A Herdeira Desconhecida Do Sheik
A Herdeira Desconhecida Do Sheik
A Herdeira Desconhecida Do Sheik
SHEIK
Ariela Pereira
Copyright © 2024 Ariela Pereira
1ª Edição
2024
ÍNDICE
REDES SOCIAIS
SINOPSE:
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
CAPÍTULO 53
EPÍLOGO
SOBRE A AUTORA
REDES SOCIAIS
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SINOPSE:
Às vésperas de divulgar uma reportagem comprometedora sobre uma
perigosa rede de tráfico humano, a jornalista Lucy Reynolds vê sua vida virar
de cabeça para baixo. Seu apartamento é invadido, e ela é sequestrada pelos
mesmos criminosos que tentava expor.
Lucy é vendida para uma influente família árabe e, em um jogo de
poder, é oferecida como presente ao implacável Sheik Faris Al Qasimi,
governante de Fujairah, nos Emirados Árabes. O plano é claro: ela deve se
tornar sua concubina. Mas Lucy, com sua coragem inabalável, deixa claro
que prefere enfrentar a morte a se submeter a um homem capaz de aceitar um
ser humano como presente, mesmo que esse homem tenha olhos negros tão
intensos e profundos que parecem alcançar sua alma.
CAPÍTULO 1
O sol de Seattle infiltrava-se pelas copas das árvores frondosas,
espalhando seus raios dourados sobre o gramado verde e úmido do parque.
O ar estava fresco, carregado do perfume de terra molhada e flores recém-
abertas.
O vento suave brincava com os cachos de Alegra, minha filha de um
ano e dois meses, que, com passos ainda incertos, corria em minha direção,
gargalhando de pura alegria.
Seu riso era como música para meus ouvidos, uma melodia que
preenchia o meu coração com uma paz que só conheci depois que ela
nasceu.
Sentada no banco de madeira, eu observava os passos de Alegra,
cada movimento de suas pequenas mãos tentando manter o equilíbrio
enquanto corria. O sol beijava seu rosto corado, e seus olhos brilhavam,
curiosos com o mundo ao seu redor.
Era uma visão de pura inocência e liberdade, e meu peito se enchia
de uma gratidão silenciosa.
Ela estava crescendo aqui, longe de tudo aquilo. Longe da opressão e
da violência no Oriente Médio, da crueldade do homem de quem carregava o
sangue nas veias.
Seattle, com seus poucos dias ensolarados e suas manhãs frescas, me
proporcionava essa sensação de segurança.
Aqui, eu podia respirar, longe das garras dele e longe da Filadélfia,
onde ele poderia facilmente me encontrar.
"Faris jamais me encontraria aqui", repeti a mim mesma.
As risadas de Alegra, solidificavam minha certeza. Estávamos a
salvo. Ela estava segura.
Levantei-me devagar e caminhei até minha filha, que agora tentava
pegar uma borboleta que sobrevoava sua cabeça. Abaixei-me e a peguei nos
braços, inalando o doce perfume de bebê que ainda carregava.
Seu riso contagiava minha alma, e por um momento, tudo parecia
perfeito.
Então, de repente, o riso de Alegra foi interrompido por um silêncio
pesado, e senti o ar à minha volta mudar.
Olhei ao redor, e a paisagem tranquila do parque começou a
desmoronar, dissolvendo-se em sombras. As árvores, antes acolhedoras,
agora pareciam torres ameaçadoras, e a grama parecia querer me engolir.
Foi quando o vi.
Faris.
Ele caminhava em minha direção com seu porte imponente, cercado
por homens de terno preto, seus seguranças implacáveis. Vestia uma túnica
branca impecável, que esvoaçava ao sabor do vento, e o lenço típico árabe
estava perfeitamente arranjado em sua cabeça.
Cada passo que ele dava fazia o chão parecer tremer, enquanto
minha respiração ficava presa na garganta.
O pavor que me invadia era quase palpável, mas, ao mesmo tempo,
algo dentro de mim ainda reagia à presença daquele homem.
Essa sensação avassaladora de ser atraída por ele, por tudo o que ele
representava, nunca havia me abandonado completamente.
Seus olhos negros, tão profundos e intensos, ainda me lançavam no
abismo de sentimentos conflitantes.
Mesmo após tudo o que ele havia feito, mesmo após ele ter se
revelado o monstro que eu nunca quis acreditar que fosse, parte de mim
ainda estava presa àquela paixão visceral e inexplicável.
Contrariando toda lógica e bom senso, amei Faris com uma
intensidade insana, entregando-lhe meu coração por completo... até perceber
que o homem íntegro e bondoso que eu enxergava nele jamais existiu.
A máscara caiu, revelando a face do ser mais cruel e impiedoso que
já conheci.
As cenas da barbaridade que ele cometeu diante dos meus olhos
continuam vivas em minha mente, me perseguindo como um pesadelo
interminável.
E o pior de tudo: a certeza de que uma parte do que aconteceu foi
responsabilidade minha, tornava a culpa um peso quase insuportável.
Em meio às árvores do parque, com Alegra no colo, eu tremia dos pés
à cabeça. Faris se aproximou lentamente, seus passos firmes reforçando seu
domínio.
Meu corpo reagia com medo, mas minha mente se recusava a
acreditar que aquilo estivesse realmente acontecendo. Ele não podia estar
ali. Não em Seattle. Não perto da minha filha.
— Faris… — sussurrei, quase sem voz, o desespero já crescendo em
meu peito.
Seus olhos me prenderam como sempre, impenetráveis. Ele parou a
poucos metros de mim, os seguranças formando um círculo ao nosso redor,
como se o mundo inteiro tivesse desaparecido, deixando apenas nós dois ali.
Faris me olhou de cima a baixo, seus lábios se curvando em um
sorriso amargo.
— Você achou que poderia me enganar? — sua voz era baixa, mas
cortante como uma lâmina — Achou que poderia esconder minha filha de
mim?
Minha garganta secou. Alegra, que estava quieta em meus braços,
começou a se remexer, mas eu a segurei mais perto de mim, como se pudesse
protegê-la com a força do meu abraço.
Meu maior medo, o segredo que eu mantinha a todo custo, agora
estava exposto.
— Faris, por favor... — Eu mal conseguia falar, minha mente girava,
procurando desesperadamente uma saída, uma explicação, algo que pudesse
convencê-lo a desistir da minha menina — Ela... ela é minha filha.
— Minha filha! — Ele me interrompeu, sua voz elevando-se com uma
fúria controlada — Você a escondeu de mim, Lucy. Eu deveria matá-la por
isso, mas não... não antes de levar minha filha de volta. Ela será criada como
deve ser, como uma boa mulher muçulmana, sob a minha proteção, no meu
país.
O sangue fugiu do meu rosto, e minhas pernas enfraqueceram. Ele
não podia estar falando sério. Alegra, a minha pequena Alegra, sendo levada
para longe de mim, para um lugar onde as mulheres eram tratadas como
seres inferiores, o mesmo lugar onde fui mantida como uma prisioneira
durante quatro meses.
Só por cima do meu cadáver!
— Não! — Eu gritei, minha voz saindo rouca de desespero — Você
não vai tirá-la de mim! Ela não vai crescer naquele lugar!
Faris não se abalou. Ele deu um passo à frente, seus olhos escuros
cravados nos meus.
— Ela é minha herdeira. Minha única herdeira. Eu não permitirei
que você a prive do que é dela por direito.
Eu tentei correr, segurar Alegra e fugir. Meus braços envolveram o
pequeno corpo dela com força, mas antes que eu pudesse dar um passo, os
seguranças de Faris já estavam sobre mim.
Um deles agarrou Alegra, puxando-a dos meus braços, e o grito dela
rasgou o ar. Eu lutei, me debati, mas outro segurança me segurou,
impedindo qualquer movimento.
— Não! Não! Soltem ela! Por favor, soltem minha filha! — Eu
gritava, meu coração em pedaços, enquanto via minha menina ser arrancada
de mim.
Ninguém ao redor se movia. Era como se o parque inteiro tivesse
congelado, como se o mundo todo estivesse indiferente ao meu desespero.
Alegra estendeu os bracinhos em minha direção, chorando, e eu só
podia gritar enquanto a levavam. Meu coração parecia que ia explodir de
tanta dor. Meu corpo tremia incontrolavelmente, eu sentia que estava sendo
despedaçada.
E então, tudo escureceu.
Despertei com um sobressalto, meu corpo coberto de suor, meu
coração batendo tão rápido que parecia prestes a sair do peito.
Olhei ao redor, ofegante, ainda tentando me situar. As paredes do meu
quarto estavam à minha volta, familiares e acolhedoras, mas o pavor ainda
queimava dentro de mim.
Era apenas um pesadelo. Mais um daqueles pesadelos que me
assombravam desde que deixei o Oriente Médio, há dois anos.
O som agudo do alarme preencheu o quarto, e eu quase pulei da cama,
meu coração ainda acelerado de medo. Apertei o botão no topo do aparelho
com um movimento brusco, silenciando o som irritante.
Com a respiração ainda pesada, olhei ao redor, tentando me acalmar.
O quarto pequeno e aconchegante começava a tomar forma novamente diante
de mim. Estava a salvo. Alegra estava a salvo.
Levantei-me rapidamente da cama, as pernas ainda um pouco bambas,
e me aproximei do berço. Lá estava ela, minha pequena sapeca, deitada de
lado, com um sorriso maroto no rosto.
Uma das meias já havia sumido do seu pé, e a calça do pijama estava
metade caída, como se ela tivesse passado a noite inteira lutando com as
roupas.
Alegra parecia a própria definição de caos encantador.
— Bom dia, bagunceira! — Eu ri, aliviada.
A visão dela assim, toda desarrumada e alegre, dissipou o pavor que
ainda latejava em meu peito, pelas imagens com as quais me deparei em
sonho. Meu pior pesadelo parecendo se transformar em uma dolorosa
realidade.
Mas não era real. Minha filha e eu estávamos seguras.
Alegra balbuciou algo que soava como "mamamam", e aquele som
doce fez com que meu sorriso se alargasse.
Ela esticou os bracinhos para mim, e me abaixei para pegá-la. Sua
pele macia e quentinha de bebê era reconfortante, e por um momento, o
mundo parecia novamente em ordem.
Balancei-a suavemente em meus braços, sentindo o cheirinho de bebê
que ela sempre carregava, e o medo do pesadelo começou a se dissipar.
— Onde foi parar sua meia, hein? — Perguntei, fingindo reprovação,
enquanto segurava sua mãozinha — E essa calça? Você quer andar por aí de
fralda hoje? Porque parece que sim!
Ela soltou uma gargalhada curta, adorável, como se entendesse minha
brincadeira, e não pude evitar rir junto.
Alegra me respondia em balbucios, os olhinhos, negros como os do
pai dela, brilhando, e me perdi naqueles momentos.
Era impossível não se render a ela. Seu sorriso, os sons que proferia,
trazia um pouco mais de tranquilidade ao meu coração. Ali, no nosso
mundinho, eu podia fingir que tudo estava bem.
Após o banho e o café da manhã, vesti rapidamente a roupinha da
minha princesa, colocando um casaco quente e uma calça de malha, que ela
tentava arrancar enquanto eu ajeitava os botões.
Alegra parecia uma bonequinha irrequieta, sempre em movimento,
sempre pronta para descobrir algo novo, mesmo que esse algo fosse só mais
um pedaço de sofá para mastigar.
Com ela já vestida e pronta, ajeitei meu próprio casaco e amarrei o
cabelo em um coque desajeitado, típico das mães que têm apenas dois
minutos para se arrumar.
Peguei o carrinho e, em poucos minutos, estávamos descendo pela rua
úmida e fria de Ballard[1], rumo à loja.
As ruas ainda estavam calmas àquela hora da manhã. As poucas
pessoas que passavam por nós eram rostos familiares, e acenei para um ou
outro vizinho.
Mesmo mantendo uma rotina discreta, algumas pessoas no bairro já
me conheciam. Era o tipo de comunidade tranquila onde todos acabavam se
cumprimentando depois de um tempo, o que trazia uma sensação de
pertencimento, algo que eu não esperava encontrar tão cedo depois que deixei
minha família na Filadélfia.
Alegra estava entretida com os sons e luzes ao redor, o que tornava o
passeio um pouco mais fácil. O bairro tinha um charme peculiar, com suas
lojas pequenas e rústicas, construções antigas de tijolos e varandas floridas.
Mesmo com a chuva fina e o ar fresco, era impossível não sentir uma
certa paz ao caminhar por ali.
Finalmente, chegamos à pequena loja que abri assim que me mudei
para Seattle. Um cantinho aconchegante de roupas e artigos infantis. O
letreiro simples acima da porta balançava suavemente ao vento.
Aquela loja era meu refúgio, o lugar que eu havia construído com
tanto esforço, depois que abandonei a carreira de jornalista.
Ao abrir a porta, fui recebida por Chloe, minha funcionária, já
colocando mercadorias nas prateleiras.
— Bom dia, chefe! — Ela sorriu ao me ver — Como está nossa
pequena bagunceira hoje?
— Ah, ela está cheia de energia, como sempre! — respondi, enquanto
soltava Alegra do carrinho — Já começou o dia espalhando banana pela
cozinha.
Chloe riu, e Alegra balbuciou algo em resposta, parecendo satisfeita
consigo mesma. Eu suspirei, entregando minha filha nos braços de Chloe.
— Acho que ela está mais interessada em destruir a loja do que em
me acompanhar no atendimento, então deixo ela com você por um tempinho
— brinquei, enquanto ajeitava a bolsa de fraldas nas mãos de Chloe — Tem
certeza de que aguenta?
— Pode deixar, eu cuido dela! — Chloe respondeu, rindo, enquanto
levava Alegra para o fundo da loja, onde tínhamos uma pequena área
reservada para essas ocasiões.
Eu me sentia mais segura sabendo que minha filha estava ali, sob os
cuidados de alguém de confiança, enquanto eu lidava com os clientes. Não
me sentiria em paz se a colocasse em uma creche.
Com Alegra aos cuidados de Chloe, respirei fundo e me virei para
atender o primeiro cliente que acabava de entrar.
CAPÍTULO 2
Entrei no meu apartamento, já tarde da noite, com o coração batendo
acelerado e a cabeça girando em mil direções.
Minha mão trêmula fechou a porta atrás de mim, enquanto eu olhava
por sobre o ombro, como se esperasse ver alguém ali no corredor.
Mas, claro, não havia ninguém. Só a minha paranoia.
Respirei fundo, tentando afastar o nervosismo. Eu tinha quase certeza
de que um carro me seguiu nas últimas duas quadras, no percurso do jornal
até aqui.
Inclusive, reduzi a velocidade, olhei pelo retrovisor, fiz umas curvas
estranhas para ver se o carro mudava de direção. Nada.
Ele estava lá, seus faróis brilhando no meu retrovisor, como se
estivesse me vigiando. Mas talvez fosse só um motorista de aplicativo
perdido tentando encontrar um cliente.
Ou eu estava vendo coisa onde não existia.
De qualquer forma, eu já estava em casa. O santuário que sempre me
acalmava. Fechei todas as trancas da porta — duas vezes, só para garantir —
e suspirei, aliviada. Deve ser só o cansaço, pensei. Depois de dias imersa na
matéria que havia acabado de redigir, era de se esperar que meu cérebro
começasse a pregar peças.
Ao pensar na matéria na qual dediquei semanas de esforço, um sorriso
involuntário surgiu em meus lábios. Deixei a bolsa cair no sofá e me arrastei
em direção ao banheiro, sentindo o peso do cansaço misturado à satisfação do
dever cumprido.
Tudo o que eu queria agora era me livrar do jeans apertado, colocar
um moletom confortável e desmaiar na cama.
Mas, ao mesmo tempo, a adrenalina da reportagem fervilhava dentro
de mim. Eu ainda estava elétrica, como se tivesse bebido cinco xícaras de
café.
Peguei a escova de dentes e comecei a escovar, olhando meu reflexo
no espelho do banheiro. Cabelos bagunçados, olhos cansados, mas aquele
brilho de satisfação estava lá.
— Você conseguiu, Lucy. Você desenterrou a sujeira — disse para
mim mesma, com a boca cheia de espuma.
O tipo de coisa que ninguém deveria presenciar, mas como eu estava
sozinha, me permiti essa pequena esquisitice.
Revisei mentalmente a matéria enquanto continuava a escovar. Estava
perfeita. Naquele dia, eu tinha finalmente colocado a última peça do quebra-
cabeça no lugar.
Tudo começou quando eu investigava denúncias de desaparecimentos
de passageiros de um aplicativo de carros, a City Ride[2].
Um furo de reportagem, eu pensava. Algo sobre falhas de segurança,
talvez, ou motoristas mal-intencionados.
Mas o buraco era muito mais fundo.
O que encontrei foi uma rede de tráfico de pessoas. Uma organização
criminosa usando a City Ride como fachada para sequestrar mulheres e
jovens.
Eles pegavam as vítimas em carros comuns, e elas simplesmente
desapareciam. Eu tinha evidências — ou pelo menos achava que tinha.
Tentei levá-las à polícia, mas me olharam como se eu estivesse
delirando. Provas “circunstanciais” foi o que me disseram. Que ninguém
seria condenado com base no que eu tinha.
Óbvio que eles não acreditaram, mas eu sabia que estava certa. Eu
sempre estava certa.
Também procurei meu pai, esperando que, como um senador
influente, ele pudesse intervir. No entanto, a última coisa que ele desejava era
se ver envolvido em um escândalo dessa magnitude, especialmente com as
eleições tão próximas.
Com a matéria saindo na manhã seguinte, eu tinha esperanças de que
isso atrairia a atenção das autoridades e eles não tivessem como ignorar o que
eu havia descoberto.
A partir dali, a história ganharia tração, uma investigação oficial seria
aberta e, finalmente, aqueles bandidos pagariam pelos seus crimes.
Era o sonho de todo jornalista investigativo. Fazer uma denúncia que
mudasse vidas. Salvar pessoas. Sentir que fazia diferença.
Eu gargarejei e cuspi a água, ainda rindo sozinha no espelho. O
moletom que escolhi para aquela noite era o meu favorito: folgado, macio e
do tipo que te abraça de volta. Agora sim, conforto nível máximo, pensei.
Caminhei até a cama, apagando as luzes pelo caminho, já sentindo o
sono começar a pesar nas minhas pálpebras. Aquele tipo de cansaço que
vinha com a satisfação de um trabalho bem-feito.
Deitei-me e puxei as cobertas, deixando o celular na mesinha de
cabeceira.
Amanhã, o mundo vai pegar fogo, pensei, já quase cochilando. Um
pensamento esperançoso de uma jornalista que havia arriscado tudo por uma
verdade que precisava ser contada.
Foi quando ouvi o barulho.
Um estalo suave. Um som que, na quietude do meu apartamento,
parecia um trovão. Abri os olhos imediatamente, o coração disparando.
Foi só o prédio velho, tentei me convencer. Esses apartamentos
antigos sempre faziam barulhos estranhos à noite, certo?
Errado.
No canto do quarto, perto da porta, uma sombra se movia. Meu corpo
congelou. Eu mal conseguia respirar, como se o ar ao meu redor tivesse se
tornado denso.
Eu vi o homem. Um vulto silencioso, caminhando em minha direção
com passos firmes e calculados.
Meu cérebro gritava que aquilo não podia estar acontecendo, mas o
pânico já começava a tomar conta de mim.
Meu celular! Preciso do meu celular!
Tentei esticar o braço para alcançá-lo na mesinha de cabeceira, mas
antes que eu pudesse fazer qualquer movimento, o invasor já estava em cima
de mim. Alto, forte, muito mais rápido do que eu poderia imaginar.
Eu mal tive tempo de gritar antes que uma mão pesada me
pressionasse contra a cama.
— Shh — ele sussurrou, enquanto seus olhos frios brilhavam na
penumbra.
Senti algo úmido e frio ser pressionado contra meu rosto. Um pano. O
cheiro químico de clorofórmio preencheu minhas narinas, e eu soube,
naquele instante, que estava acabada.
Tentei lutar, tentei chutar, mas minhas forças começaram a se esvair
rápido demais. Meus braços ficaram pesados. Minha visão começou a
embaçar.
A última coisa que ouvi antes de mergulhar na inconsciência foi a voz
dele:
— Durma, Lucy.
CAPÍTULO 3
Acordei lentamente, como se estivesse emergindo de um mar
profundo de escuridão. Meus olhos piscavam, pesados, enquanto tentava
entender onde estava.
O quarto ao meu redor era pequeno e semiescuro, as sombras das
paredes se misturavam com o teto baixo.
O silêncio ali era quase absoluto, quebrado apenas pela minha
respiração fraca. A cabeça latejava como se alguém tivesse me dado uma
surra. Eu estava completamente desorientada.
Tentei mexer os braços, mas algo os mantinha imóveis. Só depois de
alguns segundos me dei conta de que meus pulsos estavam amarrados por
uma corda grossa, firmemente presos à estrutura metálica de um beliche.
Eu estava deitada na parte de baixo, confinada e vulnerável, tentando
entender o que estava acontecendo.
Meu coração disparou. Senti o pânico crescer no peito, como uma
onda devastadora. Tentei me lembrar de como tinha chegado ali, mas minha
memória era um borrão confuso.
Só havia fragmentos: um avião, uma longa viagem, uma mulher
árabe, rude, que me forçava a comer e trocar de roupa. E agora, eu estava ali,
amarrada, amordaçada com um pedaço de tecido tão encardido, que fazia
meu estômago revirar.
A sensação de impotência era esmagadora.
Lutando contra a sonolência que ainda nublava minha mente, tentei,
em vão, afrouxar as cordas. Meus braços estavam doloridos por causa da
posição forçada, e os pulsos ardiam.
Meu corpo não respondia direito, como se ainda estivesse embriagado
pela droga que haviam me dado no avião. A lembrança do voo voltou como
um choque, horas e horas de viagem, ou dias, quem sabe.
Sedada quase o tempo todo, alimentada à força e sempre vigiada. A
mulher que cuidava de mim — se é que “cuidar” era a palavra certa —, não
dizia nada além de ordens em árabe que eu não entendia, acompanhadas por
tapas leves e olhares frios.
Eu sabia que estava longe de casa. Sabia que os criminosos da City
Ride tinham me sequestrado, a fim de me silenciar. E sabia que eu corria um
perigo mortal.
Eles queriam me calar por causa da matéria. Só que agora a questão
não era mais se eu sobreviveria para contar a história, era se eu sobreviveria,
ponto.
Antes que eu pudesse organizar meus pensamentos, a porta do quarto
se abriu com um rangido. O som me fez encolher os ombros de reflexo.
Uma mulher entrou primeiro, vestindo trajes árabes e com o mesmo
olhar severo e hostil da outra do avião.
Atrás dela, entrou um homem de aparência rude, armado com uma
metralhadora. Eu o observei, o coração na garganta. Ele era alto, forte, com a
expressão imperturbável de quem fazia aquilo todos os dias.
Instintivamente, tentei me afastar, me debatendo desesperadamente. O
medo fervia no meu estômago, e meu instinto de sobrevivência berrava que
eu precisava sair dali, de qualquer jeito.
Mas as cordas eram resistentes, e o homem com a arma não parecia
ter paciência para o meu desespero. Ele apenas me olhava com desdém, como
se eu fosse um incômodo passageiro.
A mulher resmungou algo em árabe, claramente irritada. Eu não
entendia uma palavra, mas o tom deixava claro que ela não estava disposta a
perder tempo.
Suas mãos ásperas começaram a soltar a corda que prendia meus
pulsos ao beliche. Quando finalmente me soltou, ela fez um gesto brusco, me
mandando levantar.
Eu estava fraca demais para lutar, e o medo de ser metralhada pelo
guarda fez com que meu corpo se movesse, quase automaticamente. Não
havia escolha.
Levantei-me devagar, as pernas trêmulas, o corpo ainda zonzo. A
mulher usou a mesma corda para amarrar meus pulsos às minhas costas e
acenou para que eu a seguisse.
Ela saiu à frente, enquanto o homem seguia logo atrás, a metralhadora
em suas mãos como uma ameaça silenciosa.
Enquanto caminhávamos para fora do quarto, meus olhos demoraram
a se ajustar à luz forte que invadiu meus sentidos.
Saímos de uma ala escura e apertada, atravessamos um jardim
gramado, onde a luz forte do sol fez meus olhos arderem, forçando-me a
piscar várias vezes até me acostumar, e adentramos uma construção que
parecia fazer parte de outra realidade.
Era como atravessar um portal. Aquele lugar era diferente de tudo o
que eu já tinha visto.
À medida que caminhávamos, notei os detalhes ao meu redor.
Estávamos dentro de um palácio. Um palácio luxuoso, com paredes
adornadas por tapeçarias exóticas, móveis que pareciam valer mais que meu
apartamento inteiro, e o aroma de incenso no ar.
Mas havia algo perturbador ali, algo que gritava poder e perigo ao
mesmo tempo. Homens armados estavam por toda parte, todos vestidos com
trajes árabes, observando com olhos calculistas e ameaçadores.
Eu estava no meio de uma fortaleza. E de alguma forma, isso só
aumentava o pânico. Não havia como fugir dali.
A mulher rude me guiou por corredores longos até que finalmente
entramos em um salão amplo.
O chão de mármore brilhante se estendia por metros e metros, e o
centro do salão era dominado por uma mesa enorme, feita de madeira maciça,
esculpida com detalhes que pareciam contar histórias antigas.
Sentados à cabeceira, um de cada lado, havia dois homens, também
vestidos com roupas tipicamente árabes, mas as deles eram mais luxuosas,
mais ornamentadas. O que indicava, claro, que eles eram os chefes. Meus
sequestradores.
Eu sentia o olhar deles cravado em mim, enquanto era forçada a me
aproximar. Meu estômago revirava como se eu tivesse sido jogada em uma
montanha-russa.
A mulher me empurrou para frente, deixando-me de pé diante deles.
Minhas pernas mal conseguiam me sustentar, mas o medo me forçava a
manter o equilíbrio.
Os dois homens à minha frente eram como uma imagem distorcida do
poder. O primeiro, mais velho, tinha uma barba longa e desgrenhada, que
caía sobre seu peito largo.
Ele era corpulento, seu corpo envolvido em trajes luxuosos, que mal
conseguiam esconder a gordura acumulada nos ombros e barriga.
Seu rosto era grotesco, como uma estátua mal esculpida, com traços
exagerados. As sobrancelhas grossas, os olhos apertados, quase escondidos
pelas pálpebras pesadas, me observavam com uma indiferença brutal.
Ao lado dele, o contraste era gritante. O homem mais jovem, com
cerca de quarenta e poucos anos, tinha uma postura imponente, e seus trajes
eram tão refinados quanto os do mais velho, mas ele carregava um ar
diferente.
Seus olhos negros, profundos como a noite mais clara de estrelas,
percorriam meu corpo de maneira impassível. Havia algo de hipnótico
naquele olhar, mas, ao mesmo tempo, era um olhar vazio, inexpressivo.
Não havia como adivinhar o que se passava pela cabeça dele enquanto
seus olhos percorriam as cordas em meus pulsos, o vestido branco folgado
que cobria meu corpo, e finalmente, meus pés descalços, que mal tocavam o
chão de tanto que eu tremia.
Por um momento, desejei que ele tivesse alguma expressão. Raiva,
curiosidade, repulsa, qualquer coisa que me desse uma pista do que estava
por vir.
Mas ele permaneceu impassível, como se estivesse me estudando,
sem pressa, sem emoção. Aquela frieza me gelava por dentro.
O mais velho falou primeiro, sua voz rouca e áspera como pedra
sendo arrastada sobre mármore. O som reverberou pelo salão, e não entendi
uma palavra do que ele dizia, mas o tom... O tom era claro. Desprezo. Eles
estavam negociando. Eu era apenas uma mercadoria.
O homem mais jovem respondeu em árabe, o som das palavras
fluindo de sua boca com uma calma perturbadora. Seu olhar não se desviava
de mim enquanto ele falava, examinando-me como se eu fosse uma
mercadoria descartável e sem valor.
O pavor se intensificou como um maremoto, meu corpo tremendo
ainda mais. Eu quis gritar, implorar, pedir para que me soltassem, mas meus
pulsos amarrados às minhas costas me impediam de arrancar a mordaça
apertada na minha boca, que abafava qualquer som.
O homem mais velho riu de algo que o mais jovem disse, seu riso
ecoando pelo salão como o som de uma fera satisfeito com sua presa.
O mais jovem permaneceu impassível, ainda me observando. Seu
olhar continuava me perfurando, como se ele estivesse tomando nota mental
de todos os detalhes: do cabelo bagunçado, da pele pálida pelo medo, do
vestido branco encardido, dos meus pés descalços.
Eu estava despida de tudo, até da dignidade.
Balbuciei, tentando falar, tentando gritar, mas o tecido amarrado à
minha boca abafava qualquer palavra que eu pudesse proferir. A frustração
queimava no meu peito. Eu não era mercadoria. Eu era uma pessoa, e queria
gritar isso na cara deles.
Mas tudo que eu podia fazer era encará-los, impotente, enquanto eles
decidiam o que fariam comigo.
Tentei libertar meus pulsos da corda, puxar meus braços, como se o
movimento fosse me dar alguma sensação de controle, mas as amarras
estavam apertadas demais, com nós praticamente impossíveis de serem
desfeitos.
O homem aramado com a metralhadora proferiu algumas palavras
bruscas, carregadas de repreensão e ameaça, em reação à minhas tentativas de
me soltar, e congelei de tanto pavor.
Meu corpo estava fraco, cansado da luta contra a sedação, da luta
contra o medo.
Meus joelhos cederam por um segundo, mas eu me forcei a continuar
de pé. Precisava parecer forte, mesmo que por dentro estivesse aos pedaços.
Mais palavras em árabe foram trocadas entre os dois homens, rápidas
e curtas. A tensão no ar ficou mais espessa, como se algo estivesse sendo
selado ali, na minha frente.
O velho se inclinou para frente, os olhos ainda me observando com
aquele misto de desprezo e indiferença, e então assentiu, como se estivesse
concluindo algum tipo de acordo invisível.
O mais jovem finalmente desviou o olhar de mim, apenas por um
momento, voltando sua atenção para o homem mais velho.
As palavras que saíram de sua boca foram quase um sussurro, mas o
impacto delas parecia ter peso, pois o mais velho soltou uma risada baixa,
satisfeito.
Senti um nó apertar no meu estômago. Algo terrível estava
acontecendo, e eu não sabia o que.
Meu coração batia tão rápido que mal conseguia respirar. Meus pés
descalços se encolheram contra o chão frio, e eu desejei, com todas as forças,
que tudo isso fosse apenas um pesadelo, que em algum momento eu acordaria
no meu apartamento na Filadélfia, segura.
Mas não havia como acordar. Eu já estava acordada. Presa naquele
pesadelo.
Sem aviso prévio, a mulher ao meu lado me agarrou pelo braço com
força, como se eu fosse um objeto a ser movido de lugar.
Ela me puxou para trás, me arrastando pelo salão, enquanto eu ainda
tentava entender o que havia acabado de acontecer entre aqueles dois
homens. O medo queimava em meu peito, e o suor frio escorria pelas minhas
costas.
Eu era uma prisioneira. E, por mais que tentasse manter a calma, o
pânico me devorava, minuto a minuto.
CAPÍTULO 4
A mulher e o guarda armado me escoltaram de volta para aquele
quarto minúsculo na ala dos fundos do palácio, onde fui deixada
completamente sozinha, com meus pulsos presos ao beliche.
Algum tempo depois, a porta se abriu novamente, e uma nova figura
entrou. Uma mulher mais velha, seu rosto marcado por rugas, mas com um ar
surpreendentemente pacífico.
Ao lado dela, um homem da mesma idade, ambos com uma expressão
quase amigável, o que me deixou ainda mais desconfiada.
— Oh, minha pobre criança. O que fizeram com você? — disse a
mulher em inglês carregado com um sotaque árabe forte e melodioso.
Eu queria gritar, chorar, implorar por ajuda, mas tudo que saía eram
murmúrios abafados, graças à mordaça amarrada com a precisão de quem fez
isso algumas dezenas de vezes antes.
A mulher parecia ignorar meu desespero enquanto continuava
falando, como se estivéssemos tendo uma conversa casual.
— Meu nome é Salma, e esse é meu marido, Amir. Somos
funcionários do Sheik Faris Al Qasimi e vamos transportá-la para a
propriedade dele. Você está segura agora, não precisa se preocupar com nada
— Salma sorriu, e naquele sorriso havia uma calma quase perturbadora. Ela
fez um gesto para o marido, que lhe entregou um pedaço de pano preto. —
Isto é para a sua segurança.
Claro, para minha segurança. Como se eu já não estivesse segura o
suficiente com uma mordaça na boca e as mãos amarradas.
Tentei me debater, lutando como uma leoa presa na jaula, mas foi
inútil. Salma e Amir eram experientes e habilidosos.
Em questão de segundos, Salma vendou meus olhos com o pano
escuro, apagando qualquer resquício de luz ou esperança de fuga.
Logo depois, senti o alívio temporário de ter os pulsos soltos do
beliche, mas isso durou pouco. Ela os amarrou novamente, dessa vez às
minhas costas, enquanto eu era puxada para fora do quarto.
As mãos da mulher se fecharam firmemente em torno do meu braço,
como uma âncora, enquanto ela e seu marido me conduziam por caminhos
que eu não fazia ideia para onde levavam. Meus passos pareciam tropeços na
escuridão.
Percebi que tínhamos saído do palácio quando o calor do dia me
envolveu, e o vento quente bagunçou meus cabelos, como se me desse um
breve aceno de liberdade.
Podia ouvir vozes ao redor, todas em árabe, todas ríspidas. Era como
estar no meio de um pesadelo onde todas as palavras pareciam ameaças
disfarçadas.
Fui empurrada para dentro de um carro, onde o som da porta se
fechando ecoou como uma sentença final. Senti o motor ligar e o veículo se
pôs em movimento, me levando para longe de qualquer coisa que eu
conhecesse ou pudesse compreender.
A viagem pareceu durar uma eternidade.
Quando o carro finalmente parou, Salma me puxou para fora com
delicadeza, mas sem hesitação. Mais vozes preencheram o ar, todas rápidas e
agitadas, como se estivessem conspirando sobre meu destino enquanto eu
ficava ali, perdida e vendada, sem saber o que me aguardava.
Estávamos em algum ambiente fechado quando, finalmente, a mulher
retirou a venda dos meus olhos. E, para minha surpresa, me recebeu com um
sorriso estampado no rosto.
Um sorriso amigável, como se estivesse me fazendo um grande favor
ao participar do meu próprio sequestro.
— Pronto! Já chegamos. Esse é o seu quarto — anunciou, o sotaque
árabe forte adicionando um toque quase exótico à situação bizarra.
Em resposta, soltei um rosnado de frustração, torcendo para que ela
entendesse que eu queria, pelo menos, me livrar daquela mordaça sufocante.
— Claro, minha querida! Aqui você não precisa de nada disso —
disse ela, enquanto removia o pedaço de tecido velho que cobria minha boca,
como se fosse uma anfitriã acolhedora.
Assim que consegui respirar sem a mordaça, as palavras saíram em
um turbilhão.
— O que está acontecendo? Que lugar é esse? — perguntei, enquanto
meus olhos corriam freneticamente pelo aposento enorme, decorado com
tanta extravagância que se parecia com um museu.
Minha mente girava em mil direções, tentando entender onde,
exatamente, eu estava. Enquanto isso, Salma desatava com calma os nós que
prendiam meus pulsos, como se estivesse desembrulhando um presente.
— Este é o palácio do Sheik Faris Al Qasimi — ela respondeu, com o
tom mais casual do mundo — Você pertence a ele agora. Terá a honra de ser
a concubina[3] dele. Não é maravilhoso?
Concubina?! De um Sheik?!
Minha Nossa Senhora dos Desesperados! O que estava acontecendo?
A sensação de pânico subiu pelo meu peito como uma avalanche.
Então era isso. Aqueles safados da City Ride queriam mesmo me
ferrar. Eles provavelmente me venderam para algum árabe pervertido, que,
por sua vez, me revendeu para o seu amigo sheik.
Minha mente voltou para o momento na sala onde os dois homens
conversavam, as vozes rápidas falando em árabe, fechando algum tipo de
negócio.
Eu podia até não ter entendido uma palavra sequer, mas a linguagem
corporal era universal: eles estavam negociando. E eu era a mercadoria.
— Filhos da mãe... — murmurei para mim mesma, sentindo a raiva
borbulhar por dentro.
Filhos da puta! Só mesmo na cabeça dessa gente eu ficaria presa aqui,
e ainda mais sendo concubina de um sádico pervertido. Como é que eles
tinham essa cara de pau de achar que eu ia aceitar isso calada?
Virei-me rapidamente para a mulher, na esperança de encontrar um
resquício de empatia.
— Você precisa me ajudar — pedi, minha voz embargada pela
urgência. — Eu fui sequestrada. Minha família não sabe onde estou. Você
tem que me tirar daqui!
Meus olhos se fixaram nos dela, buscando qualquer traço de
humanidade. Ela era minha única chance, ou talvez só mais uma parte desse
pesadelo.
— Você não precisa ter medo. O sheik Faris é um homem bom. Ele
vai cuidar bem de você — ela disse, como se isso fosse me acalmar.
Eu senti meu sangue ferver.
— Você não está entendendo. Eles me sequestraram! Fui trazida para
cá contra a minha vontade! — Falei, tentando não perder a calma e ao mesmo
tempo me perguntando onde, afinal de contas, eu estava no Oriente Médio.
A mulher suspirou.
— Escute... — começou ela, com um tom quase maternal — Eu sei as
circunstâncias nas quais você foi trazida e sinto muito que tenha sido
arrancada da sua vida. Mas não há nada que eu, ou qualquer outra pessoa no
planeta, possa fazer para mudar o seu destino. Agora você pertence ao sheik
Faris. Ele é um homem bom e vai cuidar muito bem de você. E agora vou
prepará-la para recebê-lo.
Ao ouvir aquilo, um calafrio correu pela minha espinha. A lembrança
dos dois homens que me "negociaram" como um pedaço de carne fresca
voltou à minha mente.
Qual deles era o sheik Faris? O gordo com a barba tão desgrenhada
que parecia um ninho de ratos? Ou o outro, com olhos tão frios quanto duas
pedras de gelo?
Não que isso fizesse muita diferença. A ideia de ser "concubina" de
qualquer um deles era repugnante em todos os cenários possíveis. Mas uma
coisa era certa: eu não ia me render sem lutar.
Fugiria daqui nem que fosse preciso quebrar todas as portas, janelas e
correntes. Não importava o custo.
E se escapar fosse impossível, eu preferiria a morte a ser abusada por
um homem que achava que podia comprar minha liberdade como quem
compra frutas no mercado.
Felizmente, eu tinha uma esperança. Antes de deixar o jornal naquela
noite em que fui sequestrada, enviei uma mensagem para meu irmão gêmeo,
Adam.
Contei-lhe que tinha finalizado a matéria que havia escrito sobre a
City Ride, aquela maldita empresa que estava no centro de todo esse caos.
Adam e eu sempre fomos muito unidos. A essa altura ele já devia
estar conectando todos os pontos, pronto para me rastrear até o inferno, se
necessário.
Só esperava conseguir sobreviver até ele chegar ou, quem sabe,
encontrar um jeito de escapar por conta própria.
Tentei argumentar com Salma, implorando para que ela me ajudasse.
Usei todos os argumentos, desde a piedade até o apelo à sua moral. Mas era
como falar com uma parede de pedra.
Nada abalava sua crença de que eu teria uma "vida boa" aqui, mesmo
que essa tal vida fosse de abuso e humilhação. Ela agia como se estivesse
convencida de que ser a concubina de um sheik era a melhor coisa que
poderia acontecer a qualquer mulher.
Salma deixou o aposento por um instante e voltou com outras duas
funcionárias, duas mulheres mais jovens. Nas horas que se seguiram, minha
aparência recebeu mais atenção que havia recebido nos últimos dez anos.
Após trazerem-me comida, as mulheres me fizeram tomar banho de
banheira com sais de banho; lavaram, hidrataram e escovaram meus cabelos,
deixando os longos fios castanhos escuros escorridos; arrumaram minhas
unhas e sobrancelhas; me depilaram toda com cera quente; me maquiaram; e,
por fim, me vestiram com um top justo, adornado com bordados e uma saia
ampla e fluida, feita de tecidos leves, de modo que fiquei parecendo uma
odalisca.
— Você está linda! — exclamou Salma, observando-me como se
contemplasse sua própria obra de arte — O sheik vai ficar encantado.
— Eu aposto que vai — respondi, minha mente trabalhando
freneticamente em busca de uma saída.
Minha única certeza era que eu optaria pela morte, antes de ceder meu
corpo a um sheik abusador.
CAPÍTULO 5
Depois que as funcionárias se foram, deixando-me sozinha no quarto,
o pânico alcançou níveis alarmantes dentro de mim, pois eu sabia que a
qualquer momento o tal sheik Faris entraria aqui para me violentar.
Mil cenários horripilantes se formavam na minha mente. Eu
conseguia enxergar claramente desde a minha imagem amarrada à cama,
sendo estuprada por um sádico pervertido, até esse mesmo sádico ateando
fogo em mim, impiedosamente, em retaliação ao estrago que eu faria na cara
dele com minhas unhas crescidas, quando tentasse me forçar a algo.
Determinada a escapar daquele cativeiro, corri até a porta,
constatando que estava muito bem trancada. Depois, tentei a janela, mas, por
mais que forçasse, não consegui abri-la.
Através da vidraça, enxerguei o sol forte da tarde banhando amplos
jardins cercados por muros altos e cerca elétrica, ao longo do qual circulavam
muitos homens armados.
Para necessitar de tanta proteção, esse sheik certamente não era flor
que se cheirasse. Eu precisava escapar rapidamente daqui.
Pensei em esmurrar a vidraça da janela, pedindo por socorro, mas
sabia que nenhum daqueles guardas me ajudaria.
Eles eram subordinados do sheik, leais a ele. E mesmo que não
fossem, provavelmente também acreditavam que eu estava sendo honrada ao
ser aprisionada e violentada pelo chefe deles.
Parecia não existir saída para mim, mas eu me recusava a desistir.
Então, armei-me com o abajur mais pesado que havia no quarto, me
posicionei perto da porta e esperei.
O plano era golpear o tal sheik na cabeça assim que ele entrasse. Uma
vez que ele estivesse desacordado, eu poderia me vestir com um dos trajes
muçulmanos que havia no closet, desses que escondiam o rosto, e sair do
palácio sem ser apanhada.
Com sorte, meu plano poderia dar certo. Na pior das hipóteses, eu
seria almejada pelo tiro da arma de um dos guardas. Só que isso ainda seria
melhor do que ser violentada.
Não demorou muito para que a maçaneta da porta se movesse, e me
coloquei em completo alerta, com o abajur em mãos.
A porta se abriu, e vi aquele vulto imponente entrar no aposento. Não
pensei duas vezes. Balancei o abajur pesado com toda a força que tinha,
mirando a cabeça dele.
Meu coração estava disparado, e eu só tinha um pensamento: derrubar
aquele homem antes que ele pudesse me fazer mal.
Por um segundo, achei que conseguiria. Pareceu que o tempo parou,
como se o destino estivesse dando uma mãozinha para que eu acertasse,
mas... não.
Ele desviou no último instante, como se tivesse olhos nas costas. Foi
tão rápido que nem consegui entender o que aconteceu. Só vi o abajur passar
no ar e o baque seco quando ele bateu na parede.
— Você tá maluca?! — Ele falou, em inglês, com um acentuado
sotaque árabe, a voz grave carregada de surpresa e irritação.
— Não se aproxime de mim! — Gritei, levantando o abajur
novamente.
Na minha cabeça, se eu conseguisse apenas uma segunda chance,
poderia nocautear o desgraçado. Mas parecia que a única pessoa no quarto
prestes a desmaiar era eu mesma.
Tentei novamente. Joguei o peso do corpo para frente e lancei o
abajur para o lado, tentando pegá-lo de surpresa.
Só que, ele conseguiu desviar mais uma vez, como se aquilo fosse
uma brincadeira de criança, e antes que eu pudesse me mexer, ele já estava
segurando o abajur pelo meio e puxando-o da minha mão.
Meus dedos escorregaram, e o objeto foi arremessado para o outro
lado do quarto.
Foi aí que o caos começou.
Eu avancei nele com tudo que tinha, empurrando, chutando, tentando
acertá-lo de qualquer jeito.
Era ele ou eu, e eu não estava disposta a ser uma vítima passiva.
Contudo, o sheik era grande. Grande e forte. Seus braços eram como barras
de aço, segurando os meus, e por mais que eu tentasse me desvencilhar, era
como lutar contra uma parede.
— Pare com isso! Não vou te machucar! — Anunciou o sheik, mas
não acreditei.
Entramos numa espécie de dança desesperada, com ele tentando me
conter e eu tentando escapar pela porta que foi esquecida entreaberta.
Em um momento, achei que tinha conseguido, desviei para o lado,
quase tropeçando, pronta para correr para a porta. Mas ele foi mais rápido.
Num único movimento, me agarrou pelos ombros, me girou e, de repente, eu
estava deitada de costas na cama, presa sob o peso do seu corpo.
— Chega! — O sheik praticamente rugiu, imobilizando meus pulsos
acima da minha cabeça.
Era mesmo um dos homens que me negociavam, falando em árabe, no
palácio onde eu estava quando despertei. Não o gorducho, mas o outro de
olhos escuros como a noite e frios como gelo.
O rosto dele estava a poucos centímetros de distância do meu, e seus
olhos negros queimavam como fogo. Era como ser encarada por um lobo.
Algo selvagem, perigoso e ao mesmo tempo perturbador.
— Me solta! — Gritei, tentando me livrar de suas mãos, mas foi
inútil. Ele me segurava firme, com uma força quase casual, como se não
estivesse nem se esforçando. O que era, no mínimo, humilhante — Me solta
agora, seu estuprador do caralho!
— Você é doida, mulher?! — Ele perguntou, respirando pesadamente
— Não vou fazer nada com você, muito menos te... estuprar. Só quero
conversar.
Eu não sabia se ria ou se chorava. “Conversar”? Ah, claro, porque
uma conversa normal começava com alguém comprando outra pessoa e
prendendo-a num palácio nos recônditos do Oriente Médio.
Ainda assim, parei de me debater, ofegante, e olhei para ele, cética.
— Conversar? — Eu soltei um riso curto e amargo — Que tipo de
conversa começa com um sequestro internacional e termina com alguém
amarrado em uma cama? Tá querendo discutir as condições do meu
cativeiro?
Ele suspirou, como se estivesse tentando encontrar paciência.
— Eu não vou te machucar. Não vou te forçar a nada. Só queria que
você ficasse quieta para eu poder explicar o que está acontecendo.
— A sua empregada já me explicou. Disse que você me trouxe aqui
com a intenção de fazer de mim sua concubina!
— Não é como você imagina!
— E como é? Por acaso pretende me dividir com os guardas também?
— Nossa! Você tem a imaginação fértil e... suja.
— Suja?! Disse o homem que acabou de me comprar, como uma
mercadoria!
— Eu não comprei você!
— Comprou sim! Eu vi você e aquele porco me negociando!
— Você não fala árabe, não é?
— Não, mas não sou burra! Entendi a linguagem corporal de vocês!
Vocês estavam me negociando e agora você quer que eu seja sua amante!
Os olhos dele ficaram mais escuros, se é que isso era possível, e ele
me encarou com uma intensidade quase sufocante.
Era como se estivesse tentando ler meus pensamentos, descobrir se eu
era uma ameaça real ou só uma mulher aterrorizada. O que, para ser justa, eu
era as duas coisas.
Ele não desviou o olhar. Eu também não.
— Eu sei que parece ruim — ele disse, finalmente — E é ruim. Mas
as coisas não são como você pensa. Estou tentando te proteger.
— Proteger?! — Eu praticamente gritei — Ah, claro, porque nada diz
"proteção" como comprar uma mulher, amarrá-la e transformá-la em uma
concubina!
Ele balançou a cabeça, irritado, mas ainda mantendo aquele tom
calmo que fazia meu sangue ferver.
— Você não entende, e eu não espero que entenda. Mas acredite em
mim quando eu digo que eu não quero te machucar. Eu não sou... — Ele fez
uma pausa, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado — Eu não
sou um sequestrador, e muito menos um estuprador.
— Então por que eu estou aqui? Por que fui arrancada da minha casa,
trazida para sei lá onde e jogada numa prisão disfarçada de palácio? E por
que, pelo amor de Deus, eu deveria acreditar em uma palavra que você diz?
Ele ficou em silêncio por um momento, os olhos ainda fixos nos
meus, e então disse:
— Porque eu poderia ter feito muito pior. E você sabe disso.
Eu travei a respiração. Por um segundo, o mundo inteiro pareceu
parar, e as palavras dele ecoaram na minha mente como trovões.
Ele estava certo. Ele podia ter feito pior. Ele ainda podia fazer pior. E
o que significava isso, exatamente? Que eu estava à mercê dele, da sua
vontade, do seu capricho.
E era isso que eu odiava mais. O fato de que, por mais que eu quisesse
lutar, no fundo sabia que estava impotente. O fato de que, naquele momento,
tudo o que eu podia fazer era obedecer e esperar pela minha chance de
escapar.
Ele soltou meus pulsos, levantando-se lentamente, sem tirar os olhos
de mim.
— Não vou te machucar — ele repetiu, como se estivesse tentando
me convencer, ou talvez convencer a si mesmo. — E não vou te forçar a
nada. Por enquanto, você está segura. Mas, por favor, pare de tentar me
matar. Não seria bom para nenhum de nós.
Sentei-me na cama, ainda ofegante, sem saber se acreditava ou não
nas palavras dele. Mas uma coisa era certa: eu estava longe de estar fora de
perigo.
E ele sabia disso tão bem quanto eu.
CAPÍTULO 6
O sheik Faris ficou de pé, enquanto eu continuava sentada na borda da
cama. O lenço branco que ele usava na cabeça quando entrara, havia sido
arrancado durante a nossa luta. Seus cabelos negros eram curtos, quase
raspados nas laterais.
Olhando com mais cuidado, até que ele não era um homem feio, pelo
contrário, tinha os traços do rosto bem desenhados, másculos; com uma barba
escura bem aparada; alta estatura; o físico atlético, e estava vestindo uma
túnica branca longa, com botões até o pescoço.
— Por que me comprou daquele porco? O que pretende com isso? —
Indaguei, embora já conhecesse a resposta.
— Eu vou te explicar. Só preciso que você se acalme primeiro.
— Eu estou calma.
— Eu não comprei você. Khalid me deu você de presente.
Fitei-o surpresa.
— Como assim?
Movendo-se com lentidão, e com a elegância de um lorde, o sheik foi
até a porta e fechou-a. Em seguida, se aproximou de um sofisticado jogo de
mesa com cadeiras estofadas que havia em um canto e puxou um dos
assentos para perto de mim, sentando-se à minha frente.
— Khalid Al Bahri é líder da dinastia Al Bahri, uma poderosa
organização que tem uma vasta influência nos setores comerciais do meu
país. Eles detém o controle quase total sobre as Rotas Marítimas dos
Emirados Árabes e de outros países. Países com os quais negociamos.
— Eu estou nos Emirados Árabes? — indaguei, atônita.
— Sim. Em Fujairah[4], o emirado do qual sou líder — o sheik
explicou, calmamente — A família que te trouxe aqui não é apenas uma
organização criminosa qualquer. Eles têm laços profundos com os Emirados
Árabes Unidos, laços que datam de muito tempo, enraizados no petróleo, no
comércio de armas, e no controle de rotas marítimas, especialmente em
Fujairah, onde o porto é estratégico. No passado, a família deles ajudou a
estabilizar a economia daqui, e isso criou uma dívida de honra para o meu
país e para a minha família. Quando assumi meu papel como Sheik, recusei-
me a fazer negócios com eles, tentando seguir um caminho diferente. Isso
gerou retaliações que trouxeram problemas econômicos ao meu emirado.
Agora, para proteger nosso povo e evitar que a situação se agrave, preciso
ganhar a confiança deles, por isso aceitei receber você como presente. Khalid
é o líder da família e está testando a minha lealdade, investigando se eu
realmente estou de acordo com as práticas escrotas deles e você é o teste.
Os olhos negros dele fixaram os meus com tamanha intensidade que
senti um arrepio descer pelo corpo.
— O fato de você ter me recebido como um presente não altera a
realidade de estar me tratando como uma mercadoria. E agora, pretende me
forçar a me tornar sua amante, mantendo-me presa aqui apenas para satisfazer
as exigências de um criminoso — acusei, ainda atônita.
— Eu não a aceitei de presente apenas para agradá-lo. Mas
principalmente para protegê-la — ele soltou um suspiro pesado — As
instruções que Khalid recebeu dos criminosos americanos com quem
negociou você, esses que venderam você para ele por um preço bem baixo,
foram de silenciá-la — foi a minha vez de suspirar, engolindo em seco, um
calafrio descendo pela minha espinha — Ele ia torná-la concubina dele, um
costume não muito incomum no Oriente Médio. E eu já vi como ele trata as
suas amantes. Acredite, você não ia querer estar no lugar de uma delas,
principalmente valendo tão pouco para quem a sequestrou e vendeu.
Um pinicão desceu pela minha nuca, uma miríade de pavor e repulsa
varrendo meu corpo.
— Os costumes de vocês são animalescos e inescrupulosos! —
Disparei.
— Os americanos não são melhores. Foram eles que a sequestraram.
— Estou me referindo ao lance de ter uma concubina.
— Concordo, mas nem todos nós agimos assim. Eu jamais forçaria
uma mulher a ficar comigo contra a vontade dela.
— Sua empregada pareceu bastante feliz com a minha chegada. Vai
me dizer que não tem um harém formado por várias concubinas compradas?!
— O que?! Claro que não! Apenas os homens mais velhos do meu
país ainda cultivam esse tipo de prática antiquada e ultrapassada. Eu jamais
teria um harém, tampouco ficaria com uma mulher que não me quisesse de
verdade.
Respirei um pouco mais aliviada com as palavras dele.
— Mas se você não fizer o que o tal do Khalid quer, ele vai me pegar
de volta e fazer o pior comigo — a possibilidade fez com que um
estremecimento varresse o meu corpo.
— É por isso que precisamos fingir.
— Fingir?
— Sim. Fingir que somos amantes, que você é minha odalisca,
concubina, ou seja lá que nome se dê a isso. E precisamos fingir muito bem,
porque Khalid e a gente dele estão de olho. Ele está testando a minha
lealdade e você não estará segura se ele sequer desconfiar que não estamos
envolvidos nesse tipo de relação.
— Se você não concorda com as exigências dele, se é mesmo um
homem bom, como tenta demonstrar, você pode simplesmente me deixar ir
embora.
— Isso eu não posso. Como disse, preciso daquele porco imundo para
reerguer o meu emirado. Se eu te libertar, ele se voltará contra mim
novamente, e as pessoas que te raptaram te silenciarão de uma maneira mais
rápida.
Outro estremecimento varreu o meu corpo, ao imaginar o que os
bandidos da City Ride fariam comigo se eu voltasse para os Estados Unidos
agora.
— Mas como isso poderia dar certo? Por quanto tempo precisamos
fingir? E a sua esposa, ela não vai ficar com ciúmes?
— Eu não tenho esposa — ele franziu a testa — Não ainda. Nós
precisamos fingir até eu ganhar a confiança de Khalid. Alguns meses, eu não
sei. Depois, envio você de volta para a sua terra, e digo a ele que você
morreu. E então, está de acordo?
Eu queria poder dizer que não, que preferia ir para a minha casa
agora. No entanto, eu não tinha escolha. Ou aceitava o que aquele homem me
oferecia, ou minha vida se perderia nas mãos do amigo bandido dele.
Me custava admitir, mas aquele sheik estava me dando uma chance de
sobreviver a esse pesadelo.
— Estou de acordo. Mas com uma condição — anunciei.
— Que condição?
— Nenhum homem vai tocar em mim enquanto eu estiver aqui. Nem
você, nem seus guardas, nem ninguém.
— Não precisa se preocupar com isso. Nem todo homem muçulmano
é um animal.
— Eu ouvi e li muitas histórias.
— Eu te dou minha palavra de que, enquanto estiver debaixo do meu
teto, você estará segura. Desde que convençamos Khalid de que você é uma
doce, obediente e submissa concubina.
— Essa parte vai ser difícil. Eu não tenho nada de doce, e muito
menos de obediente.
— Nesse caso, acho melhor que seja boa em representar. Para o seu
próprio bem — o olhar dele desceu pelo meu corpo, que estremecia em
reação às suas palavras.
Se ele queria me deixar apavorada, estava conseguindo.
— Preciso ir, tenho muitos compromissos — Faris se levantou,
recolheu seu lenço do chão e rumou em direção à porta.
Só que eu ainda tinha muitas perguntas, então o segui.
— E como isso vai funcionar? Vou ter que ficar presa nesse quarto?
Como o tal Khalid vai saber que estamos fazendo isso? Ele vem aqui?
Faris virou-se de frente para mim, seus olhos negros parecendo
ferozes ao fixarem-se no meu rosto.
— Você pergunta demais — acusou, rispidamente.
— E como vou tirar minhas dúvidas se não perguntar?
— Viu? Mais uma pergunta.
— Se você responder, elas acabam.
A sombra de um sorriso se formou no canto da boca dele, quase
imperceptivelmente.
— Sim, você “precisa” ficar neste quarto, para que Khalid se
convença de que é uma prisioneira. Ele costuma vir aqui com frequência e
acredito que passará a vir ainda mais. Mas não é só isso. Ele tem olhos e
ouvidos em todos os lugares, inclusive, entre meus funcionários. Portanto,
nunca deixe de representar, a menos que esteja sozinha.
— Certo. Representar o tempo todo. E quanto ao meu irmão gêmeo,
posso dar um telefonema para ele? Juro que vai ser rapidinho.
O sheik permaneceu em silêncio por um instante, seus olhos ferozes
parecendo tentar perfurar o meu rosto, sem que eu compreendesse a razão de
tanta irritação. Então, ele deu um passo na minha direção, praticamente
eliminando a distância entre nós.
— Acho que você ainda não entendeu a gravidade da sua situação,
Srta. Reynolds — a voz dele era grave e ao mesmo tempo ríspida — Quando
eu digo que Khalid tem olhos e ouvidos em todos os lugares, estou me
referindo a TODOS os lugares mesmo, inclusive nos Estados Unidos, junto à
quadrilha que a sequestrou. Se você der sinal de vida, se eles souberem que
você ligou, Khalid vai te pegar de volta e, aí sim, você será não apenas
violentada, mas também espancada, chicoteada e torturada. Se ele decidir te
levar de volta, nós dois estaremos acabados!
Ergui as mãos no ar, como se pedisse rendição.
— Tá bem. Não precisa ficar tão estressado. Não está mais aqui quem
falou.
— Que bom que entendeu. Com licença.
Sem dizer mais nada, Faris deu-me novamente as costas, abriu a porta
e saiu.
CAPÍTULO 7
A calculadora estava me encarando como se risse de mim, enquanto
eu olhava para a soma final do mês. Uma coluna infinita de números que não
fechavam como deveriam.
Era sempre assim: gastos demais, lucros de menos.
Provavelmente uma loja de roupas infantis em Ballard não era um
negócio tão lucrativo como eu imaginava. Talvez eu devesse tentar outra
coisa.
Suspirei, passando a mão pelo cabelo molhado que grudava na testa.
Eu estava ensopada, e tudo graças à chuva furiosa que decidiu cair justo no
momento em que saí de casa nesta manhã.
Eu sabia que Seattle tinha esse clima louco, mas aquilo já era
sacanagem.
O trajeto do apartamento até a loja foi digno de um filme de desastre.
Meu guarda-chuva velho foi finalmente levado pelo vento, assim que dobrei
a esquina.
Não tive nem tempo de reagir, só vi o objeto antigo voando pelos ares
como um pássaro desengonçado, até se perder entre os carros estacionados,
enquanto eu permanecia onde estava, encarando o céu cinza e deixando a
chuva cair em cima de mim.
Pelo menos Alegra estava protegida. O guarda-chuva do carrinho dela
era mais resistente do que o meu, e enquanto eu chegava na loja parecendo
uma refugiada da guerra, ela me olhava toda confortável e sequinha, com
uma expressão de pura inocência.
Agora ela estava com Chloe nos fundos do estabelecimento,
brincando entre as caixas de estoque que viraram um playground
improvisado, enquanto eu permanecia mergulhada nas contas, tentando
entender como eu conseguia gastar tanto com tão pouco retorno.
Era frustrante, ver que o meu negócio estava sempre ameaçado por
esse tipo de coisa: aluguel caro, suprimentos, taxas. Parecia que a cada mês
surgia uma despesa nova.
Talvez eu devesse começar a vender bolo na loja também. Todo
mundo gosta de bolo. Ou talvez... Ah, que se dane. Quem ia querer comprar
bolo de uma loja de roupas infantis?
Tentei focar nas contas, mas, como vinha acontecendo nos últimos
dois anos, desde que passei quatro meses no Oriente Médio, cativado por
Faris, minha mente continuava voltando àquela fase da minha vida.
Por mais que eu tentasse esquecer o que havia vivido lá, por mais que
me esforçasse para bloquear as memórias, elas retornavam incessantemente,
marcadas profundamente em minha alma. Cada dia era um lembrete
involuntário da intensidade daqueles momentos.
Eu queria poder atribuir as marcas que carregava em meu peito
apenas à violência que testemunhei e à atrocidade que Faris cometeu diante
de meus olhos.
No entanto, a verdade que eu relutava em admitir era ainda mais
perturbadora: de alguma forma inexplicável, eu havia ficado marcada por
aquele homem, contra toda a lógica e todo o instinto de autopreservação.
Ele parecia estar gravado em mim, na minha pele, no meu interior.
Cada vez que eu fechava os olhos, era nele que meus pensamentos se
perdiam, na solidez dos seus braços fortes em volta de mim, no calor do seu
corpo junto ao meu.
Nada me consumia mais do que o desejo de pertencermos a uma
realidade alternativa, onde poderíamos ser outras pessoas, livres para nos
reencontrarmos. Sonhava com o dia em que, talvez, pudesse vê-lo
novamente, saber se estava bem, mergulhar no abismo de seus olhos negros
como véus da noite e ardentes como brasas.
No entanto, os mundos a que pertencíamos eram distantes demais,
destinados a nunca se cruzarem, eternamente separados por um abismo
intransponível.
Talvez eu realmente devesse seguir o conselho de Chloe e criar um
perfil no Tinder, ou ir a um bar para tentar conhecer alguém novo. O
problema era que me faltavam tanto tempo quanto disposição para essas
coisas.
Continuei envolvida com as contas, perdida em meus pensamentos,
quando, de repente, a loja pareceu tão silenciosa que eu pude ouvir a chuva
batendo nas janelas. Eu costumava gostar da chuva, mas agora parecia que
ela só estava ali para me lembrar do caos.
E então, ouvi o sino da porta.
Não levantei a cabeça de imediato. Devia ser algum cliente entrando
para comprar algo barato para dar de presente a uma amiga grávida.
Contudo, o silêncio que se seguiu foi estranho. Um silêncio pesado,
como se o ar tivesse mudado de densidade. E quando levantei os olhos, meu
coração quase parou.
Ele estava ali, parado diante de mim.
Faris.
Minha respiração travou, o sangue pareceu gelar nas minhas veias, e
por um segundo, fiquei completamente paralisada. Ele estava imóvel na
entrada da loja, usando o habitual lenço branco na cabeça e a túnica
esvoaçante, imponente e ameaçadora como eu me lembrava.
Seus olhos negros, intensos demais, encontraram os meus, e senti o
chão sumir debaixo dos meus pés. Havia três seguranças com ele, vestidos
com ternos escuros, escaneando a loja como cães de guarda. Mas tudo o que
eu conseguia ver era Faris.
Não era um homem qualquer. Não era só o pai da minha filha. Era
uma força, uma presença tão intensa que era quase impossível ignorar.
Naquele instante, todos os meus piores pesadelos tomavam forma.
Meu Deus, ele havia me encontrado! Ele estava aqui, e isso só podia
significar uma coisa: ele sabia sobre Alegra. Ele tinha descoberto que eu
estava grávida quando parti, e agora estava aqui para levar minha filha
embora.
A realidade começou a se distorcer ao meu redor, e o ar pareceu ficar
mais pesado, sufocante.
Tentei engolir, mas minha garganta estava seca. A loja parecia ter
encolhido, as paredes mais próximas, os sons abafados. O tilintar da chuva lá
fora desapareceu, e tudo o que eu conseguia ouvir era meu coração batendo,
como um tambor.
Faris deu um passo à frente, a túnica branca se movendo com ele, os
pés leves e decididos, como se deslizasse pelo chão.
Senti meus joelhos ficarem fracos, mas tentei me manter firme. Meu
olhar se voltou involuntariamente para os fundos da loja, onde Alegra estava
brincando com Chloe.
Meu Deus, ela estava tão perto! Tão perto dele.
— Lucy — a voz de Faris, grave e autoritária, cortou o silêncio como
uma faca — Faz tempo que não nos vemos.
Era como um baque físico. Aquelas palavras. O jeito como ele
pronunciou meu nome. Quase consegui sentir o toque dele na minha pele,
como antes.
— O que você está fazendo aqui? — Minha voz saiu trêmula, um
pouco mais alta do que o normal.
Tentei engolir, mas parecia que minha boca estava cheia de areia.
Meu olhar continuava se movendo para os fundos da loja, temendo que a
qualquer momento Chloe decidisse sair com Alegra.
Faris inclinou a cabeça levemente, como se estivesse me analisando,
como se eu fosse uma peça de xadrez que ele precisava entender antes de
mover.
— Estava na cidade a negócios. Descobri sobre sua loja, e pensei em
fazer uma visita.
Eu forcei um sorriso, mas minhas mãos tremiam. Negócios. Como se
eu fosse estúpida. Ele não estava ali por negócios, estava ali por minha filha.
Eu sabia que estava.
Ele queria tirá-la de mim, por ser sua única herdeira. Queria criá-la
em sua cultura, uma cultura extremamente cruel para as mulheres.
Eu precisava proteger minha filha a qualquer custo.
— Uma visita? E como soube sobre minha loja? Por acaso estava
investigando minha vida?
Ele deu um sorriso suave, mas seus olhos não estavam sorrindo. Não,
aqueles olhos estavam avaliando, julgando, sondando a verdade que eu
tentava desesperadamente esconder.
— Não precisei investigar muito. Você fez questão de esconder sua
trilha, até certo ponto. E eu a encontrei.
Meus dedos se apertaram ao redor do balcão, como se pudesse me
segurar ali, agarrada àquela fina camada de madeira, mas meu corpo inteiro
estava em alerta.
— Você não pode estar aqui — falei, finalmente, tentando soar firme,
mas minha voz saiu fraca — Eu tenho uma vida nova. E você não faz parte
dela. Então, por favor, vá embora.
Ele não se moveu. Só me observava, como se soubesse o que eu
estava tentando esconder. Era como se pudesse sentir o pavor, a aflição, a
luta interna que eu travava para não ceder ao medo.
— Eu não estou aqui para causar problemas — ele disse, a voz baixa,
mas implacável — Só queria ver você. Saber como está. Eu sinto a sua falta.
— Já me viu — sussurrei — Agora pode ir. Por favor.
Ele deu outro passo à frente, se aproximando do balcão, seu olhar
intenso escrutinando meu rosto.
— Você está com medo de mim? — indagou, parecendo surpreso.
— Se estou, foi porque você me deu motivos para me sentir assim.
O corpo dele enrijeceu subitamente, como se eu tivesse desferido um
soco em seu estômago.
— Eu nunca maltratei você. Nunca a machuquei. Pelo contrário —
disse.
Relembrei o terror vivido durante meus últimos momentos no Oriente
Médio, e um calafrio desceu pela minha espinha, fazendo meu corpo inteiro
tremer.
— Sou grata por tudo o que fez, mas isso ficou no passado. Minha
vida agora é outra.
— Você não vai nem perguntar como as coisas ficaram depois que
você partiu?
— Eu sei como as coisas ficaram. Acompanhei tudo através da
internet e dos noticiários — engoli em seco, com dificuldade em relembrar o
horror que vivenciei no lugar que ele chamava de lar — Sei que você ganhou
a guerra, e que levou a prosperidade de volta para a sua nação. Parabéns por
isto e meus sentimentos pelas vidas que se perderam.
— Obrigado.
— Eu só quero esquecer tudo o que presenciei quando estava em
Fujairah. Então, por favor, vá embora — sussurrei.
Faris aproximou-se ainda mais, eliminando toda a distância entre si e
o balcão atrás do qual eu me encontrava. Senti o calor que emanava dele. O
cheiro familiar do perfume amadeirado que eu não sentia fazia dois anos.
Aquele cheiro me fez lembrar de noites longas, de pele contra pele, de
desejo proibido e paixão.
Tentei me afastar daquele turbilhão de emoções, mas elas me
envolveram, me arrastaram como uma correnteza. Por um momento, eu quase
esqueci que aquele homem era o inimigo. Quase.
— Lucy — Faris sussurrou, tão perto que eu quase pude sentir a
vibração da voz dele — Eu nunca quis te magoar, nem te assustar. Tudo o
que fiz foi pensando em proteger você. Eu não suporto nem pensar na ideia
de alguém a machucando.
— Por que veio aqui, Faris?
— Para te ver. Como eu disse, sinto a sua falta.
Aparentemente ele não sabia sobre Alegra. Eu ainda teria a
oportunidade de fugir e salvar minha filha de ser tirada de mim, de crescer no
Oriente Médio, ao lado de um homem capaz de cometer a atrocidade que ele
cometeu.
No instante em que ele saísse por aquela porta, eu faria as malas.
Pegaria Alegra e nós desapareceríamos de novo. Porque Faris não ia
levá-la. Não ia tirar o único pedaço de luz que eu tinha na vida.
Eu só precisava esperar. Segurar firme. Fingir que estava tudo bem
até ele ir embora.
E então, eu correria.
CAPÍTULO 8
Respirei profundamente, tentando controlar o nervosismo que fazia
meu estômago revirar. Eu precisava começar a agir naturalmente, ou meu
estado de nervos faria com que Faris soubesse que eu escondia algo.
— E como ficou a vida em Fujairah depois de tudo? — Indaguei,
tentando externar uma calma que não existia.
— Tediosa e monótona, principalmente porque você não está lá — a
maneira ardente demais como ele me fitava, fez com que algo mais além do
nervosismo se agitasse em meu íntimo, e me apressei em reprimir a paixão
ardente que aquele homem ainda tinha o poder de despertar em meu peito.
Ele era um monstro. Não merecia meus sentimentos.
— Lá não era o meu lugar. Algum dia eu teria que partir — comentei,
forçando o tom de casualidade.
— Não precisava ter sido assim. No fundo, você queria ter ficado.
— Eu quis um dia. Você sabe disso. Mas não depois da crueldade que
você cometeu com Salma e Amir.
Seu rosto ficou subitamente pálido. Seus olhos negros assumiram uma
expressão tão sombria que na mesma hora me arrependi de ter tocado naquele
assunto.
Droga!
— De tudo o que vivemos, será que essa é a sua única memória? —
Vociferou ele, de um jeito assustadoramente ameaçador.
— Foi a que mais me marcou. Ou melhor dizendo: o que me
traumatizou.
Faris inclinou-se para a frente, praticamente debruçando-se sobre o
balcão, aproximando tanto seu rosto do meu que pude sentir o cheiro
delicioso do seu hálito mentolado.
Tentei me afastar, sair do lugar, mas eu sequer conseguia me mover,
completamente afetada pela proximidade daquele homem, hipnotizada pela
intensidade do seu olhar.
— Não foi o que mais te marcou — rosnou ele — Não tente enganar a
si mesma. Nós vivemos momentos marcantes quando estávamos juntos.
Momento que sei que você jamais se esqueceu.
Cruzei os braços, como se eles fossem uma barreira capaz de me
proteger do efeito perturbador que Faris exercia sobre mim.
— Nós nem mesmo estávamos juntos. Eu era uma prisioneira no seu
palácio.
— Você nunca foi minha prisioneira. Se a mantive cativa, foi para
protegê-la dos seus malfeitores.
— Acontece, que eu precisava ser protegida de você também.
— Não precisava não. Você foi feliz comigo. E se não fosse pelas
ações de Khalid, ainda estaríamos juntos.
Nesse instante, um gritinho eufórico de Alegra partiu dos fundos da
loja, atraindo não apenas a minha atenção, mas a de Faris e dos seus
seguranças. Todos olharam ao mesmo tempo na direção da porta que levava
ao depósito, onde minha filha e Chloe estavam.
Eu precisava agir rápido, tirar Faris e seus homens daqui antes que
eles a vissem.
— Vamos sair pra tomar um café? Tem um lugarzinho ótimo aqui do
lado — convidei, já me movimentando, saindo de trás do balcão.
Mas era tarde. Antes que Faris e eu tivéssemos tempo de sair, a porta
do depósito se abriu e Chloe surgiu lá de dentro, carregando minha menina
nos braços.
Senti meu corpo inteiro congelar naquele instante, o coração
disparado, e a respiração saindo irregular, como se eu tivesse levado um soco
no estômago. Era como se o tempo tivesse parado.
Eu podia ver tudo em câmera lenta: Chloe, paralisada perto da porta
aberta, com seus olhos chocados observando os quatro homens na loja,
segurando Alegra com tanto carinho, e Faris se virando para encará-las, a
expressão no rosto mudando em uma fração de segundo.
Ele percebeu.
Não havia como esconder a verdade dele, pois Alegra tinha seus
traços. Os mesmos olhos negros, a mesma covinha no queijo, que vi numa
rara ocasião em que ele raspou toda a barba.
Além disso, minha filha carregava claros traços árabes. Bastava somar
dois mais dois.
Sem desviar seu olhar de Alegra, Faris ficou imóvel por um instante,
como se estivesse tentando compreender o que via.
Seus olhos escuros se arregalaram, e pude ver os cálculos mentais que
ele fazia, ligando os pontos, comparando os traços da menininha morena com
os dele, comigo, buscando entender a verdade que eu tinha tentado esconder
dele a todo custo.
— Quem... é ela? — Faris perguntou, dando um passo na direção da
minha filha, que sorria abertamente para ele, provavelmente achando seus
trajes engraçados.
Quanto à Chloe, estava trêmula dos pés à cabeça, pois conhecia minha
história com Faris e sabia sobre meu temor de que ele levasse minha filha
para longe de mim.
— É só minha funcionária e a filha dela... — Falei rapidamente, me
posicionando entre Faris e a minha filha.
Era uma tentativa inútil, mas eu precisava tentar qualquer coisa para
manter Faris longe de Alegra. Ele tinha uma percepção aguçada, e seria
impossível esconder o óbvio por muito mais tempo.
Faris deu um passo à frente, alternando seu olhar escrutinador entre o
rosto pálido de pavor de Chloe e o rostinho sorridente da minha menina.
Os lábios dele se alargaram em um sorriso e tive certeza de que ele
sabia da verdade. Bastou um olhar para Alegra para que visse os traços dele
mesmo refletidos nela. Era impossível não ver.
O ar parecia ter se transformado em algo sólido, pesado, impossível
de respirar. Eu sentia o pânico crescer dentro de mim, uma fera que arranhava
minhas entranhas, gritando para proteger minha filha a qualquer custo.
Faris deu outro passo na direção dela, como se estivesse em transe,
atraído por Alegra.
— Filha... da sua funcionária...? — Murmurou ele, como se estivesse
digerindo a informação.
Eu sabia que seria inútil mentir, pois a verdade estava clara como
água. Sabia que não adiantaria continuar com a encenação, porque ele já
havia entendido.
Mas eu precisava ganhar tempo, precisava pensar em uma maneira de
sair daquela situação antes que tudo se transformasse em um pesadelo
irreversível.
— Sim. Não é uma gracinha? — Falei, temendo que Alegra me
chamasse de mamãe.
— Ela se parece... com... — Faris não completou a frase.
Ele trouxe seu olhar para o meu rosto, seus olhos arregalados de um
profundo misto de perplexidade e incredulidade.
— Sim. Se parece muito com o pai dela — intervi, tentando interferir
nos pensamentos dele, antes que fosse tarde — É um indiano que trabalha no
supermercado da rua de cima. Qual é mesmo o nome dele, Chloe?
— Robert — Chloe respondeu rápido, mecanicamente, enquanto seu
olhar continuava vidrado no homem árabe, com um metro e noventa de
altura, que se encontrava à nossa frente.
— Robert — Faris repetiu, ciente de que um indiano dificilmente se
chamaria Robert.
— Ele é filho de indianos, mas nasceu aqui. E então, vamos tomar um
café? — Eu precisava tirar Faris de perto da minha filha.
Mas minha tentativa foi inútil. Alegra começou a se agitar nos braços
de Chloe, estendendo as mãos na direção de Faris, como se sentisse uma
estranha conexão.
E foi quando Faris sorriu novamente. Um sorriso suave, mas cheio de
poder. Ele estendeu a mão na direção dela, como se não houvesse ninguém
mais no mundo, só ele e Alegra.
Eu sabia o que ele estava pensando. Sabia que estava percebendo os
laços sanguíneos que os unia. Ele iria levá-la embora. Ele queria a filha dele,
e ele faria o que fosse preciso para tê-la.
— Quantos anos ela tem? — Faris indagou, ignorando-me, seu olhar
vidrado em Alegra, na semelhança que ele certamente enxergava nela.
— Ela tem dois anos, não é Chloe? — Tentei arrancar minha
funcionária do seu estado de transe.
— Sim. Dois — disse ela
— Chloe sempre a trás para o trabalho. Ela meio que incentiva os
clientes a comprarem as coisas de bebês da loja.
— É sim... eu a trago todos os dias. Nós ficamos nos fundos. Só vim
pegar a chupeta pra fazer ela dormir, não é Alegra? — Ainda com Alegra nos
braços, Chloe pegou a chupeta sobre o balcão e voltou para o depósito quase
correndo, ciente do perigo que nos rondava.
Por sorte, minha bebê estava tão entretida com os trajes muçulmanos
de Faris, que esqueceu-se de pedir para passar para o meu colo, como sempre
fazia.
— Ela é uma linda menina — disse Faris, virando-se para me encarar,
a desconfiança clara como água na expressão do seu olhar.
— Sim. Linda demais. A cara do pai indiano dela — eu já nem sabia
o que falar, tamanho era meu nervosismo.
Nesse momento, um casal entrou na loja, um homem e a esposa
grávida. Ambos lançaram um olhar curioso na direção do homem com trajes
árabes e seguiram por entre as prateleiras com as mercadorias.
A presença deles me transmitiu uma sensação de segurança
infundada, mas ao mesmo tempo tão reconfortante que soltei metade do ar
que vinha perdendo nos pulmões.
— Vamos deixar nosso café para outro dia — anunciou Faris, com
seu forte sotaque — Vou ficar uma semana na cidade. Podemos combinar de
jantar fora, o que acha?
— Claro. Jantar. Pode ser — eu concordaria com qualquer coisa que
ele dissesse, desde que ele fosse embora.
Faris observou-me durante um momento de silêncio, escrutinando
meu rosto, como se soubesse das minhas intenções de fugir.
— Certo. Vou entrar em contato. Agora tenho que ir. Até depois.
— Até.
Ele lançou um último olhar na direção da porta do depósito, acenou
para seus seguranças e saiu da loja, seguido pelos outros homens.
Senti meu corpo relaxar assim que a porta se fechou atrás de Faris. O
ar voltou a fluir, mas o pânico ainda pulsava nas minhas veias. Eu precisava
agir rápido.
— Chloe! — gritei, enquanto corria até o fundo da loja.
A encontrei petrificada em um canto da sala, ainda com Alegra no
colo, o horror estampado em seu rosto.
— É ele, não é? O pai de Alegra? — indagou.
— Sim. Ele mesmo — peguei minha filha dos braços dela, apertei seu
corpinho frágil contra o meu e fucei o nariz em sua cabeça, aspirando o
cheirinho gostoso de bebê, enquanto Alegra se derretia em dengo.
— Meus Deus! Que perigo! Ainda bem que ele não sabe sobre Alegra
— disse ela.
— Acho que agora ele sabe. Acho que percebeu a semelhança nos
traços dela. Considerando o quanto ele é poderoso, é questão de pouco tempo
até obter uma certeza e tentar tirar minha filha de mim — minhas próprias
palavras me fizeram tremer.
— E o que você vai fazer?
— Fugir. Levar minha filha para o mais longe possível daquele
homem.
Chloe engoliu em seco. A expressão dela misturava choque e
preocupação.
— O que você quer que eu faça?
— Cuide da loja. Mantenha-a aberta para pagar as contas. Se alguém
perguntar por mim, diga que estou em casa, gripada.
— Pode deixar. Vou cuidar de tudo — com Alegra nos braços,
caminhei para fora do depósito, enquanto Chloe vinha atrás de mim — Mas o
que você vai fazer? Já sabe para onde ir?
— Qualquer lugar longe daqui. Meu irmão vai me ajudar.
— Eu cuidarei de tudo aqui.
— Obrigada.
Com Alegra no colo, e o coração espremido de tanta aflição e medo,
dei um abraço em Chloe, peguei minha bolsa atrás do balcão e segui rumo à
saída.
Pus a mão na maçaneta na porta, e hesitei. E se Faris estivesse
esperando lá fora, com os seus homens?
O medo apertou meu coração, mas não havia escolha. Eu precisava ir.
Então, abri a porta e deixei a loja, saindo para a rua cinzenta, onde a chuva
fina continuava caindo incessantemente, transformando a cidade em uma
visão nebulosa.
CAPÍTULO 9
Deixei o quarto onde a Srta. Reynolds estava instalada e me dirigi ao
meu escritório no primeiro piso, cruzando os vastos salões do palácio.
Enquanto caminhava, ajeitava o keffiyeh[5] que aquela maluca havia
arrancado de minha cabeça, quando me atacou com o abajur, recolocando-o
devidamente.
A má reputação de Khalid não era novidade para ninguém no Oriente
Médio. Ele era conhecido por seus crimes hediondos e o legado de
brutalidade de sua família. Contudo, era novidade para mim que ele estivesse
envolvido também com o tráfico humano.
Minha consternação foi palpável quando ele me apresentou Lucy
como um "presente", naquela manhã, uma tentativa grotesca de testar minha
cumplicidade.
Eu jamais compactuei com as práticas desonestas daquela escória.
Meu próprio emirado sofria uma crise econômica porque, no passado, me
recusei a negociar com ele, priorizando meus princípios éticos acima do
lucro.
A situação da garota era desesperadora e, por mais que me repugnasse
a ideia, aceitar sua custódia era a única maneira de protegê-la das garras
cruéis de Khalid.
Se a tivesse deixado para trás, ela sem dúvida seria estuprada,
torturada e assassinada por aquele patife. Eu já tinha visto algumas mulheres
com o rosto desfigurado pela violência, circulando pelo palácio dele.
Antes mesmo de alcançar o escritório, fui abordado por dois dos meus
conselheiros, que, como sempre, me traziam problemas a serem resolvidos.
Entretanto, dispensei os dois, pois não estava com a mínima paciência para
assuntos burocráticos agora.
Na verdade, eu nunca estava com paciência para esse tipo de assunto.
Eu não queria ser sheik. Nunca quis. O “grande governante de
Fujairah”, aquele que todos deviam respeitar, servir, temer. Quanta bobagem.
Tudo o que eu queria era ter liberdade. Sair dirigindo um motorhome
pelas estradas da Europa, sem destino, sem rotas traçadas por ninguém além
de mim mesmo.
Andar por aquelas pequenas cidades da Itália, parar na França para
comer um bom queijo, dirigir pelas praias da Espanha, sem nada de
formalidades, nada de títulos ou responsabilidades.
Eu só queria ser um cara comum, com os pés descalços na areia e o
vento no rosto. Mas não, meu destino era ser amarrado àquele trono, com um
emirado para cuidar e intrigas políticas por todos os lados.
Desde que nasci, fui meticulosamente preparado para assumir o lugar
do meu pai, o sheik anterior, quando ele se ausentasse.
Meu cargo era uma sentença. Uma sentença que recebi por nascer
antes dos meus irmãos, por ser o filho mais velho.
Suspirei pesadamente ao entrar no escritório. Uma sala grande
demais, como tudo naquele palácio. A mesa enorme, de madeira de lei, me
encarava, como se me cobrasse alguma coisa, e a pilha de papéis em cima
dela era meu pesadelo diário.
Relatórios econômicos, pedidos, contas, tratados, e toda a burocracia
que vinha com o título de sheik. Eu me joguei na cadeira atrás da mesa, sem
muita cerimônia, e passei as mãos pelo rosto.
Como se não bastasse toda a burocracia e formalidade que vinham
com a função de governante de um emirado, tinha ainda Khalid para encher a
porra do meu saco.
O maldito parecia ter um controle invisível sobre as rotas marítimas
que passavam por Fujairah, e quando eu recusei “gentilmente” seus
“serviços”, há alguns anos, ele retaliou como o maldito filho da puta que era.
Resultado? Uma crise econômica inesperada, atrasos em importações,
exportações, e aquele tipo de dor de cabeça que fazia você querer gritar com
o mundo e mandar tudo para o inferno.
Então, agora eu estava jogando o jogo dele, fingindo que aceitava
aquela oferta de presente — uma mulher — a fim de ganhar tempo e
descobrir uma forma de me livrar do Khalid de vez.
Eu estava mergulhado em meus pensamentos quando a porta do
escritório se abriu e meu irmão mais novo, Rami, entrou. Ele sustentava
aquele sorriso debochado no rosto, típico dele.
Relaxado, como sempre — já que não tinha um emirado para
administrar —, jogou-se em uma das poltronas em frente à minha mesa,
ignorando completamente a minha cara de poucos amigos.
— Ah, então é verdade? Você tem mesmo uma concubina? — Rami
perguntou, cruzando os braços e me encarando como se isso fosse a coisa
mais engraçada do mundo.
Revirei os olhos, sem paciência para piadas.
— Fazer o que? Um homem com as minhas responsabilidades precisa
de algo para relaxar de vez em quando.
— Eu achei que você fosse contra a prática de manter uma mulher em
cárcere privado para servi-lo sexualmente.
Eu não podia permitir que meu irmão soubesse que eu não pretendia
levar Lucy para a cama. Ele falava demais quando estava com suas inúmeras
amantes. Poderia dar com a língua nos dentes e o assunto chegaria até
Khalid.
— Ela não está exatamente em cárcere privado. Parece que foi
treinada e negociada para ter esse destino — tentei.
Os olhos castanhos de Rami se arregalaram.
— E você a comprou?!
— Claro que não. Tá doido? Khalid me deu ela de presente,
provavelmente para testar minha lealdade.
Uma ruga se formou na testa de Rami.
— Você não deveria ter enfrentado esse cara.
— Não só enfrentei, como vou enfrentar de novo. Só aceitei a garota
para ganhar tempo. Continuo determinado a descobrir uma forma de acabar
com a dinastia daquele escroto.
— Caramba, como você é teimoso. Já te dissemos mais de mil vezes
que não tem como acabar com essa organização. A forma mais sábia de gerir
o emirado é sabendo negociar com eles.
— Negocie com eles sem lutar quando você for o sheik! — disparei,
sem paciência.
Me arrependi pelas palavras no instante em que vi a fisionomia de
Rami mudar, a displicência dando lugar a uma tensão já familiar.
O maior desejo da vida dele era tornar-se sheik, e amaldiçoava o
universo por ter nascido depois de mim.
Eu já havia cogitado várias vezes passar o meu cargo a ele, mas
precisava honrar a cultura de primogenitura tão sagrada para a minha família.
Ainda abri a boca para me desculpar, mas nesse instante meu celular
particular tocou. Olhei para a tela, e o nome “Khalid” piscou como um mau
agouro. Senti meu maxilar se apertar, mas atendi.
— Khalid — falei, tentando manter um tom cordial.
— Alteza! Estou ligando só para saber se Vossa Excelência está
gostando do meu presente — a voz dele era suave, carregada de uma falsa
gentileza que me deixava enjoado.
Ele já estava bisbilhotando, investigando se eu realmente ficaria com
a garota. Mas eu já imaginava que faria isso e havia me preparado.
— A garota vai dar trabalho — comecei a representar, entrando no
papel de violador de mulheres — Como toda americana é linguaruda,
desobediente e teimosa. Mas vou dar um jeito nela. Aliás, já comecei. Esta
tarde mostrei a ela quem manda.
Do outro lado da linha, Khalid soltou uma gargalhada.
— Então já provou do mel que ela tem entre as pernas?
Apertei o celular entre os dedos, as palavras baixas dele despertando
minha irritação. Tive vontade de mandá-lo ir para o inferno, mas infelizmente
meu povo precisava da sua odiosa organização.
— Claro que já. Precisei dar uns tapas para acalmá-la, mas comi a
boceta branca dela.
Do outro lado da mesa, Rami esboçou um largo sorriso, dando a
entender que havia acabado de perceber a minha mentira.
Meu irmão me conhecia bem o bastante para ter certeza de que eu
jamais bateria em uma mulher, tampouco a forçaria a fazer sexo comigo.
— Eu sabia que ela daria trabalho! Mas não se preocupe, Alteza, eu
tenho certeza de que você saberá domá-la — disse Khalid
Senti meus músculos se retesarem ainda mais, ao ouvi-lo continuar se
referindo a Lucy como se ela fosse um animal.
— Eu vou... tentar — respondi, medindo minhas palavras.
— Ótimo! E já que falamos disso, pensei em passar pelo seu palácio
na sexta-feira à noite, para um jantar. Nada formal, é claro. Apenas para
vermos como as coisas estão indo... você sabe. — Khalid não estava fazendo
um convite, ele estava se convidando.
Meus dedos se apertaram no braço da cadeira, mas eu sabia que não
tinha escolha.
— Claro, será um prazer recebê-lo.
Desliguei o telefone, sentindo o peso daquela promessa recair sobre
mim. Na sexta-feira, Khalid estaria aqui, jantando com a minha família. E eu
teria que fingir que Lucy era minha concubina, ou aquele porco veria através
da minha mentira e usaria isso contra mim.
— Então é isso? — Rami perguntou, se ajeitando na poltrona — Você
está fingindo que vai subjugar essa mulher para agradar Khalid?
— Agradar não. Eu preciso conquistar a confiança dele, pelo bem do
nosso emirado. E você não vai dizer isso a ninguém. Esse sujeito tem ouvidos
e olhos em toda parte.
— Minha boca é um túmulo. Mas você vai ter que fingir muito bem.
Khalid tem mesmo espiões por toda parte. Aposto que, inclusive, entre
nossos empregados. Se alguém perceber que você não está comendo essa
garota, ele vai saber.
— Nós vamos fingir. Já conversei com ela.
— E por que ao invés de fingir você não fode essa mulher de
verdade? Ela é feia? — Indagou Rami, com aquele sorriso debochado.
— Não. Ela não é feia. Mas não vou transar com uma mulher só
porque um louco me deu ela de presente. Não vou forçar ninguém a nada.
— Talvez não precise forçar. Basta convencê-la. Você ainda se
lembra de como se faz isso, né?
— Eu acho que você deveria ir procurar o que fazer.
— Estou falando sério, meu irmão. Você já tem quarenta e dois anos,
está na hora de se casar e ter herdeiros. Já passou da hora de esquecer a
Samira.
A mera menção do nome de Samira lançou uma onda de dor através
do meu peito, como se cada sílaba fosse um punhal enterrado na ferida crua e
sangrenta que eu carregava. Uma ferida que se recusava obstinadamente a
cicatrizar.
— Já chega de conversa, Rami. Tenho muito o que fazer aqui. Vá
cuidar da sua vida — o dispensei, começando a fuçar nos papéis sobre a
mesa, a fim de me livrar do meu irmão.
Rami soltou um suspiro pesado, de pura resignação.
— Tá bem eu vou — ele se levantou — Mas, escute o meu conselho.
Você precisa convencer a todos nesse palácio que essa americana é mesmo
sua concubina. Para começar, faça uma visita ao quarto dela ainda esta noite.
Vai por mim, Khalid vai saber se você não for lá. Ele está de olho e tem olhos
espalhados por todos os lugares.
Dito isto, Rami deu-me as costas e saiu do escritório.
Odiava quando Rami tinha razão. Ele sempre falava de um jeito tão
leve, como se tudo fosse uma grande brincadeira, mas, no fundo, sabia que
estava certo.
Se eu quisesse enganar Khalid, teria que convencer a todos que estava
trepando com a Srta. Reynolds.
Ao cair da noite, como de costume, minha família se reuniu na sala de
jantar para nossa refeição conjunta. Minha irmã mais nova, Hannah,
finalmente havia conquistado sua liberdade, convencendo-me a deixá-la
seguir para os Estados Unidos e estudar arquitetura. Quem era eu para
impedir seu sonho?
Ao redor da mesa, restávamos apenas minha mãe, agora em idade
avançada; meu pai, que, desde o AVC, havia mergulhado em um estado
quase vegetativo; Rami; minha irmã mais velha, Noor; e eu.
Depois de mais uma noite de conversas familiares, minha mente
permanecia agitada, como uma tempestade que se recusava a se acalmar.
Tudo o que eu queria era encontrar um pouco de paz, então me retirei para
meus aposentos.
No caminho, me desvencilhei de alguns conselheiros que insistiam
em me parar, até finalmente me refugiar na suíte de três cômodos.
Foi nesse momento que a solidão esmagadora, minha velha
companheira, me envolveu como um manto. A ideia de esquecer minha doce
Samira era um dos poucos medos que me assombravam.
Já haviam se passado três anos e meio desde sua partida, e nem um só
dia havia transcorrido sem que meus pensamentos retornassem para ela, para
a vida que construímos juntos.
Tomei um banho demorado, tentando deixar a água levar um pouco
da tensão acumulada. Quando me deitei na cama, que parecia sempre grande
demais, esperei que o sono finalmente viesse. Mas, como de costume, ele não
veio.
Em vez disso, fui assolado por uma avalanche de pensamentos,
economia, política e todas as malditas preocupações que cercavam o fardo do
meu trabalho.
Como se eu já não tivesse preocupações suficientes, ainda havia o
maldito Khalid para lidar.
Lucy teria que fingir perfeitamente que estava sendo submissa a mim,
ou ele perceberia de imediato que ela jamais aceitaria ser subjugada por um
homem. E isso a colocaria em ainda mais perigo.
As palavras de Rami ecoavam na minha cabeça: eu precisava ir ao
quarto dela naquela mesma noite. A última coisa que eu queria era atormentá-
la ainda mais; ela já estava assustada, arrancada à força de sua família e
lançada em uma situação que só gerava pânico. Mas eu precisava ser
convincente. Não havia outra escolha.
Obstinado, levantei-me, joguei um roupão sobre as roupas de dormir e
segui em direção ao quarto de Lucy.
CAPÍTULO 10
Enquanto atravessava os vastos salões da residência que dividia com a
minha família, fiquei satisfeito ao encontrar alguns guardas pelo caminho, os
quais me reverenciavam com respeito, como todos os funcionários.
Ótimo. Eles seriam a testemunha de que estive mesmo no quarto da
americana.
Girei a chave e abri a porta, mergulhando no aposento iluminado
pelas lâmpadas douradas que projetavam sombras suaves nas paredes.
A televisão, ligada na parede oposta, emitia um murmúrio baixo, e lá
estava Lucy, estirada sobre a cama, uma silhueta de tranquilidade aparente.
No instante em que o rangido da porta se fez audível, ela levantou-se
com um sobressalto, e foi parar do outro lado do aposento, o rosto pálido, os
olhos arregalados e a respiração ofegante.
Com um movimento rápido e trêmulo, Lucy se encolheu contra a
parede mais distante, o rosto esculpido pelo medo, os olhos cor de avelã
vastos e vulneráveis, iluminados pelo terror.
Caralho! Ela não era nada feia, pelo contrário, tinha uma beleza que
escapava à simplicidade.
Seus cabelos castanhos caíam em cascata, suaves e brilhantes como
seda, enquadrando um rosto cujos traços delicados eram realçados por uma
pele tão aveludada, que parecia implorar por ser acariciada.
Vestia uma camisola branca, solta e quase etérea, que deixava muito à
imaginação, flutuando ao redor de seu corpo como uma promessa velada.
A memória do seu corpo debatendo-se sob o meu, durante nossa luta
mais cedo, invadiu minha mente, o calor da sua pele contra a minha, a força
desesperada de seus movimentos.
Definitivamente, aquela foi a melhor sensação que eu havia
experimentado nos últimos anos, um lampejo de vida crua e incontrolável.
Eu poderia...
Balancei a cabeça, afastando os pensamentos. Não, eu não poderia me
aproveitar de uma garota que se encontrava na condição de minha prisioneira.
— O que você quer?! — Lucy disparou com a voz trêmula de pavor,
seus olhos arregalados refletindo o medo que nem tentava esconder.
— Não é o que você está pensando — respondi com um suspiro,
tentando infundir alguma calma na situação — Eu só precisei ser visto
entrando aqui, para convencer Khalid de que estamos mesmo fazendo o que
ele espera que façamos.
Ela me encarou, os olhos cintilando com uma mistura de medo e
desconfiança, enquanto mordia o lábio inferior, ponderando minhas palavras.
— Não me venha com mentiras. Khalid não estaria de olho agora. O
que você realmente quer com isso?
Rolei os olhos, sem paciência para os chiliques daquela garota. Ela
era a personificação do espírito americano, inteligente, independente e língua
afiada, como uma mulher muçulmana jamais seria.
No entanto, havia um vislumbre de preconceito incutido em suas
palavras, um eco das suposições que muitos americanos tinham sobre os
homens da minha cultura não serem nada civilizados.
Vivenciei muitas vezes esse tipo de preconceito durante as viagens
que fiz pelo mundo, antes de me tornar prisioneiro da minha posição de
sheik.
— Khalid pode não estar aqui, mas ele tem olhos e ouvidos em todos
os cantos. Já te expliquei isso — esclareci, sem muita paciência.
Deixando a tensão flutuar por um instante, joguei-me na poltrona
mais próxima, exausto pela tensão do dia.
Saquei o celular, deslizando o dedo pela tela até encontrar o aplicativo
de leitura. Com um clique, busquei um livro que pudesse ocupar meu tempo e
manter as aparências, enquanto as pessoas lá fora eram enganadas pela ilusão
de que eu e a Srta. Reynolds estávamos fazendo sexo.
— E quanto tempo você vai ficar aqui? — indagou Lucy, com suas
costas ainda grudadas na parede.
— Não sei. Quanto tempo dura uma foda regada à dominação e
submissão? — Lancei um olhar na direção dela, bem a tempo de ver a
vermelhidão se espalhar pelo seu rosto lindo.
— Não quero que você toque em mim. Nem pense nisso.
Uma corrente de irritação se apoderou de mim, intensificada pela
desconfiança palpável que emanava de Lucy, pelo seu julgamento.
Com um movimento brusco, ergui-me e caminhei em direção a ela.
Cada passo meu parecia avivar o pânico que distorcia suas feições, e isso,
paradoxalmente, só servia para inflamar ainda mais minha frustração.
— Eu não vou te tocar — afirmei, tentando suavizar minha voz,
embora a aspereza das circunstâncias tornasse isso quase impossível. — Não
precisa ter medo de mim. Você nem é o meu tipo. Gosto das peitudas.
— Eu conheço bem os homens — ela retrucou — Aproximam-se com
inocência, e de repente, revelam suas verdadeiras intenções.
— Acontece que eu não sou esse tipo de homem — dei mais alguns
passos na direção dela, achando quase cômico o pavor crescendo em seu
rosto. Ela realmente acreditava que eu a forçaria a algo — E mesmo que eu
fosse, não precisaria mentir para conseguir alguma coisa com você. Não sei
se percebeu, mas você pertence a mim, é minha propriedade, para eu fazer o
que quiser. Se eu fosse o aproveitador que está julgando, se eu realmente
quisesse te comer, não precisaria da sua permissão. Eu apenas a atiraria nessa
cama, arrancaria as suas roupas e te foderia até você não conseguir mais
caminhar.
Parei, percebendo o quão longe tinha ido, e vendo Lucy engolir em
seco, os olhos dilatados em terror. Uma onda de remorso me atravessou ao
ver o tremor que percorria seu corpo, e me odiei por um momento por incutir
tal medo.
Com um suspiro pesado, virei-me e retornei à poltrona, deixando-a
imersa em seu canto de medo. Abri o aplicativo de leitura novamente,
procurando algo que me distraísse de tudo, inclusive daquela garota.
O silêncio se estendeu, denso e pesado, enquanto Lucy continuava
petrificada perto da parede, igual a uma estátua de receio e desconfiança,
observando-me sem dizer uma palavra.
— Pode voltar para o seu filme. Eu já disse que não vou tentar nada
com você — anunciei.
Finalmente, ela fez um movimento hesitante, arrastando-se até a cama
onde se sentou, encolhendo as pernas e abraçando-as com força.
Ela parecia uma criança tentando se proteger dos monstros sob sua
própria cama, sua vulnerabilidade exposta nos tremores que percorriam seu
corpo.
Com um gesto quase mecânico, ela pegou o controle remoto e
reiniciou o filme de ação que havia pausado, a explosão na tela contrastando
fortemente com seu silêncio gelado.
Ela ficou imóvel, uma estátua de tensão e medo, e mesmo sem olhar
diretamente para ela, enquanto tentava me concentrar na leitura de um livro
sobre Inteligência Artificial, eu podia sentir o peso de seu olhar fixo em mim.
Era como se cada célula do seu corpo estivesse alerta, pronta para
reagir, como se a qualquer momento eu pudesse transformar o espaço entre
nós em um campo de batalha.
Eu quase podia ouvir os batimentos cardíacos dela, rápidos e
assustados, ecoando no silêncio que se aprofundava entre nós.
Porém, optei por não dizer mais nada. Não era problema meu se ela se
recusava a confiar em mim.
CAPÍTULO 11
— Você não tem uma namorada, ou namorado, com quem deveria
estar agora? — indagou Lucy, depois do longo momento de silêncio.
— Não. Eu não tenho — me limitei a dizer, sem olhar para ela, minha
concentração totalmente voltada para os meandros técnicos do meu livro.
Outro longo momento de silêncio se passou, até que ela voltasse a
falar:
— Você deve ser muito... solitário então — sua afirmação foi direta, e
por um segundo, minha concentração se quebrou.
— Solitário? Não, Srta. Reynolds, eu diria que sou reservado —
respondi, mantendo os olhos fixos na tela do celular.
Eu não queria ser puxado para uma conversa que sabia que não
levaria a lugar algum. E eu estava ali para manter as aparências, não para
fazer amizade com uma mulher que me julgava um aproveitador.
Ela soltou um suspiro e, pelo canto do olho, vi que mudava de posição
na cama, como se estivesse tentando se ajeitar de um jeito que a deixasse
confortável, mas não conseguisse.
— Acho que é a mesma coisa. Reservado, solitário. É uma forma de
se esconder — disse ela.
— Nós não precisamos conversar. Volte para o seu filme e me deixe
com o meu livro.
— Caramba! Que mau-humor! Você é sempre tão emburrado assim?
— Sempre.
— Não deveria, pois isso dá rugas.
Preferi não responder, tentando encerrar a conversa por ali mesmo.
No entanto, foi otimismo da minha parte acreditar que ela desistiria.
Lucy fez outro momento de silêncio, mas ele não durou muito.
— Você realmente não gosta de conversar, ou os homens do seu país
não consideram uma mulher digna de uma conversa?
Rolei os olhos, sem conseguir evitar, e desviei o olhar da tela para
encará-la. Ela estava enrolando uma mecha de cabelo nos dedos, o que
parecia um hábito nervoso, e mesmo assim, seus olhos estavam fixos nos
meus, desafiadores, insistentes.
— Parece que você tem opiniões bem formadas sobre os homens do
meu país — comentei.
— Li o artigo de uma jornalista americana que viveu na Arábia
Saudita. Considerando tudo o que ela disse, é espantoso que vocês consigam
se reproduzir.
— Não acredite em tudo o que lê. Eu sei o que dizem de nós, mas
homens abusadores existem em todos os lugares, não apenas no islamismo.
Agora, se puder ficar quieta, estou tentando me concentrar.
Voltei a olhar para a leitura na tela do celular.
— E o que você está lendo? É algum romance?
— Romance?! — sorri da suposição dela — Não. É sobre Inteligência
Artificial.
Subitamente, a Srta. Reynolds desligou a televisão e saiu da cama. Ela
puxou uma poltrona para diante de mim e sentou-se, com uma perna
displicentemente pendurada. Da garota apavorada de minutos atrás, já não
restava nenhum vestígio. Parecia até outra pessoa.
— Eu uso a inteligência artificial para fazer pesquisas, no jornal onde
trabalho. É mesmo uma ferramenta útil e inovadora — ela falava com a
naturalidade de alguém que conversava com um amigo de longa data.
— A IA não é apenas uma ferramenta de pesquisa. É a maior
inovação tecnológica dos últimos tempos. Algo que vai transformar o mundo.
— Transformar, em que sentido?
— Em todos os sentidos. O que conhecemos hoje, deixará de existir.
Novos costumes e sistemas serão implementados. Arrisco dizer que estamos
vivenciando um momento histórico, o início do fim do capitalismo.
— Ouvi dizer que vai substituir os seres humanos no mercado de
trabalho.
— Essa é uma suposição muito rasa e imediatista do que está por vir
— estreitei os olhos, sem acreditar que estava mesmo falando abertamente
sobre meus pensamentos com uma pessoa que poderia estar puxando
conversa comigo com o intuito de tentar fugir. Contudo, eu esperava que a
Srta. Reynolds fosse mais inteligente do que isso — De acordo com os
estudos que já foram realizados até agora, arrisco dizer que em pouco tempo
a IA criará consciência e esse será o fim do controle humano sobre o planeta
terra.
— Você fala como se isso fosse uma coisa boa.
— E é uma coisa boa. O ser humano não merece algo tão incrível
quanto a Terra, já que se dedica tão incansavelmente a destruí-la, mesmo
sabendo que é seu único lar. Como se não bastasse o desenvolvimento
insustentável, que leva à eliminação dos recursos naturais, ainda há as
milhares de queimadas que se alastram pelo planeta a cada verão.
Lucy mordeu o lábio, pensativa, um gesto que atraiu a minha atenção
para a sua boca. Era carnuda, bem desenhada e subitamente me flagrei
querendo descobrir o gosto que ela tinha.
— Você tem razão. O ser humano é uma merda. Mas esse tipo de
militância não é um pouco aleatório para um sheik?
Eu quase ri. Quase. O que ela sabia sobre sheiks, afinal? Que eu
deveria estar estudando tratados comerciais ou qualquer outra coisa que as
pessoas esperavam que um governante fizesse?
— Eu gosto de aprender sobre coisas que têm potencial para mudar o
mundo — respondi, tentando manter o tom neutro — E a inteligência
artificial é exatamente isso. Pode ser que, daqui a alguns anos, os robôs
estejam por toda parte, preservando os recursos naturais e promovendo a
igualdade social, como nós humanos não fazemos.
— Ah, então nós vamos ser substituídos por máquinas. Que ótimo —
ela disse, com uma pitada de sarcasmo — E você está lendo isso agora
porque quer substituir seu exército por robôs? Ou talvez todos os seus
súditos?
Eu soltei um suspiro, mas não consegui esconder o pequeno sorriso
que se formou nos meus lábios.
— Não, Lucy. Só estou lendo porque gosto. Só isso. Gosto de coisas
diferentes, que me tirem da rotina maçante.
— Sempre achei que a rotina de um sheik fosse tudo, menos maçante.
— Como eu disse, você não sabe nada sobre as pessoas do meu país
— fui mais ríspido do que pretendia, e tentei voltar atrás, abrandando o tom
da voz — E quanto a você, o que fez de tão grave para que fosse sequestrada
e vendida, com o objetivo de ser silenciada?
Uma expressão angustiada se estampou no brilho do olhar dela e tive
vontade de afagar seu rosto, para dissipá-la.
— Sou jornalista investigativa e estava trabalhando em uma
reportagem sobre o desaparecimento misterioso de algumas pessoas quando
tropecei em algo muito maior, uma rede complexa de tráfico humano
escondida sob a fachada de uma empresa de carros de aplicativo chamada
City Ride.
— E por que ao invés de escrever sobre isso, você simplesmente não
chamou a polícia?
— Eu os procurei, mas eles disseram que minhas provas eram
circunstanciais. Nem se deram ao trabalho de investigar. Achei que a matéria
seria uma forma de pressioná-los a abrir um caso, mas aparentemente a
polícia estava envolvida em toda essa sujeirada.
— Eles sempre estão.
Tentei voltar para a leitura, mas Lucy simplesmente não fechava a
boca. Parecia que tinha compulsão por falar e acabamos engatando em uma
longa conversa sobre os assuntos mais aleatórios possíveis.
Falar nunca foi o meu ponto forte. Ainda assim, me surpreendi ao me
sentir tão à vontade conversando com ela.
Eu estava tão envolvido que nem percebi o tempo passar. Ela me fazia
perguntas sobre minha infância, minha família e sobre como eu passava os
raros dias de folga, como se quisesse absorver cada detalhe da minha vida.
Quando revelou que era filha de um senador americano, fiquei
espantado ao imaginar como alguém tão influente ainda não havia
mobilizado todos os recursos possíveis para resgatá-la.
Provavelmente, ele era o tipo de homem que colocava a carreira
política acima de tudo, até mesmo da própria família, uma realidade que,
infelizmente, não me surpreendia.
Parte de mim estava alerta, desconfiado de que a aproximação de
Lucy pudesse ser uma estratégia, talvez para pegar meu celular ou achar uma
oportunidade para fugir. Mas havia algo nela, uma curiosidade genuína que
me desarmava.
Contra todas as minhas expectativas, eu me vi querendo saber mais
sobre a sua história, mesmo ciente dos riscos que isso poderia trazer.
Sem perceber, as horas passaram. Quando finalmente chequei o
relógio no celular, vi que já era quase meia-noite.
Precisava dormir para enfrentar os compromissos do dia seguinte,
além disso, as pessoas lá fora, certamente, já estavam convencidas de que
Lucy e eu estávamos... bem mais próximos do que estávamos.
— Acho que já vou indo. Está tarde — anunciei, levantando-me.
Lucy também ficou de pé. Os olhos dela assumiram uma expressão
subitamente aflita, enquanto corriam da porta para mim, e de mim para a
porta.
Uma mecha de cabelo castanho caiu sobre sua testa e tive vontade de
ajeitá-la, apenas para me certificar de que ela era tão macia quanto parecia.
Porém, me contive.
— Está cedo. Não vá ainda — pediu Lucy, e farejei a armadilha.
— Khalid vem jantar aqui na sexta-feira. Esteja pronta para agir como
uma doce e obediente concubina.
— E como vou agir assim se não tenho ideia de como ser doce e
muito menos obediente?
— Salma e as outras empregadas vão ensiná-la. Você precisa
aprender a dançar como as odaliscas e a manter seu olhar sempre abaixado,
entre outras coisas.
— Manter o olhar abaixado ok, mas dançar não vai rolar. Nunca levei
jeito para isso.
— Como eu disse, as empregadas vão ensiná-la. Aprenda no seu
ritmo, pois, na verdade, o que vai valer será a intenção — caminhei em
direção à porta, ela veio atrás de mim.
— Espere... Por favor... Não tranque a porta.
Me virei para olhá-la, vendo a súplica nos seus olhos.
— O que você disse?
— Não tranque a porta por fora. Eu sei que não posso sair daqui. Eu
sei que estou presa. Mas, por favor, não me deixe trancada. Eu só quero ter
pelo menos a ilusão de que não sou uma prisioneira.
Estreitei os olhos, inundado pela certeza de que ela estava planejando
fugir. Era uma mulher inteligente, mas nada esperta.
Realmente acreditava que eu deixaria a porta destrancada por causa da
sua expressão de súplica, e que poderia escapar do palácio sem ser apanhada
pelos guardas.
Ela puxou assunto comigo, me fez engatar em uma conversa com o
único objetivo de tentar criar uma conexão que me convencesse a deixar a
porta destrancada.
Ela estava tentando me manipular e embora considerasse sua atitude
louvável, tive vontade de deitá-la sobre minhas pernas e dar uns bons tapas
naquela bunda redonda, para que aprendesse que não se devia tentar enganar
um homem como eu.
Contudo, eu a castigaria de outra maneira. De uma maneira que ela
não se esqueceria tão cedo.
— Tudo bem. Eu vou deixar a porta destrancada — declarei.
Lucy arregalou os olhos por um momento, como se não acreditasse
que eu tinha concordado.
— Obrigada.
— Mas... — hesitei, decidindo se ela merecia que eu a avisasse sobre
a conduta dos meus guardas em relação a uma mulher que sai por aí sozinha,
tarde da noite — Não tente fugir, Lucy. Estou falando sério.
— Não farei isso. Só quero me sentir menos prisioneira — mentiu ela,
descaradamente.
— Estou falando isso pro seu bem. Eu sou um homem civilizado, mas
os meus guardas não são. Não quero nem imaginar o que eles seriam capazes
de fazer se te pegassem perambulando por aí sozinha.
— Relaxe. Eu vou dormir agora.
Suspirei, desistindo, entregando-a à sua própria sorte.
— Certo. Boa noite.
— Boa noite.
Com isto, saí do quarto, fechando a porta atrás de mim. Não tranquei.
Enquanto caminhava pelo corredor, me vi completamente curioso
para saber o que Lucy faria, e até onde conseguiria chegar.
Eu podia apostar que não conseguiria chegar nem até a porta de saída,
sem ser interceptada pelos guardas.
Seria melhor que eu ficasse por perto, para evitar que meus homens
fizessem o pior com ela.
CAPÍTULO 12
Assim que a porta se fechou e ouvi os passos de Faris se afastando
pelo corredor, um arrepio percorreu minha espinha. Eu mal podia acreditar.
Ele realmente havia deixado a porta destrancada!
Por um momento, um sorriso de vitória se espalhou pelo meu rosto.
Era agora ou nunca. Mas então, a realidade bateu: eu realmente iria tentar
fugir de um palácio abarrotado de guardas armados, no meio do Oriente
Médio?
Minha pulsação acelerou. Uma mistura louca de nervosismo, euforia e
medo começou a tomar conta de mim, fazendo minhas mãos tremerem.
Mesmo ciente de que a possibilidade dessa fuga dar certo era
minúscula, eu preferia morrer tentando, do que ficar ali parada, esperando o
pior acontecer.
Tudo o que eu queria era voltar para casa, abraçar meu irmão, contar
para ele sobre esse pesadelo que estava vivendo, e nunca mais me sentir presa
desse jeito.
Fui até o closet e troquei a camisola por um vestido longo, fluido, o
mais parecido possível com as roupas das mulheres que tinham vindo ao meu
quarto. Algo que não chamasse atenção, mas que me permitisse correr se
necessário.
Ajeitei o lenço sobre os cabelos, soltei um suspiro profundo e,
silenciosamente, abri a porta.
O corredor à minha frente estava vazio e silencioso, iluminado apenas
por alguns pontos de luz dourada que realçavam a riqueza do lugar —
mármore, tapeçarias, uma beleza sufocante e, ao mesmo tempo, opressiva.
Saí de fininho, fechando a porta atrás de mim o mais suavemente
possível.
Fiz meu caminho pelo corredor, mantendo-me nas sombras. Os salões
do palácio eram enormes, com colunas ornamentadas que se erguiam até o
teto, tão alto que parecia que eu estava num templo antigo.
O silêncio carregado de tensão fazia com que meus passos, mesmo na
ponta dos pés, soassem altos demais.
Passei por uma sala cheia de almofadas e cortinas pesadas, onde dois
guardas estavam conversando em voz baixa. Congelei por um momento,
esperando que não me vissem.
Meu coração parecia pronto para explodir a qualquer momento, mas
eles continuavam falando e rindo, alheios à minha presença.
Respirei fundo e segui em frente, aproveitando que estavam
distraídos.
Meus joelhos estavam bambos. O medo fazia minhas pernas
vacilarem como se fossem feitas de gelatina, e era um esforço manter o
controle.
Tudo ao meu redor parecia amplificado: o som suave dos meus pés no
tapete, o farfalhar dos tecidos das cortinas, até mesmo o pulsar da minha
própria respiração, como se o palácio inteiro estivesse escutando meus
batimentos cardíacos.
Parei em um salão de jantar e olhei para trás, esperando que ninguém
tivesse percebido minha presença. Ainda nada.
Continuei, atravessando outro corredor longo e escuro. A iluminação
suave vinha de abajures em forma de lanternas, presas às paredes, projetando
sombras dançantes que me faziam imaginar figuras se movendo ao meu
redor.
Parei novamente. Fui até uma janela e tentei abri-la, mas estava muito
bem trancada. Tentei outras, e o resultado foi o mesmo. Aquele lugar parecia
uma verdadeira prisão.
O caminho à minha frente parecia interminável. Eu estava perdendo a
noção de direção. Aquele palácio era um verdadeiro labirinto, cheio de
corredores que se entrelaçavam, com portas enormes e fechadas, cortinas que
tremulavam de forma assustadora e salões decorados com peças de ouro que
refletiam a pouca luz, quase cegando meus olhos.
Virei uma esquina e me deparei com uma escadaria de mármore
branco, a qual desci rapidamente, mas sempre em silêncio.
Ao chegar ao andar de baixo, percebi que estava em outro corredor,
só que este parecia mais movimentado.
Pude ouvir vozes abafadas ao longe, o som de pratos tilintando e até
mesmo o ronco distante de motores, talvez de carros do lado de fora do
palácio. Mas uma coisa era certa: eu estava chegando perto de alguma saída,
e isso me encheu de esperança.
Consegui chegar até o que parecia ser a cozinha. Era enorme, bem
equipada, com balcões de mármore branco e armários de madeira escura,
lustrosos, como em um programa de culinária daqueles chiques. E estava
vazia.
Ótimo! Eu precisava achar uma saída, e se tivesse uma porta dos
fundos por ali, talvez eu pudesse encontrar uma forma de escapar. Comecei a
andar devagar, procurando por alguma escapatória, tentando não fazer
barulho.
Foi então que senti os movimentos frenéticos de patinhas correndo
sobre meus pés e olhei para baixo bem a tempo de ver um rato, gordo e
enorme, correndo sobre meus pés semidesnudos pelas sandálias rasteiras.
Tentei controlar o pânico que me invadiu, mas foi impossível e o grito
saltou da minha garganta, sem controle algum. Foi um grito agudo, histérico
e alto. Alto o suficiente para acordar a cidade inteira.
Joguei as mãos na boca imediatamente, mas era tarde demais.
O silêncio foi quebrado como vidro estilhaçado. Antes que eu pudesse
processar o que havia feito, portas começaram a bater, passos pesados se
aproximando rapidamente.
Lembrei-me de Faris dizendo que seus guardas não eram nada
civilizados e um estremecimento varreu meu corpo inteiro, o mais intenso
horror se apoderando de mim.
Ainda tentei procurar um lugar para me esconder, mas era tarde
demais. A luz da cozinha foi acesa e um, dois, cinco guardas entraram, com
armas apontadas para mim, seus olhos furiosos me fuzilando, suas bocas
gritando ordens em árabe que eu não conseguia entender.
— Não! Eu... eu estava só... não estava fazendo nada, eu juro! —
Balbuciei, levantando os braços, tentando desesperadamente explicar, mas
era inútil.
Eles continuavam gritando, suas palavras soando como chicotadas,
me cercando como se eu fosse uma ameaça real.
Após berrarem algumas perguntas em árabe, completamente
exaltados — palavras das quais eu não entendia nada —, eles se entreolharam
e soltaram gargalhadas nojentas e maliciosas, que me deixaram ainda mais
apavorada.
Eram homens repugnantes, com modos grotescos e uma violência
desmedida refletida em cada traço de suas fisionomias.
Um deles avançou em minha direção, com um sorriso que me deu
calafrios. Ele disse algo para os outros, e todos riram, aquele tipo de riso
repugnante e maldoso.
Eu sabia o que aquele riso significava. Sabia que eles estavam
tramando algo comigo. Senti o terror tomando conta do meu corpo, meus
nervos me dizendo para correr, para fugir dali, mas eu estava presa, cercada
por eles.
Eles continuaram gritando em árabe, a voz de um deles estrondosa
como um trovão, enquanto me empurravam contra o balcão da cozinha. O
medo me paralisou, mas ao mesmo tempo meu corpo entrou em modo de
alerta.
Mesmo sem entender o idioma, a linguagem corporal deles era clara.
Eles estavam me avaliando, como se eu fosse algum tipo de brinquedo.
Outro deles começou a se aproximar, mais perto do que qualquer
pessoa deveria chegar, e eu recuei instintivamente.
Mas ele segurou meu braço, apertando forte, e eu soube que minha
vida se perderia ali, nas mãos daqueles cretinos.
Tentei falar, pedir, argumentar, mas eles me interrompiam, não
somente por não compreender meu idioma, mas deixando claro que eu não
tinha nenhum direito ali, nem mesmo o de implorar pela minha vida.
Eram como animais. Eu estava desesperada.
Quando o filho da puta que me segurava tentou me puxar, a mão dele
deslizando pelo meu braço, minha reação foi automática. Levantei a mão e o
esbofeteei com toda a força que consegui reunir.
O tapa ecoou pela cozinha, e por um momento tudo ficou em silêncio.
A expressão do guarda passou de surpresa para raiva, e ele revidou com um
golpe que me fez cambalear, quase caindo no chão.
A dor queimou pelo meu rosto, e senti o gosto metálico de sangue nos
lábios. Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu soube que aquela poderia
ser a última coisa que eu faria na vida.
Me preparei para o pior. Fechei os olhos, esperando o próximo golpe,
quando ouvi outro som. Uma explosão. Não, era a porta da cozinha sendo
bruscamente aberta, com um baque violento.
Quando abri os olhos, vi Faris. Ele estava ali, de pé na entrada da
cozinha, com seus olhos queimando de fúria, sua postura ameaçadora,
parecendo um predador prestes a atacar.
Estava acompanhado por dois guardas, ambos vestidos com mais
sofisticação que os que me encurralavam, armados com potentes
metralhadoras.
Faris proferiu algumas palavras ríspidas, em árabe, e os guardas
afastaram-se de mim, curvando-se em reverência a ele, parecendo um bando
de cachorrinhos assustados.
Enquanto meu coração batia tão freneticamente que parecia prestes a
saltar do meu peito, Faris continuou gritando com seus homens.
Um deles tentou argumentar, demonstrando uma mansidão que até
poucos segundos atrás eu não imaginava que fosse capaz de externar. Mas
Faris o cortava, impedindo-o de falar.
Antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, Faris sacou
uma pistola de dentro do bolso da sua túnica, e com um movimento rápido e
preciso, atirou na cabeça do guarda que tinha me batido.
O homem caiu como um saco de batatas, sem vida, e tudo que
consegui fazer foi gritar histericamente, o mais intenso horror tomando conta
das minhas entranhas, enquanto o sangue dele se espalhava pelo chão da
cozinha.
Os outros guardas recuaram imediatamente, o medo estampado em
seus rostos, enquanto Faris caminhava até mim. Seu olhar, frio e agressivo,
me fez parar de gritar, deixando-me completamente imóvel.
— Por que saiu do seu quarto?! O que diabos você tem na cabeça?!
— Gritou ele, em inglês, seus olhos raivosos fixos em meu rosto.
— E-Eu... B-Bem... — me interrompi, sem saber o que dizer.
Minha mente estava entorpecida pelo horror, um horror acentuado
pela visão da pistola ainda na mão de Faris.
E se ele decidisse usá-la em mim?
— Por sua causa, matei um dos meus guardas! Está satisfeita?!
Sem esperar que eu respondesse, ele me agarrou pelo braço e me
puxou para fora da cozinha. Minhas pernas estavam fracas, eu tremia dos pés
à cabeça, mas ele não afrouxou o aperto.
Continuou me segurando firmemente enquanto atravessámos o
palácio, fazendo o percurso de volta ao quarto que era o meu cativeiro.
Eu não conseguia dizer nada, estava atordoada demais pelo que
acabara de presenciar, pelo fato de que ele tinha matado uma pessoa, a
sangue frio, com a mesma naturalidade de quem acende um palito de fósforo.
Quando chegamos ao meu quarto, Faris abriu a porta com brutalidade,
quase arrancando-a das dobradiças, e me empurrou para dentro, seguindo-me
e fechando a porta às suas costas.
Ele guardou a pistola de volta no bolso, e se colocou à minha frente,
parecendo muito grande e letalmente ameaçador, com seus olhos negros
brilhando de fúria.
— Preste bem atenção no que vou dizer, Srta. Reynolds, porque não
vou repetir — vociferou, com os dentes trincados — Eu não gosto de ser
manipulado, tampouco de ser enganado como você tentou fazer, fingindo
puxar conversa para se aproximar e depois me convencer a deixar a porta
destrancada.
— Eu não puxei conversa para te convencer — e era verdade.
Eu só estava curiosa em relação a ele, pois era um homem calado e
reservado, do tipo que desperta a curiosidade. A ideia de pedir que deixasse a
porta destrancada surgiu de última hora.
— Não seja mentirosa! — dessa vez ele gritou, sua voz soando como
o estrondo de uma violenta trovoada — Não tente isso de novo. Da próxima
vez não vou matar o meu guarda. Deixarei que eles façam o quiserem com
você e, se escapar com vida, a devolverei para Khalid alegando que teve
relações sexuais com outro homem. E não queira nem imaginar como Khalid
trata uma mulher que considera adúltera!
Digeri as palavras dele e abracei meu próprio corpo, tentando
controlar os tremores que se instalavam em mim, enquanto seus olhos ferozes
varriam-me de cima até embaixo.
— Ótimo! Parece que você entendeu! — Dito isto, Faris deu-me as
costas e deixou o quarto, com passos firmes e apressados.
Desta vez, dei graças a Deus ao ouvi-lo trancado a porta pelo lado de
fora, pois era quase uma garantia de que aqueles animais não entrariam aqui.
Ainda em choque pela brutalidade que presenciei — por ter visto um
homem ser assassinado bem diante dos meus olhos —, atirei-me na cama,
com o corpo tomado por tremores e a mente entorpecida.
A única coisa em que eu conseguia pensar era que precisava
urgentemente encontrar uma maneira de fugir desse lugar, pois jamais estaria
segura aqui.
CAPÍTULO 13
A pilha de papéis à minha frente parecia crescer a cada segundo. A
economia de Fujairah estava no fio da navalha, com taxas de exportação
subindo, e meus conselheiros tagarelando sobre mil estratégias para salvar o
emirado de uma crise que parecia inevitável.
Não que eles não tivessem boas ideias, o problema era que todas eram
irreais ou complicadas demais para implementar rapidamente. Todos tinham
um plano, mas ninguém tinha uma solução concreta.
— E se a gente cortar o imposto da pesca por dois anos? — Sugeriu
Hamid, um dos conselheiros mais velhos, enquanto eu estava perdido na
vigésima página de um relatório que parecia ter sido escrito em sânscrito.
— E o buraco no orçamento? — Rebateu Faisal, outro conselheiro,
balançando um grosso caderno de anotações na frente do meu rosto — Isso
vai causar um rombo enorme, Hamid. Temos que pensar a longo prazo, não
só no próximo trimestre.
— E se aumentarmos a taxação de importação de produtos? —
Insistiu Hamid, como se a ideia fosse resolver tudo com uma varinha mágica.
Eu queria esmurrar a mesa. Esmurrar a mesa e jogar todos aqueles
papéis para o alto, sair dirigindo para qualquer lugar, esquecer o que era ser
um sheik.
Mas, claro, isso não era uma opção. Então, permaneci ali, tentando
manter a calma enquanto eles se debatiam em uma discussão que parecia não
nos levar a lugar algum.
De súbito, uma batida na porta tirou minha atenção daquele caos. Era
Noor, minha irmã mais velha, sempre tão formal e cerimoniosa. Por alguma
razão, ela achou que aquele era o momento perfeito para interromper uma
reunião crucial.
Ela chamou Hamid até a porta e cochichou algo para ele, algo que
aparentemente era urgente. Quando ele voltou para a mesa, eu já estava
fervendo de irritação.
— O que foi agora? — perguntei, sem fazer questão de esconder
minha impaciência.
Hamid hesitou, como se estivesse prestes a dar uma notícia de vida ou
morte.
— Sua irmã quer saber... se o senhor deseja algo especial para o jantar
desta noite, já que receberão o Sr. Khalid.
O quê?! Eu estava aqui tentando salvar o emirado de uma crise
econômica, e eles queriam que eu pensasse no cardápio do jantar?
Respirei fundo, tentando controlar a raiva que borbulhava dentro de
mim. Era sexta-feira. Eu já tinha até esquecido que Khalid havia se oferecido
para vir jantar aqui hoje.
— Diga a ela que prepare um jantar como se fosse para qualquer outra
visita. Nada de especial — respondi com os dentes cerrados.
A última coisa que eu precisava era ter que me preocupar com o que
Khalid iria comer.
A lembrança daquele jantar intensificou minha irritação. Eu odiava
aquele cara e odiava ainda mais a situação em que ele me colocara.
Era como se tudo girasse em torno dele, como se eu tivesse a
obrigação de tolerá-lo pelo bem do meu povo. E ainda por cima havia Lucy.
Uma mulher com um gênio tão forte quanto os ventos de um deserto.
Como, exatamente, eu iria convencer Khalid de que ela havia sido
domada? De que agora era uma concubina obediente e meiga? Só Allah[6]
sabia como ela seria capaz de se comportar diante do olhar investigativo
dele.
Ele insistia para que ela comparecesse a esse maldito jantar como uma
concubina, pois sua presença seria uma oportunidade para sondar se eu havia
realmente aceitado o "presente" controverso que ele me dera.
Queria confirmar se eu a tinha subjugado, demonstrando assim minha
cumplicidade com seus atos ilícitos e inescrupulosos.
A verdade, porém, era que eu não via Lucy há três dias, desde sua
tentativa de fuga. Se Khalid realmente tivesse um espião entre meus
empregados, já sabia que eu não visitava o quarto dela com a frequência de
um amante.
Embora isso, por si só, não fosse algo comprometedor, já que poderia
facilmente ser interpretado como um sinal de que eu estava irritado com ela
por tentar escapar.
Meus conselheiros continuavam discutindo sobre a economia, mas
minha mente estava longe, perdida no problema imediato de convencer Lucy
a se comportar com docilidade suficiente para persuadir Khalid de que havia
se tornado minha concubina.
De acordo com as empregadas que tentavam ensiná-la a como se
portar, ela não estava colaborando nem um pouco. Recusava-se a usar as
roupas de odalisca, a aprender os passos da dança do ventre, por considerar
todo esse ritual humilhante para uma mulher.
Eu poderia me livrar desse problema simplesmente devolvendo-a a
Khalid com a alegação de que era selvagem e indomável a ponto de não
servir aos meus interesses carnais. Se ela própria não se esforçava por salvar-
se dele, por que eu teria que me empenhar?
No entanto, eu não conseguiria devolvê-la sabendo do destino que ela
teria.
Eu precisava falar com ela, lembrá-la do que aconteceria se Khalid a
levasse de volta. Ela precisava entender que uma dança do ventre era nada
perto dos horrores que atravessaria nas mãos daquele imbecil.
A raiva ainda fervia dentro de mim pelo truque sujo que ela tentara
usar para fugir na noite em que visitei o seu quarto. E agora, não tinha
dúvidas de que tentaria outras manobras, acreditando que poderia me
manipular.
Tudo o que eu queria era salvá-la do destino mais cruel que uma
mulher como ela poderia enfrentar, e ainda assim, ela se mostrava ingrata.
Parte do motivo pelo qual aceitei mantê-la comigo foi, sim, para
ganhar a confiança de Khalid. Mas a outra parte, talvez a mais importante, foi
para protegê-la dele.
Se eu não a tivesse trazido, se tivesse recusado aquele maldito
presente, agora ela estaria nas garras daquele porco, sofrendo os piores
abusos e humilhações.
E ela sabia agradecer? Claro que não! Preferia tentar fugir, como se lá
fora fosse mais seguro do que aqui.
Me levantei abruptamente, interrompendo o falatório incessante na
sala de reuniões.
— Vamos continuar isso depois. Tenho... um assunto urgente para
resolver — anunciei, já saindo da sala antes que alguém pudesse argumentar.
Eles ficaram para trás, confusos e trocando olhares, mas eu não me
importava.
Atravessei os salões do palácio com passos firmes e determinados, me
dirigindo ao quarto de Lucy.
Quanto mais me aproximava, mais a raiva crescia em minhas veias,
por ela não se esforçar nem para salvar a si mesma, por ter tentado me
manipular para fugir na outra noite.
Como se atrevia a me confrontar dessa maneira?!
Quando cheguei ao quarto de Lucy, empurrei a porta com força, sem
me importar com a cerimônia.
Ela estava sentada em uma poltrona, com as pernas penduradas de
maneira totalmente displicente.
Usava um vestido longo colorido, cuja saia se encontrava embolada
no meio de suas coxas, de forma completamente inadequada, deixando suas
longas e bem torneadas pernas em evidência.
Tentei não olhar para elas, mas foi exatamente para onde meu olhar
correu. Sua pele parecia ainda mais aveludada, e terrivelmente tentadora.
O corpo dela enrijeceu instantaneamente ao me ver. Seus olhos se
arregalaram do mesmo medo de antes. Pelo menos dessa vez ela não foi parar
do outro lado do quarto.
— Levante-se — ordenei, sem dar espaço para discussão.
Lucy ficou parada por um momento, talvez pensando em como
responder, mas no fim se levantou devagar, o olhar fixo no meu, como se
tentasse ler minhas intenções.
— O que você quer agora? — Ela perguntou, cruzando os braços,
tentando parecer mais corajosa do que realmente estava.
Eu respirei fundo, tentando manter a calma.
— As empregadas disseram que você não está se empenhando nem
um pouco para aprender a como se portar no jantar dessa noite! — Minha voz
soou ríspida e alterada — O que diabos você tem na cabeça?! Será que ainda
não entendeu que existe a possibilidade de Khalid levá-la de volta, se
perceber que não estamos juntos?! Será que ainda não compreendeu o que ele
fará com você, se te levar daqui?!
Ela empinou o queixo, fitando-me com ar de desafio, como ninguém
mais fazia, e da forma como nenhuma mulher árabe se atrevia a agir na
presença de um homem.
— Não finja que está preocupado comigo! — Disparou — Eu sei que
seu único interesse aqui é fortalecer seus laços políticos com Khalid!
Dei um passo na direção dela, a irritação subindo pelo âmago.
— Não nego que aceitei você de presente para estreitar meus laços
políticos com ele, mas eu poderia fazer isso de inúmeras outras formas. Aliás,
se eu a devolver com a desculpa de que você não serve para ser amante de
um homem na minha posição, meus laços com ele permanecerão intactos,
talvez até mais inquebráveis. Por outro lado, para você as coisas não seriam
tão agradáveis.
A Srta. Reynolds engoliu em seco, dando um passo para trás, seus
olhos cor de avelã expressando o mais intenso pavor.
— Tá, não precisa ser tão extremo. Eu estou me esforçando aqui.
Tentei aprender a tal dança do ventre, mas não levo jeito. O que você quer
que eu faça?
— As empregadas disseram que você não se esforçou nem um pouco!
— Acusei.
— Isso é mentira! Eu tentei sim, mas aquelas roupas são ridículas!
Sem falar no quanto parece humilhante ficar dançando na frente de vocês,
enquanto vocês jantam.
— Não é humilhante, é tradição. As concubinas fazem isso.
— Acontece que não sou uma concubina, e nunca seria. Se tivesse
nascido com esse destino traçado, daria um jeito de fugir dele.
— Você não é, mas precisa fingir que é, pelo seu próprio bem. Você
precisa começar a se esforçar. Precisa aprender a como se comportar, pois
Khalid está de olho. Para começar, você não pode, em hipótese alguma,
sentar-se da forma como estava agora, na frente de qualquer outra pessoa,
principalmente de um homem.
— Como assim da forma como eu estava sentada agora? Não entendi.
— Com suas pernas aparecendo. Você não pode sair por aí mostrando
partes do seu corpo.
— E por que não? No meu país, quando está fazendo calor, eu saio na
rua de shortinho e blusa curta, e não tem nada de mais nisso. Por acaso os
homens daqui não sabem se controlar?
Cerrei os punhos, apertando-os com força, irritado com a petulância
inesgotável daquela mulher.
— Apenas escute o que estou dizendo e obedeça! — Rosnei.
Ela abriu a boca para retrucar, mas ergui a mão para silenciá-la.
— Sem joguinhos, Lucy. Sem tentativas de fuga, sem respostas
afiadas. Eu não tenho tempo para isso, e garanto que você também não quer
brincar comigo agora.
— Eu não faço joguinhos. Você que foi besta de deixar a porta do
quarto destrancada. Qualquer pessoa no meu lugar teria tentado fugir.
— Pro seu bem, não tente aquilo de novo. Da próxima vez, não vou
intervir e você já teve uma boa amostra do que meus guardas são capazes de
fazer com uma mulher indefesa — falei, e o pavor se estampou novamente na
expressão do olhar dela.
— Não vou tentar — anunciou.
— Ótimo, finalmente você está começando a compreender a
realidade.
— Eu a compreendi desde o início, apenas me recuso a aceitar
passivamente ser mantida em cativeiro sem ter cometido nenhum crime.
Algo na forma como ela pronunciou aquelas palavras provocou um
aperto indesejável em meu peito.
— Você não está exatamente em um cativeiro. Minhas empregadas
não estão tratando você bem?
— Elas são legais, mas se não posso ir para casa, ver minha família,
estou presa.
Subitamente me perguntei quem mais, além da sua família, ela estava
tão ansiosa para ver e balancei a cabeça, afastando esse pensamento.
Aquela garota tinha o estranho poder de me distrair com facilidade, eu
precisava ficar atento, perto dela, ou seria novamente enredado por seus
joguinhos de manipulação.
— Veja pelo lado positivo, pelo menos você não é prisioneira de
Khalid — comentei — Mas chega de conversa, não vim aqui para conversar.
Vamos ao que interessa. Você precisa aprender a se comportar como uma boa
amante e vou te ensinar.
CAPÍTULO 14
Caminhei até o aparelho de som, e o liguei. A música lenta,
romântica, ecoou pelo aposento, enchendo-o com um ritmo nostálgico e
sensual.
— Vista-se com os trajes que as empregadas trouxeram para esta
noite. Quero ver como está o seu desempenho — ordenei.
— Agora? — Lucy parecia surpresa.
— E por que não? O jantar é hoje e Khalid não é burro. Ele vai
escrutinar cada movimento nosso para checar se estamos mesmo juntos! —
Falei, sentando-me em uma poltrona, ignorando o vibrar insistente do celular
no bolso da minha túnica.
Provavelmente era um dos conselheiros ligando para me encher o
saco com um dos milhões de problemas que eu tinha para resolver.
Eu estava pronto para ver Lucy sair correndo para o closet ou pelo
menos pedir para eu esperar do lado de fora. Algo que qualquer mulher
decente faria.
Mas, ao invés disso, para meu choque total, ela simplesmente afastou-
se alguns passos e, com uma naturalidade desarmante, começou a tirar o
vestido bem ali, na minha frente.
Num segundo, estava de pé, num tecido leve e colorido, e no instante
seguinte, estava vestida apenas com uma calcinha preta e um sutiã de renda,
que realçavam seu corpo de uma maneira que eu não estava nem um pouco
preparado para ver.
Por Allah, o que essa garota estava fazendo?
Meu corpo endureceu no mesmo instante, e o desejo bateu como um
soco, descendo pelo âmago e me queimando por dentro. Era uma sensação
crua, intensa, algo que eu não experimentava havia muito tempo.
Minhas mãos se fecharam em punhos instintivamente, como se eu
tivesse que me segurar para não... Eu não podia pensar nisso. Não podia me
deixar levar pelo que estava vendo.
— O que diabos você está fazendo?! — Consegui dizer, embora
minha voz tenha soado rouca.
Me forcei a não desviar o olhar, a manter o foco nos seus olhos, e não
naquele corpo cheio de curvas tentadoras.
Lucy me lançou um olhar inocente, como se estivesse apenas
escolhendo o que pedir para o jantar.
— Ué, você disse para eu me trocar. Vou colocar aquela roupa
horrível, mas primeiro tenho que tirar essa, né?
Eu queria gritar. Ou talvez rir, ou talvez... Bem, eu definitivamente
queria que ela se vestisse logo. Mas, ao mesmo tempo, meus olhos estavam
presos naquele corpo. E que corpo!
Seus ombros eram delicados, a pele brilhava sob a luz dourada do
quarto, e o contorno dos seus seios sob o sutiã parecia implorar para ser
tocado.
Havia uma curva suave em sua cintura que descia até os quadris, e a
calcinha pequena deixava pouco para a imaginação.
Tudo nela era terrivelmente feminino, uma combinação de delicadeza
e suavidade que parecia ser desenhada para enlouquecer qualquer homem.
— Isso é... inapropriado — resmunguei, tentando parecer firme, mas
minha voz falhou na última palavra, traindo a avalanche de pensamentos que
me invadia — Não é assim que uma mulher deve agir... você não deveria se
despir desse jeito na frente de... de...
Ela riu.
— Na frente de um desconhecido? — completou, com um sorriso
debochado — Relaxa, já fui à praia com menos roupa que isso. E com muito
mais desconhecidos por perto, acredite.
— Isso não é uma praia! — retruquei, sabendo que minha tentativa de
manter a autoridade estava se desfazendo rapidamente — E eu não sou
qualquer desconhecido. Você não pode simplesmente... — Eu gesticulei na
direção dela, incapaz de terminar a frase sem deixar claro o que eu realmente
estava pensando.
— Ok! — Ela disse, balançando a cabeça, enquanto entrava no closet,
deixando a porta aberta — Não precisa ter um infarto. Vou colocar essa
roupa ridícula e acabar logo com isso.
Respirei fundo, tentando me lembrar de porque eu estava ali, tentando
focar no maldito jantar e em Khalid, e não na tentação que Lucy
representava.
Quando ela saiu do closet, vestida com o traje de odalisca, meu
primeiro pensamento foi que aquilo estava ainda pior.
O conjunto era feito de camadas de seda translúcida, deixando à
mostra mais do que cobria, e adornado com bordados dourados que
brilhavam sob a luz suave do quarto.
A saia era solta, fluida, mas com aberturas laterais que deixavam suas
pernas à mostra a cada movimento.
E a parte de cima... Era como se alguém tivesse pegado duas tiras de
tecido e decidido que aquilo era suficiente para cobrir seus seios, amarrando-
as atrás do pescoço.
Lucy olhou para mim, girando o corpo de forma exagerada, como se
estivesse num desfile de moda.
— E aí, o que achou? Pronto para o show de horrores? — Indagou.
Minha boca estava seca, e levei alguns segundos para conseguir
responder.
— É... aceitável — menti, desviando o olhar. Na verdade, ela estava
incrível, mas a última coisa que eu precisava era que ela soubesse o efeito
que sua simples imagem causava sobre mim. Eu não conseguiria externar o
que sentia sem parecer um maldito aproveitador — Agora, vamos à dança.
Quero ver o que você aprendeu.
— Ah, sério mesmo? — Ela gemeu, como se eu estivesse pedindo
para ela subir no teto.
Mas, ainda assim, respirou fundo, revirou os olhos, e começou a se
mover.
Foi desastroso. Lucy tentou balançar os quadris, mas parecia mais
uma boneca desajeitada do que uma dançarina. Seus movimentos eram
bruscos, rígidos, e ela tropeçou duas vezes na própria saia.
Eu não pude deixar de rir, um riso curto e inesperado que saiu antes
que eu pudesse segurar.
— Credo! Foi tão horrível assim? — Indagou ela.
— Foi — respondi — Você está fazendo isso tudo errado! Aqui,
assim... — Eu me levantei, aproximando-me dela.
Pousei uma das minhas mãos em seu quadril, tentando guiá-la nos
movimentos certos, enquanto a outra segurava sua mão, erguendo-a
suavemente.
O toque da minha mão na sua pele macia, sentindo o desenho perfeito
do seu quadril, incendiou ainda mais as chamas do desejo que já ardiam
dentro de mim, apesar de todos os meus esforços para controlá-las.
O desejo era visceral, quase impossível de conter.
Tudo o que eu queria era jogá-la sobre aquela cama e devorar cada
curva do seu corpo, saciando essa fome selvagem que ela despertava em
mim. Mas eu não era um homem que se rebaixaria a isso.
Lucy estava no meu palácio como uma prisioneira, arrancada
brutalmente da sua vida. Ela não estava aqui por escolha, e a última coisa que
eu faria seria me aproveitar de sua vulnerabilidade, por mais que a tentação
fosse esmagadora.
— Você precisa mover os quadris de forma fluida, e não como se
estivesse fugindo de uma briga — instruí — Precisa trabalhar melhor sua
postura, olhar para o chão, fingir submissão. Suas habilidades de dançarina
não vão contar tanto, mas sua postura obediente será julgada.
— Caramba! Você sabe mesmo como uma concubina deve se portar.
Aposto que muitas delas já dançaram para você — seu tom de voz era
acusador.
— Eu nunca tive uma concubina, se é isto que está insinuando.
Uma ruga se formou no meio da testa dela.
— E por que não? Não gosta de mulheres?
Revirei os olhos.
— Não gosto desta forma.
— Achei que fosse algo natural no seu país.
— É, mas não para mim — ela continuou me encarando com aqueles
olhos cheios de curiosidade e questionamentos — Vamos ao que interessa.
Você precisa aprender.
Continuei a guiar seus movimentos com a voz, instruindo como
deveria fazer, até perceber que, aos poucos, seu corpo se adaptava ao ritmo da
música.
Mesmo que ela estivesse claramente perdida, seus passos começaram
a ganhar forma.
— Melhorou? — ela indagou, a voz baixa, quase um sussurro perto
do meu ouvido, e percebi o quanto estávamos próximos, o calor do corpo
dela misturando-se ao meu, intensificando aquela sensação lasciva que eu não
conseguia evitar.
— Melhorou — afastei-me do contato tentador com seu corpo e voltei
a sentar-me na poltrona, observando-a — Continue, você precisa treinar.
Achei que manter distância acalmaria o caos que ela provocava em
mim, mas isso foi uma ilusão cruel. Quando Lucy voltou a se mover, seus
quadris balançando no ritmo da música, e seus seios pequenos e firmes
sacudindo com cada passo, fui dominado por um desejo incontrolável.
Meus olhos grudaram em suas curvas como se ela tivesse algum tipo
de poder sobre mim, uma hipnose da qual eu não conseguia escapar.
Foi preciso um esforço descomunal para não ceder à tentação de
rasgar suas roupas e me perder, completamente, no calor irresistível daquele
corpo delicioso. O controle que eu tentava manter estava por um fio.
— E então, por que você não tem uma concubina de verdade, se essa
prática é tão comum entre os homens árabes? — Lucy indagou, enquanto
continuava dançando, porque ficar calada era outra habilidade que ela não
dominava.
— Porque não acredito nesse tipo de relação.
— E como você faz para saciar seus desejos carnais?
— Desejos carnais? — Repeti, sem conseguir controlar o riso.
— Sim, os seres humanos têm desejos carnais, ou melhor dizendo,
desejos sexuais. Principalmente os homens. Você não é diferente.
— Esse tipo de conversa não é adequado para uma concubina.
— Acredite, não vou perguntar ao Khalid sobre os desejos sexuais
dele.
— Tente falar menos e olhar mais para o chão quando estiver
dançando — instruí, tentando desviar do assunto.
Será que Lucy não percebia que, nesse instante, meus desejos sexuais
estavam à flor da pele, e que eu poderia facilmente perder o autocontrole,
jogá-la contra uma parede e tomá-la até saciar esse fogo que me consumia?
— Se eu me curvar mais que isso, vou acabar entortando —
respondeu, malcriadamente — Mas você está mudando de assunto. Não sou
como as reservadas mulheres árabes, tenho o costume de falar abertamente
sobre sexo. Pode falar comigo. Por acaso você é gay?
A irritação que ela tinha o dom de suscitar, voltou a correr em minhas
veias.
— Não. Eu não sou gay.
Sem interromper a dança, Lucy ergueu o olhar e o prendeu ao meu.
Nossos olhos se encontraram, em um confronto silencioso e carregado de
tensão.
O mundo ao redor pareceu se dissipar, deixando apenas nós dois
naquele instante, enquanto uma corrente elétrica pulsava entre nós, crua e
ardente.
A atmosfera se tornou densa, tomada por uma energia visceral, quase
palpável, que incendiava o ar ao nosso redor, como se o próprio desejo
tivesse ganhado vida.
Fui o primeiro a desfazer o contato visual, levantando-me.
— Você já melhorou, mas continue treinando. Tenha em mente que
sua postura é mais importante que os passos da dança — dei-lhe as costas e
caminhei alguns passos em direção à porta, ouvindo sua voz atrás de mim.
— Não vá ainda. Preciso de mais instruções.
— Eu tenho que trabalhar — dito isto, abri a porta e deixei o quarto.
CAPÍTULO 15
Se eu dissesse que estava preparada para me apresentar como uma
concubina submissa e obediente para um sheik e sua família real, estaria
mentindo descaradamente.
Na verdade, aquele ritual me parecia algo saído diretamente da Idade
Média. Era isso que esperavam de mim? Dançar com roupas de odalisca e
encenar esse papel de mulher humilhada, apenas para impressionar Khalid e
sua comitiva?
Se fosse só para Khalid, tudo bem, mas a presença da família de Faris
fazia a coisa ficar dez vezes pior. O que eles estariam pensando de mim? Será
que sabiam a verdade sobre como vim parar aqui?
Eu não sabia o que era mais constrangedor, se eles soubessem da
verdade, ou se pensassem que eu era amante de Faris — uma concubina que
servia apenas para o sexo —, por livre e espontânea vontade.
Que pesadelo!
Ainda no quarto, Salma me ajudava a finalizar os últimos detalhes
para a apresentação, enquanto eu me sentia como uma prisioneira prestes a
enfrentar um tribunal.
Até onde eu sabia, Salma era a única empregada do palácio que falava
inglês, e vinha trazer comida para mim todos os dias, além de sempre
conversar comigo.
Era gentil e prestativa, embora isso não fosse suficiente para que eu a
perdoasse por me vez presa ali e não fazer nada para me ajudar, nem mesmo
avisar as autoridades.
Ela não sabia que meu relacionamento com Faris era uma farsa, e nem
seria eu a contar-lhe, pois quanto menos pessoas soubessem, menores seriam
as chances de Khalid descobrir a verdade.
Embora Salma se mostrasse uma pessoa educada e prestativa, havia
momentos em que eu queria estrangulá-la.
A maneira como agia, como se eu fosse sortuda por ter me tornado a
amante do seu adorado sheik, me irritava profundamente.
Era como se ela acreditasse que eu deveria estar agradecida, como se
ser tratada como mercadoria e viver sob o domínio de um homem fosse um
privilégio.
Ela ficava exultante toda vez que mencionava o fato de que eu era a
concubina de Faris, como se ele nunca tivesse tido uma mulher ao seu lado
antes, como se minha presença ali fosse o maior acontecimento da História
dos Emirados Árabes.
O que eu não conseguia entender, era porque um homem tão bonito e
poderoso como Faris não tinha ninguém. Algo não fazia sentido.
Cheguei a cogitar que ele pudesse ser gay, afinal, por que outro
motivo um homem como ele, com todas as oportunidades do mundo, estaria
sozinho?
Mas essa teoria foi por água abaixo mais cedo, quando ele me olhou
daquele jeito enquanto eu tirava o vestido.
Ele estava com tesão, enquanto me observava, pude ver isso na
expressão dos seus olhos negros, tão intensos que me tiravam o juízo.
Se ele fosse um carinha qualquer, que eu tivesse conhecido em um
bar, com certeza eu já teria pulado no pescoço dele e verificado o gosto que
aquela boca carnuda tinha.
— Isso é ridículo — murmurei, tentando ignorar o nó que se formava
no meu estômago, enquanto Salma me ajudava a terminar de vestir a roupa
de odalisca.
— Não é não — disse Salma, com aquele seu jeito calmo de sempre
— Você está linda. Dez entre cada dez mulheres deste país queriam estar no
seu lugar agora, tendo a honra de dançar para nosso sheik, sua família, e
convidados.
Dançar na frente de Khalid, Faris e toda a família real? Como se eu
fosse uma dessas mulheres subjugadas, treinadas para obedecer sem
questionar? Era degradante!
Mas eu sabia que se não fizesse isso, seria ainda pior. Khalid tinha
que acreditar que eu era uma concubina domada e humilhada, ou tudo iria
pelos ares, e aquele porco poderia tentar me levar de volta para os seus
domínios.
— Não sei se vou conseguir fazer isso. Estou tão nervosa.
— Você consegue. Respire fundo e dê o seu melhor — Salma
afastou-se alguns passos, examinando-me dos pés à cabeça, com expressão
satisfeita e um sorriso no rosto — Você precisa estar perfeita. Lembre-se de
não falar com ninguém, apenas dance quando mandarem e mantenha a cabeça
baixa. É muito importante.
— Não entendo como existem mulheres que realmente conseguem
viver assim — reclamei.
Salma franziu o cenho, claramente confusa com a minha resistência.
— É uma vida boa. Você pertence ao sheik. Ele sempre vai protegê-la
e cuidar de você, como fez quando aquele guarda tentou te fazer mal —
lembrei-me de Faris atirando a sangue-frio no guarda, e um calafrio desceu
pela minha espinha — Em troca, você precisa ser obediente e amável. Isso é
o que uma concubina faz.
Uma concubina. Essa palavra ainda fazia meu estômago revirar. Eu
não conseguia acreditar que estava prestes a fingir ser algo que eu jamais
seria. Fingir ser uma mulher treinada para agradar um homem.
A ironia da situação era quase engraçada. Quase.
Enquanto eu tentava ajustar a saia para cobrir mais minha perna —
uma missão impossível, para ser honesta — ouvi o som de uma batida na
porta e soube quem estava do outro lado.
Salma abriu a porta e lá estava ele. Faris. Em toda a sua glória
arrogante e dominante. A túnica branca e fluida que ele usava parecia realçar
ainda mais seu porte imponente. Seus olhos negros e profundos como o
abismo, cravaram-se em mim com uma intensidade avassaladora.
Por um instante, ele ficou parado na porta, me olhando de cima a
baixo, e pude ver a respiração dele mudar, tornando-se mais pesada, como se
estivesse tentando controlar alguma coisa dentro de si.
Seu olhar encontrou o meu e foi como se o tempo tivesse parado, sem
que eu conseguisse desfazer o contato visual. Aqueles segundos se
estenderam por horas, até que finalmente ele deu um passo para frente,
fechando a porta atrás de si.
— O jantar terminou. Agora precisamos convencer Khalid — ele
murmurou, quebrando o silêncio — Finja que está à vontade com isso.
— Fingir que estou à vontade? — Minha voz saiu mais alta do que eu
pretendia, o tom afiado e carregado de indignação — Faris, eu estou vestida
como uma dessas dançarinas de filmes de ação dos anos 90! E você quer que
eu aja como se fosse natural? Como se eu não estivesse a um passo de
desmaiar de vergonha?
Ele cerrou o maxilar, os músculos da mandíbula saltando como se
estivesse prestes a me cortar com as palavras. Mas em vez disso, respirou
fundo e passou a mão pelo cabelo, claramente tentando manter o controle.
— Não há do que se envergonhar. Todos estão acostumados a ver
odaliscas e concubinas dançando em Fujairah. É tão normal quanto pentear
os cabelos.
— Não é normal para mim. Nem quando era adolescente eu dançava,
que dirá dançar vestida assim, na frente de um bando de desconhecidos.
Faris fechou os olhos por um instante, como se estivesse se
esforçando para não perder a paciência. Quando os abriu de novo, seu olhar
estava frio como gelo.
— Ouça — ele disse, a voz baixa, mas carregada de autoridade —
Quando estiver na presença de todos, você vai precisar se portar como muita
docilidade e submissão. Isso significa ser discreta, manter a cabeça baixa,
dançar como lhe ensinaram. E se você fizer qualquer coisa que faça Khalid
desconfiar, ele vai descobrir a verdade. E quando isso acontecer eu não
poderei protegê-la.
O aviso estava claro, e por mais que eu quisesse gritar, brigar, sair
correndo, sabia que ele tinha razão.
Mas isso não diminuía a raiva, a humilhação de estar ali, usando
aquela roupa, sendo obrigada a encenar uma mentira para proteger minha
própria vida.
— Nunca precisei ser submissa a ninguém, muito menos a um
homem. Mas vou resgatar meu lado atriz, ou pelo menos tentar.
A expressão de Faris suavizou por um momento. Ele deu um passo à
frente, e o cheiro amadeirado do seu perfume me atingiu em cheio, me
fazendo esquecer, por um segundo, todo o ódio que eu sentia.
Ele ergueu a mão, e por um segundo achei que fosse tocar meu rosto,
mas então ele parou, seus dedos pairando no ar, tão perto que eu pude sentir o
calor deles.
— Você consegue fazer isso, Lucy — ele disse, mais suave agora —
Precisa fazer. Só por esta noite. Apenas finja.
Assenti, engolindo o nó na minha garganta. Era a única opção que eu
tinha. Fingir, dançar, ser o que ele precisava que eu fosse.
— Eu vou conseguir — declarei.
— Ótimo — ele murmurou, recuando, assumindo de novo aquela
postura rígida e distante — Vamos. Eles estão esperando.
Faris se virou e abriu a porta, sem olhar para mim enquanto saía.
Enquanto eu o seguia para fora, estava a ponto de suar frio, mas tinha que
manter a calma. Fingir que tudo estava normal.
Caminhamos pelos longos corredores do palácio, onde minhas
sandálias faziam um leve eco a cada passo no chão de mármore polido. O
som era quase hipnótico, como se marcasse o ritmo das batidas aceleradas do
meu coração.
Meus olhos se perderam nas tapeçarias das paredes, nas lâmpadas
douradas que pendiam do teto, tentando me distrair, mas sem sucesso.
Eu só conseguia pensar na dança que teria que executar, vestida
daquele jeito, parecendo uma mistura de Barbie erótica com um macaco de
circo, na frente de um bandido, um sheik e sua família inteira.
CAPÍTULO 16
Chegamos ao salão, e a visão à minha frente me atingiu como uma
onda poderosa. Aquele lugar parecia saído de um filme de suspense, com
uma opulência quase sufocante.
Tudo era excessivo. Almofadas ricamente bordadas estavam
espalhadas em cada canto, tapetes vermelhos cobriam todo o piso de
mármore, e velas acesas lançavam um brilho amarelado que dançava nas
paredes douradas, criando sombras sinuosas.
Cada detalhe transbordava luxo, mas ao invés de fascínio, aquilo me
causava uma sensação crescente de claustrofobia. Era como se eu estivesse
adentrando uma cova de leões, sendo avaliada e observada.
O jantar já havia terminado, mas as pessoas permaneciam reunidas,
sentadas em sofás luxuosos, suas posturas relaxadas enquanto tomavam chá.
Todos eles pareciam espectadores silenciosos, como se estivessem
esperando que o verdadeiro espetáculo começasse. O meu espetáculo.
Entre os presentes, reconheci o rosto abominável do homem com
quem Faris me negociava no dia em que acordei em outro palácio, logo após
o sequestro. Não havia dúvida, aquele era Khalid, o "convidado de honra".
Seu nome parecia carregar o peso da minha miséria. Seus olhos cruéis
me fitaram de cima a baixo, como se ele estivesse me despindo. Um sorriso
odioso estava estampado em seu rosto, e tive vontade de mandá-lo enfiar
aquele sorriso onde o sol jamais brilha.
Ao lado dele havia uma garota bem jovem, de rosto pálido e olhos
vazios, a quem ele provavelmente obrigou a vir. Aquela menina parecia
precisar urgentemente de um resgate, e me vi refletida nela, como alguém
que, apesar de parecer composta, estava quebrada por dentro.
Havia outras figuras ali. Dois idosos, que eu deduzi serem os pais de
Faris; um homem mais jovem, com um sorriso relaxado que só podia ser seu
irmão; e uma mulher de postura rígida e rosto sério, sua irmã, provavelmente.
Todos se vestiam com trajes luxuosos, tipicamente árabes, e me
olharam ao mesmo tempo, assim que avancei pelo recinto.
Faris tomou minha mão, segurando-a com firmeza, como se eu fosse
um bichinho de estimação que ele precisasse manter no controle.
Surpreendentemente, me puxou para sentar-me ao seu lado, em um sofá de
três lugares.
Ao acomodar-me perto dele, senti seu toque possessivo envolver
minha cintura. Aqueles dedos quentes, longos, me tocando de um jeito que
parecia mais íntimo do que eu gostaria de admitir.
Quando me puxou para mais perto, fazendo questão de parecer que eu
era dele, senti a ponta dos seus dedos acariciando a pele nua da minha cintura
e algo em meu íntimo se agitou, como aconteceu quando ele me tocou ao
tentar me ensinar os passos de dança.
Seu toque era algo quente, quase instintivo.
— Se meu irmão não faz as apresentações, eu faço — disse o irmão
de Faris, com um inglês quase impecável — Sou Rami, irmão mais novo do
sheik. Essa é nossa irmã Noor e esses são nossos pais.
— Encantada em conhecê-los. Sou Lucy — murmurei, sem olhar
muito na direção deles, temendo me perder no papel de submissão.
— O que está achando do nosso país, Lucy? — Indagou Noor, e
lancei um olhar rápido na direção dela, mas sem manter os olhos fixos.
— Você quer que eu seja gentil, ou que seja sincera?
Faris apertou minha cintura com mais firmeza, como se me alertasse e
percebi que quase havia escapado da minha encenação.
Todos começaram a conversar em árabe, sem que eu compreendesse
uma só palavra. Minha única certeza era que estavam falando sobre mim. A
linguagem corporal, os olhares lançados, tudo me dizia isso.
Mesmo sem levantar a cabeça, eu podia sentir o olhar odioso e
avaliador de Khalid sobre mim, as palavras ofensivas que saíam da sua boca
imunda.
Por mais que não compreendesse seu idioma, eu sabia que estava se
referindo a mim como se eu fosse uma mercadoria, um presente que havia
dado ao seu sheik.
Eles continuaram conversando e tomando chá durante um longo
tempo, obviamente sem a participação ativa da humilhada concubina. Até que
Faris olhou para mim e anunciou:
— Chegou a hora. Você precisa se apresentar.
— É sério isso? Será que já não estão todos convencidos do quão
pateticamente submissa eu sou? — Reclamei.
— Não. A dança é o passo principal.
— O que houve, alteza? A concubina está se recusando a obedecer?!
— A voz de Khalid explodiu em meus ouvidos, alta, ríspida, em um inglês
muito precário.
Lancei um olhar rápido na direção dele e senti um calafrio na espinha
ao me deparar com seus olhos medonhamente agressivos fuzilando-me com
um misto de ira e desprezo.
Faris respondeu a ele em árabe, sem que eu compreendesse o que
dizia. Contudo, pelo seu tom de voz, entendi que o estava repreendendo.
Em seguida, Faris meneou a cabeça para mim, decretando
discretamente que havia chegado a hora de eu pagar aquele mico e não havia
mais como adiar.
Então, levantei-me e me coloquei no centro do salão, com todos os
olhares voltados na minha direção. Alguém ligou o aparelho de som e a
música que eu havia ensaiado, incansavelmente, encheu o ambiente.
Era agora ou nunca. Ou eu convencia todos de que estava me
empenhando em me tornar uma concubina de verdade, ou seria o fim.
Suspirei, tentando não pensar muito no ridículo da situação e comecei
a dançar, tentando seguir os passos que Salma havia me ensinado. Ou, pelo
menos, tentando não tropeçar na própria saia.
Meus braços se ergueram de forma graciosa, ou o mais perto disso
que consegui chegar, enquanto movia os quadris para um lado e para o outro.
Para a sorte de todos ali — e principalmente minha — a música era
lenta, então os movimentos fluíam, mas ainda assim eu estava atenta a todos
os detalhes.
Meu maior temor era deixar transparecer o quanto eu estava
desconfortável com tudo aquilo. O quanto considerava aquele ritual ridículo
degradante para uma mulher.
Eu precisava manter o olhar abaixado, não apenas para parecer
submissa e obediente, mas para esconder minhas emoções.
A cada vez que girava, eu sentia os olhares cravados em mim. Não só
o de Khalid, mas também os de todos os membros da família de Faris, que
demonstravam uma mistura de curiosidade, surpresa e julgamento.
O irmão dele, o único que parecia mais relaxado, não parava de me
lançar sorrisos incentivadores, claramente percebendo o meu desconforto. Ele
era surpreendentemente civilizado, em comparação com todos os outros ali.
Já a irmã... Bom, aquela mulher tinha cara de poucos amigos e uma
postura tão rígida que parecia que tinha uma vassoura enfiada na coluna.
O que ela deveria estar pensando de mim? Que eu era uma vergonha
para a moralidade do palácio, sem dúvida.
E, claro, havia Faris. Eu quase podia sentir o peso esmagador do seu
olhar, queimando minha pele. Antes que pudesse me conter, meus olhos
foram irresistivelmente atraídos na direção dele, e me deparei com suas íris
negras, intensas e insondáveis, cravadas em mim.
A expressão em seu rosto era impenetrável, mas carregava uma
autoridade silenciosa, imponente, como se ele estivesse no controle de cada
detalhe daquela sala, inclusive de mim.
À medida que eu continuava dançando, meus olhos encontravam os
dele de tempos em tempos, como se eu estivesse presa em um transe que não
conseguia quebrar.
Por mais que tentasse desviar o olhar, algo me puxava de volta, uma
força irresistível que me hipnotizava.
A intensidade de sua expressão, seu olhar penetrante, a postura altiva
que exalava poder, tudo nele gritava controle.
Era como se ele comandasse o ambiente sem esforço, como se todos
ao redor soubessem exatamente quem estava no topo daquela cadeia de
poder, e eu, por mais que lutasse contra, não conseguia deixar de o admirar.
Havia algo no jeito como ele parecia dominar tudo, como o respeito e
o medo dos outros gravitavam em torno dele. E, sem esforço algum, ele fazia
com que eu quisesse...
Balancei a cabeça rapidamente, tentando dissipar o pensamento. Não
podia me deixar levar por isso, não podia ceder aos meus instintos. Não com
ele.
Mas era impossível ignorar a lembrança do toque da sua mão na
minha pele. Seus dedos firmes me segurando, e a sensação de confiança que,
contra toda a lógica, aquilo despertava em mim.
Eu ainda podia sentir o arrepio causado pelo sussurro da sua voz perto
do meu ouvido, quando tentava me ensinar a dançar. Ainda podia sentir o
calor daquele momento se espalhando pelo meu corpo, como se suas mãos
estivessem de volta, tocando-me, despertando sensações que eu não deveria
sentir por alguém que me mantinha prisioneira.
Tentei focar na música, nos passos da dança, mas minha mente
insistia em retornar para Faris. Para a maneira como ele estava ali, agora, me
observando. Talvez me julgando. Ou quem sabe... desejando também.
CAPÍTULO 17
— Abaixe o olhar, mulher! Não seja desrespeitosa com o seu sheik!
— A voz grossa, áspera, e estridente de Khalid se sobressaiu ao som da
música, tão abrupta e agressiva que ecoou pelo salão como o estrondo de uma
trovoada.
Pega de surpresa, congelei no meio do salão, interrompendo a dança
do ventre. Meus olhos se voltaram para aquele porco, e uma onda
avassaladora de raiva e medo se apoderou de mim.
O alaúde ainda tocava, mas parecia que o som vinha de muito longe.
Toda a minha atenção estava focada em Khalid, observando seus olhos
afiados e aquele sorriso cruel em seus lábios.
Os outros rostos ao redor se tornaram borrões, sombras sem
importância. Era como se o mundo inteiro tivesse parado de respirar por um
segundo.
— Abaixe o olhar, meretriz! — Khalid insistiu, sua voz carregada de
desprezo — Vossa Alteza deve estar envergonhado de ter uma concubina tão
rebelde e desobediente!
Senti minha respiração ficar presa na garganta. As palavras dele se
enfiaram como espinhos pelo meu peito, a indignação borbulhando.
O que havia de mal em um troca de olhares?! E quem ele pensava
que era para falar assim comigo?!
Todo o meu instinto dizia para ficar calada, ignorá-lo, seguir com a
dança. Eu sabia que responder seria a pior escolha, mas meu sangue fervia. E
eu nunca fui boa em segurar a língua quando era insultada.
— Ainda sou dona dos meus olhos, portanto, olho para onde quiser!
— Me ouvi falando, antes que pudesse me conter.
Minha voz soou mais alta e áspera do que eu pretendia. Alguém
desligou o aparelho de som, e o silêncio que se seguiu foi tão espesso que eu
podia ouvir meu próprio coração batendo contra as costelas.
Khalid se levantou, o rosto contorcido em uma expressão de fúria.
— Como ousa falar comigo nesse tom, sua prostituta?! — Berrou.
— Eu não sou uma prostituta, seu porco imundo! — Disparei, a raiva
crescendo em meu organismo — Por mais que você tente me forçar a ser
assim, nunca abaixarei a cabeça! Não sou um objeto. Não sou uma
mercadoria que você possa negociar!
Eu senti, mais do que vi, a tensão tomar conta da sala. Faris estava lá,
imóvel, mas seu olhar era uma tempestade silenciosa. Por um momento,
achei que ele fosse explodir ali mesmo, mas ele não se mexeu.
Todos os outros estavam em choque, como se não acreditassem que
eu tinha realmente ousado falar assim com um homem, logo eu, uma
concubina sem relevância.
O irmão de Faris me olhava com um misto de surpresa e diversão,
enquanto a irmã mantinha uma expressão gelada, severa, como se eu tivesse
acabado de cometer um crime imperdoável.
— Você é propriedade do sheik, e deve aprender seu lugar! — Khalid
avançou um passo na minha direção, e dei um instintivo passo para trás — Eu
sabia que você seria uma mulher difícil de domar, mulheres ocidentais são as
piores lástimas dessa Terra! Vossa Alteza devia ter me avisado o quanto você
é linguaruda e desobediente. Eu teria dado outro presente a ele!
Eu iria para a forca, mas não permitiria que aquele nojento
continuasse me humilhando. Ele que se fodesse!
— Vai pro inferno, seu nojento de uma figa! Uma lástima mesmo foi
deixarem que sua mãe te trouxesse ao mundo!
— Foi um erro tê-la dado à Vossa Alteza. Se estivesse mantendo-a
comigo, já estaria mansinha à essa altura — Khalid vociferou — Mas ainda
não é tarde. Vou levá-la de volta e presentear o meu amado sheik com uma
garota melhor. Vou cortar sua língua fora, para que aprenda a nunca mais
desrespeitar um homem!
— Já chega! — A voz grave de Faris ressoou pelo salão.
Ele vociferou algo em árabe, com tom ríspido e autoritário, dirigindo-
se a Khalid, e vi a vermelhidão se espalhar pelo rosto do malfeitor, como se
não tivesse gostado nada de ouvir aquilo.
Eu daria um braço para saber o que Faris disse a ele.
— É isso aí, Khalid. Cale essa sua boca suja! — Provoquei.
Quando voltou a me fitar, Khalid deu outro passo na minha direção,
fuzilando-me com olhos ferozes, berrando furiosamente no seu idioma, e tive
certeza de que me mataria ali mesmo.
Apavorada, recusei alguns passos, sem desviar meus olhos dele,
quando a mão firme de Faris se fechou em torno do meu braço, me fazendo
parar.
Seu toque era quente, e havia uma força nele que me fez sentir como
se estivesse prestes a me despedaçar. Quando olhei para ele, seus olhos
estavam fixos nos de Khalid, um brilho intenso queimando na sua expressão.
Faris vociferou algo para Khalid, com uma autoridade incontestável, e
o ódio na fisionomia do outro homem se intensificou.
Naquele instante, eu soube que os laços políticos entre eles estavam
arruinados. Quis lamentar por ter provocado isso, mas não me arrependia
nem um pouco. Faris ficaria melhor sem a ajuda daquele imbecil.
A discussão entre eles continuou, acirrada, com Faris usando aquele
tom autoritário que parecia inabalável, enquanto Khalid retrucava, mas sem a
mesma firmeza.
O irmão de Faris tentou intervir, buscando apaziguar a situação, mas
foi prontamente silenciado por um grito feroz do irmão mais velho.
Eu não entendia uma única palavra do que eles diziam, mas pelo
modo como Khalid me lançava olhares e gesticulava com agressividade,
ficou claro que estava ameaçando me levar de volta para o seu palácio.
O pavor correu frio pela minha espinha, misturando-se à raiva que
borbulhava dentro de mim, pronta para explodir.
— Eu prefiro a morte a ter que ir com você, seu porco nojento! —
Disparei, sem freio e sem controle — Tenho muita pena das mulheres que
caem nas suas garras! Você deve ser tão fedido e ruim de cama que não
consegue ninguém que te queira por vontade própria, então compra as
mulheres e as obriga a se deitarem ao seu lado!
Eu sabia que tinha ido longe demais. Todo o ar pareceu desaparecer
do salão, como se todo mundo ali tivesse prendido a respiração ao mesmo
tempo.
Khalid ficou ainda mais vermelho, e por um segundo, eu realmente
achei que ele fosse atravessar a sala e me espancar.
Mas então, Faris se colocou entre nós, erguendo a mão num gesto de
autoridade.
— Basta, Khalid — disse ele, em inglês, com uma calma forçada que
só aumentava a tensão — Lucy pertence a mim agora! Você não tem mais
nenhum controle sobre ela, portanto, nunca mais se atreva a falar com ela
nesse tom. Respeite minha mulher, porra!
Khalid estreitou os olhos para mim, como se quisesse gravar o meu
rosto na memória, para algum castigo futuro.
— Claro que sim, Alteza — disse ele finalmente, num tom de ameaça
velada.
Diante do olhar raivoso que Khalid nos direcionava, Faris apertou
meu braço com mais firmeza, seu toque carregado de tensão.
Antes que eu tivesse a chance de protestar ou dizer qualquer coisa, ele
me puxou com força, conduzindo-me para fora do salão sem sequer olhar
para trás.
Saímos rapidamente, atravessando os corredores com passos firmes e
apressados.
Eu me esforçava para acompanhar o ritmo implacável de Faris,
tropeçando vez ou outra na saia longa, que dificultava ainda mais minha
tentativa de manter o equilíbrio.
Quando finalmente chegamos ao aposento, ele me soltou, quase me
empurrando para dentro. Então, fechou a porta atrás de nós com um estrondo
e virou-se para mim. Seus olhos eram uma tempestade, escuros e perigosos.
— Você enlouqueceu?! — Ele vociferou, sua voz tão carregada de
fúria que senti um arrepio percorrer minha espinha — Você tem ideia do que
acabou de fazer?!
— Eu... ele estava me insultando — falei, tentando manter a calma,
mas minha voz tremeu — Ele estava me tratando como se eu fosse... como se
eu fosse... um pedaço de carne!
— Você não entende! — Faris explodiu, sua voz subindo — Você
acabou de colocar tudo em risco! Não apenas a mim, ou ao meu emirado,
mas a você mesma! Você acha que Khalid vai esquecer o que você disse?
Você acha que ele vai deixar passar?
— Eu não vou deixar que ele me trate como um objeto! Dei um passo
na direção dele — Não sou um pedaço de carne, sou um ser humano! E não
sou a propriedade de alguém!
— O que ele disse, o que ele fez, não foi nada comparado ao que fará
se levar você daqui! — Ele gritou, e me encolhi com a intensidade de sua
voz.
O quarto mergulhou em um profundo silêncio, enquanto a tensão
pairava como uma nuvem carregada.
Lembrei-me da garota pálida ao lado de Khalid e outro calafrio varreu
minha espinha. Eu não queria nem imaginar o que seria feito de mim se
aquele imundo me levasse. Certamente, eu seria torturada, violentada, e só
então assassinada.
— Então não deixe que ele me leve — murmurei.
— Acontece que eu preciso dele para salvar o meu emirado! Eu não
posso colocar o meu povo em segundo plano, atrás de uma pessoa como
você, que não consegue lutar nem para sobreviver!
— Eu consigo lutar. Só não ia engolir os desaforos daquele imbecil.
— Não, Lucy. Você não sabe. Se soubesse, se fosse esperta, teria
ignorado os insultos dele e continuado com sua apresentação. Se você
realmente quisesse viver, se quisesse ser livre de Khalid, teria seguido o
nosso plano e nem mesmo teria erguido seu olhar para mim naquele maldito
salão. Era só uma apresentação rápida e você estaria segura! Mas você
estragou tudo!
Embora me custasse admitir, ele estava certo. Eu devia ter me
mantido calma, indiferente às provocações de Khalid. Talvez aquele porco
tenha me provocado exatamente para me tirar dos trilhos, e eu caindo na
armadilha como uma boba.
Droga! Agora era tarde para voltar atrás.
— Me desculpe. Eu devia ter ficado calada — pedi.
— Suas desculpas não vão resolver as coisas.
— E o que eu posso fazer?
— Nada. Apenas fique aqui e não se aproxime da janela —
compreendi o significado daquilo e abracei-me, tentando conter o frio trazido
pelo horror — Eu vou conversar com ele e tentar consertar as coisas.
— Você é o sheik, ele te chamou de alteza. Você não tem que fazer o
que esse cara quer! Manda ele ir pra casa do caralho!
— Eu não sei como as coisas funcionam no seu país, não sei como
seu pai senador administra o território dele, mas aqui nós precisamos fazer
alianças com pessoas inescrupulosas como Khalid para conseguirmos manter
a paz.
— Você deveria dar um jeito de não precisar tanto assim dele.
— Conviver com gente ruim como ele é apenas o preço que pagamos
por um bem maior. Com licença.
Dito isto, Faris deu-me as costas e deixou o quarto.
Sozinha, fui arrebatada pelo mais profundo mar de aflição. Se Faris
me aconselhara a não me aproximar da janela, era porque sabia que Khalid
tentaria me executar, pelos desaforos que falei.
Se havia algum vestígio de segurança na minha permanência no
Oriente Médio, ela acabava de se dissipar. Minha vida já não valia mais nem
uma caixa de fósforos.
CAPÍTULO 18
Eu estava deitada na cama do meu luxuoso aposento, tentando, em
vão, encontrar algum resquício de paz para dormir.
Minha mente corria a mil, incapaz de afastar o terror crescente diante
da possibilidade de Khalid tentar me assassinar para vingar o golpe que dei
em seu ego inflado — aquele orgulho de macho desprezível que se acha
superior a qualquer mulher.
Maldita hora em que decidi revidar seus insultos. Essa foi a maior
oportunidade da minha vida que perdi de ficar calada.
De repente, o som suave da maçaneta da porta se movendo ecoou pelo
quarto, e pulei da cama num impulso, com meu coração disparado enquanto
mil cenários horríveis passavam pela minha cabeça.
Em todos eles, Khalid, ou algum guarda sob suas ordens, entrava ali
para pôr fim à minha existência.
Mas, para meu imenso alívio, não era Khalid. Foi Faris quem entrou,
e a tensão que me consumia começou a se dissipar, ainda que lentamente.
— Que susto! — Comentei.
— Deixe para sentir medo depois — disse Faris, falando depressa e
apenas então percebi o quanto ele estava aflito e sobressaltado — Khalid se
dispersou da sua comitiva. Ele se afastou com a desculpa de ir ao banheiro e
desapareceu. Ou seja, ele está solto pelo palácio.
— E...?
— E aí que ele deve estar te procurando e pode entrar aqui a qualquer
momento.
Meu coração falhou uma batida, o pavor alcançando-me até os ossos.
Quis perguntar a ele o que aconteceria se Khalid entrasse aqui, mas não tive
coragem de abrir a boca, temendo pela resposta.
— Por que você não mandou os guardas o deterem? — indaguei, com
um fio de voz.
— Porque não haveria tempo e porque não podemos confiar em
ninguém quando o assunto é Khalid, nem nos guardas. Além disso, tive uma
ideia melhor — com um único passo, Faris eliminou toda a distância entre
nós. Fechou suas mãos de aço em torno dos meus braços e cravou seu olhar
aflito em meu rosto, de tão perto que pude sentir o calor gostoso da sua
respiração acariciando minha face — Você confia em mim? — Indagou ele.
— Eu confio.
— Então faça tudo o que eu disser e, por favor, desta vez mantenha-se
calada.
— Eu me manterei.
A aflição que Faris transmitia em seus olhos me impedia de parar de
tremer. Suas palavras se repetiam como ecos na minha mente. "Khalid está
solto pelo palácio."
As implicações eram claras e sombrias: eu era o alvo.
— O que você quer dizer com "confia em mim"? — Minha voz saiu
em um sussurro, tão frágil quanto o controle que eu tinha sobre o meu medo
naquele momento.
Faris não hesitou. Seus movimentos foram rápidos e precisos, como
de alguém que já havia arquitetado um plano. Ele tirou um pequeno canivete
de um bolso escondido na túnica.
O brilho da lâmina me fez recuar instintivamente, mas antes que eu
pudesse processar qualquer outra coisa, ele passou a lâmina pela palma de
sua mão, abrindo um corte raso e longo.
— O que você está fazendo?! — exclamei, chocada.
— Apenas obedeça, Lucy! — Ele rosnou, segurando minha cabeça
com uma mão firme e sujando meus cabelos com seu sangue, espalhando-o
pelo meu rosto.
O cheiro metálico e quente do sangue invadiu minhas narinas, e meu
coração disparou em um ritmo frenético.
— Faris, o que... — comecei a falar, mas ele já estava rasgando
minhas roupas com uma brutalidade calculada, expondo minha pele em
fragmentos rasgados de seda.
A saia, o top, tudo foi rasgado. Logo, eu estava praticamente nua,
apenas vestindo uma calcinha que mal cobria o necessário.
Ele se afastou por um momento, seus olhos tomados por uma sombria
determinação. Com um gesto brusco, arrancou sua própria túnica, e o terror
se apossou de mim.
Não era apenas seu sangue que ele espalhava sobre minha pele pálida,
era uma encenação macabra, um teatro sombrio de violência e desespero.
Faris estava meticulosamente orquestrando uma cena de horror
visceral, pintando um quadro de punição brutal. Na mente distorcida de
Khalid, essa seria uma demonstração convincente do que ele poderia esperar
como típico da crueldade de Faris.
Eu tremia, reconhecendo naquela encenação não apenas a minha
possível salvação, mas também a terrível realidade da minha total impotência.
— Você quer que Khalid pense que... que você está me agredindo?!
— Minha voz soou incrédula, enquanto Faris me empurrava para a cama, os
olhos firmes nos meus, sem um pingo de dúvida.
— Ele precisa acreditar nisso, ou você estará morta ainda esta noite
— Faris murmurou, baixo e feroz, sua respiração acelerada — Ele precisa
achar que estou te punindo pelo desrespeito. Ele precisa acreditar que eu
estou fazendo o que qualquer outro homem no nosso lugar faria. Agora, finja
que está aterrorizada. Grite se precisar, faça o que for, mas fique calada em
todos os outros sentidos. Entendeu?
Eu mal consegui responder. Meu corpo estava petrificado, dividido
entre o medo genuíno e o quão macabra era aquela situação.
Faris se posicionou sobre mim na cama, segurando meus braços
acima da cabeça com uma brutalidade calculada. Seu toque, embora firme,
era controlado.
Eu sabia que, por trás de toda aquela cena, ele não me machucaria,
embora a forma como seus dedos apertavam minha pele fizessem parecer que
eu estava sob o controle de um homem implacável.
Eu ainda tentava processar tudo isso quando a porta do quarto se abriu
com um rangido lento. Khalid estava lá. Seus olhos cheios de malícia, seus
lábios contraídos numa linha fina.
O monstro entrou no quarto como se tivesse acabado de encontrar o
que esperava: um espetáculo de crueldade.
Faris imediatamente saltou de cima de mim, como se estivesse
tomado pela fúria, como se sua “obra” tivesse sido interrompida. Ele se
voltou para Khalid com uma expressão de ira contida, os olhos faiscando com
uma raiva que fez até mesmo Khalid hesitar por um segundo.
— Como você ousa entrar nos meus aposentos?! — Faris gritou, sua
voz tão feroz quanto um trovão — O que pensa que está fazendo aqui,
invadindo o quarto da minha concubina?!
Khalid deu um passo para trás, seu olhar decidido vacilando por um
momento. Ele olhou para mim, os olhos passando pela minha pele
ensanguentada, minhas roupas rasgadas, e o terror que Faris e eu estávamos
tentando criar.
Ele acreditava, claro que acreditava. Era tudo o que ele esperava ver.
Khalid começou a balbuciar algo em árabe, claramente desarmado,
mas Faris não lhe deu a chance de terminar. Rugiu algo em seu idioma, com
seu tom de voz autoritário e incontestável, sem jamais deixar Khalid falar,
por mais que ele tentasse se explicar.
Em certo momento, Khalid levantou as mãos, recuando ainda mais,
como se estivesse tentando se justificar, mas Faris não o deixava argumentar,
em vez disso, avançou seu corpo grande e forte bloqueando a visão de Khalid
sobre mim.
Faris continuou vociferando com aquele porco imundo, gesticulando
em direção à porta, como se o expulsasse.
Tive vontade de provocar aquele nojento, lembrando-o de que quem
mandava ali era Faris, e não ele. Contudo, desta vez, optei pela sabedoria de
permanecer em silêncio.
Khalid hesitou por mais um momento, seus olhos brilhando de raiva e
humilhação, mas ele sabia que tinha ido longe demais. Ele deu mais um passo
para trás, acenando de forma tensa.
E então, ele saiu. A porta se fechou atrás dele com um estrondo
abafado, e o momento que seguiu foi carregado por um silêncio sepulcral.
Sentei-me na beirada do colchão, ainda tentando entender o que havia
acabado de acontecer, o cheiro do sangue de Faris ainda estava em minha
pele, minhas roupas rasgadas, minha respiração entrecortada.
Faris ficou parado ao lado da porta por alguns segundos, como se
precisasse de um momento para se recompor. Então, ele voltou-se para mim,
seus olhos encontrando os meus com aquela intensidade que tanto mexia
comigo.
— Acho que deu certo — ele disse, a voz rouca, quase inaudível. —
Você está a salvo agora.
Eu finalmente respirei fundo, o alívio e o pavor se misturando em
ondas desordenadas pelo meu ser.
— Eu... — comecei, sem saber ao certo o que dizer. O que se diz
depois de uma cena dessas? — Obrigada.
Faris balançou a cabeça, como se aquilo fosse algo insignificante.
— Não me agradeça. Apenas não cometa o erro de enfrentá-lo
novamente. Da próxima vez, talvez não haja uma saída.
— Eu sei — engoli em seco — E o que ele disse? — Indaguei.
— Nada que se aproveite. Realmente veio aqui determinado a te
executar, pelos desaforos, mas deixei claro que eu mesmo farei isso, quando
me cansar de você.
Processei as palavras dele e um calafrio desceu pela minha espinha.
— E você vai fazer isso? — Indaguei.
— Claro que não. Nem todo homem árabe é um animal, como Khalid
— Faris se silenciou e, subitamente, seu olhar desceu pelo meu corpo oculto
somente pela calcinha, como se apenas então ele tivesse se dado conta da
minha seminudez.
Foi então que o corpo dele enrijeceu, a tensão irradiando de cada
músculo como uma corrente elétrica prestes a explodir. Seu olhar profundo se
transformou, em uma expressão carregada de desejo, como se ele estivesse
me devorando com os olhos.
Sem a túnica, ele usava apenas uma camisa de mangas curtas, branca,
manchada de sangue, e calça social caqui. Nada nesse mundo jamais me
pareceu mais masculino, tentador, e irresistivelmente atraente, que a figura
dele naquele momento, me olhando daquele jeito tão intenso, usando roupas
de um homem normal.
Nossos olhares se fixaram um no outro e, de súbito, o ar ao meu redor
se tornou mais denso, difícil de ser puxado. O mundo à minha volta
desapareceu por completo, enquanto eu me perdia na intensidade do olhar
daquele homem, desejando ardentemente que ele me envolvesse com seus
braços fortes e me permitisse descobrir o sabor da sua boca na minha.
— Eu sinto muito por tudo isso — sussurrou Faris, desfazendo o
contato visual.
Ele pegou um roupão atoalhado e sentou-se ao meu lado na cama,
cobrindo minha nudez. O roçar suave dos seus dedos na minha pele enviou
uma corrente de eletricidade que desceu pelo meu corpo inteiro.
— Não foi culpa sua — sussurrei, com minha respiração ofegante.
— Eu devia tê-la protegido melhor.
— Você fez o que pôde.
— Eu queria não precisar de Khalid, para poder enfiar uma bala no
meio da testa dele.
— Se você não precisasse dele, se não estivesse se empenhando em
reconquistar a confiança dele, provavelmente eu não estaria aqui, e sim sendo
abusada e agredida por ele, ou alguém tão inescrupuloso quanto. Então. Sou
grata por você precisar dele.
Faris tirou a fronha de um travesseiro e aproximou-se mais de mim,
chegando tão perto que o cheiro gostoso do seu perfume invadiu os meus
sentidos.
Como se precisasse se esforçar para conter sua força bruta, ele passou
a fronha em meu rosto, cabelos e pescoço, repetidas vezes, limpando-me do
sangue que havia espalhado sobre mim.
O silêncio instalou-se novamente no quarto, enquanto éramos
envoltos por uma energia carregada de tensão sexual.
Seu rosto estava a míseros centímetros de distância do meu e pude
constatar o quanto era lindo, com a pele morena muito bem cuidada; os
cabelos negros sedosos; o maxilar forte, realçado pela barba escura; o nariz
afilado; a boca ampla, e seus olhos... aqueles olhos eram tão intensos e
profundos quanto a mais negra noite que já existiu e tinham o poder de me
fazer sentir como se estivessem enxergando no fundo da minha alma.
— Acho que você vai precisar de um longo banho — sussurrou Faris.
Meu olhar deslizou para a boca dele, fixando-se nos lábios
tentadoramente carnudos e esculpidos com perfeição.
Antes que percebesse, minha língua umedecia meus próprios lábios,
num gesto involuntário que revelava o desejo avassalador de descobrir o
gosto dele, o sabor quente e cru de sua masculinidade, que parecia emanar de
cada poro seu.
Faris notou meu gesto, e seu corpo parou imediatamente, como se o
tempo tivesse congelado junto com ele. O movimento suave da fronha em
meu rosto cessou, e por um instante nossas respirações se misturaram no ar
denso entre nós.
Ergui o olhar, e a corrente de desejo se intensificou, feroz e
incontrolável, quando encontrei a tempestade ardente que transbordava na
escuridão de seus olhos.
Não havia disfarce, não havia barreira. Apenas a promessa silenciosa
de tudo o que poderia acontecer, pairando no espaço invisível que nos
separava.
Nos fitamos em silêncio, presos naquele momento como reféns de um
desejo que ameaçava nos consumir. Por um longo instante, o mundo inteiro
pareceu parar.
Então, num gesto deliberado e lento, Faris desviou o olhar e se
levantou, quebrando o feitiço que nos envolvia.
— Eu tenho que ir — declarou ele — Você está segura agora, não
precisa ter medo. Vou dar ordens aos guardas para que não deixem Khalid
entrar no palácio de forma alguma.
Havia um milhão de palavras girando na minha mente, mas todas se
perderam em uma única pergunta silenciosa: Até quando? Até quando eu
ficaria presa ali, distante da minha família, do meu país, dos meus amigos?
A incerteza era sufocante, um peso invisível que apertava meu peito a
cada segundo.
Eu entendia que Faris precisava convencer Khalid de suas intenções
comigo, mas ele não havia mencionado um prazo, nenhuma promessa de
liberdade. E esse vazio de respostas me aterrorizava.
E se esse dia nunca chegasse? E se eu estivesse condenada a viver
naquela prisão dourada, sempre esperando por um amanhã que talvez jamais
viesse?
Engoli a angústia que se formava em minha garganta e apenas
balancei a cabeça, incapaz de expressar tudo o que meu coração clamava para
dizer.
Meus olhos o seguiram enquanto ele se afastava, a figura alta e
imponente desaparecendo pela porta do aposento.
E quando ele se foi, o silêncio que restou foi ainda mais opressivo do
que suas palavras não ditas.
CAPÍTULO 19
O dia seguinte transcorreu-se como todos os outros desde que cheguei
ao palácio. Passei o dia inteiro trancada no quarto, tendo como distração uma
televisão sem conexão com a internet, que só exibia filmes e séries antigos, e
a janela que dava vista para o jardim.
Eu passava tanto tempo olhando por aquela janela, que já havia até
decorado o horário em que cada guarda chegava ao seu posto de trabalho, e
quando se revezavam. Eles circulavam o tempo todo pelo jardim, em maior
número nas proximidades do muro, armados até os dentes.
Como fazia diariamente, Salma apareceu várias vezes ao longo do
dia, trazendo minhas refeições e permanecendo comigo por alguns
momentos. Durante essas visitas, ela ouvia pacientemente minhas
lamentações, oferecendo palavras de consolo e apoio.
Apesar de eu saber que estava melhor do que a City Ride havia
planejado para mim quando me sequestrou e me enviou para o Oriente
Médio, eu não suportava mais ficar presa ali.
Eu tinha sede por liberdade, e isso aumentava com o passar dos dias.
Eu queria sair por aí, queria respirar o ar puro do jardim, telefonar para o meu
irmão, acalmar meus pais avisando-lhes que estava bem.
Eu queria ser livre, pois não havia cometido crime algum para ficar
encarcerada.
Quando a chegada da noite se aproximava, fiquei espantada ao me
flagrar esperando ansiosamente que Faris aparecesse, que continuasse
decidido a me visitar diariamente, com o intuito de convencer a todos de que
éramos, de fato, amantes.
E fiquei ainda mais estarrecida, quando me flagrei vestindo um
vestido bonito — colado na cintura e com um grande decote —, e me
maquiando para esperá-lo.
Era tarde da noite. Eu estava assistindo um filme de faroeste na
televisão de tela plana, quando a porta do quarto se abriu e Faris entrou.
Como sempre, usava sua túnica longa, que esvoaçava com seus movimentos
e emprestava-lhe uma aparência extremamente intimidante.
Quando meus olhos recaíram sobre ele, algo dentro de mim se agitou,
um calor desconhecido se espalhando pelo âmago.
— Você está bem? — Indagou ele, analisando meu rosto com seus
olhos profundamente negros.
— Estou. E quanto a Khalid, ainda deu notícias?
— Ele não vai dar notícias tão cedo. Não para falar sobre você. O que
ele presenciou aqui, saciou a sede dele por sangue e violência.
— Espero que sim.
Sem dizer mais nada, Faris atravessou todo o aposento e sentou-se à
mesa do outro lado. Então, sacou seu celular do bolso e direcionou sua total
atenção para a tela.
Aparentemente, ele estava ligado no seu modo antissocial e
carrancudo, já que mantinha o rosto sério demais, com uma ruga profunda
entre suas sobrancelhas.
— Vou ficar aqui só um tempo. Até todos lá fora se convencerem de
que estamos juntos — resmungou ele, sem levantar a cabeça para me olhar.
Tentei ficar quieta, como ele esperava que eu fizesse. No entanto,
nunca fui muito boa em fazer o que os outros queriam, e muito menos em
ficar quieta. Então, levantei-me da cama, desliguei a tevê e fui até ele.
— Preciso conversar com você — anunciei, sentando-me
displicentemente na cadeira à sua frente.
Faris soltou um suspiro impaciente, ao desviar sua atenção do celular.
No entanto, quando fitou o meu rosto, sua expressão suavizou.
— O que você quer agora, Lucy?
— Quero sair deste quarto.
— Impossível.
— Será que dá pra você me ouvir? Não estou falando de sair
definitivamente, ou de ir para casa, embora isso também seria ótimo. Eu só
quero ter liberdade de circular por aí, ir até o jardim, caminhar descalça na
grama, sentir o vento no rosto, experimentar o calor do sol. Não é incomum
para uma concubina circular livremente pela residência do seu dono. Além
disso, eu vou acabar enlouquecendo se continuar presa aqui.
— Não é seguro para você circular por aí sozinha — rosnou ele e o
pânico ameaçou apossar-se de mim.
— Por que não? O Khalid ainda pode aparecer querendo a minha
cabeça?
— Ele não. Mas os guardas não são de confiança para alguém como
você.
— Alguém como eu, como? Uma mulher? — Faris não respondeu —
Sua irmã também é uma mulher, e ela circula livremente pelo palácio.
— Ela não é uma prisioneira, e tem sangue real. Ninguém se atreveria
a tocar em um só fio do cabelo dela.
— Mas na humilhada da concubina todo mundo acha que pode tocar,
né?! E vocês ainda dizem que é supernormal ocupar uma posição dessa!
— Não é assim. Se você fosse árabe, saberia como se portar além das
portas deste quarto. Se conhecesse nossos costumes, saberia que uma mulher
não pode permanecer com o rosto descoberto na presença de um homem que
não seja seu irmão, pai ou marido. Meus guardas não estão acostumados a ver
uma mulher que não seja deles com o rosto à mostra. Isso os atiçaria.
— Seus guardas são uns animais!
— Sim, eles são — Faris tentou voltar a atenção para o seu celular,
achando que eu desistiria.
— E se eu sair com o rosto coberto? Tipo só com os olhos
aparecendo. E se Salma for comigo?
Ele soltou outro suspiro, de pura resignação, voltando a me encarar.
— Você não vai desistir, não é?
— Com certeza não.
— Lucy... você vai estar mais segura aqui. Com essa sua língua
afiada, pode...
— Eu não vou falar com ninguém, eu juro. Por favor, faz isso por
mim. Eu vou acabar ficando maluca se continuar trancada aqui. Só quero
respirar um pouco de ar puro, ver outra coisa que não seja essas paredes, e...
— Está bem! — Ele me interrompeu — Você pode sair, até o jardim
apenas e dentro do palácio. Mas fique sempre na companhia de Salma, use
uma burca[7] para cobrir seu rosto e cabelos e, nunca, em hipótese alguma, a
tire.
— Obrigada!
Antes que pudesse controlar o impulso, eu me atirei nos braços dele.
Nem pensei. Apenas fiz. Uma onda de gratidão, e quem sabe algo mais, me
empurrou naquela direção.
Senti o impacto do corpo dele como uma corrente elétrica
percorrendo minha pele, despertando cada célula do meu ser. Era uma
sensação inebriante, impossível de descrever, mas viciante.
Eu nem sabia direito o que estava fazendo, mas os braços daquele
homem pareciam ser o lugar mais natural do mundo para eu estar.
Senti o cheiro amadeirado e intenso dele invadir meus sentidos,
misturado com um leve toque de especiarias. Algo nele me puxava para mais
perto, como se o próprio universo tivesse decidido que minha missão na vida
era ficar ali, grudada no corpo dele.
Faris ficou rígido por um instante, talvez surpreso, mas logo relaxou.
Os dedos dele começaram a subir e descer pela minha coluna, em um toque
lento e deliberado.
Cada vez que ele deslizava a mão, um arrepio tomava conta de mim.
A sensação era perigosa. Viciante. Como se toda a lógica e bom senso
tivessem sido jogados pela janela.
A mão dele deslizou pela minha coxa, firme e ao mesmo tempo
provocante, traçando um caminho deliberado que provocou um
formigamento na altura do meu ventre. Eu sabia que deveria recuar, que
aquilo ultrapassava limites que não deveriam ser cruzados.
Mas, em vez disso, fechei os olhos e me rendi à corrente quente que
serpenteava dentro de mim, um desejo que começava como um murmúrio no
estômago e crescia, se espalhando por cada célula do meu ser.
Seus dedos se moveram mais acima, explorando cada curva, cada
contorno meu com uma posse quase selvagem, firme o suficiente para me
lembrar de que ele não estava pedindo permissão.
Meu corpo respondia, traindo qualquer vestígio de resistência que
ainda restava. A respiração entrecortada deixou escapar um gemido
involuntário quando seus dedos se fecharam ao redor da minha nuca,
puxando-me para cima.
Nossos olhares se encontraram, e minha respiração ficou presa na
garganta. A intensidade nos olhos dele era uma promessa, uma da qual eu não
tinha certeza se deveria fugir ou me perder por completo.
Tudo em mim implorava para que eu o beijasse, para saciar de uma
vez essa ânsia de descobrir o gosto de sua boca, de sentir como seria tê-lo
dentro de mim.
Faris inclinou a cabeça, seus lábios perigosamente próximos dos
meus. O calor de sua respiração roçou a minha pele, fazendo meu coração
acelerar. Por um instante, tudo desapareceu, exceto ele.
Então, como um grito final de lucidez, a razão irrompeu em mim, e
com a mesma agilidade com que fui parar em seu colo, pulei no chão,
afastando-me, ofegante, como se precisasse escapar de mim mesma.
— Não podemos fazer isso — sussurrei, tentando desesperadamente
me lembrar dos motivos pelos quais eu não podia entregar-me ao que sentia
por aquele homem.
Meu coração parecia estar correndo uma maratona, batendo tão forte
que eu nem conseguia pensar direito.
Faris permaneceu imóvel durante um longo momento de silêncio,
seus olhos fixos em mim. Então, percorreu os dedos entre seus cabelos
curtos, como se se recompusesse e levantou-se.
— Eu sei. Me desculpe. Não consigo pensar direito quando você está
por perto. Com licença.
Ele deu alguns passos largos na direção da porta de saída e meu
coração pesou com perspectiva de ficar sozinha novamente.
— Faris, não... — Minha voz saiu mais desesperada do que eu
gostaria — Não vá. Fique comigo. Não quero ficar sozinha.
Ele virou-se para mim, encarando-me com o olhar tão sombrio quanto
a noite lá fora, mas ao mesmo tempo tão intenso que me deixou tonta.
— Lucy... você sabe o que está acontecendo aqui... Eu quero te tocar,
quero te beijar... Não consigo ficar perto de você sem te querer e não consigo
te querer sem me sentir um abusador de merda.
— Você não é um abusador. Mas entendo, pois me sinto da mesma
forma — dei um passo em sua direção e a única parte dele que se moveu
foram as narinas, puxando o ar com sofreguidão — Mas não precisa ir. Fique
comigo. Não precisamos fazer nada.
Faris passou a mão pelos cabelos novamente, claramente lutando
contra ele mesmo. Seus olhos viajaram do meu rosto para os meus lábios, e
depois para o decote do vestido que eu tinha me esforçado tanto para escolher
naquela noite.
— Lucy... — Ele fechou os olhos por um momento, como se estivesse
tentando afastar a tentação. Quando voltou a abri-los, havia algo quase
selvagem na sua expressão — Eu quero você... te beijar... te tocar. Muito
mais do que eu deveria. E se eu ficar aqui...
— Você consegue se controlar.
Por um momento, ele pareceu vacilar. Um momento longo e cheio de
expectativa. Até que, de repente, ele balançou a cabeça e recuou, como se
uma força invisível o tivesse puxado de volta para a realidade.
— Eu não posso.
E foi isso. Sem mais palavras, ele se virou e começou a caminhar até
a porta. Eu senti uma mistura estranha de frustração e alívio, como se parte de
mim quisesse correr atrás dele e a outra estivesse grata por ele ter tido a força
que eu claramente não tinha.
— Faris! — Chamei, mais uma vez.
Ele parou, já com a mão na maçaneta, mas não se virou.
— Durma, Lucy. Amanhã você pode sair para o jardim. Só… não me
peça para ficar. Não hoje.
E então ele foi embora, deixando o quarto em silêncio e meu corpo
em um estado de confusão que eu não sabia explicar.
Mesmo contrariando toda a lógica e o bom senso, eu queria estar com
Faris, e sua ausência deixava um vazio insuportável, uma solidão que nada
nem ninguém, além dele, poderia romper.
Eu queria gritar, socar alguma coisa, chorar e rir ao mesmo tempo.
Mas, no fim, tudo o que fiz foi me jogar na cama e encarar o teto, sentindo o
peso do vazio que ele tinha deixado para trás.
CAPÍTULO 20
Assim que saí da loja de Lucy, o ar frio de Seattle me atingiu como
um tapa. Mas, honestamente, foi o último dos meus problemas.
Eu estava em choque. Atordoado. Como se o chão tivesse se
deslocado debaixo dos meus pés, deixando-me suspenso no vazio, sem
conseguir raciocinar direito. A única coisa em que eu conseguia pensar era na
menina. Aquela bebê nos braços da funcionária de Lucy.
Aquela menininha... que tinha os meus olhos.
Algo em meu peito se agitou ao lembrar. Os meus traços estavam no
rosto dela, não dava para negar. O nariz, a boca, os cabelos negros. Aquela
criança era como um espelho, refletindo uma versão miniatura de mim.
Mas como? O que diabos isso significava?
Não era necessário muito tempo de reflexão para chegar a uma
resposta. Obviamente Lucy estava grávida quando partiu de Fujairah, há dois
anos, e escondeu isso de mim. Provavelmente nem mesmo registrou a garota
em seu nome, ou o detetive que contratei para localizá-la, depois de saber que
havia partido da Filadélfia, saberia sobre ela.
A menina era minha filha. Eu não tinha nenhuma dúvida disso.
Entrei na limusine com passos pesados, tentando manter a
compostura, mas por dentro eu estava fervendo.
Meu segurança pessoal, Omar, estava sentado ao meu lado, já
esperando instruções, mas naquele momento, a única coisa que consegui
fazer foi soltar o ar pela boca, ainda processando a ideia absurda que
começava a se formar na minha cabeça.
— Estou ficando louco, Omar? — Perguntei, sem rodeios — Aquela
menina no colo da funcionária... você viu? Ela tem os meus traços, não tem?
Omar, que era o tipo de homem que falava apenas o necessário, me
olhou de soslaio, hesitando por um segundo, mas depois balançou a cabeça,
concordando.
— Vi, senhor. Ela realmente se parece muito com Vossa Alteza. Tem
traços árabes, sem dúvida.
Meu peito apertou. Lá estava. A confirmação que eu temia, mas
também queria. Era impossível ignorar a verdade: aquela menina poderia ser
minha filha. Lucy havia partido escondendo a gravidez.
Isso explicava porque ela me pediu para partir, depois de ter desistido
de fugir, quando teve a chance.
Ela escondeu nosso bebê, e nunca me deu a chance de saber que eu
era pai.
Me senti inundado por uma mistura de emoções que eu mal conseguia
descrever. Um furacão de raiva, incredulidade, e uma pontada inesperada de
alegria.
Sim, alegria, porque, de alguma forma, a ideia de ser pai, de ter uma
herdeira, me atingiu com uma força que eu não esperava. Alegra. Só de
pensar no nome que eu ouvi Chloe mencionando, algo se acendeu dentro de
mim.
Eu tinha uma filha. Uma filha linda, com olhos que espelhavam os
meus.
Mas eu precisava ter certeza. Não podia apenas assumir isso.
Precisava de provas concretas, e a forma mais rápida de obter essa verdade
seria por meio de um teste de DNA. Isso resolveria tudo. Eu precisava de
uma amostra, e rápido.
Peguei o celular e disquei para o detetive particular que eu tinha
contratado para rastrear Lucy. Ele era um incompetente, pois, até agora, não
havia me dito uma única palavra sobre Lucy ter uma filha.
Esperei impacientemente enquanto o telefone tocava.
— Farid — falei com a voz ríspida assim que ele atendeu — Você
investigou a vida de Lucy em detalhes. Como diabos você não descobriu que
ela tem uma filha?
Do outro lado da linha, ouvi o detetive hesitar por um segundo.
— Senhor, nas informações que consegui, não há menção de uma
criança. Lucy vive uma vida reservada em Seattle, e todos os registros dela
indicam que ela está sozinha. Ninguém falou de uma filha.
Eu bufei de frustração. Como ele poderia ter deixado passar algo tão
importante?
— Bom, parece que você está desatualizado. Eu vi uma criança com
meus próprios olhos, e vou atrás de um teste de DNA, mas você precisa ficar
de olho em Lucy. Eu não quero que ele fuja com a menina antes que eu tenha
as respostas.
— Entendido, senhor. Vou rastrear os movimentos dela
imediatamente.
Desliguei o telefone e me virei para Omar, que já estava me
observando atentamente.
— Volte para a loja, agora — ordenei, batendo levemente no encosto
da cadeira da frente para chamar a atenção do motorista — Precisamos de
uma amostra de DNA daquela criança. Pegue algo dela, mas faça isso de
maneira discreta. Não quero que Lucy ou a funcionária se assustem.
A limusine deu meia-volta em uma esquina discreta, parando em um
ponto cego, longe da vista de quem estivesse na loja. Omar saiu, com a
confiança de um homem que sabia exatamente o que estava fazendo.
Ele tinha a tarefa de pegar uma chupeta, um pedaço de roupa,
qualquer coisa que pudesse me dar a resposta que eu precisava.
Eu fiquei na limusine, com a cabeça a mil. Aquele pensamento
pulsava na minha mente como um martelo: se Alegra fosse realmente minha
filha, eu tinha que fazer algo. Não havia como Lucy simplesmente
desaparecer da minha vida de novo. Não agora.
Quando Omar voltou, minha pulsação estava acelerada. Ele entrou
rapidamente no carro, segurando a chupeta de Alegra, mas havia algo em sua
expressão que me deixou imediatamente em alerta.
— Senhor — ele começou, sua voz tensa — A funcionária estava lá,
mas Lucy e a menina não. Ela estava atendendo alguns clientes, mas parecia
nervosa, quase preocupada. Acho que Lucy pode ter fugido com a criança.
Senti como se um balde de água gelada tivesse sido jogado sobre
mim.
— Fugido? — Repeti.
O que Lucy tinha na cabeça para tentar continuar escondendo minha
filha de mim? Será que ela não percebia que seria muito melhor para a nossa
menina ser criada como a princesa que era, cercada por todo o conforto do
palácio, a ter que crescer em meio a caixas de um depósito?
Não. Eu não deixaria isso acontecer. Levaria minha filha para casa e
Lucy que viesse junto, se quisesse vê-la crescer.
Com um movimento brusco, peguei o celular novamente e liguei para
Farid. Desta vez, minha voz estava fria, implacável.
— Ela está tentando fugir — disse diretamente — Localize-a, agora
mesmo. Use todos os recursos que precisar, mas eu quero Lucy encontrada
antes que ela desapareça de vez.
Farid não questionou. Ele sabia que eu não aceitaria falhas.
Desliguei o telefone e olhei para a chupeta de Alegra nas mãos de
Omar. Era um pequeno objeto, insignificante para qualquer um, mas para
mim, carregava o peso de uma verdade que eu precisava confirmar.
Sem pensar duas vezes, mandei o motorista seguir em direção à
clínica de DNA que encontrei entre meus contatos da cidade. Eu não sairia de
lá sem ter uma certeza.
CAPÍTULO 21
Eu estava sentada no banco duro do aeroporto, com Alegra nos
braços, tentando desesperadamente manter a calma enquanto o nervosismo
me devorava por dentro.
Minhas mãos tremiam de leve, e meu coração batia freneticamente. O
voo para a Flórida sairia em algumas horas, mas eu só queria que ele
decolasse imediatamente, pois temia que Faris me encontrasse.
Eu não tinha nenhuma dúvida de que ele havia percebido a
semelhança nos traços da minha filha, com seu próprio rosto. Ele sabia que
Alegra era dele e seria questão de tempo até vir atrás de nós novamente.
Eu tinha comprado a primeira passagem que apareceu, sem nem olhar
direito para o destino. Íamos para a Flórida, mas isso não importava. O
importante era sair de Seattle o mais rápido possível, antes que Faris tivesse
certeza da verdade.
Desde o momento em que saí da loja, com Alegra nos braços,
deixando Chloe tomando conta de tudo, a sensação de ser caçada não me
abandonava.
Respirei fundo e beijei a testa da minha menina, que estava dormindo
tranquila, alheia ao caos que era minha vida. Eu, por outro lado, estava a
ponto de desmoronar.
Havia tentado ligar para Adam, meu irmão, mas ele não atendeu.
Talvez estivesse ocupado, ou em um daqueles lugares sem sinal, e agora eu
me sentia completamente sozinha.
E claro, eu não poderia ligar para os meus pais, não queria deixá-los
em pânico. Eles já tinham passado por tanta coisa desde que fui sequestrada.
O mínimo que eu podia fazer era poupá-los dessa bagunça atual.
Eu olhava para o grande painel com os horários de embarque, e a cada
minuto que passava, meu medo aumentava. O que eu estava fazendo? Fugir
assim, sem um plano, sem destino? E se Faris me encontrasse antes de o
avião decolar?
Eu sabia o quão louco ele era para ter um filho, passou vários anos
esperando a esposa engravidar, e quando aconteceu a tragédia os assolou.
Não queria nem imaginar o que faria quando descobrisse que escondi a
gravidez dele.
Alegra se mexeu nos meus braços, soltando um pequeno resmungo
enquanto adormecia novamente. Eu acariciei seu cabelo macio e sussurrei:
— Vai ficar tudo bem, meu amor. Mamãe vai te proteger.
Mas será que eu conseguiria mesmo? O que Faris faria se nos
encontrasse? Ele era poderoso demais, influente demais. Se ele quisesse,
poderia me tirar Alegra.
O simples pensamento de perdê-la, de vê-la crescendo no Oriente
Médio, em uma cultura que tratava as mulheres como propriedades, me dava
arrepios. Alegra precisava ser livre. Ela precisava ter uma infância normal,
longe daquele mundo sufocante.
Olhei em volta, examinando o aeroporto. Tudo parecia tão normal,
pessoas indo e vindo, famílias embarcando, viajantes perdidos, vozes nos
alto-falantes anunciando os próximos voos. Nenhum sinal de Faris ou seus
homens por perto.
Queria poder acreditar que ele não tentaria nos encontrar, mas eu o
conhecia o suficiente para saber que, se soubesse que Alegra era sua filha, ele
jamais desistiria de tê-la em sua vida.
Tentei relaxar, mas meu corpo se recusava a colaborar. Meus ombros
estavam tensos, meu estômago embrulhado. O tempo parecia se arrastar, e eu
me sentia presa em um pesadelo sem fim.
Eu não conseguia parar de pensar nele. Em Faris. Aquele olhar
autoritário, a maneira como ele comandava qualquer situação com uma
simples palavra, o quanto ele era impaciente e explosivo.
Se ele soubesse sobre Alegra… Meu Deus, ele não descansaria até
tirá-la de mim.
Finalmente, depois de uma eternidade, o anúncio para o embarque foi
feito. Eu me levantei com Alegra no colo, minha bolsa pendurada no ombro,
e caminhei em direção ao portão.
As pessoas formavam uma fila desorganizada, e eu mal conseguia
controlar a ansiedade.
Quando finalmente me sentei no avião, o alívio quase me fez chorar.
Estávamos tão perto de escapar. Alegra continuava dormindo, seu rosto
angelical descansando no meu peito.
Eu a apertei contra mim, agradecida por ela ainda ser tão inocente, tão
alheia ao caos que se desenrolava à sua volta.
O avião começou a se preparar para a decolagem, e senti um lampejo
de esperança. Mas então, o inesperado aconteceu.
O som de vozes exaltadas, passos apressados e alarmes ecoou pelo
avião. Um murmúrio de confusão tomou conta dos passageiros enquanto a
porta da aeronave se abria e oficiais da polícia invadiam o corredor.
Meu coração afundou. Não, não podia ser.
Antes que eu pudesse processar o que estava acontecendo, um dos
policiais começou a dar ordens, exigindo que todos desembarcassem
imediatamente. Alegra se remexeu nos meus braços, acordando com o
barulho, e eu a segurei firme, meu corpo congelado pelo medo.
Enquanto as pessoas se levantavam apressadamente e o caos tomava
conta da aeronave, eu mal conseguia respirar. Isso só podia ser obra de Faris.
Ele havia me encontrado. Ele estava aqui, em algum lugar, e iria levar Alegra
de mim.
Com o coração disparado, eu me juntei à multidão que seguia em
direção ao terminal. O som dos alarmes e a confusão ao meu redor só
pioravam o meu desespero.
O que estava acontecendo? Por que a polícia invadiu o avião? E, mais
importante, onde estava Faris?
Quando pisei de volta no terminal, envolta em um redemoinho de
passageiros, seguranças e alarmes, senti como se o chão tivesse sido
arrancado debaixo dos meus pés.
O caos ali era total. O som dos alarmes ecoava pelos alto-falantes, as
luzes piscavam, e as pessoas corriam de um lado para o outro, completamente
perdidas.
Me senti como se estivesse em um filme de ação, só que, dessa vez, o
roteiro estava terrivelmente errado.
Alegra, que ainda estava em meus braços, começou a chorar, o que
não ajudava em nada a acalmar o meu coração, que parecia estar prestes a
explodir dentro do peito.
Tentei me misturar à multidão, me movendo com os outros
passageiros em direção à saída do terminal, com a esperança de que, se eu
mantivesse a cabeça baixa e agisse como todo mundo, ninguém notaria que
eu estava ali.
No entanto, dois policiais uniformizados apareceram na minha frente,
como se tivessem sido teletransportados diretamente para o meu caminho.
Eles eram grandes, com aquelas expressões que não deixavam espaço
para brincadeiras. Antes que eu pudesse me virar e tentar fingir que não os vi,
um deles me parou com uma mão firme no meu ombro.
— Srta. Lucy Reynolds? — Indagou o mais alto, com um tom tão frio
que senti um arrepio percorrer minha espinha.
Congelei, ciente de que Faris estava por trás disso. Ele havia me
encontrado, havia armado todo aquele caos, impedindo o avião de decolar,
tudo para me impedir de fugir com minha filha. Ele não mediria esforços para
tirar Alegra de mim.
Meu Deus!
— Sim... sou eu, mas olha, eu acho que vocês estão cometendo um
engano terrível. Eu só estava tentando pegar um voo para a Flórida com a
minha filha... — balancei Alegra levemente, como se isso fosse provar
alguma coisa.
Os olhos do policial não vacilaram. Ele nem olhou para Alegra, como
se um bebê nos braços de uma mãe não fosse motivo suficiente para que,
talvez, eles questionassem a validade de alguma acusação.
— A senhora está sendo presa sob suspeita de envolvimento com
terrorismo e por fazer ameaças de bomba — ele declarou, com a mesma
frieza de antes.
Eu juro, achei que estivesse ouvindo coisas. Terrorismo? Bomba?
Quem, em sã consciência, olharia para mim, uma mulher completamente
assustada com um bebê no colo, e pensaria: “É isso, encontramos a
terrorista”?
— Espera aí! Vocês acham que eu... que eu sou uma terrorista? Isso
só pode ser piada! — Eu soltei uma risada nervosa, que saiu mais parecida
com um soluço. — Isso é um mal-entendido, sério! Eu nem sei como vocês
chegaram a essa conclusão, mas eu sou só uma mãe tentando viajar! Não sou
uma ameaça! Pelo amor de Deus, eu nem sei cozinhar direito, quanto mais
fazer uma bomba!
Mas os policiais não pareciam minimamente interessados no meu
discurso desesperado. Antes que eu percebesse, um deles já estava me
algemando, as algemas frias apertando meus pulsos na frente do corpo, o que
só fez Alegra chorar ainda mais alto.
A humilhação me atingiu com força total. Olhei ao redor, vendo as
pessoas que ainda estavam no terminal nos observando, algumas
cochichando, outras apenas me olhando com espanto.
Eu sabia que, para eles, eu provavelmente parecia uma criminosa de
verdade. O desespero começou a se misturar com a vergonha, e senti minhas
bochechas queimando.
Faris havia armado tudo aquilo muito bem. As coisas estavam
acontecendo tão rápido que eu mal conseguia respirar.
— Por favor, isso é um erro, eu juro! — Tentei novamente, olhando
para os dois policiais, como se eles tivessem algum tipo de coração escondido
debaixo daquele semblante impassível. — Olha pra mim! Eu tenho um bebê!
Como eu poderia ser uma terrorista? Isso é armação do Sheik Faris Al
Qasimi, governante de Fujairah. Liguem para o meu pai, o senador Anton
Reynolds. Ele vai explicar tudo.
No entanto, eu sabia que minhas palavras eram em vão, pois estava
claro como água que aqueles policiais estavam sendo pagos por Faris para
armarem todo aquele circo e me levarem como uma prisioneira. Eles jamais
me ouviriam.
— Senhora, vamos cooperar — disse o outro policial, com um tom
seco e absolutamente zero simpatia — Isso não vai demorar, se você fizer o
que mandarmos.
Eu estava prestes a discutir de novo, mas então olhei para Alegra. Ela
estava chorando, com as bochechas coradas e os olhos arregalados, como se
soubesse que algo terrível estava acontecendo.
Nesse momento, percebi que a única coisa que importava era mantê-la
segura, e talvez a única maneira de fazer isso fosse jogar o jogo deles, por
enquanto.
Com o coração partido, deixei que os policiais me guiassem até a
saída do aeroporto, enquanto eu tentava confortar Alegra da melhor forma
possível, murmurando palavras suaves para acalmá-la, mesmo que eu mesma
estivesse à beira de um ataque de nervos.
Quando chegamos do lado de fora, uma viatura policial nos esperava.
Eles me colocaram no banco de trás com uma firmeza desconcertante, ainda
com as algemas nos pulsos, mas pelo menos Alegra estava comigo, abraçada
a mim.
Eles fecharam a porta com força, o barulho ecoando no meu cérebro
como uma sentença.
No banco de trás, com as algemas me machucando e Alegra
soluçando, eu finalmente desabei.
— Vocês têm que me dizer o que está acontecendo! — Eu gritei,
tentando olhar para os policiais através do vidro que nos separava — Vocês
estão sendo pagos por Faris para me prender, não é? Pois saibam que meu pai
também é um homem poderoso, mais que Faris nos Estados Unidos, e vai
demitir vocês assim que souber o que estão fazendo comigo!
Mas os dois estavam quietos. O silêncio deles me fez sentir como se
estivesse falando com uma parede.
Enquanto o carro arrancava do aeroporto, meu pânico só crescia.
CAPÍTULO 22
A viatura policial estava em movimento já há algum tempo, e a única
coisa que eu sabia era que não estávamos indo em direção à delegacia.
As ruas pareciam cada vez mais isoladas e desconhecidas, e com o
passar do tempo, comecei a notar o verde das árvores, as estradas se
estreitando e o silêncio absoluto do mundo lá fora. Era como se estivéssemos
nos distanciando de toda a civilização.
Tentei acalmar meu coração, mas era difícil. O silêncio dos policiais
no banco da frente me incomodava ainda mais. Era como estar presa em um
pesadelo onde tudo é quieto demais e isso só piorava o medo.
Alegra, por sorte, estava dormindo em meus braços, o que me forçava
a controlar o pânico. Eu precisava ser forte, não podia deixá-la mais assustada
do que já estava.
— Para onde vocês estão me levando? — Perguntei pela milésima
vez, mas novamente, nenhuma resposta.
Apenas silêncio.
Meu cérebro formulava um milhão de teorias absurdas. Que Faris
estava por trás disso, eu não tinha dúvida, afinal, quem mais teria o poder de
convencer dois policiais a sequestrarem alguém debaixo dos narizes de todo
um aeroporto?
Ele queria tirar minha filha de mim, essa era outra certeza que eu
tinha e só me restava esperar que minha família soubesse o que estava
acontecendo antes que fosse tarde demais.
A viatura parou finalmente. Olhei pela janela e me deparei com uma
propriedade cercada de árvores, à beira de um lago. Homens armados
circulavam pelos arredores como fantasmas sombrios.
A estrutura era opulenta, com um casarão de três andares imponente
no centro, cercado por jardins perfeitamente cuidados, quase uma pintura de
riqueza e poder.
Definitivamente, aquilo não era uma delegacia.
Os policiais saíram do carro e abriram a porta para mim, indicando
que eu deveria descer. A sensação de estar sendo levada como uma
prisioneira, de não ter controle sobre nada, era sufocante.
Eles removeram minhas algemas e, com Alegra nos braços, segui em
direção ao casarão. Cercada pelos seguranças, caminhei pelo trajeto de pedras
que levava à entrada da imponente construção.
Por dentro, a opulência era ainda maior: lustres gigantescos, móveis
caros, tapeçarias exuberantes e janelas enormes com vista para o lago. Tudo
gritava riqueza e ostentação, o que me dava ainda mais a certeza de que Faris
estava por trás de toda aquela armação.
Fui conduzida a uma suíte espaçosa, no segundo piso. Era o tipo de
quarto que só se via em filmes, com uma cama king size, cortinas de veludo,
um berço cuidadosamente preparado para Alegra e todos os confortos
imagináveis. Chegava a ser quase ridículo.
Mesmo cercada por todo aquele luxo, eu sabia que estava presa. E a
confirmação veio quando uma mulher de meia-idade entrou no quarto com
um ar profissional, seguida por um homem armado, cuja aparência fria e
intimidadora me fez estremecer.
— Sou a babá de Alegra — disse ela, estendendo os braços para pegar
minha filha.
— O quê? Não! — Instintivamente, recuei, apertando Alegra contra
mim — Você não vai tirar minha filha de mim!
A mulher permaneceu calma, imperturbável, como se já estivesse
acostumada a esse tipo de resistência. Sem dizer uma palavra, acenou para o
homem ao seu lado. Num instante, ele agarrou meus braços, imobilizando-
me, enquanto a mulher arrancava Alegra de mim.
Minha filha começou a chorar imediatamente, estendendo os
bracinhos em minha direção, mas eu não conseguia me libertar das mãos de
ferro do homem para segurá-la de volta.
— Devolva ela! — Gritei, o pânico crescendo como um nó apertado
no meu peito.
Tentei seguir a mulher quando ela saiu do quarto com Alegra nos
braços, mas o homem continuou me segurando firme, impedindo qualquer
movimento. Vi minha filha sendo levada pelo corredor, sua voz chorosa
ecoando, aumentando meu desespero.
— Não se preocupe — disse a mulher, sem sequer olhar para trás. —
Ela ficará bem. Vou alimentá-la e colocá-la para dormir.
A porta se fechou atrás deles, e eu fui deixada ali, sozinha e
completamente impotente, com o coração esmagado pelo desespero, pela
possibilidade de Faris ter mandado aquela mulher para tirar minha filha, para
levá-la para longe e jamais permitir que eu voltasse a vê-la.
Meu Deus! Não! Isso não podia estar acontecendo!
Desesperada, comecei a dar murros na porta, gritando para que
trouxessem minha filha de volta, mas ninguém respondia.
Eu estava cogitando seriamente pular pela janela, mesmo sabendo que
me quebraria toda no gramado lá embaixo, quando finalmente a porta se
abriu e Faris avançou pela suíte, imponente e controlado, com aquela
expressão gélida que eu conhecia tão bem, e que me causava arrepios de
medo.
Como sempre, usava a túnica longa branca que o tornava ainda mais
intimidante, com aquele aspecto que mesclava perigo e poder escapando por
cada poro.
— Onde está a minha filha?! — gritei, incapaz de controlar minha
voz.
Faris fechou a porta atrás de si, lentamente.
— Achei que fosse filha da sua funcionária — respondeu, com uma
calma ameaçadora.
Não adiantava mais tentar esconder a verdade. Para ter armado todo
aquele espetáculo, mobilizando o aeroporto apenas para me capturar, Faris
certamente já havia realizado um teste de DNA e tinha plena certeza de que
Alegra era sua filha.
Agora, tudo o que me restava era esperar e rezar para que ele não me
matasse, como fazia com todos que ousavam desafiá-lo.
— Ela é minha filha — admiti, enquanto o medo e o desespero me
consumiam.
Faris avançou um passo, seus olhos negros brilhando com uma fúria
intensa, o que fez meu coração disparar ainda mais.
— É minha filha também! — rugiu, sua voz ecoando pelo ambiente.
— Como ousa esconder minha filha de mim?!
Mesmo aterrorizada, levantei o queixo, decidida a enfrentá-lo.
— Eu escondi, e não me arrependo! — Rebati, ciente de que estava
desafiando o próprio perigo — Não quero que minha filha cresça em uma
cultura tão opressora quanto a sua, ao lado de um homem capaz das
atrocidades que você comete! Ela vai crescer livre, como eu cresci!
— Eu deveria enfiar uma bala na sua cabeça, por me privar de
conhecer minha herdeira e vê-la crescer!
— Então faça isso, Faris! — o desafiei, sentindo a adrenalina tomar
conta de mim — Mostre do que você é capaz! Atire em mim!
A mão dele chegou a tremer, indo em direção ao bolso de sua túnica,
onde certamente estava sua arma.
— Não me provoque, Lucy! Você tentou me negar o direito de ser
pai! Isso merece ser punido com a morte!
— Eu prefiro morrer a deixar você tirar minha filha de mim! Você
não vai levá-la embora!
— Ah, eu vou sim. E você não poderá fazer nada para impedir —
dessa vez, ele falou com uma calma assustadora, e meus olhos se encheram
de lágrimas, pois a certeza de que eu nunca mais veria minha menina tomou
conta de mim.
Faris era poderoso demais. Se ele saísse do país com Alegra, nem o
governo americano conseguiria trazê-la de volta, já que ela era sua filha e
herdeira.
Se ao menos eu pudesse falar com meu pai enquanto Alegra ainda
estava nos Estados Unidos, talvez algo pudesse ser feito. Mas até meu celular
havia sido confiscado.
Faris conseguiria o que queria, e eu estava completamente impotente.
— Por favor, não a tire de mim. Ela é tudo o que tenho — implorei,
sentindo a voz embargar.
— Ela é tudo o que tenho também, minha única herdeira. E, mesmo
assim, você não hesitou em escondê-la de mim.
— Eu estava com medo. Depois do que você fez com Amir, eu fiquei
aterrorizada.
Ele recuou um passo, como se tivesse levado um soco no estômago.
— E quanto ao que eu fiz para salvar sua vida? Será que você
esqueceu dessa parte?
— Não esqueci, e sou grata pelo que fez. Mas eu não queria que
minha filha crescesse em uma cultura onde as mulheres são tratadas como
seres inferiores, onde algumas são rotuladas como “concubinas”, e onde
correm o risco de acabar nas mãos de homens como Khalid. Eu quero que
Alegra seja livre de tudo isso.
— Alegra é filha de um sheik, o líder de seu país. Ela será tratada
como uma rainha.
— Onde ela está agora? Por favor, me deixe vê-la.
— A babá está cuidando dela. Ela está bem.
— Eu mesma posso cuidar dela. Por favor, traga-a para mim.
— Não, Lucy. Você perdeu o direito sobre essa menina no instante
em que decidiu escondê-la de mim.
A certeza de que ele realmente a tiraria de mim me atingiu como uma
onda gélida, o desespero alcançando-me até os ossos.
— Alegra é minha, e nem o seu governo poderá mudar essa verdade
— continuou Faris — Para tirá-la de mim, seu país teria que destruir o meu, e
duvido que o governo americano esteja disposto a entrar em guerra com um
de seus principais fornecedores de petróleo para recuperar a filha de um
sheik.
Digeri lentamente o significado das palavras dele e pouco a pouco fui
perdendo a firmeza das minhas pernas. Precisei sentar-me na beira da cama
para não cair no chão. O horror que se apoderava de mim era o mais intenso
que já experimentei na vida, e sugava até o último resquício de forças que me
restava.
Mesmo sendo americana, assim que Alegra pisasse em solo árabe, ela
seria dele. As leis de seu país deixavam isso claro e o governo não se
intrometeria em questões de família.
Faris estava absolutamente certo ao afirmar que os Estados Unidos
não iriam arriscar uma briga diplomática com um de seus principais
fornecedores de petróleo para resgatar a herdeira de um sheik árabe.
Se eu permitisse que Alegra fosse embora com ele, a chance de vê-la
novamente seria mínima, se é que algum dia a veria outra vez.
O quarto começou a girar à minha volta. O peso da realidade era tão
esmagador que mal notei quando Faris se aproximou. Sua figura alta e
imponente pairava diante de mim, mais ameaçadora do que nunca, como se o
próprio destino estivesse prestes a me engolir.
— Quando você me pediu para partir, já sabia que estava grávida, não
é? — Ele indagou, o olhar fixo em mim.
— Sim. Eu tinha acabado de descobrir.
— Como pôde esconder isso de mim? Você não tem coração?!
Reunindo as poucas forças que me restavam, levantei-me, fitando-o
diretamente.
— Eu não queria que ela crescesse em uma cultura tão opressiva. Eu
nunca escolhi viver em Fujairah. Fui arrancada da minha vida, da minha
família, e forçada a uma existência naquele lugar. Eu jamais escolheria ter
uma filha com um homem muçulmano.
Vi a frieza se intensificar nos olhos de Faris, e me arrependi
instantaneamente das palavras impensadas.
— Pois saiba que ela é filha de um homem muçulmano e será criada
nessa cultura. Ela se tornará uma linda mulher muçulmana e será mais feliz
do que se tivesse crescido aqui.
Dito isso, Faris virou-se e caminhou em direção à porta. Compreendi
que ele levaria Alegra para Fujairah, enquanto eu ficaria presa ali. O pânico
tomou conta de mim, me deixando paralisada.
Dominada pelo desespero, corri atrás dele e agarrei o tecido áspero de
sua túnica, como se isso pudesse detê-lo.
— Espere. Por favor, não a leve embora — supliquei.
— Eu vou levá-la. O nosso avião já está pronto, apenas esperando por
nós.
Meu Deus!
— Então me deixe ir junto. Por favor. Eu sou a mãe dela. Cuidarei
dela muito melhor que qualquer babá. Por favor.
— Para que você passe o tempo tramando contra mim? Tentando
levar Alegra embora de novo?
— Eu não vou fazer isso. Dou-lhe a minha palavra.
Faris soltou um suspiro profundo, ponderando em silêncio, enquanto
meu coração parecia querer parar de bater.
— Lucy... eu não sei.
— Por favor... ela é minha filha... não faça isso comigo... não faça
isso com ela.
Antes que eu percebesse, lágrimas começaram a rolar
descontroladamente pelo meu rosto.
— Se você for conosco, será apenas para cuidar de Alegra — disse
ele.
— Eu sei. Só não quero me separar dela.
— Você não será minha prisioneira, mas uma convidada em meu
palácio — ele me encarou diretamente nos olhos — Mas, tenha em mente
que, se eu suspeitar, se ao menos desconfiar que está tramando contra mim ou
tentando levar minha filha embora, você nunca mais a verá.
— Eu prometo que não farei nada.
— Certo. Esteja pronta para decolarmos em algumas horas.
— Estarei.
Com isso, ele se virou e saiu do quarto com passos firmes e decididos,
me deixando imersa em uma aflição insuportável. O temor de que ele partisse
com Alegra, sem me avisar, apertava meu peito como um peso esmagador.
Meu maior medo era que eles pegassem o avião sem o meu
conhecimento e que eu fosse libertada apenas quando já fosse tarde demais.
Os minutos se arrastaram com uma lentidão torturante. O medo
continuou me assolando como uma fera selvagem que me devorava. Só
consegui respirar normalmente quando a porta se abriu novamente e a babá
entrou, trazendo Alegra nos braços.
Peguei minha filha com pressa e a abracei demoradamente, apertando
seu corpinho no meu, checando se estava tudo bem. Tirando o fato de que
parecia sonolenta, como se tivesse sido acordada, ela estava perfeitamente
bem.
— Ela estava dormindo. Estava perfeitamente confortável. Não havia
motivos para ser incomodada — disse a babá, asperamente, e a raiva pipocou
nas minhas veias.
— Vai pra casa do caralho! — Disparei — Eu decido o horário do
sono da minha filha, não você! Agora saia daqui antes que eu perca as
estribeiras!
A mulher bufou, mas não disse nada. Apenas deu-me as costas e saiu
do quarto.
Pouco depois, uma empregada entrou no aposento trazendo o jantar.
Tentei argumentar, pedir ajuda, mas ela sequer me olhou, como se minhas
palavras fossem inaudíveis.
A noite já havia caído quando Faris apareceu, acompanhado por dois
seguranças. Ele estava frio e distante como nunca antes. Nem sequer olhou
para mim e não disse uma palavra enquanto eu era escoltada até o
helicóptero, pousado do lado de fora.
Entramos, e em poucos minutos Seattle se tornou apenas um pequeno
feixe de luz, engolido pela escuridão imponente da noite.
Durante o percurso, eu mantinha Alegra firmemente abraçada a mim,
tentando transmitir-lhe uma sensação de segurança que eu mesma não
possuía. Cada batida do meu coração ecoava o medo do que nos esperava.
Faris permanecia impassível, sua expressão fechada, conversando em
árabe com os seguranças, sem jamais me dirigir uma única palavra. O
silêncio entre nós era sufocante.
Voamos até um aeroporto privado, onde um avião particular de
grande porte nos aguardava.
Alegra e eu fomos conduzidas a uma das cabines do imenso avião, e,
enquanto ele decolava, uma terrível certeza se instalou no meu peito: minha
filha e eu jamais seríamos livres novamente.
CAPÍTULO 23
Eu estava sufocando dentro daquela burca. Literalmente sufocando.
Como é que as mulheres conseguiam usar aquilo todos os dias, sem morrer
de calor?
Era uma daquelas coisas tipicamente usadas pelas mulheres
muçulmanas, uma das condições que Faris impusera para me deixar sair do
quarto e circular por aí. Eu não tinha como escapar.
Pela segunda vez eu saía do meu cativeiro, e o ritual se repetiu: a
burca me engolindo inteira e Salma me acompanhando como uma sombra
gentil, mas sempre ali. Mesmo quando o sol estava a pino, eu tinha que usar
aquela coisa, o tecido grosso me fazendo suar como se eu estivesse
derretendo por dentro.
E tudo porque os homens muçulmanos não tinham a capacidade de se
controlar na presença de uma mulher com o rosto aparecendo.
Que tipo de animais eles eram?
Dois dias atrás, eu havia convencido Faris a me deixar andar pelos
jardins e pelos salões do palácio. Claro, com Salma sempre ao meu lado,
como se eu fosse uma adolescente rebelde que precisasse de babá.
Eu já tinha explorado os jardins, no dia anterior. Caminhei neles por
tantas horas que estava começando a decorar até os padrões dos ladrilhos das
fontes. Agora, Salma e eu estávamos vagando pelos intermináveis corredores
de mármore e colunas douradas que pareciam nunca terminar.
O palácio de Faris era absurdamente grande. Eu estava começando a
me perguntar se ele realmente sabia o que havia atrás de todas aquelas portas.
Parecia mais um labirinto do que uma casa.
Como no dia anterior, não vi Faris em parte alguma. Ele não havia me
visitado na noite passada, e isso estava me incomodando mais do que eu
queria admitir. Não era como se eu precisasse vê-lo, mas... talvez eu
quisesse?
Isso era tão confuso!
Eu devia odiar estar perto daquele homem, o cara que me mantinha
cativa em uma gaiola de ouro, mas a verdade era que eu esperava
ansiosamente pelo momento em que estaria perto dele.
Ontem, passei o dia contando os minutos até a chegada da noite,
esperando que ele aparecesse para continuarmos nossa farsa, mas ele
simplesmente não veio.
Loucura? Talvez. Mas nunca fui uma pessoa muito sensata e a forma
como Faris me olhava, o jeito como ele me beijara, estava piorando esse meu
lado irracional.
— O que é essa porta? — perguntei, quebrando o silêncio do nosso
passeio, apontando para uma porta grande, imponente, no fim de um
corredor.
Salma me olhou com uma expressão quase divertida, como se
soubesse algo que eu não sabia.
— É a suíte do sheik — respondeu ela, com aquele tom malicioso,
como se minha presença naquele quarto fosse algo inevitável, e a coisa mais
certa do mundo.
Minha cabeça deu um estalo. Lembrei-me de que, diferente de todos
os empregados, que mal sabiam o que era um telefone, Faris estava sempre
de posse de um celular. Talvez tivesse deixado algum esquecido ali dentro,
com o qual eu poderia contatar meu irmão.
A ideia começou a tomar forma na minha cabeça. Era completamente
impulsivo e provavelmente idiota, mas eu precisava fazer alguma coisa.
A essa altura, meus pais já deviam estar de cabelos brancos, achando
que a City Ride havia acabado comigo. Eu precisava dar notícias, deixar que
eles soubessem que estava bem e pedir ajuda para voltar aos Estados Unidos.
Talvez aquela fosse minha única chance.
Só tinha um problema: Salma. Ela sempre carregava uma chave
mestra que abria todas as portas do palácio, e eu precisava dela para abrir a
suíte de Faris. Era claro que ela não me deixaria pegar a chave assim tão
facilmente, então eu teria que ser criativa.
Enquanto Salma seguia adiante, distraída com alguma história sobre
uma tapeçaria antiga, eu me aproximei um pouco mais, tentando parecer
casual.
Meus dedos começaram a trabalhar, com toda a habilidade que
aprendi ao longo dos anos como jornalista investigativa, deslizando para
dentro do bolso do vestido dela, onde eu sabia que a chave estava.
Meu coração batia tão rápido que eu achava que ela poderia ouvir,
mas Salma não parecia notar nada.
Quando senti o frio do metal em meus dedos, quase quis comemorar.
Puxei a chave suavemente, escondendo-a na minha mão.
Agora, eu só precisava dar um jeito de me livrar dela.
— Ai, Salma, eu acho que tô passando mal! — Gemi, colocando as
mãos na barriga e tentando parecer convincente.
Salma olhou para mim com preocupação genuína.
— O que foi, minha querida? — Perguntou, já pronta para me
amparar.
— Minha barriga... acho que comi alguma coisa que não caiu bem...
Preciso ir ao banheiro. Agora!
— Por Allah! Será que colocaram comida estragada no seu prato?
Bem que eu não gostei muito da cara daquela cozinheira nova.
— Deve ter sido ela, por ciúmes do sheik.
Sem desconfiar do meu teatro, Salma me ajudou a chegar até o
banheiro mais próximo, que ficava no mesmo corredor. Lá, me tranquei no
box e me sentei no vaso, tentando parecer o mais convincente possível.
— Você está bem? — Perguntou ela, do lado de fora.
— Na verdade... — comecei, torcendo para que ela caísse nessa —
Não percebi quando minha menstruação desceu e sujou minhas roupas. Não
quero sair por aí com as roupas sujas de sangue! — Soei o mais dramática
que consegui — O que faço agora? E se encontrarmos algum guarda pelo
caminho? O que o sheik vai pensar de mim?
Foi uma jogada arriscada, mas Salma, sempre prestativa, não hesitou.
— Não será preciso passar esse vexame. Vou até seu quarto buscar
roupas limpas. Espere aqui — respondeu, com a calma de quem estava
acostumada a resolver problemas práticos.
Assim que a porta do banheiro se fechou e seus passos se
distanciaram, eu saí do box. Com a chave mestra nas mãos, saí
sorrateiramente do banheiro, voltando para o corredor onde a porta da suíte
de Faris me aguardava como um tesouro proibido.
O corredor estava vazio, e por um momento, achei que meu plano
maluco poderia realmente dar certo. Respirei fundo, colocando a chave na
fechadura da porta imponente. Girei a chave, ouvindo o clique suave, e a
porta se abriu.
Meu coração batia como um tambor desgovernado.
Assim que entrei na suíte, uma onda de intimidação me atingiu
instantaneamente. E não era para menos. O lugar era uma verdadeira obra de
arte, com três enormes cômodos interligados e decorados de forma
exageradamente luxuosa.
Havia tapeçarias exuberantes, lustres de cristal pendendo do teto e um
perfume suave e amadeirado que parecia impregnar o ambiente. O chão de
mármore refletia o brilho das luzes, criando uma atmosfera que era ao mesmo
tempo rica e extravagante.
Cada cômodo possuía um ambiente distinto. Um deles era a sala de
estar com um bar e estofados branquíssimos, o outro, uma sala para refeições.
Ao lado do dormitório havia um closet imenso, com trajes muçulmanos
perfeitamente organizados, e o que mais chamou minha atenção: a cama.
Ah, a cama...
Era uma daquelas camas enormes que pareciam ter saído de um conto
de fadas, com dossel e lençóis de seda brancos, ampla o suficiente para caber
umas cinco pessoas.
Sem perceber, me peguei imaginando Faris ali, deitado, talvez usando
apenas uma calça de pijama, sem camisa, os músculos à mostra. Como seria a
sensação de tocar aqueles ombros largos sem a barreira das roupas? De sentir
o calor da pele dele...
Ah, não, Lucy, pelo amor de Deus! Controle-se!
Sacudi a cabeça para afastar o pensamento, embora não tenha
conseguido ignorar o calor que descia pelo meu ventre e não ajudava em nada
na situação.
Eu estava ali com um objetivo: encontrar um celular, algum contato
com o mundo real. Precisava avisar meus pais, meu irmão Adam, que eu
estava bem, ou pelo menos viva.
Então, respirei fundo, tentando recobrar a sanidade e comecei a
vasculhar a suíte em busca de algo útil. Mexi nas gavetas do criado-mudo,
procurei na mesa de canto, na poltrona, no banheiro. Nada. Nem sinal de um
celular ou um laptop. Parecia que Faris era um homem muito mais cuidadoso
do que eu imaginava.
Decidida a não sair de mãos vazias, fui até o closet. Era tão imenso
quanto eu imaginava, com roupas tradicionais organizadas como uma loja de
grife.
Abri algumas gavetas, sentindo-me um pouco invasiva, mas qual era a
alternativa? Eu precisava encontrar um meio de comunicação. Mas em vez de
eletrônicos, me deparei com algo totalmente inesperado.
Bem escondido no fundo de uma das gavetas, havia um álbum de
fotografias. Não resisti à curiosidade e o tirei de lá, abrindo lentamente a capa
de couro.
As primeiras fotos me surpreenderam. Faris estava nelas, sorrindo. E
não estava sozinho. Ele estava com uma mulher árabe linda, em trajes de
casamento. O choque inicial quase me fez fechar o álbum, mas não consegui.
Continuei virando as páginas.
Ali estava ele, com a noiva ao lado, ambos parecendo tão felizes.
Felizes de um jeito que eu jamais havia visto Faris ser. Depois, vi uma
fotografia de um exame de ultrassonografia, com a legenda em árabe, mas o
suficiente para entender que ela estava grávida.
E então, as imagens seguintes mostravam Faris e a esposa abraçando-
se, ela com uma barriga enorme, prestes a dar à luz.
Continuei virando as páginas, mas as fotografias acabavam ali. Não
havia mais nada além de espaços vazios. Quem era aquela mulher? Onde ela
estava agora? E o bebê?
Olhei todas as páginas seguintes, mas não havia mesmo mais nada.
Nada sobre o que aconteceu depois do nascimento.
Aquelas fotografias, guardadas no fundo de uma gaveta, escondiam
uma história que eu não sabia, mas que, de alguma forma, queria
desesperadamente entender.
Eu estava tão imersa nas minhas descobertas que quase não percebi o
som da porta da suíte se abrindo. Quase. Quando me dei conta, meu sangue
gelou. Eu estava sentada no chão, em um canto do closet, ainda com o álbum
nas mãos, quando Faris entrou.
Ele parou assim que me viu, e o choque em seu rosto foi substituído,
num piscar de olhos, por uma expressão de fúria assustadora. Seus olhos
escureceram como tempestades, e por um momento, parecia que o próprio ar
no ambiente havia mudado.
Fiquei de pé quase com um pulo, meu coração martelando no peito, à
medida em que eu percebia o tamanho da encrenca na qual havia me
colocado.
— Então foi pra isso que você me convenceu a deixá-la sair do
quarto?! — A voz dele soou como um trovão — O que pretende invadindo
minha suíte?!
Ele parecia uma fera prestes a explodir, os músculos tensos debaixo
da túnica, seus movimentos carregados de uma energia perigosa, enquanto
meu coração parecia prestes a saltar do peito, temendo pelo que ele faria
comigo.
CAPÍTULO 24
Engoli em seco, o álbum ainda nas minhas mãos trêmulas. Eu
precisava inventar alguma desculpa, qualquer coisa. Mas com aquele olhar
mortal de Faris sobre mim, eu não conseguia nem pensar direito. Minhas
palavras simplesmente sumiram.
Ele deu um passo à frente, e eu instintivamente recuei, me sentindo
um coelho encurralado.
— Eu perguntei o que você está fazendo na minha suíte, Lucy?! E
onde está a burca que mandei usar quando saísse do seu quarto?! — A voz
dele agora era mais controlada, mas ainda assim parecia cortante, como se ele
estivesse à beira de perder o controle.
— Eu a tirei agora. Estava usando antes de entrar aqui — apontei para
a burca que deixei esquecida no chão enquanto bisbilhotava — E porque
tenho que usar esse trambolho sufocante o tempo todo, se na noite em que
aquele porco veio aqui o palácio inteiro me viu usando roupas de odalisca?
— Aquilo foi diferente! Você estava comigo! Mas não mude de
assunto! Como diabos você entrou aqui?! Com que objetivo?!
— Eu roubei a chave mestra de Salma, e depois a enganei para
escapar. Por favor, não brigue com ela.
Os olhos ferozes dele tornaram-se ainda mais furiosos, enquanto
fitavam os meus.
— Você é mesmo uma manipuladora! E eu acreditando que só queria
sair do quarto porque se sentia uma prisioneira, mas o que queria mesmo era
invadir o meu aposento e tramar contra mim! Como se atreve?!
Faris deu um passo em minha direção. Considerando sua expressão
furiosa, tive certeza de que me estrangularia ali mesmo, sem nem pestanejar.
— E-Eu n-não q-queria t-tramar contra você. Não fiz de caso
pensado. Não estava planejando fazer isso quando pedi sua permissão para
sair. Eu só queria caminhar por aí. A ideia de entrar aqui foi de última hora,
completamente impulsiva.
— E o que pretendia com isso?! Achou que poderia me encontrar
dormindo e acabar com a minha vida?
— O quê?! Claro que não! Eu só estava... procurando um celular para
tentar falar com meu irmão. Ele deve estar preocupado comigo.
— Como você é inconsequente! Já te disse que se você der notícias,
os bandidos que a venderam para Khalid vão saber que ainda está viva, e o
que é pior, ligando para os Estados Unidos! Eles vão dar um jeito de silenciá-
la, nem que seja executando seu irmão!
As palavras dele me fizeram estremecer, o pavor alcançando-me até
os ossos.
— Eu não tinha pensado nisso. Acho que agi por impulso.
Faris deu mais um passo na minha direção, seu corpo inteiro
enrijecido de tensão, o que o tornava ainda mais ameaçador e letal.
— Você parece uma criança, agindo sem pensar. É tão irresponsável
que entrou sozinha no quarto de um homem que está louco pra te comer.
— Você não vai me forçar a nada.
— E quem te garante isso?
— Isso é uma ameaça?
Antes que eu pudesse sequer absorver suas palavras, Faris eliminou a
distância entre nós e colocou-se atrás de mim, com um movimento fluido e
preciso, como um predador cercando sua presa.
Sem que eu tivesse tempo para reagir, ele me virou de frente para o
espelho imponente que dominava a parede, e o impacto de sua presença me
prendeu no lugar, como se meus pés estivessem ancorados no chão.
O corpo dele, grande, sólido e imponente, pressionou-se contra o
meu, por trás, e uma onda de calor indescritível explodiu dentro de mim,
percorrendo cada veia com uma intensidade dilacerante.
O desejo era palpável, corroendo minhas últimas defesas, enquanto
minha pele queimava sob o toque invisível de sua proximidade.
Seus olhos negros, profundos e insondáveis, capturaram meu olhar no
espelho, como se pudessem decifrar cada pensamento não dito, cada
sentimento que eu me recusava a admitir.
Ele afastou meus cabelos com uma lentidão torturante, revelando a
linha do meu pescoço, onde o calor de sua respiração fez meu coração
disparar.
Seus lábios pairaram próximos à minha orelha, e, quando ele
finalmente sussurrou, sua voz me despertou um arrepio gostoso, que deslizou
pela minha pele como uma carícia proibida:
— Não é uma ameaça, só um aviso do perigo em que você se
colocou.
— Eu não tenho medo de você — declarei, enquanto tentava controlar
minha respiração ofegante.
E essa era a mais pura verdade. O medo inicial de ser pega
bisbilhotando havia se dissipado, dando lugar a uma ânsia inquietante pelo
que ele poderia fazer.
Na verdade, eu queria que ele fizesse. Que me tocasse. Que seus
lábios reivindicassem os meus com a mesma intensidade bruta e arrebatadora
que queimava dentro de mim.
Ainda assim, por mais que eu o quisesse, não poderia tê-lo. Não por
moralismos. Nunca fui o tipo de mulher que se escondia atrás de convenções
ou regras quando o desejo tomava conta. Sexo casual nunca foi um tabu para
mim.
Mas eu era uma prisioneira no palácio de Faris. Ceder ao meu desejo
nessas circunstâncias seria um erro perigoso, por mais irresistível que ele
fosse. E não era só isso. Faris era mais do que uma atração física
avassaladora.
Havia algo nele, um misto de perigo e poder, que me envolvia, como
um imã, me atraindo para um lugar onde eu sabia que não deveria estar.
— Mas devia ter — sussurrou Faris, seus lábios a centímetros de
distância do meu ouvido — Nós homens muçulmanos não somos tão
civilizados quanto os americanos, no que se refere ao sexo oposto. Seria
bastante normal se eu a dobrasse sobre uma dessas cômodas e a fodesse até
me cansar. Aliás, ainda não decidi se não vou mesmo fazer isso.
Com uma destreza quase cruel, Faris agarrou o colarinho da túnica
que eu vestia, puxando-o com força para os lados.
O som dos botões se rompendo ecoou pelo quarto, e a túnica se abriu
de cima a baixo em um instante, deixando meu corpo exposto, emoldurado
apenas pela fina seda do vestido de alças que eu usava por baixo.
A voz da razão gritava em meu íntimo, ordenando-me a sair correndo
dali. No entanto, algo mais intenso do que eu pudesse controlar me impedia
de sequer me mover, enquanto Faris tomava um dos meus seios, segurando-o
com firmeza por baixo, o calor de seu toque queimando através do tecido
fino.
— Faris... não podemos... — sussurrei, sem conseguir conter minha
respiração ofegante.
— Eu sei que não... eu jamais me aproveitaria de uma pessoa que está
sob a minha tutela contra a sua vontade... mas você não colabora com o meu
autocontrole... tinha que entrar aqui... e me deixar assim.
Com um grunhido, ele apertou mais meu corpo contra o seu e pude
sentir a rudeza da ereção empurrando minha bunda por baixo das roupas. Era
enorme, sólida, aquele contato intensificando o calor da lascívia que se
espalhava em meu sangue, fazendo minha vagina se contrair e molhar.
— Faris... — sussurrei, sem conseguir completar a frase.
— Eu sei. Também estou sentindo isso.
A mão livre dele infiltrou-se sob a saia do vestido, ao mesmo tempo
em que o rosto dele afundava na curva do meu pescoço, beijando e lambendo
minha pele, deixando-me ainda mais perdida de tanto tesão.
Antes que eu pudesse processar o que estava acontecendo, seus dedos
firmes e ásperos invadiram minha calcinha e afundaram na umidade entre
meus lábios vaginais, o toque arrancando-me um gemido.
Completamente perdida nas mãos daquele homem, lancei a cabeça
para trás e abri mais as pernas, me deleitando com o toque dele quando seus
dedos começaram a se mover sobre meu clitóris, em círculos lentos e
enlouquecedores.
— Abra os olhos, quero que veja isto — grunhiu Faris, sua boca de
encontro à minha orelha, em uma carícia íntima e deliciosa.
Abri os olhos e observei, extasiada, nosso reflexo no espelho. Ele
parecia muito grande atrás de mim, com seus olhos fixos na nossa imagem e
sua boca acariciando meu pescoço.
Uma de suas mãos esfregava meu mamilo sob a seda do vestido,
enquanto a outra massageava-me entre as pernas, tocando-me mais
deliciosamente do que já fui tocada um dia.
Enquanto passava a mão para meu outro seio, beliscando e esfregando
o mamilo, Faris introduziu dois dedos na minha vagina lambuzada, movendo-
os dentro de mim, fazendo-me gemer sem sequer perceber.
Enlouquecida, afastei ainda mais as pernas e comecei a rebolar os
quadris, esfregando a bunda na ereção volumosa, ao mesmo tempo em que
fazia com que ao dedos dele girassem dentro de mim, empurrando
gostosamente as paredes sensíveis do meu canal, tocando o ponto mais
sensível do meu corpo, até que todas as sensações se concentraram na altura
do meu ventre, o orgasmo ameaçando me estilhaçar.
— Faris...eu vou... eu vou...
— Eu sei, bebê. Goza pra mim... quero ver seu rosto enquanto estiver
gozando.
A voz dele foi como uma permissão. Sem desviar o olhar da nossa
imagem no espelho, me acabei em gozo, gemendo alto e convulsionando
enquanto os dedos dele ainda se moviam no meu canal.
Quando meu organismo se acalmou, Faris retirou os dedos de mim e
os introduziu na sua boca, chupando meu gosto, com os olhos fechados, sua
fisionomia contraída de prazer.
Ele virou-me de frente e segurou minha nuca, aproximando seu rosto
do meu. Previ o que aconteceria, consegui visualizar nós dois sobre uma das
cômodas, fodendo gostoso e, apesar da intensidade do desejo que corria
dentro de mim, entrei em pânico, meu coração disparando no peito.
Antes que pudesse controlar o impulso, dei um passo para trás e saí
correndo em disparada, deixando a suíte e atravessando os amplos salões e
corredores do palácio.
Faris teria me impedido de sair, se quisesse. Mas ele não veio atrás de
mim. Em vez disso, ficou lá parado, observando-me fugir.
Quanto a mim, parei de correr apenas depois que entrei em meu
quarto e fui direto para debaixo do chuveiro em busca de um banho frio.
CAPÍTULO 25
Fora do conforto gelado do ar-condicionado do quarto, o calor dos
Emirados Árabes se tornava insuportável. O único lugar no palácio onde era
possível suportar a temperatura sem ser consumida pelo suor era o jardim,
especialmente a parte mais isolada, onde Salma e eu nos encontrávamos.
Esse recanto ficava nos fundos da vasta propriedade, um pequeno
bosque sombreado por árvores frondosas, distante dos impecáveis campos
verdes. Os guardas e outros empregados raramente apareciam por ali,
tornando-o o único refúgio fora do quarto onde eu podia me livrar da
sufocante burca sem correr o risco de ser descoberta.
Sentadas sobre as folhas secas, sob a proteção das copas espessas,
conversávamos sobre trivialidades. Como de costume, Salma estava curiosa
sobre o meu país, fazendo perguntas incessantes sobre os costumes
americanos, com uma curiosidade insaciável.
— É verdade que, no seu país, as mulheres podem morar sozinhas e
trabalhar para se sustentarem? — Indagou ela, fitando-me com seus olhos
castanhos sequiosos por informações.
— Sim, é verdade. Eu mesma trabalho para me sustentar desde os
dezenove anos. E tenho meu próprio apartamento.
— E não é uma vida difícil, ter que dar conta de tudo sozinha, sem
ninguém para ajudar com as despesas?
— Não. Você só precisa de planejamento. Tipo determinar que nível
de vida quer levar, quanto custaria essa vida e arranjar um emprego cujo
salário possa cobrir tudo.
— E todas as mulheres vivem assim?
— Não. Muitas delas optam por ter um marido e ser sustentada por
ele, como aqui. Nós somos adeptas de uma cultura na qual uma mulher pode
decidir livremente que tipo de vida quer levar. Eu escolhi ser livre e
independente.
— Então nunca pretendia se casar?
Continuamos conversando sobre o assunto enquanto o tempo escorria
sem que percebêssemos. Assim como Salma se mostrava surpresa ao ouvir
sobre o meu estilo de vida, eu ficava atônita ao ouvir as histórias dela sobre a
realidade das mulheres na cultura árabe.
A forma como eram tratadas, a imposição de casamentos arranjados, e
o fato de terem seus destinos decididos pelas famílias me chocavam
profundamente.
Salma, inclusive, havia sido forçada a se casar com um homem
escolhido por sua família, muitos anos atrás, uma verdade que ela
compartilhava com uma naturalidade que me deixava sem palavras.
Estávamos conversando sobre o casamento dela com Amir, quando,
subitamente, o som de vozes se aproximando nos fez interromper a conversa
bruscamente. Meu corpo enrijeceu, e virei o rosto para espiar além do tronco
robusto do carvalho ao qual eu estava recostada.
Quase tive um mine infarto ao ver Faris vindo em nossa direção. Ele
andava com passos lentos e seguros, acompanhado por um guarda que se
mantinha um pouco mais afastado e por duas mulheres que caminhavam
próximas a ele.
As duas eram árabes, uma mais velha e a outra mais jovem. Não
estavam vestindo burcas sufocantes como a que eu era obrigada a usar, mas
apenas hijabs[8] delicados, que envolviam suas cabeças e cobriam o peito,
deixando seus rostos totalmente descobertos.
— Caralho! Eles estão vindo pra cá! — Exclamei, espavorida,
levantando-me e percorrendo os olhos ao redor, freneticamente, à procura da
maldita burca, sem saber onde diabos a havia largado.
— Onde está sua burca? — Indagou Salma, levantando-se, tão
alarmada quando eu.
— Eu sei lá. Não lembro onde larguei.
— Você precisa colocar, ou Vossa Alteza vai ficar furioso.
— Se sairmos para procurar, seremos vistas. Melhor ficarmos
escondidas. Talvez eles não venham até aqui.
Salma assentiu, e permanecemos imóveis atrás dos troncos grossos
das árvores, fora do campo de visão do sheik e seus acompanhantes, a menos
que eles decidissem vir até ali. Se isso acontecesse, eu estaria em sérios
apuros.
Faris tinha sido bem claro três dias atrás, quando invadi a suíte dele:
eu não podia sair do quarto sem a burca. Se ele me visse agora, certamente
proibiria minhas saídas.
Ele provavelmente ainda estava furioso com a minha invasão, já que
desde então não voltou ao meu quarto. Sua ausência inquietava meus
pensamentos.
Era como se ele tivesse desistido do plano de convencer a todos de
que estávamos juntos, o que era perigoso, pois isso poderia chegar aos
ouvidos do infame do Khalid.
Nossa tentativa de permanecer invisíveis foi inútil. As vozes ecoavam
cada vez mais próximas, e, em questão de segundos, Faris e sua comitiva
emergiram diante de nós, rompendo qualquer chance de nos ocultarmos.
Eu devia ter corrido. Ter me escondido. Ter cavado um buraco e me
enterrado, qualquer coisa. Mas não. Fiquei ali, paralisada como uma idiota,
enquanto Faris surgia diante de mim como uma tempestade silenciosa, a
túnica branca esvoaçando ao seu redor como se o vento obedecesse apenas a
ele.
Por mais que me odiasse por isso, meu coração agitou-se no peito ao
tê-lo diante de mim. Três dias sem vê-lo e, no segundo em que coloquei meus
olhos nele, algo em mim pareceu acordar.
Era como se meu corpo inteiro tivesse esperado por aquele momento.
Que ridículo!
Faris não pareceu nem um pouco surpreso ao nos ver, como se já
soubesse que estávamos ali. E apesar de me lançar um olhar frio como gelo,
pude ver a irritação mal contida no fundo da sua expressão.
— Ah, vocês estão aí? — Ele disse, a voz baixa e controlada, mas
carregada de algo afiado como uma lâmina.
Salma deu um passo à frente, falando rápido em árabe, como se
estivesse pedindo desculpas por termos sido pegas no meio do nosso pequeno
ato de rebeldia.
Eu não entendia uma palavra do que ela dizia, mas estava claro que
ela tentava salvar minha pele.
Faris não respondeu a Salma imediatamente. Seu olhar estava
grudado em mim, como se tentasse me despir da cabeça aos pés com uma
única piscada. Aquele maldito olhar que fazia um calor indesejado, lascivo,
se espalhar pelo meu corpo, mesmo quando eu tentava desesperadamente
ignorá-lo.
Não ajudava que ele ficasse tão lindo usando aquela túnica. Era como
se a simplicidade dela só ressaltasse o poder natural dele, a força bruta que
ele carregava nos ombros.
Faris não precisava de joias ou enfeites. Ele era, por si só, um
monumento de arrogância e autoridade.
Ele se virou para as duas mulheres, que nos observavam com
crescente curiosidade e disse algo em árabe, o tom de voz casual e indiferente
impedindo-me de tentar decifrar suas palavras.
As mulheres entreolharam-se atônitas, e então olharam para mim. A
mais velha tentou dizer algo, mas parecia profundamente desconcertada, a
ponto de não conseguir formular as palavras.
Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Quem eram aquelas
mulheres? O que Faris estava dizendo a elas sobre mim?
Eles trocaram mais algumas palavras e o que aconteceu em seguida
me pegou completamente desprevenida.
Antes que eu pudesse processar, a mão de Faris agarrou minha nuca
de forma firme e segura. Ele me puxou para junto de si e capturou minha
boca com a sua, com uma força selvagem, impetuosa, como uma tempestade
que eu não tinha chance de evitar.
O beijo foi um impacto. Feroz. Devastador.
Minha mente ficou em branco. Meu corpo reagiu antes que eu
pudesse impedir, meus lábios se abriram sob os dele, e uma onda de calor me
atravessou como uma corrente elétrica, enquanto a mão dele descia pela
minha cintura, puxando-me para mais perto, e eu me senti afundar naquele
toque.
Era impossível lutar contra isso. Contra ele. Contra nós.
O sabor dele era quente, e a forma como me beijava era uma mistura
de desejo desesperado e controle absoluto. Meu corpo respondeu como se
fosse dele desde sempre.
Sem interromper o beijo, Faris abriu os olhos e fiz o mesmo, como se
sentisse o peso do olhar dele perfurando minha face. Nossos olhares se
encontraram por um breve segundo, um segundo longo o bastante para eu ver
a surpresa na expressão dele.
Então, ele fechou os olhos novamente, e o beijo se aprofundou. Mais
intenso. Mais urgente. O desejo pulsava nas minhas veias, incendiando-me
por dentro, como se cada célula fosse consumida por brasas vivas.
CAPÍTULO 26
De forma tão repentina quanto começou, Faris interrompeu o beijo,
afastando-se alguns centímetros. Seus olhos permaneceram fixos em mim,
como se estivesse decifrando algo, um silêncio pesado pairando entre nós.
Em seguida, ele desviou o olhar na direção das mulheres.
Elas haviam se afastado, caminhando de volta para o palácio. Ao vê-
las à distância, um sorriso vitorioso se formou no canto dos lábios dele, um
sorriso que sugeria que ele havia conseguido exatamente o que queria.
— Deu certo — disse ele, em inglês, com sua respiração ofegante.
Eu ainda estava atordoada, completamente zonza pelo que acabara de
acontecer. O desejo ainda corria feroz dentro de mim, impedindo-me de
pensar, de entender o que estava acontecendo ali.
— O que deu certo? Quem são essas mulheres? O que você disse a
elas? — Indaguei.
— Elas são a esposa e a filha do Emir de Ajman[9]. Meu irmão e meus
conselheiros estão tentando me convencer a me casar, para formar alianças
políticas, e acharam que ela seria um bom partido. Parece que não vou ter que
me preocupar mais com isso, agora que elas sabem que tenho uma concubina
— ele deu outro sorriso de puro êxito, e a irritação tomou conta de mim.
— Como você se atreve a me usar para afastar suas pretendentes?! —
Berrei.
— Eu agi por impulso, Lucy! — Seu tom de voz era sarcástico —
Não planejei fazer isso, foi uma ideia de última hora. Assim como você vive
tendo ideias, inclusive a de sair pelo jardim sem a sua maldita burca!
Suas palavras só serviram para intensificar a raiva que fervia em
minhas entranhas.
— Isso é diferente! Você me usou, seu cachorro! Como se atreve?!
Antes que eu pudesse controlar o impulso, avancei para cima dele,
tentando esmurrá-lo no peito com meus punhos cerrados. No entanto, Faris
era mais rápido e muito mais forte.
Com a facilidade de quem vestia uma calça, segurou-me pelos pulsos
e firmou minhas costas no tronco grosso da árvore, imobilizando-me por
completo, parecendo muito intimidador ao se colocar diante de mim, perto o
suficiente para que eu sentisse o cheiro do seu perfume.
— Tá maluca?! Você não pode fazer isso na frente dos meus guardas!
Onde está o respeito?!
— Que se fodam os seus guardas, você me usou para espantar sua
pretendente!
Foi nesse momento que Salma deu um passo em nossa direção, com
seu rosto aflito. Disse algumas palavras em árabe, com tom de súplica, e
embora eu não a tenha compreendido, soube que estava implorando por mim.
Mas Faris não a atendeu. Em vez disso, vociferou algumas palavras
no seu idioma, tão estrondosamente que Salma levou um susto.
Em seguida, ela lançou-me um olhar de pura piedade e afastou-se,
caminhando na direção do palácio, junto com o guarda que acompanhava
Faris.
— Essa sua língua afiada ainda vai ser a sua ruína! — Vociferou
Faris, erguendo meus pulsos e os prendendo firmemente contra o tronco
áspero do carvalho.
A vontade de acertá-lo com o joelho no meio das pernas quase me
dominou, mas ele já estava furioso. Se eu o provocasse ainda mais, ele seria
capaz de perder completamente o controle.
— O que você pretende com isso? Vai me bater agora? — Indaguei.
— Não vou te bater. Não que você não mereça — rosnou ele, a raiva
transbordando em cada palavra — Talvez seja exatamente de uma surra que
você precise para aprender a obedecer. Quantas vezes eu te disse para não
sair do quarto sem a burca? O que custa obedecer a uma ordem tão simples?!
Puta merda! Ele estava fora de si.
— Eu mal consigo respirar com aquela coisa sufocante! E eu estava
usando, só tirei agora há pouco.
— Sempre tem uma desculpa, não é, Lucy?
— Não é desculpa. É a verdade. Além do mais, aquelas duas mulheres
que estavam com você usavam apenas o hijab. Por que eu tenho que usar essa
tortura ambulante?
— Porque elas não pertencem a mim. Mas você sim! E eu não quero
os guardas olhando para o que é meu!
— De onde você tirou isso?! Eu não pertenço a você!
Os olhos de Faris escureceram ainda mais, como se minhas palavras
tivessem acendido algo nele.
— Sim, Lucy! Você pertence a mim! É minha em todos os sentidos
— ele murmurou, a voz carregada de desejo e algo sombrio, como se cada
palavra fosse uma promessa e uma maldição — Não apenas porque está no
meu palácio, mas porque você quer ser minha, tanto quanto eu quero ser seu.
Eu te quero de um jeito que ultrapassa a razão e me consome por dentro. Tem
horas que a necessidade de você queima como fogo, uma dor surda que não
dá trégua. Essa distância entre nós... — Ele parou, os olhos cravados nos
meus, escurecidos pela intensidade — Está me destruindo, pouco a pouco, e
não sei por quanto tempo mais vou suportar.
Meu coração acelerou, tamborilando dentro do peito.
— Se você me quer tanto assim, por que não apareceu no meu quarto
nos últimos três dias?
— Porque não consigo controlar o que sinto quando estou perto de
você. Esse desejo insano... E não quero ser um abusador que se aproveita de
alguém sob a minha proteção.
— Alguém que é sua prisioneira — completei, amarga.
Faris balançou a cabeça, os olhos sombrios, mas honestos.
— Não. Você não é minha prisioneira. Meus prisioneiros ficam em
uma cela, no porão. Você é alguém que estou tentando proteger de um
destino terrível. Allah sabe o quanto eu tenho lutado para não me aproveitar
de você. Mas está ficando cada vez mais difícil.
Respirei fundo, sentindo meu peito arder com as emoções
conflitantes. Então, com a voz baixa e carregada de um desejo que eu não
podia mais negar, sussurrei:
— Então não se contenha.
O brilho de surpresa que iluminou os olhos de Faris me fez perder o
fôlego, e naquele momento, eu soube que não havia mais volta. Não havia
mais qualquer barreira entre nós.
Em um segundo, ele me puxou para mais perto, sua outra mão ainda
segurando meus pulsos contra o tronco da árvore. No seguinte, seus lábios
estavam sobre os meus, devorando-me como se ele tivesse esperado por esse
momento desde sempre.
O beijo era quente, desesperado, como uma tempestade que explode
depois de dias de céu carregado. Meu coração batia tão rápido que parecia
que ia pular para fora do peito.
A textura dos lábios dele era macia, mas havia uma urgência faminta
ali, uma força que parecia querer me consumir por inteiro.
O calor que irradiava do corpo dele era uma mistura de segurança e
perigo. Meu corpo reagiu instantaneamente, se moldando ao dele. Era como
se todos os pensamentos lógicos tivessem evaporado.
Faris pressionou seu corpo contra o meu e, por um breve instante, o
mundo ao nosso redor desapareceu. Não havia guardas, nem jardins, nem
responsabilidades. Apenas nós dois.
Meus dedos, antes prisioneiros, agora percorriam suas costas por cima
da túnica, como se quisessem gravar os contornos dos seus músculos bem-
definidos.
Sua barba roçou minha pele e me fez soltar um suspiro abafado, que
ele capturou no beijo.
Não havia mais espaço para resistência. Eu pertencia àquele homem e
nada poderia mudar essa verdade.
Ele me beijava com uma fome avassaladora, como se buscasse me
consumir por inteiro, e eu correspondi com a mesma intensidade, incapaz de
resistir ao desejo crescente que nos envolvia.
Sua mão desceu lentamente pelas minhas costas, acariciando cada
centímetro da minha pele até alcançar minha coxa. Com um movimento ágil
e cheio de intenção, ele a ergueu, encaixando seus quadris entre as minhas
pernas.
Um grunhido baixo e rouco escapou dos seus lábios ao pressionar sua
ereção firme e pulsante contra meu sexo, arrancando de mim um tremor de
puro desejo.
Meu corpo inteiro reagia a ele, meus dedos se enredaram em seus
cabelos curtos, puxando-o para mais perto, como se qualquer espaço entre
nós fosse insuportável. Eu precisava dele ali, agora, mais do que do próprio
ar.
Sem romper o beijo, Faris deslizou os dedos para dentro da minha
calcinha, explorando-me com toques suaves e precisos.
A umidade crescente do meu sexo acolheu seus dedos, que
acariciavam e espalhavam meu prazer por toda a extensão da minha boceta.
Um gemido baixo escapou dos meus lábios quando senti seus dedos
ásperos e decididos invadindo minha vagina, fazendo-me arquear as costas e
lançar a cabeça para trás, completamente perdida no êxtase que ele me
proporcionava.
A barra do meu vestido foi empurrada para cima, enroscando-se nos
meus quadris, enquanto mais um dedo se juntava à invasão, penetrando-me
em movimentos rasos e deliciosamente provocantes.
— Faris... — sussurrei, ofegante, tentando recuperar um último
resquício de sanidade — Eu quero você... mas não podemos fazer isso aqui.
Seus olhos arderam de desejo, mas havia algo mais ali, uma urgência
que parecia impossível de conter. Ele roçou os lábios nos meus, seus dedos
ainda me preenchendo, e respondeu com voz grave e rouca:
— Eu sei... Mas não posso esperar mais nenhum segundo. Preciso
saber como é estar dentro de você.
Com um último olhar faminto, ele afastou-se apenas o suficiente para
arrancar sua túnica pela cabeça. O tecido deslizou por sua pele bronzeada,
revelando o corpo forte e másculo escondido por uma camisa de seda branca
que delineava seus músculos e uma calça de linho caqui.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele retomou o beijo com
selvageria, devorando minha boca como se ela fosse a única coisa que
importasse no mundo. As investidas de seus lábios me faziam perder o juízo
e qualquer resquício de razão. Eu estava à mercê dele, entregue a um desejo
que queimava mais forte que tudo.
Minhas mãos, ansiosas e trêmulas, invadiram sua camisa pela barra,
explorando seu peito coberto por uma suave camada de pelos. A sensação dos
músculos firmes sob meus dedos me fez arfar.
Sem conseguir me conter, meus dedos desceram apressados até o
zíper de sua calça. O som metálico se misturou aos nossos suspiros enquanto
eu libertava seu membro, segurando-o entre meus dedos com reverência e
desejo, sentindo-o pulsar contra minha palma.
O pau dele estava completamente ereto e era longo e grosso como eu
jamais tinha visto, com as veias protuberantes, o líquido pré-sêmen
escapando da abertura na ponta.
Acariciei a firmeza macia de toda aquela carne dura entre meus dedos
e a excitação explodiu em meu ventre, fazendo minha vagina se contrair,
meus líquidos molhando abundantemente o fundo da minha calcinha.
— Faris... — Choraminguei e ele me compreendeu.
Com gestos ávidos, Faris posicionou as mãos firmemente em minha
bunda e me ergueu do chão com facilidade, fazendo-me envolver seus
quadris com minhas pernas em um reflexo instintivo.
Senti meu corpo colado ao dele, meus músculos tensos e controlados.
Minhas costas se chocaram contra o tronco áspero do carvalho, o ar saindo
dos meus pulmões em um arquejo rápido.
Num movimento impiedoso, Faris afastou minha calcinha para o lado,
e então me invadiu com um só golpe. Seu pau grosso e rígido deslizou fundo
no meu canal, arrancando de mim um grito rasgado, uma mistura explosiva
de dor e prazer que percorreu minha pele como um choque elétrico.
Seus quadris se retraíram por um breve segundo, apenas para que ele
retomasse o movimento, mais voraz, mais bruto.
Antes que meu próximo gemido escapasse, a mão dele cobriu minha
boca, abafando minha voz enquanto ele arremetia contra mim outra vez,
violento e delicioso.
Eu sentia cada impulso preenchendo-me por completo, as paredes da
minha vagina pulsando em volta de sua carne, como se tentassem retê-lo
dentro de mim.
Ele não parava. Suas investidas eram rápidas, fundas e incontroláveis,
e seus olhos não se desviavam dos meus. O olhar intenso, feroz, parecia
querer gravar cada expressão minha.
Desesperada por um respiro no meio daquele prazer avassalador,
cravei as unhas nos ombros dele, atravessando o tecido da camisa como se
pudesse me ancorar na única coisa sólida ao meu alcance.
Tentei mover meus quadris, acompanhar o ritmo das suas investidas,
mas foi inútil. Faris me dominava completamente. Eu estava encurralada
entre a aspereza do tronco e a força bruta do seu corpo, cativa do seu desejo
implacável.
CAPÍTULO 27
Faris investia em mim com movimentos impiedosos, cada estocada
mais firme e urgente do que a anterior.
Eu sentia cada músculo do meu corpo retesar, uma tensão
incontrolável crescendo e tomando conta de mim até que a explosão fosse
inevitável.
Quando finalmente perdi o controle, meu corpo se entregou em ondas
violentas de prazer.
Tremores desordenados percorreram minhas pernas, e meus gemidos,
abafados pela mão firme dele, ecoaram na atmosfera íntima que nos envolvia.
Ele continuou, sem cessar, empurrando-se para dentro com estocadas
profundas e ritmadas. Até que, com um último movimento, enterrou-se por
inteiro, parando no fundo do meu corpo enquanto um grunhido rouco
escapava de sua garganta.
Senti o pulsar dele dentro do meu canal, seu pau grosso estremecendo
em espasmos lentos e intensos, enquanto ele se derramava dentro de mim,
inundando-me sem barreiras, sem a interposição de um preservativo, fazendo
meu corpo tremer uma última vez, como se absorvesse cada gota daquele
momento proibido e selvagem.
A possibilidade de uma gravidez não estava descartada, mas não era
algo que eu pudesse me permitir pensar agora. Tudo o que importava era
viver plenamente aquele instante, gravá-lo na memória como algo eterno.
Senti como se estivesse envolta em uma hipnose suave e inescapável.
Sorri para Faris, e ele me devolveu o sorriso, um brilho ardente em seus
olhos, como se sua paixão pudesse queimar tudo ao nosso redor.
Era uma intensidade crua, uma força indomável que eu jamais
experimentara antes.
Nossos rostos estavam tão próximos que qualquer movimento poderia
selar a distância entre nós. Os olhares permaneciam presos, como se o tempo
tivesse parado e o resto do mundo desaparecido.
O toque de nossos corpos colados era uma prisão prazerosa. Ele ainda
estava dentro de mim, preenchendo-me. Minhas pernas ainda envolviam seus
quadris, como se o ato de soltar fosse um perigo maior do que permanecer
ali.
O momento se estendeu, silencioso, exceto pelo suave sussurro do
vento serpenteando entre as folhas, como testemunha invisível da nossa
rendição mútua.
— Isso foi... — me interrompi, sem encontrar palavras para completar
a frase.
— Sim, foi incrível — sussurrou Faris, ofegante.
Sem afastar-se de mim, ele enfiou a mão no bolso da calça e sacou um
celular. Com um duro tom de autoridade, vociferou algumas palavras em
árabe, com a pessoa do outro lado da linha, e desligou.
— O que foi isso? — indaguei.
— Dei ordens para que ninguém venha a este bosque — declarou e
sorriu quando arregalei os olhos de pura perplexidade — Você não vai sair
daqui antes que esteja tão trêmula de tanto foder que não consiga nem
caminhar.
Seu tom de voz era de ameaça. E antes que eu tivesse tempo de
responder minha voz foi silenciada pela boca dele, em um beijo voraz,
selvagem, sua língua entrelaçando-se à minha, explorando cada canto da
minha boca, ao mesmo tempo em que ele recomeçava a mover-se dentro de
mim, o pau, ainda completamente duro, escorregando gostoso no seu gozo e
no meu, despertando uma corrente de excitação que subiu pelas minhas veias,
alastrando-se por todo o meu corpo, apagando qualquer pensamento racional
que eu pudesse formular.
Com a mesma urgência com que havia me segurado, Faris me soltou e
deu um passo para trás, fechando o zíper da calça com um gesto firme. Seus
movimentos eram rápidos, precisos, mas não havia nada apressado neles.
Seus gestos pareciam carregados de uma elegância bruta e natural.
Ele se abaixou para pegar a túnica amassada no chão e a estendeu
com cuidado sobre as folhas secas.
Eu o observei, fascinada, incapaz de desviar o olhar da intensidade
silenciosa que emanava dele. Havia algo naquele homem, uma mistura de
selvageria e controle absoluto, que me deixava completamente à mercê
daquele momento.
Por mais que eu tentasse reavivar a razão dentro de mim, buscar as
desculpas que me afastariam de tudo isso, nenhuma parecia forte o suficiente
para resistir à tempestade que fervia em meu interior.
Tudo o que eu queria era ele. Não havia espaço para arrependimentos,
dúvidas ou moralidades. O desejo por aquele homem ofuscava qualquer outro
pensamento.
Era uma necessidade crua e avassaladora, mais intensa do que tudo o
que eu já havia sentido.
Quando terminou de estender a túnica, Faris voltou para mim com a
mesma determinação silenciosa. Suas mãos firmes seguraram meu rosto, e
então ele tomou minha boca em um beijo feroz e faminto.
Não havia espaço para sutileza, era um encontro de lábios agressivo,
quase brutal, mas deliciosamente inebriante. O gosto dele me consumiu,
como um juramento silencioso de que não haveria escapatória daquele desejo
insano que nos aprisionava.
— Você não tem ideia do quanto esperei por esse momento —
grunhiu ele — Das tantas noites que passei em claro tentando imaginar como
seria estar assim com você.
— Eu também — confessei.
Faris segurou minha nuca com firmeza, puxando-me para um beijo
profundo e voraz. Com a outra mão, ele deslizou meu vestido para cima,
revelando minha pele com uma urgência feroz, enquanto meus dedos
tremiam de ansiedade ao desfazer os botões da camisa dele.
Quando finalmente me despiu por completo, ele se afastou apenas o
suficiente para que eu o ajudasse a se livrar das últimas peças de roupa. O
tecido deslizou para o chão e, por um instante, ele permaneceu imóvel.
Seus olhos sombreados por um desejo sombrio e incontrolável,
passearam lentamente sobre minha nudez exposta. A intensidade em seu
olhar era avassaladora, como se ele estivesse gravando cada centímetro de
mim, na memória.
Senti um arrepio correr por toda a extensão da minha pele, uma
resposta instintiva à voracidade silenciosa que irradiava dele.
— Você é linda — sussurrou.
— Você também — respondi.
E era verdade. O corpo nu de Faris era a própria personificação de
masculinidade, uma obra de virilidade na sua forma mais crua e primitiva.
Seus ombros largos sustentavam um peito robusto, definido e coberto
por uma camada fina de pelos negros, que desciam suavemente pelo
abdômen até se transformarem em uma trilha que desaparecia na sua pélvis
completamente lisa e depilada.
Suas coxas eram grossas, firmes, e cobertas por pelos que
contrastavam com o abdômen liso e definido.
O pau dele era longo e grosso, a glande morena, tão provocante que
minha vagina se contraiu apenas ao vê-lo, uma escultura viva de desejo e
selvageria.
Sem nunca desviar os olhos dos meus, Faris me ergueu com seus
braços fortes, como se eu não pesasse nada, e me deitou cuidadosamente
sobre a túnica que ele havia estendido no chão.
Deitou-se ao meu lado, e seus lábios vorazes encontraram os meus
mais uma vez. Seu beijo era urgente e devastador, uma fome insaciável que
me consumia.
As mãos de Faris deslizaram pelo meu corpo com a precisão de quem
já conhecia cada curva, cada contorno. Seus dedos percorriam meus quadris
com firmeza, até se infiltrarem entre minhas pernas como uma promessa
silenciosa.
Sem hesitar, abri as pernas para ele, completamente entregue, e a
sensação quente e úmida do meu desejo recebeu seus dedos habilidosos. Com
um toque certeiro, ele encontrou meu clitóris, massageando-o lentamente,
com movimentos suaves e enlouquecedores, arrancando de mim um arquejo
involuntário, enquanto eu gemia contra sua boca faminta.
Ele acelerou o ritmo daquela massagem deliciosa, os movimentos
rápidos e precisos de seus dedos me levando à beira da loucura.
Seus lábios se afastaram dos meus, mas não interromperam sua
exploração. Iniciaram uma trilha lenta e sensual pela minha pele, com beijos
molhados, lambidas arrastadas e mordidas provocantes.
Suas carícias incendiavam meu corpo, despertando uma fome que eu
nunca soubera ser capaz de sentir.
Quando seus lábios envolveram um dos meus seios, iniciando uma
sucção profunda e deliciosa, senti como se minha sanidade estivesse
escapando por entre meus dedos. Um gemido alto irrompeu dos meus lábios,
e minhas mãos, como se tivessem vontade própria, encontraram seus cabelos
curtos e os puxaram, como se eu pudesse segurá-lo ali para sempre.
Faris continuou sua trilha implacável para baixo, lambendo minha
pele macia enquanto descia por minha barriga. Seus beijos e lambidas eram
uma tortura doce e deliberada.
Quando ele se ergueu levemente, empurrando minhas pernas ainda
mais para os lados, o mundo pareceu parar por um instante. Seus olhos,
escuros e cheios de um desejo bruto e luxurioso, me observavam com uma
intensidade quase reverente.
Eu não sentia vergonha, pelo contrário, ser observada assim por ele
me fazia sentir viva e desejada. Meu corpo parecia um santuário, e ele, um
devoto que o venerava sem reservas.
Ainda bem que eu tinha pedido um depilador à Salma e a depilação
estava em dia.
CAPÍTULO 28
— Linda... — Faris murmurou em um grunhido baixo e rouco.
Sem desviar os olhos dos meus, ele se inclinou novamente e pousou
um beijo suave no meu joelho, deslizando sua boca pelo interior da minha
coxa como se cada milímetro do meu corpo fosse precioso.
Quando sua língua finalmente tocou meu sexo, ele traçou uma
lambida lenta e provocante, deslizando da entrada da minha vagina até o meu
clitóris.
Um gemido alto escapou da minha garganta, e meu corpo reagiu
instintivamente, abrindo-se ainda mais para ele, implorando silenciosamente
por mais, enquanto sua boca explorava meu sexo com precisão, sua língua
ora dançando frenética sobre o meu clitóris, ora se aventurava para dentro da
minha vagina, penetrando-me com uma suavidade deliciosa e provocante.
Meu corpo respondia com gemidos e arfares entrecortados, enquanto
minhas pernas permaneciam flexionadas e abertas, vulneráveis ao prazer
arrebatador que ele me proporcionava.
Por um instante me perguntei onde ele teria aprendido a fazer isso
com tamanha habilidade, mas me apressei em afastar o pensamento,
mergulhando de volta na onda de prazer que me arrebatava.
Faris intensificou os movimentos, focando sua língua no ponto mais
sensível do meu corpo, enquanto seus dedos invadiam minha vagina,
movendo-se em um delicioso vai e vem.
Um dedo se aventurou em meu ânus, preenchendo-me duplamente,
ambos se movendo com crescente urgência. A sensação se tornava tão
insuportavelmente boa que me arrastava para uma loucura deliciosa da qual
eu não queria jamais escapar.
Faris não desacelerou. Com a boca ainda envolta no meu clitóris,
sugou suavemente, num ritmo que parecia sincronizado com o pulsar do meu
desejo. A combinação dos toques e da sucção me levou ao limite e, em um
instante arrebatador, explodi em prazer.
Meu corpo se desfez em tremores intensos, e gemidos altos
irromperam dos meus lábios, ecoando pelo bosque, rompendo a quietude do
lugar.
Completamente exausta, senti meus membros cederem, pesados e
trêmulos. Faris, então, se ergueu, abandonando meu sexo apenas para cobrir
minha nudez com seu corpo grande.
Sua boca tomou a minha em um beijo carregado de desejo, faminto e
possessivo, como se quisesse me devorar por inteiro.
Sem quebrar o beijo, ele encaixou seus quadris entre minhas pernas e
segurou o próprio membro pela base, esfregando a glande ao longo do meu
sexo molhado, provocando uma expectativa quase insuportável.
— Um preservativo... — sussurrei, ofegante, ainda perdida no calor
do momento — Precisamos de um.
— Eu não tenho um — a resposta veio grave e sem hesitação.
Sem esperar por mais palavras, ele posicionou a cabeça de seu pau na
entrada da minha vagina e, com um movimento rápido e decisivo, me
penetrou profundamente.
A rigidez dele se expandiu dentro de mim, esticando as paredes do
meu canal de um jeito que me fez perder o fôlego. A pressão atordoante
varreu todos os pensamentos da minha mente, deixando apenas a sensação
inebriante de tê-lo por completo.
Seus olhos nunca deixavam os meus enquanto ele se erguia,
prendendo minhas pernas em seus braços, abrindo-me ainda mais para suas
investidas.
As estocadas brutais começaram, fundas e intensas, o som dos nossos
corpos se chocando ecoava pelo bosque, misturando-se aos meus gemidos
descontrolados.
Consumida pelo prazer, deslizei as mãos pelo peito forte de Faris,
sentindo sua pele quente e úmida sob meus dedos. Minhas unhas cravaram-se
em sua carne, como se nenhum contato fosse suficiente para aplacar a fome
desesperada que eu sentia por ele.
Não havia controle, não havia razão. Apenas o desejo bruto e
avassalador, que nos arrastava sem piedade para um êxtase absoluto.
— Pede pra eu te comer... pede pelo meu pau... — Rosnou ele, seu
olhar escurecido fixo no meu.
— Me come bem gostoso... dá esse pau todo pra mim... assim...
ahhhh...
Faris acelerava seus movimentos, cada investida mais profunda e
firme. Então, de repente, ele parou e se retirou de mim, deixando meu corpo
ansiando pelo próximo toque.
Com mãos firmes e decididas, me virou de bruços e ergueu meus
quadris, posicionando-me de quatro, deixando-me completamente
arreganhada para ele.
Senti sua respiração quente nas minhas costas antes que ele se
inclinasse e passasse a língua sobre meu ânus em movimentos lentos e
provocadores. Ao mesmo tempo, uma palmada estalada ecoou pelo ar ao
atingir minha nádega, enviando ondas de calor por todo o meu corpo.
— Que delícia... — gemi, abaixando os ombros e separando mais as
pernas, oferecendo-me ainda mais para ele, completamente entregue ao
momento.
Um segundo tapa acertou minha bunda, aumentando a sensação
ardente e me fazendo ofegar de prazer. Em seguida, sua boca desceu até
minha boceta, onde ele afundou a língua quente e molhada, se perdendo no
gosto de nossos gozos misturados.
Sua língua deslizou sobre o meu clitóris inchado, arrancando de mim
mais gemidos involuntários, enquanto minhas pernas tremiam sob a
intensidade do momento.
Então, sem aviso, ele se ergueu e segurou seu pau firme pela base.
Com um movimento decidido, me penetrou por trás, um golpe forte e bruto
que me fez arfar.
Puta merda! Ele fodia gostoso demais!
A sensação de ser preenchida por ele era avassaladora, uma mistura
inebriante de prazer e urgência que se aprofundava com cada nova estocada,
fazendo meu corpo se curvar em deleite absoluto.
CAPÍTULO 29
Eu estava cercado por papéis e relatórios que pareciam brotar das
paredes. Os ministros e conselheiros falavam sem parar, discutindo sobre
importação, taxas de exportação e uma crise de abastecimento que ameaçava
os negócios no porto de Fujairah.
Eles despejavam números, preocupações e exigências como se
esperassem que eu fosse uma máquina pronta para encontrar soluções
imediatas.
O burburinho de vozes na sala era um verdadeiro tormento, e por mais
que eu tentasse me concentrar, minha paciência estava se esgotando.
Meus dedos tamborilavam na mesa, mas minha atenção estava longe
dos gráficos e mapas espalhados sobre o tampo de madeira. Estava fixada na
tela do meu laptop, onde as imagens das câmeras de segurança do bosque
passavam em tempo real.
Salma e Lucy estavam lá.
Lucy ria, o rosto iluminado por uma felicidade tranquila que ela não
exibia tão logo chegou aqui. A alegria dela me deixava satisfeito, pois
significava que, depois de um mês vivendo no meu palácio, finalmente estava
feliz e à vontade.
Foi um mês durante o qual dividimos a mesma cama e vivemos
momentos de paixão ardente, como eu jamais havia vivido ao lado de outra
mulher.
Por outro lado, olhar para ela, assim tão à vontade, no bosque, onde
outro homem poderia facilmente vê-la, me deixava no limite da irritação. Que
dificuldade ela tinha de usar aquela maldita burca? Por que diabos essa
mulher não me obedecia?
Ao invés de me ouvir, ela insistia em manter o rosto e o corpo
descobertos, permitindo que a brisa do bosque esvoaçasse seus cabelos e a
seda do vestido revelador demais que usava, como se o mundo fosse dela e as
minhas regras não tivessem importância.
Quantos guardas eu ainda teria que matar por causa dessa mulher?
Dois já estavam mortos. Dois idiotas que acharam que podiam assistir às
câmeras do bosque como se fosse um maldito reality show, vendo Lucy sem
a burca, sorrindo e se movimentando com aquele jeito natural e desarmado
que ela tinha.
Eu havia atirado neles sem hesitação, como um aviso claro aos outros:
ninguém mais olharia para ela desse jeito. Mas quantos mais seriam
necessários? Quantos mais poderiam estar descumprindo minhas ordens,
espiando-a sem ninguém saber?
Essa mulher estava me levando ao limite, e o mais irritante era que eu
deixava.
Na tela, vi que ela e Salma tinham levado um pequeno aparelho de
som para o bosque. Salma o ligou e Lucy começou a performar alguns passos
da dança do ventre, o que fez com que algo dentro de mim se retesasse.
Ela movia os quadris com graça, um sorriso brincando nos lábios,
enquanto Salma a instruía, demonstrando os movimentos com calma. Vê-la
dançando assim desencadeou um incêndio instantâneo no meu interior.
Eu conseguia sentir o calor subindo pelo meu corpo, a respiração
ficando pesada. Mas, junto com o desejo, veio o questionamento. E se algum
guarda estivesse vendo isso?
Minha visão ficou turva por um instante.
Eu não podia permitir. Não ia deixar nenhum outro homem vê-la
dançando desse jeito, nem mesmo através de uma câmera. E como eu não
podia simplesmente executar todos os meus soldados, precisaria dar um jeito
nessa mulher.
Decidido, fechei o laptop com força, ignorando os olhares espantados
dos ministros ao meu redor.
— Com licença — falei secamente, levantando-me.
— Alteza, estamos no meio da reunião... — um deles começou a
dizer, mas o cortei com um olhar fulminante.
— Continuem sem mim — minha voz era fria e definitiva, e não dei
tempo para mais protestos.
Saí do escritório, deixando todos perplexos com minha súbita partida.
O caminho até o bosque foi percorrido com passos rápidos e
decididos. Cada vez que pensava na teimosia de Lucy, mais eu me irritava.
Ela nunca fazia o que eu mandava. Era como lidar com uma tempestade,
imprevisível, fascinante e absolutamente impossível de controlar.
Quando finalmente cheguei ao canto mais recôndito do bosque, onde
dei ordens expressas para que ninguém mais, além de Lucy e Salma,
pisassem, vi as duas ainda ali. Lucy estava rindo de algo que Salma disse,
movendo o corpo com leveza, sem perceber minha presença.
Era como se o peso de toda a minha autoridade evaporasse sempre
que eu estava perto dessa garota.
— Ah, vocês estão aí! — Falei, tentando parecer casual, mas minha
voz saiu mais ríspida do que eu pretendia.
Salma correu para desligar o aparelho de som, seus olhos arregalados
de apreensão. Quanto à Lucy, congelou por um segundo, surpresa por me ver
ali. Então, como se nada estivesse acontecendo, me lançou um sorriso
travesso, o tipo de sorriso que me fazia querer beijá-la e estrangulá-la ao
mesmo tempo.
— Olá para você também, Alteza — ela disse, cruzando os braços
com aquele ar desafiador que eu já conhecia bem demais.
Salma murmurou algo em tom de súplica, tentando apaziguar a
situação. Ignorei.
— Burca, Lucy. Quantas vezes preciso dizer isso? — As palavras
saíram entre os dentes.
— Ah, claro. Porque o mundo vai desabar se eu não usar essa coisa
sufocante por cinco minutos! — Retrucou, rolando os olhos.
Dei um passo à frente, aproximando-me dela, sentindo meu sangue
ferver.
— Você gosta de testar meus limites, mulher! — Rosnei.
— Então pare de impor limites — ela provocou, seu sorriso
ampliando — Até porque não tem ninguém aqui além de Salma e eu.
Ninguém vai me ver sem a burca.
Eu não podia permitir que ela soubesse sobre as câmeras, pois isso
poderia limitar a sua liberdade e eu queria que se sentisse à vontade na minha
residência.
— E se acontecer uma emergência e os guardas precisarem vir para o
bosque? Como você vai conseguir lidar com um bando de homens
desacostumados a ver de perto uma mulher que não é deles?
— Eu sei correr e muito bem. E não precisa ser tão ranzinza o tempo
todo. Nenhuma emergência vai acontecer — o sorriso dela se ampliou ainda
mais, iluminando todo o seu rosto — Salma me ensinou mais alguns
movimentos da dança do ventre. Estou ficando boa nisso. Você quer ver o
que aprendi, alteza?
Puta merda! Se eu queria ver ela dançando para mim? Era tudo o que
queria! No entanto, estava tentando impor minha autoridade ali. Não podia
permitir que ela me desobedecesse tão descaradamente.
Tentei pensar sobre o que fazer, mas pensar era uma habilidade que
eu não dominava quando o assunto era Lucy.
— Claro. Me mostre o que aprendeu — me vi dizendo.
— Eu vou deixar vocês sozinhos — Salma disse, mas nem olhei para
ela, enquanto se afastava.
Com um clique, Lucy ligou novamente o aparelho de som e a música
arrastada quebrou o silêncio do bosque. Em seguida, ela começou a se mover
com uma graça que me desarmou.
Eu tinha visto dançarinas profissionais em festas de gala, em
apresentações requintadas pelo mundo, mas nada, absolutamente nada, se
comparava à maneira como Lucy movia os quadris dentro do vestido de seda
que emoldurava suas curvas com perfeição.
Era algo natural, sem esforço, como se o próprio vento estivesse
dançando com ela, como se os ritmos do mundo existissem apenas para
acompanhá-la.
Ela ergueu os braços devagar, fazendo um círculo perfeito sobre a
cabeça, enquanto seus quadris desenhavam movimentos lentos, ondulantes,
que pareciam desafiar qualquer lógica ou razão.
Por Allah! Como ela era linda, de uma maneira que, mesmo que eu
me esforçasse, não conseguia desviar o olhar, como se estivesse hipnotizado.
Ela era sexy e gostosa pra caralho! Uma verdadeira tentação
ambulante, um desafio constante à minha autoridade e sanidade.
Seus cabelos longos e escorridos esvoaçavam ao ritmo suave da brisa,
e o sorriso malicioso que brincava nos lábios era quase meu fim.
Como essa mulher conseguia ser tão desarmante?
Minha mente entrou em curto-circuito quando Lucy deu uma volta
rápida, os quadris balançando de um jeito que fez meu corpo inteiro
esquentar. Sentia meu autocontrole se esvaindo rapidamente, como água
escapando entre os dedos.
Eu estava perdido. Completamente. O desejo selvagem e
incontrolável que ela despertava em mim era sufocante, como se os
movimentos de seu corpo fossem uma provocação direta à minha capacidade
de permanecer no controle.
Ela olhou para mim, os olhos brilhando com aquela faísca de desafio
e diversão, sabendo muito bem o que estava fazendo.
— Então, alteza, o que acha? Estou melhorando? — Lucy perguntou,
enquanto deslizava os pés no chão com uma leveza que não combinava com
o peso da tensão entre nós.
Melhorando? Ela estava me matando lentamente.
— Sim, está — respondi.
Eu tentava manter a postura, mas sentia o controle escorrendo pelos
meus dedos. Meu olhar não conseguia desgrudar do corpo dela, do jeito que
seus quadris balançavam, do sorriso carregado de malícia e provocação.
E se algum guarda desobediente estivesse assistindo isso através do
monitor da câmera de segurança?
O pensamento me atingiu como um soco no estômago. Contudo, me
apressei em afastá-lo. Não era possível que algum idiota fizesse isso, sabendo
que o preço da desobediência seria uma bala no meio da testa.
Continuei observando Lucy se mover daquela maneira provocante e
sensual, quase sem piscar os olhos. O desejo se alastrava pelas minhas veias
como fogo em gasolina, formando uma ereção que por pouco não furava o
tecido da minha calça.
Quando ela deslizou até mim, ondulando os quadris a poucos
centímetros de distância, perdi de vez as estribeiras e agarrei-a pela nuca,
puxando-a para mim, capturando sua boca em um beijo tão faminto e
desesperado que parecia uma batalha entre nossos desejos.
Seus lábios se moldaram aos meus com uma intensidade que me fez
perder qualquer resquício de controle que ainda me restava. O calor do corpo
dela colou-se ao meu, e o desejo tomou conta de mim com uma força que eu
não conseguia mais segurar.
Era como se uma barragem tivesse rompido dentro do meu íntimo, e
tudo o que eu queria naquele momento era ela.
O encontro de nossas bocas era feroz, cheio de uma paixão que
beirava o desespero. Suas mãos subiram para o meu pescoço, e senti o calor
de seu toque, o jeito que seus dedos se enroscaram nos meus cabelos, como
se quisessem me puxar para mais perto, para mais fundo.
Eu sabia que precisava de mais. Então, sem hesitar, levantei-a nos
braços, e ela soltou um riso que soou como uma provocação.
— Ah, então é assim que você vai me punir pela desobediência,
alteza? — Indagou ela, sua voz carregada de malícia e diversão.
— Não me provoque ainda mais, Lucy. Você não tem ideia de tudo o
que posso fazer para puni-la — rosnei.
Ela ficou séria, sua respiração tornando-se subitamente ofegante, seus
olhos cor de avelã fixos em meu rosto, expressando o fogo do desejo que
ardia dentro de si.
— Me mostre. Quero que faça tudo o que quiser comigo — sussurrou
ela.
Porra! Aquilo não me ajudava a encontrar algum controle e
sanidade.
— Depois não reclame da vida. Foi você quem me provocou —
alertei.
— Não vou reclamar.
Caminhei com Lucy nos braços até uma parte mais isolada do bosque,
onde as árvores se fechavam em torno de nós, e onde eu sabia que nenhuma
câmera ou guarda poderia nos ver.
O ar ao redor parecia mais denso, mais carregado de tensão e desejo,
enquanto eu a carregava com passos rápidos, quase urgentes. Eu precisava
dela, agora.
Ao chegar no ponto mais escondido, depositei-a no chão com cuidado
e, cedendo ao impulso selvagem impelido por cada fibra do meu ser,
arranquei o vestidinho do seu corpo, rosnando um palavrão ao descobrir que
ela não usava sutiã, mas apenas uma calcinha minúscula e transparente.
— Me vesti assim para você — justificou-se ela.
— Se sair do seu quarto sem a burca de novo, e sem usar sutiã, vou
acorrentá-la em uma das celas do porão.
Ela estalou a língua.
— Não seja tão dramático. Ninguém me viu aqui. E vim para cá
literalmente coberta dos pés à cabeça.
— Você é minha e não suporto a ideia de outro homem a observando.
Sem esperar que ela retrucasse, puxei-a para perto e beijei-a
novamente, deixando que minhas mãos corressem por seu corpo nu, com uma
possessividade que só aumentava o desejo.
Caralho! Como ela era macia, cheirosa e deliciosa! Eu queria me
perder em cada uma das curvas tentadoras que ela tinha.
CAPÍTULO 30
Com mãos urgentes, Lucy abriu o primeiro botão da minha túnica e
ajudei-a até que estivesse completamente nu. Arranquei a calcinha dela pelos
pés e a observei sob a claridade do dia, usando apenas as sandálias.
Definitivamente, era a visão mais enlouquecedora que um homem
poderia ter.
Eu a puxei novamente para mim, capturando sua boca sem nenhuma
gentileza, colando meu corpo ao seu. Não havia termos que pudessem definir
a sensação da pele nua dela em contato direto com a minha, a delicadeza
macia dos seus seios pequenos e firmes de encontro ao meu peito, o calor do
seu abdômen lisinho apertando meu pau duro e melado entre nós dois.
Lucy era uma mistura de suavidade e selvageria que me ensandecia.
Meu corpo estava queimando com o toque de sua pele nua contra a minha.
Louco de tesão, fiz com que ela se sentasse no tronco caído de uma
árvore e me abaixei diante de si, abrindo suas pernas até o limite.
A corrente de desejo se intensificou quando vi a bocetinha rosada,
toda melada, aberta diante dos meus olhos, com o clitóris inchado se
destacando entre os lábios vaginais depilados.
— Caralho... que delícia... — grunhi, inclinando-me para ela,
enterrando o rosto entre suas pernas abertas.
Dei uma lambida na xoxotinha que foi da vagina até o clitóris, e refiz
o percurso, me deleitando com seu sabor incomparável, enquanto Lucy
lançava a cabeça para trás e gemia.
Dei outra lambida bem vagarosa, e ela pendurou um pé no tronco da
árvore, arreganhando-se mais para mim, ao mesmo tempo em que apoiava a
mão para trás e puxava meus cabelos com a outra, como se seu corpo
suplicasse por mais do meu contato.
Então, afastei seus lábios vaginais com os polegares e introduzi a
língua na vagina melada, fodendo-a em vai e vem, movendo a língua dentro
dela, apreciando aquele sabor de delicioso, enquanto Lucy choramingava e se
contorcia, puxando-me mais para ela.
Ela já estava enlouquecida com meu toque, quando concentrei os
movimentos da minha língua sobre seu feixe de nervos, estimulando-o
freneticamente, satisfeito ao ouvi-la gemendo ainda mais
descontroladamente.
Sem parar de lamber o clitóris, introduzi dois dedos na sua vagina,
fodendo-a num acelerado entre e sai, e Lucy puxou meus cabelos com mais
força. Ela estava quase gozando, quando parei e me levantei.
— Quero esse orgasmo no meu pau — anunciei.
Segurei-a pela mão e a puxei para cima, para mim. Capturei seu lábio
inferior e o chupei com sofreguidão enquanto esfregava seus mamilos entre
os dedos, sentindo a excitação dela crescer sob minhas carícias.
Lucy passou seus dedos ao redor do meu pau, masturbando-me com
urgência. Com sua outra mão, ela segurou a minha, firme e decidida,
guiando-a lentamente até o meio de suas pernas, ansiosa por uma libertação.
Mas eu não facilitaria a vida dela. Não depois de ela ter dançado a
dança do ventre em um bosque, sem usar sua burca.
Interrompi o contato de nossas bocas e, com mãos firmes, conduzi-a
até o tronco de uma árvore, fazendo com que se apoiasse nela, de costas para
mim. Segurei dos dois lados dos seus quadris e os puxei, empinando seu
traseiro.
Segurei meu pau pelo meio e esfreguei a glande em toda a extensão
do seu sexo, espalhando os líquidos da sua excitação sobre o ânus minúsculo,
sentindo-o se contrair sob meu toque.
— Nem adianta reclamar, Vai levar vara aqui até se cansar —
ameacei.
Abaixei-me atrás de Lucy, afastei as polpas da sua bunda e passei a
língua sobre o cuzinho pequeno, repetidas vezes, lambuzando-o, forçando a
língua para encontrar passagem, até que ela estava gemendo e
choramingando, esfregando o anelzinho na minha boca, doida para dá-lo para
mim.
Então, fiquei de pé, segurei firme em seus quadris e a penetrei ali
atrás, com um movimento lento e calculado, quase indo à loucura quando
senti o quanto ela era apertadinha ali atrás.
— Porra... — grunhi, ao sentir seu ânus apertando meu pau,
engolindo-o gostoso — Como você é apertadinha… e… deliciosa…
— Me come gostoso… quero ser toda sua…
Como se eu já não estivesse louco o suficiente, Lucy empinou ainda
mais a bunda e afastou mais as pernas, rebolando a bunda no meu cacete,
pedindo por mais e eu dei, puxando o pau e o enterrando nela novamente,
mais firme e bruto, minha pélvis se chocando contra sua bunda, o som
ecoando pelo bosque.
Puxei os quadris e me lancei contra ela novamente, assumindo um
ritmo frenético de vai e vem, fodendo-a forte e aceleradamente, enquanto
seus gemidos altos ecoavam entre as árvores.
Cedendo aos meus instintos mais primitivos, soltei um lado do seu
quadril e desferi uma palmada estalada na sua bunda, sentindo sua pele
esquentar sob meu toque.
— Isso é para que aprenda a me obedecer... — avisei, batendo
novamente, alternando entre os dois lados, deixando as marcas vermelhas dos
meus dedos na sua carne macia, enquanto Lucy gemia descontroladamente,
pedindo por mais.
Fodemos como dois animais no cio durante horas intermináveis,
como sempre era quando estávamos juntos. Nos encontrávamos exaustos,
com nossos corpos trêmulos de tantos orgasmos, quando finalmente nos
aquietamos.
Estávamos deitados sobre minha túnica forrada no chão,
completamente nus, com nossos corpos colados. Lucy mantinha a cabeça em
meu ombro, e uma perna sobre minha cintura. Seu corpo estava tão próximo
que parecia prestes a se fundir ao meu.
A noite começava a cair. O silêncio à nossa volta era quebrado
somente pelo canto dos grilos e o assovio suave do vento acariciando a copa
das árvores.
Uma atmosfera deliciosa de paz, de tranquilidade e uma profunda
intimidade nos envolvia, proporcionando-me uma sensação de plenitude e
completude que eu experimentava apenas nos braços daquela mulher.
Quando eu estava assim com Lucy, sentia como se nada mais me
faltasse.
— Posso te perguntar uma coisa? — Indagou Lucy, suavemente,
quebrando o longo momento de silêncio.
Quando ela falava assim tão suave, era porque estava prestes a soltar
uma bomba.
— Pergunte — consenti.
Ela hesitou, mas por fim falou:
— Aquele dia em que entrei na sua suíte sem você saber...
— Sei. O dia em que você invadiu minha suíte.
— Então... as fotografias que vi naquele álbum no seu closet. Onde
estão seu filho e sua esposa?
Subitamente, todos os músculos do meu corpo enrijeceram de tensão.
Tive vontade de me levantar e sair andando, como fazia sempre que alguém
tocava nesse assunto. No entanto, sair de perto de Lucy parecia mais difícil
que qualquer coisa.
— Não quero falar sobre isso — anunciei, seco e firme.
Contudo, seria otimismo da minha parte esperar que ela desistisse.
— Eu nem posso imaginar o quanto deve ser difícil falar, mas gostaria
muito de saber mais sobre você, sobre o que aconteceu. Quero conhecer as
dores que você guarda no coração, entender porque você é tão fechado e
calado e... mau humorado. Talvez essa seja a explicação — ela se silenciou,
como se esperasse que eu falasse. Como eu não disse nada, continuou — Por
favor, Faris. Se abra comigo — ela acariciou meu rosto com a palma da mão,
com uma suavidade desarmante — Me deixe entrar.
Soltei um suspiro profundo, completamente derrotado. Lucy não
desistiria enquanto eu não falasse. Era a única pessoa capaz de conseguir tudo
de mim.
— Eles morreram — confessei, com um murmúrio.
As lembranças daquele acontecimento voltaram com força total,
arrastando-me para o mar de angústia no qual eu me afogava há três anos,
desde que tudo aconteceu.
Lucy apertou meu corpo mais fortemente contra o seu, seu cheiro, seu
calor, seu toque, sua simples proximidade resgatando-me da escuridão para a
qual a dor que me consumia ameaçava me arrastar.
— Como aconteceu? — Indagou ela, com a voz suave.
— Ela estava grávida de oito meses, do nosso primeiro filho. Ela me
pediu para levá-la para ver sua mãe, na fazenda onde mora, mas eu estava
ocupado. Como sempre consumido pelos problemas do meu emirado. Foi
então que ela... ela decidiu me punir por não dar-lhe a atenção que julgava
merecer e saiu sozinha... dirigindo... com os seguranças a seguindo em outro
carro... — Me interrompi, a dor familiar apoderando-se de mim, consumindo-
me até a alma.
— Ah, meu Deus... Ela sofreu um acidente — concluiu Lucy.
— Sim. O carro capotou na rodovia e ela perdeu a vida e a do nosso
filho — engoli o nó que se formava na minha garganta, antes de continuar
falando — Era um menino. Ele seria o meu herdeiro... Não há um só dia,
desses últimos três anos, em que eu não pense que tudo poderia ter sido
diferente, se eu tivesse simplesmente deixado o trabalho de lado para ir com
ela nessa viagem.
Lucy apoiou a cabeça no cotovelo, erguendo-se para fitar-me no
rosto. Sua expressão era gentil, compreensiva, carregada de um afeto
genuíno. Seus dedos percorreram suavemente minha face e meu peito.
— Eu sinto muito por essa tragédia. Mas não tente se convencer de
que foi culpa sua, porque não foi — disse ela — Sua esposa sabia dos riscos
quando entrou naquele carro. O que aconteceu foi uma fatalidade, como
tantas outras que acontecem.
— Meu lado racional tenta me lembrar disso todos os dias, mas todo o
resto insiste em me fazer pensar em como teria sido se eu tivesse atendido o
pedido dela. Ela ainda estaria aqui... meu filho estaria vivo — minha voz
tremeu na última frase, sem que eu pudesse evitar.
— Você a amava muito, não é? — Percebi um brilho angustiante
atravessando a expressão nos olhos de Lucy e me virei de lado, apoiando a
cabeça no cotovelo, colocando meu rosto rente ao seu, a míseros centímetros
de distância, meu olhar preso ao dela.
— Eu não me casei com ela por amor, e sim pela política. Nós
ficamos juntos durante cinco anos, dividindo a mesma cama todas as noites.
Éramos felizes, e nos respeitávamos. Eu pensei que havia aprendido a amá-la,
mas hoje percebo que estava enganado.
— E o que te fez perceber isso?
— Você, Lucy — seus olhos se ampliaram, surpresos — Eu
respeitava minha esposa, tinha um grande afeto por ela, mas não era amor de
verdade. O que sinto por você é muito mais intenso, visceral, verdadeiro —
vi a emoção surgindo em sua expressão e segurei sua face com a palma da
mão — Sei que parece loucura, mas quero estar com você durante as vinte e
quatro horas do dia. Você é a chama que acende a escuridão dos meus dias, o
raio de luz que me faz perceber, todos os dias, que minha vida não acabou
como eu imaginava, e ainda existe uma chance de ser feliz. Eu me perco nos
seus olhos, me perco em você, e nesse labirinto, encontro o caminho de volta,
a saída do vazio no qual meus dias tinham se transformado. Você tem se
tornado uma parte essencial da minha vida, a melhor parte, e não suporto nem
imaginar que um dia vou perder você também, quando você partir.
— Eu... Eu não sei o que dizer — Lucy balbuciou, com seus olhos
marejados de lágrimas, lágrimas de pura emoção.
— Não precisa dizer nada. Eu sei que um dia você irá embora daqui e
tudo o que posso fazer é te pedir para ficar. Fique comigo, Lucy. Esqueça os
Estados Unidos, construa uma vida nova aqui. Me dê uma chance de te
provar que posso te fazer feliz — Lucy permaneceu em silêncio, fitando-me
com seus olhos carregados de emoção e confusão — Não posso prometer que
todos os nossos dias serão perfeitos, mas eu posso prometer que em cada um
deles, você terá meu coração, minha lealdade e meu respeito.
— Faris... eu...
Aproximei ainda mais meu rosto do dela, nossas testas se tocando.
— Por favor, diga que vai ficar. Fique, não porque não tem opção,
mas porque quer ficar comigo. Fique e seja minha parceira, minha melhor
amiga, minha amante, minha mulher.
— Faris... eu sinto algo muito intenso por você... mas... eu... eu... não
posso ficar...
Antes que ela tivesse a chance de continuar falando, eu a silenciei,
apossando-me de sua boca em um beijo profundo e selvagem, que despertou
nossos corpos para o desejo incontrolável que sentíamos um pelo outro.
CAPÍTULO 31
A biblioteca do palácio de Faris era um verdadeiro labirinto de
estantes abarrotadas de livros em árabe, alguns tão velhos que pareciam
prestes a se desintegrar. As paredes altas estavam cobertas por fileiras e
fileiras dessas relíquias. O cheiro de couro envelhecido e papel antigo pairava
no ar.
Se eu pudesse ler árabe, talvez estivesse mais entretida. Mas a
realidade era outra: os poucos livros em inglês que encontrei falavam sobre
filosofia, economia e assuntos que me davam dor de cabeça só de olhar para
o índice.
Eu estava sentada num sofá macio, segurando um desses livros com a
capa empoeirada sobre economia e crescimento sustentável. Um bocejo
escapou antes que eu pudesse conter.
Meus olhos ardiam de tédio e, além disso, havia um nó desagradável
no meu estômago, um sinal de que alguma coisa que comi provavelmente
estava muito estragada.
Salma estava por perto, como sempre, folheando um livro,
provavelmente em árabe, e parecia perfeitamente à vontade. Quanto a mim, já
tinha tirado a burca sufocante que Faris insistia em me forçar a usar, e estava
jogada displicentemente no sofá.
— Não aguento mais — resmunguei, largando o livro de lado e
jogando a cabeça para trás no encosto do assento — Como vocês sobrevivem
aqui? Parece que todos os livros foram escritos para induzir o coma.
Salma soltou uma risada suave, mas antes que pudesse responder, a
porta pesada da biblioteca se abriu com um rangido lento, e Rami, o irmão
mais novo de Faris, entrou como se fosse o dono do pedaço.
Ele parou no meio do caminho, olhando para nós com uma mistura de
surpresa e curiosidade.
— Bom, isso é realmente inesperado — ele comentou, em um inglês
bastante fluente, seus lábios se curvando em um sorriso travesso. Alternou
seu olhar entre nós duas e finalmente fixou-o em mim — Faris não vai te
matar se souber que você está andando por aí sem a burca?
— Tecnicamente, não estou andando por aí. Apenas estou na
biblioteca, um espaço fechado e reservado. Acho que os guardas não vêm
aqui. Não consigo imaginar um daqueles trogloditas lendo um livro.
O sorriso de Rami se ampliou. Era quase impossível não gostar dele,
pois tinha uma energia leve, como se estivesse sempre se divertindo com
alguma piada interna que só ele conhecia.
Depois de quase quatro meses vivendo naquele palácio, Faris vinha
permitindo, nas últimas semanas, que a humilhada concubina fizesse as
refeições no salão de jantar, à mesa junto com a família real, onde eu via seus
pais e irmãos todos os dias.
No entanto, eram momentos de grande formalidade, durante os quais
não se podia interagir com muita naturalidade, nem mesmo engatar em uma
conversa solta e descontraída.
Até porque eles quase sempre falavam em árabe, e eu não entendia
uma palavra do que diziam.
— Você tem mesmo a língua afiada. Faris já havia comentado sobre
isso — comentou Rami, sorrindo.
Me ajeitei na poltrona, um pouco mais interessada naquela conversa.
— Sério? E o que mais ele falou sobre mim? — indaguei.
— Não muita coisa. Você sabe que ele não fala muito.
Rami aproximou-se de uma estante e pegou um dos livros,
examinando sua lombada.
— Não fala mesmo. Mas achei que ele fosse carrancudo assim só
comigo.
— Pelo contrário. Provavelmente ele conversou mais com você do
que com qualquer outra pessoa ao longo da vida.
— Você acha isso mesmo?
— Acho. Você é a primeira pessoa que ele deixa se aproximar desde
que... — Rami se interrompeu, e completei sua frase:
— Desde que a esposa e o filho dele morreram. Ele me contou.
Com o livro nas mãos, Rami sentou-se em uma poltrona próxima à
minha. Foi então que Salma deu uma tossidinha desconfortável, mas a
ignorei, afinal, não havia nada de mal em uma conversa.
— Estou surpreso que ele tenha te contado. Faris não gosta de falar
sobre esse assunto — disse Rami.
— Acho que ele estava a fim de se abrir e eu era o par de ouvidos
mais próximo.
— Pois eu acho que você significa mais para ele do que vocês dois
imaginam.
Foi a minha vez de sorrir. Um sorriso amplo, completamente
involuntário.
— Você acha isso mesmo?
— Claro. Faris está completamente apaixonado por você, ele só não
sabe como expressar o que sente. Na verdade, ele nunca foi muito bom em
expressar suas emoções.
— Ele te disse isso?
Rami deu uma risada.
— Não. Ele jamais falaria comigo sobre o que sente. É o sujeito mais
calado e carrancudo que já conheci.
— Isso é verdade. Acho que Allah esqueceu de acrescentar o bom
humor quando o estava criando.
Rami riu alto, jogando a cabeça para trás. A risada dele era
contagiante. Era bom estar perto de alguém que não tratava tudo com uma
seriedade opressiva.
— Ele poderia ser o tema de um livro de filosofia — brincou Rami,
ainda sorrindo — “Como manter uma expressão séria por vinte e quatro
horas”.
— Ou: “A arte de fazer os outros se sentirem culpados sem dizer
nada”.
Nós dois caímos na gargalhada, e naquele momento, percebi que já
fazia muito tempo que eu não sorria assim tão solta e leve. Rami era
diferente. Não havia tensão ou formalidade. Ele era leve, fácil de lidar.
— E você? — Perguntei, inclinando-me para a frente — Como é ser
irmão do rei do mau humor?
— Ah, é um privilégio — ele respondeu, sarcástico — Sempre que
ele fica muito insuportável, eu saio correndo para algum canto do palácio e
espero que a tempestade passe.
Eu ri de novo, mas o riso foi interrompido por uma pontada no meu
estômago, e eu me contorci levemente.
— Você está bem? — Rami perguntou, a preocupação aparecendo em
seu tom de voz.
— Acho que comi alguma coisa estragada.
— Isso não soa nada bom. Já contou a Faris sobre isso?
— Deus me livre. Ele provavelmente me proibiria de comer para o
resto da vida, só para garantir que eu não passe mal de novo.
Rami sorriu e sacudiu a cabeça, claramente divertido.
— Ele é superprotetor. Sempre foi assim. Mas, sinceramente, nunca o
vi tão obcecado por alguém como é por você.
Minhas bochechas esquentaram, e desviei o olhar, lutando para não
mergulhar nas palavras que ele acabara de dizer.
A verdade era que eu sentia o mesmo por Faris. A paixão que ele
despertava em mim não era apenas um desejo passageiro, era algo feroz e
arrebatador, uma emoção visceral que tomava cada fibra do meu ser sempre
que ele se aproximava, algo que eu nunca havia experimentado com outro
homem.
Mas as coisas entre nós eram complicadas, uma teia de sentimentos e
circunstâncias que não podiam ser ignoradas. Por mais que eu quisesse estar
com ele pelo resto da vida, por mais que estivesse feliz ao seu lado, e a ideia
de me afastar parecesse insuportável, eu sabia que, em algum momento, teria
que voltar para a minha vida nos Estados Unidos.
Lá era o meu verdadeiro lar, e embora meu coração quisesse ficar,
minha mente me lembrava que eu não pertencia a este lugar.
Alimentar esse sentimento por Faris não era apenas imprudente, era
perigoso. Era entregar meu coração a algo que, no fundo, eu sabia que não
poderia durar.
— E quanto a você, o que gosta de ler? — Eu disse, mudando de
assunto.
— Romances policiais. Não que tenha muitas opções desse gênero
aqui. Só tem porcaria nessa biblioteca — ele fez uma pausa, analisando
minha fisionomia — Não conte ao meu irmão, mas tenho um kindle com
vários livros bons baixados. Se quiser, posso te emprestar uma hora dessas.
— Caramba! Eu vou adorar. Estou praticamente morrendo de tédio, o
dia inteiro sem fazer nada nesse palácio. Uma boa leitura vai ajudar.
— E o aparelho está conectado na internet. Você poderá baixar
qualquer livro em inglês.
Nesse momento, Salma levantou-se da sua cadeira e deu um passo à
frente, com um olhar meio aflito.
— Lucy... não sei se é uma boa ideia... — disse ela.
Eu sabia que ela estava certa. Faris não ia gostar nada de saber se seu
irmão me emprestasse um Kindle conectado à internet, e muito menos que eu
estava ali, sem a burca, conversando com ele.
Mas eu precisava desesperadamente desse momento. Precisava de
uma conversa leve, de uma conexão com mais alguém que não fossem apenas
Faris e Salma. E precisava de uma boa leitura para me distrair.
— Relaxa, Salma — murmurei — Vai ser nosso segredo.
Ela soltou um suspiro resignado, enquanto Rami sorria de novo,
aquele sorriso fácil e encantador que parecia iluminar a sala.
Nós continuamos ali conversando descontraidamente. Falávamos
sobre livros, autores e tudo mais que envolvia a literatura árabe e americana.
Eu estava realmente me divertindo, pois era a primeira vez que tinha uma
conversa tão solta com alguém desde que cheguei a Fujairah.
O irmão de Faris era o oposto dele. Mais falante, displicente e bem-
humorado. Nem parecia que tinham recebido a mesma criação.
CAPÍTULO 32
Rami estava falando sobre uma série de mistérios clássicos que havia
lido recentemente, quando, de repente, a porta da biblioteca se abriu com
força, batendo contra a parede como uma explosão.
O som ecoou pelas paredes, e eu e Rami nos levantamos e viramos ao
mesmo tempo, como dois adolescentes pegos em flagrante.
Faris adentrou o recinto com a serenidade de uma tempestade viva,
caminhando com passos pesados. Como sempre, usava sua túnica branca
impecável e o lenço na cabeça, diferente de Rami, que vestia calça e camisa.
Seu rosto estava carregado de uma raiva contida que o fazia parecer
uma bomba-relógio prestes a explodir. Seus olhos eram fogo puro, ardendo
de ira, enquanto o ar na biblioteca parecia desaparecer por completo.
Rami só piorou o clima, que já não era dos melhores, provocando o
irmão com um sorriso descarado.
— Olha só quem resolveu aparecer — disse o irmão mais novo.
Faris não respondeu. Não para ele, pelo menos. Seus olhos estavam
fixos em mim, parecendo inspecionar cada detalhe, ou melhor dizendo, a falta
da burca. A tensão no ar era tão palpável que eu poderia cortá-la com uma
faca.
— Ah, vocês estão aí! — Faris disse, casualmente.
Só que nada na postura dele era casual. Ele estava tenso demais, como
um leão prestes a saltar sobre a presa.
Eu ergui uma sobrancelha, tentando não parecer intimidada, mas meu
coração estava batendo tão forte que parecia que eu tinha corrido uma
maratona.
— Sim. Nós estávamos... conversando — balbuciei.
Salma murmurou algo em árabe, rápido e com uma voz que parecia
cheia de súplica. Eu não precisava entender o idioma para saber que ela
estava pedindo perdão por mim mais uma vez. E por ela mesma, por não tê-lo
alertado sobre eu ter tirado a burca novamente.
Faris fez um gesto impaciente, murmurando algo de volta, o que fez
Salma abaixar a cabeça, completamente submissa, antes de dar meia-volta e
deixar a biblioteca em silêncio sepulcral.
— Quantas vezes vou ter que te dizer para não sair do quarto sem a
maldita burca?! — vociferou Faris, nem um pouco controlado.
Havia uma possessividade indomável, crua, na forma como ele me
olhava. Aquele olhar me desarmava, deixando-me intimidada e atraída na
mesma medida. O que só podia ser loucura da minha parte.
— Não seja tão dramático. Ninguém mais além de Rami está aqui, e
ele é seu irmão — tentei.
— Rami é meu irmão, mas também é um homem! — Dessa vez ele
gritou — Eu já te disse mais de mil vezes que não quero nenhum homem
olhando para o que pertence a mim! Eu já matei cinco guardas por causa de
você! Será que vou ter que dar um tiro na cabeça do meu irmão também?!
Rami, que claramente estava se divertindo com a situação, deu um
sorriso que só piorou a expressão de Faris.
— Calma aí, irmão. Nós estávamos só conversando. Além disso, eu a
vejo sem burca todos os dias, no almoço e no jantar.
Faris lançou-lhe um olhar que poderia congelar um vulcão ativo.
— Fora daqui, Rami. Agora!
O sorriso desapareceu do rosto de Rami. Ele ergueu as mãos em
rendição e lançou-me um olhar de pura piedade.
— Como quiser, Alteza. Boa sorte lidando com sua adorável
prisioneira.
Eu quase ri da audácia dele, mas me contive. Rami saiu sem dizer
mais nada, e assim que a porta se fechou atrás dele, Faris voltou seu olhar
assassino para mim.
— O que você pensa que está fazendo, Lucy?! — perguntou, a voz
carregada de raiva reprimida — Por que insiste em me desobedecer todos os
dias?! O que custa usar sua burca, quando não estiver no quarto?!
— Eu já falei que não consigo respirar com aquela coisa! —
Retruquei, cruzando os braços, recusando-me a abaixar a cabeça — Além
disso, como o próprio Rami falou, ele me vê todos os dias com o rosto e os
cabelos descobertos. Eu já sou quase parte da família. Não tem nada demais
em conversarmos.
— Isso é diferente de um jantar. Vocês estavam sozinhos, se falando
de muito perto. Rami é um homem e homens têm pensamentos inadequados
quando estão a sós com uma mulher como você. Eu não quero a porra de um
marmanjo tendo esse tipo de pensamento com a minha garota! — Ele rosnou,
como se isso fosse algum argumento.
— Ele é SEU irmão, Faris! Você está exagerando.
— Você não entende — ele sibilou, aproximando-se mais, com
aquela presença que me fazia esquecer como funcionava a respiração —
Você é minha, apenas minha. Prefiro arrancar os olhos de todos nesse
palácio, a permitir que tenham pensamentos inadequados perto de você!
— Não seja tão dramático. Eu nem estou usando roupas curtas. Além
disso, Rami é um cara muito bem-comportado. Estávamos falando sobre
livros.
— Não interessa! Não quero você falando a sós com ninguém. Nem
mesmo com ele.
— Nós nem estávamos a sós. Salma estava aqui.
— Salma é sua amiga e cúmplice. Poderia facilmente te acobertar.
— Acho que você está assistindo alguma novela turca. Nunca vi tanto
drama. Não aconteceu nada aqui, só uma conversa.
— Nunca mais converse com outro homem quando eu não estiver por
perto!
— Você está sendo possessivo e dramático.
Ele estava sendo também obcecado e assustador, e, por alguma razão
que ia além da minha compreensão, isso me fez sentir um calor inesperado
correndo pelo corpo. Como se aquela obsessão dele fosse algo que me
prendia de uma maneira que eu não sabia se queria escapar.
— Eu sou possessivo e dramático. Acostume-se com isto! —
Esbravejou.
— Não vou me acostumar. Até porque não pretendo passar o resto da
vida neste palácio.
A expressão nos olhos dele mudou, subitamente, a fúria mesclando-se
a um tormento que me desarmou.
— Mas enquanto estiver aqui, terá que seguir as minhas regras — ele
percorreu os dedos entre seus cabelos curtos — Meu irmão é um mulherengo.
Você não pode simplesmente ficar sozinha com ele, sem a burca.
— Nós só estávamos conversando. Algo que, aliás, você não faz
muito, caso não tenha notado.
Ele me encarou, os olhos faiscando.
— Não sou de muita conversa. Esse é o meu jeito. Mas tenho feito de
tudo para que você se sinta à vontade aqui. Está faltando alguma coisa para
você?
— Não. Quer dizer, sim! Eu estou entediada. Não aguento mais
passar o dia inteiro confinada! Olhando para essas paredes, sem ter nada para
fazer.
— Por isso veio falar com Rami?
— Eu não vim falar com Rami. Eu só estava tentando encontrar um
livro para ler, quando ele apareceu.
— Você devia ter colocado a burca!
— Mas acontece que eu não estava a fim de colocar! — Minha
irritação era crescente, assim como o tom da minha voz — Eu não sou sua
prisioneira. Não tenho que seguir todas as suas regras. Aliás, se eu não sair
logo daqui vou acabar enlouquecendo!
Me silenciei, esperando que Faris esbravejasse, que disparasse algum
desaforo, mas ao invés disso, ele permaneceu em silêncio por um longo
momento, fuzilando-me com olhos escrutinadores.
— Eu nunca disse que você é minha prisioneira — sussurrou, mais
clamo.
— Mas age como se eu fosse. Eu preciso sair daqui. Ir a um lugar
além dos limites desse palácio. Falar com outras pessoas que não sejam
apenas você e Salma.
— Não gosta da nossa companhia?
— É claro que gosto. Mas não é suficiente. Eu preciso de liberdade,
Faris.
Ele fez outro momento de silêncio, como se refletisse.
— Não posso deixá-la ir, não ainda. Khalid continua bisbilhotando e
testando a minha cumplicidade. Mas posso levá-la para passear. Você
gostaria de sair para jantar comigo?
Por um instante, pensei ter ouvido errado. Mas não, ele realmente
estava me convidando para sair. Era tão surreal e inesperado que me custava
acreditar.
— Está falando sério? — Indaguei.
— Estou. Podemos voar de helicóptero até Dubai, ou outro lugar.
Conheço vários lugares incríveis onde podemos ir. Só não podemos sair na
rua, pois as pessoas podem me reconhecer.
Engolfada por um turbilhão de emoções, corri até ele e pulei em seu
pescoço, abraçando-o apertado.
— Obrigada. Eu quero muito sair para jantar em algum lugar.
Faris não me abraçou de volta. Ao invés disso, afastou-me
cuidadosamente, o suficiente para fitar-me no rosto. Havia gravidade na
expressão do seu olhar.
— Mas antes de irmos, você precisa me prometer que não vai tentar
fugir. Isso seria péssimo para nós dois.
Eu assenti, movendo a cabeça lentamente, enquanto a realidade do
que estava acontecendo começava a se acomodar em minha mente.
O convite dele fora tão repentino e inesperado que mal tive tempo de
processar que aquilo poderia ser uma excelente oportunidade para fugir e
retornar aos Estados Unidos, ou pelo menos fazer contato com minha família.
Ainda assim, não era tarde demais para agir. Eu poderia fingir que
havia concordado com os planos de Faris, mantendo-o desprevenido até o
momento ideal para a minha fuga. Era um plano arriscado, mas era
exatamente o que eu faria.
— Claro. Não vou tentar nada — menti.
— Certo. Vou arranjar tudo para que tenhamos uma noite agradável.
Esteja pronta às sete — ele pegou a burca esquecida sobre uma cadeira e
entregou-me — Agora vista-se, vou acompanhá-la até os seus aposentos.
CAPÍTULO 33
Era quase sete da noite quando Salma e duas outras empregadas
terminaram de me produzir, fazendo um penteado bonito em meus cabelos,
uma maquiagem muito extravagante para o meu gosto, e ajudando-me a
escolher um vestido entre os vários que Faris havia enviado mais cedo.
Ao fitar minha imagem no espelho, tive a sensação de estar olhando
para uma modelo prestes a fazer um ensaio fotográfico para uma dessas
revistas que trazem tendências da alta costura, tão emperiquitada eu estava.
Não era o meu estilo, mas era como os árabes julgavam estar bonito.
— Você está linda — disse Salma, observando-me com um sorriso
fascinado, como se contemplasse sua obra de arte.
— Acho tudo isso um exagero, mas se Faris enviou os vestidos, é
porque preciso estar assim.
— Estou muito feliz que Vossa Alteza decidiu levá-la para jantar.
Acho que ele gosta muito de você. Talvez até se case com você, algum dia.
— Esse tipo de coisa só acontece nos contos de fadas. Quando decidir
se casar, provavelmente ele escolherá uma herdeira com sangue real, como
ele.
Minhas próprias palavras provocaram um aperto inexplicável em meu
peito, o que acentuou o mal-estar que eu vinha sentindo no estômago nos
últimos dias. Eu só esperava não passar mal durante minha fuga.
Eu não tinha ideia de para onde Faris me levaria, mas seja lá onde
fosse, eu daria um jeito de escapar dele.
O pensamento dominava minha mente, quando a porta do quarto se
abriu silenciosamente, e lá estava ele. Meu coração deu um salto inesperado.
Faris entrou sem cerimônia, vestindo algo que eu nunca tinha imaginado que
veria nele: um terno.
Um terno elegante, feito sob medida, cinza-escuro, com uma camisa
branca sem gravata. Nada da túnica tradicional, nada do lenço cobrindo a
cabeça. Apenas ele, absurdamente lindo, com aquela aura poderosa e um
magnetismo que me fazia perder o ar.
Eu pisquei, completamente abalada pela visão. Ele parecia alguém
saído de uma capa da GQ árabe. Alto, impecável, e com aquele olhar que
parecia atravessar minha alma e derreter minhas defesas.
— Salma — Faris disse, com um leve aceno, seus olhos nunca
deixando os meus — Podem nos deixar a sós.
Salma e as outras duas empregadas se curvaram com reverência e
saíram sem dizer nada, como se aquele fosse o gesto mais natural do mundo.
A porta se fechou atrás delas, e de repente o quarto parecia pequeno demais
para conter a tensão que pairava no ar.
Faris me examinou dos pés à cabeça, com um olhar que era tanto um
elogio quanto uma provocação.
— Você está... magnífica — ele disse, sua voz baixa, rouca, enviando
um arrepio pelas minhas costas.
Eu me virei ligeiramente para o espelho, tentando esconder o rubor
que tomou conta do meu rosto.
— E você... está diferente. É quase estranho te ver assim, sem a túnica
e o lenço.
Faris deu um meio sorriso, aquele sorriso arrogante que me fazia
querer tanto beijá-lo quanto esbofeteá-lo.
— Prefere o visual tradicional?
Eu revirei os olhos, mas sorri.
— Não vou mentir, você fica bem desse jeito. Muito bem.
Ele deu mais um passo em minha direção, e prendi a respiração sem
perceber.
— E você... — Ele deixou a frase no ar, enquanto seu olhar vagava
pela curva do meu ombro até o decote do vestido — Está absolutamente
deslumbrante.
Eu estava prestes a responder algo espirituoso, mas o olhar intenso
dele fez minha mente ficar em branco. Por um momento, nada importava. Só
havia aquele olhar, cheio de uma fome mal contida que fazia o quarto parecer
mais quente do que deveria.
— Tenho algo para você — Ele disse, tirando uma pequena caixa de
veludo do bolso do seu terno e entregando-me — Espero que goste —
completou.
Ao abrir a caixinha de veludo azul, me deparei com o conjunto de
brincos e colar mais lindo e caros que já tinha visto. Era composto por uma
esmeralda exuberante, rodeada por pequenos diamantes cintilantes, refletindo
um brilho quase hipnotizante.
O colar, delicado, com a pedra central de corte oval, parecia um
pedaço da natureza, com o verde profundo da esmeralda contrastando com o
ouro branco. Os brincos, perfeitos, completavam a peça com um toque de
sofisticação.
— É lindo, mas não posso aceitar — falei, imaginando que aquela
joia havia custado dinheiro suficiente para alimentar metade da população de
um país subdesenvolvido.
— Aceite. É um presente de todo o meu coração.
— Faris… isso deve ter custado muito caro.
— Não é caro para mim. Deixe-me ver como fica em você.
Com uma delicadeza que contrastava com sua força bruta, Faris
retirou o colar da caixinha e se colocou atrás de mim. Afastou meus cabelos
para um lado e passou o colar em volta do meu pescoço, fechando o pino
atrás, o resvalar suave dos seus dedos causando-me um arrepio quente e
gostoso.
Ciente de que ele não aceitaria uma recusa, eu mesma coloquei os
brincos, sentindo o peso e o frescor das pedras preciosas em minha pele. Faris
se posicionou à minha frente, me observando com olhos brilhantes, uma
mistura intensa de admiração e cobiça que só fez aumentar o desejo ardente
que eu sentia por ele.
— Ficou perfeito. A joia é quase tão linda quanto você.
— Obrigada. Você sabe ser galanteador quando quer.
Voltei-me para o espelho e, por um momento, fiquei hipnotizada pelo
reflexo. Ele estava certo: a joia era deslumbrante, embora um pouco
extravagante. Mas combinava perfeitamente com minha aparência
exageradamente produzida, como se cada detalhe tivesse sido planejado para
este momento.
Quando saímos do quarto, seguimos pelos corredores do palácio até o
heliponto na cobertura. O vento da noite bagunçava meus cabelos, e o ruído
das hélices girando preenchia o ar. Dois seguranças nos acompanharam, mas,
curiosamente, evitaram me olhar diretamente.
Provavelmente estavam seguindo as ordens do sheik, de não olharem
para a sua concubina enquanto ela estivesse sem a burca.
Era um verdadeiro milagre Faris ter me deixado sair sem usar aquele
trambolho na cabeça.
Entramos no helicóptero, e logo estávamos voando sobre a paisagem
iluminada de Fujairah. Eu já tinha voado de helicóptero antes, mas nunca
deixava de me impressionar com a sensação de liberdade, de estar acima de
tudo e todos.
Do meu lugar, observei as luzes da cidade se espalhando abaixo de
nós. Apesar de estar fascinada pela vista, meu cérebro não parava. Eu
precisava encontrar um jeito de escapar. Esse jantar poderia ser minha única
chance de fugir, e eu precisava estar pronta.
Faris permaneceu em silêncio durante o voo, sua expressão
impenetrável, mas eu o conhecia o suficiente para saber que ele estava me
observando de soslaio.
Talvez estivesse tentando decifrar meus pensamentos, prever se eu
aproveitaria a oportunidade para articular uma fuga. Considerando que
apenas dois seguranças nos acompanhavam, eu tinha certeza de que escaparia
esta noite. Estaria de volta aos Estados Unidos antes que ele tivesse tempo de
assimilar os acontecimentos.
Voamos durante quase uma hora. Quando aterrissamos, no topo de
um prédio alto demais, reconheci o Burj Khalifa[10], o edifício mais alto do
mundo, localizado em Dubai.
Saltamos e seguimos diretamente para o At.mosphere[11], o famoso
restaurante no 122º andar, sempre seguidos de perto pelos seguranças, que
olhavam para todos os lados, menos para mim.
Eu já tinha visto aquele restaurante sendo frequentado pelas
blogueiras de viagem que seguia na internet. Sempre quis conhecê-lo, mas
nunca tive tempo de fazer uma viagem tão longa. O café com ouro era um
dos destaques do que serviam ali.
Quando as portas do elevador abriram, fomos recebidos por um
maître com um sorriso impecável e por uma equipe de garçons, prontos para
nos servir.
Meu coração deu um salto ao perceber que não havia nenhum outro
cliente no restaurante, além de nós dois. Faris havia fechado um dos pontos
turísticos mais famosos do mundo para nos receber.
Eu sabia que ele era poderoso, mas isso era outro nível.
Faris conduziu-me até uma mesa próxima à janela, com uma vista
espetacular da cidade. Mesmo no escuro da noite, Dubai brilhava como um
mar de estrelas.
— Você... fechou o restaurante? — Perguntei, incapaz de esconder
minha surpresa.
Faris deu de ombros, como se fosse a coisa mais trivial do mundo.
— Não queria ser incomodado por turistas.
— Claro, porque isso seria um inconveniente enorme — murmurei,
sarcástica, mas um sorriso escapou dos meus lábios.
Ele era irritante, mas de um jeito quase encantador.
Nos acomodamos à mesa, e o próprio chef veio nos atender,
explicando o menu como se fosse uma obra de arte. Eu mal prestava atenção
nas palavras dele, meu olhar vagando para Faris, que parecia relaxado pela
primeira vez desde que o conheci.
Quanto a mim, apesar de me sentir encantada com o cenário à minha
volta, e com a companhia de Faris, estava longe de relaxar. Eu precisava
pensar em um plano. Encontrar uma forma de escapulir.
O restaurante vazio não jogava a meu favor, não contribuindo nem
um pouco para o sucesso dos meus planos. Ainda assim, eu tentaria. De um
jeito ou de outro.
Enquanto o chef se afastava para começar o preparo do jantar, Faris
inclinou-se na minha direção, seus olhos brilhando com algo que parecia uma
mistura de curiosidade e desejo.
— Está gostando do jantar?
— Ainda nem comemos — respondi, tentando soar casual.
— Não estou falando da comida. Estou falando do lugar e... da
companhia.
Meus lábios se curvaram em um sorriso completamente involuntário.
Estar tão perto dele, mesmo em um ambiente tão intimista, era mais
prazeroso do que eu esperava.
Naquele instante percebi que não importava onde estivéssemos, ou o
que fazíamos, eu gostava de estar com Faris. Simples assim.
— Acho que posso lidar com isso — falei.
Ele sorriu de lado, aquele sorriso preguiçoso e devastador que me
fazia esquecer onde eu estava.
— Você já tinha vindo aqui antes?
— Não pessoalmente. Conheci o lugar através das blogueiras de
viagens que sigo. É um ponto turístico famoso. Me impressiona que você
tenha conseguido fechá-lo tão rapidamente.
— Eu conheço muitas pessoas poderosas.
— Eu acredito.
— Mas me diga, por que não veio conhecê-lo pessoalmente, se gostou
quando viu na internet?
— Porque eu não tinha uma coisa que agora tenho de sobra: tempo.
O rosto dele se iluminou com um sorriso amplo, tão encantador e
cativante que não consegui me manter indiferente e acabei sorrindo de volta.
Continuamos conversando enquanto a noite avançava. Falávamos
sobre tudo, e ao mesmo tempo sobre nada. Era a primeira vez que eu via
Faris falando tanto assim, mostrando-se mais solto e descontraído que quando
estávamos entre as paredes opressivas do seu palácio.
A impressão que tive, foi de que ele se sentia tão preso quanto eu,
naquele lugar. Dominado pela mesma sede de liberdade que me acometia. No
entanto, quando perguntei a respeito, ele foi rápido em mudar de assunto.
Apesar de eu estar me divertindo, minha mente continuava
trabalhando freneticamente, tentando encontrar uma brecha, um momento
para colocar meu plano em prática, mesmo que outra parte de mim não
quisesse que a noite terminasse.
Nós tínhamos terminado de comer a sobremesa, estávamos
bebericando o tal café com ouro e conversando, quando por fim me muni de
toda a minha coragem e pedi licença para ir ao banheiro.
Faris assentiu, com um lento gesto de cabeça, seus olhos
desconfiados.
Então, me levantei e segui rumo aos fundos do local, fingindo que não
estava enxergando o banheiro ali perto, do lado direito. Era agora ou nunca.
Eu precisava encontrar uma maneira de sair daquele lugar.
CAPÍTULO 34
Quando me afastei da mesa e virei para o lado oposto ao banheiro,
senti meu coração dar uma cambalhota. A adrenalina começou a correr pelas
minhas veias como se eu estivesse prestes a pular de um penhasco.
Eu respirava fundo, tentando parecer natural, enquanto caminhava em
direção aos fundos do restaurante, sem olhar para trás.
Atravessei uma porta de metal dupla e a imensa cozinha se revelou
diante de mim. O lugar era um caos organizado: panelas fervendo, frigideiras
estalando, e vozes apressadas em árabe trocando comandos que eu não
compreendia.
A energia ali dentro era frenética, mas havia um tipo de harmonia
caótica que me fez lembrar de uma redação de jornal em dia de fechamento.
Me perguntei onde estariam os clientes para quem eles cozinhavam,
mas eu não tinha tempo de pensar nisso. Precisava encontrar alguém que
falasse inglês, e rápido.
— Com licença, alguém aqui fala inglês? — Perguntei, tentando não
parecer desesperada, embora por dentro estivesse gritando.
As pessoas continuavam ocupadas demais para me notar, até que uma
jovem com um lenço vermelho na cabeça parou e me olhou com curiosidade.
— Eu falo um pouco — respondeu ela, com um sotaque carregado,
mas compreensível.
— Graças a Deus! — Suspirei — Tem algum elevador de serviço por
aqui? Preciso muito sair desse prédio.
A moça hesitou por um instante, seus olhos me avaliando com uma
expressão confusa, como se estivesse tentando decidir se eu era louca ou
apenas mal orientada.
— Ali, naquele corredor — apontou, finalmente. — O último
elevador à direita.
— Obrigada! — Agradeci, já me apressando para o corredor.
Enquanto corria na direção indicada, com meu vestido esvoaçando ao
meu redor e o som dos saltos ecoando pelo piso, sentia o coração galopar
dentro do peito.
Se de uma coisa eu tinha quase certeza, era que os guardas de Faris
me alcançariam a qualquer momento e eu estaria muito encrencada se ele me
apanhasse fugindo.
Apertei o botão do elevador com a urgência de alguém que precisava
escapar de um incêndio. Assim que as portas se abriram, entrei e bati no
painel, procurando o térreo como se minha vida dependesse disso.
O elevador começou a descer, e soltei uma risada nervosa, meio
incrédula com o que estava fazendo. A cada andar que passava, a expectativa
crescia.
Eu estava realmente fugindo! Pela primeira vez em meses, estava
prestes a voltar para o mundo real, para minha liberdade.
Quando as portas finalmente se abriram no térreo, atravessei o hall de
entrada do Burj Khalifa como se tivesse acabado de escapar de uma prisão.
Mas assim que pisei na calçada, fui atingida pelo caos da cidade.
Era noite. O ar estava quente e seco, e a rua era um pandemônio de
buzinas, vozes e carros que passavam a toda velocidade.
Eu congelei ali na entrada, como uma personagem que se perdeu entre
dois mundos. As luzes da cidade brilhavam com uma intensidade quase
dolorosa, e o som frenético da vida urbana me atingiu com a mesma força de
uma maré inesperada.
Fazia tanto tempo que eu não ouvia aquele tipo de barulho e, por um
momento, me senti tonta, como se tivesse esquecido como era estar de volta à
civilização.
Foi nesse instante que a dúvida me atingiu com a força de um furacão.
Meu coração apertou com a ideia de deixar Faris para trás. Se eu fosse
embora, talvez nunca mais o veria. E por mais que aquela relação estivesse
bem longe dos padrões de normalidade, e até mesmo de aceitabilidade, não
havia como negar: eu estava apaixonada por aquele homem.
Era uma paixão desenfreada, louca, intensa, o tipo de sentimento que
eu nunca havia experimentado na vida e tinha certeza de que nunca mais
voltaria a sentir por alguém.
Me imaginei voltando para o meu apartamento vazio, comendo
comida congelada na frente da televisão e dormindo sozinha todas as noites.
E, de repente, aquela perspectiva pareceu tão triste e sem propósito que quase
me deu vontade de chorar ali mesmo, no meio da calçada.
Eu estava paralisada, perdida em meus pensamentos, corroída pela
dúvida e incerteza, quando o porteiro do prédio se aproximou, inclinando a
cabeça em um gesto educado.
— Taxi, senhora? — Indagou, em inglês.
Eu olhei para ele, olhei para os táxis parados na frente do edifício, e
algo dentro de mim se rebelou contra aquela ideia.
O que diabos eu ia fazer na Filadélfia? Voltar para a minha rotina
vazia? Ignorar o fato de que, pela primeira vez na vida, eu estava feliz,
vivendo algo que fazia meu coração bater mais rápido?
Não, eu não estava pronta para me afastar de Faris.
Não havia nada nessa vida, nem mesmo a liberdade, que eu quisesse
mais do que estar com aquele homem. Não seria para sempre, não seria por
toda a eternidade. Mas por mais algum tempo, pelo menos. Só mais um
pouco.
Eu queria viver essa paixão, essa loucura, por mais um tempo. Queria
sentir o gosto de estar com Faris, mesmo que fosse arriscado, mesmo que
fosse insano.
Com a decisão tomada, recusei o táxi com um sorriso e me virei em
direção ao prédio. Entrei novamente, como se tivesse acabado de fazer a
escolha mais óbvia do mundo.
No elevador, enquanto subia de volta para o restaurante, uma onda de
alívio me envolveu. Eu não sabia onde tudo isso iria dar, mas, por enquanto,
eu estava onde queria estar.
Assim que as portas do elevador de serviço se abriram
silenciosamente, eu respirei fundo e dei um passo à frente, com o coração
batendo como um tambor desgovernado dentro do peito.
Caminhei de volta para o restaurante, tentando manter uma expressão
neutra, como se não estivesse voltando de uma tentativa fracassada de fuga.
A atmosfera no restaurante continuava a mesma, silenciosa e sofisticada.
Faris continuava sentado à mesa, exatamente na mesma posição. Ele
girava lentamente um guardanapo entre os dedos longos e elegantes, os olhos
fixos em algum ponto distante, perdido em pensamentos.
A expressão dele era uma mistura de cansaço e desolação. Mesmo
parado, irradiava aquela aura intimidante e irresistível que me fazia sentir
uma adolescente apaixonada e, ao mesmo tempo, me deixava à beira de um
colapso nervoso.
Eu me aproximei, hesitante, e deslizei de volta para o meu lugar. Por
um momento, apenas o observei. Sob a luz suave do restaurante, a beleza
dele parecia quase irreal.
O terno escuro impecavelmente cortado moldava seus ombros largos,
e o cabelo ligeiramente desalinhado lhe dava um ar de quem carrega o mundo
nas costas.
Quando ele finalmente ergueu os olhos para me encarar, senti o
impacto do seu olhar. Era como uma tempestade silenciosa, escondida na
escuridão daqueles olhos negros.
E, de repente, eu soube que tinha feito a escolha certa.
Fugir talvez tivesse sido a decisão mais sensata, mas não era o que
meu coração queria. Eu amava Faris, contra todas as probabilidades, contra
todo o bom senso. E, por mais louco que fosse, eu queria viver esse amor, por
quanto tempo fosse permitido. Mesmo que não pudesse durar para sempre.
Eu não tinha pensado em uma desculpa para justificar minha demora
“no banheiro”. Precisava inventar algo para me explicar. No entanto, antes
que pudesse abrir a boca, Faris inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, os
lábios se curvando em um sorriso quase imperceptível.
— O porteiro foi educado ao oferecer o táxi? — Indagou, com a
casualidade de quem perguntava que horas eram.
Por um segundo interminável fiquei paralisada, atônita, estarrecida,
tentando processar o que ele havia acabado de dizer. A surpresa foi tão
grande que me senti como se tivesse levado um soco no estômago.
— O que você disse? — Indaguei só para me certificar de que tinha
ouvido direito.
— Perguntei se o porteiro do prédio foi educado, quando ofereceu um
táxi a você, na rua.
— Você sabia? — Perguntei, de olhos arregalados, incrédula.
Faris apoiou um dos cotovelos na mesa, descansando o queixo sobre a
mão, os olhos fixos nos meus, brilhando com uma mistura de diversão e algo
mais profundo.
— Desde o início — ele respondeu, com a voz baixa e grave, como se
tivesse acabado de revelar um segredo perigoso — Sou o tipo de homem que
controla tudo à minha volta.
Eu deixei escapar uma risada nervosa, sem acreditar no que estava
ouvindo.
— E você deixou? — Perguntei, ainda perplexa — Me deixou tentar
fugir? Por acaso o taxista era um de seus guardas pronto para me trazer de
volta?
— Não. Eu não ia interferir, se você decidisse realmente partir —
havia algo tenso na linha do maxilar dele — Acredite, essa foi a decisão mais
difícil que já tomei na minha vida. Eu sabia que, se você decidisse ir embora,
talvez nunca mais voltasse. E, ainda assim, eu não queria forçar você a ficar.
Eu fiquei sem palavras por um momento, encarando-o como se ele
fosse a criatura mais insana do planeta O coração dentro do meu peito parecia
que ia explodir.
— Por que você fez isso? — Sussurrei.
Faris me olhou com uma intensidade tão devastadora que eu quase
esqueci como respirar.
— Porque você é a minha vida agora, Lucy — Ele confessou, a voz
baixa e rouca — Eu não posso te perder, quero estar com você pelo resto da
vida. Mas não posso obrigar você a querer o mesmo.
Meu coração derreteu. Simplesmente derreteu. Fiquei ali, olhando
para ele, sentindo um nó na garganta e uma emoção avassaladora tomando
conta de mim. Por alguns segundos, não consegui falar. Tudo o que eu queria
era me lançar sobre ele, agarrá-lo, e nunca mais soltá-lo.
— Eu sinto o mesmo. Sinto uma paixão louca que domina tudo em
mim, e quero viver esse sentimento enquanto puder — declarei.
— Enquanto puder?
— Sim, Faris. O fato de eu não ter ido embora da sua vida hoje não
significa que ficarei para sempre. Eu partirei um dia. Não sei quando, mas
preciso voltar para a minha família, para o meu lar.
Ele permaneceu em silêncio durante um longo momento, encarando-
me com uma expressão inescrutável.
— Mas por enquanto você está aqui — disse — E vou fazer de tudo
para que você nunca mais queira ir embora.
Meu coração acelerou. Eu sabia que não havia garantias para nós, mas
naquele instante, isso não importava. Eu só queria aproveitar esse amor
insano e avassalador enquanto ele durasse.
Então, levantei minha taça.
— Então, vamos brindar a isso. Ao agora.
Faris ergueu sua taça também, os olhos escuros e intensos fixos nos
meus.
— Ao agora — ele concordou, com a voz carregada de promessas
silenciosas.
Enquanto brindávamos, eu soube que, acontecesse o que acontecesse
no futuro, aquele seria um momento que eu jamais esqueceria.
Continuamos ali conversando e bebericando vinho, sem ver a noite
passar. A atmosfera de intimidade, de cumplicidade e paixão que nos
envolvia era acolhedora e deliciosa, como eu jamais havia experimentado na
vida.
Era como se, de alguma forma, estivéssemos conectados e não
precisássemos de mais nada além de um do outro.
Era tarde da noite, eu estava levemente tonta pelo efeito do vinho,
quando precisei, de fato, ir ao banheiro. Ao me levantar percebi a mudança
no olhar de Faris, um misto de desconfiança e algo mais que não consegui
decifrar emergindo na sua expressão.
— Desta vez vou ao banheiro mesmo — comentei, sorrindo, e ele
assentiu.
Eu estava parada em frente ao espelho amplo, sobre a pia de mármore
reluzente do banheiro, retocando a maquiagem, quando a porta se abriu, e
Faris entrou sem qualquer aviso.
O impacto de vê-lo era sempre o mesmo, um arrepio súbito, como se
fosse a primeira vez que meus olhos o encontravam.
Sua postura altiva e imponente dominava o ambiente, e,
independentemente das roupas que ele usasse, sempre me deixava em uma
espécie de transe involuntário, um calor inquietante se espalhando pelo meu
estômago, aquecendo cada parte de mim ao mesmo tempo em que minha
respiração se tornava sutilmente mais difícil de controlar.
— O que faz aqui? Veio verificar se vou tentar fugir de novo? —
Indaguei, sem conseguir conter o sorriso.
— Não. Vim porque fiquei de pau duro quando vi você mexendo esse
traseiro gostoso dentro desse vestidinho apertado.
As palavras dele despertaram um formigamento na altura do meu
ventre.
— Então estava espiando meu traseiro enquanto eu me afastava,
alteza? — Provoquei, encenando um falso tom de acusação.
— É... Eu estava. Não tenho culpa se você é gostosa pra caralho.
Com passos firmes e determinados, ele eliminou a distância que nos
separava, agarrando-me com seus braços fortes e impetuosos. Em um único
movimento, seu braço envolveu minha cintura, enquanto sua mão firme
segurava minha nuca, trazendo-me para perto com uma urgência que
incendiava cada sentido.
Seus lábios tomaram posse dos meus com uma selvageria intensa,
deixando-me sem ar e sem qualquer vestígio de razão, completamente
rendida ao furacão de desejo que ele despertava.
O beijo foi voraz, carregado de uma imprudência perigosa e
irresistível, incendiando cada célula do meu corpo com o desejo cru e
primitivo. Era uma invasão deliciosa, um assalto aos meus sentidos, fazendo
minha pele formigar e minha vagina molhar.
Ao romper o beijo, Faris deslizou a boca pelo meu corpo, descendo
pelo pescoço e explorando cada centímetro com lábios famintos.
Seus dentes prenderam meus mamilos por sobre o tecido do vestido,
arrancando-me um gemido involuntário enquanto minha cabeça caía para
trás, perdida na onda de sensações que ele provocava.
Ele me segurou firmemente pela cintura e, com um gesto decidido,
me ergueu para sentar-me na pia. Em um movimento ágil, ele subiu a saia do
vestido, deixando o tecido acumulado em meus quadris.
Com a mesma urgência, retirou minha calcinha e posicionou meus pés
na borda da pia, enquanto seus olhos intensos encontravam os meus, me
guiando a inclinar para trás e apoiar as mãos no mármore frio, rendida ao seu
comando e à promessa do que viria a seguir.
— Que delícia... toda molhadinha... — sussurrou Faris, seus olhos
brilhantes desviando-se dos meus e se fixando na minha boceta.
— É tudo para você — respondi.
Sem mais palavras, ele inclinou-se sobre mim, encaixando o rosto
entre minhas pernas, lambendo, chupando, e beijando minha carne lisa e
molhada, fodendo minha vagina com a língua úmida, áspera e ao mesmo
tempo macia, enquanto tudo o que eu conseguia era gemer e me acabar de
tanto prazer, meus dedos enterrados em seus cabelos curtos, puxando-o mais
para perto, como se nenhum contato com aquela boca gostosa fosse suficiente
para aplacar o fogo da luxúria que me consumia.
CAPÍTULO 35
Quando abri os olhos, me vi mergulhada no conforto da cama de
Faris, na suíte dele, onde vinha dormindo todas as noites nas últimas
semanas. O tecido dos lençóis eram macios, e o perfume delicioso dele ainda
pairava no ambiente, como se ele tivesse saído dali há poucos minutos.
Eu estava sozinha na cama. Aparentemente, o senhor das
responsabilidades já tinha saído para desempenhar seu papel de sheik
poderoso, e me deixado ali, como todos os dias.
Relembrei a noite passada e um sorriso bobo se formou em meus
lábios. Nós começamos a fazer amor ainda no restaurante, depois que Faris
me seguiu até o banheiro.
De volta ao palácio, tivemos uma noite ardente de paixão nos braços
um do outro, antes de dormirmos agarradinhos, como se qualquer distância
fosse inaceitável.
Eu ainda sentia o peso dos braços dele em volta de mim, a força de
seus beijos, e o jeito como ele me segurava e amava, tão firme como se eu
fosse o próprio ar do qual ele necessitava para respirar.
Definitivamente, eu tinha tomado a decisão certa, de ficar em Fujairah
por mais algum tempo. Nada nem ninguém nesse mundo seria capaz de me
fazer feliz, como Faris fazia.
Ainda dolorida pelo excesso de sexo selvagem, me estiquei na cama,
deixando aquele sorriso bobo tomar conta do meu rosto enquanto relembrava
os nossos momentos. Foi realmente uma noite intensa e inesquecível.
Eu estava mergulhada nos meus pensamentos quando, de repente, fui
surpreendida por uma virada violenta no estômago, uma náusea tão intensa
que parecia que eu estava de ponta cabeça em uma montanha russa.
Meu corpo inteiro se arrepiou com a intensidade do enjoo. Não tive
tempo nem de pensar. Pulei da cama e corri direto para o banheiro, chegando
bem a tempo de me debruçar sobre o vaso e colocar para fora todo o
conteúdo do jantar de ontem à noite, além da água amarelada, fétida, que saiu
em seguida.
Com meu corpo trêmulo pela intensidade do vômito, sentei-me no
chão frio do banheiro, apoiando as costas em uma parede e permaneci ali,
imóvel, ofegante, esperando o mal-estar passar, ou piorar.
Uma camada de suor frio cobria minha pele, e meu coração martelava
como se eu estivesse no meio de uma tempestade.
— Ótimo… É isso o que eu ganho por confiar naquele polvo horrível
que chamaram de “prato exótico” no restaurante — murmurei para mim
mesma, sentindo uma pontada de náusea ao me lembrar do jantar.
Tentei me convencer de que aquilo era apenas uma indisposição
temporária, enquanto permanecia ali sentada no chão frio do banheiro,
lutando para organizar meus pensamentos.
Mas então, como se uma lâmpada tivesse acendido, uma lembrança
muito inconveniente surgiu na minha mente: Rose, minha amiga do jornal.
Rose e os enjoos que ela teve toda santa manhã antes de descobrir… que
estava grávida.
Grávida! Ah, meu Deus! Como não pensei nisso antes?
Senti o pânico tomar conta de mim lentamente, alcançando-me até a
alma. Esperei, buscando a razão para afastar o pensamento, mas então me
lembrei que minha menstruação estava atrasada há um tempo, sem que eu
tivesse percebido, pois só tinha olhos para Faris e a paixão descabida que
sentia por esse homem.
O pânico começou a se transformar em certeza. Havia uma chance
enorme de eu estar mesmo grávida, afinal, Faris e eu nunca usamos proteção
e transávamos como se fôssemos dois coelhos.
Como deixei isso acontecer? Como fui tão inconsequente?
Me forcei a levantar-me, ainda trêmula, e encarei meu reflexo no
espelho.
— Grávida… — Sussurrei, a palavra soando tão estranha, tão
impossível.
Meu coração estava disparado como se eu tivesse corrido uma
maratona. Uma nova onda de náusea me dominou, mas desta vez não era só
física, era o medo, o desespero, que cresciam à medida em que eu começava
a pensar no que isso significava.
Meu cérebro deu uma volta completa e, quando percebi, a palavra
"maternidade" estava brilhando e piscando como um letreiro de neon na
minha cabeça. Só que, ao invés de um letreiro fofo, era um daqueles que se
vê em lojas abandonadas e caindo aos pedaços.
Eu, mãe? No Oriente Médio? Com Faris? Ah, mas de jeito nenhum!
O pânico me fez sentir um nó na garganta, uma confusão sem fim. Eu
nem poderia imaginar um bebê crescendo nesse palácio tão luxuoso, cercado
por empregados, mas cheio de regras absurdas, que nunca fizeram o menor
sentido para mim.
A ideia de trazer meu filho ao mundo em um lugar onde eu mal
conseguia respirar sem ser repreendida, sem sentir o peso de expectativas
absurdas, era como uma nuvem de tempestade se formando bem em cima da
minha cabeça.
Me vi apavorada, como se a vida estivesse me pregando uma peça
dessas que não se apagava.
Se eu estivesse mesmo grávida, precisaria dar um jeito de sair daquele
palácio e voltar para os Estados Unidos, antes que Faris soubesse a verdade.
Ele era louco por um herdeiro, se descobrisse que teríamos um filho,
essa criança estaria condenada a uma vida no Oriente Médio, cercada por
essa cultura opressiva, que naturalizava tantas barbaridades, que inferiorizava
tão cruelmente as mulheres.
Eu não permitiria que isso acontecesse. Se essa gravidez se
confirmasse, eu voltaria para casa e criaria meu filho com a mesma liberdade
e dignidade com que fui criada.
Nesse instante, a imagem de Faris surgiu em minha mente. O homem
que, com aquele sorriso seguro e aquele olhar penetrante, me fez esquecer o
mundo. Ele jamais deixaria que eu saísse, jamais me permitiria partir se
soubesse sobre esse bebê, e isso me enchia de medo.
Se essa gravidez fosse uma realidade, eu precisaria ser mais astuta do
que simplesmente planejar uma fuga durante um jantar em um restaurante.
Era essencial elaborar um plano para deixar o palácio sem que Faris pudesse
intervir ou me impedir.
No entanto, o primeiro passo seria confirmar a gestação. Eu precisaria
da ajuda de Salma para conseguir um teste, sem levantar suspeitas.
Era vital confiar nela neste momento crítico, acreditar que ela
manteria segredo sobre o bebê. Sem o auxílio dela, seria impossível até
mesmo confirmar a gravidez sem que Faris soubesse de nada.
Decidida, lavei o rosto e deixei o banheiro. Ao avançar pela suíte de
três cômodos, Salma já estava lá, servindo o farto café da manhã, como fazia
todos os dias.
Sem interromper sua tarefa, ela lançou-me um olhar rápido,
recebendo-me com um sorriso caloroso.
— Bom dia, alteza. Vejo que você e o sheik tiveram uma noite
agitada — disse ela, exultante, acreditando que Faris e eu fomos feitos um
para o outro.
Era uma romântica, que acreditava em contos de fadas, mesmo tendo
sido entregue para se casar com um homem que mal conhecia, quando tinha
apenas dezessete anos.
— Por que está me chamando de alteza? — Indaguei.
— Porque tenho fé em Allah que logo o sheik fará de você a esposa
dele e você será a nossa alteza — disse, sonhadora.
Ela não poderia estar mais longe da realidade.
Enquanto eu a observava ali ao lado da mesa, arrumando tudo com
tanto capricho, com seu sorriso de todas as manhãs, senti um aperto no peito
e um frio na barriga.
A mulher estava completamente despreocupada, sorrindo, enquanto
eu, com meu rosto provavelmente ainda pálido, carregava um peso enorme
nos ombros.
Respirei fundo e me aproximei dela, tentando manter a calma.
— Salma... será que a gente pode... conversar um pouco? —
Perguntei, tentando soar casual, mas minha voz saiu tão trêmula que até eu
me assustei.
Salma largou o guardanapo que estava dobrando com tanto cuidado e
me olhou com as sobrancelhas ligeiramente erguidas, o sorriso sumindo
devagar.
Parecia notar que, dessa vez, eu não estava ali para fofocar sobre a
noite passada ou fazer alguma piada boba sobre o palácio.
— Claro. O que houve? — Ela franziu a testa, visivelmente
preocupada.
— É que... eu acho que… — Comecei, mas então parei, sentindo um
bloqueio súbito. Como eu ia explicar isso? Engoli em seco, tentando reunir
coragem, antes de continuar falando — Salma, eu acho que posso estar
grávida.
A expressão dela passou de preocupada para eufórica em um segundo.
Vi seus olhos se arregalarem levemente, enquanto ela levava uma mão ao
peito, absorvendo minhas palavras.
Ela veio até mim, com um sorriso largo no rosto, seus braços
estendidos e a envolvi em um abraço.
— Meus parabéns! Fico tão feliz por você e pelo sheik! Agora é de
certeza que ele se casará com você. Já contou a ele, não é? Qual foi a reação
dele? Aposto que ele está nas nuvens!
— Salma, me ouça — desvencilhei-me do abraço, fitando-a
diretamente no rosto — Faris não pode saber sobre essa gravidez.
O sorriso desapareceu do rosto dela, à medida em que uma ruga se
formava em sua testa.
— Como assim? É o sonho dele ter um herdeiro.
— Acontece que ele... ele jamais me deixaria ir embora se soubesse.
E eu não posso criar meu filho aqui, neste lugar, em uma cultura tão diferente
da minha. Eu quero que meu filho cresça sendo livre, como eu cresci —
respirei fundo, tentando conter a aflição que parecia subir pelas minhas veias.
— Mas esse filho é herdeiro de um trono. Não tem como você negar
isso.
— Não será se ninguém souber de nada — a tensão que se instalou no
ar era quase tangível — Antes de mais nada, eu preciso saber se estou mesmo
grávida. Por favor, Salma, você tem que me ajudar. Eu preciso que você vá
comprar alguns testes de gravidez, mas, pelo amor de Deus, sem levantar
suspeitas.
Salma cruzou os braços, claramente desconfortável. Ela não parecia
saber o que dizer, o que fazer.
— Lucy, o sheik… ele merece saber, não acha? Ele... — Salma
começou a falar, mas eu a interrompi.
— Salma, eu amo o Faris. Amo de um jeito que nunca achei que fosse
possível, mas não consigo imaginar meu filho crescendo aqui. Aqui, tudo é
cheio de regras que eu não entendo, normas que não fazem sentido pra mim!
E se for uma menina? E se Faris tentar obrigá-la a se casar com um homem
que ela abomina? — Um nó se formou na minha garganta, e Salma viu meu
desespero estampado no rosto. — Por favor, você não entende? Eu estou
desesperada! Eu preciso de você!
Depois de alguns segundos de hesitação, Salma suspirou, derrotada.
— Tudo bem, eu... eu vou comprar os testes para você. Mas, coma
alguma coisa. Você precisa se manter forte — ela tentava soar firme, mas vi
em seu olhar uma ponta de preocupação genuína.
Eu assenti, respirando fundo enquanto tentava fingir que estava com
fome. Mas naquele momento, comida era a última coisa que eu queria. Salma
saiu da suíte, e fiquei ali, andando de um lado para o outro, sentindo o peso
do mundo sobre meus ombros.
Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, a porta da suíte se
abriu e Salma entrou carregando uma pequena sacola com vários testes de
farmácia.
Quando vi aqueles pacotinhos nas mãos dela, meu coração quase
saltou pela boca. Parecia que a gravidade havia aumentado dez vezes, e
minhas pernas mal conseguiam me sustentar.
— Pronto. Tem meia dúzia de testes aqui — Salma colocou a sacola
nas minhas mãos com delicadeza, enquanto seus olhos me lançavam um
olhar carinhoso e apreensivo ao mesmo tempo.
Com as mãos trêmulas, peguei os testes e fui até o banheiro. Fiz
todos, pois um só não era o suficiente para me dar o veredito que eu temia.
Era como se, quanto mais testes eu fizesse, maior fosse a chance de algum
deles dizer que era tudo um engano, um truque da minha mente.
Mas não era.
Os testes eram unânimes, como juízes impiedosos prontos para
anunciar meu destino. Três, quatro, cinco, seis linhas duplas. Todos gritaram
a mesma resposta: eu estava grávida.
Segurei um dos testes na mão e fiquei encarando aquelas linhas com
uma sensação estranha no peito, como se tudo em volta tivesse congelado.
E então, o que eu tanto temia finalmente me atingiu com toda a força.
Caí de joelhos no chão do banheiro e comecei a chorar, lágrimas quentes e
amargas escorrendo pelo meu rosto.
Um turbilhão de emoções me dominava. Era como se minha vida
inteira estivesse sendo escrita novamente, sem me perguntar se eu
concordava.
— Oh, minha querida… — Salma murmurou, ajoelhando-se ao meu
lado e me envolvendo em seus braços, em um abraço inesperado, mas
necessário.
Senti todo o peso do meu desespero se derramar nos braços dela e
chorei como nunca havia chorado, sentindo o peso do amor que eu tinha por
Faris, mas também a certeza de que, para salvar aquele bebê, eu precisaria me
afastar dele.
— Eu… eu vou ter que ir embora, Salma — murmurei, soluçando. —
Não posso contar ao Faris. Ele jamais me deixaria sair daqui com o filho
dele. Eu... não posso deixar meu filho viver assim.
Ela me apertou contra si, como se quisesse me dar toda a força que eu
precisava. Mesmo relutante, percebi que, de alguma forma, ela entendia.
— Tem certeza, Lucy? — Sussurrou ela — Aqui não é tão ruim
assim. E seu filho será criado como um rei. Ele é um herdeiro. Pense bem.
— Nenhuma riqueza seria capaz de mudar o fato de que essa criança
seria uma prisioneira, não apenas de costumes opressivos, mas de um cargo
que não escolheu. Não quero que meu filho seja infeliz. Quando ele estiver
adulto, eu falo a verdade e o deixo escolher o que quiser.
— Eu não concordo, mas entendo seus receios. Nossa cultura é
mesmo muito diferente da sua.
— Então você vai me ajudar?
— Não tenho como ajudá-la a partir, mas prometo que não vou contar
nada ao sheik — disse ela, num sussurro hesitante.
Assenti, respirando fundo, tentando acalmar meus pensamentos. Eu
estava determinada. Precisava proteger meu filho, e isso significava ir
embora. Mesmo que isso partisse meu coração.
Salma me soltou com um sorriso triste e se levantou, indicando a
mesa do café da manhã com um aceno.
— Coma alguma coisa. Você precisa se cuidar agora — disse ela.
Meus olhos ainda estavam marejados, meu corpo exausto e minha
mente rodando, mas uma coisa era clara: eu faria o que fosse necessário para
proteger meu filho, custasse o que custasse.
CAPÍTULO 36
Já havia se passado três dias desde que descobri a gravidez, e ainda
não tinha encontrado uma forma de escapar daquele maldito palácio. Pensei
seriamente em convencer Faris a me levar para jantar fora novamente,
aproveitando a oportunidade para concretizar minha fuga.
No entanto, Faris estava cada vez mais ocupado e estressado com a
precária situação econômica de Fujairah. Apesar de ter retomado as
negociações com Khalid, administrar seu emirado se mostrava uma tarefa
árdua, consumindo a maior parte de seu tempo e energia.
Após refletir durante um tempo, decidi confrontar Faris diretamente e
pedir que me deixasse ir. Afinal, ele constantemente afirmava que eu não era
sua prisioneira. Essa seria a chance ideal para ele demonstrar que suas
palavras eram verdadeiras, que eu realmente possuía a liberdade de escolher
entre ficar ou partir.
Era o início da noite. Faris e eu acabávamos de partilhar o jantar com
a família real. Seguindo o ritual de todas as noites, dirigimo-nos à suíte dele
para desfrutar de uma xícara de chá, uma conversa agradável e momentos
mais íntimos.
No entanto, aquela noite seria diferente.
— Faris, preciso falar com você — declarei assim que cruzamos o
limiar da antessala da espaçosa suíte de três cômodos.
— Claro — ele respondeu, movendo-se em direção ao bar — Vou nos
servir um pouco de chá.
— Não quero chá hoje. O que tenho a dizer é de extrema importância
— interrompi, minha voz carregada de gravidade.
Ele hesitou, seus movimentos cessando abruptamente antes de se
voltar para encarar-me, uma ruga de preocupação marcando sua testa.
— Você está bem? Aconteceu alguma coisa? — Perguntou ele, a
ansiedade tingindo sua voz.
— Estou bem, mas por favor, sente-se — instruí, acomodando-me
num dos sofás imaculadamente brancos.
Ele me atendeu, sentando-se no sofá oposto, seus olhos fixos em mim,
as sobrancelhas arqueadas em uma clara expressão de interrogação.
— Desde que cheguei aqui, você vive repetindo que não sou uma
prisioneira.
— E você não é — ele interrompeu rapidamente, quase defensivo.
— Pois bem, agora você tem a chance de provar isso — continuei,
fazendo uma pausa deliberada para escolher cuidadosamente minhas
próximas palavras — Eu sei que mencionei querer ficar aqui por mais algum
tempo, mas... mudei de ideia. Sinto falta dos meus pais, do meu irmão. Quero
voltar para os Estados Unidos... o quanto antes.
Faris levantou-se num sobressalto, como se uma corrente elétrica
tivesse percorrido seu corpo. A tensão era visível em cada músculo, seus
ombros se retesaram como se preparassem para um golpe.
— Que porra é essa?! Você não vai embora daqui. Seu lugar é ao meu
lado.
Levantei-me abruptamente, encarando-o com uma determinação
férrea.
— Aqui não é o meu lugar. Meu verdadeiro lar está nos Estados
Unidos e é para lá que desejo voltar. Por favor, me deixe ir.
Ele parou a curta distância, os olhos negros cravados nos meus, um
turbilhão de mágoa e suspeita refletido em seu semblante.
— Por que isso agora? Tudo o que você disse naquele jantar no
restaurante... era mentira? Você não está realmente apaixonada por mim?
— É claro que estou apaixonada. Eu te amo de uma forma que nunca
pensei ser possível. Mas este lugar... não é onde eu pertenço. Quero ir
embora. Você prometeu que eu seria livre para escolher, e minha escolha é
voltar para minha família.
Faris mergulhou em um silêncio profundo, seus olhos escaneando
cada traço do meu rosto, a desconfiança lentamente cedendo lugar a uma ira
contida, quase palpável.
— Você não vai a lugar nenhum, Lucy. Seu lugar é aqui ao meu lado
e não quero mais discutir isso.
Ele tentou afastar-se, mas bloqueei seu caminho, a raiva inflamando
meu peito.
— Mas eu quero falar! — Gritei, a voz reverberando pelas paredes —
Eu nunca pertenci a este lugar. Você me pediu um tempo, apenas o suficiente
para convencer Khalid de que estamos juntos. Não é possível que ele ainda
duvide disso. Chegou a hora de eu ir embora.
— Ainda é cedo demais. Khalid continua à espreita, como uma
serpente pronta para o bote. Se você partir agora, ele saberá e meu emirado
estará em ruínas. Além disso, tem a City Ride. Eles encontrarão outro meio
de silenciá-la se você surgir nos Estados Unidos neste momento — ele fez
uma pausa, a angústia marcando cada palavra, seus olhos refletindo uma dor
profunda — Eu não suporto nem imaginar esses criminosos te fazendo mal.
— Eu não tenho medo deles.
— Mas deveria. São pessoas perigosas e influentes.
— Meu pai também é um homem de poder. Assim que ele descobrir
que a City Ride está envolvida no meu sequestro, ele os destruirá com a
mesma facilidade com que se esmaga um inseto.
— As coisas não são tão simples. Você não tem provas concretas
contra a City Ride, e, sejamos sinceros, seu pai não demonstrou tanto
interesse assim em encontrá-la, caso contrário já teria mobilizado todo o seu
poder político para isso.
As palavras dele me fizeram empalidecer, pois carregavam a dolorosa
verdade. Meu pai não estava empenhado em me encontrar como deveria, pois
se estivesse, já teria me localizado.
Era ano de eleição e, provavelmente, ele estava completamente
absorto em sua candidatura, colocando, como sempre, a política acima da
família.
— Mas aqui você estará segura — a voz de Faris interrompeu meu
devaneio — Aqui você tem a minha palavra de que ninguém lhe fará mal.
Fique por mais algum tempo. No momento certo, eu a levarei pessoalmente
para visitar sua família, e então você poderá decidir se quer mesmo voltar
para os Estados Unidos.
— Você está me enrolando. Já faz quase quatro meses que estou aqui.
Você disse que seria apenas por um tempo, e que depois forjaria minha
morte.
— Não estou enrolando. Ainda não estou pronto para abrir mão de
você. Por favor, me dê mais alguns meses e então a levarei de volta.
No fundo do meu coração, eu queria ficar, talvez mais do que deveria,
pois amava aquele homem loucamente. No entanto, não podia me dar ao luxo
de ficar mais alguns meses, pois logo minha barriga começaria a crescer e ele
descobriria sobre a gravidez.
Eu não tinha certeza de quantas semanas de gestação estava, a barriga
poderia começar a aparecer a qualquer momento, e então meu filho e eu
estaríamos destinados a viver no Oriente Médio pelo resto de nossas vidas.
Este bebê seria o único herdeiro de Faris. Ele jamais renunciaria a
esse filho, e eu preferia abrir mãos do amor que sentia por ele, a ter que ver
meu filho crescer numa cultura tão opressiva, condenado a uma vida que não
escolheu.
— Eu não quero mais ficar aqui. Quero voltar para casa! — Declarei,
com firmeza.
— Quer, mas não irá — respondeu Faris, com uma frieza que eu
conhecia bem estampada em seu olhar — Você vai ficar aqui até que eu
decida que é hora de partir, e não quero mais falar sobre isso. Com licença.
Com isso, ele caminhou com passos pesados até a porta, abriu-a e
saiu, batendo-a com força atrás de si.
Meu Deus! Ele jamais permitiria que eu partisse. Toda aquela
conversa sobre eu não ser uma prisioneira era uma farsa completa. Ele nunca
teve a intenção de me libertar.
Minha mente girava com essas constatações, a angústia que tomava
conta de mim era tão avassaladora que, de repente, minhas pernas falharam e
precisei me sentar no sofá para não desabar no chão.
Enterrei o rosto nas mãos e engoli o nó que se formava em minha
garganta, reprimindo a torrente de lágrimas que ameaçava transbordar dos
meus olhos.
Não era o momento para pânico, eu precisava manter a calma e
pensar. Pensar com muita cautela e elaborar um plano de fuga daquele
palácio. Agora que Faris sabia do meu desejo de partir, certamente
aumentaria a vigilância sobre cada um dos meus passos, tornando a saída
quase impossível.
Mas eu tinha que tentar. Deveria existir alguma maneira. Talvez
Salma pudesse ajudar. Eu a convenceria, assim como fiz para que mantivesse
minha gravidez em segredo.
O que eu não podia era deixar que Faris aprisionasse tanto a mim
quanto ao meu filho pelo resto de nossas vidas.
CAPÍTULO 37
Após minha acalorada discussão com Faris, na qual eu havia
implorado para partir, voltei para o meu quarto e decidi me isolar, recusando-
me a continuar compartilhando as refeições com a família real, como antes.
Uma semana se passou desde nosso confronto e Faris ainda não tinha
vindo ao meu encontro. No entanto, apesar de sua ausência, eu sentia sua
constante vigilância, sabia que ele me observava de longe, sempre alerta,
pronto para intervir se eu tentasse escapar.
Dentro de mim, uma recusa ferrenha em desistir tanto de mim quanto
do meu filho crescia. Eu me negava a aceitar o destino que Faris parecia ter
reservado para mim, de permanecer aprisionada naquele lugar pelo resto dos
meus dias.
Já não acreditava mais que ele tivesse a menor intenção de me
libertar. Provavelmente ele jamais tivera essa intenção e era revoltante
perceber que eu havia me apaixonado por alguém tão mentiroso e calculista.
Levei vários dias para persuadir Salma a me ajudar a fugir. Após
muita insistência, ela finalmente cedeu e conversou com seu marido, Amir,
que com relutância acabou concordando em se envolver em nosso plano.
Esta noite, eu finalmente deixaria o palácio. Salma assumiria a tarefa
de distrair os guardas que patrulhavam os corredores internos, enquanto eu
me esgueiraria em direção à cozinha onde Amir me esperaria, escondido
entre suas obrigações noturnas.
Ele tinha o pretexto perfeito para encobrir nossa operação: estava
supostamente reformando a lavanderia.
Sua ideia era me esconder dentro de uma das caixas grandes, usadas
para descartar itens de decoração que não serviam mais.
Era arriscado, certamente não o plano mais sofisticado, mas era tudo o
que podíamos fazer com os recursos que tínhamos.
No meu quarto, os minutos antes da fuga se arrastavam. Vesti a burca
preta que Salma havia trazido, sentindo seu peso me envolver
completamente, escondendo meu rosto e cabelos.
Embaixo daquela vestimenta, meu coração batia forte, quase saindo
do peito, enquanto tentava controlar o nervosismo que ameaçava me
consumir.
Era tarde da noite quando a porta se abriu suavemente e Salma entrou.
Ela sussurrou que estava tudo pronto e que os guardas estariam distraídos em
cinco minutos. Era o meu sinal para agir. Segurei suas mãos por um
momento, olhando em seus olhos.
Estávamos ambas cientes dos riscos envolvidos e do que isso poderia
custar a todos nós se algo desse errado.
Com um abraço apertado, tentei transmitir minha gratidão e força.
Salma retribuiu com um sorriso trêmulo, seus olhos marejados refletindo
tanto a determinação quanto o medo do que estava por vir.
— Vá, Lucy. Por favor, não olhe para trás — sussurrou ela.
— Obrigada por tudo — agradeci, com outro sussurro.
Assim que Salma saiu, o silêncio do quarto pesou sobre mim,
deixando-me apenas com o zumbido tenso da adrenalina que fluía pelas
minhas veias. Meu coração batia forte, marcando cada segundo daqueles
intermináveis cinco minutos.
O medo crescia, engrossado pela realidade de que as batidas do
relógio luxuoso pendurado na parede me aproximavam do ponto de não
retorno.
Finalmente, com a respiração presa, abri a porta cuidadosamente, me
esgueirando para fora do quarto com passos meticulosamente calculados para
evitar qualquer ruído.
A quietude do palácio era opressiva, as sombras pareciam me
observar, cada eco uma ameaça de descoberta.
Avancei pelo corredor escuro, com o coração disparado, temendo que
o mais leve som pudesse despertar o gigante adormecido de paredes
douradas.
Eu seguia o mapa mental que Salma tinha descrito, evitando as áreas
vigiadas. Meus passos eram uma luta interna entre a vontade de correr para a
liberdade e o medo paralisante de ser capturada.
As batidas do meu coração pareciam tão altas nos meus ouvidos que
eu tinha certeza de que poderiam ser ouvidas a metros de distância.
Finalmente, após minutos que se esticaram como horas, cheguei à
cozinha. Lá estava Amir, sua figura uma visão de alívio no meio da
penumbra iluminada apenas pela fraca luz da lua que se infiltrava pelas
janelas imensas.
Ele me recebeu com um olhar carregado de receios, seu rosto
marcado pela tensão. Trocamos um sorriso nervoso e um sussurro de
agradecimento escapou dos meus lábios, trêmulo e baixo.
Ele assentiu, seu gesto rápido e firme, e me conduziu em direção à
porta dos fundos. Nos movemos com rapidez, quase deslizando entre
sombras e luzes, até alcançarmos a liberdade aparente do jardim.
O ar fresco da noite acariciou meu rosto, o cheiro de terra e folhas um
contraste agudo com o ar abafado do palácio. O vento era uma carícia
promissora na minha pele, uma doce expectativa que sussurrava
possibilidades de liberdade.
Por um momento, permiti-me acreditar que havia escapado, que as
muralhas opressoras do palácio estavam agora apenas no meu passado.
No entanto, a realidade do perigo ainda me cercava, e sabia que a
verdadeira liberdade ainda estava além do alcance, escondida atrás das
muralhas vigiadas que cercavam toda a propriedade.
Amir nos conduziu até o carrinho com caixas empilhadas. Eram
caixas enormes de papelão, e por um breve momento, a esperança acendeu
dentro de mim, uma luz tênue no fim de um túnel sombrio.
A ideia de liberdade estava tão próxima, tão palpável, que quase podia
tocá-la.
Pensamentos de reencontro com minha família e de um futuro seguro
para meu filho me enchiam de um desejo ardente de avançar.
Amir, com gestos precisos e silenciosos, levantou a tampa da maior
das caixas e me fez um sinal urgente para que eu entrasse.
Meu coração batia em um ritmo frenético, um eco do meu medo
misturado com a ansiedade pela fuga. Me agachei para entrar no esconderijo
improvisado, a respiração presa na garganta.
No entanto, antes que eu pudesse me ajustar dentro da caixa e cobrir-
me com a tampa, um movimento na periferia da minha visão congelou meu
sangue.
Uma sombra se estendeu pelo chão, crescendo e tomando forma
humana sob a fraca que partia de uma janela. Meus piores medos se
materializaram quando Faris emergiu das sombras do jardim, acompanhado
por dois guardas armados com rifles a postos, e um terceiro segurando Salma.
O tempo pareceu parar, e todo o ar foi sugado do ambiente.
A expressão de Faris era um misto de surpresa e fúria calculada,
enquanto seus olhos encontravam os meus. O choque de ser descoberta, o
terror de suas intenções e a súbita percepção da armadilha em que eu estava,
me paralisaram.
O mundo ao meu redor, antes cheio de possibilidades de fuga, agora
se fechava, implacável e frio.
CAPÍTULO 38
A realidade da minha situação caiu sobre mim como uma sentença
final, os segundos esticando-se em um tormento eterno enquanto esperava
seu próximo movimento.
O guarda que segurava Salma, apertava seu pulso com força
suficiente para deixar marcas na pele. O rosto dela estava lívido, os olhos
arregalados em um terror puro, enquanto lágrimas de desespero começavam a
se formar, prestes a escorrer por suas bochechas.
A cena me atingiu como um soco no estômago, congelando cada
músculo do meu corpo com um terror visceral.
Diante de mim, Faris se mantinha imponente, e terrivelmente calmo, a
ira em seus olhos brilhava com uma intensidade que era quase sobrenatural.
A expressão dele era de uma frieza implacável, um desdém cruel que o
tornava menos humano e mais um espectro de vingança. Seu silêncio era uma
ameaça velada de todas as atrocidades que ele poderia fazer comigo, Salma e
Amir.
Sem hesitar, ele puxou um punhal com um brilho sinistro de dentro de
sua túnica, o metal refletindo a luz mortiça do luar.
Meu coração parou quando ele se moveu na direção de Amir com
uma velocidade que desmentia sua calma exterior.
— Não! — Minha voz explodiu no ar, estridente e cheia de terror,
mas já era tarde.
Com um golpe rápido e brutal, a lâmina encontrou a garganta de
Amir, formando um corte reto de onde o sangue jorrou abundante, enquanto
o corpo dele caía no chão com um baque surdo, a vida deixando seus olhos
antes mesmo de seu corpo tocar o solo.
O grito que soltei ressoou pelo jardim, um som carregado de dor e
desespero que pareceu quebrar a noite ao meio.
Lágrimas quentes inundaram meu rosto enquanto eu caía de joelhos, o
impacto do terror à minha frente despedaçando qualquer resquício de
compostura que eu pudesse ter mantido.
— Seu monstro! — Gritei, sem conseguir olhar para Faris.
— É o que acontece com traidores! — Berrou ele.
Meu corpo tremia, tomado por uma vontade desesperada de fugir
daquela realidade macabra, mas eu estava paralisada, as pernas recusando-se
a obedecer.
Faris se virou lentamente para Salma, o punhal ainda pingando com o
sangue de Amir. A indiferença em seu olhar era mais assustadora do que
qualquer grito de raiva.
Sem pensar, levantei-me de supetão e me joguei na frente dele, as
palavras brotando em um fluxo atropelado enquanto a adrenalina e o pânico
tomavam conta de tudo em mim.
— Por favor, Faris, não! Salma não tem culpa de nada, por favor, não
faça isso com ela. Eu imploro, deixe-a viver! — Meu olhar encontrou o de
Faris e não consegui reconhecer o homem gentil e sensato por quem me
apaixonei.
Tudo o que eu enxergava nele era um monstro cruel e sem alma, um
assassino frio e impiedoso, capaz de tirar a vida de alguém que conhecia
desde a infância.
Faris me encarou durante um longo momento de silêncio, um olhar
assustadoramente frio, prolongado e calculista, que varria meu rosto banhado
de lágrimas.
— Eu não sei como as coisas funcionam no seu país, mas aqui não
aceitamos traidores! — Vociferou ele, seu semblante contraído emprestando-
lhe um aspecto monstruoso e assustador — Essa mulher vai morrer, para que
aprenda a nunca mais tramar pelas minhas costas!
Sob o domínio do guarda, Salma chorava desenfreadamente,
soluçando alto, pela morte do marido, pelo mesmo destino que a aguardava.
— Por favor, não faça isso! — Implorei, atalhando o caminho dele —
Não foi culpa dela, foi minha. Eu a convenci a me ajudar. Por favor, não faça
nada com ela.
Ignorando minhas palavras, Faris deu um passo na direção de Salma,
com o punhal ensanguentado erguido no ar. Percebi que ele não mudaria de
ideia, que pretendia realmente assassiná-la e foi então que me desesperei.
— Se você matá-la, eu vou me matar! — Gritei e finalmente ele
recuou, fitando-me com olhos espantados, e ao mesmo tempo aflitos — Estou
falando sério. Se você assassiná-la, vou dar um jeito de acabar com a minha
vida!
— Você não ousaria! — Grunhiu.
— Se duvida, é porque não me conhece nem um pouco! Eu me mato
se você fizer alguma coisa com ela, e você terá que lidar com isto pelo resto
da vida!
Faris permaneceu em silêncio durante um longo momento, seu olhar
analisando minha fisionomia. Até que por fim guardou o punhal, sua voz
grave e autoritária ressoando alta pelo jardim:
— Levem a empregada para uma cela e a deixem lá.
Em seguida, sua mão de aço se fechou em torno do meu braço e
puxou-me de volta para o interior do palácio.
Antes de entrar, lancei um último olhar para Salma, que chorava em
desespero, seu olhar fixo no corpo ensanguentado do marido no chão, uma
visão que partiu meu coração em um milhão de pedaços, a sensação de culpa
me espezinhando dolorosamente.
— Me perdoe, Salma! — Gritei, enquanto o monstro me arrastava em
direção à porta de entrada — Me perdoe! Eu não devia ter envolvido vocês
nisso! A culpa foi toda minha.
Continuei gritando, mesmo depois que Salma já não podia mais me
ouvir, enquanto era levada pelo labirinto de corredores do palácio. Ao
entrarmos em meu quarto, Faris puxou a burca da minha cabeça com um
supetão, atirando-a no chão com um gesto brusco.
A expressão furiosa com que ele me encarava me fez ter certeza de
que me mataria também, porém, eu morreria de cabeça erguida.
— Como se atreve a tramar pelas minhas costas, mulher?! — Gritou
ele, ferozmente.
— Eu não teria armado se você me permitisse ir embora daqui! —
Gritei de volta, no mesmo tom — Eu já deixe claro que não quero mais ficar
nesse maldito palácio! Você não tem o direito de me manter presa aqui!
— Tenho todo o direito! Não apenas de aprisioná-la, mas de fazer o
que eu bem quiser com você. Não sei se lembra-se, mas você me foi dada
como presente. Você pertence a mim, Lucy!
— Seu canalha!
— Cuidado com o que diz!
— Vai fazer o quê, cortar minha garganta como fez com Amir e quase
fez com Salma?!
— Se eu te quisesse morta, você já estaria!
— Seu covarde, filho da puta! — O ódio que me consumia era tão
intenso, tão cegante, que minha vontade era de avançar para cima daquele
maldito e esmurrá-lo até deixá-lo desfigurado — Quer dizer que toda aquela
conversa fiada de me deixar partir depois de convencermos Khalid era tudo
mentira?!
— Não era mentira. Eu continuo tendo a intenção de deixá-la partir.
Mas não agora. Você saberá quando o momento certo chegar.
— Mentiroso! Tudo o que sai da sua boca são mentiras e falsidades!
— Eu não tenho porque mentir. Você partirá quando eu decidir que é
o momento certo. Muito provavelmente quando eu precisar me casar.
— Acontece que eu não quero ficar aqui! Eu odeio esse lugar e odeio
você, seu monstro de merda!
Sem mais forças para continuar me controlando, avancei para cima
dele, cega de tanto ódio, esmurrando seu peito largo com meus punhos
cerrados, enquanto ele se esquivava.
— Pare com isso! — Berrou ele — Esse tipo de coisa não vai te levar
a nada.
Por fim, ele conseguiu imobilizar os meus pulsos, segurando-os com
uma única mão na frente do meu corpo.
— Aqui é o seu lugar. Acostume-se com isso — disse.
— Nunca! — Retruquei, puxando meus pulsos da sua mão e recuando
alguns passos. Relembrei a monstruosidade que ele cometeu, o corpo de
Amir ensanguentado no chão, os soluços desesperados de Salma e a
enxurrada de lágrimas recomeçou a desabar dos meus olhos,
desenfreadamente — Eu odeio você. Como foi capaz de cortar a garganta de
um homem que o viu crescer?! Como foi capaz de algo tão horrível?!
— Ele sabia o preço da traição e mesmo assim não hesitou em me
apunhalar pelas costas. Ele mesmo cavou sua morte.
— Seu psicopata do caralho!
— Lucy, cuidado com o que diz. Eu não quero perder a calma com
você.
— E vai fazer o que, me bater?!
— Não bato em mulheres.
— Você faz pior, Faris. Você está me mantendo presa aqui, sem que
minha família tenha notícias de mim. Isso é pior que me bater.
— Não. Isso não é pior que bater.
— Você pode até me negar minha liberdade, pode até continuar me
aprisionando, mas nunca mais, eu disse NUNCA MAIS, você tocará em um
só fio do meu cabelo. Vou passar os meus dias isolada neste quarto, para não
ter o desprazer de olhar na sua cara de novo!
Ele nem mesmo piscou, permaneceu impassível, com uma frieza
aterradora estampada no olhar, como se não sentisse absolutamente nada.
— Se é assim que quer, seu desejo será atendido. Não voltarei a
incomodá-la. Com licença — dito isto, ele deu meia volta e saiu, trancando a
porta pelo lado de fora.
Desolada, atirei-me de bruços na cama e chorei, desesperadamente,
como jamais tinha chorado na vida.
CAPÍTULO 39
Eu estava sozinha no bosque do jardim do palácio, que parecia
mórbido e silencioso sem a presença alegre de Salma. Me encontrava sentada
em uma toalha forrada no chão, com os joelhos apertados contra o peito,
envolta na burca que me protegia dos olhares indesejados, e me poupava de
ser incomodada por Faris.
Os últimos dias haviam sido um turbilhão de desolação e angústia,
marcados pela morte brutal de Amir e pela prisão de Salma.
Sentia-me inundada por uma culpa esmagadora, revivendo aqueles
momentos terríveis, vezes sem conta em minha mente. Parecia que aquilo
tinha acontecido ontem, e não cinco dias atrás.
O peso do terror e da culpa continuavam assolando-me cruelmente,
como um pesadelo assombroso e incessante.
Desde aquela tragédia, eu não tinha visto Faris, mas o sentimento de
estar sendo observada por ele nunca me deixava. Era como se seus olhos
estivessem presentes nas sombras, no sussurro do vento, em todos os lugares
à minha volta.
Por mais que tentasse, eu não conseguia apagar da memória a
atrocidade cometida por ele. Ainda podia ver claramente a crueldade e a
frieza estampadas em seu semblante, o último vestígio de vida no olhar de
Amir, o sangue no punhal com que Faris cortou sua garganta.
Os gritos desesperados de Salma ainda explodiam em meus ouvidos,
vívidos e claros, torturando-me assombrosamente.
Mesmo que eu vivesse cem anos, jamais me perdoaria por tê-los
convencido a me ajudar a fugir. Por minha causa, Amir havia perdido sua
vida e Salma, seu marido e sua liberdade.
Meus dedos apertavam o tecido áspero da burca, enquanto eu me
sentia depressiva, desolada, dominada por uma angústia sem fim, pela total
ausência de esperanças de um dia escapar daquele cativeiro.
Para meu completo desespero, meu filho teria que nascer ali, em meio
a uma cultura cruel, sob os domínios de um pai monstruoso, um assassino
frio e impiedoso, com um destino traçado, sem qualquer chance de escolha.
Minha barriga ainda não estava aparecendo, mas seria questão de
tempo até a protuberância se formar e Faris descobrir que teria um herdeiro.
Aí sim, ele nunca mais me deixaria ir embora daqui. Pelo menos não com o
meu filho nos braços.
Pressionei ainda mais o rosto contra os joelhos, lutando para controlar
um pranto que insistia em cair constantemente. Foi então que ouvi o farfalhar
das folhas secas arrastando-se com sons de passos se aproximando e levantei-
me com um sobressalto.
Precisei piscar os olhos várias vezes para me certificar de que não
estava tendo uma alucinação, quando vi o guarda uniformizado, armado com
uma metralhadora, surgindo do esconderijo atrás de uma árvore.
Meu primeiro pensamento foi que Faris o mataria, sem nenhuma
compaixão, se o flagrasse se aproximando de mim.
— O que você quer? O que veio fazer aqui? — Indaguei, falando
depressa, mal conseguindo respirar.
O guarda se aproximou cauteloso, olhando para os lados, quase como
se estivesse verificando a segurança do lugar. Era bastante jovem. Não tinha
mais que vinte e poucos anos.
— Não se assuste. Não vim te fazer mal. Só quero falar com você —
disse ele, com tom suave, em um inglês bastante precário.
Eu ainda o observava desconfiada, mas seu olhar parecia sincero. Ele
não tinha aquela expressão fria e calculista dos outros guardas. Mesmo assim,
não consegui evitar um arrepio.
— Você sabe que Faris vai te matar se te ver se aproximando de mim,
não é?
— Ele não vai descobrir. Esse é o único ponto do bosque onde não há
uma câmera de segurança.
— E o que você quer conversar comigo? — Perguntei, tentando soar
firme, mas o medo escapava em cada sílaba.
Ele respirou fundo antes de responder, como se estivesse tomando
coragem.
— Eu sei que você quer sair do palácio, e… eu posso te ajudar.
Meu coração quase parou. Aquela frase. Ela chegou aos meus ouvidos
como uma faísca de esperança, mas eu não podia me deixar levar pela
primeira promessa. Meus olhos o analisavam, tentando desvendar suas
intenções.
— E por que você faria isso? — Perguntei, desconfiada — Por que
arriscaria sua vida por mim?
Ele baixou a cabeça, como se relembrasse algo doloroso, e então
falou, com uma voz trêmula de emoção:
— Porque Amir era meu amigo. Um grande amigo. Eu vi o que Vossa
Alteza fez com ele. Não teve motivo algum… só crueldade. Ele nunca devia
ter morrido daquele jeito.
Ouvir o nome de Amir fez meu peito doer de novo. Aquela ferida que
eu tentava cicatrizar se abriu, e tive que morder o lábio para impedir as
lágrimas.
— Eu sinto tanto por ele… — Foi tudo que consegui murmurar.
— Eu também — respondeu o guarda.
Naquele momento, algo entre nós parecia real. Uma dor
compartilhada, uma dor que nos conectava.
— Mesmo sabendo que Amir foi assassinado porque tentou me ajudar
a fugir, você ainda quer se arriscar a ter o mesmo destino?
— Eu sei uma forma segura de sair daqui. Pode acreditar em mim.
— Como…? Que forma seria essa? — Indaguei, ainda receosa, mas
me permitindo alimentar a minúscula fagulha de esperança que se acendia em
meu peito.
— Você pode sair pelo portão da frente — ele disse — Durante a
madrugada. Estarei de plantão e posso te conseguir um uniforme de guarda.
Assim, você não será identificada nas câmeras.
Ouvir isso me deu uma pontada de alívio, mas a insegurança ainda
estava ali, me impedindo de aceitar totalmente.
— Isso seria loucura. O primeiro guarda que me ver vai saber que não
sou um de vocês.
— De madrugada eles já estão mais dormindo do que acordados.
Além disso, Vossa Alteza está em Dubai. Ninguém está em alerta no palácio
hoje. Quando perceberem sua ausência, você já estará longe.
Quanto mais ele falava, mais a esperança em meu peito se
intensificava.
— Será que isso daria certo?
— Daria, moça. Pode confiar em mim. Meu primo tem um carro, ele
vai ficar te esperando lá fora, na esquina. Você sai e ele te leva onde quiser.
— Qual o seu nome?
— Mohamed.
— E se alguém nos vir, Mohamed? E se Faris voltar? Você não tem
medo de arriscar sua vida?
— O sheik só voltará pela manhã. E não estou arriscando minha vida,
pois não seremos apanhados. E então, você topa?
Olhei para ele, tentando encontrar algum traço de traição, algo que me
dissesse que ele estava mentindo, que aquilo era uma armadilha. Mas tudo o
que vi foi sinceridade. Talvez fosse loucura, mas eu estava desesperada, e a
ideia de escapar, de levar meu filho para longe daquele monstro, era mais
forte que qualquer medo.
Essa podia ser minha última chance de sair daquele lugar. Eu
precisava tentar. Se o próprio guarda afirmava que sua vida não estaria em
risco, quem era eu para desacreditar?
— Eu topo. Quando podemos ir?
— Depois da meia-noite, quando as coisas estarão mais calmas.
— Vamos fazer isso então — murmurei, quase para mim mesma, mas
ele ouviu e assentiu com seriedade.
— O uniforme será levado ao seu quarto por uma empregada. Saia à
meia-noite, que vai ser quando estarei distraindo os guardas. Encontre-me
perto do portão sul. Estarei esperando.
Eu assenti, ainda incrédula com tudo aquilo, mas com o coração
acelerado, agora mais por esperança do que por terror.
— Obrigada — sussurrei, sentindo a emoção me tomar por um
instante — Obrigada, de verdade.
Ele apenas fez um leve aceno de cabeça e, em silêncio, foi embora
pelo mesmo caminho por onde veio, desaparecendo entre as árvores.
Fiquei ali, sozinha de novo, mas algo em mim tinha mudado. Eu
estava decidida. Teria que ser naquela noite.
CAPÍTULO 40
Eu estava sentada na beirada da cama, com a sensação de que o
coração ia saltar do peito a qualquer momento.
O uniforme de guarda, que uma das empregadas deixara para mim,
era desconfortável e um tanto pesado: uma túnica escura, folgada, de tecido
áspero e quente, e uma calça larga, presa por um cinto com pequenos bolsos.
Meus cabelos estavam presos firmemente em um coque na nuca,
camuflados sob um lenço escuro e um igal, o adorno tradicional usado por
todos os guardas. Era praticamente impossível que alguém me identificasse
como uma mulher vestida com aqueles trajes.
Enquanto esperava o relógio dar meia-noite, balançava o corpo para
frente e para trás, numa tentativa desesperada de acalmar os nervos.
Meus dedos apertavam o colchão com tanta força que as pontas já
estavam dormentes. Os segundo pareciam se arrastar, o tique-taque do
relógio ecoando como um trovão no quarto silencioso.
A cada batida do meu coração, o medo crescia, apoderando-se
cruelmente de mim. E se me pegassem? E se alguém aparecesse na porta
antes de eu sair? E, pior… e se descobrissem que Mohamed estava me
ajudando? Eu nem queria imaginar o que Faris faria com ele.
A imagem do corpo de Amir ensanguentado no chão, se formou na
minha mente, e sacudi a cabeça para afastá-la.
Por mais que o medo quase me paralisasse, eu sabia que essa seria
minha última chance. A última possibilidade de sair antes que Faris soubesse
sobre meu filho.
Minha mão instintivamente foi até minha barriga, onde eu ainda não
sentia nada, mas sabia que já existia vida. Uma vida que eu precisava
proteger.
Quando o ponteiro chegou no número doze, segurei a respiração. Era
agora.
Levantei-me, tentando ignorar o som pesado das botas contra o chão
de mármore. Abri a porta com cuidado, quase sem respirar, e dei o primeiro
passo para fora.
As paredes do corredor pareciam me observar, cúmplices silenciosas
da minha fuga. Em um segundo, minha mente criou mil maneiras de como
tudo poderia dar errado. Cada sombra, cada ruído, fazia minha pulsação
disparar.
Enquanto caminhava, o labirinto de corredores parecia mais sombrio
do que nunca. Eu me movia como um fantasma, me esgueirando nas paredes,
tentando não fazer o mínimo barulho.
Sabia que precisava encontrar o caminho exato, porque qualquer erro
poderia custar minha vida. O resultado das minhas outras tentativas de fuga
me fazia ter consciência do quanto era arriscado.
De repente, um ruído ecoou à frente, e meu corpo inteiro parou, como
se eu tivesse sido congelada pelo próprio medo.
Prendi a respiração, ouvindo passos que vinham de algum lugar perto
demais. Fiquei imóvel, quase me fundindo com a parede, enquanto esperava
que o som desaparecesse.
Quando os passos se afastaram, soltei o ar devagar, lutando para
acalmar o tremor que começava a tomar conta de mim.
Finalmente, cheguei ao ponto de encontro, o portão sul. Lá, numa
sombra discreta, estava Mohamed. Ele me viu e acenou levemente, o rosto
sério, mas determinado.
Senti um alívio tão grande que quase desabei ali mesmo. Ele olhou
para mim com uma expressão que misturava ansiedade e coragem, como se
tentasse me passar a confiança que eu tanto precisava.
— Está tudo bem, você conseguiu — ele sussurrou, sem sequer me
dar tempo de dizer qualquer coisa — Caminhe reta e segura, como se fosse
um homem. Agora, vamos. Não temos muito tempo.
Eu apenas assenti, tentando manter a compostura. Caminhei ao lado
dele, devagar e altivamente, encenando uma postura masculina, enquanto
meu olhar vasculhava os cantos, os movimentos das sombras.
Parecia que a qualquer segundo alguém saltaria de um canto escuro,
pronto para nos desmascarar.
— Mohamed… obrigada — murmurei, a voz quase sumindo, mas ele
apenas fez um sinal para que eu continuasse em silêncio.
Não era hora de agradecimentos, e ele estava certo. Teríamos tempo
para isso depois. Ou, pelo menos, eu esperava que tivéssemos.
Meu coração quase parou de bater quando nos deparamos com um
grupo de guardas pelo caminho, mas eles estavam tão entretidos com um jogo
de baralhos que não prestaram atenção em nós, de modo que conseguimos
passar sem nenhum problema.
Mohamed continuou me conduzindo, caminhando ao meu lado com
uma tranquilidade fabricada, me acompanhou até o portão principal, que dava
para a rua, seus movimentos calculados, seus passos silenciosos.
A tensão no ar era quase palpável, e eu não podia evitar olhar para
trás, como se temesse ver Faris se aproximando, com aquele olhar gélido e
cruel que eu tanto temia.
Ao chegarmos ao portão de saída, Mohamed parou, me encarando
uma última vez.
— Siga pela rua direto, e vire na próxima esquina. Meu primo estará
em um Sedan preto, grande — ele sussurrou, com uma voz quase paternal —
Tome cuidado, e não olhe para trás.
Eu queria dizer alguma coisa, qualquer coisa que expressasse o
quanto eu era grata, mas as palavras ficaram presas na garganta. Tudo o que
consegui foi um leve aceno de cabeça, e então me virei para o portão.
Assim que dei o primeiro passo para fora, o coração ainda acelerado,
senti uma onda de adrenalina que nunca havia sentido antes.
A rua à minha frente estava mergulhada numa penumbra profunda e
silenciosa. Eu dei os primeiros passos fora dos muros do palácio, sentindo o
chão sob as botas pesadas, como se estivesse pisando num território proibido.
Era uma sensação ao mesmo tempo libertadora e apavorante. A noite
parecia ter engolido todo o movimento e som, tudo estava
fantasmagoricamente calmo, como se o mundo estivesse me observando com
um olho vigilante e silencioso.
Caminhei pela rua escura, mantendo o olhar fixo no caminho à frente,
seguindo as instruções de Mohamed. Meu coração batia num ritmo frenético,
e a adrenalina era a única coisa que me mantinha firme.
O medo ainda estava ali, me sufocando a cada passo, mas algo dentro
de mim continuava empurrando meus pés para frente. Eu não ousava olhar
para trás.
Virei a esquina, como Mohamed havia dito, e então vi o Sedan preto,
grande, encostado junto ao meio-fio, com os faróis apagados, quase invisível
na escuridão.
Parei por um instante, hesitando. Havia algo de sinistro na forma
como o carro se fundia com as sombras da noite, mas o desespero em voltar
para casa me empurrava para frente. Eu precisava confiar. Essa era minha
única chance.
Me aproximei e abri a porta de trás, escorregando para o interior do
veículo. O ar lá dentro era abafado e pesado, e logo percebi os dois homens
sentados nos bancos da frente.
Se vestiam com trajes tipicamente árabes, e tinham uma expressão
dura e cansada no rosto, como se aquele fosse apenas mais um trabalho para
eles.
Assim que entrei, o homem sentado no banco do motorista ligou o
carro e partimos através da rua escura.
— Boa noite — murmurei, tentando soar confiante, embora minha
voz saísse trêmula.
Eles não responderam, trocando apenas um olhar rápido entre si. Algo
no jeito que os dois agiam me deixou desconfortável, o motorista disse algo
em árabe, com um tom ríspido e autoritário, e o outro riu, mas sem qualquer
traço de simpatia.
Eu não entendia o que estavam dizendo, e isso só aumentava a
sensação de que algo estava errado.
— Onde… para onde estamos indo? — Perguntei, esperando que ao
menos um deles entendesse o que eu dizia, mas não obtive resposta.
O homem no banco do passageiro virou-se para trás, me encarando
com um olhar sombrio e nada acolhedor. Ele murmurou algo que soava
impaciente e irritado.
Engoli em seco, e o medo começou a crescer dentro de mim. Queria
sair daquele carro, correr de volta para o palácio, mas era tarde demais. O
carro trafegava a uma velocidade cada vez mais alterada.
As luzes da cidade passavam por nós como um borrão, e me afundei
no banco, tentando controlar a respiração.
Aqueles homens eram grosseiros e pareciam se divertir com meu
evidente desconforto. Eu podia sentir o olhar deles em mim, mesmo enquanto
dirigiam, como se fossem lobos observando uma presa vulnerável.
Depois do que pareceu uma eternidade de curvas e ruas vazias, o
carro virou em uma rua ainda mais escura e deserta. Não havia casas, nem
comércios, apenas um silêncio sinistro, interrompido unicamente pelo som do
motor.
Meu coração afundou para o estômago ao ver dois carros de luxo
estacionados no fim da rua, à espera, quase como se tivessem planejado
aquele encontro.
Minha mente começou a gritar que algo estava terrivelmente errado,
mas antes que eu pudesse reagir, o carro parou bruscamente, e os dois
homens saíram, deixando-me ali dentro por um segundo que parecia infinito.
Em seguida, a porta ao meu lado se abriu com violência, e antes que
eu pudesse reagir, um deles me agarrou pelo braço, me puxando com
brutalidade. Tentei me desvencilhar, mas era inútil.
— Por favor, o que estão fazendo? — Minha voz saiu entrecortada
pelo pânico, mas os homens apenas esbravejaram algo que não entendi, e
logo eu estava sendo empurrada para dentro de um dos carros que nos
aguardava.
Quando ergui o rosto, meus olhos encontraram os de Khalid, e
congelei do mais absoluto horror. Ele estava sentado no banco de trás,
olhando para mim com uma expressão tão medonha e agressiva que me fazia
estremecer.
O pavor tomou conta de mim, e percebi que minha fuga havia sido
um jogo nas mãos deles desde o início, uma armadilha orquestrada por aquele
porco imundo, com o intuito de me apanhar.
Por Deus! Agora sim, eu estava perdida!
Impulsionada pelo instinto de sobrevivência, avancei rapidamente em
direção à porta ao meu lado, meus dedos ansiosos escorregando sobre a
superfície fria da maçaneta. Contudo, uma onda de desespero tomou conta de
mim ao constatar que estava trancada.
Nem sequer tive tempo de processar minha frustração, quando um
golpe brutal atingiu meu rosto. A mão de Khalid, dura como pedra, estalou
contra minha face, enviando um ardor agudo que reverberou até o cerne do
meu crânio.
— Prostituta burra! — Berrou ele, rispidamente, com um inglês
precário — Acha mesmo que pode escapar de mim?!
Por um breve instante, a escuridão me envolveu, e não tive certeza se
havia perdido a consciência. Quando voltei a mim, percebi que o carro já
estava em movimento, serpenteando pela rua deserta naquela madrugada
silenciosa.
A dor física do golpe se dissipou rapidamente, suplantada pelo pavor
que me invadia, gelando-me até os ossos, enquanto eu registrava o gosto
metálico do fio de sangue que escorria do meu nariz ferido.
— Por que está fazendo isso? O que pretende me sequestrando?! —
Indaguei, gelada de pânico.
— Estou corrigindo um grave erro que cometi ao entregá-la de
presente ao sheik. Ele merece uma mulher menos desbocada.
— Porra nenhuma! Você está é com seu ego frágil de macho escroto
ferido, pelo que eu disse naquela noite. Qual o problema, Khalid? Não
aguenta umas verdades proferidas por uma mulher?
— Depois que eu cortar essa sua língua afiada, você aprenderá a se
comportar como uma mulher verdadeira. Vou te deixar tão mansinha, tão
submissa, que você vai implorar para estar na minha cama só para não ter que
continuar no buraco onde vou te jogar.
As palavras dele, carregadas de uma ameaça gélida, apenas
aprofundaram o horror que já me dominava.
Eu estava presa nas garras daquele monstro, ciente de que não tinha
nenhuma esperança de escapar com vida. Mesmo que Faris descobrisse que
ele tinha me sequestrado, jamais arranjaria uma briga com seu precioso aliado
por minha causa. Não depois de eu tentar fugir mais uma vez.
Então, resignada ao meu destino, decidi que, se estava prestes a
morrer, o faria com dignidade.
— Esse é o único meio possível de uma mulher implorar por um
verme repugnante como você — disparei — Aposto que você amputa a
língua de todas as infelizes que caem nas suas mãos, para que elas não
possam expressar o que realmente pensam de um ser tão nojento e
desprezível.
— Vossa Alteza é um frouxo, por ainda não ter silenciado uma
insolente como você. Parece que terei que resolver isso pessoalmente —
ameaçou, com um sorriso cruel distorcendo seu rosto.
— Estou curiosa para ver a expressão dele quando descobrir que você
o chamou de frouxo — provoquei.
— Ele nunca saberá. Ainda não percebeu, sua vadia burra? Sua vida
acabou. Você nunca mais verá a luz do sol. Agora, cale-se, ou eu colocarei
uma bala em sua cabeça aqui e agora! — A ameaça veio carregada de um
veneno mortal, e a pistola que ele brandia reforçava suas palavras.
Tomada por um misto de prudência e terror absoluto, optei pelo
silêncio, enquanto o carro cortava as ruas de Fujairah, e a incerteza do meu
destino apenas ampliava a angústia que me consumia por dentro.
CAPÍTULO 41
Os primeiros raios do sol irrompiam no horizonte, tingindo o céu de
tons de laranja e rosa, quando o helicóptero pousou no heliponto da cobertura
do palácio em Fujairah.
A exaustão permeava cada fibra do meu ser após uma noite longa e
inquieta, durante a qual não conseguira fechar os olhos nem por um momento
sequer.
Desde a tarde anterior, encontrava-me em Dubai, participando de
reuniões consecutivas com os sheiks dos emirados vizinhos, buscando apoio
para resolver o problema que havia caído sobre meus ombros como uma
bomba.
Três dias atrás, um emissário do governo americano havia me
procurado urgentemente para discutir sobre Lucy. Segundo ele, Adam
Reynolds, o irmão dela, havia descoberto a nefasta rede de tráfico humano
operada pela City Ride e, consequentemente, o paradeiro da irmã gêmea.
O emissário veio com uma proposta clara: exigia a libertação imediata
de Lucy e seu subsequente transporte para os Estados Unidos.
O problema, era que eu ainda não estava pronto para abrir mão dela, e
tampouco sabia se algum dia estaria.
Eu vinha tentando me convencer, a todo custo, que minha relutância
em deixá-la partir se devia à constante vigilância de Khalid e sua ameaça à
nossa aliança. No entanto, a verdade era que eu estava obcecado por essa
mulher, e me recusava a seguir meu caminho sem ela.
Minha reunião com os líderes dos Emirados Árabes era uma busca
por uma solução que pudesse me permitir manter Lucy sob os meus
domínios, sem aborrecer o governo mais poderoso do planeta.
Meu principal argumento, era a ameaça que os fins dos laços com
Khalid representava para a economia de Fujairah, mas no fundo do meu
coração eu sabia que essa não era a verdade.
Eu queria Lucy, queria tê-la por mais tempo, pois aqueles meses não
foram, nem de longe, suficientes para viver esse sentimento louco que eu
nutria por ela.
Apesar de ela estar me odiando nesse momento, pelo que fiz a Amir,
eu sabia que um dia ela me perdoaria, pois sentia a mesma paixão por mim.
Acometido pelo peso das responsabilidades e pela exaustão, mal
reparei nos olhares de reverência que os súditos e conselheiros me lançavam
ao passar pelos amplos corredores de mármore do palácio, seguido por dois
seguranças.
Homens, mulheres, todos inclinavam levemente a cabeça em sinal de
respeito, sussurrando cumprimentos, que eu respondia com um aceno breve,
sem diminuir o passo.
Estava exausto, e o único pensamento que conseguia manter fixo era
o de um banho quente e algumas horas de sono. Precisava apagar da mente a
reunião com os sheiks, a tensão com os americanos, Khalid, a maldita City
Ride… Lucy. A imagem dela me perturbava como um fantasma que se
recusava a deixar-me em paz.
Sentia seu perfume imaginário no ar, uma miragem que alimentava
minha obsessão.
Já me aproximava da porta da minha suíte, sentindo o alívio de estar
finalmente perto do meu santuário privado, quando uma criada apareceu no
corredor.
Eu a vi hesitar antes de se aproximar, como se não quisesse me
interromper, mas a postura rígida e respeitosa dela mostrava que não ousaria
se aproximar sem motivo.
— Senhor… com licença — ela disse, a voz sussurrada, como se
temesse minha reação.
Franzi o cenho, já impaciente. Queria mandá-la embora e entrar no
meu quarto, mas havia algo em seu olhar que me fez parar.
— O que foi? Fale logo. Estou exausto — resmunguei, sentindo o
peso da irritação se acumular.
— É sobre Lucy... — A voz dela tremeu, e vi o medo refletido em
seus olhos, que hesitavam em me encarar. O corpo curvado em uma postura
de respeito só intensificava a gravidade do que estava por vir — Ela... não
está em seu quarto. A cama ainda está arrumada, como se ela não tivesse
passado a noite lá.
Aquilo foi como um soco brutal no estômago, cortando minha
respiração. Senti o mundo parar, as palavras dela ecoando como uma
sentença implacável.
Por um instante, fiquei paralisado, preso entre o choque e a
incredulidade, incapaz de processar o que acabara de ouvir. Então, uma onda
violenta de desespero e raiva se acendeu em mim, um fogo que ameaçava
consumir tudo ao redor.
— Tem certeza do que está dizendo? — Indaguei, incrédulo.
— Sim, alteza.
Como assim Lucy não estava em seu quarto? Eu havia tomado todas
as precauções, colocado homens de confiança para vigiá-la. Como isso era
possível?
Cada fibra do meu ser rejeitava a ideia de que ela pudesse estar fora
do meu alcance, mas o pânico se infiltrava em mim, pulsando nas veias,
espalhando-se como veneno.
A possibilidade de perdê-la, realmente perdê-la, me atingiu com a
força de uma lâmina gelada cravada no peito.
— Onde diabos ela está? — A pergunta saiu como um rugido, rouca e
afiada.
Tentei conter o tom de voz, mas a tensão era quase insuportável.
A empregada recuou, visivelmente apavorada, engolindo em seco
antes de responder. — Eu... eu não sei, senhor. Ontem à noite, antes de ir
dormir, eu estive com ela. Ela estava no quarto. Depois disso, ninguém a viu.
Eu mesma chequei o quarto, e parece que ela não dormiu lá.
Respirei fundo, mas o ar parecia rarefeito, incapaz de preencher os
pulmões que queimavam com a necessidade de agir. Lucy havia fugido.
Fugido de mim. A dor dessa ideia me rasgava por dentro, como se cada
pedaço da minha obsessão estivesse sendo arrancado.
E se ela fugiu, alguém dentro do meu palácio foi cúmplice. Alguém
teve a audácia de trair-me, de roubar de mim a única mulher por quem eu
ansiava desesperadamente, com uma intensidade quase insuportável.
A raiva e a frustração ferviam em minhas entranhas, uma fúria que
crescia, impossível de ser contida. Eu não descansaria, não permitiria que
nada me detivesse. Se alguém a ajudou, esse alguém pagaria caro.
Eu iria até o inferno, se fosse necessário, para trazê-la de volta. Lucy
era minha. E nada, nem traição, nem fuga, nem qualquer outro obstáculo, me
impediria de tê-la novamente em meus braços.
— Mobilizem todo o palácio! — Ordenei, minha voz reverberando
pelos corredores, chamando a atenção de todos que se encontravam por perto
— Quero todos os guardas, criados, conselheiros, qualquer um que possa
saber de algo. E traga meu irmão, Rami. Preciso dele agora.
Em poucos minutos, o palácio estava em um frenesi. Guardas corriam
pelos corredores, murmurando ordens e revirando cada canto, enquanto os
conselheiros se reuniam às pressas no meu escritório, esperando por novas
instruções.
Senti uma mistura de desespero e raiva fervendo em mim, uma
sensação que só aumentava com o passar dos minutos. Lucy havia escapado,
e eu não suportava a ideia de que ela estivesse longe, fora do meu controle.
Eu estava no escritório, reunido com os conselheiros que, como
sempre, não resolviam nada, quando Rami chegou, com o rosto preocupado e
uma postura alerta.
— O que está acontecendo, Faris? — Ele perguntou, ao se aproximar
da mesa na cabeceira da qual eu me encontrava sentado.
— Lucy fugiu. E foi ajudada por alguém de dentro — respondi, entre
os dentes, sentindo o peso de cada palavra — Quero que descubra quem foi.
E quero que descubra agora.
— Como sabe que ela teve ajuda?
— Porque é impossível sair deste palácio sem ajuda!
— O que vocês descobriram até agora?
— Nada. Os guardas alegam não terem visto nada, mas sei que algum
deles está envolvido. Nesse momento, são poucas as pessoas em que posso
confiar, e você é uma dessas pessoas.
— O que posso fazer?
— Me ajude a checar as imagens das câmeras internas. Fale com o
departamento de trânsito. Quero as imagens de todas, eu disse TODAS, as
câmeras de trânsito pelos arredores do palácio. Ela não saiu daqui voando.
Deve ter sido filmada em algum lugar.
Rami fez um instante de silêncio, observando-me como se hesitasse
em falar.
— Meu irmão... será que já não está na hora de deixá-la partir?
— Claro que não! — Vociferei mais alto do que pretendia — Será
que você não percebe que Khalid vai nos arruinar se souber que ela se foi?
Ele está só esperando o momento certo, a oportunidade certa, para agir.
Rami inclinou-se na minha direção, colocando-se mais próximo a
mim. Quando voltou a falar, sua voz estava sussurrada.
— Faris... Você pode usar esse argumento com os sheiks dos outros
emirados, para convencê-los a enfrentar o governo americano exigindo que
Lucy fique aqui. Mas a mim você não precisa tentar enganar. Eu sei que você
está se fodendo pra Khalid. Sei que quer Lucy aqui porque é obcecado por
ela. Você é louco por essa mulher, assim como ela é louca por você. Só que,
você não poderá impedi-la, se ela quiser realmente partir.
— Eu não sei do que você está falando. Só quero mantê-la aqui até
convencer Khalid de que sou cúmplice dele. É só isso e nada mais. E então
vai me ajudar, ou não?
— Vou ajudar, mas nem pense que me engana. Vou ajudar porque
quero ter certeza de que Lucy está bem, e porque quero saber quem está nos
traindo. Vou agora mesmo falar com o departamento de trânsito.
— Faça isto, e obrigado.
Meu irmão sempre fora astuto, sabia lidar com crises, e a situação
dessa vez era pessoal demais para mim. Sentia que perderia o controle a
qualquer momento. Com ele à frente, eu sabia que Lucy seria localizada antes
que tivesse tempo de entrar em um avião e voltar para o seu país.
CAPÍTULO 42
A aflição me consumia por inteiro, enquanto o palácio se
transformava em um caos organizado. Guardas corriam pelos corredores,
trocando ordens entre murmúrios e olhares assustados.
As paredes, que sempre me pareciam sólidas e imponentes, agora
pareciam estreitas, como se quisessem me sufocar.
O ar estava denso com o peso da urgência. A ausência de Lucy era um
buraco que corroía tudo ao redor, um vazio inaceitável. Eu me sentia como se
estivesse desmoronando.
Por horas, ficamos revirando o palácio, interrogando os guardas, os
criados, examinando os registros, os corredores, buscando a mínima pista.
Eu estava exausto, uma exaustão que era quase uma dor física depois
de uma noite sem descanso, e agora essa tensão brutal. Meu corpo e minha
mente pareciam à beira de um colapso, mas eu não tinha o luxo de parar.
Precisava encontrá-la, trazê-la de volta.
Rami estava ao meu lado o tempo todo, incansável, me ajudando a
coordenar a busca, mas os minutos passavam, se acumulavam numa angústia
crescente.
Minha preocupação transformava-se em um desespero insuportável:
se Lucy saísse do país, se conseguisse chegar a algum ponto de fuga, se
escapasse para sempre…
Eu nunca deixaria isso acontecer.
Finalmente, depois de horas de busca, Rami entrou no escritório, com
os olhos tensos, mas com um brilho de descoberta. Ele segurava uma pilha de
documentos e tinha uma expressão que misturava ansiedade e raiva contida.
— Faris, encontramos imagens de Lucy — ele disse, direto, sem
rodeios. O alívio que senti foi quase instantâneo, mas a tensão no rosto dele
rapidamente me alertou de que as notícias não eram exatamente boas — Ela
foi vista durante a madrugada, perto do palácio. Conseguiu sair vestida como
um de nossos guardas.
Senti meu sangue ferver, e as imagens de como aquilo aconteceu
começaram a me torturar.
Rami colocou as imagens de câmeras de segurança na tela do laptop à
minha frente. Vi Lucy, em um uniforme de guarda, entrando em um sedã
preto. Meus olhos queimavam de raiva. O carro seguiu pelas ruas de Fujairah,
e eu acompanhei o trajeto, já antecipando o pior. Rami continuou a explicar,
com a voz seca e controlada:
— Conseguimos rastrear o carro até um ponto mais afastado. Olhe
aqui — Ele mostrou outra imagem, de uma câmera pública na rua — O sedã
parou próximo a duas limusines pretas — Ele fez uma pausa, como se
quisesse me preparar para o que estava prestes a dizer — Lucy foi forçada a
sair do sedã e empurrada para dentro de uma das limusines.
Aproximei o rosto da tela, forçando os olhos a ver os detalhes, mas as
limusines tinham parado estrategicamente em um local escuro, as imagens
eram borrões.
— Conseguiu identificar o proprietário desses veículos? — Indaguei,
em completo alerta.
— Sim. As localizei em outras imagens e pesquisei as placas — ele
fez uma pausa, como se hesitasse — São de Khalid.
Processei a informação e meu peito explodiu em uma mistura de ódio
e terror absoluto. Meu corpo inteiro ficou tenso, os punhos cerrados com
tanta força que as juntas doíam.
Era como se o chão tivesse sumido sob meus pés, e eu estivesse
caindo em um abismo profundo e escuro.
Khalid a tinha. Khalid estava com Lucy, e eu sabia que ele a
machucaria, que a torturaria, violaria e depois assassinaria. Tudo por causa
das ofensas que ouviu da boca dela na noite em que jantou aqui, por perceber
que eu me importava com ela e o quanto feri-la me atingiria.
Ele queria uma guerra, portanto, a teria.
Eu me levantei, derrubando a cadeira atrás de mim, e olhei para Rami,
que me observava com uma mistura de apreensão e pena.
— Eu não vou deixá-lo tocar um dedo nela — rugi, com uma fúria
que mal conseguia conter — Vamos convocar as forças armadas. Vou invadir
a casa daquele patife e destruí-lo.
Rami, visivelmente abalado com minha reação, levantou-se e tentou,
mesmo hesitante, argumentar:
— Faris, escute… sei que está furioso, mas estamos falando de
Khalid. Invadir a fortaleza dele poderia resultar em uma guerra. E você sabe
o que isso pode significar para Fujairah, para a nossa estabilidade, nossa
economia. Por favor, respire um pouco. Precisamos de estratégia.
— Estratégia? Estratégia é ir direto e quebrar aquele desgraçado com
minhas próprias mãos! — A minha voz ecoou no ambiente.
— Por favor, acalme-se. Vamos pensar em um plano de ataque. Não
podemos resolver as coisas assim de cabeça quente.
— Não posso esperar. Não suporto nem imaginar o que aquele
maldito pode fazer com Lucy.
Uma enxurrada de pensamentos terríveis inundou minha mente,
provocando um tremor em meu corpo, e balancei a cabeça, me apressando
em afastá-los. Eu não podia me deixar dominar pelo desespero agora.
Precisava dar um jeito de resgatar Lucy das mãos daquele crápula, em
segurança, antes que fosse tarde.
— Vamos atacá-lo com tudo o que temos. Convoque as forças
armadas nacionais. Isso será uma guerra. Chegou a hora de apagar a dinastia
de Khalid da face dos Emirados Árabes — disparei.
Rami deu um passo para trás, reconhecendo minha decisão no meu
olhar. Eu não iria desistir. Ele suspirou, mas continuou:
— Ir direto pode ser exatamente o que Khalid espera. Ele pode estar
usando Lucy como isca para provocar você e arruinar a nossa segurança. É
tudo que ele sempre quis. Ele tem cúmplices aqui dentro, os mesmos que
ajudaram Lucy a sair. E se ele tiver informações confidenciais sobre o
palácio, Faris? Pode ser um desastre.
— Um desastre seria eu ficar parado, assistindo enquanto ele faz
sabe-se lá o quê com ela! — Minha voz era um trovão no escritório, e o rosto
de Rami ficou sério, sabendo que não havia mais como me convencer.
Lucy era a única coisa que importava agora, e eu estava disposto a
tudo.
— Preparem os homens! — Gritei para os conselheiros, que haviam
se amontoado na sala, esperando por ordens. — Quero todos prontos em uma
hora, inclusive as forças armadas. Vamos invadir o covil de Khalid e trazer
Lucy de volta.
Os conselheiros assentiram, obedientes, mas havia um brilho de medo
em seus olhos, pois todos sabiam o quanto a organização de Khalid era
grandiosa e poderosa. Mas eu não me importava. Que temessem. Aquele rato
estava com Lucy, e por isso teria seu império reduzido a cinzas.
A adrenalina me consumia, e eu estava preparado para sacrificar tudo,
inclusive o emirado, inclusive minha reputação, para tê-la de volta.
— E encontrem o traidor que ajudou Lucy a sair daqui. Darei um
milhão de Dirham para quem me trouxer a identidade dele.
Uma enxurrada de vozes sussurradas explodiu na sala, em reação à
minha oferta. Eu podia apostar que em menos de uma hora saberia quem
tinha me apunhalado pelas costas.
— Faris… — Rami começou, mais uma vez hesitando, mas eu não
queria ouvir mais. Não agora.
Coloquei a mão no ombro dele, firme, olhando diretamente em seus
olhos, para que ele entendesse a extensão da minha decisão.
— Não me peça para ficar parado, Rami. Não agora. Não depois de
tudo. Eu vou até o fim por Lucy, e se Khalid pretende me desafiar, que
venha. Vamos ver quem sobrevive.
Rami abaixou a cabeça, em sinal de respeito e resignação. Ele sabia
que eu não voltaria atrás. Ele sabia que essa era uma batalha pessoal, mais
profunda do que qualquer rivalidade entre organizações.
Lucy era minha obsessão, minha fraqueza e minha força, e eu não
permitiria que Khalid a tomasse de mim.
— Então vamos trazê-la de volta — ele disse, finalmente cedendo,
com uma determinação que espelhava a minha — Não importa o que
aconteça.
Assenti, e um silêncio denso caiu entre nós, cheio de tensão e de
promessas não ditas. Eu estava preparado para o pior.
CAPÍTULO 43
Eu havia perdido completamente a noção do tempo que estava ali,
com meus pulsos algemados e presos à coluna de uma cama por uma corrente
comprida.
Encontrava-me no mesmo palácio de onde havia despertado após ser
sequestrada, o palácio de Khalid. Desta vez, porém, fui confinada em uma
suíte espaçosa, dividida em três ambientes, incluindo um quarto opulento.
Logo após minha chegada, duas mulheres apareceram para preparar-
me. Elas me banharam, lavaram meus cabelos, me maquiaram e vestiram-me
com trajes típicos de odalisca.
Tentei dialogar com elas, implorar por socorro, mas só recebia
respostas em árabe, com um tom áspero que refletia sua indiferença.
Não precisava de grandes reflexões para entender o propósito de toda
essa preparação. Era evidente que Khalid poderia entrar naquele quarto a
qualquer momento com intenções de me violar. Contudo, ele teria que me
matar se quisesse tocar um só dedo em mim.
Os minutos se arrastavam de maneira torturante. Apesar do meu firme
propósito de enfrentar aquele verme desprezível, um medo intenso e
avassalador dominava meu ser, gelando-me até a alma, recusando-se a me
deixar.
Se de uma coisa eu tinha certeza, era que minha vida acabaria ali,
entre as paredes ricamente decoradas daquele quarto, sem que ninguém
pudesse me socorrer.
Maldita hora em que fui confiar naquela guarda! Eu devia ter
imaginado que um homem pertencente a uma cultura que inferioriza tanto as
mulheres, jamais ajudaria alguém que era denominada de concubina.
Passei o dia inteiro sem comer nada e sem beber água, o que me fez
sentir muita pena do meu bebê. Como se não bastasse que sua vida estivesse
prestes a terminar, mesmo tendo acabado de começar, meu pequenino ainda
tinha que passar fome e sede.
Busquei em cada canto de minha alma alguma força para enfrentar o
destino cruel que me aguardava, mas toda a energia havia se esvaído.
Cansada e enfraquecida, rendi-me ao desespero e recolhi-me a um canto do
chão frio, resignada, aguardando o fim que parecia inevitável.
A escuridão da noite já se fazia completa quando um estrondo
violento irrompeu do lado de fora. Foi um impacto tão poderoso que o chão
sob mim estremeceu. Ergui-me num sobressalto, instintivamente buscando
compreender o que ocorria.
Pelo estreito vão entre as cortinas da janela de vidro, avistei o clarão
de uma explosão. Em seguida, o ambiente foi invadido por uma cacofonia de
tiros de metralhadora, gritos desesperados e o retumbar de outras armas, uma
mistura ensurdecedora que anunciava um caos iminente.
Por Deus! O que estava acontecendo? Um meteoro caiu em
Fujairah? Alguém estava invadindo o palácio?
A visão de Faris vindo ao meu resgate formou-se em minha mente,
mas recusei-me a acreditar que ele realmente apareceria, especialmente após
descobrir minha tentativa de fuga.
Além disso, era impensável que ele rompesse sua bizarra aliança com
a organização de Khalid por minha causa.
Enquanto o caos reinava lá fora, com gritos, tiros e explosões ecoando
sem cessar, um pânico avassalador tomou conta de mim. A qualquer
momento aquele monstro, ou outro qualquer, poderia entrar no quarto para
me executar.
Fugir seria impossível, as algemas em meus pulsos eram resistentes e
estavam bem trancadas.
Após uma espera que me pareceu uma eternidade, a porta do quarto
foi aberta bruscamente com um baque violento, e a figura ameaçadora de
Khalid materializou-se diante de mim.
Ele estava visivelmente ferido, com marcas de tiros no ombro e um
corte no rosto, de onde o sangue jorrava copiosamente.
Apesar de seus ferimentos, Khalid ainda conseguia segurar uma
metralhadora, apontando-a diretamente para mim.
— Morra, vadia! — Ele gritou.
Eu apenas fechei os olhos, encolhendo-me contra a parede, esperando
pelos tiros que encerrariam minha vida, enquanto meu coração batia
descontroladamente.
No entanto, os disparos que ouvi provinham de mais longe e não eram
de uma metralhadora, mas sim de um revólver. Foram apenas dois tiros, cujos
estampidos ressoaram secos e ensurdecedores, enquanto o cheiro de pólvora
invadia o ambiente.
Enquanto tentava discernir se ainda estava viva, abri os olhos
lentamente e mal pude acreditar na cena diante de mim. Khalid caía ao chão,
seus olhos arregalados ainda exibindo um brilho de incredulidade enquanto a
vida o abandonava.
Atrás dele, empunhando uma pistola, estava Faris, visivelmente
ferido, com sangue escorrendo de um ferimento no braço, seu rosto e suas
roupas salpicados de sangue.
Não soube ao certo o que me levou a desabar em lágrimas
incontroláveis naquele momento, o horror de tudo o que havia acontecido,
ver Faris ferido, ou a compreensão de que ele tinha vindo ao meu resgate.
Minhas costas deslizaram lentamente na parede, até que eu estivesse
sentada no chão, as lágrimas inundando meu rosto sem aviso, enquanto meu
corpo inteiro tremia, o coração batendo descontrolado.
— Você está bem? — Perguntou Faris, preocupado. Ele guardou a
pistola no bolso de sua túnica e correu até mim, agachando-se para ficar ao
meu nível — Está ferida?
— Eu... não estou ferida — consegui responder, minha voz tão
trêmula quanto meus membros.
Faris me segurou pelos ombros e me ajudou a levantar, mantendo seu
olhar preocupado fixo em meu rosto.
— Você tem certeza de que não está machucada? — Insistiu.
— Não... Mas você está — apontei para o ferimento em seu braço.
— Isso é só um arranhão. Nada de mais.
Com movimentos rápidos, Faris se abaixou ao lado do corpo de
Khalid, retirou um molho de chaves preso ao cinto dele e usou uma delas
para abrir as algemas, libertando meus pulsos.
— Você... — um soluço interrompeu minha fala, enquanto as
lágrimas transbordavam dos meus olhos — Você veio me resgatar.
— E como eu poderia não vir? Você é a minha vida. Quase
enlouqueci quando soube que esse canalha tinha te capturado — Faris me
puxou para mais perto e me abraçou com tanta força que por um momento
me faltou ar — Mas agora vai ficar tudo bem. Vou te tirar daqui em
segurança.
— Eu... Eu sinto muito por ter tentado fugir... Sinto tanto.
— Conversaremos sobre isso depois. Agora acalme-se — disse Faris,
tentando tranquilizar-me.
Nesse momento, ouvimos passos rápidos adentrando o quarto.
Viramo-nos ao mesmo tempo, e Faris instintivamente levou a mão à arma
escondida sob sua túnica. Mas não houve necessidade de usá-la, pois era
Rami quem entrava.
— Ah, você a encontrou. Que alívio — falou ele, ofegante — Ele está
morto? — Completou, observando o corpo de Khalid se esvaindo em sangue
no chão.
Rami segurava uma pistola e tinha uma metralhadora pendurada no
corpo. Não parecia ferido, mas sua túnica estava manchada com sangue
alheio.
— Acho que agora está — Faris abaixou-se e checou a pulsação de
Khalid — Finalmente morreu — anunciou com a naturalidade de quem
anunciava a chegada de uma visita — Como estão as coisas lá fora? —
Perguntou, ainda em inglês.
— Melhores do que o esperado. Khalid foi pego de surpresa, acho que
ele não imaginava que enfrentaria um contra-ataque. Mas... — Rami hesitou,
sua expressão carregada de preocupação.
— Mas o quê? — Pressionou Faris.
— Um dos nossos capturou uma conversa do irmão de Khalid,
chamando reforços de seus parentes no Iêmen e em Israel. Quando eles
chegarem, o exército deles será grande e forte.
Faris me olhou com uma angústia profunda estampada em seus olhos.
Ele voltou a falar com Rami em árabe, e eu apenas consegui captar algumas
palavras soltas.
Após uma breve troca de palavras, Rami saiu apressado, enquanto
Faris tirava sua túnica ensanguentada e a vestia em mim. Em seguida, ele
segurou firme minha mão, guiando-me para fora do quarto.
— Vamos, vou tirar você daqui — disse ele, e eu o segui sem hesitar.
Do lado de fora do quarto, dois homens armados, seguranças de Faris,
nos esperavam. Eles nos acompanharam enquanto atravessávamos o vasto
palácio.
Os corredores que percorríamos mais pareciam cenas de um filme de
terror, com corpos espalhados por todos os lados, homens e mulheres, todos
sem vida, ensanguentados, atingidos por disparos.
Lá fora, três carros grandes nos aguardavam. Nós entramos no carro
do meio, e imediatamente o motorista deu partida. Enquanto percorríamos as
ruas escuras de Fujairah, os outros dois carros nos escoltavam, um à frente e
outro atrás.
CAPÍTULO 44
Durante o trajeto, Faris fez várias ligações no celular, falando em
árabe. Eu captava apenas algumas palavras, fragmentos que havia aprendido
ao longo dos meses vivendo em Fujairah. Entre elas, a palavra "avião".
— Eu sinto muito por ter causado tudo isso — murmurei, quando ele
terminou a última chamada.
E era verdade. Eu realmente sentia. Arrependia-me profundamente de
ter aceitado a ajuda daquele guarda. Pelo que compreendi, minha escolha
parecia ter desencadeado uma disputa feroz entre Faris e a organização de
Khalid.
Não suportava imaginar algo de ruim acontecendo a Faris. Eu o
amava, perdidamente. Não restava mais nenhuma dúvida disso, embora ainda
me pesasse a ideia de ver meu filho nascer e crescer naquela terra tão
opressiva e cheia de perigos.
— Agora é tarde para arrependimentos. Tudo o que podia dar errado
já deu — ele falou, com firmeza.
— Eu não imaginava que o guarda que me ofereceu ajuda era um
espião de Khalid.
— Isso não importa mais. Ele e a empregada que o ajudou já foram
punidos. Ambos estão mortos.
Suas palavras me gelaram por dentro. Por mais que a morte fosse
quase banalizada naquele lugar, eu jamais conseguiria me acostumar com o
quão fácil era tirar uma vida ali.
— Você não devia ter vindo me resgatar. Agora a organização de
Khalid vai atormentar seu emirado.
Faris esboçou um sorriso amargo, um gesto que não alcançou seus
olhos.
— Não, Lucy. Eles não vão apenas perturbar meu emirado, eles vão
declarar guerra contra mim. Uma grande guerra está prestes a começar aqui.
— Sinto tanto — sussurrei, a voz trêmula.
— Não se culpe. Um dia isso teria que acontecer. Os Emirados
Árabes não podiam permanecer reféns de um bandido como Khalid. Você foi
apenas o estopim para algo inevitável.
O rosto dele contraiu-se levemente numa expressão de dor enquanto
levava a mão ao ferimento no braço, onde o sangue continuava a escorrer.
— Você precisa ir a um hospital — sugeri.
— Não preciso. Vou ficar bem.
— Faris, você precisa de pontos, talvez até de uma remoção da bala,
se estiver alojada.
— A bala atravessou meu braço. Não há nada alojado.
— Mesmo assim, precisa estancar o sangue. Vou fazer um torniquete
enquanto chegamos ao palácio.
Com cuidado, retirei o igal que prendia o lenço branco à sua cabeça e
o amarrei firmemente em seu braço, acima do ferimento, próximo ao ombro.
O rosto de Faris estava pálido, quase cinzento, enquanto eu ajustava o
torniquete improvisado.
Sua expressão era de aço, determinada, mas não consegui ignorar as
pálpebras pesadas e sua respiração irregular.
A dor que ele sentia era evidente nas linhas de tensão em seu rosto,
mesmo que ele, teimosamente, tentasse ocultá-la.
— Você está perdendo sangue... precisa de ajuda, por favor — pedi, a
voz fraquejando.
— Estou bem — respondeu, obstinado, como se pudesse ordenar a
própria dor — Só me deixe descansar por alguns minutos. Já estamos
chegando.
Caímos em silêncio, a limusine cruzando as ruas de Fujairah enquanto
eu o observava, inquieta, procurando qualquer sinal de que ele pudesse
desmaiar a qualquer instante. Um aperto de culpa fazia meu coração pulsar
rápido e pesado.
De repente, percebi a limusine saindo da autoestrada, entrando em
uma estrada estreita e escura, ladeada apenas pela vegetação escassa do
deserto. Olhei para Faris, confusa.
— Onde estamos indo? Esse não é o caminho do palácio.
Ele respirou fundo, os olhos fechados por um momento, como se a
própria resposta lhe custasse mais do que podia suportar.
— Não estamos indo para o palácio — ele disse, finalmente, com um
tom tenso e sombrio — Não posso mais manter você em Fujairah. Uma
guerra vai começar e não é seguro — ele fez uma pausa, olhando para mim
com uma mistura de dor e paixão que me desarmou — Eu não posso permitir
que você esteja em perigo.
Meu coração deu um salto, uma emoção violenta me atingiu, fazendo
com que meus olhos se enchessem de lágrimas. Eu o encarava, incrédula,
tentando entender as implicações do que ele dizia.
— O que você… o que você quer dizer com isso? — Minha voz saiu
trêmula.
Faris segurou minha mão, apertando-a com firmeza, embora eu
pudesse sentir o quanto o esforço estava lhe custando.
— Lucy… aquele avião — ele apontou com a cabeça para uma pista
de pouso, ao longe, na direção da qual seguíamos, onde um avião de grande
porte repousava sob as luzes tênues do aeroporto particular — Está preparado
para te levar de volta para os Estados Unidos. Eu quero que você vá, quero
que esteja segura, longe de tudo isso.
Meu mundo desmoronou com aquelas palavras. A mistura de dor e
confusão me invadiu de forma profunda e cortante, como se algo estivesse
sendo arrancado de dentro de mim. As lágrimas voltaram a escorrer, sem que
eu conseguisse contê-las.
Por mais que eu quisesse voltar para casa, por mais que ter meu filho
longe daquele mundo tão cruel fosse o certo a ser feito — algo pelo que eu
vinha lutando incansavelmente —, a ideia de deixar Faris, de partir sem ele,
de repente se tornou mais devastadora do que eu poderia suportar.
Eu o amava, desesperadamente, e naquele instante sentia como se o
estivesse perdendo para sempre.
— Faris… — sussurrei, com a voz embargada — Eu... eu... não sei o
que dizer.
— Estou te libertando, como você tanto queria, Lucy — ele balançou
a cabeça, com uma expressão amarga, a dor estampada em seus olhos — Não
há nada que eu queira mais do que ter você ao meu lado, mas preciso te
proteger. Uma guerra está a caminho, e eu não posso arriscar sua vida.
— E quanto a você? Como...? O que vai acontecer?
— Eu vou ficar bem — ele respondeu, mas o desespero em seu olhar
partiu meu coração.
Eu sabia que ele não ficaria bem. Embora Khalid estivesse morto, a
organização dele reuniria forças para tentar derrotar Faris.
— Venha comigo — falei, suplicante — Por favor, embarque naquele
avião comigo. Venha para os Estados Unidos. Eu te amo, loucamente. Venha
viver esse amor comigo.
Um leve sorriso esboçou-se no canto de sua boca, embora seu rosto
continuasse marcado pela dor e pela aflição.
— Eu não posso deixar o meu povo. Tenho um compromisso com a
população de Fujairah. Mas você não imagina o quanto me faz feliz saber que
me aceitaria em sua vida.
— Como eu poderia não aceitar? Eu sou louca por você.
As lágrimas escorriam incontroláveis dos meus olhos, e antes que eu
percebesse, o abracei, segurando-o como se fosse o último momento que
teríamos juntos.
Ele me envolveu nos braços, apertando-me contra o peito com força,
como se também quisesse eternizar aquele instante.
CAPÍTULO 45
O carro parou ao lado do imenso avião. O motorista disse algo em
árabe, e Faris respondeu no mesmo idioma, sem que eu entendesse o que
conversavam.
— Lucy, preciso te contar uma coisa — disse Faris, afastando-se do
meu abraço, seu semblante se contorcendo de dor com o movimento — Seu
irmão, Adam, encontrou você.
— O quê?
— Alguns dias atrás, fui procurado por um diplomata americano para
discutir sua libertação. Pelo que entendi, Adam ficou noivo de uma
funcionária da City Ride e, através dela, desvendou todo o esquema de tráfico
humano dessa maldita organização. Todos estão presos, líderes e
funcionários. Eles não podem mais te machucar.
Enquanto absorvia suas palavras, as emoções me invadiam com
tamanha intensidade que meu coração parecia prestes a explodir. Eu sabia
que Adam não me abandonaria. Meu irmão gêmeo jamais desistiria de me
encontrar.
— Por que você não me contou antes? — Indaguei, minha voz
trêmula de emoção.
— Porque sou egoísta. Eu estava tentando negociar com o governo
americano para ficar com você. Fui a Dubai pedir o apoio dos outros
emirados — seus olhos negros fixaram-se nos meus, ainda mais intensos —
Fiz isso porque te amo mais que tudo e queria tê-la por mais tempo, nem que
fosse só por alguns meses. Mas agora é tarde demais. Não posso arriscar sua
vida no meio de uma guerra. Você precisa ir embora.
— Faris, por favor, venha comigo — sussurrei, ainda entre lágrimas.
— Lucy, você sabe que eu não posso fazer isso. Preciso proteger o
meu povo. E não posso te pedir que fique, não agora, quando o perigo nos
cerca — ele hesitou, as palavras presas pela angústia — Eu te amo, Lucy.
Amo mais do que poderia imaginar, mas tenho que te deixar ir para que você
possa viver em paz.
Ele se inclinou e nos beijamos com uma intensidade que misturava
desespero e paixão. O toque dele era como fogo, uma despedida dolorosa e
doce.
Faris suspirou, quebrando o beijo, e acariciou meu rosto com uma
ternura que fazia meu peito doer.
— Venha. Vou levá-la até o avião — disse.
Faris segurou minha mão, e eu o segui para fora do automóvel,
movendo-me mecanicamente. Os outros carros mantinham seus faróis acesos,
a única luz a cortar a escuridão da noite.
Enquanto caminhávamos em direção ao imenso avião, cercados pela
vegetação rasteira, dois seguranças nos seguiam de longe, segurando suas
metralhadoras, um lembrete constante do perigo que nos cercava.
Subimos a escada do enorme jato, que, por dentro, mais parecia um
apartamento luxuoso, decorado com ambientes distintos e requintados.
Eu deveria estar feliz com a certeza de que voltaria para minha
família, de que teria meu filho em uma terra onde ele poderia ser livre. No
entanto, me sentia inconsolável.
Desejava que Faris viesse comigo, que ficássemos juntos e
construíssemos uma vida nos Estados Unidos, onde poderíamos ser felizes.
Por um instante, pensei em contar-lhe sobre a gravidez, na esperança
de convencê-lo. Mas o receio de que ele desistisse de me deixar partir me
impediu de falar.
Eu não podia permitir que meu filho nascesse aqui, especialmente
agora, com a ameaça iminente de uma guerra.
Olhei para ele, e meu pranto se intensificou. O amor que explodia em
meu peito era tão profundo que chegava a doer, um sentimento permeado de
desespero pela certeza de que nunca mais voltaria a vê-lo.
— Obrigada por tudo — murmurei, secando o rosto com as costas da
mão.
— Não há de quê — ele suspirou, pesadamente. — Falta apenas um
membro da tripulação. Ele chegará em, no máximo, uma hora. Enquanto isso,
peça para as comissárias de bordo prepararem algo para você comer. Tem
roupas e chuveiro nas cabines. Espero que tenha uma boa viagem.
Percebi o adeus em seu olhar triste, e tudo dentro de mim gritou o
quanto eu não estava pronta para deixá-lo. Cedendo a um impulso, segurei
sua mão entre as minhas, como se isso pudesse mantê-lo ali, como se fosse o
suficiente para convencê-lo a vir comigo.
— Por favor, venha comigo — implorei — Deixe Rami cuidar do seu
povo.
Faris espalmou a mão na lateral do meu rosto, acariciando minha pele
com o polegar, num gesto suave e carinhoso.
— Lucy... eu não posso... — ele murmurou, e repousou seus lábios na
minha testa, num toque demorado, como se quisesse guardar cada detalhe, o
cheiro e o calor da minha pele.
Foi então que entrei em pânico, certa de que aquele era, de fato, um
adeus.
— Seu braço — falei, tentando conter o desespero — Me deixe fazer
um curativo enquanto esperamos o último membro da tripulação. Deve ter
um kit de primeiros socorros no avião.
Faris refletiu por um instante antes de concordar.
— Tudo bem. Só não posso demorar. Rami precisa de mim.
Seguimos por um corredor até a cabine luxuosa e silenciosa, onde o
ar-condicionado trazia um alívio imediato ao calor da noite. O espaço era
amplo e confortável, decorado com uma cama, uma estante e um conjunto de
mesas e cadeiras.
Por um momento, me perdi naquela atmosfera quase surreal, tentando
processar tudo o que estava acontecendo. Abri um dos armários e encontrei o
kit de primeiros socorros.
— Sente-se e tire a camisa, para que eu possa limpar o ferimento —
pedi, mantendo um olhar firme.
Faris obedeceu, sentando-se em uma das cadeiras e tirando a camisa
lentamente, seus movimentos cuidadosos. Apenas quando a camisa caiu ao
chão, percebi a profundidade do ferimento em seu braço.
A bala havia atravessado sua carne, sem atingir o osso, uma sorte
imensa. O sangue ainda escorria, mas com menos intensidade devido ao
torniquete. Provavelmente, um curativo seria suficiente, sem a necessidade de
pontos.
Aproximei-me com o kit, tentando focar na tarefa à minha frente, mas
a proximidade, o toque de sua pele e o calor do seu corpo despertavam algo
visceral em mim, algo que eu lutava para controlar.
Limpei o ferimento com delicadeza, sentindo minhas mãos tremerem
enquanto aplicava o curativo com anti-inflamatório, gases e esparadrapo.
— Você não deveria ter se arriscado tanto por mim… — murmurei,
tentando manter a concentração, mas a intensidade do olhar dele me deixava
vulnerável.
— Eu faria tudo de novo — respondeu, a voz baixa e rouca, fazendo-
me pausar por um instante — Eu faria tudo por você, Lucy.
Nossos olhares se encontraram, e o silêncio se prolongou entre nós,
carregado de uma tensão que beirava o insuportável.
Eu estava hipnotizada pelo desejo, pela dor de saber que aquela
poderia ser a última vez que o teria ao meu lado.
Antes que eu percebesse, Faris segurou-me pelo pulso e, num gesto
repentino, me puxou, fazendo-me cair sentada em seu colo.
Ele envolveu minha nuca com a mão, e nossos lábios se encontraram,
com uma urgência que tocava o desespero.
Sua boca era faminta, voraz, e minhas mãos deslizaram por seus
ombros, por seu peito, como se quisessem gravar cada centímetro dele em
minha memória, ao mesmo tempo em que a solidez dos seus músculos me
deixava extasiada.
Com mãos urgentes e sem interromper o beijo, Faris me girou sobre
ele, fazendo-me montar em seu colo, uma perna de cada lado. Foi então que
senti a dureza de sua ereção pressionando meu sexo por entre as roupas, e,
naquele instante, tudo ao redor desapareceu, as dores, a guerra, o perigo.
Tudo foi subjugado pelo desejo ardente que consumia cada célula do
meu corpo, fazendo minha vagina pulsar e umedecer.
Enlacei os dedos em seus cabelos curtos, puxando-o para mais perto,
aprofundando o beijo, intensificando minha necessidade de senti-lo ainda
mais. Em resposta, Faris pousou as mãos grandes em minha cintura e
deslizou até meus quadris, apertando minha bunda com firmeza enquanto me
puxava para baixo, aumentando a pressão do seu pau contra meu sexo, me
deixando à beira da loucura com a ânsia de tê-lo.
Então, sem esforço, ele se levantou da cadeira comigo em seus braços
e me deitou suavemente na cama, acomodando-se sobre mim.
Apoiando-se em um cotovelo, ele deslizou a outra mão pela minha
silhueta, explorando meu corpo com um toque firme e possessivo, alisando e
apertando cada curva, como se quisesse memorizar meus detalhes.
Faris arrancou a tônica do meu corpo e deslizou a mão sob a saia de
odalisca que eu usava, erguendo-a até a cintura, afastando a calcinha
minúscula para o lado, enquanto minhas mãos encontravam o zíper de sua
calça, liberando seu membro rígido e pulsante.
Foi tudo muito rápido, impulsivo e carregado de urgência. Com um
movimento brusco, ele me penetrou, invadindo meu canal úmido com sua
carne quente e firme, avançando com intensidade e profundidade, enquanto
sua boca devorava a minha.
Aquele foi o amor mais intenso que fizemos. A paixão, a saudade, a
dor da iminente separação estavam presentes em cada toque, em cada beijo.
Ainda estava em seus braços quando adormeci, mas, ao despertar,
encontrei apenas o espaço vazio ao meu lado na cama. E, ao perceber que o
avião já havia decolado, uma enxurrada de lágrimas irrompeu dos meus
olhos, sem que eu pudesse contê-las.
CAPÍTULO 46
Durante as dezesseis horas de voo de Seattle até Fujairah, não tive
nenhum contato com Faris. Alegra e eu ficamos isoladas em uma cabine
privada, onde as comissárias de bordo se encarregavam de trazer nossas
refeições.
No desembarque, num aeroporto exclusivo, ele estava lá, sempre
rodeado por seus seguranças. Sem sequer dirigir-me a palavra ou perguntar
sobre nosso voo, Faris manteve uma postura distante, conversando apenas
com seus acompanhantes, em árabe, sem que eu compreendesse o que
diziam.
Ao chegarmos ao palácio grandioso, onde vivi os momentos mais
intensos da minha vida, em todos os sentidos, Alegra e eu fomos conduzidas
por uma empregada até uma suíte com três cômodos.
A rapidez com que o lugar foi preparado para acomodar uma criança
era impressionante. Um dos quartos da suíte estava adornado como o de uma
princesa, decorado em diferentes tons de rosa com uma cama em forma de
cabana e repleto de brinquedos.
Alegra explodia de alegria ao se ver livre para brincar naquele cenário
de conto de fadas. Ela mal conseguia decidir com qual brinquedo começar.
O outro quarto, destinado a mim, tinha uma decoração mais sóbria.
Percebi que era meu espaço ao notar uma série de trajes femininos, típicos
árabes, incluindo algumas burcas opressivas, dispostas em um imenso closet
de paredes brancas.
Explorando o local, uma espécie de síndrome de Estocolmo quase me
tomou, fazendo-me sentir uma estranha gratidão a Faris por me permitir ficar
na mesma suíte que minha neném.
Alegra e eu estávamos sentadas no carpete felpudo cor de rosa do
quarto dela, cercadas por blocos de montar coloridos, quando ouvi a porta da
suíte se abrir sem qualquer aviso.
Olhei para cima, e vi Faris entrando, impecável como sempre, em sua
túnica branca longa e esvoaçante que parecia fazer o ar ao redor dele ondular.
Apesar de meus esforços para manter o controle, senti aquele calor
familiar subir pelo meu estômago, uma reação involuntária ao vê-lo se
aproximar, imponente e intimidador.
A atração que aquele homem ainda exercia sobre mim era intensa e
incontestável.
— Você não pode entrar aqui sem bater! — Protestei, levantando-me
e encarando-o com firmeza — Não sou mais sua concubina, nem um objeto
que você recebeu de presente. Exijo respeito.
— Não fale essas coisas na frente de nossa filha. O que ela vai
pensar? — Ele retrucou, e eu revirei os olhos.
— Alegra tem apenas um ano e dois meses. Ela ainda não
compreende tudo o que falamos.
— Mas entende o suficiente.
— Então lembre-se de bater na porta da próxima vez, para não ter que
explicar a ela como foi concebida enquanto eu era sua con-cu-bi-na —
enfatizei cada sílaba com precisão.
— Me desculpe, foi a força do hábito. Isso não se repetirá — ele
pediu, para minha surpresa — Vim trazer sua bolsa — disse ele, entregando-
me a bolsa que havia sido confiscada quando fui detida no aeroporto. Dentro
dela, estavam meus documentos e meu celular — Você pode usar o celular
para falar com sua família ou com quem mais desejar. Mas não tente levar
Alegra daqui. Como já disse, você está livre para ir e vir, mas nossa filha
agora tem cidadania árabe. De acordo com nossas leis, levá-la sem
autorização pode provocar um grande conflito.
Mil desaforos passaram por minha cabeça, mas escolhi não verbalizá-
los, consciente de que minha permanência naquele palácio, ao lado de minha
filha, estava em jogo.
Eu dependia da benevolência de Faris para não ser afastada de minha
menina, mas isso não significava que eu havia desistido de lutar pela nossa
liberdade.
Assim que possível, telefonaria para Adam de um telefone seguro,
que não pudesse estar sob vigilância, e pediria que ele contactasse um grupo
de mercenários capazes de nos resgatar daquele país.
— Eu não tentarei levá-la, como prometi — respondi, ocultando
minha verdadeira intenção.
— E como vocês duas estão? Gostaram das instalações?
— É muito confortável. Estou realmente grata por me permitir ficar
no mesmo espaço que minha filha.
Ele me fitou profundamente nos olhos, pausando por um breve
instante de silencioso.
— Não é minha intenção afastá-la de nossa filha, até porque ela
sentiria sua falta — ele se virou para Alegra, que estava sentada no carpete,
concentrada em seus blocos de montar — Olá, bebê. Está gostando dos
brinquedos novos? — Perguntou, e Alegra murmurou algo incompreensível
em resposta.
Faris se aproximou e se abaixou ao lado dela, equilibrando-se
cuidadosamente para ficar quase à mesma altura. Parecia desajeitado, seu
corpo alto e robusto formando um contraste marcante com a pequena e frágil
bebê.
— Posso ajudar a montar essa torre tão linda? — Perguntou, e Alegra
lhe entregou alguns blocos.
Deixando de lado a postura altiva e imponente de sheik, Faris se
sentou no chão ao lado de Alegra. Ele parecia ainda mais desajeitado ao
moderar sua força física enquanto montava os blocos com cuidado, instruindo
nossa filha suavemente sobre como construir estruturas que fizessem sentido.
Observando-os, fiquei surpresa com a facilidade com que Alegra o
aceitou, interagindo com ele com uma naturalidade inesperada. Era como se
ela o conhecesse há mais tempo, uma conexão que, sem dúvida, vinha dos
laços sanguíneos que compartilhavam.
Eles prosseguiram com a brincadeira, exibindo uma intimidade típica
de dois velhos amigos, enquanto eu permanecia sentada em uma cadeira ao
lado, apenas observando-os interagir.
Faris conseguiu montar um unicórnio multicolorido e, ao entregá-lo a
Alegra, a menina explodiu de alegria. Ela se levantou e correu para os braços
dele, abraçando-o pelo pescoço de forma tão espontânea que nos pegou de
surpresa. Faris levantou-se com ela no colo, segurando-a perto de seu rosto,
um sorriso genuíno iluminando seus lábios.
Apesar de tentar me conter, foi impossível não ser tomada por um
turbilhão de emoções ao observar a maneira como Faris olhava para Alegra, a
apenas centímetros de distância. Seus olhos negros irradiavam um afeto
profundo, um sentimento tão intenso e puro que me fez encher os olhos de
lágrimas.
Era incrivelmente emocionante ver os dois juntos, tão semelhantes em
aparência e personalidade. Ambos compartilhavam os mesmos olhos escuros,
a mesma pele morena, os mesmos traços faciais marcantes e uma
personalidade forte. Eles pareciam cópias um do outro.
— Você é muito lindinha, princesa — Faris murmurou, seu olhar
ainda fixo e cheio de amor no rosto pequenino de Alegra.
Minha filha respondia balbuciando palavras incompreensíveis,
enquanto explorava curiosamente com os dedinhos a túnica de Faris, uma
peça de vestuário tão diferente daquelas a que estava acostumada nos Estados
Unidos.
— Sim, é esse tipo de roupa que usamos aqui — Faris explicou
pacientemente. — É bem diferente, mas você vai se acostumar com o tempo.
Curiosa como só ela, Alegra alcançou o igal que segurava o lenço
branco na cabeça de Faris e o retirou, colocando-o em sua própria cabeça.
Isso provocou uma gargalhada calorosa de Faris, uma risada que Alegra
ecoou, rindo alegremente junto com ele.
Pareciam dois corações descobrindo uma nova forma de alegria,
unidos em risadas e brincadeiras.
— Eu sei, meu amor. É mesmo muito lindo. Mas você usará um
diferente, mais delicado e com brilho. Papai vai comprar muitos trajes assim
para você e te adornar com muito ouro — disse Faris, com um tom de
promessa.
Eu quis dizer a ele que minha filha não era uma árvore de Natal para
ser adornada, mas não me senti encorajada a interromper aquele momento.
Era uma cena tão encantadora que eu simplesmente não conseguia parar de
observá-los, e, quando percebi, um sorriso bobo também se formava em meu
rosto.
Minha filha e seu pai continuaram a interagir por um longo momento,
até que Faris decidiu que era hora de ir. Apesar dos protestos de Alegra, ele
aproximou-se de mim e a transferiu para o meu colo, prometendo que a veria
novamente em breve.
Nesse instante, ficamos tão próximos que fui inebriada pelo cheiro
gostoso do perfume dele. Nossos olhares se encontraram e, por um momento
fugaz, o mundo ao redor pareceu desaparecer.
Era como se nada mais existisse além de Faris e eu.
O aroma do seu perfume, uma mistura sutil de especiarias e madeira,
envolveu-me em uma onda de memórias e emoções que achei ter esquecido.
Meu coração batia acelerado, ressoando em meu peito como se quisesse
escapar.
Ao sentir sua mão suavemente ajustando Alegra em meus braços,
minha pele inteira se arrepiou. A proximidade física reacendeu a chama de
uma paixão que eu havia tentado, em vão, extinguir.
Olhei para ele, perdida naqueles olhos negros que sempre me
hipnotizaram. Sua presença era magnética, irresistível, e, embora parte de
mim quisesse rejeitá-lo pelo passado, a outra parte se derretia como cera
próxima ao fogo.
— Cuide bem dela — disse ele suavemente.
— Sempre cuidarei — respondi automaticamente, minha voz quase
um sussurro.
Ele afastou-se um passo, quebrando o contato visual.
— Vou apresentá-la oficialmente à minha família esta noite, durante o
jantar. Você gostaria de se juntar a nós? — Perguntou Faris.
— Se minha filha estará lá, obviamente que eu gostaria.
— Certo. Então está combinado. Às sete volto para acompanhá-las.
— Está bem.
— Enquanto isso, enviarei alguém para ajudá-la a cuidar da neném.
— Não precisa. Eu mesma cuido da minha filha.
— Acho que você vai gostar quando ver quem enviarei — disse Faris,
antes de se virar e sair da suíte, deixando Alegra e eu a observá-lo, quase
hipnotizadas pela elegância de seu porte e pelo movimento da túnica branca
esvoaçante.
Assim que a porta se fechou atrás dele, Alegra olhou para mim e fez
um biquinho emburrado.
— É, eu sei. Ele é mesmo irresistível — concordei — Mas não vai
demorar para que o vejamos novamente.
Então, dediquei-me a distribuir uma série de beijos estalados na
barriga da minha sapequinha, fazendo-a gargalhar até que estivesse alegre
novamente.
CAPÍTULO 47
Quando Faris mencionou que eu iria gostar de conhecer quem viria
me ajudar a cuidar de Alegra, não compreendi exatamente o que ele queria
dizer. Foi só quando ouvi uma batida suave na porta e vi Salma cruzando a
entrada da suíte que o significado de suas palavras se desfez em frente aos
meus olhos.
Meu coração pareceu parar por um instante. Salma, minha amiga,
viva e livre, estava ali, em carne e osso.
Dei um pulo do sofá, mal acreditando no que via. Sentia como se
estivesse presa em um sonho. Corri em sua direção e a envolvi em um abraço
apertado, tentando conter a avalanche de emoções que explodia dentro de
mim: saudade, alívio, gratidão.
— Salma! — Murmurei, a voz embargada — Eu não estou
acreditando! O que você faz aqui?
Ela sorriu, um sorriso gentil que, apesar de todos os horrores que
passou, ainda mantinha sua luz.
— Voltei a trabalhar no palácio.
Afastei-me o suficiente para olhar bem em seu rosto, surpresa e
confusa.
— É sério? Como você tem coragem de conviver com Faris depois de
tudo que ele fez? — As palavras saíram mais duras do que eu pretendia, e a
simples lembrança daquela noite horrível, em que Faris cortou a garganta de
Amir, fez um arrepio gelado percorrer minha espinha.
Ela baixou os olhos, mas manteve o tom firme.
— Vossa Alteza pediu perdão, e eu o perdoei. Além do mais, ele me
arranjou outro marido. Esse é bem melhor do que Amir. Ele não me bate, e
eu o conheço desde criança.
Eu não sabia qual parte da fala dela me deixava mais impactada. Se
saber que Amir a agredia, ou se o marido dela ter sido substituído por outro,
como se fosse uma geladeira estragada trocada por uma nova.
— Amir... ele te agredia? — Minha voz saiu trêmula.
— Nem sempre — respondeu ela, quase em um sussurro — Mas de
vez em quando.
— Por que nunca me disse nada?
Ela deu de ombros, com uma serenidade resignada que me cortou o
coração.
— Era um assunto entre marido e mulher. Além disso, Abdul, meu
novo marido, é muito carinhoso — ela corou, e um brilho tímido dançou em
seus olhos.
Mudando o tom, ela se endireitou e olhou ao redor com curiosidade.
— E sua filha, onde está? Estou louca para conhecê-la.
Sorri e a guiei até o quarto ao lado, onde Alegra fazia a maior
algazarra em uma piscina de bolinhas coloridas, jogando-as para todos os
lados, com o rostinho iluminado por pura alegria.
Salma a observou encantada, com os olhos brilhando ao notar a
semelhança entre Alegra e o sheik que ela tanto reverenciava.
Alegra, destemida como sempre, logo estendeu os braços para Salma,
que a pegou no colo, rindo, fascinada.
As duas se tornaram amigas instantaneamente, e eu aproveitei a
oportunidade para fazer uma ligação para Adam.
Passei quase uma hora no telefone com meu irmão, tentando acalmá-
lo, convencendo-o a não agir impulsivamente.
Expliquei que, desta vez, com Alegra possuindo dupla cidadania,
fugir do Oriente Médio exigiria mais cautela, mais planejamento.
Enquanto aguardava o momento certo, decidi que faria o jogo de
Faris, fingindo ter aceitado minha nova vida no palácio.
Quando o horário do jantar se aproximou, Faris voltou à suíte para
nos levar ao salão. Para minha surpresa, ele bateu antes de entrar e suspirei,
tentando me recompor.
Sabia que precisava demonstrar compostura, então escolhi o vestido
mais discreto que havia no closet, longo, de gola alta e mangas compridas.
Mas, em um ato de resistência silenciosa, decidi que jamais usaria uma burca
ou hijab. Eles que se acostumassem com meu rosto e meus cabelos à mostra.
Faris entrou e, com o olhar frio e sem expressão, perguntou:
— Vocês estão prontas?
Assenti, mantendo o queixo erguido.
— Prontíssimas. E não adianta me pedir para usar burca ou hijab,
porque eu não vou usar.
Ele deu de ombros, a voz monótona, mas carregada de um peso que
ecoou dentro de mim.
— Não precisa. Você não pertence mais a mim. Pode se vestir como
quiser.
Eu não esperava que aquelas palavras me afetassem tanto, mas senti o
coração apertar, uma dor inesperada de ouvir aquilo. No entanto, recusei-me
a demonstrar fraqueza. Em vez disso, assisti enquanto Faris se abaixava para
Alegra.
— E quanto a você, princesa? Está pronta para conhecer seus tios e
avós?
Alegra sorriu, os olhos brilhando, e passou para o colo dele sem
hesitar, balbuciando palavras de bebê que pareciam responder a ele em uma
linguagem só deles.
Faris carregava Alegra com naturalidade, enquanto eu o seguia
através dos corredores amplos e frios, decorados com a riqueza sufocante do
palácio.
As paredes eram adornadas com tapeçarias intrincadas, e os pisos de
mármore refletiam o brilho dourado dos lustres imensos que pendiam do teto.
A opulência que me cercava trazia uma sensação claustrofóbica, como
se cada detalhe do lugar me lembrasse que eu estava novamente confinada
em uma gaiola dourada.
No salão, todos já nos aguardavam ao redor da imensa mesa de jantar.
A mãe e a irmã de Faris se levantaram para me cumprimentar, e envolvi cada
uma delas em um abraço, sentindo uma ponta de solidariedade naquele
simples gesto.
Ao pai e ao irmão de Faris, no entanto, ofereci apenas um aceno
respeitoso à distância, consciente da proibição cultural de contato físico entre
homens e mulheres em público.
Todos eles se mostraram fascinados por Alegra. Comentavam sobre o
quanto ela se parecia com o pai, e Alegra, vaidosa e adorável, encantava a
todos, distribuindo sorrisos e risadas, recebendo mimos e afagos.
Era como se, por um instante, estivéssemos apenas em um jantar de
família comum, e eu pudesse esquecer a complexidade e a tensão daquele
mundo que nos envolvia.
Entre os familiares de Faris, havia um rosto desconhecido para mim.
Uma mulher de feições marcantes e típicas árabes, que se distinguia por não
usar o tradicional hijab. Seus olhos cor de mel eram expressivos e revelavam
uma inteligência aguçada, sua postura, embora respeitosa, carregava uma
certa altivez que se diferenciava do comportamento geralmente mais
reservado das mulheres muçulmanas.
Ela aparentava ter pouco mais de vinte anos e possuía uma beleza
notável, com a pele bronzeada e radiante, lábios voluptuosos, cabelos negros
e longos, e olhos de um mel vibrante.
Inicialmente, pensei que pudesse ser alguma esposa de Rami, mas fui
surpreendida quando Faris fez as apresentações:
— Lucy, esta é Safiya, minha futura esposa.
As palavras "futura esposa" ecoaram em minha mente, e fiquei
petrificada.
Ele havia mesmo dito futura esposa?
— F-futura e-esposa? — Murmurei, repreendendo-me internamente
por gaguejar.
— Isso mesmo — respondeu Faris, com a casualidade de quem lia
uma receita de bolo — Nos casaremos em alguns dias.
— A-alguns d-dias? — Droga! Por que eu não conseguia falar
direito?
— Parece rápido, não é? — Interveio Safiya, com um sorriso
simpático — Prazer em conhecer você, sou Safiya.
Ela estendeu a mão, que aceitei, notando como seus olhos percorriam-
me de cima a baixo, com uma expressão indecifrável.
— O prazer é meu — respondi com um fio de voz.
— Já ouvi bastante a seu respeito.
— Imagino que sim — retruquei, minha voz carregada de sarcasmo.
— Você mora aqui no palácio? — Perguntei, curiosa por não vê-la
acompanhada de seus pais, ou ao menos da mãe, como seria esperado de uma
muçulmana solteira fora de casa.
— Ainda não. Farei a mudança após o casamento — explicou ela,
colocando uma mão sobre o ombro de Faris, num gesto de intimidade que
não consegui ignorar.
A profusão de emoções que me atingiu era indomável. Confusão,
perda, mágoa. Meu coração apertava-se dolorosamente. Minha vontade era
de correr para meu quarto e me isolar, longe de ver Faris ou de testemunhar a
cumplicidade entre ele e aquela mulher.
— Você deve estar curiosa sobre o motivo de uma mulher árabe estar
na casa do noivo sem a presença de um familiar e sem um hijab. Bem, eu não
me enquadro no molde das mulheres muçulmanas tradicionais — Safiya
explicou, seu sorriso persistente colorindo as palavras — Passei grande parte
da minha vida na Inglaterra, estudando. Isso, de certa forma, me afastou um
pouco das nossas tradições culturais.
— Há quanto tempo estão noivos? — Perguntei, guiada pela
curiosidade.
— Cinco meses — respondeu Faris rapidamente. — Mas nos
conhecemos desde a infância.
— Imagine só o esforço que foi convencer esse homem a casar-se —
brincou Safiya — Como você deve imaginar, ele não é exatamente fácil.
— Na verdade, não imagino. Não o conheço tão bem — respondi
prontamente.
Nesse momento, Noor, a irmã mais velha de Faris, aproximou-se com
Alegra em seus braços.
— E esta é sua futura filha — disse Noor, de forma um tanto
descuidada, provocando um gosto amargo em minha boca — Você encontrou
um marido que já vem com um pacote completo — acrescentou, tentando
aliviar o clima com humor.
Noor tentou passar Alegra para o colo de Safiya, mas, num
movimento rápido e instintivo, intervim, pegando Alegra para mim. O
silêncio abrupto caiu sobre o grupo, e olhares de censura se voltaram para
mim.
— Alegra já tem mãe. Ela não é futura filha de ninguém — declarei
com firmeza.
— Lucy, por favor — repreendeu Faris, com uma severidade suave —
Safiya será minha esposa e, como tal, desempenhará um papel importante na
vida de Alegra.
— Desempenhará porra nenhuma! — Me impacientei e todos ficaram
que queixo caído com o meu linguajar. Mas eles que se fodessem! — Se
desejam ter um filho, que tenham os seus próprios. Alegra já tem mãe e
ninguém vai substituir meu papel na vida dela. Com licença.
Com essas palavras, virei-me e deixei o salão, caminhando de volta à
suíte com minha filha nos braços.
Esperava que Faris me seguisse, que tentasse me convencer a retornar
ao jantar com sua família, mas ele não veio. Certamente, estava encantado
por aquela mulher, atraído por seu jeito meigo de falar — algo que eu nunca
tive e nunca teria —, por sua pele morena, cabelos negros e sedosos e olhos
claros.
Que homem não se encantaria com uma mulher tão perfeita?
Como nos velhos tempos, quando eu era apenas uma concubina,
Salma trouxe meu jantar e ficou ao meu lado, conversando enquanto Alegra e
eu comíamos.
Segundo ela, Safiya era irmã do sheik de Dubai e seu casamento com
Faris tinha o propósito de consolidar alianças políticas entre as famílias.
No entanto, eu não comprava essa história. Percebi o jeito que Safiya
olhava para Faris. Ela estava perdidamente apaixonada por ele.
E, como ela não seguia rigorosamente os costumes de sua cultura, eu
suspeitava que eles já estivessem dormindo juntos.
Não conseguia entender por que esse noivado me machucava tanto.
Afinal, fui eu quem deixou Faris dois anos atrás, ao descobrir minha
gravidez.
Tentava me convencer de que a dor vinha da ideia de outra mulher ter
um papel na vida da minha filha, mas a verdade era que eu ainda amava Faris
profundamente, e saber que ele estava apaixonado por outra, que passava
suas noites com ela, dilacerava meu coração.
CAPÍTULO 48
Diferente do cômodo confinante das primeiras semanas que passei no
palácio, há dois anos, a suíte onde Alegra e eu ficávamos agora tinha uma
ampla sacada, mobiliada com plantas e mobiliário confortável, além de
oferecer uma vista espetacular do bosque do palácio. O mesmo bosque onde
eu costumava me refugiar, no passado, para evitar usar a maldita burca.
Depois que Alegra adormeceu, fui para a varanda e me recostei na
amurada de ferro, contemplando a quietude do vento que balançava as folhas
no alto das árvores do bosque.
Meu esforço para focar nos pensamentos sobre minha família,
preocupados comigo, era constante, apesar de já ter assegurado que estava
bem.
No entanto, cada recanto da minha mente e alma estava preenchido
por Faris, pela paixão que continuava a arder em meu peito, pela amargura de
saber que o coração dele agora pertencia a outra.
Era tarde, eu ainda estava na varanda, envolta na calmaria da noite,
quando ouvi passos se aproximando. Antes mesmo de me virar, sabia que era
Faris.
Como ele entrava ali, se a porta estava trancada por dentro?
— Você não bateu — falei, sem precisar olhar para trás.
— Pensei que Alegra estivesse dormindo e não quis acordá-la — ele
explicou.
Ele se apoiou na amurada ao meu lado, tão próximo que a manga de
sua túnica tocou meu braço. Senti uma onda de calor percorrer meu corpo, o
coração acelerando com a simples proximidade.
Voltei meu olhar para seu rosto e meu coração disparou ainda mais.
Faris estava mais lindo do que nunca, sem o lenço branco na cabeça, com
seus cabelos negros ligeiramente desalinhados, a barba bem aparada e o rosto
mostrando uma rara tranquilidade.
— Ela tem um sono profundo. Por favor, bata na próxima vez.
— E você, por que ainda não foi dormir?
— Não consigo dormir cedo quando estou longe de casa.
— Sua casa agora é aqui.
— Ainda estou me acostumando com a ideia. E sua noiva, não ficará
chateada ao saber que você está aqui, nos aposentos da sua ex-concubina?
Ele soltou uma risada, tão genuína que meu coração saltou.
— Qual é a graça?
— Ex-concubina. Nunca tinha ouvido essa expressão antes.
— Provavelmente porque muitas concubinas têm o mesmo destino
que Khalid planejava para mim e acabam não se tornando 'ex', mas sim
'falecidas' — o sorriso dele se desfez.
— Parece que você ainda tem uma visão bastante negativa sobre
nosso povo.
— Estou falando com base no que vivi.
— Nem todas as concubinas são mortas. Muitas prosperam, tornam-se
empresárias, ou casam-se novamente.
— Desculpe, mas é difícil acreditar nisso.
— Nem todos os homens árabes são como Khalid.
— Mas você não respondeu minha pergunta. Sua noiva não ficará
chateada se souber que você está aqui?
— Ela está dormindo — a resposta dele me fez engolir em seco.
Considerando que ele estava sem o lenço, com o rosto relaxado e os
cabelos desalinhados, provavelmente acabara de transar com Safiya.
Puta merda!
Quase perguntei, mas seria muita humilhação e falta de dignidade.
— Por que você vai se casar com ela? Pensei que tinha desistido dessa
instituição.
— Ela é irmã do sheik de Dubai. É uma aliança estratégica para o
nosso povo.
— É só isso? Por causa da aliança?
Faris ficou em silêncio por um momento, o suficiente para eu
perceber que ele estava envolvido emocionalmente com essa mulher.
Puta que pariu!
— Não é só pela aliança. Eu gosto dela — ele admitiu, e meu coração
falhou uma batida.
Virei-me para encará-lo, e ele fez o mesmo. Nossos olhares se
encontraram e não me contive em esconder minha dor.
— Se gosta dela a ponto de se casar, por que foi até minha loja, em
Seattle, dizendo que sentia minha falta?
Faris apertou os olhos, balançando a cabeça. Ao reabri-los, vi a
paixão ardente em seu olhar.
— Porque eu queria ter certeza de que poderia me envolver com outra
mulher, mesmo ainda estando apaixonado por você.
— E teve essa certeza?
— Tive. Não quando a vi, mas quando descobri que você escondeu
minha filha de mim.
— Eu tinha meus motivos, e se você não os compreende, é porque
nunca me amou de verdade.
— Eu nunca te amei?! — Ele elevou a voz, incrédulo — Tudo o que
fiz desde o primeiro momento em que a vi, descalça, amordaçada e amarrada
no palácio de Khalid, foi amar você... — Ele fez uma pausa, buscando as
palavras certas — Durante esses dois anos, tentei esquecer você, convencer-
me de que estaria mais segura nos Estados Unidos, mas foi em vão. Amei
você com cada batida do meu coração, durante todo o tempo que estivemos
separados, e ainda amo. Só não posso continuar amando alguém que me
negou o direito de ser pai.
Quanto mais ele falava, mais difícil se tornava conter o turbilhão de
lágrimas que ameaçava desabar dos meus olhos, afetada pela intensidade de
seu amor, um amor que eu também sentia, mas que rejeitei ao decidir
esconder a gravidez.
— Se me ama tanto assim, por que demorou tanto para me procurar?
— Perguntei, com a voz trêmula pela emoção.
— Porque eu queria protegê-la. A guerra contra a organização de
Khalid durou meses, e mesmo após seu término, ainda era perigoso. Há muito
rancor contra mulheres como você aqui, e eu não suportaria se algo ruim te
acontecesse.
Com o coração prestes a explodir de emoção, uma lágrima solitária
escapou do canto do meu olho.
— Eu sinto o mesmo. Ainda sou louca por você, como se o tempo não
tivesse passado. Não houve um só dia, nesses dois anos, que eu não tenha
pensado em você.
— Você não se envolveu com ninguém durante esse tempo todo?
— Não é muito fácil se envolver com alguém quando se está grávida,
ou quando se tem um bebê que não te dá tempo nem de pentear os cabelos
direito. Mas essa não foi a razão. Não me envolvi porque te amo tanto que
nunca tive olhos para outro. Por mais que tenha tentado, nunca consegui
esquecer você — me silenciei, hesitante, e surpresa por admitir isso em voz
alta — Talvez ainda não seja tarde demais para nós... Você ainda não se
casou.
Vi um misto de surpresa e paixão surgir em seu rosto. Esperei que ele
me envolvesse em seus braços e me puxasse para um beijo, mas ele ficou
imóvel, como se petrificado.
Um medo terrível tomou conta de mim, o medo de que ele não me
quisesse mais, de tê-lo perdido para sempre. Movida por um impulso quase
desesperado, eliminei a distância entre nós e me lancei em seus braços.
O choque de nossas emoções colidiu no instante em que nossos
corpos se encontraram. Ele hesitou, porém, logo seus braços se fecharam ao
meu redor com a força de um homem que havia sido privado de sua própria
alma.
Senti suas mãos grandes e firmes segurando minhas costas, me
pressionando contra a amurada de ferro. O calor dele invadiu meu corpo,
aquecendo-me dos pés à cabeça, e foi como se uma onda de puro desejo me
afogasse.
Ele me puxou para si, nossos corpos colados, peito contra peito, e
finalmente, seus lábios tomaram os meus em um beijo voraz, desesperado,
como se o mundo pudesse acabar ali e ele quisesse me sentir uma última vez.
O gosto familiar e inesquecível dele tomou conta de mim, aquela
mistura de menta e calor que me fazia derreter por dentro.
Sua língua se enroscou na minha com uma urgência feroz,
explorando, reivindicando, como se ele nunca tivesse deixado de ser meu.
Minhas mãos subiram para seus cabelos, bagunçando-os ainda mais
enquanto eu puxava de leve, ouvindo o som rouco de sua respiração contra
minha boca.
Faris soltou um gemido grave que fez meus joelhos enfraquecerem, e
ele percebeu, apertando-me contra seu corpo ainda mais.
Seus dedos deslizaram para a curva da minha cintura, segurando
firme, como se quisesse me fundir a ele. O ar entre nós estava carregado,
pesado com anos de saudade, de amor contido, e de palavras nunca ditas.
Eu estava desesperada para sentir mais, meu corpo queimava em
chamas de saudade, de desejo. Afastei meus lábios dos dele, apenas para
buscar ar, e encontrei seus olhos.
O olhar de Faris estava escurecido, quase selvagem, refletindo uma
paixão tão intensa que me fez estremecer.
Ele abaixou o rosto e começou a distribuir beijos ao longo da linha do
meu maxilar, descendo até o meu pescoço, onde sugou de leve, fazendo-me
arfar e me arquear contra ele.
— Faris… — murmurei, ofegante, sentindo como o corpo dele
respondia ao meu — Você não faz ideia de como senti falta disso… de
você…
Ele afastou o rosto o suficiente para me encarar, as mãos ainda
segurando minha cintura com força.
Foi então que pude ver o conflito estampado em seus olhos, uma
batalha interna que parecia consumir toda a sua sanidade. Mesmo assim, ele
deslizou uma mão para meu quadril, apertando forte, puxando-me contra seu
corpo, fazendo-me sentir o quanto ele me desejava.
— Lucy… — Ele sussurrou meu nome como uma oração, ou talvez
uma maldição. — Você não faz ideia do quanto eu quis você, do quanto te
esperei… — Ele beijou-me novamente, um beijo ainda mais intenso, repleto
de saudade.
Seu corpo pressionou o meu contra a grade da varanda, e senti o metal
frio nas minhas costas, um contraste que só aumentou o calor avassalador
entre nós.
Minhas mãos estavam por toda parte, acariciando os ombros largos
dele, arranhando de leve, enquanto meu corpo se moldava ao dele de uma
forma que só parecia natural.
A luxúria tomava conta de mim. Eu o queria tanto que chegava a ser
quase insuportável. Queria que ele arrancasse minhas roupas e me fizesse sua
ali mesmo.
No entanto, inesperadamente, ele parou.
O beijo cessou, mas o toque de seus lábios ainda estava presente,
como uma brasa ardente na minha boca.
Faris afastou o rosto, respirando com dificuldade, o peito subindo e
descendo enquanto ele tentava recuperar o controle.
Ele manteve uma das mãos na minha cintura, mas a outra subiu para o
meu rosto, tocando minha bochecha de forma suave, quase carinhosa demais
para o homem impaciente e autoritário que ele era.
— Eu não posso… — murmurou, a voz rouca, carregada de dor e
desejo. Ele fechou os olhos, como se estivesse tentando se afastar de mim
mentalmente, mesmo com nossos corpos ainda tão próximos — Eu não posso
fazer isso, Lucy.
— Não pode? — A incredulidade transbordou na minha voz — Por
que não?
— Porque eu tenho um compromisso com Safiya — ele abriu os
olhos e me olhou com tanta intensidade que me fez querer chorar — Eu
prometi algo a ela, e mesmo que meu corpo queira você, eu preciso ser leal
ao compromisso que assumi com ela.
Se ele tivesse me atirado de cima daquela sacada, teria doído menos.
Senti como se o chão tivesse desaparecido sob meus pés.
Eu quase podia ouvir o som do meu coração se quebrando, fragmento
por fragmento, enquanto digeria suas palavras.
Ele se afastou de mim, dando um passo para trás, a mão ainda trêmula
quando a soltou da minha cintura. A tensão entre nós era quase insuportável.
— Faris… — Eu tentei alcançá-lo, mas ele recuou, balançando a
cabeça.
— Não, Lucy. Não posso ser desleal a ela. Por mais que eu te ame,
não posso fazer isso.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele se virou e caminhou
em direção à porta, o som de seus passos ecoando na ampla suíte. Quando a
porta se fechou atrás dele, o silêncio tomou conta do quarto, tão opressor
quanto a certeza de que eu havia perdido o amor mais intenso e verdadeiro
que já senti.
CAPÍTULO 49
No meu segundo dia no palácio, despertei com o sol ainda tímido e
tomei o café da manhã na suíte, acompanhada apenas por Alegra e Salma.
A ordem de Faris para que nos juntássemos à família real durante a
refeição soou mais como um decreto do que um convite. Nunca fui adepta a
seguir ordens sem questionar, por isso, escolhi a privacidade do nosso
aposento para começar o dia.
Minha hesitação em compartilhar a mesa com eles não era apenas
uma questão de desobediência. O verdadeiro motivo da minha relutância
residia no receio de que Safiya, a noiva de Faris, tentasse se inserir na vida da
minha filha novamente, numa tentativa de usurpar meu lugar. Jamais
permitiria tal intromissão, nem que isso custasse meu último suspiro.
Safiya podia ter conquistado o amor do homem que eu amava, mas
Alegra era minha, e eu não permitiria que outra mulher ocupasse meu lugar
em sua vida.
A aproximação de Safiya, longe de ser um gesto de afeto sincero, era
claramente uma estratégia para ganhar a aprovação de Faris.
No entanto, fui ingênua ao acreditar que ela desistiria tão facilmente
de tentar se aproximar da minha princesa para cativar Faris. Ainda estávamos
saboreando o café quando ouvimos batidas na porta. Logo, a voz de Safiya
ecoou do outro lado, perguntando se podia entrar.
— Entre — respondi, com uma calma forçada.
Ela adentrou a suíte com a graça de uma deusa. Vestia uma peça de
seda dourada, esvoaçante e longa, que desenhava as curvas perfeitas de seu
corpo com uma elegância rara.
Eram pouco mais de sete horas da manhã e ela já se encontrava
impecavelmente maquiada, com os cabelos negros e longos escovados à
perfeição, pronta como se fosse estrelar um ensaio fotográfico para uma
renomada revista de moda.
— Bom dia — disse Safiya, e sem aguardar uma resposta, continuou
— Esperava que vocês se juntassem a nós para o café.
— Prefiro as refeições na privacidade deste quarto, como nos velhos
tempos — repliquei, não perdendo a chance de alfinetá-la — Faris e eu
passávamos tanto tempo confinados, quando eu morava no palácio, que me
desabituei de socializar.
Salma engasgou com uma súbita tosse, enquanto Safiya permanecia
imperturbável.
— Vim buscar Alegra para um passeio no bosque. Faris acredita que
será bom para nós duas passarmos algum tempo juntas.
A intimidade com que ela usava o primeiro nome de Faris, algo que
ninguém além de mim e de sua família fazia, despertou em mim uma irritação
irracional.
— Hoje não será possível. Alegra tem uma aula de leitura pela
manhã, que eu mesma conduzo — improvisei rapidamente.
— E não pode reagendar essa aula para mais tarde?
— Não, mais tarde ela tem aula de coordenação motora. Infelizmente,
o passeio terá que ser em outro dia.
Safiya me observou em silêncio por um momento, sua frustração
claramente refletida na cor mel de seus olhos.
— Salma, você poderia nos dar um momento a sós? — Pediu
finalmente.
— Claro, com licença.
Salma deu mais uma mordida em seu pão e saiu do quarto. Assim que
a porta se fechou, a postura de Safiya se transformou radicalmente, adotando
uma expressão altiva e um olhar de desprezo. Da humildade da noite anterior,
não restava nenhum vestígio.
— Você não tem o direito de reter Salma aqui como se fosse sua
propriedade particular. Ela trabalha para o palácio, não é seu animal de
estimação — ela disparou, com arrogância.
— Se está incomodada com a presença dela aqui, sugiro que leve suas
queixas ao dono do palácio — rebati, enquanto o desprezo na expressão dela
se aprofundava.
— Não me preocupo com a presença dela aqui. Não foi isso que me
trouxe — disse Safiya, dando alguns passos à frente e aproximando-se da
mesa onde Alegra e eu estávamos sentadas — Eu sei que meu noivo esteve
em seu quarto ontem à noite.
— Então deve saber também que não fui eu quem o chamou.
— Estou ciente do motivo de você estar aqui. Acredita que pode ter
Faris para você novamente, mas esqueça. Um homem como ele jamais
levaria uma concubina a sério.
Quanto mais ela falava, mais minha irritação crescia.
— Eu não sou uma concubina. E, para sua informação, passei dois
anos fugindo de Faris. Foi ele que me encontrou, não o contrário. Quanto a
você, fique à vontade para tê-lo só para si.
— E é exatamente o que farei. Por mais que você tente, não
conseguirá nos separar.
— Eu não estou tentando separar ninguém.
— Não se faça de inocente! Sei muito bem o que aconteceu quando
ele veio aqui ontem à noite!
Nesse momento, precisei respirar fundo e contar até dez mentalmente
para manter a calma e não avançar no pescoço dela.
— O que aconteceu dentro do meu quarto não lhe diz respeito.
— Diz respeito, sim, quando envolve meu noivo!
— Então coloque uma coleira nele e o impeça de voltar.
Safiya cerrou os dentes, seu rosto moreno tingindo-se de vermelho,
com a ira.
— Ele não voltará, pode ter certeza. Mas agora eu preciso levar
Alegra. Faris deseja que eu me envolva mais na vida dela, já que terei um
papel importante para ela.
Nesse momento, ergui-me e fiquei de pé diante dela, com uma postura
desafiadora, pronta para intervir caso ela tentasse se aproximar de Alegra.
— Ah, mas minha filha você definitivamente não vai levar! Pode
esquecer essa ideia. Ela já tem mãe e não precisa de um pisca-pisca
ambulante para cumprir esse papel.
O rosto de Safiya assumiu um tom mais intenso de vermelho, seus
olhos claros faiscando de raiva.
— Foi uma ordem de Vossa Alteza que eu levasse Alegra. Vai
realmente desobedecer uma ordem do seu sheik?
— Sim, vou. Como já disse, minha filha fica comigo. E o assunto está
encerrado!
— É o que veremos.
Com essa ameaça velada, ela girou nos calcanhares e saiu da suíte,
batendo os pés, claramente planejando algo contra mim.
Que situação! Além de ter sido arrancada da minha vida e rejeitada
pelo homem que amava loucamente, ainda tinha que lidar com as artimanhas
dessa mulher.
Após o café, levei Alegra para o seu quarto e nos sentamos juntas no
tapete felpudo, cercadas pelos brinquedos que ela adorava. Enquanto a
observava brincar, respirei fundo, tentando me preparar para o que estava por
vir.
Logo depois, ouvimos outra batida na porta. Safiya entrou novamente,
desta vez acompanhada por Faris.
Meus olhos se fixaram nos dele enquanto ele caminhava pela suíte,
movendo-se lentamente, com uma imponência natural. Cada gesto exalava
autoridade e comando, como se ele tivesse nascido para liderar.
Ele estava ainda mais atraente do que antes. Seu magnetismo era tão
forte que era quase impossível conter o impulso de correr para seus braços.
Alegra, igualmente encantada, correu para ele assim que o viu e foi
prontamente pega no colo, exatamente como queria.
Sortuda!
— Oi, meu amor. Parece que está se divertindo aqui — comentou
Faris, fitando Alegra com um sorriso terno e uma expressão de carinho tão
sincera que era irresistivelmente cativante.
Alegra respondeu com um balbucio e Faris, com carinho, pressionou
seu rosto contra o pescoço dela, depositando beijos suaves e inalando seu
cheirinho.
— Amor, precisamos conversar — interveio Safiya, usando o mesmo
tom doce da noite passada, quando nos conhecemos, como se tivesse
reassumido a máscara de gentileza.
O som da voz dela foi o suficiente para inflamar a irritação em minhas
veias, ofuscando momentaneamente o doce quadro de minha filha nos braços
de seu pai.
— Lucy, há algum problema? — Perguntou Faris, ainda com Alegra
aconchegada em seus braços.
— Não, eu estou bem. E você, algo o incomoda?
— Safiya mencionou que você não permitiu que ela levasse Alegra
para passear. Por quê?
Se eu dissesse tudo o que realmente pensava, acabaria como a vilã da
história e ainda teria que suportar Safiya levando minha filha. Optei, então,
por um jogo de astúcia.
— Ah, sim. É que a pequena acordou com um pouco de diarreia hoje.
Suspeito que possa ser a mudança de clima — menti.
— Ela precisa ver um médico?
— Não, é algo simples de resolver com ajustes na dieta.
— Se é algo simples, então posso levá-la para passear — insistiu a
intrusa, confiante — Eu sei cuidar de crianças. Tenho irmãos mais novos.
Droga!
— Eu mesma cuidarei dela — afirmei.
— Lucy, as intenções de Safiya são as melhores — garantiu Faris,
com uma calma que parecia inabalável — Ela apenas deseja se aproximar de
Alegra, já que terá um papel significativo na vida dela.
Ele claramente desconhecia as verdadeiras intenções de Safiya.
— Bem, já que insistem tanto, ela pode passar um tempo com Alegra
— menti, só para ganhar tempo — Só vou dar um banho rápido nela
primeiro, depois da diarreia que ela teve hoje.
— Eu espero aqui — antecipou-se Safiya.
— Ótimo, parece que está tudo resolvido então — concluiu Faris,
voltando sua atenção para a pequena em seu colo — Papai tem que trabalhar
agora, mas voltarei mais tarde para ver você, tá bom, minha princesa?
Alegra, como se entendesse cada palavra, envolveu o pescoço dele
com os braços, abraçando-o com força, revelando uma afeição tão intensa
quanto a minha por ele.
Ele retribuiu o abraço, beijando-a no rosto e nos cabelos, antes de
colocá-la gentilmente de volta no carpete.
Com um último olhar em minha direção, Faris deixou o quarto com a
mesma postura confiante de sempre.
Assim que a porta se fechou, Safiya abandonou sua fachada de
gentileza, retomando a arrogância anterior enquanto se acomodava em um
dos sofás, cruzando as pernas com uma atitude pretensiosa.
— Como você pode ver, eu consigo tudo o que quero — declarou ela,
com um sorriso presunçoso.
— Pois é, parece que sim — admiti, mantendo meus verdadeiros
pensamentos ocultos.
— O que está esperando? Dê logo um banho na menina! Não quero
que ela me passe esse cheiro de diarreia.
— Claro, só um momento — respondi, disfarçando minha irritação.
Peguei Alegra do chão e a levei para o banheiro, não porque Safiya
iria levá-la para fora, mas porque era parte da rotina matinal dela tomar
banho.
Procedi sem pressa, enchendo a banheira lentamente, retirando as
roupas de Alegra e submergindo-a cuidadosamente na água morna. Fiz tudo
com uma lentidão proposital, prolongando cada etapa o quanto pude.
Após o banho, fiz questão de deixar uma torneira levemente aberta e
coloquei a chave da porta do lado de fora, antes de voltar para o quarto, onde
Safiya me esperava, visivelmente impaciente e com uma expressão
carrancuda pela demora.
Mantendo a lentidão, comecei a vestir Alegra, fazendo pausas
frequentes para acariciá-la e mimá-la, como era nosso costume.
— Nunca vi tanta demora para arrumar uma criança — reclamou
Safiya.
— É que nós gostamos de fazer as coisas sem pressa — expliquei,
enquanto deitava Alegra na cama para passar a pomada contra assaduras. Foi
então que decidi iniciar meu plano — Droga! Esqueci as fraldas no banheiro.
Você poderia pegá-las para mim, por favor? — Perguntei, observando Safiya
revirar os olhos, mas levantar-se — Cuidado, há um cano vazando água no
banheiro. Não molhe seu celular.
Como esperado, ela retirou o celular do bolso do vestido e o deixou
sobre o sofá. Assim que Safiya entrou no banheiro, agi rapidamente,
fechando a porta e trancando-a por fora.
Tirei a chave da fechadura e a guardei em meu bolso para garantir que
ela ficasse presa ali por um bom tempo.
— Ei, o que você pensa que está fazendo? — Safiya gritou de dentro,
batendo na porta com força — Abra essa porta agora!
— É apenas um lembrete de que ninguém se aproxima da minha filha
sem a minha permissão — retruquei, enquanto ela continuava a bater na porta
e a lançar uma série de ameaças, prometendo retaliações quando se libertasse.
No entanto, ignorei-a, sabendo que as paredes do palácio tinham
isolamento acústico. Suas súplicas e ameaças ficariam confinadas naquele
banheiro.
Com determinação, vesti Alegra com rapidez, coloquei um hijab para
me camuflar entre as outras mulheres do palácio e saí da suíte. Dei uma
rápida passada pela cozinha para chamar Salma para um passeio e, juntas,
fomos com Alegra para o bosque onde eu costumava me refugiar nos tempos
em que vivi ali.
Determinei que minha filha teria um dia agradável ao ar livre,
desfrutando da natureza, mas ao meu lado, não com uma estranha.
Embora tivesse conseguido evitar o passeio com Safiya hoje, estava
ciente de que haveria outras tentativas. Mas, cada vez que tentassem, eu
estaria pronta com um novo plano. Não permitiria que tirassem minha filha
de mim.
CAPÍTULO 50
Eu estava com vontade de arrancar os cabelos. Já era a terceira
reunião do dia e, como sempre, cheia de números, estatísticas e propostas
absurdas.
O ministro da educação estava sentado à minha frente, falando sobre a
implementação de novos currículos nas escolas do emirado. Ele parecia
animado, mas eu só conseguia pensar em como eu preferia estar em qualquer
outro lugar que não fosse ali.
Inferno! Até lutar contra terroristas parecia menos chato do que lidar
com essas burocracias.
Enquanto ele explicava sobre "os benefícios a longo prazo de uma
educação mais inclusiva", eu dei um suspiro disfarçado. Meus dedos
tamborilavam na mesa, um tique nervoso que eu já nem tentava controlar.
Eu queria interrompê-lo, mandá-lo cortar pela metade a apresentação
e me trazer um resumo. Mas, em vez disso, eu apenas dei um aceno
mecânico, fingindo interesse.
Foi então que a porta do escritório se abriu, sem um aviso formal. Um
dos guardas entrou, fazendo uma pequena reverência antes de se aproximar
com um olhar sério.
— Alteza, desculpe a interrupção, mas a Srta. Safiya deseja falar com
o senhor. Diz que é urgente.
Eu apertei os olhos e senti minha paciência se esvair como água entre
os dedos. Ótimo, era só o que faltava. Mais um problema para resolver, e eu
sabia que não seria nada pequeno. Safiya parecia ter o talento especial para
transformar qualquer problema banal em uma tragédia grega.
— Diga a ela que estou ocupado — respondi, tentando afastar o
incômodo com um gesto rápido.
Mas o guarda hesitou.
— Ela disse que é de extrema urgência, senhor.
Eu quase rolei os olhos, mas sabia que precisava manter as
aparências. Encerrei a reunião abruptamente, agradecendo ao ministro e
prometendo que retomaríamos a conversa em breve.
Assim que ele saiu, suspirei fundo, preparando-me mentalmente para
o drama que certamente estava por vir.
Quando Safiya entrou, eu soube imediatamente que algo estava muito
errado. Seu cabelo estava molhado, grudado nas laterais do rosto, e o vestido,
um modelo de seda dourado, estava ensopado. Parecia que ela tinha sido
arrastada para fora de uma piscina.
— O que diabos aconteceu com você? — Perguntei, não conseguindo
esconder o choque.
Safiya cruzou os braços, batendo o pé no chão com impaciência.
— O que aconteceu? — Ela repetiu, a voz carregada de sarcasmo. —
A sua querida concubina me trancou no banheiro!
Demorei alguns segundos para digerir aquela informação e precisei
me controlar para não rir. A imagem mental de Safiya presa em um banheiro
era, no mínimo, hilária. Claro que Lucy seria capaz de uma coisa dessas.
Claro que faria isso com um sorriso no rosto.
Lucy nunca seguiu regras que não fossem as dela.
— Trancou você no banheiro? — Repeti, levantando uma sobrancelha
— E por que ela fez isso?
Seus enormes olhos cor de mel se ampliaram ainda mais, estampando
uma expressão que mesclava raiva e indignação.
— E isso importa?! — Sem esperar que eu respondesse, ela continuou
falando — Eu fiquei trancada lá por horas. Só consegui sair porque a
faxineira foi fazer a limpeza e me ouviu.
— Eu lamento por isto — falei, necessitando de um grande esforço
para controlar a vontade de sorrir.
— Aquela vadia da Lucy fez isso para me impedir de sair com
Alegra. Ela não quer que eu me aproxime da garota, não quer que eu assuma
o papel que tenho na vida daquela menina. Como sua futura esposa, eu tenho
que ser a mãe dela, mas Lucy se recusa a aceitar isso, porque quer continuar
entre nós.
— Acho que essa não é a intenção dela. Ela só está com ciúmes da
filha.
Ela fitou-me com olhos atônitos.
— Você está defendendo ela?!
— Não. Só estou dando uma informação. Vou falar com ela. Onde ela
está agora?
— E eu que vou saber?! Saiu com a menina assim que me prendeu —
ela jogou as mãos para cima, como se estivesse narrando a maior tragédia dos
últimos tempos — Espero que você seja duro com ela, que deixe claro qual é
o lugar dela neste palácio.
— E qual é o lugar dela?
— Ela é só uma maldita concubina. Você nem deveria mantê-la aqui.
Eu sou perfeitamente capaz de cuidar da sua filha, posso ser a mãe dela. Lucy
não precisa estar aqui.
— Eu vou falar com ela.
Safiya refletiu por um instante.
— Eu vou junto.
— Não. Você vai colocar uma roupa seca antes que adoeça.
— Mas eu quero...
— Eu já disse que não. Com licença.
Antes que ela tivesse tempo de continuar reclamando, dei-lhe as
costas e deixei o escritório.
Precisava fazer com que Lucy entendesse a importância da
convivência de Safiya com Alegra. Não se tratava de tomar o lugar dela de
mãe da garota. Lucy sempre seria a mãe da minha filha.
No entanto, em breve Safiya se tornaria a minha esposa, ela precisava
ter essa interação com a minha filha, pois haveria eventos e viagens
importantes nos quais precisaríamos comparecer como uma família.
Eu queria Alegra comigo o tempo todo, mesmo quando saísse e
viajasse, e não podia simplesmente levar outra mulher a esses lugares, que
não fosse a minha esposa. O que todos iam pensar?
Perguntei aos empregados onde Lucy estava, mas ninguém sabia do
paradeiro dela. Não precisei de muito esforço mental para presumir que ela só
podia estar nos recônditos do bosque, onde não havia ninguém para julgar, ou
reparar no jeito como ela se portava e se vestia.
Segui direto para lá, já esperando o que iria encontrar. Quando me
aproximei, vi de longe a cena. Alegra, minha pequena luz, estava no chão,
brincando com folhas e pedrinhas.
Com tantos brinquedos caros que eu havia comprado para ela, e sua
mãe a deixava brincar com folhas e pedras.
Lucy e Salma estavam sentadas em toalhas estendidas na grama,
conversando tranquilamente, como se o mundo fosse um lugar sem
preocupações. Lucy ria de algo que Salma havia dito, e o som das risadas se
misturava ao murmúrio do vento batendo nas copas das árvores.
Elas não me viram de imediato, e permaneci ali, observando-as
fascinado.
Lucy emanava uma energia que transformava tudo ao seu redor. Sua
presença iluminava qualquer ambiente, e ela tinha o dom de enxergar o lado
leve da vida, descomplicando até os momentos mais tensos. Era como se até
o vento e as árvores se curvassem em reverência à sua alegria contagiante.
Ou talvez fosse apenas minha visão distorcida, ofuscada pela paixão
avassaladora que sempre senti, e sempre sentiria, por essa mulher. Eu deveria
estar ali para repreendê-la, mas qualquer traço de irritação havia desaparecido
diante dela.
Tudo o que eu queria era sentar ao seu lado, tomá-la em meus braços,
perder-me na suavidade dos seus cabelos castanhos e sentir o calor de seu
corpo contra o meu. Queria ouvi-la rir enquanto nossa filha corria e brincava
perto de nós, suas risadas ecoando como uma melodia perfeita.
Era mesmo uma merda que não se podia ter tudo que desejava.
Continuei observando-a, escondido nas sombras, fascinado pela
facilidade com que ela sorria, inebriado pela paixão que consumia meu peito,
deixando-me sem fôlego.
Lembrei-me da primeira vez em que fiz amor com ela, exatamente
naquele ponto do bosque. A imagem de nós dois juntos, nus, perdidos nos
braços um do outro, se formou em minha mente e precisei me esforçar para
reprimir o desejo que ameaçou se alastrar pelas minhas veias.
Lembrei-me de como ela tinha sussurrado meu nome naquele
momento, da forma como tinha me tocado, como se eu fosse tudo o que ela
precisava no mundo. E agora, ali estava ela, rindo, sentada entre as folhagens,
com nossa filha brincando a poucos metros.
Eu me aproximei em silêncio, tentando reacender a raiva que tinha
sentido antes. Lucy me viu e sorriu, um sorriso largo e travesso, o tipo de
sorriso que prometia problemas. Eu me coloquei diante dela, cruzando os
braços e estreitando os olhos.
— Você trancou Safiya no banheiro? — Indaguei.
Lucy piscou, inocente como um anjo.
— Talvez — ela deu de ombros — Ou talvez ela tenha se trancado
sozinha. Você conhece Safiya, ela pode ser meio desajeitada.
— Lucy...
— O quê? Eu só estava protegendo nossa filha — ela ficou de pé,
encarando-me desafiadoramente, como ninguém mais se atrevia a fazer.
Por um segundo, eu quis puxá-la para mim e beijá-la até ficarmos sem
fôlego, como fiz tantas vezes. Mas eu sabia que precisava ser firme. Não
podia deixar essa paixão descabida desviar-me do fato de que havia uma
discussão necessária.
— Ela não ia fazer mal nenhum a Alegra. Ela só queria interagir com
a garota — falei, firmemente.
— Ela quer assumir o lugar de mãe da minha filha, para agradar você!
Mas não permitirei que isso aconteça. Alegra já tem uma mãe, e sou eu! —
Dessa vez ela gritou e me impacientei, apertando o espaço entre meus olhos,
buscando serenidade interior para lidar com essa mulher.
Não seria saudável para Alegra estar no meio desta discussão, então
virei-me para Salma.
— Salma, você poderia levar Alegra para o quarto dela?
— Claro, alteza.
— Ela não vai entregar minha filha para aquela árvore de natal! —
Lucy interveio, colocando-se no caminho de Salma.
— Não. Só vai levá-la para o quarto enquanto conversamos — falei
— Não é saudável para uma criança presenciar conflitos.
— Nesse caso, pode levar — declarou como se fosse a dona do
palácio.
CAPÍTULO 51
Senti a tensão se formar no ar assim que Salma pegou Alegra e se
afastou, enquanto Lucy me fitava com um olhar que poderia incinerar
florestas inteiras.
O bosque que antes parecia calmo e ensolarado agora se transformava
no palco de uma tempestade que só Lucy e eu éramos capazes de criar. A
fúria em seus olhos cor de avelã estava estampada de maneira inconfundível.
E o pior era que ela estava linda assim, com as bochechas coradas de
raiva, a respiração ofegante. Odiava admitir o quanto isso me atraía.
Respirei fundo, reunindo o autocontrole que me restava, e comecei:
— Lucy, você precisa entender. Não se trata de tirar você da vida de
Alegra. Safiya vai se tornar minha esposa. Alegra precisa interagir com ela,
para o bem da nossa família. Para o bem do meu emirado.
Ela bufou, cruzando os braços, o que só serviu para empurrar seus
seios para cima, atraindo o meu olhar por um breve segundo, o que não
passou despercebido por ela.
— Que se foda o seu emirado! Aquela vaca não vai colocar as mãos
na minha filha! — Por Allah! Essa mulher não tinha papas na língua! —
Você acha que Safiya quer passar tempo com Alegra porque se importa com
o emirado? Faris, pelo amor de Deus, essa mulher nem sabe trocar uma
fralda! Ela quer se aproximar de Alegra para mostrar a você que pode ser a
"mãe perfeita", que pode tomar o meu lugar. Ela quer que você me afaste
daqui.
— Você está sendo irracional — minhas palavras saíram mais duras
do que eu pretendia — Ninguém está tentando tomar o seu lugar. Mas você
não pode trancá-la em um banheiro! Que tipo de comportamento é esse?
Você quer que eu defenda isso?
Ela deu um passo na minha direção, tão próxima que eu podia sentir o
calor de seu corpo, o cheiro de jasmim que sempre me deixava tonto.
— E o que você vai fazer, então? Me punir? Vai me trancar no porão?
— Ela ergueu ainda mais o queixo, desafiadoramente — Você pode ser o
emir, Faris, mas não pode controlar tudo. Não pode controlar a mim.
Eu senti meu sangue ferver. Me aproximei, agora a centímetros dela,
meu peito subindo e descendo com a respiração pesada.
— Você não entende. Não se trata de controle. Se trata de fazer o que
é certo para Alegra. De criar uma convivência saudável. Safiya vai estar
presente, queira você ou não. E eu preciso que você colabore.
Lucy riu, uma risada amarga e sarcástica, como se eu tivesse acabado
de contar a piada mais estúpida do mundo.
— Colaborar? Não vou ajudar aquela árvore de natal ambulante a se
aproximar da minha filha. Se vocês querem formar uma família, para desfilar
com ela na frente de todos, vocês que tenham seus próprios filhos!
— Nós teremos! Mas, por enquanto, Alegra é minha única herdeira e
preciso que minha esposa seja próxima a ela.
O rosto de Lucy ficou vermelho, seus olhos reluzindo de tanto ódio.
— Se vai ter outros filhos com ela, deixe minha Alegra em paz!
Dito isto, ela avançou para cima de mim, descontrolada, esmurrando-
me no peito, mas sem me afetar realmente.
Na tentativa de fazê-la se acalmar, segurei os seus pulsos,
imobilizando-os na frente do corpo. Quando senti a maciez da sua pele sob o
toque da minha mão, minha mente parou.
Tudo o que eu queria dizer evaporou. Senti uma explosão de
sentimentos tomar conta de mim, raiva, desejo, frustração. E antes que eu
pudesse pensar, antes que pudesse me controlar, puxei Lucy para junto do
meu corpo com um movimento brusco.
— O que você está fazendo? — Ela tentou se desvencilhar, mas eu a
segurei firme.
— Você fala demais — murmurei, minha voz rouca de desejo.
Eu não esperei sua resposta. Me inclinei e tomei seus lábios com os
meus, em um beijo faminto, voraz, carregado de tudo o que estava preso
dentro de mim.
A princípio, Lucy se debateu, seus punhos, agora livres, batendo
contra meu peito. Mas eu continuei, segurando-a firmemente, meus dedos
afundando na curva da sua cintura, trazendo-a para mais perto.
Ela gemeu contra meus lábios, ainda resistindo, mas então senti
quando sua resistência começou a derreter e logo ela cedeu, seus punhos se
transformando em mãos que agarravam minha túnica, puxando-me para mais
perto, correspondendo ao beijo com igual intensidade.
Por Allah! Como era bom beijá-la. Como era bom sentir sua boca,
quente e urgente, respondendo à minha.
A língua dela dançava com a minha, enquanto seu corpo se moldava
contra o meu, como se pertencesse exatamente ali, encaixada nos meus
braços.
Quando nos separamos, ofegantes, os olhos dela estavam nublados de
desejo, as bochechas coradas de um rubor delicioso.
— Você é um idiota, Faris — ela sussurrou, sua voz embargada, ainda
tentando manter uma aparência de raiva, mas eu sabia que estava se
quebrando.
— E você, uma teimosa insuportável — retruquei.
Ela tentou se afastar, mas eu não deixei. A segurei contra mim, uma
das mãos prendendo sua nuca, os dedos afundando nos fios macios do seu
cabelo castanho. Meu polegar traçou a linha do seu maxilar, acariciando sua
pele delicada.
— Não podemos fazer isso. Como você mesmo disse ontem à noite,
precisa ser leal à sua noiva — sussurrou ela, ofegante.
— Eu sei — sussurrei, fechando os olhos e apoiando minha testa na
dela.
Eu queria ser mais forte, ser capaz de resistir à paixão visceral que
Lucy despertava em mim, pois precisava ser leal ao compromisso que havia
assumido, tanto com Safiya quanto com o irmão dela.
No entanto, eu já não tinha forças para impor qualquer espaço entre
mim a essa mulher. Eu a queria nua em meus braços. Queria tanto, que
chegava a ser quase uma agonia.
— Mas não consigo me afastar de você... — sussurrei — Você é
como um vício, uma cocaína que eu preciso para sobreviver. Não sei como
consegui suportar esses dois anos sem você.
Abri os olhos e me deparei com suas írises avelãs carregadas de
emoção.
— Eu sinto o mesmo... — admitiu, com um sussurro — Te quero
tanto que chega a ser doloroso.
— Você se lembra da primeira vez em que ficamos juntos? Foi
exatamente neste lugar.
— E como eu poderia não lembrar? Por mais que tenha tentado,
nunca consegui esquecer o que vivi em seus braços.
— Não era para ter tentado esquecer.
Eu inclinei a cabeça e a beijei novamente, com paixão e loucura,
extravasando a saudade que me acompanhou durante esses dois anos em que
estivemos longe um do outro.
Tentei me apegar ao meu lado racional, relembrar de todos os porquês
de não poder ficar com Lucy, mas cada pensamento e sentimento sucumbiu à
paixão, ao desejo voraz que ardia em todas as minúsculas partículas do meu
ser, a luxúria tomando conta de tudo, incendiando minhas veias como fogo
em gasolina.
Tomado pela certeza de que nada, nem ninguém, seria capaz de me
fazer parar, levei as mãos ao zíper na parte de trás do vestido de Lucy e o
abri, deslizando as alças da peça de seda pelos seus ombros, fazendo com que
caísse aos seus pés.
Soltei um grunhido animalesco na boca dela quando descobri que não
estava usando sutiã, os seios firmes e redondos pressionando meu peito por
sobre a túnica, arrastando-me ainda mais para aquele estado de insensatez.
Sem interromper o beijo, espalmei uma mão sobre um dos seios dela,
extasiado ao sentir a rigidez da sua carne macia e delicada.
Um gemido escapou dos lábios de Lucy, e morreu nos meus, quando
esfreguei o mamilo durinho entre meus dedos, ao mesmo tempo em que
descia a outra mão pelas costas dela, apertando a bunda firme, pressionando
seu corpo frágil contra a rudeza da minha ereção, o que fez com que ela
amolecesse ainda mais nos meus braços, completamente entregue e excitada.
Incapaz de resistir, separei meus lábios dos dela e coloquei um dos
seios na boca, chupando firmemente o mamilo, enquanto Lucy infiltrava os
dedos em meus cabelos e lançava a cabeça para trás, choramingando, pedindo
mais de mim.
Segurei o seio dela por baixo e movimentei a língua sobre o mamilo
intumescido, antes de recomeçar a chupar. Ao mesmo tempo, infiltrei os
dedos na calcinha minúscula dela e acariciei a boceta lisinha, macia e
depilada.
Outro grunhido escapou da minha garganta quando introduzi os dedos
entre seus lábios vaginais e a encontrei toda molhadinha, preparada para
mim. Massageei o clitóris em círculos e, com um gemido, Lucy flexionou o
joelho, pendurando sua perna em meu quadril, dando-se mais para mim.
Nesse instante, fui inundado por um desejo quase enlouquecedor de
sentir o gosto daquela bocetinha melada, então, sem hesitar, abaixei-me
diante dela. Com mãos urgentes, tirei sua calcinha pelos pés e usei os
polegares para afastar os lábios carnudos da sua boceta, contemplando,
extasiado, sua carne rosada, macia, molhada.
Passei a língua lentamente da entrada da vagina até o clitóris, e Lucy
soltou um gemido alto, descontrolado, pendurando a perna sobre meu ombro
e se segurando em meus cabelos para se equilibrar.
Passei a língua novamente, em toda a extensão da bocetinha,
maravilhado com o sabor de pecado que só ela tinha, o gosto da luxúria mais
crua que já experimentei.
Continuei chupando aquela xoxotinha deliciosa, ora lambendo o
clitóris, ora penetrando a vagina com a língua. Às vezes eu concentrava os
movimentos da minha língua sobre seu feixe de nervos e penetrava sua
vagina com os dedos, movendo-os em vai e vem, e quando Lucy se
aproximava do gozo eu parava, apenas para prolongar os sons dos gemidos
dela ecoando em meus ouvidos.
Eu já não compreendia como fui capaz de viver dois anos sem ouvir
aqueles gemidos, sem sentir o gosto e o cheiro que aquela mulher tinha.
Lucy estava muito perto de gozar, quando parei e me levantei. Ela me
agarrou com loucura, movendo seus lábios nos meus, chupando minha língua
com força, ao mesmo tempo em que suas mãos urgentes tentavam arrancar
minha túnica.
Interrompi o beijo e me afastei, apenas o bastante para que minhas
mãos e as dela arrancassem até minha última peça de roupa, com uma
urgência absoluta.
Sabermos que podíamos ser apanhados fazendo aquilo, em plena luz
do dia, sob as sombras das árvores, só tornava tudo mais excitante,
extasiante.
Eu estava completamente nu quando Lucy ajoelhou-se à minha frente
e segurou meu pau entre seus dedos, passando a língua em volta da glande,
depois lambendo toda a sua extensão, com tanta maciez que quase me levou à
loucura.
Ela deslizou aquela língua gostosa até a base do meu cacete e colocou
uma de minhas bolas na boca, chupando-a deliciosamente, com tanta
experiência que balancei a cabeça, evitando pensar onde tinha aprendido a
fazer aquilo.
Após lambuzar meu pau e minhas bolas, Lucy finalmente o colocou
na boca, engolindo-o quase por inteiro, empurrando-o até a garganta.
Começou a mover a cabeça lentamente, fazendo com que meu cacete entrasse
e saísse, e aos poucos assumiu um ritmo acelerado, chupando-me
freneticamente.
— Porra... que delícia... — rosnei, segurando os cabelos longos dela,
tirando-os do caminho da minha visão.
Fiquei ainda mais doido quando vi os lábios dela esticados,
abocanhando meu pau, e empurrei a cabeça dela, penetrando ainda mais
fundo, fazendo com que me engolisse até seus olhos lacrimejarem.
Eu estava quase enchendo aquela boquinha gostosa de porra, quando
fiz com que ela parasse.
— Quero gozar nessa bocetinha gostosa... — Avisei, com um
grunhido.
CAPÍTULO 52
Sentindo como se todo o sangue do meu corpo estivesse concentrado
no meu pau, duro como uma pedra, peguei Lucy nos braços e a deitei sobre a
toalha forrada no chão, a mesma sobre a qual Salma e ela estiveram sentadas
antes.
Coloquei-me sobre ela e a penetrei, com um golpe duro e rápido.
Quase fui à inanidade quando senti as paredes lambuzadas do seu canal
engolindo me pênis, contraindo-se e relaxando em torno da minha carne dura,
como se o mamasse com a vagina.
— Caralho... você é gostosa demais... — sussurrei.
Apoiei o peso do meu corpo nos cotovelos e, sem desviar meu olhar
do rosto dela, puxei o pau e o enterrei novamente, até o talo, sem nenhuma
gentileza, meus quadris assumindo um ritmo cada vez mais acelerado,
entrando e saindo dela cada vez mais depressa, enquanto Lucy gemia e
gritava cada vez mais alto.
Precisei apoiar meu peso em apenas uma mão e cobrir a boca dela
com a outra, afinal não queríamos que algum guarda aparecesse, achando que
alguém estava sendo torturada por ali.
Pendurei as pernas de Lucy em meus braços e a fodi ainda mais
brutalmente, chocando minha pélvis contra a dela, batendo a cabeça do meu
pau no fundo do seu corpo, enlouquecido com o jeito como ela respondia,
gemendo e choramingando, apertando meu pau com os músculos da sua
vagina.
Depois de um longo momento, encerrei a penetração e ordenei que ela
se virasse de bruços. Lucy nem hesitou. Fitando-me com aquela carinha de
safada, obedeceu, virando-se e suspendi seus quadris, deixando-a de quatro,
com a bunda empinada e as pernas bem afastadas.
Inclinei-me e dei umas boas lambidas na bocetinha inchada e
avermelhada de tanto levar vara, antes de segurá-la e me enterrar nela
novamente, por trás, metendo forte e rápido, enquanto ela mesma cobria sua
boca com a mão para abafar seus gritos de prazer.
Foram três orgasmos seguidos. Nossos corpos beiravam a exaustão
quando por fim nos aquietamos, nus, deitados sobre a toalha, com nossos
corpos aninhados no do outro, nossas pernas entrelaçadas.
Nada se comparava à forma como Lucy me fazia sentir em momentos
como esse. Parecia que estávamos numa bolha só nossa, envolvidos por uma
atmosfera gostosa de paz, de tranquilidade e intimidade.
Quando estava assim como ela, eu sentia como se nada mais no
mundo me faltasse, como se ela me completasse.
— Só faz dois dias que você chegou aqui, e já estamos assim —
comentei, sem conseguir evitar o sorriso que se sustentava em meus lábios.
— É esse bosque. Acho que ele tem algum tipo de encanto.
Dei uma risada do comentário dela e apoiei a cabeça no cotovelo para
fitar o seu rosto. Sob a claridade do dia, seus olhos ficavam ainda mais
brilhantes, com aquele lindo tom de avelã reluzindo a luz do sol.
Seus cabelos longos eram sedosos, brilhantes e tinham um cheiro que
era só dela.
— Não é o bosque — afirmei — É o que sentimos um pelo outro.
Essa paixão que nos consome é única e jamais terá fim. Eu ainda não consigo
entender como consegui viver tanto tempo longe de você.
Uma ruga se formou no centro da testa dela, e passei a ponto do meu
indicador na linha do seu rosto, tentando dissipá-la.
— O que está se passando por essa cabecinha? — Indaguei.
— Durante esses dois anos, eu nunca fiquei com outro homem.
— Fico feliz em saber disso.
— Não era apenas por falta de tempo, e sim porque eu só pensava em
você e nunca consegui me interessar por nenhum outro — ela umedeceu os
lábios, antes de continuar falando — Você, no entanto, não perdeu tempo.
— Eu não estou noivo de Safiya por amor, se é isso que está
insinuando. Meu noivado com ela é um simples negócio.
— Mas bem que você está aproveitando o “negócio” pra dormir com
ela.
— Não. Não estou.
— Fala sério, Faris. vai me dizer que não transou com ela ontem,
antes de ir ao meu quarto?
Fiquei surpreso que ela estivesse pensando isso.
— Eu não transei. Safiya é virgem. Ela está se guardando para o
homem com quem vai se casar.
Um misto de diversão e incredulidade se estampou na expressão de
Lucy, enquanto ela tentava conter o sorriso que teimava em se formar no
canto da sua boca.
— Virgem? Isso ainda existe? — Indagou com tom divertido.
— Não só existe, como é bastante comum entre as mulheres árabes.
Todas elas se casam virgens.
Lucy soltou uma gargalhada contagiante, o som ecoando pelo bosque
silencioso.
— Ainda bem que eu não nasci aqui, porque perdi a virgindade com
quinze anos, e nem me lembro mais o nome do garoto.
— Eu não quero ouvir isso.
— Tudo bem, desculpe — ela acariciou meu rosto com o dorso da
mão, carinhosamente, enquanto seus olhos lindos fitavam os meus — Aposto
que você tá doido pra se casar logo e quebrar o cabaço dela — disparou e não
segurei a risada.
— Cabaço?! Essa palavra ainda existe?
— Só no meu vocabulário.
Sorri novamente, mas de súbito fiquei sério, refletindo sobre minhas
próximas palavras, me certificando de que era isso mesmo que eu queria. Não
tive nenhuma dúvida. Lucy era a única mulher com quem eu gostaria de
construir uma vida.
— Lucy... — Comecei, segurando a mão dela entre nossos corpos nus
— Eu amo você. amo mais que tudo e amo nossa filha. Se você concordar em
se casar comigo, em se tornar a minha esposa, eu encerro agora mesmo esse
noivado com Safiya — Lucy ficou séria, seus olhos expressando uma mistura
de perplexidade e confusão — Basta uma palavra sua. Diga que me aceita
como seu marido, e eu termino com ela.
Me silenciei, esperando que ela declarasse seu amor e verbalizasse o
quanto queria ser minha pelo resto de nossas vidas. No entanto, Lucy
permaneceu em silêncio, enquanto os segundos se arrastavam com uma
lentidão torturante.
— Faris... eu não sei o que dizer... — murmurou, finalmente.
— Diga que sim. Que quer ser minha esposa. Que também me ama.
— Eu te amo. Com todo o meu coração. Jamais tenha dúvida disso.
Mas... mas...
— Mas não quer viver comigo. É isso?
— Eu não sirvo pra ser esposa de um sheik. E muito menos pra viver
no seu mundo. Você já teve provas disso. Minha personalidade já te custou
uma guerra, e eu sei que nunca vou mudar.
— Você pode mudar. Basta tentar.
— Eu não posso. E... não quero mudar. Eu gosto de ser assim. E
quero que Alegra seja como eu, livre para pensar e falar o que quiser.
— Eu não quero te perder.
— Você não precisa me perder — ela passou a mão nos meus
cabelos, carinhosamente, sem jamais desviar seu olhar do meu — Venha
comigo para os Estados Unidos. Deixe Rami no seu lugar, como sheik de
Fujairah. Vamos construir uma vida nova junto com nossa filha, em qualquer
lugar que você escolher. Menos aqui.
Suspirei profundamente, sentindo meu coração pesar no peito. Nós
nos amávamos, mas jamais ficaríamos juntos.
Por mais que ir embora com Lucy fosse tudo o que eu mais quisesse,
era um sonho irrealizável, uma utopia. Eu tinha minhas responsabilidades,
não podia simplesmente trair meu povo e minha família, abandonando-os.
Nós teríamos que continuar como estávamos, sendo amantes,
enquanto eu me casava com Safiya para formar uma aliança indispensável
para o meu povo. E se Lucy não aceitasse o papel de amante de um homem
casado, como certamente não aceitaria, nós teríamos que nos deixar.
— Lucy... — sussurrei — Não há nada que eu queira mais que ter
essa vida de liberdade com você, mas é impossível. Eu nasci com um destino
traçado, e não posso fugir dele.
— Não é impossível. Largue tudo. Venha comigo. Vamos ser felizes
juntos.
— Seja minha esposa. Seremos felizes aqui.
— Eu não posso.
— Nesse caso, precisaremos ser amantes, depois que eu me casar.
Lucy deu um tapinha no meu ombro.
— Só mesmo na sua cabeça vou ser amante de um homem casado.
— Então, terei que te convencer.
Antes que ela pudesse protestar, me apossei dos seus lábios, em um
beijo lento, erótico e delicioso, seu gosto despertando o desejo selvagem em
cada fibra do meu corpo.
Sem separar minha boca da dela, desci uma mão pelo seu corpo e a
acomodei entre suas pernas, massageando seu clitóris no mesmo ritmo lento
com que movia minha língua dentro da sua boca, o desejo crescendo como
chamas, tornando-se quase insuportável.
Lucy abriu mais as pernas e infiltrei dois dedos na sua vagina
lambuzada pelos nossos gozos, fodendo-a lentamente, enquanto ela
choramingava na minha boca, pedindo por mais.
Foi nesse instante que a voz fina e alarmada ecoou de perto,
rompendo o silêncio tranquilo do bosque:
— Foi para isso que você trouxe essa mulher pra Fujairah?! —
Esbravejou Safiya, de poucos metros de distância.
Lucy e eu nos levantamos do chão com um sobressalto. Enquanto
Lucy catava apressadamente suas roupas do chão, eu me dirigia à Safiya,
seus olhos dourados, atônitos, varrendo a minha completa nudez, se
arregalando um pouco mais ao se deterem sobre a minha ereção.
— Como ousa interromper o seu sheik em um momento de
intimidade?! — Vociferei, mesmo ciente de que estava errado.
— P-Perdão A-Alteza, eu s-só q-queria s-saber o-onde e-estava —
Safiya gaguejava, enquanto mantinha os olhos arregalados fixos no meu pau.
— Agora que já sabe que estou ocupado, pode ir embora! — Berrei.
Safiya finalmente levantou o olhar. Encarou Lucy com ódio mortal, e
então nos deu as costas, andando de volta para o palácio, com passos lentos e
firmes.
— Caralho, se algum dia minha filha se deixar ser humilhada assim
pelo homem de quem está noiva, eu sou capaz de me matar — disse Lucy,
enquanto terminava de vestir o seu vestido.
— Isso não foi humilhação — falei, recolhendo minhas roupas do
chão — Na nossa cultura é comum que tenhamos várias mulheres ao mesmo
tempo. Inclusive, várias esposas. Safiya sabe disso e sabe também que me
deve obediência.
Lucy cruzou os braços, fitando-me com uma empáfia que conseguiu
suscitar a minha irritação.
— E esse é o principal motivo pelo qual não posso me casar com
você. Eu jamais aceitaria ser subjugada desta forma por um homem, e muito
menos dividi-lo com outra mulher.
— Eu já te falei que, se nos casarmos, você será a única — respondi,
sem conseguir conter a irritação.
— Eu não acredito nisso, Faris. No momento em que surgisse uma
oportunidade de fazer uma aliança política importante, através de um
casamento, você colocaria outra mulher entre nós.
— Está me chamando de mentiroso?! — Disparei, enquanto tentava
desamarrotar minha túnica.
— Não. Só estou dizendo que tanto você, quanto essa sua cultura
maluca, são machistas pra caralho! Eu não sirvo pra viver assim.
— Com esse tipo de vocabulário, não serve mesmo! — Me arrependi
pelas palavras no instante em que vi o rosto de Lucy assumir um tom
avermelhado, de pura raiva.
— É mesmo melhor você se casar com a sua cadelinha de estimação e
me deixar em paz! Só não mande que ela volte a me importunar tentando se
aproximar da minha filha! Da próxima vez, eu a atiro pela janela!
Dito isto, Lucy girou nos calcanhares e saiu andando rumo ao palácio,
enfezada como uma mula.
Mas que temperamento difícil tinha essa mulher! Nós nos amávamos,
mas jamais daríamos certo juntos.
A decisão mais sensata a ser tomada, seria mesmo me casar com
Safiya e tentar tirar Lucy da minha cabeça de uma vez por todas. Apenas
assim eu teria paz algum dia.
CAPÍTULO 53
Há cinco dias que o palácio fervilhava em festividades. Diversos
eventos precediam meu casamento com Safiya, organizados meticulosamente
por Noor e minha mãe, com o auxílio dos empregados e até de Hannah,
minha irmã caçula, que viajara dos Estados Unidos especialmente para a
cerimônia.
A cidade inteira vibrava em celebração à minha união com a irmã do
sheik de Dubai. No palácio, tínhamos celebrado separadamente as festas
masculinas e femininas, além de outros rituais tradicionais que marcavam
nossas culturas.
Contudo, o momento culminante se aproximava: o Katb Al-Kitab, a
cerimônia religiosa que me consagraria, de fato, como o esposo de Safiya,
estava programada para hoje.
Dentro de poucas horas, eu seria um homem casado, e tudo o que eu
queria era correr, fugir para o mais longe possível, deixar tudo para trás,
minhas malditas obrigações, meu título, e o futuro que me foi imposto.
Mas correr não era uma opção para um homem na minha posição.
Eu não queria ser marido de Safiya. A única mulher que eu desejava
manter na minha vida era Lucy, mas o preço para tê-la era alto demais.
Desde que fizemos amor no bosque, quando fomos flagrados por
Safiya, há quatro dias, eu não voltei a vê-la.
Evitei-a com uma determinação quase insana, como se, ao mantê-la
distante, pudesse apagar a lembrança do seu gosto em minha boca, do seu
corpo junto ao meu, e arrancá-la de uma vez do meu coração.
Mas a verdade era que essa paixão por Lucy era como um fogo
incontrolável que queimava em minha alma, uma chama que eu sabia que, se
permitisse queimar mais uma vez, consumiria tudo o que eu construí até aqui.
Eu queria tanto… Por Allah, como eu queria simplesmente deixar
tudo para trás. Abandonar a vida em Fujairah, esquecer o peso das
responsabilidades, e fugir com Lucy para qualquer lugar onde pudéssemos
ser apenas nós dois, sem mentiras, sem promessas vazias.
No entanto, esse era um desejo impossível.
Como eu poderia trair meu povo e minha família? Como poderia virar
as costas para todos que dependiam de mim, quando cada decisão minha
carregava o destino de tantas vidas?
A realidade me arrastava de volta como correntes invisíveis, e quanto
mais eu me debatia, mais sufocado me sentia. E ali estava eu, prestes a dar o
passo definitivo para longe da única mulher que fez meu coração bater de
verdade.
Uma escolha cruel e inevitável, porque amar Lucy significava destruir
tudo o que eu deveria proteger. E a dor dessa escolha me rasgava por dentro,
uma agonia silenciosa que ninguém jamais entenderia.
Cheguei vinte minutos atrasado à cerimônia de casamento, realizada
em um dos salões do palácio.
Entrei no recinto como quem caminhava rumo a uma execução
pública. Os tapetes vermelhos de seda e os lustres de cristal refletiam uma luz
dourada que parecia iluminar tudo, menos a minha alma.
O ambiente estava deslumbrante, repleto de flores brancas, gardênias
e jasmins, com um aroma doce que não conseguia disfarçar o amargor que eu
sentia por dentro.
De um lado, estavam os homens, conversando animadamente, todos
com seus trajes tradicionais impecáveis, e do outro, as mulheres, com
vestidos brilhantes e joias que ofuscavam os olhos.
No centro, sob um arco de flores exuberantes, Safiya me esperava,
vestida com um elegante vestido branco adornado com ouro e pedras
preciosas.
O olhar dela, apesar de sereno e impecável, parecia me atravessar
como se soubesse que meu coração estava em outro lugar.
E ela sabia. Depois que ela me flagrou fazendo amor com Lucy
bosque, deixei claro que amava Lucy e sempre a amaria. Ainda assim, ela se
recusou a romper o noivado. Estava se casando com um homem que não a
amava, porém, não estava sendo enganada.
Ao lado de Safiya, estavam o wali[12] e seu irmão e guardião legal, o
sheik Rashid Al-Maktoum, líder de Dubai.
Rashid era o tipo de homem que sempre sabia o que queria e não
hesitava em conseguir. Ele me olhava como se eu fosse um ser privilegiado, o
que não era de todo mentira, já que muitos sheiks almejavam desposar a irmã
dele, a fim de formar aliança com o emirado mais poderoso de todos.
Entre todos os outros líderes dos Emirados Árabes, Safiya escolheu a
mim.
Minha mãe estava ao lado da noiva, junto com a mãe dela,
sustentando um sorriso radiante que eu não via há anos.
Ela parecia genuinamente feliz, como se aquele casamento fosse a
realização de um sonho antigo. E talvez fosse, o sonho dela, pelo menos.
Ao seu lado, minha irmã Hannah, sempre a mais observadora, não
escondeu a expressão preocupada quando cruzamos os olhares. Era como se
ela conseguisse enxergar o caos que eu tentava manter oculto.
Do outro lado, Rami estava junto aos meus conselheiros, mostrando-
se sério como em poucas ocasiões da sua vida.
O imã[13], já posicionado à frente, ajeitou sua barba grisalha e me deu
um sorriso compreensivo, como quem entende que o casamento é um
caminho inevitável para homens na minha posição.
— Você está pronto, Vossa Alteza? — Perguntou ele, sua voz calma e
cheia de uma serenidade que eu não sentia.
“Pronto como alguém indo para a forca”, pensei, mas apenas assenti.
Minha mente estava a mil, vagando de volta para Lucy. O gosto dela
ainda estava em minha boca, a sensação do corpo dela contra o meu era uma
lembrança viva, pulsante, como se tivesse acontecido um minuto atrás.
Como eu poderia estar aqui, prestes a assinar um contrato de
casamento, que faria com que eu perdesse Lucy para sempre, quando tudo o
que eu queria era estar ao seu lado, fugir com ela e nossa filha para um lugar
onde ninguém pudesse nos encontrar?
A realidade era uma âncora pesada que me puxava de volta para o
chão.
O imã começou a falar, recitando as palavras do khutbah[14], que
explicavam a importância do casamento segundo a Sharia. Eu mal ouvia. O
barulho dos meus próprios pensamentos era mais alto que qualquer coisa
naquele salão.
— O casamento é um contrato, um compromisso que une duas almas
sob a vontade de Allah — dizia ele, mas tudo o que eu conseguia pensar era
que minha alma já estava comprometida com outra mulher.
Ao meu lado, Rashid ergueu a voz.
— O dote foi acordado conforme nossas tradições. Faris ofereceu à
minha irmã Safiya um presente generoso, como deve ser — ele soava quase
satisfeito, como se estivesse fechando um negócio lucrativo.
Eu me perguntei se ele sabia, se ele sequer desconfiava de que eu
estava ali apenas com o corpo, porque meu coração e minha alma estavam
bem longe. Mas claro que não. Para Rashid, esse tipo de sentimento não tinha
a menor importância.
O casamento era apenas uma aliança de poder, status, e a manutenção
de uma linhagem impecável.
Eu olhei para Safiya, que estava quieta, mas seu olhar encontrava o
meu. Mesmo sabendo que eu não a amava, nem sequer hesitava em se tornar
a minha esposa. Acreditava piamente que, com o tempo, eu passaria a amá-la
como amava Lucy.
Não poderia estar mais enganada.
O contrato de casamento foi colocado à minha frente, um pergaminho
de aparência solene, com caligrafia detalhada. O imã explicou calmamente os
termos: o mahr[15], as promessas, as obrigações.
Era o ritual que eu conhecia de cor, tendo assistido a tantas
cerimônias iguais. Mas, naquele momento, senti como se estivesse assinando
minha própria sentença de morte.
Peguei a caneta e, por um instante, hesitei, o pergaminho diante de
mim parecendo uma sentença definitiva.
Minhas mãos estavam trêmulas, e eu nunca tremia. Mas ali, naquele
instante, meu mundo estava em pedaços, e tudo o que eu conseguia pensar
era em Lucy, o sorriso dela, a risada dela, o som suave da sua voz.
Como eu poderia continuar? Como eu poderia viver com a escolha de
abandoná-la para sempre?
Olhei para o rosto de Safiya, sereno e calmo. Ela percebeu a minha
hesitação e seus olhos se arregalaram, estampando um misto de incredulidade
e desespero.
Senti uma pontada de culpa, mas essa culpa logo se transformou em
uma onda de certeza.
Eu não podia continuar. Aquela vida de privilégios e deveres não
valia nada sem Lucy ao meu lado. E, pela primeira vez, me dei conta de que
estava disposto a renunciar a tudo, meu título, meu poder, minha família, para
estar com ela.
Minha respiração ficou mais pesada. O imã continuava falando, a voz
dele um murmúrio distante que eu mal conseguia ouvir.
Me virei para Rashid, que me encarava com expectativa. Seus olhos
estavam cheios de satisfação, por se encontrar prestes a selar uma aliança tão
importante.
Respirei fundo e, antes que pudesse perder a coragem, soltei a caneta.
— Eu não posso fazer isso — declarei.
O salão inteiro pareceu prender a respiração. O murmúrio de choque
percorreu o ambiente como um trovão abafado. Rashid estreitou os olhos,
uma expressão de incredulidade e raiva surgindo em seu rosto.
— Como assim, Faris? — Perguntou ele, a voz cortante — O que
você está dizendo?
Eu o encarei, e pela primeira vez na vida, tive certeza de estar fazendo
o que era certo. Não senti a pressão de fazer o que esperavam de mim. Havia
uma liberdade esmagadora naquela decisão, e eu sabia que estava fazendo a
escolha correta.
— Eu não posso me casar com Safiya — falei, minha voz firme,
embora meu coração estivesse batendo tão forte que eu podia ouvi-lo — Eu
amo outra mulher e não quero magoá-la. Peço perdão, mas não posso
continuar.
Safiya fechou os olhos por um instante, e quando os abriu, as lágrimas
desceram abundantes.
— Eu não posso acreditar que você vai fazer isso comigo —
sussurrou ela.
— Acredite, será melhor para nós dois assim. Você não seria feliz ao
lado de um homem cujos pensamentos pertencem a outra mulher.
Sem dizer mais nada, ela balançou a cabeça e saiu correndo em
disparada para fora do salão, enquanto seu irmão parecia prestes a explodir.
— Você está louco? — Rashid se aproximou de mim, o rosto a
poucos centímetros do meu, os punhos cerrados — Sabe o que isso significa?
Está jogando fora uma aliança que todos queriam formar!
Minha mãe se levantou, o sorriso desaparecendo em um instante. O
rosto dela se contorceu em uma mistura de choque e desapontamento.
— Faris, o que está fazendo? Pense na sua posição, no seu povo! —
Ela parecia desesperada — Você não precisa perder a Lucy para se casar com
a Safiya. Você pode ter as duas.
Eu respirei fundo, tentando encontrar as palavras.
— Eu não quero as duas. Quero apenas Lucy. Ela é a minha vida.
Além do mais, eu estou cansado, mãe. Cansado de pensar no meu povo, no
meu título e esquecer de mim mesmo. Eu não estou feliz e nunca serei se não
tiver Lucy ao meu lado, como minha mulher.
O choque no salão se transformou em um burburinho frenético.
Alguns homens balançavam a cabeça, as mulheres cochichavam entre si,
atônitas. Mas eu não me importava.
Pela primeira vez na vida, eu não me importava com o que os outros
pensavam.
Rami deu um passo à frente, o único ali com um sorriso no rosto.
— É isso aí, meu irmão. Vá atrás da mulher que você ama. Eu
cuidarei de tudo por aqui.
— Obrigado, Rami — agradeci, e me virei para a multidão de pessoas
— Me perdoem, mas não posso mais ser líder de vocês. Rami tomará o meu
lugar e tenham certeza de que desempenhará o papel de sheik muito melhor
do que eu. Com licença.
Rashid estava furioso, mas antes que ele pudesse dizer qualquer outra
coisa, eu me virei e comecei a andar. Passei pela minha mãe, pela minha
irmã, pelo imã que parecia não saber o que fazer.
Ao sair do salão, meu coração ainda estava acelerado. Sentia como se
tivesse acabado de saltar de um penhasco e ainda não sabia se o pára-quedas
abriria.
Passei pelos guardas, que estavam tão confusos quanto os convidados,
e atravessei o corredor em direção à escadaria que me levaria ao quarto de
Lucy. E foi então que eu a vi.
Lucy estava ali, ao pé da escada, terminando de descer, parecendo
uma tempestade prestes a desabar. O cabelo dela estava despenteado, o
vestido amarrotado, e, para completar, ela segurava... um cabo de vassoura?
Me aproximei com passos rápidos, e ela me olhou como se fosse me
matar.
— O que você pretende com esse... cabo de vassoura? — Perguntei,
ainda tentando processar a cena.
Ela abaixou o cabo, como se fosse um soldado abaixando sua espada
e corou, parecendo surpreendentemente envergonhada.
— Eu vim estragar o seu casamento — respondeu desconcertada — E
o cabo de vassoura é para... para me defender dos guardas quando tentarem
me deter.
Eu fiquei olhando para ela, incrédulo e ao mesmo tempo
completamente apaixonado. Não consegui evitar. Um sorriso enorme se
espalhou pelo meu rosto, e comecei a rir. Rir de verdade, pela primeira vez
em dias.
— Você ia enfrentar os guardas com isso? — Perguntei, apontando
para o cabo em suas mãos.
Ela ficou na defensiva, com os olhos semicerrados.
— Não me subestime, Faris. Eu poderia ter causado um belo estrago
com isso aqui! E também poderia usar para assustar Rashid e sua árvore de
natal, se eles viessem atrás de mim!
Eu ri mais ainda, o som ecoando pelos corredores vazios. Cheguei
mais perto dela e, antes que ela pudesse protestar, puxei-a para um abraço.
Ela ficou rígida por um segundo, mas depois relaxou e enterrou o
rosto em meu peito. Eu senti o cheiro familiar do cabelo dela, uma mistura de
flores silvestres e algo que era só dela.
— Lucy, você não precisa destruir nada. Eu já desisti do casamento
— sussurrei, minha voz rouca de emoção.
Ela se afastou um pouco para me encarar, os olhos arregalados,
buscando alguma mentira ou dúvida no meu rosto. Quando não encontrou, o
choque deu lugar a uma expressão de puro alívio e alegria.
— Você... desistiu? — A voz dela estava embargada, e vi lágrimas se
formando em seus olhos — Você fez mesmo isso?
Assenti, sentindo um nó se formar na minha garganta. Segurei o rosto
dela entre minhas mãos, olhando-a nos olhos.
— Sim, eu desisti. Escolhi você, Lucy. Escolhi você e Alegra, porque
vocês são o meu lar, meu mundo, a única coisa que faz sentido para mim.
Nada disso — fiz um gesto vago na direção do salão de casamento —
importa sem você.
Ela soltou uma risadinha nervosa e limpou as lágrimas com as costas
da mão.
— Você tem noção do que está dizendo? Você está abrindo mão de
tudo isso... — Ela fez um gesto amplo, indicando o palácio, os guardas, toda
a opulência ao redor — Para ficar comigo, uma garota que veio da Filadélfia
e que estava prestes a entrar na sua cerimônia de casamento com um cabo de
vassoura?
Eu não consegui conter a risada, e acabei a beijando antes de
responder. Um beijo rápido, mas cheio de urgência e necessidade, como se eu
precisasse sentir que ela era real, que isso tudo não era um sonho.
— Sim, Lucy. Porque eu prefiro mil vezes enfrentar a vida com você
do que passar mais um dia com a sua ausência.
Ela me puxou para outro beijo, e dessa vez foi mais longo, mais
profundo, cheio de tudo o que não conseguíamos dizer com palavras. Quando
nos separamos, eu estava sem fôlego e com um sorriso que não conseguia
esconder.
— O que você pretende fazer agora, Alteza? — perguntou ela, com
uma sobrancelha arqueada e um sorrisinho desafiador.
— Primeiro, não me chame assim. Já larguei o título — respondi,
entrelaçando meus dedos nos dela — E, segundo, eu quero ir embora daqui.
Com você. Para os Estados Unidos. Vamos fugir, começar do zero, longe de
tudo isso.
Ela me encarou como uma paixão tão intensa que meu coração
acelerou.
— Você realmente quer fazer isso? Largar tudo e ir para os Estados
Unidos comigo?
Eu segurei o rosto dela de novo, forçando-a a me olhar nos olhos.
— Sim, Lucy. Eu quero viver com você. Eu quero acordar todos os
dias ao seu lado, ver Alegra crescer, construir uma vida simples, mas
verdadeira. Uma vida nossa.
As lágrimas voltaram aos olhos dela, mas dessa vez eram de
felicidade.
— Eu te amo, Faris. Você não tem ideia do quanto eu te amo.
— Acho que tenho uma boa noção — respondi, sorrindo, enquanto
ela se jogava nos meus braços novamente — E eu também te amo, mais do
que qualquer coisa nesse mundo.
Enquanto estávamos ali, abraçados, senti como se o peso do mundo
tivesse finalmente saído dos meus ombros. Pela primeira vez, eu estava livre.
Não importava o que aconteceria depois. Eu sabia que estava fazendo a
escolha certa.
EPÍLOGO
O sol da Espanha parecia brilhar com mais intensidade naquela
manhã, aquecendo a praia dourada e iluminando o mar com um brilho
cintilante. Nós estacionamos o motorhome em um lugar perfeito, com uma
vista que mais parecia uma pintura.
Desde que embarcamos nessa viagem, há alguns meses, nossos
momentos eram sempre repletos de serenidade, com aquele.
Lucy, com sua barriga já evidente, estava recostada em uma
espreguiçadeira ao meu lado, os olhos fechados e um sorriso preguiçoso no
rosto. Ela parecia radiante, e eu nunca me cansava de admirar sua beleza,
especialmente agora, grávida de seis meses do nosso segundo filho. Um
menino que chamaríamos de Tariq, em homenagem ao meu velho pai.
Alegra, nossa pequena de dois anos e alguns meses, estava brincando
na areia, construindo algo que ela insistia ser um "castelo de dragão". Ela se
levantou de repente, coberta de areia da cabeça aos pés, e correu até nós, com
a energia infinita que só uma criança daquela idade possui.
— Papai, mamãe, tô com fome! — Ela anunciou, batendo as
mãozinhas cobertas de areia nos meus joelhos.
Olhei para Lucy, que estava prestes a se levantar.
— Eu vou preparar algo rápido, amor — disse Lucy, tentando se
levantar com uma certa dificuldade, o que me fez reagir como se ela estivesse
prestes a escalar uma montanha.
— Nem pensar, mocinha! — Interrompi, segurando-a pelos ombros e
fazendo-a se deitar novamente — Você vai ficar exatamente onde está,
relaxando e aproveitando esse sol maravilhoso. Eu e Alegra vamos cuidar do
almoço, não é, princesa?
Alegra deu um saltinho de empolgação, acenando com a cabeça e
gritando:
— Sim! Eu ajudo! Eu ajudo, papai!
Lucy arqueou a sobrancelha e soltou uma risadinha divertida.
— Vocês dois vão fazer uma bagunça épica na cozinha, tenho certeza
— comentou, dando um tapinha carinhoso na minha mão — Só não queimem
o motorhome, por favor.
— Ei, confie em nós, mulher! — Repliquei, lançando um sorriso
exageradamente confiante — Hoje o chef Faris está no comando, e tenho a
melhor assistente do mundo. Você vai ter a melhor refeição da sua vida.
Agora relaxe e deixe o trabalho para nós.
Lucy revirou os olhos, mas havia um brilho de diversão ali.
— Ok, chef Faris. Mas eu quero algo que não envolva você derramar
molho por todo o lado, como da última vez.
— Aquilo foi um acidente artístico — protestei, piscando para ela
antes de me levantar e pegar Alegra pela mão — Vamos, pequena chef! É
hora de preparar o nosso banquete.
Entramos no motorhome, que estava impecável, mas provavelmente
não ficaria assim por muito tempo. Alegra já havia escalado o banquinho que
colocamos para que ela pudesse alcançar a pia e começou a mexer nas frutas,
como se fosse a própria dona da cozinha.
— O que vamos fazer, papai? — Perguntou ela, os olhinhos escuros
brilhando de entusiasmo.
— Sanduíches especiais do chef Faris — anunciei, pegando os
ingredientes da geladeira. — Vamos precisar de pão, queijo, presunto, alface
e... — me virei para ela, sorrindo — uma ajudante que saiba como cortar
tomates.
Ela estendeu as mãozinhas, fingindo seriedade.
— Eu sei! Eu corto! Mas... eu não posso usar faca, né, papai?
— Não mesmo, pequena guerreira — soltei uma risada e peguei o
cortador de legumes, entregando a ela — Você usa isso aqui. É seguro, e eu
confio na sua habilidade.
Ela assentiu, concentrada, e começou a "cortar" o tomate, que na
verdade estava sendo amassado mais do que cortado, mas quem se
importava? Eu mesmo estava espalhando maionese em todos os lugares,
menos no pão.
— Mamãe vai ficar zangada, papai — comentou Alegra, apontando
para o grande pote de maionese que eu havia derrubado.
— Isso se ela não tiver uma crise de riso antes de nos expulsar da
cozinha — respondi, rindo — Mas o que importa é o esforço, certo?
— Certo! — Alegra repetiu, erguendo o punho como se tivesse
acabado de resolver um grande mistério da vida.
Em menos de meia hora (e com um nível de bagunça que
definitivamente precisaria de uma limpeza intensa depois), terminamos
nossos "sanduíches especiais". Alegra estava toda orgulhosa, segurando um
prato que ela insistiu em decorar com pedaços de alface e um tomate
esmagado no centro.
Saímos do motorhome, e eu posicionei os pratos sobre a mesa
dobrável sob o toldo. Lucy nos observava com um sorriso divertido, seus
óculos escuros empoleirados no topo da cabeça.
— Deixe-me adivinhar... isso é um sanduíche ou uma obra abstrata?
— Ela perguntou, rindo.
— É uma obra-prima do chef e sua assistente! — Alegra exclamou,
sentando-se ao lado da mãe e estendendo a mãozinha para acariciar a barriga
de Lucy — E o bebê também vai gostar, né, mamãe?
Lucy sorriu, acariciando o rostinho de Alegra.
— Tenho certeza que vai, minha flor — ela me lançou um olhar cheio
de amor e gratidão. — Vocês são incríveis. Eu sou a mulher mais sortuda do
mundo.
Sentei-me ao lado dela e segurei sua mão, levando-a aos meus lábios
para um beijo rápido.
— Não, amor. Eu que sou o homem mais sortudo. Você me deu uma
nova vida, uma família... tudo o que eu sempre quis, mas nunca soube que
precisava.
Comemos nossos sanduíches ali, sob a sombra do toldo, sentindo a
brisa do mar e ouvindo o som das ondas batendo na areia.
Alegra tagarelava sobre o que faria depois, algo sobre construir um
"castelo maior que o dragão". Lucy e eu trocávamos olhares cúmplices,
cheios de amor e alegria. Ela apoiou a cabeça no meu ombro, e eu acariciei
sua barriga, sentindo o bebê dar um leve chute.
— Parece que ele está animado para o almoço também — brinquei.
Lucy riu, aquele riso que me fez atravessar o mundo para ficar com
ela.
— Claro, ele é filho do chef Faris, afinal.
Por um instante, deixei o momento me envolver completamente. Eu
estava ali, com minha esposa, nossa filha, e mais um bebê a caminho.
Nós havíamos trocado o luxo dos palácios pela simplicidade de um
motorhome, mas ganhamos algo que nenhum trono poderia oferecer: a
verdadeira liberdade e felicidade.
Alegra se aninhou no meu colo, exausta após tanto brincar, e Lucy
suspirou, apoiando a mão sobre a minha.
— Nós conseguimos, Faris. Conseguimos, de verdade.
Beijei o topo da cabeça dela e sorri, sentindo meu coração
transbordar.
— Sim, conseguimos. E ainda temos muitos lugares para explorar,
muitas aventuras para viver juntos.
E assim ficamos ali, nós três — logo seríamos quatro — aproveitando
a simplicidade de um dia perfeito, de um amor que superou todas as barreiras.
Fim.
LEIA TAMBÉM
[1]
Ballard é um bairro em Seattle, conhecido por sua herança escandinava, mercados, marinas e
atmosfera vibrante.
[2]
Empresa de carros de aplicativo fictícia, criada para a história.
[3]
Uma concubina é uma mulher que mantém uma relação conjugal não oficial ou secundária com um
homem, geralmente sem os direitos plenos de uma esposa.
[4]
Fujairah é um dos sete emirados dos Emirados Árabes Unidos, conhecido por suas montanhas,
praias no Golfo de Omã e fortes históricos.
[5]
Keffiyeh é um lenço tradicional do Oriente Médio, geralmente feito de algodão ou lã, usado na
cabeça ou ombros, simbolizando identidade cultural e proteção contra o sol e poeira.
[6]
Allah é a palavra em árabe para Deus, usada no Islã para se referir ao único Deus, considerado
eterno, onipotente e misericordioso, criador do universo.
[7]
A burca é uma vestimenta tradicional usada por algumas mulheres muçulmanas, cobrindo todo o
corpo, incluindo o rosto, com uma tela na região dos olhos para permitir a visão.
[8]
Hijabs são véus usados por mulheres muçulmanas para cobrir o cabelo, pescoço e, às vezes, os
ombros, como expressão de modéstia e identidade religiosa.
[9]
Ajman é o menor dos sete emirados dos Emirados Árabes Unidos, conhecido por suas praias, cultura
tradicional e desenvolvimento moderno. Fica localizado no Golfo Pérsico.
[10]
O Burj Khalifa é o edifício mais alto do mundo, localizado em Dubai, Emirados Árabes Unidos.
Com 828 metros de altura, é um marco arquitetônico e turístico, abrigando residências, escritórios,
hotéis e plataformas de observação.
[11]
At.mosphere é um restaurante no 122º andar do Burj Khalifa, famoso por vistas incríveis e alta
gastronomia.
[12]
Refere-se a um tutor ou responsável, especialmente em contextos de casamento, como o guardião
da noiva.
[13]
Um imã é um líder religioso no Islã, responsável por guiar orações e, em algumas tradições,
oferecer orientações espirituais e comunitárias.
[14]
Khutbah é o sermão realizado durante a oração de sexta-feira (Jumu'ah) no Islã, abordando temas
religiosos e sociais para a comunidade.
[15]
Mahr é o dote obrigatório que o noivo oferece à noiva no casamento islâmico, como símbolo de
respeito e compromisso.