Antoine Lilti

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Artigo de Revisão AR

Passado presente: Antoine Lilti e a atualidade


do Iluminismo

Past Present: Antoine Lilti and the Enlightenment’s


presentness

João de Azevedo e Dias Duarte

E-mail: jadduarte@puc-rio.br

https://orcid.org/0000-0001-8410-084X 

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Sociais, Departamento de


História, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Hist. Historiogr., Ouro Preto, v. 16, n. 41, e2013, p. 1-26, 2023. ISSN 1983-9928 DOI: https://doi.org/10.15848/hh.v16i41.2013
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Passado presente: Antoine Lilti e a atualidade do Iluminismo AR

Resumo:
Este artigo aborda a contribuição de Antoine Lilti à historiografia do Iluminismo. A partir da discussão de parte de sua
obra, com destaque para seu último livro, L’Heritage de Lumières (2019), argumenta-se que essa representa uma
renovação muito bem-vinda no campo, tanto em termos teórico-metodológicos quanto narrativos. Combinando as
vertentes da história intelectual e da história social e cultural, Lilti articula uma interpretação do Iluminismo alternativa
àquela da genealogia do liberalismo. Colocada a partir da perspectiva de uma hermenêutica crítica, e em diálogo com
a crítica pós-colonial, a intepretação de Lilti procura responder à questão da atualidade do Iluminismo no mundo
global e plural contemporâneo, no qual a modernidade ocidental perdeu a condição de modelo universal.
Palavras-chave:

Iluminismo. História da Historiografia. História intelectual.

Abstract:
This article discusses Antoine Lilti’s contribution to the historiography of the Enlightenment. Based on the discussion
of part of his work, with emphasis on his latest book, L’Heritage de Lumières (2019), it is argued that this represents a
very welcome renewal in the field, both in theoretical-methodological and narrative terms. Combining the strands of
intellectual history and social and cultural history, Lilti articulates an alternative interpretation of the Enlightenment
to that of the genealogy of liberalism. Placed from the perspective of a critical hermeneutic, and in dialogue with post-
colonial criticism, Lilti’s interpretation seeks to answer the question of the presentness of the Enlightenment in the
contemporary global and plural world, in which Western modernity has lost its status as a universal model.

Keywords:

Enlightenment. History of Historiography. Intellectual History

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Em 2001, era publicada uma coletânea cujo título, “O que resta do Iluminismo?” (What’s
left of Enlightenment?), indicava uma crise, uma crise do Iluminismo, à qual os ensaios ali reunidos,
sob a direção de dois leading scholars, Peter H. Reill e Keith M. Baker, procuravam responder
criticamente. Essa crise fora precipitada por um novo tipo de crítica, a que o Iluminismo vinha sendo
submetido desde os anos 1970. Ao contrário dos já familiares contrailuminismo conservador e do
marxismo, a crítica atual partia de um novo campo teórico heterogêneo, genericamente referido
como “pós-modernismo”, e se dirigia ao Iluminismo enquanto matriz filosófica da modernidade,
contra a qual se insurgia.

A crise, na realidade, era da grande narrativa da modernidade liberal com seu pacote
de valores abstratos (progresso, razão, ciência, humanismo e democracia), cujas limitações e
contradições a crítica pós-moderna, engrossada ainda pelas vertentes feminista e pós-colonial,
denunciava. Essa narrativa fora construída, entre os anos 1930 e 1970, por uma geração de
historiadores das ideias europeus, muitos dos quais judeus-alemães emigrados, que haviam
encontrado nos pensadores do século XVIII os meios para combater o nacionalismo, o racismo e
o totalitarismo, articulando um modelo positivo, liberal e democrático, de modernidade. Na virada
do século XX para o XXI, porém, aquelas ameaças pareciam distantes e, a despeito das críticas
acadêmicas, o modelo da modernidade liberal ocidental parecia a tal ponto triunfante que se
falava até mesmo em “fim da história”. Vítima de sua própria vitória, o Iluminismo paradoxalmente
tornava-se, então, ao mesmo tempo ultrapassado intelectualmente e publicamente irrelevante.

Rapidamente, porém, o mundo girou. A religião, inclusive sob formas intolerantes


e violentas, voltou a assumir protagonismo na vida política. Direitas extremas, nacionalistas e
xenófobas, tornaram-se novamente uma força política relevante, mesmo nos centros históricos
da democracia liberal. O negacionismo minou a autoridade da ciência e a crise ambiental deitou
por terra o otimismo progressista baseado no domínio da natureza pela técnica. E a revolução
digital, originalmente recebida com elevadas expectativas democráticas, mostrou-se decisiva
para a disseminação de desinformação, radicalização política e, consequentemente, para a
deterioração da esfera pública e da democracia. Nesse cenário mais sombrio, o Iluminismo parece
novamente adquirir relevância para o debate público. Mas como? Qual Iluminismo? De que modo
a historiografia pode contribuir?

Desde o final dos anos 1970, paralelamente à recepção das novas críticas teóricas e em
diálogo com elas, a historiografia se moveu com espantosa força centrífuga. A imagem tradicional,
herdada da velha história das ideias, de um pequeno grupo de filósofos parisienses empenhados
em combater a intolerância, superstição e tirania, tornou-se obsoleta. O Iluminismo foi pluralizado
e fragmentado pelos historiadores a ponto de se tornar quase irreconhecível. Seus personagens

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foram ampliados muito além do círculo restrito dos philosophes, de modo a incluir homens e,
sobretudo, mulheres até então desconhecidas. Sua geografia foi expandida para além de Paris e
dos centros europeus tradicionais, incluindo também zonas periféricas e espaços coloniais. Com
a ascensão da história social, seus objetos se ampliaram para além dos grandes textos filosóficos,
de modo a incluir práticas, instituições, redes de comunicação etc. Além da renovação intensa
de personagens, objetos, geografias, procedeu-se também a um questionamento cerrado de
velhas certezas. O anticlericalismo e a hostilidade à religião eram mesmo uma característica
definidora do Iluminismo? E quanto ao racionalismo? Quão liberal e republicana era sua política?
Quão universalista era a antropologia iluminista? Quais os limites da sua defesa dos direitos
humanos e do seu humanismo? Quão convicta era sua suposta fé no progresso? E quanto ao seu
cosmopolitismo? O que dizer de suas relações com o colonialismo e o imperialismo europeus?
Na atual dispersão empírico-temática dos estudos especializados, é difícil reconhecer qualquer
unidade no Iluminismo, quanto menos aquela ideológica da grande narrativa da modernidade
liberal.

Estaria então o Iluminismo condenado apenas ao interesse de especialistas e curiosos,


como o Império Bizantino ou a Macedônia de Felipe? Uma tentação, à qual muitos historiadores
sucumbem quando procuram defender a atualidade do Iluminismo, especialmente para um
público não especializado, é a de resgatar a grande narrativa da modernidade liberal.1 Com suas
contradições e pluralidade minimizadas ou ignoradas, o Iluminismo é, então, reduzido a algumas
ideias simples (racionalismo, secularismo, otimismo, progressismo, humanismo, cosmopolitismo
etc.) e defendido com fervor. Antoine Lilti, um dos mais notáveis dix-huitièmistes da atualidade,
oferece, em seu quarto livro, L’héritage des Lumières: ambivalences de la modernité (2019), uma
maneira alternativa de articular a atualidade do Iluminismo, que merece atenção.2 Em vez de
reduzi-lo a uma fórmula intelectual simples a ser defendida (ou atacada), Lilti aposta que são
justamente as contradições, apontadas pela crítica teórica, e a pluralidade, ressaltadas pela
pesquisa especializada, que fazem do Iluminismo um passado presente.

Tomando a questão da atualidade do Iluminismo como horizonte, o presente artigo


procura, então, oferecer uma visão sistemática da reflexão de Antoine Lilti, situando-a em relação
à tradição historiográfica. Os pontos a serem tratados são os seguintes: sua crítica à tradicional
história das ideias e à interpretação do Iluminismo como matriz ideológica da modernidade liberal;

1
Mesmo um crítico veemente da tradicional história das ideias como Robert Darnton sucumbiu a esse expediente
(DARNTON, 2003)
2
Os livros anteriores de Lilti são: Le Monde des salons. Sociabilité et mondanité à Paris au XVIIIe siècle (2005) e Figures
publiques: l’nvention de la célébrité (1750-1850) (2014).

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sua abordagem teórico-metodológica, que busca combinar elementos da história intelectual,


como a leitura cuidadosa de textos canônicos, conceitual e simbolicamente densos, com as
preocupações mais típicas da história social e cultural com práticas, trocas, redes e categorias
da experiência; sua interpretação, inspirada na obra tardia de Michel Foucault e calcada numa
perspectiva hermenêutica, do Iluminismo como “herança”; e, finalmente, sua discussão da
noção de “civilização”, que, em diálogo com a crítica pós-colonial, levanta a questão da herança
do Iluminismo no mundo global e plural contemporâneo. De um modo geral, este artigo procura
destacar a originalidade da contribuição de Lilti não apenas para o campo especializado da
historiografia do Iluminismo, mas também para a história intelectual e para a inteligibilidade do
mundo contemporâneo.

Como não escrever a história intelectual do Iluminismo

Um bom ponto de partida para se avaliar a contribuição de Lilti à historiografia do


Iluminismo é recorrer ao prolífico gênero das resenhas críticas à obra de Jonathan Israel, sem
dúvida a mais ambiciosa, influente (e controversa) síntese recente. Iniciada, em 2001, com
Radical enlightenment: philosophy and the making of modernity, 1650-1750 e ainda inacabada,
a obra de Israel propõe uma releitura do Iluminismo a partir da noção de Iluminismo radical,
levantando uma série de questões sobre o modo de escrever a história do Iluminismo e sobre o
seu significado na atualidade. Lilti contribuiu para essa discussão com o artigo “Comment écrit-
on l’histoire intellectuelle des Lumières ? Spinozisme, radicalisme et philosophie”, publicado na
revista Annales, em 2009.3 Embora reconheça méritos no empreendimento colossal de Israel
– sua erudição enciclopédica, e capacidade de recuperar textos e personagens esquecidos bem
como o papel dos países-baixos na história do Iluminismo −, Lilti não se deixa impressionar. Na
verdade, a grande narrativa do Iluminismo radical se lhe afigura como um modelo historiográfico
a se evitar: como não se deveria escrever a história intelectual do Iluminismo.

A despeito de reivindicar uma “nova e reformada história intelectual” (ISRAEL, 2006,


p. 23), o que faz Israel, em realidade, é reatualizar uma muito antiga história das ideias, que se
constitui, segundo Lilti, a partir de uma “dupla recusa”: a recusa explícita das contribuições recentes
da história social da cultura, tratada de forma caricatural por Israel como uma mera extensão da
“história das mentalidades”; e a recusa implícita (ou não tão implícita, dadas as suas constantes
invectivas contra o “pós-modernismo”) das vertentes da história intelectual contemporânea, que,

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O texto foi republicado, em nova versão, como o capítulo VIII de L’Héritage. Israel respondeu às críticas de Lilti em:
(ISRAEL, 2011b).

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na esteira da virada linguística, se afastaram do modelo tradicional da história das ideias. Por meio
dessa dupla recusa, e em nome da restituição de um “papel hegemônico às ideias” na dinâmica
histórica, o tipo de historiografia praticado por Israel não apenas ignora as formas de recepção e de
apropriação das obras, como trata os textos como veículos diretos para o acesso ao pensamento
do autor (entendido como sistema filosófico coerente), sem atentar para as ambiguidades,
deslizamentos e contradições nem problematizar as próprias operações interpretativas. Todo o
esforço se resume a identificar o pensamento do autor, “o que ele realmente quis dizer, de que
autor sofreu maior influência, em que corrente se situa”, como se a operação que consiste em
definir um conteúdo doutrinário fosse “uma operação historiográfica neutra, semelhante a uma
descrição objetiva, [e não] uma decisão interpretativa” (LILTI, 2009, p. 177; 187).

Ao se dedicar exclusivamente à tarefa de reconstituir sistemas filosóficos unitários


a partir dos textos, Israel superestima a coerência doutrinária e o engajamento ideológico dos
mesmos e minimiza possíveis elementos de invenção crítica, de jogo, de ironia e de provocação.
O resultado é, nas palavras de Lilti, uma imensa “colagem de comentários de textos”, que reduz o
debate intelectual ao embate entre o “spinozismo” e seus adversários reacionários e moderados.
Protagonista do livro, o spinozismo é apresentado como um conjunto coerente de proposições
filosóficas, que atravessa, inalterado e subterrâneo, todo o século XVIII e constitui a matriz
doutrinária única do “Iluminismo radical”.

A revitalização da velha história das ideias por Israel vai de par com a revitalização de
uma velha e muito conhecida narrativa, na qual o Iluminismo (nessa versão, o Iluminismo radical)
é a verdadeira causa da Revolução Francesa e, por aí, de toda uma modernidade orgulhosa de
si mesma. Israel não esconde as intenções políticas de sua obra. Trata-se, afinal, de defender a
modernidade – entendida filosoficamente como “um pacote abstrato de valores básicos”, que
inclui secularismo, tolerância, igualdade social, racial e sexual, democracia, liberdade individual e
liberdade de expressão – contra seus inimigos, “os sucessivos contra-iluminismos, que começam
com Bossuet e culminam no pós-modernismo” (ISRAEL 2006, p. 11). Para tanto, da perspectiva
de Israel, é preciso, por um lado, se contrapor à fragmentação do Iluminismo em iluminismos
diversificados que tem caracterizado a historiografia recente, restituindo uma narrativa única; e,
por outro, é preciso mudar os protagonistas dessa história.

Israel acredita que a historiografia deu demasiada atenção a personagens como Locke,
Wolff, Montesquieu, Hume e Voltaire, que vê como representantes de uma corrente conservadora
ou “moderada” do Iluminismo, engajada numa incoerente e contraditória tentativa de conciliar
a razão com a fé e a tradição, e o Iluminismo com o status quo do Antigo Regime. Uma defesa
da modernidade filosófica deveria, ao contrário, dar destaque à corrente radical, associada a

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Spinoza, Bayle e Diderot. Embora minoritária e clandestina, essa vertente constitui o único
e autêntico fundamento intelectual das democracias liberais modernas. De acordo com Israel,
liberdade individual, igualdade, tolerância e democracia são princípios que decorrem de forma
necessária de seu fundamento numa visão metafísica secular, o materialismo monista de Spinoza.
Combinando secularismo e republicanismo democrático, a vertente radical, filosoficamente
superior à alternativa moderada − demonstrando “maior consistência e coerência intelectual”
(ISRAEL, 2006, p. 12) −, teria ganhado também a batalha histórica e ideológica na segunda
metade do século XVIII, precipitando a Revolução Francesa.

O problema, como apontam os críticos de Israel, Lilti incluso, é que tal construção não se
sustenta com base na evidência histórica. O Iluminismo radical não é nem tão spinozista nem tão
radical quanto pretende Israel. Afinal, as correntes do pensamento heterodoxo “radical” de fins
do século XVII são múltiplas e ecléticas, alimentando-se não apenas da obra de Spinoza, mas de
uma grande diversidade de fontes intelectuais. A rigor, nem mesmo o spinozismo é “spinozista”, de
acordo com Lilti, pois não se trata de “um grupo de autores reunidos por uma coerência intelectual
e política e um combate comum, mas antes a disseminação de um conjunto de temas, de fórmulas,
de textos, associados ao nome de Spinoza. Mais do que um corpus teórico, o spinozismo é um
escândalo” (LILTI, 2009, p. 192). Ademais, a atribuição aos “radicais” de um amplo programa
político democrático, emancipador e igualitário, que incluiria a extensão de direitos políticos à
massa da população, esbarra em uma série de obstáculos e contradições, e simplesmente não
encontra respaldo textual. A concessão de igualdade plena, política, jurídica e social, às mulheres,
p.ex., não parece estar no horizonte de nenhum dos “radicais” estudados por Israel, nem mesmo
de Spinoza (LA VOPA, 2009, p. 728). Inversamente, o Iluminismo moderado pode ser bastante
radical, dependendo da perspectiva. Se, por um lado, o conformismo político e social de Voltaire
é notório, justificando a pecha de moderado ou conservador que Israel lhe atribui, por outro,
suas críticas à religião ortodoxa punham-no, ao menos aos olhos das autoridades eclesiásticas,
definitivamente no campo dos radicais.

É o uso mesmo da categoria “radical” por Israel que está em questão, na medida em
que “projet[a] no espaço intelectual do século XVIII uma representação política na qual se poderia
situar os autores como sendo mais ou menos radicais, ou seja, implicitamente mais ou menos à
esquerda” (LILTI, 2009, p. 197). O ponto é que tais categorias só fazem sentido dentro de uma
lógica político-filosófica a-histórica. “O objetivo [de Israel]”, diz Lilti, “é mesmo mostrar que o
spinozismo do Iluminismo radical está no fundamento da ‘modernidade’ europeia, secularizada,
igualitária e democrática, ao ponto, às vezes, de as questões contemporâneas terminarem por
recobrir o discurso histórico” (LILTI, 2009, p. 205). Teleológica, a narrativa construída por Israel

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mistura sub-repticiamente argumento histórico e lógica político-filosófica, de tal forma que


distorce e simplifica o registro histórico e ao mesmo tempo enfraquece sua proposta política.

A questão gira em torno da relação entre Iluminismo e modernidade. Se há uma


“modernidade” (e tanto Israel quanto Lilti concordam que há), como compreendê-la e que papel o
Iluminismo desempenha nela? Para Lilti, assim como para outros críticos de Israel, como Anthony
La Vopa, “Israel reduziu arbitrariamente o verdadeiro legado ‘moderno’ do Iluminismo” (LA VOPA,
2009, p. 737). O que não significa, porém, que a questão que motiva o empreendimento de Israel
– como a pesquisa histórica pode contribuir para tornar o conteúdo intelectual do Iluminismo
efetivamente presente e disponível para o nosso uso agora – não seja legítima e oportuna. Pelo
contrário. Com efeito, essa pergunta está na base da historiografia do Iluminismo – talvez mais
do que qualquer outra – desde os seus inícios, e, ao oferecer uma narrativa histórica acerca da
constituição filosófica da modernidade liberal, Israel está seguindo uma tradição historiográfica
bastante influente.

História das ideias e a genealogia liberal

Como afirmou recentemente Annelien de Dijn, a “tese da modernização”, i.e., a ideia de


que o Iluminismo deu origem às modernas democracias liberais do Ocidente, foi uma construção
historiográfica do século XX, ainda que tenha raízes nos próprios debates suscitados pela
Revolução – e uma construção incrivelmente duradoura. Se antes mesmo da Revolução, os
adversários eclesiásticos dos philosophes já advertiam que o triunfo da philosophie significava
ateísmo, regicídio e anarquia, com o seu advento, e especialmente com a sua escalada no Terror,
a profecia parecia haver se cumprido, alimentando a retórica contrarrevolucionária (McMAHON,
2002). Ao mesmo tempo, os revolucionários, em busca de legitimidade para a nova república,
esforçavam-se para capturar a memória dos philosophes, apresentando-os como heróis nacionais
republicanos. Neste ponto, tanto Robespierre quanto De Maistre estavam de acordo: os pais
da Revolução eram os philosophes. Antes, portanto, que o Iluminismo estivesse estabelecido
como conceito histórico, estava constituído o seu vínculo direto com um programa político
revolucionário, republicano e democrático, o qual se converteria num paradigma persistente de
sua inteligibilidade. Durante todo o século XIX, progressistas e conservadores dividiam-se apenas
no valor atribuído ao conjunto philosophie-Revolução-modernidade (FERRONE; ROCHE, 1999,
p. 497-551). Foi, porém, no século XX, com a constituição propriamente da historiografia do
Iluminismo como campo de investigação autônomo, sob a égide da história das ideias, que a tese
da modernização se consolidou. Neste processo, dois intelectuais judeus-alemães emigrados
tiveram um papel decisivo: Ernst Cassirer e Peter Gay.

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Já no clássico de 1932, A Filosofia do Iluminismo, considerado um marco fundador da


historiografia do Iluminismo, Ernst Cassirer afirmava que “nenhuma obra de história [...] pode ser
pensada e realizada numa perspectiva puramente histórica” (CASSIRER,1932, p. XV). Escrever
uma história do Iluminismo (ou da “filosofia do Iluminismo”) era, para Cassirer, ao mesmo tempo
defender certa tradição filosófica e ético-política, fundamento da civilização moderna, contra
as forças atávicas e irracionais do mito, do rito e das pulsões. O Iluminismo, para Cassirer, era
um fenômeno histórico discreto, dotado de uma unidade interna coerente, determinada por um
princípio capaz de ser claramente articulado e descrito. Ao mesmo tempo, representava uma
etapa decisiva no drama épico de uma “fenomenologia do espírito filosófico”, culminando um
percurso histórico, iniciado no Renascimento, no qual o pensamento (a filosofia) adquiria sua
autoconsciência específica, vendo-se à luz de sua verdadeira natureza e determinação, resumidas
no ideal, teórico e prático, kantiano da autonomia da Razão. Sapere aude! Esclarecer-se significa
emancipar-se, tornar-se livre, autônomo, i.e., capaz de determinar a própria existência.

De acordo com esse princípio, a contribuição histórico-filosófica decisiva do Iluminismo


residiria, então, no reconhecimento e na afirmação de que a razão humana, sem recorrer a
qualquer assistência sobrenatural, era capaz de “compreender” o mundo. E compreender o
mundo significava, ao mesmo tempo, assenhorar-se dele, dominá-lo (e não ser dominado por
ele) pela imposição de uma forma racional-cultural, uma “forma simbólica”, entre as quais a
ciência empírico-matemática moderna colocava-se numa posição privilegiada. No Iluminismo, o
pensamento tornado ciência finalmente assume “a força e a tarefa de modelar a vida” (CASSIRER,
1932, p. XII). Esse princípio era a base da civilização, aquilo que era preciso defender contra a nova
Lebens ou Existenzialphilosophie (tal como formuladas por O. Spengler ou M. Heidegger), que,
negando a autonomia da Razão, flertava com a profecia e o fatalismo míticos e abria o caminho
para o retorno da barbárie, na forma do mito político moderno, o fascismo – como Cassirer
desenvolve em seu livro póstumo, O Mito do Estado (1976).

Para Cassirer, herdeiro do idealismo filosófico alemão e ardoroso defensor da República


de Weimar e dos valores liberais da democracia, dos direitos humanos, da tolerância e do
cosmopolitismo, escrevendo uma história do Iluminismo durante a ascensão do nazifascismo,
objetivo histórico e objetivo normativo coincidiam. O retorno ao passado era também um retorno
autocrítico do presente, a possibilidade de se ver no “límpido espelho que o Iluminismo lhe
oferece” e corrigir suas deformidades (CASSIRER, 1932, p. XVI), ou seja, seu afastamento do
princípio da autonomia da Razão. O Iluminismo se mostra aqui como matriz histórico-intelectual
(espiritual) do liberalismo, ou ao menos de um liberalismo de matiz germânica, orientado pela
“cultura” (Bildung), filosofia à frente, um liberalismo alicerçado não na economia política, mas no

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ideal da personalidade livre, autônoma, cuja liberdade se realiza através da mediação das “formas
simbólicas”. A arquitetura narrativa de A Filosofia do Iluminismo reflete sua intenção política.
Com efeito, todos os capítulos reproduzem uma mesma ideia mestra: a conquista paulatina da
realidade pelo pensamento racional como resultado do esforço coletivo de filósofos de diferentes
nações europeias. Nesse processo, em que franceses, ingleses e alemães se destacaram, forjou-
se a ideia de uma civilização europeia comum, secular, racional, cosmopolita e liberal – legado
que era preciso compreender e defender contra o irracionalismo e nacionalismo exacerbado dos
mitos políticos modernos (WRIGHT, 2001).

Foi, porém, com Peter Gay, que a tese da modernização se consolidou, ao mesmo
tempo que adquiriu um matiz político mais explícito. Reagindo a críticos conservadores, como
o historiador polonês Jacob Talmon, que atribuíam aos philosophes não apenas o Terror, mas
também os regimes totalitários do século XX, Gay, juntando-se a outros historiadores liberais
como Alfred Cobban, partiu em defesa da tradição liberal-racionalista nos anos 1950-60. Em
vez de responsável pelos horrores do século XX, o Iluminismo teria fornecido, ao contrário, os
fundamentos intelectuais para a democracia liberal. Essa é a tese de sua grande síntese: The
Enlightenment: an interpretation, publicado em dois volumes entre 1966 (The Rise of Modern
Paganism) e 1969 (The Science of Freedom).

De acordo com Gay, os philosophes formavam, a despeito de suas eventuais discordâncias,


um grupo coerente, uma “família”, reunida pela experiência comum da tensão entre classicismo e
cristianismo, dialeticamente resolvida na “busca da modernidade”. Tal busca traduzia-se filosófica
e politicamente, para os “homens do Iluminismo” (ou “pagãos modernos”), “em um programa
vastamente ambicioso, um programa de secularismo, humanidade, cosmopolitismo e liberdade”
(GAY, 1977, p. 18). Em alguns momentos mais exaltados do livro, Gay chega mesmo a afirmar
que a “política iluminista é a política liberal moderna”, ou que certos escritos de Voltaire, de 1760,
“contém a essência do liberalismo moderno: governo secular, soberania popular, o império da lei,
a necessidade de discurso livre, e a vantagem de partidos” (GAY, 1977, p. 450; 464).

Essa é a tradição na qual Israel se insere e procura restaurar. A despeito da alegação,


feita em Enlightenment Contested, de que a obra de Gay se baseia num “erro crucial”, qual seja,
a suposição de que havia um único Iluminismo, quando na verdade havia dois, um radical e um
conservador (ISRAEL, 2006, p. 10), há muito mais continuidade do que ruptura entre a obra de
Israel e a de seu predecessor. Continuidade em termos de método – uma “restruturada história das
ideias” −, continuidade, sobretudo, em termos de inspiração central. Confrontado com os desafios
contemporâneos – i.e., por um lado, com a pluralização do Iluminismo pela historiografia; e, por
outro, com a “tendência crescente, dos anos 1970 em diante, a contestar a validade dos ideais

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do Iluminismo e a ver a sua fundamentação intelectual da modernidade sob uma luz negativa em
vez de positiva” (ISRAEL, 2011a, p. 1) –, a resposta de Israel é reafirmar velhas certezas. No fim
das contas, o reparo que faz à tese de Gay não produz nenhuma mudança substantiva. Ainda que
existam dois iluminismos, é apenas um que importa: o radical.

Se, nos anos 1930 e 1960, a tese da modernização pôde ser tomada como uma
narrativa historicamente acurada e politicamente efetiva, a paisagem historiográfica e político-
intelectual mudou significativamente dos anos 1970 em diante. Desde então, e sob o impacto
do questionamento por parte das várias correntes do pensamento crítico contemporâneo, a
herança do Iluminismo deixou de dividir de forma inequívoca um campo progressista e um campo
conservador bem delimitados. Ao mesmo tempo que certos setores da esquerda contemporânea,
críticos tanto da tradição liberal quanto do marxismo tradicional, recusam a herança do Iluminismo,
outros mais à direita, como lembra Lilti, a reivindicam para “defender o modo de vida europeu,
recusar toda crítica às ciências e à técnica, ou desqualificar o Islã, suspeito de ser incompatível
com a laicidade” (LILTI, 2019, p. 9). O que não significa que o anti-Iluminismo da antiga retórica
contrarrevolucionária ainda não anime parte da extrema direita contemporânea (ALEXANDER,
2018; HOLLINGER, 2001).

Ao mesmo tempo, o próprio Iluminismo deixou de ser concebido pela historiografia


como um movimento unitário. Sua pluralização geográfica e temática foi acompanhada por uma
renovação do corpus e por uma intensa revisão de antigas certezas relativas a suas tendências
político-filosóficas. A história social e cultural por sua vez contribuiu de forma significativa para
uma compreensão mais aprofundada dos muitos contextos do século XVIII, dos espaços de
sociabilidade, das formas de circulação dos impressos, das práticas de leitura etc., através dos
quais o Iluminismo se concretizou (LILTI, 2014b). Neste cenário, esforços como o de Israel para
restaurar a grande narrativa liberal do Iluminismo tornaram-se menos convincentes. Ao mesmo
tempo, o Iluminismo não desapareceu do cenário dos debates contemporâneos, não se tornou um
acontecimento de interesse meramente antiquário. Como colocou William Bulman recentemente,
“goste-se ou não, o Iluminismo veio para ficar”, e continuará tendo um papel importante tanto no
âmbito da pesquisa histórica especializada, quanto naquela de outras disciplinas e em debates
mais amplos a respeito do futuro da democracia, dos efeitos sociais e ambientais da técnica ou
do estatuto da religião na vida contemporânea. Se “não há como nos livrarmos do Iluminismo”,
continua Bulman, “o momento histórico e historiográfico atual oferece uma oportunidade para
estabelecer um entendimento fundamentalmente diferente dele” (BULMAN, 2016, p. 21).

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Passado presente: Antoine Lilti e a atualidade do Iluminismo AR

Uma história intelectual francesa?

Poder-se-ia pensar que as críticas de Lilti à interpretação de Israel simplesmente


reverberam as críticas que foram dirigidas à história das ideias, nos anos 1960 e 1970, pela
geração de historiadores vinculados à história social e cultural, tais como, Darnton e Chartier.
Com efeito, Lilti foi aluno de um dos mais notáveis representantes da história social do século
XVIII, Daniel Roche, e está plenamente integrado, por sua formação e atuação, na tradição da
historiografia acadêmica francesa, uma tradição associada à história social e notoriamente
refratária à história intelectual. Entretanto, na introdução à L’Héritage, Lilti manifesta a intenção
de “pensar conjuntamente as transformações sociológicas da modernidade e a herança teórica
do Iluminismo”, e declara que a convicção que guia o seu livro é de que “a velha oposição entre a
história intelectual e a história social está caduca” (LILTI, 2019, p. 31). Tratando das contribuições
da história social e cultural à historiografia do Iluminismo, Lilti alerta ainda para o risco de um
excesso de historicização, exibindo uma surpreendente afinidade com Israel: “ao se ampliar o
contexto histórico, não se arrisca perder de vista a própria natureza desse movimento intelectual, a
consciência que tinham os filósofos de lutar por ideias? Ao identificar o Iluminismo com o conjunto
das transformações do século XVIII, [...] não se priva a noção de grande parte de sua eficácia?”
(LILTI, 2019, p. 14).

Embora reconheça a ausência de uma tradição de história intelectual na França


comparável àquelas que medraram em outros países, fato que atribui ao desenvolvimento
diferenciado das disciplinas acadêmicas – a historiografia tendo se desenvolvido, na França, sob
o modelo imponente dos Annales, muito mais a partir de um diálogo com as ciências sociais do
que com a filologia e os estudos literários –, Lilti, em artigo publicado em 2014, numa coletânea
dedicada à história intelectual, nota que “a desconfiança em relação à história intelectual não é
tão inequívoca quanto se costuma alegar” (LILTI, 2014a, p. 56). Com efeito, não apenas não há
incompatibilidade entre a tradição dos Annales – “que é muito mais variada e contraditória do que
supõe a narrativa convencional” –, e a história intelectual, como “nos últimos anos, mais e mais
historiadores têm se entusiasmado com a história intelectual, ou ao menos com a ideia de que
a história não pode simplesmente deixar de lado textos filosóficos ou científicos” (LILTI, 2014a,
p. 58; 56). Esse interesse se confirma por uma série de estudos recentes que testemunham a
vitalidade de uma história intelectual consistente com as tradições centrais da historiografia
francesa.

Se a obra de autores como Michel Foucault, Michel de Certeau, Pierre Hadot, bem como
a recepção de R. Koselleck e Quentin Skinner, tiveram um papel decisivo nessa abertura recente
à história intelectual, Lilti destaca ainda o trabalho de Jean-Claude Perrot nos campos da história

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urbana e da história da economia política. Contra o desinteresse dos historiadores devotados aos
preceitos clássicos da história social, Perrot insistia que “processos de abstração [também] são
objetos históricos”, e, propondo uma “ciência concreta do abstrato”, procurava combinar o estudo
das teorias científicas com a história social, política e material das práticas do conhecimento.
Mas o elemento que Lilti mais destaca do modelo da história intelectual de Perrot é a atenção
concedida ao conjunto das interpretações aplicadas aos textos, em particular à cadeia que
permitiu sua transmissão ao presente.

Incorporada por Lilti a sua reflexão e prática historiográfica, essa preocupação


hermenêutica é central para a compreensão de sua leitura do Iluminismo como “herança”. Lilti
a desenvolve em um artigo publicado em 2012, num dossiê da Revue d’histoire moderne et
contemporaine dedicado à história intelectual, intitulado Rabelais est-il notre contemporain?
Histoire intellectuelle et herméneutique critique. Nesse trabalho, Lilti matiza um dos princípios
basilares da história social e cultural francesa – senão de toda a historiografia acadêmica
moderna –, a insistência na heterogeneidade entre passado e presente (e seu corolário, a rejeição
do anacronismo), princípio famosa e vigorosamente defendido por Lucien Febvre no clássico de
1942, Le problème de l’incroyance au XVIe siècle.

A despeito da insistência de Febvre, em nome de um contextualismo militante, numa


descontinuidade radical entre o século de XVI de Rabelais e o século XX de seu historiador, a
própria escolha de Rabelais como objeto de estudo, argumenta Lilti, não era indiferente a sua
presença e vitalidade em 1940. Ela estava ligada ao fato de o Renascimento e a obra de escritores
como Rabelais terem sido incorporados por uma série de decisões interpretativas ao patrimônio
cultural, literário e intelectual disponível a um europeu educado do século XX. Mais do que isso:
vinculava-se, como testemunham ainda outros textos de Febvre do mesmo período, ao fato de
o humanismo renascentista representar, naquele momento da ocupação alemã, uma herança
intelectual, ética e política a ser afirmada. Ou seja, contrariamente ao que afirmava Febvre, o
século XVI ainda era o “nosso” (seu) século.

Para Lilti, a história intelectual é uma parte da história cultural, que se distingue pelo fato
de lidar com artefatos que continuam exercendo efeitos além de seu contexto de produção. Seja
por características próprias, seja por que são investidas de valor por certas instituições, algumas
obras, produzidas no passado, tem uma capacidade, que outros objetos comumente utilizados
por historiadores não possuem, de sobreviver a esse passado, suscitando continuamente novas
leituras, apropriações e controvérsias. Uma história intelectual consequente deveria, portanto,
incorporar uma reflexão sobre a cadeia de interpretações que conecta o passado e o presente de
seus objetos de estudo e sobre o seu próprio lugar nesse processo de transmissão.

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Passado presente: Antoine Lilti e a atualidade do Iluminismo AR

O reconhecimento dessa continuidade e do vínculo hermenêutico do historiador com


seu objeto não deve implicar, porém, o abandono do esforço de contextualização, que é próprio
da forma de leitura histórica, em nome de uma liberdade interpretativa absoluta. A historiografia
acadêmica constituiu-se, na modernidade, a partir da experiência da descontinuidade temporal
e desenvolveu ferramentas poderosas de objetivação do passado que a distinguem enquanto
disciplina. Essa objetivação não é, porém, sem “resto”. O historiador não está numa posição
de exterioridade radical em relação aos seus objetos, os quais pertencem ao mesmo tempo ao
passado e ao presente, graças a um fio contínuo de interpretações na ponta do qual se situa a
própria interpretação do historiador – que é, portanto, um caso suplementar da recepção das obras
no tempo. “Um caso particular, contudo, já que se inscreve em um procedimento de conhecimento
(démarche savante), preocupado em argumentar e justificar sua leitura” (LILTI , 2012, p. 79).

Lilti recorre, então, à noção de “hermenêutica resolutamente crítica” cunhada por Perrot
para conciliar “o imperativo de contextualização”, que obriga o historiador a remeter a interpretação
que propõe de um texto ou de uma obra do passado a elementos documentáveis desse passado,
e a consciência de que essas operações de contextualização são sempre dependentes do lugar
que esses textos ocupam na cultura do presente. “A fórmula [‘hermenêutica crítica’] indica bem a
complexidade da interpretação histórica dos textos: enquanto hermenêutica, ela deve assumir seu
lugar em uma cadeia de interpretações que permite aos textos permanecerem objetos culturais;
enquanto operação crítica, ela visa a produzir um saber e se submete a constrangimentos
metodológicos” (LILTI, 2012, p. 83).

Talvez mais do que qualquer outro objeto historiográfico, o Iluminismo convoca uma
hermenêutica crítica. Sua interpretação tem de levar em conta o fato de que o termo “iluminismo”
sintetiza um conceito filosófico/político, com pretensões universais, e um conceito histórico mais
particularista. Enquanto conceito filosófico, o Iluminismo designa um conjunto de ideias e valores
– tais como, uma visão otimista dos progressos da ciência e da técnica, a preeminência da razão e
do espírito crítico sobre a fé e a tradição, a defesa da liberdade de expressão, dos direitos humanos,
do cosmopolitismo, da tolerância religiosa etc. – que extrapola sua origem histórica e se presta
a usos diversos em contextos diversos (nesse sentido, é possível falar em um iluminismo árabe
medieval, em um iluminismo chinês ou africano, p.ex.). A temporalidade desse conceito filosófico
é uma temporalidade múltipla, complexa, distinta da temporalidade linear, historicista.

Por outro lado, enquanto conceito histórico, o Iluminismo é inseparável das


transformações históricas que afetaram as sociedades europeias no século XVIII, ou seja, é filho
do seu tempo, a ponto de se confundir com esse tempo – “o século das luzes”. O desafio aqui, do
ponto de vista historiográfico, é que esses dois conceitos são inseparáveis. Não só não é possível

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generalizar o significado do Iluminismo, separando-o de seu arraigamento na história europeia


do século XVIII, como também não é possível objetivá-lo completamente no passado, fazendo
abstração de seus vínculos com o presente. É necessário, portanto, “sustentar as duas pontas da
corrente ”, diz Lilti, o que significa “pensar a [...] sua inscrição num momento específico da história
europeia, mas também aceitar a ideia de que o iluminismo só existe como objeto histórico através
das reformulações sucessivas que reativam suas questões” (LILTI, 2019, p. 18).

Nesse sentido, o Iluminismo se apresenta para Lilti como uma “herança”, ou “tradição”,
que integra o horizonte cultural e intelectual do historiador. Cumpre, portanto, renunciar a uma
pretensão de objetividade total e assumir a relação hermenêutica que nos une ao Iluminismo. Mas
isso não significa que estamos condenados à aceitação passiva de uma imagem mitologizada e
monolítica. Como argumenta David Hollinger, enquanto historiadores, somos instados a construir,
tanto quanto possível, imagens historicamente acuradas do Iluminismo e a oferecer argumentos
sólidos a respeito de sua atualidade (HOLLINGER, 2005, p. 18 apud DIJN, 2012, p. 201). Ou,
como coloca o próprio Lilti, “se não há objeto da história fora do gesto historiográfico que relança
a sua atualidade, então, é melhor fazê-lo com conhecimento de causa” (LILTI, 2019, p. 29).

Para Lilti, o desafio, nesse sentido, é mobilizar a complexidade e a pluralidade que


caracterizam o Iluminismo no âmbito dos estudos especializados para se contrapor à imagem
monolítica e essencialista que domina e polariza o debate público e que ainda encontra lugar em
grandes sínteses como a de Israel. Nesse sentido, em vez de reduzir arbitrariamente o Iluminismo
a uma doutrina filosófica ou posição política determinada – o “racionalismo”, o “liberalismo”, o
“republicanismo”, o “cientificismo”, o “humanismo” ou o “cosmopolitismo”, p.ex. –, ignorando sua
pluralidade, Lilti propõe assumir sua polifonia, suas dissonâncias, ambivalências e contradições.
Assim, o Iluminismo é concebido não como um “projeto” ideológico unificado, mas sim como uma
trama de debates, que se articula a partir da reflexão sobre o presente, do questionamento acerca
da experiência da modernidade.

[...] o Iluminismo não é nem uma doutrina coerente nem um mito falacioso, mas o gesto
ao mesmo tempo reflexivo e narrativo pelo qual, desde o século XVIII, numerosos autores
buscaram definir a novidade da sua época. Ele designa o espaço conflitante no qual os
intelectuais pensaram sobre a experiência da modernidade e ao mesmo tempo lutaram
para aprofundá-la e orientá-la (LILTI, 2019, p. 19).

A inspiração para essa definição vem da reflexão de Foucault sobre o Iluminismo, à qual
Lilti, significativamente, dedica o último capítulo de L’Héritage.

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Passado presente: Antoine Lilti e a atualidade do Iluminismo AR

Iluminismo e modernidade: uma visão alternativa

O Iluminismo não é, a princípio, um tema proeminente na obra de Foucault, que, a


propósito, operava com uma periodização peculiar. Estendendo-se de meados do século XVII até
a Revolução Francesa, a chamada “Era Clássica” englobava sem dar destaque ao Iluminismo. Não
obstante, o tema aparece de forma destacada, em sua obra tardia, de fins dos anos 1970 e início
dos anos 1980, na forma de uma reflexão que se desenvolve a partir de uma leitura do famoso
ensaio de Kant publicado em 1784, Was ist Aufklärung? (Que é Esclarecimento?). Resultado
de um processo de vários anos, esse retorno ao Iluminismo se dá num contexto particular de
reorganização do seu próprio pensamento que envolve, por um lado, um esforço para explicitar
ou reformular sua relação com o legado filosófico do Iluminismo, rejeitando o rótulo de pós- ou
mesmo antimoderno que lhe era atribuído, e, de outro, uma inflexão na sua maneira de conceber
a relação entre subjetividade, verdade e poder. Seu comentário mais elaborado acerca do tema
encontra-se em “What is Enlightenment?”, publicação póstuma de 1984. Motivado por críticas
de Jürgen Habermas, esse texto abre-se com uma pergunta, cuja própria formulação já explicita
a afirmação um vínculo incontornável com o Iluminismo: “o que, então, é esse evento que é
chamado Aufklärung, que determinou, ao menos em parte, o que somos, o que pensamos e o que
fazemos hoje?” (FOUCAULT, 1984, p. 32).4

A resposta que Foucault procura articular a essa questão passa pela recusa daquilo
que chama de “chantagem do Iluminismo”: “ou você aceita o Iluminismo e permanece dentro
da tradição do seu racionalismo (que é considerado um termo positivo para alguns e usado por
outros, ao contrário, como uma censura); ou você critica o Iluminismo e tenta então escapar dos
seus princípios de racionalidade (que podem ser vistos, mais uma vez, como bons ou maus)”
(FOUCAULT, 1984, p. 43). Para escapar a essa “alternativa simplista e autoritária”, é preciso
pensar o Iluminismo em outros termos, fora de sua associação convencional com o racionalismo.
Com efeito, é preciso lembrar que o Iluminismo foi um evento histórico, “ou conjunto de eventos e
processos históricos complexos”, localizado nalgum ponto da história europeia, no qual se incluem
“elementos de transformação social, tipos de instituição política, formas de conhecimento, projetos
de racionalização de conhecimentos e práticas, [e] mutações tecnológicas difíceis de sintetizar
numa palavra” (FOUCAULT, 1984, p. 43).

Mas a resposta de Foucault não é historiográfica, ou, ao menos, não é essa perspectiva
que lhe interessa mais diretamente. Antes, procura destacar aquilo que percebe como o legado
filosófico mais relevante do Iluminismo: uma relação reflexiva com o presente. Foucault identifica,

4
Sobre o debate entre Habermas e Foucault, ver Kelly (1994).

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no Iluminismo, e no ensaio de Kant, em particular, a origem de uma forma de interrogação


filosófica que se dá por tarefa pensar a atualidade, à qual se refere como “atitude da modernidade”.
Reconfigurada por Foucault, a modernidade se apresenta não como uma época, um período
histórico específico, nem uma ideologia particular, mas sim como uma “atitude”, um modo de
pensar, sentir e agir, um “ethos”, que implica uma atitude crítica para com o presente e para
consigo mesmo.

Essa ideia da modernidade como um ethos deve ser compreendida em conexão com o
interesse contemporâneo de Foucault pelos temas do “cuidado de si” e da “estética da existência”,
que, por sua vez, marcam uma inflexão na sua forma de conceber as relações entre subjetividade,
poder e verdade. Se os modos de constituição do sujeito sempre foram um tema central em
Foucault, há, em sua obra tardia, uma mudança de ênfase, um deslocamento que conduz da
discussão das maneiras pelas quais as instâncias de poder/saber agem sobre, modelando, os
sujeitos à tematização de certas operações, “técnicas” ou “tecnologias de si”, que os indivíduos
realizam sobre si mesmos para se transformar, para construir para si uma forma desejada de
existência. Compreende-se, assim, não apenas o interesse pelos temas kantianos da audácia, ou
coragem, do saber (sapere aude) e do esclarecimento como busca por emancipação da autoridade
externa, quanto o recurso, inesperado, a Baudelaire como caminho para descrever a atitude da
modernidade. Na leitura foucaultiana da teoria estética de Baudelaire, a atitude da modernidade,
encarnada na figura do artista baudelairiano, do poeta ou do pintor da vida moderna, envolve
tanto uma relação ambivalente com o presente, na qual a atenção à realidade contemporânea
é inseparável da prática de re-imaginar e da vontade de transformar essa realidade, quanto uma
“elaboração ascética de si”, ou seja, um esforço de automodelagem ou de “invenção” estética de
si mesmo.

A surpreendente mobilização de Baudelaire nesse contexto deixa claro que Foucault


não concebia o vínculo com o Iluminismo à maneira de uma mera reprodução de certas ideias
estabelecidas no século XVIII. “Estive buscando enfatizar”, diz Foucault, “que o fio que pode
nos conectar ao Iluminismo não é a fidelidade a elementos doutrinários, mas antes a reativação
permanente de uma atitude – i.e., de um ethos filosófico que poderia ser descrito como uma
crítica permanente de nossa era histórica” (FOUCAULT, 1984, p. 42). É essa compreensão
que lhe permite apresentar a sua própria prática filosófica de um modo que ao mesmo tempo
reconhece um vínculo e estabelece uma diferença em relação à kantiana. Se, por um lado, Kant
foi responsável por inaugurar uma forma de interrogação crítica sobre o presente que é também
uma busca por autonomia (ou emancipação) individual e coletiva, por outro, ele também restringiu
a tarefa da crítica à busca por “estruturas formais dotadas de valor universal”, à determinação de
limites necessários à atividade humana.

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Sem romper completamente com o projeto iluminista kantiano, Foucault, no entanto,


se apropria dele de uma forma idiossincrática, recusando a crítica transcendental kantiana em
nome de uma outra forma de crítica. Em vez de uma dedução “dos limites que o conhecimento
tem de renunciar transgredir”, a crítica hoje deve assumir a forma de investigações históricas
localizadas, voltadas para descobrir, “no que nos é dado como universal, necessário, obrigatório,
qual lugar é ocupado pelo que é singular, contingente e o produto de limitações arbitrárias”. O
objetivo dessa crítica é eminentemente prático: em vez de uma “limitação necessária”, ela busca
“uma transgressão possível” (FOUCAULT, 1984, p. 45-46). Como conclui Amy Allen, após uma
cuidadosa reconstrução do lugar de Kant na obra de Foucault: “Foucault não rejeita a moldura
kantiana da crítica; mas, ao invés, a assume de uma forma radicalmente transformadora” (ALLEN,
2003, p. 190).

O que, na reflexão tardia de Foucault parece servir de inspiração a Lilti é, em primeiro


lugar, o reconhecimento do vínculo hermenêutico com o Iluminismo, e também a rejeição de uma
concepção estritamente doutrinária do mesmo. Foucault claramente reconhece no Iluminismo
uma herança, mas essa herança não é a de “uma doutrina fixada uma vez por todas no século
XVIII”, um conjunto de ideias no qual é preciso crer ou descrer, mas sim um patrimônio que “deve
ser constantemente reformulado, redefinido, reatualizado” (LILTI, 2019, p. 361). Ademais, a
leitura que Foucault faz do Iluminismo como momento inaugural de uma relação reflexiva com o
presente, na qual é estabelecido um nexo, característico da modernidade, entre saber histórico e
reflexividade crítica, encontra também um desenvolvimento produtivo na interpretação de Lilti.

Embora reconheça o quão controversa a modernidade enquanto categoria histórico-


sociológica se tornou recentemente, Lilti não abre mão de utilizá-la (LILTI, 2018, p. 22). Mas,
à diferença de Israel, que concebe a modernidade como um conjunto de ideias e valores, uma
espécie de credo liberal progressista, Lilti a compreende de duas formas. Em primeiro lugar, como
conjunto de transformações sociais profundas que afetaram as sociedades europeias, entre os
séculos XVI e XX – entre as quais destaca, em seu livro de 2014, Figures Publiques: L’invention de
la célébrité (1750-1850), o desenvolvimento da comunicação midiatizada e a mercantilização de
bens culturais. Mas a modernidade, para Lilti, assim como para Foucault, “é também uma relação
com o tempo”, a consciência de viver um tempo novo, um presente distinto tanto do passado
quanto do futuro (LILTI, 2018, p. 22-23). E o Iluminismo, por sua vez, representa o conjunto de
esforços para refletir sobre essas novas experiências, sobre a novidade da própria época, e dar
uma forma narrativa à consciência histórica moderna. Ou seja, o Iluminismo não é o “projeto”
da modernidade, mas uma primeira problematização desta, que assume preferencialmente uma
forma histórica e narrativa.

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O desafio pós-colonial: repensando a atualidade do Iluminismo

Dedicada à noção de “civilização”, a primeira parte de L’Héritage explora certas


tensões persistentes nas ciências sociais e na história decorrentes da forma contraditória pela
qual o Iluminismo procurou repensar a identidade europeia em relação ao seu próprio passado
e à diversidade de culturas no mundo globalizado do século XVIII. A discussão é construída
em diálogo com a crítica pós-colonial ao Iluminismo, que se volta contra o eurocentrismo e as
pretensões universais do pensamento ocidental. Ao contrário de Israel, Lilti não entende essa
crítica como uma manifestação da hidra secular do “Contra-iluminismo”, a ser combatida com
uma defesa intransigente da modernidade liberal ocidental, mas, sim, como um chamado a
questionar velhas certezas e a repensar a atualidade do Iluminismo num momento em que a
universalidade da modernidade ocidental deixou de ser pressuposta. Para Lilti, a contribuição
mais produtiva da crítica pós-colonial está na denúncia das contradições e dos pontos-cegos do
universalismo iluminista, de seu eurocentrismo subjacente. A crítica pós-colonial ao Iluminismo
deve ser entendida não simplesmente como uma rejeição, mas antes como uma reflexão sobre
as suas condições de enunciação, que convida, pelo deslocamento que propõe, a atentar para as
suas tensões internas e ambivalências, ao mesmo tempo que levanta uma questão essencial: a
questão da herança do Iluminismo no mundo globalizado e plural no qual vivemos.

Uma resposta comum, por parte da historiografia especializada, aos questionamentos


pós-coloniais, em particular às acusações de racismo e de cumplicidade ideológica com a
escravidão, o colonialismo, e o imperialismo europeus, tem sido apontar para a presença no interior
do Iluminismo de uma poderosa vertente anticolonialista, anti-imperialista e abolicionista (MUTHU,
2009). Contra a visão monolítica e frequentemente caricatural do Iluminismo uniformemente
racista e colonialista, frequentemente veiculada pela crítica pós-colonial, argumenta-se que muitos
autores iluministas denunciaram, amiúde de forma vigorosa, não apenas a participação europeia
na escravidão e no tráfico de africanos, mas o próprio empreendimento de dominação colonial.
Animados pela curiosidade científica e/ou por uma disposição herdada do livre-pensamento do
século XVII a questionar a universalidade das instituições europeias, mormente do cristianismo,
esses autores manifestaram ainda um interesse genuíno pelo conhecimento de outros costumes,
práticas e crenças. Esse interesse, e o reconhecimento da diversidade de saberes e culturas que
lhe acompanha, longe de indicar um fechamento narcísico, uma confirmação especular da própria
excepcionalidade, desemboca amiúde numa autocrítica sem concessões. A ficção iluminista
em particular – como testemunham, p.ex., as muitas variações do tema do “bom selvagem” –
é pródiga em exibir esse “laço entre descoberta do outro e crítica de si” (LILTI, 2019, p. 49).

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Essa resposta, que insiste na presença real de uma corrente reflexiva e autocrítica no
interior do Iluminismo europeu, por mais pertinente que seja, não é, para Lilti, todavia suficiente
para neutralizar as objeções pós-coloniais. Não apenas há óbvios limites à abertura à alteridade
– “mesmo os textos aparentemente mais emblemáticos da autocrítica da Europa raramente
chegam até o reconhecimento do Outro como sujeito verdadeiro [, afinal] o filósofo se mantém
como mestre do discurso” (LILTI, 2019, p. 54) –, como é preciso reconhecer que a autocrítica
convive, às vezes no mesmo autor, às vezes no mesmo texto, com argumentos etnocêntricos e
frequentemente racistas que reforçam a crença na superioridade europeia e dão suporte, ainda
que involuntariamente, à dominação e ao silenciamento de outras culturas.

Numa leitura arguta de História Filosófica das Duas Índias (1770), Lilti explora a
polifonia desse texto emblemático, escrito pelo Abade Raynal, com a colaboração de Diderot e
outros philosophes. Nele, a denúncia inequívoca da escravidão e da injustiça da colonização, que
acusa a “barbárie” europeia e se acompanha inclusive por conclamações eloquentes à revolta
dos povos colonizados, convive de forma contraditória, no mesmo texto, e às vezes na mesma
página, com a crença na superioridade histórica da civilização europeia e com a defesa de um
colonialismo “esclarecido”. A recepção do texto reflete essa complexidade e ambivalência. Lido,
ao mesmo tempo, com proveito por comerciantes e administradores coloniais e com entusiasmo
pelos revolucionários parisienses, o livro serviu ainda de inspiração a dois antípodas: Toussaint
Loverture, líder da Revolução Haitiana, e seu algoz, Napoleão Bonaparte. Hoje, o texto ainda
divide os especialistas entre aqueles que o veem como resolutamente anticolonista e aqueles
que insistem nos seus vínculos com a administração colonial.

A História das Duas Índias, texto polifônico, contraditório e ambivalente, é uma metonímia
do próprio Iluminismo, que, segundo a leitura de Lilti, não pode ser reduzido nem à condição de
mero suporte ideológico da dominação europeia nem, ao contrário, à de sua crítica.

Nada é mais falso do que ver no Iluminismo um conjunto monolítico, seja para celebrar
seu anticolonialismo e suas virtudes emancipatórias, ou, ao contrário, para denunciar um
confinamento etnocêntrico do pensamento, incapaz de ver além do narcisismo europeu.
Na realidade, o Iluminismo, neste ponto como em muitos outros, foi um período intenso
de dúvidas, debates, questionamentos. Daí o grande número de textos polissêmicos,
fragmentários, irônicos, suscetíveis de múltiplas interpretações (LILTI, 2019, p. 85).

Esse caráter contraditório e ambivalente se manifesta de forma significativa no conceito


de “civilização”, síntese do pensamento histórico do Iluminismo. “Uma das especificidades do
Iluminismo”, diz Lilti, foi pensar a Europa não mais como entidade geográfica ou religiosa, pano

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de fundo para disputas dinásticas ou para a ação da providência divina, mas “como resultado de
um processo histórico específico”, então denominado “civilização” (LILTI, 2019, p. 88). A Europa
moderna passa a ser compreendida, no século XVIII, como o resultado de uma longa evolução
histórica, i.e., “o processo da civilização”, que, condensando elementos diversos – tais como,
o desenvolvimento da polidez e o abrandamento dos costumes, o aperfeiçoamento das letras,
das artes e das ciências, o estabelecimento de um sistema de equilíbrio concorrencial entre os
Estados, a ascensão do comércio e da indústria e a difusão de comodidades materiais e do luxo –,
foi responsável pela instauração de uma ruptura radical com o passado “bárbaro” medieval. Essa
história “é antes de tudo um discurso reflexivo, aquele que os autores do século XVIII produzem
sobre a singularidade do momento em que têm consciência de viver e que começam a designar
como um século esclarecido” (LILTI, 2019, p. 91).

Essa reflexão sobre a dinâmica interna da Europa como processo da civilização é


inseparável de uma reflexão sobre o mundo, globalizado pelo comércio, e a diversidade de culturas
que o povoam. A intensificação da experiência da alteridade, proporcionada pela expansão
comercial e colonial europeia, foi um fator decisivo para aquilo que Paul Hazard chamou, em
1935, de “crise da consciência europeia”, ou seja, o processo de autoquestionamento que
conduziu, na virada do século XVII para o XVIII, a uma nova concepção dinâmica, ou histórica,
da própria identidade. “A crise da consciência europeia”, comenta Lilti, “foi antes uma tomada
de consciência, a afirmação de um discurso propriamente histórico sobre a Europa” (LILTI, 2019,
87-88). Pensar a Europa como uma história significa pensar a relação com o resto do mundo
também em termos históricos. Assim, a distinção entre a Europa e seus “outros”, representados
doravante pelos “selvagens” americanos e pelos grandes impérios asiáticos, é temporalizada e
inscrita em uma história: a história universal da civilização. Se a noção de civilização é complexa
é por que procura sintetizar, num mesmo esquema (a oposição entre civilizados e bárbaros), uma
genealogia da Europa moderna e uma história universal que pretende abarcar também os povos
não europeus. “À medida que a nova narrativa da história europeia toma forma a partir das ruínas
da velha narrativa bíblica e do universalismo cristão, ela torna possível, e mesmo necessária, a
construção de uma história verdadeiramente universal, abrindo espaço para povos não europeus
e não cristãos”. Essa história, porém, padece de uma contradição estrutural, decorrente da tensão
jamais resolvida entre “a narrativa de uma excepcionalidade e a construção de uma história
universal” (LILTI, 2019, p. 89).

A obra historiográfica de Voltaire, cujo Ensaio sobre os costumes (1756) é considerado a


matriz da grande narrativa histórica do Iluminismo (O’BRIEN, 1997; POCOCK, 1999), ilustra bem
essa tensão entre uma pretensão universal e um eurocentrismo irredutível. Segundo Lilti (2019,

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p. 100), “desde os anos 1730, Voltaire faz da exigência de escrever uma história verdadeiramente
universal, não europeia, um tema recorrente”. A consecução desse projeto envolvia uma crítica à
cultura histórica europeia contemporânea, excessivamente centrada na história da Antiguidade
clássica e na história sagrada judaico-cristã e ignorante do resto do mundo. Uma história
verdadeiramente universal, na visão de Voltaire – que polemiza constantemente com a prestigiosa
história universal cristã de Bossuet, a qual censura por haver “esquecido o universo em uma
história universal” –, deveria ser capaz de incorporar as histórias de povos não europeus, e não
apenas de gregos, romanos e do “pequeno povo judeu” (apud LILTI, 2019, p. 100). Com efeito, o
Ensaio sobre os costumes, que representa a versão de Voltaire da história universal, se esforça
intensamente para dar conta, em uma narrativa integrada, das histórias dos povos da China, da
Índia, do Japão, da Pérsia, da Arábia, da América etc.

O projeto voltariano de uma história universal secular, global e descentralizada, não


é, todavia, bem-sucedido. Não apenas a maior parte do livro (dois terços) é dedicada à Europa
(ocidental), como o ponto de vista – tanto do sujeito da enunciação quanto da audiência
presumida, i.e., o “nós” do texto – é aquele do europeu moderno, seguro de sua superioridade.
O que leva Lilti a se perguntar se, afinal, essa nova história não seria simplesmente “uma nova
forma de eurocentrismo, não aquele, cristão, de Bossuet, mas aquele do Iluminismo” (LILTI, 2019,
p. 103)? Porém, uma tal conclusão unilateral, diz o autor, “não faria justiça às reais ambivalências
que perpassam o texto de Voltaire” (LILTI, 2019, p. 104) e, por extensão, a própria noção de
civilização. Não apenas o interesse de Voltaire por outras culturas é genuíno, derivado de uma
verdadeira e intensa curiosidade intelectual, como a sua presença no texto não é inócua. Ainda
que colocadas numa posição subordinada, essas outras histórias contribuem para contestar a
pretensa superioridade europeia.

A justaposição, ao longo de todo o Ensaio, de toneladas de ironia e de crítica derramadas


sobre a história europeia e de elogios prodigalizados aos brâmanes da Índia, à religião
de Confúcio, ao desenvolvimento das artes entre os árabes nos primeiros tempos do
Islã, e mesmo aos sucessos de Tamerlão, só podem produzir no leitor um efeito de
questionamento da superioridade europeia ou ocidental (LILTI, 2019, p. 105).

Ao mesmo tempo que é afirmado, o eurocentrismo é subterraneamente minado, no texto


do Ensaio, por um discurso crítico que opõe a “barbárie” europeia ao refinamento das civilizações
orientais ou à sabedoria natural dos selvagens. O resultado final é um texto polifônico, contraditório
e inacabado, constantemente corrigido e emendado por Voltaire, que até o fim da vida não deixará
de retomá-lo, reescrevendo-o numa direção cada vez mais cética e irônica em relação à grande

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narrativa da excepcionalidade europeia. No entanto, “exagerar a importância de algumas fórmulas


mais críticas”, seria, na visão de Lilti, tão redutor quanto tratar o Ensaio simplesmente como “ato
fundador de um novo eurocentrismo” (LILTI, 2019, p. 108).

O ponto, portanto, é insistir na ambivalência, ou na tensão estrutural entre universalismo


e eurocentrismo no cerne do pensamento histórico do Iluminismo. Tensão essa que, embora
reconfigurada, se mantém irresoluta nos usos posteriores do conceito de civilização, seja no
orientalismo e na filologia do século XIX (capítulo III), quando assume formulações mais rígidas e
monológicas, francamente etnocêntricas e racistas, seja nos projetos de história mundial ou das
“civilizações” gestados no século XX, que, em diálogo com a antropologia cultural, procuraram
se abrir às histórias das sociedades não europeias, sem contudo conseguir escapar às mesmas
contradições do século XVIII (capítulo IV).

Conclusão

Fiel à lição de Foucault, Lilti evita a “chantagem do Iluminismo”, recusando-se a pensar


o seu significado em termos de alternativas simplistas. A noção de civilização, tal como formulada
no século XVIII, não é simplesmente um projeto de “roubo da história”, como afirmou Jack Goody
(2006), mas sim o resultado de uma reflexão sobre a situação da Europa diante da diversidade
do mundo globalizado, no qual a autoafirmação, a arrogância e o narcisismo não deixaram de
estar acompanhados pela dúvida, hesitação e o lancinante autoquestionamento. Ela é, sim, a
afirmação de uma hegemonia, sem deixar de envolver também abertura à alteridade e autocrítica.
Sua atualidade não reside, porém, em nenhum desses dois pólos isolados, que incitam apenas a
censura ou o elogio, mas, antes, na ambivalência, na contradição e na polifonia, que, ressoando
no nosso presente, convidam à reflexão.

Ao tratar a noção de civilização como um problema teórico – i.e., aquele da (im)


possibilidade de articular um discurso histórico universal a partir de um ponto de vista particular –,
Lilti faz a experiência do XVIII reverberar no nosso presente, convertendo-a em recurso para
aprofundar interrogações que se mantém atuais. Se a resposta do século XVIII é insuficiente, ela,
todavia, nos dá instrumentos para ir além dela. O que sua experiência nos diz é que todo discurso
histórico é necessariamente articulado a partir de uma posição, aquela do historiador que,
ancorado num tempo e numa cultura, procura pensar o seu presente. Convém, portanto, recusar
o ideal ilusório do distanciamento intelectual absoluto e assumir essa inscrição, reconhecendo
os limites que ela impõe. Por outro lado, ela também nos mostra que essa posição não é de
modo algum estável e autoencerrada, mas é também afetada, complexificada e eventualmente
modificada pela experiência do contato com a alteridade histórica e antropológica. Essas

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interrogações dizem respeito à questão do universalismo. Se reconhecemos a pertinência das


críticas pós-coloniais ao universalismo irrefletido, surdo a suas contradições, do Iluminismo, ao
mesmo tempo reconhecemos que as tensões inerentes ao seu eurocentrismo apontam, ainda
que imperfeitamente, para aquilo que Merleau-Ponty, falando sobre Lévi-Strauss, chamou de
“universal lateral”, o qual pressupõe “a experiência antropológica, a constante provação de si pelo
outro e do outro por si” (apud LILTI, 2019, p. 39).

A obra de Lilti nos convida a deixar de lado as fórmulas fáceis, as sínteses convenientes
e caricaturas preguiçosas, e repensar o Iluminismo, renovando a sua capacidade de interrogar
o presente. Retomando a questão inicial, colocada por Baker e Reill, em 2001, o que resta do
Iluminismo é a experiência de homens e mulheres que viveram um período de intensas e rápidas
transformações e procuraram expressar as tensões dessa experiência em formas complexas
e inventivas de escrita. Pode não ser o suficiente, mas certamente não é irrelevante. Retornar
a essa experiência é reencontrar também a nossa, retirando dali recursos para aprofundá-la e
reinventá-la. É possível ser herdeiro e ao mesmo tempo crítico do Iluminismo. De todo modo, a
sua atualidade, defende Lilti, reside mais nas suas contradições e hesitações do que nas suas
certezas.

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INFORMAÇÕES ADICIONAIS

Biografia profissional

João de Azevedo e Dias Duarte é professor de História Moderna na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
É membro do grupo de pesquisa Laboratório de Teoria, Historiografia e História Intelectual e faz parte da H_Moderna: Rede
Brasileira de Estudos em História Moderna. Suas atividades docente e de pesquisa situam-se no campo da história intelectual
europeia da Primeira Modernidade, está principalmente interessado nos seguintes temas: história e historicidade do Iluminismo;
história e literatura; teoria e história do romance; religião, história e política na Primeira Modernidade.

Endereço para correspondência

Rua Marquês de São Vicente, 225, Gávea, Edifício Cardeal Frings – Sala F512. Rio de Janeiro, Brasil. Cep: 22451-900. Cx.
Postal: 38097. Telefones: (+55 21) 3527-1100/1101, Fax: (+55 21) 3527-1608. E-mail: jadduarte@puc-rio.br

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Financiamento

FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. APQ1 - E-26/0.10.001790/2019

Conflito de interesse

Nenhum conflito de interesse foi declarado.

Aprovação no comitê de ética

Não se aplica.

Modalidade de avaliação

Duplo-cega por pares.

Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

Não se aplica.

Editores responsáveis

Flávia Varella – Editora-chefe


Maria Inés Mudrovcic – Editora executiva

Direitos autorais

Copyright © 2023 João de Azevedo e Dias Duarte

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Este é um artigo distribuído em Acesso Aberto sob os termos da Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

Histórico de avaliação

Data de submissão: 30 de julho de 2022


Data de aprovação: 23 de março de 2023

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