A Atitude Investigativa No Trabalho Do Assistente Social

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IV Seminário Nacional: Serviço Social, Trabalho e Política Social – SENASS

Universidade Federal de Santa Catarina


Florianópolis – 04 a 06 de julho de 2022

A ATITUDE INVESTIGATIVA E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA


CENA CONTEMPORÂNEA

JAVARONI, Ana Flávia Merchan Ferraz Grizzo1


SILVA, Letícia Sabino de Almeida2
SOLCIA, Vanessa Mara3
LEHFELD, Neide Aparecida de Souza4
DUTRA, Nayara Hakime5

RESUMO: Este artigo apresenta uma reflexão sobre a atitude investigativa e o trabalho do
assistente social na cena contemporânea, sobretudo no exercício profissional na Política de
Assistência Social, além de um levantamento das dissertações e teses do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da UNESP,
Campus de Franca/SP. Utilizou-se como metodologia as pesquisas bibliográfica e
documental, baseadas em livros, revistas, teses, dissertações, artigos e sites da internet.
Concluiu-se que a relação das dimensões investigativa e interventiva na prática profissional
é fundamental para a compreensão crítica da realidade, frente às manifestações da questão
social, repercussão da luta de classes do sistema capitalista. E que os referenciais da
profissão das últimas décadas, como as diretrizes curriculares do Serviço Social e as
publicações articuladas pelo Conselho Federal de Serviço Social contribuem para a
sustentação teórica e metodológica deste processo de intervenção.

PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa; Assistência Social; Atitude investigativa.

INTRODUÇÃO

1 Assistente Social, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade


Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail: ana.grizzo@unesp.br.
2 Assistente Social, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade

Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail: leticiasabino10@hotmail.com .


3 Assistente Social, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade

Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail: vanessamasol@gmail.com.


4 Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Estadual

Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail: nlehfeld@gmail.com.


5 Professora Assistente Doutora do Departamento de Serviço Social da Unesp -Franca, docente do

Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UNESP , líder do Grupo de Estudos e Pesquisas


sobre Famílias (GEPEFA),nayara.nakime@unesp.br

1
O presente artigo tem o objetivo de apresentar reflexões sobre a atitude investigativa
e o trabalho do assistente social na cena contemporânea, especialmente na Política de
Assistência Social. Pretende-se demonstrar um levantamento realizado das dissertações e
teses do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da UNESP de Franca/SP, defendidas no período de janeiro de 2019 a
julho de 2021, que são relativos à mencionada Política.
O interesse em pesquisar esta temática, assim como realizar o levantamento das
teses e dissertações publicadas no repositório do Programa, relacionadas à Política de
Assistência Social, foi em decorrência da trajetória profissional das autoras e da disciplina
de Pesquisa Social I, por ser um assunto essencial para a intervenção profissional e
ampliação do conhecimento, além de ser atribuição do assistente social, conforme Lei nº
8662/1993, que regulamenta a profissão.
A indagação que permeia o estudo é a relação entre a pesquisa e o trabalho
profissional, sobretudo na Política de Assistência Social. Diante do processo histórico em
que a pesquisa se evidencia no âmbito do Serviço Social brasileiro, pode-se destacar que a
partir de 1960, com o Movimento de Reconceituação, ocorreram avanços significativos na
produção de conhecimento e pesquisa, em meio a um complexo cenário de luta e
repressão. Houve aproximação da categoria dos assistentes sociais com a teoria social de
Marx, que contribuiu com a construção do rigor teórico e metodológico para a formação e
exercício profissional, evidenciando a pesquisa como instrumento que permite a análise
crítica da realidade.
A esfera pública historicamente, é a maior empregadora de Assistentes Sociais
(Iamamoto, 2009), os quais desenvolvem seus trabalhos diante das complexas demandas
que emergem todos os dias. Dentre as Políticas Públicas destaca-se a da Assistência Social
como um dos maiores campos de atuação e como cenário privilegiado de intervenção e
investigação.
Para o desenvolvimento, deste estudo, realizou-se pesquisa bibliográfica, de caráter
exploratório e documental, baseada em livros, revistas, teses, dissertações, artigos e sites
da internet. A opção por estes tipos de pesquisa se sucedeu principalmente pelo contexto
pandêmico que requisita o distanciamento social e dificulta outras formas de coleta de
dados. A amostra do levantamento de teses e dissertações do repositório do Programa de
Pós Graduação em Serviço Social da UNESP de Franca, contemplou as produções
defendidas no período de janeiro de 2019 a julho de 2021, e contribuiu para dar
materialidade aos contornos das pesquisas relativas à Política de Assistência Social.
O método utilizado para elaborar esta pesquisa foi o materialismo histórico-dialético,
por permitir ir “além da aparência fenomênica, imediata e empírica” (NETTO, 2011, p. 22),
enquanto sujeito ativo, histórico e social, que busca conhecer o objeto real e determinado.

2
Perspectiva essa, que está presente no Projeto Ético-Político da profissão e se evidencia
como a mais adequada para tratar as questões acerca da temática da pesquisa em Serviço
Social.
O recorte teórico contemplado na pesquisa para reflexão do estudo se refere à
trajetória e particularidade histórica da pesquisa no Serviço Social, a profissão na
contemporaneidade, a atitude investigativa nos espaços sócio ocupacionais, sobretudo na
Política de Assistência Social, o levantamento das publicações de dissertações e teses
relacionadas a esta Política e às considerações finais.

DESENVOLVIMENTO

Ao se analisar a trajetória do Serviço Social como profissão6 inscrita na divisão social


e técnica do trabalho pode-se afirmar que a sustentação teórica e metodológica do processo
de intervenção de forma crítica na realidade social sofreu significativas influências.
As décadas de 1980 e 1990 são marcos para a profissão, pois apresentam grande
avanço teórico-prático como o Projeto Ético Político do Serviço Social, o qual segundo
Yazbeck (2019, p.86-87):

[...] envolve um conjunto de componentes que se articulam: são valores, saberes e escolhas teóricas,
práticas, ideológicas, éticas, normatizações acerca de direitos e deveres, recursos político-
organizativos, processos de debate, investigações e sobretudo interlocução crítica com o movimento da
sociedade na qual a profissão é parte e expressão.

Todavia, cabe ressaltar que através da trajetória histórica da profissão, a atitude


investigativa se fez presente, sobretudo a partir do Movimento de Reconceituação, em 1960,
momento em que, por meio de uma construção coletiva, buscou-se aproximação com a
teoria crítica, conforme Fraga (2010, p.43) elucida:

As mudanças na concepção que se tem da profissão de assistente social são consequências de


processos históricos, e dependem do significado social que se atribui à profissão, que é fruto de
movimentos da categoria e também da sua relação com a dinâmica e o desenvolvimento do conjunto da
sociedade.

O Movimento de Reconceituação da profissão constrói uma mudança de paradigma


do fazer profissional, propõe uma compreensão mais crítica da realidade, o reconhecimento
de uma nova identidade alinhada ao movimento Latino-Americano e não mais às bases
europeias e americanas.

6 Reconhecimento da profissão de nível superior a partir da regulamentação da Lei n. 8.662/9, de 7 de junho de


1993, momento em que o Serviço Social se constitui como área de produção de conhecimentos, inserido na área
das Ciências Sociais Aplicadas. (FRAGA, 2010, p.43)

3
Na década de 1970, foi elaborado o método de Belo Horizonte, na Escola de Serviço
Social da Universidade Católica de Minas Gerais (BATISTONI, 2017, p.137), o qual
apresentou uma alternativa de prática profissional com fundamentação sustentada em
dimensões teóricas, metodológicas e interventivas, em contestação à prática do Serviço
Social tradicional. Ele contemplou uma proposta globalizadora, através de um projeto
profissional abrangente, com referenciais essenciais para a formação e intervenção do
Serviço Social. (NETTO, 1991, p. 276-277)
Esse movimento de ruptura com o conservadorismo da profissão foi um processo
construído ao longo do tempo, em meio a intensos debates teórico-metodológicos que
possibilitaram ao Serviço Social a construção de “novas linhas de força que o identificam
com as tensões da dinâmica da sociedade brasileira no período.” (SPOSATI, 2007, p.16)
Com esta nova identidade profissional, a Teoria Social Crítica Marxista passa a ser
instituída nos debates entre profissionais e estudantes. Em 1972, foram implantados os
primeiros cursos de Pós-graduação em Serviço Social no Brasil, nas Universidades
Católicas de São Paulo e Rio de Janeiro (GUERRA, 2011), possibilitando a ampliação da
pesquisa e da produção de conhecimento na área. Dentre este legado histórico construído,
ressalta-se o impacto da obra de Iamamoto e Carvalho (1982) à luz dessa Teoria, “com uma
análise inaugural do Serviço Social no processo de produção e reprodução das relações
sociais capitalistas, [...] sua inserção na divisão social e técnica do trabalho e reconhecendo
o assistente social como trabalhador assalariado.” (RAICHELIS 2011, p.3)
No mesmo ano (1982), a disciplina de pesquisa na formação dos Assistentes Sociais
tornou-se obrigatória (SPOSATI, 2007) e em 1985, após reconhecimento do Serviço Social
como área específica de pesquisa, as universidades começaram a receber apoio financeiro
e bolsas de estudos de Agências de fomento à pesquisa como Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (KAMEYAMA, 1998).
Em meados de 1990, as diretrizes curriculares do Serviço Social, os referenciais
teóricos e as contribuições de entidades da categoria se direcionam para uma formação
mais consistente, baseada na perspectiva crítica, com vistas a possibilitar através das
dimensões investigativa e interventiva, a relação da teoria e realidade, e a elaboração de
ações profissionais que superem as estritamente burocráticas, rotineiras e imediatistas
(GUERRA, 2009).
Os referenciais teóricos que colaboraram com os avanços na perspectiva de ruptura
com o conservadorismo da profissão, ainda influenciam cotidianamente no processo de
construção do conhecimento para a prática profissional interventiva e investigativa.

4
O Assistente Social e a dimensão investigativa no exercício profissional na Política de
Assistência Social
As dimensões investigativa e interventiva se complementam para a compreensão
das relações sociais e são essenciais para o efetivo exercício profissional na sociedade
capitalista, diante da complexidade da questão social, decorrente da luta de classes.
A materialização destes elementos essenciais para a constituição da prática
profissional é desafiadora, principalmente diante do cotidiano desgastante dos espaços
sócio-ocupacionais dos assistentes sociais, agravado ainda mais por todas as crises
vivenciadas nos últimos anos.
Compreender os fenômenos inerentes ao processo histórico do sistema capitalista é
necessário para o exercício profissional no bojo das complexas demandas que se
expressam na sociedade. Para isso, é preciso ir além do imediatismo, da sua aparência
expressa, ultrapassar o senso comum através de análise crítica e dinâmica da realidade, e
apreensão da totalidade, como o imperativo que Guerra (2009, p.715) atribui à profissão:
“ousar saber para ousar transformar”.
Conforme afirma Iamamoto (apud Yazbeck, 2019, p.87) a profissão “é socialmente
determinada e seu significado só pode ser desvendado em sua inserção na sociedade,
particularmente no âmbito das respostas que a sociedade e o Estado constroem frente a
questão social e às suas manifestações, em múltiplas dimensões”.
A partir da década de 1980, sobretudo após a Constituição Federal de 1988, se
intensificou o debate entre o Serviço Social e as Políticas Públicas, em um cenário de ampla
mobilização social, que culminou em um vasto campo de produção do conhecimento e
pesquisa da profissão.
Incorporada a esta crescente sustentação teórica e metodológica, especialmente
com seu Projeto Ético Político e seus referenciais dos últimos trinta anos, a profissão faz
interlocução com o contraditório, pois luta pela construção de direitos, justiça, equidade,
liberdade, contra o racismo e homofobia, entre outros tipos de violências e discriminação,
em uma sociedade que reverencia o inverso. Portanto, para este enfrentamento diário há a
necessidade dessa luta ser coletiva, com estudo, debate e pesquisa. (YAZBECK, 2019,
p.87).
O Código de Ética do Assistente Social (1993, p.26-27), apresenta em seu artigo 2°
como direito dos profissionais a “[…] liberdade na realização de seus estudos e pesquisas,
resguardados os direitos de participação de indivíduos ou grupos envolvidos em seus
trabalhos.” E diante de uma “nova era de devastação, uma espécie de fase ainda mais
destrutiva da barbárie neoliberal e financista” (ANTUNES, 2018, p.10 apud YASBEK, 2020,
p.296), que agrava as diversas formas de expressão da questão social e amplia as

5
desigualdades sociais, se faz necessária cada vez mais a prática profissional investigativa,
como expõe Bourguignon (2015, p.42):

[…] a pesquisa continua sendo uma exigência que as vicissitudes do mundo contemporâneo colocam à
profissão, o que carece de maiores investimentos e uma postura do profissional de permanente crítica e
indignação com as manifestações sociais do modelo de desenvolvimento econômico que sujeita a
maioria da população ao processo de exclusão social.

A pesquisa deve se incorporar à prática profissional do Assistente Social para


compreender as relações e garantir aos sujeitos a centralidade e visibilidade de suas
demandas, pois é fundamental:

[…] resgatar as formas como o sujeito, a partir de suas relações, constrói referências próprias para
posicionar-se e compreender o mundo em que se insere. É preciso acompanhar, registrar e refletir
sistematicamente sobre as alternativas construídas pelos próprios sujeitos para enfrentar e superar os
entraves determinados pela estrutura socioeconômica ao longo de sua vida cotidiana e experiência
social. (BOURGUIGNON, 2015, p.48).

É necessário apontar que a pesquisa em Serviço Social deve proporcionar aos


usuários o reconhecimento desses, enquanto sujeitos individuais ou coletivos, capazes de
transformar a própria realidade em que estão inseridos.
Conforme descrevem Barros e Lehfeld (2007, p.83), a pesquisa é “um processo
reflexivo, sistemático, controlado e crítico que nos conduz à descoberta de novos fatos [...]
requer imaginação criadora, iniciativa, persistência, originalidade e dedicação do
pesquisador”. É uma condição fundamental para a inserção e qualificação crítica dos
Assistentes Sociais nos espaços sócio-ocupacionais que, cotidianamente, atendem as
múltiplas manifestações da questão social (IAMAMOTO, 1997, p.14).
O assistente social deve desenvolver uma atitude investigativa compatível com o
método de Marx no seu campo de trabalho, mesmo não sendo um pesquisador em tempo
integral, para acompanhar os avanços do conhecimento, conhecer concretamente a
realidade e subsidiar sua intervenção (NETTO, 2009). O mesmo autor destaca três
observações gerais que não são “operações intelectivas sucessivas”, mas sim elementos
constitutivos de um processo contínuo, renovado, com mais efetividade se for coletivo,
sendo eles:

Em primeiro lugar, o profissional necessita possuir uma visão global da dinâmica social concreta. Para
isto, precisa conjugar o conhecimento do modo de produção capitalista com a sua particularização na
nossa sociedade (ou seja, na formação social brasileira) [...] Em segundo lugar, o profissional precisa
encontrar as principais mediações que vinculam o problema específico com que se ocupa com as
expressões gerais assumidas pela “questão social” no Brasil contemporâneo e com as várias políticas
sociais (públicas e privadas) que se propõem a enfrentá-las. [...] Em terceiro lugar, ao profissional cabe
apropriar-se criticamente do conhecimento existente sobre o problema específico com o qual se ocupa.
É necessário dominar a bibliografia teórica (em suas diversas tendências e correntes, as suas principais
polêmicas), a documentação legal, a sistematização de experiências, as modalidades das intervenções
institucionais e instituintes, as formas e organizações de controle social, o papel e o interesse dos

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usuários e dos sujeitos coletivos envolvidos etc. Também é importante, neste passo, ampliar o
conhecimento sobre a instituição/organização na qual o próprio profissional se insere (NETTO, 2009,
p.693-696).

O profissional deve se apropriar da dimensão investigativa, pois este (profissional)


está inserido no contexto capitalista, contraditório, permeado pelo ideário neoliberal que
naturaliza a questão social. A prática da pesquisa deve ser habitual no fazer profissional,
para ultrapassar as intervenções baseadas na intuição e no senso comum. Importante
destacar que o resultado de uma pesquisa é inscrito em um espaço histórico determinado
que sofre constantemente mudanças pelo processo dinâmico da sociedade, não sendo
possível construir conhecimentos fechados e imutáveis.
Dentre as áreas de atuação do assistente social, a Política de Assistência Social se
destaca como um dos espaços de maior ocupação pela categoria que, anteriormente, teve a
mediação realizada por voluntários, por ações de caridade, com cunho totalmente
assistencialista. Mas após amplos e intensos debates coletivos e as normativas como a
Constituição Federal de 1988, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), a Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS), Norma Operacional Básica (NOB/SUAS) a Política
foi consolidada com outra perspectiva, que visa a proteção social dos indivíduos e famílias,
e garantia de direitos. Um processo histórico de inúmeros avanços, alguns retrocessos e
muitos desafios.
Diante da complexidade das demandas emergidas e das especificidades de cada
território, não é suficiente ter como parâmetro a leitura da realidade baseada no senso
comum, nem a prática de atividade puramente rotineira e tecnocrata. É essencial
compreender criticamente o movimento dinâmico da sociedade e para isso a dimensão
investigativa se demonstra medular, como exemplo, a sistematização de dados, que
oportuniza a identificação de demandas, lacunas, fenômenos existentes, entre outras
informações que a prática permite extrair das análises realizadas (GUERRA, 2009), junto
com o arcabouço teórico, ético e político que pressupõe a unidade entre a teoria e prática, o
pensar e o agir para a construção de práticas criativas e efetivas.
A Política Social no Brasil desconsidera os elementos estruturantes da sociabilidade,
culpabiliza os indivíduos pela pobreza, propõe ações fragmentadas e focalizadas e reduz a
luta de classes à luta contra a pobreza (YASBEK, 2009, p.132-133). Ainda, estabelece
critérios para acesso aos Programas, Serviços e Benefícios que exclui os que já são
excluídos, diante da exigência da comprovação dos mais elevados níveis de
vulnerabilidades e riscos.
Os instrumentais de trabalho do assistente social como entrevistas, visitas técnicas,
relatórios, dinâmicas de grupo, diário e registros de campo, laudos e pareceres são
ferramentas que colaboram para a prática investigativa, ao mesmo tempo em que se vincula

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com o planejamento prévio, postura profissional alinhada ao projeto ético político e subsídio
teórico para tratar os dados levantados.
Face ao exposto, aduz a importância da pesquisa no Serviço Social para o
desvelamento da sociedade contraditória a qual está introduzida a profissão para atender as
demandas advindas das expressões da questão social, conforme elucida Guerra (2009, p.
718):

Se o conhecimento crítico é um dos caminhos para a liberdade, autonomia, competência e


compromisso, não se compreende os novos cenários, não se enfrenta a barbárie social, não se
combate a ofensiva neoliberal, não se estabelece alianças com a sociedade civil organizada, não se
alcança novas legitimidades profissionais, não se efetiva os princípios e valores do projeto profissional,
não se forma profissionais críticos e competentes, sem a pesquisa científica.

Sendo assim, o processo sistemático de construção do conhecimento fundamentado


de maneira crítica e criativa permite a articulação entre o saber e o fazer profissional como
forma de enfrentamento das determinações sócio-históricas identificadas na sociedade.

Levantamento das publicações de dissertações e teses relacionadas à Política de


Assistência Social
Para contribuir com a reflexão deste estudo, foi realizado um levantamento das
dissertações de mestrado e teses doutorado do repositório do Programa de Pós-graduação
em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP de Franca,
defendidas no período de janeiro de 2019 a julho de 2021. A opção do recorte temporal das
produções ocorreu pelo contexto pandêmico que impôs transformações, adaptações e
limitações, por isso se propôs a consulta nas defesas realizadas desde um ano antes deste
cenário.
A Universidade Estadual Paulista – UNESP foi fundada em 1923 e possui 24 campi,
distribuídos por todo o Estado de São Paulo. O único campus que possui o curso de Serviço
Social é na cidade de Franca, o qual possui graduação e pós-graduação. A área de
concentração do mestrado e doutorado consiste no Serviço Social: Trabalho e Sociedade, a
qual abrange três linhas de pesquisas, Trabalho e Sociedade Capitalista; Serviço Social,
Formação e Trabalho Profissional e Estado, Políticas Sociais e Serviço Social.
Os primeiros cursos de pós-graduação em Serviço Social foram fundados nas
Universidades Católicas de São Paulo e do Rio de Janeiro, no contexto da modernização
conservadora, com perfil técnico, em conformidade com o modelo norte-americano, em
atenção aos interesses do mercado. Foram determinantes para colocar em pauta o
conservadorismo da profissão e iniciar a produção científica crítica, que contribuiu para a
renovação do currículo acadêmico da graduação em Serviço Social e para o
desenvolvimento de pesquisas científicas na área. (GUERRA, 2011).

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O processo histórico inscrito na inserção do Serviço Social na pós-graduação,
consequentemente na pesquisa acadêmica, demandou a apropriação de referenciais
teóricos capazes de responder as demandas que surgiam do contexto dos anos de 1970 e
intensificado na década de 1980, com a ascensão dos movimentos sociais reivindicando
direitos sociais e a responsabilização do Estado para garantir proteção social. Foi também
necessário a aproximação de outras áreas de conhecimento e a sua interlocução.
A partir da postura crítica assumida pelo Serviço Social Brasileiro, Guerra (2011, p.
135) expõe:

[...] alcança o reconhecimento e a validação acadêmica como área de produção de conhecimento,


determina seu estatuto profissional e o seu significado social, contribui na consolidação das Ciências
Socais no Brasil, adquiri visibilidade no campo acadêmico e investe na construção de um projeto de
sociedade que defenda a educação laica, pública, gratuita, democrática, socialmente relevante e
autônoma em face dos constrangimentos da racionalidade burguesa.

Como anteriormente exposto, a pesquisa deve ultrapassar os muros da academia e


se fazer presente cotidianamente nos espaços sócio-ocupacionais, contudo, o desenvolver
deste estudo instigou as autoras a identificarem o número de teses e dissertações sobre a
Política de Assistência Social defendidas no período delimitado dentro do Programa supra
indicado.
Para ilustrar o referido levantamento das publicações totais de dissertações e teses
de janeiro de 2019 a julho de 2021 e as que possuem relação direta com a Política de
Assistência Social, segue a Tabela abaixo.

Tabela 1: Teses e dissertações constantes no repositório do Programa de Pós


Graduação em Serviço Social – UNESP Franca/SP, defendidas no período de janeiro
de 2019 a julho de 2021.
Dissertações sobre a Teses sobre a
Ano Total de Dissertações Total de Teses
Política de Assistência Social Política de Assistência Social
2019 15 6 11 1
2020 18 7 9 2
2021 3 0 3 0
Total 36 13 23 3
Fonte: Elaborado pelos próprios autores 2021.

Verifica-se que do total de 59 produções, 16 delas são relacionadas diretamente à


Política de Assistência Social, o que corresponde a 27%, sendo 6 dissertações e 1 tese em
2019, e 7 dissertações e 2 teses em 2020.
Entretanto, é importante evidenciar que as outras produções podem se relacionar
indiretamente com a temática aqui evidenciada, sobretudo as que pesquisam a formação do
assistente social, participação e controle social e os desafios profissionais diante da crise

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estrutural do capital. A Tabela 2 demonstra o levantamento realizado com base na principal
área de relação da pesquisa.

Tabela 2: Identificação das teses e dissertações pelas principais áreas das pesquisas

Tema da Produção Número de produções

Assistência Social 16
Formação profissional / estágio / Assistência estudantil/ desafios trabalho profissional 11
Saúde 5
Gênero / diversidade / etnia 4
Sistema de justiça / carcerário/ SINASE 4
Conselhos de Direitos / Participação e controle social 3
Educação 3
Mobilidade urbana / Habitação 2
ECA / Adolescentes e trabalho 2
Impactos neoliberalismo 2
Povos originários/ tradicionais 1
Meio Ambiente 1
Envelhecimento 1
Voluntariado / Caridade 1
População em situação de rua 1
Fonte: Elaborada pelos próprios autores, 2021.

É possível observar que os trabalhos relacionados especificamente à Política de


Assistência social se apresentam em maior quantidade neste período, em números
absolutos, seguido pelas pesquisas envolvendo a formação e exercício profissional.
Destaca-se que a esfera pública tem sido o maior contratante de assistentes sociais
historicamente (IAMAMOTO, 2009), a qual a referida Política se insere.
Foi elaborado este levantamento que demonstrou quantitativamente as produções do
programa de pós-graduação em Serviço Social da UNESP, pois trata-se de espaço
privilegiado para as pesquisas científicas da área. Para a seleção foi realizada a leitura do
título e resumo dos trabalhos, e classificados os assuntos de forma fragmentada para
melhor expor os que tratam especificamente da Política de Assistência Social, sendo que se
propõe um estudo posterior para ser analisado todo o conteúdo, através da leitura completa
dos mesmos, pois diante da totalidade da realidade, possivelmente a maioria dos trabalhos
dialogam com as Políticas Públicas, sobretudo com a Assistência Social, diante da
amplitude de abrangência de suas ações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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As reflexões apontadas retratam a relevância da pesquisa em Serviço Social no
cotidiano profissional. Compreende-se o espaço ocupacional como um cenário privilegiado
para materialização do saber e construção de práticas que ultrapassam a leitura imediatista
e superficial da realidade para descortinar a essência do que está aparente.
Evidencia-se que a pesquisa no Serviço Social é um instrumento de estudo e
aprofundamento, que alicerçada na teoria social crítica é a diretriz para compreender o
processo histórico e o conhecimento já produzido, apreender a realidade e sustentar a
intervenção profissional e sobrepujar as práticas profissionais puramente rotineiras,
tecnocratas, imediatistas e exclusivamente reproduzidas.
A complexidade da atitude investigativa no processo de produção de conhecimento
consiste no compromisso ético do assistente social com a qualidade dos serviços prestados
à população usuária nos diversos espaços sócio-ocupacionais. Nessa perspectiva, coloca-
se como desafio a superação da ação investigativa como forma de especulação, sem
análise crítica baseada nos referenciais teórico metodológicos e ético políticos, para gerar
conhecimento que contribua com a transformação da realidade.
A atuação do assistente social no que se refere ás necessidades humanas dos
grupos mais vulneráveis ou excluídos do acesso aos serviços e benefícios, requer uma
postura investigativa sobre o real, isto é, a investigação e intervenção social como pontos de
partida para a transformação concreta da realidade.
É preciso uma formação consistente, fundamentada na perspectiva crítica, que
permita a construção de recursos metodológicos para a compreensão e intervenção na
realidade social em sua totalidade.
Por fim, evidenciou-se que dentre as produções publicadas de janeiro de 2019 a
julho de 2021, no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UNESP de Franca, as
relacionadas diretamente à Política de Assistência Social são substancialmente em maior
número que das outras políticas e seguimentos de atuação.

REFERÊNCIAS
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11
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dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 jun. 1993.
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