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➔ Água como Indutora de Desenvolvimento*
Desde os primórdios, a água assumiu um importante papel para o desenvolvimento
das sociedades. Historiadores datam que até o Período Neolítico os primeiros seres humanos viviam de forma nômade. Foi apenas a partir da descoberta dos rios Jordão, Eufrates, Tigre e Nilo que o homem passou a ter um lugar fixo para viver, plantar sua própria comida e criar animais, dando início ao desenvolvimento das primeiras grandes civilizações e, consequentemente, seus aspectos políticos, sociais e econômicos. Mesmo com o aumento da complexidade humana em viver, se organizar e produzir, migrando, inclusive, do cenário rural para o urbano, historiadores como Gercinair Gandara apontam, com base na chamada “Teoria Hidráulica”, que o crescimento e desenvolvimento das cidades em todo o mundo, se deu a partir da “beira”, ou seja, cresceram à custa dos seus rios e mares. Nesta mesma perspectiva, urbanistas como Danilo Zibordi e Alessandra Strassa (2022) ressaltam que as fontes hídricas sempre foram cruciais ao desenvolvimento urbano, que, em síntese, foram estrategicamente abraçadas como percurso primordial ao desenvolvimento das cidades. No entanto, durante o processo de crescimento urbano e até mesmo agrícola, a água passou a ser refém de desvios irregulares, desperdícios em larga escala, além de ser posta como rota de escoamento de esgoto e outros detritos. Nas palavras da professora Leonor Assad, a mesma sociedade que abraçou os recursos hídricos para se desenvolver, agora “lhe vira as costas”. Há que se falar ainda de outras problemáticas, como a má distribuição geográfica, política e econômica da água, que impacta não apenas na qualidade de vida dos seres vivos, mas também no desenvolvimento dos países. Segundo o relatório de 2022 das Nações Unidas, quase 99% da água doce encontrada no planeta terra é de difícil acesso por ser subterrânea ou por estar concentrada nas geleiras, ficando apenas 1% para fácil consumo. Dentro desta última porcentagem, menos de 3% dos recursos hídricos do mundo é adequada à irrigação e consumo. Além disso, os maiores volumes de água no mundo estão concentrados em apenas sete países, são eles: Brasil, Rússia, Canadá, Indonésia, China, Colômbia e Estados Unidos. A situação ainda é agravada quando se percebe que a desigualdade de distribuição também ocorre internamente nos países. Dentro deste cenário passaremos a analisar a situação do Brasil. Segundo a Agência Nacional das Águas (ANA), o Brasil apesar de possuir a maior reserva mundial de água potável, com cerca de 12% do total existente de água doce do planeta, é fortemente marcado pela desigualdade de distribuição dos recursos hídricos, principalmente pelas características geoambientais do seu território, ou seja, a maior parte do volume de águas do país, está concentrada na região Norte que detém a menor densidade demográfica. Já a região Sudeste, marcada pelo maior número de distribuição de habitantes, possui uma das menores concentrações de água própria para consumo no Brasil. Em termos hidrológicos, outro problema enfrentado no país, é o padrão cultural da utilização desses recursos. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 39% da água brasileira é desperdiçada durante o processo de distribuição, isso ocorre tanto por conta dos inúmeros vazamentos nas redes de tubulação, quanto pelos erros de medição e ligações clandestinas ou não cadastradas. Por outro lado, o caráter predatório assumido pelo setor industrial e agrícola basileiro, também chama atenção dado que acaba retendo mais de 70% das reservas potáveis do território nacional, sendo parte importante no desequilíbrio do ciclo hídrico nacional. Entretanto, o desafio da universalização do acesso à água vai muito além da desordenação da sua gestão. A falta de planejamento estratégico das cidades também é parte responsável pela falta de acesso à água tratada por toda a população. Cerca de quase 20% dos habitantes encontram-se fora das zonas de águas propícias para uso seguro, seja por estarem em áreas de construções irregulares ou reféns da mercantilização do recurso em discussão. Britto (2016) destaca a existência de um certo racismo na distribuição da água, marcado pela exclusão hidrossocial que prioriza o abastecimento de áreas nobres em detrimento de regiões marginalizadas. Estes elementos trazem à tona a necessidade de aprofundamento e reflexão da temática também sob o olhar do campo de pesquisa do direito econômico. Afinal, esses imbróglios acabam por afetar o desenvolvimento econômico e social do país ao passo que a injusta distribuição da água potável se expressa na exclusão de determinados grupos sociais ao mínimo existencial e sua escassez enquanto insumo econômico alcança os setores de produção e circulação de produtos e serviços, como o de geração de energia e o de produção alimentícia para exportação, base da economia nacional. Nas palavras de Swyngedouw (2004), a circulação da água também faz circular dinheiro e capital, de tal modo que o seu desequilíbrio pode impactar drasticamente a valoração de tributos e o PIB. Nesta perspectiva, Petrella (2000) ressalta que a água deve ser encarada como um bem econômico. De modo que, segundo Adalberto e Marta Capellari (2018), o Estado precisaria intervir no controle e exploração da água, dado o valor econômico agregado ao longo dos séculos. O que se observa, então, é que o Brasil ainda necessita da participação positiva do Estado na regulação do ciclo urbano da água e na promoção de um crescimento econômico voltado ao planejamento, estoque e reposição da água, como afirmam José Silva e Talden Farias (2019). Há, portanto, muitos desafios que precisam ser enfrentados para além da implementação de um sistema normativo, dado que se faz necessário a capacitação dos órgãos nacionais responsáveis, a fiscalização efetiva e a formulação de planejamentos urbanos exequíveis para proporcionar não apenas o acesso à água a toda a população, mas também garantir o bom desempenho da economia nacional. Cabe ressaltar que a água além de ser essencial à vida, é um direito humano universal, reconhecida pela ONU como elemento fundamental ao gozo pleno não apenas da vida, mas como dos demais direitos. Entretanto, tornou-se instrumento de relações de poder numa corrida desenfreada pelo controle privado dos recursos hídricos que tem buscado a desconstrução do sistema de fornecimento público, despertando, inclusive, o interesse internacional na disputa pelo domínio das reservas nacionais, como destaca Borghetti (2004). É preciso, portanto, assegurar a concretização dos princípios econômicos da defesa do meio ambiente e redução das desigualdades regionais e sociais, possibilitando através da segurança hídrica, a participação dos sujeitos sociais marginalizados na economia nacional e no processo de desenvolvimento do Estado de forma integral. Afinal, negar estas condições é negar a participação do homem ao desenvolvimento pátrio, inclusive à sua condição de cidadão pleno que participa da vida social, política e cultural do seu país.