Aula 4 - O contexto regulatório brasileiro
Aula 4 - O contexto regulatório brasileiro
Aula 4 - O contexto regulatório brasileiro
Nesse capítulo, deixamos o plano da reflexão teórica para tratarmos da questão mais
concreta da atual questão da comunicação política no Brasil. Comecemos pela mídia
tradicional, ou seja, as grandes empresas de comunicação de massa. Em nosso país, tal
setor é oligopolizado por um punhado de empresas familiares, liderado pelo gigante
Grupo Globo. Os meios de comunicação públicos são incipientes e têm baixíssimo
alcance de público e o restante dos veículos de comunicação tradicionais, impressos ou
televisivos, são locais, regionais ou tem baixa audiência.
1
Azevedo, Fernando. "Pt, Eleições e Editoriais Da Grande Imprensa (1989-2014)."
Opinião Pública 24, no. 2 (2018): 270-90.
2
Souza, Maurini, and Uiara Chagas Silva. "O Mst No Jornal Hoje Uma Análise Discursiva."
Cadernos de Estudos Lingüísticos 55, no. 2 (2013): 177-92.
Concentração Dados Não pode ser computada. Ainda que alguns balanços
de Mercado indisponívei financeiros sejam publicados e algumas informações
s financeiras estejam disponíveis, os dados não estão
disponibilizados por empresa, quota de mercado e
por tipo de mídia, o que é em si um fato grave.
3
O Media Ownership Monitor — Brasil combina levantamento de dados e avaliação. É
o projeto mais completo de monitoramento da mídia brasileira e cobre tanto os meios
tradicionais como os on-line. Ver http://brazil.mom-rsf.org/br/. A tabela abaixo é um
resumo bastante condensado do conteúdo da página sobre indicadores do site.
Não é justo cobrar de um projeto dessa natureza uma elaboração teórica mais
sofisticada sobre democracia e comunicação, ainda mais de uma iniciativa com
tamanhas virtudes no que toca o esclarecimento do público acerca de questão tão
fundamental a nossa democracia. Contudo, da mesma maneira, não é recomendável
que negligenciemos esse problema conceitual em um estudo o nosso, cujo tema é
exatamente a relação entre democracia e comunicação. Basta contrastarmos essa
concepção de pluralidade às teorias democráticas examinadas acima para concluirmos
que ela não satisfaz a todas elas.
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Habermas, Jürgen. The Theory of Communicative Action. 2 vols. Boston: Beacon Press,
1984.
Mas qual, então, deveria ser o modelo de regulação a ser adotado no Brasil, a fim de
debelar a maior parte das mazelas que hoje afligem a nossa democracia. Na próxima
seção, percorreremos brevemente a evolução da regulação das comunicações no Brasil.
Nos Anexos A e B apresentamos um quadro mais detalhado do estado atual do quadro
regulatório em nosso país e em outras democracias, particularmente nos chamados
“países desenvolvidos”. Antes, contudo, vamos examinar a trajetória da regulação das
comunicações em nosso país, para entendermos melhor como chegamos ao atual
diagnóstico crítico exposto acima.
5
Feres Júnior, João e San Romanelli Assumpção. "Financiamento de Campanha, Mídia e
Liberdade Política." In Reforma Política Democrática: Temas, Atores E Desafios,
organizado por Marcus Ianoni and Ana Claudia C. Teixeira, 57-82. São Paulo, SP: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2015.
Após a chegada da televisão nos anos 1950, pudemos identificar dois principais tipos de
arranjos de concessões públicas nas democracias liberais: o modelo de gestão norte-
americano, baseado em outorgas concedidas a grupos empresariais, sendo papel do
governo garantir e gerar a concorrência entre os grupos; e o modelo europeu, no qual
o estado se reservava o monopólio da utilização dos novos meios (CALIFANO; ROSSI;
MASTRINI, 2013).
Como notam Simões e Mattos, “nem mesmo os Estados Unidos estabeleceram para a
radiodifusão um regime de exploração comercial eminentemente privado”. Já em 1934
o Congresso daquele país passou o Communications Act de 1934, que criou a Federal
Communications Commission (FCC), agência reguladora com o fito de regulamentar a
atividade em toda a federação (RAMOS, 2005, p. 66). O modelo brasileiro foi claramente
inspirado no estadunidense, ou seja, francamente liberal, no que toca a deixar a maior
parte da área de comunicação para a exploração privada, mas faltaram os mecanismos
O artigo 7º, capítulo I, título IV, do CBT estabelece que “compete privativamente à União
a exploração diretamente ou mediante concessão [...] do serviço de radiodifusão sonora
(regional ou nacional) e de televisão”. Mas, como em outras áreas da atividade regulada,
a letra da lei em si não garante que sua finalidade seja cumprida. Ora, logo após a
aprovação do CBT a democracia brasileira foi aniquilada por um regime ditatorial que
durou mais de duas décadas. A natureza autocrática do regime permitiu que as leis
fossem cumpridas na medida e segundo a interpretação daqueles instalados no poder.
No que toca as telecomunicações, os governantes militares não estavam preocupados
com a prevenção da formação de monopólios e oligopólios, ou em promover a
concorrência no setor, muito pelo contrário.
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Ver Anexo A para uma descrição mais detalhada do atual quadro regulatório das
telecomunicações no Brasil.
7
Ver Anexo B para um apanhado da regulação das comunicações ao redor do mundo.
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Daniel Herz contou 527 outorgas em menos de três anos de governo Sarney. Ver em
HERZ, D. “Sarney: 527 outorgas em menos de três anos de governo”. Brasília: FENAJ,
1988. Disponível em: http://www.danielherz.com.br/system/files/acervo/FENAJ
/Governo+Sarney+527+Outorgas+em+Menos+de+Tres+Anos+de+Governo.pdf>.
Brasília: FENAJ, 1988. Disponível em:
http://www.danielherz.com.br/system/files/acervo/FENAJ
/Governo+Sarney+527+Outorgas+em+Menos+de+Tres+Anos+de+Governo.pdf>.
Na verdade, o artigo 220, parágrafo 5º, da Constituição Federal estabelece que “os
meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de
monopólio ou oligopólio”. Contudo, a regulação infraconstitucional criada até agora
falhou fragorosamente em evitar a oligopolização dos serviços, seja na TV aberta, TV a
cabo, serviços de telefonia e internet, e a democracia brasileira é que sofre as
consequências disso. Não há de fato um órgão regulador e a aplicação de critérios sociais
e econômicos constantes na Constituição, que visam à pluralidade da informação, é
praticamente inexistente.
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SANTOS, Suzy. O Coronelismo Eletrônico como herança do Coronelismo nas
comunicações brasileiras. E-Compós (Brasília), v. dez/06, p. 1-27, 2006.
No Brasil, houve apenas duas tentativas de frear essas práticas. A primeira se deu por
meio da lei de número 10.610 de 2002, em seu artigo 38, letra G: “a mesma pessoa não
poderá participar da administração ou da gerência de mais de uma concessionária,
permissionária ou autorizada do mesmo tipo de serviço, na mesma localidade”. Este
artigo parece ter de fato o intuito de prevenir a propriedade cruzada. Entretanto, o texto
não expressa proibição da propriedade, nem define com clareza o que é administração
e gerência. No mesmo artigo 38, por exemplo, há outro caso que dá margem à
ambiguidade interpretativa. Em parágrafo único se lê: “Não poderá exercer a função de
diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de
radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial”. Ou
seja, a lei proíbe que um político com mandato exerça a função de administrador de
uma TV ou rádio, mas não o impede de ser proprietário e/ou sócio da empresa.
Essa foi também a primeira alteração do texto constitucional, que seu deu durante o
governo Fernando Henrique Cardoso. Pressionados pelas empresas de
telecomunicação, os parlamentares permitiram a participação de capital estrangeiro na
propriedade de empresas em até 30%.
Foi nesse contexto regulatório frouxo e deficiente que se criaram os principais grupos
de comunicação do país, alinhados em muitos casos ao poder político de forma direta,
formando complexos conglomerados de alcance estatal e nacional. Na verdade, a falta
de regulação eficiente não somente estimula os grupos de comunicação ao
apadrinhamento político, mas também à prática da manipulação eleitoral, dado que são
livres para funcionar como verdadeiros QGs de campanha – um exemplo recente e
escandaloso é a impressão antecipada para distribuição avulsa, como panfleto, da capa
da revista Veja, contendo acusações contra Lula e Dilma, às vésperas do segundo turno
da eleição de 2014.
No que toca o rádio, a regulação é ainda mais frouxa. O decreto-lei 236/1967, que
também regula esse serviço de comunicação, permite um número alto de estações por
empresa. No nível local, pode-se ter até quatro estações de ondas médias (OM) e seis
de frequência moderada (FM). No nível estadual, um mesmo grupo pode ter três
estações de OM e três de ondas tropicais (OT). Ou seja, somente por meio da
propriedade de estações de rádio, um mesmo grupo já pode formar um sistema
concentrado de comunicação.
Alguns dados anedóticos, mas muito significativos, ajudam a reforçar o estado precário
da regulação das comunicações em nosso país. A única área temática da Constituição
Federal de 1988 que não teve um relatório final para a apreciação da Comissão de
Sistematização, responsável pela redação final da Carta, foi o da Comunicação Social. O
motivo dessa ausência se deve às pressões exercidas por empresários por meio da
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Ao ser promulgada a
Constituição, o capítulo da Comunicação endossava uma vez mais o caráter privado de
radiodifusão nacional, apresentando “absurdos normativos”, segundo Ramos, pois o
Conselho de Comunicação Social, órgão regulador autônomo foi transformado em “um
órgão decorativo auxiliar do Congresso Nacional” (RAMOS, 2005).
Como podemos constatar por meio desse breve passeio pela história da regulação das
comunicações em nosso país, ela sofreu exatamente dos problemas que a literatura da
teoria democrática, particularmente na sua vertente deliberativa, já havia detectado:
captura por interesses econômicos e manipulação política. Se a partir da Constituição
de 1988 a legislação infraconstitucional acarretou ganhos em termos de direitos sociais,
o mesmo não é verdade acerca da regulação das comunicações. Veremos no capítulo
seguinte que esse é fato muito grave, pois o direito de expressão, entendido de modo
amplo como direito de receber informações plurais e de qualidade e direito de expressar
opiniões – a isegoria atualizada – não é um direito social, mas sim o direito político mais
básico. Assim, poderemos compreender que a falta de um mínimo de equidade nesse
âmbito redunda em assimetrias políticas de grande ordem, que violam qualquer
concepção razoável de democracia.