Tese Lucas Keer de Oliveira
Tese Lucas Keer de Oliveira
Tese Lucas Keer de Oliveira
Abstract: Reflecting on the strategies of resistance and re-existence of the original people
leads us to know the historical, political and social processes that permeated their cultural,
social, political and economic transformations and to know from their narratives their
perceptions about these processes. In this way, this text presents from the reports of young
Ava Guarani from the west of Paraná some of their strategies to survive the secular
oppression to which they were and are submitted, as well as their ancestors.
INTRODUÇÃO
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Assistente social; pós-doutoranda no Programa de Estudos Pós Graduados em Administração da
Universidade Estadual de Maringá; Doutora em Serviço Social pela Pontíficia Universidade Católica
de São Paulo. e-mail: thynca@gmail.com
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povos indígenas como o atual? Estudar para quê? Manter a tradição para quê? À maioria
dos jovens indígenas, habitantes do Brasil, não é ofertada muita perspectiva de vida.
A parca perspectiva de um futuro para os jovens Avá, na atualidade, é produto dos
últimos cinco séculos de opressão e etnocídio cometido por diferentes atores, em distintos
contextos políticos, econômicos e sociais, contra o povo Guarani. Por outro lado, a sua
existência hoje, também, aponta que, embora tenham sofrido diversos reveses, resistem e
re-existem em seus territórios.
A participação, enquanto pesquisadora, no projeto de pesquisa multidisciplinar
intitulado “Conflitos e resistências para a conquista e demarcação de Terras Indígenas no
Oeste do Paraná: os caminhos e as expressões do fortalecimento das lideranças e da
cultura Guarani”, com o povo Avá Guarani no Oeste do Paraná, especificamente, na tríplice
fronteira entre o Paraguai, Paraná e Mato Grosso do Sul, possibilitou conhecer quem são os
jovens Avá Guarani e quais estratégias de resistência adotam para sobreviver e re-existir
diante dos inúmeros conflitos sociais que os colocam no limite da sua humanidade.
Deste modo, foi necessário retomar alguns processos históricos, políticos e sociais,
desde o tempo da colonização da América Latina, para compreendermos melhor e
podermos delinear quais interesses permeiam uma das regiões mais conflituosas entre
indígenas e não indígenas no Brasil e quais as estratégias os jovens criaram para seguir
resistindo às diversas pressões, tanto externas, dos karaí2, não indígenas, quanto internas,
da família e da comunidade.
Na região dos municípios de Santa Helena, São Miguel do Iguaçu, Itaipulândia,
Diamante d’Oeste, Guaíra e Terra Roxa, pesquisamos diversas aldeias. Contudo,
apresentamos neste texto, tendo em vista que a pesquisa está em andamento, um recorte
do nosso universo de estudo, a partir dos dados obtidos nas aldeias de Jevy, em Guaíra, e
Araporã, em Santa Helena, ambas são áreas de retomada dos territórios tradicionais, em
disputa judicial.
Nessas aldeias, assim como em outras, que se encontram na mesma situação,
constatamos que os jovens Avá, embora vivam historicamente em uma região de conflito
com alguns dos poderes públicos municipais, latifundiários e com a Itaipu Binacional,
resistem e re-existem a partir da manutenção e da reapropriação dos costumes e da cultura
Avá, transmitidos pelos mais velhos “xamõi” e, também, pela educação escolar indígena e
universitária.
Para isso, nos valemos de alguns recursos da etnografia e da história oral, como:
idas a campo para coleta de dados, por meio de entrevistas estruturadas e semi-
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Karaí é designação utilizada, em especial, pelos Avá para se referir ao não indígena. O termo juruá
tem o mesmo significado, mas é comumente mais usado pelos guarani mbyá.
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estruturadas, realizadas com alguns xamõi (mais velhos, avôs), jovens e lideranças, a partir
do resgate e registro dessas narrativas; da observação participante e não participante e de
levantamentos bibliográficos.
Assim, estruturamos o texto em três partes: primeiro, apresentamos a metodologia
utilizada; sequencialmente, quem são os Guarani, onde vivem, especificamente, os Avá
Guarani, participantes da pesquisa, na mesma seção, resgatamos, brevemente, o histórico
de colonização no oeste do Paraná e, por fim, expomos algumas narrativas dos jovens
quanto às suas perspectivas futuras e as considerações finais.
METODOLOGIA
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Para melhor compreender quem são, como vivem e onde estão os Guarani, é
necessário nos situarmos historicamente, até mesmo porque a história dos povos originários
é cotidianamente posta em dúvida por parte da sociedade não indígena. Assim, recorremos
a Bartolomeu Melià (1988), Egon Schaden (1986), Maria Inês Ladeira (2001), entre outros, a
fim de situarmos como se desenvolveu o processo de sobrevivência, resistência e re-
existência Guarani no Brasil.
Embora a presença dos Guarani em nosso continente seja imemorial, estima-se
que o habitem há pelo menos 2.000 anos. Primeiramente, vieram das bacias amazônicas
com as dispersões territoriais dos grupos Tupi e, em seguida, dos próprios Guarani;
intensificaram-se, provavelmente pressionados por um grande aumento demográfico e
também a partir de motivação de fundo religioso, na busca por uma terra sem males. Esses
grupos passaram a ocupar o interior e litoral dos estados do Paraná e São Paulo, Paraguai,
Uruguai e Argentina (LADEIRA, 2001; SCHADEN, 1986; MELIÀ, 1988).
O povo Guarani pertence ao tronco linguístico Tupi e à família linguística Tupi-
Guarani, sendo dividido em três subgrupos: Kaiova, Nhandéva (Xiripa, Chiripa, Avá) e Mbya.
Os primeiros subgrupos habitam principalmente os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul
e o último subgrupo vive, em sua maioria, no interior e litoral dos estados do Sul e Sudeste,
desde os estados do Rio Grande do Sul até o Espírito Santo (LADEIRA, 2001; MELIÀ,
1988).
Os Guarani são nominados diferentemente de acordo com a região em que vivem,
no entanto, compartilham, de modo geral, de uma mesma cultura e língua que os une
enquanto povo, nação. São eles:
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continente. Após cinco séculos de contato, essa população foi reduzida drasticamente, mas
não foi extinta. (MELIÀ, 1988).
No período pré-colombiano, ocupavam praticamente todo o território continental;
hoje vivem na Bolívia, Paraguai, Argentina e Brasil. Os Guarani são um dos maiores povos
indígenas da América do Sul e do Brasil, estima-se “mais de 280.000 personas, unidas por
una lengua y una cultura en común, distribuidas en 1.416 comunidades, aldeas, barrios
urbanos o núcleos familiares, desde el litoral del Atlántico hasta al pie de la cordillera de los
Andes”. Estima-se que atualmente no Brasil sejam mais de 80.000 pessoas. (PEREIRA,
2016, p.6).
A invasão do território e o contato forçado com os Guarani são datados desde
1505. Contudo, até hoje se mantém a essência cultural, a língua, a cosmovisão, ainda que
para tal feito tenham se apropriado de elementos externos a sua cultura e os utilizados em
benefício da sobrevivência. A resistência secular Guarani ocorre, também, a partir do
estabelecimento no “tekoha”, lugar onde vivem, território, e desenvolvem o “nhadereko”, o
modo de ser Guarani: “El tekohá significa y produce al mismo tiempo relaciones
económicas, relaciones sociales y organización político-religiosa, que son esenciales para la
vida guaraní: sin tekohá no hay tekó, sin territorio no hay vida guaraní”. (PEREIRA, 2016,
p.12).
Reiteramos essa asserção durante a entrevista com o jovem e vice-cacique,
Miguel3, 26 anos de idade, da aldeia Araporã4, no município de Santa Helena “A terra
demarcada é importante para ter cultura, sem terra, sem local, não tem cultura, precisamos
ter dignidade. A família espera dignidade”.
Uma das características principais é a mobilidade, o trânsito entre aldeias, que faz
parte de uma estratégia de resistência, muitas vezes forçada sob as pressões externas,
noutras vezes por oferecer, também, e principalmente, momentos de intercâmbios de
sementes, mudas, de fortalecimento de alianças políticas e sociais, por exemplo, por meio
do casamento, de reflexão a respeito dos problemas enfrentados nas comunidades. Às
vezes, pelo aumento na taxa de natalidade e, até mesmo, por conta de conflitos internos,
optam por mudar de aldeia, do tekoha. Muitas vezes, pejorativamente, são vistos como
nômades, visão propagada com o intuito de desqualifica-los enquanto “donos originários”
dos territórios em disputa.
Os Guarani se movimentam em seu território tradicional, delimitado e, raramente,
abandonam por completo as suas antigas aldeias. Os dos principais motivos que levaram e
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Entrevista concedida por Miguel Oliveira Werá. set. 2018. Entrevistadora: Cynthia Franceska
Cardoso. Santa Helena, 2018. 1 arquivo. mp3 (20 min.).
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De acordo com Miguel, a área em que está foi retomada há um ano e cinco meses por quinze
famílias.
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levam centenas de Guarani a se deslocarem é a busca de uma terra “melhor” para morar,
com mais florestas, e o estabelecimento em locais mais isolados, que dificultem o acesso de
estranhos. Os Guarani vivem numa região ecologicamente circunscrita que abrange
territórios históricos e geograficamente definidos (LADEIRA, 2001).
A sobrevivência ocorreu a partir de estratégias de resistência que utilizam até hoje,
no embate, nas alianças ou nas dispersões para o interior e/ou lugares mais seguros.
Compondo o núcleo central dessa resistência está a transmissão e manutenção da língua e
da cultura Guarani e a cosmovisão que os mantêm unidos e resistentes.
A organização social, política, econômica e cultural dos Guarani se desenvolve no
tekoha, território, local onde o modo de ser Guarani pode ser vivenciado. Isso se dá a partir
do estabelecimento, no território, da família extensa, composta por avós, tios, sobrinhos,
cunhadas, cônjuges e filhos. O modo de produção é da reciprocidade, não se estruturam
coletivamente, por exemplo, cada roça pertence a um núcleo familiar, contudo para a
realização do roçado todos participam e a sua produção é consumida primeiramente pelo
núcleo familiar e o excedente compartilhado com os parentes. Essa solidariedade é
fundamental para o funcionamento da dinâmica social interna, pois as relações de poder
são, de certa forma, controladas por todos. “Es una economía solidaria que se basa en la
reciprocidad e intercambio de dones. No hay incentivo ni espacio para la acumulación y
limita las posibilidades de ejercer e imponer el poder de unos sobre los otros”. (PEREIRA,
2016, p.14).
Pensar a busca da “terra sem males”, na contemporaneidade, exige, de antemão,
refletir a respeito da realidade social em que estão e foram inseridos num momento em que
assassinatos de lideranças por disputas territoriais são cada dia mais frequentes, em que a
omissão e a conivência dos poderes públicos com a situação degradante e desumana que
enfrentam os povos indígenas no Brasil, especialmente, os Guarani, por ter sido seu
território tradicional objeto de esbulho do Estado brasileiro há décadas e de desde o fim dos
anos 1970, também, do agronegócio que, além de expulsá-los de seu território de origem,
transformou as florestas em campos de monocultivo de soja, milho e cana de açúcar.
O território tradicional dos Guarani no oeste do Paraná resiste permeado por
diversas transformações sociais, culturais, políticas e econômicas produzidas a partir do
contato forçado com a sociedade não indígena, que resulta em situações de opressão,
hostilização, ameaças à vida dos Guarani, por meio de organizações ligadas ao
agronegócio5; assassinato de lideranças; o não reconhecimento dos Guarani, enquanto
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Em 2013, proprietários de terra na região de Guaíra e Terra Roxa fundaram a Ongdip (Organização
Nacional de garantia ao direito de propriedade) com o objetivo de resguardar “suas propriedades”
terminam por incitar o ódio aos povos indígenas da região e desqualificar o trabalho realizado pela
Funai.
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Porque não temos área para plantar porque estamos em área de conflito. Se a gente
for à prefeitura pedir ajuda, por exemplo, para gradear a terra, eles já falam: não
pode porque lá é um lugar dos outros vocês estão fazendo a retomada e nos não
podemos porque os outros vão entrar com processo contra a gente. Por isso que
falta alimento, porque se nós produzir, eu tenho certeza e você também, não vai
faltar alimento para gente. Porque um ajuda o outro, o que eu não tenho o outro tem;
se o meu não esta produzindo e o do outro tá ele me da um pouco; nos não temos
esse poder de ajudar muito um ao outro. E agora está gerando mais crianças
também e vai precisar de mais terra. Tem muitos que estão casados e nos vamos
precisar de mais terra. E por isso que falta também para gente.
A maior parte dos tekoha foi suprimida pela exploração e desapropriação indevida
tanto pelo Estado brasileiro quanto pelas empresas do agronegócio de soja, celulose, cana
de açúcar, mineradoras e empreendimentos turísticos. O esbulho territorial a que vêm sendo
expostos os levam a viver em condições subumanas à beira de rodovias, em territórios
diminutos e/ou em áreas que não há possibilidade de cultivo se quer dos alimentos
tradicionais, como milho, amendoim, batata, entre outros. (COMISSÃO GUARANI
YVYRUPA, 2017).
En el caso de los grandes conglomerados, el confinamiento en espacios exiguos,
además de dificultar las prácticas agrícolas, trajo el desafío de tener que adecuar la
organización social a esa nueva situación, marcada por la superpoblación,
superposición de espacios familiares y transformaciones en la organización eco-
nómica. Vivir en reservas limita drásticamente las posibilidades de reproducción del
sistema social guaraní – avá rekó –, y ejerce presiones de toda orden para que se
adopten los padrones de la cultura no indígena – karaí rekó o juruá rekó. Este
proceso está en la raíz de los principales problemas sociales y conflictos vividos por
los Guaraníes en el Brasil que representan el pueblo indígena más numeroso del
país. (PEREIRA, 2016, p. 32).
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A coordenação técnica local, CTL, contava em novembro de 2018, com apenas dois funcionários, o
coordenador e uma técnica para prestar assistência aos municípios de Guaíra, Terra Roxa, Diamante
d’Oeste, Santa Helena, São Miguel do Iguaçu e Itaipulândia. O Censo de 2010 apontava,
aproximadamente, 2000 indígenas na região, atualmente estima-se 3.000 pessoas.
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Entrevista concedida por Armindo Benites e Gabriel Verá. nov. 2018. Entrevistadora: Cynthia
Franceska Cardoso. Guaíra, 2018. 1 arquivo. mp3 (40 min.).
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Entrevista concedida por Armindo Benites e Gabriel Verá. nov. 2018. Entrevistadora: Cynthia
Franceska Cardoso. Guaíra, 2018. 1 arquivo. mp3 (40 min.).
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Itaipulândia 20 32 20 Retomada
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Entrevista concedida por Josiele Lopes. nov. 2018. Entrevistadora: Cynthia Franceska Cardoso.
Guaíra, 2018. 1 arquivo. mp3 (20 min.).
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É muito legal, mas a gente sofre muito preconceito, daí fica ansioso. Também,
porque não tem nem previsão de demarcação do território. Não tem nem escola na
aldeia depois da 5ª série. Para estudar só na cidade, mas tem muito preconceito. A
maioria dos alunos está desistindo da escola por causa do preconceito na cidade. É
importante o jovem estudar bastante para conseguir emprego, buscar conhecimento
fora, nas universidades para trazer para a comunidade. Mas, como enfrentamos
muito preconceito fora da aldeia, saímos pouco. Usamos a internet como ferramenta
tecnológica para nos comunicarmos com parentes de outras aldeias. Os jovens são
bem ativos nas redes sociais. Na minha casa tem acesso a internet pelo celular.
Também, nos reunimos com jovens de outras aldeias uma, duas vezes por mês. O
jovem costuma se divertir um pouco, sair. Aqui não tem muita coisa pra fazer, só
jogar bola e só isso. A gente vem na casa de reza uma vez por semana. Um dia
desses veio um grupo de outra aldeia jogar bola aqui.
O território passa a ser um local tedioso para os jovens que não tem outra diversão a
não ser jogos de futebol aos finais de semana, raras vezes alguma comemoração na aldeia.
Na cidade não são bem vindos aos espaços de lazer e tão pouco possuem recursos
financeiros para tal. A que tipo de entretenimento esses jovens tem acesso? A natureza, os
cantos, danças e rezas, a caça, a pesca, a feitura do artesanato próprios da tradição Ava
Guarani, ocuparia a maior do seu tempo se a cultura fosse algo imutável.
No entanto, os jovens indígenas, também, querem ter acesso a artigos eletrônicos, a
redes sociais, ao lazer, à educação, à saúde, a bens de consumo, como roupas, sapatos,
aparelhos eletrônicos, como qualquer outro jovem, à medida que a cultura se transforma
com as mudanças sociais, econômicas, políticas, ambientais e tecnológicas. O fato é que
não lhes são dadas condições para tal. O que comumente lhes é ofertado é a busca pela
manutenção da tradição, contudo, os jovens passam, também, a questionar: até que ponto a
manutenção da tradição lhes proporciona condições melhores de vida?
Contraditoriamente, em todas as narrativas dos jovens a respeito do papel dos mais
velhos na vida comunitária, mencionaram a importância dos ensinamentos dos mais velhos
que os fortalece para continuar na luta. Os jovens Avá Guarani mantêm viva em sua
memória as histórias transmitidas pelos xamõi, segundo eles, são elas que lhes contam
quem são, de onde vieram e qual seria seu propósito na vida:
Antigamente essa terra era nossa mesmo. Minha vó correu daqui e foi pro MS.
Antigamente era tudo moradia dos índios. Dai começou os brancos a chegar, a falar
que isso aqui é nosso e a comprar a terra. Daí vem outro fazendeiro e fala isso aqui
é nosso. Daí os antigos saíram correndo. Fazer o que? Daí passou o tempo e
voltamos a nossa terra de novo. Por isso muitos fazendeiros falam que a gente vem
do Paraguai, mas não é. Nós voltamos para nossa terra. Falam que a gente veio
atrás de cesta, de aposentadoria, mas não é isso, voltamos a nossa terra.
Está em estudo. Aqui para todo lado tem cemitério velho, de antigamente. Todo
nosso povo. Perto do rio tem cemitério. Na verdade da escolinha para baixo era tudo
cemitério. O outro fica lá na cidade real de Guaíra. Eles falavam antigamente, por
isso nós fizemos a retomada que é nossa. Como o meu bisavô falava pra gente e a
gente sentava e escutava que essa parte da região do Paraná, entre Guaíra, que a
beirada era tudo aldeia, ele falava chorando: que tinha uma guerra que vinha
exterminando todo mundo, nos ouvimos essa notícia e corremos. E acabou tendo
mesmo; matou quase todos. Um dia meu bisavô falava: um dia as nossas crianças
vão acordar e falava pra gente: vocês tem uma terra naquela região que é nossa,
também falou que os brancos.
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Daqui da região correram para todo lado pro Paraguai, Mato Grosso do Sul, Bolívia,
correndo das guerras. Daí nós viemos para cá e vimos que era verdade mesmo o
que falava nossos bisavôs: vão que é verdade, vocês vão ver o lugar onde foi
executado, onde tinha uma guerra, onde tem a tábua que foi enterrada e que tinha
um cemitério e vocês vão sentir na pele e no coração o que fizeram com a gente, os
brancos, os portugueses.
Daí desde então os Guarani se reuniram e ficaram aqui na região e em Terra Roxa.
Nós retomamos a região que era usada pelos antigos.
Importante para o jovem participar da retomada porque aí eles têm a noção do que
vem pela frente, porque os mais velhos já estão cansados de viver nessa situação,
os que são mais novos têm mais folego de lutar nessas áreas de conflito para poder
avançar em cima, para poder aprender como estão trabalhando as lideranças, os
que são mais velhos, para ouvir e aprender, para poder ser um líder, para poder
lutar a favor da família porque ele vai ser adulto vai ter criança. Os mais velhos falam
que já estão cansados, vocês devem ouvir, participar para que um dia se um
cacique falecer e se ninguém tem esse entendimento, a sabedoria de como ele
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Termo em Guarani faz referência a grande reunião, encontro. Na década de 1980 os Guarani
passaram a se organizar, assim como indígenas em outras regiões do país, e deram início a Aty
Guassu, grande assembleia Guarani. Nos anos 2000, foi criada a Comissão Guarani Yvyrupa reúne
lideranças Guarani de todo o Brasil para discutir sobre políticas públicas.
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Entrevista concedida por Armindo Benites e Gabriel Verá. nov. 2018. Entrevistadora: Cynthia
Franceska Cardoso. Guaíra, 2018. 1 arquivo. mp3 (40 min.).
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lutava, o jovem não vai ter cabeça, não vai saber como agir, como lutar, por isso é
importante que todos os jovens e crianças participem da reunião, de encontros.
A comunidade reconhece a gente, o jovem, pela cultura, porque temos uma cultura.
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Quando começa a fazer o jeroky , a ajudar o xamõi, eles começam a dar ideias
para nós, como temos que fazer na nossa aldeia, como temos que agir, quando a
gente, por exemplo, estamos sofrendo, em área de conflito. Não temos a
possibilidade de ir para a cidade fazer faculdade, embora hoje em dia já tenha um
recursinho para o indígena. Então, na aldeia os mais velhos nos reconhecem como
alguém que tem que estar na aldeia ajudando. Começamos a falar com os mais
velhos que nos orientam como levar a vida e estudar. Hoje em dia já tem uma boa
escolinha provisória nas aldeias. Lutamos fazendo a vida, plantando, ajudando um
ao outro, aprendendo a dar respeito pros mais velhos e pros mais novos. Isso
começa desde pequeno, os mais velhos ensinam desde pequenos, lá pelos três
anos. Aprende no dia a dia, na verdade não tem um dia para aprender, nós
ensinamos no cotidiano. Essa minha filha (estava no local a bebê de um dos
entrevistados), a primeira coisa que ensinamos é a respeitar as pessoas, depois a
cozinhar, a cuidar da casa. O menino, também, ensinamos, mas lá pelos oito anos,
vai aprender a reza, cultura, saber dançar, fazer pintura na cara, cantar, plantar
batata e amendoim.
CONSIDERAÇÕES
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Ritual religioso realizado na opy, através do canto e da dança.
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em seus territórios tradicionais, palco do etnocídio dos seus ancestrais, todavia não foi, e
não é, em vão. “Nós estamos re-voltando a um território que é nosso”, declara Miguel Werá.
REFERÊNCIAS
LINI, Priscila. Entrevista realizada com Bartolomeu Melià. In: MAMED, Daniele de Ouro;
CALEIRO, Manuel Munhoz; BERGOLD, Raul Cezar (Orgs.). Os Avá-guarani no oeste do
Paraná: (re) existência em Tekoha Guasu Guavira. Curitiba, PR: Letra da Lei, 2016.
PEREIRA, Levi M.; COLMAN, Rosa; MACHADO, Flávio V (Coord.). Mapa Guarani
Continental. Campo Grande, MS: Equipe Mapa Guarani Continental, 2016. Disponível
em:https://bd.trabalhoindigenista.org.br/sites/default/files/MGC2016-CuadernoEspanol_0.pdf
. Acesso em: ago 2018.
RANGEL, Lucia H.; VALE, Claudia Netto. Jovens indígenas na metrópole. Revista
Eletrônica Ponto & Vírgula. vol.4, n.4, 2008. p. 254-259. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/pontoevirgula/article/view/14190. Acesso em: set 2018.
SCHADEN, Egon. Aspectos Fundamentais da cultura Guarani. 3.ed. São Paulo: EDUSP,
1974.
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