Gêneros Entre o Texto e o Discurso

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Gêneros, entre

A
o texto e

O V
o discurso

R
R
Questões

P UTO
Conceituais e
Metodológicas

O A
D
VA
R O R
P UTO
O A
D
SWEDER SOUZA
ADAIL SOBRAL
(organizadores)

VA
R O
Gêneros, entre

R
o texto e

P UTO
o discurso

Questões

O A
Conceituais e
Metodológicas

D
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Gêneros, entre o texto e o discurso : questões conceituais e
metodológicas / Sweder Souza, Adail Sobral (organizadores).
-- Campinas, SP : Mercado de Letras, 2016.

Vários autores.
Bibliografia.

VA
ISBN 978-85-7591-443-4

1. Análise do discurso 2. Gêneros literários 3. Língua

O
portuguesa – Estudo e ensino 4. Linguística 5. Professores

R
– Formação profissional 6. Sala de aula – Direção

R
7. Textos – Produção I. Souza, Sweder. II. Sobral, Adail.

P UTO
16-06252
Índices para catálogo sistemático:
CDD-401.41

1. Gêneros, entre o texto e o discurso : Linguística 401.41

O A capa e gerência editorial: Vande Rotta Gomide


foto de capa: Marina Meirelles Gomide
preparação dos originais: Editora Mercado de Letras

DA garantia de ineditismo dos trabalhos, seus conteúdos


e as posições assumidas nos capítulos deste livro são de
responsabilidade exclusiva de seus autores, assim como a
elaboração textual e os aspectos de revisão.

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:


© MERCADO DE LETRAS®
V.R. GOMIDE ME
Rua João da Cruz e Souza, 53
Telefax: (19) 3241-7514 – CEP 13070-116
Campinas SP Brasil
www.mercado-de-letras.com.br
livros@mercado-de-letras.com.br

1a edição
OUTUBRO / 2016
IMPRESSÃO DIGITAL
IMPRESSO NO BRASIL

Esta obra está protegida pela Lei 9610/98.


É proibida sua reprodução parcial ou total
sem a autorização prévia do Editor. O infrator
estará sujeito às penalidades previstas na Lei.
VA
R O
SUMÁRIO

R
P UTO
Prefácio

A
O gênero lança uma luz sobre a realidade,
enquanto a realidade ilumina o gênero. . . . . . . . 9

O
Beth Brait

DINTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

Seção I
QUESTÕES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS

OS GÊNEROS DO DISCURSO NA PERSPECTIVA


BAKHTINIANA: RECINTOS DE ENCONTRO DE
DUAS ESFERAS DA VIDA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Valdemir Miotello e Hélio Márcio Pajeú

GÊNEROS, MARCAS LINGUÍSTICAS E MARCAS


ENUNCIATIVAS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA . . . . . . . . . . 47
Adail Sobral e Karina Giacomelli

GÊNEROS DO DISCURSO E EDUCAÇÃO


EM LINGUAGEM: [IN]QUIETUDES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti e Eloara Tomazoni
ENSINAR LETRAMENTO, TEXTO, GÊNERO E
DISCURSO NA UNIVERSIDADE, NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PROFESSORES DE LÍNGUA
PORTUGUESA [BRASILEIRA]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Marcos Baltar

VA
GÊNEROS TEXTUAIS NO CONTEXTO ACADÊMICO:
IMPLICAÇÕES PARA O PROCESSO DE ENSINO E

O
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA. . . . . . . . . . . . . 103

R
Dulce Cassol Tagliani

R
P UTO
NOVOS LETRAMENTOS, TECNOLOGIAS,
GÊNEROS DE DISCURSO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
Roxane Rojo

O A
GÊNEROS, ENTRE O TEXTO E O
DISCURSO: APONTAMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Sweder Souza e Kátia Bruginski Mulik

D
Seção II
GÊNERO E PRÁTICA SOCIAL

GÊNERO E PRÁTICA SOCIAL: COMO A REDE GLOBO


INVENTA UMA IDENTIDADE POSITIVA A PARTIR DO
PROGRAMA “O SAGRADO”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
Vanessa Arlésia de S. Ferretti-Soares e Adair Bonini

A PESQUISA NO AMBIENTE ESCOLAR: SEQUÊNCIA


DIDÁTICA PARA ENSINO DE GÊNERO RELATO. . . . . . . . 197
Eliana Dias e Kátia Cristina S. Ferreira

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO GÊNERO REPORTAGEM


DIDÁTICA NA REVISTA NOVA ESCOLA . . . . . . . . . . . . . . 221
Francieli Matzenbacher Pinton
MODELO DIDÁTICO DO GÊNERO BIODATA:
SUBSÍDIO PARA A ESCRITA ACADÊMICA
EM LÍNGUA INGLESA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
Ana Valéria Bisetto Bork e Vera Lúcia L. Cristóvão

MULTIMODALIDADE E MULTILETRAMENTOS

VA
NAS AULAS DE LÍNGUA INGLESA: PRÁTICAS
E REFLEXÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263
Kátia Bruginski Mulik

R O R
GÊNEROS ACADÊMICOS X GÊNEROS

P UTO
DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA – UM ESTUDO
COMPARATIVO DO LÉXICO COM AUXÍLIO DE
PROCESSAMENTO AUTOMÁTICO. . . . . . . . . . . . . . . . . . 279

A
Alena Ciulla, Lucelene Lopes e Maria José B. Finatto

O
A INFRAESTRUTURA DO TEXTO MULTIMODAL:
O CASO DO GÊNERO CARTOON . . . . . . . . . . . . . . . . . . 311

DAudria Albuquerque Leal

PIBID E INCLUSÃO SOCIAL: CARTA


DE RECLAMAÇÃO EM UMA TURMA
DE OITAVO ANO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327
Miriam Sester Retorta e Karina Rosse Lopes

Seção III
ENTREVISTAS

ENTREVISTA COM JEAN-PAUL BRONCKART. . . . . . . . . . 356


Jean-Paul Bronckart

ENTREVISTA COM CHARLES BAZERMAN . . . . . . . . . . . . 374


Charles Bazerman

REFERÊNCIAS GERAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383

SOBRE OS ORGANIZADORES E OS AUTORES. . . . . . . . . 405


VA
R O R
P UTO
O A
D
VA
R O Prefácio

R
O gênero lança uma luz sobre

P UTO a realidade, enquanto a realidade


ilumina o gênero

O A [...] a realidade do gênero e a realidade que o gênero pode alcançar estão

D
organicamente ligadas. [...] a realidade do gênero é a realidade social de
sua realização no processo de comunicação social. Dessa forma, o gênero
é um conjunto de meios de orientação coletiva na realidade, dirigido para
seu acabamento. Essa orientação é capaz de compreender novos aspectos
da realidade. A compreensão da realidade desenvolve-se e origina-se no
processo da comunicação social ideológica. Medviédev.1

Começo este prefácio lembrando que por se tratar de


um gênero (não há como fugir dessa dimensão constitutiva da
linguagem) ele está submetido a algumas normas e coerções, que
o distinguem dos demais gêneros existentes ou por existir. Uma
de suas marcas é anteceder o texto principal, preparando o leitor
para a leitura da obra a que se acopla, funcionando muitas vezes
como apresentação, introdução. Se viesse depois do texto principal,
o prefixo pré seria substituído por pós e sua denominação deixaria
de ser prefácio para ser posfácio, não mais se confundindo com
apresentação ou introdução. Não seria, entretanto, unicamente

1. Medviédev 2012, p. 200.

Gêneros, entre o texto e o discurso 9


de uma mudança de nome e de lugar: o posfácio obrigatoriamente
incorporaria outros discursos, outras identidades, outra maneira
textual de ser, uma vez que o destinatário ocuparia, enquanto sujeito
discursivo, posição diferente daquela do leitor de um prefácio.
O leitor a quem prefácio e posfácio se dirigem, ainda que possa
constituir um mesmo sujeito empírico, ocupa posições discursivas

VA
diferenciadas.
No caso do prefácio, o leitor pode ser definido como virtual,

R O
por assim dizer, localizado num momento anterior à leitura da

R
obra, estando bastante aberto e até mesmo vulnerável às explicações,

P UTO
aos elogios, aos apelos, às justificativas para a existência da obra,
cuidadosamente costuradas pelo prefaciador. Num certo sentido,
esse leitor está disponível para ser direcionado à leitura proposta

A
no prefácio, quer queira ou não, e o enunciador do prefácio conta
com isso. O leitor do posfácio, diferentemente, só chega a esse texto

O
após a leitura da totalidade da obra, estando menos vulnerável em

D
relação a um ponto de vista, a uma avaliação sobre o que acaba de
ler e, portanto, mais apto a responder a esse texto, anexado, não
gratuitamente, após o autor ter colocado seu ponto final. Assim
sendo, ainda que prefácio e posfácio guardem uma proximidade muito
grande, as distâncias que os separam não são meramente espaciais no
universo representado pela existência de uma obra. É verdade que
mais um aspecto os aproxima: tanto o prefácio quanto o posfácio
podem ter sido escritos não para o momento de lançamento da
obra, mas depois de ela ter circulado, ter criado fama, ter despertado
a atenção de críticos e comentadores. No momento de uma nova
edição, por exemplo, um especialista é convidado a redigir um
prefácio ou um posfácio, dependendo dos interesses dessa nova
edição.
Ainda no que se refere às especificidades do prefácio
enquanto gênero e considerando que o lugar por ele ocupado, em
relação à obra, funciona como uma de suas marcas, conferindo-lhe
a função de antecipar (apresentar, introduzir) resumidamente o que
o leitor terá pela frente e, de forma clara ou dissimulada, apontar-

10 EDITORA MERCADO DE LETRAS


lhe um caminho de leitura, há ainda outro aspecto que poderia
ser ponderado em relação à sua forma genérica de ser: a autoria. O
prefácio admite duas possibilidades de autoria, de assinatura, de
posicionamento em relação ao trabalho a ser apresentado: o autor
da obra redige também o texto antecipador ou delega a outra
pessoa essa tarefa. A escolha de uma dessas alternativas implica,

VA
necessariamente, uma variação no que concerne à dimensão
discursiva do gênero, apontando para pontos de vista instaurados no

R O
texto em relação ao conteúdo e à organização da obra e, ainda, para

R
sua inserção em tradições de funcionamento de prefácios.

P UTO Sendo o prefácio assinado pelo mesmo autor da obra,


a tradição em que se insere demonstra que a preocupação será
esclarecer o leitor a respeito do projeto discursivo representado pela

A
obra, quer em relação ao conteúdo temático, quer em relação à
organização, quer a ambos. Como autor da obra, ele sabe que seu

O
texto poderá apresentar alguma dificuldade de compreensão ao

D
leitor, justamente pelo que tem de inovador, de inesperado ou até
mesmo de transgressor. Nesse sentido, esse autor tem a seu favor
um gênero consagrado, uma escrita prefaciadora que estará voltada,
de maneira quase que didática, ao esclarecimento e à justificativa
da opção pelos aspectos essenciais que caracterizam sua obra.
Enquanto autor, ele procurará, por meio do prefácio, explicitar a
quem a obra se dirige, a quem e a que responde, com quem dialoga,
procurando esclarecer a maneira que encontrou, via polêmica aberta
ou velada, para contribuir para construção de conhecimentos.
Ou seja, o autor da obra, e ao mesmo tempo do prefácio,
expõe suas posturas em relação ao conhecimento produzido, à
intencionalidade da obra, às expectativas do que ele considera o
estado da arte e a possibilidade de interferir nesse estado. A maneira
como essa escrita se organiza poderá, portanto, assumir diferentes
funções: não apenas explicitar as razões que levaram o autor
a escrever e/ou organizar a obra, mesmo que o tema já tenha
sido largamente exposto, mas também justificar ou defender a
necessidade/importância/pertinência da temática ou dessa forma

Gêneros, entre o texto e o discurso 11


de organização, aproximando o leitor não somente dos elementos
que articulam seu trabalho, mas também de seu ponto de vista em
relação ao contexto acadêmico/científico (ou por vezes literário)
em que a obra se insere. Muitas vezes essa escrita é tão contundente
em sua tentativa de instruir o leitor, que se aproxima de outros
gêneros, tais como o manifesto e/ou o ensaio científico-acadêmico.

VA
Assim sendo, o prefácio assinado pelo autor, em muitos
casos, deixa de ser um simples paratexto, um texto paralelo ao texto

R O
principal, para assumir a condição de elemento constitutivo da

R
obra, parte essencial da produção de sentidos representado pela

P UTO
obra enquanto enunciado concreto, no sentido bakhtiniano do termo.
Se assim for, esse prefácio não poderá se separar da obra nas
edições seguintes, sob pena de comprometer a dimensão histórica,

A
o sentido assumido pela obra no momento de seu surgimento.
Quando o prefácio é de outra pessoa, geralmente convidada

O
pelo autor, pelo organizador, ou pela editora, sua função será um

D
tanto diferente da anterior. Em primeiro lugar, será a enunciação
de outro enunciador, e não a do mesmo que escreveu/organizou
a obra. Isso significa que, no enunciado, mais uma vez no sentido
bakhtiniano do termo, ou seja, na totalidade da obra enquanto
materialidade, lugar social, histórico, cultural, acadêmico, etc.,
estarão presentes ao menos duas vozes. A segunda, a que enuncia
o prefácio e nele se enuncia, poderá, sem dúvida, explicar a obra,
esclarecer seus objetivos, sua importância na construção do
conhecimento a que se propõe. Entretanto, de antemão, supõe-se
que ela incorpore o discurso do elogio, do convite à leitura, trazendo
o leitor para perto da obra, não por meio unicamente da explicação,
ainda que pertinente, mas via sedução.
O prefaciador, nesse caso, coloca-se num lugar discursivo
diferente do autor, no sentido de que tem, além de tudo, a obrigação
de assumir um discurso que, em certa medida, é profundamente
publicitário. Evidentemente que ninguém, em sã consciência,
aceitaria fazer um prefácio se não tivesse, depois de ter lido a obra,
considerado uma contribuição importante, necessária, pertinente

12 EDITORA MERCADO DE LETRAS


para a construção do conhecimento. Mostrar, por exemplo, os
pontos fracos, as inadequações, é algo que está inteiramente fora
das características do prefácio, do lugar que lhe cabe enquanto
gênero do discurso. Quem não gostou não se pronuncia em forma
de prefácio.
Esse aspecto é muito importante para a reflexão sobre o

VA
gênero do discurso. No que se refere ao que cabe ou não a cada
gênero, o que pode ou não cada um dos existentes e por existir,

R O
Pavel Medviédev, um dos participantes do que hoje se chama

R
Círculo de Bakhtin, ao discutir a orientação do gênero na realidade,

P UTO
esclarece uma de suas características essenciais:

Cada gênero é capaz de dominar somente determinados

O A aspectos da realidade, ele possui certos princípios de seleção,


determinadas formas de visão e de compreensão dessa
realidade, certos graus na extensão de sua apreensão e na

D profundidade de penetração nela. (Medviédev 2012, p. 196)

Portanto, não caberia ao prefaciador (quer autor ou não


da obra), pelo lugar discursivo ocupado no gênero, a não ser
apresentar uma posição positiva diante do texto que leu e gostou,
esclarecendo a importância do trabalho e sua pertinência para a
construção do conhecimento na área em que se insere. Observe-se,
entretanto, que esse gênero, prefácio, como qualquer outro, tem suas
especificidades, suas estabilidades e instabilidades, suas variáveis e
invariáveis. Ainda que de maneira breve e sintetizada, elas foram
aqui destacadas, cabendo mais uma observação pertinente e geral.
O conceito de gênero do discurso,2 uma das importantes
contribuições de Mikhail Bakhtin, Valentin Volochínov e Pavel
Medviédev desde a década de 1920, está diretamente ligado,
em todos esses autores, a outros conceitos, noções, categorias
que constituem o chamado pensamento bakhtiniano ou a perspectiva

2. Brait, B. e Pistori, M. 2012.

Gêneros, entre o texto e o discurso 13


dialógica do discurso. Embora a maioria dos pesquisadores, das
mais diferentes tendências dos estudos da linguagem, reverencie
unicamente o texto Os gêneros do discurso,3 outros trabalhos, do
porte de Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais
do método sociológico na ciência da linguagem,4 Problemas da
poética de Dostoiévski5e O método formal nos estudos literários: Introdução

VA
crítica a uma poética sociológica,6 para citar apenas três dos que
enfrentaram a linguagem a partir de uma perspectiva sociológica/

R O
dialógica/estética/ética e política, na segunda década do século

R
XX, trazem o conceito de gênero ligado, por exemplo, a enunciado,

P UTO
signo ideológico, interação e, necessariamente, à história/ historicidade/
sociedade/cultura. Assim, para se ter uma ideia das relações
estabelecidas entre os conceitos, nessa perspectiva o termo

A
enunciado implica enunciação. Um exemplo disso é o momento em
que o tradutor dos textos reunidos sob o título Estética da criação

D O
verbal,7 Paulo Bezerra, explicita com muita clareza que, em russo,
o termo implica constitutivamente enunciado e enunciação, ou seja, o
processo e o produto:

Bakhtin emprega o termo viskázivanie, derivado do infinitivo


viskázivat, que significa ato de enunciar, de exprimir, de
transmitir pensamentos, sentimentos, etc. em palavras.
O próprio autor situa viskázivanie no campo da parole
saussureana. Em Marxismo e filosofia da linguagem (Hucitec,
São Paulo), o mesmo termo aparece traduzido como
“enunciação” e “enunciado”. Mas Bakhtin não faz distinção
entre enunciado e enunciação, ou melhor, emprega o termo
viskázivanie quer para o ato de produção do discurso, quer
para o discurso estrito, o discurso da cultura, um romance

3. Bakhtin 2003.
4. Bakhtin, M. (Volochinov, V. N.) 1929[1997].
5. Bakhtin, M. 1929[2008], 1ª ed. com o título Problemas da obra de Dostoiévski.
6. Medviédev, P. N. 1928[2012].
7. Bakhtin, M. 2003, 4ª ed.

14 EDITORA MERCADO DE LETRAS


já publicado e absorvido pela cultura, etc. Por essa razão,
resolvemos não desdobrar o termo (já que o próprio autor
não o fez) e traduzir viskázivanie por enunciado. (N.T.)
(Bakhtin 2003, p. 261)

Enunciado, portanto, não se opõe à enunciação na teoria

VA
dialógica: são instâncias implicadas, conforme dá conta o
conhecimento do termo russo viskázivanie. Ou, ainda, a leitura

R O
cuidadosa de trabalho Gêneros do discurso (tão constantemente

R
citado...), que vai esclarecer que enunciado, como instância do

P UTO
discurso, da linguagem em uso, se opõe à frase, enquanto instância
exclusivamente linguística, na perspectiva de sistema. Sendo a frase
o modelo linguístico, sua realização numa situação concreta de
comunicação discursiva se dá como enunciado.

O A Tudo isso para lembrar de uma postura epistemológica,


teórica e metodológica muito importante: se há várias teorias

D
que podem se complementar, o que é verdade para o estudo
dos gêneros, é fato também que não se pode rejeitar um termo
definido no interior de determinada teoria, caso de enunciado
no pensamento bakhtiniano, acreditando que ele se opõe a outro
termo, supostamente só encontrado em outra teoria, como é o
caso de enunciação. A variação nas traduções8 nas obras do Círculo
(enunciado/enunciação) acontece precisamente pelo que explicou
Paulo Bezerra: “Bakhtin emprega o termo viskázivanie [...] que
significa ato de enunciar, de exprimir, de transmitir pensamentos,
sentimentos”.
Neste prefácio, portanto, escolhi discorrer sobre o
gênero que me foi proposto – prefácio –, justamente para aderir
ao importante tema desenvolvido na obra Gênero(s): entre o texto e
o discurso: entrelaçamentos e singularidades, incluindo-me, assim, no
espaço discursivo do conjunto, não apenas para apresentar essa

8. Uma das últimas traduções da obra de Volochínov, realizada no Brasil por


João Wanderley Geraldi, opta pelo termo enunciação. Volochinov 2013.

Gêneros, entre o texto e o discurso 15


coletânea, mas para, de imediato, reconhecer sua importância e,
especialmente, sua necessidade. Desde o título, esta minha posição
foi declaradamente assumida, como forma de testemunhar que
uma coletânea de textos sobre gêneros, escrita a partir de diferentes
posições teóricas ou na confluência polêmica ou harmoniosa entre
elas, embora em meio a tantas outras, é absolutamente bem-vinda.

VAIsso porque, justamente como diz o título deste prefácio “O


gênero lança uma luz sobre a realidade, enquanto a realidade ilumina

R O
o gênero” e é preciso, de forma contínua, saber o quanto essa

R
instância inescapável da linguagem auxilia o ensino-aprendizagem

P UTO
da língua materna, de outras línguas e da realidade que nos cerca,
na qual nos inserimos e da qual somos participantes ativos, sujeitos,
autores, leitores. Ao menos é isso que os pesquisadores, teóricos e

A
práticos esperam dessa discussão aprofundada sobre gêneros. Em
tempo: gostaria muito de assumir a autoria do título deste prefácio.

O
A asseção pertence, no entanto, ao mesmo autor da epígrafe e

D
de um dos trechos aqui citados: Pavel Medviédev (2012, p. 201),
do Círculo de Bakhtin, como esclarecem as edições brasileira e
francesa, traduzidas diretamente do russo. Essa definição de gênero
estabelece, de forma explícita, clara, incontornável, a relação entre
gênero e realidade, entre linguagem e vida, em sua dimensão
histórica, social, cultural.
E são esses aspectos, ao final das contas, que essa coletânea
propõe e realiza. Organizada por Sweder Souza, discente do Curso de
Letras – Português e Inglês, da Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR) e por Adail Sobral, esse conjunto de importantes
textos, assinados por pesquisadores de diferentes níveis e lugares
institucionais, coloca em pauta, mais uma vez e sob diferentes
perspectivas, aspectos teóricos e práticos do gênero enquanto
dimensão constitutiva da linguagem, surpreendido especialmente,
mas não unicamente, nas reflexões sobre ensino, sobre sociedade
contemporânea, entrevisto em suas normas formas, em suas
possibilidades de entender a comunicação discursiva, seus sujeitos,
suas tensões.

16 EDITORA MERCADO DE LETRAS


É preciso reconhecer, para finalizar, que o destino de um
prefácio é bem estranho. Ele procura de todas as maneiras trazer o
leitor para dentro do texto e, na maioria das vezes, é tratado como
um obstáculo a ser pulado para se atingir diretamente o alvo. Com
muita sorte, o leitor volta depois de ter lido o que realmente lhe
interessa, conferindo se, porventura, há algo de interessante nessa

VA
antecipação resumida da obra.
Por isso, considerando que os leitores terão nessa coletânea

R O
um espaço complexo e múltiplo de reflexão sobre gêneros e suas

R
manifestações na contemporaneidade, o que sem dúvida os ajudará

P UTO
em suas atividades e esferas de atuação, este prefácio limitou-se a
um propósito bastante simples: instaurar, metalinguisticamente e
por sugestão da perspectiva dialógica, um diálogo em diferentes

A
níveis de discurso, com variados interlocutores.

D O Beth Brait
(PUC-SP/USP/CNPq)
São Paulo, novembro de 2014.

Gêneros, entre o texto e o discurso 17


VA
R O R
P UTO
O A
D
VA
R O INTRODUÇÃO

R
P UTO As margens de um livro jamais são nítidas nem rigorosamente
determinadas: além do título, das primeiras linhas e do ponto final, além

O A de sua configuração interna e da forma que lhe dá autonomia, ele está


preso em um sistema de remissões a outros livros, outros textos, outras
frases, nó em uma rede. (Michel Foucault)

D Para a filósofa Márcia Tiburi, a filosofia emerge como


experiência de pensamento possível em que a cada escrita vem
ela a ser recriada por quem a escreve, bem como por quem a lê.
Desse modo, o exercício do pensamento se torna possível através
das lacunas, dispersões e acontecimentos inerentes a todo dizer.
Logo, não se pode dizer tudo, e aquilo que percebemos como real
se assenta nessa impossibilidade de tudo dizer e no esforço vão de
tentá-lo. Entre brechas e lacunas, entre deslocamentos e confrontos,
as teorias e abordagens são desconstruídas, (re)estabelecidas ou
(des)territorializadas. Cada sujeito passa a ser percebido enquanto
atravessado pela experiência que revela a ausência na presença e a
distância entre o feito e o fazer, entre o dito e o dizer, no âmbito da
possibilidade de trazer novas formas de escuta.
Esta coletânea surge a partir do desejo de trazer à tona um
livro que dialogue com outros livros, que revele desencontros,
rupturas e proximidades, em meio às singularidades que constituem
os sujeitos que escrevem e leem, incluindo aqueles que escrevem

Gêneros, entre o texto e o discurso 19


enquanto sujeitos leitores de outros livros. Dessa forma, a proposta
emerge a partir das discussões de questões que permeiam os estudos
dos gêneros (em suas abordagens textual e discursiva), procurando
dar conta de suas questões conceituais e metodológicas; das
práticas sociais e do ensino; do letramento; da análise de gêneros;
da modelização didática etc. Por isso, pretendemos possibilitar que,

VA
na discussão das reflexões que aqui vão se constituir, percorramos
o terreno da multiplicidade, buscando transitar por distintas

R O
abordagens e teorias do objeto em questão, possibilitando assim

R
que os leitores tenham ao seu dispor um amplo painel conceitual e

P UTO
de investigação.
Nesses termos, manter-se atento à voz do outro, perceber
as alteridades constitutivas, descobrir que os deslocamentos só se

A
tornam possíveis através de falhas produtivas, em vez de negativas,
são ações que requerem a percepção de faltas que vão sendo

O
nomeadas e, ao serem nomeadas, transformem o turbulento interior

D
dos discursos sobre os quais se vão inscrevendo possibilidades de
dizer, sempre aquém de um real tudo dizer.
Ao sabor das contribuições de Georges Canguilhem, resta-
nos acentuar a aparição das teorias percebidas sob a inscrição
nos terrenos da descontinuidade, em que cada teoria vai sendo
assentada, problematizada, acrescida, recortada enquanto objeto
discursivo que tem características, critérios e historicidade próprios.
Neste contexto, vale acentuar que não se trata de um livro sobre
verdades, mas de possibilidades. Diante da experiência de cada
sujeito que escreve, de cada sujeito leitor, as teorias se transformam,
são deslocadas, atribuindo sentidos outros à escritura ou revelando
nesta novos sentidos. Vale destacar que nenhuma das abordagens
adotadas e/ou aplicadas, que aqui tem sua aparição, se propõe a
deslegitimar outras, ainda que delas difiram e com elas entrem por
vezes em conflito, algo natural e impessoal no campo acadêmico.
Assim, todos aqui temos um propósito: contribuir para os estudos
dos gêneros textuais e discursivos, de forma a lançar luzes sobre a
prática docente, o ensino e os aspectos conceituais e metodológicos.

20 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Afirma-se que a escritura pode possibilitar a experiência de
tornar-se outro a cada leitura, no encontro com o dizer do outro.
Com Derrida aprendemos que a escritura é uma atividade que
não se esgota nos pontos finais, que toda escrita é encontro com
um devir que não cessa de ser reinventado. Para que isso ocorra,
é preciso que surjam outras vozes, que o já-dito seja revestido de

VA
outras roupagens e vá assim deixando escapar nas intermitências
do dizer a inscrição de outros dizeres.

R O É nossa esperança que este livro se constitua naquilo que

R
objetiva ser: caminho de reticências. Não alegamos aqui a defesa de

P UTO
verdades absolutas, mas a aparição de incompletudes, de derivas,
de sujeitos atravessados pela falta, de escritas que dialogam com
outros textos, o que torna também este um livro para que outros

A
livros sejam escritos.
Agradecemos a cada um dos que aceitaram o convite

O
realizado meses atrás, pela paciência que tiveram com os prazos

D
e pelo empenho em apresentar textos marcados pela constituição
de cada um nas inscrições dos estudos a que se dedicam. Em cada
texto, não temos apenas palavras; estas vão aos poucos deixando
escapar fragmentos de sujeitos, de lugares, de experiências no
diálogo com outros textos e instâncias históricas. Temos então o
encontro com as palavras de Roland Barthes, na obra “O prazer
do texto”, quando discute a relação entre as linguagens e os textos:

Como é que um texto, que é linguagem, pode estar fora


das linguagens? Como exteriorizar (colocar no exterior)
os falares do mundo, sem se refugiar em um último falar
a partir do qual os outros seriam simplesmente relatados,
recitados? Desde que nomeio, sou nomeado. (Barthes 2013,
p. 39)

Ao nomear o mundo que nos cerca, temos então a potência


dos signos, com os quais o homem cria universos de sentido, nas
palavras de Fiorin (2011, p. 73) para quem “[...] as línguas não são

Gêneros, entre o texto e o discurso 21


nomenclaturas que se aplicam a uma realidade preordenada, mas
são modos de interpretar o mundo”, ou seja, para além do dito,
o dizer desvela a partir de onde se diz. Dessa forma, há modos
de interpretar os gêneros sob diferentes olhares: partindo de
abordagens textuais ou discursivas, pautados em reconfigurações
teóricas e/ou metodológicas ou ainda no entrelaçamento entre

VA
várias abordagens e pontos de partida. O que aqui propomos é
a continuação de obras que invistam em painéis temáticos que

R O
apresentem a pluralidade de estudos do campo.

R
Para dar conta dessa pretensão, os capítulos estão

P UTO
divididos em três seções. A seção I, intitulada Questões Conceituais
e Metodológicas, é composta por sete capítulos que transitam entre
questões conceituais e metodológicas que compreendem o estudo

A
dos gêneros.
O primeiro capítulo, intitulado Os gêneros do discurso na

O
perspectiva bakhtiniana: recintos de encontros de duas esferas da vida,

D
escrito por Valdemir Miotello e Hélio Márcio Pajeú, apresenta
reflexões acerca da questão dos gêneros do discurso na visão de
Bakhtin, discutindo ainda as esferas da ética e da estética como
parte constituinte dos sentidos que singularizam os sujeitos nas
suas interações, as quais revelam práticas de linguagem situadas no
espaço e no tempo.
O capítulo dois, Gêneros, marcas linguísticas e marcas enunciativas:
uma análise discursiva, de autoria de Adail Sobral e Karina Giacomelli,
propõe um debate sobre a prática de trabalho com gêneros
permeada por questões relativas à combinação de uma análise
de marcas linguísticas a uma análise de marcas enunciativas, buscando
assim lançar luzes sobre a reflexão sobre os gêneros e a análise dos
gêneros.
O capítulo três intitula-se Gêneros do discurso e educação em
linguagem: [in]quietudes, de Mary Elizabeth Cerrutti-Rizzatti e Eloara
Tomazi, e problematiza o modo como a educação em relação à
linguagem, na esfera escolar, tem se delineado no que se refere a
abordagens a partir dos gêneros do discurso, contemplando reflexões

22 EDITORA MERCADO DE LETRAS


acerca de como são organizados livros didáticos na esteira desse
novo olhar, para nortear a ação escolar.
O texto Ensinar letramento, texto, gênero e discurso na universidade,
na formação inicial de professores de língua portuguesa [brasileira] constitui o
quarto capitulo. De autoria de Marcos Baltar, ele nos traz reflexões
em relação ao ensino do gênero e sua preocupação quanto à tão

VA
necessária mudança pragmática do ensino de língua no Brasil
e ao que acarreta esse processo de transformação do ensino de

R O
língua portuguesa [brasileira] para chegarmos ao resultado que se

R
tem buscado na pesquisa acadêmica, principalmente no campo da

P UTO
Linguística Aplicada.
O capitulo cinco, Gêneros textuais no contexto acadêmico:
implicações para o processo de ensino e aprendizagem de língua materna,

A
de autoria de Dulce Cassol Tagliani, perpassa pelas práticas de
linguagens a serem implementadas no contexto escolar e destaca a

O
preocupação com a formação inicial do professor em relação aos

D
agentes escolares e suas práticas sociais.
No capítulo seis, Novos Letramentos, tecnologias, gêneros de
discurso, de Roxane Rojo, a autora aborda a perspectiva dos novos
letramentos, a partir de características específicas possibilitadas por
este escopo teórico-analítico e sua incorporação em novas práticas,
novos gêneros de discurso e no conjunto de valores que o uso das
tecnologias pode fazer/faz emergir nesse processo.
No sétimo e último capítulo da primeira seção, intitulado
Gêneros, entre o texto e o discurso: apontamentos, de autoria de Sweder
Souza e Kátia Bruginski Mulik, é apresentado um panorama
reflexivo a respeito dos estudos dos gêneros textuais e discursivos
quanto a suas especificidades e singularidades. Dessa forma, o
capítulo configura-se como uma breve conclusão da primeira
seção, pois perpassa pelos construtos de ambas as perspectivas
conceituais dos estudos dos gêneros (textual e discursivo), que
também foram abordadas nos capítulos anteriores.

Gêneros, entre o texto e o discurso 23


A seção II busca a articulação das questões conceituais
e metodológicas junto às questões relacionadas ao ensino e
aprendizagem, de forma que não sejam dissociadas, mas sim
refletidas em um outro constructo: o caráter social do gênero. A
seção é composta por oito capítulos, sendo o primeiro intitulado
Gênero e prática social: como a Rede Globo inventa uma identidade

VA
positiva a partir do programa “O Sagrado”. De autoria de Vanessa
Arlésia de Souza Ferretti-Soares e Adair Bonini, o texto reflete

R O
acerca do gênero interprograma (O Sagrado) a partir do modo

R
como é organizado e constituído tematicamente na condição de

P UTO
componente do conjunto das práticas de propaganda institucional
indireta da Rede Globo.
O nono capítulo, A pesquisa no ambiente escolar: sequência didática

A
para ensino de gênero relato, de Eliana Dias e Kátia Cristina S. Ferreira,
é reflexo de uma pesquisa realizada em sala de aula visando assim

O
fazer uma reflexão coletiva sobre a prática pedagógica de professores

D
do ensino fundamental, no que se refere, especificamente, às
sequências didáticas elaboradas com o intuito de intervir em sala de
aula para amenizar ou resolver situações problemáticas no ensino
de aspectos de um determinado gênero.
O capítulo décimo, Descrição e análise do gênero reportagem
didática na Revista Nova Escola, de Francieli Matzenbacher Pinton,
descreve e analisa o gênero reportagem didática veiculado na
revista Nova Escola entre os anos 2006 e 2010 apresentando seu
referencial para análise de gênero na ótica da Sociorretórica,
discutindo conceitos-chave como gênero e reportagem didática.
Neste contexto, são descritos os procedimentos metodológicos
adotados para análise do gênero reportagem didática e, por fim,
temos a análise da configuração com(textual) do gênero.
Modelo didático do gênero biodata: subsídio para a escrita acadêmica em
língua inglesa, compõe o décimo primeiro capítulo, e é de autoria de
Ana Valéria Bisetto Bork e Vera Lúcia Lopes Cristóvão. As autoras
apresentam um estudo sobre o gênero textual biodata, referente à
esfera acadêmica/profissional, contando com as contribuições do

24 EDITORA MERCADO DE LETRAS


ISD para a transposição didática do gênero. As autoras também
pautam seu trabalho pela noção de construção do modelo didático
de gênero proposto por Schneuwly e Dolz (2004), na proposta de
análise de textos de Bronckart (1999, 2012) e na construção de
modelos didáticos de gêneros em língua inglesa, a partir de estudos
realizados por Cristovão (2001, 2007).

VA
No décimo segundo capítulo, Multimodalidade e multiletramentos
nas aulas de Língua Inglesa: práticas e reflexões, Kátia Bruginski Mulik

R O
apresenta algumas reflexões referentes à produção de textos

R
multimodais e ao desenvolvimento dos multiletramentos. No

P UTO
escopo deste trabalho, encontram-se algumas problematizações
acerca da (re)definição de conceitos como multimodalidade,
gêneros textuais, leitura e letramento.

A No décimo terceiro capítulo, Gêneros acadêmicos x gêneros de


divulgação científica – um estudo comparativo do léxico com auxílio de processamento

O
automático, Alena Ciulla, Lucilene Lopes e Maria José Bocorny Finatto

D
comparam textos de dois diferentes gêneros discursivos situados em
uma mesma área de conhecimento com o objetivo de verificar, no
que diz respeito ao léxico, especificamente a partir da recorrência dos
principais termos dos textos, como o conhecimento que é fruto de
pesquisa acadêmica chega ao leitor leigo.
O décimo quarto capítulo, A infraestrutura do texto multimodal:
o caso do gênero cartoon, de Audria Albuquerque Leal, propõe mostrar
caminhos que levem a uma compreensão da relação que o verbal
tem com o não verbal no funcionamento textual e, para isso, a autora
escolheu o gênero cartoon, devido ao fato de este gênero possibilitar
mais especificamente análises que considerem as especificidades e
os desdobramentos da imagem na organização textual.
O décimo quinto, último capítulo da seção II, intitulado
PIBID e inclusão social: carta de reclamação em uma turma de oitavo ano,
de Miriam Sester Retorta e Karina Rosse Lopes, é fruto de um
trabalho de pesquisa com o objetivo de refletir sobre os processos
de ensino-aprendizagem de língua materna via trabalho realizado

Gêneros, entre o texto e o discurso 25


através da tessitura de olhares sobre sequências didáticas que
contenham o gênero textual carta de reclamação.
A terceira e última seção do livro – Entrevistas – é composta
por duas entrevistas, uma com Jean-Paul Bronckart e a outra
com Charles Bazerman. Nelas, os entrevistados apresentam sua
trajetória e nos respondem, de forma concisa, algumas questões

VA
referentes ao ensino, ao trabalho, à pesquisa e aos panoramas dos
estudos da área do gênero.

R O R
Como nos indica Nietzsche, não existem fatos eternos
nem verdades absolutas, porque nada está dado e tudo veio a

P UTO
ser. Desejamos a todos os leitores leituras que possam permitir
o deslocamento dos signos das certezas que se foram alojando
com o passar do tempo enquanto efeitos de verdade, afim de

A
que possamos, juntos, perceber o ato de ver como experiência
perfurada pelos vazios que constituem os seres fixos-mutáveis que

O
somos todos nós.

D Os organizadores
Curitiba/Pelotas, janeiro de 2015.

26 EDITORA MERCADO DE LETRAS


VA
R O
Seção I

R
QUESTÕES CONCEITUAIS

P UTO
E METODOLÓGICAS

O A
D
VA
R O R
P UTO
O A
D
VA 1
R O os Gêneros do discurso

R
na PersPectiVa BaKHtiniana:

P UTO recintos de encontro de


duas esferas da Vida

O A Valdemir Miotello

D Hélio Márcio Pajeú

A palavra na vida, com toda evidência, não se centra em si mesma.


Surge da situação extraverbal da vida e conserva com ela o vínculo mais
estreito. E mais, a vida completa diretamente a palavra, a que não pode
ser separada da vida sem que perca seu sentido. (Bakhtin 2011, p. 154)

Bakhtin e o Círculo, ao procurarem compreender as


interações entre os sujeitos e seus outros no seio da vida cotidiana,
consideram esse orbe o nascedouro das ideologias e o fazem sob
uma perspectiva dialógica. A dualidade que compõe o movimento
de concepção da linguagem por esses filósofos, de modo algum, se
encarna sob um olhar maniqueísta, que separa, que dá contorno
claro aos corpos e às vozes que o orquestram. O princípio da
compreensão bakhtiniana, para qualquer pedaço do mundo
que aponte, é o exercício de olhar a constituição das coisas em
reciprocidade, em relação, trata-se da labuta difícil de procurar
sempre numa mesma cronotopia o eu e o outro.

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 29


No estudo dos signos ideológicos, ele vai olhar a relação
entre a infra e a superestrutura (Bakhtin 2009); ao se voltar à
cultura popular na Idade Média e no Renascimento (Bakhtin 2008)
ele vai se interessar pelo riso e pelo sério, pela vida e pela morte,
pela bi-corporeidade do corpo grotesco; no romance polifônico
(Bakhtin 2008) ele vai desvendar a relação entre autor e herói

VA
interagindo em equipolência dentro da atividade estética. Desse
modo, Bakhtin nos evidencia o princípio metodológico da sua

R O
filosofia: compreender, enxergar e ouvir o mesmo e o diferente se

R
dando em um processo contínuo de interação; o novo e o repetível

P UTO
acontecendo nos mesmos espaços da vida, nos quais estão sempre
presentes a identidade e a alteridade, o eu e o outro.
Portanto, a vida, diz Bakhtin (2010, p. 142) “conhece dois

A
centros de valores, diferentes por princípio, mas correlatos entre
si: o eu e o outro, e em torno desses centros se distribuem e se

O
dispõem todos os momentos concretos do existir”. Nesse sentido,

D
a vida como lugar das interações éticas, se firma como atmosfera
úbere para se cultivar a relação com o outro, na sua diferença,
unicidade e singularidade.
No centro de valor da alteridade, a unicidade do sujeito pelo
ato responsável permitirá a arte se erigir como algo vivo, posto que
para Bakhtin a cisão entre a vida e a arte torne esses dois domínios
objetivados e como resultado desse processo temos

dois mundos que se confrontam, dois mundos absolutamente


incomunicáveis e mutuamente impenetráveis: o mundo da
cultura e o mundo da vida – o mundo no qual se objetiva o ato
da atividade de cada um e o mundo em que tal ato realmente,
irrepetivelmente, ocorre, tem lugar [...]. [Isso] revela das
direções opostas: uma unidade objetiva de um domínio da
cultura e a singularidade irrepetível da vida que se vive, mas
não sob um plano unitário e único. Somente o evento singular
do existir no seu efetuar-se pode constituir essa unidade
única. O ato deve encontrar um único plano unitário para

30 EDITORA MERCADO DE LETRAS


refletir-se em ambas as direções [...], somente assim se pode
superar a perniciosa separação e a mútua impenetrabilidade
entre cultura e vida. (Bakhtin 2010, p. 43)

De modo objetivado, esses dois mundos não se comunicam


entre si, e não existe uma abertura que convenha para abarcar e

VA
invadir o mundo válido da cultura teorizada no existir-evento
singular da vida (Bakhtin 2010). Bakhtin, proporciona um

R O
exame crítico à dissensão da eventicidade do ser em dois polos:

R
o experimento vivenciado, os atos concretizados na esfera da

P UTO
vida, isto é, o lugar da efetivação da atividade, dos atos que são
impérvios em sua singularidade e a esfera da cultura, como mundo
da significação, dos atos valorados, ajustada por ele como um fato

A
objetivo, como unidade objetiva de atos objetivados em enunciados
por meio da linguagem. A cultura é, portanto, a junção desses dois

O
mundos, “se eu me afasto desse lugar único, ocorre uma cisão entre

D
o mundo infinito possível do conhecimento e o pequeno mundo
de valores por mim reconhecidos” (Bakhtin 2010, p. 110).
Tal reconhecimento se dá somente pelo ato responsável
que singulariza os sujeitos nas suas interações, garantindo suas
identidades múltiplas pela entrada da alteridade no jogo ético de
constituição das relações subjetivas, em que a concepção de sujeito
integral, fechado, dentro de um mundo igualmente teorizado se
torna miserável. Nem o sujeito, nem o mundo se realizam por si só,
seus sentidos advêm da interação social, e a este respeito, Geraldi
(2014, p. 7) nos ajudar a compreender que isso ocorre devido ao
fato de que o mundo não nos é dado, mas construído e

para construir o mundo, ninguém parte do nada! Sobre uma


natureza encontrada, dada, operamos todos nós e jamais
sozinhos: é preciso pensar que sobre ela atuam outros seres
com quem partilhamos a vida. Mas entre esses, somente nós
“elaboramos” o mundo, pois lhe damos sentidos, jamais
dados, jamais acabados, jamais prontos, jamais definidos.

Gêneros, entre o texto e o discurso 31


É, justamente, a alteridade que abafa o monologismo e
possibilita os sujeitos se orquestrarem a partir de uma polifonia
social em suas tomadas de decisão no mundo ético e elaborar os
sentidos do mundo no qual interagem. É a ação de reconhecer-se
como sujeito constituinte de ato responsável que põe a alteridade
como elemento que destrói o mundo teórico que impossibilita a

VA
relação espontânea entre vida e cultura, vida e arte, uma vez que
nesse mundo “não é possível viver, agir responsavelmente, nele não

R O
sou necessário, nele por princípio não tenho lugar” (Bakhtin 2010,
p. 52).

R
P UTO Na sua filosofia do ato responsável, ele parte da entrada de
que para se reconhecer a singularidade dos sujeitos interagindo na
vida, não se pode separar de modo objetivo a vida e a cultura, a ética

A
e a estética. Ao tratar das questões que dizem respeito à palavra na
vida e a palavra na poesia, Bakhtin (2011, p. 150) compreende que

D O a arte é também imanentemente social. O meio social extra-


artístico, a influenciar a arte desde o exterior, encontra nela
uma resposta imediata e interna. Na arte o que não é alheio
atua sobre o alheio, e uma forma social influencia sobre outra.
O estético, ou mesmo o jurídico ou o cognitivo, são tão
somente uma variedade do social.

É por essas veredas que esse filósofo e o Círculo, em seu


plano epistemológico, compreendem a vida, sob um caráter sui
generis, como o espaço de vivência do ato ético na esfera cotidiana
e como lugar da consolidação da atividade estética, bem como a
estância do suceder e do rejuvenescer dos entraves sociais. Por
esse modo, ela é um elemento que caracteriza a linguagem – o
aspecto signico do homem – como a arena em que se dão as pelejas
discursivas e sociais, uma vez que a palavra e a situação social estão
indissoluvelmente vinculadas.
A palavra assume o papel de um aparato simbólico sensível
de apreensão das interações no orbe ético, por isso ela não é por

32 EDITORA MERCADO DE LETRAS


si mesma, não se conforma autônoma, objetiva e equipolente na
sua imanência, entretanto, se trata de uma expressão que se dá
pela dependência de alteridades distintas, em que o outro que
se funde socialmente no processo interativo de constituição das
subjetividades carece em alto grau de um outro oposto, diferente,
que o singularize na sua identidade, na sua relação com meio social.

VA
Esse horizonte social que se organiza pela palavra, aparece com
distintas cores e tonalidades nos objetos estéticos. Portanto, ambas

R O
as esferas se constituem em conjunto continuo dentro de uma

R
relação de tempo e espaço e circunscrita pela linguagem.

P UTO Há algum tempo em nosso Grupo de Estudos dos Gêneros


do Discurso (GEGe), temos perseguido esse caminho de discussão
a respeito de como as atividades éticas e estéticas se imbricam nas

A
várias interações que compõem a esfera humana. E temos chegado à
conclusão, a partir da perspectiva bakhtiniana, de que este encontro

O
se dá nos gêneros do discurso, nos quais os sujeitos se inserem e

D
utilizam para se comunicar, para interatuar e para produzir palavras
recheadas de signos ideológicos. Em nossa compreensão, qualquer
pedaço do mundo que tenha a palavra como mediação, encarnado
em um jogo de linguagem que estabeleça uma relação entre sujeitos
únicos, toma feitio a partir de um gênero do discurso que mescla
a vida e a arte.
Domenico De Masi (2000, p. 29), ao ser indagado a respeito
da reiterabilidade do conceito de estética no seu discurso responde
que tal fato se dá “por uma questão muito simples: porque, entre
todas as formas de expressão humana, a estética é aquela que,
mais do que qualquer outra, é responsável pela nossa felicidade”.
Apesar de estar discutindo a estética em seu fundamento filosófico
radical, o sociólogo italiano nos mostra que a estética é constitutiva
do mundo humano, das interações éticas. Mesmo ao crer que a
estética na sociedade atual não sirva mais para se conseguir “a graça
dos deuses”, ele afirma que “ainda hoje delegamos uma grande
parte da nossa felicidade à arte: quando desejamos nos sentir bem,
nos divertir, vamos ao cinema, ao teatro, a um museu, ou vamos

Gêneros, entre o texto e o discurso 33


admirar uma bela paisagem” (De Mais 2000, p. 30). Nessa mesma
linha, Ariano Suassuna (1979, p. 70) ao discutir o campo estético na
arte, assegura que “a satisfação determinada pelo juízo estético se
apoia no livre jogo da imaginação, é uma espécie de harmonização
das faculdades causadas pela sensação de prazer”. Nesse sentido,
esses autores estabelecem uma relação entre a ética e a estética por

VA
meio dos gêneros do discurso primários e secundários; uma ida ao
teatro, a admiração de um quadro, uma conversa no botequim com

R O
um amigo sobre um filme que passou no cinema etc.

R
A preocupação da estética como ramo da filosofia recai,

P UTO
sobretudo, nos aspectos relativos à beleza, no entanto, tece
importantes considerações a respeito de outras categorias, como
o sublime, o cômico, o feio etc. É pelo saber estético que se pode

A
conjecturar os alcances e simetrias do campo artístico, como
também da vida ética, posto que a arte seja “o meio indispensável

O
para essa união do indivíduo com o todo, reflete a infinita capacidade

D
humana para a associação, para a circulação de experiências e
ideias” (Fischer 1977, p. 13).
Bakhtin e os seus camaradas, na sua filosofia reiteram que
todos os eventos e objetos do mundo material só adquirem sentidos
ao adentrarem no universo social do homem, ao se constituírem
a partir de centros de valores únicos, ao se humanizarem por
intermédio da linguagem. É exatamente esse processo de
constituição dos sentidos que configura todas as esferas da vida.
No conjunto de textos que compõem a Estética da criação
verbal (2003), o filósofo ao discutir o lugar do herói e do autor na
criação artística defende que é somente a partir do evento ético, da
experiência vivenciada na sua singularidade que os sujeitos realizam
a ação estética. Isto é, o instante primário da criação estética é a
vivência, na qual o Eu tem que experienciar, enxergar e apreciar aquilo
que está sendo vivenciado pelo outro sob uma perspectiva exotópica
produtiva. Nesse ensaio, o Eu deve colocar-se no lugar do outro como
se combinasse com ele, encarregando-se do seu horizonte essencial
do mesmo modo como ele o habita e dessa imersão no horizonte

34 EDITORA MERCADO DE LETRAS


alheio aparecerão os vazios que só são visíveis do lugar único do Eu,
do mesmo modo diferentes lacunas somente serão compreendidas do
posto da unicidade desse outro.
Nesse sentido, a atividade estética se abre como a
possibilidade de um evento de representação do existir do ato
ético singular a partir de uma posição exotópica. Ela, só principia

VA
sua existência quando o sujeito toma uma posição fora do evento
do qual fala, do evento do qual compreende, do evento do qual

R O
vive, quando esse se conforma pela palavra como “representação”.

R
A atividade estética inicia dessa condição de extralocalização e

P UTO
estranhamento, da impossibilidade de recomposição do eu e,
justamente por isso, é capaz de mostrar, mais do que qualquer
outro lugar do discurso, o propriamente humano e as suas relações

A
essenciais (Petrilli 2013, p. 83).
A compreensão e consolidação da atividade estética requerem

O
um afastamento do ato ético que só é permitido pela exotopia, pelo

D
encontro com a alteridade, pela transgressão da própria identidade
do Eu. A relação estética só pode ser conformada na interação Eu-
Outro, por se tratar da constituição de sentidos a partir de centros
de valores únicos, uma vez que

no mundo da minha autoconsciência, entre meus valores,


não figura o valor estético significante de meu corpo e de
minha alma [...] [eles] se inserem em minha atividade que se
desenvolve em meu horizonte, e esse horizonte não pode
fechar-se e abarcar um eu tranquilizado, e constituir um
ambiente de valores para mim: ainda não existo no mundo
de meus valores enquanto dado positivo, tranquilo, igual a si
mesmo. A relação de valor consigo mesmo é esteticamente
improdutiva, e, para mim, sou esteticamente irreal. Eu não
posso ser mais do que o portador do desígnio artístico que
me dará forma e acabamento, não posso ser o objeto dessa
constituição e acabamento, ou seja, seu herói. A visão estética
encontra sua expressão nas artes, mormente na criação
artística verbal; nela aparece um severo isolamento, cujas

Gêneros, entre o texto e o discurso 35


potencialidades já estavam presentes na visão e um desígnio
formal determinado e demarcado que se realiza através de um
determinado material, nesse caso, verbal. O desígnio artístico
fundamental se efetua com base no material que é a palavra.
(Bakhtin 2003, p. 203)

VAA possibilidade de situar-me fora do outro e mesmo


assim assumir seu horizonte social só é possível pela palavra

O
em sua materialidade concreta. Esse movimento que localiza as

R
P UTO R
consciências fora uma da outra organiza entre o eu e o outro uma
ação de distanciamento, de excedente de visão, que alimenta uma
efetiva relação de alteridade, uma separação pela qual a vivência do
eu só pode tornar-se um ato suscetível de ser contemplado devido
a uma feição estética, encarnada nos signos ideológicos, que não

A
é produto somente do eu, que não se encontra sozinho nele, mas
também no seu outro, posto que em todas as

O
D formas estéticas, a força organizadora é a categoria de valores
do outro, uma relação com o outro enriquecida do excedente
de valores inerente à visão exotópica que tenho do outro e que
permite assegurar-lhe o acabamento. O autor só se aproxima
do herói quando sua própria consciência está incerta de
seus valores, quando está sob o domínio da consciência do
outro, quando reconhece seus próprios valores no outro que
tem autoridade sobre ela (através do amor e do interesse
desse outro), quando o excedente da visão (o conjunto
dos elementos transcendentes) está reduzido ao mínimo,
está isento de tensão e não tem um caráter de princípio. O
acontecimento que ocorre se realiza entre duas almas (quase
dentro dos limites de uma única e mesma consciência de
valores) e não entre o espírito e a alma. (Bakhtin 2003, p. 204)

Na esfera ética, o sujeito é inacabado por natureza e as frestas


que lhe faltam são buscadas do mesmo modo na incompletude
do outro. Para o filósofo, “se eu mesmo sou um ser acabado e
se o acontecimento é algo acabado, não posso nem viver nem

36 EDITORA MERCADO DE LETRAS


agir: para viver, devo estar inacabado, aberto para mim mesmo,
devo ser para mim mesmo um valor ainda porvir” (Bakhtin 2003).
Exclusivamente, na esfera estética, o sujeito pode ser compreendido
sob um acabamento provisório que vem da alteridade, somente,
por meio de representação com signos ideológicos. Nesse sentido,

VA
qualquer fenômeno, qualquer fato, qualquer produto da
atividade do homem podem tornar-se signo estético. O

R O elemento estético funciona, assim como signo de comunicação,

R
abrindo-se para uma semântica do imaginário coletivo e

P UTO
fazendo-se presente na ordem das aparências fortes ou das
formas sensíveis que investem as relações intersubjetivas no
espaço social. (Sodré e Paiva 2002, p. 38)

O A A alma da concepção estética, os elementos, as emoções, os


deslumbramentos e impressões que circunscrevem os sujeitos nas

D
interações éticas são despejados no mesmo recinto, nos gêneros
do discurso, pelos quais se tornam referenciais tangíveis à soma do
ato ético e da criação estética. O homem no seu mundo interativo
da vida cotidiana não pode ver dentro de si, e ao ambicionar esse
feito, por outro caminho que não seja o reflexo monológico e
disforme do espelho, ele deve aproximar-se de um lugar que não
seja a própria vida, deve instaurar uma ação de situar-se sob uma
visão que o possibilite transgredir a sua condição ética, isto é, por
uma representação estética materializada na palavra dos gêneros do
discurso secundários, a partir de uma totalidade exotópica.

Mas, essa exotopia aos outros e ao seu mundo não é, claro,


senão uma maneira específica e fundamentada de participar do
acontecimento existencial. Encontrar o meio de aproximar-
se da vida pelo lado de fora [...] O ato estético engendra a
existência num novo plano de valores do mundo; nasce um
novo homem e um novo contexto de valores – um novo
plano do pensamento do homem sobre o mundo. (Bakhtin
2003, p. 206)

Gêneros, entre o texto e o discurso 37


A localidade da estética é uma cultura das fronteiras. Ao se
ponderar o universo da criação artística, o princípio da exotopia
se torna mais claro, nesse mundo o autor-criador, em seu ato de
criação, deve colocar-se nos limites do mundo que está cunhando,
uma vez que seu ingresso monologizado nessa natureza afetaria a
harmonia estética da criação, tornando-a um ato ético.

VANessa interação, o acontecimento exotópico se torna


improdutivo e, assim, o percebimento dos eixos axiológicos são

R O
inteiramente imanentes à própria vida vivida em seus distintos

R
horizontes (social, moral, cognitivo, jurídico etc.), e quando essa

P UTO
autoridade dos valores submerge somente da categoria do eu, “não
há lugar para o tempo desacelerado da criação dos valores, para essa
duração dos valores que faz com que nos atardemos nas fronteiras
entre o homem e sua vida, então só podemos imitar o homem e

A
a vida, isto é, utilizar negativamente a exotopia” (Bakhtin 2003, p.
218). Essa reflexão sobre o processo da unicidade e interação das

O
consciências que formam a obra estética fez nascer, ou melhor,

D
Bakhtin enxergar (2008), o romance polifônico em Dostoiévski
como o lugar de vivência e interação de heróis plenivalentes.
Por outro lado, na concepção estética o objeto de sentido
não se constitui por mera imitação, ele atesta o lugar do exercício
da mudança de posição, do destroncamento, da estranheza, do
extraordinário, que procura ressalvar a singularidade do ato ético
pela representação numa dada cronotopia. A esse respeito, Luciane
de Paula (2008, p. 199), nos adverte que

na cultura, tanto a experiência quanto a representação são


manifestações marcadas pela temporalidade. O cronótopo
trata das conexões essenciais de relações temporais e espaciais.
Enquanto o espaço é social, o tempo é histórico. Isso significa
que, tanto na experiência quanto na representação estética,
o tempo é organizado por convenções. (Paula 2008, p. 199)

O humanismo bakhtiniano, ao relacionar as esferas da ética


e da estética tem como baldrame a constituição dos sentidos que

38 EDITORA MERCADO DE LETRAS


singularizam os sujeitos nas suas interações valorativas no espaço e
no tempo. Os sentidos dos universos culturais, como intermédio de
todas as relações humanas, nascem por meio de signos ideológicos,
que representam uma parte do mundo ético no mundo estético, e
vice-versa. É nesse jogo de representação estética da ética, ou ético
da estética, que se instaura o simulacro do “como se fosse, mas não o

VA
é verdadeiramente”, o lugar das possibilidades, o lugar que autoriza o
excedente de visão dos sujeitos.

R O R
A unidade do mundo da visão estética não é uma unidade

P UTO de sentido, não é uma unidade sistemática, mas uma unidade


concretamente arquitetônica, que se dispõe ao redor de um
centro concreto de valores que é pensado, visto, amado. É

A
um ser humano esse centro, e tudo nesse mundo adquire
significado, sentido e valor somente em correlação com um

O
ser humano, somente enquanto tornado desse modo um

D
mundo humano. (Bakhtin 2010, p. 124)

Os sentidos que se instauram tanto na ética quanto na estética,


só podem advir das relações entre sujeitos, entre duas ou mais
consciências que produzem textos, que interagem em horizontes
sociais distintos circunscritos por gêneros do discurso, que por sua
vez se comunicam com a sociedade em que se estabilizam pela sua
riqueza e diversidade, posto que “são inesgotáveis as possibilidades
da multiforme atividade humana e porque cada campo dessa
atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce
e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um
determinado campo” (Bakhtin 2003, p. 262).
Bakhtin compreende os gêneros como atividades
relativamente estáveis que fundamentam meios de apropriação dos
discursos, enveredados por uma bifurcação que ao mesmo tempo
em que separa, também mistura, as possibilidades da comunicação
oral e as formas escritas. Desse modo, o filósofo faz uma
diferenciação dessas duas possibilidades: uma que se fundamenta

Gêneros, entre o texto e o discurso 39


na comunicação cotidiana e outra que emerge das interações que
são produtos de sistemas com maior índice de acabamento. Os
gêneros do discurso primários, de natureza simples, dizem respeito
às relações da vida ética, cotidiana, como por exemplo, uma réplica
do diálogo fortuito; já os secundários, mais elaborados, portanto,
aparecem, normalmente, na forma escrita e expressam os aspectos

VA
culturais e ideológicos numa esfera de representação da atividade
humana. Em suas palavras, considera que os gêneros secundários

R O
do discurso, como um filme exibido nas salas de cinema, por

R
exemplo, aparecem

P UTO em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais


complexa e relativamente mais evoluída, principalmente

A
escrita: artística, científica, sociopolítica. Durante o processo
de sua formação, esses gêneros secundários absorvem e

D O transmutam os gêneros primários (simples) de todas as


espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma
comunicação verbal espontânea. (Bakhtin 2003, p. 264)

No entanto, ele não separa os gêneros primários e


secundários de modo dualista, pois eles ocorrem, também, em
simultaneidade. Por exemplo, a situação concreta da vida em que
um sujeito que vai com um grupo de amigos assistirem a um filme, exibido
numa sala de cinema, sobre um grupo de amigos que vão ao cinema assistir um
filme, junta neste evento gêneros primários e secundários.
Situada a partir da entrada de Bakhtin, Marchezan (2010, p.
269) adota os gêneros primários como “enunciados espontâneos
do cotidiano, que acontecem principalmente, face a face” e os
secundários como “enunciados mais complexos, que compartilham
dos valores da sociedade como um todo, mas surgem e atuam mais
diretamente em uma área particular: uma ciência, uma religião, uma
escola artística etc.”. Em seu entendimento, ambos “dão forma à
experiência sócio-histórica, que neles se estabiliza; institui e reforça
as formas já tradicionais, mas retira da dinâmica do dia-a-dia (dos
gêneros primários, portanto) o alimento de sua transformação”.

40 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Essa distinção entre gêneros primários e secundários é
determinada pelo uso da linguagem por sujeitos em seu conjunto
dialógico em um domínio específico. O gênero primário, por
exemplo, se transforma em secundário quando perde a ligação
direta com a finalidade para qual foi arquitetado; quando adentra
a um espaço exotópico pela representação, quando assumo uma

VA
forma estética. Os sentidos gerados pelas relações entre sujeitos
sempre estão inseridos nos gêneros do discurso, encarnados em

R O
signos ideológicos e textos, que os configuram, e esse deslocar-se

R
de consciências torna os gêneros pontos nos quais se entrecruzam

P UTO
os universos da ética e da estética. Certamente, são nos gêneros
do discurso, por meio de textos e enunciados estabilizados que
encontramos a materialização desse encontro. Machado (2005, p.

A
133), pensa que

D O antes de mais nada, o gênero não pode ser concebido


senão como um conceito plural: reporta-se às formações
combinatórias da linguagem em suas dimensões verbal e
extraverbal. Além disso, articula formas discursivas criadoras
da linguagem, de visões de mundo e de sistemas de valores
configurados por pontos de vista determinados. O conceito
de gênero segundo a abordagem dialógica de Bakhtin é
instância de criação e acabamento do objeto estético. [...] o
gênero organiza a manifestação e promove seu acabamento.
Quer dizer: o gênero mobiliza relações entre aspectos internos
e externos da manifestação estética [e ética].

Ao considerar os gêneros do discurso como atividades


estáveis que afunilam essas esferas, Bakhtin procura compreender
sua disposição a partir de três aspectos fundamentais: o
estilo, a forma composicional e o tema. Essa tríade se mistura
inseparavelmente na arquitetônica do enunciado e seus elementos
são marcados pela particularidade de uma esfera da comunicação
e da interação social, bem como, da singularidade dos sujeitos
falantes. São esses três aspectos que se abraçam para constituir e

Gêneros, entre o texto e o discurso 41


dar sentido a qualquer manifestação que insere o homem no seu
eixo axiológico. É, também, por essa estética, como transfiguração
da vida conformada nos gêneros, que as identidades inacabadas
dos sujeitos são construídas em interação com a alteridade. São
eles três, portanto, que diferenciam a ida ao cinema de um grupo
de amigos, do grupo de amigos representado no filme como uma

VA
unidade temática.
Sobral (2010, p. 68), os descreve, respectivamente, como

R O
sendo: a) o modo de dizer, de organizar os discursos; b) a língua,

R
no caso dos discursos verbais; e c) os atos humanos. O tema, para

P UTO
Sobral (2010, p. 75) só é

entendido quando se levam em conta os elementos

O A extraverbais da enunciação ao lado dos elementos verbais;


o tema não é fixado, mas dinâmico; é uma mobilização de
formas da língua segundo as condições da enunciação, é o

D lugar em que significação junto com a enunciação produzem


sentido.

Desse modo, Bakhtin nos mostra que para compreender


qualquer gênero do discurso é necessário aprofundar o olhar para
essas categorias que o sustentam, somente a partir das mudanças
ocasionadas em seu interior, pode-se chegar ao entendimento
desses tipos relativamente estáveis que juntam distintos textos em
materialidades que se cumprem pela palavra nas atividades dialógicas
e responsivas da vida. A compreensão dos gêneros promulgada por
esse filósofo tem o dialogismo da ação comunicativa e a linguagem,
enquanto manifestação intensa das relações culturais e sociais,
como o centro em que ecoam vozes de grupos, de sujeitos que
enunciam, travam arengas, expressam valores e adotam atitudes no
mundo. É relevante ponderar que os gêneros do discurso estão
sempre em um movimento, ininterrupto, de intercâmbio, eles se
oferecem aos sujeitos como recursos para agir e interagir em todas
as esferas da vida.

42 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Na compreensão de Machado (2010, pp. 155-157), eles “são
formas comunicativas que não são adquiridas em manuais, mas
sim nos processos interativos”. Eles não podem ser confundidos
com “procedimentos, com hierarquias, com categorias formais ou
estruturas acabadas, pois neles coexistem diversificadas formas
de pensar o mundo e a história humana” e por “mobilizarem

VA
diferentes esferas da enunciação, representam unidades abertas da
cultura. São depositários de formas particulares de ver o mundo, de

R O
consubstanciar visões de mundo de épocas históricas” (Machado

R
2005, p. 147).

P UTO Assim, não podem ser compreendidos, de modo algum,


apenas como solidificações de uma forma linguística, todavia,
como uma maneira enunciativa que está amarrada ao contexto das

A
esferas do uso da linguagem, da comunicação social da cultura e aos
signos ideológicos propriamente ditos. Daí, eles sempre originarem

O
discursos em respostas a outros. Nessa cadeia da comunicação,

D
dentro de gêneros do discurso, nada que é dito é puro, e todo dizer
é determinado pelo horizonte social em que é enunciado. Em todo
enunciado, desde a réplica cotidiana até as grandes obras complexas,
apreendemos, compreendemos, sentimos o intento discursivo
ou o querer-dizer do locutor que motiva sua arquitetônica, sua
intensidade, suas fronteiras.
Percebemos o que o locutor quer dizer e é em alegoria
a essa intenção discursiva, a esse querer-dizer, que é regulado o
arremate dos seus enunciados. Esse intuito direciona a escolha do
objeto, com seus limites, nas situações concretas da comunicação
verbal e necessariamente em relação aos enunciados anteriores,
e o tratamento exaustivo do objeto do sentido que lhe é próprio
(Bakhtin 2003, p. 281). Toda compreensão só pode ser estabelecida
a partir de um único alvo dentro de um grupo que junta diferentes
pontos de visão. Baseando-se na filosofia do ato responsável
bakhtiniano, Machado (2005, p. 140) diz que tal compreensão
“abriga um paradoxo: embora cada ser ocupe um único lugar
na existência, ele nunca está sozinho. Por trás desse pensamento

Gêneros, entre o texto e o discurso 43


encontra-se a noção de como um eu é levado a perceber-se na
categoria do outro”. O fato de como o sujeito pode deslocar-se e
constituir-se, somente, a partir da alteridade. Para que seja possível
a compreensão responsiva, o cotejamento de um enunciado
concretizado na esfera da interação da vida é necessário que
esse esteja, parcialmente, completo, que tenha sido terminado,

VA
provisoriamente, na esfera estética.
Bakhtin (2003 p. 299), ao discutir os gêneros como cadeias

R O
da comunicação do homem, infere que são três os fatores que

R
determinam a totalidade, parcialmente, acabada dos enunciados. O

P UTO
primeiro fator é o “tratamento exaustivo do objeto do sentido”.
Nas esferas criativas, esse fator é relativo, pois depende da intenção
do autor ao criar o objeto de sentido, em teoria sempre inesgotável.

A
É essa intenção que liga esse primeiro fator ao segundo: “o intuito,
o querer-dizer do locutor”. Em qualquer enunciado podemos

O
perceber o “intuito discursivo” do locutor. É, atravessadamente,

D
pela compreensão do que o autor quer dizer que é possível
determinar suas fronteiras, seus limites permitindo que se capte o
todo do enunciado. Outro aspecto que o querer-dizer do locutor
determina é o terceiro fator: a “escolha de um gênero do discurso”.
As características específicas de cada esfera de comunicação
verbal, assim como as “necessidades da temática”, combinada ao
“querer-dizer do locutor” se adaptam ao “gênero escolhido”, ainda
que as individualidades dos sujeitos sejam preservadas. Todos os
gêneros do discurso possuem uma estrutura relativamente estável,
do todo. O nível de individualidade do autor depende do gênero
escolhido, em alguns deles apenas essa escolha demonstra o
intuito discursivo do locutor, enquanto outros permitem o uso da
criatividade de forma mais livre, isto é, do estilo do próprio autor.
Ao olhar para as manifestações da vida, Bakhtin as
compreende sempre circunscritas por um gênero, posto que suas
totalidades apresentem projetos enunciativos claros em respostas
às palavras outras, pelas quais os sujeitos procuram exaurir as
possibilidades temáticas dos seus projetos de dizer, ao escolherem

44 EDITORA MERCADO DE LETRAS


gêneros primários e secundários específicos, que fazem se misturar
atos éticos e estéticos a partir do estilo, da forma composicional
e dos sentidos que dão corpo a uma interação intersubjetiva,
fixada numa transgressão ambivalente das relações sociais que se
reinventam a todo instante. Isso porque “da mesma forma que a
cultura é atravessada por deslocamentos e transformações, as formas

199).

VA
discursivas também são suscetíveis de modificações (Paula 2008, p.

R O Desse modo, compreendemos a partir da leitura de Bakhtin,

R
que os gêneros do discurso são os lugares, relativamente, estáveis

P UTO
que permitem o encontro do ato ético e da atividade estética, ao
juntar em suas instancias a vida e a arte numa mesma relação de
tempo e espaço, ao permitir que o ato ético seja transfigurado com

A
representação pela atividade estética.

D O

Gêneros, entre o texto e o discurso 45


VA
R O R
P UTO
O A
D
A 2
O VGêneros, Marcas linGuÍsticas

R
R
P UTO
e Marcas enunciatiVas:
uMa anÁlise discursiVa

O A Adail Sobral
Karina Giacomelli

D
Introdução

O trabalho com gêneros é hoje objeto de uma multiplicidade


de propostas, dada a sua incorporação a documentos oficiais,
exaustivamente discutidos há vários anos. Assim, vemos hoje
todos os livros didáticos organizados a partir de gêneros, embora
em muitos ambientes se trate o gênero antes como modelo formal de
textos do que como um dispositivo enunciativo potente capaz de
dar conta da linguagem em uso (Giacomelli 2013). Essas propostas
de modelização enrijecem os gêneros, e perdem de vista tanto as
marcas linguísticas como as marcas enunciativas, aquilo que marca os
gêneros, reduzindo assim os textos a uma estrutura inferencial
formal.
Os gêneros são um importante dispositivo enunciativo que
merece um tratamento que una mais produtivamente o textual ao

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 47


extratextual ao identificar nos textos de que maneira o extratextual
é incorporado ao texto, de que maneira é intratextualizado, ou
seja, tornado parte inalienável do texto. Em outras palavras, os
gêneros permitem ver de que maneira a enunciação deixa marcas
nos enunciados. Tal como definidos no âmbito do dialogismo,
constituem-se em modos de interlocução vinculados com esferas

VA
de atividade, definidas como os ambientes sociais de vários tipos
nos quais ocorre a produção, a circulação e a recepção de discursos.

R O
Logo, os gêneros não se reduzem nem à forma nem ao conteúdo,

R
nem ao texto nem ao contexto. Eles integram a organização social

P UTO
dos sujeitos, as maneiras de interagir, com os aspectos linguístico-
textuais mais estritos. Cabe cobrir os aspectos linguístico-textuais mais
estritos e os aspectos enunciativos mais amplos, porque um gênero

A
produz textos inseridos de uma dada maneira num contexto por
um dado locutor que se dirige a um dado interlocutor.

D O Tema (que não se confunde com o tópico abordado), estilo


(que não se confunde com os estilos literários) e forma de composição
(que não se confunde com forma do texto) estão intimamente
ligados, não podendo ser separados como se fossem categorias
destacáveis a ser identificadas num texto. É preciso ver o texto,
a partir desses elementos, considerando essencialmente: sua
produção (quem produz esse gênero), circulação (onde ele é
produzido) e recepção (a quem se dirige), o que põe no centro
igualmente o projeto enunciativo do locutor: o que ele pretende
realizar? O que espera do interlocutor? Etc.
Cremos poder propor uma maneira prática de trabalhar
com gêneros que combina uma estrita análise de marcas linguísticas
(partindo de propostas de Benveniste) com uma análise de marcas
enunciativas (partindo de propostas de Bakhtin), nos termos
das especificidades de cada gênero. Destacamos que essas
especificidades são o que tornam um gênero distinto de outros e
mostram que eles não são modelos nem tipos de textos, nem formas
textuais ou formas de textualização, mas dispositivos interacionais,
dispositivos enunciativos, que constituem o lócus da linguagem

48 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Gêneros do discurso segundo Bakhtin

Todo evento de fala é discursivo, manifesta-se a partir de


algum gênero e para isso mobiliza textos. Todo evento de fala ocorre
no âmbito de uma prática discursiva, e toda prática discursiva é

VA
uma prática social, mesmo quando o sujeito fala ou pensa sozinho.
Assim, por exemplo, no âmbito da esfera acadêmica há uma prática

R O
social chamada “Congresso” e, nela, há uma prática discursiva

R
chamada “palestra” (que está presente em outras práticas sociais).

P UTO
Essa prática discursiva envolve um gênero, que talvez possamos
denominar “palestra acadêmica”, porque o “ser acadêmica” é que
define essa palestra, não sua condição de palestra. Esse gênero é
definido pelo fato de um dado sujeito, com uma autoridade validada

A
por seus pares, dirigir-se a um dado grupo de ouvintes de quem se
requerem certos atributos de compreensão, e dirigir-se a eles com

O
um projeto enunciativo de palestrante, no ambiente acadêmico

D
em questão, a fim de discorrer sobre algum tópico considerado
relevante pela coletividade acadêmica em questão.
São esses elementos que, grosso modo, definem o gênero,
e não os elementos formais, conteúdos, propostas etc. do texto
da palestra, devendo-se, contudo, enfatizar que a especificidade da
situação de palestra acadêmica incide sobre o que vai ser dito e
como vai ser dito, logo, sobre o texto, sobre as palavras do texto.
Temos aqui uma descrição de um gênero que considera tanto a
esfera de atividades como as palavras proferidas pelo palestrante.
A palestra, o ato de palestrar, é uma prática social acadêmica que,
nesse contexto, produz o gênero palestra acadêmica. Esse gênero
pode recorrer a diferentes tipos de texto e diferentes formas de
textualização. Sua especificidade genérica está no fato de realizar
seu tema, ou seja, o que se espera que uma palestra acadêmica faça
(discorrer, de uma posição de autoridade, sobre algo relevante),
mas é preciso destacar que o tema se realiza a partir de qualquer
tópico relevante, de qualquer assunto, porque tema para Bakhtin não
é o assunto, mas a posição do locutor.

Gêneros, entre o texto e o discurso 49


Num congresso de linguística, o tema pode ser realizado
falando de fonética, estudos identitários, enunciação etc. e, nesse
âmbito, de vários subtópicos. A palestra acadêmica realiza o tema
da apresentação de questões relevantes para uma coletividade a
partir dos tópicos possíveis dentro dessa comunidade: uma palestra
acadêmica na medicina, na sociologia e em letras é o mesmo

VA
gênero, embora variem os tópicos, os modos de construir textos
etc. Assim, o gênero não se confunde com o texto, mesmo que

R O
algumas estruturas textuais sejam típicas de certos gêneros ou de

R
mais de um gênero. Quando vemos um texto, temos de saber qual

P UTO
o seu gênero, mas quando pensamos num gênero não podemos
saber exatamente qual o texto que dele vai resultar. Claro que há
graus: o formulário do Imposto de Renda não permite variação, ao

A
passo que um texto literário exibe bem mais liberdade. Todo gênero
requer que seu autor realize determinados atos, mas não estabelece

O
como exatamente ele vai fazê-lo; por isso o gênero é definido como

D
“forma relativamente estável de enunciados” (Bakhtin 2003, p.
262): ele exige (estável) certas coisas e permite outras (relativamente).
Assim, para realizar o gênero palestra acadêmica, o palestrante
cria um texto. Isso significa que, a partir de uma prática social e
de uma prática discursiva (que são por definição contextualmente
condicionadas), o palestrante estabelece uma relação discursiva
com seu público interlocutor e mobiliza nesses termos um dado
texto. Dizer “um” texto não significa dizer um único texto. Primeiro
porque o palestrante pode usar mais de um texto, materialmente
falando. Mas também porque há várias possibilidades de textos
a usar na palestra: um texto escrito e lido oralmente, palavra por
palavra; um texto escrito apenas como base para a exposição oral;
um texto esboçado na forma de tópicos e exposto oralmente (com
ou sem uso de projetor de slides); um texto exposto oralmente
de modo direto, sem recurso a um texto que não o elaborado na
“cabeça” do palestrante; um misto de textos: um texto escrito,
tópicos em PowerPoint e exposição oral combinados. Todas essas
modalidades de textos realizam o gênero. O gênero em si não

50 EDITORA MERCADO DE LETRAS


se altera quando se alteram as modalidades. Por isso o gênero é
um dispositivo potente que vai além dos textos e estruturas e os
incorpora para realizar atos discursivos específicos.
Temos de considerar o aparato técnico do texto da palestra
acadêmica, mas o que importa é sempre a situação enunciativa,
a posição enunciativa dos envolvidos. Se uma pessoa que não o

VA
palestrante colocar-se em seu lugar e falar, essa pessoa não estará
fazendo uma palestra acadêmica. Esses e outros tipos de texto são

R O
usados pelo palestrante para realizar o gênero “palestra acadêmica”,

R
ou seja, não há apenas um texto para ele fazer isso, e sim uma

P UTO
variedade, cada uma com suas formas próprias de textualização,
mais ou menos estáveis, e todos eles são textos do mesmo
gênero, pois usados para realizar esse gênero. Assim, a palestra é

A
uma prática social que envolve o gênero palestra acadêmica, uma
forma de interlocução, uma maneira de X dirigir-se a Y. Os textos

O
mobilizados pelo gênero não são um gênero, mas exemplares de

D
gênero, textos realizados segundo um gênero. A palestra acadêmica
tem em comum com outras práticas o fato de um falar para vários
outros ouvirem. Mas não é igual a uma exposição de aluno em
sala de aula, uma comunicação, palestras em outros ambientes etc.,
porque a posição e a situação enunciativas dos envolvidos (locutor e
interlocutor) não são as mesmas. E a noção de gênero é justamente
o que mostra a relação entre texto e contexto do ponto de vista das
relações enunciativas, parte de uma prática social.
A posição enunciativa distinta demarca os gêneros. Só no
nível do texto o recurso de PowerPoint é igual em todos os casos.
Discursivamente, ele depende do discurso que o gênero promove
e atende aos objetivos do gênero, ao projeto de dizer do gênero e
do locutor que mobiliza o gênero. Gênero mobiliza discurso e discurso
mobiliza texto e o texto é a materialidade com que trabalhamos.
Gênero é uma forma-conteúdo englobante que envolve antes
de tudo posição enunciativa e projeto enunciativo e, portanto, envolve
endereçamento: ao dizer algo via gênero, o locutor endereça, dirige
o que diz a um dado interlocutor típico e, ao fazê-lo, altera o que

Gêneros, entre o texto e o discurso 51


vai dizer em função da antecipação da réplica desse interlocutor.
Quando se diz “típico”, fala-se do interlocutor que é parte da
situação de enunciação: quando se dirige a um professor que
não conhece, um aluno se dirige ao professor típico, ao perfil
de professor que conhece. (Claro que, depois de conhecer esse
professor, o aluno vai modular, ou seja, adaptar, o que diz.)

VA
Um gênero não se define apenas por uma designação.
Quando se diz, por exemplo, “palestra”, indefinidamente, fala-se

R O
só de uma prática social, que pode ter várias modalidades. Mas

R
não se fala do gênero usado nas diferentes palestras. Por isso,

P UTO
dizer “palestra acadêmica”, como fizemos, define o gênero: uma
palestra é igual a outras palestras, mas a que ocorre num ambiente
acadêmico é palestra acadêmica. Essa designação, descritiva, define a

A
relação enunciativa desse tipo de palestra, e, como temos dito, é a
relação enunciativa que define um gênero.

D O Uma palestra pode ser formal ou informal, por exemplo,


mas isso não altera a posição enunciativa dos envolvidos; porque só
o palestrante, em sua posição, pode fazer a palestra mais ou menos
formal. Mas, formal ou informal, a palestra é uma palestra, não
uma conversa (mesmo que o palestrante diga que é uma conversa).
Portanto, “palestra acadêmica” designa um gênero dentro da
prática social que é o ato de palestrar no âmbito acadêmico. Se digo
“palestra inspiracional”, refiro-me de uma prática discursiva que
requer outro gênero, um gênero em que o locutor busca inspirar
seu interlocutor a fazer/ser/querer alguma coisa. Logo, a prática
de palestrar tem vários gêneros. Gênero, repetimos, é o ato que se
realiza ao falar. E, dentro disso, temos o texto de uma palestra. Daí,
se a palestra gera um texto publicado em forma de artigo, tem-se
outro gênero, “artigo acadêmico”, não “palestra acadêmica”.
Essas considerações mostram que é vital distinguir entre
o texto (a materialidade dos discursos) e o gênero. O texto traz
em si marcas linguísticas que têm de ser levadas em conta para seu
entendimento. Mas a perspectiva enunciativa que é a dos gêneros
requer que se levem em conta, igualmente, as marcas enunciativas. São

52 EDITORA MERCADO DE LETRAS


as marcas enunciativas que estão na base da definição do gênero.
Um texto é um mero agregado de frases antes de ser tomado como
o aparato técnico por meio do qual um locutor realiza um gênero
numa dada situação enunciativa: um texto só significa por ser o
texto de alguém; em si, pode significar qualquer coisa ou coisa
alguma. Bakhtin (2003) especifica que só se escolhe um gênero a

VA
partir da consideração do destinatário. Não se escolhe um gênero
para então escolher a quem nos dirigimos. Segundo ele,

R O R
Essa consideração [do destinatário] irá determinar também a escolha

P UTOdo gênero do enunciado e a escolha dos procedimentos


composicionais e, por último, dos meios linguísticos, isto é, o
estilo do enunciado. (...) Portanto, o direcionamento, o endereçamento

A
do enunciado é sua peculiaridade constitutiva, sem a qual não há
nem pode haver enunciado [grifamos]. (...) As várias formas típicas

O
de tal direcionamento e as diferentes concepções típicas de

D
destinatários são peculiaridades constitutivas e determinantes dos
vários gêneros do discurso. (...) A escolha de todos os recursos
linguísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência
do destinatário e da sua resposta antecipada. (pp. 302 e 305-
306, grifamos)

Vemos aí que o foco do gênero, seu elemento determinante,


são as “formas de [...] direcionamento e as diferentes concepções
típicas de destinatários”, ou seja, quem normalmente se dirige a
quem em que prática social. Depois de saber quem é o interlocutor,
o locutor escolhe o gênero, e só mais tarde escolhe os meios
linguísticos. Isso estabelece o ato discursivo que cada gênero
realiza. Um editorial não assinado de jornal, por exemplo, pode
ser em versos, em forma de coluna social, pode ser uma charge,
uma figura etc., mesmo que normalmente se usem certas formas
típicas específicas. O que importa é a posição de quem fala e a
quem fala, nos termos de cada gênero. Assim, deve-se perguntar
“editorial de quê?: de jornal? de revista? Editorial assinado? Não
assinado? Vem na capa? Na página 2? etc. Não é porque se fixaram

Gêneros, entre o texto e o discurso 53


certas formas textuais em editoriais que o editorial se confunde
com elas. Portanto, descrever um gênero requer identificar o que
o define, chegar a seu “sobrenome”, uma vez que textos com a
mesma designação podem indicar gêneros distintos. O critério a
ser observado é o projeto enunciativo, a relação de interlocução, do gênero.

VA
Gêneros discursivos em Bakhtin em contato

O R
com algumas propostas de gêneros textuais

R
P UTO Como todo o arcabouço teórico bakhtiniano está fundado
no dialogismo, que, segundo Brait (1997, p. 98), é um modo de pensar

A
que “instaura a constitutiva natureza interdiscursiva da linguagem”,
para Bakhtin (2003) todas as palavras usadas por um sujeito trazem

O
a presença de outros, e toda a sua existência se materializa nesse

D
universo de encontro com a palavra do outro, de reação às palavras
do outro e/ou de assimilação delas como suas. A palavra no
discurso é, assim, multivocal: antes mesmo de enunciar, o sujeito
busca provocar a resposta do outro e antecipar-se aos termos dessa
resposta, de acordo com seu projeto enunciativo (Sobral 2006). Os
gêneros, nessa perspectiva, nos são dados como nos é dada nossa
língua materna, ou seja, nós os adquirimos “graças aos enunciados
concretos que ouvimos e que reproduzimos na comunicação
discursiva efetiva com as pessoas que nos rodeiam” (Bakhtin 2003,
p. 326).
Dessa maneira, tal como as formas da língua, os gêneros do
discurso são introduzidos em nossa experiência e consciência sem
que sua correlação seja rompida, pois ambos organizam nossa fala.
Entretanto, em comparação com as formas da língua, os gêneros
mostram-se mais flexíveis, pois variam conforme as circunstâncias,
a posição social e a relação entre os parceiros da enunciação,
a depender da especificidade do gênero; há neles a seleção das
palavras a serem utilizadas no discurso, que, nesses termos, são

54 EDITORA MERCADO DE LETRAS


tiradas de outros enunciados (do próprio locutor e do de outros) a
partir das características de cada gênero, o que envolve igualmente
tema, forma de composição e estilo.
Não se deve deixar de lado, no tocante a isso, a grande
importância que têm assumido em estudos linguístico-discursivos
não bakhtinianos os chamados gêneros textuais. Ainda que as

VA
designações e, mais do que isso, as definições, variem amplamente,
pode-se dizer que, seja qual for a tendência, há alguns elementos

R O
comuns às várias teorizações sobre gêneros e aplicações do conceito

R
de gênero, inclusive para fins didáticos, que são compatíveis com

P UTO
as propostas bakhtinianas, ainda que sem a amplitude destas. Os
principais elementos a ser destacados quanto a isso, a despeito das
diferenças, são:

O A 1. Os sujeitos assimilam gêneros, nas mais diversas


esferas da atividade humana, mesmo que nem

D sempre sejam explicitamente instruídos a seu


respeito. Isso ocorre em situações de uso mais
informais ou mais formais e com gêneros
“primários” e “secundários”.1
2. Essa assimilação tem como fator incitativo vital o fato de
que o conhecimento e o uso de gêneros é fundamental
para a vida em comunidade; a socialização e a aceitação
dos sujeitos nos ambientes sócio-históricos em que vivem
dependem da assimilação de gêneros. Logo, os gêneros não
são simplesmente um instrumento didático, mas formas
concretas de uso da língua em diferentes contextos.
3. Os gêneros são necessariamente dinâmicos em sua
“estabilidade relativa”, dado que surgem de, e refletem/

1. Os gêneros “primários” são mais ligados à oralidade e a situações mais ime-


diatas e mesmo íntimas, de enunciação e os “secundários” são fruto de uma
elaboração e incorporação de gêneros primários em situações mais ligadas
ao meio escrito e a situações de enunciação mais distantes de situações face
-a-face.

Gêneros, entre o texto e o discurso 55


refratam, ambientes discursivos diferenciados, ricos,
em constante transformação. Logo, não se reduzem a
textualidades, a formas fixas de enunciados, nem a tipos
de texto ou funcionamentos discursivos em sentido
estrito. (Sobral 2006, 2007)

VAUm pressuposto compartilhado pelas diferentes


perspectivas de estudos de gênero é o de que eles estão sujeitos

O
a alterações produzidas: 1) pelas liberdades que os indivíduos

R
P UTO R
tomam com relação a convenções textuais; 2) pelas mudanças em
termos ideológicos e de visão de mundo no âmbito das esferas
de atividade; 3) pelas mudanças tecnológicas; e 4) pelas mudanças
e a diversificação crescente das necessidades sociocognitivas das
esferas de atividade. Deve-se destacar, nesse sentido, a distinção,

A
cada vez mais explorada, entre “tipo de texto” (ou textualidades), e
“gênero”. Essa distinção permite ir além do chamado “trato textual”

O
(Marcuschi 2005) de uma maneira que o incorpora devidamente e

D
permite alcançar o chamado “trato genérico” (Sobral 2006).
Isso não implica negar que há formas textuais que se repetem
em gêneros. Essas formas já se acham tão ‘naturalizadas’ que se tem
a impressão de que a escolha de um gênero é um ato intuitivo que
já implica uma dada forma textual. Mas os gêneros são dinâmicos,
justamente porque são relativamente estáveis: eles mantêm as
características essenciais, mas permitem alterações que melhor sirvam
ao projeto de dizer do locutor. Este se apropria das possibilidades que
o gênero oferece seguindo as coerções que o gênero impõe. Assim,
há certa liberdade do sujeito na realização de seu projeto enunciativo,
embora sempre de acordo com as “regras” do gênero.

As bases da linguística da enunciação de Benveniste

É fundamental considerar que Benveniste apresenta uma


dupla concepção de enunciação: há de um lado uma concepção

56 EDITORA MERCADO DE LETRAS


de enunciação em sentido restrito e, de outro, uma concepção em
sentido amplo. A enunciação em sentido restrito interessa-se pela
presença do locutor no interior de seu enunciado, no que foi
denominado subjetividade na linguagem, vinculando-se com os índices
materiais de inscrição do sujeito da enunciação no enunciado. Para
Benveniste, esses índices são essencialmente as marcas de pessoa,

VA
mas ele admite que essa inscrição pode ser indiciada por outros
elementos linguísticos.

R O A enunciação em sentido amplo, por sua vez, objetiva descrever

R
as relações entre os enunciados e os diferentes elementos do quadro

P UTO
enunciativo: protagonistas do discurso, situação de comunicação e
condições gerais da produção/recepção de mensagens. Trata-se de
fatos enunciativos que permitem ao locutor apropriar-se do aparato

A
da enunciação e organizar o conjunto do espaço discursivo, e que
configuram o denominado aparelho formal da enunciação, que engloba

D O
as condições de emprego da língua. É o que mostra o autor ao dizer:

O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em


primeiro lugar o locutor como parâmetro nas condições
necessárias da enunciação. Antes da enunciação, a língua não é
senão possibilidade da língua. Depois da enunciação, a língua
é efetuada em uma instância de discurso, que emana de um
locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita
uma outra enunciação de retorno. (Benveniste 1989, pp. 83-84)

Em “O aparelho formal da enunciação” (1970), Benveniste


afirma que a enunciação, referente às condições de emprego da
língua, coloca esta última em funcionamento a partir da ação
individual de sua utilização. Logo, a enunciação se define a partir
da relação individual do locutor com a língua, visto que o ato
enunciativo “pressupõe a conversão individual da língua em discurso” (p.
13), isto é, para atualizar-se, o sentido requer a realização de um ato
significativo da parte de um dado sujeito. Além disso, o locutor se
faz presente nas ações verbais e sua apropriação da língua o insere

Gêneros, entre o texto e o discurso 57


em sua fala: a partir do “aqui e agora” do sujeito, a enunciação gera
signos que só existem na rede que ela mesma cria, isto é, signos
cuja existência reside apenas na e para a enunciação. Nesse sentido,
Benveniste destaca:

A
É na instância do discurso na qual eu designa o locutor que

V
este se enuncia como ‘sujeito’. É portanto verdade ao
pé da letra que o funcionamento da subjetividade está

R O no exercício da língua. (Benveniste 1976, p. 288)

R
P UTO A enunciação se caracteriza, portanto, pela “acentuação da
relação discursiva ao parceiro, real ou imaginário”, referindo-se
assim à natureza interativa do intercâmbio social via linguagem.

A
A língua efetua “a operação de referência e funda a possibilidade
do discurso sobre qualquer coisa”, configurando-se como uma

O
prática humana que revela o uso particular dos grupos, fenômeno

D
que implica a apropriação, pelos grupos ou classes, do aparelho
de denotação comum a todos. Vemos assim que uma proposta da
linguística da enunciação reúne necessariamente o sistema formal
da língua e as formas de enunciação, e nenhum destes, isoladamente,
abarca a totalidade do uso da língua, sua “colocação em discurso”.
Referindo-se ao que chama de planos do discurso e da
narrativa histórica, Benveniste (1976) refere-se às partículas linguísticas
que designam, no interior do discurso, os protagonistas da enunciação – ou
seja, as marcas linguísticas da presença do locutor no discurso. Ele
mostra aí que, para além dos aspectos formais, tanto o discurso dito
interessado como o discurso dito objetivo são “efeitos de sentido”, da
enunciação, no primeiro caso de envolvimento e, no segundo, de
distanciamento, como o comprova a alegação de que “A enunciação
histórica dos acontecimentos é independente de sua verdade
‘objetiva’. Só conta o “objetivo” ‘histórico’ do escritor” (Benveniste
1976, p. 263). Em suas propostas, o eu e o tu são caracterizados
como complementares. A complementaridade se dá “segundo uma
oposição ‘interior’/’exterior’” (idem, pp. 286-287). A subjetividade

58 EDITORA MERCADO DE LETRAS


se constituiria, portanto a partir de uma “realidade dialética” que
engloba o eu e o tu, o indivíduo e a sociedade, e que define esses
elementos “pela relação mútua” (Id.) que se estabelece entre eles.
Para Benveniste, a língua pode ser isolada, estudada e descrita
em si mesma, ou seja, sem remeter ao seu uso na sociedade. Nesses
termos, ele propõe que há propriedades inerentes à língua, a saber,

VA
ser formada por unidades significativas e ter a faculdade de “agenciar
signos de maneira significante”. Essas propriedades lhe permitem

R O
transmutar experiências em signos, realizar reduções categoriais

R
e tomar como objeto qualquer ordem de dados. Observa-se que

P UTO
essa descrição específica do sistema da língua refere-se ao que se
poderia chamar de materialidade da língua, mas a base da teoria
enunciativa de Benveniste é o uso da língua.

O A
Bases para uma proposta de análise enunciativa

D Nosso principal objetivo é fazer uma proposta que combine


o trabalho com a língua e o texto, do ponto de vista da linguística da
enunciação, e o trabalho com a situação de enunciação dos gêneros,
a fim de se analisarem exemplares de gênero tanto de acordo com
as condições sociais e históricas em que os gêneros são produzidos
e recebidos e em que circulam e o tipo de locutor que os produz
para quais interlocutores, como de acordo com as características
textuais dos exemplares de gêneros (logo, a partir da língua). Logo,
o trabalho com gêneros a ser proposto envolve a descrição, a
análise e a interpretação dos exemplares de gêneros, ou seja, dos
textos a ser trabalhados. A descrição apresenta a materialidade do
texto; a análise procura verificar de que modo essa materialidade
se organiza; e a interpretação reúne os dados anteriores do ponto de
vista do contexto de enunciação e da materialidade do texto.
A proposta dialógica dos gêneros discursivos pode ser
resumida da seguinte maneira:

Gêneros, entre o texto e o discurso 59


a) O gênero mobiliza formas textuais, que são seu aspecto
material, mas não é determinado por elas. E ele as mobiliza
mediante o discurso (ou relação enunciativa).
b) O discurso é o espaço em que são mobilizadas as
textualidades de acordo com o gênero a que pertence o
discurso; é o mediador entre as necessidades do gênero e as

VA possibilidades textuais, que são mobilizadas segundo essas


necessidades;
c) o texto só realiza sentidos na produção do discurso, que

R O R
traz em si um tom avaliativo do locutor e remete a uma
compreensão responsiva ativa do interlocutor;

P UTOd) a escolha do gênero depende da relação específica entre


os interlocutores nos termos da(s) esfera(s) de atividade;
e) é a inserção no discurso, no ato de dizer, que determina a

A
escolha das formas textuais e mesmo das palavras). Formas
textuais e palavras podem variar no interior de um mesmo

O
gênero sem por isso alterá-lo substancialmente, pois é o
gênero que atribui sentido ao texto produzido. (Sobral 2009)

D A partir disso, ao examinar textos nascidos de um dado


gênero, do ponto de vista enunciativo aqui proposto, devemos
fazer “perguntas” que abordem:

1) As condições sociais e históricas em que os gêneros


são produzidos e recebidos e nas quais circulam, e
que locutor típico os produz para que interlocutores
típicos.
2) As características linguístico-textuais desses
exemplares: as palavras, formas sintáticas, tipos de
texto, formas de textualização etc. presentes (que
podem estar em outros textos de outros gêneros, mas
que, num dado gênero, têm alguma natureza típica).

Essas “perguntas” seguem os três princípios da análise


dialógica:

60 EDITORA MERCADO DE LETRAS


a) Partir de textos efetivamente produzidos [recolher
exemplares dos gêneros]
b) Verificar de que modo os sujeitos realizam interações
com esses textos [verificar a que propósitos esses
textos servem]
c) Examinar as formas linguísticas em sua significação

VA habitual [levar em conta que os sentidos criados no


gênero recorrem às significações que os dicionários

R O R
registram]

P UTO Assim, trabalha-se o tempo inteiro levando em conta textos


reais (não inventados para fins didáticos) e considera-se ao mesmo
tempo as formas habituais da língua (de onde nascem os sentidos)

A
e o uso delas nos textos (que criam esses sentidos).

D O
Marcas linguísticas e marcas enunciativas: do texto ao gênero

Vamos detalhar aqui a distinção entre marcas linguísticas e


marcas enunciativas, que é a base de nossa proposta. Essa distinção
é feita do ponto de vista enunciativo e, mais especificamente, de
acordo com a análise dialógica do discurso. Essa distinção não
visa fragmentar o objeto de análise, mas precisamente mostrar a
necessidade de integrar na análise esses dois tipos de marcas, a
fim de dar a devida conta dos aspectos textuais, extratextuais e
intratextuais dos exemplares de gêneros.
No âmbito da concepção dialógica, é a união entre
significação (elemento do nível da língua) e valoração (elemento do
nível da linguagem) que cria sentidos nas circunstâncias históricas e
sociais dadas de cada enunciação. Essa união faz que as chamadas
“marcas linguísticas” sejam entendidas nessa teoria como parte
da significação, no nível da língua, enquanto a colocação em
discurso dessas marcas, ou seja, a mobilização valorada dessas

Gêneros, entre o texto e o discurso 61


marcas segundo as circunstâncias de enunciação (que envolve a
soma das relações sociais dos sujeitos envolvidos) é responsável
pelas “marcas enunciativas”, designação que preferimos a “marcas
discursivas”, a fim de enfatizar mais o processo de enunciação, a
discursivização, do que o produto enunciado/discurso.

A
Naturalmente, “processo” não se refere a uma descrição do

V
processo material de construção do texto (que nos é inacessível),
mas a uma reconstituição, mediante a análise, dos momentos

O R
de construção que a enunciação deixa no enunciado através das

R
marcas. Em outras palavras, as marcas enunciativas estão para

P UTO
as marcas linguísticas como a forma arquitetônica para a forma
composicional: não vivem sem elas, mas não se restringem a elas.
As marcas enunciativas são as marcas que a enunciação deixa

O A
no enunciado, ou seja, os vestígios (explícitos ou implícitos) do
processo de instauração de sentidos, que envolve a situação de
enunciação, e que se podem identificar no enunciado, produto

D
desse processo, mediante o exame das marcas linguísticas.
A integração entre marcas linguísticas e marcas enunciativas
aqui proposta considera três elementos: a) o objeto do enunciado;
b) o posicionamento dos componentes linguísticos deste último na
superfície material do texto; e c) as modalidades de combinação
desses elementos no âmbito do projeto enunciativo do gênero e do
locutor, voltado para seu interlocutor típico.
Esses 3 planos correspondem a 3 categorias de Bakhtin:
o conteúdo (ou os entes apresentados na enunciação); o material
(ou as materialidades linguísticas presentes aos enunciados); e
a forma (as maneiras de articulação entre o objeto do enunciado
e as materialidades textuais para criar uma forma-conteúdo, um
gênero. Essa articulação ocorre a partir de um ato enunciativo,
necessariamente valorado, de acordo com os protocolos genéricos
de cada esfera, e considerando as possibilidades expressivas do
sistema da língua.

62 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Uma proposta de análise enunciativa

Nossa proposta busca reunir Benveniste e Bakhtin com


vistas a analisar textos tanto do ponto de vista da materialidade
textual (da língua) como do contexto de enunciação (da linguagem).

VA
Lembremos que o quadro figurativo da enunciação em Benveniste
é caracterizado pela acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja

R O
este real ou imaginado, individual ou coletivo e que Bakhtin propõe que o

R
enunciado se define por ser “endereçado” por um locutor a um interlocutor

P UTO
real ou presumido. Logo, as duas concepções giram em torno da relação
entre interlocutores. Defendemos (Sobral e Giacomelli 2014) que,
na concepção do aparelho formal, a noção restrita do sujeito inicial

A
(que apenas se insere na língua ao dizer “eu”) amplia-se na de um
sujeito posicionado no espaço de uma língua tomada como discurso,

O
no qual duas figuras estão na posição de parceiros, algo que possibilita

D
uma aproximação com a concepção dialógica de Bakhtin.
Assim, destacamos de Benveniste, os elementos do quadro
enunciativo: a) os protagonistas do discurso; b) a situação de
comunicação; e c) as condições gerais da produção/recepção de
enunciados. E destacamos, de Bakhtin, a) a relação dialógica entre
interlocutores e b) as esferas de atividade e os gêneros – que podem
ser considerados os componentes do “quadro enunciativo” da
teoria dialógica, a seguir.
Para exemplificação do que propomos como análise em
termos de gênero, vamos demonstrar, usando um texto verbo-
visual, como o projeto enunciativo está ligado tanto à produção,
circulação e recepção do gênero como aos elementos linguísticos que
são por ele mobilizados. Parte-se da descrição do texto escolhido,
destacando-se o contexto de produção, de circulação e de recepção.
Trata-se de um post, forma de comunicação característica de redes
sociais, em que circulam diferentes gêneros. Foi retirado do Facebook,
e não foi possível identificar de onde provém, mas apenas quem o
enunciou, devido ao grande número de compartilhamentos. Isso

Gêneros, entre o texto e o discurso 63


não é incomum, pois na Web a autoria muitas vezes não é citada, o
que implica em não se saber exatamente de onde surgem os posts,
mas apenas os compartilhamentos.

FIGURA 1 – Exemplo de texto verbo-visual

VA
R O R
P UTO
O A
D
Em princípio utilizado majoritariamente por jovens,
o Facebook vem passando por uma mudança de perfil devido,
principalmente, a dois fatores, um decorrente do outro: a criação
de novos canais, como Twitter, Whatsapp e Instagram, e a ampliação
do número de usuários do Facebook, que hoje conta com pessoas de
diferentes faixas etárias. Assim, a presença dos pais no Facebook cria
para o jovem a necessidade de procurar outra rede, mais restritiva,
que lhe conceda um espaço seu. No entanto, ainda é grande o
número de usuários jovens, uma vez que a migração para as novas

64 EDITORA MERCADO DE LETRAS


formas não é tão rápida quanto seu surgimento – o tempo de
abandono de uma rede é relativamente alto e parece ainda estar
condicionado ao momento em que o número de usuários se tornar
maior na nova rede que na anterior.
Essas observações destacam a esfera na qual se inserem
os enunciados que nos interessam, que é o primeiro ponto desta

VA
análise. É preciso considerar que dentre o universo de tópicos
possíveis nas redes, este é um enunciado cujo tópico aponta para

R O
a política, pois está focado na questão dos programas sociais do

R
governo. Observe-se que só o Bolsa Família, um programa do

P UTO
governo destinado a pessoas de baixa renda que busca promover a
melhoria das condições de vida dessas populações, é citado no texto.
Esse post parece diretamente dirigido a jovens que são contrários a

A
programas do governo, julgados assistencialistas pela oposição ao
atual governo. Da mesma forma, há que se considerar que, como

O
esse tipo de post envolve uma construção verbo-visual relativamente

D
complexa, que demanda conhecimento de técnicas de design
gráfico, e conhecimento de ícones, usados na composição do texto,
temos como hipótese que o autor (projetado no enunciado) desse
post também é um jovem. Precisaremos examinar o texto mais
detidamente para identificar o tema do enunciado em questão. Para
isso, começaremos por levantar as marcas linguísticas relevantes.
Temos, então, um texto organizado por um autor jovem e
dirigido a alguém jovem também, mantendo-se a ideia do Facebook
como um lócus de interlocução característico desse público. E as
marcas linguísticas dessa enunciação é que vão ser as “responsáveis”
por indicar a relação enunciativa que se estabelece no texto.
Destacamos antes de tudo palavras como “facul”, “academia” e
“intercâmbio”, duas delas vinculadas a estudos, e uma ao cuidado
com o corpo. Isso contribui para estabelecer a interlocução entre
os dois jovens de que estamos falando. O uso da gíria sugere que
ambos fazem parte de um mesmo grupo social ou ao menos
compartilham termos para designar uma dada instituição, “facul”,
o que indica que têm acesso a ela. Temos de considerar também o

Gêneros, entre o texto e o discurso 65


que identifica e diferencia esses possíveis interlocutores, o jovem
autor e o jovem a quem ele se dirige. Para isso, vamos elencar e
descrever as sequências constitutivas do texto, dividindo-as em duas
partes: uma na qual se caracteriza a “vida” do sujeito representado
e outra que diz respeito ao que ele “pensa”.
Começa-se destacando o nome dado ao sujeito a quem se

VA
dirige o post – Rigoberto. Há, nessa escolha, uma ironia com os
nomes escolhidos por famílias tradicionais, em oposição ao que

R O
comumente se faz ao usar nomes genéricos quando se trata de

R
identificar um sujeito como fazendo parte de uma coletividade, ou

P UTO
seja, não tratando de um sujeito particular – João, José, Pedro, os
mais comuns na Língua Portuguesa, pois são os mais usados. Assim,
a escolha do nome Rigoberto demonstra uma separação entre este

A
e o restante dos joões e pedros da população, estabelecendo uma
oposição popular/não popular (no sentido de “do povo”, de classe

O
social baixa).

D Observem-se, também, as formas familiares – mamãe, papai,


vovó, contrapostas às mais populares (aqui no sentido de mais
usadas) mãe, pai, vó. Esses termos, embora em fases mais antigas da
língua fossem usados por diferentes extratos socioeconômicos, em
demonstração de respeito, hoje denotam ou um sujeito “mimado”
ou uma diferenciação na forma de falar, usando-se um registro
mais culto para marcar a diferença social e econômica entre os
usuários. O que se compreende até aqui, portanto, é que essas
palavras, marcas linguísticas, caracterizam-se desse ponto de vista
como marcas discursivas que trazem em si um tom avaliativo sobre
o sujeito a quem é dirigido o post – um jovem de classe média/
média alta, mimado ou que alterna o registro de linguagem em
diferentes situações. O jovem retratado no post, como se fosse uma
personagem, é também o jovem interlocutor do post.
O fato de o jovem retratado ser mimado é corroborado
pelas ações descritas no texto – “ganhou [carro da mamãe]”, “paga”
[o papai], “vai pagar” [a vovó]. O que o autor procura mostrar
com esses verbos é que se trata de alguém a quem tudo é dado

66 EDITORA MERCADO DE LETRAS


pela família, motivo pelo qual ele não deve se preocupar em não
tê-las. Nesse sentido, é interessante a forma [a vovó] “já avisou”.
Ou seja, ele não só tem tudo o que precisa, como já sabe que não
vai precisar se preocupar com o futuro (próximo, ao menos). Há
então uma relação enunciativa entre o autor e o jovem interlocutor
na qual, pelo que vimos até agora, o autor compartilha com esse

VA
interlocutor alguns aspectos.
A estas vantagens descritas no texto se contrapõe a questão

R O
dos programas de ajuda do governo. Temos então outra sequência

R
de enunciados em que é colocada a posição política do sujeito

P UTO
descrito no post. Isto é, se naquilo que denominamos primeira parte
destacamos as marcas linguísticas que caracterizam o modo como
vive o sujeito nomeado, na segunda outros enunciados descrevem

A
o que ele “pensa”, sua posição valorativa, particularmente no que
se refere aos programas sociais, que não se destinam a ele, como

O
se pode deduzir. Importante, nesses enunciados, a utilização,

D
como resumo desse pensar, do enunciado comumente usado
por todos aqueles que se opõem aos programas governamentais
de auxílio, que justificam a oposição destacando que, pelo fato
de “ganharem tudo” do governo, os beneficiados não vão se
preocupar em trabalhar: “não se deve dar o peixe, mas ensinar a
pescar”. Significativo, também, nessa segunda parte, o uso do verbo
“entende”, que significa apreender ou compreender valendo-se de
competência, inteligência ou conhecimento. Ora, é justamente
aqui que se caracteriza o efeito de sentido que o autor produz nesse
texto, sua entoação avaliativa, ao criar um paradoxo entre essas
duas partes. Não é possível entender como paternalismo apenas a
prática do governo e não a da família de “Rigoberto”, pois uma e
outra partem do mesmo princípio: dar a quem não tem.
Está posta, portanto, a oposição fundante desse post, marcada
enunciativamente por dois verbos – ganhar e dar. Observando-se
as definições de ambos os verbos, no dicionário Houaiss, dentre as
39 definições de “dar”, encontram-se, nas duas primeiras, “por na
possessão” e “tornar disponível”, palavras como “ceder, entregar,

Gêneros, entre o texto e o discurso 67


ofertar, oferecer como presente, recompensar, tornar disponível,
propiciar”; já em “ganhar”, das 20 definições, há referências a
“adquirir, receber, alcançar, conquistar”, com complementos
como por “negócios ou atividades, por oferecimento de outrem,
merecimento, esforço, boa sorte, reconhecimento”. Depreende-
se, dessas diferenças, que o valor social que é posto sobre quem

VA
recebe as benesses da família é positivo, tem a vem com receber
algo porque há merecimento, ou seja, há uma troca em que alguém

R O
fez algo para merecer o que lhe é ofertado. Assim, “Rigoberto”

R
fez o que era esperado dele: está estudando (em uma faculdade

P UTO
privada, que está sendo paga por seu pai) e é isso que dá em troca
do carro e do intercâmbio. Quando se trata do governo, este não
pode “dar” os auxílios a quem precisa, porque não há algo a dar

A
em troca – veja-se, nas definições, o caráter de presente que está
colocado nesse verbo. Ignora-se, é claro, que para receber Bolsa-

O
Família, por exemplo, é preciso que haja crianças em idade escolar,

D
frequentando a escola, ou seja, que algo seja dado em troca.
Rigoberto tudo pode ganhar; o governo nada pode dar.
Ganhar parece no post um direito de Rigoberto, que é de uma
família que tem para dar, e dar parece um erro do governo.
Configura-se, então, a relação entre as práticas sociais e as práticas
discursivas que agenciam os temas desse texto: a posição em que o
autor situa Rigoberto, e seu interlocutor, não é a mesma de quem,
segundo o enunciado, recebe auxílios do governo. A construção do
enunciado mostra que o jovem autor pode ter algo em comum com
o interlocutor, mas não se trata da mesma valoração sobre o tema
do enunciado. O que era confronto torna-se complementaridade –
a oposição entre o direito de Rigoberto receber, porque a família
tem e, portanto, lhe dá, e o “erro” de o governo dar, se desfaz, uma
vez que, segundo o enunciado, todos estão “recebendo o peixe”.
Verificamos que o autor se vale dos verbos para enunciar seu
tema e criar o efeito irônico de dizer que “Rigoberto” não reflete
sobre o que enuncia, repetindo sem pensar um discurso que circula
no ambiente social de onde ele é. A divisão em 2 partes do texto -

68 EDITORA MERCADO DE LETRAS


centrada nos verbos ganhar e dar-- desemboca num confronto entre
enunciados que refletem um universo distinto de valores, opondo
os interlocutores - o autor e o sujeito do texto/seu interlocutor.
Se dissemos, no início desta análise, que este era um post de
tópico político, só podemos manter essa denominação na medida em
que o ser político é aquilo que o termo mantém de sua etimologia –

VA
relativo a cidadão. Considerando as marcas que analisamos, vemos
que o político aqui não diz respeito ao Estado (ainda que também

R O
faça parte da etimologia da palavra), mas da relação do cidadão

R
com o outro. O que se critica neste post não é diretamente o sujeito

P UTO
contrário ao governo, mas aquele que replica outros discursos
sem a necessária reflexão, prática comum no Facebook, onde as
pessoas costumam compartilhar automaticamente enunciados. Eis

A
o tema do enunciado, a partir de seu tópico político: a repetição
de enunciados sem a consideração de seu sentido, a irreflexão, a

O
certeza automática.

Gêneros, entre o texto e o discurso 69


VA
R O R
P UTO
O A
D
A 3
O VGêneros do discurso e educaçÃo

R
R
P UTO
eM linGuaGeM: [in]Quietudes

A
Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti
Eloara Tomazoni

D O
Introdução

Estudar a educação em linguagem na esfera escolar tem


remetido, nos últimos anos, ao conceito de gêneros do discurso, o qual
tomamos aqui a partir de Bakhtin (1952-1953[2003]). Trata-se de
abordagens que, em nossa compreensão, buscam conferir à ação
educacional em Língua Portuguesa um enfoque comprometido
com as interações sociais mediadas pela linguagem, de modo a –
dentre outros objetivos – facultar aos sujeitos apropriarem-se de
saberes no campo da língua que lhes permitam vivências outras,
nas diferentes das esferas da atividade humana.
Essa busca converge com o conhecido movimento de
afastamento e denegação de abordagens sistêmicas imanentistas
da língua na ação didático-pedagógica, as quais caracterizaram por
longa data os fazeres educacionais no país, em contornos muito
efetivamente comprometidos com concepções objetivistas abstratas

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 71


(com base em Volóshinov 1929[2009]) que balizavam – e ainda o
fazem em determinados espaços educacionais – fazeres didáticos
herdeiros de uma tradição marcadamente normativista. Nesse
processo de transcendência dessa abordagem sistêmica em favor
das interações mediadas pela língua, porém, como alerta Geraldi
(2010), vêm se evidenciando movimentos de objetificação dos

VA
gêneros do discurso, tornados, em muitos casos, listas de ‘conteúdos de
ensino’ e, em tais casos, focalizados sob perspectivas que, em muitos

R O
aspectos, parecem querer exaurir particularidades características de

R
cada gênero. Sob essa lógica, o que é necessariamente processual

P UTO
ganharia contornos de reificação.
Assim considerando, é nosso propósito, neste capítulo,
problematizar o modo como a educação em linguagem, na esfera

A
escolar, tem se delineado, em espaços nos quais vimos nos inserindo
em pesquisas e projetos de extensão,1 no que respeita a abordagens

O
a partir dos gêneros do discurso, contemplando reflexões acerca de

D
como livros didáticos, na esteira desse novo olhar, são organizados
para nortear – ou normalizar – a ação escolar. Trata-se de um
capítulo que propositadamente prescinde de dados empíricos –
os quais vimos documentando em dissertações, teses e artigos de
nosso grupo de pesquisa2 –, em razão do objetivo de proceder
a uma discussão mais ampla do tema a partir desse conjunto de
estudos.
Para dar conta desse propósito, o capítulo divide-se em
duas seções de conteúdo: na primeira delas, problematizamos a
abordagem por meio de gêneros do discurso como a temos presenciado
em espaços escolares em que vimos atuando nos mencionados
projetos de pesquisa e extensão; e, em uma segunda seção,
propomos um olhar para o trabalho com gêneros que conceba a aula

1. Remissão à atuação em programas como Pró-letramento Linguagem e Pro-


grama Institucional de Iniciação à Docência – Língua Portuguesa no âmbito
da UFSC.
2. Grupo ‘Cultura escrita e escolarização’, no âmbito do Núcleo de Estudos em
Linguística Aplicada – NELA da Universidade Federal de Santa Catarina.

72 EDITORA MERCADO DE LETRAS


como encontro cujo objetivo é a ampliação das vivências dos alunos
com as práticas de uso da língua, sem o fito de exauribilidade e
categorização de tais gêneros por anos escolares.

A
Gêneros do discurso na esfera escolar:

V
estabilizações a[in]quietadoras

R O R
Entendemos que uma ação didático-pedagógica que tenha

P UTO
as interações mediadas pela língua como base precisa organizar-
se de modo que o trabalho levado a termo nas aulas de Língua
Portuguesa faça sentido fora do espaço escolar; afinal, se o foco

A
são tais interações, elas precisam ser situadas no lócus em que têm
lugar e compreendidas à luz da lógica histórico-cultural sob a qual

O
se instituem. Assim considerando, entendemos que o conceito de

D
gêneros do discurso é especialmente fecundo nos processos de ensino
e de aprendizagem – ainda que o ideário bakhtiniano não tivesse
a escola como seu foco de interesse, como alerta Faraco (2009)
– exatamente porque se erige a partir das/nas interações sociais,
historicizando-se em diferentes esferas da atividade humana.
Se essa é de fato a questão, as relações intersubjetivas mediadas
pela linguagem – aqui, um imbricamento com Vigotski (1978[2000])
– são a razão pela qual os gêneros do discurso configuram-se do modo
como o fazem em cada tempo histórico, com especificidades de
estilo e de conteúdo temático. A vida humana, nos encontros da outra
palavra com a palavra outra (com base em Ponzio 2010), é, assim, a
razão pela qual os gêneros do discurso ganham os contornos que os
caracterizam, estando a serviço do encontro e emergindo nele/dele,
ao mesmo tempo em que o balizando, em uma relação de mútua
constitutividade: o encontro constitui os gêneros e incide sobre eles; os
gêneros, por sua vez, viabilizam – no que concerne à linguagem – o
encontro e o balizam (com base em Bakhtin 1952-1953[2003]).

Gêneros, entre o texto e o discurso 73


Compreensões dessa ordem requerem que uma ação escolar
que se queira pautada nas práticas de uso da língua ancore-se nos
gêneros do discurso, mas o faça nas suas estreitas relações com o encontro,
com a intersubjetividade, e isso implica não dissociar os gêneros das
especificidades desse mesmo encontro, do lócus em que têm lugar,
do suporte que materializa o texto no gênero, das especificidades

VA
dos interlocutores. Fazer isso exige que as fronteiras entre a
esfera escolar e as demais esferas da atividade humana em que os

R O
gêneros medeiam relações intersubjetivas sejam significativamente

R
enoveladas. E isso não implica mimetismo entre esferas, mas inter-

P UTO
relação planejada.
Explicitemos isso melhor: não nos parece gratuito que gêneros
do discurso da esfera jornalística, por exemplo, tenham ganhado

A
expressiva projeção nos fazeres escolares, contrapondo-se a uma
compreensão bastante arraigada de prevalência de gêneros da esfera

O
literária, tomados boa parte das vezes sob uma ótica equivocada da

D
‘cidade das letras’ (Rama 1985). Se os gêneros da esfera jornalística
ganharam espaço de legitimação na esfera escolar, parece-nos
que isso se deve ao objetivo de ampliar as vivências dos alunos
com interações mediadas pela língua que têm amplo espaço no
cotidiano. O mesmo valeria para gêneros do discurso de outras tantas
esferas da atividade humana que historicamente não vinham sendo
contempladas na esfera escolar.
Nossa argumentação objetiva tentar resgatar as razões pelas
quais essa ‘nova realidade’ entrou nas aulas de Língua Portuguesa,
colocando em xeque a prevalência de excertos avulsos de textos
em gêneros do discurso da esfera literária, nomeados tão somente
como ‘textos’, extraídos de seus suportes e não identificados
com base na esfera. O conceito de gêneros do discurso, em sua base
bakhtiniana, em nossa compreensão, mostra-se fecundo para o
ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa porque se erige e
se sustenta sobre tais interações mediadas pela linguagem, sobre os
diversos contornos das relações intersubjetivas, e esses contornos
têm movências, têm estabilidades apenas relativas – mas, sempre,

74 EDITORA MERCADO DE LETRAS


acrescentamos, delineadas no curso da história –; logo, não se
prestam a categorizações abstratas, a reificações, porque educar
para tais interações tem como eixo vivências humanas com a
língua, tomadas sob as contingências da eventicidade, mas sempre
na relação de tensão com historicidade.
Ao que parece, porém, estabilizações têm tido amplo lugar

VA
em abordagens educacionais que organizam seriações escolares, no
que respeita à disciplina de Língua Portuguesa, exatamente com

R O
listas de gêneros, sob a recomendação de que importa deter-se um

R
tempo significativo com cada gênero, exaurindo suas propriedades,

P UTO
de modo a efetivamente dominá-lo, e evitar ‘repetições’ de gêneros
em séries distintas, em abordagens pretensamente ‘organizadas’
e ‘exaustivas’ que, seguramente atentam para a organizacidade

A
escolar, mas descuram da vida que estabiliza apenas relativamente
os gêneros – a nosso ver, exatamente porque se coloca nas tensões

O
entre eventicidade e historicidade – e impede a exauribilidade das

D
relações entre os sujeitos cujas interações justificam esses mesmos
gêneros.
Cria-se, aqui, em nosso entendimento, um artificialismo para
além da artificialidade constitutiva de que trata Halté (1998[2008]).
É seguramente certo que, quando uma notícia se torna foco de
estudo em uma aula de Língua Portuguesa, isso não acontece
apenas para que se conheça o fato noticiado, mas para que o aluno
aprenda a ser leitor atento e crítico de notícias em sua vida fora da
escola, eis implicações da artificialidade constitutiva. Como a escola
tem a função de ensinar com e sobre as interações sociais mediadas
pela língua, importa, sim, que tais interações sejam tomadas
metacognitivamente, de modo que o aluno se debruce sobre elas
e as compreenda, para haver-se nelas de modo mais autônomo e
menos heterônomo, no sentido vigotskiano de ambos os termos
(com base em Vigotski 1978[2000]).
Essa ação metacognitiva, em nossa compreensão, no entanto,
não é sinônimo de exaustão estrutural e apropriação categorial em
si mesmas, mas de uma atividade histórico-crítica que contemple

Gêneros, entre o texto e o discurso 75


implicações do agenciamento de recursos lexicais e gramaticais
nos projetos de dizer, considerados os complexos contornos
das condições de produção e da historicidade dos interlocutores.
Aliás, em nossa compreensão, esses são os ‘conteúdos de ensino’
de Língua Portuguesa, recursos lexicais e gramaticais agenciados
nos projetos de dizer, estudados a partir da/na/a serviço da

VA
complexidade das relações intersubjetivas a que se prestam. Assim
o consideramos, porque nos filiamos ao olhar vigotskiano que

R O
concebe a escola como lugar de ensino e de aprendizagem, o lócus

R
em que conceitos científicos e conceitos espontâneos (Vigotski 1934[2001])

P UTO
colocam-se em relação; logo, não se trata de esvaziamento do ato
de ensinar sobre a língua – em evocação a pedagogias do aprender
a aprender e nem de abolir conteúdos de ensino (com base em

A
Duarte 2004). Trata-se de ressignificar tais conteúdos em favor de
uma maior autonomia do aluno, sob o ponto de vista vigotskiano,

O
para suas vivências nas interações que estabelece com o outro por

D
meio da língua, nas modalidades oral e escrita, em diferentes esferas
da atividade humana.
A artificialidade constitutiva que vemos em uma abordagem
dessa natureza, porém, não raro dá lugar ao artificialismo puro
e simples, quando os gêneros do discurso se tornam objeto de
esquadrinhamentos morfológicos, de exauribilidades formais.
Nesse caso, os conteúdos deixam se ser os itens gramaticais
normativos para serem as propriedades dos diferentes gêneros do
discurso: agora, não se definem, identificam, classificam e flexionam
substantivos, mas se definem, identificam e classificam gêneros do
discurso (com base em Geraldi 2010). Eis uma nova ‘morfologia’ que
sossega a esfera escolar ante as inquietudes da vida real entranhadas
nas interações sociais mediadas pela linguagem.
Nesse universo, entendemos relevante mencionar o livro
didático e os critérios de avaliação do Programa Nacional que o
organiza – o PNLD, cujas diretrizes contêm sinalizações para um
trabalho com os gêneros do discurso, em passagens como: “[...] os
gêneros do discurso presentes na coleção devem ser representativos

76 EDITORA MERCADO DE LETRAS


da heterogeneidade do mundo da escrita [...]” (Brasil 2013, p.
14); e ainda: “[...] também é imprescindível a presença de textos
pertencentes a esferas socialmente mais significativas de uso da
linguagem (como a jornalística, a científica etc.) [...]”(p. 15); ou
também como menção a atributos dos livros aprovados: “[...]
gêneros selecionados – envolvendo as principais esferas discursivas

VA
socialmente relevantes [...]” (p. 19). Parece inequívoca a qualificação
do PNLD nos últimos anos – em pesem possibilidades de discussão

R O
acerca de propósitos de normalização e uniformização em nível

R
nacional que tal qualificação suscite – e, por implicação, o empenho

P UTO
de autores e editoras pela qualificação também das obras, com o
fito da adequação aos critérios avaliativos do Programa e o tanto
de implicações de toda ordem que a recomendação do livro traz

A
consigo, o que inclui a atenção aos gêneros do discurso. Entendemos,
porém, que a homologação do livro didático como recurso de

O
relevância nos processos de ensino e de aprendizagem de Língua

D
Portuguesa contribui para recrudescer o artificialismo a que fizemos
menção anteriormente, em detrimento da artificialidade constitutiva de
que trata Halté (1998[2008]).
Levar a notícia, a propaganda comercial, a receita, o conto e tantos
outros gêneros para as aulas de Língua Portuguesa justifica-se a fim
de que, nessas aulas, os alunos possam aprender sobre como tais
interações se estabelecem, apropriando-se de conhecimentos a
partir da experiência, em busca de uma maior autonomia e uma
menor heteronomia – reiteramos, no sentido vigotskiano de ambos
os termos – na vivência mediada por eles fora da escola. Disso
parece resultar o artificialismo constitutivo: o conto não entra nas aulas de
Língua Portuguesa para fruição estética na interação com o autor em
si mesma; está ali para uma reflexão sobre como a linguagem faculta
essa mesma fruição estética nas relações subjetividade e alteridade,
da forma como se organiza para mediar tais relações intersubjetivas
por meio desse gênero, em que espaços sociais isso se dá, quais são
as implicações econômicas, culturais e históricas – com ênfase,
de linguagem – de tais relações. Vale o mesmo raciocínio para os

Gêneros, entre o texto e o discurso 77


demais gêneros. Para que um processo dessa natureza se efetive,
porém, entendemos fundamental que os alunos reconheçam fora
da escola a abordagem que é feita dentro da escola; ou seja: que,
fora da escola, (re)conheçam o conto, a propaganda comercial e a notícia
– e os tantos outros gêneros que medeiam relações entre sujeitos e
foram focalizados na escola. E isso se estende, também, para gêneros

VA
por meio dos quais esses alunos talvez nunca venham a interagir
com o outro fora da escola, dada a importância de transcender

R O
abordagens utilitaristas em nome das quais vivências por meio da

R
língua historicizadas pela humanidade – aquelas que ganharam o

P UTO
grande tempo, no sentido bakhtiniano do termo – terminam por ficar
à margem de determinados espaços educacionais sob a justificativa
de que ali não significam.

A
Esse (re)conhecimento implica, em nossa compreensão, o
enovelamento das esferas a que fizemos menção anteriormente:

O
para (re)conhecer o conto fora da escola ele tem de ter entrado na

D
escola muito proximamente ao modo como está fora dela. E fora da
escola o conto não está no livro didático, está em livros em bibliotecas
e livrarias; a notícia não está no livro didático, está em jornais nas
bancas e nos sites; a propaganda comercial não está no livro didático,
está em panfletos, em revistas, em jornais, na televisão, nas ruas. O
livro didático, por sua vez, só existe dentro da escola; é da esfera
escolar e não transita fora dela. Quando os gêneros são abordados
por meio do livro didático parece-nos bastante possível que sejam
associados ad infinitum a ‘coisas da escola’. Abordá-los, porém,
enovelando-se com outras esferas, requer da escola condições
objetivas para que artefatos como livros, jornais, revistas, aparatos
eletrônicos e congêneres sejam dados à manipulação em classe,
sejam disponibilizados para a esfera escolar e que os professores
sejam preparados em seus processos de formação para o que
Halté (1998[2008]) chama de elaboração didática, considerando a
necessária a articulação entre saberes diversos para o planejamento
e a implementação de uma aula.

78 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Entendemos as razões socioeconômicas e histórico-
culturais que se evocam na salvaguarda do livro didático no Brasil,
as quais ficam sob escrutínio quando se trata de ‘apostilas’ que
tendem a ter amplo trânsito em redes privadas. De todo modo, em
ambos os casos, parece prevalecer uma ‘cultura de manuais’ [que,
em nosso entendimento, tem ganhado contornos diversos, mas sob

VA
a mesma lógica, incluindo programas de ensino superior a distância
que vêm se valendo de manuais produzidos para tal]. Importa,

R O
sob essa perspectiva, que alguém compile para outrem o que é

R
dado dispersamente na cultura humana, preferencialmente em

P UTO
compilações que possam ser didaticamente seguidas, linearmente
seguidas, uniformemente seguidas – levadas a cabo ‘com segurança,
enfim –, porque resultam do olhar homologado de autores de

A
excelência que selecionaram os conhecimentos relevantes, sob
uma ótica específica e os ‘sintetizaram’ nos manuais. Em nossa

O
compreensão, a ‘cultura dos manuais’ é a cultura da heteronomia:

D
importa que outrem compile, organize, elabore, normalize no lugar
do professor, porque esse profissional não teria autonomia para
fazê-lo e não haveria no horizonte possibilidades efetivas de que
essa autonomia seja conquistada. Do mesmo modo, mas em outro
ângulo, vale a mesma heteronomia para os alunos; importa que o
Estado lhes assegure o básico, possivelmente porque não possam
contar com esse mesmo Estado para lhes facultar condições
socioeconômicas familiares de transcender o básico. Sinaliza-se,
pois, para uma lógica que tensiona, de modo complexo, oferta de e
privação de.
Essa nos parece ser também a cultura da tutela, que se
justifica em nome de um conjunto de condições historicamente
engessadoras: falta de tempo docente para preparação de aulas,
falta de apropriação conceitual e metodológica docente também
para tal, falta de recursos financeiros da instituição escolar para lidar
com a ‘dispersão’ da cultura, que requer posse e disponibilização
de uma diversidade de artefatos culturais para compor uma aula.
Entendemos, porém, que a ‘cultura das apostilas’ vai na contramão

Gêneros, entre o texto e o discurso 79


dessas condições históricas, o que nos faz problematizar esta
questão, inferindo haver nesse fenômeno a alimentação de
valorações favoráveis à lógica dos manuais, quer haja condições
objetivas para a preparação e a implementação de uma aula – como
ocorre, em tese, nas redes privadas – quer não haja, como tende a
se dar nos estratos de vulnerabilidade social.

VA
É nossa compreensão que a ‘cultura dos manuais’ precisaria
dar lugar, paulatinamente, a uma nova lógica: a ‘cultura das obras

R O
paradidáticas’, aquelas em que estudiosos da área discutem questões

R
teóricas em aproximação com questões metodológicas, aquelas

P UTO
obras que compõem bibliotecas – porque os livros didáticos
tendem a compor depósitos, sendo submetidos a categorias como
‘descartável/não descartável/reutilizável’ – nas escolas e nas casas

A
dos professores, aquelas obras que ‘conversam’ com o professor
sobre caminhos possíveis para a ação didático-pedagógica, mas que

O
não os delineiam para ele. Entendemos que programas federais

D
de biblioteca da escola e de biblioteca do professor são passos
decisivos para a ressignificação dessa cultura e já existem no país,
mas certamente com orçamento distinto daquele do PNLD.
No que respeita a [à ausência de] condições objetivas –
condições quer respectivas a alunos, quer respectiva a professores
– para preparação e implementação de uma aula prescindindo de
manuais da autoria de quem teria excelência para tal, entendemos
que merece reflexão a possibilidade de a justificativa sacralizada
de manutenção de um programa para o qual se alocam recursos
de reconhecida monta ser alimentada pelo próprio programa; ou
seja, o programa, autossuperando-se em sua excelência, aquietaria
a premência absoluta de enfrentamento dessas [dessa ausência de]
condições objetivas para que as aulas sejam pensadas e realizadas
sem a tutela de outrem, no protagonismo do próprio professor.
Arriscamos, ainda, supor que se a alocação de tais vultosos recursos
destinados ao PNLD fosse reendereçada ao enfrentamento gradual
dessa premência absoluta, em seus complexos desdobramentos –
desde a formação do professor até as condições socioeconômicas

80 EDITORA MERCADO DE LETRAS


dos alunos – talvez pudéssemos pensar em um futuro em que esse
Programa não fosse redentor como se afigura sob muitos olhares.
Arriscamos supor, ainda, que uma reflexão dessa ordem implicaria
também o escrutínio de intentos de controle institucional dos
processos educacionais em nível nacional, suas bases epistemológicas
e políticas, eventuais justificativas e possibilidades de resultados.

VAEntendemos que o desafio de futuro é tal enfrentamento da


ausência de condições objetivas para a preparação e implementação

R O
das aulas e não a qualificação do Programa em si mesmo – nessa

R
qualificação mantém-se o lenitivo para um problema e qualifica-

P UTO
se o lenitivo em detrimento da paulatina busca da solução para o
problema em si mesmo, novamente as implicações epistemológicas
e políticas desse processo. Parece certo que questões de significativa

A
complexidade econômica, o que inclui interesses de mercado e
questões de macroeconomia, precisariam ser revistas para uma

O
progressiva substituição da heteronomia dos professores para a

D
autonomia dos professores, ainda que isso soe quixotesco em um
país com os desafios que o Brasil apresenta à educação pública.
De todo modo, se o instituído não for problematizado continuará
a ser objeto de homologação indefinidamente e, no que respeita
ao enfoque desta discussão, muitos alunos, neste Brasil imenso,
possivelmente concluam seu processo de escolaridade – ou se
evadam dele – supondo que o lócus de poema, tira, charge, entre
tantos outros gêneros, sejam o livro didático e a esfera escolar;
logo, sair dessa esfera é evadir-se também das possibilidades de
interação com o outro por meio desses gêneros.

Em busca de refletir sobre as práticas sociais de uso da língua nas


movências da vida: a aula de Língua Portuguesa como encontro

Ponzio (2013) entente que relações entre o eu e o outro que


se dão no âmbito do que ele chama alteridade absoluta são aquelas

Gêneros, entre o texto e o discurso 81


em que não pode haver substituição de nenhum dos interactantes:
as relações amorosas são bons exemplos. Nesses casos, as
singularidades se impõem – não há indivíduos, mas sujeitos
singulares, insubstituíveis, não cambiáveis. Trata-se, aqui, do que
o autor nomeia como diferença não-indiferente, ou seja, a diferença
existe, mas não se pode ser indiferente a ela, porque estamos

VA
lidando com sujeitos singulares, historicizados em suas vivências
e idiossincrasias e não com indivíduos enquadráveis em grandes

R O
categorias macrossociológicas – para os fins deste capítulo, idade,

R
série, classe social, gênero antropológico e afins.

P UTO Assim, cientes de que as relações entre professores e


alunos são da ordem da alteridade relativa – ou seja, em tese, os
interactantes podem ser substituídos, porque se trata de indivíduos

A
–, queremos advogar aqui em favor do contrário: parece-nos que
a aula de Língua Portuguesa, bem como as aulas de modo geral,

O
precisa converter-se em uma relação de outra ordem para de fato

D
significarem e ressignificarem nas/as vivências dos sujeitos. E, se
importa quem sejam os sujeitos, se importa que sejam diferentes,
porque essas diferenças são relevantes e não apenas distintas entre
eles, então nos parece que estamos tratando de alteridade absoluta e
não mais relativa e de diferenças não-indiferentes; logo, estamos lidando
com o encontro.
Trata-se de colocar o enfoque na intersubjetividade, na
singularidade que o encontro traz consigo para os interactantes,
razão de existência da aula de Língua Portuguesa – ou de qualquer
processo educacional –, o que decorre também de leituras nossas de
Vigotski (1978[2000]) sobre relações entre o que é interspicológico
e o que é intrapsicológico. Fundamentamo-nos, ainda, para isso,
nos conceitos vigotskianos de sociogênese e microgênese (Vigotski
1987[1997]), com o propósito de compreender a historicidade do
desenvolvimento dos sujeitos no âmbito das relações intersubjetivas
situadas que eles estabelecem ao longo de sua formação, na busca
de um contraponto entre o singular e o universal.

82 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Quanto a essa noção de encontro¸ Ponzio (2010, p. 40)
entende que “[...] não há primeira outra palavra de cada um e em
seguida o encontro com a palavra outra à qual se dirige e da qual
requer escuta”. E continua: “Não há antes o eu e o outro, cada um
com o que tem a dizer, e, em seguida a relação entre eles”. E, o mais
importante para as finalidades deste artigo: “A relação não é entre

VA
eles, mas é justamente aquilo que cada um é no encontro da outra
palavra com a palavra outra, e como não teria sido e provavelmente

R O
não poderá ser fora daquele encontro” (Ponzio 2010, p. 40). Logo,

R
o encontro não é ‘entre’ eles, mas ‘deles’.

P UTO E nessa relação nos transformamos, como sugere o autor,


ao escrever: “O valor da palavra do singular é acrescentado e
enriquecido pela compreensão participativa da palavra outra que

A
adverte toda a sua precariedade, a limitação, a provisoriedade, a
fugacidade; que adverte o seu sentido de falta, a sua possibilidade

O
da ausência; a sua inseparabilidade [...]” (Ponzio 2010, pp. 45-

D
46). Assim concebendo, propomos enfocar aqui a aula de Língua
Portuguesa como encontro entre professor e alunos, sujeitos que
carreiam consigo a sua historicidade, na já transcrita compreensão
de Ponzio (2010), “aquilo que cada um é”; logo, as singularidades
que os tornam insubstituíveis no encontro, as quais queremos tomar
na relação de tensionamento com a ambientação sociogenética e
com a condição ontogenética desses mesmos sujeitos, como as
pensa Vigotski (1987[1997]).
Reconhecemos, porém, que esse encontro de que tratamos
aqui se delineia historicamente com propósitos definidos no
âmbito da funcionalidade das relações do aparelho escolar: as
relações intersubjetivas que se dão nele têm objetivos de formação
institucional; no caso da aula de Língua Portuguesa, objetivos de
educação em linguagem. De todo modo, quando propomos usar
encontro para uma interlocução reconhecidamente funcional – no
sentido, reiteramos, de haver para ela um propósito estabelecido
– fazemo-lo exatamente com o fito de colocar em xeque a diferença

Gêneros, entre o texto e o discurso 83


indiferente sobre a qual essa interlocução historicamente tem se
estabelecido.3
E, nessa relação de diferenças não-indiferentes de que trata o
autor e que arriscamos propor para a aula de Língua Portuguesa,
as interações mediadas pela língua são de capital importância
porque não é possível haver o encontro fora dela, considerada a língua

VA
como instrumento psicológico de mediação simbólica (Vigotski
1978[2000]) e tendo presente que não é possível interagir por

R O
meio dela sem o fazer pelos gêneros, dado que “[...] a língua passa

R
a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam);

P UTO
é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na
língua.” (Bakhtin 1952-1953[2003]). Assim, o encontro entre a outra
palavra e a palavra outra de que trata Ponzio (2010), é um encontro

A
que acontece nos gêneros do discurso. E – em interfaces que levamos
a cabo por nossa conta – é no encontro que se dá a apropriação de

O
conhecimentos, para as finalidades desta discussão, conhecimentos

D
sobre as interações mediadas pela língua, razão pela qual existe a
aula de Língua Portuguesa, que, quando acontece (com base em
Geraldi 2010), contribui para que os alunos avancem na autonomia
– em relação à heteronomia – em se tratando do monitoramento
dos usos da língua, o que o processo de escolaridade em educação
em linguagem deve lhes facultar; afinal, segundo Bakhtin (1952-
1953[2003]), “[...] é preciso dominar bem os gêneros para empregá-
los livremente” (p. 284), considerando que

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente


os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos
neles a nossa individualidade (onde isso é possível e

3. A discussão, do início desta subseção até aqui, sobre o que compreende-


mos por aula como encontro compõe parte de artigo publicado pela Revista
Alpha, em coautoria com Josa Coelho da Silva Irigoite. Mantemo-la desse
modo porque, com esses contornos, vem norteando o olhar de nosso grupo
de pesquisa acerca do que seja aula como encontro, e o mencionado artigo
caracteriza-se como a gênese dessa reflexão.

84 EDITORA MERCADO DE LETRAS


necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação
singular de comunicação; em suma, realizamos de modo mais
acabado o nosso livre projeto de discurso. (Bakhtin 1952-
1953[2003, p. 285])

Trata-se, porém, de um domínio que, em nossa compreensão,

VA
não implica excelência categorial, reificação conceitual ou destreza
analítico-estrutural no que respeita especificamente aos gêneros do

R O
discurso, mas vivências, estabelecimento de relações com o outro

R
por meio dos gêneros, em atividades de base histórico-críticas que

P UTO
contemplem como a língua, na condição vigotskiana de instrumento
psicológico de mediação simbólica, se presta para tal, tendo presente
que quando “[...] escolhemos as palavras, partimos do conjunto
projetado do enunciado, e esse conjunto que projetamos e criamos

O A
é sempre expressivo e é ele que irradia sua expressão (ou melhor a
nossa expressão) a cada palavra que escolhemos.” (Bakhtin 1952-

D
1953[2003]). Essa nos parece ser a razão de os gêneros do discurso se
projetarem na educação em linguagem, denegando uma tradição
categorial sistêmica em busca de introduzir a vida nos estudos da
língua na esfera escolar.
Compreender a aula de Língua Portuguesa como encontro da
outra palavra com a palavra outra, na extensão que arriscamos propor
para o olhar de Ponzio (2010, 2013), implica conceber essa mesma
aula como espaço para novas vivências com a língua, vivências
nas quais a historicidade dos sujeitos em interação, tanto quanto
os conceitos científicos sobre a linguagem de que importa que se
apropriem sejam contemplados. A partir dessa ótica, quem são os
alunos que encontram o professor e quem é o professor que encontra
esses alunos passam a ser questões orientadoras da ação pedagógica,
sem descurar de sua inserção cultural mais ampla, na tensão entre
singularidades e universalidades. A partir dessa tensão, erige-se a
elaboração da aula, que pode recorrer a idas-e-vindas de um mesmo
gênero, tanto quanto pode passar ao largo de outros tantos gêneros,
considerando sempre o que importa que os alunos dominem em

Gêneros, entre o texto e o discurso 85


se tratando de sua inserção cultural mais imediata, tanto quanto de
sua inserção cultural menos imediata, a já mencionada tensão entre
o singular e universal.
Buscamos, em nossa filiação aos planos genéticos
vigotskianos (com base em Vigotski 1987[1997]), posicionarmo-
nos em favor da tensão entre o singular e o universal, a partir da

VA
compreensão da articulação entre filogênese, ontogênese,
sociogênese e microgênese. É nossa compreensão, pois, ser

R O
impossível uma ancoragem em concepção de língua sob o conceito

R
de gêneros do discurso sem atenção à singularidade humana, o que

P UTO
entendemos projetar-se em Bakhtin (1920-1924[2010 p. 81]),
quando, tratando da singularidade do ato responsável, registra:
“[...] na sua responsabilidade, o ato [...] une o aspecto do universal

A
(a validade universal) e do individual (o real)”. Fica o risco da
interpretação.

D O Assim considerando, entendemos que os gêneros do discurso


nas aulas de Língua Portuguesa precisam ser tomados pela ótica
das vivências com e da atividade epilinguística (com base em Geraldi
1997) sobre elas, e não sob a ótica das característica de, o que implica
o protagonismo dos professores para organizarem atividades de
aprendizagem (com base em Leontiev 1978) que incidam sobre a
zona de desenvolvimento imediato (com base em Vigotski 1934[2001])
dos alunos no que respeita à apropriação dos gêneros do discurso, na
busca da transformação da experiência em conhecimento no que
respeita ao encontro da outra palavra com a palavra outra. Agir assim
requer dos professores empreender um processo de elaboração didática
(Halté 1998[2008]) que se paute em Projetos Político-pedagógicos
atentos aos espaços de inserção socioeconômica e histórico-
cultural das escolas e aos desafios que essa mesma inserção aponta
para a instituição escolar no que respeita aos conhecimentos cuja
apropriação importa aos alunos, em se tratando das interações
sociais mediadas pela língua portuguesa, em suas modalidades oral
ou escrita. E empreender tal elaboração didática exige qualificação dos
processos de formação inicial e continuada dos professores, assim

86 EDITORA MERCADO DE LETRAS


como profundas ressignificações em suas condições objetivas de
trabalho, o que seguramente transcende questões epistemológicas
para ganhar lugar em questões mais agudas de poder econômico e
político. Queremos crer que, em um futuro próximo, os programas
federais mais onerosos não tenham a distribuição de aulas prontas
como mote, mas a formação inicial dos professores, o delineamento

VA
de bases de conhecimento que considerem a tensão entre o singular
e o universal, a organização de bibliotecas escolares e profundas

R O
mudanças nas condições objetivas de trabalho docente como

R
fundamento para alocação de tais recursos reconhecidamente

P UTO
vultosos hoje destinados a aulas prontas ‘linearizáveis’, muitas das
quais organizadas a partir de listas de gêneros do discurso.

A
Considerações finais

O
D Entendemos que é chegada a hora de a projeção das
discussões sobre ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa
fundamentar o que efetivamente é a razão da existência das aulas
de Língua Portuguesa: aquilo que acontece entre o ‘não saber’
sobre a linguagem e o ‘saber’ sobre a linguagem. Para isso, importa
atenção àquilo que os alunos sabem sobre a linguagem e o que eles
não sabem sobre a linguagem. Importa que ‘passem a saber’ para
além do que já sabem, porque para isso existem as escolas e disso
depende em boa medida a ampliação de suas possibilidades de
interlocução com o outro em distintas esferas da atividade humana.
E, para que ‘passem a saber’, importa que os professores ensinem
a eles o que ainda ‘não sabem’, no encontro entre singularidades, no
encontro no qual as diferenças não sejam indiferentes aos interactantes,
mas sempre na tensão entre o singular e o universal e tendo presente
a concepção de que é papel do professor o ensino, não na
perspectiva bancária freiriana, mas na perspectiva de um encontro
entre interlocutores, no âmbito do qual vivências com a língua
sejam o foco de apropriação de conhecimentos.

Gêneros, entre o texto e o discurso 87


A argumentação de que os professores ‘se movem’ no âmbito
dos livros didáticos e não os seguem linearmente, adaptando-os a
suas turmas em respeito à mencionada tensão entre o singular e o
universal parece razão bastante para que o gênero livro didático seja
repensado em favor de obras paradidáticas e em favor de criação
de condições para que artefatos culturais componham os acervos

VA
escolares, de forma profusa e atualizada; afinal, se os professores
selecionam dos livros didáticos o que é adequado a suas aulas,

R O
poderiam elaborar suas aulas a partir do estudo de e consulta a obras

R
paradidáticas. O acesso aos bens culturais da forma como existem

P UTO
fora da escola parece condição fundamental para que as interações
sociais mediadas pela língua sejam de fato eixo organizador da ação
dos professores de Língua Portuguesa. Um sonho para o Brasil

A
atual? Talvez, mas as inquietudes que os sonhos provocam muitas
vezes nos fazem repensar a lógica efetiva da argumentação que

D O
mantemos para aquietar o presente tal qual está posto e não raro
para referendá-lo. Um resgate a velhas utopias em tempos em que
elas foram descontruídas? Quem sabe. Fica o risco.

88 EDITORA MERCADO DE LETRAS


A 4
O Vensinar letraMento, texto, Gênero

R
R
P UTO
e discurso na uniVersidade, na
forMaçÃo inicial de Professores de
lÍnGua PortuGuesa [Brasileira]

O A Marcos Baltar

D Retomo nesse texto uma preocupação antiga, expressa


em um Simpósio do 14o INPLA – PUC-SP, em 2004. Na ocasião
debatemos a validade de pesquisas, na academia, no campo da
Linguística Aplicada, que aproximassem os professores de língua
portuguesa [brasileira] do escopo das teorias críticas de base
interacionista e discursiva, a partir da apropriação de conceitos
como texto, gênero, discurso, esfera [instância social], letramentos,
como forma de inspiração e motivação para promover a tão
necessária mudança pragmática do ensino de língua no Brasil.
Se for certo que avançamos muito em pesquisa nesse país,
nos últimos trinta anos, também é certo que esse avanço, cada vez
mais consistente e sedimentado, ainda é, infelizmente, restrito a
alguns fóruns da esfera acadêmica: congressos, seminários, núcleos
de pesquisa de programas de pós-graduação, além de constar de boa
parte dos documentos da área (nacionais, estaduais e municipais)
orientadores das políticas educacionais. Entretanto, na prática do
professor de língua portuguesa [brasileira] em sala de aula, como se

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 89


pode verificar em Kleiman (2006), Cerutti-Rizzatti (2012), Baltar
(2012) entre “muitos” outros, essa discussão ainda é incipiente e
tangencial e, sobretudo, motivada por pressões externas de programas
governamentais, tais como os PCNs, o PNLD, SAEB, ENEM.
Talvez possamos encontrar uma explicação plausível
para esse quadro no fato de que, em relação às diretrizes gerais

VA
dos programas, provas e parâmetros, os órgãos governamentais
responsáveis pelas políticas linguísticas têm consultado especialistas

R O
(pesquisadores) da academia, os quais têm que levado para os

R
documentos as questões hodiernas do debate científico sobre a

P UTO
linguagem; todavia, e paradoxalmente, a formação de professores
promovida nos cursos de graduação em “Letras” do país ainda
não absorveu esse debate, e a grande maioria dos cursos ainda

A
não abriu espaço em seus currículos para disciplinas que discutam
explicitamente e especificamente as teorias de texto, gênero e

O
discurso, letramentos, por exemplo, para orientar e fundamentar o

D
futuro professor em direção a uma nova concepção de ensino de
língua portuguesa [brasileira] nas escolas.
Para efeito de sistematização desse texto vou dividi-lo em
duas seções nas quais apresentarei dois argumentos para sustentar
a tese que quero debater aqui, qual seja: para que possamos
transformar o ensino de língua portuguesa [brasileira], para
chegarmos ao resultado que temos buscado na pesquisa acadêmica,
principalmente no campo da Linguística Aplicada, precisamos
concentrar esforços para colocar a “locomotiva” da mudança
nos trilhos certos, ou seja, orientar e fundamentar a formação
de professores à luz das teorias críticas de base interacionista e
discursiva e executar esse projeto levando em conta os avanços do
campo da linguística dos gêneros textuais. Para que isso ocorra será
necessário i) discutir exaustivamente modelos de letramentos com
os futuros professores; ii) discutir exaustivamente texto, gênero e
discurso com os futuros professores, conceitos indissociáveis para
subsidiar a prática educativa com a linguagem e para alavancar a
desejada mudança. Nos dois tópicos que seguem tratarei disso.

90 EDITORA MERCADO DE LETRAS


É preciso sim ensinar letramento(s) no curso
de formação inicial de professores

O título desse tópico em forma de resposta é alusivo à uma


pergunta feita por uma professora da educação básica ao grupo

VA
de pesquisa de Angela Kleiman, em uma situação de formação
continuada; frase que foi transformada em título de um caderno

R O
(Kleiman 2005) de uma coletânea produzida pelo CEFIEL-
Unicamp.1

R
P UTO A compreensão de qual modelo de letramento predomina
nas escolas de educação básica do país deveria ser o primeiro
problema a ser atacado em um curso de graduação que vai formar

A
professores de língua portuguesa [brasileira]. Os alunos que chegam
ao curso de Letras, em expressiva maioria egressos de escolas

O
públicas, vêm da educação básica carregados de pré-julgamentos

D
acerca do que é o curso, sobre o que é ensinar-aprender-língua-
linguagem; concepções desenvolvidas a partir de suas experiências
nas aulas de língua portuguesa, orientadas por um modelo de
letramento autônomo (Street 1984) que dificilmente lhes permite
entender os usos que fazemos da língua e as ações que praticamos,
cotidianamente, uns com os outros, por intermédio de textos,
gêneros e discursos, nas diferentes esferas sociais em que vivemos.
Muito frequentemente confessam, nas autobiografias que eu peço
na disciplina de Leitura e Produção de Textos Acadêmicos, que estão ali
em busca de subsídios para poder ensinar com segurança o português
correto a seus futuros alunos, já que não sabem nada da gramática
da língua. Apresentam-se como redentores, como se quisessem
“salvar essa/aquela gente”. Ficam aturdidos quando no início do
curso os professores desconstroem seus planos de transformarem-
se em especialistas nas regras da gramática, principalmente quando

1. O material é gratuito e pode ser acessado online no seguinte endereço:


http://www.iel.unicamp.br/cefiel/imagens/cursos/10.pdf.

Gêneros, entre o texto e o discurso 91


descobrem que na academia o conceito de gramática é amplificado
e bem mais complexo do que parecia na escola.
Sobre literatura, leitura e produção de textos o estranhamento
não é menor. Passaram anos de sua formação escolar, interpretando
textos e escrevendo redações, a partir de uma visão tradicional
inspirada mais na tipologia do que na retórica clássica aristotélica:

VA
descrição, narração e dissertação, raramente entendendo a leitura
e a escrita de gêneros que circulam em sociedade como forma de

R O
dialogar com o outro e de agir pela linguagem no tecido social.

R
A academia lhes recebe como esse background, lhes tira a

P UTO
esperança de “dominarem” a gramática para ensinar na educação
básica, mas não consegue lhes explicar o porquê de a escola insistir
nesse modelo de letramento dissociado dos usos sociais da escrita;

A
e lhes oferece um outro menu, no qual predominam aulas de teoria
literário e de literatura, de fonética, fonologia, morfologia, sintaxe,

O
semântica e pragmática, segundo as vertentes teóricas que seguem

D
os professores-pesquisadores-responsáveis por essas disciplinas.
E lá no final do percurso, nas aulas de estágio supervisionado, os
professores voltam a falar da escola e de como poderiam ensinar
alguns conteúdos, para que experimentem algumas horas da
profissão de ser professor de educação básica. É preciso admitir
que muitos, cada vez mais alunos, ingressam nas escolas muito
antes de finalizar seu curso de graduação. Em Santa Catarina,
por exemplo, sobretudo na educação pública, a quantidade de
professores efetivos, concursados é praticamente a mesma da
de professores não formados, exercendo a profissão através de
contratos temporários.
Voltando a questão dos modelos de letramento, Street
(1984), e seus seguidores no Brasil, tais como Kleiman (1995),
Soares (1998) entre outros, já há algum tempo, como é possível
notar pela data de seus textos, explicam os problemas decorrentes
de uma educação escolar embasada predominantemente em
uma concepção autônoma de letramento. Em síntese, os autores
criticam essa concepção por estar centrada na aquisição da língua

92 EDITORA MERCADO DE LETRAS


(acesso ao mundo da escrita) como uma entidade abstrata e não
como um construto social. Essa concepção dissemina a falsa ideia
de que para se lograr êxito na sociedade grafocêntrica basta a
escola ensinar a todos a ler e escrever uma língua natural, seguindo
os ditames das pedagogias tradicionais (acríticas e assentadas no
ensino prescritivo da gramática), depreciando e ou desdenhando as

VA
experiências orais vividas fora da escola, esfera familiar, sobretudo
em se tratando de populações de camadas menos favorecidas

R O
economicamente. Street (2003), a partir de um ponto de vista

R
antropológico, assevera que os grandes programas que mensuram

P UTO
o grau de alfabetização das pessoas, que se pretendem universais,
promovidos por organizações mundiais, tais como Unesco, OCDE,
Banco Mundial etc., precisam levar em consideração a grande

A
diversidade de práticas de letramento das diferentes culturas no
mundo. Esse debate, longe de ser esgotado, é sempre conduzido

O
pela ótica econômica e os resultados desastrosos divulgados pela

D
grande imprensa têm servido muito mais para estigmatizar povos
e culturas do que para aportar saídas e soluções para o problema”.
No Brasil não é diferente, os resultados mais recentes
do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA,
conduzido pela OCDE, que mensuram a capacidade de ler de
estudantes na faixa etária de 15 anos, o que deveria corresponder
ao final da formação no ciclo básico de ensino, têm revelado um
quadro preocupante de analfabetismo funcional em nosso país. A
questão que gostaria de levantar aqui é o fato de nossos estudantes
de Letras entrarem e saírem da universidade sem conhecerem
“cientificamente” esse tema. Discutem o alfabetismo a partir do
que leem e escutam da mídia e formam sua opinião como leigos
consumidores de notícias e não como cientistas da linguagem, visto
que esse tema não é objeto de discussão sistemática dos cursos
de letras brasileiros, já que raros são os currículos que discutem
letramentos. Raros são os currículos que se preocupam em formar
um professor que ensine leitura, por exemplo. Isso demonstra um
grande paradoxo. Somos um país vitimado pelo analfabetismo

Gêneros, entre o texto e o discurso 93


funcional, ou seja, cerca de 75% dos alunos brasileiros avaliados no
último exame feito em 2009 leem precariamente (esse percentual
é praticamente o mesmo nos últimos dez anos), entretanto os
estudantes de letras, nas universidades brasileiras não estão
trabalhando cientificamente, estudando sistematicamente, para
resolver o problema. Acrescentaria a isso uma outra também

VA
gravíssima questão, ainda não mensurado oficialmente pelo PISA,
mas muito discutido no Brasil, sobretudo a partir de exames

R O
como Vestibular, ENEM, Prova Brasil entre outros: o fato de

R
nossos alunos da educação básica e da universidade escreverem

P UTO
pouco e muito mal; ou seja: escrevem pouco por que escrevem
mal e escrevem mal porque escrevem pouco. E quando escrevem,
sobretudo na escola, não o fazem para agir em sociedade, mas para

A
serem avaliados pelo “professor de português”.
Mesmo diante desse quadro, os estudantes de letras

O
da grande maioria de nossos cursos de graduação do país, no

D
lugar de estarem focalizados para entender a complexidade dos
processos de letramento que ocorrem em nossa sociedade; os
modelos de letramento, os letramentos múltiplos, as características
de nossa sociedade grafocêntrica atual (cibercultura), ocupam
majoritariamente seu tempo “estudando” disciplinas de modo
positivista e estruturalista., como se ainda vivêssemos o tempo
em que discutíamos a necessidade da linguística e dos linguistas
suplantarem a gramática e os gramáticos em nossos cursos
universitários de Letras. Realmente o trem está fora do trilho!

É preciso sim, ensinar gêneros, no curso


de formação inicial de professores

Já escutei de colegas em congressos, grupos de trabalhos


e outros fóruns de debate científico que não é possível ensinar
letramento, muito menos ensinar gêneros (textuais/discursivos).

94 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Compreendo essa posição e aceito que de fato encontrar a
metodologia adequada para ensinar interação, os usos sociais
da escrita na sociedade grafocêntrica em que vivemos, ensinar
eventos de letramento dos quais participamos, ensinar as práticas
de letramento que organizam e regulam ações de linguagem nas
sociedades letradas (haveria sociedade, cultura não letrada?),

VA
ensinar os gêneros textuais/discursivos com os quais os membros
das mais diferentes esferas da atividade humana agem uns com

R O
os outros (seria possível a interação humana fora de um gênero?),

R
dada a complexidade desses fenômenos, é uma tarefa muito difícil,

P UTO
que requer muito discernimento por parte dos professores de seu
verdadeiro papel como educador, mas principalmente, requer uma
sólida formação teórica.

A
No entanto, insisto no título desse tópico, não como heresia
ou bravata, mas como uma forma de re(ex)sistência e como um

O
argumento para sensibilizar os colegas pesquisadores do campo da

D
Linguística e da Linguística Aplicada na academia, os colegas que
atuam na educação básica, bem como os futuros colegas que estão
cursando Letras nas universidades brasileiras, de que é preciso
trazer esse tema para o debate sim, na graduação, na formação
inicial dos futuros professores.
Entendo que a problemática do ensino de gêneros no Brasil
tenha recebido tanta crítica de alguns pesquisadores do campo
da Linguística e da Linguística Aplicada, pelo fato de ter sido
introduzida pelos PCNs de forma um tanto simplificada e reduzida,
como aliás, é de se esperar de um documento parametrizador de
âmbito nacional, dirigido a professores. Nesse ponto concordo
com Machado e Lousada (2010) quando dizem que houve na
organização dos PCNs de língua portuguesa [brasileira] uma
tentativa de aproximar a concepção de gênero bakhtiniana da
concepção de gênero genebrina, tentativa que teve como resultado
uma grande redução dos postulados de Bakhtin e dos pesquisadores
do grupo de Genebra, especialmente das contribuições de Bernard
Schnweuvly e de Joaquin Dolz. Os autores genebrinos advogam

Gêneros, entre o texto e o discurso 95


que os gêneros podem e devem ser levados para escola como
objetos de ensino, como (mega) “instrumentos de comunicação e
como forma de desenvolver capacidades de linguagem nos alunos.
Partem da elaboração bakhtiniana sobre os gêneros primários
e secundários que organizam a interação nas diferentes esferas
da atividade humana, e asseveram, subsidiados na psicologia

VA
interacionista vigotskiana, que a concepção de instrumento
pressupõe a apropriação consciente (maîtrise) de artefatos (os

R O
gêneros) gerados pela cultura.

R
Essa elaboração os leva a sugerir o ensino de gêneros orais e

P UTO
escritos na escola, em progressão, de acordo com o desenvolvimento
de capacidades de linguagem entre os vários ciclos de escolarização;
e, a propor o método da sequência didática para que se possa chegar

A
a apropriação dos gêneros. Ocorre que muitas leituras equivocadas
dessa concepção entendem os gêneros como formas concretas já

O
dadas, as quais se deve dominar como um instrumento externo a

D
si para que se possa interagir com o outro, enquanto que o que é
proposto pelos genebrinos, sustentados em Vigotski e Volochínov e
Bakhtin, é uma construção psicológica consciente das atividades de
linguagem (ações de construções coletivas em que nos encontramos
com os outros) que são reguladas e orientadas pelos gêneros como
artefatos culturais que se transformam em instrumentos para agir
no mundo ( ação individual sobre nós próprios e sobre os outros)
e que estão sempre em constante transformação e em movimento,
haja vista que a sociedade humana está em constante evolução.
As sequências didáticas, especialmente, vêm sendo muito
criticadas, e transformaram-se no “calcanhar de Aquiles” da
concepção de ensino (didactique des langues) orientada pelo
trabalho com gêneros do grupo de Genebra. Talvez essa seja
uma porta de entrada para um grande mal-entendido; ou seja,
a partir de uma compreensão ligeira dos PCNs muitos livros
didáticos e paradidáticos, fruto de pesquisas científicas ou não,
associam diretamente o trabalho com os gêneros exclusivamente às
sequências didáticas genebrinas, e isso se transforma numa onda,

96 EDITORA MERCADO DE LETRAS


num movimento que chega nos professores de modo simplificado,
como se essa fosse a única maneira de trabalhar com os gêneros na
escola. Essa redução da compreensão bakhtiniana e genebrina dos
conceitos de interação, instrumento, atividade e ação de linguagem,
textos, gêneros, discurso, gera muito desconforto na comunidade
que pesquisa sobre os gêneros, campo que veio suplantar a

VA
linguística textual e por isso mesmo venho chamando de linguística
dos gêneros.

R O Essa compreensão reducionista da discussão leva

R
seguidamente os professores da educação básica a empreenderem

P UTO
nas escolas um “ensino” descontextualizado de gêneros, por
intermédio de programas que se baseiam em repertórios pré-
definidos, inspirados em livros didáticos organizados pela lógica da

A
descrição de gêneros, para a compreensão (leitura), ou pelo método
exclusivo das sequências didáticas para expressão (produção de

O
textos dos gêneros), de forma reducionista, chegando ao limite

D
de um trabalho muito semelhante àquele que se fazia com as
unidades (conteúdos) gramaticais da língua, sem nenhuma base
na interação e nos usos sociais da linguagem. Baltar et al. (2005)
discutem esse problema em um artigo cujo título alerta para o
“perigo da gramaticalização dos gêneros”, quando tomados como
objeto de ensino pelos professores sem a devida compreensão
teórica do fenômeno da interação. De fato um trabalho que não
é orientado a fazer os alunos agirem pela linguagem, que lida om
texto-gênero e discurso de forma dissolvida, que se volta para uma
descrição apenas das formas de linguagem, tais como as estruturas
composicionais dos gêneros, e não busca fazer os alunos agirem a
partir da apropriação dos gêneros dos/nos diferentes contextos da
vida social (as esferas de Bakhtin), em nada se difere da pedagogia
tradicional implantada e mantida nas escolas pelo modelo
autônomo de letramento, cujo foco é a aquisição da língua como
um entidade abstrata, e não com instrumento de interação dos
humanos em sociedade. Os gêneros, nessa forma equivocada de
ver, são transformados em mais um objeto abstrato a ser ensinado

Gêneros, entre o texto e o discurso 97


no currículo escolar e não como uma maneira de agir no mundo,
o que de fato, não tem nada a ver com o que propões a linguística
dos gêneros.
Como revelam Volochínov/Bakhtin (1929/1990) e Bakhtin
(1997) as esferas da atividade humana organizam suas atividades por
intermédio de enunciados relativamente estáveis e seria um trabalho

VA
“hercúleo” (a expressão entre aspas é minha) se tivéssemos que
inventar os gêneros a cada situação nova de interação humana. Isso

R O
posto, seria muito natural que os professores pudessem organizar

R
suas práticas de ensino, orientados pela concepção interacionista

P UTO
de linguagem, criando situações concretas de uso de linguagem,
compreensão e expressão, na oralidade e na escrita, ou mesmo
pudessem criar condições para que os alunos desenvolvam suas

A
capacidades de agir pela linguagem por intermédio da apropriação
de gêneros, como preconizam os pesquisadores de Genebra.

D O A tese de que é preciso ensinar gêneros, então, pode assumir


duas perspectivas complementares. A primeira, diz respeito à
uma discussão aprofundada nos cursos de Letras, na formação
inicial de professores de língua portuguesa [brasileira] sobre a
indissociabilidade dos conceitos de texto, gênero e discurso; e a
segunda, diz respeito à compreensão de textos-gênero-discurso
como objeto de ensino no contexto educacional da educação básica,
nas aulas de língua portuguesa [brasileira] nas escolas brasileiras
(nada impede que se trabalhe gêneros em outras disciplinas), ambas
alicerçadas em uma concepção interacionista de linguagem e em
uma concepção de letramento crítico que ultrapasse o modelo
autônomo.
Mesmo sendo repetitivo, insisto em dizer o óbvio; isto é,
que o que naturalmente deveria ocorrer há pelo menos duas ou três
décadas, ainda não ocorre nos cursos de Letras das universidades
brasileiras; isto, é, não há um debate sedimentado, sistematizado
acerca do que é a linguística dos gêneros e, em decorrência disso,
não há uma reflexão sobre o ensino de textos-gêneros-discursos no

98 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Brasil que possa desmistificar a discussão provocada pelos PCNs
no final da década de noventa.
Os alunos de Letras ainda não têm ciência do que dizem
os principais autores das principais abordagens sobre gêneros,
problemas difundidos em congressos, simpósios, e outros tantos
fóruns acadêmicos da pós-graduação. As disciplinas do currículo

VA
dos cursos não debatem com o necessário vagar concepções de
texto-gênero-discurso do interacionismo sociodiscursivo (ISD)

R O
de Genebra; da nova retórica (Sociorretórica) norte-americana; da

R
linguística sistêmica funcional (LSF) anglo/australiana; todas essas

P UTO
abordagens, por sua vez, inspiradas nas contribuições deixadas
pelas obras de Volochínov e Bakhtin.
Na educação básica, muitos professores já graduados

A
quando entram no debate via formação continuada, induzidos
pelas políticas governamentais e pelas instâncias reguladoras de

O
seu trabalho nas escolas, tentam adotar a perspectiva da linguística

D
dos gêneros textuais, intuitivamente, sem muita convicção e
compreensão do que está realmente em jogo. Embora muitos
tentem implementar um trabalho com textos-gêneros-discursos
na concepção interacionista, mesmo encapsulados pelo modelo
de letramento autônomo escolar, a grande maioria ainda faz um
trabalho desconectado das práticas sociais, dos usos sociais da
escrita, resultando disso a adesão sem muita compreensão do que
representa o “novo paradigma”; e, por causa dessa incompreensão,
acabam adotando metodologias de ensino, tais como as sequências
didáticas, de modo acrítico e reducionista.

Considerações finais

Em síntese, procurei demostrar aqui a convicção que venho


desenvolvendo há algum tempo, em favor da qual tenho pautado
meu trabalho na graduação e pós-graduação, na universidade e

Gêneros, entre o texto e o discurso 99


na formação continuada de professores. Quando escrevi sobre a
necessidade de “matar o professor de português” (Baltar 2010)
para que em seu lugar pudesse emergir a configuração identitária
do agente de letramento (Kleiman 2006), foi por acreditar que
é possível reverter o quadro desalentador de ensino de língua
portuguesa [brasileira] que temos hoje nas universidades e

VA
nas escolas do país, que vêm sustentando índices precários de
alfabetismo da população jovem brasileira que vão de encontro a

O
todas as transformações sociais pelas quais estamos passando nas

R
P UTO R
últimas décadas.
Tenho que afirmado que os cursos de Letras nas
universidades brasileiras não discutem com vigor as questões
basilares que deveriam fundamentar o trabalho dos futuros
professores nas escolas, em sua formação profissional inicial;

A
entretanto, paradoxalmente, por intermédio de seus pesquisadores,
as universidades há muito tempo vêm subsidiando as políticas

O
governamentais que parametrizam e induzem o trabalho do

D
professor que está em serviço nas escolas, gerando um problema
muito difícil de resolver na formação continuada. Os gestores
dos órgãos mantenedores das escolas e os próprios professores
em formação continuada se queixam frequentemente que os
pesquisadores convidados, contratados para fazer formação muitas
vezes insistem em fazer um trabalho que deveria ter sido feito na
base da formação inicial de suas redes de ensino. Os professores
dizem seguidamente: “mas nós saímos ontem da universidade e
porque vocês não ‘nos ensinaram’ isso na graduação”?
Eis a explicação para minha insistência nesse tema: é
preciso sim ensinar letramentos, textos, gêneros e discursos como
conceitos indissociáveis, para que desde a formação inicial nos
cursos de Letras se possa pensar em atenuar o analfabetismo
funcional dos jovens brasileiros. É preciso discutir letramentos:
modelos, práticas, eventos. É preciso avançar na trilha da história
da linguística, retirando o foco da formação da perspectiva
estruturalista, para abrir espaço à formação de futuros professores
de língua portuguesa [brasileira] fundamentada na concepção

100 EDITORA MERCADO DE LETRAS


interacionista de linguagem e na visão crítica de letramento. Não
é possível que sigamos formando mal para depois prescrever
condutas aos professores que estão nas escolas. Não é possível que
se insista no ensino de gêneros nas escolas via documentos oficiais
e não se discuta com os alunos de Letras as razões dessa orientação.
Não é possível que os alunos estudem cerca de três mil horas em

VA
um curso de graduação e não consigam entender os problemas
para tentar aportar as respostas que a sociedade brasileira espera

O
que eles possam apresentar.

R
P UTO R
Para finalizar, quando falo em colocar a locomotiva nos
trilhos certos, refiro-me exatamente ao fato de que já passamos
do tempo de descrever línguas (salvo as indígenas brasileiras).
Já passamos do tempo de idolatrar a cultura letrada clássica, os
homens das Letras. Se muito avançamos nos estudos descritivos

A
da fonética, da morfologia, sintaxe e semântica de nossa língua
portuguesa [brasileira], se via sociolinguística já compreendemos

O
as diferenças entre norma padrão, língua culta e língua cultuada

D
(Bagno 1999, 2003), ainda estamos longe de entender a linguagem
sob a perspectiva antropológica dos letramentos e sob a ótica
do discurso e da inter(ação), para poder enfrentar os desafios
cotidianos que nos coloca a sociedade reticulada grafocêntrica
atual. Eleger, portanto o ensino dos textos-gêneros-discursos,
compreensão e expressão, à luz da perspectiva do letramento
crítico e da perspectiva discursiva interacionista é o mínimo que
temos de fazer para colocar a locomotiva nos trilhos novamente
e avançar na direção dos encaminhamentos necessários para
resolução dos problemas linguísticos brasileiros. Gostaria de dizer
que tenho convicção de que não se trata de um problema que
afeta apenas os cursos de formação em Letras no Brasil. Países da
Europa da América do Norte e de outros continentes enfrentam
problemas semelhantes ao nosso. Não há espaço para falar disso
aqui. Entretanto, se não agirmos de modo radical, mudando o
foco da formação inicial de nossos futuros professores de língua
portuguesa [brasileira], corremos o sério risco de ter que voltar
daqui a dez anos a conversar novamente sobre os alarmantes
índices de alfabetismo da população brasileira.

Gêneros, entre o texto e o discurso 101


VA
R O R
P UTO
O A
D
A 5
O VGêneros textuais no contexto

R
R
P UTO
acadêMico: iMPlicações Para o
Processo de ensino e aPrendiZaGeM
de lÍnGua Materna

O A Dulce Cassol Tagliani

D
Introdução

As discussões em torno de práticas de linguagem inovadoras,


que poderiam ser implementadas no contexto escolar, permeiam
as aulas dos cursos de graduação em Letras em diferentes
universidades. Disciplinas como, por exemplo, Linguística Aplicada
ao Ensino de Língua Materna, Práticas de Ensino, Metodologia de
Ensino destacam-se em boa parte dos programas desses cursos.
Entre as inúmeras questões discutidas podemos enumerar: as
práticas de leitura e escrita (com foco na construção dos sentidos
na leitura e no uso da língua escrita), os gêneros textuais, as teorias
de letramento e as práticas de análise linguística.
Como docente de um curso de formação inicial de
professores de língua portuguesa, percebo a necessidade de
ampliarmos as discussões voltadas para as questões já referidas.

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 103


Obviamente, apenas isso não basta. É preciso ir além das discussões
teóricas. O estudante, em formação inicial, carece de um contato
maior com o espaço escolar, com os agentes escolares e suas
práticas de linguagem.
Com relação, especificamente, às discussões em torno de
questões relevantes para a formação desse estudante de cursos

VA
de Letras, gostaria de abordar, neste momento, a visão desse
acadêmico sobre um aspecto fundamental no processo de ensino e

R O
aprendizagem de língua materna, a noção de gênero textual e suas

R
implicações para o ensino. Esse é o propósito deste texto.

P UTO
Retomando algumas questões básicas

O A Ao longo de minha trajetória como docente em cursos de

D
graduação em Letras, em diferentes disciplinas, tenho percebido
algumas lacunas na formação dos estudantes. Tenho clareza de
que, ao entrar em sala de aula, fazemos escolhas. E essas escolhas
refletem nossa posição enquanto sujeitos situados histórica e
ideologicamente. Nesse sentido, busco compreender as reais
necessidades daquele estudante que ali está, que manifesta seu
principal objetivo ao entrar em um curso de Letras, qual seja,
aprender gramática. Essa é a principal aspiração de boa parte dos
estudantes do curso quando ingressam na universidade.
Já no início do curso, alguns mitos vão sendo desconstruídos,
como por exemplo: o foco da formação inicial na gramática
normativa; a ideia de que a escola deve priorizar a gramática em
detrimento de outras práticas de linguagem; a reprodução de
gramática normativa, que, por si só, levaria o estudante a “escrever
e falar bem”, o que estaria vinculado a uma concepção de linguagem
como expressão do pensamento; o uso do texto para ensino de
gramática (na verdade, pretexto), entre outras questões.

104 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Como mencionado, muitos estudantes chegam aos
cursos de Letras imbuídos de um objetivo muito claro, porém
equivocado: aprender gramática (o que não ocorreu ao longo de
toda sua trajetória escolar), para que possam trabalhar com mais
tranquilidade quando da conclusão de seus cursos. A decepção
inicial desse estudante é visível, ao perceber-se em outro espaço de

VA
aprendizagem, com objetivos de formação de professores muito
distintos.

R O Ao longo do curso, o estudante começa a perceber o

R
quanto estava equivocado ao considerar seu curso de formação

P UTO
como espaço para a mera transmissão de conteúdos gramaticais.
As leituras desenvolvidas em diferentes disciplinas ampliam, na
medida do possível, a visão desse estudante em relação ao processo

A
de ensino e aprendizagem de língua, mais especificamente, língua
portuguesa. Diferentes teorias linguísticas, concepções de língua,

O
de linguagem, de gramática, de letramento, de leitura, de escrita,

D
de oralidade, as orientações e diretrizes curriculares, além dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), começam a permear
suas reflexões sobre as práticas de linguagem.
Buscamos levar o aluno a refletir sobre o que é língua, o
que é ensino. Mais ainda, o que significa ensinar língua portuguesa
(LP) a falantes/usuários de língua portuguesa. Quais nossos
objetivos ao ingressarmos em uma sala de aula, de qualquer escola
brasileira, para dar aulas de Português. As reflexões feitas inquietam
sobremaneira os estudantes. Alguns se mostram resistentes em
aceitar que a gramática não deve ser o foco nas práticas de sala de
aula, já que consideram dever da escola preparar os estudantes para
o vestibular, para concursos públicos etc. E a gramática se prestaria
a esse propósito.
Nesse momento, é importante conscientizá-los de que o
trabalho com a variedade padrão não deve ser abandonada no espaço
escolar, mas que a prioridade deve ser outra, qual seja, desenvolver
a competência comunicativa dos usuários da língua, entendo por
isso a “capacidade do usuário de empregar adequadamente a língua

Gêneros, entre o texto e o discurso 105


nas diversas situações de comunicação” (Travaglia 2000, p. 17).
Importante lembrar que, tendo como objeto de ensino os gêneros
discursivos, essa tarefa torna-se facilmente atingível. O que se
pretende é que a escola desenvolva, prioritariamente, habilidades
de uso da língua, em detrimento de habilidades de análise pura e
simples do sistema linguístico. Formamos usuários ou analistas da

VA
língua? Sendo assim, o processo de ensino e aprendizagem de língua
com “excessiva valorização da gramática normativa e a insistência

R O
nas regras de exceção”, como ainda ocorre em muitos espaços

R
escolares, “com o consequente preconceito contra as formas

P UTO
de oralidade e as variedades não-padrão” vai, gradativamente,
perdendo espaço para “situações didáticas que objetivam levar os
alunos a pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e

A
utilizá-la apropriadamente às situações e aos propósitos definidos”
(Brasil 1998, pp. 18-19). Cabe destacar que essa transformação é

O
lenta, mas extremamente desejável.

D Nesse sentido, a desconstrução de algumas certezas que o


futuro professor carrega ao ingressar na universidade é fundamental
para que ele possa compreender que, acima de tudo, a escola deve
formar indivíduos capazes de participar ativamente de toda e
qualquer prática social, com diferentes usos da língua(gem), que
se concretizam em diferentes gêneros discursivos. Formar leitores
capazes de ler o mundo, e não apenas decodificar minimamente
um texto. A escola deve ser o lugar dos múltiplos letramentos,
estando, assim, a linguagem no centro do processo de ensino e
aprendizagem. Linguagem como prática social, no sentido de que

Pela linguagem os homens e as mulheres se comunicam,


têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de
vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem
cultura. Assim, um projeto educativo comprometido com a
democratização social e cultural atribui à escola a função e a
responsabilidade de contribuir para garantir a todos os alunos
o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício
da cidadania. (Brasil 1998, p. 19)

106 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Por essa razão, a reflexão sobre a importância de uma prática
que envolva os gêneros discursivos como objeto de ensino torna-
se fundamental no contexto de formação inicial de professores
de língua materna, principalmente. Frequentemente, percebemos
que professores já em exercício apresentam dificuldades em
desenvolver práticas de linguagem envolvendo diferentes gêneros.

VA
Essa dificuldade passa por aspectos como: desconhecimento
em relação à teoria dos gêneros discursivos e sua importância

R O
na organização de práticas de linguagem que encaminhem para

R
o desenvolvimento da competência comunicativa do estudante;

P UTO
confusão entre gênero e tipologia textual e, ainda, o uso do gênero
como pretexto, isto é, para o desenvolvimento de atividades de
reconhecimento estrutural tão somente. Dessa forma, buscamos

A
mobilizar esse acadêmico para que possa ter acesso a diferentes
teóricos que discutem a questão gênero e ensino, para que eles

O
possam compreender, por exemplo, que os gêneros discursivos

D
contribuem, segundo Marcuschi (2003, p. 22), para ordenar e
estabilizar as atividades comunicativas do dia a dia. São formas
discursivas, eventos textuais maleáveis e dinâmicos, que surgem das
necessidades de qualquer grupo, de qualquer esfera de atividade:

Gêneros são formas verbais de ação social relativamente


estáveis realizadas em textos situados em comunidades de
práticas sociais e em domínios discursivos específicos (...). Os
gêneros se constituem como ações sociodiscursivas para agir
sobre o mundo, constituindo-o de algum modo.

A língua, nesse sentido, é compreendida como forma de


ação social, “como atividade social, histórica e cognitiva. Privilegia a
natureza funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da
língua”. Essa é mais uma concepção que deve estar muito clara para
os profissionais envolvidos com a linguagem (Marcuschi 2003, p. 22).
Buscamos, então, nesta discussão, verificar a compreensão
de alunos de graduação em Letras sobre a importância dos gêneros

Gêneros, entre o texto e o discurso 107


discursivos para um ensino de Língua Portuguesa mais significativo
para o aluno da educação básica.

A teoria dos gêneros discursivos no contexto acadêmico

VA
Não é novidade que as práticas de linguagem na escola ainda

O R
não desenvolvem de forma satisfatória a competência comunicativa

R
dos estudantes. Tal aspecto evidencia a necessidade de mudança. A

P UTO
principal delas é a não aceitação do pressuposto de que a língua
é um sistema pronto e acabado. Em vez disso, uma concepção
de língua como sendo “(co)produzida por sujeitos que interagem

A
numa situação de interlocução” voltada para desenvolver a tão
desejada competência comunicativa (Raupp 2005, p. 53).

O Se considerarmos que, desde meados da década de noventa,

D
do século passado, os PCNs discutem alternativas para práticas de
linguagem mais significativas, tendo os gêneros discursivos como
objeto de ensino e aprendizagem, é incompreensível observar
aulas de português voltadas para a reprodução de nomenclatura e
classificações gramaticais. Sabemos, obviamente, que há diversos
fatores envolvidos nessa problemática, como a formação inicial
e continuada deficientes; descompasso entre o suporte teórico
que embasa a prática de boa parte dos professores e aquele que
perpassa as discussões dos PCNs e livros didáticos, por exemplo;
desmotivação dos docentes frente a jornadas exaustivas e
desvalorizadas, entre outros fatores.
Considerando nesta discussão, especificamente, a questão
do trabalho com os gêneros discursivos em sala de aula, é oportuno
mencionar o trabalho desenvolvido com professores em formação
inicial. Os diferentes cursos de graduação em Letras apresentam
esse tema de diferentes formas ou em diferentes disciplinas. Minha
experiência pessoal dá conta de um trabalho desenvolvido em
uma disciplina optativa, “Gêneros textuais e ensino”, ministrada a

108 EDITORA MERCADO DE LETRAS


estudantes a partir do 3º semestre do curso. É interessante observar
o quanto esses estudantes se envolvem na proposta, já que são
orientados, ao longo da disciplina em questão, a organizar uma
sequência didática envolvendo um gênero e um nível de formação
na escola básica.

A
Dessa forma, ao interagirem com a teoria dos gêneros

V
discursivos, os graduandos desconstroem a imagem de aula de
português como mera transmissão de conhecimentos prontos.

O R
O debate envolvendo a importância do trabalho com os gêneros

R
em sala de aula, aliado a considerações envolvendo os objetivos

P UTO
de ensino de língua (considerando que darão aulas para falantes
de português), as concepções de língua e linguagem, as variações
linguísticas e os letramentos múltiplos, entre outros aspectos,

O A
“alargam o olhar”, como dizia Freire, desses estudantes. Mesmo
sabendo das dificuldades inerentes à função de professor de escola
pública, onde a maioria deles irá atuar, eles se sentem capazes de um

D
fazer diferenciado, capazes de organizar uma prática pedagógica que
faça sentido para o aluno da educação básica. Isso é fundamental
na medida em que esse aluno costuma detestar as tradicionais
aulas de português, aulas de metalinguagem, sem sentido algum
para ele. Afinal, de que forma a classificação de todas as orações
subordinadas, por exemplo, por si só, pode auxiliar esse indivíduo,
enquanto usuário da língua, em suas diversas situações de interação
por meio da linguagem?
Nesse sentido, esses futuros professores já percebem,
conforme discute Rojo (2012, p. 12), a necessidade de uma
pedagogia dos multiletramentos, isto é, “a necessidade de a escola
tomar a seu cargo os novos letramentos emergentes na sociedade
contemporânea (...) e de levar em conta e incluir nos currículos
a grande variedade de culturas já presentes nas salas de aula de
um mundo globalizado”. O trabalho com os gêneros discursivos
é essencial nesse contexto.Essa formação é fundamental para todo

Gêneros, entre o texto e o discurso 109


e qualquer profissional envolvido com a educação, não somente o
professor de português. É compromisso de toda a escola.
Por essa razão, em qualquer área do conhecimento, destaca-
se a importância da intervenção mediadora do professor no sentido
de qualificar habilidades indispensáveis à cidadania e à vida, como

A
são o ler e o escrever, por exemplo. Nesse sentido, é fundamental

V
a promoção de experiências que conduzam à formação de uma
geração de leitores e produtores de textos capazes de dominar

O R
as múltiplas formas de linguagem e de reconhecer os variados e

R
inovadores recursos tecnológicos, disponíveis para as diferentes

P UTO
situações de interação do dia a dia de qualquer indivíduo (Neves,
Souza, Shäffer, Guedes, Klüsener 1999).
Considerando tais aspectos, não seria exagero reforçar a

O A
ideia de que a formação inicial do professor, principalmente, deve
dar conta dessa tarefa. A conscientização do graduando em Letras,

D
mesmo com algumas resistências, irá se refletir positivamente
no espaço escolar. A resistência a que nos referimos relaciona-se
tanto à do estudante de cursos de graduação, que alimenta a ideia
de apenas “aprender gramática” ao ingressar no curso de Letras,
quanto à da escola, que se mantém, ideologicamente falando, no
século passado em termos de práticas de linguagem. Convém
ressaltar que há inúmeras práticas bastante significativas; alguns
resultados de pesquisa confirmam essa afirmação, como podemos
observar em Brandão (2003), Dionísio, Machado e Bezerra (2003),
Kaworski, Gaydeczka e Brito (2004) e Reinaldo, Marcuschi e
Dionísio (2012).
Para corroborar nesta discussão, buscamos investigar junto
a estudantes de graduação em Letras, matriculados na disciplina de
“Gêneros textuais e ensino”, referida anteriormente, no primeiro
semestre letivo de 2014, suas percepções com relação ao processo
de ensino e aprendizagem de língua materna. Na sequência,
apresentamos o contexto de pesquisa, os sujeitos envolvidos e o
roteiro de investigação.

110 EDITORA MERCADO DE LETRAS


O contexto de pesquisa e o roteiro de investigação

Importante situar o leitor no contexto de pesquisa. Nosso


trabalho foi desenvolvido em uma universidade pública federal,
situada ao sul da região sul do Brasil. Mesmo adotando o ENEM/

VA
SISU como única forma de ingresso na universidade, os cursos
de graduação em Letras se caracterizam por atrair, em sua grande

R O
maioria, estudantes da região sul do estado do Rio Grande do

R
Sul, uma região caracterizada, em termos socioeconômicos, como

P UTO
deficiente e com grandes desigualdades em relação à metade norte
do estado.
Com relação aos estudantes/sujeitos de pesquisa, temos

A
características distintas se considerarmos a posição deles em
relação ao curso em andamento: alguns iniciando o terceiro

O
semestre, outros iniciando o quinto semestre e, ainda, poucos

D
deles em fase final de curso. Isso implica diferentes níveis de
leitura (embasamento teórico inicial). Os sujeitos envolvidos
estudaram, todos, em escolas públicas e trazem, em seus discursos,
marcas referentes ao descontentamento característico em relação
às práticas de linguagem por eles vivenciadas em seu percurso
escolar – o trabalho sem sentido com a gramática normativa, com
a metalinguagem.
As questões direcionadas aos sujeitos da pesquisa são
elencadas a seguir:

(i) Quais são e/ou deveriam ser os principais objetivos


do ensino de LP nas escolas brasileiras?;
(ii) Em que medida os documentos oficiais (PCNs, por
exemplo) possibilitam aos professores de escolas
públicas a organização de práticas de linguagem
inovadoras?;

Gêneros, entre o texto e o discurso 111


(iii) Em que medida a teoria dos gêneros textuais/
discursivos podem contribuir para o desenvolvimento
da competência comunicativa dos estudantes?;
(iv) Que relação você estabelece entre ensino de Língua
Portuguesa, gêneros textuais e letramento?;
(v) Em que medida seu curso de graduação (e/ou pós-

VA graduação) contribuiu para o esclarecimento de


conceitos básicos relacionados ao ensino de Língua

R O R
Portuguesa?

P UTO Na próxima seção descrevemos os dados levantados a partir


do roteiro apresentado, assim como a discussão e implicações
advindas desses dados. É importante destacar que os sujeitos que

A
se dispuseram a responder ao roteiro apresentado – dez estudantes
- assinaram um “termo de consentimento livre e esclarecido”,

D O
autorizando o uso dos dados.

A percepção dos estudantes com relação ao processo de


ensino e aprendizagem de língua materna

Num primeiro momento, sistematizamos os aspectos mais


recorrentes no rol de entrevistas realizadas para, a seguir, discutir
os posicionamentos dos estudantes com relação a cada uma das
questões propostas.
Com relação ao primeiro item questionado, “Quais são
e/ou deveriam ser os principais objetivos do ensino de LP nas
escolas”, as respostas que predominaram são: “O objetivo do
ensino de LP deve ser fazer com que o aluno consiga interagir
nos diferentes propósitos comunicativos em que seja inserido”; “O
ensino de LP nas escolas públicas permanece ainda muito na forma
tradicional, com regras e tabelas. Quando sabemos que o maior
foco do ensino de LP deveria ser no funcionamento da mesma,
pois saber e conhecer, todos sabem e conhecem, o necessário é
auxiliar aos alunos para que se tornem aptos a utilizarem sua língua

112 EDITORA MERCADO DE LETRAS


materna nas diversas situações sociais nas quais o aluno estará
imerso”; “Ampliar a competência linguística dos alunos, de forma
que eles pudessem se comunicar adequadamente de acordo com
cada situação de interação social”; “trabalho com textos e gêneros
textuais, provocar nos alunos o senso crítico, mostrando que ele
faz parte da sociedade e que pode e deve opinar, ver a gramática

VA
não como primeira opção de ensino da língua”; “os principais
objetivos deveriam ser centrados na aptidão natural dos alunos à

R O
linguagem, fazendo o reconhecimento das variedades de discurso

R
nos diferentes gêneros e propiciando ao aluno o aumento da sua

P UTO
autonomia enquanto cidadão crítico”; “A LP deve ser trabalhada
a partir de textos, usando como principal ferramenta os gêneros
textuais. O ensino dos gêneros permite abordar tanto questões

A
linguísticas como gramaticais, textuais e discursivas”.
Com relação a esse primeiro aspecto, podemos perceber,

O
inicialmente, que os estudantes já apresentam um posicionamento

D
diferenciado, considerando que esse aluno tem uma trajetória
escolar em que o foco estava, predominantemente, na transmissão
de regras e nomenclatura – prática de metalinguagem. Mesmo
com todo esse percurso gramatiqueiro, os estudantes demonstram
interesse em aprender gramática normativa ao ingressarem na
universidade, em um curso de graduação em Letras.
Por outro lado, passados alguns semestres do curso de
graduação, com leituras que vão se intensificando ao longo do
curso, percebemos que os estudantes ampliam suas expectativas
em relação ao processo de ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa. Eles conseguem perceber outras possibilidades de
práticas de linguagem, que extrapolam a simples reprodução
gramatical. Eles demonstram consciência em relação à existência de
práticas tradicionais de ensino, mas também destacam a necessidade
de um trabalho que esteja voltado para o desenvolvimento da
competência comunicativa do estudante, um dos principais
objetivos de ensino apontados, associando a isso práticas que
envolvam diferentes gêneros textuais e voltadas para a formação de

Gêneros, entre o texto e o discurso 113


cidadãos críticos. Isso vai ao encontro do que propõem os PCNs
de Língua Portuguesa, tanto para o ensino fundamental, quanto
para o ensino médio:

... as diferentes práticas de trabalho com a linguagem devem


desenvolver no aluno o domínio da expressão oral e escrita

VA
em situações de uso público da linguagem, levando em conta
a situação de produção social e material do texto (lugar social

O
do locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s)

R
P UTO R
e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo
e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a
partir disso, os gêneros adequados para a produção do
texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e
gramatical. (Brasil 1998, p. 49)

O A A consideração das variações linguísticas também é abordada


pelos estudantes em seus posicionamentos, ao pensarem na

D
necessidade de se envolver, nas práticas de linguagem, a variedade
linguística do aluno. Esse aspecto demonstra amadurecimento
desse estudante em formação inicial com relação às noções de
certo e de errado. Eles associam variação linguística às noções de
adequação linguística, o que implica, necessariamente, diferentes
usos da língua em diferentes situações – competência comunicativa.
Podemos dizer que eles têm consciência de que o trabalho
com a variação linguística em sala de aula propicia, em consonância
com Bortoni-Ricardo (apud Cyranka 2012, p. 140):

Conhecer melhor a competência linguística oral dos


educandos para que essa sirva de base à aquisição e ao
desenvolvimento de sua competência escrita. (...) Nossa
sociedade historicamente valoriza muito os conhecimentos
gramaticais canônicos. É necessário que se publique e se
divulgue muito material de divulgação científica acessível para
que a sociedade em geral reconheça as vantagens de levar em
consideração a variação e a mudança na língua, no processo
de escolarização.

114 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Dessa forma, ao discutirmos variação, nos reportamos às
concepções de língua e linguagem, no sentido de destacar que,
ao considerarmos a variação linguística no contexto de ensino e
aprendizagem de língua materna, estamos trazendo a ideia de que
a língua não é homogênea, ela passa por mudanças significativas
de acordo com as transformações naturalmente sofridas pela

A
sociedade. Conforme Bagno (2007, p. 107),

V
R O R
A gramática tradicional tenta nos mostrar a língua como
um pacote fechado, um embrulho pronto e acabado. Mas

P UTOnão é assim. A língua é viva, dinâmica, está em constante


movimento — toda língua viva é uma língua em decomposição
e em recomposição, em permanente transformação. É uma fênix que

A
de tempos em tempos renasce das próprias cinzas. É uma
roseira que, quanto mais a gente vai podando, flores mais

O
bonitas vai dando. E o professor também deve preferir
ser uma “metamorfose ambulante, do que ter aquela velha

D opinião formada sobre tudo”, como cantava Raul Seixas


(contrariando, nesses mesmos versos, a “velha opinião
formada” de que o verbo preferir não pode ser usado com a
construção do que...).

Ainda segundo o autor, uma mudança de atitude faz-


se necessária, por parte do professor de língua materna,
principalmente, no sentido de que possa refletir sobre o processo
de ensino e aprendizagem, sobre norma culta, sobre gramática.
Para isso, deve manter-se atualizado, integrado a ações que possam
auxiliar nessa reflexão e, consequentemente, numa nova postura
frente a questões fundamentais de linguagem, como a variação e o
preconceito linguísticos, por exemplo.
A partir da segunda questão proposta, “Em que medida
os documentos oficiais (PCNs, por exemplo) possibilitam
aos professores de escolas públicas a organização de práticas
de linguagem inovadoras?”, temos: “Os documentos oficiais
regulamentam que o ensino de LP seja voltado para o trabalho

Gêneros, entre o texto e o discurso 115


com textos, deixando de lado a velha concepção que o ensino
de LP enfatize as gramáticas, regras normativas. Além disso,
o estudo, baseado nos textos, de variações linguísticas”; “Os
documentos oficiais permitem que o professor tenha liberdade
criativa para inovar suas práticas, voltando-se para as problemáticas
reconhecidas por diversas pesquisas científicas, dentre as quais a

VA
variação linguística como algo natural e não configurante de erro e
as diferenças de discurso como frutos da diversidade sociocultural

O
e não constituinte de práticas ignóbeis nem de desprestígio”; “Os

R
P UTO R
PCNs podem ajudar os professores a procurarem reciclar seus
métodos de ensino de LP; ajuda os professores a se desvincularem
da gramática, tornando suas aulas mais dinâmicas e atrativas; linca
vários conteúdos através dos textos (conhecimentos gerais)”; “Os
PCNs trazem aos professores uma proposta de ensino através dos

A
textos, a organização de práticas inovadoras se dá através de trabalhos
embasados em gêneros discursivos, levando em consideração seus

O
aspectos funcionais num contexto sociointerativo”; Os PCNs

D
trazem possibilidades diversas no quesito de inovação das aulas de
LP, o que necessita ser exercitado é o trabalhar com esta ferramenta
pelos professores. Sabemos que o tempo para o planejamento
devido das aulas às vezes não se possui, mas é necessário que se
dê atenção a este ponto, pois é um dos primordiais no trabalho
docente”; “Possibilitam que o professor trabalhe além da gramática,
alertando para o ensino através do texto”.
Além da questão da variação, discutida na questão anterior,
percebemos o destaque dado pelos estudantes ao trabalho com
o texto em sala de aula, aliando a isso a necessidade de práticas
inovadoras, segundo eles. Essa é uma questão bastante delicada
nas discussões acadêmicas, já que, de maneira geral, priorizam-
se discussões teóricas. Os estudantes se ressentem de disciplinas
voltadas para a prática, efetivamente. No discurso deles, apenas dizer
como pode ser feito não basta; é preciso fazer, experienciar, praticar.
Essa dificuldade que os estudantes encontram em seus
cursos de graduação torna-se um grande problema quando o
egresso do curso de formação de professores inicia sua trajetória

116 EDITORA MERCADO DE LETRAS


como professor em serviço. O pouco contato com a prática se
reflete na dificuldade em fazer a transposição didática. Mas essa
não é a única causa, já que, conforme Rojo (2000), as dificuldades
passam, também, pela compreensão dos professores em relação à
teoria dos gêneros do discurso e outros conteúdos envolvidos na
organização das práticas de linguagem. A complexidade das teorias

VA
pode estar no cerne dessa incompreensão.
Pelas entrevistas realizadas, os estudantes de Letras

R O
demonstram perceber a necessidade de se trabalhar com o texto

R
em sala de aula, mesmo que não tenham, provavelmente, clareza

P UTO
em relação ao como fazer. A necessidade de deixar de lado a “velha
concepção” de ensino, como refere um dos entrevistados, é, sem
dúvida, fortemente discutida em cursos de formação inicial e
continuada de professores. O “foco no texto” é uma das expressões

A
mais ouvidas no discurso desses professores. As discussões sobre o
tema, em nível nacional, não são recentes. As críticas em relação a

O
essas práticas, ditas tradicionais, podem ser sintetizadas, de acordo

D
com os PCNs, conforme segue:

Desconsideração da realidade e dos interesses dos alunos; a


excessiva escolarização das atividades de leitura e produção
de textos; o uso do texto como expediente para ensinar
valores morais e como pretexto para o tratamento de aspectos
gramaticais; a excessiva valorização da gramática normativa
e a insistência nas regras de exceção, com o consequente
preconceito contra as formas de oralidade e as variedades-
não padrão; o ensino descontextualizado da metalinguagem,
normalmente associado a exercícios mecânicos de
identificação de fragmentos linguísticos em frases soltas; e a
apresentação de uma teoria gramatical inconsistente – uma
espécie de gramática tradicional mitigada e facilitada. (Brasil
1998, p. 18)

A partir disso, o “foco no texto” volta-se, agora, para a


consideração dos gêneros discursivos como objeto de ensino,

Gêneros, entre o texto e o discurso 117


conforme já divulgavam os PCNs na década de 90 do século
passado. Considera-se, conforme Marcuschi (2003, p. 35), “que o
trabalho com gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade
de se lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos no
dia-a-dia”.
Ainda nesse contexto, é preciso considerar que há uma

VA
significativa ampliação dos meios de comunicação e de novas
tecnologias e, consequentemente, novas linguagens acompanham

R O
esses avanços. Esse fato não pode ser desconsiderado no espaço

R
escolar. As práticas de linguagem devem dar conta desse novo

P UTO
cenário em que o estudante está inserido. Segundo Bezerra
(2003), a pluralidade de linguagens na sala de aula será possível
por meio de um trabalho com uma diversidade de gêneros textuais

A
que possibilitará ao aluno organizar seu próprio conhecimento
linguístico.

D O Dando continuidade ao roteiro de entrevistas, apresentamos


os aspectos destacados pelos estudantes de graduação com
relação à terceira questão - “Em que medida a teoria dos gêneros
textuais/discursivos podem contribuir para o desenvolvimento da
competência comunicativa dos estudantes?”: “Os gêneros textuais
contribuem para o desenvolvimento da competência comunicativa
do aluno de forma relevante, à medida que o aluno tem contato
com diversas situações sociointerativas de comunicação”; “Através
dos gêneros textuais os alunos conseguem estabelecer conexões
com seu cotidiano, colaborando para que eles contribuam mais
com a interação na sala de aula, desenvolvendo suas habilidades
comunicativas”; “É indispensável no ensino de língua porque
abrange aspectos sociais e de uso real da comunicação, isto é, torna
possível que o aluno reconheça a sua realidade nas aulas e consiga,
portanto, alcançar um nível mais elevado de conhecimentos
linguísticos, provocado pelas diferenças dos discursos estudados”;
“O estudo dos gêneros textuais permite aos alunos aprimorar os
conhecimentos de variados domínios discursivos, características de
textos baseados no uso, fazendo com que se capacitem para analisá-

118 EDITORA MERCADO DE LETRAS


los e produzi-los”; “Contribui com a competência comunicativa
ao fazer com que não sejam trabalhados somente gêneros já
conhecidos do ambiente escolar, mas também com gêneros que
circulam na sociedade”; “A língua em movimento torna-se muito
mais interessante, e o trabalhar com essa mobilidade da LP instigará
os alunos de forma que eles poderão ver a sua língua materna em

VA
funcionamento. E vendo-a funcionando ele poderá ampliar mais a
sua capacidade quanto ao utilizar sua linguagem”.

R O Baseados nas afirmações feitas pelos estudantes, parece-nos

R
bastante clara a relação que eles estabelecem entre gêneros textuais

P UTO
e competência comunicativa. Ao considerarmos, conforme
Pinto (2003), que as práticas sociais se cristalizam na forma de
gêneros e que uma situação de interação mobiliza habilidades de

A
adaptação ao contexto, assim como a necessidade de mobilização
de modelos discursivos e domínio de operações psicolinguísticas e

O
unidades linguísticas, cabe à escola oportunizar a esses estudantes

D
a possibilidade de desenvolvimento dessas habilidades, no sentido
de desenvolver suas capacidades de linguagem. Por essa razão, as
práticas de linguagem na sala de aula deveriam se organizar em
torno dos gêneros textuais, como preconizam os PCNs.
Importante destacar, ainda, o entendimento demonstrado
pelos estudantes sobre competência comunicativa e sobre linguagem
em movimento, em funcionamento. Mesmo sendo recém iniciados
em leituras acadêmicas, principalmente envolvendo as complexas
teorias linguísticas (a dificuldade de abstração é bastante grande),
os estudantes compreendem a necessidade de um trabalho com a
linguagem que se volte para o desenvolvimento da competência
comunicativa do indivíduo. Para isso, considerar que a linguagem
em movimento na escola, no trabalho, na igreja, em casa, entre
outras tantas esferas de atividade, é fundamental.
Como destacam os estudantes nas entrevistas, o trabalho
com os gêneros parece ser uma boa alternativa em termos de língua
em funcionamento, visto que, progressivamente, pode-se trabalhar
(leitura, escrita e oralidade) com a diversidade de gêneros, indo do

Gêneros, entre o texto e o discurso 119


menos complexo ao mais complexo, ou do menos formal ao mais
formal. Com isso, estaremos ampliando as possibilidades de leitura
e de produção de textos (orais e escritos) do aluno da educação
básica, práticas que apresentam grandes dificuldades no espaço
escolar, por serem artificiais e sem objetivos definidos. Conforme
aponta Petroni (2008, pp. 9-10), baseada nos pressupostos

VA
bakhtinianos, “faltam (ao aluno) recursos para a compreensão e
a produção de um discurso dirigido a alguém, numa situação real

R O
de comunicação, que expresse uma intenção ou uma vontade

R
discursiva”. Nesse sentido, teríamos a percepção de que leitura e

P UTO
escrita são “práticas sociais valorizadas”:

...o trabalho com gêneros discursivos torna possível estimular

O A a postura crítica do aprendiz, ao desvelar as relações de


força presentes em diferentes esferas de atividade humana,
condicionantes do processo interlocutivo. Se considerarmos

D
que cabe à escola, por lei, promover o acesso do aluno ao
domínio da leitura e da escrita, e se constatamos que esse
domínio não ocorre de forma eficiente, é preciso não só
conhecer as razões desse problema, como também buscar
alternativas para solucioná-lo. (Petroni 2008, p. 10)

Seguindo essa linha de raciocínio, a formação de professores


requer especial atenção, no sentido de avaliarmos em que medida
também não estamos, na academia, apenas repassando o que “deve
ser feito” em termos de práticas de linguagem em sala de aula, em
detrimento do “como pode ser feito”. O futuro professor precisa,
e quer, uma formação mais qualificada, que deixe de focar, apenas
e tão somente, nas teorias. Isso não significa que a teoria não seja
importante, pelo contrário, ela é essencial. Porém, há necessidade
de equilíbrio entre teoria e prática; devemos pensar em teoria E
prática, não em teoria X prática, no sentido de que uma alimente
a outra. Nesse contexto, devemos destacar a responsabilidade dos
cursos de formação de professores. Responsabilidade que passa

120 EDITORA MERCADO DE LETRAS


por uma aproximação mais efetiva com a escola. Essa aproximação
vem sendo feita por meio de programas de incentivo à docência,
como o PIBID, por exemplo, mas não pode ficar limitada à
participação de um número ainda pequeno de estudantes que têm
a oportunidade de ingressar em programas dessa natureza.
Já com relação ao quarto questionamento, “Que relação

VA
você estabelece entre ensino de LP, gêneros textuais e letramento?”,
os estudantes assim se posicionaram: “A LP, os gêneros textuais e

R O
as questões do letramento são internamente relacionadas, pois é

R
letrado aquele que domina variados gêneros textuais e a LP deve

P UTO
ser trabalhada através dos gêneros”; “O trabalho com gêneros
textuais possibilita ao aluno deixar de ser um leitor ingênuo, à
medida que abre espaço para questões de análise do discurso até

A
então ausentes nas práticas de ensino de LP, o que pode influenciar
o amadurecimento intelectual do aluno enquanto ser social. De

O
forma semelhante, o ensino que abrange práticas de letramentos

D
melhora a capacidade comunicativa do aluno quando possibilita
a apropriação de linguagens diferentes das dele, assim como o
desenvolvimento destas”; “O letramento dá-se através do trabalho
com a escrita e os textos, principalmente através dos gêneros
textuais, é um meio para se trabalhar esta escrita e tal capacidade
deve ser desenvolvida nas aulas de LP”; “Os gêneros textuais
colaboram para aumentar o grau de letramento dos alunos, pois
possibilita uma ampliação da competência comunicativa”; “Dentro
dos gêneros textuais podem ser trabalhados, além dos tipos e
gêneros textuais, questões da gramática. Em relação ao letramento,
esses textos produzidos podem ser vinculados a novos tipos de
letramento como meio de publicar o que foi produzido – exemplo:
letramento digital – uso de computadores”; “Acredito que o ensino
de LP se dá efetivamente através do trabalho com gêneros textuais,
o que possibilita ao estudante o contato com as diferentes ações de
acordo com o contexto, assim o conceito de letramento também
deve ser considerado pelo professor, já que todo impacto social
causado pela escrita é uma forma de letramento”.

Gêneros, entre o texto e o discurso 121


Podemos perceber pelas afirmações apresentadas os
primeiros passos desses estudantes de graduação em relação
à compreensão da relação entre ensino e letramento e, ainda,
em relação à escola como principal, mas não único, espaço de
letramento. Ao destacarem a importância da leitura, associada a
diferentes gêneros textuais, por exemplo, demonstram conhecer a

VA
existência de diversas práticas de letramento, nas quais eles mesmos
estão inseridos em seu cotidiano: as aulas na faculdade, a leitura

R O
de e-mail, o envio de torpedos, a pesquisa em portais de busca, a

R
ida ao supermercado, o bate-papo no bar da esquina, entre tantas

P UTO
outras práticas.
É fundamental, considerar, nesse contexto, que a ideia de
letramento deve extrapolar a ideia de alfabetização, tida como

A
prática de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, conforme
Soares (2003). Diversos autores trabalham com a noção de

O
“letramentoS”. Destaco Rojo (2009, p. 98), que nos remete ao

D
termo letramento buscando “recobrir os usos e práticas sociais de
linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira, sejam
eles valorizados ou não valorizados, locais ou globais, recobrindo
contextos sociais diversos, numa perspectiva sociológica,
antropológica e sociocultural”. A autora inclui em sua discussão
sobre letramentos tanto a escrita quanto outras modalidades de
linguagem, considerando, nesse contexto, a ampliação do acesso
a tecnologias digitais da comunicação e da informação, o que nos
remete a novas formas de letramento. Nesse sentido, destaca:

(...) a multissemiose ou a multiplicidade de modos de significar


que as possibilidades multimidiáticas e hipermidiáticas do
texto eletrônico trazem para o ato de leitura: já não basta
mais a leitura do texto verbal escrito – é preciso relacioná-
lo com um conjunto de signos de outras modalidades de
linguagem (imagem estática, imagem em movimento, música,
fala) que o cercam, ou intercalam ou impregnam; esses textos
multissemióticos extrapolam os limites dos ambientes digitais

122 EDITORA MERCADO DE LETRAS


e invadiram também os impressos (jornais, revistas, livros
didáticos). (Rojo 2009, pp. 105-106)

Dessa forma, cabe destacar as observações dos acadêmicos


entrevistados, quando associam diferentes letramentos a diferentes
gêneros, a diferentes linguagens. E tendo na escola um espaço

VA
de letramento, o ensino de LP seria uma das possibilidades de
desenvolvimento de práticas sociais concretizadas por diferentes

R O
gêneros discursivos, no sentido de ampliar as habilidades de leitura,

R
que deixaria de ser “ingênua”, de escrita ou de qualquer outra forma

P UTO
de linguagem. Esse papel cabe à escola, entre outros espaços. Para
isso, os professores também devem estar inseridos em diferentes
práticas de letramento, para que possam se aproximar de forma

A
mais efetiva das práticas sociais vivenciadas por seus alunos fora da
escola. Essa aproximação terá lugar na sala de aula.

D O Com isso, algumas afirmações do senso comum seriam


desconstruídas: “os jovens não leem nem escrevem”, por exemplo.
Para que o professor atinja esse nível de consciência em relação
às práticas de linguagem, deve haver aperfeiçoamento constante,
renovação permanente.
Para finalizar a apresentação das questões propostas, temos
a seguir a percepção dos estudantes envolvidos na pesquisa com
relação ao último questionamento: “Em que medida seu curso
de graduação contribuiu para o esclarecimento de conceitos
básicos relacionados ao ensino de LP?”. Eles assim se manifestam:
“Acredito que durante toda a graduação foram trabalhados os
conceitos básicos ao ensino da LP de forma exaustiva e até mesmo
repetitiva, assim consegui ter bem delineados os estudos trazidos
pela linguística e as áreas afins”; “Primeiramente, quebrou com
alguns preconceitos que eu tinha sobre norma culta e outras normas
mais coloquiais. Também propiciou que eu entendesse que a LP é
mais atrativa e clara de se aprender quando está contextualizada.
E, por fim, me fez perceber o quanto trabalhávamos sobre regras
não contestadas dentro da língua”; “Contribui ao fazer com que

Gêneros, entre o texto e o discurso 123


fosse possível pensar em práticas de ensino através das teorias
estudadas”; “No âmbito teórico, trabalhamos muito na graduação,
embora em pouco tempo e às vezes até superficialmente. Sabendo
que as formas de ver e compreender a nossa língua materna
são diversas, creio que o que mais falta é o aprofundamento nas
teorias e métodos para colocar em prática tudo o que é exposto na

VA
graduação”; “O curso de Letras forma profissionais capacitados
a ensinarem a LP partindo da nova concepção de ensino, estudo

R O
do texto, quebrando antigas ideologias, já que discutimos e

R
trabalhamos em âmbito universitário as melhores propostas de

P UTO
ensino que capacitem ao aluno uma boa formação básica”.
A ideia de aula de português como sinônimo de ensino
de gramática parece, pelo menos em tese, ter sido desconstruída.

A
Percebemos que os estudantes vislumbram uma outra forma de
atuar. Seria uma nova postura, um novo olhar para as possibilidades

O
de trabalho com a linguagem. Essa é, na perspectiva em que

D
estamos discutindo, a função de cursos de formação de professores
de língua portuguesa. Afinal, dar aula de português para falantes
de português é tarefa árdua, que implica um amplo conhecimento
teórico e prático para atender as necessidades dos estudantes
inseridos no espaço escolar.
Como manter um ensino de língua vinculado a uma
tradição gramatical se temos aprendizes envoltos por tecnologias
de comunicação e informação cada vez mais desenvolvidas? Os
estudantes de hoje, pertencentes a diferentes classes sociais e
inseridos em práticas de letramento diversificadas, obviamente não
mantêm semelhança com aqueles estudantes que frequentavam a
escola para aprender sobre a língua, já que dominavam e usavam
naturalmente a norma considerada padrão. Esse aspecto é bastante
discutido na academia, mas em que termos é, efetivamente,
compreendido pelos professores em formação? A prática desses
professores talvez possa nos dar respostas nesse sentido.
As dificuldades em se desenvolver práticas de leitura, de
escrita, de oralidade e de análise linguística no espaço escolar

124 EDITORA MERCADO DE LETRAS


são visíveis. Ainda percebemos a falta de habilidade de muitos
professores, seja por desconhecimento teórico, seja por desinteresse,
em organizar práticas de linguagem que façam sentido para o aluno.
Esse ponto é essencial: a escola deve fazer sentido para o aluno;
as atividades lá desenvolvidas, da mesma forma; os textos lidos,
igualmente; o texto produzido, sim, deve ter objetivo claro. De

VA
outra forma, a escola continuará sendo o lugar da insatisfação, do
desrespeito ao indivíduo, do preconceito linguístico, da formação

R O
de leitores acríticos (meros decodificadores), de escritores copistas

R
(“copistas medievais”, como diria meu professor de Literatura

P UTO
Portuguesa da época de minha graduação), de agentes passivos e
despreparados para interagir em práticas sociais fora dos limites de
seu contexto imediato.

O A
Considerações finais

D Buscamos, ao longo das reflexões feitas, destacar a


importância das discussões envolvendo os gêneros textuais
no contexto acadêmico, no sentido de que isso possa se refletir
positivamente no ensino de língua portuguesa nas escolas. Para
isso foi necessário transitar por questões como objetivos de
ensino, práticas de linguagem, letramentos e formação inicial de
professores.
Logicamente, a discussão que buscamos fazer não é
nova. Porém, muitas questões ainda inquietam (e que bom que
inquietam) sobremaneira os sujeitos envolvidos nesse complexo
processo. A inquietação implica mudança de postura em relação
ao ensinar e ao aprender português. E um dos temas que mais
inquieta, nesse contexto, é o abismo que insiste em permanecer
entre a universidade e a escola. Obviamente que em muitas escolas
algumas barreiras já foram transpostas. Muitos agentes escolares
já saíram de sua zona de conforto e foram em busca de soluções.

Gêneros, entre o texto e o discurso 125


A crítica é sempre positiva, porém, por si só, não é capaz de
transformar uma situação.
Percebemos no discurso dos acadêmicos entrevistados a
posição que apresentam em relação ao ensino de LP, um ensino
que deve ter como foco a competência comunicativa do aluno.
Os gêneros textuais, na visão deles, se prestariam a esse propósito.

VA
Eles estão dizendo alguma novidade? Na verdade, NÃO! Está,
sim, imbuído de um firme propósito, sair da zona de conforto e

R O
enfrentar as barreiras que encontrarão no espaço escolar.

R
Particularmente, um dos temas que mais me inquietam

P UTO
está relacionado justamente a esse aspecto: se os estudantes dos
cursos de Letras leem e discutem, durante sua trajetória acadêmica,
novas perspectivas em relação ao ensino de LP, se parecem

A
perceber a importância de inserir o aluno da educação básica em
práticas de linguagem que façam sentido para ele e que se voltem

O
para o desenvolvimento de uma cidadania crítica e ativa, o que

D
efetivamente acontece no meio do caminho? Que pedras existem
nesse caminho? Creio que temos um tema para outras reflexões, que
também não são novas, mas merecem continuar sob os holofotes
das discussões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem
de língua. Afinal, não é à toa que muitas práticas sem sentido são
mantidas nas escolas de educação básica.
Uma nova postura frente às necessidades dos estudantes.
Não podemos desconsiderar esse aspecto. Para isso, a escolha dos
objetos de ensino – diferentes gêneros textuais - e a definição dos
objetivos de ensino – levar o aluno a desenvolver habilidades de
leitura e escrita e a desenvolver sua competência comunicativa –
estariam no cerne do processo de ensino e aprendizagem de língua
materna. O professor, nesse contexto, seria um mediador, um
facilitador, no sentido de organizar estratégias que prepararem o
aluno para interagir, por meio da linguagem, em práticas sociais
diversas. A sociedade se transforma constantemente. As múltiplas
linguagens acompanham essas transformações. A escola não deve
perder isso de vista.

126 EDITORA MERCADO DE LETRAS


A 6
O VnoVos letraMentos, tecnoloGias,

R
R
P UTO
Gêneros de discurso

O A Roxane Rojo

D
Introdução

Hoje, o mundo – do trabalho, da cultura, da vida pessoal


– funciona diferente do que funcionava nos anos 50 do século
passado: hierarquias são substituídas por redes de relações; a linha
de produção é substituída pelo ciberespaço; serviços são mais
importantes que mercadorias; o valor principal é a dispersão e a
distribuição e não a raridade da informação.
Para o que aqui nos interessa, que são os novos letramentos,
esses alteram profundamente certos valores e condutas do
letramento convencional: a autoria individual, a raridade, o
ineditismo, o controle da distribuição dos textos. Se, no letramento
convencional, a autoria individual é um valor precioso, a ponto
de gerar processos por plágio, nos novos letramentos, o valor é
a colaboração, a participação contínua, a relação em rede. Se, no
letramento convencional, a raridade e o ineditismo dos textos
era um valor importante, determinante de cânones intocáveis,

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 127


nos novos letramentos, ao contrário, o valor é a distribuição mais
ampla possível desses textos (reblogagem, compartilhamento) e a
apreciação que deles se faz em rede (curtir, comentar, apropriar-
se deles remixando ou hibridizando diferentes textos). Se, no
letramento convencional, a distribuição dos textos era controlada
por casas publicadoras, por editores e livrarias, por direitos

VA
de autor, nos novos letramentos, a apropriação, avaliação e
reelaboração (remix) dos textos em circulação é o principal modo

R O
de funcionamento.

R
Para Lankshear e Knobel (2007), a mera técnica, os usos

P UTO
instrumentais requeridos pelas novas tecnologias não são os “novos
letramentos”. Para os autores, os novos letramentos incluem novas
tecnologias sim, mas principalmente colocam em cena novas

A
condutas (novo ethos) e uma nova mentalidade, que denominam
Mentalidade 2.0, em analogia à Web 2.0.

D O Como, então, se caracterizam os novos letramentos? Esses


são, segundo os autores:

• Mais participativos, colaborativos, distribuídos


• Menos individualizados, autorais, publicados
• Menos dominados por especialistas

Como não poderia deixar de ser, essa nova mentalidade


e maneira de funcionar tem impactos nos textos e nos gêneros
discursivos em circulação: passamos de uma “ordem textual
estável” para “textos em mudança”, ditados pelas “relações sociais
do espaço da mídia digital”. Textos multimodais, multissemióticos,
que maximizam relações, diálogos, redes, dispersões, que buscam
uma cultura da “livre informação” e que instauram uma cultura do
remix e da hibridização de textos, linguagens e vozes.
Assim, os novos letramentos não se esgotam no mero uso de
TDIC, mas incorporam novas práticas, novos gêneros de discurso,
novos procedimentos e sobretudo um novo conjunto de valores
(ethos), uma Mentalidade 2.0. E, em nossa opinião, esse novo

128 EDITORA MERCADO DE LETRAS


conjunto de práticas, gêneros, procedimentos e valores – vigentes
já hoje na vida pública e privada das pessoas – tem de ser ao
mesmo tempo vivenciado e objeto de reflexão e de construção de
conhecimento crítico por parte da escola.
Para os autores do Grupo de Nova Londres, é necessário,
é claro, se desenvolver competências e habilidades técnicas e

VA
conhecimento prático de usuário funcional das novas tecnologias,
mas isso não basta para uma pedagogia dos multiletramentos (Cope e

R O
Kalantzis 2000). É preciso que esse usuário funcional, que domina

R
ferramentas e programas muitas vezes antes mesmo de chegar na

P UTO
escola, torne-se também um analista crítico que faz apreciações
sobre as seleções e sentidos dados pelos produtores de enunciados-
textos: um leitor crítico. Somente assim, este pode se tornar um
criador de sentidos, seja na leitura ou na produção de textos

A
multissemióticos em novos gêneros. E é somente como criador
de sentidos e leitor crítico que este aluno poderá “usar o que foi

O
aprendido de novos modos” – éticos e estéticos – transformando o

D
mar de enunciados/textos de que participa continuamente.

E como pode a escola incorporar esses novos multiletramentos?

Como já sugerido, não se trata de novos objetos de ensino


(repositórios e OED) ou de uma outra “disciplina” que a escola
deva incorporar. Trata-se de uma mudança histórico-social de
tecnologias (entre o impresso e o digital) – e das práticas que por
meio dessas se exercem (letramentos) – que convivem e conviverão
por muito tempo e que, por isso mesmo, devem ser incorporadas
e dialogar livre e abertamente no currículo. No dizer de Almeida e
Silva (2011, p. 8), trata-se da construção de um Web Currículo:

Integrar as TDIC com o currículo significa que essas


tecnologias passam a compor o currículo, que as engloba
aos seus demais componentes e assim não se trata de ter as

Gêneros, entre o texto e o discurso 129


tecnologias como um apêndice ou algo tangencial ao currículo
e sim de buscar a integração transversal das competências no
domínio das TDIC com o currículo, pois este é o orientador
das ações de uso das tecnologias.

Claro está que isso exige salas de aula equipadas com

VA
as TDIC e conectadas e professores formados para os novos
multiletramentos. Para tanto, faz-se necessário também

O
complementar a matriz curricular na direção de contemplar os

P UTO R
multiletramentos em termos de diversidade de mídias, linguagens

R
e culturas, de forma articulada com os conteúdos e expectativas de
aprendizagem propostos para as disciplinas e áreas dos currículos.

Século XXI: uma escol@ conectad@

O A O mundo mudou muito nas últimas décadas, em especial


a partir dos anos 90 do século passado, mas já desde antes. E não

D
somente pelo surgimento das novas tecnologias da informação e
da comunicação.1 Surgem novas formas de ser, de se comportar,
de discursar, de se relacionar, de se informar, de aprender. Novos
tempos, novas tecnologias, novos textos e gêneros, novas linguagens.
Corre por aí um ditado que diz que temos hoje alunos do
século XXI, professores do século XX e uma escola do século
XIX. O ditado não está tão equivocado, pois na verdade temos
professores da Geração X e Y (que têm hoje entre 50 e 20 anos),
alunos da geração Z (entre 6 a 12 anos, no Ensino Fundamental
I) e uma escola com um design de salas de aula, de currículo e
tecnologias típicos do século XIX (lousa e giz, por exemplo, por
exemplo, inventados no século XVIII).
A chamada geração X – assim alcunhada por se configurar
como uma incógnita –, nascida entre os anos 70 e 80 do século
passado, viu nascer com ela as TDIC e cresceu em meio à cultura
do impresso, às mídias da cultura de massa e a progressiva

1. Doravante, TDIC.

130 EDITORA MERCADO DE LETRAS


democratização e distribuição da cultura digital ou cibercultura
(Santaella 2010).
A geração Y, geração que se torna jovem nos anos 90, já
encontra praticamente todos os textos e discursos dessas culturas
reinterpretados e integrados pelas TDIC. Os dados da TIC
Domicílios2 de 2012 mostram que, com desigualdades sociais e

VA
regionais, o Brasil já chega a 80,9 milhões de usuários de internet
(49% da amostra) em 2012, claro que concentrados nas classes A e B

R O
e nas zonas urbanas. Mostra também que esta proporção se acentua

R
se considerarmos as tecnologias móveis, em especial os celulares.

P UTO
Mas, se levarmos agora em conta não professores e alunos,
mas as escolas, a TIC Educação3 nos mostra que, embora cresça
a presença de computadores portáteis nas escolas, a velocidade
de conexão limita grandemente seu uso; que os professores

O A
aderem às tecnologias móveis, mas que a formação docente (e,
acrescentaríamos, os currículos) ainda não integra(m) as TDIC; e
que cresce significativamente (6 pontos percentuais entre 2011 e

D
2012) a sala de aula (e não laboratórios e salas de informática) como
o lugar mais frequente de uso de TDIC, mas que esse uso ainda é
instrumental e centrado no docente (apoio a aulas expositivas e
exercícios e o ensino de como usar a própria tecnologia, muitas
vezes desnecessário). O uso não se volta, portanto, para os novos
letramentos e para os multiletramentos viabilizados pelas TDIC.
Os dados do CETIC também mostram que esses usuários
de Internet concentram-se nas Gerações X e Y, mas já com muito
acesso da Geração Z (a de nossos alunos).

2. CGI.BR; NIC.BR; CETIC.BR. TIC Domicílios/Usuários 2012 – Pesqui-


sa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil.
Disponível em: http://cetic.br/usuarios/tic/2012/apresentacao-tic-domici-
lios-2012.pdf. Acesso em: 12/07/2014.
3. CGI.BR; NIC.BR; CETIC.BR. TIC Domicílios/Usuários 2012 - Pesqui-
sa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil.
Disponível em: http://cetic.br/usuarios/tic/2012/apresentacao-tic-domici-
lios-2012.pdf. Acesso em: 12/07/2014.

Gêneros, entre o texto e o discurso 131


132
Figura 1 – Proporção de usuários de Internet

D O
R
A
O VA
P UTO

EDITORA MERCADO DE LETRAS


R

Fonte: TIC-Domicílios 2012, CETIC.BR.


Figura 2 – Proporção de usuários de Internet
que buscaram informações nos últimos 3 meses

D O
R
A
O

Gêneros, entre o texto e o discurso


VA
P UTO
Fonte: TIC-Domicílios 2012, CETIC.BR.

133
R
Figura 3 – Principais resultados

VA
R O R
P UTO
O A
Fonte: TIC-Educação 2012, CETIC.BR.

D E por que seria importante que o uso das TDIC nas


escolas não fosse meramente instrumental? Justamente porque
o mundo – e logo, suas formas de comunicação, interação e os
letramentos – mudou muito nas últimas décadas, colocando como
desafio para a educação não apenas os letramentos convencionais,
letramentos da letra e do impresso, que já a vêm desafiando há
décadas, mas os novos e múltiplos letramentos (multiletramentos)
trazidos e proporcionados pelas TDIC, com seus novos textos,
procedimentos e mentalidades.

Novos letramentos, novas mentalidades

Roger Chartier, historiador e um dos mais importantes


pesquisadores da história do livro e da leitura (logo, dos letramentos),
em resposta a uma pergunta feita pela Revista Educação – “O
senhor defende que a revolução do livro eletrônico é talvez mais
importante do que a descoberta de Gutenberg. Por quê?”, diz que:

134 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Johannes Gutenberg inventou uma nova técnica para a
reprodução de texto, acrescentando ou substituindo a
imprensa para a cópia do manuscrito. Mas o livro antes
ou depois de Gutenberg manteve suas mesmas estruturas
fundamentais: as folhas dobradas, contidas em uma
encadernação ou capa, e que distribui o texto em folhas e

VA
páginas. Este tipo de livro, que nomeamos códex (ou códice),
estabeleceu-se no Ocidente entre os séculos 2 e 4 d.C., quando
substituiu os rolos, que foram os livros dos gregos e romanos.

R O R
Com o códice, permitiu-se fazer ações antes impossíveis,
como escrever lendo, fazer a paginação, um índice definido,

P UTO folhear um livro, comparar facilmente diferentes passagens.


Mas esta primeira revolução do livro não alterou a técnica
de reprodução do texto, ainda atribuída somente à cópia do

A
manuscrito. A revolução do e-book é uma revolução técnica
(como a invenção da imprensa), uma revolução da plataforma

O
da escrita (como a invenção do códex) e uma revolução na
leitura, que desafia as categorias e práticas que definem a

D relação com a escrita desde o século 18. (Chartier 2012)

Logo, para o autor, trata-se de uma “revolução” nos


letramentos da letra: trata-se de novos letramentos. Por isso, autores
como Michelle Knobel e Colin Lankshear cunham este termo:
“novos letramentos”. Para esses autores, os novos letramentos são
definidos, é claro, por uma nova tecnologia, revolucionária segundo
Chartier, mas não unicamente pela nova tecnologia.
Em geral, quando falamos de novas tecnologias, pensamos
apenas em dispositivos digitais (computadores, notebooks) e em
programas e códigos-fonte. Lankshear e Knobel (2007, p. 7) nos
lembram que o que compõe hoje o leque das novas tecnologias é
um conjunto muito mais amplo: além de computadores e notebooks,
os dispositivos digitais integram hoje uma miríade de gadgets (tais
como consoles de game, tocadores de mp3 e mp4, tablets, celulares
e até óculos e relógios) que caminha cada vez mais para tecnologias
móveis e portáteis com telas de toque. Se nossos desktops da
década de 90 e nossos laptops eram inspirados nos modelos das

Gêneros, entre o texto e o discurso 135


máquinas de escrever agora com tela, com forte base na linguagem
escrita e na letra – embora já permitindo outras linguagens –,
os tablets e smartphones têm base principalmente na imagem e os
gestos e procedimentos que convocam (os toques na tela) muito
mais raramente têm a ver com os gestos da escrita mecânica das
máquinas de escrever ou passam pela letra e a escrita.

VA
Os programas e códigos-fonte se configuram hoje como
apps (para aplicativos móveis), muito mais leves e com funções

O
bem mais específicas: aplicativos de texto, mas também de som,

R
P UTO R
imagem, animação, ferramentas de comunicação etc.
Mas além dos dispositivos, códigos fonte e aplicativos,
as novas tecnologias hoje nada são sem conexão (Internet), seja
wireless ou 3G/4G. A conexão discada praticamente desapareceu,
cedendo lugar a bandas cada vez mais largas e rápidas, que, como

A
vimos nas pesquisas do CETIC, são o problema hoje no Brasil, nas
escolas e fora delas.

O Embora ainda hoje usemos o computador, como o faço agora,

D
como usávamos a máquina de escrever mecânica, não fazemos isso
sem entremear, por exemplo, esta escrita de várias buscas na Internet
(de textos, dados, imagens, áudios) para ilustrar ou incorporar outros
textos/dados/imagens/áudios em nossos escritos.
É claro que todas essas mudanças nas tecnologias acarretam,
como quer Chartier, “uma revolução na leitura, que desafia as
categorias e práticas que definem a relação com a escrita desde
o século 18”. Novos procedimentos emergem, tais como clicar,
cortar, colar, arrastar, os vários gestos das telas de toque que as
crianças pequenas dominam tão mais competentemente que nós.
Mas, para Lankshear e Knobel (2007), esses (a mera
técnica) não são os “novos letramentos”. Para os autores, os novos
letramentos incluem novas tecnologias sim, mas principalmente
colocam em cena novas condutas (novo ethos4) e uma nova

4. Segundo a Wikipedia, “ethos, na Sociologia, é uma espécie de síntese dos


costumes de um povo. O termo indica, de maneira geral, os traços caracte-
rísticos de um grupo, do ponto de vista social e cultural, que o diferencia
de outros. Seria assim, um valor de identidade social. Ethos que significa

136 EDITORA MERCADO DE LETRAS


mentalidade, que denominam Mentalidade 2.0, em analogia à Web
2.0 que comentaremos adiante.
Os autores argumentam que podemos usar as novas
tecnologias da mesma maneira que usávamos as tecnologias
mecânicas: escrever um trabalho escolar ou uma dissertação de
mestrado do mesmo modo que fazíamos à máquina, imprimir

VA
e entregar. Logo, não é o mero uso das novas tecnologias que
caracteriza novas práticas de letramento, mas sim as novas condutas

O
e a nova mentalidade que emergem com a Web 2.0.

R
P UTO R
A primeira geração da Internet (WEB 1.0) principalmente
dava informação unidirecional (de um para muitos), como na cultura
impressa ou de massa. Com o aparecimento de sites como Facebook
e Orkut, a WEB tornou-se cada vez mais interativa. Nesta chamada
WEB 2.0 (segunda geração da rede mundial de computadores), são

A
principalmente os usuários que produzem conteúdos em postagens
e publicações, em redes sociais interativas como Facebook, Twitter,

O
Tumblr, Google+, na Wikipedia, em redes de mídia como YouTube,

D
Flickr, Instagram etc.5
E é nesses espaços mais interativos que se esboçam a nova
mentalidade e as novas condutas (ethos) que Lankshear e Knobel
(2007) denominam Mentalidade 2.0, que, esses sim, caracterizam
os novos letramentos.
A Figura 4 define algumas das características das Mentalidade
1 (modernidade industrial) e 2 (hipermodernidade).

o modo de ser, o caráter. Isso indica o comportamento do homem dando


origem a palavra ética”. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ethos.
Acesso em 21/07/2014.
5. A medida que as pessoas se familiarizaram com a WEB 2.0, foi possível a
marcação e etiquetagem de conteúdos dos usuários que abre caminho para a
próxima geração da Internet: WEB 3.0, a dita internet “inteligente”. Por um
processo de “aprendizagem” contínua por meio da etiquetagem, a WEB 3.0
pretende antecipar o que o usuário gosta ou detesta, suas necessidades e seus
interesses, de maneira a oferecer conteúdos e mercadorias em tempo real. Os
efeitos dessa “inteligência” já começam a se fazer sentir em diferentes sites.

Gêneros, entre o texto e o discurso 137


Figura 4 – Algumas dimensões da variação entre mentalidades

Mentalidade 1 Mentalidade 2
O mundo funciona basicamente a O mundo funciona cada vez mais
partir do físico/material e de uma a partir de princípios e lógicas não
lógica e princípios industriais -materiais (por exemplo, o ciberes-
paço) e pós-industriais

VA
O mundo é “centrado” e hierárquico
O valor é função da raridade
O mundo é “descentrado” e plano
O valor é função da dispersão

O
A produção baseia-se no modelo Visão “pós-industrial” da produção

R
“industrial”

R
Produtos são artefatos e mercado-

P UTO
rias industriais
A produção baseia-se na infraestru-
tura e em unidades ou centros (por
exemplo, uma firma ou companhia
Produtos habilitam serviços

Foco na influência e na participa-


ção contínua

A
Ferramentas são principalmente
ferramentas de produção

O
Ferramentas são cada vez mais fer-
ramentas de mediação e tecnolo-
gias de relação

D
A pessoa individual é a unidade de Foco crescente em “coletivos”
produção, competência, inteligência como unidade de produção, com-
petência, inteligência
Especialidade e autoridade estão Especialidade e autoridade são dis-
“localizadas nos indivíduos e ins- tribuídas e coletivas; especialistas
tituições híbridos“localizadas nos indivídu-
os e instituições
O espaço é fechado e para propósi- O espaço é aberto, contínuo e fuído
tos específicos
Prevalecem relações sociais da “era Relações sociais do “espaço da
do livro”; uma “ordem textual” es- mídia digital” emergente cada vez
tável mais visíveis; textos em mudança
Fonte: Lankshear e Knobel (2007, p. 11).

Na verdade, os autores estão se referindo à mentalidade da


modernidade industrial (Mentalidade 1) comparada à mentalidade
da hipermodernidade (Mentalidade 2) (ver Lipovetsky 2004;
Charles 2009).
Hoje, o mundo – do trabalho, da cultura, da vida pessoal
– funciona, como vimos no início deste texto, diferente do que
funcionava nos anos 50 do século passado.

138 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Como não poderia deixar de ser e como aponta a
última linha da tabela de Lankshear e Knobel (2007), essa nova
mentalidade e maneira de funcionar tem impactos nos textos e
nos gêneros discursivos em circulação: passamos de uma “ordem
textual estável” para “textos em mudança”, ditados pelas “relações
sociais do espaço da mídia digital”. Textos que maximizam relações,

VA
diálogos, redes, dispersões, que buscam uma cultura da “livre
informação” e que instauram uma cultura do remix e da hibridação

O R
de textos e vozes.

R
P UTO
Multissemiose, hipermídia e hibridismo dos textos e gêneros

O AHá dez anos atrás, em 2004, já Moita-Lopes e Rojo


chamavam a atenção para o fato de que

D vivemos em um mundo multissemiótico (para além da letra,


ou seja, um mundo de cores, sons, imagens e design que
constroem significados em textos (...) São muitos os discursos
que nos chegam e são muitas as necessidades de lidar com
eles no mundo do trabalho e fora do trabalho, não só para
o desempenho profissional, como também para saber fazer
escolhas éticas entre discursos em competição e saber lidar com as
incertezas e diferenças características de nossas sociedades atuais.
(Moita-Lopes e Rojo 2004, p. 27, ênfase adicionada)

Ou seja, já chamávamos a atenção para o fato de que é


preciso levar em conta a multissemiose ou a multiplicidade de modos
de significar que as possibilidades multimidiáticas e hipermidiáticas
do texto eletrônico trazem para o ato de leitura: já não basta mais
a leitura/produção do texto verbal escrito – é preciso colocá-lo
em relação com um conjunto de signos de outras modalidades de
linguagem (imagem estática, imagem em movimento, som, fala) que

Gêneros, entre o texto e o discurso 139


o cercam, ou intercalam ou impregnam; esses textos multissemióticos
extrapolaram os limites dos ambientes digitais e invadiram também
os impressos (jornais, revistas, livros didáticos).
Diz Lemke (1998, s/p) que, embora as capacidades de
criação (autoria) e de análise crítica multimídia ou hipermídia
correspondam de perto às capacidades tradicionais de produção de

A
texto e de leitura crítica,

V
R O precisamos entender o quanto foram no passado

R
extremamente restritivas nossas tradições de educação para

P UTO
o letramento, de maneira a ver o que os alunos precisarão no
futuro além do que estamos agora lhes dando. Não ensinamos
os alunos nem mesmo a integrar desenhos e diagramas
em sua escrita, que dirá arquivos de imagens fotográficas,

O A videoclipes, efeitos sonoros, áudio de voz, música, animação,


ou representações mais especializadas (fórmulas matemáticas,
gráficos e tabelas, etc.). Para tais produções multimídia, não

D faz mais mesmo o menor sentido, se é que um dia fez, falar de


integrar essas outras mídias ‘na’ escrita (hipermídia).

Para o autor, leitura (“criar significação a partir de um texto


impresso”) e escrita (“escrever o original desse texto, editando
e modificando um rascunho prévio ou juntando em um texto
coerente um conjunto de notas”) são ambos processos ativos e
complexos de criação de sentidos, de significação e são processos
semelhantes (enunciação e réplica ativa, diria Bakhtin).
O autor tende a atribuir à (falta de) educação para o letramento
as mazelas que o ensino produz e (re)encontra nos letramentos
escolares, sempre restritos aos alfabetismos ou descritores menos
ambiciosos, mesmo nos letramentos da letra, que dirá nos novos
letramentos. Devemos nos lembrar de como ecoou fortemente no
Brasil a colocação de nossos alunos de 15 anos no último lugar do
PISA 20006 e de que uma das principais dificuldades era justamente

6. “Desenvolvido conjuntamente pelos países-membros da OCDE, o Pisa é


uma avaliação internacional de habilidades e conhecimentos de jovens de

140 EDITORA MERCADO DE LETRAS


a leitura de textos multimodais ou multissemióticos, que integravam
imagens e diagramas em sua composição.
Lemke (1998) defende que “tanto faz se a mídia é voz ou
vídeo, o que importa é saber como criar significação da maneira
como os nativos o fazem” (s/p). E, como apontam Knobel e
Lankshear (2007) uma das matrizes dessa criação de significação

VA
pelos “nativos” é justamente o procedimento de remixagem ou
hibridação de enunciados anteriores. Neste sentido é que o Lemke

R O
(1998, s/p) aponta que

R
P UTO o texto [escrito] pode ou não ser a espinha dorsal de uma obra
multimídia. O que realmente precisamos ensinar, e entender
antes de poder ensinar, é como diferentes letramentos,

O A diversas tradições culturais, combinam essas diferentes


modalidades semióticas para produzir significados que são
mais do que a somatória do que cada uma delas pode significar

D
em separado. Chamei isso de ‘multiplicar significação’ (Lemke
1994), pois as opções de significados para cada mídia se
multiplicam cruzadamente numa explosão combinatória; na
significação multimídia as possibilidades de significado não
são meramente aditivas.

Por isso mesmo é que discordo do autor quando afirma


que as capacidades de criação (autoria) e de análise crítica (leitura)
multimídia ou hipermídia correspondem de perto às capacidades
tradicionais de produção de texto e de leitura crítica: pois a
multiplicidades de mídias e linguagem acrescenta esse efeito fractal,
multiplicador, na leitura e produção de textos multissemióticos.

15 anos, que visa aferir até que ponto os alunos próximos do término da
educação obrigatória adquiriram conhecimentos e habilidades essenciais
para a participação efetiva na sociedade. No ano de 2000, 32 países partici-
param do primeiro ciclo do Pisa” (Brasil 2001). Disponível em: http://www.
oecd.org/education/school/programmeforinternationalstudentassessmentpi-
sa/33683964.pdf. Acesso em: 21/07/2014.

Gêneros, entre o texto e o discurso 141


Não lidamos mais com uma única linguagem (a escrita) ou com
um único sistema de signos ou semiose (a verbal), mas com uma
multiplicidade deles (imagem estática – em desenhos, diagramas,
gráficos, mapas, infográficos, ilustrações e fotografias; imagem em
movimento – em filmes e vídeos; sons – fala, áudio diverso, música
gravados) que multiplica a construção de sentidos complexos.

VAÉ preciso lembrar também que cada um desses sistemas de signos ou


semioses (imagem estática, imagem em movimento, sons, escrita

R O
etc.) organiza-se e produz sentido à sua maneira, como diz Lemke

R
ele próprio, mais topológica ou tipológica.7 Isso torna o trabalho

P UTO
com esses novos textos e esses novos letramentos na escola
necessariamente interdisciplinar: não bastam os professores de
línguas e o conhecimento da linguagem verbal (oral ou escrita)

A
– é preciso levar em conta conceitos e funcionamento das artes
(plásticas, da imagem, musical, da performance corporal etc.), pois

O
será preciso pensar o funcionamento de outros sistemas de signos

D
e seus procedimentos de leitura/produção.
Vamos tomar um exemplo de um gênero digital simples: o
meme.8

7. “Começo a acreditar que criamos significação de duas maneiras fundamen-


talmente complementares: (1) classificando coisas em categorias mutua-
mente exclusivas e (2) distinguindo variações de grau (ao invés de tipo) em
vários contínuos de diferença. A linguagem opera principalmente da primei-
ra maneira, que chamo de tipológica. A percepção visual e gestual/espacial
(desenhar, dançar) opera principalmente da segunda maneira: a topológica.
Como já disse, a real criação de significação geralmente envolve combina-
ções de diferentes modalidades semióticas e, logo, também combinações
desses dois modos gerais.” (Lemke 1998, s/p).
8. Na sua forma mais básica, meme é uma ideia propagada na internet, na
forma de um hiperlink, vídeo, imagem, website, hashtag, ou mesmo apenas
uma palavra ou frase. Pode se espalhar por meio das redes sociais, blogs,
e-mails, fontes de notícias e outros serviços, tornando-se geralmente viral.
Pode ser recriado ou reutilizado por qualquer um. Pode permanecer o mes-
mo ou pode evoluir ao longo do tempo, por meio de comentários, imitações,
paródias etc. Podem evoluir e se espalhar rapidamente, chegando às vezes a

142 EDITORA MERCADO DE LETRAS


VA
R O R
P UTO
O A
D
Imagens disponíveis em: http://revistaquem.globo.com/Essa-
E-Nossa/noticia/2014/07/bom-humor-ate-na-derrota-veja-os-
memes-brincando-com-goleada-da-alemanha.html. Acesso
em: 9/8/2014.

Um acontecimento como a Copa do Mundo dá origem


a muitos memes. Filmes que fazem muito sucesso também.
Outros tantos dizeres ou falas (relacionados a acontecimentos de

atingir popularidade em várias partes do mundo e desaparecendo em poucos


dias. Em geral, são distribuídos voluntariamente. (Wikipedia).

Gêneros, entre o texto e o discurso 143


repercussão social) adequados à situação ou contexto das imagens
de base consideradas podem originar outros memes.
Além disso, cabe ainda lembrar que os textos digitais se
organizam hoje quase sempre como hipertextos,9 isto é, apresentam
links que interligam o texto de base a outros textos, imagens e áudios
na internet. Isso é que faz a diferença entre um enunciado/texto

VA
digital multimídia ou hipermídia. Cabe, em primeiro lugar, entender o
que são mídias. Santaella (2003, p. 25) esclarece que:

R O R
P UTO
mídias são meios, e meios, como o próprio nome diz, são
simplesmente meios, isto é, suportes materiais, canais
físicos, nos quais as linguagens se corporificam e através
dos quais transitam. Por isso mesmo, o veículo, meio ou

O A mídia de comunicação é o componente mais superficial,


no sentido de ser aquele que primeiro aparece no
processo comunicativo. Não obstante sua relevância

D
para o estudo desse processo, veículos são meros
canais, tecnologias que estariam esvaziadas de sentido
não fossem as mensagens que nelas se configuram.
Consequentemente, processos comunicativos e formas

9. Segundo a Wikipedia, “hipertexto é o termo que remete a um texto ao qual


se agregam outros conjuntos de informação, na forma de blocos de textos,
palavras, imagens ou sons, cujo acesso se dá através de referências especí-
ficas, no meio digital são denominadas hiperlinks, ou simplesmente links.
Esses links ocorrem na forma de termos destacados no corpo de texto princi-
pal, ícones gráficos ou imagens e têm a função de interconectar os diversos
conjuntos de informação, oferecendo acesso sob demanda às informações
que estendem ou complementam o texto principal. O conceito de ‘linkar’
ou de ‘ligar’ textos foi criado por Ted Nelson nos anos 1960 e teve como
influência o pensador francês Roland Barthes, que concebeu, em seu livro
S/Z, o conceito de ‘Lexia’, que seria a ligação de textos com outros textos.
Em termos mais simples, o hipertexto é uma ligação que facilita a navega-
ção dos internautas. Um texto pode ter diversas palavras, imagens ou até
mesmo sons, que, ao serem clicados, são remetidos para outra página onde
se esclarece com mais precisão o assunto do link abordado”. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hipertexto. Acesso em: 21/07/2014.

144 EDITORA MERCADO DE LETRAS


de cultura que nelas se realizam devem pressupor tanto
as diferentes linguagens e sistemas sígnicos que se
configuram dentro dos veículos em consonância com
o potencial e limites de cada veículo quanto devem
pressupor também as misturas entre linguagens que
se realizam nos veículos híbridos de que a televisão e,

VA
muito mais, a hipermídia são exemplares.

O
Entendendo que mídias são meios (como os impressos, ou

R
P UTO R
a mídia televisiva ou radiofônica analógica – em impulsos elétricos
que se configuram como imagens em movimento ou som –, ou
ainda, a mídia digital), podemos entender que multimídia que dizer
multimeios, ou seja, resulta em um texto que combina, em diferentes
espaços, diversas mídias, o que foi permitido pelo funcionamento digital

O A
– para o qual tudo são números (dígitos) – das TDIC. É o caso de
um portal de notícias, que reserva espaços específicos do site para
cada mídia (vídeos, galerias de fotos, textos – com ou sem imagens

D
inseridas, músicas ou áudios, etc.). Outra coisa é a hipermídia, que
linca em formato hipertextual diferentes mídias em um mesmo
texto matriz.
Cabe também lembrar, como faz Santaella (2003), que as
diferentes mídias podem suportar e veicular – cada uma delas a seu
modo – diversas linguagens. Se o impresso é o reino do estático, isto
é, admite escrita (que não deixa de ser imagem) e imagens estáticas
(tais como desenhos, diagramas, gráficos, mapas, infográficos,
ilustrações e fotografias – que a escola sempre se esqueceu de
trabalhar, como lembra Lemke 1998), as mídias de massa (rádio e
TV) são o reino do fluxo e do movimento, seja do áudio (sons, fala,
música – no rádio), seja da imagem com ou sem áudio (na TV).
A TV e as TDIC são justamente as mídias que admitem todas as
linguagens ou sistemas semióticos combinados ou lincados, e por
isso seus textos são multissemióticos ou multimodais de uma maneira
muito mais variada que no impresso ou no rádio.

Gêneros, entre o texto e o discurso 145


Mas para além do procedimento de reservar espaços para
diferentes linguagens em uma publicação multimídia ou de lincar
diversos arquivos de diversas mídias e linguagens em uma produção
hipermídia, o procedimento mais característico da Web 2.0 e
dos novos letramentos da hipermídia é o remix ou a hibridização:
tomar um texto/enunciado que já lá estava – seja imagem estática,

VA
vídeo ou áudio – e nele interferir, seja inserindo e combinando
outros textos já existentes, seja criando novos textos em cima

R O
dele, modificando-o. E isso, sem pedir licença a autores e editores,

R
simplesmente considerando todos os discursos como seus. O que,

P UTO
no tempo da Mentalidade 1.0 do impresso era considerado plágio.
Esses são os procedimentos centrais de combinação
e apreciação que movem a Web 2.0 hoje e que as Redes Sociais

A
concretizam tão bem.
Mas esses procedimentos híbridos exigem outros para além

O
do simples domínio técnico das ferramentas e apps (de buscas,

D
de edição de textos, de áudio e de imagem e vídeo). É preciso
desenvolver procedimentos eficazes e críticos de busca, seleção
e filtro de informações e textos (curadoria); de parafrasagem e
de paródia por meio de hibridações e remixes que exigem apreciações
críticas eles também.

Multiletramentos – uma pedagogia mirando o futuro

Como vimos, os novos letramentos não se esgotam no mero


uso de TDIC, mas incorporam novas práticas, procedimentos e
sobretudo um novo conjunto de valores (ethos), uma Mentalidade 2.0.
E, em nossa opinião, esse novo conjunto de práticas, procedimentos
e valores – vigentes já hoje na vida pública e privada das pessoas –
tem de ser ao mesmo tempo vivenciado e objeto de reflexão e de
construção de conhecimento crítico por parte da escola.

146 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Mas o conceito de multiletramentos incorpora outros
contornos. Como já dissemos em outros lugares (Rojo 2012,
2013; Rojo e Barbosa 2015), a pergunta que o grupo que propôs o
conceito de multiletramentos (Grupo de Nova Londres), ainda em
1996, se fazia era uma pergunta de interesse também escolar: “O
que é apropriado para todos no contexto de fatores de diversidade

VA
local e conectividade global cada vez mais críticos?” (Grupo de
Nova Londres 1996-2000[2006, p. 10]).

R O Com base nesta pergunta, esses autores incorporam no

R
conceito de multi-letramentos duas multiplicidades: a multiplicidade

P UTO
de linguagens e mídias que acabamos de comentar e a multiplicidade
e diversidade cultural local característica das populações hoje
(García-Canclini 2005, 2006), contraface da globalização.
Para eles, para além de tratar dos textos multimodais ou

O A
multissemióticos próprios hoje das TDIC e dos novos letramentos
– pois esses são os textos e letramentos que hoje circulam e que
circularão amanhã na vida pública e privada de nossos alunos –, a

D
escola também tem de levar em consideração a diversidade cultural
do alunado, ao invés de continuar reafirmando incessantemente a
prioridade da forma, da norma e do cânone. Como dizemos em
outra parte, assumir uma visão desessencializada de cultura(s) que

já não permite escrevê-la com maiúscula – A Cultura –, pois


não supõe simplesmente a divisão entre culto/inculto ou
civilização/barbárie, tão cara à escola da modernidade. Nem
mesmo supõe o pensamento com base em pares antitéticos
de culturas cujo segundo termo pareado escapava a este
mecanicismo dicotômico – cultura erudita/popular, central/
marginal, canônica/de massa – também esses tão caros ao
currículo tradicional que se propõe a ”ensinar” ou apresentar
o cânone ao consumidor massivo, a erudição ao populacho, o
central aos marginais. (Rojo 2012, pp. 13-14)

Ao contrário, levando em conta as diferentes culturas do


alunado, a escola da hipermodernidade deveria ter por norte colocar

Gêneros, entre o texto e o discurso 147


em diálogo essas diversas culturas com o valorizado, o patrimonial,
o canônico, o normativo de que hoje é guardiã quase que exclusiva.
Para isso, esses autores propõem uma pedagogia dos
multiletramentos essencialmente embasada nos letramentos críticos
e na réplica ativa e apreciação de valor dos leitores/produtores. O
diagrama da Figura abaixo dá corpo a essa pedagogia:

VA
Figura 5: Diagrama de uma pedagogia dos multiletramentos

R O R
P UTO
O A
D
Ou seja, para os autores, é claro, é necessário se desenvolver
competências e habilidades técnicas e conhecimento prático de
usuário funcional das novas tecnologias, mas isso não basta para
uma pedagogia dos multiletramentos. É preciso que esse usuário
funcional, que domina ferramentas e programas muitas vezes
antes mesmo de chegar na escola, torne-se também um analista
crítico que faz apreciações sobre as seleções e sentidos dados pelos
produtores de enunciados-textos: um leitor crítico. Somente assim,
este pode se tornar um criador de sentidos, seja na leitura ou na
produção de textos multissemióticos. E é somente como criador
de sentidos e leitor crítico que este aluno poderá “usar o que foi

148 EDITORA MERCADO DE LETRAS


aprendido de novos modos” – éticos e estéticos – transformando
o mar de enunciados de que participa continuamente.
Como vemos, é uma proposta de pedagogia crítica, que
desde de Freire se enraíza em uma longa tradição na escola brasileira.
Como já dito, não se trata de outros objetos de ensino ou de uma
outra “disciplina” que a escola deva incorporar. Trata-se de uma

VA
mudança histórico-social de tecnologias (do impresso e digital) – e
das práticas que por meio dessas se exercem (letramentos) – que

R O
convivem e conviverão por muito tempo e que, por isso mesmo,

R
devem ser incorporadas e dialogar livre e abertamente no currículo.

P UTO
E isso pode ser facilmente feito no bojo das disciplinas já existentes
ou, ainda melhor quando há mais tempo/espaço curricular como é
o caso do Ensino Integral, por meio de uma pedagogia de projetos

A
inter ou transdisciplinares, combinada com outras modalidades de
atividades.

D O Claro está que isso exige salas de aula equipadas com


as TDIC e conectadas e professores formados para os novos
multiletramentos. Mas sobretudo, para tanto, faz-se necessário
complementar a matriz curricular na direção de contemplar os
novos multiletramentos em termos de diversidades de mídias,
linguagens e culturas, de forma articulada com os conteúdos e
expectativas de aprendizagem propostos para as disciplinas e áreas
do currículo. Nesse sentido, cremos que tomar a teoria bakhtiniana
de gêneros discursivos, em especial o conceito de esferas de
atividade/esfera de comunicação como organizador do currículo e
os gêneros discursivos e práticas de linguagem que nelas têm lugar
como objetos de ensino dos letramentos da letra e/ou dos novos
letramentos, neste caso incorporando as TDIC, seria uma maneira
eficiente e já conhecida do professor para viabilizar o que Almeida
chama de Web Currículo.

Gêneros, entre o texto e o discurso 149


VA
R O R
P UTO
O A
D
A 7
O VGêneros, entre o texto e

R
R
P UTO
o discurso: aPontaMentos

A
Sweder Souza
Kátia Bruginski Mulik

D O
Introdução

O gênero textual é um campo de estudo considerado


multidisciplinar e de diversas perspectivas teóricas e metodológicas.
Sendo ele multidisciplinar, iremos nos deparar com diversas
perspectivas que ora apresentam diferenças, ora semelhanças, bem
como novos conceitos a respeito do estudo do gênero. A migração
que ocorre em relação ao conceito é decorrente do gênero perpassar
por diversas áreas, assim “ressignifica seu conceito, abrange novas
metodologias, desenvolve certa autonomia e principalmente discute
novos modelos de estudo” (Souza 2014, p. 1).
As perspectivas entre gênero textual e gênero discursivo
que iremos aqui nos referir têm referenciais teóricos distintos,
mas detém de um mesmo foco: o ensino. Ainda, com outro ponto
em comum de criar uma interação social em que as ações reais de
linguagem se realizem, tais perspectivas divergem nos seus modelos

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 151


teóricos. Essa comparação se dá de modo a refletir os modelos
teóricos em relação à nomenclatura; o levantamento do estudo do
gênero no Brasil, em relação aos estudos nos grupos de pesquisa; a
“imparcialidade” no estudo do gênero e; o um que diz os estudos
da literatura Alemã.

A
No Brasil, os gêneros textuais e discursivos servem como

V
um aparato para o ensino e aprendizagem, a questão é que em
muitas vezes esse aparato vem em segundo plano, não sendo

O R
visto como uma ferramenta essencial no que compete o ensino e

R
aprendizagem, ficando claro que o intuito não é tornar o gênero um

P UTO
objeto de estudo, devido sua “mutação”. Em relação aos estudos
acerca do gênero, entramos na dicotomia gênero textual e gênero
discursivo, que no Brasil toma uma proporção de grande estudo.

O A As noções que acarretam o significado de gênero textual


e discursivo são centradas em um aspecto social da produção

D
linguística. Esse fator social engloba a inúmera variedade de gêneros
textuais existentes, dando a entender certa difusão em relação a
sua identidade, pois os gêneros transitam em diversas instancias
discursivas com eficácia e rapidez.
Para tanto, procuraremos nos ater as questões singulares e
plurais em relação a essa dicotomia entre gênero textual e discursivo,
tentando refletir sobre os aspectos que sustentam essa dicotomia.
Este ensaio pretende então levantar uma discussão que possa servir
como um arcabouço teórico para os estudos da área, levantando
novas questões para o estudo textual e discursivo. Partindo dessa
necessidade de discorrer sobre tal questão sobre os estudos no
Brasil, foi feito um levantamento no Diretório dos Grupos de
Pesquisa do Brasil, para identificar a corrente teórica que prevalece
nos estudos e nas pesquisas atuais, bem como, entraremos na
questão da Linguística Textual, em seu sentido amplo, fazendo uma
breve comparação com os estudos alemães que apresentam certa
imparcialidade na área, compondo um construto epistemológico
do tema aqui proposto.

152 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Gênero: história, teoria, pesquisa e ensino

Na obra de Anis Bawarshi e Mary Reiff, intitulada Gênero:


história, teoria, pesquisa e ensino, os autores abordam a questão histórica
e as perspectivas dos estudos acerca dos gêneros. O foco da obra é

VA
na análise das abordagens utilizadas no ensino da escrita, a fim de
que os professores possam fazer melhor uso dessa ferramenta em

R O
sala de aula.

R
O que chama atenção no decorrer do livro, é que como

P UTO
sabemos da existência da dicotomia entre gênero textual e gênero
discursivo, os autores não se atêm a essa questão, deixando de
lado a terminologia pertinente designada para um e para outro.

A
Certamente os autores traçam um panorama aos diversos conceitos
de gênero e as contribuições dos teóricos acerca dos seus estudos,

O
perspectivas, uso e aplicação em sala de aula para o desenvolver

D
da escrita, com o próprio título menciona. Mas, mais que isso,
Bawarshi e Reiff, mostram que, nas últimas três décadas, houve
uma revolução no modo de se pensar os gêneros, que deixaram de
ser simples categorizações para dar lugar a uma perspectiva que liga
‘variedades de textos a variedades de ação social’, dando certo destaque ao
Brasil e a Austrália.
Vemos por essa pequena definição que os autores levam
em conta as duas visões de gênero (textual e discursivo), ao passo
que na literatura atual, alguns autores parecem querer traçar em
primeira instância um distanciamento entre o texto e o discurso,
distanciamento esse que iremos discutir mais adiante.
Assim, pode-se entender este livro como uma aproximação
dos termos – sabemos que existe essa distinção e muito bem
fundamentada – a preocupação acerca dos estudos do gênero,
é com gênero e não com o texto ou o discurso, mas sim focado
em suas especificidades, e é claro também, que em muitos casos
necessitamos realizar distinção entre texto e discurso dentro do
estudo do gênero, mas não podemos é nos ater a isso deixando

Gêneros, entre o texto e o discurso 153


de lado toda a teoria existente para o gênero que por ora, engloba
tanto o texto como o discurso.
Gênero é social, é físico, é imaterial, é material, é exposto,
é imposto é visível, é invisível, o gênero compõe tudo isso, ao
menos é o que os autores demonstram sem se ater a questão
de nomenclatura. Assim como Faraco (2009) que nos traz um

VA
breve histórico etimológico da palavra Gênero, em que a palavra
gênero remontada à base indo-europeia gen – que significa “gerar”,

R O
“produzir”, e em Latim, relacionado com essa base o substantivo

R
genus, generis tem significado de “linhagem”, “povo”, nação” e o

P UTO
verbo gigno, genitum, gignere tem o significado de “gerar”, “criar”,
“produzir”.
Dessa forma, pela base semântica se desenvolvem a partir de

A
gerar (procriar) e pelos produtos da geração (da produção). A noção
de gênero serve como “uma unidade de classificação, onde reuni

O
entes diferentes com base em traços comuns” (Faraco 2009, p. 2).

D Sobre essa mesma questão, entra a etimologia do termo genre


– gênero textual -, que toma emprestado do Francês, segundo os
autores dessa obra resenhada:

Por um lado, genre remonta, através do termo correlacionado


gender – gênero social -, ao termo latino genus, que se refere
a “espécie” ou “classe de coisas”. Por outro lado, genre,
novamente por meio do correlato gender, pode remontar ao
cognato latino gener, que significa gerar. As diversas maneiras
como o termo gênero tem sido definido e usado na história
refletem sua etimologia. Em diversos momentos e em diversas
áreas de estudo, o termo gênero foi definido e utilizado
principalmente como uma ferramenta classificatória, um
jeito de dividir e organizar espécies de texto e outros objetos
culturais. Porém, ultimamente e, de novo, em diversas áreas de
estudo, o gênero passou a ser definido menos como modo de
organizar tipos de texto e mais como um poderoso formador
de textos, sentidos e ações sociais, ideologicamente ativo e

154 EDITORA MERCADO DE LETRAS


historicamente cambiante. Nessa perspectiva, os gêneros
são entendidos como formas de conhecimento cultural que
emolduram e medeiam conceitualmente a maneira como
entendemos e agimos tipicamente em diversas situações. Essa
concepção reconhece que os gêneros tanto organizam como
geram espécies de textos e ações sociais numa complexa e

VA
dinâmica relação recíproca. (Bawarshi e Reiff 2013, p. 16)

O
Ainda no segundo capítulo do livro que é intitulado Gênero

R
P UTO R
nas tradições literária, Bawarshi e Reiff delineiam as várias formas e
trajetórias pedagógicas pelas quais passou o ensino de gêneros, e
mais ainda, analisam as abordagens que vão desde as neoclássicas
até a dos estudos culturais, mostrando que algumas delas, segundo
os autores, mantêm atitudes ‘bipolares’ disseminadas culturalmente

O A
a respeito dos gêneros, ora tidos como objetos meramente
estéticos ou com restrições à liberdade artística, enquanto outras,
mais recentes, seriam mais amplas e alinhadas com os estudos

D
linguísticos de gênero.
Os autores tecem ainda sobre a abordagem sistêmico-
funcional e sua ampla contribuição para o ensino de língua nas
últimas décadas. Essas abordagens, baseadas principalmente nos
estudos de Halliday (1978), ficaram conhecidas como ‘Escola
de Sidney’ e mostram, dentre outras contribuições, a ideia de
registro, em que há a relação de um tipo de situação com padrões
semânticos e léxico-gramaticais. Essas contribuições consideram
os gêneros como processos sociais, ligados ao contexto de cultura
dos indivíduos. Há, ainda neste capítulo, a análise dos gêneros
dentro da linguística histórica/de corpus, com enfoque na chamada
‘teoria dos protótipos’, para descrever a variação de traços que
constituem os diferentes gêneros acadêmicos e profissionais, e
como os gêneros são capazes de mediar relações de poder histórica
e linguisticamente.
Para os autores, a pesquisa de gêneros no Brasil é importante,
pois consegue sintetizar diversas tradições, particularmente a teoria

Gêneros, entre o texto e o discurso 155


do interacionismo sociodiscursivo, calcada em Bakhtin, Vygotsky,
Foucault, Dolz, Schneuwly e outros teóricos, contribuindo para
melhor compreender o funcionamento geral dos gêneros.
Ainda em estudos retóricos acerca do gênero os autores
apresentam uma extensa análise de como os conceitos do ERG
têm ampliado a compreensão dos gêneros como ações sociais.

VA
Nesta parte da obra, há a introdução de novos conceitos: conjuntos
e sistemas de gêneros, gêneros e cognição distribuída, metagêneros

R O
e gênero e sistemas de atividades, dentre outros, sempre numa

R
perspectiva de que os gêneros só ocorrem e adquirem sentido se

P UTO
estiverem em contextos.
Na parte do sistema de atividades, o contexto é a sala de
aula, tornando a teoria mais palpável ao professor. Há uma pequena

A
conclusão que parte da compreensão dos gêneros como rica
ferramenta para o estudo das atividades humanas, enquanto traz o

O
desafio de como ensinar gêneros fazendo jus à sua complexidade.

D Nas ideias de gênero a partir das abordagens românticas e


pós-românticas, entram Blanchot e Derrida. Por um lado, a ideia de
Blanchot de a literatura se transforma em um domínio transcendental
que existe fora e além da capacidade do gênero de classificar e
esclarecer ou estruturar textos, por outro, Derrida se apega a certa
contradição nas palavras de Blanchot sobre a autonomia do texto
e a relação com a literatura. Derrida tece a respeito de que “assim
que a palavra gênero é pronunciada, assim que ela é ouvida, assim
que alguém tenta concebe-la, um limite é traçado. E quando se
estabelecem limites, normas e interdições não estão muito longe”
(Derrida 2000, p. 221, apud Bawarshi e Reiff 2013, pp. 36-37).
Ainda que os textos não pertencem ao gênero, e sim participam
de um gênero, ou de diversos gêneros, simultaneamente, onde
Derrida sugere que os gêneros não seriam a priori categorias que
classificam, esclarecem ou até mesmo estruturam os textos, mas
são continuamente reconstituídos mediante performances textuais
(Threadgold 1989, p. 115, apud Bawarshi e Reiff 2013 p. 37).

156 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Gêneros do texto x gêneros do discurso

O conceito de texto segundo Ricoeur (1986) refere-se a


todo o discurso fixado pela escrita; para Harweg, que foi um dos
pioneiros da Linguística Textual na Alemanha, o texto representa

VA
um “uma sucessão de unidades linguísticas constituída por uma
cadeia de pronominalizações ininterruptas” (apud Koch 1997,

R O
p. 70); Schmidt (1973) remete a perspectiva do texto sendo ele

R
qualquer expressão de um conjunto linguístico em um ato mais

P UTO
global de comunicação; Halliday e Hasan (1976) defendem a ideia
de texto como sendo uma unidade da língua em uso, deixando de
lado o seu tamanho e considera-o como uma unidade semântica

A
que se relaciona como uma unidade relativa ao seu ambiente;
Beaugrande e Dressler (1981) na obra intitulada Einführung in die

O
Textlinguistik, o texto é uma ocorrência linguística que obedece

D
a sete critérios de textualidade que são: a coesão, coerência,
intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situacionalidade
e intertextualidade;1 para Koch (2002) o texto é visto como
um manifesto verbal constituído por elementos linguísticos
selecionados pelos falantes “durante a atividade verbal, de modo
a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de
conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos
e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou
atuação) de acordo com práticas socioculturais” (Koch 2002, p.
73); e Orlandi define texto como “uma peça de linguagem, uma
peça que representa uma unidade significativa” e ainda que:

Passando, pois, para a minha filiação teórica específica, eu diria


que as palavras não significam em si. É o texto que significa.

1. Esse conjunto chamado de textualidade, na perspectiva dos autores, remon-


ta a Linguística Textual, a qual o texto era o único objeto de estudo, sem dar
conta do extralinguístico.

Gêneros, entre o texto e o discurso 157


Quando uma palavra significa é porque ela tem textualidade,
ou seja, porque a sua interpretação deriva de um discurso que
a sustenta, que a provê de realidade significativa. É assim que,
na compreensão do que é texto, podemos entender a relação
com o interdiscurso, a relação com os sentidos (os mesmos
e os outros). Mas posso chegar mais perto daquilo que é

VA
minha proposta na análise da linguagem: o texto é um objeto
histórico. Histórico aí não tem o sentido de ser o texto um
documento, mas discurso. Assim, melhor seria dizer: o texto é

R O R
um objeto linguístico-histórico. É a partir dessa definição que
tenho procurado entender o que é o texto para a análise de

P UTO discurso francesa. (Orlandi 1995, pp. 111-112)

Para tanto, o de discurso é definido por Van Dijk, com

A
viés cognitivo, compreendendo que “o discurso é, antes de mais
nada, um dos principais meios, uma das principais condições das

O
‘mentes’ que os membros sociais têm em comum” (Van Dijk 1997,

D
p. 123); Para Fiorin, o discurso “é produto de uma enunciação,
que é realizada por um dado sujeito, num dado tempo e num
determinado lugar. Por isso, o discurso é integralmente linguístico
e integralmente histórico” (Fiorin 2007, p. 2); Para Pêcheux o
discurso é uma determinada forma de materialidade (histórica e
linguística) diretamente imbricada com a materialidade ideológica;
Orlandi o define em seu sentido mais amplo como “efeito de sentido
entre locutores” (Orlandi 1994); Bakhtin nos traz o conceito de
discurso como uma prática da linguística que consiste em analisar a
estrutura de um texto, e, a partir disto compreender as construções
ideológicas presentes no mesmo., sendo o discurso em si é uma
construção linguística atrelada ao contexto social no qual o texto é
desenvolvido e; de acordo com Marcuschi (2003, p. 24), discurso “é
aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instância
discursiva. Assim, o discurso se realiza nos textos”, bem como o
discurso está situado nas ações sociais e históricas e “diz respeito
aos usos coletivos da língua que são sempre institucionalizados,
isto é, legitimados por alguma instância da atividade humana
socialmente organizada” (Marcuschi 2006, p. 24).

158 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Como podemos ver, os estudos do texto e do discurso
criaram diferentes objetos teóricos, porque cada um deles se dedica
a um aspecto dessa realidade “multiforme e heteróclita” que é a
linguagem (Fiorin 2007). Assim, os conceitos em relação ao texto
e ao discurso são diversos, muitos autores tendem a distinguir texto
de discurso e se atem a esses conceitos de forma a transparecer que

VA
querem separa-los definitivamente, fazem essa distinção com base
no suporte escrito ou oral que cada termo se fixa, pelo que no texto

O
seriam privilegiados os aspectos do contexto, que seria a coesão e

R
P UTO R
a coerência ao passo que para o discurso, pela sua interatividade
social, é privilegiado o aspecto contextual.
Para Koch (1997) a área da Linguística Textual já atingiu certa
maturidade em relação ao seu campo de atuação, e que a sua origem
remonta a Cosériu, sendo “empregado pela primeira vez, com o

A
sentido que possui hoje em dia, por Weinrich (1966, 1967)”, ainda
que seja uma ciência em formação e que as questões terminológicas

O
em relação às abordagens tenham mais convergências que

D
divergências, supõe que “em alguns anos os conceitos da LT se
encontrem estabelecidos de forma mais ou menos consensual” o
que demonstra hoje, é que ainda é um campo em construção e que
existem não divergências e convergências, mas sim, pontos de vista
distanciados em relação ao texto e ao discurso.
Dessa forma, foi feito um levantamento em relação aos
gêneros textuais e gêneros discursivos, no Diretório de Grupos de
Pesquisa do Brasil, onde podemos perceber que alguns grupos de
pesquisa abordam as duas temáticas dentro de um mesmo grupo, se
mostrando entrelaçados, mas suas singularidades ainda prevalecem
no que compete seus projetos internos desenvolvidos.

Panorama dos Grupos de Pesquisa do Brasil

Da necessidade de fazer um mapeamento sobre a perspectiva


no Brasil, para podermos discutir acerca dessas questões que
propomos aqui, foi feita a coleta de dados que se deu através da página
dos Diretórios de Grupo de Pesquisa do CNPq, e teve como delimitação

Gêneros, entre o texto e o discurso 159


apenas a coleta de dados de grupos dentro da grande área de
Linguística, Letras e Artes, atualizados e certificados cujas atualizações
se deram há menos de doze meses - conforme é solicitado aos líderes,
para que o grupo não fique desatualizado - e pesquisado a partir das
palavras-chaves - consulta parametrizada - Gêneros Textuais e Gêneros
Discursivos de grupos atuantes entre 1996 até 2014 - nenhum grupo foi

VA
contabilizado dubiamente. Ainda foi analisado Grupo de Trabalho em
Gênero Textual/Discursivo, da ANPOLL.

R O A primeira busca se deu através da palavra-chave Gêneros

R
Textuais que totalizou vinte e sete grupos encontrados, onde

P UTO
apenas doze concentram seus estudos acerca do estudo do
gênero – incluindo os que apareciam se tratando de gênero textual
e discursivo no mesmo grupo e/ou só de gênero discursivo. O
restante dos grupos estava desatualizado há mais de doze meses,

A
ou se encontravam em outras áreas e/ou não constava estudos
relacionados ao gênero.

O Apenas um grupo aborda a questão Gênero Textual e

D
Discursivo (Núcleo de Estudos em Linguística Aplicada – NELA
– UFSC), na pesquisa por Gênero Textual; três grupos aparecem
estudando Gênero Discursivo (Leitura-Escrita do Verbal ao Visual –
UECE; Práticas Linguísticas Diferenciadas – UFRN; História do
Português Paulista – Unesp); e do total, apenas quatro estudam ao
que compete ao gênero em suas características textuais. No quadro
1 pode ser visto os grupos de pesquisas que trabalham com o viés
textual em relação ao gênero.

Quadro 1 – Busca Parametrizada por Gênero Textual

Gêneros Textuais

Estudos de gêneros discursivos e Práticas Socais de Linguagem

Grupo de Estudo e Pesquisa Linguagem Leitura e Letramento

Educação linguística: língua, gênero e estrutura textual (ELIGET)

Grupo de Estudos Linguísticos São Bento

160 EDITORA MERCADO DE LETRAS


No segundo momento a busca foi realizada pela palavra-
chave Gênero Discursivo utilizando os mesmos critérios da busca
anterior, totalizando quarenta e cinco grupos encontrados,
dentre estes, dezenove não estavam dentro da área de Linguística,
Letras e Artes e/ou não apresentavam estudos do gênero ou não
travam diretamente das questões de gênero. Assim, três grupos

VA
apresentaram pesquisas também em gêneros textuais (LITERGE
– UEPB; projetos pedagógicos para leitura e produção de

O
gêneros discursivos – INITAU; GPET – UERN); quatro grupos

R
P UTO R
apresentavam suas pesquisas em gênero textual (TRADICE –
UFC; Grupo de Estudo e pesquisa linguagem, leitura e letramento
– UEPB; Língua, discurso e interação de gêneros discursivos –
UNITINS; Letramento e etnografia – UFRN).
Os grupos que tratam do gênero discursivo tratavam das

A
questões textuais tais como os processos de construção do texto,
mas não a ponto de compor uma “identidade” para se chamar de

O
gênero textual ou de texto, mas sim gênero discursivo. No quadro

D
2 pode ser visto os grupos de pesquisa que se atém a pesquisa em
gêneros discursivos.

Quadro 2 – Busca Parametrizada por Gêneros Discursivos

Gêneros Discursivos
Projetos pedagógicos para leitura e produção de gêneros Discursivos
Linguagem, Gêneros Discursivos e Leitura
Grupo de Pesquisas em Linguagem, Enunciação e Interação – GPLEI
Linguagem, Cultura e Ensino
Práticas de linguagem em sala de aula
Práticas linguísticas diferenciadas
Letramento e Etnografia
Narrativas, Mídias e Discursos
Diversidade Cultural, Linguagem, Mídia e Educação
NEAC – USP Núcleo de Estudos em Análise Crítica do Discurso
Língua, discurso e interação em análise de gêneros discursivos

Gêneros, entre o texto e o discurso 161


Linguística Aplicada e Comunicação Social: Estudos interdisciplinares
Grupo de Estudos Linguísticos e de Letramento

Linguagem como prática social: analisando interações, gêneros do discurso e


estilos Sociolinguísticos

Estudos de gêneros discursivos e Práticas Socais de Linguagem

VA
Estudos em Linguística e Linguística Aplicada: linguagem, sociedade e cognição
Linguagem como Prática Social

R O R
Gêneros Discursivos e formação de professores – GEDFOR

P UTO O Grupo de Trabalho (GT) Gêneros Textuais/Discursivos,


vinculado a ANPOLL, aborda questões que perpassam tanto o

A
campo textual, quanto o discursivo. Em sua descrição pontos como
“área de estudos das formas de comunicação”, “enunciados”,

O
“atividades sociais” remete-nos as visões de Bakhtin em relação ao

D
seu estudo com os gêneros discursivos.
De maneira geral o levantamento feito no GT da ANPOLL,
pelo próprio título, pela sua descrição e ainda pelo relatório de
gestão de 2010-2012,2 vemos que a divisão é clara, quando são
apresentados os projetos dos membros que compõem o GT, a
diversidade ao tratar de gênero textual e discursivo, é relativamente
ampla. No quadro 3 podemos ver os grupos que trabalham com
ambas perspectivas.

Quadro 3 – Grupos de Pesquisa em Gêneros Textuais e Discursivos

Gêneros Textuais e Discursivos


Núcleo de Estudos em Linguística Aplicada - NELA
TRADICE - Tradições Discursivas do Ceará

2. Para mais informações acessar o documento em: http://anpoll.org.br/gt/ge-


neros-textuais-discursivos/wp-content/uploads/sites/15/2013/03/GT-G%-
C3%8ANEROS-TEXTUAIS-DISCURSIVOS-RELAT%C3%93RIO-DA-
GEST%C3%83O_-2010-2012_mmf.pdf.

162 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Grupo de Pesquisa em Estudos do Texto e do Discurso - GETED
Grupo de Pesquisa em Produção e Ensino de Texto - GPET
Projetos pedagógicos para leitura e produção de gêneros Discursivos
Linguagem, Interação, Gêneros Textuais e ou Discursivos - LITERGE

A
A pesquisa no Diretório de Grupos de Pesquisa foi realizada

V
em junho de 2014 e como mencionados os critérios adotados para
a coleta dos dados foram restritos a grupos atualizados, isso não

O R
quer dizer que os que estejam desatualizados não estejam ativos.

R
P UTO
Para tanto, o que se propôs com esse levantamento foi evidenciar
a proporção dos estudos que são realizados atualmente e que,
realmente existem grupos de estudos que separam as perspectivas,
bem como trabalham com ambas. E evidentemente o maior

O A
número de estudos são na perspectiva discursiva, como podemos
ver pelo levantamento.

D
Mesmo pela divisão dos grupos, os estudos do gênero
textual podem ser vistos junto aos estudos discursivos, como nos
grupos que trabalham com ambos. Ainda, a ANPOLL se atém aos
dois em um mesmo GT, poderia ter os dois separadamente, mas
acreditamos que não existe essa real necessidade, uma vez que o
foco de estudo toma o mesmo caminho, a preocupação com o
ensino independente de perspectiva teórica.

Estudos textuais

A partir dessa breve resenha do livro, achamos pertinente


trazer questões dos estudos alemães, para compor a discussão que
aqui propomos. A consideração da obra de Bawarshi e Reiff nos
mostra a imparcialidade em relação ao texto e ao discurso, visando
apenas o “objeto” gênero em questão, e a partir do desenvolvimento
das questões suscitadas na obra, e das anteriormente levantadas

Gêneros, entre o texto e o discurso 163


temos ao nosso entendimento que seria então na metade do século
XX que o discurso se torna um “chavão” na área da linguística,
com a popularidade da nomenclatura, mesmo sendo de grande
importância, tal problema não afeta o sistema da linguagem, mas
em uma análise mais ampla a respeito do discurso, como vemos
na citação de Bussmann, a um trabalho na Filozofická Fakulta

V
(1990):
A
Masarykovy Univerzity, proposto pela professora Anna Mikulová

R O R
Diskurs ist ein der angloamerikanischen Forschung

P UTOübernommener Oberbegriff für verschiedene Aspekte von


Text; Diskurs als zusammenhängende Rede, als geäußerter
Text (z.B. im Unterschied zu Text als formaler grammatischer

A
Struktur); Diskurs als kohärenter Text, Diskurs als vom
Sprecher für einen Hörer konstituierter Text; Diskurs als

O
Ergebnis eines interaktiven Prozesses im soziokulturellen

D
Kontext. (Bussmann 1990, p. 189)

Se analisarmos brevemente a literatura Alemã, tendo em


vista que foi a precursora nos estudos do gênero, e mesmo que
fossemos mais afundo, encontraríamos através dos trabalhos
atuais da área, certa imparcialidade em questões da nomenclatura,
vemos que, ambos os termos andam juntos, não deixando de lado
a distinção de gênero textual e discursivo, mas transparecem mais
convergências com os termos do que em relação aos seus estudos.
O excerto da pesquisa acima, nos traz o discurso em uma
pesquisa anglo-americana, que adquiriu um termo genérico para
vários aspectos do texto e do discurso, aparecendo por trás do
texto em relação a certa estrutura formal. Mas sabemos que hoje
texto compõe muito mais que aspectos formais, como se verifica
na retrospectiva apresentada por Koch:

[...] desde seu aparecimento até hoje, a Linguística Textual


percorreu um longo caminho, ampliando a cada passo seu

164 EDITORA MERCADO DE LETRAS


espectro de preocupações. De uma simples análise transfrástica,
logo acompanhada das tentativas de elaboração de gramáticas
textuais, passou a ter como centro de preocupação não apenas
o texto em si, mas também todo o contexto – no sentido mais
amplo do termo (situacional, sociocognitivo e cultural) – e a
interferência deste na constituição, no funcionamento e, de

VA
modo especial, no processamento estratégico interacional dos
textos, vistos como a forma básica de interação por meio da
linguagem. (Koch 2001, p. 451)

R O R
P UTO
Na Alemanha os estudos que dão conta do texto e do discurso,
atravessam as barreiras das distinções entre gênero textual e gênero
discursivo, eles se atêm a englobar as duas áreas em um estudo
que capacite e melhore a análise textual. A esse ponto entramos na

A
questão de que parece que os estudos da Linguística Textual (LT),
não foram superados ainda, ou seja, parece haver resistência de

O
que a LT já superou as barreiras desde sua ressignificação de ficar

D
apenas no texto e no seu interior.
A partir dos estudos do texto e de sua concepção, é
necessário salientar o conceito de texto, adotado pela perspectiva da
LT, em relação a sua base, pois devido a problemas terminológicos
e difusões em relação ao que é texto e discurso, faz com que as
concepções da LT ora se afastem ora se aproximem. Na década de
60 a LT propõe uma concepção de texto, diferente do que se tem,
ultrapassando limites, pois a compreensão que se tem até então não
dá conta e não explica certos fatores textuais.
O ponto de partida dessa questão terminológica se dá nos
termos utilizados ora por um autor, ora por outro em relação a
texto e discurso, pois novamente com essa questão, ora os termos
se aproximam, ora se afastam. Assim como Bonilla (1997) em
seu estudo da obra de Beaugrande e Dressler (1997) afirma haver
um desacordo em relação ao uso do termo texto, pois o que uns
linguistas chamam de texto, outros chamam de discurso e vice-versa.
A explicação mais coerente para todo esse desentendimento vem

Gêneros, entre o texto e o discurso 165


do princípio de que os autores alemães e holandeses, não possuíam
uma terminologia que pudesse distinguir os dois conceitos, assim
optaram pelo uso de texto pois abrangeria as duas concepções.
Como vemos, alguns autores entram na questão de texto e
discurso e assim como na época do surgimento dessa dicotomia,
alguns autores reconheciam a confusão terminológica, como

A
Bronckart:

V
R O R
Para tentar escapar dessa confusão, tomamos as seguintes

P UTO
decisões teóricas e terminológicas: chamamos de texto
toda unidade de produção de linguagem situada, acabada e
autossuficiente (do ponto de vista da ação ou da comunicação).
Na medida em que todo texto se inscreve, necessariamente

A
em um conjunto de textos ou em um gênero, adotamos a
expressão gênero de texto em vez de gênero de discurso.

D O (1999, p. 75)

O mesmo para Koch:

[...] é licito concluir, portanto, que o termo texto pode ser


tomado em duas acepções: texto, em sentido lato, designa
toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser
humano, isto é, qualquer tipo de comunicação realizada
através de um sistema de signos. Em se tratando de linguagem
verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um
falante, numa situação de comunicação dada, englobando um
conjunto de enunciados produzidos pelo locutor, e o evento
de sua enunciação. O discurso é manifestado linguisticamente,
por meio de texto (em sentido escrito). Nesse sentido o
texto consiste em qualquer passagem, falada ou escrita, que
forma um todo significativo, independente de sua extensão.
Trata-se, pois, de uma unidade de sentido, de um continuo
comunicativo contextual que se caracteriza por um conjunto
de relações responsáveis pela tessitura do texto [...]. (2005, p.
26)

166 EDITORA MERCADO DE LETRAS


É necessário o entendimento de texto como uma entidade
mais geral, que se entende por qualquer produção de linguagem
situada, seja oral ou escrita. Ainda segundo Koch (2005) em
Desvendando Os Segredos Do Texto, deixa claro que é necessário levar
em consideração as concepções que se em de língua e de sujeito. E
ainda Marcuschi (2003) leva em conta as duas concepções, como

A
complementares, definindo o discurso como

V
R O R
“aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma
instância discursiva. Assim, o discurso se realiza nos textos”,

P UTO bem como o discurso está situado nas ações sociais e históricas
e “diz respeito aos usos coletivos da língua que são sempre
institucionalizados, isto é, legitimados por alguma instância da

A
atividade humana socialmente organizada”. (Marcuschi 2006,
p. 24)

D O Assim como mencionado anteriormente, Faraco (2009) a


noção de gênero serve como “uma unidade de classificação, onde
reuni entes diferentes com base em traços comuns” (Faraco 2009,
p. 2), trazendo a noção de gênero como função de uma unidade
de classificação, reunindo entes diferentes com base em traços
comuns. Se partirmos para essa questão, que gênero acarreta bases
e traços comuns, porque a distinção ou dicotomia entre gênero
textual e discursivo se gênero acarreta bases e traços comuns?

Considerações finais

A partir do que desenvolvemos neste artigo, constatamos


que a pesquisa de gêneros no Brasil é vasta e de extrema importância,
principalmente para o ensino e aprendizagem de línguas, uma vez
que auxilia a compreendermos a realidade do contexto educacional
brasileiro e sabermos deus déficits.

Gêneros, entre o texto e o discurso 167


Retomando então as questões textuais, de acordo com
Beaugrande (1997 apud Marcuschi 2008, p. 89), pode-se dizer
que “um texto não existe, como texto, a menos que alguém o
processe como tal”, bem como “o texto é um evento comunicativo
em que convergem ações linguísticas, cognitivas e sociais”. É
possível conceber o texto como “uma entidade concreta realizada

VA
materialmente e corporificada em algum gênero textual”, e também
“os textos realizam discursos em situações institucionais históricas,

R O
sociais e ideológicas” e, portanto, “os textos são acontecimentos

R
discursivos para os quais convergem ações linguísticas sociais e

P UTO
cognitivas” (Marcuschi 2003, p. 24); é imprescindível observar que
“todos os textos se realizam em algum gênero” (Marcuschi 2008,
p. 176).

A
A respeito dessa proximidade que pode ser vista, Rojo
(2005) diz que

D O ambas as vertentes encontravam-se enraizadas em diferentes


releituras da herança bakhtiniana [referência a Bakhtin e sua
obra “Estética da criação verbal”], sendo que a primeira –
teoria dos gêneros do discurso – centrava-se sobretudo no
estudo das situações de produção dos enunciados ou textos
e em seus aspectos sócio-históricos [os autores de referência
eram o próprio Bakhtin e comentadores como Faraco] e
a segunda – teoria dos gêneros do texto -, na descrição da
materialidade textual [os autores de referência eram Bronckart,
Adam entre outros]. (Rojo 2005, p. 185)

Assim, os termos “gênero textual” e “gênero discursivo”


são considerados equivalentes por muitos autores. Na teoria de
Mainguenau (2008), por exemplo, não há lugar para essa distinção,
tendo em vista ser impossível separar “texto” de “gênero”, e que
todo “texto” é “o texto de um gênero de discurso”. Segundo
Fairclough (2001), qualquer evento discursivo é considerado
simultaneamente um texto, um exemplo de prática discursiva e um
exemplo de prática social.

168 EDITORA MERCADO DE LETRAS


A origem da dicotomia sobre a nomenclatura por falta de
vocabulário acarretou em dar novos sentidos para a mesma área de
estudo, assim embora saibamos que são duas vertentes diferentes,
existem singularidades, bem como se entrelaçam em algum
momento da história da área.
Há distinções entre gênero textual e discursivo, de acordo

VA
com cada perspectiva seguida, a questão que gera dúvida é se
ater somente a dissociados, sem os entrelaçarem e verem em

R O
suas especificidades que independente de perspectiva teórico-

R
metodológica, o gênero textual ou discursivo, acarreta grande valor

P UTO
no ensino.
Encerrando em Bakhtin, vemos que o texto constitui a
realidade imediata para que se possa estudar o homem social e a
sua linguagem, já que sua constituição bem como sua linguagem é

O A
mediada pelo texto, e é através do texto que o homem exprime suas
ideias e sentimentos. Assim, podemos dizer que essa concepção
de texto vai ao encontro da concepção de enunciado, por recobrir

D
“um só fenômeno concreto”.
Voltando as questões do início deste trabalho, o texto para
Bakhtin é a unidade, o dado (realidade) primário e o ponto de
partida para todas as disciplinas do campo das ciências humanas,
apesar de suas finalidades científicas diversas. Assim, o conceito de
texto, na perspectiva de Bakhtin, seria o enunciado, devendo ele
ser analisado na sua integridade concreta e viva (considerando os
aspectos sociais como parte constitutiva) e não como objeto da LT.
Com isso, entendendo a significativa evolução da LT, onde
a legitimidade do estudo do texto não é mais vista como fenômeno
puramente linguístico ou textual, mas sua orientação caminha para
outra direção, podemos assim identificar certa proximidade entre
essas questões que permeiam a área dos gêneros.
Podemos ver que a ideia de texto segue uma perspectiva
diferente da ideia de enunciado, proposta por Bakhtin, assim,
parece haver consonância entre uma definição e outra, mesmo que
haja diferenças de perspectiva e questões teóricas, a isso podemos

Gêneros, entre o texto e o discurso 169


perceber que entre as duas questões abordadas neste trabalho
parecem sim existir algum entrelace. Para tanto, o que propomos
aqui foi apenas uma discussão inquieta sobre algumas questões
da referida área, a fim de refletir sobre algumas evidências de que
ambas as perspectivas não estão tão separadas como podemos
imaginar.

VA
R O R
P UTO
O A
D

170 EDITORA MERCADO DE LETRAS


VA
R O
Seção II

R
GÊNERO E PRÁTICA SOCIAL

P UTO
O A
D
VA
R O R
P UTO
O A
D
A 8
O VGênero e PrÁtica social: coMo a rede

R
R
P UTO
GloBo inVenta uMa identidade PositiVa a
Partir do ProGraMa “o saGrado”

O A Vanessa Arlésia de Souza Ferretti-Soares


Adair Bonini

D
Introdução

A Análise Crítica de Gênero (ACG), em suas várias


proposições (Meurer 2002, 2005; Bhatia 2004, 2008; Motta-Roth
2008; Bonini 2010, 2013), tem sido pensada como um composto
teórico que toma por base a perspectiva crítica do discurso aberta
por Norman Fairclough (1992, 2003). A ela se acrescenta uma
teoria de gênero (sociorretórica, sistêmico-funcional, dialógica,
etc.), de modo que o gênero passa a ser lido como parte da semiose
social e como instância de realização da prática social.
Como a ACD, a Análise Crítica de Gênero (ACG) também
trabalha na interface entre a Linguística aplicada e a Ciência social
crítica. O termo “crítico” remete ao posicionamento teórico
marxista, principalmente, às relações de poder e exploração entre
grupos, explicadas, nesse caso, especialmente através do conceito

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 173


de hegemonia de Gramsci (Cadernos do Cárcere). A ACG aborda
o gênero em contexto, como parte da prática social, com reflexão
engajada quanto à reprodução ou mudança das práticas desiguais.
Nesse capítulo, analisamos o gênero interprograma
(O Sagrado) e o modo como ele é organizado e constituído
tematicamente como componente do conjunto das práticas de

A
propaganda institucional indireta da Rede Globo.

V
R O R
Análise crítica de gênero como prática de liberdade

P UTO Nessa pesquisa adotamos, como balizamento teórico,

A
a vertente da ACG proposta em Bonini 2013, que estamos aqui
denominando de uma ACG libertária, por sua relação com a obra

O
de Paulo Freire. Nesse artigo de 2013, Bonini expõe uma proposta

D
teórico-metodológica composta por três eixos: 1) o conceito
de discurso como momento da prática social proveniente de
Fairclough 2003, 2) o conceito de gênero e a dinâmica dialogal da
linguagem como explicada por Bakhtin (1952-1953[2003]), e 3) os
conceitos de transitividade crítica, dialogação e autogoverno, como
propostos por Paulo Freire (1967).
Um dos pontos centrais da ACG é o caráter assumidamente
crítico para a análise do gênero discursivo. Assim, a abordagem dos
conceitos bakhtinianos se dá “como parte de discussões em torno
de um problema social” (Bonini 2010, p. 490), buscando intervir
nesse problema por meio de sua explicitação e tematização.
A ação dos sujeitos constituídos social e discursivamente
se centra na realização da prática social. Segundo Chouliaraki e
Fairclough (1999), práticas sociais são, especificamente,

[...] maneiras habituais, em tempos e espaços particulares, pelas


quais pessoas aplicam recursos – materiais e simbólicos – para

174 EDITORA MERCADO DE LETRAS


agirem juntas no mundo. Práticas são constituídas ao longo
da vida social - nos domínios especializados da economia e da
política, por exemplo, mas também no domínio da cultura,
incluindo a vida cotidiana. (Chouliaraki e Fairclough 1999, p. 21)

Assim, a prática social, como maneira habitual de agir em

VA
conjunto, é constituída tanto de discurso/semiose, quanto de atividade
material, fenômeno mental e relações sociais (Chouliaraki e Fairclough

R O
1999). O gênero como componente do discurso corresponde a

R
formas de agir pela linguagem, sendo um dos elementos através

P UTO
dos quais as práticas são reproduzidas ou mudadas. Optamos pelo
conceito de gênero de Bakhtin, pois acreditamos que a ação do
sujeito na linguagem ocorre via enunciados que, dialogicamente,

O A
ecoam enunciados já ditos e pré-configurados.
Na explicação de Bakhtin (1952-1953[2003]), um gênero
é um tipo relativamente estável de enunciado – “a unidade real

D
da comunicação discursiva” (Bakhtin 1952-1953[2003 p. 269])
– constituído por: a) tema, ou seja, aquilo que diz respeito ao
domínio de sentido que o gênero abarca; b) estrutura composicional,
ou seja, aquilo que se refere à determinada unidade da composição,
determinados tipos de construção do conjunto, tipos de relação do
falante com outros participantes da comunicação discursiva e c)
estilo, isto é, as escolhas do âmbito lexical, fraseológico e gramatical
em função da imagem do interlocutor e de como se presume sua
compreensão responsiva ativa do enunciado.
Acreditamos na dinâmica dialogal, mas, para além de
uma perspectiva relativista quanto às ideologias e valores, nos
centramos na história, defendendo a necessidade de o pesquisador
se posicionar e, portanto, construir, como sujeito social, um senso
de justiça e de coletividade. Valorizamos a pluralidade de vozes,
mas também encampamos a tese de que o debate e a mudança
exigem a opção por discursos desmistificadores e favorecedores do
governo do povo.

Gêneros, entre o texto e o discurso 175


Se os gêneros mais ou menos estáveis reproduzem a prática
social, não é a estabilidade, por si só, um elemento essencialmente
reprodutor da desigualdade. Um argumento nesse sentido é o de que,
se observarmos a estabilidade em seu contrário, não necessariamente
veremos a mudança social. Transformações no gênero nem
sempre revelam formas não reprodutoras da prática desigual. A

VA
tecnologização do discurso, por exemplo, consiste justamente no
deslocamento do gênero de um lugar social habitual para outro,

R O
de modo a ganhar potência e uso estratégico nas corporações em

R
práticas quase sempre impositivas (exemplos são o telemarketing e

P UTO
as inúmeras formas de promoção pela mixagem de gêneros – o que
é também o caso do programa O Sagrado, aqui analisado).
A base teórica para essa posição é o entendimento de que

A
estrutura social e discurso mantêm uma relação dialética. Conforme
apontam a Teoria da Estruturação do sociólogo Giddens (1989) e

O
a perspectiva do Realismo Crítico,1 há uma dualidade ontológica na

D
estrutura social que a torna o meio e o resultado de práticas sociais. Assim,

[...] ações localizadas são responsáveis pela produção e


reprodução ou transformação da organização social. Por
isso, mantém-se a possibilidade tanto de intervir em maneiras
cristalizadas de ação e interação quanto de reproduzi-las.
(Resende e Ramalho 2006, p. 41)

Então, se por um lado, as estruturas influenciam os eventos


sociais, estes também as constituem e o ponto de ligação entre

1. Segundo Resende (2009) o que diferencia a Teoria de Giddens do Realismo


Crítico é que enquanto a primeira aborda a dualidade da estrutura sob um
ponto de vista sincrônico, a segunda pressupõe a assimetria histórica entre
estrutura e ação, ou seja, o fato de as estruturas serem sempre prévias. Em
outras palavras, embora na agência seja potencialmente possível transfor-
mar estruturas (e não apenas reproduzi-las), as estruturas com as quais um
ator social lida hoje foram conformadas em ações anteriores de atores so-
ciais que o antecederam.

176 EDITORA MERCADO DE LETRAS


ambos são as práticas sociais, onde estão os gêneros discursivos.
Assim, a problematização de certa constituição genérica é,
consequentemente, a problematização das práticas sociais e da
própria forma de estruturação social, objetivo claramente assumido
nesse quadro analítico. Como bem colocou Fairclough 1992 (2001)
a luta por determinada articulação é também por determinada

VA
ordem das coisas.
Uma forma de discutir e problematizar a prática social é

O R
considerar o conceitual freireano. Nessa perspectiva, trata-se de

R
analisar um gênero, tanto para conhecer seu funcionamento social

P UTO
quanto para atuar em relação a um problema social ao qual esteja
atrelado, sempre buscando avanços em termos da transitividade
da consciência (a relação entre visões de mundo), a dialogação (a

O A
construção do consenso e da mediação pelo embate de posições) e
o autogoverno (a possibilidade da autonomia pela crítica e tomada
de posição).

D Uma ACG com orientação freireana considera a


desmassificação e a desmistificação como projeto social, onde a
criticidade transforma-se em um patrimônio coletivo, necessário à
concretização do autogoverno.

Organização dos dados e percurso metodológico

Os dados desse artigo consistem na transcrição, nos moldes


propostos por Rose (2002), de um programa de TV intitulado O
Sagrado (Rede Globo – Brasil).2 Segundo Balanço Social da emissora,
o programa é descrito como uma prática de “responsabilidade
social corporativa” (Rede Globo 2011). Sua organização textual

2. Os episódios analisados nesse artigo foram transmitidos pela Rede Globo


entre 20 e 28 de janeiro de 2010.

Gêneros, entre o texto e o discurso 177


pode ser conferida na seção posterior, em que apresentamos a
análise desses dados.
A análise apresentada aqui é uma pesquisa qualitativa
(Denzin e Lincol 2006; Mason 1998), de base crítica (Chizotti
2006), conforme pressupõe a própria escolha teórica apresentada

A
anteriormente. Nesse sentido, partimos do pressuposto de

V
que “todo conhecimento é político” (Moita Lopes 2006) e que
“trabalhar com a linguagem é necessariamente agir politicamente”

O R
(Rajagopalan 2003, p. 124).

R
P UTO
Estando dentro do campo de Linguística Aplicada,
assumimos como objeto de estudo problemas socialmente
relevantes que têm a linguagem como aspecto central (Moita Lopes
2006). Desse modo, elegemos como objeto o uso estratégico do

O A
discurso pela empresa midiática, especificamente a Rede Globo/
Brasil, para manutenção de relações de dominação.

D
O percurso metodológico parte a) da identificação desse
problema social para b) a análise, por meios dos aspectos genéricos
constitutivos, de como o gênero discursivo se relaciona com a
problemática identificada (Bonini 2010, 2013). No caso desse
artigo, trata-se de observar como o gênero se relaciona com as
práticas sociais de publicidade institucional indireta e a constituição
de discursos hegemônicos sobre “liberdade de expressão”. Nesse
sentido, analisam-se os aspectos enunciativos do gênero (estrutura
composicional, tema e estilo) e sua relação com as práticas sociais,
o discurso e a ordem social posta.
Nesse artigo, especificamente, a análise focaliza um dos
aspectos enunciativos, a saber, a estrutura composicional do
enunciado em que O Sagrado se constitui, sua relação com o gênero
propaganda institucional indireta e com o discurso institucional
sobre a “liberdade de expressão”.

178 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Análise de dados: Demarcando algumas fronteiras do enunciado
institucional: a organização textual de O Sagrado

O Sagrado possui três formas de veiculação, conforme


tabela 1. A forma de acabamento de tipo 03, além de não ocorrer

VA
em horário nobre, tem uma configuração pouco expressiva para a
efetivação do que propõe (diálogo entre diferentes religiões), já que

R O
o tempo de transmissão é muito curto (30 segundos, ou seja, apenas

R
1/4 do tempo do formato original – tipo 01) e sua veiculação ocorre

P UTO
entre os comerciais, o que faz com que o programa se dissolva
entre esses, parecendo também um comercial televisivo e não um
programa independente. Nesse sentido, tal formato acentua a

A
proximidade da série O Sagrado com os gêneros da publicidade,
mais especificamente, com os anúncios de campanhas publicitárias.

D O Tabela 1 – Formas de veiculação da série O Sagrado


na grade de programação da Rede Globo

FORMA 1 FORMA 2 FORMA 3

Forma Interprograma Interprograma Programete

Dias de Segunda a Domingo Segunda a


veiculação sexta- feira sexta-feira

Horário de 6h05 6h05 Diversos


veiculação (manhá e tarde)

Duração 02 minutos 10 minutos 30 segundos

Local da Antes do programa Antes do programa Durante os


programação telecurso Santa Missa comerciais
Fonte: Ferretti-Soares (2013, p. 138).

A variação dos formatos 01 e 03, por exemplo, lembra


muito a variação que ocorre em campanhas publicitárias, em que se
faz um comercial de maior duração e mais complexo, que depois é
recortado e simplificado, sendo repetido inúmeras vezes ao longo

Gêneros, entre o texto e o discurso 179


da programação.3 A diferença é que, nas campanhas publicitárias,
o comercial “original” é substituído pelo “simplificado”, o que
não ocorre com O Sagrado, já que o “original” continua sendo
exibido em seu horário fixo diariamente, motivo, aliás, por que
transcrevemos e analisamos esse formato “original”, e não suas
formas simplificadas repetidas4.

VAAlém de pertencer à rede de práticas sociais de “ações de


responsabilidade social” (Rede Globo 2011), que são segundo

O R
Sampaio (2003) e Pinho (1990), propagandas institucionais

R
indiretas, a própria estruturação composicional do enunciado O

P UTO
Sagrado o aproxima das campanhas de publicidade institucional. A
análise do documento “Formatos Comerciais” (Rede Globo 2005),
em que a emissora apresenta os formatos de comerciais que são

A
por ela comercializados, permite identificar O Sagrado como sendo
formatado no interior de ações que a emissora denomina “Projetos

O
institucionais” e “Espaço de responsabilidade social”. Ambos,

D
assim como O Sagrado, têm por objetivo agregar valor positivo à
marca por meio de “ações comunitárias”, “educativas”, “de valor
social”, além de compartilharem a mesma localização na grade de
programação (entre os comerciais) e mesma duração (de 30 a 120
segundos).

3. É importante lembrar que a Rede Globo é uma empresa comercial e, por-


tanto, vende os espaços comerciais. No caso de O Sagrado, ela mesma é a
produtora, o que implica que, na verdade, usa um espaço que poderia ser
vendido (embora, certamente esse não seja um uso sem retorno publicitá-
rio). Assim, recortar o programa nas exibições ao longo do dia representa
uma economia de espaço comercial ao mesmo tempo possibilita a ênfase
na ação da emissora, mais do que se o programa fosse transmitido na forma
completa, mas uma única vez. Além disso, conforme avança o horário ao
longo do dia, aumenta a audiência e, portanto, o alcance dessa propaganda.
4. A análise desse recorte repetido durante a programação também pode ser
bastante significativa para a Análise Crítica de Gênero. Porém, não foi pos-
sível gravarmos todas essas veiculações, motivo por que nos restringimos à
análise dos programas da manhã, que têm horário fixo.

180 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Além das formas de estruturação apresentadas acima,
é parte também das formas de acabamento de um enunciado
tipificado, conforme Bakhtin (1952-1953[2003]), a alternância dos
sujeitos no discurso, ou seja, cada enunciado possui um início e fim
cujas fronteiras estão no momento em que um falante conclui o
que objetivava dizer e passa a palavra, dá lugar a compreensão ativa

VA
e responsiva do outro, a sua postura de resposta. Considerando-se
essa proposição teórica, os dados permitem afirmar que O Sagrado

R O
poderia ser entendido de três formas.

R
A primeira, se considerarmos sua organização interna

P UTO
(conforme mostra a tabela 2), seria entender que cada um dos
episódios é um enunciado, cujas fronteiras seriam marcadas pela
vinheta de abertura e de fim. A segunda seria entender cada grupo

A
de episódios que abordem o mesmo assunto como um enunciado
da emissora sobre tal assunto. Nesse caso, cada semana (um assunto

O
a partir das sete religiões participantes) seria um enunciado em que

D
a emissora diz tudo o que tem a dizer sobre o assunto e sobre a
relação deste com religiosidade (como um todo).
Em terceiro lugar, é possível entender todo o interprograma
como sendo um enunciado da emissora, já que tem um projeto
de dizer, o que o constitui em enunciado, que é efetivado pelo
todo do interprograma, ou seja, pelo conjunto desses episódios
e respectivos assuntos. Nesse sentido, caberia analisar a escolha
do tema da pluralidade religiosa para esse comercial institucional,
bem como dos assuntos abordados e das diferentes organizações
composicionais escolhidos para isso.
Embora possa ser entendido dessas três formas com relação
ao conceito de enunciado, a análise da última maneira apresentada
abarca as anteriores, de modo que é esta a que apresentamos
nesse artigo. Além disso, é nesse terceiro nível que esse enunciado
institucional se relaciona com as práticas da Rede Globo como
instituição empresarial. Para chegar ao enunciado de nível 03, no
entanto, descreveremos a organização de cada episódio específico,
conforme tabela 2, cujo conjunto compõe o enunciado maior.

Gêneros, entre o texto e o discurso 181


Tal organização, por sua vez, pode ser compreendida de duas
maneiras: a primeira é a de que há internamente a cada episódio um
diálogo entre o narrador e o representante religioso, o que implica
dizer que há um enunciado da emissora (narrador) e outro do
religioso, lembrando um diálogo, uma entrevista. Nesse caso, há uma
troca de turnos marcada pela dimensão verbal (pergunta e resposta) e

VA
pelas marcações visuais: as imagens ilustrativas do texto do narrador,
seguidas da vinheta com o símbolo da religião, seguida do close-up

R O
no representante (sequência 03, 04 e 05), separam a fala do narrador

R
da do representante e marcam o início e o fim dos enunciados.

P UTO Já a segunda forma de entender cada um desses episódios


é a que apontamos anteriormente, ou seja, de que o conjunto dos
episódios constitui um enunciado maior, que é própria série (nível

A
03). Nesse caso, o diálogo simulado entre representante religioso
e emissora (foco da análise na próxima seção) mantém-se como

O
elemento central da estruturação do enunciado, consistindo no que

D
entendemos aqui como uma tecnologia discursiva, ou seja, esse
diálogo interno é o meio pelo qual a emissora estabelece o diálogo
com o telespectador.

Tabela 2 – Organização textual de cada episódio de O Sagrado

Abertura da Série

01 Imagem do slogan do programa e música

02 Apresentação de uma epígrafe por um artista da emissora


(close-up médio do artista)

Contextualização do assunto abordado e pergunta ao representante religioso

03 Texto verbal na voz de um narrador

Veiculação de imagens concomitantes ao texto verbal

Fala do representante religioso

04 Imagem com o símbolo da religião e música de fundo

05 Imagem do religioso falando sobre e/ou respondendo ao assunto


(close-up médio, ao fundo há o símbolo da religião)

182 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Contextualização do assunto abordado e pergunta ao representante

06 Texto verbal na voz de um narrador

Veiculação de imagens concomitantes ao texto verbal

07 Imagem do religioso falando sobre e/ou respondendo ao assunto


(close-up médio, ao fundo há o símbolo da religião)

08

VA
Fechamento do programa

Imagem do slogan do programa e música

09

R O R
Imagem da marca das instituições realizadoras do prgrama (Fundação
Roberto Marinho, rede Globo e Canal Futura)

P UTO
Fonte: Ferretti-Soares (2013, p. 143).

A hibridização de gêneros como tecnologia discursiva

O A
para a enunciação do discurso institucional

Como apontamos na seção anterior, a organização

D
composicional de cada episódio de O Sagrado aponta para a
construção de um diálogo entre o narrador e o representante
religioso, de modo que se busca explicitar a fala do representante,
fazendo parecer que a emissora apenas dá voz a esse sujeito e que
a fala do narrador está ali apenas para contextualizar, ou melhor,
somente para introduzir o assunto da semana sem implicar
significação/valoração ao que é dito pelo religioso.
Esse efeito é alcançado a partir da mobilização de aspectos
que remetem aos gêneros entrevista e reportagem. No que
tange à primeira, há a simulação de um diálogo entre narrador e
representante e, quanto à segunda, a contextualização feita pelo
narrador remete a certo tom de pesquisa sobre o assunto, típico de
reportagens, manipulações genéricas que implicam a constituição
de um discurso de valoração positiva da instituição, bem como de
mobilização do/a interlocutor/a (telespectador/a) para a causa
“defendida” pela emissora.
Em O Sagrado, percebemos que a estrutura pergunta-
resposta é a base da organização do interprograma, ou seja, a
ordem das falas (primeiro o narrador, em seguida o representante) é

Gêneros, entre o texto e o discurso 183


organizada de acordo com a estrutura da entrevista pingue-pongue
(Silva 2007), conforme ilustrado pelo excerto abaixo:

Excerto 01:
Narrador: Liberdade de expressão é o tema da série Sagrado
sob o prisma de diferentes doutrinas religiosas. A democracia

VA
garante por lei a livre manifestação artística. Em certos casos,
as religiões têm dificuldade em conviver com a liberdade de

O
expressão?

R
P UTO R
Representante: Em muitos casos isso foi verdade ao longo
da história, inclusive por parte da igreja católica, à qual eu
pertenço [...]
(O Sagrado (Rede Globo, Brasil)_28.01.10_Liberdade de
expressão_Catolicismo_2’01”)

O A Essa estrutura (pergunta-resposta) apareceu explícita ou


implicitamente em todos os casos e aponta para uma organização

D
em que o representante religioso é entrevistado por um narrador, ou
seja, configuram-se aqui os papeis de entrevistado e entrevistador.
Além da linguagem verbal, é possível depreender esses papeis a
partir da imagem (linguagem não verbal), principalmente da figura
do representante religioso, que aparece em close-up médio durante a
própria fala, logo após as perguntas serem feitas.5
Apesar das semelhanças com o gênero entrevista (estrutura
pergunta-resposta e tipo de enquadramento utilizado), não é
possível dizer que esse programa seja uma entrevista televisiva de
fato, pois a pergunta do narrador (que não aparece) já é posta de
um outro lugar que não o da interlocução original face-a-face e

5. Tal focalização é típica de entrevistas televisivas, vejam-se os exemplos de


entrevista jornalística, a tomada é sempre em close-up médio no entrevis-
tado e entrevistador, sendo o primeiro o foco da imagem, ou seja, quando o
entrevistador está perguntando aparece na focalização junto do entrevistado,
mas na maioria da entrevista, o entrevistado é que é o foco da imagem. Para
ter uma explicação mais detalhada desses aspectos, sugerimos a leitura do
capítulo 06 de Ferretti-Soares (2013), em que há, inclusive, a análise de uma
entrevista televisiva a título de exemplificação.

184 EDITORA MERCADO DE LETRAS


não há garantia de que seja a mesma pergunta feita nessa situação
de origem. A interação original é reenquadrada em outro gênero
semelhante à reportagem. É, sobretudo, essa formatação com
respeito ao entrevistador que aproximará o interprograma do
gênero reportagem. Antes de analisar essa aproximação, porém, é
preciso apresentar algumas implicações que vêm da aproximação

VA
com a entrevista.
Essa formatação (em que o entrevistado aparece e o

O
entrevistador não) tem implicações tanto para o entrevistado

R
P UTO R
quanto para o entrevistador. Para o entrevistado, tal formatação
cria um efeito de comprometimento com o que é dito, ou seja, o
telespectador tem a impressão de que a fala do religioso é realmente
dele, com todos os sentidos que se constrói a partir dela. Esse
efeito é o mesmo que se tem na entrevista pingue-pongue de jornal

A
impresso, em que se coloca o nome do entrevistado seguido de
dois pontos e de sua fala (parte da fala)6 e na entrevista televisiva,

O
em que o entrevistado aparece respondendo as questões, ou seja,

D
não haveria como dizer que tais palavras não são dele, já que ele
está ali, já que se dá a ver.
Tal formatação apaga o fato de que houve, na verdade,
um reenquadramento (Silva 2007) da voz do entrevistado, tendo
sido essa submetida ao crivo do autor (da emissora, no caso de O
Sagrado). Nesse caso, há uma aparente pluralidade de vozes, efeito
dessa organização genérica que “transmite ao leitor a impressão
de que há a inserção de outra ‘voz’ que não a do jornalista, o que
representaria uma posição valorativa externa à empresa jornalística”
(Silva 2007, p. 113), quando o que ocorre é que o discurso do
entrevistado é recontextualizado dentro do discurso da emissora,
que produz o programa. Assim, as falas dos representantes são
apropriadas na constituição do enunciado da Rede Globo.
Um exemplo dessa edição pode ser depreendido pelo fato de
que, n’O Sagrado, muitas perguntas feitas aos entrevistados não são
respondidas, de fato. A fala do representante reforça, muitas vezes,
o que é afirmado na pergunta (retórica) do narrador e enfatiza o

6. Para uma análise mais detalhada, ver o trabalho de Silva (2007).

Gêneros, entre o texto e o discurso 185


discurso da emissora explicitado, por exemplo, nas epígrafes
proferidas pelos artistas que introduzem a série e construído no
todo do enunciado (o episódio, o grupo de episódios e/ou o
interprograma).
Voltando-nos para os dados de análise, no episódio
“Liberdade de expressão”, em que o catolicismo é apresentado,

VA
por exemplo, percebemos esse aspecto da edição (confira Anexo I).
A epígrafe desse capítulo da série é a seguinte: “Pode-

R O
se cortar todas as flores, mas não se pode impedir o retorno da

R
primavera”. A cadeia semântica das questões – ratificada pelas

P UTO
imagens – se organiza ao redor do discurso sobre a censura da mídia
(cortar todas as flores), colocando a liberdade “de expressão” como
um direito constitucional, conquistado (o retorno da primavera).
Ao longo do episódio, há um movimento da elaboração discursiva

A
que vai configurando quem censura quem. Nesse movimento a
emissora se coloca como censurada ora pelo poder público, ora

O
pela religião. Nesse caso, o telespectador pode estar assistindo a

D
representante religiosa, mas é interlocutor, na verdade, da emissora,
cujo enunciado cita, por assim dizer, a representante religiosa. Tal
citação é utilizada como um recurso discursivo assim como o são
as imagens e a sequenciação e recortes dessas.
Na apresentação do tema (cenas 2 e 3), por exemplo, a
dimensão visual esclarece ou ilustra o que vem a ser a liberdade
de expressão mencionada na dimensão verbal. Nesse caso, há duas
imagens de duas manchetes: a primeira é de 11/09/2009, que
tem como título: “Kirchner promove lei para garantir ‘liberdade
de expressão’”. No lead dessa reportagem tem-se “A presidente da
Argentina, Cristina Kirchner, enviou nesta sexta-feira ao Congresso
um projeto de lei que acaba com os crimes de calúnia e injúria
no momento em que é acusada pela imprensa de acertar contra
a liberdade de expressão”. Já na segunda cena, há a manchete
“Liberdade de expressão em questão”, cujo lead é “Entidade crítica
situação em Honduras e na Venezuela”.
A partir dessas imagens percebe-se que a “liberdade
de expressão”’ de que se está falando é restrita à “‘liberdade de
imprensa”, mais especificamente à liberdade de uma imprensa em

186 EDITORA MERCADO DE LETRAS


especial, ou seja, uma imprensa direitista – conforme se nota com
as reportagens escolhidas. Os inimigos da “liberdade de expressão”
que aparecem nessas reportagens são sempre governos de esquerda
(Argentina, Venezuela, Honduras).
Na primeira manchete, ainda que Cristina Kirchner apareça
como alguém que promova a liberdade de expressão, isso é

VA
ressignificado; primeiro, porque o termo liberdade de expressão
(na manchete) está entre aspas, ou seja, há uma ironia a respeito

O
da liberdade de expressão que a presidenta promove; segundo,

R
P UTO R
porque o lead deixa claro que essa promoção é uma estratégia de
defesa da presidenta às acusações de “acertar contra a liberdade
de expressão”. As acusações partem “da imprensa”, o que mais
uma vez remete à pergunta sobre o tipo de liberdade de que se está
falando; o contexto histórico e os dados em análise sugerem que

A
essa imprensa está lutando pela “liberdade” para continuar sendo
a única voz na sociedade, já que se trata de mídia monopolista e

O
oligárquica.

D A partir do exposto, percebemos que é a junção dos aspectos


verbal e não verbal que constrói o significado do texto veiculado; e
o fato de esta junção ser responsabilidade da emissora implica ser
esse seu enunciado e não da representante religiosa.
Nesse caso, ainda, percebemos que há uma disputa semântica
pelo significado da construção “liberdade de expressão” – afinal, se
de um lado essa liberdade remete à liberdade das religiões e de
qualquer cidadão de expressar seus pensamentos, de outro, remete
também à liberdade da imprensa monopolista de dominar os meios
e veicular a sua visão de mundo majoritariamente, submetendo e
apagando as demais formas de narrar a realidade.
Na construção discursiva da emissora, o segundo significado
– que restringe a liberdade de expressão à liberdade de imprensa –
é que é reforçado. Tal aspecto é recorrente em todos os episódios
que tratam do assunto. Sempre que na dimensão verbal tem-se a
expressão “liberdade de expressão”, na dimensão visual têm-se
imagens que remetem à liberdade de imprensa, conforme ilustrado
pelo excerto a seguir:

Gêneros, entre o texto e o discurso 187


Excerto 02:
(O Sagrado (Rede Globo, Brasil)_20.01.10_Liberdade de
expressão_Evangélicos_2’01”)
Localização Cenas Dimensão Visual Enunciadores Dimensão
em minutos verbal

00:05 2 Quadro com N na série

VA 3 imagem de um
santo esculpido
Close-up máxi-
Sagrado

R O R
mo e mãos fe-
mininas idosas
que seguram

P UTO
um terço

00:07 4 Página de jornal a liberdade


com a manche- de expressão
te: Associações

O A de jornais se
preocupam
com a liberdade
de expressão

D Do ponto de vista ideológico, ainda é perceptível a


construção de um inimigo comum, ou seja, aproximam-se o
desejo de liberdade de expressão das religiões (dos telespectadores
religiosos) à “necessidade” de liberdade de imprensa (de uma
imprensa específica). Ocorre a unificação (Thompson 1995) desses
dois grupos – imprensa e telespectadores – por meio de uma
“necessidade” em comum e, ao mesmo tempo, ocorre também
uma dissimulação (Thompson 1995) das relações assimétricas entre
esses grupos, afinal a religião só tem um lugar de fala na medida
em que este é permitido pela emissora, de modo que a relação de
poder, na verdade, é bastante assimétrica.
Nas cenas seguintes do episódio em questão, há um
deslocamento da figura do sujeito e ou instituição que censura
construída no discurso da emissora ao longo do episódio para
a religião. Vejamos, por exemplo, na cena 15 a relação entre as
dimensões verbal e não verbal. Na dimensão verbal tem-se uma
pergunta direta à representante: “Em certos casos as religiões têm
dificuldade em conviver com a liberdade de expressão?”. Nessa

188 EDITORA MERCADO DE LETRAS


construção, a liberdade de expressão (já entendida como sendo a
liberdade de imprensa) é colocada como algo dado, como um fato,
cabendo à religião adequar-se a, conviver com, aceitar o que a mídia
produz. Em outras palavras, não se levanta o problema da elaboração
midiática, mas se entende como um problema as (re)ações da religião.
Nessa cena, há um deslocamento também de qual instituição é

VA
colocada em conflito com a religião, nesse caso, é a escola de samba,
na manchete: “Alegoria de Escola de samba cria polêmica em Igreja”.

O
Na sequência desse episódio, percebemos que a resposta da

R
P UTO R
representante religiosa é construída de forma que esta entende e
responde diretamente ao fato de que a instituição da qual faz parte
foi colocada como censuradora (cenas 15 e 16).
Apesar de, nessa pergunta, o narrador incluir “outras
religiões” também como tendo “dificuldades de conviver com

A
a liberdade de expressão”, na última imagem que veicula (cena
15) essa dificuldade é endereçada à igreja católica. Isso fica claro

O
também na resposta da representante, que ressalta a sua religião –

D
através do termo inclusive. A resposta da representante só confirma
a pergunta (retórica) do narrador. Traz, aliás, uma lista de exemplos
que comprovam essa afirmação. A religião, nesse caso, parece ser
chamada a responder sobre seus “problemas” e não necessariamente
a divulgar sua perspectiva sobre os assuntos tratados, como uma
abordagem pluralista possibilitaria. Isso demonstra que o objetivo
maior da série talvez não seja, de fato, promover a pluralidade, mas
usar esse discurso de “promoção da pluralidade” para legitimar seus
discursos político e ideológico e valorizar sua marca.
O restante (cena 18) da fala da representante ratifica ainda
mais o discurso do narrador, já que se constrói um contexto
em que a “liberdade de expressão” seja um fato (como afirma a
própria representante). Além disso, há um movimento de colocar o
Estado como o inimigo dessa liberdade, como aquele que censura,
inclusive, a própria igreja. Isso é claro nos trechos: “Por outro
lado, não se pode esquecer também que muitas vezes a igreja foi
silenciada por órgãos políticos” (cena 18).
Ao exemplificar o “silenciamento da igreja”, a representante
menciona indiretamente a censura da mídia por parte do governo:

Gêneros, entre o texto e o discurso 189


“não podia ser noticiado nada sobre ele [...]”. Nesse sentido, tem-se
novamente a construção dos papeis de vítima e algoz, de censurado
(mídia) e censurador (Estado). Desta vez, não na fala do narrador,
mas da representante religiosa, o que constitui mais uma voz cujo
discurso é levado a convergir com o discurso da emissora, mas para
o telespectador esse discurso é travestido de discurso da religiosa,

VA
exterior à voz institucional.
Na cena 19, então, a liberdade artística é ilustrada por

O
ações artísticas individuais (cenas 19 – 23) e culmina na liberdade

R
P UTO R
de criação da mídia (livro, filme e série da emissora – cenas 27,
28, 30). A igreja é colocada como aquela que fere o direito dessas
manifestações, já que a presença do “não” na pergunta leva a tal
entendimento – “A censura religiosa à manifestação artística não
fere o direito de livre expressão?” (cena 28). A representante

A
religiosa é mais uma vez chamada a responder sobre as ações –
valoradas negativamente – da igreja.

D O Do ponto de vista enunciativo então, não temos um


enunciado do religioso e um da instituição, embora a ideia de
entrevista possa remeter a isso. Mas temos um único enunciado – o
da emissora – que traz a tona diferentes vozes, mas ajustadas para
legitimar o discurso da Globo a respeito dos temas abordados.
Nesse sentido também é que aproximamos o interprograma
do gênero reportagem, conforme conceitua Lage (1993), ou seja,
como sendo o “aprofundamento”, o tratamento de pesquisa dado
a um assunto. No caso em questão, da liberdade de expressão.
Assim como a reportagem é planejada e segue uma linha
editorial, um foco, percebemos na formulação das questões aos
representantes e na contextualização destas com as imagens
veiculadas e com as falas do narrador que o enunciado da Rede
Globo segue também um foco, é planejado como numa reportagem.
Ou seja, não se faz apenas uma pergunta ao representante religioso,
mas faz-se um apanhado sobre o assunto, isto é, estabelece-se
uma determinada visão de mundo sobre os assuntos e só então
“encaixa-se” nessa visão de mundo a voz do representante.
Esse tratamento de pesquisa dado ao tema, típico da
reportagem, é feito, porém, também de uma forma peculiar, em dois
sentidos: 1) a emissora (na figura do narrador) descompromete-se
190 EDITORA MERCADO DE LETRAS
com o que é veiculado nessas imagens, atribuindo a opinião veiculada
à representante religiosa; e 2) cria um efeito de imparcialidade e de
comprovação, como se o narrador “apenas lesse” um mundo dado,
quando na verdade trata-se de um mundo construído nesse processo de
edição da série. Os aspectos da estrutura composicional do enunciado
em questão são manipulados com fins estratégicos, produzindo-se o

A
que Fairclough (2003) chama de tecnologia discursiva.

V
O
Considerações finais

R
P UTO R
Nesse estudo sobre o interprograma “O sagrado”,
verificamos como o gênero se constitui inseparavelmente da
prática social. Por se tratar de uma prática promocional, o gênero é
constituído estrategicamente como um enunciado híbrido, resultante

A
da junção de elementos de diversos gêneros. Trata-se, portanto, de
uma tecnologia discursiva, que desloca os gêneros de suas posições

O
iniciais para outras, produzindo novos efeitos sobre a prática social.

D Como peça publicitária (propaganda institucional indireta),


a Rede Globo constitui, nesse caso, uma prática social que, em
nossa análise, se mostra reprodutora de uma relação desigual com
telespectador em dois sentidos. Em primeiro lugar, valendo-se de
recursos de linguagem da reportagem e da entrevista, ela simula
uma postura ecumênica, plural e imparcial, projetando, assim, uma
identidade altamente positiva. Em segundo lugar, ao simular que
a autoria do enunciado está a cargo do representante religioso,
ela consegue projetar outros recursos de linguagem como plano
de fundo, de modo a pré-configurar uma leitura preferencial que
lhe é favorável em termos discursivos e ideológicos. É o caso do
debate sobre a liberdade de expressão, devidamente conduzido
para forçar o telespectador a concluir que a lei de meios (recurso
de democratização das mídias) é uma forma de censura, quando,
pelo contrário, é uma tentativa de criar condições para que as
concessões dos canais de comunicação (que são públicas) sejam
distribuídas mais equanimente. É uma forma de esses meios
estarem à disposição de um número maior de grupos sociais, de
modo que as vozes desses grupos também possam efetivamente
ecoar nos debates sociais.

Gêneros, entre o texto e o discurso 191


Anexo I

192
O Sagrado (Rede Globo, Brasil)_28.01.10__Liberdade de express5o__Catolicismo__2›01»

D
Localiz. cenas Dimensão visual Enuci Dimensão verbal

00:01 1 Close-up no ator At: Pode-se cortar todas as flores, mas não se pode
Fundo da imagem: mosaico em tons de la- impedir o retorno da primavera

O
ranja.
Canto inferior esquerdo da tela: ldentificação

R
do ator pelo
Abaixo do nome do ator em letra branca,
minúsculo [ator]
Canto inferior direito da tela: identificação do

A
branca, minúsculo e itálico:
[provérbio hindu]
O
autor da citação proferida pelo ator em letra
V
00:08 2 Manchete de jornal com o título: [Kirchner N: Liberdade de expressão é o tema da série Sagrado
promove lei para garantir: Liberdade de
expressão]
3 Manchete de jornal com o título: [Liberdade
A
de imprensa em questão]
4 Mão acendendo velas sob o prisma de diferentes doutrinas religiosas
5 Foco nas mãos cruzadas de duas pessoas
6 Mãos cruzadas sobre uma mesa segurando
P UTO

EDITORA MERCADO DE LETRAS


uma corrente (terço ou guia)
7 Homem de joelhos
8 Mãos abrindo uma bíblia
9 Roda de pessoas dançando (Ritual de matriz
R

africana)
10 Pessoa lendo a Torá
11 Reunião no Congresso Nacional A democracia garante por lei a livre manitestação
12 Esplanada do Planalto artística
13 Pessoa assistindo a cenas antigas de outras
pessoas dançando (a câmera está no ângulo
14 dessa pessoa)
15 Charge (Dia de Finados, túmulo da ética)

D
Manchete de jornal com o titulo: [Alegoria Em certos casos as religiões têm dificuldade em
16 de Escola de samba cria polêmica em igreja] conviver com a liberdade de expressão?
Fachada de uma igreja católica

O
00:28 17 Entrada de uma tela toda em mosaico tom 2RC: Em muitos casos isso foi verdade ao longo da histó-
laranja com a XXXXXXXXX ria, inclusive por parte da igreja católica, a qual eu

R
00:31 18 Close-up médio no representante pertenço.
Fundo da imagem: mosaico em tons de laran- Houve um índex onde muitos livros foram proibi-
ja com o símbolo da religião no canto direito dos para os católicos. Houve filmes, peças de teatro
Canto inferior esquerdo da tela: identificaqao que foram listados como proibidos para os Católi-

A
[MARIA CLARA BINGEMER]
O
do representante em letra branca, maiúscula: cos. Hoje em dia isso praticamente acabou. A liber-
dade de expressão é um fato. Por outro lado, não se

Gêneros, entre o texto e o discurso


pode esquecer também que muitas vezes a igreja
foi silenciada por órgãos políticos. Aqui mesmo no
V
Abaixo do nome do representante, em letra Brasil nós vimos isso. Dom Helder Câmara, não
branca, minúscula [decana do centro de podia ser noticiado nada sobre ele nem seu nome
teologia e Ciências Humanas / PUC-Rio)] pronunciado.
A
P UTO

193
R
194
01:04 19 Peça teatral N: Através da expressão artística podemos manifestar
20 Mãos desenhando desejos e aspirações individuais e sociais. Através
21 Pintura de Cristo levando a cruz da expressão artística podemos manifestar desejos e

D
22 Grafite aspirações individuais e sociais.
23 Poemas nas colunas de viadutos do Rio de
Janeiro
24 Desenhos de mãos escrevendo. Ainda que comum a todas as épocas, o encontro da
25 Pintura de homem lendo com lupa arte e a religião pode gerar conflitos

O
26 Pinturas e esculturas no teto de igreja
27 Manchete de jornal com o título: [Igreja criti-

R
ca novo livro de Saramago]
28 Texto (de jornal?) com o título: [Filme «Pai- A censura religiosa à manifestação artística não fere
xão de Cristo” tem problemas com a censu- o direito de livre expressão

A
ra] (câmera segue o título como se estivesse
O
lendo]
29 Homem carregando uma cruz
30 Abertura de sperie da emissora: [O Pagador
de Promessas]
V
01:26 31 Close-up médio no representante 2RC: Acho que em algumas épocas histéricas ela se deu
Fundo da imagem: mosaico em tons de laran- fortemente, sobretudo, na época medieval quando
A
ja com o símbolo da religião no canto direito a igreja... o mundo era teocêntrico e a igreja tinha...
Canto inferior esquerdo da tela: identificaqao exercia uma tutela forte sobre todo o comportamen-
do representante em letra branca, maiúscula: to da sociedade. Isso acabou com a modernidade.
P UTO
[MARIA CLARA BINGEMER] A autonomia do pensamento humano, do conhe-

EDITORA MERCADO DE LETRAS


Abaixo do nome do representante, em letra cimento e da expressão artística se afirmou e hoje
branca, minúscula [decana do centro de nós vivemos essa conquista que a modernidade nos
teologia e Ciências Humanas / PUC-Rio)] trouxe, que é altamente positiva.
R
01:50 32 Entrada de uma tela toda em mosaico tom
laranja com a palavra: Sagrado, em letra de

D
mesmo tom e símbolo do programa.

01:58 33 Em fundo branco estão as marcas da Funda-


ção Roberto Marinho; Rede Globo e Canal
Futura.

O
R
LEGENDA DA TRANSCRIÇÃO
At: Ator ou Atriz
2RC: 2 Representante Catótico

A
N: Narrador O
(negrito): Texto escrito exibido

Gêneros, entre o texto e o discurso


VA
P UTO

195
R
VA
R O R
P UTO
O A
D
A 9
O V
a PesQuisa no aMBiente escolar:

R
R
P UTO
seQuência didÁtica Para ensino
do Gênero relato

O A Eliana Dias
Kátia Cristina S. Ferreira

D
Introdução

Uma nova abordagem de pesquisa, em especial, – a pesquisa


em sala de aula – vem sendo introduzida no meio acadêmico com
o objetivo de fazer com que os estudantes-professores promovam
uma intervenção em sala de aula para estabelecerem relações entre
teoria e prática.
É necessário que ressaltemos a relevância das pesquisas
que são realizadas no próprio ambiente escolar e que retornam
a ele na forma de propostas, reflexões e possíveis soluções, uma
vez que consideramos esse tipo de pesquisa importantíssimo, pois
constitui-se em um princípio educativo e formativo, principalmente
quando ajuda o professor a entender a sua prática docente e as
teorias que procuram fundamentar essa prática. E é neste contexto

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 197


que o pesquisador tem a oportunidade de buscar as especificidades,
os dilemas do contexto escolar e da sua atuação como professor
e, por fim, verificar se há no “fazer pedagógico” a tão esperada
junção teoria e prática. Aliada à prática de sala de aula, a pesquisa
no ambiente escolar possibilita uma prática contextualizada, pois
os pesquisadores podem aproveitar-se de narrativas orais e escritas,

VA
entrevistas estruturadas ou semiestruturadas, do uso de tecnologias
da informação e das comunicações, dentre outros recursos para a

O R
coleta de dados.

R Esta concepção de pesquisa decorre do desempenho

P UTO
individual do professor associado ao trabalho coletivo. Prevê
situações didáticas nas quais os docentes possam fazer uso
dos conhecimentos que aprenderam e, concomitantemente,

O A
mobilizarem outros. Dentro deste princípio metodológico, a ação-
reflexão-ação deve apontar para a resolução de situações-problema
como uma das estratégias didáticas privilegiadas, fazendo com que

D
os conteúdos sejam contextualizados. Em seu desenvolvimento, o
contato com o espaço educativo da escola é imprescindível, pois é
dessa realidade que novas propostas de ensino devem emergir.
Diante disso, acreditamos que a pesquisa na escola deverá
engajar, de fato, o professor na realidade escolar, gerando uma
conscientização e um enfrentamento lento e gradual do mundo
do trabalho, com o qual o aluno-professor se depara no cotidiano
escolar, sempre unindo teoria e prática.
A pesquisa no ambiente escolar, protagonizada pelos pós-
graduandos do Mestrado Profissional,1 vem contribuir para a

1. O Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras), oferecido em


rede nacional, é um curso de pós-graduação stricto sensu que conta com a
participação de instituições de ensino superior públicas no âmbito do Siste-
ma Universidade Aberta do Brasil (UAB) e é coordenado pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O programa tem como objetivo,
em médio prazo, a formação de professores do ensino fundamental no en-
sino de língua portuguesa em todo o território nacional. O público-alvo do

198 EDITORA MERCADO DE LETRAS


formação do professor de Língua Portuguesa, em serviço, porque
o ajuda a entender a prática docente, suas dificuldades e as teorias
que procuram fundamentar essa prática.
A investigação do fenômeno “sala de aula” e a análise
da prática educativa é, sem dúvida, a possibilidade de o aluno-

A
professor perceber os desafios da carreira do magistério e de

V
refletir maduramente sobre a profissão que assumiu e, ainda,
contribuir para melhoria do ensino. Esperamos que, desta forma,

O R
o processo de conscientização do professor-pesquisador se inicie

R
com o desvelamento, de fato, da realidade do ensino na escola.

P UTO Portanto, esse artigo poderá contribuir para propiciar aos


leitores a oportunidade de fazer uma reflexão coletiva sobre a
prática pedagógica de professores do ensino fundamental, no que

O A
se refere, especificamente, às sequências didáticas elaboradas com
o intuito de intervir em sala de aula para amenizar ou resolver

D
problema no ensino de aspectos de um determinado gênero.
Para melhor organização desse estudo, optamos por dividi-
lo em quatro seções. A primeira, essa introdução. Na segunda seção,
apresentamos a contribuição de diferentes autores sobre a pesquisa
no ambiente escolar, em especial, sobre o conhecimento científico
e conhecimento escolar; a abordagem de Dolz e Schneuwly sobre
as sequências didáticas e breves considerações sobre o Gênero
“Relato”. Uma sugestão de sequência didática, com base na teoria
de Dolz e Schneuwly, foi elaborada é apresentada na terceira
parte. Na quarta, uma análise da aplicação da sequência em uma
sala de aula do ensino fundamental. Por fim, apresentamos as
considerações finais e as referências.

Profletras é constituído por docentes de todas as gerações de egressos de


cursos de graduação em Letras e que lecionam Língua Portuguesa no ensino
fundamental.

Gêneros, entre o texto e o discurso 199


A contribuição de autores sobre o tema: Conhecimento
científico x Conhecimento escolar

Para alcançarmos os objetivos desse estudo, importante


tecermos algumas breves considerações sobre a diferença entre

VA
a pesquisa sobre o conhecimento científico e a pesquisa sobre
o conhecimento escolar, (incluindo o contexto escolar e/ou a

R O
prática dos docentes). Para tanto, primeiramente, aproveitamos a

R
contribuição de Ludke (2001), estudioso do assunto.

P UTO Segundo o autor, durante muito tempo, os estudos sobre


o conhecimento escolar não eram considerados “pesquisa”, pois
nem sempre era valorizada pela academia. Esta valorizava apenas

A
a pesquisa com produção e aplicação do conteúdo científico.
Segundo o autor, esta “tradição” fez com que a valorização das

O
pesquisas sobre o professor e a escola permanecesse ligada às

D
proposições de pesquisa realizadas por mestrandos e doutorandos
que nem sempre tinham a experiência de sala de aula e não pelos
sujeitos da ação.
Por isso, segundo o citado autor, acabou-se criando uma
cultura do menosprezo: ora, de um lado, temos pesquisadores que
menosprezam os problemas reais apontados pelos professores; do
outro lado, temos professores que menosprezam as soluções dadas
pelos pesquisadores. Então, quem sabe uma pesquisa colaborativa
envolvendo: professor da escola e pesquisador resolva, pelo menos
em parte, essa questão. Sobre isso, Ludke nos mostra outras visões
do processo, ao refletir que

essa dualidade de perspectivas revela, ao mesmo tempo,


no professor a percepção de que a pesquisa acadêmica não
consegue atingir os problemas e os temas mais importantes e
próximos do seu trabalho na escola, mas que ela provavelmente
domina os métodos e os recursos necessários para investigar
devidamente aqueles assuntos fundamentais. A pesquisa que

200 EDITORA MERCADO DE LETRAS


ele faz, ou poderia fazer em sua escola, parece não ter aos seus
olhos, a capacidade de dominar plenamente o conhecimento
do objeto desejado, mas não há dúvidas de que ele é quem sabe
qual é esse objeto (não o pesquisador da academia). Seu saber
parece ficar pairando em um interstício, situado entre o que
ele domina pela sua aprendizagem anterior em confronto com

VA
o que sua experiência vem confirmando e sua aspiração de
expansão desse saber, por meio de recursos que poderão vir da
pesquisa, talvez, não necessariamente [...]. (Ludke 2001, p. 89)

R O R
P UTO
Schön (1992) explica que o professor deve pesquisar sobre
a sua própria prática, desenvolvendo-a de forma reflexiva. Por
isso, ao sugerirem a conversa-reflexiva com a situação escolhida
no ambiente da escola, os professores acabam por identificar

A
o problema, na inter-relação com seu contexto e com os seus
interlocutores diretos e indiretos.

O É importante alertar, portanto, para a necessidade de uma

D
maior interação da escola com a experiência de professores ao
longo de suas ações educacionais. Ressaltamos, neste estudo, a
importância dos saberes da experiência que esses docentes têm.
A vantagem desse tipo de trabalho é que ele representa um
passo à frente, motivando os docentes para interpretações próprias,
estimulando uma postura crítico-reflexiva e proporcionando
a eles, instrumentos para o desenvolvimento do pensamento
autônomo (Nóvoa 1992). Essa concepção indica uma valorização
da integração do conhecimento construído na academia e das
experiências vivenciadas na escola, bem como incorpora uma nova
visão acerca do trabalho docente.
É fundamental que continuemos a reconhecer o papel
do conhecimento acadêmico e da universidade na formação
de professores, mas também a importância da pesquisa como
experiência prática. Enfim, acreditamos que só se aprende a fazer
pesquisa, fazendo, vivenciando-a.

Gêneros, entre o texto e o discurso 201


Vale ressaltar que ensinar requer dispor de conhecimentos
e mobilizá-los para a ação, além de compreender o processo de
construção do conhecimento e, as sequências didáticas propostas
por Dolz e Schneuwly, descritas a seguir, são importantes recursos
para a ação pedagógica.

VA
As sequências didáticas

R O R
P UTO Dolz e Schneuwly apresentam a elaboração de sequências
didáticas como instrumento pedagógico interessante. Segundo os
autores, uma sequência didática é um conjunto de atividades que

A
tem a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de
texto, de maneira que ele possa corresponder às exigências sociais

O
da escrita e da fala.

D Os autores propõem uma sequência didática que


compreende inicialmente uma apresentação da situação aos
alunos. Essa primeira fase deve detalhar a tarefa oral ou escrita que
será realizada, seguida de uma produção inicial de um texto, que
permitirá, por parte do professor, uma avaliação dos conhecimentos
prévios dos alunos sobre determinando gênero. Posteriormente, a
ideia é elaborar atividades, em módulos, relacionadas aos aspectos
que se pretende trabalhar do gênero escolhido. E, por último, a
solicitação de uma produção final que servirá de avaliação quanto
aos aspectos apreendidos pelos alunos.
No item sobre a apresentação da situação, os autores
explicitam as principais ações relacionadas à delimitação do gênero
que será proposto. Os autores ressaltam que esse é um momento,
com duas dimensões, de suma importância: primeiro, por uma
orientação bem definida de um problema, ou seja, a escolha do
gênero que será trabalhado; e, segundo, por uma preparação dos
conteúdos necessários para o trabalho com o gênero selecionado,

202 EDITORA MERCADO DE LETRAS


de maneira que os alunos tenham todas as informações necessárias
para terem uma visão geral do trabalho que será realizado.
Quanto à primeira produção, conforme mencionado, os
alunos terão a oportunidade de apresentarem seus conhecimentos
prévios que darão pistas ao professor para as intervenções
seguintes. Essa produção não necessita ser completa, pode ter um

VA
contexto fictício ou limitado ao ambiente da sala de aula. Apesar
de ser uma atividade preliminar, é considerada o primeiro lugar de

R O
aprendizagem da sequência, uma vez que, ao realizá-la, os alunos

R
iniciam um processo de reflexão e conscientização da prática oral

P UTO
ou escrita. Os pontos fracos e fortes serão evidenciados e poderão
ser explorados com maior precisão durante as atividades dos
módulos.

A Os módulos devem abordar os problemas registrados após


a primeira produção dos alunos e trabalhar questões específicas

O
quanto ao gênero em questão. No caso de nossa sugestão, é

D
importante verificar um movimento que parte de questões
complexas para as mais simples e considerar basicamente três
componentes nesta fase. O professor deverá:

a) trabalhar essa complexidade em diferentes níveis


para que os alunos identifiquem os detalhes para a
composição, como destinatários do texto, finalidade,
técnicas de produção, vocabulário etc.
b) variar as atividades e exercícios considerando as
atividades de observação e de análise de textos,
utilizando tarefas simplificadas que estabeleçam
limites rígidos.
c) listar termos técnicos e regras de forma progressiva
ao longo da sequência.

Chegado o momento para a elaboração da produção final, o


aluno poderá colocar em prática os conhecimentos adquiridos nos

Gêneros, entre o texto e o discurso 203


módulos e revelar sua capacidade em sistematizar e sintetizar sua
experiência sobre os aspectos abordados do gênero. Nesta fase, o
aprendizado dará lugar a um espaço avaliativo, pois o aluno pode
se autoavaliar, identificando o que aprendeu e o que resta fazer; já
o professor deve realizar uma avaliação do tipo processual, ou seja,
feita durante o desenvolvimento de todas as atividades. Durante o

VA
processo, o professor pode observar se o estudante demonstrou
interesse e se realizou todas as atividades.

R O Uma sugestão seria criar uma lista dos termos e regras

R
adquiridos durante o processo ou elaborar uma grade que contenha

P UTO
explicitamente os elementos trabalhados em aula e que devem
servir como critérios para a avaliação.
Quanto ao procedimento “sequência didática”, os autores

A
apresentam como princípios teóricos três escolhas que permeiam
teoricamente as atividades e devem estar presentes nas atividades

O
dos módulos. São elas:

D a) Escolhas pedagógicas relacionadas ao caráter


avaliativo, motivacional e da diversidade das
atividades/exercícios.
b) Escolhas psicológicas quanto às representações da
situação de comunicação e às mudanças baseadas nas
escolhas de palavras, colocação de voz, adaptação ao
público, dentre outras.
c) Escolhas linguísticas revelando que há formas
históricas relativamente estáveis, situações de
comunicação típicas que aparecem nas estruturas
textuais.

Outro princípio abordado a respeito da teorização sobre


sequência didática é a modularidade e a diferenciação, que dispõem
sobre a perspectiva construtivista e interacionista da proposta que
deve adaptar-se às necessidades individuais dos aprendizes.

204 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Portanto, é relevante que o professor considere também as
diferenças existentes entre textos orais e textos escritos e, por fim,
as possibilidades de revisão/reescrita textual. Além disso, o docente
deve se lembrar que as proposições gramaticais, de sintaxe e de
ortografia estarão articuladas, particularmente nos momentos de
reescrita, sem, contudo, tornarem-se objeto diretamente vinculado

VA
ao gênero explorado. Não se trata de aproveitar para trabalhar essas
questões, mas de verificar a necessidade de um trabalho sistemático,

R O
em outro momento, sobre determinados aspectos.

R
Para facilitar as escolhas dos gêneros a serem trabalhados no

P UTO
Ensino Fundamental, Dolz e Schneuwly propõem o agrupamento
de gêneros e progressão, conforme explicitado no item O Gênero
Relato de Experiência: breves considerações deste capítulo. Assim

A
consideram a diversidade e as peculiaridades dos gêneros textuais
ao agrupar em um quadro cada exemplo de gêneros orais e escritos

O
aos domínios sociais de comunicação e à capacidade de linguagem

D
dominante.
Quanto à progressão através dos ciclos/séries, entendemos
que o mesmo gênero pode ser trabalhado em diferentes ciclos/
séries, modificando apenas os objetivos e a complexidade das
atividades. Numa perspectiva “em espiral” o aluno, em cada nível
de ensino, poderá exercitar a produção de vários textos orais e
escritos, lembrando que a aprendizagem dos gêneros discursivos
pode ser lenta, mas gradual, à medida que os estudantes percebem
sua utilidade, função na sociedade.

O Gênero Relato de Experiência: breves considerações

Nesta seção, apresentamos contribuições teóricas em


relação ao Relato de experiência, mas antes tecemos algumas
considerações de Dolz e Schneuwly (2004), que atribuem aos
gêneros o pertencimento a uma esfera social de comunicação,

Gêneros, entre o texto e o discurso 205


apresentam possíveis semelhanças em suas situações de produção,
compartilhando outros aspectos entre si a nível composicional e
temático, embora com diferentes graus de complexidade.
Neste sentido, o autor propõe cinco “agrupamentos de
gêneros”. São eles:

V

A AGRUPAMENTO DA ORDEM DO RELATAR

O
– ligado ao domínio social da comunicação voltado

R
à documentação e memorização das ações humanas,

R
P UTO
exigindo uma representação pelo discurso de experiências
vividas situadas no tempo (relatos de experiência vivida,
diários íntimos, diários de viagem, notícias, biografias,
relato histórico etc.);

A
• AGRUPAMENTO DA ORDEM DO NARRAR – ligado
ao domínio social da cultura literária ficcional, caracteriza-

O
se pela mimesis da ação através da criação da intriga no

D
domínio do verossímil (contos de fadas, fábulas, lendas,
ficção científica, romance etc.);
• AGRUPAMENTO DA ORDEM DO ARGUMENTAR
– ligado ao domínio social da comunicação voltado
à discussão de problemas sociais controversos, exige
a sustentação, refutação e negociação de tomadas de
posição (diálogo argumentativo, carta de reclamação,
debate regrado, editorial, ensaio argumentativo etc.);
• AGRUPAMENTO DA ORDEM DO EXPOR – ligado
ao domínio social da comunicação voltado à transmissão
e construção de saberes, exige a apresentação textual
de diferentes formas dos saberes (texto expositivo,
conferências, seminários, resenhas, artigos etc.);
• AGRUPAMENTO DA ORDEM DO DESCREVER
AÇÕES – ligado ao domínio social da comunicação
voltado às instruções e prescrições, exige a regulação
mútua de comportamentos (instruções de uso, instruções
de montagem, receitas, regulamentos, regras de jogo etc.).
(Dolz e Schneuwly 2004, p. 10).

206 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Como podemos perceber, segundo os autores, o gênero
Relato de Experiência pertence ao agrupamento da ordem do
relatar, que exige como capacidade de linguagem dominante a
representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no
tempo e no espaço e, está ligado ao domínio social de comunicação
relacionado à documentação e memorização de ações humanas.

VA
Tendo-se esse gênero assim situado pelos autores, sentimos a
necessidade de recorrer a outros autores que discursam a respeito

R O
do tema, para que nos ofereçam suporte teórico e conceitos sobre

R
o ato de relatar e o relato em si.

P UTO Vejamos agora uma breve exposição acerca do aparato


teórico que conseguimos reunir neste estudo.
Para Labov (1967), o ato de relatar é “[...] um método

A
de recapitular experiências passadas fazendo corresponder uma
sequência verbal de cláusulas à sequência de eventos que efetivamente

O
ocorreram” e ainda “recapitulam a experiência na mesma ordem dos

D
eventos originais” (Labov, apud Perroni 1992, p. 19).
Focalizando a estrutura desse gênero oral, o autor destaca
a ordem dos acontecimentos, dando atenção aos aspectos tempo
e espaço. Sua definição faz com que pensemos em um modo de
relatar que seja livre de digressões que nada tem a ver com o tópico
discursivo posto em foco pelo relator. E ainda, numa narrativa
linear, que sincronize acontecimento, tempo e espaço, e que relate
verbalmente os fatos à maneira como aconteceram, num movimento
linguístico que respeite a cronologia das experiências vividas.
Já para Perroni (1992, p. 96), “O ‘relato’[...] é uma narrativa
em que se contam experiências pessoais, vividas em momentos
anteriores ao da enunciação, que podem ser consideradas não
ordinárias ou não habituais”. Assim, a autora contempla, em seu
conceito, a abrangência de ações passadas que são recuperadas
verbalmente, e mencionam aspectos relacionados a eventos
que fogem da rotina do sujeito relator, o que pode indicar certo
acomodamento na memória deste, por isso tem-se maior fluência
no discurso.

Gêneros, entre o texto e o discurso 207


Para a autora, o compromisso que se tem nos relatos é com
a verdade, não com um enredo fixo. A sua atenção é voltada para
os discursos infantis através de três visões diferentes: à direção
do discurso enquanto forma narrativa, que é o ato cultural de
contar histórias, à direção do discurso enquanto produção do
relato, que corresponde a expressões efetivamente ocorridas e

VA
que contribuem para a formação do conhecimento partilhado
por uma sociedade culturalmente, e à direção do discurso como

O R
ocorrência de casos, que são os relatos de cunho ficcional, que não

R
são compromissados com fatos verídicos, nos quais encontramos

P UTO
domínio da imaginação.
Perroni (1992) utiliza-se dessas visões para estudar o
discurso oral infantil, e descreve a entrada da criança no gênero em

O A
questão: “nas primeiras fases do discurso narrativo há frequentes
tentativas de ‘relatos’ em que a criança logra mencionar só um
aspecto da situação, parte de um evento, frequentemente só uma

D
palavra” (Perroni 1992, p. 76). Ou seja, as crianças, em sua maioria,
costumam emitir enunciados sucintos no início da interação verbal.

Sugestão de sequência didática –


“RELATO: ESPAÇO, TEMPO E ENREDO

MÓDULO I

Objetivos:
• Expor aos alunos os objetivos do trabalho que será
realizado.
• Relacionar o texto Reminiscências com o Relato de
experiência.
• Analisar os elementos da narrativa: espaço, tempo e
enredo.
• Levar os alunos a perceberem os elementos da narrativa.
• Discutir os efeitos de sentido das palavras e expressões
escolhidas pelo narrador nas suas reminiscências.
• Aproximar os alunos do gênero Relato de experiência.

208 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Atividade 1

PRODUÇÃO INICIAL
Professor providencie para os alunos cópias do texto:
Reminiscências.
Peça que leiam em silêncio e depois em voz alta.

A
REMINISCÊNCIAS

V
Minha relação com a escrita começou numa idade muito
tenra. Lembro-me bem, minha mãe era merendeira de uma

R O R
escola rural localizada numa espécie de vila de trabalhadores
de uma Companhia de mineração, onde meu pai trabalhava.

P UTO
E certa vez, ainda com meus 5 anos tive a feliz sorte de ir com
minha mãe ao seu trabalho. Aquela sensação me foi de um
prazer tremendo, pois seria a primeira vez que eu iria numa

A
escola que, para mim, era um universo de outro mundo. No
meio dela me foi dado um giz (pedacinho mágico de fantasia)

O
por uma das professoras. Fiquei tão extasiado com tal situação
que comecei a escrever sem parar no chão (letras, desenhos,

D aquilo que uma criança de cinco anos apenas rabiscava,


como sendo uma escrita mágica, numa língua mágica, só
entendida por mim, pensava eu), sem me dar conta me vi
rodeado de pessoas, professoras, principalmente, ... meu
mundo mágico tinha desabado!...mas não: recebi elogios que
jamais imaginava e isso foi de uma surpresa tremenda; enfim,
com este primeiro contato com tal universo vi meu futuro ali
traçado; e cá estou: professor!! Quanta Alegria. 2

Professor, depois da leitura do texto, converse com os


estudantes sobre o texto:

1. O que as memórias da autora lembram... (O professor


deverá fazer com que os alunos se lembrem de alguma
coisa relacionada ao passado deles e contem oralmente
para os colegas)
2. Os alunos deverão iniciar sua narração oral com:

2. Disponível em: http://clioedionisio.blogspot.com.br/2012/04/reminiscen-


cias.htm. Acesso em: 22/06/2014. Adaptado.

Gêneros, entre o texto e o discurso 209


O texto me fez lembrar de ...
• Professor, depois de relatarem oralmente, recolha a
primeira produção dos alunos, leia-as e selecione aspectos
ou dificuldades dos estudantes para serem trabalhados na
sequência)

VA
Atividade 3
• Professor, escolhido os aspectos - tempo, espaço e enredo

O
– converse com os alunos sobre esses elementos da

R
narrativa.

R
P UTOVeja a sugestão a seguir:

Da ordem do Espaço:

A
• Onde se passa cada cena?
• Onde se passa o texto?

O
• Há relação de aproximação das memórias do autor com

D
os locais onde são retratadas as cenas?

Da ordem do Tempo:
• Quando acontece cada cena?
• Quando acontece o fato retratado no texto?
• Há relação de aproximação das memórias do autor com
as suas memórias?

Da ordem do enredo:
• O que acontece em cada cena?
• Quais os fatos que marcam a vida do narrador?
• Quais fatos da vida do narrador vocês mais gostaram?

Professor, você é o orientador da leitura dos alunos. Ajude-


os a encontrarem no texto as respostas e, por vezes, faça
com que eles façam inferências, ativem seus conhecimentos
prévios, retomem a leitura do texto etc.

210 EDITORA MERCADO DE LETRAS


MÓDULO II

Objetivos:
• Reconhecer em um texto os efeitos de sentido de uma
palavra e/ou expressão;
• Conduzir os alunos por meio de estratégias de leitura à

VA ação e reflexão a fim de que haja compreensão do texto


lido;

O
• Relacionar as atividades do texto com a intenção

R
comunicativa, ressignificando a análise linguística;

R
P UTO
• Possibilitar ação e reação dos interlocutores;
• Levar os alunos à exposição oral da leitura realizada;
• Discutir com os alunos as inferências, que podem ser
confirmadas no texto;

A
• Conduzir os alunos ao reconhecimento das características
do gênero;

O
• Reconhecer a(s) tipologia(s) textuais presente(s) no gênero

D
em estudo;
• Perceber que o domínio da linguagem é o possibilitador
da participação social e política dos cidadãos;
• Explicitar a finalidade do gênero textual em estudo;

Atividade 1
• Professor, providencie cópias do segundo texto para os
estudantes. Peça para lerem, com atenção, o texto.

Elefantes
Meu primeiro dia na escola foi bem ruim. Hoje em dia as
crianças não sabem direito como é o primeiro dia em que a
gente entra na escola. Elas começam muito pequenas, com
três anos estão no maternal. Comigo foi diferente. Eu já era
meio grande. Tinha seis anos.
Imagine. Seis anos. Quer dizer que, desde que eu nasci, até
ter seis anos, eu ficava em casa. Sem fazer nada. Brincava um
pouco. Mas meus irmãos eram muito mais velhos, e criei o
costume de brincar sozinho. Era meio chato. Até que chegou
o dia de entrar na escola. Minha mãe foi logo avisando.

Gêneros, entre o texto e o discurso 211


– Olha, Marcelo. Lá na escola, não pode ficar falando palavra
feia. Bunda, cocô, xixi. Não usa essas palavras.
Tocaram a buzina. Era o ônibus da escola.
Eu estava de uniforme. Calça curta azul, camisa branca. Eu
tinha uma camisa branca que me dava sorte. Era uma com
uma pintinha no colarinho. Gostava daquela pintinha preta.

VA
Mas no primeiro dia de aula justo essa camisa tinha ido lavar.
Fui com outra. Que não dava sorte.

O
Bom, daí a aula começou, teve recreio, eu não conhecia

R
ninguém, tirei um sanduíche da lancheira, o lanche sempre

R
P UTO
ficava com um gosto de plástico por causa da lancheira, mas
eu não sabia disso ainda, porque era a primeira vez que eu
usava lancheira, então tocou o sinal e fui de novo para a
classe.

A
Até que deu certo no começo. A professora explicou alguma
coisa sobre elefantes. Falou que eles tinham dentes grandes,

O
e que esses dentes eram muito valiosos. Então ela perguntou:

D
– Alguém sabe qual o nome dos dentes do elefante? Vai ver
que ela queria perguntar: “Qual o material precioso que é
tirado das presas do elefante?”. O fato é que eu sabia a
resposta, e gritei:
– O marfim! A professora me olhou muito contente. Os
meus colegas também me olharam, mas não pareciam tão
contentes. Ela brincou:
– Puxa, você está afiado, hein? Eu não respondi, mas fiquei
inchado de alegria, como se fosse um elefantezinho. Dentes
afiados. Tinha sido um bom começo. Segurei. A professora
continuava a falar sobre os elefantes. Assunto mais louco
para um primeiro dia de aula. E a vontade de fazer xixi ia
aumentando. Cruzar as pernas não adianta nessa hora. Olhei
para um coleguinha no banco da frente. Tive inveja dele. Ele
estava ali, tranquilo. Sem nenhum aperto. Como é que seria
estar no lugar dele? Pedir para ser ele, pedir emprestado o
corpo dele por algum tempo? Como alguém pode ficar sem
vontade de fazer xixi? Sem nem pensar no problema? Eu
estava ficando meio desesperado. Eu era meio tímido também.
Levantei a mão. A professora perguntou o que eu queria.

212 EDITORA MERCADO DE LETRAS


– Posso ir no banheiro?
– Espere um pouco, tá? Ela devia estar achando muito
importante aquela história toda sobre elefantes. Começou
a explicar como os elefantes bebiam água. Eles enchiam a
tromba, seguravam bem, e daí chuáá... Levantei a mão de
novo.

VA
– Preciso ir no banheiro, professora... Ela nem respondeu. Fez
só um gesto com a mão. Para eu esperar mais. Na certa, ela

O
estava pensando que, no primeiro dia de aula, é importante

R
não facilitar. Não dar moleza. Devia imaginar que todo

R
P UTO
mundo inventa que quer ir ao banheiro só para passear um
pouco e não ficar ali assistindo aula. Professora mais idiota.
Levantei a mão pela terceira vez. Eu realmente não aguentava
mais. Só que a professora nem precisou responder. O primeiro

A
dia de aula tinha tocado o sinal. Fim da aula. Era só correr até
o banheiro. Levantei da carteira. A gente era obrigado a sair

O
em fila. Faltava pouco. Claro que não deu. Fiz xixi. Dentro

D
da classe. Logo eu, que nunca fui de fazer grandes xixis. Mas
aquele foi fenomenal. Parecia um elefante. Coisa de fazer
barulho no chão. Chuáá... A professora chegou perto de mim.
– Você estava apertado? Por que não me avisou? Eu não soube
o que responder. Mas entendi algumas coisas. A coisa mais
óbvia é que, quando você tem vontade de fazer xixi, vai e faz.
Dane-se a professora. Coisa mais idiota é ficar pedindo para
alguém deixar a gente ir ao banheiro. Banheiro é assunto meu.
Outra coisa é que as pessoas, em geral, não ligam para o que
a gente está sentindo. Para mim, a vontade de fazer xixi era
a coisa mais importante do mundo. Para a professora, a coisa
mais importante do mundo era ficar falando de elefantes. É
como se cada pessoa tivesse um filme dentro da cabeça. E só
prestasse atenção nesse filme. Filme dos elefantes, filme do
xixi. Mais uma coisa. Quando a gente precisa muito, a gente
tem de gritar para valer. Eu devia ter gritado:
– Professora, tenho de fazer xixi. Ou, se quisesse evitar a
palavra feia:
– Professora, tenho absoluta urgência de urinar. Não seria
bonito, mas até que seria certo dizer:

Gêneros, entre o texto e o discurso 213


– Vou dar uma mijada, pô. Mas o pior é ficar levantando a
mão e dizendo baixinho:
– Professora, posso ir no banheiro? Vai ver que eu estava
falando tão baixo que ela nem escutou. As pessoas nunca
escutam muito bem o que a gente diz. Uma última coisa.
Aquele xixi não teve importância nenhuma. Eu fiquei

VA
envergonhado. Ainda mais no primeiro dia de aula. Só que,
alguns dias depois, o vexame tinha passado. Tudo ficou

O
normal. Tive amigos e inimigos na classe, fiz lição, respondi

R
chamada, e nem a professora, nem meus amigos, nem meus

R
P UTO
inimigos, ninguém se lembrou do meu xixi.
Sabe por quê? É por que já estava passando outro filme na
cabeça deles. Cada pessoa tem outras coisas em que pensar: a
briga que os pais estão tendo, o irmão mais velho que é chato,

A
o presente que vai ganhar de aniversário. Só eu liguei de
verdade para o caso do xixi. As outras pessoas estão sempre

O
tratando de assuntos mais sérios. Elefantes, por exemplo.3

D Atividade 1

• Professor, converse com os alunos sobre o texto. Sugira


que respondam às questões, a seguir.

1. Essa história é narrada na primeira pessoa.

a) Qual é a primeira palavra que indica isso?


b) Que experiência o personagem nos conta, logo no
primeiro parágrafo?
c) No decorrer do texto, o narrador vai contando seus
sentimentos em relação ao primeiro dia de aula. Liste
alguns desses sentimentos.
d) Por que, segundo o narrador, a professora não o deixou
ir ao banheiro?

3. Fonte: Coelho, Marcelo (1995). A professora de desenho. São Paulo: Com-


panhia das Letrinhas.

214 EDITORA MERCADO DE LETRAS


e) O professor deve ou não permitir que os alunos saiam
da classe para ir ao banheiro durante as aulas?
(Sim) (Não) (Às vezes)? Justifique.

Atividade 2

VA
• Professor, volte ao texto, e peça aos alunos para
responderem às questões a seguir:

R O 1.

R No decorrer do texto, o narrador vai contando seus

P UTO
sentimentos em relação ao primeiro dia de aula. Listei
alguns desses sentimentos abaixo. Já fiz o primeiro.
Façam os outros.

O A Trecho 1 Sentimento

“Meu primeiro dia na escola foi bem ruim.” – Decepção

D • “Lá na escola, não pode ficar falando palavra feia.”


• “ Fui com outra. Que não dava sorte.”
• “– Puxa, você está afiado, hein?”
• “As pessoas nunca escutam muito bem o que a gente diz.”
• “Tudo ficou normal.”

Atividade 3

• Professor, para um bom entendimento do texto, os alunos


devem compreender o significado de expressões ou
palavras. Peça a eles que façam a atividade a seguir. Eles
deverão utilizar o dicionário, se for necessário.

a) O que vocês entenderam depois da leitura das frases


abaixo? Vejam os termos ou expressões retirados do
texto. Expliquem com suas palavras o que entenderam.

• “Hoje em dia, as crianças não sabem direito como é o


primeiro dia em que a gente entra na escola.”

Gêneros, entre o texto e o discurso 215


• “Eu já era meio grande.”
• “Mas meus irmãos eram muitos mais velhos, e criei o
costume de brincar sozinho.”
• “ ...o lanche sempre ficava com um gosto de plástico por
causa da lancheira...”
• “ – Puxa, você está afiado, hein!!!”

VA
• “Só que, alguns dias depois, o vexame tinha passado.”

Atividade 4

R O R
• Professor, pergunte aos alunos: Por que, segundo o

P UTO narrador, a professora não o deixou ir ao banheiro?

Releia o texto e liste as suposições do autor.

O A Atividade 5

D
• Entregue cópia das atividades aos alunos. Oriente-os na
resolução dos exercícios.

No texto, o narrador afirma que, quando um aluno precisa


muito ir ao banheiro, deve gritar para valer. E imagina três
maneiras de dizer isso em aula.
a) Quais são elas?
b) Compare as três maneiras de falar, pensando na
linguagem usada, na situação de interação e no falante.
c) Dê sua opinião: alguma dessas maneiras de falar é
“certa” ou “errada”? Justifique sua resposta.

MÓDULO III
Produção

Objetivos:
• Retomar, rapidamente, com os alunos os textos base:
Elefante e Reminiscências.
• Levar os alunos a relatarem experiências, fatos semelhantes
às vivenciadas pelos narradores.

216 EDITORA MERCADO DE LETRAS


• Levar aos alunos a aprimorarem a habilidade da escuta.
• Discutir com os alunos termos e expressões, específicas desse
grupo social, que se fizeram presentes nos relatos orais.
• Desenvolver aspectos da oralidade levando em conta a
intenção comunicativa e a reação dos interlocutores.

VA TT Professor, peça aos alunos para relatarem fatos que


aconteceram em suas vidas, na escola, em casa, na

O
fazenda.....por escrito e oralmente.

R
P UTO R
Antes de os estudantes realizarem a tarefa, fazer uma reflexão
com eles:

• Qual o gênero a ser elaborado: O relato oral e o relato

A
escrito.
• A quem se dirigirá a produção: ao professor e aos demais

O
colegas.

D
• Que forma assumirá essa produção:

a) escrita
b) apresentação oral em sala de aula, o aluno ficará à
frente e contará o fato aos seus colegas.

• Quem participará da produção: todos os alunos da turma,


um após o outro. O professor fará intervenções orais para
que os textos falados sejam melhor compreendidos por
todos.

Relato oral em sala, em foco:

• Qual o tema de cada relato?


• Onde acontece cada relato?
• Quando acontece cada relato?
• Quem participa de cada relato?
• Palavras/ expressões cotidianas. (mediação do professor)
• Tema, Onde? Quando? Quem? Palavras/expressões,
outros...

Gêneros, entre o texto e o discurso 217


MÓDULO IV
Refacção

Objetivos:
• Fazer correção coletiva de um relato.
• Realizar a reescrita com alunos, atentando para os

VA elementos que caracterizam o gênero relato. (oral e


escrito)

OBS:

R O R
P UTO
Sequência para realização da atividade:
1. Na revisão deverá ser feita a troca com outro (a) colega com
o objetivo de efetivar o processo de interação produtor-leitor
texto.

O A 1. Após a escrita e leitura dos textos pelos colegas, o


professor deverá recolhê-los para realizar a leitura,
priorizando as características do gênero em estudo.

D 2. Reescrita individual (com correção prévia do professor


e mediação durante o processo da reescrita).

Reflexões ligeiras sobre a aplicação da sequência em sala de aula

A sequência didática em questão foi aplicada em uma


turma de 6º ano do ensino fundamental como forma de resolver
algumas dificuldades que os alunos estavam tendo em estabelecer,
especialmente, o espaço, tempo e enredo em sua produção de
relatos, tanto orais quanto escritos.
Os objetivos foram claramente delimitados no projeto de
aprendizagem, bem como os módulos e atividades foram propostos
com base nas observações da produção inicial.
Primeiramente, os alunos elaboraram uma produção inicial
oral e escrita, feita sobre uma situação de comunicação que orientou
a sequência didática, elaborada por meio de módulos, que levaram

218 EDITORA MERCADO DE LETRAS


os alunos a se confrontarem com os problemas do gênero, tratados
de forma mais particular.
O professor precisou intervir em diversos níveis da
sequência. De modo geral, precisou adaptar a escolha de gênero
a situações de comunicação em sala de aula, de acordo com as
capacidades de seus alunos. Como fechamento, foi solicitada uma

VA
produção final: oral e escrita. Esses três passos constituíram a
sequência, cujo objetivo central foi a produção oral e escrita do

R O
Gênero Relato.

R
A refacção do texto escrito foi parte constitutiva do

P UTO
processo. As diversas atividades de uma sequência didática podem
contribuir para sanar dificuldades na escrita de textos, que vão
sendo superadas na reescrita.

A De modo geral, vale ressaltar que as dificuldades antes


manifestadas pelos estudantes se deviam ao fato de eles não se

O
colocarem na situação de produção de um texto, não tomarem

D
a oralidade e a escrita como um processo e, de também não
considerarem as características constitutivas do gênero enfocado.

Gêneros, entre o texto e o discurso 219


VA
R O R
P UTO
O A
D
A10
O VdescriçÃo e anÁlise do

R
R
P UTO
Gênero rePortaGeM didÁtica
na REVISTA NOVA ESCOLA

O A Francieli Matzenbacher Pinton

D
Introdução

Entendendo gênero como ação social (Miller 1984), tipificada


e recorrente (Bazerman 2009), e, portanto, como evento discursivo
situado em contextos recorrentes da experiência humana (Motta-
Roth 2008), pode-se afirmar que os gêneros exercem um papel
estruturador da cultura, com o poder de encapsular as diferentes
formas de identificar e representar os aspectos da vida humana.
Assim, os gêneros tipificam não somente a forma textual, mas
também o modo como os seres humanos dão forma às atividades
sociais (Bazerman 2009).
Nesse sentido, a apropriação de um determinado gênero
discursivo permite ao sujeito inserir-se em uma prática social,
discursiva e textual e, ao mesmo tempo, conscientizar-se dos
processos ideológicos do discurso, tornando “as pessoas mais
conscientes de sua própria prática e mais críticas dos discursos

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 221


investidos ideologicamente a que são submetidas” (Fairclough
2008).
Em razão disso, este capítulo tem por objetivo descrever
e analisar o gênero reportagem didática veiculado na revista
Nova Escola entre os anos 2006 e 2010. Primeiramente apresento
o referencial para análise de gênero na ótica da Sociorretórica,

VA
discutindo conceitos-chave como gênero e reportagem didática.
Logo após, descrevo os procedimentos metodológicos adotados

R O
para análise do gênero reportagem didática e, por fim, analiso a

R
configuração contextual e textual do gênero.

P UTO
Referencial teórico

O A A Análise de Gênero na perspectiva da Sociorretórica busca

D
explicitar as relações entre o texto e o contexto a fim de explicar
os aspectos ideológicos que estão materializados linguisticamente
nos diferentes gêneros que circulam na sociedade. Em vista disso,
os estudos da sociorretórica priorizam as noções de propósito e de
contexto, tendo como seus principais representantes, autores como
Carolyn Miller, Charles Bazerman e John Swales.
Noções como ação retórica e recorrência são consideradas
chave para o conceito de gênero desenvolvido por Miller (1994).
Nessa linha, o gênero é entendido como uma ação retórica
tipificada que funciona como uma resposta a situações recorrentes
e definidas socialmente. Por isso, a compreensão dos gêneros que
constituem a vida em sociedade pode contribuir para a explicação
de como encontramos, interpretamos, reagimos e criamos certos
textos (confira Miller 1984, p. 151).
Em consonância a isso, Bazerman (2009, p. 22) aponta para
a ideia de que cada texto cria para seus leitores um fato social. Para
ele, o conceito de fato social remete a ações significativas realizadas
pela linguagem. Assim, esses fatos são realizados por meio de ações

222 EDITORA MERCADO DE LETRAS


retóricas padronizadas, típicas, ou seja, por meio de gêneros, que
ocorrem em circunstâncias relacionadas:

Gêneros são tão-somente os tipos que as pessoas reconhecem


como sendo usados por elas próprias e pelos outros. Gêneros

A
são o que nós acreditamos que eles sejam. Isto é, são fatos
sociais sobre os atos de fala que as pessoas podem realizar

O V e sobre os modos como elas os realizam. Gêneros emergem


nos processos sociais em que as pessoas tentam compreender

R
R
umas às outras suficientemente bem para coordenar atividades

P UTO
e compartilhar significados com vistas a seus propósitos
práticos. (Bazerman 2009, p. 31)

Dessa forma, os vários gêneros se acomodam em conjuntos

O A
de gêneros dentro de sistemas de atividades humanas. Para este
autor, um conjunto de gêneros é a coleção de tipos de textos que uma

D
pessoa num determinado papel social tende a produzir (Bazerman
2009, p. 32). Já o sistema de gêneros compreende os diversos
conjuntos de gêneros utilizados pelas pessoas que trabalham juntas
de uma forma organizada e também as relações padronizadas que
se estabelecem na produção, circulação e uso desses documentos.
Um sistema de gêneros captura as sequências com que um segue
o outro, dentro de um fluxo comunicativo típico de um grupo de
pessoas (idem).
Portanto, os gêneros podem ser encarados como um
mecanismo constitutivo na formação, manutenção e realização
da sociedade, da cultura, da psicologia, da imaginação e do
conhecimento, interagindo com todos os processos que formam
nossas vidas (Ibidem, p. 61). Assim, os gêneros estruturam, organizam,
enquadram e regulam ações e interações sociais, tanto naquilo que elas têm de
semelhante ou de inusitado (Carvalho 2005, p. 149).
Nessa linha, o trabalho o Swales (1990, 1998, 2004) tem
contribuído significativamente ao propor uma etnografia da escrita,
em que são considerados os papéis que os textos desempenham em

Gêneros, entre o texto e o discurso 223


determinados contextos. O foco da análise textual é a organização
retórica, isto é, a explicitação da forma como a organização textual
revela aspectos do evento comunicativo ao qual o texto está ligado.
Para analisar a organização retórica, as categorias de análise são os
movimentos e os passos. De acordo com Swales (2004, p. 228), o
movimento é uma unidade discursiva ou retórica que desempenha

VA
uma função comunicativa. Cada movimento inclui unidades
menores definidas como passos, estes são elementos constitutivos

R O
que se combinam para formar a informação que constitui o

R
movimento (Motta-Roth 1995, p. 47).

P UTO Um dos exemplos mais conhecidos de análise da


organização retórica é o chamado modelo CARS (Create a Research
Space), proposto por Swales para descrever a seção de introdução

A
em artigos científicos, conforme Quadro 1.

D O Quadro 1 – Modelo CARS


Movimento 1 – Estabelecer um território
Passo 1 – Alegar centralidade
e/ou
Passo 2 – Fazer generalização(ões) Tópica(s)
e/ou
Passo 3 – Revisar itens de pesquisas prévias

Movimento 2 – Estabelecer um nicho


Passo 1A – Contra-argumentando
ou
Passo 1B – Indicar uma lacuna
ou
Passo 1C – Levantar questões
ou
Passo 1D – Continuar uma tradição

Movimento 3 – Ocupar o nicho


Passo 1A – Delinear os propósitos
ou
Passo 1B – Anunciar a presente pesquisa
Passo 2 – Anunciar as descobertas principais
Passo 3 – Indicar a estrutura do AP
Fonte: Swales (1990, p. 141).

224 EDITORA MERCADO DE LETRAS


O valor do modelo CARS está na ideia de que certos
movimentos retóricos aparecem nos textos, com objetivo de atingir
um determinado efeito de sentido, tendo em vista um propósito
comunicativo. Vários pesquisadores já testaram esse modelo de
organização de informações proposto por Swales. Motta-Roth
(1995) aplicou esse modelo com resenhas acadêmicas, Motta-

VA
Roth e Hendges (1998) com abstracts, Biasi-Rodrigues (1998) com
resumos de dissertações de mestrado, Hendges (2001) com a seção

O
de revisão da literatura, Oliveira (2003) com a seção de metodologia.

R
P UTO R
Em gêneros da esfera midiática, Silva (2002) aplicou o modelo para
estabelecer uma distinção entre notícia e reportagem, Bonini (2009)
para distinguir diferentes tipos de reportagem, Motta-Roth e Lovato
(2009) para elaborar uma representação esquemática da organização
retórica de notícias de popularização da ciência em inglês e português.

A Como este trabalho foca o texto midiático, em especial, aquele


publicado na revista Nova Escola, torna-se relevante a discussão

O
proposta por Bonini, em seu trabalho sobre notícia e reportagem.

D
Nesta pesquisa interessa a discussão sobre a reportagem didática
que surge a partir de um assunto ou de situações que requerem
um determinado comportamento do leitor ou a aprendizagem de
um conhecimento específico (Bonini 2009, p. 203). Para Bonini,
a organização retórica da reportagem didática pode ser definida,
conforme o Quadro 2.

Quadro 2 – Organização retórica da reportagem didática

Movimentos Passos

1. Citar os aspectos mais evidentes (opcionalmente como


Título e subtítulo
complementação ou especificação da informação).

Introdução 2. Chamar a atenção para o objeto do conhecimento.

3. Dar uma visão geral do objeto do conhecimento.


4. Dar uma definição do objeto do conhecimento.
Corpo do texto 5. Descrever aspectos do objeto.
6. Dar exemplos de como aplicar o conhecimento.
7. Aconselhar ou recomendar.
Fonte: Bonini (2009, p. 203).

Gêneros, entre o texto e o discurso 225


Ao estudar a popularização da ciência no Diário de Santa
Maria, Moreira e Motta-Roth (2008) identificaram dois tipos de
reportagem de popularização da ciência: a reportagem de pesquisa e
a reportagem didática. Em relação à reportagem didática, as autoras
apresentam a organização retórica desse gênero no Quadro 3:

VA Quadro 3 – Organização de reportagens didáticas


da seção Ideias do Diário de Santa Maria

R O R
Movimentos Passos

P UTO
Título e subtítulo
1A Salientar o tema da reportagem
1B Detalhar o tema da reportagem
1C Citar nomes e credenciais dos atores da reportagem

O A
Introdução
2A Retomar o tema da reportagem
2B Contextualizar o tema da reportagem

3A Apresentar definição(ões) relacionadas ao tema

D
Desenvolvimento

Conclusão
3B Descrever aspectos relacionados ao tema
3C Apresentar exemplos

4A Aconselhar ou recomendar
4B Apresentar sugestões

Referências 5A Relacionar fontes de pesquisa


Fonte: Moreira e Motta-Roth (2008, p. 8).

Tomando por base os estudos desenvolvidos sobre o gênero


reportagem didática, buscaremos descrever e analisar este gênero
na revista Nova Escola a fim de compreender seu funcionamento,
bem como suas implicações ideológicas subjacentes a este situado.
Metodologia: universo de análise
O universo de análise é a revista Nova Escola, em especial,
as reportagens publicadas entre os anos de 2010 e 2012. Foram
coletadas das versões impressas as reportagens que enfocavam o
ensino de produção textual para nível fundamental.

226 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Quadro 4 – Numeração, edição e título
dos textos do corpus definitivo

1#198 A arte de escrever bem. In: Nova Escola, 2006, ed. 198, p.42-45.

2#212 Contos 2.0. In: Nova Escola, 2008, Ed. 212, p.54-57

3#219 Escrever de verdade. In: Nova Escola, 2009, ed. 219, p.39-45

4#220

5#221

VA O que cada um sabe. In: Nova Escola, 2009, ed. 220, p.52-54

Ler para escrever. In: Nova Escola, 2009, ed. 221, p.54-56

O
6#222

R R
O que e para quem. In: Nova Escola, 2009, ed. 222, p.78-80

P UTO
7#223 Além da reescrita. In: Nova Escola, 2009, ed. 223, p.76-78

8#224 Gêneros, como usar. In: Nova Escola, 2009, ed. 224, p.48-56

9#225 Raio X na notícia. In: Nova Escola, 2009, ed. 225, p.82-84

O A
10#226

11#227
Hora de aperfeiçoar. In: Nova Escola, 2009, ed. 226, p.90-92

De olho na tela. In: Nova Escola, 2009, ed. 227, p. 70-72

D
12#228 Lição de mestre. In: Nova Escola, 2009, ed. 228, p.61-63

13#230 Autor em formação. In: Nova Escola, 2010, ed. 230, p.66-68

Como trabalhar a escrita de contos de terror com os alunos. In:


14#231
Nova Escola, 2010, ed. 231)

15#232 Sumo do resumo. In: Nova Escola, 2010, ed. 231, p.82-84.

Procedimentos de análise contextual e textual

Primeiramente, realizei uma análise documental do site da


revista em busca dos objetivos e da missão da revista Nova Escola.
Além disso, consultei os sites da Editora Abril e da Associação
Nacional de Editores de Revista com a finalidade de encontrar
dados referentes à produção, à circulação e à distribuição da revista.
Como tarefa subsequente, elaborei um questionário que foi enviado
aos jornalistas da revista com o intuito de tomar conhecimento

Gêneros, entre o texto e o discurso 227


sobre o contexto de produção do gênero reportagem. Apesar de a
revista contar com vários jornalistas, obtivemos resposta de apenas
um deles.
Com procedimento subsequente, realizei a análise da
organização retórica das reportagens com base na representação
esquemática proposta por Moreira e Motta-Roth (2008), conforme

VA
revisão da literatura. Essa análise foi realizada em três etapas:
descrição da organização retórica das reportagens didáticas,

R O
marcação dos movimentos e passos e tabulação da frequência dos

R
movimentos e passos; por fim, apresentação da estrutura genérica.

P UTO
Discussão e análise dos resultados: Análise contextual

O A A expressão imprensa periódica educacional designa o

D
conjunto de revistas que são destinadas aos professores e tem como
principal objetivo guiar a prática cotidiana do trabalho docente,
fornecendo informações sobre o conteúdo, sobre os programas
oficiais, bem como sobre a condução da regência de classe e a
didática da disciplina (Catani e Bastos 2002, p. 6).
Diante de tal caracterização, é pertinente questionar se
a revista Nova Escola é pedagógica ou não. Para Ricardo Filho
(2005, p. 32), as revistas de iniciativa privada de fins comerciais,
como a Nova Escola, nem sempre foram admitidas pela História
da Educação; no entanto, ao se considerarem suas características,
deve-se reconhecer que elas também propiciam condições para o
entendimento de como se configura o campo educacional. Dessa
forma, assim como outras revistas pedagógicas, a Nova Escola
apresenta dicas, modos de fazer, exemplos de atividades, planos
de aula, textos ou imagens para serem trabalhadas em sala de aula,
além de explicações das novas tendências didático-pedagógicas
(Santaela 2003, p. 37).

228 EDITORA MERCADO DE LETRAS


A revista começou a circular em março de 1986, período
que se tornou conhecido como década perdida1 em referência aos
problemas econômicos no Brasil. Em contrapartida, nesse mesmo
período, inúmeras reformas educacionais foram colocadas em
prática e, como consequência, houve um aumento dos recursos
destinados à educação (Silva; Feitosa 2008). O nascimento da

VA
Nova Escola reflete, então, a necessidade de um período histórico,
bem como o desejo de contribuir para a formação do professor

R O
brasileiro:

R
P UTO É vendida a preço de custo – você só paga o papel, a
impressão e a distribuição porque a Fundação Victor Civita,
entidade sem fins lucrativos criada em setembro de 1985, tem

A
como objetivo contribuir para a melhoria da Educação Básica,
produzindo publicações, sites, material pedagógico, pesquisas

D O e projetos que auxiliem na capacitação dos professores,


gestores e demais responsáveis pelo processo educacional.
(Civita 2009, p. 8)

Essa nota, assinada por Victor Civita, é publicada em todas


as edições da revista sob o título “O que você precisa saber sobre
a revista Nova Escola e a Fundação Victor Civita”. Conforme
relatório anual de 2007 da Fundação Victor Civita, a missão desta
é contribuir para a melhoria da qualidade da Educação Básica no
Brasil.
A produção da revista impressa é realizada por um grupo de
profissionais composto por jornalistas e especialistas em educação.

1. A chamada década perdida representa o período entre os anos 80 e boa parte


dos anos 90, alguns anos após o milagre econômico, época do crescimento
econômico temporário promovido, pela ditadura militar, entre os anos 1960
e 1973, mas cujo término trouxe uma fraca produção das indústrias e queda
do Produto Interno Bruto (PIB), produzindo sérias consequências sociais,
políticas e econômicas para o Brasil. Disponível em: http://www.econ.puc
-rio.br/gfranco/a48.htm. Acesso em: 12/12/2011.

Gêneros, entre o texto e o discurso 229


De acordo com as informações fornecidas pelo repórter Anderson
Moço, as pautas da revista são definidas com toda a equipe de
trabalho, sendo que cada um dos participantes defende o tema que
julgar importante para a reportagem que será produzida. Entretanto,
os temas, segundo ele, não surgem apenas do desejo da equipe, mas
também são oriundos do contato com as escolas e da participação

VA
do grupo de jornalistas em congressos e simpósios. Além disso,
o repórter revela a preocupação da equipe em contemplar nas

R O
reportagens as diferentes áreas do conhecimento e os diferentes

R
níveis de ensino:

P UTO Temos um grande cuidado para equilibrar as disciplinas e


os segmentos abordados em cada número. Em toda edição

A
é desejável que a revista contemple: uma reportagem
de educação infantil, uma de língua portuguesa, uma de

D O matemática, uma de história ou geografia, uma de educação


física ou língua estrangeira, uma de arte ou de ciências.
Dentro das disciplinas, procuramos variar conteúdos para as
séries iniciais do Ensino Fundamental (1 ao 5 ano) e para o
segundo segmento (6 ao 9 ano) (Anderson Moço)

O repórter Moço informa que o papel da equipe é “encaixar”


suas ideias dentro do formato estabelecido pelas disciplinas e
pelo nível de ensino, observando ainda a importância de abordar
determinado assunto em épocas específicas, como, por exemplo, o
início das aulas.
Como síntese dos critérios que definem os temas a serem
abordados pela revista, têm-se: i) a importância do tema para a
educação brasileira naquele momento, critérios de variedade de
conteúdos, disciplinas e segmentos, intervalo de tempo em que
não foi abordado o assunto, ineditismo (projetos e trabalhos
inovadores) e novidades didáticas (o que as pesquisas na área têm
apontado como eficiente no processo de ensino e aprendizagem);
e ii) os trabalhos enviados por professores para o Prêmio Victor
Civita Educador Nota 10.

230 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Em relação à circulação, como evidência do objetivo
proposto pela revista que é o de contribuir para a formação do
professor, observa-se o elevado número de exemplares que
circulam em todo o Brasil – 738.900.2 Desses exemplares: 342.922
são correspondentes a assinaturas, 33.685 correspondentes a
vendas avulsas e o restante destinado à distribuição gratuita para

VA
Secretarias de Educação, Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE) e outras instituições.

R O A produção das reportagens é supervisionada pela

R
coordenadora pedagógica da revista que orienta a respeito dos

P UTO
conteúdos a serem divulgados para os professores e também sobre
a forma assumida pela reportagem neste contexto específico.
Segundo o repórter Anderson Moço, a dinâmica desse gênero pode

A
ser assim descrita:

D O Antes de começarmos a apuração, o repórter, o editor, a


redatora-chefe e a coordenadora pedagógica nos reunimos
para conversar sobre qual “pegada” devemos dar ao texto
e o que é mais importante de ser abordado. A coordenação
sugere artigos e livros que ajudem a reportagem e indica
ainda possíveis fontes e caminhos para a apuração. Em geral,
consultamos ainda um especialista na área, que irá agir como
um consultor, não necessariamente sendo citado. Quem nos
ajuda muito nessa tarefa são os selecionadores do Prêmio
Victor Civita Educador Nota 10, reconhecidos formadores de
professores e envolvidos com as práticas de sala de aula. Para
definir como serão as fotos ou ilustrações, uma nova reunião
da equipe é realizada, dessa vez com a participação dos
editores de arte da revista. A coordenação novamente sugere
abordagens e, em conjunto, a equipe chega a uma fórmula
para a reportagem. Antes de o texto ser aplicado na página
da revista, a coordenação pedagógica lê e pede alterações.

2. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/publicidade/index.html.


Acesso em: 18/08/2010.

Gêneros, entre o texto e o discurso 231


Esse cuidado evita (ou tenta evitar) que erros conceituais e
assimilações deformantes saiam publicadas. Muitas vezes,
dependendo do tema, o consultor também lê a reportagem e
sugere melhorias.

Sobre o gênero, o repórter afirma que as reportagens

VA
produzidas pela revista são diferentes daquelas produzidas pela
grande imprensa, pois o foco dessa revista pedagógica é auxiliar

O
o professor a entender conceitos, concepções com vistas ao

P UTO R
aperfeiçoamento da prática em sala de aula.

R Nessa seção, nos aproximamos mais da divulgação científica


(que visa explicar, com uma linguagem acessível, as pesquisas

A
na área de didáticas específicas) do que do jornalismo
noticioso. Porém, muitos dos textos tratam de experiências

O
reais, desenvolvidas em sala de aula por professores de todo o
Brasil, e, nesse caso, o gênero reportagem fica mais evidente.

D Em todo o caso, as características do texto jornalístico


estão todas lá: título e olho com informações precisas, a
estrutura básica (abre com as informações principais que
serão abordadas, desenvolvimento do texto em núcleos
temáticos, discurso indireto para os entrevistados, fotos
com legendas etc.), a variedade de fontes (entrevistamos
diversos especialistas e colocamos suas opiniões de maneira
clara e identificadas), além do viés discursivo-narrativo das
reportagens (não escrevemos artigos opinativos, mas sim
construímos textos baseados no que descobrimos sobre o
assunto). Essas reportagens são sempre acompanhadas de
Planos de Aula elaborados por especialistas. Publicados num
box, eles apresentam um formato próximo ao do planejamento
docente. (Grifei)

Com base nas afirmações do jornalista Anderson Moço,


percebe-se certa dificuldade para definir o gênero inscrito nessa
seção de forma precisa. Talvez, tal dificuldade provenha das
transformações que o próprio gênero sofreu na revista.

232 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Entre os anos de 2006 e 2007, o gênero estava mais próximo
de um relato de experiência, pois essas reportagens contemplavam
basicamente as experiências de professoras na educação básica. Nessa
perspectiva, a voz do professor, no relato de sua experiência, era
justificada e/ou reforçada pela voz do jornalista e dos especialistas,
que avaliavam sua prática. Entre 2008 e 2010, o foco passou a ser

VA
a divulgação de conteúdos e práticas pedagógicas consideradas
“inovadoras” pela revista. Nessa linha, a voz do jornalista passa a ser

R O
justificada pela voz do professor, que expõe uma situação prática por

R
ele vivenciada, e pela voz do especialista, que valida cientificamente

P UTO
a teoria e a prática popularizada na revista.
Nesse novo contexto de produção, a voz do professor
surge como a de alguém que dá credibilidade prática ao assunto

A
que está sendo abordado, diferentemente do papel exercido pela
voz do professor nas reportagens anteriores. Essa prática sinaliza

O
uma inversão: antes, o professor relatava e o jornalista explicava

D
ou justificativa a prática docente; agora, o jornalista populariza um
conhecimento produzido pelo cientista que é justificado em uma
determinada prática de sala de aula pela voz do professor.
Outro aspecto interessante, é que as reportagens publicadas
entre 2008 e 2009 estão vinculadas à seção “Sala de aula”, seção
que surge justamente nesse período. As reportagens assumem uma
linguagem mais dinâmica e próxima das revistas comerciais, como
no Exemplo 1:

Exemplo 1
Seus alunos acham que escrever é chatice? Sofrem para
rabiscar uma ou duas linhas e desistem? Não dizem nada com
nada? Misturam gêneros – ou, pior, ficam sempre no mesmo,
ou, pior ainda, não têm a menor noção do que se trata? Para
resolver isso, um caminho é refletir sobre sua prática em sala.
Mais especificadamente sobre suas propostas de produção de
textos. É bem provável que esteja nelas a raiz da maior parte
de suas queixas. (Nova Escola 2009, Ed. 222, p. 48)

Gêneros, entre o texto e o discurso 233


As perguntas retóricas iniciais têm a finalidade de manter
uma aproximação com o leitor, demonstrando que o jornalista
conhece a realidade escolar, já que faz uma “previsão” dos principais
problemas enfrentados pelo docente na escola. Professor e aluno
são agentes; entretanto, são as práticas do professor que precisam
ser revistas, e para isso, a reportagem “promete” dar o caminho. Tal

VA
estratégia discursiva aproxima-se muito do discurso publicitário,
pois aponta um problema, e oferece um “produto” como solução.

R O Em termos de organização gráfica, nas reportagens,

R
primeiramente, é apresentada a seção e a área ou o assunto que

P UTO
será abordado. Logo após, são apresentados o título e o subtítulo
da reportagem, o nome do jornalista e o seu endereço eletrônico.
Além disso, em algumas reportagens há uma seta indicando se

A
o tópico apresentado foi sugerido pelos leitores e/ou se é uma
reportagem de uma determinada série produzida pela revista. Essa

O
estratégia contribui para a representação de que o leitor tem o poder

D
de interferir nas escolhas dos temas da reportagem, revelando o
diálogo entre os que produzem e os que consomem a revista.
No corpo do texto da reportagem são inseridas imagens e
vários boxes. Apesar de os boxes sempre existirem, são recorrentes
apenas dois nas seções “Sala de aula” e “Capa”: a “Sequência
didática” (existe a variável para a sequência didática que é o projeto
didático) e o “Quer saber mais”.
No boxe “Sequência didática”, a equipe ou um consultor
da revista apresenta um plano de aula sobre o conteúdo que foi
popularizado. A Figura 19 mostra que a organização da sequência
apresenta os objetivos, os conteúdos, a série/ano para o/a qual
a aula é indicada (normalmente são contemplados dois anos,
por exemplo, sétimo e oitavo ano), o material necessário, o
desenvolvimento das atividades propostas e, por fim, a avaliação
do conteúdo ministrado. Os projetos didáticos e as sequências
didáticas diferem em relação ao tempo previsto para execução,
por exemplo, quando se trata das sequências, o tempo é calculado

234 EDITORA MERCADO DE LETRAS


em horas-aula; nos projetos didáticos, em meses, normalmente o
período equivalente a um mês.
Dessa forma, as sequências e os projetos se configuram
mais como uma ampliação dos planos de aula já propostos pela
revista anteriormente. Apesar de ser popularizada a proposta da

A
Escola Suíça pela revista, as sequências didáticas apresentadas pela

V
Nova Escola encontram-se bastante distantes do conceito proposto
pela Didática de Línguas genebrina e expandido pelo grupo de

O R
pesquisadores brasileiros, uma vez que, em muitas situações, as sequências

R
não contemplam as características sociodiscursivas do gênero textual que deve

P UTO
ser produzido pelo aluno (Anjos-Santos, Lanferdini e Cristovão 2011,
p. 396). Por outro lado, talvez o construto de sequência didática
apresentada pela revista não seja aquele proposto pela Escola

A
Suíça. Entretanto, acabam por promover certa confusão entre
os professores, que podem associar todas sequências didáticas à

O
proposta do Interacionismo Sociodiscursivo.

D No boxe “Quer saber mais?”, o leitor encontra algumas


referências bibliográficas e o endereço eletrônico de especialistas
na área. O objetivo desse boxe é que os professores aprofundem
os conhecimentos popularizados nas reportagens que leram.
Conforme o repórter Moço, as fontes teóricas, normalmente,
são os artigos e os livros publicados por especialistas. O repórter
acrescenta que, nas reportagens didáticas, “há muito mais dessas
fontes do que a fala que colocamos entre aspas”. Na seção
subsequente, apresento a organização textual do gênero.

Análise textual – organização retórica da reportagem didática

Em relação à organização retórica do gênero na revista, a


representação proposta por Moreira e Motta-Roth (2008) orienta
a descrição:

Gêneros, entre o texto e o discurso 235


Quadro 5 – Movimentos e passos da reportagem
didática na revista Nova Escola

Movimentos Passos

1A Salientar o tema da reportagem e


1B Explicitar o tema da reportagem e
M1 Apresentar o tema

A
1C Identificar o nome e o endereço
eletrônico do jornalista*

O V
M2 Situar o tema

R
2A Contextualizar o tema da reportagem e
2B Detalhar o tema da reportagem

R
P UTO
M3 Didatizar o tema
3A Apresentar definição(ões) relacionadas
ao tema e
3B Descrever aspectos relacionados ao tema
3C Apresentar uma atividade e/ou dar exemplos
3D Relatar a atividade prática e

A
3E Avaliar a atividade prática

O
4A Reforçar a importância da aplicabilidade
M4 Avaliar
do tema e da prática em sala aula
positivamente o tema

D
* Os passos em negrito sinalizam as diferenças entre as reportagens didáticas
da Nova Escola e as reportagens didáticas do Diário de Santa Maria.

O Movimento 1 (Apresentar o tema) chama atenção para


o conteúdo que será apresentado, enfatizando os aspectos que
serão didatizados na reportagem. Uma característica singular é
que o tema surge primeiramente de forma ampla no título para
ser posteriormente explicitado no subtítulo. Os Exemplos 2, 3 e
4 ilustram tal movimento, com destaque dos lexemas explícitos
observados:

Exemplo 2
O que cada um sabe
Analisar detalhadamente a forma como os alunos escrevem
é a primeira providência para determinar os pontos que
devem ser ensinados. (Nova Escola 2009, Ed. 220, p.52)

236 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Exemplo 3
Escrever de verdade
Para produzir textos de qualidade, seus alunos têm de
saber o que querem dizer, para quem escrevem e qual
é o gênero que melhor exprime essas ideias. A chave é
ler muito e revisar continuamente. (Nova Escola 2009, Ed.

VA
219, p. 39)

Exemplo 4

R O R
Gêneros, como usar.
Eles invadiram a escola – e isso é bom. Mas é preciso parar de

P UTO ficar só ensinando suas características para passar a utilizá-


los no dia a dia de todas as turmas com o objetivo de formar
leitores e escritores de verdade. (Nova Escola 2009, Ed. 224, p.48)

O A O Movimento 2 (Situar o tema) – contextualiza o tema


(Passo 2A) que será abordado, detalhando (Passo 2B) as práticas

D
consideradas inovadoras pela revista.

Exemplo 5
MOVIMENTO 1
Sem medo de escrever
Histórias de terror entram em sala de aula e dão aos alunos
a possibilidade de trabalhar com esse gênero, cheio de
mistério e suspense.
MOVIMENTO 2
Não leia esta reportagem se você evita as histórias de
terror. Pare imediatamente, pois ela pode causar arrepios.
Se prosseguir, por seu próprio risco, é porque sabe que o
suspense e o medo típicos desse gênero (histórias de
terror) são cativantes. (Nova Escola 2010, Ed. 231, p. 75)

O Movimento 3 (Didatizar o tema) – didatiza o tema para o


leitor, apresentando a teoria e os passos que devem ser seguidos e/
ou apresentando e descrevendo uma atividade prática. No passo 3A
(definições relacionadas ao tema), são apresentados os conceitos

Gêneros, entre o texto e o discurso 237


que posteriormente serão retomados nas sugestões de atividades
de produção textual, como neste Exemplo 7.

Exemplo 7
Produzir textos é um processo que envolve diferentes
etapas: planejar, escrever, revisar e re-escrever. Esses

VA
comportamentos escritores são os conteúdos fundamentais da
produção escrita. A revisão não consiste em corrigir apenas

R O erros ortográficos e gramaticais, como se fazia antes, mas

R
cuidar para que o texto cumpra sua finalidade comunicativa.

P UTO
“Deve-se olhar para a produção dos estudantes e identificar o
que provoca estranhamento no leitor dentro dos usos sociais
que ela terá”, explica Fernanda Liberali. (Nova Escola 2009,
Ed. 219, p. 40)

O A No passo subsequente 3B são descritos os aspectos relativos


ao tema abordado (Exemplo 8).

D Exemplo 8
Um escritor proficiente, no entanto, não faz a revisão só
no fim do trabalho. Durante a escrita, é comum reler o
trecho já produzido e verificar se ele está adequado aos
objetivos e às ideias que tinha intenção de comunicar –
só então planeja-se a continuação. E isso é feito por todo
escritor profissional. A revisão em processo e a final são
passos fundamentais para conseguir de fato uma boa escrita.
(Nova Escola 2009, Ed. 219, p.40)

Já no passo 3C a atividade é didatizada, explicitando-se para


o professor a forma pela qual esta deverá ser realizada em sala de
aula (Exemplo 9).

Exemplo 9
Antes de começar a atividade, é preciso montar uma
lista com os itens que serão analisados. Não podem

238 EDITORA MERCADO DE LETRAS


faltar aspectos relacionados aos padrões de escrita e
às características do texto. Do 3 ano ao 5 ano, o foco
deve recair sobre a ortografia e a pontuação e é essencial
verificar se a turma conhece e respeita os traços do
gênero escolhido. Em seguida, você já pode pedir
que os alunos escrevam. (Nova Escola 2009, Ed. 220,

VA
p.52)

O
No passo subsequente, 3D, uma atividade prática é descrita,

P UTO R
explicitando as etapas que foram desenvolvidas pelo professor nas

R
aulas, conforme Exemplo 11.

Exemplo 11

A
Procurando desenvolver a leitura crítica de textos jornalísticos
e o conhecimento das estruturas argumentativas na produção

O
textual, ela propôs uma atividade permanente: a cada
semana, um grupo elegia uma notícia e expunha à turma

D a forma como ela tinha sido tratada nos jornais. Depois,


seguia-se um debate sobre o tema ou a maneira como as
reportagens tinham sido veiculadas.
Paralelamente, os estudantes tiveram contato com textos
de finalidades comunicativas diversas no jornal, como
cartas de leitores, editoriais, artigos opinativos e horóscopo.
“O objetivo era que eles analisassem os materiais, refletissem
sobre os propósitos de cada um e adquirissem um repertório
discursivo e linguístico”, conta Maria Teresa, que lançou um
desafio: produzir um jornal mural.
A proposta era trabalhar com textos opinativos, como os
editoriais. Para que a escrita ganhasse sentido, ela avisou que
o jornal seria afixado no corredor e que toda a comunidade
escolar teria acesso a ele. Os assuntos escolhidos tratavam das
principais notícias do momento, como o surto de dengue no
Rio de Janeiro e a discussão sobre a maioridade penal. Com as
características do gênero já discutidas e frescas na memória,
todos passaram à produção individual.

Gêneros, entre o texto e o discurso 239


A primeira versão foi lida pela professora. “Sempre havia
observações a fazer, mas eu deixava que os próprios meninos
ajudassem a identificar as fragilidades”, diz Maria Teresa.
Divididos em pequenos grupos, os alunos revisaram
a produção de um colega, escrevendo um bilhete para o
autor com sugestões e avaliando se ela estava adequada para

VA
publicação. Eram comuns comentários como “argumento
fraco”, “pouco claro” e “falta conclusão”, demonstrando o
repertório adquirido com a leitura dos modelos. (Nova Escola

R O R
2009, Ed. 219, p. 48)

P UTO Como passo final, em 3D, a atividade é avaliada por um


especialista, pelo jornalista ou ainda pelo próprio professor, de
acordo com o Exemplo 12.

O A Exemplo 12
A pesquisadora argentina em didática Mirta Castedo é

D
defensora desse tipo de proposta. Para ela, as situações
de revisão em grupo desenvolvem a reflexão sobre o que
foi produzido por meio justamente da troca de opiniões e
críticas. “Revisar o que os colegas fazem é interessante,
pois o aluno se coloca no lugar de leitor”, emenda Telma.
“Quando volta para a própria produção e faz a revisão, a
criança tem mais condições de criar distanciamento dela e
enxergar fragilidades.” (Nova Escola 2009, Ed. 219, p. 49)

O Movimento 4 (Avaliar positivamente o tema) – reforça a


importância da aplicabilidade do tema e da prática apresentada no
cotidiano da sala de aula, conforme o Exemplo13.

Exemplo 13
Por fim, vale destacar que quando os gêneros são ensinados
como instrumento para a compreensão da língua, não importa
quantos ou quais você trabalha, desde que o objetivo seja usá-
los como um jeito de formar alunos que aprendam a ler e a
escrever de verdade. (Nova Escola 2009, Ed. 224, p. 56).

240 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Os passos que constituem os movimentos nem sempre
ocorrem de forma linear, ou seja, um após o outro. Além disso,
em algumas das reportagens, constatei que alguns passos são
suprimidos. A falta de constância de alguns passos sugere a fluidez
do gênero reportagem didática na revista, marcado pelos estilos
de cada um dos jornalistas. De forma específica, percebe-se que,

VA
nos textos 1 e 2, os passos 3A (apresentar definição relacionadas
ao tema), 3B (descrever aspectos relacionados ao tema) e 3C

R O
(apresentar uma atividade e/ou dar exemplos) não ocorrem, o que

R
se justifica em função de que as primeiras reportagens apresentavam

P UTO
uma organização muito próxima de relatos de experiências bem-
sucedidas em sala de aula. Outro aspecto importante é que,
nos textos 5, 6 e 7, o passo 3D (relatar uma atividade prática) é

A
suprimido, sendo apresentados somente exemplos práticos ao
leitor.

D O
Considerações finais

Nessa perspectiva, parece que a reportagem didática da Nova


Escola cumpre o papel de subsidiar o professor-leitor, divulgando
para ele a teoria e sua posterior didatização. Assim, reserva-se ao
professor o papel de executor da aula planejada por especialistas
da área. Em sintonia com esta afirmação, Ramos (2009, p. 3)
argumenta que a Nova Escola é um produto cultural cujo objetivo
é a orientação, a prescrição para o professorado relacionado ao
que “deve ser ensinado” e como isso “deve ser feito”. Por fim,
entendo que a ingerência realizada pela mídia, apontada por Ramos,
materializa-se nos quatro movimentos retóricos que objetivam a
popularização dos conhecimentos para os professores da educação
básica. Entendo assim que o gênero descrito encapsula o propósito
da revista identificado em seu contexto de produção e circulação,
bem como em seu projeto textual e discursivo.

Gêneros, entre o texto e o discurso 241


VA
R O R
P UTO
O A
D
A 11
O VModelo didÁtico do Gênero

R
R
P UTO
Biodata: suBsÍdio Para a escrita
acadêMica eM lÍnGua inGlesa

O A Ana Valéria Bisetto Bork


Vera Lúcia Lopes Cristóvão

D
Introdução

A riqueza e a diversidade dos gêneros textuais são infinitas,


pois são fontes inesgotáveis de interação com o outro nas mais
variadas situações sociais vivenciadas por nós cotidianamente. Nessa
interação incessante, o homem faz uso de diferentes linguagens para
dialogar consigo mesmo e com o mundo a seu redor, no qual vai se
construindo enquanto ser particular e social por meio das relações
sociais. E, é justamente por meio da linguagem, que os sentidos
são constantemente co-construídos entre os interlocutores. Ao
manifestar nossos desejos, ideias, pensamentos e questionamentos,
interagimos com as pessoas por meio de entidades sociodiscursivas
denominadas de gêneros, as quais são responsáveis por mediar a
comunicação humana.

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 243


É neste cenário que objetivamos apresentar um estudo
sobre o gênero textual biodata, referente à esfera acadêmica/
profissional. As reflexões acerca do gênero supracitado contam
com as contribuições do ISD para a transposição didática do
gênero utilizado em um curso de extensão sobre expressão escrita
no contexto acadêmico. Assim, para a realização deste trabalho,

VA
nos pautamos na noção de construção do modelo didático de
gênero proposto por Schneuwly e Dolz (2004), na proposta

R O
de análise de textos de Bronckart (1999, 2012) e na construção

R
de modelos didáticos de gêneros em língua inglesa, a partir de

P UTO
estudos realizados por Cristovão (2001; 2007). Nosso estudo está
dividido em cinco partes. Primeiramente, achamos pertinente
exibir um breve panorama histórico sobre os gêneros textuais

A
com as perspectivas mais representativas no contexto educacional
brasileiro. Em seguida, discorremos sobre os construtos teóricos

O
que fundamentam nossa pesquisa e, posteriormente, apresentamos

D
o gênero biodata com os textos de referência que o representam.
Logo após, nosso estudo apresenta o modelo didático de gênero
com uma análise sobre as partes que o compõe para, finalmente,
chegarmos às considerações finais.

Um pouco da história dos gêneros

Segundo as colocações de Marcuschi (2008), o estudo dos


gêneros é uma tendência atual, mas se nos reportarmos à história da
retórica, isso não é algo novo. Teve sua origem com Platão, o qual
observou, de forma sistemática, as construções textuais da época.
Ao lembrar Aristóteles, este se referiu à natureza e o objetivo do
discurso, o qual apontou três gêneros discursivos responsáveis pelo
ato de persuadir: o gênero judiciário ou forense (com o objetivo de acusar
ou defender alguém frente a um tribunal); o gênero deliberativo ou
político (com o intuito de aconselhar ou desaconselhar alguma ação

244 EDITORA MERCADO DE LETRAS


diante de uma assembleia, o qual se transformou, posteriormente,
em exercício escolar); o gênero epidítico, panegírico ou cerimonial (um
dos gêneros de maior prestígio, cuja finalidade está em louvar ou
censurar alguém).
As estruturas dos gêneros judiciário, deliberativo e
epidítico1 influenciaram a retórica da Idade Média e a expressão

VA
gênero se relacionava às questões literárias, influenciando, assim,
a poesia medieval fazendo surgir a epopeia, a tragédia, a comédia,

R O
conservadas até os dias de hoje. Ao passar pelo Renascimento e

R
chegar à Modernidade, o gênero não mais se vincula à literatura,

P UTO
mas passa a fazer parte do discurso das diferentes áreas do
conhecimento. Essa constatação é reforçada por Swales (1990, p.
33), ao proferir que “hoje, gênero é facilmente usado para referir

A
uma categoria distintiva de discurso de qualquer tipo, falado ou
escrito, com ou sem aspirações literárias”. Apesar desse longo

O
percurso na história, Marcuschi (2008) aponta que há muito a ser

D
discutido sobre a visão e conceituação dos gêneros, justamente
por conta da complexidade que envolve uma definição do que
realmente seria o gênero. Assim, ele faz as seguintes proposições
ao abordar essa questão.

uma categoria cultural, um esquema cognitivo, uma forma de


ação social, uma estrutura textual, uma forma de organização
social, uma ação retórica [...]. Certamente, gênero pode ser
tudo isso ao mesmo tempo, já que, em certo sentido, cada
um desse indicadores pode ser tido como um aspecto da
observação. (Marcuschi 2008, p. 149)

Ao buscarmos na literatura um conceito que melhor se


adapte às diferentes perspectivas nessa área de estudo, aquela

1. Para outras informações alusivas à origem dos gêneros textuais ao longo da


história, ver os estudos realizados por Oliveira (2002, 2004) com relação à
Retórica.

Gêneros, entre o texto e o discurso 245


que mais é propagada e mencionada em pesquisas científicas e
trabalhos acadêmicos é a concepção dialógica bakhtiniana, em
que os gêneros são definidos como “tipos relativamente estáveis
de enunciados” (Bakhtin 1992, p. 279). De acordo com o autor,
os gêneros são constituídos de três elementos que se encontram
interligados no todo do enunciado: conteúdo temático, estilo de

VA
linguagem e construção composicional específica.
Sob o ponto de vista enunciativo e do enquadre histórico-

R O
social da língua, Marcuschi (2010) atenta para as questões da

R
plasticidade, maleabilidade e dinamicidade dos gêneros.

P UTO [...] os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar


as atividades comunicativas do dia a dia. São entidades

O A sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis


em qualquer situação comunicativa. [...] os gêneros não são
instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa.

D Caracterizam -se como eventos textuais altamente maleáveis,


dinâmicos e plásticos. (Marcuschi 2010, p. 19)

A teoria bakhtiniana apresenta a distinção entre gêneros


primários, relacionados às situações discursivas em momentos
naturais de interação (como conversas espontâneas, cartas, bilhetes,
convites informais, anotações em agendas) e gêneros secundários,
em que as situações discursivas surgem no âmbito das ideologias
formalizadas e sistemáticas (como conferências, palestras,
formulários, discursos científicos).
Ao considerar a linguagem de forma contextualizada
e em funcionamento, algumas tendências fundamentadas na
sociointeração surgiram no campo da linguística e passaram a
influenciar o estudo dos gêneros no cenário nacional e internacional.
Iniciando nossa exposição sobre as ideologias relacionadas
aos gêneros, citamos a perspectiva sistêmico-funcional (SF),
representada por Halliday (1978) e Martin (1992). Nela, os linguistas
enfatizam a relação texto, significações e contexto, e apresentam o

246 EDITORA MERCADO DE LETRAS


princípio da extratificação, composto pelo contexto de cultura (como a
língua é estruturada para o uso nas interações sociais) e contexto
de situação (relacionado à situação imediata de realização do texto
enquanto registro). Além disso, ao inter-relacionar os elementos
envolvidos na produção e interpretação das significações, os níveis
fonológicos, lexicogramaticais e semânticos também são considerados.

VA
Meurer (2011, p. 177) afirma que “ao fazermos uso da linguagem
por intermédio dos mais diversos gêneros textuais, acionamos,

R O
conscientemente ou não, todos esses níveis simultaneamente”.

R
A tendência sociorretórica de Swales (1990) preocupa-se com

P UTO
a análise e identificação de movimentos e passos na estrutura
do gênero. Essa perspectiva impactou, de certa forma, o ensino
de língua estrangeira no Brasil, o qual ficou conhecido como o

A
ensino de ESP (English for Specific Purposes), em que os aprendizes
tinham como finalidade aprender a língua inglesa para propósitos

O
específicos.

D Na perspectiva da nova retórica ou sociorretórica, o gênero


é visto como ação social e tem como representantes os pesquisadores
americanos Bazerman (2011) e Miller (1984, p. 163), a qual aponta
que o gênero adquire significado na medida em que percebemos o
contexto no qual se originou e os coloca “como um meio retórico
no qual intenções particulares e exigências sociais são mediadas”.
Já Bazerman (2011, p. 32) afirma que os “gêneros emergem nos
processos sociais em que pessoas tentam compreender umas
às outras suficientemente bem para coordenar atividades e
compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos”.
Outra perspectiva alusiva ao estudo de gêneros é a dos
estudiosos da Escola de Genebra, representada por Schneuwly,
Dolz e Bronckart, precursor da corrente teórico-metodológica
chamada Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD). O ISD
é, certamente, a perspectiva que mais tem influenciado o ensino no
cenário brasileiro na atualidade, justamente por estar estritamente
relacionada às questões de ensino/aprendizagem de língua materna
e de língua estrangeira e à área de formação de professores. Dentro

Gêneros, entre o texto e o discurso 247


do cenário das publicações referentes ao ISD, temos Bronckart
(1999, 2003, 2007, 2012), Machado (2005), Cristovão e Nascimento
(2005), Guimarães, Machado e Coutinho (2007), Cristovão (2008),
entre outros.
Schneuwly e Dolz (2004) consideram o gênero como um
megainstrumento e o definem como:

VA
O
[...] uma configuração estabilizada de vários subsistemas

R
semióticos (sobretudo linguísticos, mas também

R
P UTO
paralinguísticos), permitindo agir eficazmente numa
classe bem definida de situações de comunicação. [...] Esse
megainstrumento está inserido num sistema complexo de
megainstrumentos que contribuem para a sobrevivência de

A
uma sociedade. (Schneuwly e Dolz 2004, p. 25)

D O Para fins de caracterização, os estudiosos (op. cit., p. 64)


pressupõem que todo gênero é definido por três dimensões
essenciais: os conteúdos que se tornam dizíveis a partir dele, a estrutura
comunicativa particular dos textos pertencentes a um determinado
gênero e as configurações específicas das unidades de linguagem, as quais nos
fornecem indicações sobre a posição enunciativa do enunciador e
listam um conjunto particular de sequências textuais e de tipos de
discursos que formam sua estrutura.
Com o objetivo de finalizar a questão das tendências em
torno dos gêneros textuais, nos remetemos à obra de Bawarshi e
Reiff (2013), intitulada Gênero: história, teoria, pesquisa, ensino, a qual
apresenta uma investigação sobre as diferentes abordagens de
gêneros, explorando as possibilidades e implicações do uso dos
gêneros para o estudo e, principalmente, para o ensino da escrita.
Os autores (2013, p. 110) fazem uma síntese da sua conceituação,
ao postular que os gêneros “nos permitem criar relações tipificadas
entre enunciados, à medida que organizamos e realizamos formas
complexas de interação social. Como enunciados tipificados, os
gêneros estão dialogicamente relacionados com outros gêneros e
adquirem sentido na interação com eles”.

248 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Passamos, agora, às questões teórico-metodológicas do ISD,
as quais norteiam nosso estudo sobre o gênero biodata.

Pressupostos teóricos do ISD

VA
Nosso estudo está ancorado no construto teórico-

O R
metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), o qual tem

R
contribuído para o desenvolvimento de pesquisas sobre gêneros

P UTO
textuais no Brasil, principalmente por questões de implementação
de práticas de intervenção pedagógica em língua materna e,
também, em língua estrangeira.

A Tendo como base os pressupostos vigotskianos que


reconhecem a primazia da dimensão social da linguagem (Vigotski

O
2002) e a teoria bakhtiniana (Bakhtin 1992) sobre os gêneros do

D
discurso, o ISD refuta a ideia de uma divisão ou separação das
ciências em ciências humanas e sociais, justamente por ter como
objeto de estudo as ações humanas. Bronckart (2006, p. 10) afirma
que o ISD “[...] não é uma corrente propriamente linguística,
nem uma corrente psicológica ou sociológica; ele quer ser visto
como uma corrente do humano”. Portanto, seu postulado está em
consonância com as perspectivas atuais que apontam uma estreita
ligação entre as questões sociais e humanas.
Defendemos essa opção teórica por entender que as ações de
linguagem se efetivam nas diferentes práticas sociais, materializadas
nos gêneros textuais, os quais se diversificam e sofrem adaptações
ao longo do tempo, devido aos interesses comunicativos dos
usuários da língua (Bronckart 2012; Schneuwly e Dolz 2004).
Para que pudéssemos construir o modelo didático do
gênero biodata, nos reportamos às categorias de análise propostas
pelo ISD, as quais versam sobre à situação de produção (contexto
físico, sociossubjetivo e conteúdo temático), ao nível organizacional
(plano global, tipos de discursos e tipos de sequências) e ao nível

Gêneros, entre o texto e o discurso 249


de textualização (mecanismos de textualização e enunciativos). Para
o propósito desse estudo, nosso foco se volta para as questões
referentes ao contexto de produção e para as características da
infraestrutura textual do gênero biodata.
Bronckart (2012, p. 93) define o contexto de produção como
“o conjunto dos parâmetros que podem exercer uma influência

VA
sobre a forma como o texto é organizado”, o qual é essencial
para a compreensão de qualquer texto. Para ele, os fatores estão

R O
agrupados em dois conjuntos, chamados de mundo físico e mundo

R
social e subjetivo. No primeiro caso, o contexto físico é representado

P UTO
por quatro parâmetros distintos: o lugar de produção (lugar físico
onde o texto é produzido), o momento de produção (a extensão do
tempo durante a qual o texto é produzido), o emissor e o receptor.

A
O segundo plano refere-se aos aspectos sociais, como os valores, as
normas, as regras; já, os aspectos subjetivos, são alusivos à imagem que

O
o agente dá de si ao agir. Segundo o autor (op. cit., p. 94), dentro do

D
contexto sociossubjetivo, quatro parâmetros principais podem ser
elencados: o lugar social (o contexto interacional em que o texto é
produzido), a posição social do emissor (que lhe dá o estatuto de
enunciador), a posição social do receptor (que lhe dá a posição de
destinatário) e o objetivo da interação, relacionado ao(s) efeito(s)
que o texto pode produzir no destinatário.
Em relação ao conteúdo temático de um texto, Bronckart (2012,
p. 97) o conceitua como “o conjunto das informações que nele
são explicitamente apresentadas, isto é, que são traduzidas no texto
pelas unidades declarativas da língua natural utilizada”. Ele pode
veicular temas referentes aos mundos por ele descritos, ou, ainda,
combinar temas alusivos a dois ou três desses mundos.
O contexto de produção e o conteúdo temático integram a
noção de ação de linguagem, a qual objetiva “identificar os valores
precisos que são atribuídos pelo agente-produtor e cada um dos
parâmetros do contexto aos elementos do conteúdo temático
mobilizado” (Bronckart 2012, p. 99).

250 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Dentro da esfera educacional, a questão dos gêneros pode
abarcar várias frentes de estudo e, no que tange ao ensino de leitura
e produção oral/escrita em língua materna (LM) e língua estrangeira
(LE), a questão do gênero se tornou um conceito fundamental,
como mostra os estudos de Lopes-Rossi (2006), Menegassi (2006),
Aranha (2009), Ferrarini (2009), Gonçalves (2010), Fiad (2011),

VA
Beato-Canato; Cristovão (2012), Rottawa (2012), entre outros.
O presente estudo se refere às questões de escrita acadêmica

R O
em língua inglesa2 e emergiu da necessidade de um grupo de alunos

R
de um curso de graduação3 postar sua vida acadêmica com fins de

P UTO
participação em eventos/congressos e de publicações de artigos
acadêmicos em periódicos da área. Dentre as várias possibilidades
de gêneros alusivos à esfera acadêmica, optamos por trabalhar com

A
o gênero biodata, o qual pode ser alocado, segundo os domínios
discursivos4 apresentados por Marcuschi (2008), no grupo dos

D
2.
O O curso de Licenciatura em Letras (Português/Inglês) da UTFPR-Campus
Curitiba possui quatro disciplinas referentes à escrita acadêmica denomi-
nadas de Laboratórios de Leitura e Redação em Inglês I, II, III e IV, as
quais têm como objeto de estudo os gêneros resumos (abstracts), ensaios
(essays) e, ao final do curso, a produção de um artigo acadêmico (academic
article). A escolha pelo gênero biodata se deu por conta desse gênero não
fazer parte da grade curricular. No início do curso de extensão, uma análise
de necessidades e interesses do grupo de alunos foi realizada com o objetivo
de averiguar o conhecimento dos alunos sobre esse gênero textual, sobre
os gêneros acadêmicos trabalhados no curso de graduação e conhecidos no
meio acadêmico, além de identificar o nível linguístico dos discentes.
3. O curso de extensão foi elaborado e ministrado para um grupo de estudantes
de um curso de Licenciatura em Letras de uma universidade pública fede-
ral brasileira. Por meio da elaboração de uma sequência didática, o curso
abordou três gêneros textuais relacionados à esfera profissional (biodata,
résumés e cover letters). O estudo apresentado é um recorte de uma pes-
quisa de doutorado em andamento sob a orientação da Profa. Vera Lucia
Lopes Cristovão, do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem
(PPGEL) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
4. Para fins de enquadre dos domínios discursivos, Marcuschi (2008, pp. 194-
196) apresenta um quadro geral com os gêneros escritos e orais distribuídos

Gêneros, entre o texto e o discurso 251


domínios instrucionais, também chamado de científico, acadêmico
e educacional. Dentro dessa categoria, o autor apresenta uma lista
de diferentes gêneros escritos que mais aparecem e circulam no
meio acadêmico (artigos científicos, monografias, parecer sobre
artigos, teses ou dissertações, projetos, resumos de livros, entre
outros) e, por esse motivo, é que decidimos enquadrar o gênero

VA
biodata à lista dos domínios discursivos instrucionais.
Para que o trabalho se realizasse, fez-se necessário a

R O
construção de um modelo didático de gênero (Schneuwly; Dolz,

R
2004) composto pelo estudo do contexto didático, síntese de

P UTO
literatura especializada e análise de vários textos de referência em
língua estrangeira, e alguns em língua materna, a partir do viés
do ISD. Porém, antes de passarmos à composição e análise do

A
modelo didático do gênero biodata, abordamos algumas questões
referentes ao gênero supracitado e apresentamos exemplos de

D O
textos de referência utilizados no curso.

O gênero biodata

A biodata pode ser definida como uma produção escrita em


que o autor fala de si mesmo, fazendo um relato bastante breve de
sua vida acadêmica e profissional. Ele/ela apresenta um histórico
sobre os dados acadêmicos e profissionais mais relevantes para
sua área de interesse e atuação, sempre considerando o objetivo
e o público-alvo que quer alcançar. Assim, quando as pessoas
são solicitadas a se apresentar por escrito, elas podem fazer uso
de uma biodata. Ramos (2012, p. 75) afirma que este gênero
“contribui para a educação e formação de um cidadão crítico e

nas diversas formas textuais. A lista é composta pelos seguintes domínios


discursivos: religioso, jornalístico, jurídico, interpessoal, instrucional, saú-
de, comercial, industrial, publicitário, lazer, militar e ficcional.

252 EDITORA MERCADO DE LETRAS


habilidoso no manejo das manifestações discursivas que rodeiam
sua vida profissional em sociedade”. A autora ainda aponta que,
por incorporar informações de natureza pessoal, ele traz uma
diversidade de elementos léxico-gramaticais alusivos a dados
pessoais já familiares para os alunos, demandando, de certa forma,
uma recontextualização de elementos anteriormente estudados e

VA
conhecidos à área profissional.
Como suporte de veiculação, as informações postadas

R O
por meio desse gênero textual podem ser disponibilizadas em

R
publicações de livros, periódicos, sites, anais (escritos/online) de

P UTO
eventos acadêmicos, ou ainda, como no caso do Brasil, professores
e pesquisadores podem postar suas informações, de forma
sintetizada, no parágrafo inicial do currículo Lattes.

A Com relação às pesquisas realizadas com o gênero biodata,


encontramos os estudos de Muradas (2013) e Ramos (2012). A

O
pesquisa de Muradas foi realizada com alunos do Ensino Médio

D
de uma instituição particular, a qual procurou investigar o uso da
plataforma Google Docs como ferramenta didático-pedagógica na
produção escrita em língua inglesa, em que os aspectos discursivo-
multimodais e léxico-gramaticais foram considerados. Além disso,
o estudo buscou avaliar a produção textual como processo cíclico,
considerando as etapas de rascunho, primeira versão, revisões
e segunda versão, tomando como base as premissas teóricas da
escrita de Hyland (2003, 2007). Os dados foram coletados por meio
de questionários aplicados aos participantes, além da observação
dos processos colaborativos ocorridos durante a produção escrita.
A partir do estudo, a autora elencou os elementos observáveis na
composição do gênero.

informações de ordem pessoal, como nome, idade, local


de nascimento, filiação, podendo incluir hobbies, lazer,
curiosidades [...], de cunho acadêmico, em que o aluno poderá
discorrer sobre sua trajetória escolar, mencionando matérias
que mais gosta, atividades extracurriculares, rotinas de estudo,

Gêneros, entre o texto e o discurso 253


planos para a vida universitária e [...] um caráter profissional, [...]
em que o aluno informa dados pessoais, apresenta histórico
do que fez ou faz, relata sua experiência de trabalho. (Muradas
2013, p. 55)

Além da pesquisa supracitada, Ramos (2012) apresentou

VA
um relato de uma experiência de desenho e implementação de
uma unidade didática envolvendo o gênero biodata. Tendo como

O
pressupostos teóricos a concepção de gêneros de Martin (2000),

R
P UTO R
Swales (1990) e Bhatia (1993) e a concepção de tarefa (Nunan
2004; Ellis 2003), o estudo foi ministrado de forma semipresencial
para alunos de um curso de Letras com habilitação em língua
inglesa. A parte do curso à distância foi realizada por meio da
plataforma Moodle e a proposta de trabalho foi dividida em três

A
momentos: apresentação (trabalho de familiarização com o gênero
proposto), detalhamento (organização retórica dos textos e suas

O
características léxico-gramaticais) e aplicação (articulação das

D
fases anteriores na realização do trabalho). O artigo apresenta as
partes que compõem o gênero, as razões de sua escolha, os textos
de referência, as sequências de atividades, além de depoimentos
dos participantes acerca do trabalho realizado, com exemplos
de produções escritas. Como resultados, a autora evidenciou as
atividades de compreensão escrita em relação à estrutura genérica
e às formas linguísticas presentes no gênero biodata, o uso do
ambiente virtual de aprendizagem (AVA), as dificuldades em nível
gramatical e lexical apresentadas pelos alunos e a sua intenção em
repensar novos modos de aprender por meio das novas mídias.
Para que possamos entender melhor a natureza deste gênero
acadêmico, o Quadro 1 traz uma amostra dos textos de referência5
que foram utilizados no curso de extensão sobre escrita acadêmica.

5. O curso de extensão realizado no primeiro semestre de 2014 contou com


a análise de aproximadamente quarenta (40) textos de referência. Como o
curso foi totalmente ministrado em inglês, a maioria dos textos de referência
estavam redigidos em língua inglesa. A análise de biodatas em língua mater-
na também foi realizada, porém em menor escala.

254 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Quadro 1 – Textos de referência

D
Biodata Natureza e fonte de pesquisa

Texto 1 Congresso
Katerina Vassilopoulou acquired her BA in Greek Philology at the University of Athens. Lancaster University Postgraduate Conference in

O
She received her MA in Language Studies from Lancaster University. She is currently a Linguistics and Language Teaching. July, 2006.
PhD student at Lancaster University and the title of her thesis is “A Cognitive Stylistic Lancaster, United Kingdom. Disponível em:

R
Approach to Absurdity in Drama with a particular focus on Ionesco’s The Bald Sopra- http://www.lancaster.ac.uk/fass/events/laelpgcon-
no”. Her research interests are pragmatics, stylistics and cognitive linguistics. ference06/biodata.htm. Acesso em: 05/11/2013.

Texto 2 Livro

A
David Crystal is one of the world’s foremost authorities on language. He is the author
O CRYSTAL, David. English as a global language.
of the hugely successful Cambridge encyclopedia of language (1978; second edition Second Edition. Cambridge University press,
1997), Cambridge encyclopedia of the English language (1995), Language death (2000), 2003.

Gêneros, entre o texto e o discurso


Language and the internet (2001) and Shakespeare’s words (2002, with Ben Crystal). An
V
internationally renowned writer, journal editor, lecturer and broadcaster, he received
an OBE in 1995 for his services to the study and teaching of the English language. His
edited books include several editions of the Cambridge encyclopedia (1990-2000) and
related publications, Words on words (2000, with Hilary Crystal) and The new Penguin
A
encyclopedia (2002).
P UTO

255
R
256
Texto 3 Site do Projeto ILEES.
Charles Bazerman (UCSB) USA is a Professor of Education at the University of California Disponível em: http://english.ilees.org/us.html.
Santa Barbara, Steering Committee Chair of the International Society for the Advance- Acesso em: 21/03/2014.

D
ment of Writing Research, and recent chair of the Conference on College Composition
and Communication. His books include A Rhetoric of Literate Action, A Theory of Lite-
rate Action, The Languages of Edison’s Light, Constructing Experience, Shaping Written
Knowledge, The Informed Writer, and The Handbook of Research on Writing. Several
volumes of his essays have been translated into Portuguese and Spanish, and he has

O
worked with campuses throughout Latin America.

R
Texto 4 Autor de capítulo de livro
Roxane Helena Rodrigues Rojo fez mestrado e doutorado em linguística aplicada ao ROJO, R.; BARBOSA, J. P.; COLLINS, H.
ensino de línguas pela PUC-SP. Fez estágio de pós-doutorado em didática de língua Letramento digital: um trabalho a partir dos
materna na Faculté de Psychologie et Sciences de l’Education (FAPSE), da Universidade gêneros do discurso. In: KARWOSKI, A. M.;

A
O
de Genebra (UNIGE). Professora do Departamento de Linguística Aplicada da Univer-
sidade Estadual de Campinas e pesquisadora do CNPq. E-mail: rrojo@iel.unicamp.br.
V GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. Gêneros textuais:
reflexões e ensino. 4. ed. São Paulo: Parábola
Editorial, 2011.

Texto 5 Plataforma Lattes


Andressa Brawerman-Albini possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Disponível em: http://lattes.cnpq.
Paraná (2003), mestrado em Letras pela Universidade Federal do Paraná (2006) e dou- br/0904067563497910. Acesso em: 04/04/2014.
torado em Letras pela mesma universidade (2012), atuando principalmente nos seguin-
A
tes temas: ensino de pronúncia; acento em língua inglesa; treinamento de percepção;
testes de percepção. É professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná em
regime de dedicação exclusiva; [...] é coordenadora do Projeto Gralha-Azul [...]; Edital
(061/2010) CAPES/Fulbright, na UTFPR de 2011 a 2014.
P UTO

EDITORA MERCADO DE LETRAS


Fonte: As autoras.
R
O quadro aborda cinco textos de referência retirados de
fontes diversas: congressos internacionais, em que pessoas de diferentes
países participam do evento com o objetivo de compartilhar
conhecimento e pesquisas científicas; um livro escrito por uma
personalidade renomada na área dos estudos linguísticos, em que
os dados do autor podem aparecer na primeira página do livro, ao

VA
final da obra, ou ainda, no espaço que é comumente chamado de
orelha de livro;6 projetos de pesquisa publicados online, em que vários

R O
pesquisadores se apresentam e relatam estudos realizados; capítulo

R
de livro, em que os estudiosos da área se reúnem em torno de um

P UTO
projeto comum e contribuem na organização de uma coletânea;
e, por fim, um texto especialmente redigido para compor a parte
inicial do currículo Lattes, em que profissionais ligados à academia

A
e estudantes universitários apresentam um breve relato de suas
produções acadêmicas e áreas de interesse.

D O Por meio de tantas possibilidades virtuais, podemos buscar


informações acerca de gêneros textuais variados, os quais podem
ser utilizados para fins educacionais. Acreditamos que o gênero
biodata se mostra relevante para as práticas sociais da comunidade
acadêmica, podendo ser trabalhado nas aulas de produção escrita
em língua estrangeira.

Modelo didático do gênero biodata

Para que possamos desenvolver as atividades que farão


parte de uma sequência didática, é primordial a realização de uma
análise detalhada do gênero com o qual vamos trabalhar. Para
tanto, devemos conhecer o contexto sócio-histórico de produção

6. A orelha de livro é um elemento que pode conter uma curta biografia do(s)
autor(es) e apresentar extratos e/ou informações sobre a obra, as quais ser-
vem para aguçar a curiosidade do leitor.

Gêneros, entre o texto e o discurso 257


desses gêneros, as dimensões ensináveis, além de elencar os
elementos principais que venham atender e suprir as necessidades
dos alunos. Assim, de acordo com a proposta do ISD, o primeiro
passo é a organização de um modelo didático de gênero (MDG)
que, de acordo com Schneuwly e Dolz (1999, p. 11), “[...] trata-se
de explicitar o conhecimento implícito do gênero, referindo-se ao

VA
conhecimento formulado, tanto no domínio da pesquisa cientifica,
quanto pelos profissionais especialistas”.

R O Os MDG apresentam duas grandes características:

R
P UTOele constitui uma síntese com objetivo prático, destinada a
orientar as intervenções dos professores; ele evidencia as
dimensões ensináveis, com base nas quais diversas sequências

O A didáticas podem ser concebidas. (Dolz e Schneuwly 2004, p. 70)

Com relação aos estudos em língua estrangeira, Cristovão

D
(2007, p. 13-14) refere-se à questão do MDG como “[...] indicador
de elementos ensináveis em língua inglesa para a elaboração de SDs
e, consequentemente, da sua adequação ao desenvolvimento das
capacidades de linguagem7 envolvidas”. Schneuwly e Dolz (2004)
afirmam que

quanto mais precisa a definição das dimensões ensináveis


de um gênero, mais ela facilitará a apropriação deste como
instrumento e possibilitará o desenvolvimento de capacidades
de linguagem diversas que a ele estão associadas. O objeto de
trabalho sendo, pelo menos em parte, descrito e explicitado,

7. De acordo com Schneuwly e Dolz (2004, p. 54), as capacidades de lingua-


gem (CL) são “aptidões requeridas do aprendiz para a produção de um
gênero numa situação de interação determinada”. Elas são classificadas em
capacidades de ação, discursivas, linguístico-discursivas e de significação,
mas funcionam todas de forma articulada. Para uma explicação mais deta-
lhada sobre as CL, ver texto de Cristovão e Stutz (2011).

258 EDITORA MERCADO DE LETRAS


torna-se acessível a todos nas práticas de linguagem de
aprendizagem. (Schneuwly e Dolz 2004, p. 76)

O modelo didático de gênero apresentado neste estudo


foi construído a partir de diferentes textos de referência, os quais
deram suporte para o desenvolvimento de uma sequência didática.8

VA
Essas sequências de atividades em torno do gênero textual biodata
foram aplicadas a um grupo de alunos de graduação em Letras, os

R O
quais participaram de um curso de extensão sobre escrita acadêmica

R
de gêneros profissionais.

P UTO Quadro 2 – Contexto de produção das biodatas.

Situação de produção Biodatas

O A
Autor

Destinatário
Pessoas que fazem um relato da sua vida acadêmi-
ca e profissional.

Pessoas interessadas em buscar informações acadê-

D
micas e profissionais sobre o autor.

Objetivo Apresentar os dados mais relevantes referentes à ex-


periência acadêmica e profissional de uma pessoa.

Conteúdo Nome, e-mail, afiliação, qualificações, áreas de in-


teresse, publicações, histórico de atribuições ante-
riores (caso seja relevante).

Espaço social de Provavelmente escrita na residência ou trabalho do


produção autor, a qual deve ser encaminhada para compor
as informações em uma revista, periódico, livro ou
evento.

8. Dentro da proposta de estudo com gêneros textuais, adota-se o conceito de


sequências didáticas, definidas como “[...] módulos de ensino, organizados
conjuntamente para melhorar uma determinada prática de linguagem. As
sequências didáticas instauram uma primeira relação entre um projeto de
apropriação de uma prática de linguagem e os instrumentos que facilitam
essa apropriação. Desse ponto de vista, elas buscam confrontar os alunos
com práticas de linguagem historicamente construídas, os gêneros textuais,
para lhes dar a possibilidade de reconstruí-las e delas se apropriarem”
(Schneuwly e Dolz 2004, p. 51).

Gêneros, entre o texto e o discurso 259


Momento histórico de Informação não encontrada nos textos de referên-
produção cia. Possivelmente escrita anteriormente à realiza-
ção de um evento, à organização de uma revista.
No caso de um periódico ou livro, por exemplo, a
biodata é geralmente enviada no momento da sub-
missão do artigo; pode ser atualizada em função de
onde a informação será veiculada.

A
Suporte de veiculação

V
Livros, periódicos, sites e anais de eventos, currícu-
los acadêmicos e/ou profissionais.

R O R
P UTO
Em relação à infraestrutura textual das biodatas, foi possível
observar que o plano global textual apresenta informações pessoais
de forma breve e dá mais ênfase aos aspectos profissionais e
acadêmicos, fazendo com que o leitor tenha uma imagem do

A
autor/autora e da relevância que tais dados têm para a comunidade
em que está inserido/a.

O O Quadro 3 aponta os principais elementos que compõem

D
uma biodata.

Itens
Quadro 3 – Características do gênero biodata

Características

Gênero Biodata

Objetivo Elencar informações acadêmicas e profissionais


relacionadas ao propósito de um livro, periódico,
site, anais de um evento (outros projetos).

Plano textual global Exposição de dados acadêmicos e profissionais


(nome, afiliação, descrição de informações aca-
dêmicas e profissionais, áreas de interesse, e-mail
para contato).

Tipo de discurso Discurso teórico


predominante

Tipo de sequência Sequência descritiva

Coesão nominal Anáforas nominais e pronominais.

260 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Coesão verbal Uso da 3ª pessoa do singular no presente simples
do indicativo (predominante), presente contínuo,
present perfect e/ou passado simples (menos co-
mum).

Vozes Pessoas interessadas em expor seus dados acadêmi-


cos e profissionais; leitores interessados em saber

A
fatos sobre a vida acadêmica e profissional de uma
pessoa.

O V
Escolha lexical

R
Itens lexicais relacionados à temática acadêmica e
profissional.

R
P UTO As marcas linguísticas e discursivas dos textos analisados
são evidenciadas pelo uso do presente simples do indicativo
(tempo verbal predominante), seguido do presente contínuo, present

O A
perfect e/ou passado simples (menos comum em todas as amostras
analisadas). Portanto, temos um texto marcado predominantemente
pelo tipo de discurso teórico.

D Por haver um distanciamento do autor ao relatar sua história


na terceira pessoa do singular (não fazendo, em nenhum momento,
o uso do pronome pessoal ‘eu’), tem-se o uso constante de anáforas
nominais e pronominais. Porém, no caso do texto de referência
número 5, alusivo às informações postadas na Plataforma Lattes,
a autora omite o uso do pronome pessoal ‘ela’ e inicia uma nova
frase fazendo o uso, apenas, do verbo de ligação na 3ª pessoa do
singular do tempo indicativo, o que é plausível e possível em língua
portuguesa. Ao observarmos a composição textual dos textos
descritos no Quadro 1, esta está relacionada ao ato de descrever
fatos sobre si mesmo obedecendo uma ordem cronológica, a qual
resulta no uso da sequência descritiva.
As vozes encontradas nos textos de referência são
praticamente duas: a do autor, interessado em expor sua vida
acadêmica e profissional e, a do leitor, interessado em saber fatos
acadêmicos e profissionais de uma pessoa, geralmente o autor de
um livro, um palestrante em um evento científico, ou um professor

Gêneros, entre o texto e o discurso 261


pesquisador que relata, ano a ano, suas informações no currículo
Lattes. Contudo, não temos como saber ao certo quem realmente
expõe as informações na modalidade escrita do texto, ou seja, se
é o(a) próprio(a) autor(a) que posta as informações referentes às
inúmeras atividades já realizadas, ou se uma terceira pessoa seria
responsável por descrever a vida acadêmica/profissional deste (a)

VA
autor(a).
Com relação à temática, ela se volta praticamente à área

R O
de interesse de atuação do profissional e aos dados acadêmicos e

R
profissionais do(a) autor(a). O formato do texto pode variar em

P UTO
sua extensão. Por meio dos textos de referência analisados pelos
participantes do curso, é possível visualizar que as informações
são postadas de forma breve, em torno de 5 a 10 linhas, sem
paragrafação e com alinhamento justificado do texto.

O A
D
Consideração finais

O MDG do gênero biodata da forma como proposto


em nosso estudo não pretende colocar-se como um modelo
padronizado e acabado, mas sim que possa auxiliar o aluno e
profissionais do ensino a ter uma visão geral de sua composição,
a qual deve levar em consideração uma situação real de interação,
além do propósito comunicativo dos participantes envolvidos nas
diferentes práticas sociais de comunicação.
Corroboramos a ideias de Bazerman (1997) ao afirmar que
o sucesso de um trabalho com gêneros no contexto educacional
vai depender de uma negociação entre professor e alunos para que
esse caminhar possa satisfazer os objetivos e as necessidades de
cada um dos participantes. Além disso, por meio dessa ferramenta
desafiadora e pelas escolhas estratégicas que trazemos para a sala
de aula, os alunos têm a oportunidade de trabalhar com o discurso
dentro de um novo formato, fazendo com que vivenciem esses
novos domínios discursivos por eles nunca antes explorados.

262 EDITORA MERCADO DE LETRAS


A12
O V R
MultiModalidade e MultiletraMentos nas

R
P UTO
aulas de lÍnGua inGlesa:
PrÁticas e reflexões

O A Kátia Bruginski Mulik

D
Introdução

As transformações relacionadas à comunicação e ao meio


digital, oriundas, principalmente, do advento da globalização, têm
impactado na forma como entendemos a linguagem e as suas
funcionalidades. O texto, antes compreendido como algo estanque
preso a formas impressas, hoje é visto como algo aberto sujeito à
transição por diversas plataformas, sites, blogs entre outros. Além
das modificações com relação ao processo de escrita, a questão da
leitura também foi modificada. Essa última antes era compreendida
dentro de um processo linear, com início e fim determinados, hoje
é algo muito mais dinâmico estabelecido em relações hipertextuais.
Os leitores de hoje podem ‘se perder’ por entre mares de sites, por
exemplo, chegando a se questionar: qual foi o ponto de partida
mesmo? Tais modificações proporcionam novas experiências
com a linguagem, o que, por sua vez exigem diferentes e novos

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 263


letramentos reformulando como nós compreendemos, ensinamos
e avaliamos a (língua)gem em sala de aula (Jeson e Lotherington
2001).
A composição textual tanto dos textos digitais quanto
impressos abrange outros modos, ou semioses que se caracterizam
como multimodalidade e exigem “capacidade e práticas de

VA
compreensão e produção de cada uma delas”, ou seja, de
multiletramentos. Assim, a escola passa a exercer o papel de

R O
promover novos alfabetismos criando possibilidades práticas para

R
que os alunos se “transformem em criadores de sentido”. Para

P UTO
que isso seja possível, é necessário que eles sejam analistas críticos,
capazes de transformar, (...) os discursos e significações, seja na
recepção ou na produção (Rojo 2012, p. 29).

A Levanto em consideração essas questões este artigo


apresenta algumas reflexões no que diz respeito à produção de

O
textos multimodais e ao desenvolvimento dos multiletramentos.

D
Para tanto, apresento, inicialmente algumas questões teóricas que
fundamentaram o trabalho desenvolvido tais como a definição
de multimodalidade, gêneros textuais leitura e letramento. Em
seguida, apresento duas atividades de produção textual que foram
desenvolvidas com os alunos da segunda série do ensino médio
de uma rede pública estadual no interior do Paraná nas aulas de
língua inglesa. Após a apresentação teórica faço o detalhamento da
forma como foram conduzidas as produções e alguns resultados
e impactos. Por fim, teço as considerações finais das minhas
percepções com relação ao trabalho realizado.

Gêneros textuais

Segundo Marcuschi (2008) os estudos que enfatizam a


questão dos gêneros textuais “estão na moda”. O autor explica
que no Ocidente estes estudos já têm pelo menos vinte e cinco

264 EDITORA MERCADO DE LETRAS


séculos e que, se considerarmos observações sistemáticas, estas
iniciaram com a tradição poética de Platão e a tradição retórica de
Aristóteles. Marcuschi (2005, p. 19) explica que os gêneros textuais
são fenômenos históricos intrínsecos a vida cultural e social que
contribuem para “ordenar e estabilizar as atividades comunicativas
do dia-a-dia”. Os gêneros não são estanques já que surgem a partir

VA
das necessidades comunicativas e da relação do homem com
a tecnologia, dessa forma são plásticos, dinâmicos e maleáveis

R O
(Marcuschi 2005). A caracterização dos gêneros partindo apenas

R
de suas propriedades composicionais e organizacionais não é

P UTO
possível, uma vez que um gênero pode não apresentar determinada
propriedade e, assim como pode incorporar outras características e
continuar sendo o mesmo gênero.

A
Os gêneros textuais possuem formatos próprios que,
embora sejam plásticos, ou seja, mutáveis ao longo do tempo e

O
das transformações socioculturais, são produzidos de maneira

D
bem similar por diferentes usuários. Isso se explica pelo fato de
cada gênero possuir um propósito comunicacional previamente
definido e dessa forma seus usuários utilizam-se de estratégias
convencias para atingir estes propósitos. Esse propósito, além de
definir o formato dos textos, determina também sua esfera de
circulação, ou seja, o(s) domínio(s) atuante(s) desse texto, quem
serão seus leitores, onde estarão esses leitores e em que suporte
tecnológico esse texto será fixado. Cada gênero tem uma função
e uma forma, mas a determinação se dá muito mais em relação à
função comunicacional do que da forma. O trabalho com gêneros
textuais nas aulas de LE promove uma maior consciência linguística
nos aprendizes além de promover usos reais da língua.
A expressão gêneros do discurso tem como referência primária
o texto de Bakhtin (1992[2003]) que leva o mesmo título. Em seus
escritos, o autor distingue os gêneros em primários e secundários
fazendo uma correlação com a questão do estilo. Os primários
fazem alusão a situações comunicativas de caráter mais espontâneo
e informal, já os secundários se fazem presentes em situações

Gêneros, entre o texto e o discurso 265


comunicativas mais complexas, geralmente interpeladas pela escrita.
No entanto, embora distintos trazem em sua gênese o enunciado
verbal diferenciando-se apenas no grau de complexidade. Embora
os gêneros sejam tipos relativamente estáveis, a linguagem
extremamente por ser de natureza criativa, possibilita que a
diversidade dos gêneros seja ilimitada:

VA
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas

R O R
porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme
atividade humana e porque cada campo dessa atividade é

P UTO
integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se
diferencia a medida que se desenvolve e se complexifica um
determinado campo. (Bakhtin 2003)

O A Os gêneros do discurso são determinantes para que a


comunicação seja possível. A diversidade de gêneros é significativa e

D
apresenta diferentes funções dentro das situações comunicacionais.
Partindo dessa lógica, toda e qualquer atividade humana pressupõe
o uso da linguagem. É através dos gêneros que moldamos o
nosso discurso sendo que o repertório dos gêneros se modifica e
amplia dependendo das esferas de atividade humana. O conteúdo
temático (assunto), o plano composicional (estrutura) e o estilo
são essenciais para a classificação do gênero discursivo e são
determinadas em função da esfera comunicacional. A vivência em
diversas esferas e o contato com uma gama variada de gêneros que
pode proporcionar a ampliação do repertório e da competência
linguística do produto de enunciados.

Multimodalidade

De acordo com Silva (2013) a multimodalidade tem sua


gênese na Semiótica Social, que, segundo Santos (2011, p. 2) pode
ser entendida como

266 EDITORA MERCADO DE LETRAS


a ciência que se encarrega da análise dos signos na sociedade,
com a função principal de estudar as trocas das mensagens.
Nessa perspectiva, a escolha dos signos e a construção
dos discursos são movidas por interesses específicos, que
representam um significado escolhido através de uma análise
lógica relacionada a um contexto social.

VASantos (2011) explica que a multimodalidade abrange a

O
escrita, a fala e a imagem. Assim, o uso de negrito ou itálico para dar

R R
destaque ou ênfase em um artigo científico, por exemplo, pode ser

P UTO
considerado um recurso linguístico multimodal, já que revela uma
intenção comunicativa. O formato, o layout, as fotos, as imagens
são aspectos que corroboram para a construção dos sentidos de
um texto. Hemais (2009) aborda a relevância da multimodalidade

A
dentro do ensino de línguas estrangeiras e afirma que:

O
D
Consciência multimodal é cada vez mais importante na
sociedade contemporânea; é parte do que precisa ser
aprendido no ensino de línguas estrangeiras, uma das
competências que precisam ser dominadas. Imagens estão
relacionadas com o texto escrito, há uma interface de sentidos
visuais e linguísticos nas media contemporâneas. Assim, os
alunos são levados a compreender o propósito e razão de
ser não apenas de um texto escrito, eles também precisam
entender as intenções que informam as representações e
significados visuais. (Hemais 2009, p. 71)1

1. Multimodal awareness is thought to be more and more important in contem-


porary society; is part of what needs to be learned in foreign language edu-
cation, one of the competencies that need to be mastered. Images are related
to written text, as there is an interface of visual and linguistic meanings in
contemporary media. So, just learners are led to understand the purpose and
rationale behind a written text, they also need to understand the intentions
that inform visual representations and meanings (…).

Gêneros, entre o texto e o discurso 267


As imagens são elementos que estão presentes nas mais
variadas práticas sociais utilizadas como formas de comunicação
e produção de sentidos. Elas podem constituir-se como textos
independentes, ou seja, extrapolando a noção do visual como mera
ilustração ou complementação da linguagem verbal. As imagens
possuem uma gramática própria (Kress e Van Leeuwen 1996) o

VA
que provoca a necessidade de serem interpretadas de forma crítica
para que seus mais variados significados possam ser explorados

R O
e compreendidos. Nessa perspectiva, as imagens devem ser

R
percebidas como um “sistema semiótico, ou seja, um conjunto de

P UTO
signos socialmente compartilhados e regidos por determinados
princípios e regularidades” (Nascimento, Bezerra e Herbele
2011, p. 532). Esses, por sua vez, são utilizados não apenas para

A
representar experiências, como também para negociar as relações
com os outros.

D O
Leitura e (multi)Letramento

As transformações relacionadas ao acesso à informação


e aos processos de leitura introduzem a multimodalidade no
cotidiano das práticas sociais ao passo que “alteram a maneira de
lermos e o próprio conceito de ler [...]. Observa-se uma influência
positivista na compreensão do que a imagem e o som não são
passíveis de leitura: somente o texto verbal cumpriria esse papel”
(Ferraz 2012, p. 99).
Kleiman (1995) e Soares (2004) fazem uma distinção no
que tange o ser alfabetizado e ser letrado. O primeiro decodifica as
letras, que domina a tecnologia de ler e de escrever. Já o segundo,
para ser considerada letrada deve usar a leitura e a escrita nas
práticas sociais, ou seja, a oposição entre alfabetização e letramento
está essencialmente referenciada na noção de prática social.

268 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Para Jordão (2007, p. 24) o letramento é “capaz de englobar
a variedade de linguagens do mundo atual, chama nossa atenção
para diferentes formas de construção e compartilhamento de
sentidos possíveis”. Takaki (2011) afirma que há uma crescente
quanto ao interesse acadêmico e as práticas sociais no uso da
linguagem se atendo para o conceito de novos letramentos, ou

VA
letramentos múltiplos. A autora conceitua letramento como “um
conjunto de práticas culturais que são construídas e reconstruídas

O R
por interesses socioculturais em permanentes conflitos, relações de

R
poder, descartando a expectativa de neutralidade convencionalizada

P UTO
por leituras tradicionais” (Takaki 2011, p. 13). No entanto, a
natureza hipermodal da linguagem permitem novas interpretações
e reinterpretações dos sentidos de forma constante.

O A Recentemente, devido ao uso crescente das tecnologias de


informação e comunicação, percebeu-se a necessidade de englobar
também a capacidade de lidar adequadamente com dessas novas

D
linguagens evidenciadas nesses meios, adquirindo a consciência de que

fazer bom uso delas significa torná-las úteis e favoráveis a


si. Além disso, a necessidade de desenvolver postura crítica,
participativa, reflexiva e que busca aprender continuamente
é característica inerente ao sujeito que realiza práticas
não apenas de ordem do conceito de alfabetização ou de
letramento, mas do que se denomina multiletramento. (Borba
e Aragão 2012, p. 231)

Rojo (2012) explica que diante dessas transformações no que


tange a linguagem e a comunicação, o sujeito multiletrado precisa
recorrer a “novas ferramentas – além da escrita manual (papel,
pena, lápis, caneta, giz e lousa) e impressa (tipografia, imprensa)
– de áudio, vídeo, tratamento da imagem, edição e diagramação”
(Rojo 2012, p. 21). Portanto, as práticas textuais requerem “novas
práticas:

Gêneros, entre o texto e o discurso 269


a) De produção, nessas e em outras, cada vez mais novas,
ferramentas;
b) De análise crítica como receptor” (Rojo 2012, p. 21).

Rojo (2012) ainda aponta algumas características que


são unânimes nos estudos dos multiletramentos com relação a

A
linguagem e a circulação dos textos:

V
R O R
a) Eles são interativos; mais que isso, colaborativos;
b) Eles fraturam e transgridem as relações de poder

P UTO estabelecidas, em especial as relações de propriedade (das


máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos [verbais
ou não];

A
c) Eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagem,
modos, mídias e culturas). (Rojo 2012, p. 23)

D O Dentro da perspectiva dos multiletramentos, como o próprio


nome sugere, tem-se vários outros tipos de letramento (letramento
digital, crítico, novos letramentos entre outros) que precisam ser
considerados e dentre eles encontra-se o visual. Através do uso
de imagens é possível desenvolver o letramento visual que se
caracteriza como a capacidade de compreender e interpretar as
informações visuais e relacioná-las com o texto verbal. Para isso,
algumas habilidades precisam ser trabalhadas como a observação, a
compreensão das relações visuais e a análise crítica. De acordo com
Dondis (1997, p. 67) o “alfabetismo2 visual significa participação,
e transforma todos os que o alcançaram em observadores menos
passivos [...]. Alfabetismo visual significa uma inteligência visual”.

2. O termo alfabetização em inglês é literacy que poderia corresponder a ideia


de letramento. No entanto, mantem-se o termo utilizado na tradução da
obra, porém leva-se em consideração o conceito carregando a ideia de letra-
mento.

270 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Kress e Van Leeuwen (1996) ao explicitarem os princípios
da GDV defendem que as estruturas visuais podem ser comparadas
a estruturas linguísticas. Já que estas últimas podem expressar
interpretações particulares dentro das interações sociais, as imagens
e as escolhas para sua composição também são fatores que influem
na construção e na interpretação do significado.

VAOs autores, ancorados na perspectiva hallidayana de


linguagem, ou seja, que esta última se organiza em torno de

R O
uma função pode estar relacionada à disposição do contexto,

R
e seus demais aspectos envolventes, defendem que as imagens

P UTO
estão articuladas em composições visuais também produzindo
significados ideacionais, interpessoais e textuais. Portanto, assim
como a linguagem verbal, as imagens operam como forma de

A
representação e negociação nas relações sociais e na mensagem
que veiculam. Para Kress e Van Leeuwen o letramento visual é uma

D O
questão de sobrevivência, especialmente no ambiente profissional.

Produção textual em língua inglesa: descrição das atividades

Um dos grandes desafios que o professor de língua inglesa


enfrenta diz respeito à produção textual em sala de aula. Muitas
vezes os alunos encontram-se desmotivados devido às dificuldades
na compreensão e no conhecimento vocabular da língua. Por isso,
há uma grande resistência por parte de alguns alunos e, portanto,
cabe ao professor criar estratégias e repensar em formas de
motivar os alunos para se desenvolverem dentro dessa habilidade
linguística. Levando em consideração as discussões teóricas que
fiz previamente e a necessidade de propor formas diferentes para
despertar maior interesse nos alunos, realizei duas produções
textuais (uma fotonovela e uma capa de DVD), as quais se
enquadram na perspectiva da multimodalidade. Essas propostas
também exigem que os alunos além de terem que tomar decisões

Gêneros, entre o texto e o discurso 271


mais autônomas no que diz respeito a escolha das imagens que irão
integrar as produções, exerçam seu lado criativo. Nessa seção faço
o detalhamento de cada uma das propostas de produção mostrando
de que forma estas foram lançadas e o passos que foram dados até
a produção final. As razões pela escolha desses gêneros textuais em
especifico se dão em função do plano de trabalho docente que é

VA
feito em parceria com todos os professores de língua inglesa e que
decidem que temas e que gêneros farão parte de cada trimestre letivo.

R O R
Fotonovela

P UTO O trabalho com fotonovela pautou-se na obra Frankenstein


escrita por Mary Shelley. Inicialmente fizemos algumas discussões
sobre o contexto de produção do texto para que os alunos pudessem

O A
ter um panorama geral e, em seguida selecionei alguns trechos mais
significativos para que pudéssemos realizar a leitura em sala e pensar
na construção dos aspectos verbais e visuais do gênero.

D A fim de fornecer subsídios para que os alunos pudessem


desenvolver habilidades para a captação das imagens trabalhei
brevemente com eles sobre a questão dos enquadramentos
fotográficos e conversamos sobre alguns aplicativos e editores de
imagem que estão disponíveis online.

PASSO A PASSO DA PRODUÇÃO DA


FOTONOVELA EM LÍNGUA INGLESA

1. Contextualização da obra: para dar início a proposta de trabalho, fiz


uma aula expositiva sobre a obra, seu contexto de produção e suas in-
fluências na literatura e nas outras artes. Além disso, lemos a biografia
da autora (Mary Shelley).

2. Leitura de trechos em sala de aula: realizamos a leitura de alguns


trechos da obra em sala. Optei por trabalhar com uma versão simpli-
ficada do texto, pois dessa forma poderia trabalhar com trechos mais
longos sem prejudicá-los na compreensão do vocabulário. Essa leitura
era feita, num primeiro momento, individualmente e, em seguida eu
realizava a leitura coletiva do trecho em voz alta, sanando dúvidas de
compreensão dos fatos e de vocabulário enquanto os alunos faziam
anotações.

272 EDITORA MERCADO DE LETRAS


3. Transposição de linguagem (texto em prosa para texto em discurso
direto): essa fase era realizada sempre após a finalização da leitura dos
trechos selecionados. Após cada leitura, os alunos se reunião em seus
respectivos grupos para elaborarem os diálogos que iriam compor a
fotonovela. Solicitei que essa primeira versão fosse em língua portu-
guesa, para facilitar a sistematizar das ideais e deixá-los mais livres
quanto a forma da produção. Finalizada a transposição os alunos fa-

A
ziam a tradução da produção para a língua inglesa.

4.

O V
Storyboard: o storyboard se caracteriza como um guia visual de uma
história. Normalmente é elaborado com desenhos rápidos pouco de-
talhados que visam facilitar e a ajudar a visualizar os passos das pro-

R
R
duções (áudio)visuais projeção das fotos e enquadramentos a serem

P UTO
utilizados. Na fotonovela o storyboard serviu como uma espécie de
planejamento das fotos que seriam capturadas em cada parte da his-
tória agilizando o processo como um todo. Essa etapa foi realizada
quando todas as partes verbais da fotonovela estão concluídas e cor-
rigidas.

5.

O ACaptação das imagens: Partindo do storyboard os alunos captaram


as imagens com seus celulares ou câmeras digitais próprias. Ficou a
critério dos alunos a edição ou não das imagens.

D
6. Editoração da fotonovela: Após terem todo o material em mãos (fatos
e texto em língua inglesa corrigido) os alunos foram até o laboratório
de informática da escola para fazerem a editoração da fotonovela. Essa
editoração foi feita utilizando o BrOffice.org Impress que apresenta
algumas ferramentas como balões de fala e pensamento e enquadra-
mento de imagens. Após finalizarem as produções elas foram impres-
sas e expostas nos espaços da escola

EXEMPLOS DA PRODUÇÃO DA FOTONOVELA

Gêneros, entre o texto e o discurso 273


Capa de DVD

Para a produção da capa de DVD realizamos algumas


atividades anteriores voltadas para a questão do cinema e sua
influência na cultura e no consumo. O objetivo era, além de trabalhar
com o vocabulário específico, discutir sobre a influência do cinema

VA
na vida dos alunos. Assim, realizamos a leitura de alguns artigos
de opinião e fizemos discussões em sala. Em seguida, trabalhamos

R O
com vocabulário específico relacionado a gêneros de filmes, ações,

R
tipos de personagens e o processo de produção cinematográfico e

P UTO
por fim chegarmos ao estudo e produção do gênero capa de DVD.

PASSO A PASSO DA PRODUÇÃO DA


CAPA DE DVD EM LÍNGUA INGLESA

1.

O A Exposição sobre as características do gênero DVD cover: realizei


primeiramente uma aula expositiva sobre as características do gênero

D
e a função das capas DVD. Evidenciamos o fato de que, estas, por sua
vez, além de trazerem informações necessárias para o consumidor
servem como uma propaganda do filme ou produto que propõem
vender. Nesse momento também discutimos de forma um pouco
mais aprofundada o gênero sinopse e a sua estrutura e função dentro
do gênero capa.

2. Análise do gênero textual DVD cover: após a exposição, distribui


em pequenos grupos, uma capa em língua inglesa. Em seguida, colo-
quei no quadro alguns aspectos que compõem do gênero, tais como:
plot summary, back cover image, spine title, front cover, storyline,
format logo, institucional logo e technical information. Em seguida,
os alunos identificaram esses aspectos na capa que tinham em mãos.
O propósito dessa análise foi, além de esclarecer sobre os aspectos
que compõem o gênero estudado, auxiliá-los a pensarem sobre esses
aspectos em suas respectivas produções textuais.

3. Produção de uma ficha com dados técnicos e sinopse da capa (por-


tuguês e inglês): após a análise entreguei para os alunos uma ficha
contendo os mesmos aspectos que foram analisados na atividade
anterior. A tarefa era que os alunos se imaginassem como produto-
res de um filme levando em conta a função do gênero. Os grupos
preencheram as fichas e produziram a sinopse, primeiro em língua
portuguesa partindo da mesma ideia da produção anterior de facilitar
na organização das ideias. Na sequência os grupos passaram as pro-
duções para língua inglesa.

274 EDITORA MERCADO DE LETRAS


4. Captação das fotos: Após os textos estarem finalizados e o terem
sidos corrigidos, os alunos realizaram a captação das imagens para
compor a capa. Nesse momento a tarefa constituía em pensar em
uma foto principal para compor a front cover e fotos menores para
compor a back cover. Sugeri que as fotos fossem feitas por eles mes-
mos não podendo ser retiradas da internet uma vez que traduzir os
sentidos em imagens era uma das habilidades que fazia parte da pro-

A
posta de produção textual.

5.

O V
Edição e impressão da capa: A edição e diagramação da capa foi re-
alizada no editor de texto BrOffice.Writer. Para facilitar esse processo
forneci um modelo de arquivo que continha as medidas padrões de

R
R
uma capa de DVD. Tivemos algumas dificuldades de configuração

P UTO
e formatação, pois ao tentar abrir o arquivo no Word ele acabava
desconfigurando mesmo sendo salvo no formato adequado. Para isso
tivemos que salvar todos os arquivos em PDF. Em seguida, os grupos
fizeram a impressão de suas respectivas capas que foram colocas em
caixas de DVD e, por fim realizamos uma exposição na escola.

O A EXEMPLO 1 – CAPA DE DVD

Gêneros, entre o texto e o discurso 275


Considerações finais

O objetivo deste artigo foi refletir sobre o trabalho com


textos multimodais nas aulas de língua inglesa partindo de práticas
pedagógicas realizadas com alunos da segunda série do ensino

VA
médio de uma escola pública. A partir das produções é possível
constatar que o trabalho com gêneros multimodais trouxe

R O
resultados satisfatórios uma vez que, os alunos que se mostraram

R
motivados na realização das produções. Além disso, foi uma forma

P UTO
de favorecer para que os estudantes desenvolvessem sua própria
autonomia nas tomadas de decisão para a construção dos sentidos
dos textos.

A Outro aspecto interessante foi a questão da própria


compreensão do conceito de tradução. Anteriormente os alunos

O
pensavam o conceito como uma mera transferência de palavras

D
de uma língua para outra, porém, dentro dessa perspectiva da
multimodalidade a tradução passa a ser entendida como tradução
de sentidos que não estão necessariamente ligados a textos verbais.
Como relatei anteriormente, a produção textual em língua
inglesa acaba sendo um grande desafio a ser enfrentado na escola
básica. No entanto, com propostas que exigem um trabalho mais
criativo e que acabam trazendo o aluno “pra dentro do texto”
os estudantes acabaram se motivando e se envolvendo mais no
trabalho desmistificando a noção negativa das produções textuais
em inglês.
É claro que não posso deixar de relatar algumas questões
negativas que acabaram dificultando o trabalho. Por estarmos
inseridos em uma escola em que existem grandes diferenças de
classes sociais, nem todos possuíam computador ou notebook,
celular e câmera digital. Propus desde o começo que após o
material estar pronto iríamos até o laboratório de informática
juntos para que pudéssemos fazer a diagramação dos textos. Alguns
alunos tinham pouco conhecimento dos softwares que estávamos

276 EDITORA MERCADO DE LETRAS


utilizando e isso exigia mais tempo na editoração dos textos. Além
disso, alguns arquivos acabaram sendo refeitos, já que, embora
tivesse enfatizado a importância de salvar a produção ao longo
do processo, alguns grupos acabavam esquecendo de fazer isso e
tiveram que refazer seus trabalhos devido a quedas de energia ou
travamento do computador que ocasionaram perda dos arquivos.

VA
Acredito que estamos diante de uma nova era em que
a comunicação e a informação precisam ser compreendidas

R O
pedagogicamente de forma diferenciada. A escola precisa levar

R
em consideração que os alunos apresentam um perfil diferenciado

P UTO
e estão, na maioria das vezes, imersos a contextos midiáticos
e digitais e, portanto são afetados por esses contextos. Não faz
sentido a escola banir essas práticas sociais, tampouco reprimi-las.

A
Nesse sentido concordo com Rojo (2012, p. 27)

D O em vez que impedir/ disciplinar o uso do internetês na


internet (e fora dela), posso investigar por que e como esse
modo de se expressar por escrito funciona. Em vez de proibir
o celular em sala de aula, posso usá-lo para a comunicação, a
navegação, a pesquisa, a filmagem e a fotografia.

Assim, para os que já fazem parte da cultura digital e


midiática é válido trabalhar com essas ferramentas de forma a
ressaltar como elas podem ser utilizadas a favor da aprendizagem
dos estudantes, e ao passo que é também papel da escola aproximar
essas ferramentas dos alunos que as desconhecem.

Gêneros, entre o texto e o discurso 277


VA
R O R
P UTO
O A
D
A13
O VGêneros acadêMicos x Gêneros de diVul-

R
R
P UTO
GaçÃo cientÍfica – uM estudo coMPara-
tiVo do lÉxico coM auxÍlio de Processa-
Mento autoMÁtico

O A Alena Ciulla

D Lucelene Lopes
Maria José Bocorny Finatto

Para o trabalho deste capítulo, comparamos textos de dois


diferentes gêneros discursivos dentro de uma mesma área de
conhecimento. Para isso, coletamos um corpus de artigos científicos
de Medicina e outro de artigos de divulgação para leigos, ambos os
corpora da área de Pneumopatias Ocupacionais e contamos com o
auxílio do ExATOlp, uma ferramenta automática de extração de
termos relevantes de corpora em língua portuguesa. Nosso objetivo
é o de verificar, no que diz respeito ao léxico, mais exatamente aos
principais termos dos textos, como o conhecimento que é fruto de
pesquisa acadêmica chega ao leitor leigo. Além de trazer alguma luz
sobre os fenômenos linguísticos implicados no estudo de gêneros,
esta pesquisa também pode trazer uma contribuição social. É de
suma importância que o leigo em assuntos de Saúde, especialmente
o que enfrenta condições adversas em seu ambiente de trabalho,
venha a conhecer melhor as medidas de prevenção e de tratamento

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 279


de doenças ocupacionais. Os resultados desta pesquisa, embora
seja ela ainda inicial, apontam para uma lacuna na reelaboração e na
divulgação dos conhecimentos que circulam entre os pesquisadores
e dos conhecimentos que precisariam estar mais acessíveis aos
trabalhadores de atividades de risco em Pneumopatias.

VA
Contextualização da pesquisa

R O R
P UTO A pesquisa apresentada neste capítulo se insere no projeto
intitulado Recuperação da informação em representação do conhecimento
em bases de textos científicos de Linguística e de Medicina, iniciado em

A
novembro de 2012 e contemplado por uma bolsa para pós-
doutorando DOCFIX, subsidiada pela CAPES e pela FAPERGS.

O
Nessa investigação interdisciplinar, associam-se Letras/Linguística

D
e Ciência da Computação/Processamento da Linguagem Natural.
São explorados dois corpora de textos do gênero acadêmico
em português: um de Medicina, na subárea das Pneumopatias
Ocupacionais, e outro de Linguística, que é o texto em português
do Curso de Linguística Geral (CLG) de F. de Saussure, organizado
por C. Bally e A. Sechehaye. Ambos os corpora estão sendo tratados
linguística e computacionalmente com vistas à representação
automática do seu conteúdo e à sistematização de sua informação
terminológica e textual.
A escolha desses dois corpora em especial – um de Medicina,
outro de Linguística – foi guiada pela hipótese principal de que há
diferenças entre o tratamento de textos científicos de Ciências da
Saúde, como a Medicina, e de Ciências Humanas, como a Linguística,
de modo que se pretende detectar diferenças e formalizá-las. Com
esse estudo, além da contribuição para o desenvolvimento dos
estudos em Linguística, buscamos estabelecer parâmetros para
subsidiar programas computacionais, tendo em vista um melhor
desempenho em diferentes frentes de investigação que lidam

280 EDITORA MERCADO DE LETRAS


com a linguagem científica escrita (ensino, descrição linguística e
representação do conhecimento). Além da comparação entre os
corpora de Medicina e de Linguística, pretendemos estudar cada
corpus em separado, com diferentes objetivos. No que diz respeito
ao material de Pneumopatias Ocupacionais, por ser ele composto
de uma miscelânea, que inclui artigos científicos, teses, dissertações

VA
e também textos de popularização para leigos e de legislação,
optamos por investigar mais a fundo a questão da caracterização

R O
dos gêneros discursivos. Acreditamos que os parâmetros que

R
encontrarmos para a classificação de gêneros podem também

P UTO
auxiliar na automatização da extração e organização de informações
dos textos e, vice-versa, também os padrões salientados pelas
ferramentas automáticas – em especial o ExATOlp, que foi a

A
ferramenta utilizada neste trabalho – podem ajudar na identificação
de características importantes que dizem respeito aos textos e aos

O
gêneros discursivos.

D Além disso, neste trabalho, como objetivo específico,


investigamos a questão de como o conhecimento produzido no
âmbito acadêmico da Medicina chega ao leitor leigo. No caso
das Pneumopatias Ocupacionais, essa investigação se reveste de
especial importância, pois se trata de assunto de Saúde Pública,
em que as informações precisam ser divulgadas à comunidade da
maneira mais ampla, rápida e eficiente possível.

Pressupostos teóricos sobre língua

De acordo com os princípios fundadores de Saussure,


acreditamos que a língua não se reduz a uma nomenclatura, em que
listas de palavras correspondem às coisas. Partimos da ideia de que
não há uma estabilidade a priori dos sentidos e a língua também não é
um inventário imutável de palavras prontas para serem usadas, mas
é um sistema de signos complexos, cujas possibilidades de variação

Gêneros, entre o texto e o discurso 281


de relações são múltiplas. Ao enunciar os falantes colocam esse
sistema da língua em funcionamento, em uma situação de discurso
que não podemos fixar nem prever totalmente. E é somente nessa
situação que o sentido, ancorado pelas categorias de tempo, espaço
e pessoa – incluindo-se aí a situação social, histórica e cultural – é
atribuído. Sob essa perspectiva, que tem forte base na teoria de

VA
Benveniste (1966), a língua enquanto sistema de signos é, então, um
sistema de possibilidades. Em funcionamento, em uso real pelos

O
falantes, considerados os aspectos contextuais imediatos e os da

R
P UTO R
situação histórica mais abrangentes – que influenciam nas relações
que os falantes estabelecem um com o outro quando enunciam – é
que podemos pensar a língua em seu nível semântico. O sentido,
portanto, não está completamente pré-definido antes de fazer parte
de um enunciado.

A Acreditamos, portanto, que, para uma análise linguística,


a interdependência entre os níveis semiótico e semântico é

O
indispensável. Isso significa dizer que uma palavra, termo ou

D
expressão não podem ser analisados semanticamente fora de uma
situação enunciativa, o que abarca os aspectos sócio-históricos em
que os falantes e suas individualidades estão imersos. Tais aspectos
sócio-históricos estão intimamente relacionados à noção de gêneros
do discurso, conforme discutimos mais adiante, neste trabalho.
Observamos também que, ainda que os homens sejam
dotados, aparentemente, de uma mesma capacidade para a
linguagem, um indivíduo aprende a língua que é falada no lugar em
que ele nasce e cresce e, com os recursos de que essa língua dispõe,
de acordo com esse ponto de vista, o da sua língua, que envolve
aspectos da sua cultura, do seu tempo, do seu conhecimento e
experiência particular é que ele enuncia. Embora para essa concepção
a subjetividade seja uma noção central, a consciência de si, conforme
Benveniste (1966), somente é possível no contraste: dizemos eu para
nos dirigirmos a um tu interlocutor, o que também nos permite falar
de uma dimensão intersubjetiva e social da linguagem.
Tais considerações são fundamentais para compreender o conceito
de texto e de gêneros discursivos que apresentamos neste trabalho.

282 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Gêneros discursivos: o que os definem?

Há uma grande variedade de vertentes de estudos sobre


gêneros. Porém, seguindo Bhatia (1995[2009]), Bonini, Meurer
e Motta-Roth (2005) afirmam que as diferentes vertentes de

VA
estudo sobre gêneros convergem para uma explicação pragmática,
discursiva e/ou enunciativa – e não puramente estrutural – sobre

R O
os gêneros. E, além disso, acrescentamos: a riqueza crítica da

R
diversidade pode se refletir, na maior parte das vezes, em uma

P UTO
questão de enfoque e não de contradição. Essa reflexão nos permite
integrar coerentemente algumas abordagens distintas, o que foi a
nossa escolha, conforme explicamos a seguir.
Um ponto forte de convergência dos estudos sobre gêneros

O A
é o próprio conceito fundamental de gênero, que tem suas raízes
em Bakhtin (1979[2011]). Esse autor destacou o importante papel
da linguagem em constituir as atividades sociais e as relações

D
pessoais, com o que concordamos, e definiu os gêneros como
formas recorrentes e relativamente estáveis de enunciados.
Em primeiro lugar, salientamos o fato de que, aparentemente,
para Bakhtin, enunciado não se distingue de enunciação. Em nosso
estudo, no entanto, como para Benveniste (1966), enunciação é o ato
mesmo de produzir um enunciado, que se diferencia do texto do
enunciado. Observamos então que, dentro da concepção benvenisteana, o
enunciado pode ser considerado como produto da enunciação, incluindo as categorias
de pessoa, tempo e espaço, ou seja, tem existência em um determinado momento
em que a língua é mobilizada por um locutor. E, ao contrastar enunciação
como o ato do locutor que mobiliza a língua e o produto desse ato, a teoria de
Benveniste abre espaço para que possamos estabelecer um paralelo entre enunciado
e texto, acompanhando também a reflexão de Knack (2012). Por ora, então,
assumimos que o texto pode ser considerado como uma manifestação
enunciativa e, portanto, texto e enunciado são, para nós, noções equivalentes.
Outra observação importante é a de que, para Bakhtin
(1979[2011]), a importância do enunciado está na alternância entre
os sujeitos falantes, pois, para ele, um enunciado seria um ato de

Gêneros, entre o texto e o discurso 283


linguagem cujos contornos permitem e solicitam que outro realize
uma apreciação valorativa com relação àquilo que falamos ou
escrevemos. Alguns estudos enfatizam essa característica essencial
para Bakhtin, bem como para o sociointeracionismo: a valorização
dos aspectos dialógicos ou interacionais da linguagem. Contudo,
ainda que reconheçamos que os gêneros são emergentes da ação

VA
social entre os falantes, em nossa pesquisa, salientamos também o
aspecto de que a linguagem não se resume às atividades sociais e

O
às relações pessoais, mas constitui a própria inserção do falante na

R
P UTO R
linguagem. De um lado, então, o falante enuncia e produz textos
a partir de um investimento que é subjetivo e único. De outro, os
textos, que sempre são manifestados em algum gênero, precisam
ser adaptados aos ambientes em que circulam para que sejam
aceitos e compreendidos.

A Há, portanto, uma dimensão individual, já que o falante


produz enunciados a partir de um comportamento que lhe é

O
particular, evocando gêneros e inserindo-se em uma comunidade

D
discursiva, com sucesso ou não. E, de outra parte, há também
uma dimensão social, já que esse falante não fala sozinho, mas
pressupõe o outro, que é com quem pretende se fazer entender e é
quem legitima o seu discurso.
Salientamos, ainda, que a dimensão social não se restringe
à situação enunciativa imediata dos participantes, mas envolve o
contexto sócio-histórico produzido pelos falantes ao longo do
tempo, seus discursos e a relativa estabilização dos gêneros.
Complementando, então, a noção de gêneros do discurso de
Bakhtin, coerentemente com o nosso posicionamento sobre língua
e enunciação, podemos dizer que gêneros discursivos são formas
recorrentes e relativamente estáveis de agir na língua e pela língua,
em conjunto, em diferentes esferas de atividades. Mas é preciso
acrescentar outras observações a essa definição, para dar conta de
descrever esse fenômeno tão complexo.
Bhatia (1995[2009]) menciona alguns elementos de análise,
comuns aos estudos de gêneros e interessantes para essa discussão.
O primeiro ponto é justamente o da ênfase na estabilidade dos

284 EDITORA MERCADO DE LETRAS


gêneros, ou no conhecimento convencionado que confere a cada gênero
sua integridade. Esse aspecto é central para qualquer forma de
descrição de gêneros. O segundo é a versatilidade da descrição dos
gêneros, e o terceiro, embora possa parecer algo contraditório em
relação ao primeiro, é a tendência para a inovação, advinda da natureza
essencialmente dinâmica do gênero. A seguir, é apresentado um

VA
detalhamento sobre cada um desses pontos, além de considerações
sobre alguns diferentes aspectos que caracterizam os textos de

O
nossos corpora e o que está em jogo quando se trata de descrever

R
P UTO R
sua configuração enquanto gêneros discursivos.

Conhecimento convencionado

O A Os gêneros são definidos essencialmente em termos de


uso da língua em contextos comunicativos convencionados,

D
condicionados por propósitos comunicativos para grupos sociais
e disciplinares especializados, cujos membros estabelecem
intersubjetivamente e socialmente, através do tempo, como já
dissemos, formas estruturais relativamente estáveis e, em certa
extensão, impõem restrições, inclusive quanto ao emprego de
recursos textuais.
Nas palavras do autor:

Os propósitos comunicativos compartilhados estão, dessa


forma, imbricados dentro do contexto retórico relevante.
Levando isso um pouco adiante, em direção às formas
linguísticas, é possível identificar regularidades típicas de
formas estruturais e organizacionais que frequentemente delineiam
um construto genérico. Consequentemente, para uma série de
interesses em aplicação, especialmente no ensino de línguas, o
conceito de situação retórica talvez seja o mais geral, fornecendo
a estrutura necessária dentro da qual podem ser localizados os
propósitos comunicativos, que, por sua vez, são percebidos

Gêneros, entre o texto e o discurso 285


nos usos mais ou menos típicos de formas léxico-gramaticais
e discursivas. Para o estudo dos gêneros, especialmente para
os propósitos da linguística aplicada, todos os três níveis inter-
relacionados de descrição de gêneros são importantes. (Bhatia
1995[2009, p. 162], grifo nosso)

VA
Em nosso estudo são justamente as formas lexicais, no
âmbito de sua importância discursiva enquanto termos, o nosso

O
foco. Essa não é a única característica textual que define um gênero

R
P UTO R
– até porque não há apenas um critério para defini-los, mas ela
pode ser um dos aspectos a ser considerado para uma configuração
adequada dos gêneros. Essa configuração tanto pode ser vista
como adequada no sentido de conforme à tradição dentro de um
gênero, como também aos propósitos comunicativos e ao leitor –

O A
coisas que estão, na verdade, inter-relacionadas.
Os gêneros não são criados da noite para o dia. Eles se
desenvolvem através do tempo e somente são reconhecidos

D
quando se tornam bastante padronizados. Fairclough (1989, p.
59) apresenta um exemplo de uma consulta médica ginecológica,
em que evidencia a importância das convenções. Muitas vezes,
especialmente por ocasião dos exames, o ginecologista tranquiliza
a paciente, dizendo, por exemplo: “relaxe o máximo possível, serei
o mais delicado que puder”. A pergunta, feita por esse autor é:
“o que, neste breve encontro, permite à paciente interpretá-lo
como uma consulta médica e não como um encontro sexual?”. A
resposta, dada pelo autor é a de que o próprio contexto e localização
do evento – num hospital ou consultório – ajudam a legitimar o
encontro como uma consulta.
As convenções dos gêneros são obviamente de grande
utilidade para colaborar com a integridade dos gêneros, propiciando
um melhor entendimento, uma redução de situações ambíguas
e uma ordem social desejáveis na maior parte das comunidades
profissionais civilizadas. Porém, outra coisa a se observar – e que
colocamos aqui em questão – é uma situação em que, voltando
ao exemplo de Fairclough, o médico optasse por dizer algo como

286 EDITORA MERCADO DE LETRAS


“posicione-se em decúbito dorsal, mantenha o vasto externo,
o adutor, o oblíquo e o reto abdominal relaxados, que agora
procederemos a uma colposcopia”. Ou seja, se a fala do médico
fosse altamente técnica e não tivesse base numa escolha lexical
comum, perfeitamente compreensível pela paciente, ela não seria
confundida com um encontro amoroso, mesmo que fora de um

VA
contexto clínico, mas provavelmente haveria falha na comunicação
e inadequação do gênero.

R O Esse é um ponto importante para o nosso trabalho, que

R
visa analisar a escolha lexical em textos de temas e propósitos que

P UTO
podem coincidir em certo grau, mas que circulam em diferentes
ambientes e visam outros públicos-leitores. Um dos problemas que
se pode antecipar, considerando-se textos de divulgação científica,
é o de que a linguagem da ciência e o próprio método científico

A
não são familiares fora do meio acadêmico. Assim, a informação
de textos de divulgação para outros leitores – leigos e/ou com

O
formação não acadêmica – especialmente os que têm caráter

D
educativo e preventivo, precisa ser reelaborada em conformidade
com as exigências e necessidades de compreensão desses leitores.
Pela leitura que fizemos, como leigos no assunto, ao
coletar o corpus de artigos de popularização sobre Pneumopatias
Ocupacionais, percebemos algumas dificuldades, especialmente no
que diz respeito ao léxico, que nos pareceu saturado de termos
médicos, sobre os quais pouco era esclarecido no texto. Essa
primeira observação nos levou à hipótese de que esses textos
não estavam sendo reelaborados de maneira adequada ao tipo de
esclarecimento e objetividade que um assunto científico requer
para que um leigo o compreenda, especialmente no caso de ser
esse um caso de Saúde Pública. Já os gêneros acadêmicos, âmbito
em que se manifestam os artigos científicos de nosso corpus, são
bastante estáveis, altamente convencionalizados e familiares entre
os que têm uma formação acadêmica. Para esses textos, há uma
constante e rigorosa regulamentação, tanto de formato quanto
de conteúdo, que é monitorada pelas comissões de aceite dos
artigos submetidos aos periódicos, as quais são constituídas por
pesquisadores especializados e conceituados nas respectivas áreas.

Gêneros, entre o texto e o discurso 287


Versatilidade

Bhatia (1995[2009]) observa que, embora os gêneros


sejam identificados essencialmente em termos dos propósitos
comunicativos aos quais tendem a servir, esses propósitos

VA
comunicativos podem ser caracterizados em diferentes níveis
de generalização. Essas variações, ou versatilidades, somente se

R O
tornam gêneros diferentes no momento em que começam a indicar

R
uma diferença substancial nos propósitos comunicativos. É essa a

P UTO
situação que encontramos, no caso da comparação entre os artigos
científicos e os de divulgação científica: embora ambos tenham o
propósito comum e geral de divulgar conhecimento, cada um tem
o seu grau de especificidade, guiada pela motivação de divulgar esse

O A
conhecimento.
Entre os pesquisadores, o objetivo é divulgar conhecimento
e fazer avançar a ciência, com novos estudos, a partir dos

D
resultados já obtidos. Entre os profissionais que leem esses
artigos, o interesse está em adquirir conhecimentos novos sobre
as doenças, sintomas, prevenção, tratamento e medicamentos que
possam ser aplicados aos seus pacientes. Já o propósito principal
de divulgar o conhecimento entre os leigos, especialmente na área
de Saúde, está na conscientização da comunidade em geral sobre a
cura, prevenção e tratamento de doenças. É uma questão de Saúde
Pública, portanto.
E aqui está envolvida também a questão dos participantes da
comunicação e suas esferas de atividades. De acordo com Giering
(2012), em um estudo sobre os textos de divulgação científica para
jovens e crianças, a atenção ao contrato midiático que envolve
os interlocutores é condição para compreender as características
linguístico-discursivas do corpus. A autora destaca, especialmente, a
identidade dos interlocutores envolvidos e a sua assimetria: de um
lado o cientista, de outro o leitor infantil. No caso dos textos de
divulgação dos textos sobre Medicina de nosso corpus, a situação é

288 EDITORA MERCADO DE LETRAS


análoga, já que de um lado situamos o cientista/médico e, de outro,
o leitor/paciente ou trabalhador de risco.
Os artigos científicos e os de divulgação científica têm seu
foco, portanto, em diferentes pares de interlocutores. Os artigos
acadêmicos são publicados em revistas e outras publicações de
circulação mais restrita ao ambiente acadêmico. No caso da área

VA
médica, como as Pneumopatias Ocupacionais, os artigos são escritos
por pesquisadores, que também são profissionais da área de Saúde,

R O
em sua maioria médicos, mas também farmacêuticos, biólogos,

R
fisioterapeutas, entre outros, todos com formação acadêmica. E o

P UTO
público-leitor é composto tanto por outros pesquisadores, como
por profissionais que atuam em práticas clínicas, organizações
privadas e governamentais, indústrias farmacêuticas, entre outras.
Por esses motivos, quais sejam, diferença substancial do

O A
propósito comunicativo, conforme Bhatia (1995[2009]), bem como
diferentes esferas de circulação e públicos-leitores, é que podemos
não somente identificar as diferenças entre os dois gêneros de

D
nossos corpora, mas também averiguar em que medida esses textos
que estão sendo produzidos com o fim de divulgação científica
podem ser adequados ou não.

Tendência para a inovação

Bhatia (1995[2009]) observa que os gêneros são


inerentemente dinâmicos e podem ser manipulados de acordo
com as condições de uso. Além disso, acrescentamos aqui, todo texto é
realizado em algum gênero, que define, pela expectativa e tradição
de regras e convenções, e é definido pela atividade subjetiva dos
falantes, na situação discursiva. Se, de um lado limitam a ação dos
falantes, impondo padrões e restrições, de outro, os gêneros são
convites a escolhas e variação, o que também põe em evidência o
equilíbrio desse fenômeno entre o que é individual e o que é social.

Gêneros, entre o texto e o discurso 289


Essa tendência natural à inovação e à mudança é
frequentemente explorada pelos membros experientes da
comunidade especializada na criação de novas formas para
responder a contextos retóricos familiares ou nem tão familiares
assim.
No caso dos artigos de divulgação científica de nosso

VA
corpus de estudo não se trata exatamente de um gênero novo.
O texto do gênero de divulgação científica caracteriza-se por

R O
transpor o discurso de uma esfera do campo científico para a

R
comunidade em geral. Essa popularização da ciência tem como

P UTO
objetivo tornar disponíveis conhecimentos que possam ajudar a
melhorar o cotidiano das pessoas, no que diz respeito a diversas
áreas de desenvolvimento econômico e social. Estendendo-se esse

A
desenvolvimento para o bem-estar na área da Saúde, podemos dizer
que o gênero em que se manifestam os textos sobre Pneumopatias

O
Ocupacionais de nosso corpus são muito semelhantes aos de

D
divulgação científica. Por outro lado, apresentam além de caráter
educativo e informativo, o caráter preventivo de divulgação sobre
doenças para trabalhadores de risco, o que os destaca de outros.
Quando a inovação não constitui exatamente um novo
gênero, mas um gênero próximo, podemos falar em constelações
de gêneros, que são justamente agrupamentos de gêneros que se
aproximam por certas características. Essa classificação é variável,
no entanto, pois, de autor para autor, critérios diversificados são
levados em conta para os agrupamentos, conforme verificamos em
Swales (2004), Bhatia (2001), Araújo (2006) e Bezerra (2007). O que
conta, na verdade, é a descrição mais apurada possível do gênero
e as relações estabelecidas, e não exatamente a nomenclatura das
constelações, gêneros ou grupo a que pertencem.
Mais do que considerar, então, os textos de popularização
de nosso corpus como gênero de divulgação médica, por exemplo,
pertencente à constelação de gêneros de divulgação científica, insistimos
ainda em um último aspecto que tem relação com a tendência para
a inovação dos gêneros.

290 EDITORA MERCADO DE LETRAS


De acordo com Silva (2006):

O que chamamos de divulgação científica é o reflexo de um


modo de produção de conhecimento e, consequentemente
da constituição de um efeito-leitor específico relacionado à
institucionalização, profissionalização e legitimação da ciência

VA
moderna, e que opõe produtores e usuários/consumidores
e cria a figura do divulgador, que viria, imaginariamente,

R O restabelecer a cisão, e minimizar a tensão instaurada ao longo

R
da história no tecido social da modernidade. Essa cisão

P UTO
não é mantida sem tensão, sem a (re)produção tensa de um
imaginário que a mantém. É nesse imaginário que trabalha a
divulgação científica.

O A Assim, o que detectamos como um problema na elaboração


dos textos de popularização de nosso corpus, que conserva tantos
termos técnicos dos textos científicos, pode ser uma questão de

D
adaptação da constituição de um efeito-leitor específico, como diz
Silva (2006). E a cada nova matiz desse efeito, em conjunto com o
propósito comunicativo, podemos supor que o gênero discursivo
em que se insere o texto de popularização, como os de Medicina
do nosso corpus, esteja sofrendo também as pressões da tendência
para inovação à medida em que se ajusta às exigências desse novo
gênero da constelação.

Procedimentos metodológicos

Partimos da hipótese de que os textos de divulgação


científica de nosso corpus não foram elaborados de maneira
adequada ao gênero, conforme já mencionamos. Após um
delineamento das principais características da constelação de gêneros de
divulgação científica e, mais especialmente dos de divulgação médica, caso
do nosso corpus, reforçamos a nossa hipótese. Tanto em termos de
propósito comunicativo, quanto de participação dos interlocutores,
os textos coletados não parecem adequados à objetividade e

Gêneros, entre o texto e o discurso 291


clareza que um assunto científico e médico requer para que um
leigo o compreenda. Atenção especial mereceria essa elaboração,
pois parece-nos que com frequência o leigo interessado nesse
tipo de texto é um paciente ou um trabalhador de risco de uma
Pneumopatia Ocupacional, com pouca escolaridade, e todo esse
quadro constitui-se numa situação de importância social e de Saúde

VA
Pública.
O aspecto principal a ser considerado, neste trabalho,

R O
como um dos critérios para a configuração adequada dos gêneros

R
de divulgação médica são as formas lexicais no âmbito de sua

P UTO
importância discursiva enquanto termos. Em uma comparação
com os principais termos dos artigos científicos que versam sobre
o mesmo tema, obtemos um parâmetro de verificação de como o

A
discurso acadêmico é recebido pelo leitor leigo.
Para tanto, contamos com o apoio do ExATOlp – Extrator

O
Automático de Termos para Ontologias em Língua Portuguesa. Trata-se de

D
uma ferramenta computacional que é aplicável a qualquer domínio,
dirigida a textos escritos em português. Partindo de um processo
com base linguística e estatística, a principal vantagem dessa
ferramenta é que ela fornece, dentre diversas funcionalidades, uma
lista dos sintagmas nominais (SN) que são os mais relevantes de um
corpus em língua portuguesa, considerando outros corpora como
elementos de contraste ao corpus estudado. Esse processo auxilia a
identificação de temas e termos recorrentes e de maior especificidade
para o corpus em questão. Os resultados são apresentados em listas
de diversos tipos, as quais podem ser, então, analisadas em detalhe
e como um apanhado geral. A ferramenta ExATOlp implementa
um conjunto de técnicas proposto por Lopes (2012) e representa o
estado da arte em extração de termos a partir de corpora em língua
portuguesa.
A seguir, informações mais detalhadas sobre a metodologia,
incluindo a descrição dos corpora e o funcionamento da ferramenta
automática.

292 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Descrição dos corpora

São dois corpora de textos escritos, em língua portuguesa,


sobre Pneumopatias Ocupacionais. O primeiro trata-se de artigos
científicos, publicados nos seguintes periódicos, entre 1999 e 2010:

VA
• Acta ORL/Técnicas em Otorrinolaringologia (São Paulo,
online)

R O R
• Arquivos Catarinenses de Medicina (Santa Catarina,
impresso)

P UTO • Distúrbios da Comunicação (São Paulo, online)


• Jornal Brasileiro de Pneumologia (São Paulo, impresso)
• Medicina (Ribeirão Preto, impresso)

O A • Pneumologia Paulista (São Paulo, impresso)


• Pulmão (Rio de Janeiro, impresso)
• Radiologia Brasileira (São Paulo, impresso)

D • Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular


• Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (Brasil,
impresso)
• Revista Brasileira de Otorrinolaringologia (São Paulo,
impresso)
• Revista da Sociedade Brasileira de Medicina (Brasil,
online)
• Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental (Brasil,
online)
• Revista de Saúde Pública (São Paulo, impresso)
• Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (Rio de
Janeiro, impresso)
• Revista do Instituto de Medicina Tropical (São Paulo,
impresso)
• Revista Eletrônica de Enfermagem (São Paulo, impresso)
• Revista Portuguesa de Pneumologia (Lisboa, online)

Gêneros, entre o texto e o discurso 293


O segundo corpus coletado é composto de artigos de
divulgação científica – ou, mais especificamente, de divulgação
médica, coletados em 2014, na web. Esse foi todo o material que
conseguimos coletar, o que já indica a escassez desse tipo de
informação para o leigo:

A
• http://sintomascausas.blogspot.com.br/2012/10/pneu

V
moconiose.html
• http://stcefetrj.wordpress.com/2010/12/15/seguranca-

R O R
no-trabalho-em-minas-de-carvao-ii-pneumoconiose-dos-
carvoeiros/

P UTO• http://www.drashirleydecampos.com.br/noticias/928
• http://www.manualmerck.net/?id=64&cn=722
• http://www.manualmerck.net/?id=64&cn=720

O A • http://www.manualmerck.net/?id=64&cn=721&ss
• http://www.manualmerck.net/?id=64&cn=723&ss
• http://www.manualmerck.net/?id=64&cn=724&ss

D • http://www.manualmerck.net/?id=64&cn=725&ss
• http://www.manualmerck.net/?id=64&cn=726&ss
• http://www.grupoprevine.com.br/l-13.asp
• http://www.grupoprevine.com.br/l-20.asp
• http://www.grupoprevine.com.br/l-48.asp
• http://www.saudemedicina.com/asbestose-doenca-res
piratoria/
• http://www.infoescola.com/doencas/asbestose/
• http://www.mdsaude.com/2010/06/mesotelioma-asbesto
-asbestose-amianto.html
• http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude /
vigilancia_em_saude/doencas_e_agravos/doencas_do_
trabalho/index.php?p=6059
• http://www.minhavida.com.br/saude/temas/silicose
• http://www.abc.med.br/p/sinais.-sintomas-e-doencas
/354439/silicose+o+que+e+quais+as+causas+e+os+sinto
mas +como+evitar.htm
• http://www.indicedesaude.com/artigos_ver.php?id=2743

294 EDITORA MERCADO DE LETRAS


• http://www.tuasaude.com/beriliose/
• http://www.tuasaude.com/bissinose/
• http://geramedicina.com.br/doencas-do-ocupacionais-
asma-e-bronquite/

Os dois corpora de interesse para este trabalho, que passamos

VA
a chamar Pneumopatias Leigo (PL) e Pneumopatias Acadêmico
(PA) têm as características estruturais conforme o Quadro 1.

R O R Quadro 1 – Características dos corpora de

P UTO
Pneumopatias Leigo e Acadêmico

termos candidatos a
corpus documentos sentenças palavras
conceitos

A
PL 23 764 16.591 4.662

PA 71 9.239 241.806 68.444

D O
Processamento automático dos corpora

Ambos os corpora foram anotados sintaticamente através


do parser PALAVRAS (Bick 2000) e em seguida submetidos a
ferramenta de extração de termos candidatos a conceitos ExATOlp
(Lopes et al. 2009).
O parser eleito para a etiquetagem prévia de nosso corpus
em português foi o PALAVRAS,1 ferramenta desenvolvida por
Eckhard Bick, desde 2000, na Universidade de Arhus, Dinamarca.
Essa escolha foi guiada pelo fato de que esse é o parser atualmente
compatível com o ExATOlp. Dito de um modo simples, para que
o ExATOlp reconheça os sintagmas mais relevantes no texto com

1. A licença para uso dessa ferramenta está vinculada à parceria de pesquisa


de nosso projeto entre a UFRGS e a PUCRS, que adquiriu uma versão do
software.

Gêneros, entre o texto e o discurso 295


que trabalha, é preciso que a classe e a função de cada uma das
palavras que o compõe estejam previamente marcadas no corpus.
No entanto, cabe salientar que nem todos os sintagmas dos textos
podem ser identificados pelo parser.
Uma vez anotados, os textos são submetidos à ferramenta
ExATOlp, que conta com um mecanismo sofisticado de identificação

VA
de termos candidatos a conceitos do domínio representado pelos
corpora. Esses mecanismos incluem heurísticas de base linguística

R O
para refinamento dos SN identificados pelo parser, mas também a

R
detecção de SN que o parser falhou em identificar (Lopes e Vieira

P UTO
2012). Além da identificação de termos candidatos a conceitos,
o ExATOlp se vale de métodos estatísticos que permitem filtrar
os termos candidatos segundo sua frequência e especificidade ao
domínio através do cálculo de relevância de termos. Para isso,

A
é utilizado o índice tf-dcf (para o detalhamento e compreensão
desse cálculo, consulte Lopes et al 2012). O cálculo do índice tf-dcf

O
(term frequency – disjoint corpora frequency) necessita do uso de corpora

D
contrastantes para estimar a especificidade de cada termo dentro de
um domínio. Dessa forma, neste trabalho, foram utilizados cinco
corpora contrastantes previamente disponíveis (Lopes e Vieira 2013)
que tem as características estruturais conforme o Quadro 2.

Quadro 2 – Características dos corpora contrastantes utilizados


termos candida-
tos a conceitos
documentos

Corpus
sentenças

palavras

Geologia 234 69.461 2.010.527 564.905

Modelagem Estocástica 88 44.222 1.173.401 310.570

Mineração de Dados 53 42.932 1.127.816 302.412

Processamento Paralelo 62 40.928 1.086.771 293.212

Pediatria 281 27.724 835.412 236.529

296 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Os termos extraídos dos corpora de Pneumopatias foram
então submetidos a três filtros sucessivos: (i) Incialmente foram
descartados SN que apresentavam números ou símbolos, ou núcleo
inadequado, por exemplo, pronome. (ii) Em seguida limitou-se a
extração a termos de 4 palavras ou menos, ou seja, considerou-
se como candidatos apenas unigramas, bigramas, trigramas e

VA
quadrigramas. (iii) Finalmente, aplicou-se a estimativa de relevância
e apenas os 15% dos termos candidatos mais relevantes, desde

R O
que apresentassem índice tf-dcf igual ou superior a 2, foram

R
considerados como representativos de cada corpus. Essa definição

P UTO
de um ponto de corte, ou descarte, segue a recomendação para
extração de conceitos do ExATOlp de acordo com Lopes e Vieira
(2013). O Quadro 3 sumariza o número de termos extraídos de

A
cada corpus de interesse após cada um dos filtros.

D O Quadro 3 – Termos extraídos dos corpora de


Pneumopatias Leigo e Acadêmico
termos candidatos a

com ponto de corte


15% e tf-dcf >= 2
com no máximo 4
termos inválidos
com descarte de
conceitos

palavras
Corpus

PL 4.662 3.741 838 126

PA 68.444 50.294 9.598 1.410

Foram, dessa forma, produzidas duas listas de termos, uma


para o corpus de Pneumopatias com artigos para leigos e outra com
textos de artigos acadêmicos, respectivamente com 142 e 1.524
termos cada. Ambas as listas foram analisadas manualmente e os
termos mais relevantes (segundo o índice tf-dcf) foram observados
em maior detalhe.

Gêneros, entre o texto e o discurso 297


Resultados

As Figuras 1 e 2 mostram uma das saídas do ExATOlp


que permite observar uma nuvem de conceitos, onde cada termo
extraído é descrito com uma fonte proporcional à sua relevância
calculada pelo índice tf-dcf.

VA Figura 1 – Nuvem de conceitos relevantes

O
do corpus de textos leigos (PL)

R
P UTO R
O A
D Figura 2 – Nuvem de conceitos relevantes do
corpus de textos acadêmicos (PA)

298 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Como podemos observar nas nuvens, os termos que a
ferramenta salientou como mais relevantes são, em sua maior parte,
bastante técnicos, pertencentes a um vocabulário que se pode
dizer mais acadêmico, como “asbesto”, “silicose”, “mesotelioma”.
Por outro lado, é curioso que justamente na nuvem dos artigos
acadêmicos apareçam em saliência expressões mais ordinárias

VA
como “câncer de pulmão”, “saúde do trabalhador” e “sintomas
respiratórios”.

R O O Quadro 4, a seguir, apresenta, em ordem de relevância, os

R
50 termos mais relevantes de cada um dos corpus.

P UTO Quadro 4 – 50 termos mais relevantes de cada


um dos corpus de Pneumopatias

O
1
A PL

Silicose
PA

Asbesto

D
2 Amianto Tb

3 Asbesto câncer de pulmão

4 Asbestose Mesoteliomas

5 Mesotelioma pleura

6 Pó de carvão crisotila

7 Pulmão negro sintomas respiratórios

8 pó de sílica chumbo

9 Beriliose exposição ocupacional

10 Asma ocupacional Saúde de Trabalhador

11 tecido pulmonar silicose

12 Mesotelioma maligno asbestose

13 exposição a asbesto lobo superior

14 doença pulmonar causada exposição a asbesto

15 câncer de pulmão amianto

16 Pacientes com Silicose isoniazida

Gêneros, entre o texto e o discurso 299


17 Pneumoconiose nadadores

18 Cancro Placa pleural

19 Bissinose pneumologista

20 proteção coletiva pneumonia intersticial

A
21 poeira de sílica Tb pulmonar

22

23

O V R
Pleura

medidas de proteção
ambiente de trabalho

Derrame pleural

R
24 Isocianatos espirometria

P UTO
25

26

27
fibrose maciça progressiva

Silicose crônica

Pulmão negro simples


tuberculose

doador

Espessamento pleural

28

O
29 A Protetores respiratórios

Medidas de proteção coletiva


óleo mineral

pleurite

D30

31

32

33
Pulmão

Sílica

falta de ar

Bronquite
pleurisia

pirazinamida

arteríolas

tuberculose latente

34 sílica livre bronquíolo

35 sintomas de asma ocupacional actinomicose

36 respiração sibilante Pleurite crônica

37 poeira respirável rifampicina

38 fibrose maciça lobo inferior

39 fibras de amianto fibra de asbesto

40 exposição inicial doença ocupacional

41 exposição a amianto Pleurite crônica inespecífica

42 diagnóstico de silicose pneumoconiose

43 cavidade pleural níveis de chumbo

300 EDITORA MERCADO DE LETRAS


44 bronquite aguda foco fibroblástico

45 ajuda médica citometria de fluxo

46 Doença de pulmão trabalhadores expostos

47 Sintomas mesotelioma maligno

A
48 silicose complicada ginecomastia

49

50

O V R
Reacção

indústria extrativa
fibrose pulmonar idiopática

fibrose intersticial

R
P UTO Também nas listas fica bastante evidente a relevância de
expressões mais ligadas ao universo discursivo acadêmico na coluna
dos artigos de divulgação para leigos. Dentre as 50 principais,

A
apenas algumas dessas expressões podem ser consideradas como
relativamente ordinárias, considerando um falante leigo em

O
assuntos de Medicina, que são: “asma ocupacional”, “doença

D
pulmonar”, “câncer pulmonar”, “proteção coletiva”, “medidas de
proteção”, “pulmão”, “falta de ar”, “sintomas de asma”, “poeira
respirável”, “exposição inicial”, “ajuda médica”, “doença de
pulmão”, “sintomas” e “reação”. E, ainda que apresentem poucas
expressões em comum com o do corpus de artigos acadêmicos,
muitos termos dos artigos de divulgação para leigos apresentam
dificuldades de compreensão para um leitor não especialista na área
de Pneumopatias Ocupacionais, como por exemplo: “beriliose”,
“mesotelioma maligno”, “cancro”, “bissinose”, “fibrose maciça
progressiva”, “silicose crônica”, “sílica livre”, “respiração sibilante”
e “cavidade pleural”.
A seleção de expressões que consideramos mais técnicas
e/ou acadêmicas e, portanto, mais inacessíveis a um leitor
leigo é, aqui, apenas uma indicação, a partir do nosso próprio
conhecimento e do fato de os autores desta pesquisa serem
leigos em Medicina. Para uma maior precisão dessa classificação,
seria necessária uma pesquisa mais aprofundada sobre o público-
leitor dos artigos de divulgação. Supomos que o público de maior

Gêneros, entre o texto e o discurso 301


interesse seria o de trabalhadores que estão, em seu ambiente de
trabalho, expostos a situações de risco de doenças pulmonares. No
Brasil, de acordo com o professor Ericson Bagatin, da faculdade
de Medicina da Unicamp (informação disponível em http://www.
pneumoatual.com.br/), os estudos sobre as doenças ocupacionais
são incompletas, inconsistentes ou inexistentes. Contudo, sabe-

VA
se que alguns dos grupos mais atingidos são os trabalhadores
em moagem de pedra e os jateadores de areia, com alto risco de

R O
silicose, e os operários de construção civil e da indústria: têxtil,

R
plástica, automotiva, mineração, papel, solda, entre outras, todas

P UTO
oferecendo risco de asbestose.
Portanto, supomos também que, em sua maior parte,
tais trabalhadores pouco acesso tiveram ao estudo, a escolas e

A
bibliotecas. Assim, talvez também as expressões aqui mencionadas
como ordinárias possam apresentar algum grau de dificuldade para

O
o leitor/trabalhador de risco.

D O Quadro 5, a seguir, apresenta os 50 termos mais relevantes


de cada corpus, considerando como contrastantes, além dos 5
corpora apresentados no Quadro 2, o outro corpus de Pneumopatias.
Trata-se de uma comparação entre os dois corpora de estudo, que
salienta os termos que não são comuns aos dois corpora. Assim, por
exemplo, o termo “asbesto”, que era relevante em ambos os corpora,
agora não figura mais entre os 50 mais específicos.

Quadro 5 – 50 termos mais específicos de


cada um dos corpora de Pneumopatias

PL PA

1 Pó de carvão Tb

2 Pulmão negro crisotila

3 pó de sílica exposição ocupacional

4 Silicose Saúde de Trabalhador

5 Beriliose lobo superior

302 EDITORA MERCADO DE LETRAS


6 doença pulmonar causada isoniazida

7 Cancro Asbesto

8 Bissinose pneumonia intersticial

9 Amianto pneumologista

A
10 Isocianatos nadadores

11

12

O V R
Silicose crônica

Pulmão negro simples


Placa pleural

Tb pulmonar

R
13 Medidas de proteção coletiva doador

P UTO
14

15

16
Asbestose

sintomas de asma ocupacional

respiração sibilante
Espessamento pleural

óleo mineral

pleurite

17

O
18 A poeira respirável

diagnóstico de silicose
pleurisia

pirazinamida

D19

20

21

22
cavidade pleural

bronquite aguda

ajuda médica

Doença de pulmão
arteríolas

tuberculose latente

bronquíolo

actinomicose

23 Mesotelioma Pleurite crônica

24 Asbesto chumbo

25 Pacientes com Silicose rifampicina

26 silicose complicada níveis de chumbo

27 Reacção lobo inferior

28 indústria extrativa doença ocupacional

29 Berílio Pleurite crônica inespecífica

30 asma profissional foco fibroblástico

31 alvéolos pulmonares citometria de fluxo

32 Trabalhadores de Carvão ginecomastia

Gêneros, entre o texto e o discurso 303


33 Fração respirável fibrose pulmonar idiopática

34 proteção coletiva fibrose intersticial

35 poeira de sílica pneumonia

36 medidas de proteção pneumonia lipoídica

A
37 Protetores respiratórios micobacteriose

38

39

O V R
sílica livre

exposição inicial
lobectomia

células gigantes

R
40 zonas cicatrizadas cana

P UTO
41

42

43
vias aéreas causada

tipos de carvão

tipo de asbesto
Utilização em insuficiência

LP

câncer de pulmão

44

O
45 A tecido de pulmão

sílica livre cristalina


tuberculose ativa

monóxido de carbono

D46

47

48

49
substância suspeita

sintomas de asbestose

silicose nodular

semana de trabalho
pleura

sintomas respiratórios

enfisema

traqueia

50 refinarias de berílio pneumonia intersticial usual

As Figuras 3 e 4, a seguir, apresentam a nuvem de conceitos


referentes a estas novas listas de termos específicos para cada
corpus.
Observamos que, nas nuvens, a disposição gráfica e as cores
das expressões mais salientes nos corpora trazem mais uma indicação
clara de que, nos artigos para leigos, há expressões técnicas em
abundância, como “silicose”, “beriliose” e “isocianato”. Tais
termos dificilmente são compreendidos por um leitor leigo, se não
houver uma explicação adequada do seu sentido no contexto das
Pneumopatias.

304 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Figura 3 – Nuvem de conceitos específicos
do corpus de textos leigos (PL)

VA
R O R
P UTO
O A Figura 4 – Nuvem de conceitos específicos do
corpus de textos acadêmicos (PA)

Notamos que, muitas vezes, parece haver um esforço, da


parte do autor dos artigos para leigos, no sentido de esclarecer
termos técnicos. A seguir, exemplos de colocação, extraídos de
textos de nosso corpus, exemplificam o caso de tentativas de

Gêneros, entre o texto e o discurso 305


esclarecimentos de termos, que, como veremos, nem sempre são
bem-sucedidas:

(1) “Sílica livre: (sílica cristalina ou quartzo) composto


unitário de SiO2 (dióxido de silício) com um átomo

A
de oxigênio nas pontas de um tetraedro.”

V
(2) “A silicose é uma doença pulmonar causada pela
inalação de poeiras com sílica-livre e sua consequente

R O R
reação tecidual de caráter fibrogênica.”

P UTO No exemplo (1), “Sílica cristalina ou quartzo”, “composto


unitário de Si02”, “dióxido de silício com um átomo de oxigênio
nas pontas de um tetraedro” são apenas uma lista de expressões

A
anafóricas que retomam o referente de “sílica livre”, mas que em
nada esclarecem, para o leitor não especializado, de que se trata,

O
afinal, a “sílica livre”.

D Em (2), “silicose” é parcialmente compreendida como


“doença pulmonar pela inalação de poeiras”, isso supondo que o
leitor saiba o significado de “inalar”. No entanto “sílica-livre e sua
consequente reação tecidual de caráter fibrogênica”, para um leitor
leigo, provavelmente não fará sentido algum.
A seguir, um outro exemplo, mas que nos pareceu adequado
para a explicitação de um termo que se supõe não familiar ao leigo:

(3) “Asma ocupacional


Definição: É uma doença do pulmão, caracterizada
por crises de falta de ar (dispneia), sibilos e tosse,
causada por diferentes agentes existentes nos locais
de trabalho”

Com o uso da expressão “falta de ar”, é oferecida ao leitor


a possibilidade de compreensão do sintoma, pela simplicidade da
expressão, reconhecida normalmente por qualquer indivíduo que

306 EDITORA MERCADO DE LETRAS


tenha esse sintoma. Com a menção de “dispneia”, entre parênteses,
logo após “falta de ar”, uma opção alternativa de designação é
oferecida, através de uma expressão mais técnica. Assim, o uso
de “dispneia” não torna inacessível ou complexo o entendimento,
mas, pelo contrário, descortina uma possibilidade, ampliando o
léxico do leitor e aproximando-o do discurso científico.

VA
Contudo, exemplos como os de (1) e (2) parecem ser
mais frequentes do que os de (3) em nosso corpus de artigos de

R O
divulgação científica para leigos. Um estudo da frequência desse

R
tipo de ocorrência é uma sugestão para um trabalho futuro.

P UTO
Considerações finais

O A “Pulmão negro”, um dos termos bastante relevantes no

D
corpus PL, é uma denominação da doença também conhecida por
“pneumoconiose”, ou “pneumoconiose dos carvoeiros”, pois é
uma doença que, de acordo com o Atlas da Saúde2 é consequência
da aspiração continuada do pó de carvão, o que normalmente
acontece com trabalhadores de minas de carvão. Pode ser que,
entre os trabalhadores, essa seja uma denominação comum da
doença e, portanto, possa ser considerada como uma expressão
ordinária no universo discursivo dessa comunidade de falantes.
Outras expressões podem estar nessa mesma categoria. No
entanto, como dissemos, ainda não foi feita uma pesquisa para
levantar as características exatas do leitor-trabalhador dos diversos
ambientes e indústrias que oferecem riscos de doenças pulmonares,
nem mesmo quanto ao grau de letramento desses trabalhadores.
Não obstante, os resultados desta pesquisa apontam para um
excesso de ocorrência de expressões e termos técnicos em artigos
de divulgação, que pode retratar uma lacuna na comunicação com

2. Disponível em: http://www.atlasdasaude.pt/publico/content/pulmao-negro.

Gêneros, entre o texto e o discurso 307


os trabalhadores de ambientes de risco de doenças pulmonares.
Essa característica reforça a não adequação dos textos PL com o
gênero de divulgação científica e médica, que deve transpor o discurso
da esfera do campo científico para a comunidade em geral.
Vale ressaltar, neste trabalho, o auxílio do ExATOlp,
que possibilita o rápido levantamento e comparação de termos

VA
relevantes de uma grande quantidade de textos, tarefa que numa
análise manual poderia tomar meses e até anos.

R O R
Além da alta frequência de termos acadêmicos de difícil
compreensão para leitores não especialistas que percebemos nas

P UTO
listas do corpus PL, na análise das colocações, em trechos maiores,
como frases, percebemos também uma falha, no sentido de que
há bastante informação de pouca serventia para a prevenção ou

A
tratamento das doenças. A prevenção e tratamento das doenças
são características peculiares e fundamentais para esse gênero de

O
divulgação científica, pois o conhecimento sobre elas tem relação

D
direta com a saúde do trabalhador de risco.
Nota-se que há uma tentativa da parte de organizações e
entidades governamentais e privadas, no sentido de fazer conhecer
as doenças, sintomas e tratamentos. Isso fica evidente, quando
encontramos sites e blogs, com textos de divulgação, conforme os
que listamos como fonte de consulta para a coleta de nosso corpus
PL. Contudo seria preciso uma maior reelaboração da informação,
incluindo uma espécie de simplificação: que aparecessem, por
exemplo, apenas os termos técnicos (acadêmicos) necessários e,
junto, uma explicação esclarecedora, com termos e expressões mais
acessíveis ao leigo e, especialmente o maior interessado, que seria
o trabalhador de risco. Também seria necessária uma seleção da
informação que é mais importante para o paciente ou trabalhador
de risco. Essa transmutação linguística da informação que tem
origem no trabalho acadêmico exigiria um estudo cuidadoso e em
colaboração entre linguistas e profissionais da área de Saúde.
Outro aspecto é o de que, em contato com sindicatos,
não obtivemos resposta, e nem tivemos notícia de material em

308 EDITORA MERCADO DE LETRAS


panfletos, cartazes ou palestras, mas apenas encontramos os 23
artigos que coletamos para o corpus. Talvez haja mais material, mas
a dificuldade de encontrá-lo aponta para a escassez e precariedade
de comunicação no que tange à prevenção e à divulgação do
conhecimento das Pneumopatias Ocupacionais. Uma sugestão
para futuras pesquisas seria a de investigar, nos próprios locais

VA
de trabalho de risco de doenças pulmonares, numa pesquisa de
campo, se há algum tipo de material escrito ou rotina de palestras,

R O
para que se pudesse acrescentar mais material ao corpus, estreitando

R
o conhecimento sobre a prática desse gênero.

P UTO Por fim, salientamos um ponto importante, quando o


assunto é gêneros discursivos: a produção de textos coerentes e
pertinentes só pode ser vista conjuntamente com uma adequação

A
ao gênero, pois, do contrário, a informação corre o risco de ser
perdida e o propósito comunicativo, de não atingir seu objetivo. O

O
próprio suporte, como a internet com material por escrito, no caso

D
do nosso corpus, pode ser um fator de dificuldade, caso o público-
leitor não tenha computador ou acesso à internet e, ainda, não
saiba ler. Daí também a importância de que sejam observadas as
dimensões social e particular das atividades linguísticas. Se de um
lado é preciso levar em conta a relação entre os participantes e o
contexto sócio-histórico, bem como os propósitos da comunicação,
também é preciso investigar os mecanismos mais propriamente
linguísticos, como a modalidade oral ou escrita, a escolha lexical e
a sintaxe que são mais produtivas para uma determinada situação
particular de comunicação.
No caso da área de Saúde, especialmente na prevenção de
doenças, o diálogo entre a esfera médica e acadêmica de um lado
e o leigo e potencial paciente, de outro, faz-se fundamental. Com
esta pesquisa, através da caracterização de alguns aspectos dos
gêneros discursivos envolvidos, mostramos que há um caminho
a percorrer no sentido de aperfeiçoar a comunicação entre essas
esferas de atividades humanas.

Gêneros, entre o texto e o discurso 309


VA
R O R
P UTO
O A
D
A14
O V
a infraestrutura do texto MultiModal: o

R
R
P UTO
caso do GÉnero CARTOON

A
Audria Albuquerque Leal

D O
Introdução

Com o advento das novas tecnologias, o visual cada vez


ganha mais preponderância na configuração textual. Por isso,
pode-se afirmar que os textos são multimodais porque convocam
não só produções verbais orais ou escritas, mas também,
outros sistemas semióticos como as imagens, gestos, elementos
tipográficos etc. Estes diferentes elementos participam na
configuração dos textos e interagem com o verbal com o intuito
de atender a função comunicativa do género. A proposta do nosso
trabalho é exatamente procurar mostrar caminhos que levem a uma
compreensão da relação que o verbal tem com o não verbal no
funcionamento textual. Para isso, escolhemos o género cartoon, um
género reconhecidamente multimodal, pois este género permite-
nos analisar o papel que a imagem tem na organização textual.
Sendo os factores icónicos e semiográficos parte constitutiva
desse género, ao proceder à sua análise, é necessário, também,

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 311


relacionar a interação entre o sistema linguístico e outros sistemas
semióticos em presença. Deste modo, o objetivo desta pesquisa
é analisar as duas dimensões – verbal e não verbal – como partes
constitutivas no cartoon. Perceber o processo de relação entre estas
duas dimensões é essencial para compreender o funcionamento da
língua na sociedade.

VAAlém disso, este artigo fundamenta-se no âmbito dos estudos


do Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD), cujo precursor,

R O
o linguista Bronckart (1999/2008), apresenta uma noção de texto

R
profundamente ligada as atividades comunicativas humanas. Para

P UTO
esse autor, as atividades de linguagem têm o importante papel de
assegurar o entendimento colectivo que permite a realização das
actividades humanas em geral. Nessa perspectiva, essas actividades

A
humanas se organizam na forma de textos. Desta forma, para o
ISD, os textos são vistos como produções verbais articuladas a

O
diferentes situações comunicativas, sendo, assim, considerados

D
não só como uma actividade global da comunicação, mas também
como produto da interação humana. A proposta do nosso
trabalho é procurar mostrar caminhos que levem a uma análise da
infraestrutura do género cartoon. Para isso, apresentaremos algumas
considerações sobre as condições de produção dos textos. Também
faremos uma abordagem da arquitetura interna do texto, na qual
faz parte a infraestrutura como um dos folhados que compõe a
organização textual. Em seguida, faremos uma pequena análise da
infraestrutura de um cartoon com tema político retirado do jornal O
Público, 24/12/2004.

O texto e as suas condições de produção: algumas considerações

As actividades comunicativas humanas manisfestam-se na


forma de textos. É sabido que a noção de texto varia conforme a
perspectiva teórica adotada (Koch 2001). Desse modo, o conceito

312 EDITORA MERCADO DE LETRAS


de texto partirá de uma perspectiva mais formal que vê o texto
como unidade linguística superior à frase, passando por uma noção
pragmática na qual o texto é visto como sequência de atos de
fala ou numa linha mais cognitivista que considera o texto como
resultado de processos mentais até chegar a noção de texto como
atividade mais global de comunicação, indo além da atividade verbal

VA
já que esta constitui apenas uma parte do processo de comunicação
humana. Nesta última vertente, a produção textual é vista não só

R O
como simples atividade mental, mas como produto da interação

R
humana em que estará em jogo ações socias, culturais e históricas

P UTO
na sua ação comunicativa. Aliás, esta última perspectiva é defendida
pelos interacionistas sociais, entre eles, Bronckart (1999) que
defende o texto como produções verbais articuladas a diferentes

A
situações comunicativas. A noção de texto para esse autor refere-se
a toda e qualquer produção de linguagem situada, oral ou escrita. Os

O
textos, embora se apresentem com formas diferenciadas, possuem

D
propriedades observáveis e caracterísiticas comuns.
Ainda segundo esse autor (1999, p. 75), o texto é
considerado como uma produção de linguagem situada, acabada
e autossuficiente. Salienta que a organização e o funcionamento
do texto dependerá de parâmetros como o contexto situacional,
estrutura, regras do sistema da língua, decisões particulçares do
produtor entre outras. Cada texto produzido apresenta sua própria
organização do seu conteúdo referencial, e apresenta mecanismos
de textualizaçaõ e enunciativos próprios de cada texto e que lhe
asseguram coêrencia interna. Assim, o texto deixa de ser visto
como estrutura superior à frase para ser entendido como elemento
de construção de significado, de planejamento e de ação social.
Os textos são produtos da necessidade humana de comunicação
e, por isso, estão ligados a condições de funcionamento que visam
atender essas necessidades. Sendo essas necessidades variáveis
culturalmente, no quadro da comunicação humana haverá também
uma imensa variedade de textos que apresentam características
próprias para atender a sua função.

Gêneros, entre o texto e o discurso 313


Bronckart (1999) esclarece que, ao produzir um texto, o
agente deve mobilizar algumas de suas representações sobre o
mundo. Tomando a linguagem como atividade psicológica, esse
autor procura entender os efeitos das situações de comunicação
sobre o funcionamento de uma língua natural, e, assim, desenvolve
um modelo de produção discursiva para explicar como as operações

VA
de produção textual realizadas por um agente podem nos levar
a entender a frequência ou ausência de determinados elementos

R O
linguísticos na constituição dos textos. De acordo com o modelo,

R
quando um agente se depara com uma dada situação de ação de

P UTO
linguagem, ele realiza uma série de operações psicológicas relativas
à mobilização de algumas das suas representações a respeito dos
mundos (físico, social e subjectivo), o que será feito em dois

A
sentidos: como contexto de produção textual e como conteúdo temático.
Quanto ao contexto de produção, podemos afirmar que se

O
constitui num conjunto de factores referentes ao mundo físico

D
ou aos mundos social (normas, valores, regras etc.) e subjectivo
(imagem que o agente faz de si ao agir etc.) que interferem
na organização textual. Quanto aos factores de ordem física,
Bronckart (1999, p. 93) observa que o agente ao produzir um texto
o faz levando em consideração as restrições definidas pelo lugar e
momento de produção, e pelo papel do emissor e do receptor dos
textos (aquele que produz e aquele que receberá o texto). A respeito
dos parâmetros de ordem sociossubjetiva do contexto de produção,
pode-se observar a interferência do lugar social (posição social do
emissor e do receptor que lhes dará o estatuto de enunciador e
destinatário respectivamente) e o objetivo da interação (que efeitos
de sentido o agente pretende causar no seu destinatário).
Já o conteúdo temático, Bronckart (1999, p. 97) define-o como
“o conjunto das informações que nele (texto) são explicitamente
apresentadas, isto é, que são traduzidas no texto pelas unidades
declarativas da língua natural utilizada”. Esse autor ainda esclarece que
essas informações que compõe o conteúdo temático são construídas
pelo agente-produtor. Todo o conhecimento que o indivíduo adquire é

314 EDITORA MERCADO DE LETRAS


apreendido pelo meio social e cultural em que vive. Esse conhecimento
irá variar mediante a experiência de vida e o nível de desenvolvimento
do agente e que serão estocados e organizados em sua memória,
sendo ativados no momento da ação da linguagem. Denominados
de conhecimentos prévios, essa organização toma diversas formas,
podemos mesmo falar em macroestrutura cognitivas. Assim, podemos

VA
dizer que o conteúdo temático refere-se ao conjunto de informações
recuperadas pelo indivíduo no momento da ação da linguagem

R O
mediante o seu conhecimento prévio. Com relação a análise do

R
conteúdo temático, Bronckart (op. cit.) admite que o reconhecimento e

P UTO
a distinção dos três mundos citados por ele não será relevante, uma vez
que, um texto pode apresentar como tema um objeto ou fenômeno de
um desses três mundos ou pode veicular temas de dois ou três mundos

A
simultaneamente.
Partilhamos a perspectiva segundo a qual não é possível

O
pensar numa análise linguística dos textos sem levar em consideração

D
elementos exteriores aos dados ou fatos linguísticos analisados, visto
que a consideração de uma análise dos elementos isoladamente não
é suficiente para a compreensão e estudo. Fazer análise linguística, de
qualquer ordem que seja, deve pressupor uma análise dos elementos
em grupos, em combinações, em funcionamento, enfim, deve-se
levar em consideração o contexto tanto interno quanto externo. Os
estudos que procuram analisar os elementos descontextualizados se
inserem numa busca de análise da forma e não procuram considerar
todos os aspectos envolvidos na enunciação. Lembremos, pois, que
não existem apenas frases, mas enunciados únicos e efetivamente
produzidos, influenciados pelo momento social e cultural que
determinam a produção da linguagem.

A arquitectura interna dos textos

Sabemos que os textos são caracterizados por um todo


coerente que possui princípio, meio e fim. Segundo Bronckart,
os textos são organizados por uma arquitectura interna composta

Gêneros, entre o texto e o discurso 315


por três níveis superpostos e interativos que denomina-se folhado
textual. As três camadas do folhado textual são: a infraestrutura
geral do texto; os mecanismos de textualização e os mecanismos
enunciativos. Interessa-nos, aqui, discutir apenas a infraestrutura geral
dos textos, que se constitui num conjunto de factores referentes a
organização mais profunda do texto.

VA
O R
A infraestrutura geral dos textos

R
P UTO A infraestrutura, considerada o nível mais profundo de um
texto, é constituída pelo plano mais geral do texto, pelos tipos de

A
discurso que comporta, pelas modalidades de articulação entre
esses tipos de discurso e pelas sequências que eventualmente

O
aparecem no texto.

D O plano geral, por sua vez, “refere-se à organização do


conjunto que compreende o conteúdo temático; mostra-se visível
no processo da leitura e pode ser codificado em um resumo”
(Bronckart 1999, p. 120). Essa estruturação esquemático-formal
do texto pode assumir formas de nível de complexidade variável,
pois, em alguns casos, o texto apresenta um plano fixo (típico dos
géneros textuais ao qual pertence); e em outros casos um plano
ocasional (próprio a um texto singular, ou seja, a um texto que
apresenta alterações provenientes da reestruturação de um género
para atender às exigências de uma dada situação comunicativa).
Desta forma, Bronckart (1999) assume que o plano geral do texto
pode ter formas extremamente diferentes, isso não só porque varia
conforme o género escolhido e os géneros são de número ilimitado,
mas também porque os textos apresentam diversos factores que o
tornam singulares, entre esses factores podemos citar o tamanho
que pode ir de um simples enunciado até uma obra com várias
páginas; da natureza do seu conteúdo temático; de suas condições
externas de produção, entre outros. Devido a essa questão,

316 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Bronckart (1999) alerta que os planos de textos ao apresentar
formas muito complexas podem dificultar a análise linguística.
Sendo assim, esse autor considera que os tipos de discurso e as
formas de planificação são as dimensões mais significativas da
infraestrutura. O plano também marca a relação entre os tipos de
discurso, das sequências e das outras formas de planificação.

VA Quanto ao tipo de discurso, Bronckart (1999) afirma que é


um conceito utilizado para designar os diferentes segmentos que

R O
o texto comporta. Em outras palavras, são formas de organização

R
linguística que estão presentes de maneira composta nos géneros

P UTO
textuais. Antes de falarmos dos tipos de discurso possíveis, é
necessário ressaltar a construção dos mundos discursivos proposto
por Bronckart (op. cit.). Esse autor explica-nos que os mundos

A
discursivos combinam-se em dois grandes grupos, são eles: os da
ordem do expor e os da ordem narrar. Esses, por sua vez, vão dar

O
origem a quatro mundo discursivos: mundo do expor implicado; mundo do

D
expor autônomo; mundo do narrar implicado; e o mundo do narrar autônomo.
A partir da construção dos mundos discursivos, Bronckart (op. cit.)
propõe a existência de quatro tipos de discurso, a saber: o discurso
interativo; o discurso teórico; o relato interativo e a narração. Enquanto o
primeiro tipo e o segundo caracterizam-se pela constituição de
um mundo discursivo conjunto ao da interação social em curso,
tendo como principal diferença a questão de que o primeiro traz
referências explícitas aos parâmetros da situação e o segundo não;
o terceiro e o quarto tipo são caracterizados pela constituição de
um mundo discurso disjunto ao da acção de linguagem, sendo que
este não faz referências aos parâmetros da situação material de
produção e aquele faz. Sendo assim, quanto a situacionalidade, na
ordem do narrar, o mundo discursivo é apresenta como um mundo
independente, ou mesmo, a parte do mundo ordinário. Bronckart
(1999) fala mesmo em “um outro lugar”, mas que é necessário que
seja possível de ser avaliado e interpretado pelos seres humanos.
Enquanto, na ordem do expor, os conteúdos temáticos dos mundos
discursivos conjuntos são interpretados segundo os critérios de

Gêneros, entre o texto e o discurso 317


validade do mundo ordinário. Este autor ainda assume que, no eixo
do expor, há um tipo de discurso misto, o discurso interativo-teórico,
que envolve características tanto do discurso interativo quanto do
discurso teórico. Vale ressaltar ainda que a escolha dos tipos de
discursos por parte do agente-produtor do texto está condicionada
a interpretação que ele tem da situação comunicativa na qual o

VA
texto é gerado.
Se, na obra de 1999, Bronckart não deixa claramente

R O
explicitada a relação entre tipo de discurso e género de texto; em

R
2008, o autor assume, de maneira mais contundente, haver, de fato,

P UTO
uma relação entre essas duas noções. Bronckart (2008) ressalta que
um género é composto quase sempre de vários tipos de discurso,
deixando evidente a legitimidade de se interrogar sobre as restrições

A
de selecção discursiva que se poderia testemunhar em um certo
género. Por outras palavras, poder-se-ia examinar em qual medida

O
um tipo de discurso é “possível” ou não em um determinado género,

D
bem como as formas de distribuição e de articulação dos tipos que
seriam relacionados com esse género. Trata-se naturalmente de
questões empíricas, cujas respostas forneceriam uma contribuição
para a caracterização dos géneros. Além disso, Bronckart (2008)
salienta a possibilidade de distinguir, nos textos de um mesmo
género, que segmento de um tipo de discurso é dominante ou
essencial, e, também quais segmentos não seriam essenciais. Este
tipo de exame deve também desenvolver-se, na perspectiva de uma
contribuição para a caracterização dos géneros.
As articulações entre tipos de discurso são observadas através dos
mecanismos que podem tomar diferentes formas, entre elas temos,
o encaixamento de segmentos do discurso direto num segmento
de narração, sendo que o termo encaixamento é usado para
designar um conjunto de procedimentos que explicitam a relação
de dependência de um segmento em relação ao outro. Outra forma
de articulação explicitada por Bronckart é a fusão em um mesmo
segmento de dois tipos de discursos diferentes.

318 EDITORA MERCADO DE LETRAS


No que diz respeito as sequências textuais, Bronckart
(1999) assume o posicionamento teórico de Adam (1992) e aceita
a noção de sequência como modos de planificação de linguagem
que se desenvolvem no interior do texto. Bronckart (op. cit.) explica
que, para Adam (op. cit.), as sequências constituem protótipos -
segundo uma concepção cognitivista - ou seja, modelos abstratos

VA
prototípicos que atuam como representações das propriedades
superestruturais canônicas dos textos que circulam numa dada

R O
cultura e que é apreendido pelo agente-produtor, progressivamente,

R
pelo meio social e cultural em que vive. Assim, as sequências são

P UTO
produtos organizados dos conhecimentos disponíveis na memória
que serão acionados tendo como motivação as representações que
o sujeito-produtor faz dos seus interlocutores e os efeitos de sentido

A
que deseja produzir nestes. Deste modo, as sequências assumem
formas linguístico-estruturais resultado da decisão interativa do

O
agente em relação à situação de linguagem. As sequências textuais

D
abrangem cerca de seis categorias: argumentativa, injuntiva,
explicativa, narrativa, descritiva e a dialogal. Esse autor (1999, pp.
237-238) ainda salienta que “a sequêncialização de um determinado
conteúdo temático baseia-se em operações que diferem das
operações constitutivas dos tipos de discurso e que se sobrepõem
a essas últimas”.
Em 2008, Bronckart reorganiza as categorias que pertencem a
infraestrutura. Os três componentes que anteriormente constituíam
a infraestrutura serão organizados, em dois componentes principais,
que passam a englobar o plano geral e os tipos de discurso: a
componente da organização temática e a componente da organização
discursiva. No entanto, as sequências textuais não são mais consideradas
como parte da arquitectura textual, uma vez que Bronckart (2008)
assume que as sequências não são essenciais para a planificação do
texto, sendo este papel assumido, de certa forma, pela organização
discursiva
Para finalizar, queremos reiterar a posição de Bronckart
(1999) quando afirma que, ao produzir um texto, o agente-produtor

Gêneros, entre o texto e o discurso 319


depara-se com três tipos de decisões. O primeiro refere-se a escolha
do género; o segundo será decidir-se quanto ao tipo de discurso
(nessa escolha, há três categorias de procedimentos psicológicos:
a constituição do mundo discursivo, a escolhas das sequências e
a escolha quanto ao grau de implicação da situação material da
produção); e por fim, tomará decisões relativas a construção da

VA
coerência. Nesses três caminhos para a criação da textualização
agem os procedimentos de coesão e conexão, modalização e a

R O
planificação textual global.

R
P UTO
Análise do texto multimodal: o cartoon

O A O cartoon é um género textual constituído de linguagem não


verbal, podendo ou não trazer linguagem verbal. Essa caracterização

D
por si só pode trazer questionamentos em relação a sua infraestrutura
difíceis de serem resolvidos. Se é verdade que os tipos de discurso
só são identificáveis a partir das formas linguísticas, então como
poderemos falar na construção dos mundos discursivos que estão
presentes no cartoon? Em primeiro lugar, é necessário saber que
os mundos discursivos são representações dos mundos em que
se desenvolve as ações dos agentes produtores da comunicação.
Bronckart (1999) nomeia esse mundo das ações humanas de mundo
ordinário, enquanto que o mundo das representações criado pelas
actividades de linguagem de mundo discursivo. Em segundo lugar, é
importante salientar que os mundos discursivos são construídos
com base em dois subconjuntos de operações: as primeiras
referem-se a relação existente entre as coordenadas que organizam
o conteúdo temático e as coordenadas do mundo ordinário; as
segundas esclarecem o relacionamento das diferentes instâncias de
agentividade (personagens, grupos, instituições etc.) e sua inscrição
espaço-temporal com os parâmetros físicos da ação da linguagem em
curso (agente-produtor, interlocutor e espaço-tempo da produção).

320 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Com base nesses parâmetros, voltemos a nossa atenção
para as características do cartoon. Esse género que tem como
suporte o jornal ou revista apresenta uma acção comunicativa
condicionada pelo contexto sociocultural, ou seja, manifesta-se de
acordo com o grupo em que está inserido. Desse modo, para uma
compreensão do cartoon, é necessário um conhecimento prévio que

VA
nasce da apreensão das informações do mundo ordinário e que
gera inferências, possibilitando, assim, um entendimento de ideias e

R O
comportamentos sociais. Também é possível dizer que esse género

R
tem uma “vida curta” assim como as notícias que são veiculadas

P UTO
na mídia escrita. Outra característica do cartoon é a construção do
humor a partir de uma leitura rápida, possibilitada pela apresentação
de uma imagem congelada e distorcida, caricatural, de algum

A
personagem conhecido ou não. A presença da imagem é que faz
com que esse género seja reconhecido como icônico ou icônico-

O
verbal, no qual texto e desenho desempenham papel central. O

D
funcionamento de tal parceria cria os parâmetros da situação
de ação da linguagem em curso, trazendo informações sobre
personagens, grupos ou instituições e sua relação com o contexto
em que estão inscritos. O cartoon apresenta referências do mundo
ordinário do produtor que é semelhante ao do leitor e com o qual
este irá encontrar caminhos suficientes para chegar a construção
das ideias satirizadas pelo cartoonista.
Ao observarmos mais atentamente as características do
cartoon, vemos que esse género apresenta características como
pouca densidade verbal, pouco uso de sintagmas nominais e,
também, apresenta parâmetros ligados ao conteúdo temático
que são interpretados à luz dos critérios de validade do mundo
ordinário. Diante da constatação dessas características, poderíamos
supor que esse género apresenta-se num mundo do expor implicado,
principalmente, quando damos maior ênfase a relação texto/
leitor. Contudo, alguns textos desse género podem apresentar,
dentro da sua estrutura, diálogos que o caracterizaria como um
discurso interativo, ou mesmo, poderia apresentar narrativas,

Gêneros, entre o texto e o discurso 321


caracterizando-o como um relato interativo ou uma narração.
Sendo que alguns desses parâmetros são encontrados apenas no
seu arquétipo psicológico devido a existência de poucas marcas
linguísticas observáveis. Assim, para interpretar o cartoon é preciso
ter acesso ao contexto de produção e as diferentes instâncias de
agentividade (personagens, grupos, instituições etc.) e sua inscrição

VA
espaço-temporal e, também, aos parâmetros físicos da acção da
linguagem em curso (agente-produtor, interlocutor e espaço-tempo

R O
da produção). Mas, isso não esgota a problemática uma vez que a

R
própria parte icônica apresenta traços que influem na construção

P UTO
do mundo discursivo e, consequentemente, na composição desse
género.
A seguir, vejamos a análise do cartoon e sua composição:

O A
D
Este cartoon que iremos analisar é datado de 24/12/2004
e publicado no jornal Público. Esse texto está inserido numa
seção do jornal intitulada de “crônica semanal” que traz opiniões
sobre acontecimentos políticos da semana. O cartoon mostra um
personagem espantado diante de vários cartazes imensos que são
levados por pessoas não identificáveis (só é possível visualizar os
pés). A presença do “zé povinho” como personagem central não é
mero acaso, pelo contrário, esse elemento cultural criado há 130 anos,

322 EDITORA MERCADO DE LETRAS


em 12/06/1875, por Rafael Bordalo Pinheiro, carrega consigo uma
representação cultural do povo português. Símbolo da resistência
popular contra a monarquia e os governos autoritários, o Zé Povinho
continua vivo, fazendo parte da memória cultural, encontrando sua
expressão em tempos e épocas diferentes na mão de cartoonistas
e caricaturista. Assim, quando um cartoonista quer representar o

VA
povo português usa a imagem do “zé povinho” que é reconhecido
por todos os leitores que conhecem a cultura portuguesa. A

R O
parte verbal do texto encontra-se dentro dos cartazes. Com letras

R
imensas, a parte verbal inicia-se com o enunciado “NÃO PERCA”

P UTO
em letras negritadas. O verbo no imperativo, caracterizando uma
ordem, remete-nos para uma sequência injuntiva que tem como
operação o “fazer agir”. Indicando uma ordem, essa sequência será

A
seguida por uma sequência explicativa sobre o que não se deve
perder, ou seja, que não se deve perder “a conferência de imprensa

O
a anunciar a conferência de imprensa que vai anunciar a próxima

D
conferência de imprensa do governo”. A repetição da ideia é
enfatizada pelos mecanismos de textualização aqui articulados com
o objetivo de apresentar a conferência de imprensa como uma
acção nova, mas que tem o mesmo objetivo: anunciar a conferência
de imprensa. Para Bronckart (1999, p. 259), os mecanismos de
textualização “são articulados à progressão temática, tal como
apreensível no nível da infraestrutura. Explorando as cadeias de
unidades linguística (ou séries isotópicas), o produtor, através dos
mecanismos de textualização, organiza os elementos constitutivos
do texto em diversos percursos entrecruzados, explicitando ou
marcando as relações de continuidade, de ruptura ou de contraste,
e, assim, o uso destes mecanismos contribui para o estabelecimento
da coerência temática do texto. Esse autor também distingue três
tipos de mecanismos de textualização, são eles: conexão; coesão
nominal e a coesão verbal. A parte verbal do cartoon é formada por
duas orações: a conferência de imprensa a anunciar a conferência de imprensa,
e, que vai anunciar a próxima conferência do governo. Essas duas orações
estão ligadas pelo pronome relativo que, o qual podemos chamar de

Gêneros, entre o texto e o discurso 323


conector e que cumpre a função de organizador textual responsável
pela articulação entre essas frases sintáticas e inicia a justificativa para
se convocar a conferência de imprensa. Também constatamos que
o elemento sintático da primeira oração, no caso, o objeto direto “a
conferência de imprensa”, é retomado pelo pronome relativo “que”
na segunda oração com função sintática de sujeito.

VA
Também como objeto direto dessa segunda oração temos
o que parece-nos ser a retomada do objeto direto da primeira,

R O
“a próxima conferência de imprensa”. O elemento de coesão

R
nominal, nesse caso, será o substantivo “a próxima” que irá retomar

P UTO
a expressão “conferência de imprensa”. Isto causa a sensação
de repetição ou de retomada que forma uma cadeia dentro do
enunciado, o qual transmite esta sensação de estarmos diante de

A
uma mesma ideia. Neste caso, o conector e o elemento de coesão
são organizados para reforçar essa ideia de repetição de um mesmo

O
acontecimento, mas que na verdade não é o mesmo acontecimento.

D
Essa repetição causa uma aparente “confusão” e será o responsável
pelo humor uma vez que apresenta a necessidade de vários avisos
para que finalmente se cumpra o papel injuntivo do cartaz. Com
essa conjuntura formal, esse cartoon traz a crítica relacionada
a questão de que o povo (lembrado pelo Zé Povinho) não tem
interesse político, sendo necessário várias conferências de impressa
com o objetivo de alertar para não esquecer (no caso, não perder)
a “conferência de imprensa” do governo. Desse modo, podemos
dizer que o texto injuntivo mostra não apenas a ideia de fazer agir,
mas, na construção da interpretação do cartoon, apresenta a ideia
de um povo que já tem na sua cultura o estereótipo da falta de
interesse por questões políticas, isto é, não assistem a nenhuma
conferência do governo, mesmo que ela seja para apresentar
problemáticas do interesse público. Vemos, nesse cartoon que o
verbal (a parte escrita dentro dos cartazes) é tão central quanto o
não-verbal (principalmente o zé povinho e o tamanho gigantesco
dos cartazes), marcando um equilíbrio desses dois tipos de
linguagem na construção da interpretação e da análise do texto.

324 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Conclusão

A análise do nosso texto revelou que a estrutura do cartoon é


mais do que o traço do desenho. É uma construção de um mundo
discursivo em que está presente valores do mundo físico, social

VA
e subjectivo que compõe a acção comunicativa. Se objetivo desse
género é alcançado e se podemos reconhecê-lo é porque reúne

R O
parâmetros que compõe o ato de comunicar.

R
Para concluir, observamos que as características do cartoon

P UTO
reúnem elementos que mostram ser esse género do mundo
discursivo do expor implicado. Isto porque encontramos pouca
densidade verbal, pouco uso de sintagmas nominais e, também,

A
a sua interpretação só é possível a partir do reconhecimento das
condições de produção. Além disso, a própria representação da

O
cena enunciativa mostra-nos que estamos no momento presente

D
da acção comunicativa. É claro que, se centrarmo-nos no interior
do género e na relação linguística intratextual, observamos que o
género pode apresentar também outros mundos discursivos que não
seja o do “expor implicado”, é o caso, por exemplo, dos cartoons que
apresentam narrativas e que trazem indícios do mundo do narrar.
Contudo, mesmo estes cartoons apresentam a cena comunicativa no
momento presente com informações sobre personagens, grupos
ou instituições e sua relação com o contexto em que estão inscritos.
Aliás, é o funcionamento da parceria imagem mais parte verbal que
cria os parâmetros da situação de ação da linguagem em curso.
Já com relação as sequências, podemos afirmar que ela é
propiciada pela escolha do agente-produtor, visto que esse género
tem acesso ao uso da criatividade, apresentando uma composição
maleável. Outra questão interessante é relação do verbal com o
não-verbal. O funcionamento discursivo do texto linguístico com
a imagem para a composição do género revela que a relação entre
ambos pode ser de natureza distinta. Assim, o verbal pode ser tão
central quanto o não verbal, ou o verbal ser apenas um acessório,

Gêneros, entre o texto e o discurso 325


ou o verbal ser a chave para a criação de inferências que ativa a
memória discursiva do leitor. Longe de esgotar os questionamentos
levantados, deixamos aqui portas para serem abertas e caminhos
para serem seguidos.
Quando observamos um cartoon, mais que partilharmos o
ponto de vista do autor, ou, descodificar a mensagem subjacente,

VA
existe a procura do divertimento puro. Mas é nessa procura do
divertimento que se estabelece uma cumplicidade entre o autor e o

R O
leitor. O traço do autor leva-nos a partilhar o mundo – o nosso e

R
o seu – as suas ideias, crenças e valores, e juntos, rimos disso tudo!

P UTO
O A
D

326 EDITORA MERCADO DE LETRAS


A15
O VPiBid e inclusÃo social: carta

R
R
P UTO
de reclaMaçÃo eM uMa turMa
de oitaVo ano

O A Miriam Sester Retorta


Karina Rosse Lopes

D
Introdução

O ambiente escolar propicia – ou deveria propiciar –


práticas sociais que capacitam o aluno a atuar linguisticamente em
várias áreas da sociedade por meio do estudo e do efetivo uso dos
gêneros textuais. Dentre os inúmeros gêneros textuais de circulação
social figura um chamado carta de reclamação, caracterizado por um
texto através do qual o consumidor/reclamante expõe o motivo
ou os motivos que o levam a requerer devolução de valores ou
troca de produtos/serviços. Essa carta pode ser dirigida tanto a
empresas privadas como a órgãos de defesa pública. Cada vez mais
consumidores apresentam descontentamento relacionado a algum
produto ou serviço, e nem sempre essa insatisfação manifestada
de maneira verbal surte os efeitos desejados. É nesse momento
que escrever bem e fazer-se compreender perante leitores diversos

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 327


tornam-se atividades fundamentais e as aulas de Língua Portuguesa
– doravante LP – contribuem para resultados positivos quanto a
práticas de circulação social. Cabe ao professor de LP, juntamente
com o que estabelecem os Parâmetros Curriculares Nacionais
(documento norteador do ensino de LP em nosso país), selecionar
quais gêneros devem ser trabalhados de acordo com as necessidades

VA
de cada turma e faixa etária.
A proposta aqui apresentada é resultado de um trabalho

R O
com o gênero textual acima mencionado. Constituiu-se de 19

R
aulas na mesma turma de oitavo ano, iniciadas em agosto de 2013

P UTO
e findadas em novembro de 2013, nas quais o gênero textual carta
de reclamação foi o tema central de atuação. Ministrar essas aulas
foi uma oportunidade proporcionada através do PIBID, programa

A
esse que visa aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem da
educação básica, via capacitação de estudantes de licenciatura

O
em parceria com professores de instituições de ensino superior

D
e escolas públicas de educação básica. O PIBID é mantido pela
CAPES e concede bolsas tanto aos estudantes de licenciatura,
quanto aos professores da instituição de ensino superior de origem
e das escolas de ensino básico. Para participar do programa, é
necessário observar as ofertas de vagas e inscrever-se no processo
de seleção, que avalia o coeficiente de rendimento do aluno de
licenciatura, disponibilidade de horário, disciplinas já cursadas e
produções acadêmicas.
A inspiração para o desenvolvimento do trabalho surgiu
durante aulas da disciplina de Linguística Aplicada, ministrada pela
docente Miriam Sester Retorta, cursada no quinto período do curso
de Licenciatura em Letras Português/Inglês da UTFPR pela então
discente do curso, Karina Rosse Lopes. No decorrer das aulas da
referida disciplina, ficou evidente a importância de proporcionar aos
alunos momentos nos quais eles percebessem que a LP é necessária
em diversas situações comunicativas, e que escrever cartas de
reclamação se faz presente – ou se fará necessário – para a maioria
das pessoas que adquirem algum produto ou serviço certa vez em

328 EDITORA MERCADO DE LETRAS


suas vidas e não ficam satisfeitas com aquele produto/serviço por
motivos diversos. Saber redigir uma carta de reclamação é parte
do exercício da cidadania e promove a inclusão social, visto que
permite ao cidadão reclamar por direito e se fazer ouvido perante
autoridades.
O objetivo geral deste capítulo é refletir sobre o processo

VA
de ensino-aprendizagem de língua materna, via trabalho com
sequências didáticas com o gênero textual carta de reclamação

R O
com uma turma de oitavo ano do Ensino Fundamental – Rede

R
Pública do Estado do Paraná. Os objetivos específicos visam

P UTO
analisar trabalhos com carta de reclamação desenvolvidos por
alunos daquela turma; inter-relacionar as análises efetivadas aos
estudos de gêneros textuais e interacionismo sociodiscursivo e, por

A
fim, analisar as contribuições do trabalho realizado por meio de
sequências didáticas com o gênero citado, avaliando a possibilidade

O
de flexibilização da sequência didática proposta por Schneuwly e

D
Dolz (2004) e inclusão social proporcionada por tal prática.
Este capítulo será dividido em cinco partes. Na primeira,
abordaremos as teorias nas quais nosso trabalho foi pautado como
as sequências didáticas, propostas por Schneuwly e Dolz (2004);
os gêneros textuais em Bakhtin (2000) e Bazerman (2012); o
interacionismo sociodiscursivo em Bronckart (2011), bem como
inclusão social em Retorta (2012). Na segunda parte, faremos um
levantamento de alguns trabalhos já realizados com o tema carta de
reclamação. Na terceira, os procedimentos metodológicos para a
realização do trabalho com carta de reclamação são abordados. Na
quarta parte é apresentado o trabalho propriamente dito realizado
com o gênero textual carta de reclamação, bem como apresentação
de algumas cartas produzidas pelos alunos. Por fim, fechamos o
capítulo com algumas considerações com relação ao gênero carta
de reclamação e a relevância do ensino de gêneros textuais que
corroboram para a inclusão de alunos oriundos de escolas públicas
em uma sociedade cheia de desafios.

Gêneros, entre o texto e o discurso 329


Sequências didáticas: segmentar para atribuir sentido ao todo

Um gênero textual pode ser ensinado através de um


conjunto de atividades, chamadas sequências didáticas, propostas
por Schneuwly e Dolz (2004). Os referidos autores explicam que

VA
as sequências didáticas caracterizam-se por “[...] sequência de
módulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorar uma

R O
determinada prática de linguagem” (Schneuwly e Dolz 2004, p. 43).

R
A finalidade dessas sequências, segundo Schneuwly e Dolz (2004), é

P UTO
de auxiliar alunos a dominar um determinado gênero de texto (seja
oral ou escrito), permitindo aos mesmos escrever ou falar de modo
mais apropriado para aquela situação de comunicação específica. Os

A
citados autores propõem trabalhos com gêneros textuais diversos,
desde contos de fadas até textos prescritivos e deixam claro que

O
o trabalho proposto por eles pode variar conforme a necessidade

D
dos alunos, e por isso, não deve ser estanque. Dividem os gêneros
textuais em cinco agrupamentos de gêneros que sugerem para o
trabalho em sala de aula, e o terceiro desses agrupamentos contém
“carta de reclamação” cujo “domínio social de comunicação”
enquadra-se na “discussão de problemas sociais controversos”,
“aspecto tipológico” “argumentar” e as “capacidades de linguagem
dominantes” envolvidas são “sustentação, refutação e negociação
de tomadas de posição” (Schneuwly e Dolz 2004, p. 52). Eles
propõem um encaminhamento para o trabalho com carta de
reclamação – entre outros gêneros pertencentes ao agrupamento
de gêneros que envolvem argumentar – o qual deve ter objetivos
de complexidade variável a serem atingidos e estão relacionados a

três níveis fundamentais de operações de linguagem em


funcionamento: representação do contexto social ou
contextualização (capacidades de ação); estruturação
discursiva do texto (capacidades discursivas); escolha de
unidades linguísticas ou textualização (capacidades linguístico-
discursivas). (Schneuwly e Dolz 2004, p. 54)

330 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Para o primeiro nível de operação de linguagem em
funcionamento, é preciso mostrar em quais contextos sociais a
carta de reclamação é utilizada e explicitar que seus usos vão além
dos muros escolares. Quanto à estruturação discursiva do texto, é
necessário apresentar aos alunos como uma carta de reclamação é
estruturada em relação ao discurso a ser utilizado, a maneira como

VA
se deve argumentar, em quantos parágrafos, entre outros aspectos
de apresentação física da carta. Sobre as capacidades linguístico-

R O
discursivas, é preciso fornecer aporte linguístico e vocabular para

R
que os alunos possam utilizar elementos adequados para uma carta

P UTO
de reclamação, texto considerado formal – principalmente quando
é destinada a empresas.
As etapas de uma sequência didática, conforme proposta de

A
Schneuwly e Dolz (2004) são constituídas por diversos momentos,
sendo que os iniciais devem informar aos alunos: qual o gênero a

O
ser abordado – através de apresentação de um exemplar daquele

D
gênero, seja autêntico ou fabricado; os destinatários; o formato da
produção e, por fim, quem é o produtor daquele gênero (no caso
da carta de reclamação, consumidores/clientes e não alunos do
oitavo ano, conforme muitos daqueles não conseguiram perceber
a mudança de papeis sociais naquele momento). Na sequência,
os alunos devem, então, produzir um exemplar daquele gênero
textual, e o professor, ao corrigir os textos, notar quais foram os
pontos fortes e os fracos das produções. Para que os pontos fracos
dos alunos relacionados aos textos produzidos sejam revistos é
que acontecem os módulos, compostos por atividades diversas as
quais proporcionam oportunidade de os alunos aprenderem mais
sobre aquelas determinadas questões que geraram dúvidas. Após
os módulos – número variável dependendo das necessidades dos
alunos em questão –

[...] cada sequência é finalizada com um registro dos


conhecimentos adquiridos sobre o gênero durante o trabalho
nos módulos, na forma sintética de lista de constatações ou de
lembrete ou glossário. (Schneuwly e Dolz 2004, p. 90)

Gêneros, entre o texto e o discurso 331


Para colocar em prática os conhecimentos obtidos durante
a sequência, os alunos produzem um texto final, do mesmo gênero
discutido. Em virtude do perfil daqueles alunos algumas pequenas
modificações foram feitas quando da aplicação das etapas que
compõe as sequências didáticas. Conforme detalham Schneuwly
e Dolz sobre esse trabalho em sala proposto, “os professores

VA
devem adaptá-lo e completá-lo em função de situações concretas
de ensino” (2004, p. 55).

R O R
P UTO
Gêneros textuais: que são e para que servem, afinal?

A Muito discorreu-se sobre gêneros textuais até o momento.


Contudo, para dialogar sobre os mesmos, é necessário recorrer

O
a Bakhtin (2000) que os definiu, na década de setenta, como

D
enunciados relativamente estáveis, variáveis de acordo com
a situação da enunciação, o enunciador – e suas intenções de
enunciação – e público alvo. Apesar de Aristóteles já ter iniciado
estudos relacionados a gêneros textuais, da maneira como são
conhecidos e estudados hoje foram sistematizados por Bakhtin.
Já Bazerman (2011) discorre, primeiramente, sobre todos
os fatos sociais a serem fundamentados pelos gêneros textuais. Ele
exemplifica essa questão através de uma série de fatos sociais, entre
eles:

[...] se um prefeito tem autoridade para tomar certas decisões


e agir de uma certa maneira. Essa autoridade é baseada numa
série historicamente desenvolvida de compreensões, acordos
e instituições políticas, legais e sociais. (Bazerman 2011, p. 24)

Os gêneros permeiam esses fatos sociais; o discurso do


prefeito, bem como documentos lidos e assinados por ele, são fatos
sociais regidos por gêneros textuais.

332 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Bazerman (2011) apresenta a dificuldade de estabelecer uma
definição para os gêneros textuais em virtude de serem modificados
com o tempo, na situação de uso, ou até mesmo pela consideração
que cada indivíduo tem por determinado gênero – e que pode
ser denominado diferentemente para outro indivíduo, quando
considerado o mesmo gênero textual. Para amenizar isso, o autor

VA
sugere que o pesquisador deve “[...] pedir às pessoas de um certo
campo que nomeiem os tipos de textos com os quais trabalham

R O
(para identificar seu conjunto de gêneros)” (Bazerman 2011, p. 44).

R
Cabe ressaltar que Bazerman utiliza a expressão tipo de texto como

P UTO
sinônimo para gênero textual e uma definição de texto, proposta pelo
autor, é “[...] toda unidade de produção de linguagem que veicula
uma mensagem linguisticamente organizada e que tende a produzir

A
um efeito de coerência sobre o destinatário” (2011, p. 71).
Com relação aos gêneros textuais orais e escritos, é necessário

O
ser mais cauteloso quando ensinamos os gêneros escritos, e nisso

D
há que se considerar o gênero carta de reclamação, pois após o
envio ou a entrega da mesma à determinada empresa ou órgão
de defesa pública, “[...] não podemos ver os gestos e as atitudes
uns dos outros, nem tampouco observar de forma mais imediata
a recepção do outro (Bazerman 2011, p. 29). É mais complicado
tentar explicar, derradeiramente, as reais intenções do texto, o que
realmente “se quis dizer” (expressão popular utilizada para tentar
convencer o leitor de determinado texto que as palavras ali contidas
foram mal expressas). O uso efetivo dos gêneros textuais se faz
importante, pois

Se começamos a seguir padrões comunicativos com os quais


as outras pessoas estão familiarizadas, elas podem reconhecer
mais facilmente o que estamos dizendo e o que pretendemos
realizar. Assim, podemos antecipar melhor quais serão as
reações das pessoas se seguimos essas formas padronizadas e
reconhecíveis. [...] As formas de comunicação reconhecíveis
e autorreforçadoras emergem como gêneros. (Bazerman 2011,
p. 30)

Gêneros, entre o texto e o discurso 333


Dessa forma, para Bazerman (2011) pode-se definir gêneros
textuais como formas de comunicação padronizadas, e caso
sejam utilizados efetivamente as probabilidades de sermos mal
compreendidos serão reduzidas. Por esse motivo, os professores
devem proporcionar aos alunos quanto mais gêneros textuais
puderem e seus diversos usos nas diferentes esferas sociais. Uma

VA
carta de reclamação é um gênero que, caso não tenha sido utilizado
ainda, será utilizado por cidadãos em algum momento de suas vidas,

R O
e possui características intrínsecas que podem levar ao sucesso ou

R
insucesso da reclamação, dependendo da maneira como é escrita.

P UTO Algumas características semânticas e sintáticas são comuns


ao gênero carta de reclamação, e, afirma Bazerman (2011, p. 61) “[...]
maneiras como a organização interna dos gêneros revela o processo

A
linguístico dos eventos numa série de movimentos tipificados
[...]”. A linguagem formal, dados pessoais do consumidor a fim

O
de a empresa reclamada poder entrar em contato futuramente,

D
o conteúdo relevante – qual o motivo da reclamação em relação
ao produto/serviço em questão, data da aquisição, documentos
anexos para provar data e local da compra e o que se espera com
tal carta (devolução de valores pagos, troca do produto, reparo ou
troca do serviço) – são alguns itens importantes quando se trata do
gênero textual carta de reclamação e que não são óbvios para os
alunos, a menos que sejam vistos de forma sistematizada em sala de
aula. Novamente, são apenas alguns itens, pois, conforme visto em
Bazerman (2011), um mesmo gênero pode variar e sua composição
interna exigir diferentes itens composicionais. Isso acontece
se comparados os formulários do PROCON – Departamento
Estadual de Proteção e defesa ao Consumidor – e do Juizado
Especial Cível. No primeiro, o reclamante pode requerer a troca do
produto ou a devolução dos valores pagos. No segundo, além disso,
o reclamante pode requerer também indenização por danos morais,
algo que não pertence à alçada do PROCON. Daí as diferenças
encontradas em um mesmo gênero textual, considerando somente
um caso de vários existentes.

334 EDITORA MERCADO DE LETRAS


O autor afirma que o gênero textual carta originou vários
outros gêneros com o passar do tempo e com as mudanças nas
necessidades da sociedade. “As pessoas reconhecem cada vez mais
uma variedade de transações que pode ser realizada a distância
através de cartas, seguindo modelo para cada tipo de transação”
(Bazerman 2011, p. 94). É o que acontece com a carta de

VA
reclamação: no caso do PROCON, a transação de reclamação pode
ser feita através dos Correios, desde que o reclamante anexe ao

R O
formulário cópia de documentos requeridos a fim de fundamentar

R
a reclamação.

P UTO Através dos gêneros é possível fazer parte de atividades


sociais que são permeadas por eles. “O gênero traz para o momento
local as ideias, os conhecimentos, as instituições e as estruturas

A
mais geralmente disponíveis que reconhecemos como centrais á
sua atividade” (Bazerman 2011, p. 111).

D O Gêneros textuais em ação


O trabalho com carta de reclamação realizado numa turma
de oitavo ano foi desenvolvido com base em uma adaptação
da sequência didática proposta por Schneuwly e Dolz (2004).
Definem os autores que essa prática consiste-se de “[...] sequência
de módulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorar
uma determinada prática de linguagem” (2004, p. 43). A escrita
formal foi a prática de linguagem selecionada para o trabalho
realizado naquela turma de oitavo ano, com ênfase no gênero
textual carta de reclamação, porém não excluem-se as práticas de
leitura e oralidade. “A panóplia corrente de gêneros na vida moderna
depende de escritores e leitores terem complexos conhecimentos
sociais e institucionais das atividades que os gêneros medeiam”
(Bazerman 2011, p. 90). O conteúdo de um texto escrito deve ser
cuidadosamente elaborado, pois, conforme explicita Bazerman
(2011, p. 30) “na modalidade escrita as oportunidades de reparo são
sempre [...] limitadas, mesmo que tenhamos informações suficientes
para suspeitar que podemos ter sido mal compreendidos”. Faz-se
relevante, no caso da escrita de carta de reclamação, utilizar a língua

Gêneros, entre o texto e o discurso 335


padrão, selecionar quais informações são necessárias naquele texto
e a maneira de expressar essas informações a fim de conseguir
se fazer compreendido e atingir o objetivo do texto – a troca do
produto ou serviço ou devolução dos valores requeridos.
O trabalho baseado nos autores mencionados anteriormente
vai de encontro com um dos objetivos propostos pelos Parâmetros

VA
Curriculares Nacionais, documento que estabelece conteúdos
relevantes a serem trabalhados pelos professores no ensino básico:

R O R
P UTO
organizar atividades que procurem recriar na sala de aula
situações enunciativas de outros espaços que não o escolar,
considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição
didática que o conteúdo sofrerá. (Brasil 1998, p. 22)

O A Ao proporcionar aos alunos a escrita de cartas de reclamação,


há a possibilidade de inclusão social, tema esse defendido por

D
Retorta (2012). Uma das maneiras de alcançar a inclusão social
é através do letramento crítico (Rojo 2009) e, assim, os alunos
passarão a exercer um de seus direitos de cidadão – reclamar por
direito.

Incluir é necessário

A escola deve sempre primar pela inclusão social, apesar


de não ser tarefa fácil. De acordo com Retorta (2012), o princípio
maior da inclusão social é o respeito à diversidade e o respeito
às diferenças. A inclusão social tem como proposta nivelar, sem
rotular: independente de raça, condição financeira, deficiência
física ou cognitiva, a todos é permitido exercer cidadania. A
inclusão social visa possibilitar o acesso de todos os cidadãos a
diversas esferas da sociedade, sem diferenciação de tratamento de
um indivíduo ou outro. No entanto, a inclusão social não acontece

336 EDITORA MERCADO DE LETRAS


por si só. Principalmente nas camadas sociais financeiramente
desfavorecidas, é necessário que haja uma força-tarefa a iniciar na
escola. Pode-se afirmar que, no Brasil, a maior parte dos alunos
matriculados na rede pública é oriunda de classes sociais menos
favorecidas. Se esses alunos não obtiverem na escola a oportunidade
de conhecer órgãos de defesa pública, a citar PROCON, e

VA
maneiras de entrar em contato com esse órgão caso necessitem,
a probabilidade de conhecê-lo através de seus familiares é menor.

R O
Menor ainda é a possibilidade de aprender a escrever uma carta de

R
reclamação, gênero textual que não visa apenas ensinar a diferença

P UTO
entre uma conjunção adversativa e um advérbio de adição, mas
também ensinar que é possível reclamar por direito e ter sua
solicitação atendida. Para fazer parte da sociedade, portanto, pode-

A
se afirmar que em alguns casos decisões são tomadas pelo uso de
textos. Bronckart discute os usos e definições de texto e afirma que

D O Os textos são produtos da atividade humana e, como tais, [...],


estão articulados às necessidades, aos interesses e às condições
de funcionamento das formações sociais no seio das quais são
produzidos. (Bronckart 2012, p. 72)

De acordo com Bronckart (2012, p. 34), “a linguagem é [...]


uma característica da atividade social humana, cuja função maior
é de ordem comunicativa ou pragmática”. A linguagem pode se
manifestar de diferentes formas, no caso do presente projeto os
produtos finais da comunicação são composições de cartas de
reclamação, textos esses que são de ordem pragmática e tencionam
reclamar ou requerer algo de direito do consumidor. Prossegue
Bronckart por enumerar as características comuns dos textos (sejam
orais ou escritos): relação de interdependência com as propriedades
do contexto de produção; modo específico de organização de seu
conteúdo referencial e frases do texto articuladas umas às outras
conforme regras composicionais mais ou menos estritas. “Enfim,
cada texto apresenta mecanismos enunciativos destinados a lhe

Gêneros, entre o texto e o discurso 337


assegurar coerência interna” (2011, p. 71). O trabalho realizado
naquela turma de oitavo ano não visava incluir alunos apenas na
escola, mas sim incluí-los na sociedade, através do correto uso de
textos escritos por eles.

VA
Procura-se carta de reclamação. Recompensa impagável.

R O R
Pesquisa realizada no portal da CAPES, percebe-se que,

P UTO
até o presente momento, não há pesquisas ou trabalhos realizados
em escolas públicas (ou privadas) com o gênero textual carta de
reclamação. Boa parte dos trabalhos sobre carta de reclamação

A
disponíveis na web é feita por discutir-se o gênero textual em
questão, como é o caso do artigo Caracterizando o gênero carta de

O
reclamação, de Silva e Leal (2007). Iniciam as autoras por fazer breve

D
levantamento bibliográfico com informações mais específicas
sobre o gênero carta de reclamação e assim por definir o gênero
carta de reclamação e citar gêneros que também se enquadrariam
na ordem de argumentar, tais como textos de opinião, resenhas
críticas e dissertações. Na sequência, o estudo daquelas autoras
não visou a realização de uma sequência didática com enfoque em
carta de reclamação, mas sim delimitou e analisou o que já havia
sido feito, cartas de reclamação pré-existentes e produzidas por
adultos, conforme explicam Silva e Leal (2007, p. 2): “O corpus
de análise foi de cartas de reclamação escritas por proprietários de
imóveis [...] de um importante centro urbano do país dirigidas a uma
empresa do ramo da construção civil”. Concluem as autoras ser de
extrema importância a maneira como o autor de determinada carta
de reclamação organiza seus argumentos, pois isso pode influenciar
no tempo de atendimento da solicitação que consta na carta.
Trabalhos recentes relacionados ao gênero carta de
reclamação têm sido realizados com foco no que já foi produzido,
em cartas de reclamação publicadas em jornais ou outros meios

338 EDITORA MERCADO DE LETRAS


impressos, como acontece em Carta de Reclamação: uma análise do
contexto de produção e das marcas linguístico-enunciativas, de Regina Maria
Gregório e Sandra Regina Cecílio. As autoras iniciam o artigo por
chamar a atenção do leitor para a necessidade de trabalhar o gênero
textual carta de reclamação em sala de aula por ser passível de
atrelar esse trabalho com Análise Linguística e por fim mostram

VA
uma carta de reclamação da Associação de Moradores e Amigos da
Zona 1 – Maringá – publicada no jornal O Diário do Norte do Paraná.

R O
Explicitam as autoras, nas considerações finais, a importância de

R
um efetivo trabalho com os gêneros textuais no ensino de LP, pois

P UTO
assim o desenvolvimento das capacidades discursivas aconteceria
mais satisfatoriamente. Gregório e Cecílio preocuparam-se em
analisar as marcas linguístico-enunciativas presentes naquela carta

A
de reclamação, produzida por adultos, ao passo que o presente
trabalho pretende analisar cartas produzidas pelos alunos daquela

O
turma de oitavo ano após discussão e modelização do gênero feita

D
em sala, possibilidade de reescrita e exercícios feitos no decorrer
das aulas.
Na sequência abordaremos a metodologia de pesquisa
utilizada para o trabalho realizado com carta de reclamação na
referida turma de oitavo ano.

Design metodológico da pesquisa

A metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho nas aulas


de LP proporcionadas pelo/no PIBID foi a Pesquisa-ação, que de
acordo com Engel

se procura intervir na prática de modo inovador já no decorrer


do próprio processo de pesquisa e não apenas como possível
consequência de uma recomendação na etapa final do projeto.
(2000, p. 181)

Gêneros, entre o texto e o discurso 339


A Pesquisa-ação, proposta por Engel (2000), constitui-
se de etapas, listadas a seguir: definição de um problema – no
caso do presente trabalho o problema definido foi a necessidade
de se trabalhar carta de reclamação no ensino básico, mais
especificamente em uma turma de oitavo ano; pesquisa preliminar
– revisão bibliográfica, observação em sala de aula e levantamento

VA
das necessidades; hipótese – a hipótese levantada foi de que na
escola pouco se trabalha com carta de reclamação pois é costumeiro

R O
seguir os conteúdos trazidos pelos livros didáticos; desenvolvimento

R
de um plano de ação – o plano de ação foi desenvolvido com o

P UTO
consentimento da professora formadora da turma; implementação
do plano de ação – durante 19 aulas na mesma turma de oitavo
ano na qual as observações foram realizadas; avaliação do plano de

A
intervenção – juntamente com os alunos e a professora formadora
no decorrer das aulas; comunicação dos resultados – através de um

O
relatório apresentado ao PIBID, um Trabalho de Conclusão de

D
Curso e este artigo.
O corpus ao qual a pesquisa é baseada constitui-se de textos,
reescrita de textos e exercícios realizados por alunos de uma turma
de oitavo ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Guaíra,
nesta capital. As atividades desenvolvidas foram proporcionadas
pelo PIBID. A população em questão, portanto, é formada por
um grupo de 28 alunos – porém apenas alguns textos dos alunos
foram analisados em nossa pesquisa – e uma técnica utilizada antes
do trabalho com leitura, escrita e exercícios epilinguísticos foi a
observação, já mencionada como uma das etapas da Pesquisa-
ação, que teve duração de cinco aulas e objetivo de determinar
as necessidades dos alunos daquela turma em relação ao ensino
de língua materna. A pesquisa também é exploratória, já que visa
ampliar e acumular conhecimentos a respeito do gênero textual
carta de reclamação trabalhado em uma turma de oitavo ano do
Colégio Estadual Guaíra, nesta capital.
A abordagem de pesquisa que dá aporte a este trabalho é a
qualitativa, pois promove a reflexão com base em uma sequência

340 EDITORA MERCADO DE LETRAS


didática composta por poucas amostras de textos de três alunos da
determinada turma.
O trabalho com o gênero textual carta de reclamação foi
realizado ao longo de 19 aulas com uma turma de oitavo ano do
Colégio Estadual Guaíra. Para que o objetivo fosse atingido, muito
mais que solicitar que os alunos escrevessem cartas de reclamação

VA
foi necessário; primeiramente cartas de reclamação foram levadas
aos alunos e realizada leitura delas, a fim de os alunos obterem

R O
modelos do gênero em questão e poderem, assim, escrever suas

R
cartas de reclamação, conforme propõe Schneuwly e Dolz (2004).

P UTO
Na sequência, os textos dos alunos foram corrigidos, devolvidos
com comentários necessários e algumas dificuldades em comum
dos alunos foram exercitadas, principalmente em relação a questões

A
gramaticais, para que eles pudessem, então, reescrever as cartas de
reclamação. Três segmentos do trabalho realizado: a primeira carta

O
destinada à empresa reclamada, a segunda ao PROCON e a terceira

D
carta destinada ao Juizado Especial Cível, considerando que da
primeira esfera a situação reclamada não foi atendida, o PROCON
não pôde resolver a questão e finalmente o caso teve de ser enviado
ao Juizado Especial Cível, última instância de reclamação pública e
livre de ônus, antes de o reclamante utilizar a justiça comum. Visto
que analisar aqui todas as sequências didáticas realizadas naquela
turma ficaria inviável devido à extensão das mesmas, apenas a
primeira sequência didática foi apresentada mais minuciosamente.

O tão comentado trabalho realizado através do PIBID

Este capítulo traz informações sobre o PIBID e a descrição


do trabalho com carta de reclamação realizado em uma turma
de oitavo ano numa escola da rede pública do Paraná, citado nos
capítulos anteriores.

Gêneros, entre o texto e o discurso 341


A respeito do PIBID

O PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à


Docência – visa aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem da
educação básica, via capacitação de estudantes de licenciatura em
parceria com professores de instituições de ensino superior e escolas

VA
públicas de educação básica. O PIBID é mantido pela CAPES e
concede bolsas tanto aos estudantes de licenciatura, quanto aos

O
professores da instituição de ensino superior de origem e das

R
P UTO R
escolas de ensino básico. Para participar do programa, é necessário
observar as ofertas de vagas e inscrever-se no processo de seleção,
que avalia o coeficiente de rendimento do aluno de licenciatura,
disponibilidade de horário, disciplinas já cursadas e produções
acadêmicas. As atividades realizadas no decorrer da participação

A
no PIBID envolvem planejar aulas de determinada disciplina,
juntamente com o coordenador de área e com o professor formador

O
– professor esse titular de determinada escola de ensino básico –

D
e ministra-las. Das aulas semanais de determinada disciplina, o
pibidiano tem a oportunidade de ministrar, aproximadamente,
metade e tendo o professor formador como observador das aulas.
O PIBID ao qual fiz parte é o de LP, à época coordenado
na UTFPR pela professora Andréia R. Gomes. Além de planejar
aulas semanais para uma turma de oitavo ano, supervisionadas
pela professora de LP no Colégio Guaíra, formadora da turma,
Rosilane Beck Bensi, também pude participar de reuniões semanais
organizadas pela professora Andréia R. Gomes nas dependências da
UTFPR, reuniões nas quais os pibidianos de LP eram encorajados
a ler, bem como discutir textos teóricos que em muito contribuíram
para o desenvolvimento das atividades em sala de aula.

Carta de reclamação em uma turma de oitavo ano:


exercício de cidadania

Entre as dezenove aulas ministradas naquela turma de oitavo


ano, aqui será relatada com mais atenção a primeira sequência

342 EDITORA MERCADO DE LETRAS


didática, composta por cinco aulas. Por as aulas serem geminadas, a
fim de facilitar as descrições, quando citadas aulas 1 e 2, ocorreram
no mesmo dia e em sequência.
Visto que as aulas foram pensadas de acordo com a proposta
de sequências didáticas de Schneuwly e Dolz (2004), a primeira aula
teve intenção de discutir o gênero textual carta de reclamação com

VA
os alunos e proporcionar contato com dois modelos do referido
gênero, para que os alunos pudessem ter uma modelização do

R O
mesmo. Após questionar os alunos se eles desejavam reclamar

R
de algum produto ou serviço do qual não estavam satisfeitos, a

P UTO
maioria relatou celulares defeituosos, serviços de internet banda
larga, calçados, jogos, entre outras reclamações. Na sequência
dessa breve discussão, os alunos foram questionados sobre as

A
maneiras possíveis de se efetivar uma reclamação – pessoalmente,
por telefone, e-mail, carta – até que o gênero carta de reclamação

O
foi mencionado pela professora. Os alunos receberam, então,

D
cópias de cartas de reclamação e foram inquiridos a realizar leitura
silenciosa, bem como colaborativa com a professora. Dúvidas
sanadas, os elementos que compõem uma carta de reclamação
foram escritos no quadro e os alunos copiavam em seus cadernos,
para utilizar os mesmos na escrita a seguir. Na aula que se seguiu,
os alunos escreveram cartas de reclamação destinadas a empresas
diversas – apenas um aluno daquele grupo de 28 relatou não
ter reclamação nenhuma para compor a carta,1 e nesse caso foi
ajudado pela professora e acabou por compor reclamação de um
celular defeituoso fictício. No decorrer da escrita das cartas de
reclamação, alguns alunos indagaram a professora sobre dúvidas
diversas, e essas foram sendo discutidas individualmente. A
maioria dos alunos conseguiu finalizar as cartas de reclamação
em sala, e poucos entregaram as mesmas na aula seguinte – aula

1. No decorrer das aulas seguintes, esse mesmo aluno apresentou dificuldades


diversas, desde sintáticas a semânticas, – inclusive em um dos trabalhos
propostos escreveu seu próprio nome com letra minúscula – o que pode
explicar o fato de ele ter encontrado dificuldades com a primeira atividade.

Gêneros, entre o texto e o discurso 343


essa da semana seguinte. As reclamações foram diversas e nessa
primeira produção poucos alunos conseguiram atender a todos
os requisitos propostos: alguns utilizaram uma linguagem muito
informal; outros não escreveram informações suficientes para que
a empresa obtivesse todos os dados do produto/serviço e pudesse
dar encaminhamento correto do caso; muitos erros em relação à

VA
sintaxe e grafia que comprometeram a compreensão; e todos os
alunos escreveram seus nomes no cabeçalho, e a maioria identificou

R O
como 8D, algo que demonstra a falha na compreensão da atividade,

R
pois não eram alunos escrevendo uma carta de reclamação naquele

P UTO
momento, e sim, consumidores.
Após a correção das cartas foi possível delinear quais
pontos da escrita geravam dúvidas comuns nos alunos. Na

A
tentativa de utilizar uma linguagem formal, percebeu-se que os
alunos confundiam os usos de verbos no subjuntivo com a forma

O
impessoal que faz usos de ênclise – alguns alunos, com intenções

D
de escrever vendesse, escreveram vende-se e vice-versa. Outro
ponto em comum é da falta de acentuação em diversas palavras,
inclusive acentos diferenciais em palavras como esta, gerencia, fabrica,
entre outras. Outras palavras que foram utilizadas erroneamente
pela maioria dos alunos foram mas e mais. Numa tentativa de
hipercorreção, alguns alunos utilizavam mas ao invés de mais, e
vice-versa. Ao analisar os textos dos alunos, foi perceptível que
a maioria tentava da melhor maneira utilizar uma linguagem
formal, elementos sintáticos adequados para aquele gênero
textual, e isso é um ponto positivo. Dessa forma, os alunos não
foram penalizados por não atingir os objetivos propostos, mas
forneceram material suficiente para que suas dúvidas e dificuldades
fossem exercitadas e, até mesmo, sanadas em atividades futuras.
Exercícios foram elaborados e entregues aos alunos na aula da
semana subsequente, uma folha por aluno, e cada um dos quatro
exercícios foi respondido após breve explicação coletiva. À medida
que respondiam os exercícios, os alunos reconheciam que algumas
frases dali eram conhecidas – haviam sido copiadas de seus textos

344 EDITORA MERCADO DE LETRAS


com pequenas modificações – e ficavam surpresos com isso.
Alguns comentavam: “fui eu que escrevi isso!”, “essa frase é do
meu texto”! Os alunos não tiveram acesso aos textos uns dos
outros, o que de certa forma os manteve confortáveis em relação
à privacidade – eles tinham consciência de que frases da folha de
exercícios haviam sido retiradas de seus textos, e ao mesmo tempo

VA
estavam calmos, pois os demais colegas não caçoariam dos “erros”
alheios. Alguns alunos tiveram mais dificuldade na resolução dos

R O
exercícios, e acabaram por realizar os mesmos no momento de

R
correção. Após a correção, não houve tempo hábil para a reescrita

P UTO
das cartas de reclamação, e optou-se por protelar a reescrita para a
aula da semana seguinte. Em virtude disso, nos planos de aula 4 e 5
que se encontram nos apêndices, há temas parecidos por causa das

A
modificações que se fizeram necessárias quando da realização dos
exercícios pelos alunos.

D O Na primeira aula da terceira semana de regências, os alunos


receberam suas cartas de reclamação corrigidas, puderam observar
erros e acertos, e reescreveram incorporando dados faltantes e
corrigindo questões sintáticas. Esse trabalho deveria ser endereçado
à empresa provedora do produto ou serviço defeituoso e os alunos
deviam manter o mesmo produto/serviço da primeira escrita. Com
a correção desses textos, novas questões que geravam dúvidas aos
alunos foram encontradas, e por isso justifica-se a afirmação na
introdução deste artigo sobre a adaptação das sequências didáticas
de Schneuwly e Dolz (2004). Ao invés de propor exercícios para
solucionar dúvidas e pedir que os alunos reescrevessem o texto
com base na escrita anterior, ao final da segunda sequência didática
aplicada (subsequente dessa relatada anteriormente) os alunos foram
desafiados a escrever o mesmo gênero, porém não mais à empresa
provedora do produto/serviço: ao PROCON. Primeiramente, os
alunos escreveram as cartas em folhas de caderno e, quando da
reescrita, os formulários do PROCON-PR foram entregues para
que os alunos, primeiramente, preenchessem-no com seus dados
– após explicação de como preencher cada campo do formulário
– e após reescrevessem as cartas, com as devidas modificações. Ao

Gêneros, entre o texto e o discurso 345


realizar a terceira sequência, os alunos foram inquiridos a escrever
uma carta ao Juizado Especial Cível, e as aulas foram conduzidas
de maneira similar às aulas com vistas a escrever e preencher
formulário ao PROCON.
Visto que a cada escrita e reescrita novas necessidades surgiam
em relação à semântica e sintaxe, as sequências didáticas finais

VA
não iniciaram por modelizar o gênero, mas sim por proporcionar
exercícios para que os alunos melhorassem questões sintáticas e

R O
semânticas que foram percebidas, como ainda não eram dominadas

R
por eles naquele gênero textual. Ao cabo das dezenove aulas,

P UTO
muitos pontos de gramática normativa foram vistos com aqueles
alunos, e alguns tiveram que ser vistos e revistos com mais afinco, a
notar: uso da voz passiva – muitos alunos escreviam em seus textos
“quero que vocês troquem meu celular”, ao invés de “quero que

A
meu celular seja trocado” –; a obrigatoriedade de utilizar a primeira
letra maiúscula em substantivos próprios, bem como substantivos

O
simples e a obrigatoriedade de letra minúscula (exceto casos de

D
início de frase) e as diferenças entre a conjunção adversativa mas e o
advérbio de intensidade mais. Além de frases retiradas dos próprios
textos dos alunos, uma tira de revista em quadrinhos, um vídeo
e livros foram levados aos alunos para diversificar os exercícios
epilinguísticos e tornar as aulas mais interativas.

Olhar sobre amostras de três alunos

Os trabalhos aqui selecionados – e que podem ser


visualizados na seção de anexos – pertencem a três alunos.
Após proposta de escrita da primeira carta, destinada
à empresa, um aluno questionou se poderia reclamar de um
supermercado que não cumpria normas de manter caixa preferencial
com atendimento exclusivo a idosos, gestantes e deficientes. Tema
aceito, carta escrita, corrigida, pôde-se delimitar que o uso da voz
passiva, a maneira de escrever substantivos próprios com letra

346 EDITORA MERCADO DE LETRAS


maiúscula e substantivos simples com letra minúscula, bem como
remetente e destinatário precisavam ser revistas. Com relação
à segunda carta de reclamação, destinada ao PROCON-PR, a
dificuldade maior era em relação ao preenchimento do formulário e
campos desconhecidos pelos alunos até então (procurador, empresa
reclamante, só para citar dois). O formulário do Juizado Especial

VA
Cível também gerou dúvidas, porém em relação à descrição dos
acontecimentos (a reclamação em si) o aluno conseguiu melhorar

O
a escrita e se sentiu mais confortável em relatar o descumprimento

R
P UTO R
da lei naquele supermercado.
No decorrer das aulas foi perceptível que muitos alunos
ainda estão vivendo uma cultura de atribuição de notas; não
são capazes de realizar atividades por estarem conscientes da
importância delas em seu aprendizado. Para cada atividade a ser

A
realizada, questionavam “se valia nota”. Dessa forma, por sugestão
da professora formadora – sempre presente nas aulas – a cada

O
atividade realizada por eles era atribuída uma nota.

D Após os exercícios que visaram praticar o uso da voz


passiva, os alunos conseguiram fazer o uso efetivo e empregar a
voz passiva em suas cartas de reclamação. Pode-se perceber isso
através dos excertos de dois alunos que seguem (os nomes foram
retirados para preservar a identidade dos alunos):

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 347


VA
R O R
P UTO
O A
D Através das frases finais dos textos desses dois alunos é
possível notar que os exercícios relacionados ao uso da voz passiva
puderam auxiliar os alunos a melhor utilizar essa ferramenta de
linguagem.
Foi uma experiência de grande valia. No decorrer das aulas
os alunos sempre demonstravam interesse e quando da despedida
vieram agradecer e inclusive aplaudiram a última aula, como forma
de agradecimento e como se um ciclo houvesse encerrado. O lucro
foi de todos!

Considerações finais

Percebe-se, através dos textos produzidos pelos alunos, que


muito trabalho há de ser feito em relação ao gênero textual carta de
reclamação. Visto que a escola tem trabalhado mais com gêneros
escolares que gêneros textuais de práticas sociais, os alunos ainda
têm dificuldades de preencher formulários, tarefa que deveria ser
simples, porém gera dúvidas quando da sua realização por parte dos

348 EDITORA MERCADO DE LETRAS


alunos. Desvencilhar-se do “nome completo, ano, turma e data no
cabeçalho” não é fácil, visto que são práticas obrigatórias a todos
os trabalhos realizados na escola, independente do gênero textual
trabalhado. No entanto, a proposta de escrever cartas de reclamação
despertou naqueles alunos o exercício da cidadania – algo antes não
visto nas dependências da escola por aquele grupo de alunos.

VA
O aporte teórico no qual o desenvolvimento do trabalho se
fundamentou permitiu ampliação dos conhecimentos e foi possível

R O
perceber que a flexibilização das sequências didáticas não deturpa

R
a proposta de Schneuwly e Dolz (2004), mas sim, corroboram

P UTO
com ela, visto que os citados autores deixam o professor livre para
adaptar as sequências de acordo com o público-alvo em questão.
As discussões em torno do conceito de gênero por Bazerman
(2011) foram valiosas, já que um mesmo gênero pode apresentar

O A
formas variadas, o que ficou visível ao se analisar o formulário do
PROCON, Juizado Especial Cível e outras cartas de reclamação
destinadas a empresas diversas.

D A oportunidade de lecionar, mesmo que por poucas aulas, foi


ímpar. Não é tarefa fácil planejar aulas e pesquisar materiais relevantes
para determinado grupo de alunos. Porém, o envolvimento dos alunos
no decorrer das aulas e o verdadeiro interesse deles por trabalhar
com cartas de reclamação, escrevendo sobre situações vivenciadas
por eles, algo até então inédito a eles, é a maior gratificação pelas
horas de dedicação no planejamento das aulas.
O referido trabalho conseguiu, mesmo que com uma
pequena parcela da população, proporcionar aos alunos momentos
de reflexão sobre sua condição na sociedade e que o exercício da
cidadania também acontece por escrever uma carta de reclamação.
A inclusão social inicia-se assim: o cidadão tem uma queixa, e
descobre que pode reclamar em um órgão público, livre de ônus,
por uma simples atitude de escrever uma carta de reclamação. A
clareza no texto determina, em grande parte, o atendimento de
sua solicitação. Independente de possuir bens materiais, o cidadão
passa a fazer parte de sua sociedade, plenamente. Dessa forma,
esse trabalho contribuiu para inclusão social.

Gêneros, entre o texto e o discurso 349


APÊNDICE

Exercícios da aula 03

1. Corrija as palavras em negrito e reescreva as seguintes frases:


a) Eu gostaria que o senhor troca-se o meu produto.

VA
b) Se o senhor vende-se produtos bons, eu não precisaria
reclamar.

R O c)
d)

R
Trocasse livros diversos no pátio.
Vendesse revistas e gibis usados a preços módicos.

P UTO
e) Minha mercadoria esta defeituosa. Isso e decepcionante.
f) Está mercadoria tem varios defeitos: não funciona é
veio quebrada na superficie.

A
g) Meu celular venho com bateria fraca.
h) Veio na loja pois quero reclamar para a gerencia.

D O i)
j)
k)
l)
m)
A gerencia fica no pizo superior.
O senhor Jurandir gerência as lojas Colombo.
Eu conversei com o gerete, mais ele não me reembolsou.
Comprei a máquina mas cara, porem não fuciona!
As lojas não podem ter mas vendedoras e sim, boas e
atenciosas.
n) A vendedora que me atendeu era muito ma. Nem me
atendeu!
o) A Motorola fábrica aparelhos diversos.
p) Eu estou cliente de que tomarei as providências
cabíveis.
q) O ciente reclamou para o gerente e até recebeu um
brinde!
r) A fabrica da Motorola esta localizada no estado de São
Paulo.
s) Eu abre a embalagem e percebe que era outro DVD!
t) Os DVDs dele estragam porque ele sempre abri errado.

350 EDITORA MERCADO DE LETRAS


2. Reescreva as frases abaixo, substituindo os termos sublinhados
por outros formais. Modifique o que for necessário. Exemplo:
a) A gente foi conversar com a gerência e ajudou a gente.
Nós fomos conversar com a gerência e nos ajudou.

VA
b)
c)
A gente reclamou, mas não trocaram a bolsa.
O gerente falou pra gente que era caso perdido e que a

R O d)

R
gente precisava falar com a fábrica.
A gente falou com o gerente e aí ele mandou a gente

P UTO
reclamar no Procon.
e) A gente ligou na loja, aí o gerente foi muito educado e
falou que ia trocar.

A
f) A gente levou o produto na loja, aí o funcionário falou
que ia devolver o dinheiro.

D
3.
O Substitua as palavras em negrito por uma conjunção adversativa
(mas, porém, todavia, contudo, entretanto, no entanto):
“Eu comprei um jogo, só que veio riscado. Só que limpei ele
e funcionou. Só que minha mãe não gostou e mandou que eu
trocasse o jogo. Só que o gerente não quis trocar. Só que eu
guardei a nota fiscal e reclamei no Procon. Resultado: o gerente
teve que trocar, só que tive que esperar um ano para trocar meu
jogo. Só que valeu esperar!”

4. Passe as frases abaixo para a voz passiva. Exemplo:


a) Eles trocaram meu produto sem demora. Meu produto
foi trocado sem demora.
b) Eles entregaram meu colchão só dois meses depois da
compra.
c) Eles devolveram meu dinheiro apenas quando entrei no
Procon.
d) Eles me informaram que o produto era de ótima
qualidade.

Gêneros, entre o texto e o discurso 351


ANEXOS

VA
R O R
P UTO
O A
D

352 EDITORA MERCADO DE LETRAS


VA
R O R
P UTO
O A
D

GêNEROS, ENTRE O TEXTO E O DISCURSO 353


VA
R O R
P UTO
O A
D
VA
R O
Seção III

R
ENTREVISTAS

P UTO
O A
D
Entrevista1 com Jean-Paul Bronckart

I. Como sua vida acadêmica se desenvolveu na Universidade de


Genebra? Como foi sua trajetória, como começou a pesquisar
dentro da área discursiva e o que lhe chamou a atenção que fez

A
com que o motivasse a seguir nessa área?

V
R O Minha carreira acadêmica pode ser dividida em quatro períodos,

R
que foram detalhados em um texto de Alonso Fourcade (2007).

P UTO
O período inicial é claro, foi a minha formação que consiste em
duas fases distintas. A primeira foi a minha formação em estudos
de Licenciatura em Psicologia, na Universidade de Liège (Bélgica),

A
e, neste âmbito, comecei a fazer parte do Laboratório de Psicologia
Experimental, que foi construído em 1966 fundado pelo Professor

D O Marc Richelle. Neste contexto estava estudando a metodologia


e a abordagem do behaviorismo radical, mas eu sempre estava
simultaneamente informado dos trabalhos da psicologia soviética
(os de Vygotsky, Luria e Leontiev). É nesta perspectiva que eu fiz a
minha Licença de Memória, composta por uma série de pesquisas
experimentais sobre o tema do papel do controle da linguagem
(Luria 1961), e esta investigação levou a publicações decisivas
para a minha carreira (Bronckart 1971, 1973).
A segunda fase começou com a minha chegada à Universidade de
Genebra, no final de 1969, onde fui contratado como assistente no
Centro Internacional de Epistemologia Genética (ICGS) do famoso
professor Jean Piaget, e a Unidade de Psicolinguística criada por
Hermina Sinclair De Zwart. Esta fase pode ser caracterizada como
uma etapa de latência ou indecisão de aprendizagem. Sob o ICGS,
percebi que várias pesquisas sobre tópicos em psicologia do
desenvolvimento que foram identificados por Piaget, mas depois
aderi ao quadro teórico de Vygotsky (ver, por exemplo, Piaget e

1. Tradução de Sweder Souza.

356 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Bronckart 1974). Na unidade do Professor Sinclair De Zwart, eu
dirigi dois programas de investigação dentro da psicolinguística
de desenvolvimento: uma estava relacionada com a compreensão
e interpretação da linguagem focada em estratégias de estruturas
de frases, em crianças de 6 a 12 anos (Sinclair e Bronckart 1972);
o outro estava relacionado com a produção de linguagem focada

VA
nos valores aspectuais (ou temporais) em que as crianças da
mesma idade atribuíam aos tempos verbais (Bronckart e Sinclair

R O1973). As publicações resultantes desta pesquisa envolvem tanto

R
a estrutura conceitual de Vygotsky, de Piaget e de Chomsky,

P UTO
e também mostra alguma hesitação da minha parte quanto à
orientação teórica adotada.
O segundo período começou com – simbolicamente – a minha

A
nomeação em 1976 como professor de psicologia da linguagem,
nomeação que consagrou meu novo interesse nas questões de

D O ensino de línguas. Com mais pessoas, fizemos pesquisas2 de


campo escolar (alunos entre 7 e 12 anos), tendo como um dos
objetivos verificar em que medida as estratégias de destaque na
pesquisa psicolinguística, mencionada acima, foram realmente
utilizadas pelos alunos nas atividades escolares de gramática e
na produção de textos. Os resultados foram, em geral negativos
(Bronckart et al. 1979), o que me levou a um desafio e uma
reorientação radical, realizado principalmente com o apoio de
um novo e brilhante assistente, Bernard Schneuwly. Essa mudança
levou três aspectos.
Isso resultou um primeiro passo significativo para um estudo
comparativo das teorias linguísticas disponíveis, cujos resultados
foram publicados no livro Teoria da linguagem: uma introdução
crítica (Bronckart 1977). Este trabalho caracterizou-se por uma
mudança final com referenciais teóricos comportamentais ou
chomskianos; ele mostrou um profundo interesse na semiótica

2. Nesta entrevista, utilizou-se quando se trata de rumos ou trabalho feito em


conjunto, e eu usei quando se trata de indicações ou obras que o autor do
texto assume toda a responsabilidade.

Gêneros, entre o texto e o discurso 357


de Saussure, assim como se aproximou das teorias da enunciação
e, especialmente, foi desenvolvido pelo teórico Antoine Culioli
(autor que desempenhou um papel decisivo na minha formação
em línguas e cujas análises explicitamente abriu as portas para as
abordagens textuais discursivas).
Assim, causou uma reorientação no campo do ensino de línguas,

VA
rejeitando todas as formas de aplicação (incluindo o conceito de
psicologia da educação). Temos então trabalhado para criar, nos

R O países francófonos, um ensino moderno da língua materna que

R
incluem: – análise dos estados de sistemas de ensino nesta área;

P UTO
– realização de pesquisas sobre como se dá a aprendizagem em
sala de aula; – contribuições para a renovação curricular e meios
educacionais.

A
Essa reorientação finalmente se materializou e, especialmente, a
implementação de um programa de pesquisas sobre a estrutura e

D O o funcionamento do discurso /texto, inclui um eixo estritamente


linguístico e um centro educacional.
Em resposta à segunda parte da pergunta, é neste período que
começaram as nossas investigações no campo textual / discursivo.
A nível teórico ou linguístico, revisamos várias abordagens que
tornam-se disponíveis: o projeto de identificação nos trabalhos
de análise do discurso de Benveniste ou Culioli; o trabalho
inicial da linguagem textual de Adam (1977) e da análise do
discurso francesa; os escritos de Voloshinov3 (1929[1977]) e
Bakhtin (1978); e as propostas da nomeada textlinguistik alemã
(especialmente Isenberg 1978 e Schmidt 1979). Tendo verificado
que as abordagens destas correntes diferem em muitos pontos,
decidimos desenvolver o nosso próprio modelo de textualidade,

3. Inspirado no livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, no momento atri-


buído a Bakhtin, como parte de uma trama que não temos sido capazes de
relatar (Bronckart e Bota 2011). Este livro foi recentemente reeditado em
uma nova tradução francesa de Seriot e Ageeva-Tylkowsi com o nome de
seu verdadeiro autor, Voloshinov, e intitulado Marxismo e Filosofia da Lin-
guagem (2010).

358 EDITORA MERCADO DE LETRAS


procedendo com profundidade a análise estatística da distribuição
das unidades linguísticas em um grande corpus de textos em
francês contemporâneo. Este trabalho deu origem a várias
publicações intermediárias (incluindo Bronckart 1979; Bain et
al. 1982) que posteriormente fundou-se O Funcionamento dos
Discursos (Bronckart et al. 1985). O Plano didático de Schneuwly

VA
liderou um grupo de pesquisadores e professores que projetou e
testou as primeiras sequências didáticas (texto da Comissão de

R O
Educação 1985), que serve como um “dispositivo” de ensino e

R
tem sido bem-sucedida.

P UTO
O terceiro período consistiu principalmente de 1985 a 1997, com
insights sobre a abordagem teórica (ou linguagem) previamente
iniciada em um quadro epistemológico, agora chamado

A
interacionismo sociodiscursivo (ISD).
Além dos capítulos de análise estatística das distribuições das

D O unidades linguísticas, O Funcionamento do Discurso inclui


um foco sobre a questão no contexto da produção textual e
outro focado em operações psicológicas que estão na base
da elaboração de um texto. Mas este livro não se destina a
conceituação explícita desta dimensão ativa da linguagem, ou
a sua dimensão praxeológica. Por isso, realizou-se um trabalho
de análise comparativa das principais ideias da atividade (ou
ação, ou agir, ou práxis) com os cursos de filosofia, psicologia e
sociologia, que analisamos e que levou a desenvolver um quadro
conceptual limpo de distinções l’agir-référent, como entidade
de comportamento observável independentemente de qualquer
interpretação ou atividade interpretativa como entrar no ato em
sua dimensão coletiva, e a ação como entrada interpretativa do
papel desempenhado por uma pessoa na concretização da ação.
Esta reflexão e conceituação levou mais tarde a um trabalho de
síntese (Bronckart 2005), incluindo uma versão melhorada que
foi lançado no Brasil sob o título O agir nos discursos (2008)
Um segundo e mais profundo focado na questão das diferenças
de status e as semelhanças entre os tipos de textos. Enquanto

Gêneros, entre o texto e o discurso 359


O Funcionamento do Discurso, que foi marcado pelas
preocupações tipológicas da época, ainda evocando tipos de
textos, distinguindo textos “architypiques” dos textos “intermé-
diaires”, que gradualmente tornou-se claro que o conceito de
“tipo” não foi suficiente para explicar a natureza das semelhanças
e / ou diferenças entre os grupos de textos, e que o conceito

VA
relevante a este nível era claramente de gênero. A conceituação
genérica foi, portanto, realizada, com base nos escritos de

R O Genette (1986), Hamburger (1986) e, especialmente, Voloshinov

R
(1926[1981], 1930[1981]), o que nos levou a pedir a distinção

P UTO
fundamental para a ISD entre os tipos de texto e tipos de gêneros
do discurso que são entidades verbais, orais ou escritos, de um
ato comunicativo emitido no contexto de uma atividade humana

A
em particular (e, portanto, uma ligação de interdependência com
esta atividade), enquanto que os tipos de discurso são entidades

D O estritamente linguísticas (configurações de unidades e estruturas


de caráter diferenciais interdependentes), em número limitado,
que compõem a composição de um tipo.
A distinção descrita acima também foi parte da terceira
profundidade teórica, que afetou todas as operações envolvidas
na produção e gestão de textos. Descansando um lado em uma
revisão de estudos em linguística textual e/ou a análise do discurso,
em outros estudos um novo corpus se desenvolveu, o esquema
de condições de produção textual e o modelo de arquitetura
textual, que foram apresentados em detalhes no livro Atividades
de Linguagem, texto e discurso (Bronckart 1997/1999), que pode
ser considerado o ponto culminante do terceiro período.
O quarto período (em curso), além de um trabalho constante de
atualização do modelo de arquitetura textual (Bronckart 2008,
2013), é caracterizada por ajustes ou mudanças, na teoria como
na didática.
Linguisticamente, realizamos uma revisão da teoria de Saussure,
com base na análise de novos documentos disponíveis (Bulea
2005, 2013; Bronckart, Bulea e Bota 2010), e procedemos

360 EDITORA MERCADO DE LETRAS


também uma revisão das propostas de Coseriu (Bota 2012), o
que nos permitiu estabilizar a nossa referência epistemológica e a
teoria dos fenômenos linguísticos.
Fazendo uso, em especial, com base no descrito acima,
também se têm reinvestido na questão do papel da linguagem
no desenvolvimento humano, já questionando a investigação

VA
de base realizada durante o meu período de formação (o papel
regulador da linguagem e aqueles que envolvem a psicolinguística

R O
de desenvolvimento), e foi parcialmente reescrita em ATD. Nesta

R
área, o aprofundamento atual consiste em uma avaliação das

P UTO
realizações da psicologia do desenvolvimento, levando a uma
análise das razões para a falta de teorias propostas por Piaget, assim
como Vygotsky (Bronckart 2012, 2013), e eles também consistem

A
em novas propostas voltadas para o papel desempenhado pelos
mestres dos tipos de discurso na reorganização dos processos

D O cognitivos (Bronckart 2012, no prelo).


Esta reformulação de problemas de desenvolvimento é uma
forma de extensão da abordagem iniciada por Ecaterina Bulea no
campo da atividade de interpretação por parte dos adultos (Bulea
2009/2014 e Bulea e Bronckart 2008). Com base em análises de
propriedades linguísticas de textos produzidos por trabalhadores
no contexto de dispositivos analíticos prático, destacou a
existência de um conjunto restrito das “figuras de ação” como
formatos interpretativos em parte dependente dos tipos de
discurso em que estão organizados, e ela também destacou a
especificidade relativa de figuras construídas por professores e a
exploração que poderiam ser feitas nas etapas da formação (Bulea
e Jusseaume 2014).
No plano didático, a abordagem é analisar as características e os
efeitos potenciais das “habilidades lógicas” que tende a invadir
programas e recursos educacionais relacionadas à linguagem;
Este é especificamente para destacar a deficiência dessa forma
conceitual, e, propor uma nova e dinâmica aproximação (Bulea
2011; Bulea e Bronckart 2005). Outra abordagem relaciona-

Gêneros, entre o texto e o discurso 361


se com a renovação do ensino de línguas, e visa proporcionar
abordagens articuladas de ensinos razoáveis ​​e eficazes centradas
em textos e gêneros, e aquelas voltadas para o domínio do
conhecimento gramatical (Bronckart 2008; Bulea 2013).
Para concluir, vale adicionar a vontade de resolver a questão
da aquisição de habilidades textuais, projeto recente (Bronckart

A
2014), mas com vieses metodológicos a serem determinados.

V
II.

R O Quais foram às áreas da Linguística que influenciaram mais as

R
bases teóricas do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)?

P UTOO interacionismo sociodiscursivo baseou-se em muitas fontes da


linguística, mas é inspirado principalmente por três abordagens.

A
A primeira é a linguística geral, como uma abordagem de
linguagem um tanto global (isto é, tendo em conta todos os aspectos

D O da palavra) que tem posição epistemológica ou metateórica


firmemente argumentadas. Chomsky é um protagonista
importante nesta linguística geral, mas fundamentalmente em
desacordo com suas posições inatistas, universalistas e cognitivas.
No início era contra a abordagem de Saussure, em primeiro
lugar, uma vez que transparece (ainda) no Curso de Linguística
Geral, em seguida, como temos redescoberto e aprofundado
no trabalho de análise de seus manuscritos depois exumado
e/ou publicado. Como já mostramos em várias publicações
(incluindo Bronckart 2013; Bulea, 2013), tentamos nos inspirar
nos seguintes tópicos saussurianos: – o caráter semiótico de todos
os níveis de organização da linguagem, fonemas e aos gêneros
textuais; – a concepção do signo, como aparece na Dupla
Essência da Linguagem (2011), com o foco sobre as dimensões
para o psicológico, social e dinâmica de entidades linguísticas;
– conceituar os respectivos estatutos texto-discurso de um lado
da língua, por outro lado, com um esclarecimento de como eles
interagem.

362 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Nesta área, também concordamos, sem reservas, a abordagem
desenvolvida nos três principais textos de Voloshinov (bem como
os textos assinados Bakhtin dentro da mesma abordagem), que
fornecem uma análise aprofundada e uma conceituação adequada
da relação entre atividades humanas, contextos de comunicação e
gêneros de textos, e também fornece dados vitais para análise dos

VA
procedimentos linguísticos dialógicos, de atitudes responsivas e
polifônicas.

R ONossa terceira referência nesta área geral é Coseriu onde

R
recentemente analisamos seu trabalho tão complexo como

P UTO
considerável.
A segunda maior fonte de inspiração foi à abordagem feita
por Antoine Culioli, que foi duplamente crucial, pois o autor

A
contribuiu para a minha formação pessoal em linguística, e porque
se baseia em propostas que foram primeiramente desenvolvidas

D O nos nossos projetos de análise de texto. Recorde-se que, nos


anos 1960/1980, Culioli quase não publicava, por várias razões,
incluindo o de uma escolha óbvia para a transmissão oral; para
acessar sua abordagem linguística, foi necessário para acessar
seus ensinamentos, incluindo, em especial os estabelecidos
em dois seminários de Paris, o famoso BCG (sigla do psicólogo
Bresson, de Culioli e do lógico Grize) e do seminário na manhã
de domingo no São Carlos; Pela minha parte, eu tinha sido
convidado para participar neste último seminário, e é com
base no que eu tinha aprendido que eu escrevi o capítulo final
de Teorias da Linguagem (1977, pp. 309-335) que é a primeira
tentativa de apresentação sintética da teoria culioliana.4
O que me impressionou e seduz em me aproximar dos métodos
de Culioli, é principalmente uma metodologia de análise com
base no exame linguístico das muitas variantes possíveis de
declarações (oralmente familiarizada com a literatura), mas
também produtos integrados para análise de ordem lógica,

4. A maior parte dos escritos e intervenções de Culioli foi posteriormente cole-


tada em três volumes de Por uma Linguística da Enunciação (1990-1999).

Gêneros, entre o texto e o discurso 363


métodos sociolinguísticos ou psicolinguísticos; esta é então
conceituada linguagem de fatos distintivos e articula o nível
de operações psicolinguístico (conceitos, trilhas, relações de
predicativo e enunciação etc.) e o nível de métodos de rotulagem
de tais operações, processos psicolinguísticos que podem variar
mais ou menos, dependendo da linguagem natural ou nos

VA
registros de uma mesma língua; é finalmente uma abordagem
(explicitamente inspirada por Benveniste), que levou em conta

R O o tamanho dos textos e suas variações, apesar de não incluir a

R
conceituação dessa variação em termos de “gênero”. Deve-se

P UTO
acrescentar que este é um pesquisador que forma claramente
a linha Benveniste-Culioli, ou seja, Jenny Simonin-Grumbach
(1975), nos emprestou a noção de “tipo de discurso”, noção que

A
em seguida foi realizada e desenvolvida em uma perspectiva que
sempre se manteve consistente com a análise seminal que este

D O linguista sugeriu.
Podem ser incluídas nesta segunda categoria, as influências dos
autores franceses da análise do discurso e da linguística textual
(especialmente Adam) que nós emprestou muitas análises
técnicas, mantendo-se dedicado às suas orientações teóricas e
epistemológicas.
A terceira fonte de inspiração pode surpreender, como às vezes
é esquecida em um córrego, ou mesmo desprezada, que é o
Estruturalismo Linguístico Original. Em nosso trabalho com
análise concreta das propriedades dos textos, como na nossa
abordagem de ensino de gramática (Bronckart 2004), temos
explorado metodologias analíticas originalmente desenvolvidas
por Bloomfield (1933/1970 – autor que tenho profundo respeito),
e a abordagem desenvolvida para a língua francesa por Martinet
(1960) e Tesnière (1969).

III. Há algumas décadas, os estudos sobre gêneros textuais no


Brasil vêm se consolidando de modo a se tornarem inerentes ao
processo de ensino de línguas. Tal fato pode ser percebido desde

364 EDITORA MERCADO DE LETRAS


a segunda metade do século XX, quando as pesquisas se voltaram
para a construção de uma abordagem teórica propícia à aplicação
em ambientes de ensino-aprendizagem, até o final da década de
1990, quando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de
Língua Portuguesa incluíam enquanto orientação pedagógica a
perspectiva dos gêneros textuais no ensino de língua materna.

VA
Desse modo, pensando na formação de um estudante produtor
de textos autônomo e crítico, e considerando as suas posturas

R Oteóricas, que gêneros deveriam ser ensinados e aprendidos nos

R
níveis fundamental, médio e superior?

P UTO Pour des raisons techniques qui tiennent à son modèle,


Bronckart choisit de nommer “genres de textes” ce que nous
appelons genres de discours […] mais ses choix terminologiques

O A restent problématiques à plusieurs titres.5 Il est d’abord clair


que son niveau discursif est un niveau abstrait de “conditions
normées d’usage des ressources d’une langue” et pas du tout

D le niveau sociodiscursif des systèmes de genres admis par


Rastier, Schaeffer, Maingueneau ou moi. (Adam 2011, p. 32)

Esta citação servirá como uma introdução aos problemas


mencionados na questão anterior, essa questão, de debate
terminológico está longe de ser trivial ou secundário.
Em primeiro lugar, devemos reconhecer que a maioria dos
pesquisadores franceses adotaram o corpo de conceitos propostos
pela escola francesa de análise do discurso e/ou seus precursores.
Em 1969, em seu livro A arqueologia do saber, Foucault definiu
o discurso como a manifestação da atividade verbal dentro de
formações sociodiscursivas específicas e Slakta (1975) completou
esta abordagem por sua famosa fórmula que “le discours, c’est
le texte plus ses conditions sociales de production, et le texte,
c’est le discours moins lesdites conditions de production”, ou

5. Citações geral deste artigo, em negrito e itálico são parte dos autores e os em
negritos são grifos nossos.

Gêneros, entre o texto e o discurso 365


seja, o discurso entrou por uma perspectiva interna, estritamente
linguística. Mais tarde, depois de ter integrado a concepção de
gêneros no seu projeto, resultado do trabalho de Genette, Jauss,
Schaeffer, Voloshinov e muitos outros, os especialistas franceses
da análise do discurso ou da linguística textual proporão um
aparato conceitual onde resumiram suas principais características.

VA
O discurso levou a várias definições, como os mais citados:

R O R Un discours est un usage de la langue normépar une classe de

P UTO
pratiques sociales participant d’une même sphère d’activité.
Au plan paradigmatique du lexique, un discours correspond à
un domaine sémantique. (Rastier 2003, p. 11, nota 13)

A
Nous entendons par “discours” une dispersion de textes que
leur mode d’inscription historique permet de définir comme

O
un espace de régularités énonciatives. On peut aussi bien

D
renvoyer à la formulation de M. Foucault : “Un ensemble de
règles anonymes, historiques, toujours déterminées dans le
temps et dans l’espace qui ont défini à une époque donnée,
et pour une aire sociale, économique, géographique ou
linguistique donnée, les conditions d’exercice de la fonction
énonciative.” (Maingueneau 1984, p. 5)

Os defensores das duas correntes envolvidas rejeitaram a


expressão de gêneros de texto, contrapondo com os tipos de
discurso, dando as seguintes definições:
[…] un discours s’articule en divers genres, qui correspondent
à autant de pratiques sociales différenciées à l’intérieur d’un
même champ. Si bien qu’un genre est ce qui rattache un texte
à un discours […] L’origine des genres se trouve donc dans
la différenciation des pratiques sociales. (Rastier 1989, p. 37)

Les genres sont des patrons sociocommunicatifs et sociohistoriques


que les groupes sociaux se donnent pour organiser les formes de
la langue en discours […] dès qu’il y a texte [...] il y a effet de
généricité, c’est-à-dire inscription de cette suite d’énoncés dans
une classe de discours. (Adam 2011, p. 33)

366 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Enquanto isso, o texto é muitas vezes menos definido, no entanto
Adam recentemente descreveu como “la trace langagière d’une
interaction sociale, la matérialisation sémiotique d’une action so-
ciohistorique de parole” (2011, p. 33).
As relações entre textos, discursos e tipos de discurso são descritas
pelo mesmo autor em uma perspectiva que estende a de Slakta:

VA Le texte [...] est un objet abstrait résultant de la soustraction


du contexte opérée sur l’objet concret (discours). [L’emploi du

R O R
concept de discours étant réservé] à l›emploi trivial qui permet
de parler de discours publicitaire, politique, scientifique, etc.,

P UTO
[en lien avec les] genres du discours que constituent le poème,
l’essai, le théâtre, le roman. (Adam 1990, pp. 23 e 21)

A
Finalmente, de acordo com as diretrizes ilustradas pelas citações
acima, os objetos e os objetivos da análise do discurso são

D O definidos da seguinte forma:

L’analyse de discours est l’analyse de l’articulation du texte et


du lieu social dans lequel il est produit. Le texte seul relève
de la linguistique textuelle ; le lieu social, lui, de disciplines
comme la sociologie et l’ethnologie. Mais l’analyse de
discours en étudiant le mode d’énonciation, se situe elle à leur
charnière. (Maingueneau 1998, conférence d’Osaka)

Pour D. Maingueneau, l’analyse du discours n’a pour objet


“ni l’organisation textuelle en elle-même, ni la situation de
communication” mais doit “penser le dispositif d’énonciation
qui lie une organisation sociale et un lieu social déterminés”
(1991/1997, p. 13). Dans cette perspective, l’analyse du
discours a affaire de manière privilégiée avec les genres de
discours. (Charaudeau e Maingueneau 2002, p. 43)

Dois ponto importantes, as abordagens deste tipo e as da ISD são


globalmente consistentes.
O primeiro ponto é a necessidade de distinguir entre dois níveis de
análise: de um lado do que a atividade verbalsociohistoricamente
definida, que pode, por si só qualificar independentemente da

Gêneros, entre o texto e o discurso 367


atividade de linguagem ou da atividade discursiva, e por outro
lado, o texto, como um material verbal organizado que usa os
recursos de uma dada língua natural. O primeiro plano é de
dimensão sociológica e psicológica e tendencialmente universal,
na medida em que os fatos estão lá antes da propria mobilização
dos sinais de uma linguagem natural; o segundo nível é uma

VA
questão da linguística, na medida em que envolve uma abordagem
de propriedades e unidades eficazes mobilizadas como parte do

R O texto elaborado numa dada estrutura de linguagem natural.

R
O segundo ponto de acordo, fundamentalmente, é a crença de

P UTO
que para realmente entender os modos de funcionamento dos
textos/discursos e o papel especial que a língua desempenha no
ser humano, é essencial analisar e teorizar os termos de interação

A
entre os dois planos acima mencionados.
No entanto, as nossas propostas de terminologia diferem daqueles

D O utilizados pela análise de discurso ou pela linguística textual para


as razões subjacentes que vamos explicar agora.
Como observado acima, na análise mais geral, representam
a existência de uma atividade de linguagem humana, que se
desdobra em quadros práticos, culturais ou economicos, cuja
variedade é quase ilimitada, que é concretamente realizada
através da exploração de recursos de uma língua natural. Esta
noção de atividade de linguagem equivalente ao de discurso
na concepção de Foucault, e se o termo é mantido, a expressão
como «genresdu discours religieux» parece ser admissivel na
medida em que se pode realmente fazer uma lista de gêneros
(como produto), que são utilizados no âmbito das atividades
religiosas. Mas nós contestamos contra esses termos/expressões,
as expressões do tipo: “genre de discours (religieux)” porque elas
implicam na generalização dentro da esfera de atividades sociais,
e, portanto, se mateializam verbalmente na linguagem. E é aqui
que estamos em desacordo sério com as concepções dominantes.
Lembramos primeiramente que para pensar efetivamente as
interações, é necessário identificar e diferenciar claramente as

368 EDITORA MERCADO DE LETRAS


propriedades de cada uma das entidades envolvidas, e apoiamos
esse ponto que não há correspondência entre os tipos de
atividades e tipos de textos, tais como envolvem as posições
de Maingueneau ou Rastier: na mesma esfera de atividade, os
diferentes tipos estão em uso e o estoque de gêneros adequados
para tais atividades é susceptível de alterar permanentemente, a

VA
dívida, o desvio ou a criação de um novo tipo.
Dito isto, a questão fundamental é então saber se a generalização é,

R O
ou não, uma propriedade de ordem semiótica. Para os defensores

R
da Análise do Discurso, a resposta é, na verdade, não, uma vez que

P UTO
suportar a generalização é principalmente o domínio de atividades
sociais e, portanto, esta é a montante da semiótica. Para ISD,
ecoando a fórmula saussuriana chamado a seguir, os fatos genéricos

A
são os fatos semióticos e não se manifestam ao passo que quando
os recursos de linguagem natural são mobilizados , significa que o

D O genericidade é basicamente uma propriedade de textos.

Sémiologie = morphologie, grammaire, syntaxe, synonymie,


rhétorique, stylistique, lexicologie, etc., le tout étant
inséparable. (Saussure 2002, p. 45)

Além do argumento teórico apresentado acima, nós também


mantemos o conceito de “tipo de texto” por razões metodológicas.
Apesar das declarações, assumindo que o objeto da análise do
discurso é a articulação dos textos em seu contexto social de
produção, que é de fato sistematicamente explorado na obra de
Adam, de Maingueneau, Rastier ou (como no nosso, caso), estes
são textos com suas múltiplas propriedades linguísticas internas,
enquanto as dimensões contextuais do montante, enquanto
muitas vezes mencionado, não raramente estudados sistemática
ou estritamente. Em outras palavras, em termos de abordagens
empíricas, a generacidade é primairemente atestada através
de análise de texto, por meio de propriedades linguísticas que
retornam apenas secundariamente às determinações sociais,
embora às vezes mencionado, mas não analisadas como tal .

Gêneros, entre o texto e o discurso 369


Finalmente, após a análise de Genette (op. cit.) e da proposta
de Simonin-Grumbach (op. cit.) eu pus a existência de níveis de
infra-estrutura ordenada com respeito aos (gêneros de) textos, aos
níveis que são caracterizados por configurações específicas de
recursos linguísticos que chamamos de tipos de discurso. Se o
conceito de tipo não parece ser um problema, na medida em

VA
que as configurações relevantes são em número finito e pode
ser definido em compreensão e extensão, que fala de conflitos

R O com os usos dominantes, mas ainda vamos apoiá-lo pois o mais

R
coerente com o significado original do termo foucaltiano são os

P UTO
usos dominantes. Em ambos os casos, o discurs refere-se a uma
aplicação específica dos recursos de linguagem, como resultado
de determinações externas; o que o diferencia dos dois sentidos

A
é em primeiro lugar a produção verbal (texto como um todo
vs segmento de texto), mas, por outro lado, e especialmente o

D O da natureza das determinações envolvidas. No uso comum, as


esferas de atividade (registro praxeológica), enquanto em outras
concepções, esta é a forma de organizar o conhecimento (registro
epistemológico) e a proposta foucaultiana sobre aArqueologia
basicamente, porta funtamental deste segundo registo, certamente
para uma determinada esfera de atividade.

IV – Tendo em vista que aqui no Brasil, a questão entre Gêneros Textuais


e Gêneros Discursivos é de grande discussão para a área, e que
muitas vezes aparecem como uma questão de nomenclatura, mas
que de fato existe distinção entre os dois termos, qual a relação
e qual o distanciamento que existe, na sua opinião, entre Gênero
Textual e Gênero Discursivo (texto e discurso)?

Para prefaciar a minha resposta, gostaria de salientar que há


uma diferença fundamental de status entre as posições teóricas,
que seguem as únicas condições lógicas de incorporação de
conhecimento e decisões de ordem pedagógica ou didática, o
que certamente envolve a solicitação disponível do conhecimento

370 EDITORA MERCADO DE LETRAS


científico, mas também deve levar em conta muitos outros
parâmetros, como os relacionados a situação político e econômica
do estado e dos vários componentes dos sistemas educativos, etc.
É necessário, portanto, evitar qualquer forma de aplicar a teoria
(incluindo aquela a qual aderimos) às questões educacionais, e
nesta luz que eu não sou capaz de dar uma resposta concreta à

VA
pergunta acima, por falta de conhecimento suficiente da situação
de ensino em questão. Mas eu posso, no entanto, discutir os

R O
princípios sobre os quais gostaria de abordar esse tipo de questão.

R
Contribuímos, com vários colegas francófonos, no movimento

P UTO
de reforma que visa à diversificação dos gêneros textuais para
ensinar (Bronckart 1991) e afirmamos que qualquer programa
de ensino de língua deve ser iniciado com objetos de ensino

A
de gêneros úteis para o desenvolvimento escolar e social dos
alunos, em uma progressão que introduziria, por exemplo, nas

D O escolas primárias dos tipos de interação diária (debate oral,


letras de unidade etc.) e os tipos de ficção infantil (contação de
histórias, histórias em quadrinhos, história curta etc.) no ensino
médio gêneros propedêuticos (relatório, comentário, trabalhos
de pesquisa) e gêneros utilizados na literatura e na ciência, e no
ensino superior, além de tipos filosóficos, um aprofundamento
dos conjuntos anteriores. Mas a escolha de gêneros para ensinar
deve ser feita sobre a questão da representatividade de um tipo
específico no que diz respeito à configuração de gêneros vizinhos
em uso na comunidade em questão, bem como o critério do
grau de utilidade do domínio de um gênero neste contexto; e
aplicação destes dois critérios é o registro socioeducativo, em vez
de registro científico.
Além disso, na medida em que os contextos de atividade
e gêneros estão em constante interação, gostaríamos de
acrescentar que é relevante e adequado adotar uma “entrada
de gêneros”, ou seja, a dar como primeiro objeto os gêneros e
suas propriedades, e, secundariamente, examinar os termos de
sua relação com o contexto de atividades, para legitimar uma

Gêneros, entre o texto e o discurso 371


“atividade de entrada”, concentrando-se nas primeiras reflexões
sobre as propriedades e questões das situações de comunicação
e considerar secundariamente a introdução dos gêneros textuais
em situações
Finalmente, vamos argumentar que a questão da escolha de
gêneros para ensinar deve ser integrada a uma reflexão mais

VA
ampla sobre as condições programáticas e metodológicas que
podem levar os indivíduos a um domínio textual real. Trata-se de

R O construir o domínio de conhecimentos gerais e generalizáveis,

R
ou seja, o conhecimento sobre as regularidades da estrutura de

P UTO
qualquer texto, além das variantes genéricas, e duas condições
são necessárias para alcançar este objetivo. Em primeiro lugar,
na medida em que os quatro tipos de discurso (como nós já

A
definimos: discurso interativo, discurso teórico, história, narrativa)
são componentes linguísticos estruturados que podem entrar na

D O composição de qualquer texto, os programas didáticos devem


ser concebidos de tal forma que incluam atividades que visem o
domínio de cada tipo de discurso. Na medida em que a gestão e
as operações de marcação e textualização de cunho enunciativo
(conexão, coesão nominal, a distribuição de votos e modalização)
são sustentadas por regras que também transcendem algumas
das variações genéricas, que são necessárias para garantir
que o programa didático de texto inclua essas atividades que
proporcionam aos alunos um domínio real desses mecanismos
gerais.

V. Qual a relação existente entre os estudos dos gêneros e a


psicolinguística?
Para começar, atualmente há pouca relação entre os estudos do
gênero e psicolinguística, por razões que são, principalmente,
devido as mudanças atuais das últimas décadas na psicolinguística.
Embora exista um movimento de psicolinguística desenvolvimental
que participei em 1970, que teve como objetivo identificar e
conceituar estratégias utilizadas pelas crianças para desenvolver

372 EDITORA MERCADO DE LETRAS


suas capacidades e compreensões de linguagem. Mas esse
movimento rapidamente secou nas décadas que se seguiram,
pois os autores chamados psicolinguistas geralmente têm
aderido as posições chomskynianas, implementado as pesquisas,
especialmente sobre questões de processamento de linguagem
por parte dos adultos, e desenvolvem um conceito de disciplina

VA
como um estudo experimental dos processos cognitivos que o
humano adquire e implementa o sistema numa linguagem natural.

R O
Este projeto é baseado na teoria de um primeiro desenvolvimento

R
de processos cognitivos que, uma vez no lugar, faria o apoio e

P UTO
as condições para o surgimento de competências linguísticas
adequadas; e essa visão é claramente em desacordo com a adotada
pelo ISD e os autores de referência (de Saussure para Coseriu

A
e Voloshinov), que afirmam que a aquisição de competências
linguísticas, e, mais amplamente semióticas, estão ao contrário da

D O mesma condição do desenvolvimento de habilidades cognitivas


propriamente humanas.
Além disso, por causa de sua adesão a ciência cognitiva e ao tipo
de pragmatismo que é compatível (Sperber e Wilson 1989), os
psicolinguistas contemporâneos se concentram em questões de
sintaxe ou semântica referencial, que são abordadas no quadro
abrangente de frases ou declarações e, ao fazê-lo não coloca
qualquer importância ao tamanho dos textos, muito menos em
relação aos gêneros.
Pelas razões mencionadas acima, os autores agora tratam de
questões de aquisição e operação de linguagem conduzida a partir
da perspectiva de ambos sociointeracionistas (isto é, em uma
estrutura teórica coerente com a posição do fundador Vygotsky
1934[1997]) e sensível à textualidade, preferem, em outro caso,
descrever a sua abordagem à psicologia da linguagem, ao invés
de psicolinguística.

Gêneros, entre o texto e o discurso 373


Entrevista6 com Charles Bazerman

I. Como sua vida acadêmica se desenvolveu na Universidade?


Como foi sua trajetória, como começou a pesquisar dentro da
área do gênero e o que lhe chamou a atenção que fez com que

A
o motivasse a seguir nessa área?

V
R O No início dos anos 1970, quando comecei a ensinar os

R
estudantes universitários a escrever, percebi que a razão dessa

P UTO
escrita neste nível – universitário – era para ajudar os alunos a
terem sucesso nos seus trabalhos acadêmicos. Portanto, precisava
saber o que os estudantes estavam sendo solicitados a escrever

A
nos seus cursos. Dessa forma, tive conhecimento que a maioria
dos trabalhos escritos envolvia resumir, sintetizar, avaliar

D O ou comentar. Esta observação levou-me a desenvolver uma


pedagogia que focava em escrever sobre a leitura – o que hoje
chamamos de intertextualidade. Os meus livros The Informed
Writer e Involved apresentam a pedagogia que desenvolvi, que
parte do princípio de que os alunos não só devem ser sensíveis às
leituras e aos gêneros que estão estudando, mas que eles também
precisam desenvolver suas próprias sínteses de conhecimentos,
perspectivas críticas e declarações individuais. Em suma, eles
aprendem que os discursos disciplinares são um meio para que
eles desenvolvam seus próprios pensamentos e significados, para
depois compartilhá-los com os outros de maneira convincente.
No decorrer do desenvolvimento desta pedagogia, comecei a
observar que a escrita era diferente de disciplina para disciplina,
e que havia alguma relação entre as formas de escrita que os
alunos foram solicitados a fazer com as formas de escrita dos
estudiosos das suas áreas de estudos, mesmo que as tarefas dos
alunos não fossem exatamente iguais as que envolviam as formas

6. Tradução de Sweder Souza.

374 EDITORA MERCADO DE LETRAS


profissionais. Isso me levou a estudar a escrita utilizada dentro
das disciplinas e em todo o currículo. Depois de alguns estudos
preliminares, incluindo What Written Knowledge Does, o gênero
tornou-se um conceito central para me ajudar a compreender
as diferentes formas de escrita, e a partir daí eu comecei a me
interessar nos sistemas de atividades mediadas por gêneros.

VA
Em meu livro Shaping Written Knowledge comecei a reunir as
minhas descobertas sobre gênero, e em meu livro posterior The

R O Languages of Edison’s Light elaborei a extensão do sistema de

R
atividade da teoria de gênero. Meus dois volumes mais recentes

P UTO
sobre Literate Action apresentam uma teoria mais completa e
direta. Também tenho escrito vários ensaios na busca por uma
pedagogia e por uma história acadêmica, que pode ser acessado

A
no meu site pessoal, onde a maioria dos meus artigos e muitos
dos meus livros estão disponíveis: http://education.ucsb.edu/

D O
II.
bazerman.

Há algumas décadas, os estudos sobre gêneros textuais no


Brasil vêm se consolidando de modo a se tornarem inerentes ao
processo de ensino de línguas. Tal fato pode ser percebido desde
a segunda metade do século XX, quando as pesquisas se voltaram
para a construção de uma abordagem teórica propícia à aplicação
em ambientes de ensino-aprendizagem, até o final da década de
1990, quando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de
Língua Portuguesa incluíam enquanto orientação pedagógica a
perspectiva dos gêneros textuais no ensino de língua materna. O
senhor que se dedica principalmente ao gênero enquanto uma
categoria psicossocial que emerge historicamente e que deve
ser observado o contexto sócio-histórico e o sujeito cognitivo,
pois é a partir deles que sentidos são identificados, moldados,
localizados e recebidos, afirmando ainda que “é necessário situar
o próprio ensino de escrita como ação social motivada de modo
que o aluno deseje moldar o sentido e se empenhe para criá-lo”.
Nesse caso, pensando na formação de um estudante produtor de

Gêneros, entre o texto e o discurso 375


textos autônomo e crítico, e considerando as posturas teóricas
do senhor, que gêneros deveriam ser ensinados e aprendidos nos
níveis fundamental, médio e superior?

Gênero, é claro, é importante para o sucesso e aceitação, porque


os leitores precisam ser capazes de reconhecer o gênero da

VA
mensagem para dar sentido a ela e avaliar os textos para saber
se estão atendendo às expectativas do gênero atribuído. Mas

R O ainda, o mais importante, escrever é transmitir uma mensagem

R
substantiva. Gênero é o “pacote reconhecível” para a mensagem

P UTO
chegar. Para os alunos produzirem uma escrita eficaz no gênero,
eles devem ser capazes de produzir mensagens significativas que
refletem as suas intenções expressivas, interesses e participação

A
na atividade social. Para que isso ocorra, os alunos têm que
desenvolver métodos para o pensamento crítico, utilizando

D O ferramentas intelectuais e evidentemente desenvolver a escrita


no âmbito das disciplinas de educação, bem como identificar
os significados dos impulsos que o impulsionam ao desejo de
fazer declarações escritas. A maior qualidade do escritor está na
disciplina de suas ferramentas intelectuais, o fundamento mais
poderoso em suas declarações está ligado a quanto mais eles
forem capazes de fazer valer os seus interesses e realizar seus
papéis como indivíduos, cidadãos e membros da sociedade.
Um aspecto adicional no desenvolvimento dos estudantes é a
propriedade dos significados que eles produzem, ou seja, o poder
de expressão fornece a motivação para trabalhar a escrita. Escrever
é um trabalho árduo e exige dedicação para desenvolver e
melhorar o texto emergente. Além disso, a habilidade na
escrita leva muitos anos para se desenvolver o que requer uma
repetida prática motivada em diversas situações e em diferentes
instancias. Nós não esperaríamos que um músico ou um atleta se
desenvolvessem sem uma prática motivada e sem uma engajada
performance, a que se dedicam ao longo de muitos anos, e não
devemos esperar que o escritor se desenvolva de repente, mesmo

376 EDITORA MERCADO DE LETRAS


que ele tenha uma disposição positiva e algum talento. Amor
ao jogo ou amor pela música pode motivar o atleta ou músico,
mas a motivação do escritor ganha do amor de expressão e do
poder da escrita. Assim, desde os primeiros anos de educação
de uma criança deve se desenvolver uma tomada de significado
pessoal, que se dá através da escrita em situações cada vez mais

VA
desafiadoras, utilizando ferramentas cada vez mais sofisticadas de
gêneros. Assim, a criança precisaria de identificar com a escrita

R O
para que haja essa tomada de significado pessoal.

R
Aprender que a escrita pode ser o veículo de comunicação e

P UTO
elaboração de significados pessoais importantes, é talvez, a coisa
mais importante para os estudantes de todos os níveis; devemos
então desenvolver a capacidade de fazer declarações cada vez

A
mais sofisticadas e eficazes em situações e sistemas de atividades
diferentes.

D O
III. Tendo em vista que aqui no Brasil, a questão entre Gêneros
Textuais e Gêneros Discursivos é de grande discussão para a
área, e que muitas vezes aparecem como uma questão de
nomenclatura, mas que de fato existe distinção entre os dois
termos, qual a relação e qual o distanciamento que existe, em
sua opinião, entre Gênero Textual e Gênero Discursivo (texto e
discurso)?

O termo discurso é usado de várias maneiras em diferentes


países e em diferentes comunidades linguísticas e literárias. Estou
ciente de que, no Brasil, existem discussões sobre a diferença
entre gêneros textuais e gêneros discursivos, não tenho a certeza
das distinções e pontos de discórdia exatos para comentar com
precisão a discussão brasileira. Para tanto, irei apenas tecer alguns
comentários gerais. Em primeiro lugar, seguindo Voloshinov, eu
vejo todos os gêneros como enunciados e não apenas trechos de
linguagem ou trechos de discurso, o que pode ser identificado

Gêneros, entre o texto e o discurso 377


como tendo registros (no sentido Hallidayano), mas não são
necessariamente reconhecíveis, como declarações completas.
Gênero é o mecanismo pelo qual reconhecemos que tipo
de declaração foi feita e que conta como uma declaração
completa. Uma declaração (ou instância de gênero) tem
um começo e um fim reconhecível. Assim, uma vez que

VA
reconhecemos um discurso falado, como por exemplo, uma
piada, entende-la não basta, temos que chegar ao punch-line (a

R O frase final ou sentença final de uma piada ou história, ou seja, até

R
que demos risada), e se tentar parar o contador de piadas antes do

P UTO
fim, estamos interrompendo o enunciado. Da mesma forma que
reconhecemos quando lemos uma história completa ou matéria
de jornal, mesmo que estes possam ser recolhidos em livros de

A
histórias, enciclopédias ou jornais. Reconhecemos, também, se
houve algum rompimento no meio da leitura, assim, não estamos

D O lendo a declaração completa. Além disso, na escrita e na fala, se


queremos respostas a outras expressões, que normalmente têm
a obrigação de ouvir o pronunciamento prévio completo; caso
contrário, pode ser acusado de não entender ou respeitar o que
estamos respondendo.
Dito isto, há potencialmente muitas diferenças entre os gêneros
da fala e da escrita, tendo a ver com os diferentes affordances
da linguagem falada e escrita. Geralmente (mas não sempre) o
escrito permite instruções mais longas, e, portanto, o conteúdo
e a estrutura interna de gêneros escritos podem ser muito mais
extensos. A única fala na escrita pode se estender por centenas
ou mesmo milhares de páginas. Além disso, os escritores podem
se desenvolver, trabalhar, refletir e rever as suas declarações por
longos períodos e, portanto, suas declarações podem ser muito
mais trabalhadas e cuidadosas do que expressões faladas que
são frequentemente pronunciadas assim que elas são concebidas
(embora nem sempre, e roteirizado palestra tem muitas das
características da escrita). Outras expressões faladas tendem a
viajar apenas na medida em que pode ser ouvido e desaparecer

378 EDITORA MERCADO DE LETRAS


imediatamente, exceto nas memórias incertas; é claro, tecnologias
telefônicas e gravação fizeram alguns gêneros falado mais como
gêneros escritos. Os textos escritos também podem tirar proveito de
design da página e acompanhamentos gráficos, enquanto gêneros
orais podem tirar vantagem de gestos, entonação e presença
física. Tecnologias multimídia estão criando mais híbridismos entre

VA
gêneros orais e escritos. Devido a essas e outras diferenças entre a
fala e a escrita, textos escritos assumiram diferentes papéis dentro

R O
das organizações estendidas, particularmente no que diz respeito

R
à criação, gravação e partilha de conhecimentos, a disseminação

P UTO
e padronização de regulamentação, e a organização de atividades
complexas. Dentro dos sistemas de atividade complexa,
diferentes tipos de comunicação tornam-se distribuídos através

A
de diferentes gêneros orais e escritos. Gêneros falados podem
lidar com as comunicações informais, comunicações que exigem

D O sensibilidade interpessoal, comunicação que os participantes não


querem deixar um registro, ou, por outro lado, os rituais sociais
mais formais que unem as pessoas em eventos compartilhados.

IV. Qual a diferença da noção de texto para noção de gênero? E


como você define o conceito de ambos?

Como mencionado acima, o texto não se refere necessariamente


a uma expressão limitada. Além disso, o termo texto coloca o
foco no idioma gravado em vez das atribuições de significado
e os processos de tomada de sentido das informações contidas
na comunicação. Do ponto de vista do gênero que eu sigo, o
texto só medeia a comunicação; a comunicação sempre inclui os
interlocutores e o sentido que faz da comunicação. O significado
é algo que existe na mente das pessoas, e é negociado no
intercâmbio. As palavras ou o texto são apenas pistas para ajudar
a construção do escritor e do leitor a reconstruir o sentido.

Gêneros, entre o texto e o discurso 379


V. Ao reconhecer o gênero também como um fenômeno
psicossocial, pode-se dizer que existe uma relação entre o
estudo do gênero e a psicolinguística? Ou essa relação tem que
ser vista separadamente?

Superficialmente, o que quero dizer por gênero sendo uma

VA
categoria de reconhecimento psicossocial e, portanto, um
fenômeno psicossocial, é que o gênero deve ser atribuído

R O individualmente e psicologicamente pelo escritor e pelo leitor,

R
a fim de transmitir um significado, mas para as pessoas fazerem

P UTO
atribuições similares, os tipos sociais de gêneros devem circular
socialmente e serem socialmente tipificados. Na medida em que
o pensamento é desenvolvido e expresso em nossos enunciados,

A
os gêneros podem dar forma ao pensamento emergente e se
tornar o veículo para a distribuição social do pensamento e

D O do conhecimento. Assim, como as pessoas contribuem para


discussões através do veículo gênero, eles expressam suas
ideias, afirmam identidades e realizam ações sociais -, bem
como contribuem para o conhecimento comum, o pensamento
e as ações de um grupo. Particularmente quando alguém se
torna familiarizado e hábil com o gênero e outras ferramentas
expressivas avançadas, de comunidades profissionais, desenvolve
ferramentas cognitivas mais avançadas para o desenvolvimento
de seus próprios pensamentos e declarações. Os gêneros
podem restringir, mas também libertar através de plataformas de
expressão sofisticada.
A caracterização do gênero como um processo psicológico e
social pode ter profundas implicações cognitivas e afetivas,
se visto de uma perspectiva de vygotskyana, que dizia que a
internalização de formas sociais, particularmente as formas
sociais da linguagem, leva à reorganização da percepção, do
afeto, e pensamento, devido às formas sociais da linguagem que
vem para mediar e dar sentido à nossa relação com o mundo
material e com o mundo social. Além disso, nós podemos ligar

380 EDITORA MERCADO DE LETRAS


este processo de internalização com os achados da neurociência
de que o cérebro é flexível e sensível à nossa percepção das
situações, a fim de agir, e que o cérebro se desenvolve em
relação à experiência repetida. Então, podemos ver socialmente
distribuídas as categorias de interpretação de como os gêneros
podem influenciar a formação do cérebro ao longo da vida e

VA
como o cérebro constrói sistemas funcionais necessários para
o mundo na vida do indivíduo, através de processos como a

R O
poda neural, a mielinização e o desenvolvimento do córtex pré-

R
frontal. Esses aspectos de desenvolvimento do cérebro podem

P UTO
ser influenciados pelos sistemas de atividades sociais em que
se façam e a regularidade de leitura e escrita de gêneros. Desta
forma, um advogado começou a pensar e a se sentir de maneira

A
diferente do que um médico e tanto diferente do que um poeta,
especificamente, porque eles gastam muito tempo e energia com

D O leitura e escrita, nos gêneros de suas áreas, proporcionando formas


de perceber o mundo e de comunicar essas percepções com os
outros. É interessante notar que o conceito de sistemas funcionais
de Vygotsky (incorporando ferramentas sociais internalizadas)
foi elaborado em nível social pelo seu colega A. N. Leontiev e
no nível neurocogntivo por A. R. Luria, um dos fundadores da
neurociência moderna.

Gêneros, entre o texto e o discurso 381


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VOLOCHÍNOV, V. N. (2013). “Do Círculo de Bakhtin”, in: A
construção da enunciação e outros ensaios. Org., trad. e notas João

D O Wanderley Geraldi. São Carlos: Pedro e João.


VOLOCHÍNOV, V. N. /BAKHTIN, M. (s/d.) Discurso na vida e discurso
na arte. (Mimeo)
WARTH, D. (1999). Universitat de Johannes Guternberg Mainz. Disponível
em: http://www.fask.uni-mainz.de/inst/iaspk/Linguistik/
Textlinguistik/Textualitaet.html. Acesso em: 18/05/2014.

404 EDITORA MERCADO DE LETRAS


VA
R O SOBRE OS AUTORES

R
P UTO
Adail Sobral – Professor Adjunto do PPG Linguística Aplicada da UCPEL-

A
RS e da graduação em Letras na mesma instituição. É doutor em Linguística
Aplicada pela PUC-SP (2006), mestre em Letras pela USP (1999), especialista

O
em Linguística pela Unicamp (1983) e graduado em Letras Inglês pela
UFBA (1977). É tradutor de textos em inglês, francês, italiano, português e

D
tem experiência na área de Linguística Aplicada, atuando principalmente
nos seguintes temas: Gênero, Discurso, Dialogismo, Círculo de Bakhtin,
Semiótica Geral e Greimasiana, Tradução e Interpretação. É autor da obra
Do dialogismo ao gênero (Mercado de Letras) e organizou Conversas com
tradutores (Parábola) além de consultor ad hoc da CAPES e parecerista ad
hoc de seleção e avaliação de periódicos da coleção Scielo Brasil. Membro
do GT Estudos Bakhtinianos da ANPOLL Membro do Conselho Consultivo
do Centro de Educação e Comunicação – UCPEL Secretário do Comitê
de Ética em Pesquisa – CEP/UCPel. Também é membro pesquisador do
Grupo de Estudos Semióticos da USP (GES-USP) Membro pesquisador do
Grupo Tessitura: Vozes em (Dis)curso, da PUC-RS. Líder do Grupo LEAL –
Laboratório de Estudos Avançados de Linguagens (UCPEL-RS)

Adair Bonini – Professor Adjunto da UFSC, Doutorado em Linguística pela


UFSC (1995); Mestrado em Linguística pela UFSC (1999); Graduação em
Letras pela Universidade Estadual de Maringá – UEM (1992). Publicou
inúmeros livros, dentre os quais se destacam “Genre in a changing world”,
em parceria com Charles Bazerman e Débora Figueiredo, e “Gêneros:
teorias, métodos, debates”, em parceria com José Luiz Meurer e Désirée
Motta-Roth. Publicou também números especiais em conceituados

Gêneros, entre o texto e o discurso 405


periódicos, dentre eles, “Gênero textual/discursivo e mídia” na revista
Signos da PUC-Valparaíso, Chile, organizado juntamente com Marcos
Baltar. Realiza pesquisas no campo da Linguística Aplicada, ocupando-
se principalmente dos seguintes temas: gênero textual, discurso, texto e
ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa.

Alena Ciulla – Professora Visitante do Departamento de Linguística da

VA
UFRGS; Doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Ceará
– UFSC (2008); Mestrado em Linguística pela UFC (2002) e graduação

O
em Letras Francês pela UFRGS (1990). É pós-doutoranda DOCFIX-CAPES/

R R
FAPERGS, no PPG do Instituto de Letras da UFRGS sob supervisão de Maria

P UTO
José Bocorny Finatto. Dentro desse projeto, é priorizado o tratamento
computacional e linguístico de dois corpora: um na área de Medicina e
o outro em Linguística, que é o Curso de Linguística Geral, sobre o qual
também são investigadas questões teóricas e de tradução, sob um ponto de

A
vista enunciativo.

O
Ana Valéria Bisetto Bork – É professora titular da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná; Doutoranda em Estudos da Linguagem

D
pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e faz parte do grupo de
pesquisa Linguagem e Educação da UEL, sob a coordenação da Profa. Dra.
Vera Lúcia Cristovão. Possui Mestrado em Letras pela Universidade Federal
do Paraná (2005); especialização em Língua Inglesa pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa (1993) e Licenciatura em Letras Português/Inglês
pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1988). Participa como co-
pesquisadora no projeto ILEES (Iniciativas de Ensino de Leitura e Escrita
no Ensino Superior na América Latina), coordenado pelo Prof. Dr. Charles
Bazerman, EUA, da Universidade de Califórnia, em Santa Barbara.

Audria Leal – Professora do Centro de Linguística da Universidade Nova


de Lisboa; Doutoramento em Linguística – Teoria do Texto. Universidade
Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal, 2011; Mestrado em Letras. Universidade
Federal de Pernambuco, UFPE, Recife, Brasil. 2002; Graduação:
Licenciatura em Letras. Universidade Federal da Paraíba, UFPB, Campina
Grande, Brasil. 2000. Principais áreas de investigação: Teoria do texto,
análise do discurso, semântica, linguística aplicada, semiótica social.

Beth Brait – Crítica, ensaísta, professora associada da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo e professora associada aposentada
da Universidade de São Paulo. Fez Graduação em Letras, doutorado em

406 EDITORA MERCADO DE LETRAS


Linguística, Livre-Docência em Linguística na USP; pós-doutorado na École
des Hautes Études en Sciences Sociales – Paris/França. É pesquisadora
nível 1 do CNPq; Assessora da CAPES, do CNPq e da FAPESP; líder do
GP/CNPq/PUC-SP Linguagem, Identidade e Memória; criadora e editora
do periódico Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso (QUALIS A1/
SCIELO/Apoio CNPq). Dentre as atividades acadêmico-administrativas

A
relevantes destacam-se: Chefe de Departamento de Linguística/DL/FFLCH/

V
USP (1994-1997); Coordenadora do PEPG em LAEL-PUC-SP (2001-2009);
Presidente da ANPOLL (2004-2006); Membro do Comitê Assessor do

R O
CNPq/Área de Letras e Linguística (2010-2013); Coordenadora do GT/

R
ANPOLL Estudos Bakhtinianos (2010-2014); representante da FAFICLA/

P UTO
PUC-SP no CEPE (2009-2011; 2013-2014). Foi crítica militante de literatura
no Jornal da Tarde e outros periódicos paulistas durante as décadas de 70
e 80. Atua nas áreas de Teoria e análise do texto e do discurso, Estudos
Bakhtinianos, Análise dialógica do discurso, leitura e análise da verbo-

O A
visualidade e estudos literários.

Charles Bazerman – Atualmente é Professor do Departament of Education

D
da University of California, Santa Barbara, EUA. É, atualmente um
dos maiores especialistas do mundo sobre a escrita e tem contribuído
significativamente para o estabelecimento da escrita como um campo
de pesquisa. Mais conhecido por seu trabalho em estudos de gênero e
da retórica da ciência é o autor de mais de 18 livros e mais de 20 coleções
editadas incluindo: Traditions of Writing Research, Genre in a Changing
World, Textual Dynamics of the Profession, Writing Selves/Writing
Societies, What Writing Does and How it Does It, and the Handbook of
Research on Writing.

Dulce Cassol Tagliani – Atualmente é professora da Universidade Federal


do Rio Grande – FURG (RS), atuando no curso de graduação em Letras,
do qual foi coordenadora entre 2011 e 2012, e no curso de Especialização
em Linguística e Ensino de Língua Portuguesa. Doutorado em Letras
– Linguística Aplicada pela Universidade Católica de Pelotas (2009);
Mestrado em Letras – Linguística Aplicada pela UCPEL (2001); Graduação
em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande-FURG (RS). Áreas de
investigação: ensino de língua portuguesa – práticas de leitura, produção
de textos e análise linguística, livro didático, avaliação, gêneros discursivos,
teoria da atividade.

Gêneros, entre o texto e o discurso 407


Eliana Dias – É professora do Instituto de Letras e Linguística da Universidade
Federal de Uberlândia com Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa
pela UNESP (2004); Mestrado em Estudos Linguísticos pela UFMG (1992);
Graduação em Letras pela UFU (1985). Participa dos grupos de pesquisa:
GEPL (Grupo de Pesquisa de Práticas da Linguagem), PETEDI (Grupo de
Pesquisa e Estudo do texto e do Discurso) ELPBP (Grupo de pesquisa sobre

A
o Ensino de Língua Portuguesa no Brasil e em Portugal).

O V
Eloara Tomazoni – É Graduada em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas
na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestre em Linguística

R
R
pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal

P UTO
de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, é doutoranda pelo mesmo programa
e membro do Núcleo de Estudos em Linguística Aplicada – NELA,
vinculado à mesma instituição. Tem experiência na área de Letras, com
ênfase em Língua Portuguesa, tendo trabalhado como professora de Língua

A
Portuguesa e Literaturas no Ensino Fundamental.

O
Francieli Matzenbacher Pinton – Professora Adjunto A no Departamento
de Letras Vernáculas do Centro de Artes e Letras e do Programa de Pós-

D
graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM);
Doutorado em Letras pela UFSM (2012); Mestrado em Letras pela UFSM
(2003); Graduação em Letras pela Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões – URI (1999); Membro do Grupo de pesquisa
Linguagem como prática social. Membro da Associação Latino-Americana
de Linguística Sistêmico-Funcional (ALSFAL); Membro da Comissão
Permanente de Vestibular – COPERVES. Tem experiência em análise
crítica de gêneros, formação de professores de língua portuguesa, ensino
de leitura e escrita nas diferentes áreas disciplinares.

Hélio Márcio Pajeú – É professor do Departamento de Ciência da


Informação da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, na área de
Epistemologia e Pesquisa em Ciência da Informação. Doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de
São Carlos-UFSCAR (2014); Mestre em Linguística pela UFSCAR (2011);
Graduação em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela UFSCAR
(2008). É membro do Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso (GEGe)
e Laboratório de Análise do Discurso da Imagem (LANADISI). Desenvolve
pesquisas na área de Teoria e Análise Linguística e da Informação, com

408 EDITORA MERCADO DE LETRAS


ênfase nos Estudos Bakhtinianos, Epistemologia da Ciência da Informação
e Estudos Culturais.

Jean-Paul Bronckart – Nascido em 1946, John Paul Bronckart completou a


sua formação inicial em psicologia experimental e psicologia da linguagem,
sob a direção de Marc Richelle na Universidade de Liege. Após isso,
continuou sua carreira acadêmica na Faculdade de Psicologia e de Ciências

VA
da Educação da Universidade de Genebra. Foi de 1969 a 1975, assistente
de Jean Piaget, no Centro Internacional de Epistemologia Genética e

O
colaborador Hermine Sinclair, do Departamento de psicolinguística. Em

R R
1974 defendeu uma tese intitulada “Os modos de expressão do aspecto em

P UTO
linguagem infantil”. Nomeado professor de ensino de línguas, em 1976, ele
desenvolveu vários programas de investigação, incluindo a epistemologia
das humanidades / sociais, análise do discurso, processos de aquisição de
linguagem e ensino de línguas.

O A
Karina Giacomelli – Possui graduação em Letras pela Universidade
Estadual de Maringá (1990), mestrado em Letras pela Universidade Federal
de Santa Maria (2002) e doutorado em Letras pela Universidade Federal de

D
Santa Maria (2007). Atualmente é professora da Universidade Federal de
Pelotas e atua nas áreas do discurso e enunciação.

Karina Rosse Lopes – Atualmente é instrutora – InFlux English School;


Graduanda em Letras Português-Inglês pela UTFPR e Graduada em
Tecnologia em Comunicação Institucional pela UTFPR (2010).

Kátia Cristina S. Ferreira – É professora Especialista e Pós-graduanda do


Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal de Uberlândia.

Kátia Bruginski Mulik – Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade


Federal do Paraná-UFPR (2014); Especialista em Ensino de Línguas
Estrangeiras Modernas pela UTFPR (2010) e Graduada em Letras Inglês
pela PUC-PR (2008). Atua como professora de língua inglesa na educação
básica. Áreas de interesse: crenças no ensino, formação de professores,
letramento crítico, literatura, avaliação, ensino-aprendizado de língua
estrangeira, textos multimodais e comunicação.

Lucelene Lopes – Pós-Doutoranda da PUC-RS pelo PROGRAMA DOC-FIX,


FAPERGS / CAPES desde 2012; Doutora em Ciências da Computação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2012); Possui

Gêneros, entre o texto e o discurso 409


Mestrado em Tecnologia em Saúde pela Pontifícia Universidade Católica
do Paraná – PUCPR (2007), Especialista em Educação Matemática (2000),
Graduada em Ciências com Habilitação Plena em Matemática (2000), com
experiência na área de Inteligência Computacional, atuando principalmente
nos seguintes temas: Algoritmos de Mineração de Dados, Aprendizagem de
Máquina, Processamento de Linguagem Natural (PLN) e Ontologias.

VA
Marcos Baltar – É Professor da Universidade Federal de Santa Catarina;
pós-doutor pela Universidade de Genebra-Suíça (2006); Doutor em Letras

O
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003); Mestre em

R R
Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (1995); Graduado

P UTO
em Letras Português-Francês pela Universidade Federal de Pelotas (1992).
Atua principalmente nas áreas de educação, linguística aplicada e mídia:
teorias do agir humano, teorias de gêneros textuais/discursivos, letramentos
e formação de professores. Coordena o Programa de Iniciação à Docência

A
– PIBID – da UFSC, na área de Língua Portuguesa e atualmente, investiga a
potencialidade de Rádios Escolares para o desenvolvimento da competência

O
discursiva de comunidades escolares, dando ênfase à formação inicial e

D
continuada de professores de Língua Portuguesa, aos estudos dos gêneros
textuais (orais e escritos) que circulam nas mais variadas esferas da atividade
humana, notadamente as esferas escolar, acadêmica e midiática.

Maria Jose Bocorny Finatto – Docente do Programa de Pós-Graduação


em Letras da UFRGS; Pós-doutorado junto o Núcleo Interinstitucional
de Linguística Computacional (NILC) do ICMC-USP (2011); Doutora
em Letras pela UFRGS (2001); Mestrado em Letras pela UFRGS (1993);
Fundadora do grupo de Pesquisa em Lingüística de Corpus para região
Sul (GELCORP-SUL, 2010). Bolsista Produtividade-Pesquisa (PQ) do CNPq
desde 2007. Áreas de Investigação: Lingüística Aplicada, com ênfase em
estudos sobre padrões do léxico em textos escritos, Linguística de Corpus,
Terminologia, Linguística das Linguagens Especializadas baseada em
Corpus, Processamento da Linguagem Natural, Lexicologia e Estatística
Lexical, Lexicografia, Estudos do Texto, Tradução e Enunciação Científica,
padrões do português popular escrito (Projeto PorPopular – www.ufrgs.br/
textecc) e Educação a Distância.

Mary Elisabeth Cerruti-Rizzatti – Professora da UFSC na área de Linguística


Aplicada; pós-doutorado em Filosofia da Linguagem na Università degli
Studi Aldo Moro, em Bari – Itália; Doutorado em Letras pela UFRGS
(2004); Mestrado em Letras pela PUC-RS (2001). Foi Vice-coordenadora

410 EDITORA MERCADO DE LETRAS


do Programa de Pós-graduação em Linguística da UFSC – 2009 a 2010
-; coordenou o Programa Pró-letramento Linguagem na Universidade
Federal de Santa Catarina – 2010 a 2012 –; foi Coordenadora do Programa
Institucional de Iniciação à Docência, na área de Língua Portuguesa, na
UFSC – 2010 a 2013; fundou e hoje coordena o Núcleo de Estudos em
Linguística Aplicada – NELA/UFSC, coordenando, no âmbito deste Núcleo,

A
o grupo de estudos ‘Cultura escrita e escolarização’. Tem interesse por

V
estudos sobre ensino e aprendizagem de língua materna, estudos acerca
de relações entre cultura escrita, subjetividade/alteridade e processos de

R O
escolarização, bem como acerca de relações entre práticas sociais de uso

R
da língua e inserção versus mobilidade social; interessa-se, ainda, por temas

P UTO
relacionados a formação de professores de Língua Portuguesa, alfabetismo
e usos sociais da escrita.

Miriam Sester Retorta – Atualmente é professora do Curso de Licenciatura

A
Letras Português-Inglês na Universidade Tecnológica Federal do Paraná
e Diretora de Relações Interinstitucionais da UTFPR. Possui doutorado

O
em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (2007);

D
Mestrado em Letras pela Universidade Federal do Paraná (1996) Bacharel
em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1989),
Licenciatura em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1994). Tem experiência na área ensino e avaliação em Línguas Estrangeiras
Modernas e inclusão digital e social.

Roxane Rojo – Atualmente, é professora associada livre docente (MS5-1)


do Departamento de Linguística Aplicada da Universidade Estadual de
Campinas e pesquisadora 1C do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico. Fez estágio de Pós-Doutorado em Didática de
Língua Materna na Faculté de Psychologie et Sciences de l’Education
(FAPSE), da Université de Genève (UNIGE), Suíça, sob a direção do Prof.
Dr. Jean-Paul Bronckart (1996). Tem Doutorado em Linguística Aplicada
ao Ensino de Línguas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1989); Mestrado em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1981) e graduação em
Letras Neolatinas Português-Francês/Língua e Literatura pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie (1974).

Sweder Souza – Discente do Curso de Letras – Português e Inglês na


Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), bolsista de Iniciação
Cientifica (PIBIC) do CNPq pela segunda vez consecutiva, pesquisador

Gêneros, entre o texto e o discurso 411


Voluntário, no Programa de Voluntariado de Iniciação Científica e Tecnológica
(PVICT) da UTFPR e já foi bolsista de IC pela Fundação Araucária (PR). É
Membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB) e do Grupo
de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo (GEL). Atualmente participa
dos Grupos de Pesquisa em: Estudos dos Sons da Fala; Estudos da Linguagem;
Ciências Humanas, Tecnologia e Sociedade; Discursos sobre Trabalho,

A
Tecnologia e Identidades e do grupo de Estudos de Ensino de Língua Inglesa

V
como Língua Adicional para Cegos. Participa também do Programa English for
Blinds (UTFPR) atuando como professor de Inglês para Cegos.

O R
Valdemir Miotello – Atualmente é professor Associado da Universidade

R
P UTO
Federal de São Carlos – UFSCAR; Doutorado em Linguística pela
Universidade Estadual de Campinas (2001); Mestrado em Linguística pela
Universidade Estadual de Campinas (1996); graduação em Filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS [Seminário

A
Maior de Viamão] (1974)  Tem experiência na área de Linguística, com
ênfase em Estudos Bakhtinianos e Teoria e Análise de Linguagem, atuando

O
principalmente nos seguintes temas: Estudos bakhtinianos; linguagem e

D
sociedade; filosofia da linguagem; linguagem e ideologia. É líder do Grupo
de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGe/UFSCar.

Vanessa Arlésia de Souza Ferretti Soares – Atualmente cursa Doutorado


em Linguística Aplicada, na Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC
sob orientação do professor Adair Bonini. É mestre em Linguística pela
UFSC (2013) e graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de
Janeiro/UERJ (2010). Tem experiência na área de Linguística Aplicada,
ocupando-se principalmente dos seguintes temas: gênero discursivo,
discurso midiático, ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa.

Vera Lúcia Lopes Cristovão – Professora associada da Universidade


Estadual de Londrina (UEL), membro do Programa de Pós-Graduação
em Estudos da Linguagem (PPGEL-UEL) e líder do grupo de pesquisa
Linguagem e Educação (desde 2002); Mestrado (1996) e Doutorado (2002)
em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pelo Programa de Pós-
Graduação da PUC-SP e graduação em Serviço Social pela Universidade
Estadual de Londrina (1988). Tem experiência na área de Linguística
Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: gêneros textuais,
educação inicial e continuada de professores de línguas, ensino de língua
estrangeira e estudos de produção textual. É bolsista de Produtividade em
Pesquisa do CNPq desde março de 2013.

412 EDITORA MERCADO DE LETRAS

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