A Escolarização Da Leitura Literária
A Escolarização Da Leitura Literária
A Escolarização Da Leitura Literária
Lucia Conde1
São Paulo, Brasil
Resumo
O objetivo do artigo é priorizar o gênero literário como prática de leitura na
escolarização. Por meio desse gênero é possível a materialização do diálogo interno
que se estabelece entre autor e leitor, captado pelo diário de leitura, novo
instrumento de ensino-aprendizagem de leitura. O diário como instrumento escolar
possibilita ao aluno construir, com o auxílio da escrita, os significados apreendidos,
como também estimula o desenvolvimento do espírito crítico do leitor. Permite
ainda, o compartilhamento dos diversos significados tecidos pelos diferentes
leitores.
Palavras- chave: Educação, Escrita, Diário de leitura, Leitura e literatura.
Abstract
The objective of this article is to prioritize the literary genre as a reading practice in
school. Through this literary genre is possible the realization of the internal dialogue
established between author and reader, captured by the reading diary, a new tool
for teaching and learning process of reading. The reading diary, as a school
instrument, enables the student to construct, with the aid of writing skills, not only
the meanings grasped, but also stimulates the development of reader´s critical
thinking. It also allows sharing the various meanings found by different readers.
Keywords: Education, Writing, Reading diary, Reading and literature.
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Graduada em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Formação em Terapia
Familiar no Familiae Formação e Pesquisa em Terapia Familiar. Especialização em Gestão de Projetos Sociais no SENAC.
Especialização em Psicopedagogia no SEDES.
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da Seara Bendita Sociedade Espírita, em que para desenvolver os saberes
a respeito do que leram. Esse tipo de proposta promove a circulação, no social, das
diferentes visões e vozes a respeito das impressões pessoais dos alunos, bem
como suas opiniões, emoções e reflexões sobre o que pensaram durante a leitura.
Dessa forma, foi possível a materialização do diálogo interno, tecido com o autor,
por meio da mediação do gênero literário. É importante ressaltar ainda que a prática
também é constituído pelas grandes forças dialógicas que regem toda a cultura, na
medida em que por trás do texto sempre há um sujeito que possui um quadro de
referência de valores, portador de uma cosmovisão e com quem o leitor vai dialogar.
simples experiência psicológica, mas envolve a réplica. Dessa forma, leitor e autor
estão, no momento da leitura, estabelecendo um diálogo que pode ter vários efeitos
no leitor. Isso porque o significado do texto não está situado nem no texto e nem
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tampouco no leitor, mas é resultado desta interlocução autor/leitor. Em
Segundo essa autora, hoje não é mais suficiente possuir habilidades mínimas no
sociedade. Existe uma grande diferença entre apenas decodificar o código, sem
no social, tanto oral quanto escrito com competência, o que determina a inclusão
Essa situação crítica fez com que se pudesse refletir sobre o que propor de
diferente que as escolas dos alunos do NSE não o faziam. Havia uma forte intuição
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de que o contato permanente com livros literários era extremamente importante para
engajado, ou seja, aquele que tem prazer na leitura. Assim foi se formando neste
questões importantes que permeiam a vida social como sexo, preconceito, política,
ecologia, relações de poder, entre outros, o que permite uma ampla visão das
Aprender a ler usando livros literários foi responsável pela revolução feita
pelos americanos a partir dos anos 80, quando reconheceram que seus alunos não
transformação da visão sobre leitura, já que esse autor considera tanto a leitura
importante que a criança seja imersa no mundo do significado desde o início da sua
que a criança ou o adolescente quer ler. Essa é uma atitude diversa do que ocorre
geralmente na escola que é autoritária em relação àquilo a ser lido. Diversos autores
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promover o interesse e envolvimento com a leitura (ATWELL, 1998; KIRBY et al,
Porém, muito recentemente é que parece haver por parte dos meios
constante do aluno com esse tipo de livro (COSTIN, 2006). Uma pesquisa do INFA
2001 verificou que dos brasileiros entrevistados, entre 15 e 64 anos, 69% afirmaram
nunca ter frequentado uma biblioteca, o que demonstra de uma forma clara a pouca
um bom exemplo do que foi dito acima. O relato de um pai cuja filha adorava ler,
mas não tinha acesso à biblioteca da escola, porque o diretor trancava-a para que
comentários!
É bem possível que fatos semelhantes a esses ocorram por este Brasil
dos saberes linguísticos para que o indivíduo possa exercer com eficácia e
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É importante também considerar o preço do livro para uma população com
importante uma ação por parte das políticas educativas públicas no investimento
Não se pode esquecer que a maior parte das atividades de leitura realizadas
em sala de aula na escola pública utiliza a leitura de textos dos livros didáticos
leitura. Isso porque grande parte de textos do livro didático de português, apesar de
obra em sua significação. O texto está fora do contexto e não é capaz de emocionar
o leitor como uma obra literária que fala à alma, inteligência e à imaginação.
Segundo Azevedo:
“textos didáticos são essenciais para a formação das pessoas, têm seu
sentido e seu lugar, mas não formam leitores. É preciso que,
concomitantemente, haja acesso à leitura de ficção, ao discurso poético, à
leitura prazerosa e emotiva” 2003, p.79( grifo da autora).
Além disso, considera-se que a leitura de um livro de literatura traz desafios para o
leitor que o texto do livro didático, pelo seu tamanho, não permite.
que o autor do livro didático tem sobre o texto, mas nunca permitir a discussão em
sala de aula sobre as impressões pessoais dos alunos com relação ao que leram.
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aprendizagem e não uma prática social de leitura que envolve a construção conjunta
particular e as trocas de experiência devem ser permitidas para que inúmeras visões
sentidos.
O social que tem o sentido de compartilhar com o outro, através da fala e da escrita,
as ideias que o livro literário transmitiu. Isso envolve a capacidade de aprender tanto
a falar como a escrever desde muito cedo sobre aquilo que se lê, e a fazer
ser crítico a respeito do que seleciona e lê. Além do aspecto social, deve-se
escola, o diário de leitura, cujo objetivo é levar o aluno a dialogar com o autor do
ocorridos durante o processo de leitura. Não se pode esquecer que ler é pensar. O
com os colegas o que o livro significou para cada um, enriquece e muito a maneira
como as aulas de leitura são trabalhadas pelo professor. Essa autora, após uma
extensa revisão bibliográfica sobre os usos sociais do diário, concluiu que esse pode
ser visto como um artefato para a descoberta das próprias ideias do leitor. Possibilita
interações escolares.
o que leu por meio da escrita, aperfeiçoando cada vez mais a relação pensamento
(MURRAY, 1989).
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Além disso, o diário de leitura permite captar o diálogo interno do leitor com
apreendido de maneira ativa, já que o discurso escrito é, para Bakhtin (1981, p 41),
Diário de leitura
reflexivo e crítico porque assim materializa o diálogo interno que mantém com o
social, das concepções de cada um sobre a leitura através da interação verbal sobre
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Dê sua opinião pessoal sobre o livro, principalmente sobre o que ele lhe fez
pensar.
Sugestões:
Pense sobre as personagens, o que o autor quis mostrar com suas ações.
Esses itens acima devem ser vistos apenas como sugestões para a
realização do diário e não necessariamente servir como um guia a ser seguido
para a elaboração de respostas sobre o livro lido.
Mostre para seus alunos como você fez o diário de um livro. Mais
Explique muito bem qual é a função da escrita diarista, dando para cada
aluno o roteiro acima. Aliás, o roteiro deveria ser colado na primeira página do
caderno onde serão escritos os diários, para que o aluno possa consultá-lo sempre
que o desejar.
no livro a ser escolhido. Deve ler para a classe em capítulos, ir discutindo as ideias
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professor . Essa é uma proposta de construção de uma conversação sobre os temas
Em seguida, cada aluno ou em duplas escreve o seu diário. Estes devem ser
corrigidos pelo professor, passados a limpo - reescritos - e lidos por aqueles que
A segunda atividade consiste em cada grupo escolher o livro que quer ler,
forma que o professor o fez para a classe anteriormente. Depois, de uma discussão
geral, quando o grupo terminou o livro, através de uma escrita conjunta, redige-se
o diário. Após a sua correção e reescrita, cada um que quiser compartilhar o diário
lê para a classe. Não esquecer de sempre dizer o nome do livro e do autor , antes
meio da leitura silenciosa - e depois redige o seu diário. Além daqueles alunos que
que os melhores diários sejam lidos em classe, pois esta é uma forma de possibilitar
em uma das atividades que mais propiciam o resgate pelo prazer da leitura (RIEF,
1992).
literatura. É muito importante também que o professor deixe bem claro que o diário
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não é um resumo do livro, já que os alunos tendem a utilizar este gênero mais
facilmente.
Diário de leitura
Livro: Memórias Póstumas de Brás Cubas
Autor: Machado de Assis
A história relata a vida de um homem contada por ele mesmo, a partir de sua
morte. O livro se passa em flashback, focando seu nascimento até a sua morte.
O personagem sempre teve uma vida muito fácil do ponto de vista
econômico, mas com muitos problemas amorosos. Não teve muita sorte em sua
vida afetiva, por exemplo, uma de suas amadas morreu, outra, talvez a mais amada,
casou-se com outro, tornando-se o personagem seu amante por muito tempo.
Ele sempre foi mimado, nasceu em uma família abastada e demonstra as
diferenças de classe social, através da sua convivência com os outros ao seu redor.
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Brás Cubas tinha a intenção de ser um benemérito e de ser reconhecido pela
sociedade como um homem do bem.
Uma das coisas que te prende ao livro é a sua idéia de criar um emplasto,
para sanar as dores sentimentais, como se fosse uma criação do século. Ele
descreve essa descoberta de forma grandiosa, porém, o livro transcorre sem
comentários a respeito disto, o que causa uma insatisfação no leitor.
No final do livro, fiquei com a sensação de que a idéia do emplasto seria mais
uma forma de Brás Cubas conseguir aparecer na sociedade.
Ao acabar o livro você percebe que ele tentou passar uma imagem de alguém
muito importante, mas que a sua vida mostra o contrário, porque nada de grandioso
aconteceu e acaba sozinho no fim da vida. Portanto, é um personagem que vive
uma contradição entre o que desejava ser e o que foi.
Aluno do 2o colegial
Referências
dois fatores no processo de (não) formação de leitores. In Paiva, A.; Martins, A.;
1981
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GOODMAN, K.S. I didn’t found whole language. The Reading Teacher, vol.46, n
Heinemann, 1992.
Letras, 2004.
Ceale/Autêntica,1998.
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