcador bem na frente da ilha é o último. Ele salvou minha irmãzinha do
afogamento...” o médico disse.

Então, em vez disso, ela foi enviada para o palácio traseiro. Não foi a filha do chefe da vila
que foi, mas o filho da mulher escrava e de quem quer que ela tivesse sido “passada”.
Quando a criança voltou décadas depois, descobriu que os aldeões que haviam
assassinado sua mãe e usado sua própria vida para seus fins haviam se esquecido da
divindade local e das mulheres que haviam sido sacrificadas como donzelas do santuário
para ela.

Maomao olhou para as folhas de tabaco na margem distante. “Por acaso, você as
conseguiu com a ex-donzela do santuário?”

“Consegui. Mas não as sementes de papoula. Ela me deu o tabaco como uma espécie de
lembrança, pedindo dois favores em troca.”
“E você vai me contar sobre esses também?”

“Sim— é hora de contar a alguém. O nível da água ainda está alto agora, então elas
continuaram escondidas, mas quando o outono chegar, os topos dos marcadores de
sepultura aparecerão. Eu consegui manter todos longe do rastro até o ano passado, mas
não acho que consiga mais.”

A xamã seria revelada como uma fraude.

“O primeiro favor foi este: que eu ficasse calado, mesmo sabendo o que eu sabia.”

As proibições contra os aldeões matarem cobras ou pássaros eram provavelmente a


pequena forma de vingança da xamã. Este velho poderia discordar dos métodos dela,
mas escolheu fazer vista grossa.

“O outro...” O médico idoso olhou para sua cabana sobre estacas. “O outro foi que eu lhe
desse livre uso do meu pombal.”

“Pombal? O que ela queria fazer com isso?” Maomao perguntou, inclinando a cabeça em
confusão. Pensando bem, ela já tinha ouvido pombos gorjeando na vila também. Será que
eles normalmente criavam pássaros soltos?

“Não mate pássaros voadores”...

Comparada à regra sobre cobras, esta advertência quase parecia um pensamento


posterior.

Maomao atravessou de volta os marcadores de sepultura em direção à cabana. Várias


vezes quase escorregou nas pedras escorregadias, mas estava com pressa de chegar ao
pombal.

Ao se aproximar, seu nariz se arrepiou com seu odor característico. Dentro, havia várias
dezenas de pássaros com penas esverdeadas escuras. Eles bateram asas com
entusiasmo, surpresos com a chegada repentina de Maomao, mas ela ignorou a reação
deles. Em vez disso, ela agarrou cada um e o jogou de lado, um por um.
“Ei! Deixe os pobres pássaros em paz!” Gramps sibilou. Então ele os considerava algo
mais do que comida—mas isso também era irrelevante para Maomao naquele momento.
Finalmente ela encontrou o que procurava. Ela agarrou um pássaro pela parte de trás e o
virou, arrancando a coisa presa à sua perna: um pedaço de barbante branco torcido.
Estava sujo em alguns lugares; ela imaginou que tinha se sujado enquanto o animal
estava do lado de fora.

Maomao saiu do pombal e desfez o barbante. Acabou sendo um único pedaço de pano,
bordado com caracteres que realmente pareciam uma cobra rabiscada.

Eu sei que já vi esses antes, pensou Maomao. Eles se pareciam muito com a bordado na
capa de rato de fogo que ela tinha visto na loja de roupas usadas. Se você soubesse o que
estava olhando, poderia dizer que não era apenas um padrão aleatório—era um código,
baseado em caracteres das regiões ocidentais.

Maomao lembrou-se da adivinhação da capital ocidental—como ela usou uma pena de


pombo em vez de um pincel para escrever. Por algum tempo, Maomao vinha lidando com
o fato de que a Dama Branca de alguma forma parecia estar em todos os lugares ao
mesmo tempo neste país. Certamente a jovem não poderia realmente viajar tão
amplamente? Sua aparência albina poderia fazê-la parecer assombrosa, mas ela não
poderia realmente usar magia como se dizia que os imortais faziam. Praticamente o
oposto, na verdade—com a pele tão sensível à luz solar, ela não seria capaz de passar
muito tempo do lado de fora em regiões brilhantes.

Então não seria a Princesa Branca ela mesma que se movia; Maomao assumia que ela
dirigia comparsas em vez disso. O problema com essa hipótese era a informação: para
soltar o leão de sua jaula ou fazer contato com a meia-irmã da Consorte Lishu, a Princesa
Branca precisaria de um meio para trocar informações rapidamente entre a capital
ocidental e a capital imperial na região central. Mesmo o cavalo mais rápido levaria mais
de dez dias para chegar ao oeste a partir da capital, e voltar levaria quase o mesmo
tempo, mesmo se fosse de barco.

Como ela resolveu esse dilema? Com esses pombos.

“Ei, Gramps, a antiga donzela do santuário vem visitar o pombal pessoalmente?”

“Sua neta vem. Ela levou alguns deles com ela, disse que ia usá-los para uma maldição
ou algo assim.”
“Você não vai acabar ficando sem pombos eventualmente?”

“Não, eles voltam direto para este pombal quando os solto. A menos que um animal — ou
um humano — os pegue primeiro.”

Em outras palavras, ela poderia se comunicar, aproveitando a aptidão desses pombos.


Maomao fechou os olhos, pensou por um segundo sobre o que deveria fazer, e então
olhou para o velho. Era possível que a antiga donzela do santuário e sua neta sofressem
danos. Elas pareciam estar conectadas à Princesa Branca.

Maomao clicou a língua. “Quer trabalhar comigo desta vez, Gramps?”

“O que? Do que você está falando?”

Maomao não estava totalmente carente de decência. Ela poderia ir direto para Jinshi sem
dizer mais uma palavra ao velho, mas optou por não fazer isso. Em vez disso, começou a
negociar, sondando até onde ele iria, onde no meio ele a encontraria.

Capítulo 12: Os Julgamentos da Consorte Lishu

Jinshi recebeu uma carta de Maomao no dia seguinte à sua reunião informal com o
mensageiro do oeste: Encontrei uma pista sobre a Dama Branca em uma aldeia chamada
Lago Dourado. Foi muito conveniente para ele — ou talvez muito inconveniente.

O "mensageiro do oeste" era um dos emissários de Shaoh que haviam visitado Li no ano
anterior, uma mulher chamada Aylin. Ela e sua companheira se pareciam tanto que
poderiam ser gêmeas, mas a outra mulher, Ayla — bem, as coisas acabaram sendo
complicadas.

Na última vez em que ela havia visitado, Ayla usava uma faixa de cabelo vermelha e Aylin
uma azul; desta vez, todo o traje de Aylin era azul. Devido à natureza secreta de sua
missão, ela não usava nada chamativo, mas sim um quju shenyi, uma túnica com bainha
curva que era bastante comum em Li.

Na verdade, não era alguém com quem Jinshi deveria estar se encontrando muito
pessoalmente. Da última vez que o vira, ele estava vestido como uma mulher e ela,
embaraçosamente, o confundira com o espírito da lua.

Além disso, ele estava ocupado. Ele se perguntava sobre o que ela falaria neste momento,
sob cuja orientação ela estaria; mas acabou sendo de Lahan. Jinshi pensara que ele
parecia estar tramando algo na capital do oeste, mas sentia-se certo de que Lahan, de
todas as pessoas, não estaria fazendo nada duvidoso, e deixara o assunto de lado. Não
era tanto que confiasse em Lahan, mas sim que tinha uma certa compreensão da
psicologia do outro homem. Lahan tinha uma espécie de fixação por "números bonitos" e
"números feios", e embora Jinshi não pudesse afirmar entender completamente, percebia
que Lahan não faria nada que violasse seus padrões de "beleza".

Jinshi esperava cerca de metade do que Aylin lhe disse; a outra metade foi inesperada,
mas nada disso era completamente irrazoável. Lahan já estava a par dos dois pontos que
Aylin havia levantado, e não demonstrara nenhuma reação particular.

Uma coisa que ela disse realmente fez a cabeça de Jinshi doer: exportações de
alimentos ou asilo político.

Lahan já havia conversado com Jinshi sobre exportações na forma de um vegetal


chamado batata-doce. Era uma cultura promissora, que poderia ser cultivada mesmo em
solo pobre e rendia uma colheita muitas vezes maior que a do arroz. O fato de Lahan
poder chegar até ele com uma ideia dessas imediatamente após seu retorno à capital o
lembrou novamente que o clã La não era algo para ser desprezado.

O resultado foi que Jinshi passou as duas semanas desde seu retorno trabalhando
praticamente sem dormir. Apenas colocar-se em dia já era ruim o suficiente, mas agora
havia ainda mais a ser feito. Suas preocupações no palácio não haviam acabado — outra
situação que dava dor de cabeça havia surgido.

Ele teria que encontrar uma maneira de justificar as exportações para Shaoh à burocracia,
e era improvável que alegar que eram um meio de se proteger contra pragas de insetos
fosse suficiente. Todas as várias medidas que Jinshi já havia tomado contra a praga
pareciam ser o bastante. Qualquer medida preventiva que os membros da burocracia
tomassem seria para evitar uma catástrofe que previam cair sobre suas próprias cabeças.
Eles não queriam se dar mais trabalho por causa de alguma ansiedade infundada.
Essa era a realidade, então Jinshi havia arrumado um pretexto: o trabalho forçado ao qual
os criminosos capturados durante a rebelião do clã Shi seriam submetidos seria trabalho
agrícola. Ninguém se oporia à abertura de novas terras para esse fim. E quando se tratava
de terras, havia bastante na antiga área do clã Shi em Shihoku-shu. Com o domínio do Shi
sobre a região quebrado, as negociações provavelmente seriam mais fáceis do que antes.
E havia muitos ex-fazendeiros entre os criminosos. Seus meios de subsistência teriam
voltado ao que eram antes de o clã os ter contratado — talvez até um pouco mais difícil
do que era antes.

Jinshi nem precisaria colocar o plano em movimento ele mesmo; ele tinha alguém para
cuidar das coisas em seu nome. Especificamente, um alto funcionário encarregado de
Shihoku-shu após a destruição do clã Shi. Alguém que havia nascido e crescido na área,
na verdade, e havia ascendido na hierarquia como funcionário regional. Eles haviam
experimentado a fome no passado, e quando Jinshi explicou como o cultivo de batata-
doce impediria futuras crises de fome, seu caso foi ouvido com entusiasmo.

Qualquer pessoal necessário poderia ser recrutado em Shihoku-shu. Havia um


suprimento disponível de terceiros filhos de fazendeiros, homens que não tinham direito a
nenhum campo. Se o palácio traseiro pudesse ser considerado serviço público sob a
imperatriz reinante, então isso também poderia.

Isso era até onde o planejamento de Jinshi tinha chegado — ele era bastante capaz, mas
não era um gênio. Ainda havia detalhes a serem ajustados na ideia, mas ele deixaria os
detalhes para aqueles que a estavam executando. Haveria pressão, sim, mas eles teriam
que estar à altura da situação. Jinshi não amava simplesmente delegar assuntos, mas
tinha outras coisas a fazer. Ele sempre estava um pouco sobrecarregado, mas gostava de
pensar que tinha um senso do alcance de seus deveres.

Jinshi carecia de muitos subordinados verdadeiramente confiáveis, mas tinha alguns.


Cada um tinha suas qualidades, papéis para os quais eram mais adequados. Ele pegou
sua xícara enquanto considerava o que faria com esta carta. Sua sempre atenta dama,
Suiren, viu que a xícara estava vazia e, com um "Bem, agora", serviu-lhe mais suco.

Jinshi a observou, então decidiu espontaneamente mostrar-lhe a carta de Maomao.


"Temos alguém disponível agora?" ele perguntou.

"Sim, vários que acabaram de voltar."

"Escolha alguém adequado, então."


"Tudo bem." Suiren colocou a mão no rosto, pensando. "Por que não tentamos alguém
novo? Deve ser interessante."

"Você tem certeza de que é seguro?" Jinshi perguntou, inquieto.

Suiren, porém, continuou a sorrir amplamente. "Já me enganei alguma vez?"

Jinshi só pôde oferecer um sorriso resignado em resposta a essa demonstração de


confiança. Suiren já tinha servido à Imperatriz Viúva ela mesma — nem mesmo Maomao
conseguia superá-la. Suiren foi uma daquelas que ajudaram a garantir a segurança da
Imperatriz Viúva naquele antro de iniquidade, o palácio traseiro — a Imperatriz Viúva, que
engravidara do atual Imperador com pouco mais de dez anos de idade. Jinshi estava
convencido de que o fato de Suiren ter sido designada para atendê-lo era um sinal de
preocupação materna por parte da Imperatriz Viúva.

"Se você ainda não acredita em mim, deixe-me contar um segredinho," disse Suiren e
então sussurrou no ouvido de Jinshi.

Seus olhos se arregalaram. "Isso é verdade?"

"Sim. Eu estava administrando um pouco de castigo quando descobri..."

O "segredo" de Suiren não tinha absolutamente nenhuma relação com o trabalho de


Jinshi — mas era uma informação muito útil para ele pessoalmente. Ele se perguntou,
porém: que tipo de castigo ela estava mencionando? Decidiu que, por enquanto, algumas
perguntas eram melhor deixadas sem resposta.

"Tenho certeza de que você gostaria de sair vitorioso de vez em quando, Jovem Mestre,"
disse Suiren, com um gesto que era juvenil e encantador apesar de seus anos. Mal Jinshi
registrou isso, porém, ela já havia retornado à dama de companhia primorosa e capaz.
"Vou cuidar disso imediatamente," ela disse. Fez uma reverência e saiu do quarto sem
sequer fazer o barulho de um passo.

Jinshi sabia que Suiren cuidaria das coisas. Ele podia se concentrar em outros trabalhos.
O outro problema trazido a ele pela Enviada Especial Aylin, por exemplo. Algo que parecia
ser novidade até mesmo para Lahan. Jinshi não queria ouvir; preferiria tapar os ouvidos.
Era o bastante para ameaçar desfazer seu sorriso impenetrável.

Que tipo de problema era esse? Tinha a ver com a Dama Branca.

E por causa disso, ele perderia outra chance de visitar a loja de ervas na zona de prazer.

---

"A Dama Branca foi capturada."

Ela foi informada dois dias após os eventos na vila e em seu pântano. Considerando que
sua carta teria levado um dia para chegar, as coisas haviam acontecido tão rapidamente
quanto humanamente possível.

Foi Basen quem trouxe a mensagem, e Ukyou quem trouxe Basen até a loja quando ele o
viu desconfortável no saguão da Casa Verde. Basen relaxou visivelmente quando Maomao
disse que sua irmã Pairin estava com alguém naquele dia e não estava.

A loja era bastante apertada, então Maomao pediu à dona que preparasse um quarto para
eles. O bordel tinha muitas câmaras excelentes para conversas privadas — mas apenas
se Chou-u não as encontrasse. O garoto supercurioso se injetaria diretamente em
qualquer conversa. Felizmente, Ukyou se ofereceu para distraí-lo.

Maomao deu um gole no chá que lhes foi servido. "É mesmo?"

"Esperei mais entusiasmo," disse Basen.

"Te asseguro que estou bastante chocada."

Basen, parecia, ainda não estava acostumado a ler as expressões de Maomao. Jinshi ou
Gaoshun certamente teriam notado o leve franzir de sua testa.
Após a descoberta de que a Dama Branca estava usando pombos para facilitar sua rede
de informações, eles rapidamente viraram o jogo contra ela. Maomao havia assumido que
poderiam ler uma das cartas, pegar a pessoa que viesse buscá-la e provavelmente
aprender algo — mas nunca imaginou que seria tão fácil.

O que realmente fez a diferença foi que ela conseguiu trazer ajuda.

Com essa ajuda, Maomao foi até o velho que venerava a grande serpente. Ela acreditava
que ele tinha os interesses de sua irmã um tanto duplicita e de sua neta no coração, e
sabia que de alguma forma, em maior ou menor grau, elas estavam conectadas com a
Dama Branca. O homem poderia ficar quieto, mas não salvaria as mulheres da punição.
Então, Maomao o instigou a desertar. (Chame isso de chantagem se quiser.)

"Vigiamos o pombal, e quando detivemos a pessoa que o visitou, ela nos levou até a vila
de um determinado burocrata," disse Basen.

Eles perguntaram à irmã mais nova do velho e sua neta se podiam identificar o oficial em
questão, e as mulheres disseram que o conheciam; elas também identificaram vários
outros burocratas que eram amigos desse homem. Um deles, descobriu-se, estava
abrigando a Dama Branca.

"Até meio anticlimático. Mas não consigo deixar de me perguntar — por que alguém iria
tão longe para protegê-la?" disse Maomao.

"Os burocratas eram ávidos fumantes de cannabis, e foram encontrados traços do que se
pensa ser ópio na casa também."

"Ah." Mas é claro: uma vez que alguém se vicia em narcóticos, pode fazer qualquer coisa
para obtê-los. Se livrar de uma droga dessas também exigia uma considerável
determinação. "Só mostra que não se deve brincar com drogas perigosas, suponho."

"Você é uma a falar!" disse Basen. Ela ignorou seu olhar profundamente duvidoso,
pensando em que remédio ela iria preparar hoje. Basen provavelmente tinha vindo apenas
para contar a ela sobre o que tinha acontecido, então seu negócio estava terminado. Sua
mão estava melhor agora; a bandagem havia sido retirada. Na verdade, porém, Maomao
não sabia por que não poderiam ter lhe enviado uma carta, ou pelo menos algum outro
mensageiro. Não havia motivo para Basen vir até aqui e ser aterrorizado pelas cortesãs.
Apesar de ter entregue sua mensagem, Basen não deu sinal de que iria se levantar para
ir embora. Em vez disso, ele continuava lançando olhares furtivos para Maomao, abrindo
a boca quase para falar, mas fechando-a novamente.

Finalmente, ela perguntou: “Há algo de errado, senhor?”

“Ahem. Não, eu...”

Maomao estava curiosa, mas não queria se envolver. Qualquer que fosse o problema,
provavelmente significava encrenca – e pior, provavelmente significava Jinshi. Sim,
definitivamente melhor manter distância.

Ela não via Jinshi desde que se separaram na capital ocidental. O contato que tiveram foi
apenas sua carta sobre a Dama Branca, à qual a resposta dele foi formal e profissional.

Espero que ele finja que nada aconteceu. Isso seria o mais harmonioso, na opinião dela.
Infelizmente, o mundo não era um lugar decente o suficiente para lhe dar harmonia só
porque você queria.

Basen finalmente parou de abrir e fechar a boca e olhou-a diretamente nos olhos,
claramente decidido a dizer o que precisava. “Tenho uma pergunta para você. Se a
menstruação de uma mulher não vem, é justo assumir que ela está grávida?”

Maomao respondeu com silêncio – ela nunca sabia o que esse homem iria dizer em
seguida! Basen fez uma careta diante do olhar de desdém dela, mas seu rosto ficou cada
vez mais vermelho. Francamente, Maomao não sabia o que pensar de uma resposta tão
virginal. Ele queria saber como dizer se uma mulher estava grávida? Será que ele tinha se
envolvido com alguma garota má que tinha se aproveitado dele?

Acho que consigo imaginar, ela pensou. Basen sempre parecia faltar um pouco, como
homem. Não faltavam pessoas no mundo que, sob a influência de um pouco demais de
bebida, cometiam um erro noturno. E considerando o status de Basen, deve haver
inúmeras mulheres ansiosas para compartilhar uma bebida com ele.

Ela sabia que isso era algo que não poderia zombar dele; ela tinha que ser séria. “Mestre
Basen,” ela começou. “Sei que você pode sentir que foi enganado, mas um homem de
verdade assume a responsabilidade por suas ações.”
Basen olhou para ela incrédulo.

“Se realmente for seu filho, então você tem que fazer o que é certo. Não que isso torne
aceitável que ela tenha se aproveitado de você, mas—”

“Espera aí. Do que você está falando?”

“A pobre garota que você deixou grávida, Mestre Basen.”

“Eu não deixei ninguém grávida!” Basen bateu com o punho no chão, o impacto tão
poderoso que fez Maomao sentir como se pudesse ser lançada ao ar. Era o punho direito
dele—ele não tinha medo de se machucar novamente?

“Então por que está perguntando?”

“B-Bem, é...” Sua boca começou a abrir e fechar novamente, mas ele conseguiu se
inclinar e sussurrar no ouvido de Maomao: “É sobre a Consorte Lishu.”

Maomao olhou para ele, atordoada. De jeito nenhum. De jeito nenhum...

Sim, parecia haver algo entre eles; se você pudesse ignorar suas respectivas posições,
Basen e Lishu poderiam ter feito um belo par—

Espera aí. Quando diabos eles teriam tido tempo?

Certamente não houve um momento livre. Mas então de novo, Maomao mal os observava
vinte e quatro horas por dia, então ela não podia ter certeza. Mas então de novo de novo,
eles já pareciam ter—? Ela tentou se lembrar.

Ela parecia estar confusa, à sua maneira. Enquanto pensava, revirou seu armário de
remédios e produziu um pacote de algo que colocou na frente de Basen. “Este é um
abortivo relativamente inofensivo,” ela disse—algo que ela mantinha à mão para as
cortesãs.
“Não tenho certeza se consigo controlar minha força—mas posso te bater?” Basen
perguntou com uma polidez incomum. O toque de civilidade, de fato, indicava o quão
irritado ele estava. Maomao sabia que nunca sobreviveria a um golpe de alguém com sua
força absurda, então ela delicadamente guardou o remédio.

Basen limpou a garganta, bebendo um pouco do chá gelado na tentativa de abaixar o


rubor que tinha aparecido em seu rosto, uma combinação de frustração e embaraço.
“Ahem. O que estou dizendo é que uma certa pessoa de alta posição está em uma
situação difícil.” Aparentemente desesperado para evitar usar sequer um pronome
pessoal, ele recorreu a locuções extremamente circunlóquias. “Quando se está ausente
de um determinado lugar por muito tempo, e então retorna a esse determinado lugar, está
sujeito às mesmas restrições como se estivesse entrando nele pela primeira vez.”

Um certo lugar era sem dúvida o palácio traseiro.

"Ah, então é isso que está acontecendo," Maomao disse, batendo nas próprias pernas.

Havia estipulações ao entrar no palácio traseiro: assim como qualquer homem era
esperado para ser eunuco, havia certas coisas que uma mulher também tinha que fazer.
Nada tão difícil quanto o que era exigido dos homens, mas o último desejo deles era que
uma mulher entrasse no palácio traseiro já grávida. Assim, uma mulher só podia entrar
depois de ter sido confirmado que estava menstruando.

Havia exceções ocasionais para licenças temporárias, mas geralmente eram para prestar
homenagem à família do noivo no caso do casamento de uma mulher—o nome de seu
parceiro era registrado, então se ela ficasse grávida, eles sabiam quem culpar. A maioria
das mulheres então saía antes mesmo do nascimento da criança.

Uma mulher que esteve ausente do palácio traseiro por quase dois meses, e uma alta
consorte ainda por cima, não poderia esperar simplesmente voltar. O problema de Lishu
era que já havia mais de um mês desde que ela retornara da capital ocidental.

“Então o período dela está atrasado?” Maomao perguntou. Basen assentiu


miseravelmente. “Bem, Consorte Lishu é jovem, então pode ser irregular, e quando você
considera o desgaste que a viagem deve ter causado a ela, não pode ser tão
surpreendente se ela estiver um pouco atrasada.”

Isso, no entanto, falava puramente de uma perspectiva de saúde. O fato de Basen estar
conversando com ela e saber informações tão pessoais significava que havia algo mais
acontecendo.
O que poderia acontecer com uma mulher que fosse suspeita de engravidar fora dos
limites do palácio traseiro—uma das mais altas consorte de Sua Majestade, ainda por
cima? Especialmente quando a razão pela qual ela deixou o palácio traseiro nesta
ocasião era que poderia ser dada ao irmão mais novo do Imperador, Jinshi, em
casamento? Se Basen estava ciente dessa situação, é provável que Jinshi também
estivesse.

Se aquela garota não tivesse má sorte, não teria sorte alguma, pensou Maomao. Ela tinha
que simpatizar com todas as tribulações às quais Lishu tinha sido submetida,
considerando que não eram culpa dela. Ela já era intimidada e ridicularizada; se as
pessoas achassem que ela estava noiva de Jinshi, olhares invejosos começariam a ser
direcionados a ela.

Grávida, no entanto? Consorte Lishu dificilmente parecia qualificada para engravidar. Ela
nem sequer tinha sido “visitada” pelo Imperador. Diante disso, Maomao estava
começando a pensar que entendia o que Basen estava insinuando.

“Você quer que eu prove que nada de errado aconteceu com a Consorte Lishu.”

Isso trouxe um olhar de alívio não disfarçado ao rosto de Basen. “Você vai fazer isso?”

“Eu farei. Vou precisar ser capaz de ir ao palácio, no entanto, e não tenho certeza se vão
me deixar entrar. Um médico talvez, mas um boticário aleatório?”

“Não se preocupe com isso. Já falei com o chefe do escritório médico. E o Senhor Luomen
gentilmente concordou em vir também.”

Isso facilitou as coisas. Então Basen já havia preparado tudo quando chegou. Quanto ao
motivo de Luomen estar envolvido, era provável que Basen não confiasse no charlatão
para lidar com isso, mas sabia que não qualquer (homem) médico poderia atender a
consorte. O pai adotivo de Maomao era o compromisso perfeito.

Maomao estava animada com a perspectiva de ver seu velho novamente—já fazia um
tempo. Ela se sentia mal por Lishu, mas pessoalmente estava bastante feliz.

Basen, por outro lado, continuava com um semblante sombrio. Talvez ela devesse ter
investigado o assunto com ele—mas ela não estava pensando tão profundamente nisso
na época.
No dia seguinte, um mensageiro do palácio chegou. Maomao deixou Sazen no comando
da loja, como de costume.

“Por favor, não demore!” ele disse. O que ele era, seu cachorro de estimação? Ele sempre
era assim. Maomao se certificou de que Chou-u estaria fazendo compras com Ukyou
quando saísse, e ficou feliz por ter feito isso. Ela conversou com a madame, e até a velha
senhora entendia que o garoto não poderia acompanhá-la até o palácio.

Chou-u poderia ter ido embora, mas Maomao, a gata, se esfregava persistentemente
nela, até que ela a pegou pela pele do pescoço e a colocou na cabeça de Sazen.

“Ei, estou com calor...” ele disse, mas não parecia especialmente infeliz enquanto
saboreava o pelo branco da barriga da gata contra o rosto.

Parecia ser uma vantagem dessas saídas que eles achavam que ela precisava estar
apresentável, então lhe davam roupas novas sempre que era convocada para essas
tarefas. Nunca pediam de volta, então Maomao sempre vendia as roupas para a loja de
roupas usadas ou as leiloava entre as cortesãs. Além da túnica usual, desta vez havia
uma sobretúnica branca. Algo para servir como avental de médico nesta estação quente.

Se estavam convocando Maomao, isso implicava que o período da consorte ainda não
tinha chegado. Ela decidiu preparar um wenjing tang, uma mistura que auxiliava no fluxo
sanguíneo, apenas por precaução. Havia vários outros remédios que poderiam ajudar,
mas Maomao escolheu um com efeitos colaterais mínimos. Ela presumia que Luomen
também teria alguns prontos—como ele não teria, sendo muito mais experiente do que
ela?—mas ela pensou que a consorte poderia se sentir menos intimidada em receber o
medicamento de uma colega mulher do que de um eunuco.

A carruagem rolou pelos terrenos do palácio, parando em algum lugar perto do palácio
traseiro. Eles estavam de fato bastante perto do pavilhão onde Anshi, a Imperatriz Viúva,
os tinha convidado uma vez.

Maomao colocou a sobretúnica branca, ignorando o calor, e desceu da carruagem. Ela se


viu diante de um pavilhão relativamente pequeno bem no meio entre a residência da
Imperatriz Viúva e a da atual Imperatriz. Deve ter sido construído há muito tempo como
um lugar para uma consorte real viver, antes mesmo do palácio traseiro ser estabelecido.
Quanto ao edifício em que o ex-imperador passara grande parte de seu tempo, que
Maomao tinha visitado no ano anterior, já havia desaparecido. Ela tinha que admitir que o
lugar parecia um pouco mais árido sem ele.
Esperando na frente do pavilhão estava um médico com uma expressão benigna no rosto
e uma bengala na mão. Era Luomen. “Ah, você está aqui,” ele disse, arrastando uma perna
enquanto se aproximava de Maomao. Eles tinham enviado cartas, mas já fazia quase seis
meses desde que tinham se visto pela última vez.

Luomen estava acompanhado por outros dois homens que pareciam ser funcionários
médicos. Ambos eram pequenos e idosos, nada ameaçadores—talvez isso fosse
simplesmente como os médicos tendiam a ser, ou talvez fosse um gesto de consideração
para com a Consorte Lishu.

“Por aqui, por favor,” disse uma mulher. Era uma das damas de companhia de Lishu do
palácio traseiro. Maomao a reconheceu, mas não conhecia seu nome. A mulher, no
entanto, claramente conhecia Maomao; podia-se ouvir um clique audível dela.
Aparentemente, as atitudes entre as mulheres de Lishu não haviam melhorado—talvez
até tivessem piorado.

“Por aqui,” a mulher reiterou e então os conduziu por um caminho que parecia para
Maomao ser muito longo e muito sinuoso. Eles subiram para o segundo andar, depois
para o terceiro, depois para o quarto mais interno do andar, antes que a mulher dissesse,
“Me desculpe muito. Esqueci que a senhora mudou de quarto.”

Será que ela está tão ansiosa para tornar nossas vidas difíceis? Maomao se perguntou.
Os três médicos com ela eram todos homens velhos; talvez suas expressões suaves
fizessem a mulher não os levar a sério.

Por fim, Maomao e seus companheiros foram conduzidos à câmara mais interna do
pavilhão, que parecia ser um quarto perfeitamente típico para uma consorte. Ênfase em
para uma consorte: os móveis eram de uma qualidade que um plebeu comum talvez
nunca visse em toda a sua vida.

Consorte Lishu estava deitada em uma cama com dossel, com sua principal dama de
companhia (que também era familiar) ao seu lado parecendo bastante aflita. Lishu
recuou brevemente à vista dos médicos homens (apesar de idosos), mas ao ver Maomao
com eles, relaxou brevemente—por um segundo breve, antes de recuar novamente, por
razões completamente diferentes.

Luomen disse simplesmente: “Assumimos que poderia haver preocupações conosco,


então trouxemos uma representante,” e olhou para Maomao.

Lishu era suspeita de estar grávida—e mesmo que não estivesse, se algo tivesse
acontecido entre ela, uma alta consorte, e um homem que não era o Imperador, sua vida
estaria perdida.
Não que eu ache remotamente provável. Para começo de conversa, ela não achava que
alguém tão transparente quanto Lishu poderia guardar um segredo assim por muito
tempo. Provavelmente não de Maomao, e quase certamente não de Ah-Duo, que esteve
com ela durante toda a viagem. Era impossível ter certeza absoluta, é claro—mas parecia
improvável.

Foi assim que Maomao se viu em pé diante da consorte aterrorizada, flexionando os


dedos. A solução mais rápida e simples seria verificar se a Consorte Lishu estava
intacta—uma tarefa para a qual Maomao, criada no bairro de prazeres, estava
singularmente capacitada. Ela tinha todo tipo de maneiras de saber.

“Vamos logo e terminemos com isso. Será mais fácil para todos,” disse Maomao.

“O quê? Espera... N-Não! Não!” Lishu lamentou.

“Você está bem. Eu vou terminar antes que você consiga contar os grãos de madeira em
sua cama.”

“Terminar com o quê—ahh! Eek!” A consorte estendeu desesperadamente a mão para


sua principal dama de companhia, mas Maomao fechou a cortina ao redor da cama.
Quanto aos médicos idosos, eles ficaram discretamente em um canto da sala, de costas.

Por um tempo, o único som era o soluçar de Lishu.

“Ela é pura. Claro,” Maomao anunciou friamente, limpando as mãos com um pano. Lishu
jazia na cama, completamente esgotada, provocando consternação de sua principal
dama de companhia. Deveria estar tudo bem—Maomao era uma colega mulher; ela até
fez algo semelhante ao avaliar se o filho da Imperatriz Gyokuyou estava em posição
pélvica; mas evidentemente Maomao estava errada em pensar que uma virgem completa
passaria pelo exame da mesma forma que uma mulher que já havia dado à luz. Lishu
parecia ainda mais exausta do que na vez em que arrancaram seu cabelo no banho.

“Maomao, você poderia ser mais gentil,” disse Luomen, embora fosse um pouco tarde
para isso. Os outros dois médicos também tinham expressões tensas.

Justo quando Maomao estava pensando que o trabalho tinha acabado e ela poderia
relaxar e escrever a papelada, uma voz de mulher disse: “Com licença.” A porta se abriu, e
três das damas de companhia de Lishu entraram, flanqueando a ex-principal dama de
companhia da consorte, aquela que tinha sido repreendida por Jinshi. Ela parecia ser
problema, como sempre, mas hoje parecia ter levado isso a outro nível.
“Sim? Podemos ajudar?” perguntou a atual principal dama de companhia. Tecnicamente,
ela era a superior nessa situação, mas começou sua vida apenas como uma degustadora
de comida, e sentiu um choque compreensível de medo ao ser confrontada pela mulher
que anteriormente ocupava sua posição.

A ex-principal dama de companhia simplesmente a ignorou, virando-se em vez disso para


Maomao e os médicos idosos. “Você conseguiu determinar a castidade da consorte?” ela
perguntou.

“Sim, acabamos de concluir o exame,” disse Luomen, momento em que a mulher lançou
um olhar em direção a Maomao.

“Mas você não realizou o exame, não é? Foi aquela mulher ali. Uma conhecida da
consorte. Não vê um problema aqui?” Parecia estar sugerindo que Maomao poderia
mentir para proteger Lishu—uma atitude que Maomao achava irritante com razão.

“Talvez gostaria de se juntar a mim para realizar um novo exame, então?” ela disse. “Talvez
devêssemos chamar uma parteira também, apenas para garantir.”

Sua ideia provocou olhares de angústia—de Lishu e sua principal dama de companhia. A
consorte parecia que poderia morrer de vergonha se fosse submetida a mais humilhações
desse tipo.

A ex-principal dama de companhia, por sua vez, apenas balançou a cabeça. Era quase
como se ela achasse que era a que estava no comando aqui —ela certamente tinha
ficado mais autoimportante desde a última vez que Maomao a viu. Antes, pelo menos ela
estava disposta a fingir ser deferente à consorte.

A razão de sua arrogância logo se tornou clara—ela estava segurando algo em sua mão.
“Devo dizer, sinceramente esperava que não chegasse a isso—mas encontrei isso e me
senti honrada em trazer isso à atenção de todos vocês.” Ela colocou um pedaço de papel
na mesa. (Maomao não pôde deixar de notar como estava amassado.) “Confesso, não
pude acreditar que a consorte escreveria uma coisa dessas!” A mulher se inclinou
dramaticamente—quase teatralmente—contra a mesa.

Quando Maomao viu o que estava escrito na página, só pôde franzir a testa.
“Uma carta de amor!” anunciou a ex-principal dama de companhia. “Para alguém que
não é Sua Majestade!”

A página estava coberta de caracteres bonitos e femininos—e uma abundância de doces


palavras e declarações de amor.

Então é por isso que ela nos levou pelo caminho mais longo, pensou Maomao, finalmente
entendendo por que a acompanhante os havia levado para o quarto errado antes de
finalmente trazer-lhes para a Consorte Lishu. Ela não estava fazendo uma brincadeira
maldosa—ela estava ganhando tempo.

A ex-principal dama de companhia chamou um oficial que estava do lado de fora do


quarto. Maomao não estava certa do porquê de ela estar tão ansiosa para fazer isso—a
infidelidade da consorte teria consequências também para suas damas de companhia.
Acima de tudo, a questão de se a carta realmente era de Lishu incomodava Maomao, mas
a caligrafia já havia sido examinada e determinada ser dela.

Maomao e os médicos foram expulsos do prédio antes que tivessem a chance de


questionar a consorte. Parecia que a ex-principal dama queria agir antes que Maomao
pudesse fazer seu exame, mas a tática de atraso não tinha ganhado tempo suficiente para
isso. Em vez disso, pode-se dizer que ela recorreu à força.

Maomao e seus companheiros decidiram voltar ao escritório médico do palácio. Maomao


era uma estranha, enquanto Luomen e seus dois colegas médicos não eram
personalidades fortes. Se lhes fosse ordenado que saíssem, pouco poderiam fazer além
de sair. Maomao estava determinada a pelo menos escrever um relatório sobre suas
descobertas. A ex-principal dama de companhia havia insistido que a palavra de Maomao
não era confiável, mas isso não era dela para julgar. Se nada mais, os médicos com ela
haviam visto o rosto de Lishu, e pareciam acreditar que Maomao estava certa.

“Isso foi bastante audacioso,” comentou o Médico Idoso Número 1. Ele tinha uma
estrutura esguia que lembrava uma árvore estéril.

“Sim! Foi quase demais para assistir,” respondeu o Médico Idoso Número 2, um homem
corpulento com dedos como salsichas.

Luomen mal era mais jovem que os outros dois médicos, mas como o membro mais
recente do escritório, era ele quem servia o chá. Maomao se levantou para ajudá-lo, mas
ele a fez sentar novamente, insistindo para que ela se concentrasse na escrita.
“O harém sempre teve pessoas como ela, mas sempre é decepcionante perceber que
esse tipo ainda está vivo e bem,” disse o primeiro médico.

“Você disse tudo!” concordou o segundo. “Não estou dizendo que as mulheres são más,
apenas que algumas delas tornam um quarto um lugar mais sombrio. É o mesmo em todo
o palácio...”

Maomao inclinou a cabeça, surpresa: eles falavam como se tivessem estado no harém.
“Vocês não são eunucos, são, senhores?”

“Não, não somos. Estávamos no harém, mas não somos castrados—saímos de lá antes
que nos castrassem.”

“Naquela época, um médico não precisava ser eunuco para ir ao harém. Embora eles
fizessem você tomar um remédio estranho toda vez que você visitava.”

Ah... Maomao se lembrou: o escândalo mais notório no harém havia acontecido décadas
atrás, quando um médico se envolveu com uma mulher que servia lá e a deixou grávida.
Ou pelo menos, essa era a história—na verdade, tinha sido obra do antigo imperador, mas
o ato foi atribuído ao infeliz médico, que foi banido junto com a criança. Problema
resolvido, pelo menos do ponto de vista da burocracia.

Hoje em dia, o velho charlatão era o único médico no harém, mas na época daquele
incidente, havia muitos médicos servindo lá—naturalmente, já que não era necessário
abrir mão da própria virilidade para fazê-lo.

“Tudo bem para eles. Eu demorei um pouco para sair, e aqui estou eu,” Luomen disse com
neutralidade enquanto colocava xícaras de chá em uma bandeja.

“É sua própria culpa, Xiaomen. Você nunca acha que algo é urgente o suficiente para se
apressar!” O Médico Idoso Número 1 riu.

“Isso mesmo, mas você certamente nos ajudou!” Número 2 riu. Eles pareciam estar se
divertindo, enquanto Luomen apenas parecia um pouco perplexo. O que mais ele poderia
fazer? Pelas atitudes deles e pelo apelido carinhoso, ficava claro que eram velhos amigos.

O Médico Idoso Número 2 se virou para Maomao. “Então você é a filha adotiva de
Xiaomen, moça? E aquela excêntrica, L—”
O rosto de Maomao começou a se contorcer até assumir um olhar de desagrado. O
médico corpulento rapidamente fechou a boca.

“As jovens sempre têm alguns assuntos que preferem evitar. Vamos respeitar isso,” disse
o médico esguio com perspicácia. Claramente, a idade havia lhe trazido sabedoria. Muito
útil.

“Voltando ao assunto—então o harém sempre teve muitas pessoas como ela?” perguntou
Maomao.

“Sim. Elementos caóticos.” Quando a imperatriz reinante estava no poder, as mulheres no


harém estavam envolvidas em derrubar umas às outras. Oficiais eram selecionados, e
selecionados com frequência, com base na capacidade, e assim o harém se tornou um
microcosmo da tensão que permeava toda a corte. “E dizem que havia muitos espiões
também.”

“Espiões?”

Evidentemente, as batalhas intermináveis entre as consorte as inspiravam a começar a


usar empregadas na esperança de conseguir informações internas.

“De vez em quando, até damas de companhia se tornavam traidoras,” disse o médico.
Uma dama insatisfeita com sua situação poderia ser facilmente convencida,
transformada em peão no jogo de outra pessoa. Ou novamente, alguém poderia contar
com o poder de seus pais para explorar uma fraqueza dos pais do alvo—e assim a ordem
de precedência no harém poderia mudar com uma velocidade vertiginosa.

“Ficou excepcionalmente ruim quando a atual Imperatriz Viúva ficou grávida. Mulheres
enlouquecidas de ciúmes até tentaram matá-la.”

“É verdade! Não sei como ela sobreviveu até a imperatriz reinante a colocar sob sua
proteção,” disse o outro médico.

“Foi tudo graças à incrível dama de companhia que ela tinha. Ela realmente sabia se
cuidar—dizem que até conseguiu fazer os assassinos se virarem contra suas senhoras!”
Isso é um romance? Maomao pensou, tomando seu chá e parecendo pouco
impressionada.

“De qualquer forma, faz muito tempo que não vejo algo tão repugnante,” disse o primeiro
médico.

Isso trouxe uma pergunta à mente de Maomao; ela disse: “Pela forma como estão
falando, parece que vocês acham que alguém mais no harém está conspirando para
derrubar a Consorte Lishu.”

“Você não acha? Por que mais uma pessoa se voltaria tão espetacularmente contra a
grande dama que ela serve?”

Era um ponto válido—até agora, a ex-chefe de dama de companhia nunca tinha ido além
de assédio comum. Desta vez, porém, ela claramente estava determinada a destruir a
consorte. Se fosse bem-sucedida, Lishu seria banida do harém, e suas damas de
companhia ficariam desempregadas. Na verdade, elas teriam sorte se não sofressem o
mesmo castigo que sua senhora.

“Isso parece quase superficial demais,” disse Maomao.

Os Médicos Idosos Números 1 e 2 se olharam. “Se você é filha de Xiaomen, tenho certeza
de que é uma jovem muito inteligente. Mas nem todo mundo é tão cuidadoso e
ponderado quanto você,” disse o médico esguio pacientemente.

“Eu entendo isso,” disse Maomao—mas isso era demais.

“Pessoas assim não estão pensando no futuro—apenas em seu orgulho. Elas podem
começar provocando alguém que elas simplesmente não gostam, mas quando há
resistência, isso só as deixa mais irritadas.”

“Você não acha que ela hesitaria nem um pouco? Ela está lidando com uma alta consorte
e é apenas uma dama de companhia.”

“É exatamente isso. Se uma pessoa se sente pisada, basta alguém dar o menor
empurrãozinho, e elas caem—os humanos são engraçados desse jeito.” Era uma forma
simples de tornar alguém um espião.
“Ha ha ha, você realmente gosta desse tipo de histórias, não é?” disse o médico
rechonchudo, enfiando um pão na boca. “É como você disse que aquele ‘Imortal Branco’
de quem todo mundo estava falando era um agente de inteligência de outro país.”

Luomen tomava chá com um sorriso reservado nos lábios, mas havia uma inconfundível
simpatia pelos olhos de Consorte Lishu.

"Ei, não se preocupe com isso. Assim que sua garota entregar os papéis, a consorte estará
livre e desimpedida", disse o médico rechonchudo, claramente capaz de perceber
exatamente como Luomen estava se sentindo.

"Mas essa carta de amor", disse Luomen, sua preocupação não sendo dissipada.

"Oh, aquilo. Garotas da idade dela escrevem cartas assim o tempo todo. Qual é o
problema em deixar um pouco de fantasia te levar? Eu sei, eu sei—é constrangedor, com
certeza, e é um problema vindo de uma alta consorte. Mas você apenas diz que ela estava
praticando escrever para Sua Majestade, e o problema desaparece. Talvez ela tenha
escrito aquela carta —mas ela não a enviou, não é? Todas as cartas das consorte devem
ser verificadas pelo censor, de qualquer forma."

"Sim, elas deveriam...", disse Maomao. Mas ela estava preocupada com o quão confiante
a ex-chefe de dama de companhia tinha agido.

"Diga, Maomao", Luomen começou, olhando para fora.

"Sim?"

"Há uma certa pessoa que sempre aparece por esta hora, alegando que é hora do lanche.
Você tem certeza de que deveria estar aqui?"

Com isso, Maomao prontamente terminou seu chá. No exato momento, ela ouviu um
velho estranho assobiando do lado de fora. Ela não perdeu um segundo para juntar suas
coisas e abrir a janela oposta à entrada. "Vou sair sozinha, então", disse.

"Você é uma pessoa estranha", disse um dos dois Médicos Idosos, mas nenhum deles
tentou impedi-la; estavam ocupados demais se preparando para a tempestade que
estava prestes a cair.
No exato momento em que Maomao pousou no chão do lado de fora, houve um estrondo
quando a porta se abriu. "Tio! Eu trouxe alguns bolos de ovo! Você vai se juntar a mim, não
vai?"

O homem anunciando seu lanche não era outro senão o excêntrico com monocle, e sua
entrada deixou Maomao sem absolutamente nenhuma razão para ficar por perto por mais
tempo.

Ainda não tenho certeza, porém...

Será que os problemas de Lishu realmente acabaram agora? A pergunta a deixou inquieta.
Ela esperava que não houvesse algo maior acontecendo—mas os pressentimentos ruins
de Maomao tinham uma tendência a estar certos.

Capítulo 13: Escândalo (Parte Um)

Alguns dias depois, Sazen veio até ela com uma história perturbadora. Ele apareceu na
loja, com o rosto tenso, dizendo que queria conversar. Maomao se perguntou sobre o que
ele poderia querer falar, mas acabou sendo nada menos que a Consorte Lishu.

"Se uma concubina do palácio estivesse se encontrando secretamente com um homem,


ela seria condenada à morte?"

A pergunta veio completamente do nada, e Maomao só conseguiu murmurar confusa um


"Hã?"

Sazen pareceu interpretar sua resposta como vagamente insultante; ele pisou com força
no chão e disse: "Será que seria ou não seria? Sou um tolo ignorante; apenas me diga!"
Seu olhar era penetrante. Maomao percebeu que sua reação não tinha sido ideal. Ela
sabia que Sazen uma vez havia servido ao clã Shi, e embora ele não tivesse lealdade aos
seus antigos mestres, ela suspeitava que ele tivesse algum apego a Loulan.
"Eu acho que isso seria meio inevitável em casos de infidelidade, não seria? Uma dama
comum do palácio pode ser uma coisa, mas estamos falando de uma concubina. Por que
você está falando sobre isso, porém? O que aconteceu para você levantar esse assunto?"

Sazen fez um bico e não quis olhá-la diretamente. "Eu ouvi sobre isso no mercado - dizem
que o Imperador está se preparando para subjugar outro clã."

"É o clã U, por acaso?"

"Não faço ideia. Mas ouvi dizer que era por causa de uma alta concubina que tem apenas
dezesseis anos."

Maomao não disse nada sobre isso, mas gostaria de poder colocar a cabeça entre as
mãos. Se até mesmo Sazen tinha ouvido falar dessa situação, provavelmente todos na
capital também tinham. Ela tinha certeza de ser explícita em seu relatório de que a
Consorte Lishu era inocente. Qualquer coisa que a ex-dama-de-companhia da consortes
pudesse estar tramando, Maomao tentou dizer a si mesma que não resultaria em muito.
Mas parecia que ela estava errada.

Normalmente, ela poderia enviar uma carta para Jinshi e simplesmente esperar que ele
fizesse algo a respeito, mas não havia tempo para isso agora.

"O-Oi!" Sazen gritou quando ela pulou.

"Vou precisar que você cuide da loja por um tempo."

"O quê, de novo?!"

Maomao saiu apressada em direção ao lado norte da capital. Foi lá que o palácio estava -
junto com todo um distrito de casas de alta classe. Uma delas era uma das vilas de Sua
Majestade, lar de Ah-Duo, ela mesma uma ex-alta concubina.

"Lady Ah-Duo está?" Maomao perguntou ao guarda, mesmo sabendo que ele não a
deixaria entrar simplesmente.
"Você tem um compromisso oficial, senhorita?" o guarda perguntou. O fato de ele estar
disposto a falar tão educadamente com uma mera boticária - e não uma particularmente
bem-vestida, por sinal - provavelmente era porque ele se lembrava de Maomao de suas
outras visitas aqui. Mas isso não seria o suficiente para ganhar sua entrada.

"Receio que não, senhor, mas eu simplesmente preciso ver Lady Ah-Duo."

"Desculpe, regras são regras. Não posso simplesmente deixá-la entrar", disse o guarda,
parecendo genuinamente arrependido. Brevemente, ocorreu a Maomao tentar forçar seu
caminho para passar por ele enquanto ele estava ocupado se sentindo culpado por ela,
mas ela sabia muito bem que isso só acabaria com ela sendo presa.

"Posso ao menos pedir que você lhe entregue uma mensagem para mim?"

"Receio que ela não esteja aqui agora..."

Maomao fez uma careta como se tivesse mordido algo particularmente amargo. Se ela
fosse apenas deixar-se ser enviada para casa, era melhor nem ter vindo.

"Me pergunto se Suirei está aqui", ela pensou, mas então descartou a ideia. Suirei não era
oficialmente suposto existir. Ela não se encontraria com Maomao sozinha, e mesmo que o
fizesse, provavelmente não teria autoridade para convocar Ah-Duo.

"Será que posso esperar?" Maomao perguntou, determinada a permanecer ali até que Ah-
Duo retornasse.

Foi algo como uma hora depois que uma carruagem chegou à vila. O guarda teve a
gentileza de alertar Maomao, que estava sentada à sombra de uma árvore esperando. Ela
pulou em pé e correu até o veículo; o rosto de Ah-Duo apareceu na janela.

"Bem, isso é uma surpresa. Eu sempre achei que você fosse um pouco mais centrada do
que isso", Ah-Duo disse - e era verdade que alguns anos atrás, Maomao provavelmente
não teria vindo pessoalmente até Ah-Duo assim. Ela teria em mente que o palácio tinha
sua própria foorma de manter seu equilíbrio, e que o Imperador parecia especialmente
atencioso com Lishu, de modo que nada terrível poderia acontecer com ela.
Naquele momento, porém, em sua mente, Lishu parecia se sobrepor à dama do clã Shi
aniquilado. Talvez isso fosse o que a deixara incomumente emocional sobre isso.

"Vamos conversar dentro", disse Ah-Duo. "Tenho certeza de que você deve estar com sede
depois de esperar tanto tempo nesse calor."

"Obrigada, milady", disse Maomao, fazendo uma reverência profunda, e então entraram
na vila.

"Então, já há rumores no mercado. As notícias se espalharam mais rápido do que eu


esperava." Ah-Duo sentou-se com as pernas e os braços cruzados. Em qualquer outra
pessoa, a postura poderia parecer imperiosa, mas para ela parecia estranhamente
apropriada e de modo algum ofensiva. Uma dama-de-companhia havia servido chá para
elas, mas desaparecera quase sem que Maomao percebesse. Maomao pensou que
Suirei, pelo menos, poderia estar presente, mas não havia sinal dela.

Hesitante, ela disse: "Posso entender pelo seu tom, milady, que os rumores são
verdadeiros?"

"O que é verdade é que no momento ela está confinada em um pavilhão separado", disse
Ah-Duo. A consorte não estava, estritamente falando, sendo tratada como uma
criminosa, mas ainda estava efetivamente sob prisão.

"Você teve a oportunidade de falar com a Consorte Lishu?"

"Tive", respondeu Ah-Duo. Ela contou a Maomao que Lishu insistiu que não havia escrito
nenhuma carta de amor - mas também, acrescentou Ah-Duo, a carta em questão
claramente era escrita por Lishu.

Isso fez Maomao hesitar. "Essas coisas não se contradizem?"

"Não. Parece que o texto em questão foi copiado de um romance."

Então é isso. Os romances que as mulheres do palácio tanto amavam estavam cheios de
contos de romance - partes dos quais poderiam parecer exatamente como uma carta de
amor se encontradas isoladas.
"A consorte ficou bastante chocada. Ela diz que estava copiando a história para uma
mulher do palácio com quem havia recentemente se tornado amiga."

Maomao baixou os olhos para o chão. Lishu acreditava que, aos poucos, estava ganhando
alguns aliados.

Uma mulher que não sabia escrever provavelmente era uma mulher de baixa posição.

Ao escrever a história, Lishu estava tentando, de sua própria maneira um tanto


desajeitada, fazer amizade. Copiar um texto poderia parecer uma coisa mundana o
suficiente, mas teria exigido tempo e esforço consideráveis - e porque Lishu estava
fazendo isso e não pediu nada em troca, ela bem poderia ter imaginado que isso
aprofundaria a amizade entre ela e essa outra mulher. Ela deve ter ficado muito feliz com
a ideia.

Apenas para se ver traída, pensou Maomao. Ou a outra mulher se aproximou da consorte
com isso em mente desde o início? Seja qual for, era tudo muito sorrateiro.

"Você não poderia fornecer uma cópia do livro que ela estava usando?"

"A questão é que... todo livro que entra no palácio posterior passa pelos censores, que
mantêm uma cópia para referência. Mas nada do que eles têm combina com esse texto."

"Quer dizer que não passou pelo escritório deles?"

"Sim. Alguém o contrabandeou."

Bem, agora. Isso era um problema. Ainda assim, algo incomodava Maomao. "O que
aconteceu com a mulher que pediu à consorte para copiar o livro? Onde ela está? Aliás,
como uma mulher que não sabe ler conseguiu colocar as mãos em um livro que havia
passado pelos censores?"

"Supondo que a mulher já tenha partido?" disse Ah-Duo. Enquanto a Consorte Lishu
estava em sua viagem, cerca de cem mulheres haviam completado seus termos de
serviço e deixado o palácio posterior. Essa mulher misteriosa tinha sido uma delas.
"E depois que ela partiu?"

"Nós procuramos, naturalmente. Mas nunca a encontramos. Não é como se ela estivesse
oficialmente servindo à consorte de qualquer maneira. Parece que elas se conheceram
quando a mulher fazia trabalhos esporádicos a pedido da consorte. Mesmo se a
encontrássemos, ela poderia simplesmente se fazer de desentendida. Ela pode ter feito
tudo com um olho no final de seu contrato."

Se isso, de fato, foi um crime premeditado, seria difícil para a mulher executá-lo sozinha.
Maomao tentou pensar no que sabia. Uma coisa era certa: se uma alta consorte como
Lishu começasse a ficar amigável com uma empregada servil, seus críticos não teriam
ficado em silêncio sobre isso - muito menos sua ex-dama-de-companhia.

Então, uma dama do palácio perto do final de seu contrato de serviço havia se
aproximado da Consorte Lishu para copiar um texto romântico de um livro. Esse livro
aconteceu de ser um que os censores não tinham visto ou aprovado. Algo que uma
empregada humilde e analfabeta nunca normalmente possuiria.

"Estou pensando que alguma outra pessoa usou a empregada para convencer a consorte
a escrever o trecho, mas qual é a sua opinião, Lady Ah-Duo?" Maomao perguntou. Ela não
gostava de trabalhar baseada inteiramente em suas próprias suposições; ela esperava
que Ah-Duo pudesse respaldar sua intuição.

"Eu concordo", disse Ah-Duo - mas então ela acrescentou: "A dama da Consorte Lishu
afirmou que encontrou a 'carta' no quarto da consorte, mas na verdade foi encontrada em
outro lugar - em algum lugar fora do palácio posterior."

"Ela realmente foi enviada para algum nobrezinho em algum lugar?"

Se ainda estivesse nos aposentos de Lishu, então seria fácil o suficiente afirmar que ela
estava prestes a enviá-la para o Imperador: problema resolvido. Mas se já estivesse na
posse de algum outro homem, então era difícil culpá-los por tratá-la como infiel.

"Sim, infelizmente. É por isso que é um grande problema e por que ela está agora
trancada. O homem em questão é filho de um servo, alguém que encontrou a consorte
várias vezes ao longo de sua vida. Ele nega qualquer envolvimento, mas a carta foi
encontrada em sua casa."
O homem poderia protestar sua inocência o quanto quisesse; encontrar evidências como
essa em sua própria propriedade era bastante condenatório. Aparentemente, a ex-dama-
de-companhia havia afirmado que havia algo entre esse homem e a consorte quando ela
retornou do convento para o palácio posterior, e ela tinha insistido muito para que o
homem fosse investigado. Ela tinha a Consorte Lishu toda amarrada com um laço bonito.

Mas isso não faz sentido!

"Como ela conseguiu enviar a carta mesmo? Eu pensei que os censores verificassem
tudo, até mesmo cartas para casa", disse Maomao. Foi por isso que em uma ocasião,
alguém tentou usar produtos químicos infundidos nas tiras de escrita de madeira como
um código, e por que as cartas da Imperatriz Gyokuyou para sua família eram tão indiretas
ao comunicar as informações que continham.

"A carta foi dobrada muito pequena. Deve ter sido colocada entre alguns itens que ela
estava enviando para casa, para o rapaz recebê-la primeiro."

Não era impossível. Mas algo parecia estranho.

Talvez Maomao se sentisse tão confusa e confusa porque era Ah-Duo quem lhe contava
tudo isso. O que ela realmente queria era ouvir a história em primeira mão.

"Você acha que alguém poderia possivelmente me conseguir uma entrevista com a
Consorte Lishu, ou mesmo com esse jovem?" ela perguntou.

Naquele exato momento, alguém bateu à porta, e um servo mostrou seu rosto hesitante.

"O que é?" Ah-Duo perguntou, e o servo olhou para Maomao como se estivesse inseguro
sobre o que fazer.

"Um Mestre Basen está aqui perguntando por Lady Maomao."

Era como se ele estivesse esperando sua deixa.

Basen ofereceu apenas as mais perfunctórias das saudações a Ah-Duo antes de arrastar
Maomao para fora.
"Se me permite perguntar, senhor, o que diabos você acha que está fazendo?" Maomao
perguntou. Basen tinha vindo a cavalo, nem mesmo aceitando uma carruagem, e os dois
se destacavam como um polegar dolorido enquanto se moviam pela cidade, Maomao se
agarrando atrás dele. Pelo menos ela tinha um pano para cobrir o rosto.

"Você ouviu falar da Consorte Lishu?" ele disse.

"Sim..."

"Então você deve ter descoberto. Você deve ter algum jeito de mostrar sua inocência."
Maomao achou que entendia o que Basen estava dizendo, mas algo ainda a incomodava.
"Eu não posso encontrá-la pessoalmente. Me disseram para encontrar um procurador",
ele disse.

Uma mulher sob suspeita de infidelidade certamente teria dificuldade em se encontrar


com um homem, é verdade. Por mais que Basen pudesse ser mais um salvador para ela,
Maomao decidiu provocar o homem obstinado. "Você foi informado. Por Jinshi?" ela
perguntou.

"Eu... estou usando meu próprio julgamento."

"Ah, entendi."

Sim, algo incomodava Maomao - mas como ela não queria incomodar a pessoa no
controle do cavalo, ela guardou para si por enquanto.

A Consorte Lishu havia sido realocada do pavilhão que ocupava alguns dias antes. Aquela
construção não era diferente da que ela tinha no palácio posterior, mostrando que ainda
estava sendo tratada conforme sua estação merecia - mas agora ela havia sido
transferida para a parte oeste da cidade, e sua residência era menos um palácio do que
uma torre. Parecia algo como uma pagode que se poderia ver em um templo, mas em
uma escala maior, com seis andares e vários telhados sobrepostos, e embora fosse um
pouco carente de cor, isso só a tornava mais imponente. A impressão era reforçada pelo
anel de árvores gigantescas ao redor do lugar. Verdadeiramente impressionante, como
construções iam - mas moradia bastante modesta para uma consorte real. Os homens
corpulentos de guarda na entrada não tornavam o local mais convidativo.
“Durante o tempo da imperatriz reinante, um poderoso cortesão que se virou contra ela
foi trazido aqui, sob o pretexto de ter uma doença incurável”, informou Basen a Maomao.
“Eles afirmaram que o trouxeram aqui para tentar um novo procedimento médico. É o
mesmo lugar para onde os irmãos do antigo imperador foram levados quando contraíram
a doença que os matou. Todos eles encontraram seu fim nesta torre.”

Então este lugar tem uma história. Maomao estava prestes a dizer isso em voz alta, mas
se conteve. A triste história de alguma forma tirava do lugar sua gravidade,
transformando-o apenas em uma prisão sombria. Será que Sua Majestade ordenou isso?
ela se perguntou. Ela sempre acreditou que ele tinha um carinho por Lishu, à sua
maneira.

“Se conseguirmos encontrar uma maneira de minar as evidências deles, ela poderia sair
daqui”, disse Basen. O que ele queria dizer era que queria que Maomao conversasse com
a consorte e descobrisse a verdade.

Felizmente para ele, Maomao queria a mesma coisa.

No entanto, havia uma coisa que ela precisava ter certeza primeiro. Ela afastou o pano
sobre a cabeça para poder olhá-lo nos olhos e disse: “Vou fazer o que você pede, Mestre
Basen, porque compartilho sua objeção ao tratamento da Consorte Lishu.”

Maomao sentia compaixão, de vez em quando. Ela inicialmente considerava Lishu nada
mais que uma princesa desagradável, mas ao ver o infortúnio se abater sobre a jovem
repetidas vezes, ela acabou por se solidarizar com ela. Certamente ninguém poderia
culpá-la por tentar fazer algo para ajudar a consorte. No palácio posterior, Maomao havia
sido mulher da então Consorte Gyokyou, e por isso não podia ser muito veemente em
apoio a Lishu - mas agora não tinha mais essa preocupação.

Mas e Basen?

“Entendo corretamente que estamos fazendo isso não por ordem do Mestre Jinshi, mas
por sua própria decisão?” ela perguntou.

“Entende.”

"E o que motiva esse comportamento, senhor?" Era a pergunta óbvia a fazer. Tão óbvia, na
verdade, que ela não conseguiu perguntar mesmo que estivesse em sua mente.
"Quem não gostaria de ajudar uma consorte inocente em apuros?" Basen disse.

"Como você sabe que ela é inocente?" Maomao disse de forma direta. Lishu e Basen
haviam se conhecido apenas em sua viagem recente. Eles haviam se visto no banquete, é
verdade, mas não tiveram chance de conversar. E, de outra forma, houve poucas
oportunidades para eles sequer verem o rosto um do outro durante a jornada - a única vez
que estiveram frente a frente foi quando o leão atacou. Novamente, mal conversaram
entre si mesmo naquele momento; na maior parte do tempo, Basen simplesmente
bombardeava Maomao com perguntas sobre Lishu. Agora ele estava agindo para ajudar
essa jovem sem ordens oficiais, inteiramente por sua própria conta. Por quê?

Eu gostaria que ele não fizesse isso.

Havia pessoas no mundo que faziam algo extraordinariamente cansativo: se apaixonavam


à primeira vista. Elas completamente ignoravam a personalidade e o status social,
sentindo o amor brotar, por assim dizer, apenas com a aparência da pessoa. Maomao
tinha certeza: naquele momento, Basen estava agindo sob a influência exatamente
desses sentimentos irritantes. É verdade, ela o havia visto ficar um pouco emocional de
vez em quando, mas na maior parte do tempo Basen estava bastante ciente de seu lugar
como assistente de Jinshi. Um lugar no qual agir por conta própria para provar a inocência
de Lishu definitivamente não fazia parte.

Com tudo isso sendo o caso, Maomao desejava deixar muito claro uma coisa: "Mesmo
que estabeleçamos a inocência da consorte, o melhor que você pode esperar é que ela
retorne ao palácio posterior."

"Sim... Eu sei disso."

Ela era uma flor florescendo em um pico tão alto que ele nunca alcançaria enquanto
vivesse. Reconhecer isso seria o suficiente para encerrar o assunto para ele?

"Se é isso que você quer dizer, então tudo bem." Ainda havia muitas coisas que Maomao
gostaria de dizer, mas decidiu parar por ali. Ela não estava mais ansiosa do que qualquer
outra pessoa para se meter em tais assuntos.

Isso acontecia com os clientes às vezes: eles se apaixonavam perdidamente por uma
cortesã na primeira vez que a viam e vinham constantemente ao bordel, gastando todas
as moedas que tinham com a mulher.
Mas quando o dinheiro acabava, o amor também acabava, e homens que não
entendiam isso vilipendiariam a cortesã subitamente distante e desinteressada,
zombavam dela, às vezes até ficavam enfurecidos e tentavam matá-la. Há pouco mais
perturbador do que um homem rindo descontroladamente sobre um quarto
ensanguentado.

Se eles fossem se apaixonar por uma mulher escondendo as bolsas sob os olhos com
maquiagem, bolsas infligidas pela falta de sono por atender clientes a noite toda, você
esperaria que pelo menos fossem fiéis a esse amor. Se eles não percebessem pelo que
estavam se envolvendo, então era culpa deles por estarem tão prontos para entregar seus
corações.

Maomao olhou para Basen, implorando silenciosamente para que ele não fosse um
desses homens.

"Eu sei", disse Basen, tanto para si mesmo quanto para ela. As palavras pareciam pesadas
em sua boca, e Maomao continuou a encará-lo com um olhar severo enquanto entravam
na prisão.

"Está bem, milady?" Maomao perguntou à Consorte Lishu, embora soubesse que ela não
poderia estar muito bem. Quando foram admitidos na torre, receberam uma tira de
madeira com o horário escrito e foram informados de que estavam livres para falar com
Lishu até que o próximo sino soasse.

A torre tinha uma construção bastante incomum, com uma escadaria e corredores
contornando o lado de fora enquanto o interior era inteiramente dedicado a quartos
individuais. Os aposentos de Lishu ocupavam dois quartos simples e contíguos no
terceiro andar; Maomao se perguntava se poderia haver pessoas nos andares acima, mas
parecia que não.

Lishu assentiu, seu rosto pálido. Sua principal dama de companhia estava ao seu lado,
mas até onde Maomao podia ver, ela não tinha outros acompanhantes. O quarto em si
estava bem equipado para uma cela de criminoso, mas para um membro da nobreza,
deve ter sido um embaraço agudo.

Eu me pergunto quantas pessoas enlouqueceram e morreram neste quarto, Maomao


pensou, mas ela sabia melhor do que dizer isso em voz alta - só faria com que ainda mais
sangue drenasse do rosto de Lishu. Em vez disso, ela perguntou: "Posso perguntar se sua
visita mensal chegou?"
"Sim... finalmente", disse Lishu, olhando para o chão, envergonhada. Isso não
necessariamente significava que ela estaria se sentindo fisicamente melhor, mas oferecia
o consolo de que ela não teria que ser submetida a mais exames por qualquer outra
pessoa sob a alegação de que o trabalho de Maomao era suspeito. Pelo menos
demonstrava conclusivamente que ela não estava grávida.

“Você me contaria que tipo de relacionamento você tem com o homem que tinha a
carta?”

“N-não é uma carta. É apenas algo que eu copiei”, disse a consorte. Maomao optou por
interpretar isso como uma negação de qualquer envolvimento com o homem, por mais
fracos que fossem os termos. “Ele é filho de um servo. Tudo o que ele fez foi cuidar de
mim algumas vezes quando eu era pequena. A última vez que o vi foi na mansão quando
voltei do convento. Minha ama disse que ele era uma pessoa muito séria e adulta.”

Nada disso soava como se Lishu estivesse mentindo; Maomao estava inclinada a
acreditar na consorte.

“Eu nunca enviei cartas para ele, e a única razão pela qual enviei alguma coisa para casa
foi porque eles enviaram um presente para Sua Majestade, e ele achou que deveriam
enviar algo em troca. Eu mesma não enviaria nada. A coisa mais próxima que recebo
deles é quando as notícias vêm do meu pai através da minha ama.”

A ironia da situação era que isso tornara Lishu muito mais falante do que o normal. Cada
vez que seus olhos encontravam os de Maomao, no entanto, ela olhava para longe
novamente. Isso era bastante normal para ela, e Maomao não deu importância. “Ouvi
dizer que a carta estava escondida em uma entrega para sua família. Você acha que isso é
possível?” ela perguntou.

“É impossível dizer”, respondeu, não Lishu, mas sua principal dama de companhia. “A
maioria do que a Lady Lishu envia para casa de sua família são presentes de Sua
Majestade. Alguém de sua casa deve vir buscá-los imediatamente depois que o palácio
posterior termina de processar os bens.”

Não havia estipulação sobre quem viria buscá-los - mas parecia ter sido o filho desse
servo. Em outras palavras, nada poderia ser provado, mas nada poderia ser desmentido
também. Se a antiga dama de companhia de Lishu estivesse determinada a desacreditá-
la, seria natural investigar o assunto.

“E não há sinal de que a ex-dama de companhia tenha enviado algo para alguém?”
Maomao perguntou, mas Lishu e sua dama de companhia atual balançaram a cabeça.
“Pelo menos sei que ela não enviou nada depois que eu escrevi aquela cópia”, disse
Lishu. Se a imperiosa ex-dama de companhia não tivesse enviado nada, seus lacaios
também não teriam conseguido. Os registros eram mantidos para tais coisas no palácio
posterior, de qualquer forma, e seria fácil o suficiente verificar. Como, então, a cópia
manuscrita de Lishu chegou à casa do jovem?

“Ela afirma que esta ‘carta’ foi embalada com o envio, mas estou tendo dificuldade para
imaginar como ela realmente chegou lá dentro”, disse Maomao. Não teria sido possível
envolver fisicamente qualquer coisa com aquele papel. Talvez tenha sido colocado entre
o material de embalagem usado para evitar quebrar?

“Parece que foi enrolado bem apertado, quase como um fio. O papel que vimos estava
muito sujo e terrivelmente rasgado”, respondeu a principal dama.

“É mesmo...”

Isso facilitaria todo o trabalho para o culpado. Mesmo se a pessoa errada recebesse a
carta, ela não saberia o que havia dentro; ela pensaria que era um pedaço de corda e
tratá-lo-ia de acordo. E daí se eles jogassem fora? Seria simples o suficiente para
recuperar. Na verdade, qualquer pessoa na casa da Consorte Lishu poderia
razoavelmente ser esperada para fazê-lo.

“Alguma coisa mudou depois que você escreveu aquele texto?”

A consorte e sua principal dama se olharam. Ambas inclinaram a cabeça com ar de


perplexidade, como se dissessem—bem, sim e não. Elas não conseguiam se lembrar
direito.

Suponha, por argumento, que a ex-dama de companhia realmente fosse a criminosa aqui
(as evidências certamente pareciam estar se acumulando). Mesmo assim, seria uma
trama difícil de executar sozinha. Ela deve ter tido um cúmplice fora do palácio posterior.
Como eles teriam se comunicado um com o outro?

Podemos nos preocupar com isso depois, Maomao disse a si mesma. Estavam ficando
sem tempo, e havia mais uma coisa que ela queria perguntar. “Mais uma coisa, então”,
ela disse, e tirou um pouco de papel e um conjunto de escrita portátil. “Este romance que
a empregada pediu para você copiar. Você poderia escrever o máximo sobre ele que se
lembrar?” Ela imediatamente começou a moer a tinta.
°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°

“Você não gostaria de um pouco de chá, Lady Lishu?” perguntou a principal dama da
consorte, Kanan, como ela tinha perguntado. Como ela continuava a perguntar. Mas Lishu
balançou a cabeça. Ela não tinha nada para fazer além de beber chá, mas sentia que se
bebesse mais algum, seu estômago se transformaria em geleia.

Kanan era a única dama de companhia ali com Lishu. Uma dama já era o suficiente,
dadas as circunstâncias; mas a coisa humilhante era que Lishu nunca tinha sido
especificamente proibida de trazer suas outras mulheres. Apenas Kanan tinha sido a
única disposta a segui-la até aqui.

Lishu tinha começado a pensar que finalmente estava ficando um pouco mais próxima de
algumas de suas outras damas de companhia, mas aparentemente aquilo tinha sido uma
ilusão. Especialmente quando se tratava da empregada para quem Lishu tinha copiado
um romance porque a garota não sabia ler por si mesma — e por conta da qual Lishu
agora era considerada uma criminosa. Isso era o suficiente para fazê-la querer chorar,
mas chorar não faria nada além de tornar a vida mais difícil para Kanan, a única pessoa
que realmente tinha ficado com ela.

Aqui na sua torre, Lishu não tinha nenhum passatempo em particular, nem mesmo
janelas; nenhum jeito de passar o tempo. Suas duas opções eram comer ou dormir.
Praticamente nenhuma luz entrava em seu quarto, de modo que mesmo no meio do dia
era necessário acender velas para enxergar, e a constante penumbra só fazia sua
depressão piorar.

As únicas pessoas que tinham vindo visitá-la eram a boticária (aquela que já tinha servido
no palácio posteriormente) e o pai de Lishu, Uryuu, uma única vez. Lishu tinha sido
enviada para esta torre imediatamente depois que Ah-Duo tinha vindo, então ela não
esperava ver a ex-consorte por um tempo. Quanto ao seu pai, sua única pergunta tinha
sido: “Então você realmente não aprontou essa bobagem?”

“Não, senhor,” Lishu tinha respondido fracamente. Era tudo que ela conseguia reunir. A
boticária tinha provado que Uryuu era de fato seu verdadeiro pai, mas ressentimentos tão
antigos não se dissipam instantaneamente na vida real como acontecem nas peças
teatrais. Seu pai talvez finalmente acreditasse que ela era sua filha, mas ele tinha outros
filhos. Ele tinha rejeitado sua mãe; por que ele deveria sentir de repente algum afeto pela
filha que teve com ela? Lishu sabia muito bem que as coisas provavelmente não
mudariam, mas a entristecia ser confrontada com a realidade.

“Vou limpar isso, então, milady,” disse Kanan, recolhendo os utensílios de chá e levando-
os para fora do quarto. Não havia lugar para pegar água nos aposentos de Lishu, então
qualquer lavagem tinha que ser feita em um andar inferior. Kanan tinha alguma
mobilidade, mas Lishu era obrigada a ficar no terceiro andar. Se ela descesse, era apenas
com a permissão de seu guarda.

Lishu suspirou e se esticou sobre a mesa. O antigo prédio rangia e estalava sempre que
ela se movia. Os níveis superiores pareciam estar em um estado ainda pior, e Lishu às
vezes se preocupava que um dia o teto pudesse desabar completamente.

Parecia para ela que havia mais alguém trancado ali além dela. Como a escadaria
contornava o lado de fora do prédio, chegar aos níveis superiores exigia passar pelos
quartos nos andares mais baixos, e várias vezes ao dia, alguém — alguém que não era
Lishu nem Kanan — subia as escadas. Kanan relatava que essa pessoa estaria carregando
comida ou mudas de roupa, então deve ter havido alguém lá em cima na mesma situação
que Lishu.

Ela não tinha como descobrir quem era, porém — e mesmo que descobrisse, era possível
que ela descobrisse que estava melhor não sabendo.

Sem mais nada para fazer, Lishu pensou em tentar dormir um pouco, mas então ouviu um
barulho vindo de cima dela. Ela olhou para o teto surpresa. Era um prédio antigo; deve
haver alguns ratos por aí. Mas é natural ficar ansioso quando se está em um quarto pouco
iluminado sozinho. Lishu estava tão assustada, na verdade, que pensou em tentar sair.

Tump, tump, tump. Ratões não fazem barulho assim. Lishu ainda estava assustada, mas
agora também estava estranhamente intrigada. Os sons pareciam estar vindo do quarto
ao lado, então Lishu tirou a coberta da cama e, enrolando-a sobre a cabeça, espiou
cautelosamente pela porta.

“V-Você é só um ratinho, certo? Diga ‘piu’!”

Era um pedido bobo. Antes, quando Lishu era ignorante das zombarias de suas damas de
companhia, ela tinha uma atitude imperiosa com as empregadas que vinham ao seu
pavilhão, frequentemente fazendo demandas infantis como essa. Diziam a ela que era
preciso se impor com esses tipos humildes para que eles soubessem o seu lugar, e ela
acreditava nisso incriticamente. Não é de se admirar que as empregadas não gostassem
dela — ela não conseguia fazer nada por si mesma, mas saía por aí dando ordens.

Os batimentos abafados pararam, mas assim que Lishu estava suspirando de alívio,
houve um estrondo tremendo, acompanhado pelo som de algo se quebrando. Lishu ficou
tão assustada que caiu sentada no chão.
E então ela ouviu muito mais do que um piado. "Olá?" uma voz disse. "Tem alguém aí?"

Capítulo 14: Escândalo (Parte Dois)

"Você se lembra de algum livro assim?" Maomao perguntou, mostrando o resumo que
Lishu havia escrito para o velho que administrava a livraria. Ela tentara fazer Lishu
escrever o essencial da história e algumas de suas impressões; não haviam tido tempo
para mais. Infelizmente, entre as coisas que Lishu não conseguira lembrar sobre o livro
estava o título. Ela apenas copiara a parte que a criada pedira, e dera apenas uma rápida
lida no resto do livro.

Não havia muito que Maomao pudesse fazer. Para provar que a "carta" incriminadora era
na verdade um manuscrito de um livro, eles teriam que encontrar o livro do qual fora
copiado. Lishu disse que o livro que ela recebera era manuscrito, não impresso, mas tinha
uma capa atraente, sugerindo que talvez fosse um produto à venda, apenas com uma
distribuição limitada.

"Hrm... Parece uma história de amor comum para mim, não que eu preste muita atenção
nesse tipo de coisa."

"Eu tenho que pensar que você pelo menos dá uma olhada no que tem em estoque."

"Ahh, há tantos livros hoje em dia. E meus olhos não são mais como eram." O livreiro
bocejou. Ele estava praticamente aposentado agora; seu filho cuidava da maior parte do
negócio. Obviamente, ele queria que Maomao se apressasse e fosse para casa para que
ele pudesse tirar uma soneca.

Ele não estava errado ao dizer que a história parecia um romance comum, mas tinha uma
pegada política, o tipo de coisa que chamaria a atenção dos censores. A história dizia que
um jovem e uma jovem de famílias nobres rivais se apaixonaram à primeira vista, e então
blá blá blá terminou em tragédia.

Maomao pressionou a mão na testa — isso não estava levando a lugar nenhum. Havia
outras duas livrarias na capital, ambas menores do que essa. Ela poderia até acabar
tendo que ir a livreiros em outras cidades.

Seus devaneios foram interrompidos por um homem que entrou carregando uma carga
considerável nas costas. "Olá", ele disse para Maomao.

"Ah, você está de volta", disse o velho — este deve ser seu filho.

"O que você está fazendo, pai?" perguntou o jovem, colocando sua carga no chão e
olhando desconfiado para o mais velho. "Você não está agindo como se os clientes
fossem apenas um incômodo novamente, está?"

"Ela estava me importunando perguntando se eu reconhecia aquele livro. Eu não leio


cada maldita página que passa por aqui, sabe!"

"Deixe-me ver", disse o filho do dono da loja, pegando o resumo de Lishu e franzindo o
cenho. "Ah, este aqui..."

Ele se agachou e revirou o monte que havia trazido, encontrando um livro em particular. A
capa mostrava um jovem e uma jovem, mas algo parecia um pouco estranho na imagem.

Ele passou o livro para Maomao, e ela imediatamente começou a ler. Mesmo só
folheando as páginas, era óbvio que se assemelhava à história que Lishu havia descrito.
Então ela parou em uma página em particular. "Isso aqui...", disse. Era muito semelhante a
um trecho que Lishu havia escrito de memória. Semelhante — mas alguns detalhes eram
diferentes, as palavras exatas eram diferentes. No entanto, o significado era quase
idêntico.
"É, há algumas coisas estranhas ali, né? Dizem que é uma tradução de uma peça que é
muito popular no ocidente."

"Uma peça? Do ocidente?"

"Claro. Algumas das descrições soam um pouco estranhas, certo? Quem traduziu não
sabia como o mundo parecia para os nobres lá do outro lado, então eles mudaram nomes
e costumes e coisas assim para soar como os que temos aqui. Então cada pessoa que
copiou fez mais alterações para se adequar a si mesma."

Isso fez Maomao olhar novamente para o resumo da consorte. Lishu havia incluído o
nome de um dos personagens principais, e isso havia incomodado Maomao, porque não
parecia um nome normal. Agora ela percebia que era um nome ocidental, transliterado
diretamente para o idioma deles usando caracteres arbitrários.

Ela folheou novamente as páginas do livro, procurando por aquele nome incomum, mas
não conseguiu encontrar. No entanto, encontrou outro trecho muito semelhante —
embora usasse nomes perfeitamente comuns.

"Hmm. Eu me pergunto se ela estava lendo alguma cópia anterior deste livro. Este aqui é
supostamente bem antigo," disse o filho.

“Onde posso conseguir uma cópia disso?” Maomao perguntou.

"Eu comprei do copista. Acho que eles disseram que pegaram no verão passado. Estamos
esperando para imprimi-lo, no entanto, então se você for tentar comprar um agora, vamos
te expulsar."

Em outras palavras, a Consorte Lishu provavelmente tinha usado uma cópia que estava
em circulação antes do verão anterior. Maomao parou de repente: algo mais não tinha
acontecido no palácio posterior bem naquela época?

"A caravana..."

"Hm? O que é isso?"


"A garota gosta de falar sozinha, não gosta?" observou o velho livreiro. Ele e seu filho
olharam para Maomao, mas ela tinha outras coisas em mente.

A caravana teria sido capaz de trazer livros traduzidos do ocidente. E a carga não teria sido
inspecionada muito de perto, como eles descobriram com o problema dos abortivos logo
após a visita da caravana. Seria fácil conseguir um livro ou dois enquanto as damas de
companhia das consortes superiores faziam suas compras.

"Então, e daí?" disse Maomao. "Alguém simplesmente tropeça neste livro entre as
mercadorias da caravana, compra e então tenta usá-lo para derrubá-la? E quanto à carta,
então? Havia alguém por dentro?"

"Não faço a menor ideia do que você está falando. Você é uma estranha..."

"Pai, seja gentil."

Maomao pensou muito, ignorando a conversa, mas não conseguiu juntar as peças, não
agora.

"Me dê isso", ela disse, empurrando o livro para o dono da loja.

"Dez moedas de prata", o velho resmungou, olhando para os pés.

"Isso é roubo! Isso não é um pergaminho de imagem elegante. Tem uma capa ruim, erros
por toda parte — é como se o copista tivesse feito isso da noite para o dia!" Maomao não
era burra o suficiente para pagar o que ele pedia.

"Não, pai, não está à venda! Vamos usar isso para imprimir!" disse o filho, interpondo-se
entre Maomao e seu pai.

"Duas moedas de prata! Um compromisso justo?" disse Maomao.

"Nove pratas. E meio."

"Estou te dizendo, não está à venda!"


Cerca de trinta minutos de discussão depois, Maomao obteve o livro por seis moedas de
prata e saiu da loja com o filho olhando furiosamente para ela.

°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°

Outro dia estava começando. Outro dia de nada além de comer e dormir.

"Que tal esta roupa hoje, Lady Lishu?" Kanan perguntou, segurando um conjunto azul. Era
um dos favoritos de Lishu, mas ela estava tão deprimida que não conseguia reunir
entusiasmo para escolher roupas.

"Está bem. Tudo bem", ela disse. Ela estava tão cansada que não teve energia para pedir a
Kanan para trazer algo diferente. Depois de se trocar, Kanan preparou o café da manhã. A
água estava no andar abaixo de Lishu, mas a comida era preparada em um local
completamente separado. Kanan parecia fazer todo esforço para voltar rápido com as
refeições de Lishu, mas elas sempre esfriavam até ela chegar, e Lishu se via tomando
uma sopa morna.

"Vou sair por um momento, então", disse Kanan. Ela saiu do quarto, e Lishu pôde ouvi-la
descendo as escadas. Não haveria nada para fazer até ela voltar — mas nesses últimos
dias, esses momentos não haviam parecido vazios.

"Lishu, você está aí?" perguntou a voz do próximo quarto. Lishu, abraçando seu
travesseiro, entrou no outro quarto e sentou-se, encostando-se a uma cômoda. Ainda
segurando seu travesseiro, ela olhou para o teto. Havia um pequeno cano engraçado
atravessando um dos vários buracos que haviam se desenvolvido na madeira deteriorada.
Os corredores e escadas, pelos quais todos tinham que passar, eram mantidos em
condições decentes, mas não parecia que o tempo fora dedicado a verificar cada quarto
cuidadosamente.

"Estou aqui, Sotei", chamou Lishu. Em resposta, um aroma desceu pelo teto — ao mesmo
tempo doce e amargo, era muito incomum. No começo, parecia muito estranho para
Lishu, mas havia se tornado uma fonte de conforto. Sem dúvida, era algum perfume que a
pessoa acima dela usava.

Essa pessoa era uma jovem mulher, como Lishu, e como Lishu, ela estava presa nesta
torre por razões além de seu controle. Ela disse que seu nome era Sotei, e ela tinha falado
com Lishu pela primeira vez alguns dias antes. Sua voz era fraca e delicada, mas ela tinha
conseguido remover uma parte podre do chão, romper o teto enfraquecido e empurrar
esse cano para o quarto de Lishu. Ela era obviamente uma pessoa muito mais forte do
que Lishu.

A consorte havia ficado surpresa — na verdade, aterrorizada — na primeira vez que


ouvira a voz vinda de cima, mas uma vez que percebeu que a falante não era nem um rato
nem um fantasma, mas uma jovem de sua própria idade, Lishu se abriu para ela com
surpreendente rapidez. Se havia uma coisa que Lishu tinha de sobra, era tempo para
matar. Antes que ela percebesse o que estava fazendo, tinha contado seu nome para
Sotei — mas para seu alívio, não houve reação particular. Talvez Sotei não soubesse quem
era Lishu.

"Estou curiosa para saber o que vão servir hoje", disse Sotei.

"Ontem foi mingau de cinco sabores, então espero que hoje seja frango e ovo. Eu queria
que parassem com todos os frutos do mar..."

Era tão estranho como, sem ter nada mais para fazer, simplesmente comer se tornava um
entretenimento por si só.

"É verdade, você não pode comer frutos do mar, não é? Mas é tão bom!"

"Há alguns que posso comer. Mas sempre me sinto estranha com isso..."

Quase igualmente estranho para a Consorte Lishu era como ela nunca se sentia perdida
por palavras com Sotei. Talvez fosse porque elas não podiam realmente se ver.

Lishu nunca tinha perguntado especificamente por que Sotei estava ali na pagoda, mas
quando Lishu disse que estava trancada por acusações vagas, Sotei voluntariou que
estava em uma situação muito semelhante.

"Não tem realmente nada para fazer por aqui, não é? Todo o tempo livre e nada para
preencher", disse Sotei.

"Você está me dizendo. Eu nunca estive mais sensível ao som de passos na minha vida."
"Eu sei o que você quer dizer! Você sabe quem é — é o som da sua refeição chegando, e
você age como se fosse!"

"Que glutões!" disse Lishu, e ela ouviu risadas em resposta. "Você tem ouvidos muito
bons, Sotei. Você deve ter me ouvido daqui de baixo — por isso você falou comigo." Não
obstante a estrutura envelhecida, captar uma voz do andar abaixo demandaria uma
audição bastante decente. Lishu mal ouvia qualquer coisa que estava acontecendo
acima dela.

"Isso é verdade, acho que minha audição é bastante boa. Por exemplo, consigo dizer que
alguém está subindo as escadas agora."

Lishu se concentrou e ouviu, e de fato, ouviu passos se aproximando. Ela estava certa de
que devia ser Kanan, mas os passos passaram direto por seus aposentos, continuando
para cima.

"Espere um segundo", disse Sotei. Ela saiu por um momento, e houve algum barulho
quando ela voltou. "Ooh, está quente! Desculpe te decepcionar, mas hoje é mingau de
frutos do mar."

"Ah. O que tem aqui?"

"Acho que são camarões secos. E isso pode ser um pouco de carne de porco, aqui..."

"Eu acho que posso comer essas coisas..." Elas estavam longe de ser suas favoritas, mas
ela só poderia comê-las ou morrer de fome. Se ela fizesse um escândalo sobre a comida,
só tornaria a vida mais difícil para Kanan.

Falando em Kanan, pensou Lishu, ela estava atrasada. Quanto tempo levava para trazer o
café da manhã? O de Sotei já estava aqui. Na verdade, Kanan parecia estar levando seu
tempo nos últimos dias, Lishu notara — mas quando Kanan voltava, as conversas de
Lishu com Sotei tinham que parar, então a consorte estava disposta a relevar os atrasos.

Do pequeno cano no teto, Lishu podia ouvir Sotei comendo. Ela dizia que não tinha
nenhuma dama de companhia para falar com ela, mas alguém devia ter trazido a comida
às pressas se o mingau ainda estava quente.
"Ei, Lishu, quer saber de uma coisa?"

"O que?"

"É sobre este andar." Lishu estava no terceiro andar da pagoda, com Sotei acima dela no
quarto. De fora, parecia que a torre poderia ter dez andares ou mais. "Dizem que nada
acima do quarto andar foi usado em décadas, então está ainda mais deteriorado do que
nossos níveis. Você tem que passar pelos guardas no caminho para baixo, mas porque
ninguém usa esses andares mais altos, não há ninguém para impedi-lo de subir."

"Nossa, sério?"

"Sério. Talvez seja porque você não pode escapar dos andares superiores."

Havia janelas ao redor da torre, mas mesmo se alguém conseguisse quebrá-las e sair,
ainda havia a altura para considerar. Lishu, pelo menos, não achava que poderia
conseguir uma escada para ajudá-la a descer, nem desejava tentar. Uma tentativa de fuga
tão evidente nunca escaparia da atenção dos guardas.

O problema maior, porém, era que mesmo que Lishu conseguisse sair, não havia para
onde ela poderia ir. Ela continuava esperando e esperando que a Lady Ah-Duo a visitasse,
mas a antiga consorte nunca tinha vindo à torre. Mal tinha sido um período completo de
dez dias desde sua última reunião, porém, e Lishu sabia que seria petulante falar sobre o
assunto.

Também não havia tido contato do farmacêutico ou do pai de Lishu. Era fácil dizer que
não tinha sido tanto tempo, mas a ansiedade de Lishu aumentava a cada dia que
passava. Se ela não tivesse Sotei para conversar, pensou que poderia ter enlouquecido.

“Tive uma ideia. Quer tentar ir aos andares superiores?”

Aquela sugestão, naquele momento específico, enviou um choque ao coração de Lishu.


"O quê? O que você quer dizer com andares superiores?"

"O guarda entre o terceiro e o quarto andares é trocado três vezes por dia. O guarda de
plantão desce para chamar a próxima pessoa, e por alguns minutos, não há ninguém lá.
Eles não trocam todos os guardas de uma vez, é claro, então você não pode descer —
mas poderia subir. Eu, eu poderia fazer isso a qualquer momento. Não há ninguém acima
do quarto andar."
Ela poderia subir.

"Poderíamos ver toda a capital lá de cima. Por que não dar uma olhada? Qual é o mal?"

Lishu não disse nada imediatamente. Enquanto as palavras de Sotei desciam até ela,
eram acompanhadas por aquele cheiro quase doce, quase amargo. Lishu sentia que
gostaria muito de ver a capital, mas até agora não dera um único passo. "Eu tenho uma
dama de companhia comigo", disse. "Se eu desaparecesse, ela notaria imediatamente."

"Você não contou sobre mim para ela. Por quê?"

Lishu achou difícil responder a essa pergunta. Uma voz vinda do teto parecia uma coisa
complicada de explicar, e ela tinha medo de que Kanan tentasse fazê-la parar de falar
com Sotei.

"Você está preocupada com o que ela pensaria sobre isso? Ela, uma acompanhante que a
deixa sozinha enquanto ela aproveita estar livre desta torre?"

Lishu sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas não podia negar o que Sotei estava
dizendo. Lishu sabia muito bem que havia apenas uma Kanan, sua principal dama de
companhia, e ela não podia estar com Lishu constantemente o dia todo, todos os dias. E
ainda assim, neste exato momento, não estava ela lá fora, saboreando o ar livre, enquanto
Lishu languidecia aqui?

A consorte sacudiu a cabeça vigorosamente, como se pudesse afastar o pensamento.


"Não é isso que ela está fazendo!"

"Não. Não, claro que não. Ela é uma dama muito gentil para deixá-la aqui e esquecer de
você, Lishu." Sotei parecia estar tentando amenizar suas palavras um pouco, talvez por
bondade para com Lishu. "Só queria que você pudesse ver a vista daqui de cima. Queria
poder compartilhar isso com você. Se você

mudar de ideia, é só subir. Diga para sua dama de companhia tirar meio dia de folga —
isso deve ser suficiente. Eles trocam os guardas às..."

Lishu encarou o chão e ouviu Sotei descrever o timing das trocas de guarda. Então Sotei
saiu para limpar sua refeição, retirando o tubo do teto para que Kanan não o percebesse.
Passos vieram novamente, e desta vez era Kanan, que entrou no quarto dizendo:
"Desculpe fazê-la esperar tanto, Lady Lishu." Parecia haver um pouco de suor em seu
rosto, mas em algum momento ela encontrou tempo para trocar de roupa, incluindo um
novo cinto.

Kanan colocou o café da manhã de Lishu na mesa e a consorte pegou a tigela, pegando
uma folha de lótus e começando o mingau de frutos do mar odiado. Estava gelado, o
mingau parecia cola em sua boca, grosso e pegajoso e sem sabor.

Capítulo 15: Escândalo (Parte Três)

"Eu simplesmente não entendo!"

Essa foi a única avaliação que Maomao pôde oferecer do livro pelo qual tinha gastado
tanto dinheiro. Ela o havia lido duas vezes, pensando que talvez tivesse perdido a parte
interessante na primeira leitura. Ainda perplexa, ela copiou o livro inteiro. E foi isso que a
deixou assim.

"Eu simplesmente não entendo."

Isso ia além de saber se ela achava o livro interessante ou não. O problema residia em
uma questão de emoções. Como experimento, ela mostrou o livro para as cortesãs da
Casa Verdigris, e imediatamente uma luta começou entre elas para lê-lo, todos os olhos
brilhando. Não parecia importar para elas que o texto estivesse cheio de caracteres
incorretos, ou que partes dele claramente tivessem sido mal traduzidas. Parecia ser
simplesmente cativante.

Um garoto e uma garota de casas rivais se encontram em um banquete e se apaixonam à


primeira vista. Tudo bem, até que o garoto se envolve em uma discussão com alguém da
família da garota e o mata. Isso só piora as relações entre as duas famílias - mas não
impede os jovens amantes, ardentes de paixão, de se casarem.

Apesar da rigidez da tradução, foi o comportamento dos personagens principais que


realmente deixou Maomao perplexa, ambos impulsionados pelas paixões da juventude.
No final da história, ambos os protagonistas acabam mortos por causa de um pequeno
mal-entendido. Eles poderiam ter evitado todo o problema, pensou Maomao, se tivessem
sido um pouco mais metódicos em manter contato um com o outro e explicar o que
pretendiam fazer.

Quando ela ofereceu essa opinião às cortesãs encantadas, no entanto, foi recebida com
alguns punhos cerrados e o pronunciamento: "Isso só mostra o quão ardente e
apaixonado era o amor deles!"

Alguém segurou seus ombros e explicou: "Você vê, são justamente esses soluços do
destino que fazem a tragédia brilhar tão intensamente!"

Maomao não entendia nada disso.

Então era isso que a Consorte Lishu estava copiando? Será que ela tinha visto algo
especialmente atraente nisso?

Maomao já tinha enviado palavra para Jinshi sobre o livro; o texto que ela tinha agora era
uma cópia que ela tinha feito em uma única noite. Não tinha ilustrações, mas quando
amarrado com um simples barbante, lembrava um pouco um livro real. Ela teve a ajuda
de Chou-u, embora o papel não estivesse exatamente uniforme, e o produto final tinha...
digamos, personalidade.

"Eu te disse que faria desenhos!" Chou-u disse.

"Talvez da próxima vez. Só tente cortar o papel direito, tá?"

Ela passou todo o tempo em argumentos desse tipo. Enquanto isso, não importa quanto
tempo ela esperasse, os assuntos em torno da Consorte Lishu não pareciam progredir. Na
verdade, não parecia estar acontecendo muita coisa.

No entanto, ela recebeu notícias de Lahan. Ele disse que em breve estaria "se
encontrando com o oeste" e perguntou se ela queria participar.
"O oeste" era presumivelmente o enviado de cabelos dourados - aquele que os tinha
confrontado com a audaciosa escolha entre ajuda material e asilo político. Lahan e o
enviado já haviam tido uma discussão, mas ele afirmava que nada ainda estava resolvido.
Maomao estava lá, mas com toda a conversa de política e negócios, ela não conseguiu
contribuir muito além de aquecer uma cadeira adicional.

Portanto, ela recusou este novo convite. E se o estrategista excêntrico ouvisse e tentasse
se intrometer? Consta que ele anda ocupado estes dias fazendo algum tipo de livro sobre
Go. Quando precisava de um respiro, ia arrumar confusão no consultório médico.

Ele deveria fazer seu maldito trabalho, pensou Maomao. Ocorreu-lhe que, pelo menos
durante a paz, o trabalho poderia ser melhor para as pessoas do esquisitão se ele não
estivesse presente - mas quando ele estava no consultório, Maomao sabia que estava
segura, então ela desejava que ele ficasse lá. Além disso, ela se sentia mal pelos
funcionários do consultório médico terem que suportar suas incursões regulares.

"Não tive nenhum trabalho real ultimamente", Maomao disse com um suspiro enorme. Às
vezes, ela se ocupava fazendo estoques dos medicamentos que precisava regularmente,
mas recentemente havia uma escassez de oportunidades para experimentar drogas
incomuns ou inventar novas poções. Ela frequentemente tinha que deixar a loja nas mãos
de outras pessoas enquanto era convocada para tarefas que francamente estavam fora
de sua descrição de trabalho, e isso deixou sua principal vocação um pouco estagnada.
Não ajudava também que ela ainda precisava ensinar Sazen, já que fazia a maioria de
seus remédios.

Ela só queria experimentar algumas poções incomuns de vez em quando. Misturar um


novo e fresco medicamento e descobrir o que ele fazia. Ela estava trabalhando com os
medicamentos que havia comprado na capital do oeste, mas eles a deixavam pensando
se não havia algo mais incomum por aí, mais interessante.

No topo de seu armário de remédios havia três pequenos vasos para plantas, um dos
quais tinha um broto verde do tamanho de uma ponta de dedo brotando dele. Foi onde ela
plantou as sementes de cacto. Elas vinham de um clima seco, então ela não as regava
muito. Ela tinha a sensação de que quando crescessem, poderiam ter todo tipo de usos -
mas o pensamento de que poderia levar anos até que ela tivesse a oportunidade de
descobrir o que eram era o suficiente para fazê-la se sentir fraca.

"Quem sabe eu tenha sorte e encontre um fígado de baiacu no chão ou algo do tipo", ela
pensou distraída, olhando para os vasos.
A porta fez barulho e ela olhou para cima, imaginando quem era, para descobrir que o
visitante havia deixado algo aos seus pés. Algo envolto em tecido - parecia um galho.
Maomao estendeu a mão, seus olhos brilhando. Era um chifre de veado! E não apenas
isso - ainda estava macio. Um chifre que estava no processo de crescimento, não um que
simplesmente calcificou e caiu quando o veado cresceu um novo. Tinha quase um shaku
de comprimento, e ela sabia exatamente o que era.

"Um chifre aveludado!" ela exclamou.

Era o chifre recém-crescido de um veado. Aquela frescura, isso era importante quando
você estava vendendo eles - eles eram colhidos logo no início da primavera, e as pontas
eram uma forma particularmente valiosa e particularmente cara do produto. Sim, a ponta
estava anexada a este. Era bastante longo, mas julgando pela maciez e pela maneira
como estava coberto de penugem, ainda teria muita potência medicinal.

O brilho nos olhos de Maomao era acompanhado por um fio de saliva pendurado em sua
boca. Os vendedores ambulantes ocasionalmente tentavam vender chifre de veado
aveludado, mas sempre em pó, e apesar de sua insistência de que vendiam "apenas os
melhores produtos", era óbvio que outras coisas além da ponta haviam sido misturadas.
Mesmo assim, não faltavam clientes que, imaginando que o produto ainda tinha algumas
propriedades medicinais, queriam uma dose antes de visitar as cortesãs. Dizia-se que o
medicamento era muito eficaz para os clientes masculinos.

Imagine só quantos medicamentos ela poderia fazer com um chifre desse tamanho!

"Primeiro, vou precisar de água fervente, para matar qualquer inseto e coagular o sangue",
ela pensou, olhando amorosamente para seu prêmio - quando uma mão grande se
estendeu pelo lado e envolveu o pano de volta ao redor do chifre, roubando-o dela.

Ei, mãos longe! Maomao olhou para cima, seu desagrado evidente em seu rosto, para
descobrir alguém que não via há muito tempo. Eles usavam um sorriso que poderia
facilmente ser confundido com o de uma ninfa celestial gentil, mas a cicatriz que descia
pela sua bochecha direita mostrava que isso era mais do que apenas uma beleza
idealizada.

"Faz um bom tempo, Mestre Jinshi", ela disse.

Quase dois meses se passaram desde o retorno deles da capital do oeste, durante os
quais não se viram. Trocaram algumas cartas, mas sempre sobre assuntos de negócios, e
sempre era Basen ou algum mensageiro anônimo que trazia notícias de Jinshi para o
distrito de prazer.
Ela achou que ele parecia um pouco mais anguloso do que antes. Talvez tivesse perdido
peso, com o calor que estava fazendo ultimamente. "Você está dormindo direito?", ela
perguntou. Apesar de sua beleza extraordinária, esse nobre tinha o hábito surpreendente
de se sobrecarregar de trabalho e frequentemente parecia estar cambaleando de fadiga.

"Isso é a primeira coisa que você me diz? E por que está estendendo a mão?" Jinshi olhava
para a mão de Maomao e parecia bastante exasperado. Seus dedos se recusavam a soltar
o chifre aveludado; ela tinha uma firme pegada no pacote e estava tentando puxá-lo para
si.

"Pensei que talvez fosse para mim, senhor."

"Eu ousaria dizer que é por isso que eu trouxe."

"Então, se me der. Por favor."

"De alguma forma, não tenho tanta certeza se quero mais..."

Uma sentença de morte! Maomao agarrou o pano com as duas mãos e puxou. Jinshi
segurou o chifre acima da cabeça, zombeteiro;

Maomao pulava e se esticava para pegar, mas ele era um bom shaku mais alto que ela e
ela nunca ia conseguir alcançar.

Filho da—!

Apesar de seu monólogo interno imprecativo, ela se sentia um pouco aliviada, pois essa
era o tipo de recompensa que Jinshi sempre lhe oferecia.

De repente, no entanto, ela se sentiu inclinando no meio do salto. Por um segundo, teve a
visão do teto, até que o rosto de Jinshi apareceu acima dela. Seu sorriso gentil de um
momento antes havia desaparecido; em vez disso, um olhar duro em seus olhos perfurou
Maomao como uma lâmina. Ele havia varrido seus pés debaixo dela enquanto ela saltava
para pegar o chifre, e a segurou com a mão livre.
“Mestre Jinshi. O chifre, por favor.” De alguma forma, era a única coisa que conseguia
dizer. Alguém poderia até dizer que se ela dissesse outra coisa, ela não seria Maomao.

“Ouça o que eu tenho a dizer, e então eu penso no caso.”

“Por favor, mude ‘eu penso no caso’ para ‘eu vou te dar’.”

Apenas “pensar no caso” era um compromisso muito ambíguo quando se tratava de um


superior social, e isso a preocupava. Ela não queria uma oferta que ele pudesse voltar
atrás a qualquer momento; ela queria uma garantia.

“Tudo bem... Eu vou te dar, mas ouça o que eu tenho a dizer.”

“Se tudo o que eu tenho que fazer é ouvir, então está bem.”

Ele estreitou os olhos para ela, mas não protestou, o que ela (de maneira um pouco
unilateral) interpretou como um acordo.

“Enquanto estamos nisso, poderia me soltar?” ela disse.

“Eu recuso.”

Sem chance. Então ela ia acabar ouvindo ele em uma inclinação, com as costas apoiadas
no joelho dele. Ela considerou tentar pedir ajuda, mas a porta e as janelas estavam
fechadas. Mesmo se estivessem abertas, os outros moradores da Casa Verdigris
provavelmente apenas ficariam olhando e sorrindo, então talvez não fizesse diferença.

Talvez Chou-u entre aqui, Maomao pensou esperançosa, mas seu adorável, amável
pequeno pestinha estava fora hoje, aprendendo a desenhar com seu professor. Ukyou ou
Sazen, quem estivesse livre, o levaria até lá e o buscaria depois. O fato de que a madame
permitia isso parecia prova positiva de que ela acreditava que haveria um bom uso para
os desenhos de Chou-u no futuro.

Jinshi continuava olhando para Maomao com uma expressão de um animal selvagem que
poderia morder a qualquer momento, mas pelo menos ele foi direto ao ponto. “Você está
pronta para aceitar... o que eu propus?”
Para ser justa, ele nunca realmente propôs nada. Mas nem Maomao era densa o
suficiente para não entender a que ele estava se referindo. Na noite do banquete na
capital ocidental, Jinshi havia contado a Maomao a verdadeira razão pela qual a trouxe
junto. Bem, tudo bem, ele não disse exatamente com essas palavras - mas ela sentia que
era correto entender que ele queria se casar com ela.

A vida não era como aquelas histórias - na vida real, você não precisava estar
perdidamente apaixonado por alguém para se casar. Pessoas poderosas muitas vezes se
casavam como um movimento em seus jogos de poder; e até mesmo plebeus poderiam
se casar para se sustentar, como um fazendeiro que simplesmente precisava de mais
mãos para ajudar no campo. Se ambas as partes ganhassem algo com a união, ou pelo
menos se um parceiro fosse do agrado do outro, então não precisavam necessariamente
ter sentimentos um pelo outro. Desde que a proposta de casamento não fosse
completamente desagradável, poderia ser melhor simplesmente aceitar.

Ele tem gostos estranhos, no entanto...

Certamente Jinshi poderia ter escolhido belas mulheres nobres. Quem escolheria uma
erva daninha como uma azedinha quando estava cercado por peônias e rosas? Deve
haver alguém mais adequado para ele do que Maomao.

Como a Consorte Lishu! Claro, ela estava atualmente sob prisão por suspeitas de
infidelidade, mas enquanto Jinshi soubesse que ela era inocente, então qual era o
problema? As pessoas diriam qualquer coisa desagradável que quisessem, mas Jinshi
certamente não era do tipo que acreditava nelas.

No entanto, aqui estava ele, insistindo novamente com ela, o próximo ato de seu pequeno
drama. Ela esperava desesperadamente que ele não a estrangulasse de novo. Desta vez,
ele poderia terminar o trabalho.

"Você me odeia tanto assim?" ele perguntou, seu rosto agora menos como um cão
selvagem e mais como um cachorrinho. Amor, ódio - algumas pessoas queriam que o
mundo fosse tão preto e branco. Por que ele não lhe dava a opção de uma área cinzenta?

"Suponho que não te odeie propriamente," ela disse. Ela até poderia gostar dele.
Certamente, ela via este nobre de forma mais positiva do que quando se conheceram.

Jinshi franziu os lábios, não muito satisfeito com essa resposta evasiva. Talvez ele
esperasse que ela dissesse diretamente que o amava, mas francamente, Maomao não
estava em um ponto onde pudesse trazer essas palavras aos lábios. O melhor que ela
conseguia era admitir que não era totalmente desprovida de certa afeição por ele.

Em vez disso, ela disse: "O fungo da lagarta me deixou muito feliz."

“É só isso que você vai dizer?”

“Além disso, os bezoares de boi foram muito úteis.”

“E o que mais?”

“E eu quero aquele chifre de veludo.”

Ela estendeu a mão para pegar o pacote, que Jinshi havia colocado atrás de suas costas,
mas ele plantou a palma da mão em sua barriga para impedi-la de se sentar, e ela não
conseguiu alcançá-lo. Ela chutou as pernas de pura frustração, e dessa vez ele agarrou
seu tornozelo. Ela estava tentando decidir o que ele poderia estar planejando quando ele
passou a ponta do dedo mindinho ao longo da parte de trás de seu pé.

“Hrk?!” Maomao engasgou, se contorcendo. Os muitos experimentos que ela havia


conduzido ao longo da vida a tornaram muito menos sensível à dor, e a instrução de suas
várias irmãs mais velhas a insensibilizou também para assuntos sexuais, mas mesmo
Maomao tinha seus pontos fracos. A parte de trás de seu pé, e suas costas também, eram
desesperadamente vulneráveis a um toque suave dos dedos.

“M-Mestre Jinshi... Isso...não...é justo!”

“Justo? Não sei do que você está falando”, ele disse, e seus dedos deslizaram novamente.
Como ele sabia fazer isso? Quando seu segredo foi descoberto? Por que Jinshi conhecia o
ponto fraco de Maomao?

“Me solte. V-Você é sujo.”

“Você é a única aqui que parece preocupada com isso.”


Ela odiava o jeito como ele fingia indiferença. Sério, como ele sabia? Apenas algumas
pessoas conheciam a vulnerabilidade de Maomao. A madame, Pairin, e...

Então ela pensou na dama de companhia sempre no controle, em seu primeiro auge da
velhice, e seus olhos se arregalaram. Suiren a havia punido uma vez fazendo cócegas com
um espanador - mas ela estava apenas brincando e parou imediatamente; Maomao não
achava que tinha revelado quão vulnerável era aquela área.

Pensar que Suiren descobriu isso com aquele breve encontro - ela era realmente
aterrorizante.

As cócegas agora haviam se movido para a planta do seu pé; ela rangeu os dentes e se
contorceu, pressionando os lábios e tentando não fazer nenhum som. Ela não foi
totalmente bem-sucedida.

Os longos dedos se moveram para o arco do seu pé, induzindo um espasmo dela, e então
foram para o outro calcanhar.

As cócegas continuaram se movendo antes que ela pudesse se acostumar em qualquer


lugar, atingindo seus dedos, o topo do pé, o tornozelo e até a panturrilha.

Jinshi olhava para ela com um sorriso, totalmente no controle da situação. Ele parecia
estar saboreando a visão de Maomao se debatendo como um peixe, apesar de seus
maiores esforços para se controlar. Provocadoramente, ele acariciou o topo do seu pé,
que agora estava arqueado como um arco.

Ela nunca imaginou que ele poderia se vingar da última vez dessa maneira. Finalmente,
incapaz de segurar mais, uma risada escapou dela. O livro na mesa, aquele que Maomao
estava copiando, caiu no chão. Pensando, talvez, que tinha ido longe demais, Jinshi a
soltou.

Maomao conseguiu controlar a respiração, ajeitou seu robe e enxugou as lágrimas que
haviam brotado em seus olhos. Com isso, Jinshi engoliu em seco; ele parecia conflituoso
e não encontrava os olhos dela. Em vez disso, seu olhar pousou no livro, que ele pegou.

“Você já leu isso, Mestre Jinshi?”

“Eu já.”
“O que você achou?”

Havia um sorriso irônico no rosto de Jinshi - ele parecia sentir o mesmo que Maomao
sobre o livro. Ele entendia exatamente o que significaria para alguém de nascimento
nobre deixar suas ações serem ditadas por seus próprios impulsos românticos. Se não
entendesse, não poderia ter trabalhado no palácio traseiro todos esses anos.

“Acho que deve haver alguma outra maneira.”

“Falar assim pode fazer você ser desprezado por todas as mulheres do mundo.”

“Incluindo você mesma, suponho.”

A juventude impaciente dava origem à paixão ardente, e o amor que terminava em tristeza
era considerado belo porque era tão trágico. O texto afirmava que a jovem no centro da
história tinha treze anos, mas dado que esta era uma tradução do ocidente, isso
provavelmente a faria ter quatorze ou quinze anos pela contagem usada em Li, onde uma
pessoa ficava um ano mais velha no início de cada ano. Ainda assim, era jovem - jovem o
suficiente para ainda ser governada por suas paixões, tornando impossível descartar a
história de imediato.

Maomao nunca teria feito tal coisa - nessa idade, ela já tinha sido completamente
doutrinada no pensamento do distrito de prazer. E Jinshi já estaria estabelecido no palácio
traseiro. Eles passaram aquela idade mais impressionável em ambientes que eram, à sua
maneira, muito semelhantes.

“Me pergunto se eu teria sido capaz de tais coisas se tivesse crescido em outro lugar”,
disse Jinshi, e Maomao percebeu que ele falava do coração. Ela não podia negar que isso
poderia ser verdade. Mas, em última análise, era apenas uma possibilidade. Hipotético.

Em vez de responder, ela murmurou: “Eu não quero ser uma inimiga.” Jinshi lhe lançou um
olhar de soslaio como se perguntasse de quem ela estava falando. “Da Imperatriz
Gyokuyou,” ela disse.

Será que Jinshi entenderia o que ela estava dizendo? Se não, tudo bem, pensou Maomao.
Havia coisas que nem ele sabia.
“Você—”

Ele parecia prestes a lhe perguntar outra coisa quando um cavalo relinchou lá fora. Houve
um som de passos apressados e então alguém gritou: “Mestre Jinka!” Era um nome que
ele havia usado antes ao visitar o distrito de prazer e que frequentemente assumia.

Jinshi franziu a testa, imaginando o que poderia ser dessa vez, e abriu a porta. Um homem
estava lá, sem fôlego - um dos servos que frequentemente acompanhavam Jinshi e
Basen. “Desculpe, senhor!” ele disse, ajoelhando-se uma vez e dando um passo à frente.
Ele olhou ao redor. Parecia que ele não queria que Maomao ouvisse o que tinha a dizer. “É
sobre a questão da flor branca.”

“Então ela é mais do que bem-vinda para ouvir sobre isso,” disse Jinshi.

Maomao olhou curiosa para a palavra-código, mas o servo prontamente dissipou sua
confusão. “Consorte Lishu escapou de seu quarto na torre e está no andar mais alto,” ele
disse, seu rosto uma máscara de horror.

O@O

Vamos dar uma rápida volta no tempo.

O cheiro doce-amargo pairava pelo quarto. Lishu estava sentada no canto, encostada no
peito, envolta em seu cobertor.

“Está cheirando meio estranho por aqui recentemente?” Kanan perguntou, mas Lishu
balançou a cabeça. O cachimbo não estava saindo do teto; Sotei, com quem Lishu estava
conversando até momentos antes, havia se retirado quando ouviu os passos de Kanan.
Kanan havia olhado para o teto em decomposição e disse que chamaria alguém para
repará-lo, mas Lishu pediu para que não fizesse isso. Ela não queria que algum estranho
entrasse no quarto e, de qualquer forma, o lugar todo estava desmoronando; consertar
aquela parte do teto não mudaria nada. Felizmente, Kanan cedeu.

“Lady Lishu, sua refeição está pronta.” Lishu podia ouvir o barulho da bandeja sendo
colocada. Mas ela sabia que era apenas mingau frio e sopa na mesa. Às vezes, a porção
do acompanhamento também era mesquinha. No início, ela até ansiava por essa refeição
pobre, mas hoje em dia ela simplesmente não se importava mais. Ela se forçava a comer
metade, porque Kanan estava observando, mas mesmo isso era uma luta. Talvez fosse
porque ela passava o dia inteiro, todos os dias, trancada nesse quarto, com ainda menos
a fazer do que tinha no palácio traseiro.
“Não fique encolhida em um canto. Venha para onde há luz”, disse Kanan. Não havia luz
ali. Havia uma janela na outra sala que dava para o corredor, o que era indiscutivelmente
um pouco melhor do que o quarto onde Lishu estava agora, mas isso era tudo. Ela podia
sair para o corredor e caminhar de uma escada para a outra, mas isso não era muita
coisa.

Lishu se levantou com dificuldade. O cansaço era terrível. Ela se jogou na cadeira e
mergulhou a colher no mingau viscoso e pegajoso. Hoje estava simples, com um leve
toque de sal. Ela pensou que um pouco de vinagre preto poderia ajudar, mas não havia
nenhum.

“Desculpe-me, milady. Eu devo ter esquecido”, disse Kanan com uma reverência
profunda. Seu pedido de desculpas parecia sincero, mas Lishu não pôde deixar de notar
que ela estava usando um robe diferente de quando saiu. Quanto tempo levou para Lishu
perceber, desde que chegou aqui, que Kanan trocava de roupa toda vez que ia buscar a
comida de Lishu? O novo robe tinha um visual e padrão semelhantes ao antigo, como se
Kanan esperasse que Lishu não notasse a diferença.

Cada vez mais, no entanto, Lishu desconfiava dela. Lishu estava nessa situação por
causa de um livro que uma criada lhe dera para copiar. Ela suspeitava fortemente que sua
antiga dama de companhia chefe havia instruído a mulher a fazer isso. Ambas as pessoas
que ela um dia acreditou que estavam servindo-a fielmente.

A própria Kanan havia estado entre as damas que zombavam de Lishu, mas teve uma
mudança de coração depois que alguém tentou envenenar Lishu em uma festa no jardim.
E era verdade que ela tinha sido muito mais gentil com sua senhora desde então - tanto
que Lishu insistiu para que Kanan se tornasse sua dama de companhia chefe, e não
apenas uma provadora de comida.

Mas será que Kanan realmente tinha feito tudo isso em benefício de Lishu? Quando ela
assumiu a posição de dama de companhia chefe, Kanan tinha autoridade mínima; as
outras damas de companhia frequentemente simplesmente a ignoravam. Ela perseverou
e fez o seu melhor, ou pelo menos era isso que Lishu acreditava. Mas seria verdade? Será
que ela ainda estava rindo de Lishu com as outras damas pelas costas? Será que estava
fingindo simpatia apenas para voltar e relatar o que ouvia em confiança para entreter as
outras?

Não poderia ser verdade, poderia? Se fosse, ela nunca teria seguido Lishu até essa torre.
Ela tentou desesperadamente afastar esses pensamentos, mas eles não a deixavam em
paz. Em vez de balançar a cabeça, ela levou a colher à boca e mordeu algo duro.

Ela cuspiu no lenço, encontrando arroz, vestígios de sangue—e uma pedrinha do


tamanho de uma ponta de dedo.

“Lady Lishu!” Kanan disse, olhando para ela com preocupação. Talvez um pouco de areia
tivesse entrado na comida por acidente, mas isso era muito grande para ser um grão de
areia.

Incapaz de focar os olhos, Lishu mexeu a colher no mingau. Dois, três, quatro—havia
muitas pedras no fundo da tigela para serem consideradas um acidente.

“Vou buscar uma nova tigela agora mesmo!” Kanan disse e estendeu a mão para pegar o
mingau, mas Lishu a impediu.

“Eu não quero.”

Ela nem mesmo tinha apetite. Não queria engolir mais mingau frio e nojento.

“Lady Lishu...”

“Eu não quero! Eu não quero! Eu não quero!” Lishu balançou a cabeça furiosamente e
jogou a comida da mesa. A tigela e a bandeja caíram no chão com um estrondo, sopa e
acompanhamento voando para todos os lados. Lishu puxou os cabelos e seu nariz
começou a escorrer. Ela começou a chorar miseravelmente. “Por quê?! Por que sempre
eu?!”

Desprezada pelo pai, atormentada pela meia-irmã, duas vezes enviada ao palácio traseiro
como uma ferramenta política. Tudo isso havia sido horrível, mas ela aguentou. Ela
pensou que talvez, se ficasse quieta e fizesse o que mandavam, seu pai pudesse ser gentil
com ela. Essa esperança foi destruída pelos rumores de que ela era uma criança
ilegítima. Descobriu-se que ela era sangue de seu pai, mas a atitude dele não mudou
nada. Isso mesmo—isso o corroía. Ele não podia suportar o fato de que era de uma casa
subsidiária, enquanto a mãe de Lishu era da família principal. Por isso ele enviava apenas
as damas de companhia mais cruéis. Talvez ele estivesse por trás de todos os problemas
que ela enfrentou até agora.
Lishu não tinha perfil para ser uma alta consorte, mas lá estava ela, e tinha que se
levantar e se deixar comparar com as outras consortes, ou tentar se encolher tanto a
ponto de ser invisível. Essas eram suas únicas opções. Na festa no jardim, seu pai nem
sequer tentou falar com ela.

Se ele não a queria, por que a teve? Ele gostava de ver Lishu sofrer em seu limbo? Talvez
todos gostassem. Seu pai, sua meia-irmã, suas damas de companhia, a criada, Kanan,
todos... Todos eles...

De repente, Lishu percebeu que tudo ao seu redor estava uma bagunça. A tigela de
mingau estava quebrada, a mesa estava virada, e sua cadeira havia caído no chão. Tudo
que não estava preso estava no chão, e Kanan estava em um canto, escondendo o rosto
com mãos cobertas de grãos de arroz. Um prato estava quebrado aos pés dela. Lishu
tinha jogado o prato nela? Havia uma linha vermelha fina na bochecha de Kanan, e sua
expressão enquanto tentava avaliar Lishu era de terror.

Lishu sentiu seu sangue gelar. Ela nunca quis fazer isso. No entanto, ela era a única que
poderia ter virado o quarto de cabeça para baixo dessa maneira. Sua mente ficou em
branco, e ela começou a suar abundantemente.

“Vá...”

“Lady Lishu...”

“Saia daqui, por favor. E não volte!” Ela bateu na parede com força, pisoteou e gritou. Ela
não queria fazer isso. Mas era a única coisa que saía da sua boca.

“Eu sinto muito,” disse Kanan. “Vou me trocar...” Ela olhou tristemente ao redor do quarto
revirado e depois saiu.

Quando os passos de Kanan desapareceram, Lishu afundou no chão. Seus olhos, ao


olhar para o teto, estavam nublados de lágrimas. Ela não queria fazer isso, então por que
fez? Ela sentiu que precisava atacar alguém, antes que fosse atacada novamente, e em
sua ansiedade, ela atacou Kanan.

O rosto de Lishu devia estar uma bagunça. Ela queria chorar em grandes soluços, mas se
começasse a chorar, alguém poderia aparecer. Então, ela abraçou seus joelhos com
força.
“Lishu? Lishu!” veio a voz do outro quarto. O tubo estava saindo do teto, e Sotei estava
falando com ela. Com seus ouvidos aguçados, ela deve ter ouvido toda a humilhante
troca de palavras. “O que está acontecendo? Parece que sua dama de companhia foi
embora.”

“Não é nada,” Lishu disse, movendo-se para sentar novamente ao lado da cômoda. O
cheiro doce-amargo a acalmava, e a voz abafada de Sotei aliviava sua ansiedade.

Ela se perguntava quem Sotei era.

“Eu tenho uma ideia, Lishu.”

“O que é, Sotei?”

“Eles vão trocar a guarda em breve. Você não quer subir?”

Sua voz era doce, agradável. Em qualquer outra ocasião, Lishu talvez hesitasse na decisão
e então recusasse. Mas agora, agora ela não tinha forças para isso.

Ela não tinha motivo para não aceitar a sugestão de Sotei.

Lishu pressionou o ouvido contra a porta e ouviu os passos. Ela escutou enquanto eles
desciam de cima, passavam e continuavam para baixo. Ela ouvia as batidas de seu
próprio coração, tão alto que tinha medo de que o guarda que passava pudesse notá-lo.
Ela tentou não respirar. Não era como se o guarda achasse algo estranho ao ouvir um som
naquele momento, mas o que Lishu estava prestes a tentar a deixava em um estado de
ansiedade absoluta.

Ela ouviu os passos chegarem ao fim da escada; ouviu uma porta abrir e fechar. Tentando
acalmar seu coração acelerado, Lishu saiu pela porta.

Ela deu um passo lento no corredor. Estava segurando os sapatos na mão para que não a
denunciassem. Ela subiu as escadas, passo a passo, e abriu a porta – bem devagar, para
que não fizesse barulho.
O andar de cima estava em ainda pior estado do que o que Lishu vivia. Pelo menos seus
aposentos haviam sido varridos, mas este nível parecia cheio de poeira. Ela calçou os
sapatos e olhou ao redor. Havia vários quartos neste andar, mas apenas um deles tinha a
porta entreaberta. Ainda lutando contra as batidas aceleradas do coração, Lishu bateu na
porta. “Sotei?”

Parecia não haver resposta. Lishu acabara de se virar, pensando que devia estar na sala
errada, quando algo a envolveu por trás.

“Ha ha! Bem-vinda ao meu humilde lar.” A voz de uma jovem, não mais abafada, soou no
ouvido de Lishu. A mão que a havia agarrado era delicada e pálida, entrelaçada com veias
azuis. “Não posso te dizer há quanto tempo estou esperando.” Ela tinha o mesmo cheiro
único, doce e amargo ao mesmo tempo. O mesmo que vinha flutuando até Lishu pelo
teto.

“Sotei?” Lishu perguntou novamente, sentindo arrepios no pescoço. Sotei parecia estar
apoiando o queixo na cabeça de Lishu, e algo estava fazendo cócegas em sua nuca. Era
um feixe branco — os melhores fios de seda. Um pendão de algo, talvez.

“Você tem uma pele tão bonita, Lishu. Uma cor boa, saudável, mas não bronzeada pelo
sol.” A ponta do dedo de Sotei deslizou ao longo da bochecha de Lishu. “E esse cabelo
preto adorável. Você tem alguém que se importa o suficiente para pentear mesmo em um
lugar como este. Estou com inveja! Ah, mas somos desajeitadas ao comer, não é? Você
tem um grão de arroz aqui.”

Seus dedos delicados arrancaram o grão de arroz que estava preso no cabelo de Lishu,
lentamente, quase como se estivesse raspando, e então ela o deixou cair no chão. Seus
dedos estavam vermelhos em alguns lugares — pareciam queimaduras que estavam
apenas cicatrizando agora.

“Eu sinto tanto por você,” disse Sotei. “Mamãe morreu quando você ainda era um bebê,
usada como ferramenta política praticamente desde que você começou a andar.
Rejeitada pela sua família, zombada pelas suas próprias damas de companhia...”

Sim! Sim, essa era a história de Lishu.

“Verdadeiramente, é uma vergonha. Ninguém te entende. Por que você acha que está
sempre sendo a vítima?”
A voz suave e o aroma envolviam Lishu. Ela podia sentir o calor do corpo na pele pálida.
Havia tanto tempo desde que ela havia sentido outra pessoa tão perto dela. Ela sentia
como se pudesse simplesmente derreter.

“Todos são terríveis com você. Você é só doce e gentil, e tudo o que fazem é te intimidar e
tornar sua vida um pesadelo.” Lishu, quase derretendo no doce odor, concordou com as
palavras de Sotei. Sim, é isso mesmo. Eles sempre a intimidavam. A ignoravam. A
usavam.

O que Lishu já tinha feito de errado?

Por tanto tempo agora...

Por tanto tempo...

Uma pergunta meio formada flutuou pela mente turva de Lishu. Quando, ela se
perguntou, tinha contado a Sotei sobre seu pai?

“Todos te deixam sozinha para comer comida fria em um quarto sombrio. Inacreditável.”

Quando ela mencionou que a comida estava fria? A pergunta ocorreu a ela, mas ela
parecia não conseguir fazer seu cérebro funcionar. No entanto, ela sentiu o abraço de
Sotei relaxar, e ela conseguiu se virar, finalmente enfrentando alguém que só conhecia
como uma voz até este momento.

“O que? Por que você está me olhando assim? Tem algo no meu rosto?”

A garota sorridente diante de Lishu tinha uma cor que ela nunca tinha visto antes. Ela era
bonita, à sua maneira. Sua figura era como a de um pêssego, seus lábios cheios e
vermelhos como cerejas. Mas sua pele parecia... sem cor. As pessoas do oeste tinham
pele pálida, mas essa era muito, muito mais pálida do que isso. Lishu nunca teria deixado
sua pele tão branca, não importa o quanto aplicasse pó de maquiagem branca. O cabelo
de Sotei também era como o de uma velha. Foi o cabelo que Lishu havia tomado por um
pendão, cabelo que corria reto e verdadeiro pelas costas dela.

“Eu pareço estranha para você?” Sotei perguntou. Suas sobrancelhas, lentamente se
franzindo, também eram brancas. E seus olhos, eram vermelhos como rubis.
No caminho para a capital ocidental, Lishu ouvira os rumores — que havia uma mulher
como uma das imortais míticas causando problemas em cada região e fazendo com que
as pessoas poderosas da capital dançassem na palma de sua mão.

“É você. A Dama Branca...”

“Então você sabe sobre mim. Isso nos torna parecidas, então.” Sotei enrolou o cabelo de
Lishu ao redor do dedo. “Porque eu sei sobre você também. Eu simplesmente nunca
pensei que nos encontraríamos juntas no mesmo lugar.” Ela sorriu — então puxou o
cabelo de Lishu. “Este cabelo preto — eu tenho inveja dele!”

Lishu não conseguia falar.

“E sua pele saudável! Você pode sair no sol e ela não fica inflamada e queimada.”

Ainda assim, Lishu permanecia em silêncio.

“Eu nem consigo suportar a luz de uma janela. Você reclamou do desânimo, Lishu? Da
escuridão? Esses cantos sombrios são os únicos onde eu consigo sobreviver!”

Os olhos de Sotei estavam estreitos e ela estava encarando fixamente Lishu.

“Tenho algo para te dizer. Todo o tormento que foi infligido a você? Você não pode culpar
ninguém por isso. É sua própria culpa!” Dedos esguios dançavam pela bochecha de
Lishu, pontas ásperas arranhando sua pele. “Você nunca precisou passar fome enquanto
crescia, e colocava todas as roupas bonitas deles sem questionar. Mas você só fica
sentada, não é, Lishu? Você deveria saber que se não pode se proteger, vai ser um alvo.”

Agora, os dedos beliscavam sua bochecha, cavando em sua pele, até que as unhas
deixassem arranhões para trás.

“Me enoja olhar para você.” Uma tremenda careta tomou conta do rosto de Sotei, uma
expressão de desprezo tão brutal quanto suas palavras. Lishu encolheu-se. “É nojento só
te ver ali.”
O olhar gelado de Sotei fez o coração de Lishu disparar. Isso a lembrou de tantos olhares
que ela já tinha visto antes. O do pai, o da meia-irmã, o das damas...

Os dentes de Lishu começaram a ranger. Ela sentiu como se pudesse ser sugada por
aqueles olhos vermelhos. Acima dela, ouviu um correr, como de insetos. Para ela, soava
como as vozes das empregadas e serviçais, espalhando suas histórias sobre ela e a
condenando pelas costas.

“Não... Pare...” Lishu balançou a cabeça; ela pressionou uma mão em sua bochecha, que
devia ter arranhões vermelhos, e olhou para Sotei com medo nos olhos.

Os lábios de Sotei se torceram. “Repugnante... É como olhar para meu antigo eu.”

Lishu não tinha mais esperança de entender o que Sotei estava falando. Ela começou a
correr, apenas desesperada para sair dali. Ela atravessou o corredor deteriorado, subiu as
escadas. Como Sotei havia dito, a porta para o próximo andar não estava trancada. Lishu
continuou correndo, cada vez mais alto. Ela perdeu a conta de quantos andares subiu. A
barra de seu robe estava suja, e o rangido das tábuas do assoalho se tornou
ensurdecedor.

Ela viu uma porta que não era como as outras. Para começar, tinha uma fechadura, mas a
fechadura estava se desintegrando. Lishu agarrou a maçaneta. A porta era um pouco
pesada, mas ela a abriu, encontrando-se confrontada com um céu chumbo. Sem dúvida,
os governantes do passado, olhando sobre toda a capital deste ponto vantajoso com um
cálice de vinho na mão, acreditavam que sua glória duraria para sempre.

Era uma varanda, embora uma devastada pela exposição aos elementos. Lishu deu um
passo experimental e descobriu que a madeira gemia fraca sob seus pés.

Normalmente, ela teria sido paralisada pelo medo, mas agora ela caminhava para frente,
um passo instável de cada vez. O corrimão também estava dilapidado; toda a tinta
descascou. O vento soprava, chicoteando suas bochechas e fazendo seu cabelo voar
para todo lado.

Lishu podia ver pássaros voando. Eles pareciam tão livres. Ela estendeu a mão em direção
a eles, mas é claro, não conseguiu alcançá-los. Ela olhou para sua mão, que se estendia
inutilmente para o céu.
Capítulo 16: Basen e Lishu

Quando Maomao e Jinshi receberam a notícia, correram para a torre a cavalo. Não havia
tempo para arranjar uma carruagem; em vez disso, eles tomaram emprestado o cavalo
em que o mensageiro tinha vindo, com Jinshi segurando as rédeas. Maomao nem se deu
ao trabalho de pedir permissão enquanto pulava atrás dele. Ele apenas disse: "Vamos
rápido. Não caia." Ela interpretou isso como um sinal de que estava tudo bem. Pressionou
o rosto nas costas dele, que cheirava a perfume, e se segurou, tentando permanecer
ereta.

Quando chegaram ao palácio, Jinshi removeu sua máscara, relutante até mesmo em
perder tempo para mostrar sua insígnia de cargo. O cavalo nem diminuiu a velocidade
enquanto se dirigiam para a torre onde a Consorte Lishu estava confinada.

Uma multidão já se aglomerava em frente à pagode. Além dos guardas, havia burocratas
curiosos e damas da corte, enfrentados por soldados insistindo que ficassem afastados.
Mal as damas da corte notaram Jinshi, coraram furiosamente — até que avistaram
Maomao e pareceram indignadas em vez disso. Mas tanto Maomao quanto Jinshi as
ignoraram; não havia tempo para agradar pessoas como elas.

Eles conseguiram avistar uma mulher no último andar da pagode, uma jovem olhando
para o horizonte, seus cabelos desalinhados — era a Consorte Lishu. Maomao não
conseguia entender o que ela estava fazendo; parecia estar tentando segurar algo,
estendendo uma das mãos em direção ao céu.

O que ela está fazendo lá em cima? Maomao pensou. O prédio era tão antigo que rangia
sob os pés; Maomao não conseguia acreditar que a tímida consorte tinha ido até o último
andar por vontade própria. Ela estava longe demais para distinguir sua expressão, no
entanto, ou adivinhar exatamente o que ela estava tentando fazer.

"Deixe-me passar! Deixe-me passar!" gritou uma voz familiar. Maomao percebeu que a
mulher sendo contida pelos guardas era a principal dama de companhia de Lishu. Ela
esticava os braços o máximo que podia, como se pudesse alcançar a porta da torre, mas
os guardas não a deixavam. "Senhora Lishu —!"

As roupas da mulher estavam cobertas de lama. Era estranho; não parecia que isso
aconteceu quando os guardas a impediram. Parecia quase que alguém tinha jogado uma
torta de lama nela.

Mas a principal dama de companhia não era a única face familiar.

"O que está acontecendo?! O que a Consorte Lishu está fazendo lá em cima?!" Basen se
aproximou, sem fôlego. Ele também deve ter ouvido a notícia. Talvez ele estivesse se
exercitando quando soube, pois estava vestido com o que parecia ser um uniforme de
treinamento de artes marciais em vez de seu traje oficial habitual.

A adição de um jovem gritando à dama de companhia em pânico só aumentou a confusão


geral. Agora, os guardas tinham que lidar com Basen, que estava determinado a entrar na
pagode. Eles tentaram empurrá-lo para trás, mas acabaram sendo arrastados junto com
ele.

Ah, a famosa força. Maomao tinha experimentado isso em primeira mão na capital
ocidental, mas ela sentia que havia algo mais do que simples poder físico em jogo aqui.
No entanto, não podia pensar nisso agora; eles precisavam descobrir o que fazer em
relação à Consorte Lishu.

"Se acalmem!" Uma voz clara e bonita ressoou. Basen e a dama de companhia pararam e
olharam para o dono da voz — Jinshi. Ele entregou as rédeas de seu cavalo a um dos
soldados e caminhou em direção aos dois. "Eu irei."

"M-Mas..." a dama de companhia gaguejou.

"Eu disse que farei isso." A expressão de Jinshi não admitia argumentos. A dama de
companhia afundou no chão. Havia uma linha vermelha em seu rosto e grãos de arroz em
seu cabelo.
Alguém a estava importunando? Maomao se perguntou. Não era impossível. Você não
precisava estar no palácio para encontrar muitas pessoas desagradáveis. Com a notícia
se espalhando de que sua senhora estava sob prisão sob suspeita de infidelidade, não
seria surpreendente se a principal dama de companhia também sofresse algumas
represálias.

Até onde Maomao podia perceber, esta mulher era a única dama que acompanhava
Lishu, então ela deve ter estado cuidando da consorte todo esse tempo, sozinha, sem
ninguém para ajudá-la. A princípio, Maomao a tinha considerado apenas uma provadora
de comida particularmente desagradável — ela ficou surpresa com o quanto as pessoas
podiam mudar.

"Por que você deixou a consorte sozinha? Estava indo buscar a refeição dela?" Jinshi
perguntou. Não havia bondade em sua voz, mas também não era frio.

Sua postura tranquila parecia ajudar a dama de companhia a se controlar também. Ela
disse: "Minha senhora tem estado muito deprimida ultimamente. Ela parece fraca, talvez
porque não possa sair de seus aposentos e não tenha como tomar ar fresco. Acho que
hoje ela atingiu seu limite. Ela me expulsou do quarto — parece que não confia em
ninguém."

"Então você saiu até que ela se acalmasse?"

"Sim, senhor. Eu precisava trocar de roupa de qualquer maneira... Embora agora pareça
que precisarei fazer isso de novo." Ela olhou para sua saia suja.

Jinshi assentiu e se dirigiu para a porta.

"Estou indo com você", disse Basen, começando a segui-lo, mas o outro homem apenas o
olhou.

"Não há necessidade de você vir. Não é seu trabalho."

Basen franziu a testa, cerrando os punhos.


Ele não está errado, pensou Maomao. Ao contrário de Jinshi, que estava pessoalmente
familiarizado com a Consorte Lishu por trabalhar no palácio traseiro, Basen apenas a
acompanhou em sua viagem para o oeste. Quaisquer sentimentos que ele pudesse ter
por ela, lidar com ela não era responsabilidade dele.

"Mas —" ele começou, uma expressão dolorosa no rosto.

"Você é meu ajudante. Você entende o que isso significa, não é?"

Basen não disse nada.

"Considere o pior cenário possível e se prepare para isso. Você é o único que pode." Com
isso, Jinshi desapareceu na torre.

Ele realmente confia nesse cara. Ela não sabia se Jinshi estava tomando a melhor decisão
ou não, mas sabia que era uma decisão difícil — e também viu que precisava fazer o que
podia para ajudar.

Basen parecia profundamente pensativo por um momento, então chamou um dos oficiais
e começou a dar instruções. Ela achou que ele disse algo sobre juntar todos os
cobertores e colchões que pudessem encontrar, mas Lishu estava muito alta para que
isso ajudasse.

Enquanto isso, Maomao fez o que só Maomao poderia fazer. "A Consorte Lishu
demonstrou algum outro comportamento incomum?" ela perguntou, massageando as
costas da dama de companhia. Maomao observou o arranhão na bochecha da mulher e
se perguntou se Lishu tinha tido algum tipo de crise. Ela geralmente era tão dócil, mas se
estivesse se sentindo tão paranóica, não seria surpreendente.

"Não sei se eu diria incomum, mas ela parecia especialmente interessada no teto
ultimamente. Acho que estava incomodada com algum buraco na madeira."

Algo no andar de cima estava em sua mente? Isso explicaria por que ela subiu até o último
andar?

"Acho que havia alguém no nível acima de nós. Às vezes, havia um cheiro estranho em
nosso quarto, e acho que vinha de lá de cima."
"Um cheiro estranho?"

"Sim... Era como perfume, mas não era nada que eu já tivesse sentido antes. Eu não
gostava muito, mas parecia agradar à consorte. Ela passava muito tempo sentada onde o
cheiro era mais perceptível."

Maomao inclinou a cabeça e, desta vez, se virou para um dos guardas. "Havia mais
alguém naquela torre?" ela perguntou.

Os guardas se entreolharam, parecendo aflitos. Seus rostos comunicavam que eles


sabiam de algo, mas não podiam dizer o que.

"Havia mais alguém?" Maomao exigiu — mas a resposta veio de uma fonte inesperada.

"Não era. É." Um homem com óculos, um ábaco e cabelos bagunçados veio trotando até
a conversa. "Embora eu tenha solicitado que, se mais alguém fosse colocado naquela
torre, eles fossem mantidos o mais longe possível deles." Era Lahan, com um reproche
implícito para os guardas.

"Desculpas, senhor. A torre é antiga... Os andares superiores não pareciam estar em um


estado utilizável."

"Bem, eu não achava que mais alguém acabaria lá dentro, de qualquer maneira.
Certamente não uma consorte."

"Do que você está falando?" Maomao disse.

"Apenas do que eu pedi para ser feito. Para evitar que se tornasse um incidente
diplomático, entende."

"Incidente diplomático?" Maomao não entendia de jeito nenhum. O que aquilo tinha a ver
com qualquer coisa?
"Eu disse que você deveria ter vindo à minha reunião com aquela beleza ocidental. Ela me
pediu isso."

"Essa sua beleza ocidental — você quer dizer o enviado especial?!"

"Baixe a voz", disse Lahan, colocando uma mão sobre a boca de Maomao.

Os guardas não pareceram ter ouvido, mas a principal dama de companhia de Lishu
reagiu. "O enviado especial... Sim, isso me lembra!"

"O que é?" Maomao perguntou.

"Você me perguntou se algo incomum havia acontecido com a Lady Lishu. E eu acabei de
lembrar..."

"Sim?! O que?!" Maomao agarrou a mulher pelos ombros, quase a sacudindo.

"Uma das damas de companhia soltou um pássaro. Um pássaro branco que recebemos
do enviado."

"Um pássaro? O que aconteceu com o espelho?" Maomao tinha a impressão de que os
enviados haviam presenteado grandes espelhos para cada uma das grandes consortes —
Lishu não tinha ganhado um?

"Recebemos um espelho, sim, mas a Consorte Lishu também recebeu um par de


pássaros que se acasalavam, com a justificativa de que ela era a mais jovem. Os enviados
acharam que talvez ela pudesse se sentir solitária, tão longe de seus pais."

"E eles acharam que pássaros ajudariam?"

"Suponho que sim. Mas a Lady Lishu começa a espirrar sempre que toca no pelo ou
penas de um animal, então ela não ficou muito com eles. Ela se sentiu mal por não
conseguir cuidar adequadamente deles e os deu para uma das criadas. Um pouco
depois, enquanto a Lady Lishu estava ausente, a mulher soltou o pássaro. Na verdade...
ela parece ter soltado os dois, receio."
Os pássaros... Ela os soltou? Maomao sentiu que as peças estavam prestes a se encaixar.
Ela buscou desesperadamente em sua memória, tentando entender por que isso parecia
tão importante. Poderia ser...

"Esses pássaros não aconteceram de ser pombos, não é?"

"Eles podem ter sido. Eu nunca os vi de fato, então não tenho certeza, mas os ouvi
coaxando, acho."

Pombos sabiam como voltar para suas casas. A página que Lishu tinha copiado do
romance tinha sido enrolada como um cordão. E se estivesse amarrada na perna de um
pombo?

Havia algo mais também. "No banquete para os enviados no verão passado, não havia
alguém falando com você? Não um dos próprios enviados, mas um dos seus servos."

"Agora que você menciona..."

Entre as damas de companhia, havia alguém dizendo algo do tipo: "Os cavalheiros do
oeste são generosos e tão bonitos!"

Não posso acreditar que perdi isso, pensou Maomao. Ela estava tão certa de que o livro
devia ter sido vendido pela caravana visitante. Fazia sentido — alguém do oeste teria sido
capaz de obter a tradução mais cedo do que os da capital.

Mas os enviados tinham vindo ao banquete especificamente para se apresentarem ao


Imperador e ao seu irmão mais novo. Claro que eles sondariam primeiro as mulheres do
palácio, tentando obter qualquer informação que pudessem. E naturalmente iriam atrás
da pessoa que parecesse mais vulnerável. Se tivessem decidido, durante sua
reconhecimento, que Lishu seria a consorte mais fácil de manipular, certamente
explicaria por que a tinham como alvo depois disso.

Eles nos enganaram! Ela deveria ter percebido, especialmente depois que um dos
enviados se revelou envolvido com o clã Shi — e conseguiu parecer perfeitamente
inocente a respeito.

Mas não era hora para arrependimentos. "Tudo bem, Lahan. Quem está naquela torre?"
Em resposta, Lahan se inclinou em direção a Maomao e sussurrou um nome. Quando ela
ouviu, imediatamente começou a suar frio.

A Imortal Branca.

De todas as pessoas que poderia ter sido... Isso deixou Maomao ainda mais curiosa sobre
o estranho cheiro que tinha estado chegando aos aposentos da consorte. Com tudo o que
a Dama Branca sabia sobre drogas, era totalmente possível que ela tivesse misturado algo
em algum incenso para embotar o julgamento de Lishu.

Maomao empurrou Lahan e seguiu para a torre. Não viu sinal de Basen. Ele devia ter
levado a sério o aviso de Jinshi para se preparar para o pior. De qualquer forma, ela não
tinha tempo para se preocupar com ele agora. Precisava ver exatamente o que estava
acontecendo com a Consorte Lishu.

Ela passou pelos guardas surpresos e entrou na torre. Corredor, escadas, corredor,
escadas. Era o suficiente para deixar sua cabeça girando. Ela só sabia que tinha chegado
ao último andar porque encontrou vários homens lá.

Jinshi estava parado na frente de uma porta aberta, além da qual havia um balcão onde
Lishu estava, seus olhos sem foco. Jinshi estava falando com ela calmamente. O balcão
estava se desfazendo; Lishu era leve o suficiente para que pudesse sustentá-la, mas se
Jinshi tentasse sair dali, seu pé poderia atravessar o chão. Ele obviamente esperava poder
convencê-la a voltar para o prédio, mas não parecia estar indo muito bem.

"Não se mova... Fique longe..." Lishu estava dizendo. O que ela estava olhando? Ela dava
pequenos abanos com a cabeça, seu rosto contorcido de medo. Um belo e muito amado
cavalheiro estava parado diante dela, mas ela parecia tão angustiada como se estivesse
encarando um monstro. Seus olhos estavam totalmente cegos para sua beleza. Ela
estava vendo algo mais, algo fantástico.

“Consort...” disse Jinshi gentilmente, ainda tentando não perturbá-la ainda mais. Ele
tinha a ideia certa — se ele pudesse continuar conversando com ela até que ela
recuperasse o juízo, ele ainda poderia ter sucesso.

Maomao ficou em silêncio atrás de Jinshi. Seria arriscado para o jovem sair no balcão; se
eles quisessem chegar mais perto de Lishu, Maomao seria a melhor escolha.
"Eu vou," ela disse.

"Ei, espere!" Jinshi disse, mas ela afastou sua mão. Francamente, ela não queria fazer
isso. E se seu pé atravessasse o chão? O que a consorte estava fazendo lá em cima?

Isso era apenas uma das muitas perguntas amargas que ocorriam a Maomao, mas como
uma idiota, ela seguiu em frente, que se danem as consequências. Ela tinha embarcado
nesse barco e ia navegar até o fim. Ela encontrou um pensamento crescendo
irresistivelmente em sua mente: agora que ela tinha chegado tão longe, ela ia ajudar a
Consorte Lishu.

"Consorte," ela disse. "A Lady Ah-Duo está esperando por você."

Foi uma escolha prudente: mencionar sua família aqui e agora quase certamente teria o
efeito oposto do desejado, e mesmo a presença de Jinshi não havia trazido Lishu de volta
para eles. Em vez disso, Maomao evocou o nome da pessoa em quem a consorte mais
confiava neste momento.

Sua escolha arrancou um leve espasmo da consorte. "Lady...AhDuo...?" Ela parecia não
ter medo desse nome.

"Sim. Ela estará aqui em breve. Você precisa se trocar antes que ela chegue."

Maomao teve o cuidado de não dizer especificamente para Lishu voltar para eles. Ela só
precisava que a consorte se movesse em sua direção no balcão. Só mantenha a calma e
se mova...

Mas nunca é tão simples.

Um aroma doce-amargo chegou ao nariz de Maomao. Algo passou por ela sem nem
mesmo um som de passos, parecendo tão parte do mundo natural que ninguém reagiu de
imediato. A Dama Branca passou por eles tão despercebida quanto uma brisa.

Jinshi foi o primeiro a registrar sua presença; ele se moveu para interceptá-la, mas —
“Há hã hã hã hã hã hã hã!”

Houve uma risada aguda, penetrante. Isso foi tudo o que ela fez — ela riu. Seus olhos
vermelhos quase se fecharam, sua voz era como a de um animal selvagem. Isso arrepiou
a pele de Maomao. Ela estendeu reflexivamente a mão em direção à Consorte Lishu —
mas ela chegou tarde demais.

No estado atual dela, a risada foi o suficiente para agitar Lishu. Seu rosto se contorceu, e
ela caiu para trás contra a grade. O riso da mulher deve ter aterrorizado ela.

A grade podre nem mesmo foi capaz de suportar o peso modesto de Lishu, e ela caiu para
trás no vazio.

Maomao correu pelo balcão, mas as tábuas do chão cederam e ela também começou a
cair. Justo quando ela estava esperando sentir um vento contra seu corpo, ela sentiu uma
pressão contra sua barriga ao invés disso.

“Nãããão!” Jinshi a pegou no último segundo.

Ele a pegou, mas ela não conseguiu pegar Lishu. A mão de Maomao estava vazia, e Lishu
tinha sumido.

°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°°

Então foi assim que tudo acabou.

Lishu sorriu. Seu corpo estava caindo pelo espaço. Logo ela iria bater no chão e entrar em
um sono do qual nunca mais acordaria.

Seus arredores, que pareciam tão nebulosos, de repente ficaram nítidos e claros. Ela
podia ver o balcão desmoronando, e a boticária, aquela que normalmente agia com
indiferença. Ah... Ela tinha pensado que parecia que alguém estava falando com ela. Deve
ter sido a boticária.

Lishu caiu, não amada por ninguém, não necessária. Ela só estava sempre no caminho,
então talvez fosse melhor se ela não estivesse lá de jeito nenhum. Ela não seria
ridicularizada mais, ou ririam dela, ou a ignorariam. Ninguém a olharia com crueldade no
sorriso. Mas a jornada até o chão parecia estar demorando tanto, tão longa que ela se
perguntava se talvez realmente tivesse crescido asas e voado como um pássaro. Não,
melhor dispensar tais fantasias. Elas só tornavam mais difícil suportar quando você
voltava à realidade.

Ela fechou os olhos, se preparando para dar as boas-vindas ao fim, quando ouviu uma
voz.

“Consorta!”

Era um som familiar. De quem era? Sem realmente querer, ela olhou na direção da voz.

Ela viu um homem em pé nos telhados em vários níveis. Ele era adulto, mas ainda não
tinha idade suficiente para ter adquirido uma barba ou bigode. As linhas sensíveis de seu
rosto mexeram com algo em sua memória.

Era o jovem que a havia salvo do leão no banquete na capital ocidental. Ela nunca teve a
chance de agradecê-lo. Ela pensou sobre isso várias vezes, mas nunca conseguiu, então
tinha a intenção de enviar-lhe uma carta eventualmente. Agora que ela pensava sobre
isso, estava feliz por não ter feito isso. Ela se sentiria mal se as suspeitas feias que a
cercavam também o tivessem engolido.

Ela desejava, porém — agora, agora era tarde demais — ela desejava poder pelo menos
ter lhe dito o quanto estava grata. Ela abriu a boca. Ele nunca seria capaz de ouvi-la, mas
ela pensou que poderia pelo menos comunicar essas duas palavras simples: "Obrigada".

Antes que ela pudesse mexer os lábios, porém, o jovem fez algo inacreditável. Ele
começou a correr ao longo do telhado, telhas antigas quebrando sob seus pés, pedaços
delas voando soltos. Apesar da base, ou da falta dela, o jovem saltou. Ele voou pelo ar e
agarrou Lishu.

O que ele estava fazendo?

Talvez ele estivesse apenas um pouco tocado na cabeça. Afinal, ninguém poderia
sobreviver a uma queda dessa altura. Nem mesmo um soldado treinado — certamente
não um segurando o peso adicional de outra pessoa. Ainda assim, ele segurava Lishu
firmemente em seus braços.
Por que ele a abraçaria, se apegaria a uma jovem sem valor? Era inútil; só levaria à morte
de ambos. Ela desejava que ele não fizesse isso. Por que ele estava fazendo isso?

Lágrimas caíam de seus olhos. Mas o jovem, aparentemente alheio ao que Lishu sentia,
sorriu de forma desajeitada.

E então houve um estrondo tremendo. A perna esquerda do jovem pegou o telhado abaixo
deles, mas apenas por um segundo, e então estavam caindo novamente, sua perna
torcida em um ângulo bizarro.

"P—" Lishu disse, mas antes que ela pudesse pronunciar a palavra Pare, o jovem havia
chutado o próximo telhado com sua perna direita ainda funcionando. A força do chute
deve ter sido imensa, pois Lishu viu algumas telhas do telhado soltarem.

As folhas farfalhavam enquanto eles despencavam entre os galhos. Lishu sentiu o cheiro
de folhagem fresca. Eles tinham caído entre as árvores enormes que cercavam a torre. O
jovem ainda segurava Lishu com uma mão e agarrou um galho com a outra. No entanto, o
impulso combinado deles o frustrou, e ele perdeu o apoio. Ele fez um som de reprovação
quando suas unhas arranharam o tronco.

Sua queda parou com outro grande solavanco. Houve um impacto, mas não dor. Lishu na
verdade não tinha atingido o chão; em vez disso, o jovem estava debaixo dela,
protegendo-a — e debaixo dele havia uma pilha de colchões. Quando ela olhou ao redor,
percebeu que parecia haver colchões por toda parte.

Ambas as pernas do jovem estavam quebradas, enquanto as unhas de sua mão esquerda
foram arrancadas e seus dedos estavam sangrando. E embora possam ter pousado em
alguns colchões, não poderia ter sido o suficiente para evitar que o jovem machucasse as
costas na aterrissagem.

Ele estava totalmente acabado — mas ainda estava usando o mesmo sorriso desajeitado.

“Por quê?” Lishu disse. Ela não conseguiu expressar a pergunta completa: Por que ele a
havia salvo? Por que ele não a tinha simplesmente deixado morrer? Ela não sabia o que
fazer com alguém que tinha machucado o próprio corpo para protegê-la.
A mão direita do jovem, a única parte não machucada, estava tremendo por algum
motivo. Ele lentamente se afastou, soltando-a. “Você está machucada, minha senhora?”
ele perguntou.

“Por quê?”

Ela ainda não conseguia reunir mais palavras. Lágrimas nublaram seus olhos, e sua visão
estava cheia do rosto sorridente e embaçado do jovem.

“Alguma coisa está doendo?” ele perguntou.

Não! Não, não era por isso que ela estava chorando. Ela balançou a cabeça.

“Devo pedir desculpas por me apresentar diante de vossa graça em um estado tão sujo.
Foi uma emergência.”

Não! Ela não se importava com isso.

“Eu tentei ser cuidadoso para não usar muita força. Se, no entanto, você ainda se
encontrar com hematomas, por favor, não hesite em me punir.”

Lishu estava sem palavras. Como ele podia dizer essas coisas? O braço dele ao redor dela
tinha sido poderoso e ao mesmo tempo gentil. Como ela poderia puni-lo por isso?

Um gemido escapou dela, provocando um olhar de alarme do jovem. Não, não — ele
não deveria estar se preocupando com ela. Ele deveria estar pensando em seu próprio
corpo quebrado.

“Por que você se incomodaria em me resgatar?” Lishu finalmente perguntou. O Imperador


certamente descartaria uma consorte que fosse suspeita de infidelidade. Era inútil para o
jovem arriscar sua própria vida para salvá-la.

“Você não deve menosprezar a si mesma dessa maneira. Salvar você valeu tudo. Foi por
isso que eu fiz isso.” Ele estendeu a mão boa e timidamente enxugou as lágrimas de Lishu.
“Eu queria que você fosse feliz. Só isso. Talvez até esse desejo tenha sido uma ambição
grande demais para um simples soldado.” O sorriso novamente.
A boca de Lishu se torceu e desfez. Ela estava usando quase nenhuma maquiagem, seus
olhos estavam inchados, e seu rosto devia estar bem vermelho. Ela estava envergonhada
por o jovem a ver assim — e sua vergonha só tornou o que ela fez em seguida ainda mais
constrangedor.

Ela enterrou o rosto em seu peito.

“Lishu?! Quero dizer, Consorte?!”

O jovem estava praticamente em pânico; ela podia ouvir seu coração batendo com
agitação em seu peito. Isso ia além da vergonha — ela tinha que se afastar dele antes que
alguém os visse, ou desta vez ela seria suspeita de ser infiel com esse jovem.
Normalmente, fazer algo tão louco faria seu coração acelerar e enviaria sangue correndo
para a cabeça.

E de fato, seu pulso estava muito rápido. Mas ao mesmo tempo, ela estava calma, aqui
com o rosto contra o peito do jovem, que cheirava levemente a suor, mas tanto quanto a
folhas frescas, novo crescimento.

Lishu desejou fervorosamente que este breve momento pudesse durar apenas um
segundo a mais.

Epílogo
"É uma história totalmente ridícula, não é mesmo?" Maomao disse, folheando a tragédia
romântica que havia chegado até eles de algum país distante. Jinshi havia acabado de
devolver a cópia original para ela. (Bem, sua cópia da cópia original.)

"Concordo." Jinshi, que veio devolver o livro, apoiou-se em uma prateleira, olhando pela
janela para o céu.

A atmosfera entre eles era difícil de descrever. Embora estivessem sozinhos agora, Jinshi
não demonstrava sua recente determinação. Maomao sabia que ele entendia que este
não era o momento para isso.

A Consorte Lishu — ou melhor, a ex-Consorte Lishu — ia se tornar freira novamente, por


ordem do próprio Imperador.

"Eu suspeito que Sua Majestade já tenha isso em mente há algum tempo", disse Jinshi.

A mãe de Lishu era uma antiga conhecida tanto do Imperador quanto de Ah-Duo. Sua
Majestade deve ter visto Lishu como algo semelhante a uma filha. Foi por isso que ele a
chamou de volta ao palácio posterior — na esperança de que ela pudesse, de alguma
forma, ser feliz.

O mundo nunca foi tão generoso, porém, e sua tentativa de fazê-la feliz deu errado. Lishu
se viu intimidada por sua meia-irmã e suas próprias damas de companhia e, no final das
contas, graças à sua posição como alta consorte, até mesmo sua vida foi ameaçada.
Trancá-la na torre da prisão foi um ato de misericórdia por parte do Imperador, uma
tentativa de protegê-la do perigo muito real de uma tentativa de assassinato. A ex-
principal dama de companhia de Lishu estava, em termos simples, tentando arranjar uma
nova senhora. Provavelmente, ela já havia entrado em contato com o emissário do oeste
— através dos pombos-correio — porque sentia que não poderia esperar subir mais na
vida sob Lishu. A "carta de amor" estava entre suas comunicações.

O fato de Lishu ter acabado presa com a Dama Branca só poderia ser chamado de má
sorte. Talvez ela realmente tivesse nascido sob uma estrela ruim.

Na torre, Lishu viu coisas estranhas, causadas por aquele incenso doce e amargo — o
mesmo cheiro que vinha da Dama Branca. Não havia chamado atenção quando a Dama
havia sido revistada antes de ser colocada na torre, mas quando Maomao a examinou
pessoalmente, encontrou um cordão amarrado em um dos dentes da mulher. A Dama
Branca tentou mordê-lo, mas isso só despertou mais curiosidade sobre o que estava
preso a ele. Quando o puxaram para cima, descobriram um pequeno saquinho de
incenso. Esta era uma mulher que beberia mercúrio vivo de boa vontade; por que não
esconderia incenso em seu estômago?

As substâncias poderiam ter sido perigosas se Lishu continuasse a ser exposta a elas,
mas Luomen (um oficial médico!) disse que, uma vez que havia parado nesta fase, não
havia com o que se preocupar. O fato de Lishu ter sido construída de tal forma que tais
drogas fossem especialmente eficazes nela era apenas mais um golpe de azar.

"Uma consorte não pode ser permitida a causar tanta comoção." Nenhuma consorte
poderia ser a causa de tantos problemas e sair completamente impune — daí o convento.
No entanto, antes de proferir seu julgamento, o Imperador havia convocado Maomao e
feito duas perguntas:

"Qual é a vida útil de um boato?"

Ela respondeu que era de setenta e cinco dias, embora ele tenha balançado a cabeça e
insistido que isso não seria o suficiente para salvar a face. Então ele perguntou:

"Se houvesse um homem adequado para Lishu, que tipo de homem ele seria?"

Ele praticamente soava como um pai em busca de um bom partido para sua filha. Foi
assim que ele agiu com Lishu, uma criança de outro homem — Maomao só podia
imaginar como ele seria quando chegasse a hora de encontrar um partido para sua
própria descendência, a Princesa Lingli. Maomao sabia que a garota era o xodó dele.

Por um segundo, ela pensou no homem com uma cicatriz na bochecha direita, mas
decidiu não dizer em voz alta. Esqueça estrangular; isso poderia custar sua cabeça.

"Receio que essa não seja uma pergunta que eu possa responder, senhor — mas talvez o
senhor possa considerar que o homem que quebrou ambas as pernas, arrancou todas as
unhas de uma mão e deslocou o ombro para salvá-la mereça uma recompensa."

De fato, foi Basen quem sofreu mais do que qualquer outro no incidente atual. Sem ele,
Lishu provavelmente teria acabado como uma caqui estourado. Basen, entendendo que
alguns colchões não seriam suficientes para ajudar a jovem senhora em queda,
improvisou uma abordagem diferente. Em vez de colocar todos os colchões em um só
lugar, ele os espalhou pela área onde ela provavelmente pousaria, e então ele absorveu
todo o impacto que os colchões não podiam absorver. E Maomao pensava que Jinshi era
um masoquista! Jinshi afirmava que Basen não sentia a dor tão intensamente quanto
outras pessoas, mas mesmo assim...

A única coisa que ela poderia afirmar com certeza era que não conseguia imaginar mais
ninguém que pudesse ter salvo Lishu naquele momento. Ela podia imaginar a reação se
contasse às cortesãs no distrito de prazer sobre isso: "É o destino!", exclamariam, os
olhos brilhando.

E então havia Lishu, que Maomao sempre havia imaginado como tímida e reservada perto
dos homens, mas que tinha enterrado o rosto no peito de Basen e chorado. Maomao não
era tão inculta a ponto de não entender o que isso significava. Jinshi rapidamente afastou
todos e gentilmente esperou até que Lishu terminasse de chorar. Isso atrasou Maomao no
tratamento de Basen, mas o jovem provavelmente não estava completamente infeliz com
a situação.

Lishu, foi declarado, passaria um ano no convento, após o qual retornaria ao seu lar e
família, despojada de seu título de consorte. No entanto, sua família não seria punida.

Quanto a Basen, ele seria concedido qualquer coisa (foi enfatizado) que ele desejasse.
Seja um objeto ou uma pessoa, desde que estivesse dentro do poder do Imperador
concedê-lo, ele teria. E ele não precisava decidir precipitadamente, aconselhou o
Imperador. Basen poderia esperar para dizer o que queria — por até um ano.

Maomao sorriu com um toque de amargura: este jovem homem e mulher tinham se
apaixonado à primeira vista, mas descobriram que o verdadeiro amor nunca é tão suave
quanto nas histórias. Mas ainda assim, este não era um resultado ruim de forma alguma.

Depois de tudo isso, Maomao releu a trágica história de amor novamente — mas ainda
não fazia sentido para ela.

No entanto, nem tudo estava tão bem resolvido. O emissário do oeste solicitou a custódia
da Dama Branca, que havia sido presa como criminosa. Sua justificativa? "Porque ela era
uma agente de Ayla."

Ayla: o outro emissário, aquele que estava envolvido na venda de armas de fogo feifa para
o clã Shi. A mulher que de alguma forma ainda parecia estar causando problemas para
eles mesmo agora.
Isso não foi tudo, pois o emissário solicitou algo ainda mais audacioso: ela havia
pressionado Lahan sobre fornecer ajuda ou dar-lhe asilo anteriormente, e agora,
surpreendentemente, ela pressionava pela última opção. Isso deve ter sido um choque
para Lahan, que estava ocupado com sua plantação de batatas. Além disso, o emissário
teve uma ideia surpreendente de como o asilo deveria ser efetuado: ela solicitou entrar no
palácio posterior. "Não preciso ser uma alta consorte", ela disse. "Até o status de uma
consorte intermediária seria suficiente." Admitidamente, seria uma maneira menos
chamativa de trazê-la para o país do que especificar que ela estava recebendo asilo.

Uma coisa que eu não sei é o quanto do que ela disse é verdade, pensou Maomao. Ela
queria apenas esquecer e tirar uma soneca, mas enquanto Jinshi estivesse ali, ela não
podia fazer isso. Ela desejava que ele se apressasse e fosse para casa.

Por sua vez, Jinshi não parecia particularmente interessado em sair. Ele pode não ser
muito direto, mas parecia ter muito em mente.

"O que é isso?" ele perguntou, pegando um livro que era uma desculpa bastante
lamentável. Parecia até confundir ele, com suas páginas de caracteres que pareciam
minhocas secas.

"O que você acha?" Maomao disse.

"É... Go?" ele disse, examinando as fileiras desordenadas de círculos pretos e brancos.
"Não me diga... o estrategista honrável?"

"Sim, senhor."

Lahan tinha empurrado isso para ela em troca da informação sobre o emissário,
presumindo que ela devia conhecer alguém na gráfica.

Sem ideia se eles iriam querer se envolver, porém. Não depois que ela comprou o livro
que eles estavam planejando usar como fonte de impressão. Mesmo que aceitassem o
trabalho, teriam que ser capazes de ler o texto primeiro — isso parecia ser o maior
obstáculo. Normalmente, ela teria simplesmente devolvido a coisa para Lahan, mas para
sua própria surpresa, ela se viu aceitando o triste livro.
Jinshi pareceu um tanto surpreso também. Maomao resmungou como se dissesse Não
ligue para isso e olhou para a sua roupa, que se recusava a secar aqui na estação
chuvosa.

Por quanto tempo essa conversa poderia continuar? Ela desejava que pudesse
permanecer assim. Além disso, esperava que ele não cutucasse o pé dela novamente. Ela
tomou cuidado para sentar em cima dos pés para que Jinshi não pudesse vê-los.

Ele parecia sentir o que ela estava pensando, pois sorriu indulgentemente. Ele realmente
sabia como irritá-la. Ela estava prestes a lhe dar seu mais feroz olhar de Vá para casa!
quando a porta se abriu.

"Oh, ei, senhor." Era Chou-u. Jinshi simplesmente acenou com a cabeça e levantou a mão
em cumprimento.

Chou-u trotou para dentro da loja, ignorando o quão apertado estava com três pessoas
dentro. Maomao estava apenas se perguntando o que ele poderia estar tramando —
quando ele passou o dedo ao longo das costas dela, arrepiando todo o seu corpo. "Quer
saber de uma coisa, senhor? A sardenta aqui não suporta se você passar o dedo ao longo
das costas dela. É uma graça!"

Maomao, se perguntando por que diabos Chou-u traria algo assim em um momento como
esse, levantou a mão para dar um beliscão nele na cabeça.

No entanto, Jinshi disse: "É mesmo?" e sorriu. Então ele tirou sua bolsa e colocou uma
moeda de prata gorda na mão de Chou-u, muito mais do que qualquer criança precisaria
para troco.

"Hã? O que é isso, senhor? O que está acontecendo?" Chou-u perguntou.

"Oh, eu só gostaria que você fizesse um pequeno favor para mim. Leve o tempo que
precisar."

Os olhos de Maomao se arregalaram.

"Uau! Você é o melhor, senhor!"


"Sim... leve todo o tempo que quiser."

"Chou-u!" exclamou Maomao, mas o moleque saiu da loja como se dissesse que seu
trabalho ali estava feito. Ela pulou para segui-lo, mas sentiu um formigamento ao longo de
sua espinha.

"M-Mestre Jinshi..."

"Bem, caramba! Realmente funciona." Ele estava sorrindo triunfantemente. "E ainda não
terminei de retribuir a você."

Nenhum jovem jamais pareceu mais travesso do que ele naquele momento.

Fim.

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