A Atitude Investigativa No Trabalho Do Assistente Social
A Atitude Investigativa No Trabalho Do Assistente Social
A Atitude Investigativa No Trabalho Do Assistente Social
RESUMO: Este artigo apresenta uma reflexão sobre a atitude investigativa e o trabalho do
assistente social na cena contemporânea, sobretudo no exercício profissional na Política de
Assistência Social, além de um levantamento das dissertações e teses do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da UNESP,
Campus de Franca/SP. Utilizou-se como metodologia as pesquisas bibliográfica e
documental, baseadas em livros, revistas, teses, dissertações, artigos e sites da internet.
Concluiu-se que a relação das dimensões investigativa e interventiva na prática profissional
é fundamental para a compreensão crítica da realidade, frente às manifestações da questão
social, repercussão da luta de classes do sistema capitalista. E que os referenciais da
profissão das últimas décadas, como as diretrizes curriculares do Serviço Social e as
publicações articuladas pelo Conselho Federal de Serviço Social contribuem para a
sustentação teórica e metodológica deste processo de intervenção.
INTRODUÇÃO
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O presente artigo tem o objetivo de apresentar reflexões sobre a atitude investigativa
e o trabalho do assistente social na cena contemporânea, especialmente na Política de
Assistência Social. Pretende-se demonstrar um levantamento realizado das dissertações e
teses do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da UNESP de Franca/SP, defendidas no período de janeiro de 2019 a
julho de 2021, que são relativos à mencionada Política.
O interesse em pesquisar esta temática, assim como realizar o levantamento das
teses e dissertações publicadas no repositório do Programa, relacionadas à Política de
Assistência Social, foi em decorrência da trajetória profissional das autoras e da disciplina
de Pesquisa Social I, por ser um assunto essencial para a intervenção profissional e
ampliação do conhecimento, além de ser atribuição do assistente social, conforme Lei nº
8662/1993, que regulamenta a profissão.
A indagação que permeia o estudo é a relação entre a pesquisa e o trabalho
profissional, sobretudo na Política de Assistência Social. Diante do processo histórico em
que a pesquisa se evidencia no âmbito do Serviço Social brasileiro, pode-se destacar que a
partir de 1960, com o Movimento de Reconceituação, ocorreram avanços significativos na
produção de conhecimento e pesquisa, em meio a um complexo cenário de luta e
repressão. Houve aproximação da categoria dos assistentes sociais com a teoria social de
Marx, que contribuiu com a construção do rigor teórico e metodológico para a formação e
exercício profissional, evidenciando a pesquisa como instrumento que permite a análise
crítica da realidade.
A esfera pública historicamente, é a maior empregadora de Assistentes Sociais
(Iamamoto, 2009), os quais desenvolvem seus trabalhos diante das complexas demandas
que emergem todos os dias. Dentre as Políticas Públicas destaca-se a da Assistência Social
como um dos maiores campos de atuação e como cenário privilegiado de intervenção e
investigação.
Para o desenvolvimento, deste estudo, realizou-se pesquisa bibliográfica, de caráter
exploratório e documental, baseada em livros, revistas, teses, dissertações, artigos e sites
da internet. A opção por estes tipos de pesquisa se sucedeu principalmente pelo contexto
pandêmico que requisita o distanciamento social e dificulta outras formas de coleta de
dados. A amostra do levantamento de teses e dissertações do repositório do Programa de
Pós Graduação em Serviço Social da UNESP de Franca, contemplou as produções
defendidas no período de janeiro de 2019 a julho de 2021, e contribuiu para dar
materialidade aos contornos das pesquisas relativas à Política de Assistência Social.
O método utilizado para elaborar esta pesquisa foi o materialismo histórico-dialético,
por permitir ir “além da aparência fenomênica, imediata e empírica” (NETTO, 2011, p. 22),
enquanto sujeito ativo, histórico e social, que busca conhecer o objeto real e determinado.
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Perspectiva essa, que está presente no Projeto Ético-Político da profissão e se evidencia
como a mais adequada para tratar as questões acerca da temática da pesquisa em Serviço
Social.
O recorte teórico contemplado na pesquisa para reflexão do estudo se refere à
trajetória e particularidade histórica da pesquisa no Serviço Social, a profissão na
contemporaneidade, a atitude investigativa nos espaços sócio ocupacionais, sobretudo na
Política de Assistência Social, o levantamento das publicações de dissertações e teses
relacionadas a esta Política e às considerações finais.
DESENVOLVIMENTO
[...] envolve um conjunto de componentes que se articulam: são valores, saberes e escolhas teóricas,
práticas, ideológicas, éticas, normatizações acerca de direitos e deveres, recursos político-
organizativos, processos de debate, investigações e sobretudo interlocução crítica com o movimento da
sociedade na qual a profissão é parte e expressão.
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Na década de 1970, foi elaborado o método de Belo Horizonte, na Escola de Serviço
Social da Universidade Católica de Minas Gerais (BATISTONI, 2017, p.137), o qual
apresentou uma alternativa de prática profissional com fundamentação sustentada em
dimensões teóricas, metodológicas e interventivas, em contestação à prática do Serviço
Social tradicional. Ele contemplou uma proposta globalizadora, através de um projeto
profissional abrangente, com referenciais essenciais para a formação e intervenção do
Serviço Social. (NETTO, 1991, p. 276-277)
Esse movimento de ruptura com o conservadorismo da profissão foi um processo
construído ao longo do tempo, em meio a intensos debates teórico-metodológicos que
possibilitaram ao Serviço Social a construção de “novas linhas de força que o identificam
com as tensões da dinâmica da sociedade brasileira no período.” (SPOSATI, 2007, p.16)
Com esta nova identidade profissional, a Teoria Social Crítica Marxista passa a ser
instituída nos debates entre profissionais e estudantes. Em 1972, foram implantados os
primeiros cursos de Pós-graduação em Serviço Social no Brasil, nas Universidades
Católicas de São Paulo e Rio de Janeiro (GUERRA, 2011), possibilitando a ampliação da
pesquisa e da produção de conhecimento na área. Dentre este legado histórico construído,
ressalta-se o impacto da obra de Iamamoto e Carvalho (1982) à luz dessa Teoria, “com uma
análise inaugural do Serviço Social no processo de produção e reprodução das relações
sociais capitalistas, [...] sua inserção na divisão social e técnica do trabalho e reconhecendo
o assistente social como trabalhador assalariado.” (RAICHELIS 2011, p.3)
No mesmo ano (1982), a disciplina de pesquisa na formação dos Assistentes Sociais
tornou-se obrigatória (SPOSATI, 2007) e em 1985, após reconhecimento do Serviço Social
como área específica de pesquisa, as universidades começaram a receber apoio financeiro
e bolsas de estudos de Agências de fomento à pesquisa como Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (KAMEYAMA, 1998).
Em meados de 1990, as diretrizes curriculares do Serviço Social, os referenciais
teóricos e as contribuições de entidades da categoria se direcionam para uma formação
mais consistente, baseada na perspectiva crítica, com vistas a possibilitar através das
dimensões investigativa e interventiva, a relação da teoria e realidade, e a elaboração de
ações profissionais que superem as estritamente burocráticas, rotineiras e imediatistas
(GUERRA, 2009).
Os referenciais teóricos que colaboraram com os avanços na perspectiva de ruptura
com o conservadorismo da profissão, ainda influenciam cotidianamente no processo de
construção do conhecimento para a prática profissional interventiva e investigativa.
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O Assistente Social e a dimensão investigativa no exercício profissional na Política de
Assistência Social
As dimensões investigativa e interventiva se complementam para a compreensão
das relações sociais e são essenciais para o efetivo exercício profissional na sociedade
capitalista, diante da complexidade da questão social, decorrente da luta de classes.
A materialização destes elementos essenciais para a constituição da prática
profissional é desafiadora, principalmente diante do cotidiano desgastante dos espaços
sócio-ocupacionais dos assistentes sociais, agravado ainda mais por todas as crises
vivenciadas nos últimos anos.
Compreender os fenômenos inerentes ao processo histórico do sistema capitalista é
necessário para o exercício profissional no bojo das complexas demandas que se
expressam na sociedade. Para isso, é preciso ir além do imediatismo, da sua aparência
expressa, ultrapassar o senso comum através de análise crítica e dinâmica da realidade, e
apreensão da totalidade, como o imperativo que Guerra (2009, p.715) atribui à profissão:
“ousar saber para ousar transformar”.
Conforme afirma Iamamoto (apud Yazbeck, 2019, p.87) a profissão “é socialmente
determinada e seu significado só pode ser desvendado em sua inserção na sociedade,
particularmente no âmbito das respostas que a sociedade e o Estado constroem frente a
questão social e às suas manifestações, em múltiplas dimensões”.
A partir da década de 1980, sobretudo após a Constituição Federal de 1988, se
intensificou o debate entre o Serviço Social e as Políticas Públicas, em um cenário de ampla
mobilização social, que culminou em um vasto campo de produção do conhecimento e
pesquisa da profissão.
Incorporada a esta crescente sustentação teórica e metodológica, especialmente
com seu Projeto Ético Político e seus referenciais dos últimos trinta anos, a profissão faz
interlocução com o contraditório, pois luta pela construção de direitos, justiça, equidade,
liberdade, contra o racismo e homofobia, entre outros tipos de violências e discriminação,
em uma sociedade que reverencia o inverso. Portanto, para este enfrentamento diário há a
necessidade dessa luta ser coletiva, com estudo, debate e pesquisa. (YAZBECK, 2019,
p.87).
O Código de Ética do Assistente Social (1993, p.26-27), apresenta em seu artigo 2°
como direito dos profissionais a “[…] liberdade na realização de seus estudos e pesquisas,
resguardados os direitos de participação de indivíduos ou grupos envolvidos em seus
trabalhos.” E diante de uma “nova era de devastação, uma espécie de fase ainda mais
destrutiva da barbárie neoliberal e financista” (ANTUNES, 2018, p.10 apud YASBEK, 2020,
p.296), que agrava as diversas formas de expressão da questão social e amplia as
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desigualdades sociais, se faz necessária cada vez mais a prática profissional investigativa,
como expõe Bourguignon (2015, p.42):
[…] a pesquisa continua sendo uma exigência que as vicissitudes do mundo contemporâneo colocam à
profissão, o que carece de maiores investimentos e uma postura do profissional de permanente crítica e
indignação com as manifestações sociais do modelo de desenvolvimento econômico que sujeita a
maioria da população ao processo de exclusão social.
[…] resgatar as formas como o sujeito, a partir de suas relações, constrói referências próprias para
posicionar-se e compreender o mundo em que se insere. É preciso acompanhar, registrar e refletir
sistematicamente sobre as alternativas construídas pelos próprios sujeitos para enfrentar e superar os
entraves determinados pela estrutura socioeconômica ao longo de sua vida cotidiana e experiência
social. (BOURGUIGNON, 2015, p.48).
Em primeiro lugar, o profissional necessita possuir uma visão global da dinâmica social concreta. Para
isto, precisa conjugar o conhecimento do modo de produção capitalista com a sua particularização na
nossa sociedade (ou seja, na formação social brasileira) [...] Em segundo lugar, o profissional precisa
encontrar as principais mediações que vinculam o problema específico com que se ocupa com as
expressões gerais assumidas pela “questão social” no Brasil contemporâneo e com as várias políticas
sociais (públicas e privadas) que se propõem a enfrentá-las. [...] Em terceiro lugar, ao profissional cabe
apropriar-se criticamente do conhecimento existente sobre o problema específico com o qual se ocupa.
É necessário dominar a bibliografia teórica (em suas diversas tendências e correntes, as suas principais
polêmicas), a documentação legal, a sistematização de experiências, as modalidades das intervenções
institucionais e instituintes, as formas e organizações de controle social, o papel e o interesse dos
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usuários e dos sujeitos coletivos envolvidos etc. Também é importante, neste passo, ampliar o
conhecimento sobre a instituição/organização na qual o próprio profissional se insere (NETTO, 2009,
p.693-696).
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com o planejamento prévio, postura profissional alinhada ao projeto ético político e subsídio
teórico para tratar os dados levantados.
Face ao exposto, aduz a importância da pesquisa no Serviço Social para o
desvelamento da sociedade contraditória a qual está introduzida a profissão para atender as
demandas advindas das expressões da questão social, conforme elucida Guerra (2009, p.
718):
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O processo histórico inscrito na inserção do Serviço Social na pós-graduação,
consequentemente na pesquisa acadêmica, demandou a apropriação de referenciais
teóricos capazes de responder as demandas que surgiam do contexto dos anos de 1970 e
intensificado na década de 1980, com a ascensão dos movimentos sociais reivindicando
direitos sociais e a responsabilização do Estado para garantir proteção social. Foi também
necessário a aproximação de outras áreas de conhecimento e a sua interlocução.
A partir da postura crítica assumida pelo Serviço Social Brasileiro, Guerra (2011, p.
135) expõe:
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estrutural do capital. A Tabela 2 demonstra o levantamento realizado com base na principal
área de relação da pesquisa.
Tabela 2: Identificação das teses e dissertações pelas principais áreas das pesquisas
Assistência Social 16
Formação profissional / estágio / Assistência estudantil/ desafios trabalho profissional 11
Saúde 5
Gênero / diversidade / etnia 4
Sistema de justiça / carcerário/ SINASE 4
Conselhos de Direitos / Participação e controle social 3
Educação 3
Mobilidade urbana / Habitação 2
ECA / Adolescentes e trabalho 2
Impactos neoliberalismo 2
Povos originários/ tradicionais 1
Meio Ambiente 1
Envelhecimento 1
Voluntariado / Caridade 1
População em situação de rua 1
Fonte: Elaborada pelos próprios autores, 2021.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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As reflexões apontadas retratam a relevância da pesquisa em Serviço Social no
cotidiano profissional. Compreende-se o espaço ocupacional como um cenário privilegiado
para materialização do saber e construção de práticas que ultrapassam a leitura imediatista
e superficial da realidade para descortinar a essência do que está aparente.
Evidencia-se que a pesquisa no Serviço Social é um instrumento de estudo e
aprofundamento, que alicerçada na teoria social crítica é a diretriz para compreender o
processo histórico e o conhecimento já produzido, apreender a realidade e sustentar a
intervenção profissional e sobrepujar as práticas profissionais puramente rotineiras,
tecnocratas, imediatistas e exclusivamente reproduzidas.
A complexidade da atitude investigativa no processo de produção de conhecimento
consiste no compromisso ético do assistente social com a qualidade dos serviços prestados
à população usuária nos diversos espaços sócio-ocupacionais. Nessa perspectiva, coloca-
se como desafio a superação da ação investigativa como forma de especulação, sem
análise crítica baseada nos referenciais teórico metodológicos e ético políticos, para gerar
conhecimento que contribua com a transformação da realidade.
A atuação do assistente social no que se refere ás necessidades humanas dos
grupos mais vulneráveis ou excluídos do acesso aos serviços e benefícios, requer uma
postura investigativa sobre o real, isto é, a investigação e intervenção social como pontos de
partida para a transformação concreta da realidade.
É preciso uma formação consistente, fundamentada na perspectiva crítica, que
permita a construção de recursos metodológicos para a compreensão e intervenção na
realidade social em sua totalidade.
Por fim, evidenciou-se que dentre as produções publicadas de janeiro de 2019 a
julho de 2021, no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UNESP de Franca, as
relacionadas diretamente à Política de Assistência Social são substancialmente em maior
número que das outras políticas e seguimentos de atuação.
REFERÊNCIAS
BARROS, A. J. S.; LEHFELD, N. A. S. Fundamentos de metodologia científica – 3ed,
São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.
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BRASIL. Lei 8662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de assistente social e
dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 jun. 1993.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8662.htm>. Acesso em: 15 ago.
2021.
NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64
. São Paulo: Cortez, 1991.
__________. Introdução ao método da teoria social. In: Serviço Social: direitos sociais e
competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009, 667-700.
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