Unidade 4 Do Livro Aconselhamento Cristão-123-156

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4

Teologia e
Práticas em
Aconselhamento
Cristão
Me. Eugênio Soria de Anunciação

Nesta unidade, vamos identificar a importância do autoconhecimento


para o aconselhamento cristão a partir de três conceitos muito claros
e definidos pela Teologia. Estes conceitos servirão de base para as oito
práticas em aconselhamento cristão, que são determinantes para a
atuação do conselheiro cristão e do capelão cristão na condução das
pessoas ao conhecimento de Deus e de si mesmas, em Jesus.
UNIDADE 4

Ele era um rapaz de 18 anos e frequen-


tava a nossa comunidade de fé a três
domingos. No primeiro domingo, ele se
sentou na última fileira do templo. No
terceiro domingo, já estava sentado nas
fileiras do meio. Eu percebi que ele se en-
turmou com facilidade com a nossa co-
munidade. Ao final do terceiro culto, ele
me procurou, perguntando se podería-
mos conversar durante a semana. Olhei
a minha agenda e combinamos de tomar
um café. Para mim, uma cafeteria é um
ambiente bom para um primeiro conta-
to. O burburinho do ambiente permite
que as pessoas se sintam mais acolhidas
e protegidas. No dia e hora marcados, nos
encontramos para tomar o café.
Na minha atividade pastoral, traba-
lhamos séries temáticas de pregação. A
pregação é uma estratégia de condução
para o aconselhamento pastoral. Nas
mensagens aos domingos, levantamos
questões para que as pessoas comecem
a se questionar sobre as suas vidas a
partir da Palavra de Deus. Naquele mês,
realizamos uma série de mensagens
com o tema: “Cada um tem a sua his-
tória” na qual a partir das histórias das
irmãs Marta e Maria, traçamos paralelos
com as nossas histórias. As experiências
de Marta e Maria chamaram a atenção
deste jovem. Ele queria entender melhor
como a vida dele poderia ser vivida de
uma maneira mais efetiva com Deus.

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UNIDADE 4

Figura 1 - Tela do episódio 3: “Quando o amor diz ‘Ainda não’“, da Série de Mensagens “Cada um tem
a sua história”, baseada no evangelho de João 11.1-16 / Fonte: O autor

Descrição da Imagem: Um tablet apoiado sobre uma mesa, com a tela ligada, simulando um aplicativo
de streaming digital. A mão esquerda de uma pessoa toca a tela com os dedos indicador e polegar, indi-
cando que realizará o movimento de pinça, para ampliar a tela no que seria uma escolha de programa
para assistir, cujo título é “Marta e Maria - quando o amor diz: ‘Ainda não’”.

Após pedirmos os cafés e aguardarmos, o jovem começou falando sobre como


aquelas mensagens e o acolhimento da igreja estavam sendo importantes para ele.
Inicialmente ele começou fazendo perguntas sobre a Bíblia, sobre Deus e sobre o
pecado. Sabe quando a pessoa tem muita curiosidade e não sabe por onde começar?
Era assim com o coração dele. Ele tinha iniciado a faculdade naquele ano e estava
pensando sobre o seu futuro. Neste momento, chegaram os cafés. Ele pediu um
cappuccino, eu um coado. Alguns goles depois, ele começou a abrir o seu coração:
— Pastor, essa série de mensagens tem mexido muito com o meu coração. Eu não
conhecia a história de Marta e Maria. Na pregação deste domingo, quando o pastor
falou de que Deus é tão presente em nossa história ao ponto de podermos simples-

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UNIDADE 4

mente dizer a ele que não sabemos o que fazer diante de algumas circunstâncias da
vida. Aquilo fez muito sentido para mim. Eu estou me sentindo exatamente assim.
Tenho um futuro pela frente, mas tenho muito medo e nem sei ao certo o porquê.
— Entendo perfeitamente — respondi para ele. — Quando o irmão de Marta
e Maria estava muito doente, elas puderam simplesmente mandar dizer a Jesus:
‘Aquele a quem amas está doente’. Muitas vezes não sabemos as causas das nossas
dores. O mais importante é saber que podemos dizer a Jesus que algumas coisas
não estão legais dentro da gente.
— Eu estou neste momento. Tem muita coisa bagunçada dentro do meu
coração. Eu não consigo sequer entender por onde começar, mas eu sei que
eu preciso de Jesus na minha vida!”
Aquele primeiro café foi o início de uma caminhada de transformação na
vida daquele jovem. Combinamos de nos encontrar no gabinete pastoral no dia
seguinte, para começarmos essa caminhada de aconselhamento cristão. No dia e
hora marcados, começamos essa caminhada de transformação. Iniciamos a con-
versa, pedindo que o Espírito Santo nos iluminasse e nos conduzisse à verdade,
ajudando a mim e a ele, para que entendêssemos o que não conseguiríamos de
outra forma. Após a oração, eu falei:
— Eu imagino que você esteja aqui à procura de respostas. Eu preciso come-
çar dizendo isso para você: ‘Eu não tenho as respostas que você procura’. O meu
papel aqui, em um primeiro momento, é ajudar você a fazer perguntas e em um
segundo momento, servir de ‘espelho’. Isso significa que eu vou repetir algumas
falas suas para que você se escute e juntos, na dependência do Espírito Santo, a
gente consiga compreender o que Deus quer, tudo bem?
Ele balançou positivamente com a cabeça, e iniciou:
— Mas eu não sei nem por onde começar…
Então respondi:
— Imagine que você está trazendo aqui para mim, uma caixa de quebra-ca-
beças, com 5.000 peças. Você vê a imagem pronta na caixa, mas quando despeja
o conteúdo na mesa, está tudo bagunçado. O nosso trabalho, aqui, será identificar
as peças-chave, para começar a montar esse quebra-cabeça. Com o tempo, va-
mos nos acostumando com a voz de Deus e tudo começará a se encaixar. Não se
preocupe em dizer as palavras certas. Fale o que vier ao seu coração.
Ele iniciou falando sobre alguns sentimentos do momento, como o medo do
futuro, de que ele não daria conta da sua vida, de que nunca seria capaz de fazer

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UNIDADE 4

nada bom. Todo sentimento do presente, sempre é um eco do passado. Após ele
me falar sobre esses sentimentos, daquele momento, eu pedi que ele me falasse
um pouco sobre a sua relação com a sua mãe e com o seu pai. Ele poderia esco-
lher sobre quem falaria em primeiro lugar. As nossas primeiras relações humanas
determinam o tipo e a qualidade de relacionamentos que teremos no futuro, com
relação a Deus, com a gente mesmo e com os outros.
Quando ele começou a contar sobre as suas experiências de abandono, agressões
e violências emocionais e físicas que sofrera ainda na infância, entendi que aí estava
uma peça-chave importante para começarmos a montar o quebra-cabeça. Neste mo-
mento, expliquei para ele o plano de Deus ao colocar um bebê que sequer consegue
cuidar de si mesmo, em uma relação com um pai e uma mãe (às vezes biológicos, às
vezes adotivos), para fazer com que este bebê se desenvolva plenamente em todas as
dimensões da vida. Também expliquei que, por causa dos efeitos noéticos do pecado,
nem sempre nossos pais conseguem cumprir os seus papéis de maneira adequada e
que esses buracos vão se estabelecendo em nosso coração, reverberando durante toda
a nossa vida enquanto não tratarmos eles de maneira adequada.
O jovem ouviu atentamente as minhas explicações, e disse:
— Faz muito sentido isso, pastor! Eu nunca havia percebido isso, que as mi-
nhas histórias do passado me influenciavam ainda hoje. Eu achava que se eu
simplesmente não pensasse nelas, elas deixariam de existir.
Então eu finalizei aquele primeiro encontro:
— Por hoje, isso é o suficiente. Agora, eu preciso que você vá para a sua casa e
converse com Deus sobre tudo isso, durante a sua semana. Vamos nos encontrar na
próxima semana. Fique atento aos seus sentimentos. Pode ser que você fique muito sen-
sível, por estar revisitando essas experiências nesta semana. Mas lembre-se de que Deus
estará com você e que você pode dizer a todo momento a ele, o quanto está doendo.

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UNIDADE 4

O autoconhecimento é uma qualidade muito apreciada na liderança e na


gestão de pessoas. Pesquisas como as de Begley (2006); Goleman e Boyatzis
(2008); Santos et al. (2014) e Stach (2019) sugerem que quando nos vemos
com clareza, somos mais confiantes e mais criativos. Tomamos decisões mais
sólidas, construímos relacionamentos mais fortes e nos comunicamos com
mais eficiência. Somos melhores trabalhadores que recebem mais promoções
e somos líderes mais eficazes com funcionários mais satisfeitos e empresas
mais lucrativas. “O papel vital da empatia e do autoconhecimento desem-
penham uma liderança eficaz” (GOLEMAN; BOYATZIS, 2008). Pesquisas
acadêmicas e científicas feitas com líderes ao redor do mundo indicam que
apenas de 10% a 15% das pessoas pesquisadas realmente se encaixam nos cri-
térios de autoconhecimento, ou seja, o número de pessoas que têm consciên-
cia de si mesmo é bem pequeno (EURICH, 2018). Líderes sem autoconheci-
mento têm a tendência de caminhar para dois extremos: 1) Querer agradar
a todos, ou 2) Querer que as coisas aconteçam de acordo com a sua vontade.
De acordo com a Psicologia Social, há dois tipos de relacionamentos que
moldam a nossa identidade: a socialização primária e a socialização secundária.
A socialização primária é aquela que é realizada na família – recebemos o mesmo
sobrenome e somos ensinados a enxergar a vida a partir do mesmo prisma da
nossa família. A socialização secundária é aquela que é realizada fora da família,
com os vizinhos, a escola, a igreja, o trabalho etc. É quando ampliamos a com-
preensão de quem somos diante dos outros, além da nossa família.

Acesse o QR Code a seguir e assista ao vídeo com a


música do Teatro Mágico “Eu não sei na verdade quem eu
sou”, que faz parte do DVD Recombinando Atos ao vivo
em São Paulo, prestando atenção à forma como Fernando
Anitelli explica a maneira como recebemos e construímos
conceitos.

A partir das informações obtidas até aqui e do vídeo que você assistiu, escreva em seu
Diário de Bordo, qual é a forma como você se enxerga neste momento da sua vida.

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UNIDADE 4

DIÁRIO DE BORDO

Uma das principais propostas do cristianismo, é ajudar as pessoas a se enxerga-


rem como elas realmente estão desconectadas de Deus, de si mesmas, das outras
pessoas e da criação, para que elas sejam transformadas pela ação sobrenatural
do Espírito Santo. É um caminho de autoconhecimento. E este caminho, necessa-
riamente, passa por conhecermos a Deus, de acordo com aquilo que ele revelou
sobre si mesmo. Nas palavras do reformador João Calvino (1536/2003, p. 48): “O
conhecimento de Deus nos leva ao conhecimento de nós mesmos”.
Em nossa tentativa de compreender o mundo no qual vivemos como forma
de compreender a nós mesmos, estabelecemos uma primeira relação eu - mundo.
Em outras palavras, tudo aquilo que não se refere a mim e se encontra fora de
mim, é identificado como uma espécie de objeto de estudo, ficando mais claro
este estabelecimento de relação:

EU – MUNDO

(sujeito) – (objeto)

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UNIDADE 4

De uma maneira muito simples, quando olho para o que existe fora de mim,
associo isso a um objeto a ser compreendido (seja esse “objeto” uma coisa, um
fenômeno da natureza, uma pessoa). Eu assumo o papel de sujeito, no sentido de
ser aquele que está tentando decifrar os enigmas do que estou vendo (objeto). Este
é um dos desafios da ciência – buscar compreender e explicar a realidade. Porém,
nem sempre o pensamento humano foi científico. O pensamento científico é um
processo metodológico que


parte da definição de um objeto a ser estudado, tendo como base um
referencial teórico apropriado para, a partir da observação e análise
de um conjunto de fenômenos, levantar hipóteses que possam ser
verificáveis, correspondendo objetivamente ao que podemos cha-
mar de realidade (PASSOS; USARSKI, 2013, p. 38).

O pensamento humano surgiu primeiramente como uma forma mágico-mística,


que foi evoluindo gradativamente à medida em que as sociedades humanas se
desenvolviam. A tentativa humana de explicar o mundo, foi a partir dos deuses,
até chegar ao indivíduo. Veja o quadro a seguir:

MUNDO MUNDO MUNDO


MUNDO
ANTIGO MEDIEVAL MODERNO
Categorias HIPERMODERNO
2.500 a.C. – 500 d.C. – 1.500 d.C. –
Depois de 2.000 d.C.
500 d.C. 1.500 d.C. 2.000 d.C.

Os deuses O Deus cris- A razão huma-


Os sentimentos huma-
são a medida tão é a medi- na é a medida
Cosmovisão nos são a medida de
de todas as da de todas de todas as
todas as coisas
coisas as coisas coisas

Precisamos
Precisamos Precisamos
fazer o que a Eu preciso fazer o que
Ideia Central agradar os agradar ao
razão humana eu sinto
deuses Deus cristão
nos diz

Quadro 1 - A evolução do pensamento humano, como forma de explicar a realidade / Fonte: O autor

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UNIDADE 4

A forma de pensamento humano que regia o Mundo Antigo foi uma evolução
do panteísmo (tudo e todos compõem a divindade), para o totemismo (plantas,
animais e ancestrais como divindades), depois para o politeísmo (vários deuses),
para o henoteísmo (vários deuses, mas um deus superior aos demais), até a no-
ção de monoteísmo (existência de apenas um deus verdadeiro). Essa tentativa
de explicar a realidade a partir de uma linguagem primitiva mágico-mística, foi
a origem do pensamento religioso, que é um sistema que ainda hoje influencia
poderosamente o pensamento do ser humano hipermoderno. Esse processo se
deu, porque todo movimento religioso é um movimento também social. Lembra
das socializações primária e secundária? Estão aqui presentes.
Para os filósofos empiristas como Locke e Hobbes, por exemplo, todo conhe-
cimento nasce da percepção dos sentidos humanos. O problema é que o conhe-
cimento de Deus não pode estar condicionado apenas às sensações humanas.
Por isso a teologia cristã concorda que o conhecimento humano de Deus não é
exaustivo, ou seja, não podemos conhecer Deus em sua totalidade, apenas naquilo
que o próprio Deus revelou sobre si. A teologia reformada, em sua aversão a toda
idolatria, insistiu que Deus ultrapassa infinitamente o nosso entendimento, a
nossa imaginação e a nossa linguagem. Calvino chegava a afirmar que “o coração
humano é uma perpétua fábrica de ídolos” (CALVINO, 1536/2003, p. 113). De
fato, em toda tentativa humana de se explicar a Deus, no sentido de defini-lo, há
o risco de se estabelecer um ídolo, um não-Deus:


É desrespeitoso! Pretendemos saber o que dizemos quando enuncia-
mos a palavra “Deus”! Atribuímos-lhe a posição mais alta de nosso
mundo e, em assim fazendo, colocamo-lo, fundamentalmente, na
mesma linha em que estamos, nós e as coisas materiais; achamos que
Ele “precisa de alguém” e que podemos ordenar as nossas relações
com Ele como arranjamos qualquer outro relacionamento. [...] Con-
fundimos a eternidade com a temporalidade. Esta é a nossa falta de
respeito no relacionamento com Deus. Secretamente, nesse nosso
modo de proceder, somos nós os Senhores. Para nós não se trata de
Deus, porém das nossas necessidades, de nossos desejos e conveniên-
cias, pelas quais queremos que Deus se oriente (BARTH, 2009, p. 52).

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UNIDADE 4

A razão humana não é capaz de conhecer plenamente


a Deus. Por isso, o risco de se estabelecer um ídolo, ou seja,
um não-Deus, é apenas uma manifestação da arrogância hu-
mana:


Quem define a Deus está dizendo que, em últi-
ma instância, conhece a Deus. E quem afirma
que conhece a Deus, na realidade, não fala de
Deus em si, mas da representação de Deus que
nós humanos nos fazemos. O Evangelho o diz
sem rodeios: “Ninguém jamais viu a Deus” (Jo
1,18). Ou seja, Deus não está ao nosso alcance.
Fato este realçado pelos evangelhos sinóticos:
“Somente o Filho conhece o Pai” (Mt 11,27; Lc
10,22) (CASTILLO, 2017, p. 15).

É na temporalidade – a dimensão humana – que acontece a


revelação do Deus que habita a dimensão da eternidade. Isso
acontece, porque a nossa dimensão está restrita ao espaço-
-tempo, ou nas palavras de Paulo, a nossa dimensão está con-
tida em Deus: “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos”
(Atos 17.28). Essa dimensão humana, que está contida em
Deus, é uma dimensão com início, meio e fim – a história da
humanidade terá o seu último momento, mas a história de
Deus permanece por toda a eternidade.


A partir do momento em que Deus se revela e,
portanto, se dá a conhecer em um ser humano,
a partir deste momento, nossa maneira de en-
tender a Deus ficou radicalmente modificada.
Vale dizer, crendo em Jesus como “revelação
de Deus”, cremos em um Deus vinculado ao
humano de maneira indissociável, encarnado
no humano e, portanto, fundido com o huma-
no (CASTILLO, 2006, p. 69).

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UNIDADE 4

Figura 2 - Esquema para mostrar as diferenças entre a realidade de Deus (Espiritual/Eternidade) e a


realidade do ser humano (Corporal/Temporal) / Fonte: o autor.

Descrição da Imagem: Quadro esquemático indicando duas linhas do tempo. A linha superior, sinali-
zando a “eternidade”, remetendo à história de Deus, ou dimensão espiritual - em uma linguagem bíblica,
o tempo que se chama “hoje”. A segunda linha, sinaliza a “temporalidade”, a história da humanidade, ou
dimensão humana, que se encontra restrita ao espaço-tempo. Dentro desta linha, podemos ver as quatro
dimensões do evangelho, que formam a dimensão da temporalidade: Criação (céus e terra) - Queda (do
ser humano) - Redenção (em Cristo Jesus) - Nova Criação (novos céus e nova terra. Entre a linha de tempo
da dimensão humana e a dimensão espiritual há uma seta indicando para cima, que se remete à “Nova
Criação: novos céus e nova terra”.

Por isso, a revelação plena de Deus acontece em Jesus. Mais do que isso. Em Jesus há
uma dupla revelação. Ele revela o que Deus deseja que o ser humano conheça
sobre ele e revela também o tipo de ser humano que podemos vir a ser nele.


Ao referir-nos à “humanidade de Jesus”, na realidade estamos falan-
do mais propriamente de seu projeto de vida. Trata-se do extremo
oposto de tudo aquilo que significa “dominação” sobre a terra. E,
portanto, de tudo o que é próprio da “identificação”, daquilo que é
próprio da terra, do que está abaixo ou junto ao solo. É a partir desta
perspectiva que se torna possível viver e sentir como realidade a
nossa humanidade (CASTILLO, 2017, p. 33).

Por isso, como conselheiros cristãos, precisamos ter uma compreensão cristoló-
gica extremamente bíblica. Quando compreendemos quem Jesus realmente é e
a forma como ele revelou a Deus, e também como a humanidade pode vir a ser
Nele, começamos o processo de autoconhecimento, de nos tornarmos novas cria-
turas (2 Coríntios 5.17). Isso significa que o nosso parâmetro deve ser o próprio

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UNIDADE 4

Jesus. Por exemplo, se você se comparar a um assassino, você se enxergará como


alguém superior; mas ao se comparar a Jesus e a capacidade dele em perdoar, você
será confrontado com o quanto precisa ainda ser mudado. Isso é importantíssi-
mo para a atuação do conselheiro e do capelão cristão: não adianta aplicarmos
técnicas corretas, se o nosso centro de compreensão do ser humano não estiver
em Jesus – ele é o nosso alvo, o nosso parâmetro!

Quero convidar você para ouvir o Podcast sobre como o


autoconhecimento está intimamente ligado ao conheci-
mento de Deus, como afirma o teólogo reformado João
Calvino. A busca pelo conhecimento de Deus, a partir da
revelação especial de Jesus Cristo é o caminho proposto
pelo cristianismo para promover o autoconhecimento

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UNIDADE 4

PENSANDO JUNTOS

Eu não sou quem eu gostaria de ser;


eu não sou quem eu poderia ser, ainda,
eu não sou quem eu deveria ser. Mas graças a Deus
eu não sou mais quem eu era!
(Martin Luther King)

Um dos principais equívocos no aconselhamento


cristão e na capelania cristã, é a ideia de que aquele
que aconselha deve ser alguém que cai em um des-
ses dois extremos: a) alguém que apenas ouve, ou b)
alguém que apenas fala. Quando falamos em técni-
cas de aconselhamento cristão e capelania cristã, a
palavra-chave é diálogo. Isso significa que essas duas
ações (ouvir e falar), devem ser trabalhadas em con-
junto. Diálogo é mais do que uma conversa.
A palavra “diálogo” é derivada das palavras gregas
διά (diá) que significa “através” e λόγος (logos) que
significa “palavra”, assim como do verbo διαλέγομαι
(dialegomai), que significa “estar envolvido em uma
conversa com outro” (BROWN; COENEN, 2000, p.
1632). O diálogo é comumente entendido como um
processo de comunicação em que ideias, opiniões
ou valores são trocados por meio de uma conversa
oral. O diálogo também representa o caminho mais
direto para criar uma conexão humana. No diálogo,
o objetivo é ajudar o aconselhando a colocar em pa-
lavras os seus sentimentos e pensamentos que muitas
vezes estão conflitantes internamente. Geralmente
as pessoas sabem que sentem algo, mas não conse-
guem colocar em palavras o que sentem. O diálogo
bem-sucedido inclui estabelecer um entendimento
mútuo e descobrir como avançar juntos.

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UNIDADE 4

Para uma compreensão do diálogo, Helde (2021) apresenta uma metáfora tridi-
mensional – a cabeça, o coração e a mão – ​​para ilustrar a natureza multifacetada
do diálogo. Quando queremos entender, lidar, conduzir e ensinar o diálogo, todas
as três dimensões são importantes.


A cabeça refere-se à mente e aponta para a importância de adquirir
conhecimento sobre o diálogo com o objetivo de desenvolver uma
mente aberta e uma mentalidade dialógica – ou seja, uma cons-
ciência e capacidade de escolher conscientemente uma abordagem
dialógica, mesmo em situações de profundo desacordo que caso
contrário, pode levar à escalada de um conflito ou até mesmo a uma
briga. Em vez disso, a pergunta deve ser feita: “Eu quero ou preciso
(lutar e) vencer? Ou posso buscar oportunidades para dialogar com
a mente aberta, tentando entender outras perspectivas?”

O coração refere-se a um conjunto de valores dialógicos – respeito às


diferenças, igualdade, abertura, tolerância, reconhecimento, empatia
e compaixão. A dimensão do coração implica a crença no diálogo
como um valioso construtor de pontes entre pessoas de diferentes
opiniões, origens e identidades. O desejo humano compartilhado
de se conectar com os outros oferece a oportunidade de entender até
mesmo aqueles que podem ser percebidos como diferentes.

Por fim, a mão refere-se a um conjunto de habilidades práticas e


ações necessárias para que o diálogo aconteça. As habilidades são
técnicas e ferramentas comunicativas que apoiam e aprimoram o
diálogo – por exemplo, questionamento e curiosidade, que podem
ser demonstrados fazendo perguntas abertas e exploratórias e apli-
cando a escuta ativa com o coração e a mente abertos. A dimensão
da mão também pode incluir certas diretrizes para comportamen-
tos construtivos que incentivam o diálogo e apoiam uma conversa
ou processo (HELDE, 2021, p. 26).

Shashoua (2017, p. 22) apresenta as seguintes ferramentas e abordagens para o


diálogo:

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UNIDADE 4

■ Ouvir
■ Ter consciência das suas suposições
■ Evitar colocar rótulos nas pessoas
■ Suspender o julgamento e o preconceito
■ Descubra a função do que está sendo verbalizado; pergunte qual é a fun-
ção desta fala?
■ Seja empático

A partir de um processo de diálogo, o conselheiro cristão e o capelão cristão


devem estar atentos ao processo de aconselhamento em si como uma forma de
contribuir para uma mudança significativa na vida do aconselhando, ligada ao
problema que originalmente tornou o processo necessário. O processo de aconse-
lhamento é um conjunto de atividades que visa garantir que o conselheiro cristão
resolva satisfatoriamente um problema relacionado à vida do aconselhando, que
resultará em uma disposição de mudança.
Todo processo de aconselhamento exige como condição fundamental que o
aconselhando esteja disposto a mudar algo em sua vida e, por isso mesmo, peça
ajuda. Ele solicita ajuda aberta e voluntariamente; não é outra pessoa, mas ele
mesmo que pede ajuda, o que implica um reconhecimento claro da sua incapa-
cidade de enfrentar sozinho a situação que o aflige (ADAMS, 1987; CLINEBELL,
1987, COLLINS, 2001). É arriscado e muitas vezes sem sucesso tentar realizar
um processo de aconselhamento sem essa demanda de ajuda. Sob essa condição,
é mais provável que o processo falhe miseravelmente. No entanto, há situações
em que fica claro para nós que alguém precisa de ajuda, mas não há procura por
ajuda. Nesses casos, podemos fazer uma oferta respeitosa de saber; algo como
uma oferta de ajuda mais ou menos clara que não vai além disso. Temos um
exemplo dessa atitude no caso do paralítico de Betesda. Jesus fez uma oferta de
cura e não passou a curar o enfermo até que ele pediu ajuda:


Estava ali um homem enfermo havia trinta e oito anos. Jesus, ven-
do-o deitado e sabendo que estava assim havia muito tempo, per-
guntou:

— Você quer ser curado?

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UNIDADE 4

O enfermo respondeu:

— Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando


a água é agitada. Quando tento entrar, outro enfermo chega antes
de mim.

Então Jesus lhe disse:

— Levante-se, pegue o seu leito e ande. Imediatamente o homem


se viu curado e, pegando o leito, começou a andar. E aquele dia era
sábado (João 5.5-9).

Uma tentação pela qual todo conselheiro cristão e capelão cristão passam é assu-
mir o papel de superiores, pelo fato de estarem aconselhando outras pessoas. Isso
é um grande risco. Acima de tudo, é importante que o conselheiro se reconheça
como alguém em falta. O conselheiro não é um sujeito sem culpa, isto é, perfeito,
sem problemas, totalmente espiritual, infalível, irrepreensível, com uma vida
inquestionavelmente santa, ou algo semelhante. Pelo contrário, o conselheiro é
apenas um ser humano sujeito à graça de Deus, e nada mais. Tem o seu próprio
espinho na carne e, sem ostentá-lo, tenta servir a Deus e aos outros:


E, para que eu não ficasse orgulhoso com a grandeza das revelações,
foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me
esbofetear, a fim de que eu não me exalte. Três vezes pedi ao Senhor
que o afastasse de mim. Então ele me disse: “A minha graça é o que
basta para você, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza.” De boa
vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim
repouse o poder de Cristo (2 Coríntios, 12.7-9).

Aqui você percebe a importância do autoconhecimento, que é resultado do co-


nhecimento de Deus revelado em Jesus. Quanto mais a pessoa está em contato
com Jesus, mais é exposto ao seu próprio coração e mais honesto é consigo e com
os outros. Este reconhecimento é explícito, ou seja, a atitude do conselheiro a esse
respeito é clara: ele se mostra ao outro em sua fraqueza de tal forma que o outro
entende que ninguém é perfeito e que o próprio conselheiro compartilha com ele
a existência de um problema pessoal. Ser sujeito em falta “destrona” o conselheiro
de qualquer posição de onipotência (RIVERA-LEDESMA, 2011, p. 9).

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UNIDADE 4

Outra prática imprescindível do conselheiro cristão é a lembrança constante que,


no aconselhamento cristão, há o elemento sobrenatural da atuação divina pelo
Espírito Santo de Deus. Isso significa que o aconselhamento é um dom dado por
Deus. É claro que o conselheiro cristão se capacita e aprende a atuar de maneira
adequada, mas nada disso terá validade se ele esquecer que ele, como conselheiro,
é apenas uma ferramenta nas mãos de Deus.


Os aconselhadores/as pastorais melhores preparados para auxiliar
as pessoas são aqueles não somente altamente treinados na teoria e
nas técnicas de aconselhamento da teologia, mas também pessoal-
mente treinados para refletir o caráter cristão dentro e fora da sala
de aconselhamento. Este caráter não pode ser credenciado através
de diplomas de graduação ou aprendido na sala de aula: ele vem de
anos de treinamento fiel nas disciplinas espirituais - oração, estudo
das Escrituras, reclusão, jejum, culto em comunidade (MCMINN
apud SCHIPANI, 2004, p. 121).

Perceba que tanto o aconselhamento cristão quanto a atuação do Espírito Santo


têm como objetivo e centralidade, conduzir as pessoas a Cristo! Apenas quando
as pessoas estiverem em Cristo, é que serão verdadeiramente novas pessoas (2
Coríntios 5.17). O objetivo de todo aconselhamento é fazer com que o aconse-
lhando seja conduzido a Cristo e nesta relação restaurada, ele resolva os seus pro-
blemas, dirigido pelo Espírito Santo, se tornando independente do conselheiro.
Isso nos leva a outra prática importante que o conselheiro cristão deve levar
em consideração: o cuidado com a transferência. O conceito de transferência é
muito importante na psicologia e na psicoterapia. Seu controle adequado é o que
diferencia o terapeuta. Um requisito básico e fundamental de todo conselheiro
cristão é que ele aprenda a se reconhecer e a controlar sua própria transferência.
A transferência é um conceito desenvolvido pela psicanálise, que identifica um
“deslocamento de projeção para o analista de sentimentos e desejos inconscientes
originalmente dirigidos a indivíduos importantes, como os pais, na infância do
paciente” (VANDENBOS, 2010, p. 970). Este é um processo afetivo através do qual
transferimos para uma pessoa sentimentos (bons ou ruins), ou atitudes (boas ou
ruins), que originalmente experimentamos em relação à outra pessoa. Isso significa
que o conselheiro pode transferir para o aconselhando, sentimentos de antipatia,

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UNIDADE 4

culpa, amor, simpatia, entre outros, que ele realmente sente por outra pessoa, com
pouca, ou nenhuma consciência disso. O conselheiro cristão é chamado a estar
sempre atento aos seus sentimentos. À luz da Bíblia, os piores resultados de acon-
selhamento cristão ocorrem quando o conselheiro não tem este autoconhecimento
e autocontrole suficientes, para estar atento aos seus próprios erros:


Jesus lhes contou também uma parábola: — Será que um cego pode
guiar outro cego? Não é fato que ambos cairão num buraco? — O
discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for
bem-instruído será como o seu mestre. — Por que você vê o cisco no
olho do seu irmão, mas não repara na trave que está no seu próprio
olho? Como você poderá dizer a seu irmão: “Deixe, irmão, que eu
tire o cisco que está no seu olho”, se você não repara na trave que está
no seu próprio olho? Hipócrita! Tire primeiro a trave do seu olho
e então você verá claramente para tirar o cisco que está no olho do
seu irmão (Lucas 6.39-42).

Não há como impedir que haja a transferência, isto faz parte da nossa natureza
humana. O que é possível evitar é deixar que esses sentimentos controlem os seus
pensamentos e os seus comportamentos. Introspecção é a capacidade de olhar
para dentro de nós mesmos e analisar os nossos sentimentos e as nossas atitudes.
Essa é uma habilidade muito importante a ser desenvolvida não apenas na sua
atuação como conselheiro cristão, mas como pessoa, pois ela traz muito ganho
nas relações humanas. A introspecção é o processo de “acessar diretamente os
nossos próprios processos psicológicos internos, julgamentos, percepções ou
estados” (VANDENBOS, 2010, p. 531). Em outras palavras, é a capacidade de
olhar para dentro de si mesmo. Essa é uma capacidade que é desenvolvida a partir
das disciplinas espirituais, principalmente na leitura devocional da Palavra de
Deus e de momentos específicos de oração. Uma outra ajuda muito importante
para evitar a transferência, é o próprio conselheiro cristão ter a ajuda e o apoio
de outro conselheiro cristão mais experiente.

140
UNIDADE 4

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Celebração da Disciplina


Autor: Richard J. Foster
Editora: Vida
Sinopse: Classificando as disciplinas em três movimentos do Espírito
Santo, o autor mostra como cada uma delas contribui para uma vida es-
piritual equilibrada. As disciplinas interiores levam os famintos de Deus a
uma transformação genuína. As disciplinas exteriores são um reflexo das
prioridades do Reino de Deus em seus filhos. As disciplinas comunitárias
lembram-nos de que é na comunhão entre os cristãos que nos aproxima-
mos mais de Deus.

A partir da percepção de que todos nós estamos sujeitos a realizar transferências,


é importante olharmos com atenção para a outra face desta moeda: o julgamento.
No cristianismo, como na psicoterapia, o conselheiro não está lá para julgar o
aconselhando que abriu o seu coração em busca de ajuda. Quando alguém pro-
cura aconselhamento, é muito comum que fale da tristeza de seu coração. Isso
significa que o conselheiro cristão estará muitas vezes exposto a histórias con-
denáveis, escandalosas, perversas, cheias de ódio, ressentimento, agonia, solidão
e dor, muita dor. Entretanto, nada dá ao conselheiro qualquer direito de julgar
sua vida, pois a sua função nesta caminhada é ouvir e procurar compreender as
feridas que levaram o aconselhando a esta situação tão difícil relatada. Aqui entra
o papel da empatia. Se no aconselhamento cristão, o conselheiro julgar o acon-
selhando, isto fará com que ele feche o seu coração para o conselheiro cristão e
para o aconselhamento. Para o cristianismo, o julgamento vem de Deus e não do
conselheiro. Se o aconselhando caiu hoje, o papel do conselheiro é ajudá-lo a se
levantar e continuar na batalha. O conselheiro cristão não deve tornar realidade
aquela citação que diz que os cristãos não deixam soldados feridos no campo de
batalha, pois quando veem um irmão cair, voltam para acabar com ele. Julgar um
irmão de fé dentro do cristianismo tem consequências graves:

141
UNIDADE 4


Você, porém, por que julga o seu irmão? E você, por que despreza o seu
irmão? Pois todos temos de comparecer diante do tribunal de Deus. Como
está escrito: “Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo
joelho, e toda língua dará louvores a Deus.” Assim, pois, cada um de nós
prestará contas de si mesmo diante de Deus. A liberdade e o amor. Por-
tanto, deixemos de julgar uns aos outros. Pelo contrário, tomem a decisão
de não pôr tropeço ou escândalo diante do irmão (Romanos 14.10-13).

O apóstolo Paulo também adverte: “Por isso, você é indesculpável quando julga
os outros, não importando quem você é. Pois, naquilo que julga o outro, você
está condenando a si mesmo, porque pratica as mesmas coisas que condena”
(Romanos 2.1). Por esta razão o conselheiro cristão deve se abrir onde mora a
dor do aconselhando, essa ferida que leva o aconselhando a agir como age e que
faz ele cair. Julgar não é uma boa opção, especialmente quando o julgamento é
baseado nas aparências. É essencial ver sempre além do que é evidente, como
o Senhor faz: “Ele terá o seu prazer no temor do Senhor. Não julgará segundo
a aparência, nem decidirá pelo que ouviu dizer (Isaías 11.3). Perceba que estar
atento ao conteúdo da dor do outro, não significa concordar com as decisões
erradas que ele toma. É apenas uma forma de tentar compreender as razões que
levam a pessoa a insistir em decisões equivocadas: “A tolerância é patrimônio das
verdadeiras convicções” (TOURNIER, 2002, p. 41).
Isto conduz à outra prática do conselheiro cristão, que é a aceitação incondi-
cional da pessoa. Isso significa que o conselheiro cristão aceita o aconselhando
como ele é e está – com todas as suas falhas, medos, fraquezas, pontos fortes e
outros atributos pessoais, bons ou maus.


De modo geral e instintivamente, costumamos focar em outras coi-
sas que não Deus e sua graça em busca de justificação, de esperança,
de significado e de segurança. Acreditamos no evangelho até certo
ponto, mas não passamos aos níveis mais profundos. A aprovação
alheia, o sucesso profissional, o poder e a influência, a família e a
identidade com o grupo - todas essas coisas servem como “mule-
tas funcionais” para nossos corações, ocupando o lugar de tudo o
que Cristo fez, e, por causa disso, continuamos a ser motivados em
grande medida pelo medo, pela raiva e pela falta de autocontrole
(KELLER, 2010, p. 149)

142
UNIDADE 4

A base bíblica para esta postura é o que encontramos na parábola dos dois filhos
perdidos:


Jesus continuou: — Certo homem tinha dois filhos. O mais moço
deles disse ao pai: “Pai, quero que o senhor me dê a parte dos bens
que me cabe.” E o pai repartiu os bens entre eles. — Passados não
muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu
para uma terra distante e lá desperdiçou todos os seus bens, vivendo
de forma desenfreada. — Depois de ter consumido tudo, sobreveio
àquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidade.
Então foi pedir trabalho a um dos cidadãos daquela terra, e este o
mandou para os seus campos a fim de cuidar dos porcos. Ali, ele
desejava alimentar-se das alfarrobas que os porcos comiam, mas
ninguém lhe dava nada. Então, caindo em si, disse: “Quantos traba-
lhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui estou morrendo
de fome! Vou me arrumar, voltar para o meu pai e lhe dizer: ‘Pai,
pequei contra Deus e diante do senhor; já não sou digno de ser cha-
mado de seu filho; trate-me como um dos seus trabalhadores.’” E,
arrumando-se, foi para o seu pai. — Vinha ele ainda longe, quando
seu pai o avistou e, compadecido dele, correndo, o abraçou e beijou.
E o filho lhe disse: “Pai, pequei contra Deus e diante do senhor; já
não sou digno de ser chamado de seu filho.” O pai, porém, disse aos
servos: “Tragam depressa a melhor roupa e vistam nele. Ponham um
anel no dedo dele e sandálias nos pés. Tragam e matem o bezerro
gordo. Vamos comer e festejar, porque este meu filho estava mor-
to e reviveu, estava perdido e foi achado.” E começaram a festejar.
— Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando voltava, ao
aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos
empregados e perguntou o que era aquilo. E ele informou: “O seu
irmão voltou e, por tê-lo recuperado com saúde, o seu pai mandou
matar o bezerro gordo.” — O filho mais velho se indignou e não
queria entrar. Saindo, porém, o pai, procurava convencê-lo a entrar.
Mas ele respondeu ao seu pai: “Faz tantos anos que sirvo o senhor
e nunca transgredi um mandamento seu. Mas o senhor nunca me
deu um cabrito sequer para fazer uma festa com os meus amigos.
Mas, quando veio esse seu filho, que sumiu com os bens do senhor,
gastando tudo com prostitutas, o senhor mandou matar o bezerro

143
UNIDADE 4

gordo para ele!” — Então o pai respondeu: “Meu filho, você está
sempre comigo; tudo o que eu tenho é seu. Mas era preciso festejar
e alegrar-se, porque este seu irmão estava morto e reviveu, estava
perdido e foi achado.” (Lucas 15.11-31).

Keller (2010, p. 167) enfatiza que “tanto o caminho sensual do filho mais novo
quanto o caminho ético do filho mais velho são becos sem saída espirituais”. A
única alternativa para ambos os caminhos, é o acolhimento que o pai concede aos
dois filhos – eles são aceitos pelo pai, independentemente das escolhas erradas
que fizeram pela vida – um em uma vida dissoluta e o outro em uma vida regrada.
Este é um aspecto incrível da graça revelada em Cristo Jesus e uma dimensão que
precisa ser resgatada pelos conselheiros cristãos:


A graça nos atinge quando estamos em grande dor e desassosse-
go. Ela nos atinge quando andamos pelo vale sombrio da falta de
significado e de uma vida vazia… Ela nos atinge quando, ano após
ano, a perfeição há muito esperada não aparece, quando as velhas
compulsões reinam dentro de nós da mesma forma que tem feito
há décadas, quando o desespero destrói toda a alegria e coragem.
Algumas vezes naquele momento uma onda de luz penetra nossas
trevas, e é como se uma voz dissesse: “Você é aceito. Você é aceito,
aceito pelo que é maior do que você, o nome do qual você não co-
nhece. Não pergunte pelo nome agora. talvez mais tarde. Não tente
fazer coisa alguma agora, talvez mais tarde você faça o bastante. Não
busque nada, não realize nada, não planeje nada. Simplesmente
aceite o fato de que você é aceito”. Se isso acontece conosco, expe-
rimentamos a graça (TILLICH, apud MANNING, 2005, p. 27-28).

É o que o apóstolo Paulo deixou muito claro: “Pois o amor de Cristo nos cons-
trange” (2 Coríntios 5.14) e, “Assim que, nós, daqui por diante, a ninguém co-
nhecemos segundo a carne; e, se antes conhecemos Cristo segundo a carne, já
agora não o conhecemos deste modo. E, assim, se alguém está em Cristo, é nova
criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Coríntios
5.16-17). E para não restar dúvidas, ele enfatiza:

144
UNIDADE 4


Ora, tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo
por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber,
que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não
levando em conta os pecados dos seres humanos e nos confiando a
palavra da reconciliação (2 Coríntios 5.18-19).

Deus ama tanto a humanidade, que em Cristo, ele indica que aceita a todos nós.
E ele nos ama tanto que deseja nos transformar de dentro para fora, em uma ação
sobrenatural do seu Espírito Santo. Dessa forma, o aconselhamento cristão e a
capelania cristã, são ferramentas preciosas no processo de santificação de cada
um de nós. É o que os evangelhos chamam de gente que ouve as palavras de Jesus
e as coloca em prática, sendo comparadas a uma casa que é construída sobre a
rocha, em contraposição a uma casa construída sobre a areia.

PENSANDO JUNTOS

Deus o ama como você é, mas se recusa a deixá-lo desse jeito. Ele quer que você seja
simplesmente como Jesus (Max Lucado)

145
UNIDADE 4

Imagine Maria Madalena, a mulher pega em adultério; a samaritana dos cinco


maridos junto ao poço de Jacó, a Saulo de Tarso, o assassino e perseguidor dos
cristãos; ao homem que na cruz disse ao Senhor: “Lembra-te de mim quando
entrares no teu reino!” Todos eles foram aceitos incondicionalmente pelo Senhor,
e graças a isso, foram transformados. Para o cristianismo, Deus criou todas as
criaturas na terra. Toda a criação pertence ao Senhor, e isso inclui todos os seres
humanos. Quando Jesus ensinou “Ame o seu próximo como a si mesmo”, ele não
especificou que esse próximo deveria ser cristão, ou santo, ou da mesma igreja
que a sua. Próximo é quem está em necessidade.
Outra prática importante para o conselheiro cristão e para o capelão cristão,
tem a ver com a linguagem. A forma como nos comunicamos e o conteúdo que
compartilhamos pode servir para ajudar alguém a sair do buraco, ou a entrar
mais ainda nele:


Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça
no falar, é um indivíduo perfeito, capaz de refrear também todo o
corpo. Ora, se colocamos um freio na boca dos cavalos, para que nos
obedeçam, também lhes dirigimos o corpo inteiro. Observem, igual-
mente, os navios que, sendo tão grandes e impelidos por fortes ventos,
são dirigidos por um pequeníssimo leme, e levados para onde o piloto
quer. Assim, também a língua, pequeno órgão, se gaba de grandes
coisas. Vejam como uma fagulha incendeia uma grande floresta! Ora,
a língua é um fogo; é um mundo de maldade. A língua está situada
entre os membros do nosso corpo e contamina o corpo inteiro, e
não só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como
também ela mesma é posta em chamas pelo inferno (Tiago 3.2-6).

Por esta razão, a orientação bíblica encontrada em Tiago 1.19 é clara: “Vocês
sabem estas coisas, meus amados irmãos. Cada um esteja pronto para ouvir, mas
seja tardio para falar e tardio para ficar irado”. Estar pronto para ouvir, significa
prestar atenção ao que o outro diz, segui-lo em todas as suas palavras, segui-lo
em suas emoções, sentimentos, pensamentos, atitudes e narrativas. Ao ouvirmos
com atenção, poderemos ver com mais clareza. Ao fazê-lo, vamos além do bem
e do mal; nos concentramos no aconselhando e em sua circunstância. Estamos
interessados ​​em saber o que realmente aconteceu com ele. Onde está a pedra
de tropeço que afeta a sua vida, como ele a ver, como lida com isso, que papel

146
UNIDADE 4

desempenha em sua vida, entre outras questões. Ser tardio para falar significa
pensar com calma antes de dizer algo. O bom conselheiro cristão ouve muito
e fala pouco. É um erro pensar que o conselheiro é obrigado a saber o que está
acontecendo com o outro. Quem melhor pode responder a esta pergunta é o
próprio aconselhando. O conselheiro cristão deve estar sempre em espírito de
oração, quando atende um aconselhando. Por essa razão, antes de falar alguma
coisa, ele precisa perguntar ao Espírito Santo se deve falar o que veio ao seu
coração. Muito importante: falar, não significa dizer o que você acha. A melhor
estratégia de fala no aconselhamento, tem a ver com as perguntas. As perguntas
iluminam o caminho da vida; não há melhor resposta do que aquela cujo signi-
ficado leva a melhores perguntas.
Quando você atua como um conselheiro cristão; isto é, quando a função de
aconselhamento é exercida sob a supervisão ou sob a aprovação de uma igreja,
as pessoas assumem (ou têm a fantasia) que a nossa opinião representa a opinião
autorizada de Deus. Se fomos designados para esse papel, certamente é porque
Deus assim o dispôs. Por que duvidar do que dizemos? Se dissermos sim, é sim;
se dissermos não, é não. Sob essa condição, as pessoas apenas acreditam, e nossas
palavras afetam consideravelmente a sua existência, para melhor ou para pior.
Nossas palavras têm o dobro ou o triplo de poder só porque as dizemos como
representantes de Deus, e porque as pessoas nos atribuem esse lugar dentro de
sua esfera afetiva mesmo sem perceber, seja verdade ou não.

147
UNIDADE 4

Nesta relação, percebemos que o aconselhando também experimenta a transfe-


rência. Quando um aconselhando se aproxima do conselheiro para obter orien-
tação, há uma alta probabilidade de que sua disposição em relação ao aconse-
lhamento cristão seja positiva. Isso significa que ele dará crédito à declaração
do conselheiro, considerando-o uma figura de autoridade. Isso é transferência.
Graças a essa transferência, o conselheiro e as suas palavras são muito valorizados
pelo aconselhando. Quanto mais positiva for a sua atitude e os seus sentimentos
em relação ao conselheiro, mais crédito e influência o conselheiro terá. Aqui é o
momento de o conselheiro estar muito atento para não cair em tentação:


Um dos principais sofrimentos experimentados por aqueles que
estão no ministério chama-se baixa auto-estima. Muitos líderes e
ministros hoje sentem cada vez mais que conseguem causar muito
pouco impacto. Estão muito ocupados, mas não veem muito efeito.
Parece que os seus esforços são infrutíferos. Enfrentam um núme-
ro decrescente de pessoas nas reuniões da igreja, e descobrem que
psicólogos, psicoterapeutas, conselheiros e médicos são, frequente-
mente, mais dignos de créditos do que eles (NOUWEN, 2002, p. 19).

Todos nós temos o anseio de sermos aceitos e valorizados. Quando somos procu-
rados por pessoas, para ajudá-las em suas necessidades, devemos lembrar que o
nosso papel como conselheiros cristãos é apenas conduzir essas pessoas a Cristo.
Não podemos cair na tentação de assumir a transferência que o aconselhando faz
sobre nós. O alvo é ajudar o aconselhando a se aproximar de Jesus:


O cristianismo não é uma ideologia contraposta a outras. É uma vida
inspirada pelo Espírito Santo. Suas vitórias são apenas vitórias sobre si
mesmo, e não sobre os outros. Ele se propaga mediante a humildade e
voltando-se para si mesmo, não por meio de vitórias. De modo que, se
quisermos ajudar o mundo na crise atual, não devemos acreditar que
há dois lados que se enfrentam: o de Cristo, do qual fazemos parte, e
o dos demais, que são nossos adversários. Paremos de dizer: “Voltem
a nós, porque possuímos a verdade”. Mas digamos: “Voltemos todos
juntos a Cristo” (TOURNIER, 2002 p. 143).

148
UNIDADE 4

Em um mundo onde segredos são expostos a todo o momento, é fundamental


que o conselheiro cristão preze pela confidencialidade. Para que um relaciona-
mento de aconselhamento funcione bem, deve haver confiança entre o acon-
selhando e o conselheiro. O aconselhando deve saber que tudo o que ele disser
durante uma sessão de aconselhamento será mantido em absoluto segredo pelo
conselheiro. E não é o caso de querermos manter algo escondido; acontece que é
o próprio aconselhando e não o conselheiro que deve assumir a responsabilidade
de trazer à luz o que precisa ser trazido à luz, se houver. Por sua vez, o conselheiro
tem a responsabilidade, a obrigação ética, de manter silêncio absoluto, sobretu-
do, o que o sujeito lhe conta na privacidade de uma sessão de aconselhamento.
Falar sobre o que foi dito na sessão é um ato de calúnia contra o aconselhando.
O conselheiro sempre se cala em relação ao seu saber sobre o outro. Mas e no
caso de ser uma questão que traga profundo desconforto ao conselheiro cristão,
o que ele deve fazer? Conversar com outro conselheiro-orientador, que siga a
mesma exigência ética de confidencialidade. Esse outro conselheiro também
tem a responsabilidade de permanecer em silêncio. No entanto, o conselheiro
só pode dirigir-se a este conselheiro e revelar a experiência do seu conselheiro
se tiver alguma questão técnica sobre o caso, ou algum aspecto transferencial
dele próprio ou do conselheiro que não consiga dar conta de forma adequada.
O conselheiro cristão deve ser um reflexo de Jesus na vida do aconselhando:
“Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se dela, porque
eram como ovelhas que não têm pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas”
(Marcos 6.34). Este é um fato: muitos procuram conselheiros, como ovelhas sem
pastor. Assim como Jesus, o conselheiro estenderá a mão para eles, se curvando
para os quebrantados, os doentes, os solitários, os amedrontados, e os curará para
ajuntá-los no aprisco com os outros, sob os cuidados do Bom Pastor:


Em verdade, em verdade lhes digo: quem não entra no curral das
ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, esse é ladrão e sal-
teador. Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das
ovelhas. Para este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele
chama as suas próprias ovelhas pelo nome e as conduz para fora.

149
UNIDADE 4

Depois de levar para fora todas as que lhe pertencem, vai na frente
delas, e elas o seguem, porque reconhecem a voz dele. Mas de modo
nenhum seguirão o estranho; pelo contrário, fugirão dele, porque
não conhecem a voz dos estranhos (João 10.1-5).

Uma vida de oração é imprescindível para que o conselheiro cristão atue de


maneira equilibrada e eficaz. É muito importante que em suas orações diárias,
o conselheiro coloque aos pés do Senhor todos os pensamentos e sentimentos
sobre os quais se aborreceu durante o dia, a fim de compreendê-los e curá-los
de tal maneira que ele mantenha o seu coração tão equilibrado e saudável quan-
to possível. Lembre-se de que todo sentimento começa como um pensamento.
Bons pensamentos dão bons sentimentos; Pensamentos ruins dão sentimentos
ruins. Colocar nossas ideias diante de Deus para entendê-las mais claramente
esclarecerá nossos sentimentos e os ordenará. Parte da tarefa do conselheiro será
desenvolver em seu aconselhando, a habilidade e o hábito de fazer o mesmo em
sua própria vida. Ambos, como bons ramos, acabarão dando frutos.
Após conhecermos práticas do aconselhamento embasadas na Palavra de
Deus, precisamos também, definir o setting terapêutico, ou seja, o contexto em
que o aconselhamento cristão deve acontecer.
A experiência nos mostrou que as condições em que o aconselhamento será
realizado devem ser sempre muito claras. Isso é o que é chamado de setting terapêu-
tico. Estabelecer um contexto, é colocar um marco, definir um conjunto de limites
que orientarão a atividade de aconselhamento. Essa estrutura atribui limitações,
direitos e responsabilidades tanto ao conselheiro quanto ao aconselhando, que
devem ser fielmente cumpridos para deixar claro para ambas as partes o que exa-
tamente cada um pode esperar do outro. Isso é importante, porque, dentre outras
razões, a influência da transferência dos papéis de cada um, tende a se confundir e
muitas vezes, quando isso acontece, a relação entre os dois se torna “algo mais” do
que uma relação de aconselhamento. Com isso, há o risco de se perder o controle
da situação. Geralmente, a definição do setting terapêutico é combinada entre o
conselheiro e o aconselhando na primeira sessão. As regras que devem orientar o
processo de aconselhamento cristão e que devem ser claramente estabelecidas no
final da primeira sessão com o aconselhando, uma vez que este indica que deseja
continuar a frequentar o aconselhamento, são as seguintes:

150
UNIDADE 4

Tempo
É prudente definir um horário específico e sistemático para as sessões
de aconselhamento; quando vocês se verão, qual o dia da semana e
qual a duração de cada sessão. Haverá momentos em que o aconsel-
hando vai querer permanecer em sessão, até resolver uma infinidade
de dúvidas, entretanto, isso deve ter um limite de tempo, entre outras
razões porque o problema a ser abordado deve ser limitado. O aconsel-
hando saberá que terá apenas um prazo definido para apresentar a sua
situação. Definir um dia e hora fixos a cada semana ajuda o próprio ac-
onselhando a sistematizar internamente o que ele trará a cada sessão.
Normalmente o tempo de cada sessão é fixado em 50 minutos quando
o aconselhamento é individual, e no máximo uma hora e meia quando
é familiar (incluindo aconselhamento de casal ou matrimonial).

Local
Um local específico deve ser definido para cada sessão. Tome nota do
fato de que uma sessão de aconselhamento não é um encontro social,
mas é uma atividade em que o aconselhando busca a cura para uma
área emocional/espiritual da sua vida. Por essa razão, o local designado
deve, acima de tudo, permitir privacidade. Não deve ser um lugar de
trânsito pelo qual outras pessoas passem de vez em quando. Deve ser
um espaço privado onde o aconselhando possa falar, chorar, se deses-
perar, até gritar (e até usar palavras de alto som), com total liberdade e
sem que outros o observem. No entanto, além dessas condições ideais,
alguns conselheiros se reúnem com os aconselhandos em um café mais
ou menos discreto. Conheço um que usa um Starbucks durante a man-
hã para realizar suas consultorias. Uma última observação: o conselheiro
cristão muitas vezes vai a vários lugares em busca de ovelhas perdidas.
Você pode ir a um parque, a uma cantina, a uma cela de prisão, a um
lixão, à rua ou a qualquer outro lugar onde se encontrem ovelhas. O
conselheiro geralmente se adapta às demandas do local, e mesmo as-
sim, deve manter ao máximo as condições mínimas de enquadramento
sem perder de vista, nem o conselheiro, nem o consulente, que se trata
de um ato de aconselhamento. Um aspecto muito importante: o ideal
é que homens aconselhem outros homens e mulheres aconselhem
outras mulheres, para evitar que haja transferências perigosas que es-
timulem envolvimentos amorosos inadequados.

151
UNIDADE 4

Clareza
O conselheiro cristão deve deixar bem claro desde o início, que a sua
formação é cristã e que seu aconselhamento segue essa linha; e que
em alguns momentos ele, como conselheiro cristão, poderá usar a
Bíblia. Obviamente, se alguém procura um conselheiro cristão que atua
diretamente nos escritórios pastorais da Igreja, imagina-se que essa
pessoa sabe que o conselheiro atue dessa forma. Contudo, é importante
certificar-se de que eles sabem. É muito importante evitar surpresas e,
principalmente se o aconselhando não for cristão, esclareça a questão
sem entrar em polêmicas inúteis para ouvi-lo e ajudá-lo. Talvez quando
o aconselhando não-cristão veja a misericórdia e a sabedoria do con-
selheiro, fique intrigado para saber de onde ele obtém sua paz e queira
um pouco dela. Um exemplo disso é a reação que a mulher samaritana
teve diante do Senhor no poço de Jacó (João 4.1-39).

Disponibilidade
Existem casos de emergência nas quais o aconselhando passa por uma
situação emocional difícil, como por exemplo, a luta para abandonar
algum vício, o início de um tratamento antidepressivo, ou ainda estar
vivendo sob constante e intenso estresse familiar. Em situações assim, é
necessário que o conselheiro cristão preste apoio urgente no momento
menos esperado. É importante decidir de acordo com as circunstân-
cias de cada conselheiro se o conselheiro poderá ou não o procurar
a qualquer hora do dia ou da noite. Em caso positivo, é importante
esclarecer ao aconselhando a necessidade de ele aprender a lidar
com a própria vida, e concordar com ele sobre a possibilidade de ligar
por telefone caso ele se sinta muito mal, e precise falar. Essa atitude é
importante quando, por exemplo, temos um aconselhando que acaba
de sair de uma tentativa de suicídio e vai em busca de ajuda espiritual.
Certamente o psicólogo ou psiquiatra que o atende previu uma recaída;
Considerando isso, não faz mal receber uma segunda fonte de apoio
sem esquecer a primeira. No entanto, existem outros casos em que o
aconselhando é extremamente exigente e isso faz parte do seu prob-
lema pessoal. Ele não aprendeu a enfrentar a vida sozinho e age de
forma infantil na maioria das vezes exigindo atenção constante. É um
caso extremo; há outros casos intermediários que também demandam
atenção contínua. É importante reconhecer quando pode surgir uma
emergência e quando é o próprio sujeito que tece excessivamente uma
dependência crescente do conselheiro que deve ser evitada.

152
UNIDADE 4

OLHAR CONCEITUAL

EVITAR ASSUMIR O REFLITA JESUS PARA O


PAPEL DE SUPERIOR ACONSELHANDO
O conselheiro é apenas O desafio do conselheiro
um ser humano sujeito à cristão é conduzir as
graça de Deus. pessoas a Cristo.
1 8
MANTENHA A
LEMBRARDA ATUAÇÃO Práticas em CONFIDENCIALIDADE
SOBRENATURAL DO Aconselhamento A base da confiança entre
ESPÍRITO SANTO 2 Cristão 7 aconselhando e conselheiro,
O aconselhamento é um é a capacidade do conselheiro
dom dado por Deus. em guardar segredos.

CUIDADO COM A ATENÇÃO À LINGUAGEM


TRANSFERÊNCIA
3 6 UTILIZADA
O conselheiro cristão é Não basta falar; é necessário
chamado a estar sempre 4 5 saber ouvir e também o
atento aos seus sentimentos momento exato de falar.

EVITE O JULGAMENTO DO ACEITE INCONDICIONALMENTE


ACONSELHANDO O ACONSELHANDO
Para isso, é importante desenvolver Aceitar a pessoa não significa concordar
a empatia. com os seus erros, mas estar presente
para ajudar a pessoa.

Clinebell apud Mariano (2016, p. 64-65) resume a atuação do conselheiro cristão


a partir da primeira sessão de aconselhamento cristão, da seguinte forma:

1. Estabelecer o rapport como base para a relação terapêutica;


2. Escutar de forma disciplinada, bem como refletir sobre os sentimentos
do aconselhando;
3. Adquirir uma compreensão aproximada do “marco de referência interna”
da pessoa do aconselhando a partir do seu mundo pessoal;
4. Fazer um primeiro diagnóstico sobre a natureza do problema do aconselhan-
do, ou seja, como suas relações estão fracassando para satisfazer as suas ne-
cessidades e quais são os recursos e limitações para fazer frente a sua situação;
5. Tendo como base esse primeiro diagnóstico, sugerir uma aproximação
para dar ajuda;
6. Se houver a necessidade de um aconselhamento continuado, proceder
com a estruturação dessa relação de ajuda.

153
UNIDADE 4

Rapport é uma palavra de origem francesa, que significa “trazer de volta”. O ra-
pport é utilizado como uma técnica capaz de criar ligação entre as pessoas, uma
conexão para facilitar a comunicação. Sem esquecer a importância de ouvir e
responder calorosamente aos sentimentos, há certas questões para as quais o
conselheiro precisa de respostas, de preferência durante a primeira sessão. Para
Clinebell (1987, p. 81), “se essas respostas não forem obtidas durante a primeira
fala do aconselhando, o conselheiro deve fazer as perguntas diretamente, uma
vez que o relacionamento tenha começado a se estabelecer”. Entre eles, listamos:

■ Por que você veio pedir ajuda agora?


■ Por que você me procurou?
■ Qual é o problema como você o vê?
■ Você está por vontade própria ou veio principalmente por causa da pres-
são de outra pessoa? Como você se sente aqui?
■ Que tipo de ajuda você quer e espera de mim?

NOVAS DESCOBERTAS

No vídeo a seguir, disponível através do QR Code, Carol Portilho fala


sobre a técnica de rapport e como você pode usá-la para conquistar
mais pessoas. No rapport você observa e acompanha o outro. Estuda
seus gostos e preferências para tratá-lo da forma com que ele gostaria.

Há algumas pessoas que têm atuado profissionalmente como conselheiros cris-


tãos. É possível trabalhar em igrejas, organizações não-governamentais (ONGs),
centros religiosos e associações comunitárias, sendo responsáveis p ​​ or promover
atividades de evangelização, organizar conferências de famílias e casais, ouvir opi-
niões e conselhos de pessoas de diferentes idades individualmente ou em grupos.

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UNIDADE 4

Uma área de forte demanda é o aconselhamento familiar, incluindo casais e edu-


cação de filhos. Um bacharel em teologia pode realizar, por exemplo, um MBA
em Gestão da Comunicação Organizacional, para atuar no processo de gestão
da comunicação e o desenvolvimento de uma comunicação mais assertiva. Um
dos principais fatores de desentendimentos familiares é a falta de comunicação.
Um profissional que consiga aliar o conhecimento teológico e prático do acon-
selhamento cristão, com conteúdo de qualidade de comunicação organizacional,
pode desenvolver uma série de produtos para serem disponibilizados em termos
de capelania empresarial, por exemplo.
Um dos fatores de acidentes de trabalho está relacionado a distrações e
preocupações referentes a problemas familiares. Um conselheiro cristão pode
desenvolver um produto que ofereça capacitação em comunicação familiar, per-
mitindo ao mesmo tempo, atuar na resolução de conflitos dentro das próprias
empresas, como forma de diminuir custos operacionais das empresas. Além do
curso que pode ser realizado em algumas semanas, pode-se desenvolver um tipo
de aconselhamento e capelania com os funcionários que desejarem este tipo de
acompanhamento.

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A maior parte do que apreendemos em nosso cérebro se dá a partir dos estí-
mulos visuais. Para ajudá-lo a fixar o conteúdo desta unidade, queremos que
você desenvolva um Mapa Mental sobre “O autoconhecimento e as práticas do
aconselhamento cristão”. A partir do conteúdo apresentado:

1. Identifique os três conceitos para se obter autoconhecimento, de acordo com


a teologia
2. Identifique as oito características da prática do aconselhamento cristão.

Vamos lá?

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