Gomes_Mocambos_de_Palmares_2010_p._157-158_1
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Certifico que servindo de capitão-mor desta capitania de Pernambuco por Sua Majes-
tade veio a ela ter o governador-geral deste Estado, Diogo Botelho e começando a servir o
dito cargo entendeu logo com muito cuidado a reformar as despesas extraordinárias que lhe
pareceu que se podiam escusar, mostrando-se nisto muito desejoso de poupar e acrescentar a
fazenda de Sua Majestade, o que fez nesta capitania e mandou que se fizesse na Bahia e no Rio
Grande e mais capitanias do Estado. E assim mandou fazer de novo umas trincheiras para a
parte do [sertão] nos lugares que lhe pareceram convenientes e necessários, mandando reparar
o Forte do Recife nas partes que achou danificada que o tempo e a água tinham arruinado.
E mandou [que] o sargento-mor deste Estado fosse ver e visitar as fortalezas do Rio
Grande e Paraíba com provimento de paga para os soldados, com ordem para pôr em
inventário a artilharia e munições que achasse nas ditas fortalezas e mais coisas tocantes
a defesa delas, para com sua informação prover no que entendesse que mais convinha ao
serviço de Sua Majestade para bom e defesa das ditas fortalezas.
E assim mandou dar cumprimento ao que era mandado por Sua Majestade, que não
se levasse mais um cruzado por cada caixão de açúcar que se embarcava para o Reino, que
o governador dom Francisco de Souza tinha mandado que se levasse para poder melhor
suprir as grandes e extraordinárias despesas que em seu tempo foi necessário fazer por mar
e terra, nos acidentes de guerra que se ofereceram. E assim mesmo mandou que o dinhei-
ro dos direitos do contrato da Angola não fosse tomado, conforme o dito contrato e as
provisões que Sua Majestade passou para que se deixasse de tomá-lo, mas pelos mesmos
respeitos acima apontados se tomava aos contratadores passados por não haver ordem nem
provisão que o contrário mandasse.
E por haver muita falta de água nesta vila de Olinda para serviço da gente dela man-
dou abrir uma levada de grande comprimento e fez meter nela o rio Beberibe, cuja água
corre pela dita levada, do que os moradores estão atualmente recebendo grande utilidade,
sem para isso se gastar nem tomar coisa alguma da fazenda de Sua Majestade.
Tendo aviso de que a gente da nau da Índia, que os holandeses tomaram na ilha de Santa
Helena, fora lançada na ilha de Fernão de Noronha, onde todos estavam sem remédio de em-
barcação em que pudessem vir com toda a diligência mandou logo duas caravelas à dita ilha,
com mantimentos e o refresco necessário para se poderem embarcar e virem a esta capitania,
para onde vieram, e foram recebidas e agasalhadas pelo dito governador-geral, recolhendo em
sua casa o capitão-mor Antônio de Melo de Castro e às mais pessoas deu e ofereceu de sua
fazenda o que dela quiseram e do armazém de Sua Majestade mandou dar ração a gente da
dita nau e da obrigação dela; no que o dito governador-geral gostou muito de sua fazenda.
E assim mandou socorrer a capitania do Porto Seguro com muitos flecheiros que haviam
de ir da capitania do Espírito Santo com capitão e soldados e mais munições necessárias, por
estar muito oprimida do gentio aimoré que de contínuo lhe dava muitos assaltos.
E, outrossim, ordenou que se fizesse uma estrada pelo sertão dentro aos Palmares,
onde estava cópia de negros alevantados de que os moradores desta capitania recebiam
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dano e opressão pelos muitos roubos e latrocínios que faziam e contínuos assaltos que
davam: aquela jornada se fez sem despesa da fazenda de Sua Majestade e dela redundou
serem os inimigos desbaratados com dano e perda de muita gente morta e cativa, com que
esta capitania ficou livre por ora das insolências desses alevantados.
E assim tem ordenado que, por mar e por terra, se vá descobrir o rio do Maranhão,
onde há presunção que existem portos e resgates, além de minas de importância, do que
até agora não havia nenhuma certeza bastante que conviesse, para se poder avisar a Sua
Majestade, o que se poderá fazer com a informação que de lá trouxer os que para lá vão; a
qual jornada o dito governador-geral ordenou que se fizesse à custa das próprias pessoas,
que voluntariamente se ofereciam para o dito descobrimento.
E estando a capitania de Ilhéus e a da Bahia de Todos os Santos rodeada por muitas
partes, de gentios aimorés, vendo-se os moradores em grande aperto, a ponto de serem for-
çados, para salvarem as vidas, a largarem as fazendas que tinham como já dantes fizeram,
o dito governador-geral mandou da capitania da Paraíba levar muitos índios potiguares,
com seus arcos e flechas e as mais armas com que costumavam pelejar, persuadindo-as
pessoalmente que fossem servir à Sua Majestade, o que eles fizeram de boa vontade, pelo
bom tratamento e termo que com eles se teve, até chegarem às ditas capitanias, onde agora
ficam aposentados e fazem muito proveito para defesa delas, como avisam.
E assim o dito governador-geral mandou para o Reino quantidade de pau, por não es-
tar contratado, comprado por conta da fazenda de Sua Majestade, para do procedido dele
lhe virem massame e petrechos necessários para os galeões que pretende fazer e mandar
para andarem em serviço de Sua Majestade nas armadas.
E mandou oficiais mineiros as Minas de São Vicente que o governador dom Francisco de
Souza descobriu para de todo se acabar de informar si eram de proveito para se beneficiar.
E sucedendo na Paraíba e outras partes algumas desinquietações do gentio potiguar,
causadas e movidas de algumas desordens de nossa parte, ele governador-geral acudiu a
isso, com muita presteza e zelo, mandando tirar devassa, castigando e repreendendo os que
achou serem culpados de modo que a ditas alterações se aquietaram a satisfação do gentio,
pois nessas desordens e alterações houve de nossa parte cativeiro de cópia grande do gentio,
o qual o dito governador-geral mandou pôr em sua liberdade, satisfazendo-os de modo que
foram contentes e assim o estão ao presente de bom termo que com eles se teve.
E assim sobre o contrato dos dízimos deste estado, contratado a Gabriel Ribeiro, fez o
dito governador-geral algumas lembranças á Sua Majestade, úteis a seu serviço e acrescen-
tamento de sua fazenda e em grande prol deste estado e do bem comum dele, de que Sua
Majestade lançou mão e o remediou conforme o aviso, no que ele mostrou zelo que tem
em tudo acertar no serviço de Sua Majestade e cumprir com a sua obrigação.
Finalmente certifico que o dito governador-geral, em tudo tocante a seu cargo, proce-
de conforme a obrigação que tem, dando satisfação de justiça às partes que lhe requerem,
ouvindo a todas as horas, tratando a todos com muita cortesia e bom tratamento.
E em fé do sobredito me assino aqui nesta vila de Olinda e 29 de junho de 1603.
Manoel Mascarenhas Homem.
Fonte: Correspondência de Diogo Botelho publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
Tomo 73, parte I, pp. 36-9.
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