Teoria Do Estado
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RESUMO
INTRODUÇÃO
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artigo de Carlos Francisco Büttenbender
Estado em uma de suas funções essenciais, qual seja, a prestação jurisdicional. É preciso
compreender as finalidades da prestação jurisdicional, bem como os instrumentos de que
dispõe o Estado para sua realização.
O presente trabalho uca ser uma luz sobre o tema, a qual, ainda que tênue, poderá
iluminar muito se aliada às tantas outras que diariamente afloram nas academias. Não há
pretensão nenhuma de esgotamento do tema, mas sim, de conseguir uma melhor compreensão
da temática posta, tanto com a finalidade de subsidiar futuros trabalhos, quanto de
singelamente contribuir na construção do saber.
garante a sobrevivência dos que são capazes de se associarem, tornando-os mais fortes,
porque são beneficiados pela força de toda associação. (...) Através da agregação de
associações originárias como as parentelas, as famílias, as comunidades domésticas,
surge a tribo, e num estágio posterior o povo. 1
1
EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Trad. de René Ernani Gertz. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1986, p. 28.
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as quais se erigiram inicialmente por laços de parentesco, e cujo objetivo primordial foi o de
garantir a própria sobrevivência. Todavia, não pode a análise deste fenômeno limitar-se a tal
viés, posto que em muito pouco o diferencia dos mecanismos de sobrevivência construídos
por outros seres, irracionais, que buscam na convivência grupal sua segurança e mantença.
Não faz parte da natureza humana a voluntária renúncia a sua própria liberdade
individual, ao menos por completo, e por isto surge a necessidade de que o grupo social crie
mecanismos de controle deste ímpeto de autotutela e livre arbítrio. É então que surge a figura
do Estado, assim definida por Norberto Bobbio:
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voluntariamente nessa entidade coletiva, abrindo mão da liberdade a fim de proteger sua
liberdade. Assim, a sociedade civil era o estado de natureza organizado e governado
pela vontade coletiva, pelo Estado. E, segundo algumas interpretações, a própria
sociedade civil poderia até mesmo ser considerada como o próprio Estado. 5
O Estado torna-se fruto da razão. O homem convence-se de que nele conseguirá obter
tudo aquilo que em natureza custa-lhe tão caro e, em muitos casos, é inatingível; aquilo
que vem de suas paixões e desejos que no Leviatã permanecem, embora transformados.
O cidadão não é um outro homem, o seu cálculo racional apenas tornou-se mais
complexo, entendendo que na sociedade estatal terá multiplicado, ou adquirido, a
possibilidade de uma vida exitosa.7
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específico, o que nos leva a investigar qual a função ou papel que este ente jurídico
desempenha no contexto social. A análise mais acurada do tema relacionado ao papel do
Estado na organização social exige que se tenha em mente que toda organização coletiva é
permeada por uma relação, em verdade, de forças, sejam físicas ou sejam políticas, e que se
voltam à constante busca de hegemonia e poder.
É da natureza humana, assim como já foi dito com relação à busca da vida
associativa, também a busca da ascensão ao poder. Se na adesão à vida associativa o homem
renuncia à parte de sua liberdade individual, é certo que renuncia também à parte de seu
poder, assim definido como o uso da força.
El estado puede ser definido como el detentador del poder político y, por tanto, como
medio y fin de la acción política de los individuos y de los grupos en conflicto entre sí,
en cuanto es el conjunto de las instituciones queen un determinado territorio disponen, y
están capacitadas para valerse de ella en el momento oportuno, de la fuerza física para
resolver el conflicto entre los individuos y entre los grupos. Y puede disponer, y está
capacitado para utilizar, de la fuerza física por cuanto tiene el monopolio de la misma. 8
Cabe pois ao Estado o papel de monopolizar o uso da força física, sendo que este
poder de uso da força física decorre do poder político concedido ao Estado pelos membros
que compõe a sociedade. A própria necessidade de surgimento do Estado nasceu da convicção
racional dos indivíduos que compõe o grupo social, levando-os a concluir que o uso
indiscriminado das forças privadas individuais geraria uma situação auto-destrutiva de guerra
de todos contra todos. Assim, pela renúncia por parte de cada um ao uso privado da força em
favor do soberano é que, a partir deste momento, o ente em favor de quem se produziu dita
renúncia – Estado ou Soberano – é que se passou a ter um único titular do direito a dispor do
monopólio da força.9
8
BOBBIO, Norberto. PONTARA, Giuliano. VECA, Salvatore. Crisis de la democracia. Barcelona: Editorial
Ariel S.A., 1985, p. 6-7.
9
Conforme Rousseau, em seu Contrato Social, apud WEFFORT, Francisco C. op. cit., p.214-237.
10
EHRLICH, Eugen. Op. cit., p.58.
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em verdade fruto das necessidades dos agrupamentos sociais, tais como as questões ligadas ao
bem estar das pessoas (segurança, saúde, alimentação, educação), e sua ordem de priorização
interna, ou eventual hierarquização, são variáveis ao longo do tempo e do espaço.
Naqueles primórdios o direito não era monopolizado pelo Estado, mas se revelava
através de manifestações de leis divinas, devidamente interpretadas pelos sacerdotes das
diversas religiosidades vigentes em cada região ou cultura. Os órgãos de julgamento
(tribunais) surgiram da sociedade e não como órgãos estatais, e se destinavam a decidir
conflitos entre os integrantes da comunidade. Os tribunais estatais surgiram para proteger o
Estado (rei) e os inimigos da sociedade. O Estado se apoderou da competência de julgar os
conflitos, embora a sociedade tenha mantido sempre alguns mecanismos de julgamento
próprios, tais como a moral, a honra, o comportamento, a moda, etc.
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sintetizadas nas lições de Giuseppe Chiovenda, Enrico Allorio e Francesco Carnelutti. Para o
primeiro a jurisdição reside em aplicar a lei à conduta dos indivíduos, realizando o direito
objetivo. Enrico Allorio, que sintetiza o pensar de Piero Calamandrei, Enrico Tulio Liebmann
e Eduardo Couture, defende que a jurisdição visa criar a coisa julgada, ou seja, decretar a
imutabilidade e indiscutibilidade do fato. Para Francesco Carnelutti a jurisdição consiste na
justa composição do litígio.12
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deve ser visto como uma espécie de contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos
diante da proibição da autotutela, contrapartida essa que para ser efetiva, deve traduzir-
se na disposição prévia dos meios de tutela jurisdicional adequadas às necessidades de
tutela de cada uma das situações de direito substancial.15
É indiscutível que são várias as situações na vida das pessoas em sociedade que
levam à necessidade do serviço jurisdicional, quer seja visto este como instrumento de
aplicação da lei, imutabilização do fato ou composição do litígio. As pessoas podem buscar,
segundo a clássica classificação das ações 16, uma declaração, quando necessária uma certeza,
uma constituição, quando necessária a modificação de uma situação jurídica, um
mandamento, quando necessária uma ordem, uma condenação, quando da reparação de algum
prejuízo, ou ainda, segundo os contemporâneos 17, a prevenção de algum ilícito através da
tutela inibitória.
Em qualquer que seja a pretensão, a prestação jurisdicional deve ser vista como
um instrumento de acesso à ordem jurídica, eficaz, justo, e apto a realizar as finalidades ou
escopos desta prestação estatal. Segundo Cândido Rangel Dinamarco 18, as finalidades sociais
da jurisdição se dirigem à pacificação dos conflitos e à educação às regras de convivência. Já
as finalidades políticas dizem respeito à promoção do poder, liberdade e participação
enquanto valores fundamentais do Estado. Por fim, as finalidades jurídicas, já de caráter mais
técnico, voltam-se à preservação dos preceitos concretos do direito objetivo positivado.
15
FRANCO, Fernão Borba. A Fórmula do Devido Processo Legal. In. Revista de Processo. nº94, Abril-
Junho/1999, Instituto Brasileiro de Direito Processual, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.92.
16
A doutrina tradicionalmente classifica os provimentos jurisdicionais em Declaratórios, Constitutivos,
Mandamentais e Condenatórios, com pequenas variações segundo critérios próprios de cada autor, sendo que o
aprofundamento do tema não é relevante ao presente trabalho.
17
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória: individual e coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998.
18
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 1999,
p.159-223.
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A crescente complexidade das relações sociais dos dias atuais, aliada a diversos
outros fatores sociais e econômicos, gerou considerável aumento de demanda na busca da
prestação da tutela jurisdicional, o que, por conseguinte, veio criar, ou agravar, um problema
que já se mostra de conseqüências nefastas ao cidadão que depende do socorro estatal para
resguardar seus direitos, especialmente considerando que este mesmo está, ao menos pelo que
dispõe a ordem jurídica vigente, proibido de buscar a solução pela autotutela.
3 Jurisdição e Cidadania
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A relação de cidadania constrói-se, portanto, com base num duplo pressuposto: que haja
um ordenamento estadual, isto é, um ordenamento político, que regule, complexiva e
unitàriamente, todas as relações sociais de um determinado grupo humano; e que a
pertinência a esse grupo seja determinada, não pela coexistência num território, mas por
qualidades pessoais e permanentes daqueles que o compõe. 20
A cidadania, para ser efetiva, exige que cada indivíduo tenha plenas condições de
participação na construção e gestão do contexto social em que se encontra inserido, não sendo
apenas massa de manobra ou coisa similar. É preciso que, para ser cidadão, o homem seja
agente de sua própria história.
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Hoje, existe uma acentuada preocupação com a efetividade do direito, que formalmente
inclui a todos, mas que na prática exclui a muitos da cidadania. (...) Ao lado da visão
descritivista da Ciência Jurídica, é preciso assumir uma postura prescritivista, própria da
Sociologia Jurídica, em busca da efetividade do direito e portanto da concretização da
cidadania.22
A organização judiciária deve, portanto, ter uma preocupação fundamental em cada vez
mais ampliar as possibilidades de acesso aos cidadãos. Cabe ao Poder Judiciário do
Estado estar aparelhado para preservar e assegurar a realização dos direitos civis e
políticos (direitos individuais), dos direitos sociais (coletivos) e direitos dos povos.23
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obstáculos que impedem esse acesso de forma antidemocrárica, seja a pobreza, seja a
ignorância, seja o temor reverencial. Além destes obstáculos ilegítimos externos,
existem os internos, porventura existentes na lei ou em sua interpretação formalista,
distante da realidade.24
Por outro lado, como antes foi dito, a jurisdição precisa, além de ser amplamente
acessível, ser célere e efetiva em sua função. De nada adianta ao cidadão dispor dos meios
para recorrer à tutela jurisdicional se esta não puder resolver o problema apresentado. No
sentido que agora é defendida a efetividade da prestação jurisdicional como requisito da plena
cidadania, já em outra oportunidade nos posicionamos, afirmando que o acesso à efetiva
prestação jurisdicional é, antes de mais nada, uma questão de cidadania, garantindo-se ao
particular e à toda sociedade a tutela rápida e eficaz de suas garantias. Dissemos então que
deve a jurisdição, enquanto instrumento de tutela estatal, dispor de mecanismos que realizem,
efetivamente, a Justiça.26
Infelizmente a realidade em que se encontra o aparato estatal nos dias atuais está a
depor contra a sua finalidade, especialmente no que se refere à função jurisdicional.
Considerando desde a estrutura material e pessoal defasada, passando pelos obstáculos
24
FRANCO, Fernão Borba. Op. cit., p.82
25
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do Formalismo no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1997, p.103-
104.
26
BUTTENBENDER, Carlos Francisco. A Antecipação dos Efeitos da Tutela Jurisdicional Pretendida.
2ªed., Porto Alegre: Editora Síntese, 1999, p.30.
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Mas, como dizia Geraldo Vandré, “para não dizer que não falei das flores”, não
pode o presente trabalho ser fechado sem um grito de otimismo, e de defesa do combalido
Estado sobre o qual nos debruçamos até o presente momento neste trabalho. Nos fala com
muita precisão Pedro Demo, para quem:
Parece superada de vez a pretensão de eliminar o Estado. Pois não é apenas inevitável.
É sobretudo necessário, em nome do bem-estar comum, desde que exista democracia
que reconheça o bem-estar comum como objetivo compartilhado e direito de todos. O
Estado cumpre a função de serviço público, criada e controlada pela sociedade
organizada. A discussão volta-se, então, para a qualificação do Estado: precisa ser
legítimo, democrático e de serviço público.28 (grifo no original)
27
DELGADO, José Augusto. Responsabilidade Civil do Estado – A Demora na Entrega da Prestação
Jurisdicional. In Revista Jurídica nº226, Agosto/1996, Porto Alegre: Editora Síntese, 1996, p.24.
28
DEMO, Pedro. Cidadania tutelada e cidadania assistida. Campinas/SP: Autores Associados, 1995. p.9.
29
MORAIS, José Luiz Bolzan de. Op. cit., p.61
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das faces deste questionamento diz respeito à organização social do homem,
enquanto ser incapaz de sobreviver isolado, e que necessita constantemente viabilizar
mecanismos de convivência. Mecanismos estes que exigem constante aperfeiçoamento,
especialmente diante das novas formas de relacionamento que a cada dia surgem, quer sejam
de ordem política, com a derrubada de fronteiras, sejam econômicas, com a crescente
liberdade de circulação de bens e pessoas, sejam culturais, com as novas formas de
comunicação e transmissão de cultura que a tecnologia a cada novo dia oferece.
Restou afeta ao Estado a função de zelar pela paz social, protegendo os direitos de
cada indivíduo frente aos demais pares, ou contra quem quer que pretendesse viola-los. Este
dever estatal é representado pela função jurisdicional, a quem compete solucionar os conflitos
surgidos no meio social, pacificando as relações e as condutas dos seus membros.
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responsável pela organização social, a jurisdição, enquanto função estatal responsável pela
pacificação social, e a cidadania, especialmente vista frente aos limites e obstáculos que são
postos aos indivíduos para acessarem a prestação jurisdicional adequada e efetiva.
Não é o caso de ser adotada postura radical, de extinção do Estado, por lhe faltar
um adequado desempenho de uma de suas funções essenciais, que é jurisdição. O argumento
de que na ausência da tutela estatal estaria o homem autorizado à auto-tutela é, ao menos por
ora, irracional e precipitado, pois tende a reaproximar o homem do hobbesiano estado
selvagem de guerra generalizada.
Cabe a cada indivíduo que compõe o todo social o dever de zelar pela manutenção
de um Estado forte e atuante, o que não significa autoritário. Este dever é proporcional à
posição que cada pessoa ocupa na sociedade, sendo necessário que cada um, dedicando todos
os meios de que dispõe, se empenhe em construir um Estado legítimo e democrático, que,
enquanto serviço público, construa ambiente adequado a uma cidadania plena.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade; por uma Teoria Geral da Política.
Trad. Marco Aurélio Nogueira. 4ªed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
CARNOY, Martin. Estado e Teoria Política. 4ªed., São Paulo: Papirus, 1994.
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FRANCO, Fernão Borba. A Fórmula do Devido Processo Legal. In. Revista de Processo.
nº94, Abril-Junho/1999, Instituto Brasileiro de Direito Processual, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória: individual e coletiva. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998.
MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ainda Hobbes! In: Revista Jurídica. Ano I, nº1 (setembro de
1999), Frederico Westphalen: URI, 1999.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do Formalismo no Processo Civil. São Paulo:
Saraiva, 1997.
OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de. O novo em Direito e Política. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997.
SILVA, Ovídio Baptista da. GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
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