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MUNDO JURÍDICO

artigo de Carlos Francisco Büttenbender

A PLENITUDE DA CIDADANIA DIANTE DA


INEFICIÊNCIA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Carlos Francisco Büttenbender

Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Paraná – UFPR,


advogado, e professor da disciplina de Prática Forense no Curso de Graduação em Direito da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

RESUMO

Estuda a organização do homem em sociedade, explicando o surgimento do


Estado e seu papel nesta organização. Analisa a posição do indivíduo frente ao Estado e da
finalidade deste perante a sociedade, destacando a cidadania como fruto da participação do
indivíduo na condução da sociedade, e como destinatário das funções estatais Por fim, estuda
o processo de solução dos conflitos de interesses entre os indivíduos que compõe o cenário
social, através da prestação da tutela jurisdicional, assim como as deficiências desta função
estatal e seus reflexos na plenitude da própria cidadania.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa permitir uma melhor compreensão do Estado e do seu


papel frente à sociedade e, principalmente, frente ao cidadão. Num primeiro momento, através
de breve resgate histórico, tenta compreender a evolução do homem socialmente organizado,
e especialmente as que o levaram a reunir-se em agrupamentos sociais. Faz parte da natureza
humana a vida associativa, sendo que esta, para viabilizar-se, exige renúncias recíprocas, de
todos os que compõe a organização social.

O trabalho pretende examinar também como se dá a relação entre o indivíduo e o

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Estado em uma de suas funções essenciais, qual seja, a prestação jurisdicional. É preciso
compreender as finalidades da prestação jurisdicional, bem como os instrumentos de que
dispõe o Estado para sua realização.

Por fim, é ainda propósito deste trabalho o exame do desempenho da função


jurisdicional, especialmente como instrumento essencial à cidadania, buscando avaliar as
condições de acesso à prestação jurisdicional enquanto serviço estatal, e capacidade desta de
efetivamente dar conta das pretensões e necessidades que lhe são levadas.

O presente trabalho uca ser uma luz sobre o tema, a qual, ainda que tênue, poderá
iluminar muito se aliada às tantas outras que diariamente afloram nas academias. Não há
pretensão nenhuma de esgotamento do tema, mas sim, de conseguir uma melhor compreensão
da temática posta, tanto com a finalidade de subsidiar futuros trabalhos, quanto de
singelamente contribuir na construção do saber.

1 O Estado e a Organização Social

A abordagem inicial do presente trabalho passa, necessariamente, pela delimitação


conceitual de Estado, para que se tenha clareza quanto ao sentido a ele dedicado. Esta
delimitação perpassa pela busca das origens do Estado, ao menos no seu sentido mais
moderno.

Dos primórdios da humanidade até os dias presentes várias formações associativas


se verificaram, sendo que, nas lições de Eugen Ehrlich desde a pré-história já se verificavam
agrupamentos humanos, aos quais denomina parentela e família, os quais buscavam, à partir
da associabilidade, viabilizar sua sobrevivência. Nas palavras deste que foi um dos
fundadores da Sociologia do Direito, a associabilidade:

garante a sobrevivência dos que são capazes de se associarem, tornando-os mais fortes,
porque são beneficiados pela força de toda associação. (...) Através da agregação de
associações originárias como as parentelas, as famílias, as comunidades domésticas,
surge a tribo, e num estágio posterior o povo. 1

É pois do natural espírito associativo do homem, incapaz de sobreviver no


individualismo ou isolamento de seus pares, que surgem as primeiras formas de comunidade,

1
EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Trad. de René Ernani Gertz. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1986, p. 28.

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as quais se erigiram inicialmente por laços de parentesco, e cujo objetivo primordial foi o de
garantir a própria sobrevivência. Todavia, não pode a análise deste fenômeno limitar-se a tal
viés, posto que em muito pouco o diferencia dos mecanismos de sobrevivência construídos
por outros seres, irracionais, que buscam na convivência grupal sua segurança e mantença.

O homem primitivo vivia, segundo Thomas Hobbes, num estado de natureza,


onde vigorava “uma condição de guerra, porque cada um se imagina (com razão ou sem)
poderoso, perseguido, traído.”2, sendo no período pré-associativo tomado como ser irracional,
que buscava pela luta (guerra de todos contra todos) fazer vingar sua supremacia. Passando ao
estágio associativo, imprescindível era que fosse abandonada a idéia do conflito (permanente
estado de guerra), assim como era necessária a renúncia ao direito de autotutela. A
convivência em grupo, seja de natureza parental, familiar ou comunitária, exige
necessariamente a fixação de limites às liberdades de cada um dos indivíduos que integre o
conjunto social. Estes limites passam por regras mutuamente aceitas, às quais assim se refere
Eugen Ehrlich como “Uma associação ou organização social é um conjunto de pessoas que
em seu relacionamento mútuo reconhecem algumas regras como determinantes para seu agir e
em geral, de fato, agem de acordo com elas”3:

Não faz parte da natureza humana a voluntária renúncia a sua própria liberdade
individual, ao menos por completo, e por isto surge a necessidade de que o grupo social crie
mecanismos de controle deste ímpeto de autotutela e livre arbítrio. É então que surge a figura
do Estado, assim definida por Norberto Bobbio:

O Estado, entendido como ordenamento político de uma comunidade, nasce da


dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentesco e da
formação de comunidades mais amplas derivadas da união de vários grupos familiares
por razões de sobrevivência interna (o sustento) e externas (a defesa). (...) O nascimento
do Estado representa o ponto de passagem da idade primitiva, gradativamente
diferenciada em selvagem e bárbara, à idade civil, onde ‘civil’ está o mesmo tempo para
‘cidadão’ e ‘civilizado’ (Adam Ferguson). 4

Definição aproximada também é encontrada em Martin Carnoy, que assim se


expressa:

O enfoque naturalista considerava a sociedade civil como o reino da ordem sobre um


estado de natureza, no qual os homens encontravam-se em algumas sociedades pré-
estatais. A sociedade civil significava uma organização dos indivíduos, além da família,
produção, etc., em uma atividade coletiva governada pelas leis. Os homens ingressavam
2
WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política. Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau,
“O Federalista”. 6ªed. São Paulo: Editora Ática SA, 1995, P. 59.
3
EHRLICH, Eugen. op. cit., p. 37.
4
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade; por uma Teoria Geral da Política. Trad. Marco
Aurélio Nogueira. 4ªed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.73.

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voluntariamente nessa entidade coletiva, abrindo mão da liberdade a fim de proteger sua
liberdade. Assim, a sociedade civil era o estado de natureza organizado e governado
pela vontade coletiva, pelo Estado. E, segundo algumas interpretações, a própria
sociedade civil poderia até mesmo ser considerada como o próprio Estado. 5

O surgimento do Estado também se liga ao estabelecimento de uma nova ordem


social para os agrupamentos humanos que vão se formando à partir da expansão do
associativismo, em oposição ao individualismo selvagem. Esta ordem social não se restringe,
todavia, apenas às pessoas que compõe o conjunto social, mas abrange, também, no entender
de Giogio Balladore Pallieri, o aspecto geo-político. Afirma ele que “O Estado não aparece
para regular as relações sociais de alguns em vez das de certos outros, mas,
fundamentalmente, para regular as relações sociais que se desenvolvem num dado território.” 6

Para sintetizar as razões que levaram o homem a abandonar o estado de natureza


para organizar-se em sociedade, e, nesta, estruturar o Estado enquanto construção racional
necessária a disciplinar e organizar esta convivência coletiva, é correto afirmar que:

O Estado torna-se fruto da razão. O homem convence-se de que nele conseguirá obter
tudo aquilo que em natureza custa-lhe tão caro e, em muitos casos, é inatingível; aquilo
que vem de suas paixões e desejos que no Leviatã permanecem, embora transformados.
O cidadão não é um outro homem, o seu cálculo racional apenas tornou-se mais
complexo, entendendo que na sociedade estatal terá multiplicado, ou adquirido, a
possibilidade de uma vida exitosa.7

Percebe-se pois que o homem abandonou o estado de individualismo selvagem


para, renunciando a uma parcela de sua liberdade e autodeterminação, reunir-se em sociedade
organizada na convivência coletiva, e construir racionalmente uma organização capaz de
reger a todos à partir da soma das parcelas de liberdade individual que, pela renúncia de cada
membro, lhe foram outorgadas. Foi delegado a este organismo, denominado Estado, o papel
de garantir à sociedade e aos seus membros tudo aquilo que individualmente a estes fosse
difícil ou impossível de obter. Fala-se neste momento tanto das questões ligadas ao bem estar
(segurança, saúde, alimentação, educação) quanto também da regulação e disciplina das
relações mantidas internamente entre cada um dos membros da coletividade (poder de tutela),
fazendo com que cada membro observe respeito às regras necessárias à manutenção da vida
em sociedade.

Verifica-se que a trajetória de surgimento do Estado não se deu ao acaso, e que,


especialmente por decorrer de uma atitude racional do ser humano, foi direcionada a um fim
5
CARNOY, Martin. Estado e Teoria Política. 4ªed., São Paulo: Papirus, 1994, p91.
6
PALLIERI, Giorgio Balladore. A Doutrina do Estado. Vol.II, Coimbra: Coimbra Editora, 1969, p.77.
7
MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ainda Hobbes! In: Revista Jurídica. Ano I, nº1 (setembro de 1999),
Frederico Westphalen: URI, 1999, p.61.

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específico, o que nos leva a investigar qual a função ou papel que este ente jurídico
desempenha no contexto social. A análise mais acurada do tema relacionado ao papel do
Estado na organização social exige que se tenha em mente que toda organização coletiva é
permeada por uma relação, em verdade, de forças, sejam físicas ou sejam políticas, e que se
voltam à constante busca de hegemonia e poder.

É da natureza humana, assim como já foi dito com relação à busca da vida
associativa, também a busca da ascensão ao poder. Se na adesão à vida associativa o homem
renuncia à parte de sua liberdade individual, é certo que renuncia também à parte de seu
poder, assim definido como o uso da força.

Detém o Estado a função de centralizar, ou até monopolizar o poder,


especialmente se considerada a legitimidade do uso da força. Norberto Bobbio nos ensina
que:

El estado puede ser definido como el detentador del poder político y, por tanto, como
medio y fin de la acción política de los individuos y de los grupos en conflicto entre sí,
en cuanto es el conjunto de las instituciones queen un determinado territorio disponen, y
están capacitadas para valerse de ella en el momento oportuno, de la fuerza física para
resolver el conflicto entre los individuos y entre los grupos. Y puede disponer, y está
capacitado para utilizar, de la fuerza física por cuanto tiene el monopolio de la misma. 8

Cabe pois ao Estado o papel de monopolizar o uso da força física, sendo que este
poder de uso da força física decorre do poder político concedido ao Estado pelos membros
que compõe a sociedade. A própria necessidade de surgimento do Estado nasceu da convicção
racional dos indivíduos que compõe o grupo social, levando-os a concluir que o uso
indiscriminado das forças privadas individuais geraria uma situação auto-destrutiva de guerra
de todos contra todos. Assim, pela renúncia por parte de cada um ao uso privado da força em
favor do soberano é que, a partir deste momento, o ente em favor de quem se produziu dita
renúncia – Estado ou Soberano – é que se passou a ter um único titular do direito a dispor do
monopólio da força.9

O Estado pode ser visto como um órgão, ou instrumento a serviço da sociedade, e


seu papel primordial é o de defender e proteger esta contra quem está fora dela ou se opõe a
ela10. A ordem jurídica protege as pessoas e bens contra os que violaram as normas de agir da
sociedade. Quanto às demais finalidades atribuídas ao Estado, ditas de natureza interna, são

8
BOBBIO, Norberto. PONTARA, Giuliano. VECA, Salvatore. Crisis de la democracia. Barcelona: Editorial
Ariel S.A., 1985, p. 6-7.
9
Conforme Rousseau, em seu Contrato Social, apud WEFFORT, Francisco C. op. cit., p.214-237.
10
EHRLICH, Eugen. Op. cit., p.58.

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em verdade fruto das necessidades dos agrupamentos sociais, tais como as questões ligadas ao
bem estar das pessoas (segurança, saúde, alimentação, educação), e sua ordem de priorização
interna, ou eventual hierarquização, são variáveis ao longo do tempo e do espaço.

Uma vez definido que o papel do Estado está centralizado na monopolização do


uso da força, como ente administrador das parcelas de liberdade a que cada indivíduo
renunciou ao erigir o modelo de vida associativo, todas as demais atribuições ou funções que
o Estado venha a assumir dizem respeito às necessidades peculiares de cada uma destas
associações. Houve épocas e lugares em que se priorizou a defesa contra ameaças externas,
enquanto noutras o objetivo era a conquista de novas fronteiras através da expansão armada.
Assim também as necessidades de alimento, educação, saúde, segurança, e tantas outras,
presentes em nossos dias, são por excelência funções afetas ao Estado, eleitas segundo as
conjugações políticas formadas entre os membros da coletividade que a este se submete.

2 A Função Jurisdicional do Estado

Antigamente só as disputas que envolviam a sociedade como um todo eram


submetidas ao Estado. Os conflitos entre os indivíduos eram resolvidos pela própria
sociedade. A fragilização das relações sociais entre os indivíduos fez com que estes não
conseguissem mais solucionar seus conflitos pela arbitragem, levando suas demandas ao
Estado. A administração estatal da justiça não é fenômeno jurídico, mas sim econômico, e se
constitui em mais um serviço custeado e administrado pelos cofres públicos.11

Naqueles primórdios o direito não era monopolizado pelo Estado, mas se revelava
através de manifestações de leis divinas, devidamente interpretadas pelos sacerdotes das
diversas religiosidades vigentes em cada região ou cultura. Os órgãos de julgamento
(tribunais) surgiram da sociedade e não como órgãos estatais, e se destinavam a decidir
conflitos entre os integrantes da comunidade. Os tribunais estatais surgiram para proteger o
Estado (rei) e os inimigos da sociedade. O Estado se apoderou da competência de julgar os
conflitos, embora a sociedade tenha mantido sempre alguns mecanismos de julgamento
próprios, tais como a moral, a honra, o comportamento, a moda, etc.

Há várias teorias sobre jurisdição na doutrina processual, que podem ser


11
EHRLICH, Eugen. idem., p.111.

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sintetizadas nas lições de Giuseppe Chiovenda, Enrico Allorio e Francesco Carnelutti. Para o
primeiro a jurisdição reside em aplicar a lei à conduta dos indivíduos, realizando o direito
objetivo. Enrico Allorio, que sintetiza o pensar de Piero Calamandrei, Enrico Tulio Liebmann
e Eduardo Couture, defende que a jurisdição visa criar a coisa julgada, ou seja, decretar a
imutabilidade e indiscutibilidade do fato. Para Francesco Carnelutti a jurisdição consiste na
justa composição do litígio.12

Um dos papéis do Estado no processo de estatização da jurisdição foi o de


legitimar as decisões tomadas, bem como autorizar o cumprimento forçado destas, quando
necessário. Foi através do reconhecimento da supremacia da vontade coletiva (do Estado)
sobre a vontade individual, que “Ao buscar solução do conflito, delegou-se ao Estado a
possibilidade, através de uma decisão com poder de comando, de fazer a sua vontade
soberana substituir a vontade particular.”13

Outra função de significativa relevância na estatização da prestação jurisdicional


reside na busca da pacificação social, visto que para esta ser viável é preciso que hajam na
sociedade mecanismos efetivos de solução dos conflitos, conduzindo a um quadro de maior
estabilidade social. Segundo Ricardo Rodrigues Gama:

A estabilidade social é promovida pelo exercício da jurisdição, isso porque os


indivíduos agem e sabem que contam com um órgão que vai impor a outrem sua
vontade (assegurada por lei). Dessa forma, afasta-se a justiça pelas próprias mãos,
amparando-se aquele que realmente tem direito a ser protegido. Ainda, é importante
ressaltar que a própria coletividade tem interesse na paz social. 14

É possível afirmar que a atividade jurisdicional do Estado é, ao mesmo tempo, um


dever e um poder. É dever enquanto tarefa de ofertar aos indivíduos a tutela dos seus direitos,
quer quando em conflito com outros indivíduos, quer quando o litígio envolva toda sociedade,
ou o próprio Estado. Por outro lado, a jurisdição é poder, pois é instrumento de que dispõe o
Estado para controlar os indivíduos que compõe a sociedade, e, se necessário, legitimar o uso
da força física, cujo monopólio, pelo “contrato social”, foi entregue ao Estado Soberano.

A atividade jurisdicional do Estado surgiu, pois, para regular as relações entre os


indivíduos que compõe a organização social, tutelando os direitos que cada um destes já não
mais pode individualmente defender ou auto-tutelar. Neste sentido é correto afirmar que o
processo:
12
SILVA, Ovídio Baptista da. GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1997, p.62-73.
13
CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p.79.
14
GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade do Processo Civil. Campinas-SP: Editora Copola, 1999, p.38.

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deve ser visto como uma espécie de contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos
diante da proibição da autotutela, contrapartida essa que para ser efetiva, deve traduzir-
se na disposição prévia dos meios de tutela jurisdicional adequadas às necessidades de
tutela de cada uma das situações de direito substancial.15

É indiscutível que são várias as situações na vida das pessoas em sociedade que
levam à necessidade do serviço jurisdicional, quer seja visto este como instrumento de
aplicação da lei, imutabilização do fato ou composição do litígio. As pessoas podem buscar,
segundo a clássica classificação das ações 16, uma declaração, quando necessária uma certeza,
uma constituição, quando necessária a modificação de uma situação jurídica, um
mandamento, quando necessária uma ordem, uma condenação, quando da reparação de algum
prejuízo, ou ainda, segundo os contemporâneos 17, a prevenção de algum ilícito através da
tutela inibitória.

Em qualquer que seja a pretensão, a prestação jurisdicional deve ser vista como
um instrumento de acesso à ordem jurídica, eficaz, justo, e apto a realizar as finalidades ou
escopos desta prestação estatal. Segundo Cândido Rangel Dinamarco 18, as finalidades sociais
da jurisdição se dirigem à pacificação dos conflitos e à educação às regras de convivência. Já
as finalidades políticas dizem respeito à promoção do poder, liberdade e participação
enquanto valores fundamentais do Estado. Por fim, as finalidades jurídicas, já de caráter mais
técnico, voltam-se à preservação dos preceitos concretos do direito objetivo positivado.

Sobre os mesmos escopos da tutela jurisdicional encontramos ainda seguinte


análise, que de certa forma reprisa a lição referida:

por finalidade política da tutela jurisdicional entendemos o exercício da função típica do


Poder Judiciário concebida por Montesquieu, quando da proposta de tripartição dos
poderes do Estado como a solução dos conflitos de interesses intersubjetivos
eventualmente emergentes entre jurisdicionados. Por objetivo social da tutela
jurisdicional entendemos a efetiva capacidade de compor civilizadamente os conflitos
de interesses levados ao conhecimento do Judiciário. Através da solução desses
conflitos o Estado colima manter a paz da sociedade que organiza. Finalmente, o
desiderato jurídico da tutela jurisdicional transcende a mera solução de conflitos de
interesses, restaurando a paz social, mas implica, verdadeiramente, nas eternas palavras
de Chiovenda, aludindo ao processo como instrumento dessa finalidade: ‘o processo
deve proporcionar, na medida do possível, aquele que tem um direito, tudo aquilo que

15
FRANCO, Fernão Borba. A Fórmula do Devido Processo Legal. In. Revista de Processo. nº94, Abril-
Junho/1999, Instituto Brasileiro de Direito Processual, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.92.
16
A doutrina tradicionalmente classifica os provimentos jurisdicionais em Declaratórios, Constitutivos,
Mandamentais e Condenatórios, com pequenas variações segundo critérios próprios de cada autor, sendo que o
aprofundamento do tema não é relevante ao presente trabalho.
17
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória: individual e coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998.
18
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 1999,
p.159-223.

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se tem direito de obter’.19

A crescente complexidade das relações sociais dos dias atuais, aliada a diversos
outros fatores sociais e econômicos, gerou considerável aumento de demanda na busca da
prestação da tutela jurisdicional, o que, por conseguinte, veio criar, ou agravar, um problema
que já se mostra de conseqüências nefastas ao cidadão que depende do socorro estatal para
resguardar seus direitos, especialmente considerando que este mesmo está, ao menos pelo que
dispõe a ordem jurídica vigente, proibido de buscar a solução pela autotutela.

Por outro lado, a geração de demandas reprimidas pela carência de atendimento


trouxe novos mecanismos de prestação jurisdicional. A implantação dos Juizados Especiais de
Pequenas Causas abriu as portas do judiciário às demandas que anteriormente ficavam
excluídas da apreciação em face dos custos da máquina judiciária. Ainda, criou-se estímulo à
busca da conciliação, com a designação de audiência específica no processo civil, e
regulamentou-se a arbitragem, já de longa data aplicada em relações internacionais.

Entendemos que nenhum impedimento há que ser posto a qualquer meio de


composição de conflito que seja capaz de garantir a harmonia social, desde que respeitada
sempre a efetiva liberdade e autonomia do indivíduo em relação aos seus direitos
fundamentais. Tanto a arbitragem privada quanto a jurisdição estatal se prestam ao
atingimento dos escopos a que anteriormente nos referimos, cabendo ao Estado o papel de
regulamentar e fiscalizar ambas, não pelo seu conteúdo, mas pela sua forma, enquanto regras
do jogo a serem observadas pelas partes litigantes, e que garantam efetiva igualdade de
condições a ambos.

3 Jurisdição e Cidadania

A concepção de cidadania surgiu com a Revolução Francesa, onde o homem


passou da condição de servo, semi-escravo do soberano absolutista, para o status de
indivíduo, titular de garantias frente ao Estado de Direito. Embora de implementação pouco
efetiva, dos ideais de liberdade, fraternidade e igualdade, semeados com o levante de 1789,
germinou uma nova forma de relação entre os indivíduos que compõe o conjunto social, e o
19
ARMELIN, Roberto. e FONTES, João Roberto Egydio Piza. A Reforma do Estado e o Judiciário: em busca
da Eficácia Social da Prestação Jurisdicional. In Revista de Processo. nº91, Julho-Setembro/1998, Instituto
Brasileiro de Direito Processual, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.179.

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Estado, instituído para estar a serviço destes.

Uma definição oportuna, de considerável conteúdo, encontramos nas lições de


Giogio Balladore Pallieri, para quem a qualidade pessoal dos membros da sociedade assume
um papel essencial em face do Estado, não se devendo pois mais, em sede de cidadania, falar
de súditos do Estado-Soberano, mas sim em qualidades pessoais e permanentes dos
componentes da coletividade, chamados cidadãos. Afirma ele que:

A relação de cidadania constrói-se, portanto, com base num duplo pressuposto: que haja
um ordenamento estadual, isto é, um ordenamento político, que regule, complexiva e
unitàriamente, todas as relações sociais de um determinado grupo humano; e que a
pertinência a esse grupo seja determinada, não pela coexistência num território, mas por
qualidades pessoais e permanentes daqueles que o compõe. 20

Exige pois a cidadania, na concepção exposta, que o membro da sociedade seja


efetivo partícipe do processo de construção e condução desta, tendo pois pleno acesso a todos
o mecanismos de deliberação, execução e tutela prescritos no “contrato social” que
estabeleceu a criação do Estado. Não é questão de mera presença física no meio geo-espacial
sobre o qual estende o Estado sua Soberania, mas sim, de efetiva participação.

O indivíduo que, como vimos anteriormente, abdicou de sua liberdade individual,


ao menos em parte, em favor do ente abstrato denominado Estado, o fez de maneira a que
fossem lhe preservadas algumas garantias. Não entregou-se “de corpo e alma” ao Estado, em
troca da proteção deste, mas muniu-se de mecanismos de proteção contra uso abusivo dos
poderes que delegou. Foi através do resguardo de garantias – direitos – que o indivíduo
institui sua cidadania frente ao poder que delega em favor da coletividade ao Estado. Giogio
Balladore Pallieri adverte que “cidadania não significa apenas a atribuição formal de direitos a
sujeitos, mas a efetiva concretização destes” 21, com o que resta evidente a necessidade de que
os preceitos ligados à cidadania tenham efetividade, sob pena de simplesmente inexistirem.

A cidadania, para ser efetiva, exige que cada indivíduo tenha plenas condições de
participação na construção e gestão do contexto social em que se encontra inserido, não sendo
apenas massa de manobra ou coisa similar. É preciso que, para ser cidadão, o homem seja
agente de sua própria história.

Voltando mais concretamente ao tema, especialmente no que se refere à cidadania


enquanto status do indivíduo titular de direitos, e da construção de mecanismos de efetivação
destes, é oportuna a advertência que nos traz o professor José Alcebíades de Oliveira Júnior,
20
PALLIERI, Giorgio Balladore. Op. Cit., p.78.
21
PALLIERI, Giorgio Balladore. idem, p.192.

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avaliando o quadro atual.

Hoje, existe uma acentuada preocupação com a efetividade do direito, que formalmente
inclui a todos, mas que na prática exclui a muitos da cidadania. (...) Ao lado da visão
descritivista da Ciência Jurídica, é preciso assumir uma postura prescritivista, própria da
Sociologia Jurídica, em busca da efetividade do direito e portanto da concretização da
cidadania.22

É dentro desta visão de comprometimento e de busca do papel de cada elo da


composição social que se coloca o estudo da função jurisdicional do Estado, especialmente
aferindo sua estrutura lógica frente ao “contrato” celebrado pelo indivíduo abdicando do
direito de auto-tutela, em favor da coletividade – Estado – para em troca receber desta, a
prestação de uma tutela aos seus direitos individuais que resguardou, quer seja para protege-
los contra os demais indivíduos da coletividade, quer seja contra o próprio Estado.

Ao assumir a função jurisdicional, e o poder de fazer valer suas decisões, o Estado


também assumiu o dever de presta-la, sendo pois correto falar que a jurisdição é um poder-
dever-função do Estado, residindo no perfeito funcionamento desta requisito básico para
garantir a paz social.

É de se concluir, portando, que é prerrogativa do cidadão obter do Estado, sempre


que necessitar, a prestação jurisdicional, e que esta deve ser efetiva, ou seja, resolver o seu
problema. Efetividade aqui se entende tanto por ter o pleno acesso aos instrumentos de
jurisdição, quanto terem estes instrumentos celeridade capaz de satisfazer a pretensão sem que
a resposta se perca no tempo, que flui independentemente dos fatos e da vontade do homem.
Tem-se que é prerrogativa de que cada pessoa, para ser considerada efetivamente um cidadão,
tenha acesso a uma adequada prestação jurisdicional. Assim sendo é certo dizer que:

A organização judiciária deve, portanto, ter uma preocupação fundamental em cada vez
mais ampliar as possibilidades de acesso aos cidadãos. Cabe ao Poder Judiciário do
Estado estar aparelhado para preservar e assegurar a realização dos direitos civis e
políticos (direitos individuais), dos direitos sociais (coletivos) e direitos dos povos.23

O acesso à prestação da tutela jurisdicional deve ser amplo e irrestrito, livre de


empecilhos ou obstáculos que o maculem. Fernão Borba Franco, analisando o princípio
constitucional do acesso à justiça (art.5º, XXXV), assim se pronunciou:

Impende, para fiel observância do princípio em análise, impedir a criação de obstáculos


para que o cidadão busque seu direito no Poder Judiciário. (...) Fala-se daqueles
22
OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. O novo em Direito e Política. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1997, p.196.
23
CAVALCANTE, Felipe Vaconcellos. Considerações sobre o Acesso à Justiça e o Acesso ao Judiciário. In
Direitos & Deveres, nº5, Julho-Dezembro/1999, Maceió: Editora Universidade Federal de Alagoas, 1999,
p.72.

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obstáculos que impedem esse acesso de forma antidemocrárica, seja a pobreza, seja a
ignorância, seja o temor reverencial. Além destes obstáculos ilegítimos externos,
existem os internos, porventura existentes na lei ou em sua interpretação formalista,
distante da realidade.24

Sobre os limites impostos pelo formalismo jurídico, ainda bastante reinante no


meio administrativo e forense, é imperiosa a implantação de uma nova cultura, alicerçada nos
mais modernos ditames constitucionais. É preciso romper com a prática de interpretar a
Constituição à partir das normas ordinárias, para, ao contrário, adequar estas à nova ordem
constitucional, muito mais aberta e voltada para a defesa da cidadania em sua plenitude. Neste
sentido, é oportuna a lição que se transcreve:

A atual Constituição Federal brasileira privilegia, inegavelmente, enfoque mais


consentâneo com a realidade atual, preocupada com o aspecto social do processo,
potencializando os meios postos à disposição do cidadão para usa luta conta a opressão
política ou econômica. Daí ter assegurado o acesso à jurisdição em virtude de qualquer
lesão ou ameaça a direito, sem qualquer adjetivação (art.5º, XXXV). 25

Não há mais que se admitir a oposição de obstáculos de qualquer natureza


previstos na legislação ordinária, que não estejam em perfeita sintonia com o texto
constitucional. Assim, o acesso à jurisdição deve ser amplo e irrestrito, observados apenas os
pressupostos de admissibilidade legitimamente instituídos, em sintonia com esta ordem maior,
salvo ainda que eles próprios sejam, em si mesmos, empecilhos à plena tutela jurisdicional.

Por outro lado, como antes foi dito, a jurisdição precisa, além de ser amplamente
acessível, ser célere e efetiva em sua função. De nada adianta ao cidadão dispor dos meios
para recorrer à tutela jurisdicional se esta não puder resolver o problema apresentado. No
sentido que agora é defendida a efetividade da prestação jurisdicional como requisito da plena
cidadania, já em outra oportunidade nos posicionamos, afirmando que o acesso à efetiva
prestação jurisdicional é, antes de mais nada, uma questão de cidadania, garantindo-se ao
particular e à toda sociedade a tutela rápida e eficaz de suas garantias. Dissemos então que
deve a jurisdição, enquanto instrumento de tutela estatal, dispor de mecanismos que realizem,
efetivamente, a Justiça.26

Infelizmente a realidade em que se encontra o aparato estatal nos dias atuais está a
depor contra a sua finalidade, especialmente no que se refere à função jurisdicional.
Considerando desde a estrutura material e pessoal defasada, passando pelos obstáculos
24
FRANCO, Fernão Borba. Op. cit., p.82
25
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do Formalismo no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1997, p.103-
104.
26
BUTTENBENDER, Carlos Francisco. A Antecipação dos Efeitos da Tutela Jurisdicional Pretendida.
2ªed., Porto Alegre: Editora Síntese, 1999, p.30.

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artigo de Carlos Francisco Büttenbender

econômicos e sociológicos impostos à maioria da população, e chegando ao truncado e


obsoleto ordenamento processual positivado, não há como não se chegar ao ponto de pensar
na desnecessidade do Estado, e empreender caminhada rumo ao retorno à autotutela.

Poeticamente já bradava contra a inoperância da tutela jurisdicional o inesquecível


jurista e poeta Rui Barbosa, quando em sua Oração aos Moços, dizia que “justiça atrasada
não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do
julgador contraria o direito escrito das partes.” E não há como esconder. Nos dias atuais é
duvidosa qualquer afirmativa no sentido de que o homem, enquanto indivíduo titular de
direitos e garantias, seja efetivamente cidadão, na plenitude do termo. Não há mais que se
admitir a cômoda omissão, de quem quer que seja, pois:

A realidade mostra que não é mais possível a sociedade suportar a morosidade da


justiça, quer pela ineficiência dos serviços forenses, quer pela indolência dos seus
Juízes. É tempo de se exigir uma tomada de posição do Estado para solucionar a
negação da Justiça por retardamento da entrega da prestação jurisdicional. 27

Mas, como dizia Geraldo Vandré, “para não dizer que não falei das flores”, não
pode o presente trabalho ser fechado sem um grito de otimismo, e de defesa do combalido
Estado sobre o qual nos debruçamos até o presente momento neste trabalho. Nos fala com
muita precisão Pedro Demo, para quem:

Parece superada de vez a pretensão de eliminar o Estado. Pois não é apenas inevitável.
É sobretudo necessário, em nome do bem-estar comum, desde que exista democracia
que reconheça o bem-estar comum como objetivo compartilhado e direito de todos. O
Estado cumpre a função de serviço público, criada e controlada pela sociedade
organizada. A discussão volta-se, então, para a qualificação do Estado: precisa ser
legítimo, democrático e de serviço público.28 (grifo no original)

É preciso que seja encarado de frente o problema da atual crise de cidadania em


que vive o homem, frente à ineficácia do Estado em atender às suas funções. É preciso
resgatar a idéia de que o Estado nada mais é que fruto do natural espírito associativo do
homem, incapaz de sobreviver no individualismo das atuais culturas dominantes.

Cabe ao homem, como ser racional, convencer-se de que precisa fortalecer o


elemento que representa a oposição ao isolamento individualista, para que possa, como já
anteriormente citado29, através da sociedade organizada em torno do Estado atuante, alcançar
na vida os êxitos que individualmente são inatingíveis.

27
DELGADO, José Augusto. Responsabilidade Civil do Estado – A Demora na Entrega da Prestação
Jurisdicional. In Revista Jurídica nº226, Agosto/1996, Porto Alegre: Editora Síntese, 1996, p.24.
28
DEMO, Pedro. Cidadania tutelada e cidadania assistida. Campinas/SP: Autores Associados, 1995. p.9.
29
MORAIS, José Luiz Bolzan de. Op. cit., p.61

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto em que se encontra inserida a humanidade nos dias atuais leva,


inevitavelmente, ao questionamento sobre qual seja o sentido da existência humana,
dedicando-se consideráveis energias na busca de parâmetros sobre nossas origens, paradigmas
para nossa identificação, e perspectivas sobre nosso destino futuro.

Uma das faces deste questionamento diz respeito à organização social do homem,
enquanto ser incapaz de sobreviver isolado, e que necessita constantemente viabilizar
mecanismos de convivência. Mecanismos estes que exigem constante aperfeiçoamento,
especialmente diante das novas formas de relacionamento que a cada dia surgem, quer sejam
de ordem política, com a derrubada de fronteiras, sejam econômicas, com a crescente
liberdade de circulação de bens e pessoas, sejam culturais, com as novas formas de
comunicação e transmissão de cultura que a tecnologia a cada novo dia oferece.

Ao aceitar a convivência grupal, o homem forçou-se à renúncia de parcela de sua


liberdade, em respeito às liberdades dos demais componentes do agrupamento. Como forma
de administração destas renúncias, surgiu o Estado, como ser abstrato em favor do qual foram
feitas as renúncias individuais, e ao qual foi debitado o dever de zelar por cada um dos
indivíduos que compõe o quadro social.

Este indivíduo, que renunciou a parte de sua liberdade, outorgou-se algumas


garantias e direitos, os quais, em seu conjunto, compõe os requisitos da cidadania. Para
adquirir o status de cidadão, o homem assegurou-se mecanismos de proteção contra o uso
abusivo dos poderes que delegou, especialmente instituindo regras jurídicas e mecanismos de
participação nos processos que definem os rumos da sociedade em que convive. Outra
condição que se reservou, enquanto cidadão, foi a de ter acesso às funções que delegou ao
Estado, impondo a este o dever de presta-las com total eficácia.

Restou afeta ao Estado a função de zelar pela paz social, protegendo os direitos de
cada indivíduo frente aos demais pares, ou contra quem quer que pretendesse viola-los. Este
dever estatal é representado pela função jurisdicional, a quem compete solucionar os conflitos
surgidos no meio social, pacificando as relações e as condutas dos seus membros.

É vital compreender como se dá a interação entre o Estado, enquanto ente

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responsável pela organização social, a jurisdição, enquanto função estatal responsável pela
pacificação social, e a cidadania, especialmente vista frente aos limites e obstáculos que são
postos aos indivíduos para acessarem a prestação jurisdicional adequada e efetiva.

É possível concluir que o Estado, na sua atual conformação, encontra-se em


profundo débito para com a sociedade, eis que pelas deficiências apontadas no desempenho
de sua função jurisdicional, especialmente ligadas aos obstáculos de acesso e à falta de
efetividade da mesma, e sendo esta uma função essencial do Estado, coloca em xeque a
plenitude da cidadania, posto que não é concretizada de modo satisfatório.

Não é o caso de ser adotada postura radical, de extinção do Estado, por lhe faltar
um adequado desempenho de uma de suas funções essenciais, que é jurisdição. O argumento
de que na ausência da tutela estatal estaria o homem autorizado à auto-tutela é, ao menos por
ora, irracional e precipitado, pois tende a reaproximar o homem do hobbesiano estado
selvagem de guerra generalizada.

Cabe a cada indivíduo que compõe o todo social o dever de zelar pela manutenção
de um Estado forte e atuante, o que não significa autoritário. Este dever é proporcional à
posição que cada pessoa ocupa na sociedade, sendo necessário que cada um, dedicando todos
os meios de que dispõe, se empenhe em construir um Estado legítimo e democrático, que,
enquanto serviço público, construa ambiente adequado a uma cidadania plena.

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COMO CITAR ESTE ARTIGO:

BÜTTENBENDER, Carlos Francisco. A plenitude da cidadania diante da ineficiência da


prestação jurisdicional. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso
em xx de xxxxxxxx de xxxx

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